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boate Kiss
Apresentação:
O presente trabalho tem como objetivo fazer um paralelo com a obra já citada,
conceituando temas de estudo de Jung muito peculiares e complexos. E como
estudante, tomo a liberdade de ir além sobre pensar a finitude da vida, sobretudo
diante de situações repentinas. O sofrimento existe desde o nascimento do homem,
e não estamos ilesos de passar essa vida sem tê-lo, e como ressignificar uma dor?
No caso dessas milhares de famílias que perderam seus filhos, netos, maridos e/ou
esposas de forma tão dolorosa cruel como sequenciar a sua própria jornada diante
da perda significativa de alguém que amamos?
Jung defendia dentre tantas ideias, uma que achei bastante pertinente:
“auxiliar o indivíduo a adquirir firmeza e paciência diante do sofrimento, pois a vida
acontece num equilíbrio entre alegria e dor”.
Mas como um pai ou mãe poderão ter essa potência (força) e enfrentar essa
caminhada?
Essa fala ecoou fortemente em meu coração e talvez por isso tenha sido a razão
pela qual escolhi esse livro, para desenvolver essa análise. A vida não é pautada
por uma felicidade constante, mas sim a busca de um significado/sentido.
Para Jung, o “segredo” está em buscar verdadeiramente o sentido para o que nos
acontece, trazendo grande poder curativo: nos libera da vitimização e imprime em
nossa caminhada a heróica capacidade de ressignificar, mudar e fluir. E apesar do
significado nem sempre ser colorido e florido, ele é sempre real; e é só com os pés
bem enraizados na realidade, seja ela qual for, que podemos trilhar nosso caminho
e decidir o melhor rumo, muitos desses familiares conseguiram emergir essa força
para continuar a sua própria existência, outros enveredaram para aliviar a sua dor
cometendo suícidio, ou mergulhando em vícios como bebidas ou jogos, abandono
do seus lares, e o mais comum: afundando no abismo de uma depressão.
Até aqui poderíamos pensar de modo bem geral, alguns conceitos que Jung
defendia diante do sofrimento humano, até por um direção do seu método ele
defendia o diálogo com o inconsciente, da experiência de conversar com nossas
emoções
através das imagens simbólicas, de um caminho de individuação à frente de nós,
sem data ou local de chegada, mas com uma confiança no ser psíquico central, no
arquétipo que representa a possibilidade de uma maior sabedoria, de uma dinâmica
mais saudável, de um crescimento integral.
Obviamente, que essa “trilha” não é mágica, tampouco cor de rosa, mas gostaria de
trazer um pouco mais detalhado o conceito de símbolo e simbólico e que mais
adiante trarei um trecho da obra para exemplificar.
Na concepção de Jung, símbolo é uma representação de um conceito ou ideia que
transcende o mundo material e consciente, e que está conectado ao inconsciente
coletivo da humanidade. Ele acreditava que os símbolos têm um significado
universal, que é herdado pela humanidade de forma inconsciente e que está
presente em todas as culturas e sociedades. Podemos pensar na morte como um
processo que todos nós passamos desde os primórdios da humanidade.
Ampliando essa ideia para o simbólico, durante a leitura, a autora do livro traz
relatos de muitos familiares que se agarram em tudo que podem para manter “viva”
a existência de seu querido.
“(...) Lívia não conseguia dormir. Estava se sentindo estranha, embora estivesse
tomada por uma ansiedade. (...) não entendia o motivo daquele sentimento. Por fim,
acabou adormecendo. (...) Mas o silêncio da madrugada foi quebrado pouco tempo
depois pelo som do telefone. Uma notícia sombria chegava: a morte de seu filho.”
(pág. 53)
“ (...) os aparelhos tocavam juntos e cada telefone tinha um som diferente. Muitos
tocavam conhecidas músicas sertanejas e na maioria dos casos, porém, o visor
indicava a mesma legenda: “mãe”, “mamãe”, “vó”, “casa”, “pai”, “mana”. (...) Um
corpo mais adiante identificado, mostrava em seu celular 134 chamadas no visor
com o nome de “mãe”. (pág. 34)
Esses filhos foram tomados dos braços de suas mães, esta entidade que tem por
definição proteger, cuidar e zelar por sua prole. Sangue do seu sangue, que de
maneira tão brusca e cruel lhes foram arrancadas naquela madrugada. Essas mães
desejavam estar com seus filhos, negar-lhes se assim soubessem, a ida a um local
que horas mais tarde pegaria fogo. Mas a tragédia já estava consumada e nada
mais poderia ser feito.
Considerações Finais:
Através dessa leitura, foi inevitável não pensar na minha própria existência,
questionando o sentido da minha vida e do meu propósito. Quando penso em cada
uma daquelas mães e pais, penso nos meus pais, penso nos meus filhos. Que dor
terrível, e impossível sentir exatamente o que esses familiares sentem dia após dia,
mas totalmente possível ser impactado por essa tragédia, e tamanha a força que
muitas dessas pessoas se propuseram a ter para continuar a sua caminhada. Há
quem diga que sofrimento é uma escolha, mas é uma ideia quase que descabida na
psicologia analítica. Passar pelo sofrimento é inevitável, é um processo longo de
autoconhecimento para o indivíduo se dispor a mudar o rumo da sua dor. E sofrer
nesse caso, pela perda tão precoce de um filho (rompendo o ciclo da vida) é
“atravessar” como Jung afirma, essa “ponte“ que só se torna possível depois de
encarar um mergulho profundo em si. E cada um de nós encontrará em sua jornada,
instrumentos necessários para seguir sua direção. Para esses pais o processo foi e
continuará sendo doloroso, e muitos que perderam filhos únicos e até mais de um
filho, optaram por seguir adiante, se agarrando em pequenos rituais para manter
viva a memória do que se foram.
Por fim, apresento , outro emocionante trecho do livro:
“(...) resistir não é uma escolha, se manter vivo não é uma escolha, mas um
imperativo de sobrevivência. Resistir ao cansaço da espera por alguém que não
voltará, ao silêncio imposto pela ausência, à dor que teima em ficar, por mais que se
queira livrar-se dela. (...) Se a recordação de uma tragédia é dolorosa, imagine
carregá-la dentro do si. As mães de Santa Maria sabem perfeitamente o que é isso.
Aliás, só elas conseguem dimensionar a devastação causada pelo esquecimento do
som da risada de um filho. (...) Lívia sente falta de tudo que experimentou ao lado
de Heitor, mas principalmente de ser chamada de mãe. “ (pág. 228)
Referência:
ARBEX, Daniela. Todo dia a mesma noite _ a história não contada da boate Kiss.1a
edição, Rio de Janeiro, Editora Intrínseca, 2018;