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FUNDAMENTOS DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

igreja

Fundamentos de
laranja
Alfabetização
e
Letramento
THALITA FOLMANN DA SILVA

sapo folha

avião
bola

THALITA FOLMANN DA SILVA


foca
tatu caneta lápis
Código Logístico ISBN 978-65-5821-103-7
papel
I0 0 0 0 3 1 9 786558 211037

carta amor
Fundamentos de
alfabetização e
letramento

Thalita Folmann da Silva

IESDE BRASIL
2022
© 2022 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do
detentor dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Cienpies Design/cosmaa/shutterstock

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
S584f

Silva, Thalita Folmann da


Fundamentos de alfabetização e letramento / Thalita Folmann da
Silva. - 1. ed. - Curitiba [PR] : Iesde, 2022.
152 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5821-103-7

1. Alfabetização. 2. Letramento. 3. Prática de ensino. 4. Professores -


Formação. I. Título.
CDD: 372.416
21-75242
CDU: 37.091.33:028.1

Todos os direitos reservados.

IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Thalita Folmann Doutora em Educação pela Universidade Federal do
Paraná (UFPR). Mestra em Educação pela Pontifícia
da Silva Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Pedagoga
graduada pela PUCPR e premiada com o mérito
acadêmico Marcelino Champagnat. Professora da
Escola de Educação e Humanidades da PUCPR.
Coordenadora da Especialização em Alfabetização e
Letramento da PUCPR. Profissional do magistério na
Rede Municipal de Ensino de Curitiba. Autora de obras
e artigos sobre alfabetização, aprendizagem da leitura e
da escrita e formação docente. Atuou como orientadora
do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
(PNAIC) e como professora substituta do Departamento
de Teoria e Prática de Ensino da UFPR.
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SUMÁRIO
1 Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 9
1.1 O que é alfabetização? 10
1.2 O que é letramento? 21
1.3 A alfabetização na perspectiva do letramento: os gêneros
textuais em sala de aula 28

2 Políticas Nacionais de Alfabetização 36


2.1 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394/1996
e a alfabetização 37
2.2 Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa 42
2.3 Provinha Brasil 46
2.4 Avaliação Nacional de Alfabetização 51
2.5 Política Nacional de Alfabetização 54
2.6 A Base Nacional Comum Curricular 60

3 As habilidades metalinguísticas e o processo de alfabetização e letramento 71


3.1 As habilidades metalinguísticas 72
3.2 Consciência fonológica 74
3.3 Consciência metatextual 79
3.4 Consciência morfossintática 83
3.5 Consciência pragmática 88

4 Processos cognitivos e estratégias de ensino para a compreensão leitora 94


4.1 Leitura e compreensão: processos cognitivos 95
4.2 A aprendizagem da leitura e a dislexia 99
4.3 Funções executivas e a aprendizagem da leitura 102
4.4 Estratégias de ensino e a aprendizagem da leitura 105

5 A produção de textos no processo de alfabetização 117


5.1 A escrita de textos individuais e/ou coletivos 118
5.2 Etapas na produção de um texto 128
5.3 Estratégias de revisão textual 134

Resolução das atividades 140


Vídeo
APRESENTAÇÃO
Esta obra visa apresentar os fundamentos teóricos referentes
à alfabetização e ao letramento, de modo que a ação pedagógica
diante da aprendizagem inicial da leitura e da escrita seja, de
fato, relevante para que as pessoas possam ser capazes de ler
e escrever.
Ao longo da discussão a ser efetuada, buscaremos responder
alguns questionamentos, por exemplo: como é possível a uma
pessoa aprender a ler e a escrever? O que significa letramento?
Qual o papel da consciência fonológica no processo de
alfabetização? Quais estratégias beneficiam a compreensão
leitora? Como possibilitar a produção de textos no processo de
alfabetização?
No primeiro capítulo apresentaremos um percurso histórico,
traçando um panorama dos métodos que foram adotados
no cenário nacional ao longo da história da alfabetização.
Após a apresentação da perspectiva histórica, abordaremos
alguns dos principais estudos em relação à alfabetização
na contemporaneidade. Será abordada a alfabetização numa
perspectiva de letramento, trazendo para o debate estudos que
mostram a necessidade de que a aprendizagem inicial da leitura
e da escrita faça sentido para os aprendizes. Ainda, será discutida
a prática do professor alfabetizador, considerando a exploração
dos gêneros textuais em sala de aula por meio das sequências
didáticas.
No segundo capítulo abordaremos os impactos da
promulgação da LDB n. 9394/1996, especificamente em relação
à alfabetização, considerando as transformações decorrentes
da legislação nas duas etapas de escolaridade: Educação
Infantil e Ensino Fundamental. Trataremos do Pacto Nacional
pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), da Provinha Brasil, a
Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) e da Política Nacional de Alfabetização
(PNA), de modo que seja possível compreender o embasamento
teórico adotado e os objetivos delimitados, assim como os procedimentos
metodológicos para a implementação no contexto nacional.
No terceiro capítulo abordaremos as diferentes dimensões da consciência
fonológica e a importância delas para que uma pessoa possa aprender a
ler e a escrever. Trataremos de outras habilidades metalinguísticas que não
influenciam diretamente na alfabetização, mas que são importantes no que se
refere à consolidação da aprendizagem da leitura e da escrita.
No quarto capítulo discutiremos acerca da decodificação e da compreensão
de textos, bem como verificaremos estratégias de ensino e de aprendizagem
que beneficiam a compreensão da leitura por estudantes em processo inicial
e em consolidação da alfabetização.
Encerraremos esta obra com uma discussão, a ser apresentada no quinto
capítulo, acerca da produção de textos individuais e coletivos. Trataremos das
três etapas no processo de produção de um texto: planejamento, escrita e
revisão. Também serão compartilhadas estratégias para o aperfeiçoamento
da escrita.
Esperamos que com as discussões apresentadas nesta obra seja possível
compreender os fundamentos teóricos relacionados à alfabetização e ao
letramento, bem como os encaminhamentos metodológicos adequados para
a aprendizagem da leitura e da escrita na contemporaneidade.

8 Fundamentos de alfabetização e letramento


1
Alfabetização e letramento:
conceitos e trajetória histórica
Você já ouviu falar no termo alfabetização, não é mesmo? Sabe dizer
como é possível alfabetizar uma pessoa? Já ouviu falar também no termo
letramento? Sabe dizer qual é a diferença entre eles?
Para responder a essas e outras questões, neste capítulo nos debru-
çaremos sobre os dois conceitos, ancorando o debate em estudos que
são considerados relevantes quando se trata dessa temática.
Começaremos com um percurso histórico, traçando um panorama dos
métodos que foram adotados no cenário nacional ao longo da história da
alfabetização. Após a apresentação da perspectiva histórica, consideran-
do os avanços necessários ao longo do tempo, a fim de possibilitar que
as pessoas fossem capazes de ler e escrever, abordaremos alguns dos
principais estudos com relação à alfabetização na contemporaneidade.
Em seguida, abordaremos a alfabetização em uma perspectiva de letra-
mento, trazendo para o debate estudos que mostram a necessidade de que
a aprendizagem inicial da leitura e da escrita faça sentido para os aprendizes.
Assim, a premissa ora defendida é que os gêneros textuais possam ser
objeto de reflexão em sala de aula, de modo que seja possível considerar
tanto a aprendizagem da tecnologia quanto o uso das habilidades de ler
e escrever em práticas reais.
Por fim, discutiremos a prática do professor alfabetizador diante da
aprendizagem inicial da leitura e da escrita, considerando a exploração
dos gêneros textuais em sala de aula por meio das sequências didáticas.

Objetivos de aprendizagem
Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:
• Compreender, em uma perspectiva histórica e teórica, o con-
ceito de alfabetização.
• Analisar o conceito de letramento à luz do referencial teórico.
• Compreender os conceitos de alfabetização e letramento na
prática pedagógica do professor alfabetizador.

Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 9


1.1
Vídeo
O que é alfabetização?
Para iniciar a conversa sobre o que vem a ser alfabetização, convido
você a responder às seguintes questões: você é alfabetizado? Como
você foi alfabetizado? Quem foi seu professor alfabetizador? Você se
lembra de algum material utilizado para aprender a ler e a escrever?
Como foi esse momento em seu período de escolaridade?

Pode ser que você tenha se lembrado de algumas cartilhas que uti-
lizou quando pensou nos materiais empregados em seu processo de
alfabetização; ou de histórias que ouviu e que, na sua opinião, contri-
buíram para que você pudesse ser capaz de ler e escrever; ou, ainda,
de parlendas, músicas e trava-línguas que foram utilizados pelos pro-
fessores alfabetizadores que oportunizaram a sua aprendizagem inicial
da leitura e da escrita.

Esses diferentes materiais citados denotam práticas condizentes


com determinados períodos na história da alfabetização. As cartilhas
passaram a ser adotadas em meados dos séculos XV e XVI. A primeira
cartilha da Língua Portuguesa, segundo Cagliari (2009), foi publicada
em meados de 1540 por João de Barros, e chamava-se A Cartinha. Ou-
tros materiais foram publicados e repercutiram nacionalmente: Carti-
lha maternal (1870), escrita por João de Deus; Caminho suave, escrita
por Branca Alves de Lima em 1870, entre outros.

Posteriormente, entre 1920 e 1970, as cartilhas foram substituí-


das por materiais criados pelos próprios professores alfabetizadores.
Podemos citar ainda a exploração dos gêneros textuais, como as par-
lendas, adotados de modo a favorecer a alfabetização dos aprendizes,
considerando o papel dos textos verbais e não verbais no cotidiano.
Essa perspectiva explora a função social da escrita, ou seja, o letramen-
to e se apresenta no contexto nacional desde o final do século XX.

Pode ser que você esteja pensando: eu me alfabetizei com uma car-
tilha e deu certo. Por que não utilizar esse mesmo material para que os
meus estudantes possam aprender a ler e a escrever?

Para responder a essa questão, vamos fazer uma comparação com


o cenário da indústria automobilística. Os primeiros automóveis foram
um sucesso e se mostraram avanços significativos para a humanidade.
No entanto, modificações foram necessárias para oportunizar expe-
riências ainda melhores. Se pensarmos que o uso do cinto de seguran-

10 Fundamentos de alfabetização e letramento


ça, por exemplo, não era obrigatório e que, de algumas décadas para
cá, se tornou item indispensável, garantindo menores taxas de morta-
lidade em acidentes de trânsito, conseguimos entender a importância
das modificações. Não é porque os primeiros carros deram certo, que
as mudanças a fim de os aperfeiçoar não seriam mais necessárias.

Nos séculos XV e XVI, o uso da imprensa representou como um mar-


co histórico. Antes disso, a leitura era realizada de modo coletivo, ou
seja, uma pessoa realizava a leitura para o seu grupo. Apenas uma pe-
quena parcela da população tinha a possibilidade de desenvolver essa
habilidade linguística. Com a invenção da imprensa, a leitura passou a
ser necessária a mais pessoas.

É nesse contexto que surgiu a cartilha como instrumento que


oportunizaria a alfabetização e, assim, a leitura individual. Diferentes
educadores se dedicaram a escrever esses materiais, entre eles, Jan
Hus, Comênio, São João Batista de La Salle, José Hamel, Robert Owen,
Friedrich Froebel. Entre os títulos, citamos O mundo sensível em gravu-
ras: gravuras para motivar as crianças na alfabetização, empregado por
Comênio em sua obra didática (CARVALHO, 2005).

Na época, tanto o surgimento da imprensa quanto das cartilhas


foram marcos tecnológicos. A intenção era contribuir para que mais
pessoas pudessem aprender a ler e escrever. Embora façamos críticas
significativas a esses materiais, os consideramos importantes na histó-
ria da alfabetização.

Nesse contexto, nas últimas décadas do século XIX, surgiram os


métodos sintéticos como alternativas para orientar o trabalho dos
professores e propiciar a aprendizagem inicial da leitura e da escrita.

Para Soares (2016), esses métodos evidenciavam a aprendizagem


das letras, ou seja, para aprender a ler e escrever, seria necessário aos
alfabetizandos saberem nomear as letras do alfabeto. Por essa razão,
houve um investimento para promover o ensino da grafia. Primeiro, os
estudantes aprendiam a nomear as letras do alfabeto para aprender
a combinatória consoante e vogal, formar sílabas, escrever palavras e
frases. Esse era o modo linear de promover a alfabetização.

Além disso, a alfabetização envolvia a exploração dos sons, ou seja,


preocupava-se com a percepção auditiva. Portanto, explorava-se as

Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 11


unidades menores, fonemas e sílabas, para prosseguir com a explora-
ção de outros elementos linguísticos (SOARES, 2016).

Nesse contexto, escrever era sinônimo de copiar. Os estudantes


eram frequentemente expostos às cópias e/ou a ditados. Essas estra-
tégias didáticas eram reconhecidas como imprescindíveis para a apren-
dizagem da escrita.

Você pode estar se perguntando, qual o equívoco ao possibilitar có-


pia e ditado na alfabetização? Veremos mais adiante que possibilitar a
reflexão sobre o sistema de escrita alfabética (SEA) é o que propicia a
aprendizagem da escrita, não a mera exposição à cópia e/ou ao ditado.

Entre os métodos sintéticos, podemos citar os que privilegiavam a


soletração e a silabação. Além disso, nesse rol, encontravam-se os mé-
todos fônicos. Esses métodos eram alternativas para a alfabetização e
foram pensados para a escola daquela época.

Os métodos voltados à soletração e à silabação exploravam a me-


morização. Podemos citar o uso do silabário para a memorização das
sílabas. Investia-se na decodificação, e não na compreensão da leitura.
Exploravam as cinco vogais, palavras isoladas, frases fora de contexto.
Provavelmente você já tenha se deparado com materiais que propõe a
escrita de palavras juntando as vogais, como: “AI, UI, AU, OI”. No entan-
to, quando batemos o braço em uma mesa e sentimos dor, provavel-
mente, não falaremos somente “AI”.

Em nosso cotidiano, não utilizamos somente palavras com encontro


de vogais ou somente palavras com sílabas canônicas (consoante e vo-
gal). Isso vai ao encontro desse grupo de métodos que entendia como
necessário apresentar palavras simples no início e, do meio para o final
do trajeto na alfabetização, palavras complexas. Não poderíamos, por
exemplo, explorar os nomes dos alunos, uma vez que dificilmente te-
ríamos somente nomes como “Camila” e “Talita” em uma sala de aula.
Temos uma variedade de nomes, unidades de sentido para os alfabe-
tizandos, que são registrados considerando as diferentes combinações
Chinnapong/Shutterstock

12 Fundamentos de alfabetização e letramento


silábicas, como “Larissa”, “Antônio”, “Breno”, “Fernanda”, entre tantos
outros que poderiam ilustrar essa questão.

No caso dos métodos fônicos, o foco era a dimensão sonora, como


explica Carvalho (2005). Não começavam com o ensino da nomeação
das letras, mas da percepção dos sons correspondentes. No entanto,
algumas dificuldades se apresentam nesse caminho, como a articula-
ção sonora de algumas letras que necessitam da composição silábica
para serem pronunciadas, por exemplo, /P/. Além disso, há dificuldade
de pronunciar o som da letra isoladamente no início do processo de
alfabetização. Outro fator limitador é a representação de mais de um
som por letra, como no caso da letra “C” em “cebola” e em “cachorro”.

Um material bastante conhecido foi empregado nesse período, A


casinha feliz, de Iracema e Eloisa Meireles. Nesse material, apresentava-
-se letras associadas a personagens e enfatizava-se a memorização de
sílabas. O método da abelhinha também surgiu nesse contexto, com o
apoio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep), e envolvia personagens para a ilustração das letras.

Surgiram ainda práticas alfabetizadoras que defendiam a consciên-


cia fonológica, ou seja, ressaltavam a dimensão sonora da língua, con-
siderando a dimensão fonêmica, uma das dimensões da consciência
fonológica. Defendiam a identificação do número de sílabas nas pala-
vras, reconhecimento de rimas e aliterações, entre outras estratégias
(CARVALHO, 2005). Retomaremos essa discussão na sequência, a fim
de recuperar o papel da consciência fonológica no processo de alfabe-
tização com base nas evidências científicas.

Ao revisitar os métodos sintéticos, verificamos a exploração da re-


lação grafema-fonema, o ensino das letras do alfabeto, a exploração
das unidades menores da língua e as possibilidades de se considerar a
consciência fonológica, no que se refere às rimas, às aliterações e aos
fonemas. Esses aspectos mencionados que se mostram favoráveis à
alfabetização justificam a escolha pelos métodos sintéticos? Não, so-
mente um método é ineficaz. Há limitações dos métodos sintéticos que
precisam ser consideradas.

Entre essas limitações, podemos citar a ênfase na leitura como deco-


dificação, desconsiderando a importância da compreensão no ato de ler.
Além disso, defendia-se o ensino prioritário do alfabeto, uma vez que para
ler era necessário, primeiro, o reconhecimento das letras.

Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 13


Nesse sentido, invalidava-se a possibilidade de efetuar a pseudoleitura,
por exemplo, que independe de conhecer as letras do alfabeto. Uma
criança pode folhear um livro de literatura infantil e contar uma história,
mesmo que ainda não saiba reconhecer as letras e palavras existentes.

Antes de conhecer as letras do alfabeto, as crianças já estão imersas


na cultura escrita e no mundo da leitura. Ler uma imagem, imitar a es-
crita de um adulto, tentar escrever um bilhete, tentar ler um livro não
exige reconhecimento por completo das letras, o que era uma exigên-
cia dos professores que se fundamentavam nos métodos sintéticos.
Para eles, as crianças precisavam atender a certos pré-requisitos para a
alfabetização, o que acarretou, à época, considerável número de repro-
vações na 1ª série. Prevalecia a cópia, o ensino sobre a aprendizagem,
ou seja, o foco era o professor, e não o estudante.

No início do século XX, na tentativa de aperfeiçoar as práticas relati-


vas à alfabetização, surgiram os métodos analíticos, entre eles: método
de contos, ideovisual de decroly, natural de Freinet, psicolinguística ou
metodologia de base linguística, alfabetização a partir de palavras-chave
e método natural. Embora não tenha afirmado a criação de um método, a
proposta de Paulo Freire é citada nesse grupo (CARVALHO, 2005).

Esse período histórico era marcado pela influência da Escola Nova,


movimento que impulsionou o conhecimento e o respeito às necessi-
dades e aos interesses da criança, assim como também estabeleceu a
relação entre a escola e o meio social do estudante.

Portanto, os métodos analíticos reconheciam a necessidade de


considerar a realidade da criança e de tornar a aprendizagem signifi-
cativa. Segundo Soares (2016), partia-se das unidades maiores e por-
tadoras de sentido, como palavra, frase e texto. Depois, explorava-se
as unidades menores: sílabas, letras e fonemas. Para tanto, palavras
eram intencionalmente selecionadas e as sentenças e os textos eram
construídos em prol da alfabetização. As cartilhas foram substituí-
das por outros materiais, elaborados pelos próprios alfabetizadores,
como O livro de Lili, de Anita Fonseca, citado por Carvalho (2005).

Nesse contexto, o trabalho de Paulo Freire é resgatado. Ao alfabe-


tizar trabalhadores de construção civil, o educador explorou palavras
geradoras, as quais emergiam do cotidiano desses profissionais. A par-
tir da palavra, discutia-se seu significado e desmembrava-a em sílabas,
a fim de explorar as famílias silábicas.

14 Fundamentos de alfabetização e letramento


Obviamente, os métodos analíticos, também conhecidos como mé-
todos globais, apontaram possibilidades a serem consideradas na alfa-
betização: considerar a realidade, o ritmo, o interesse e as necessidades
dos alfabetizandos; explorar as unidades maiores até chegar à explora-
ção das unidades menores; considerar a criatividade, a ludicidade, com
a promoção de jogos e de trabalho colaborativo; propiciar a dialogici-
dade e a experimentação; considerar a livre expressão, oportunizando
momentos de escrita sem que a cópia se faça sempre presente; e, em
uma perspectiva freiriana, considerar a alfabetização como instrumen-
to de conscientização.

No entanto, há limitações que precisam ser citadas, como foco na


percepção visual, preocupação com os estímulos externos e textos ar-
tificiais, criados para o ensino da leitura e da escrita.

No fim do século XX, surgiu um novo cenário na história da alfa-


betização. Em 1980, Emília Ferreiro e Ana Teberosky defenderam a
chamada teoria da psicogênese da língua escrita, um estudo que trouxe
“grandes desafios e lacunas [...] ao desbancar os métodos tradicionais
de alfabetização” (MORAIS, 2012, p. 45).

Com base na epistemologia genética, de Jean Piaget, as pesquisado-


ras comprovaram que a alfabetização é um processo, por isso as crian-
ças passam por diferentes fases durante a construção de conhecimentos
da escrita. Conforme Soares (2016), nessa perspectiva, o processo de
aprendizagem da escrita é uma construção do princípio alfabético que,
portanto, ocorre de modo progressivo.

Dessa forma, os aprendizes devem ser reconhecidos como sujei-


tos que pensam sobre a escrita e têm conhecimentos prévios que
precisam ser valorizados no processo de alfabetização. Logo, de um
ensino centrado no professor, passa-se para um ensino centra-
do no estudante. Se o foco é o estudante, o método passa a
ser irrelevante. Fundamental passa a ser reconhecer o que
o estudante sabe sobre o princípio alfabético e oportunizar
a ele construir e reconstruir saberes do sistema de escrita.
fizkes/Shutterstock

Essa perspectiva difere-se da prática tradicional, a


qual pressupõe que o aluno aprende repetindo e
memorizando. Ao decorar a equivalência entre
as formas gráficas (letras) e os sons que
elas substituem (fonemas), os aprendi-
zes viriam a ser capazes de “decodifi-
car” ou “codificar” palavras. Então,
Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 15
para serem capazes de “decodificar” e “codificar” frases e textos, teríamos
apenas uma questão de treino, de prática repetitiva e acúmulo (das formas
gráficas e dos seus respectivos sons). Lembremos que, por trás dessa visão
associacionista/empirista, a escrita alfabética é reduzida a um código (MO-
RAIS, 2012, p. 46-47).

No contexto de romper a visão tradicional, há necessidade de que o


professor alfabetizador seja mediador na construção do princípio alfa-
bético pelo alfabetizando.

O processo de alfabetização, nessa perspectiva, exige que “a criança


(ou jovem ou adulto alfabetizando) precise ‘desvendar a esfinge’, com-
preendendo as propriedades do alfabeto como sistema notacional”
(MORAIS, 2012, p. 49). Os estudantes precisam entender o que as letras
representam e como é possível fazer representações utilizando-as, ou
seja, o funcionamento do sistema de escrita.

Desse modo, os alfabetizandos necessitam compreender as dez


propriedades do sistema de escrita alfabética:

1
Escreve-se com letras que não podem ser inventadas, que têm repertório finito e que são
diferentes de números e de outros símbolos.

2
As letras têm formatos fixos e pequenas variações produzem mudanças em sua
identidade (p, q, b, d), embora uma letra assuma formatos variados (P, p).

3 A ordem das letras no interior da palavra não pode ser mudada.

4
Uma letra pode se repetir no interior de uma palavra e em diferentes palavras ao mesmo
tempo que distintas palavras compartilham as mesmas letras.

(Continuação)

16 Fundamentos de alfabetização e letramento


5
Nem todas as letras podem ocupar certas posições no interior das palavras, nem todas as
letras podem vir juntas de quaisquer outras.

6
As letras notam ou substituem a pauta sonora das palavras que pronunciamos e nunca
levam em conta as características físicas ou funcionais dos referentes que substituem.

7 As letras notam segmentos sonoros menores que as sílabas orais que pronunciamos.

8
As letras têm valores sonoros fixos, apesar de muitas terem mais de um valor sonoro e
certos sons poderem ser notados com mais de uma letra.

9 Além de letras, na escrita de palavras, também usam-se algumas marcas (acentos) que
podem modificar a tonicidade ou o som das letras ou sílabas onde aparecem.

As sílabas podem variar quanto às combinações entre consoantes e vogais (CV, CCV, CVV,
10 CVC, V, VC, VCC, CCVCC...), mas a estrutura predominante no português é a sílaba CV
(consoante-vogal), e todas as sílabas do português contêm uma vogal ao menos.

Fonte: Elaborado com base em Morais, 2012, p. 51.

Nesse contexto, diferente de considerar o sistema de escri-


ta como um sistema de codificação e decodificação, considera-o
um sistema de representação ou um sistema notacional. Segundo
Soares (2016), o objeto de conhecimento do estudante é o sistema
de escrita alfabético.

No entanto, a compreensão das propriedades do SEA varia confor-


me as fases de desenvolvimento na aprendizagem da escrita. Nas pala-
vras de Morais (2012, p. 52), “não ocorre da noite para o dia, mas, sim,
pressupõe um percurso evolutivo, de reconstrução, no qual a atividade
do aprendiz é o que gera, gradualmente, novos conhecimentos rumo à
‘hipótese alfabética’”.

Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 17


Para Soares (2016, p. 56, grifos do original),
no caso da aquisição do sistema alfabético-ortográfico de
escrita, essa progressiva interação entre desenvolvimento e
aprendizagem origina fases que resultam da ação recíproca
entre causas internas, que geram o desenvolvimento, parti-
cularmente a maturação de processos cognitivos e processos
linguísticos, da visão e da memória, e causas externas, que
provocam a aprendizagem, fundamentalmente as experiên-
cias com a língua escrita no contexto sociocultural, e o ensino,
seja informal, na família e em outras instâncias não escolares,
seja formal, em instituições educativas.

Vale trazer para esse debate a relevância de oportunizar


rabiscos, os desenhos, os jogos, a brincadeira do faz de conta
– momentos iniciais do desenvolvimento da língua escrita em
que, ao atribuir a objetos a função de signos, a criança cons-
trói sistemas de representação, precursores e facilitadores da
compreensão do sistema de representação que é a língua es-
crita. (SOARES, 2016, p. 57)

Nesse sentido, a autora recupera a perspectiva semiótica ao fa-


lar do que antecede a aprendizagem da escrita propriamente dita.
Defende o papel de práticas que oportunizem “a atribuição de sig-
nos e significados, facilitando-se assim o processo de atribuição
de signos aos sons da fala, ou seja, a conceptualização da escrita
como um sistema não só de representação, mas também nota-
cional” (SOARES, 2016, p. 59, grifos do original). Momentos
para desenhar, rabiscar, brincar de faz de conta, espe-
cialmente na Educação Infantil, seriam im-
pulsionadores da alfabetização, uma
vez que oportunizam a atribuição de
signos e significados, como defende a
autora.

No processo de aprendizagem da
fizkes/Shutterstock

leitura e da escrita, o aprendiz preci-


sa compreender que o sistema de es-
crita é um sistema de representação.
Na Figura 1, podemos ver como essa
compreensão se efetiva.

18 Fundamentos de alfabetização e letramento


Figura 1
Significante, significado e signo linguístico.

Signo linguístico
Significante Significado
/bola/
/b/ /o/ /I/ /a/

Fonte: Adaptada de Santos; Barrera, 2019, p. 55.

Na figura, vemos a articulação das partes sonoras que compõem a


palavra, o seu significado e a representação por escrito, ou seja, o signo
linguístico. Para escrever, é necessário compreender a representação
do que é falado, do padrão sonoro, que se faz por meio das letras.

A compreensão do sistema de escrita alfabética, ou seja, dos signos


linguísticos empregados para cada significante (palavra) em confor-
midade com seu referente (significado) acontece em um processo de
aprendizagem que, por essa razão, envolve diferentes fases.

Sobre as fases de desenvolvimento da escrita, com base na teoria


da psicogênese da língua escrita, Soares (2016, p. 65-66, grifos do origi-
nal) denomina cinco níveis:
• Nível 1 – diferenciação entre as duas modalidades básicas de
representação gráfica: o desenho e a escrita; uso de grafismos
que imitam as formas básicas de escrita: linhas onduladas-
-garatujas, se o modelo é a escrita cursiva, linhas curvas e retas,
ou combinação entre elas, se o modelo é a escrita de imprensa;
reconhecimento de duas das características básicas do sistema
de escrita: a arbitrariedade e a linearidade.
• Nível 2 – uso de letras sem correspondência com seus valores
sonoros e com as propriedades sonoras da palavra (número de
sílabas), em geral respeitando as hipóteses da quantidade míni-
ma (não menos que três letras) e da variedade (letras não repe-
tidas), nível a que se tem atribuído a designação de pré-silábico.
• Nível 3 – uso de uma letra para cada sílaba da palavra, inicialmen-
te letras reunidas de maneira aleatória, sem correspondência com
as propriedades sonoras das sílabas, em seguida letras com valor
sonoro representando um dos fonemas da sílaba: nível silábico.
• Nível 4 – passagem da hipótese silábica para a alfabética, quan-
do a sílaba começa a ser analisada em suas unidades menores
(fonemas) e combinam-se, na escrita de uma palavra, letras re-
presentando uma sílaba e letras já representando os fonemas
da sílaba: nível silábico-alfabético.

Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 19


Site • Nível 5 – escrita alfabética que, segundo Ferreiro e Teberosky
Alguns jogos digitais dis- (1986: 213; ênfase acrescentada), é o final do processo de com-
ponibilizados na internet
preensão do sistema de escrita.
podem ser explorados no
processo de alfabetização
de modo a possibilitar a Após o nível 5, o alfabetizando seguirá para a consolidação da al-
reflexão dos estudantes
sobre o funcionamento fabetização. É o momento que passará a “enfrentar dificuldades em
do sistema de escrita relação à ortografia, não ao sistema de escrita” (SOARES, 2016, p. 66).
alfabética. Por essa razão,
sugerimos que você
visite os sites a seguir e
Embora os estudos de Ferreiro e Teberosky tenham tido ampla divul-
conheça alguns recursos gação no cenário nacional, outros autores já haviam reconhecido que há
digitais que poderão ser
adotados no processo de diferentes níveis no processo de apropriação da escrita.
alfabetização.
Para Sargiani e Albuquerque (2016), há quatro fases no desenvol-
Os jogos estão disponíveis em: vimento da escrita: pré-silábica (logográfica ou pré-comunicativa);
http://www.escolagames.com.
br/jogos/ alfabética parcial (semi-fonética); alfabética completa (fonêmica ou
https://www.ludoeducativo. fonética); e alfabética consolidada (ortográfica). Os pesquisadores
com.br/pt/play/
ludo-primeiros-passos-nivel-2 identificaram essas fases após a análise dos estudos de outros auto-
https://www.jogosdaescola.com. res: Gentry (1982), Frith (1985) e Ehri (1991, 1994, 2005 e 2014).
br/completar-letra-inicial
http://educajogos.com.br A passagem por cada fase resultará na compreensão do sistema
Acessos em: 18 out. 2021. de escrita alfabética, ou seja, na compreensão das propriedades do
SEA. Nesse contexto, a aprendizagem da tecnologia da escrita, do fun-
cionamento do sistema de escrita e de suas convenções, designaria o
Livro termo alfabetização.
Para aprofundar seus
conhecimentos sobre o
No entanto, é necessário que a função social da leitura e da escrita
que estudamos até aqui, seja considerada fio condutor das práticas alfabetizadoras. Os professo-
sugerimos as seguintes
leituras: Alfabetização: a
res não devem criar textos para que possam explorar as unidades
questão dos métodos, de maiores da língua, textos artificiais. Os alfabetizadores aproveitarão o
Magda Soares; Práticas do
ensino do SEA: princípios
contexto de uso da leitura e da escrita, propiciando a exploração dos
gerais e atividades voltadas gêneros textuais que circulam em diferentes ambientes frequentados
a compreender as proprie-
dades do sistema, de Artur
pelos usuários da língua.
G. de Morais; e Letra-
mentos Múltiplos, escola e
Por essa razão, o termo letramento surge no contexto da alfabe-
inclusão social, de Roxane tização, considerando a aprendizagem inicial da leitura e da escrita
Rojo. Essas obras são
consideradas relevantes
de modo mais abrangente, elucidando o uso das habilidades de ler e
quando se fala em alfabe- escrever no meio social.
tização e letramento.
Nesse sentido, Soares (2016) afirma que a alfabetização envolve as
SOARES, M. São Paulo: Contexto, 2016. facetas linguística, interativa e sociocultural. Nos métodos sintéticos e
MORAIS, A. G. de. São Paulo:
Melhoramentos, 2012. analíticos, há o predomínio da faceta linguística; as demais (interativa
ROJO, R. São Paulo: Parábola, 2009. e sociocultural) não são consideradas. Portanto, não se pode adotar
um único método de alfabetização.

20 Fundamentos de alfabetização e letramento


A alfabetização deve ocorrer em uma perspectiva de letra-
mento, considerando não somente a compreensão do sistema
de escrita alfabética pelo aprendiz. A seguir, vamos nos debruçar
sobre o surgimento do termo letramento e seus desdobramentos na
prática alfabetizadora.

1.2 O que é letramento?


Vídeo Como estudamos, aprender a ler e a escrever exige a compreensão
do funcionamento da escrita. É essencial, portanto, compreender as
propriedades do sistema de escrita alfabética e consolidar o processo
de alfabetização com a apropriação das convenções ortográficas.

No entanto, não basta a apropriação do funcionamento do sistema


de escrita alfabético-ortográfico, ou seja, considerar apenas a faceta
linguística no processo de alfabetização. Faz-se necessário considerar
a leitura e a escrita em seus contextos de uso.

Nessa perspectiva, surge o termo letramento, que se refere ao “re-


sultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado
ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como
consequência de ter-se apropriado da escrita” (SOARES, 2017, p. 18).

Esse termo surgiu no cenário nacional em 1980, especialmente


com os estudos de Mary Kato (1986). Outras pesquisadoras também
se dedicaram a defender o conceito de letramento, como Kleiman
(1995) e Soares (1998). Nas palavras de Leite (2010, p. 30), “ambas rea-
firmam que o letramento refere-se ao envolvimento com as práticas
sociais que incluem a leitura e a escrita e que somente o domínio do
código não garante esse processo, como o longo domínio do modelo
tradicional de alfabetização em nossa sociedade demonstrou”.

A associação ao termo alfabetização surgiu a partir de 1990. Nessa


perspectiva, considera-se
alfabetização e letramento como processos distintos, mas indisso-
ciavelmente complementares e que remetem, no caso da alfabe-
tização, aos processos de aprendizado e ensino do sistema de
escrita alfabética e, no que concerne ao letramento, ao conheci-
mento e domínio dos usos históricos, sociais, culturais, políticos e
cognitivos desse sistema. (CASTRO; GATTO; BARRERA, 2019, p. 58)

Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 21


Nesse sentido, alfabetização e letramento são tomados como termos
que se complementam, como é possível observar na figura a seguir.
Figura 2
Alfabetização e letramento

Letramento
Alfabetização

Habilidades de
Domínio do
uso da leitura
sistema de
e da escrita
escrita (níveis
em diferentes
alfabético e
contextos
ortográfico)
sociais

Fonte: Adaptada de Castro; Gatto; Barrera, 2019, p. 59.

Ao seguir essa premissa, a aprendizagem inicial da leitura e da es-


crita exige a compreensão do sistema de escrita alfabética e do seu
uso em diferentes situações do cotidiano que requerem as habilida-
des de ler e escrever.

Nesse contexto, torna-se relevante expor a criança a situações inte-


rativas que envolvam leitura e escrita desde a infância, bem como pro-
mover o contato com diferentes materiais impressos, não somente nos
primeiros anos de escolaridade. Essas práticas se mostram propulso-
ras da alfabetização e são preconizadas por estudos que defendem “a
aquisição da linguagem escrita como um processo contínuo, com suas
origens no início da vida da criança” (CASTRO; GATTO; BARRERA,
2019, p. 60), isto é, o letramento emergente.

Por essa razão, não podemos deixar de men-


cionar o papel da Educação Infantil em prol da
alfabetização das crianças ao considerar o
rsto
ck conceito de letramento emergente. Além
te
hut
v/S disso, temos de mencionar o papel do
hko
ors
ill G
Kir ambiente familiar em oportunizar expe-
riências nas quais as crianças possam
observar um adulto lendo, discutindo
sobre uma história, escrevendo um

22 Fundamentos de alfabetização e letramento


bilhete em sua companhia, uma mensagem,
entre outras ações que podem caracterizar o
letramento emergente.

Jack Frog/Shutterstock
Para Rojo (2009, p. 99 apud STREET,
1984), há dois enfoques quando falamos
de letramento: o autônomo e o ideológi-
co; o primeiro enfoque refere-se à “ver-
são fraca do conceito de letramento,
[...] é (neo)liberal e estaria ligada a me-
canismos de adaptação da população
às necessidades e exigências sociais do
uso da leitura e escrita, para funcionar
em sociedade”.

Por sua vez, o enfoque ideológico do letramento é definido como


um conceito forte, sendo uma versão
revolucionária, crítica, na medida em que colaboraria não
para a adaptação do cidadão às exigências sociais, mas para
o resgate da autoestima, para a construção de identidades
fortes, para a potencialização de poderes (empoderamento,
empowerment) dos agentes sociais, em sua cultura local, na
cultura valorizada. (ROJO, 2009, p. 100).

Com base nessa definição, entendemos que a escola precisa


oportunizar aos estudantes, de uma forma geral, e aos alfabetizan-
dos, de modo específico, poderem “participar de várias práticas so-
ciais que se utilizam da leitura e da escrita (letramentos) na vida da
cidade, de maneira ética, crítica e democrática” (ROJO, 2009, p. 107).

Para tanto, é relevante que a escola considere três tipos de le-


tramentos: multiletramentos ou letramentos múltiplos; letra-
mentos multissemióticos; e letramentos críticos e protagonistas
(ROJO, 2009). No Quadro 1, apresentamos o significado de cada um deles.
Quadro 1
Tipos de letramento

Deixa-se de ignorar ou apagar os letramentos das culturas


Multiletramentos locais de seus agentes (professores, alunos, comunidade es-
ou letramentos colar) e coloca-os em contato com os letramentos valoriza-
múltiplos dos, universais e institucionais.

(Continua)

Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 23


Exigidos pelos textos contemporâneos, amplia a noção de
letramentos para o campo da imagem, da música, das outras
semioses que não somente a escrita. O conhecimentos e as
capacidades relativas a outros meios semióticos estão fican-
do cada vez mais necessários no uso da linguagem, tendo
Letramentos em vista os avanços tecnológicos, como as cores, as imagens,
multissemióticos os sons, o design etc., que estão disponíveis na tela do com-
putador e em muitos materiais impressos que têm transfor-
mado o letramento tradicional (da letra/livro) em um tipo de
letramento insuficiente para dar conta dos letramentos ne-
cessários para agir na vida contemporânea.

Trato ético dos discursos em uma sociedade saturada de tex-


Letramentos tos e que não pode lidar com eles de maneira instantânea
críticos e protago- [...] quem escreveu, com que propósito, onde foi publicado,
nistas quando, quem era o interlocutor projetado etc.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Rojo, 2009, p. 107-108.

Para que a escola possa cumprir esses letramentos, faz-se necessá-


rio ampliar a exploração dos gêneros discursivos/textuais, ou seja, dos
textos. É importante considerar
a leitura e a produção de textos em diversas linguagens e se-
mioses (verbal oral e escrita, musical, imagética [imagens está-
ticas e em movimento, nas fotos, no cinema, nos vídeos, na TV],
corporal e do movimento [nas danças, performances, esportes,
atividades de condicionamento físico], matemática, digital etc.),
já que essas múltiplas linguagens e as capacidades de leitura e
produção por elas exigidas são constitutivas dos textos contem-
porâneos. (ROJO, 2009, p. 119)

Não basta a exploração dos textos no processo de aprendizagem


da leitura e da escrita, é preciso considerar os letramentos multisse-
mióticos. Pode-se propor a leitura e/ou escrita de textos impressos, no
entanto, não se pode perder de vista que há outras semioses impor-
tantes: textos orais, como entrevistas, telefonemas e áudios; e a leitura
crítica de imagens, fotografias etc. Essa é uma necessidade que impera
na contemporaneidade no que se refere ao processo de alfabetização,
na perspectiva do letramento.

Nas palavras de Leite (2010, p. 29), o uso da escrita e da leitura em


práticas sociais “implica o domínio de toda a tecnologia da escrita, o
que supõe competência de leitura e escrita dos diversos gêneros tex-
tuais em função dos diferentes objetivos e demandas sociais”.

A escrita de um bilhete, o envio de uma mensagem por aplicativo, a


leitura de um aviso, a leitura de compromissos na agenda, entre tantos

24 Fundamentos de alfabetização e letramento


exemplos que poderíamos citar, constituem práticas sociais que exi-
gem as habilidades de ler e escrever e que fazem parte de inúmeras
tarefas realizadas pelas pessoas em nossa sociedade.

Vejamos um exemplo citado por Rojo (2009, p. 42) sobre os eventos


de letramento de uma mulher brasileira.
Ela começa por escrever um bilhete para sua diarista, que é al-
fabetizada e cursou a 3ª série, pedindo que limpe o forno e use
o dinheiro deixado em cima da pia para comprar sabão em pó
para a lavagem da roupa (não teria tempo de fazê-lo antes do
trabalho). Em seguida, consulta sua agenda telefônica para pegar
o número da autorizada que fez o orçamento do conserto.

Nessa descrição, podemos perceber os eventos de letramento vi-


venciados já no início de uma manhã e o quanto ter autonomia na es-
crita de um bilhete lhe favoreceu. Não temos a descrição do processo
de escrita, mas podemos inferir que não bastou saber empregar as le-
tras na escrita do bilhete, uma vez que
para escrever, não basta codificar e observar as normas da
escrita do português padrão do Brasil; é também preciso tex-
tualizar; estabelecer relações e progressão de temas e ideias,
providenciar coerência e coesão, articular o texto a partir de um
ponto de vista levando em conta a situação e o leitor etc. (ROJO,
2009, p. 44)

A leitura da agenda telefônica deu condições para que a brasileira


realizasse as suas tarefas sem depender de outra pessoa. Provavel-
mente, não bastou reconhecer letras e fonemas, precisou identificar
o significado, reconhecer se o nome registrado correspondia à pessoa
desejada, e assim por diante.

Vemos, portanto, que


para ler, não basta conhecer o alfabeto e decodificar letras em
som da fala. É preciso também compreender o que se lê, isto
é, acionar o conhecimento de mundo para relacioná-lo com os
temas do texto, inclusive os conhecimentos de outros textos/
discursos (intertextualizar), prever, hipotetizar, inferir, comparar
informações, generalizar. É preciso também interpretar, criticar,
dialogar com o texto: contrapor a ele seu próprio ponto de vista,
detectando o ponto de vista e a ideologia do autor, situando o
texto em seu contexto. (ROJO, 2009, p. 44)

Além de compreender o funcionamento do sistema de escrita, por-


tanto, aprender a ler e escrever envolve compreender a função da lei-

Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 25


tura e da escrita no dia a dia, utilizar a tecnologia em
situações sociocomunicativas.

Cotidianamente, quando escrevemos determinados


textos, precisamos pensar a sua finalidade. Por exemplo,
ao escrever um bilhete para alguém de sua casa, você não
poderia escrever uma receita. A escrita de um bilhete tem uma
finalidade, uma função e, consequentemente, exige que, ao
escrevê-lo, você pense também no interlocutor, na pessoa
que o receberá. Esse exemplo mostra que “quando domi-
Dan Kosmayer/Shutterstock
namos um gênero textual, não dominamos uma forma
linguística, e sim uma forma de realizar linguisticamente objetivos es-
pecíficos em situações sociais particulares” (MARCUSCHI, 2008, p. 154).

Ainda nas palavras de Marcuschi (2008, p. 154), “é impossível não


se comunicar verbalmente por algum texto. Isso porque toda a mani-
festação verbal se dá sempre por meio de textos realizados em algum
gênero. Em outros termos, a comunicação verbal só é possível por al-
gum gênero”.

Nesse sentido, ao falarmos em gêneros textuais, referimo-nos aos


textos, sejam eles orais (entrevistas, conversas), sejam escritos (bilhe-
tes, avisos, convites), utilizados em situações sociocomunicativas. Re-
correndo a Marcuschi (2008, p. 155):
os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa
vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos ca-
racterísticos definidos por composições funcionais, objetivos
enunciativos e estilos concretamente realizados na integração
de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas.

Além de pensarmos a definição do gênero textual como textos que


são empregados com objetivos específicos, seguindo características
específicas e estilo próprio, há a necessidade de diferenciar gênero
de tipo textual.

Quando falamos em tipologia textual nos referimos à categoriza-


ção, que, nas palavras de Marcuschi (2008, p. 155), pode ser “narração,
argumentação, exposição, descrição, injunção”. Por exemplo, uma car-
ta pessoal pode contemplar a sequência tipológica descritiva, injuntiva,
narrativa e até argumentativa. Isso quer dizer que um gênero textual
pode se enquadrar em uma ou mais categorias, dependendo de sua
finalidade sociocomunicativa, ou seja, “atos retóricos praticados nos
gêneros” (MARCUSCHI, 2008, p. 156).

26 Fundamentos de alfabetização e letramento


Como podemos observar, há cinco categorias com relação aos tipos
textuais. No entanto, não é possível delimitar a quantidade de gêneros
textuais presentes em nossa sociedade.

No que se refere à distinção entre gênero e tipo textual, podemos


dizer que
Vídeo
todos os textos se realizam em algum gênero e que todos os
gêneros comportam uma ou mais sequências tipológicas e são Para aperfeiçoar a sua
compreensão sobre o
produzidos em algum domínio discursivo que, por sua vez, se
conceito de letramento
acha dentro de uma formação discursiva, sendo que os textos e ampliar a discussão
sempre se fixam em algum suporte pelo qual atingem a socieda- que realizamos até aqui,
não deixe de assistir
de. (MARCUSCHI, 2008, p. 176)
aos vídeos Alfabetização
e letramento – parte 1 e
Desse modo, um texto é sempre apresentado em um suporte, ou
Alfabetização e letramento
seja, “um lócus físico ou virtual com formato específico que serve de – parte 2, publicados pelo
canal Ceelufpe. Com eles,
base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto”
você poderá refletir sobre
(MARCUSCHI, 2008, p. 174). Em outras palavras, o suporte é o lugar o conceito de letramento,
a partir da exibição de
que possibilita a visualização do texto, e pode ser convencional ou
práticas pedagógicas que
incidental. defendem a exploração
de gêneros textuais em
Os suportes convencionais são locais criados para a exposição sala de aula.

de determinados textos, como livro, livro didático, jornal, revista, re-


Disponível em: https://www.
vista científica, rádio, televisão, telefone, quadro de avisos, outdoor, youtube.com/watch?v=Gb_
encarte, folder, luminosos e faixas. Suportes incidentais são super- HDtzgmGo&feature=youtu.be.
Acesso em: 18 out. 2021.
fícies inusitadas que são também destinadas à fixação do texto, por
exemplo, embalagem, para-choques e para-lamas de caminhão, Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=M-
roupas, corpo humano, paredes, muros, paradas de ônibus, estações VMUXdzbR8&feature=youtu.be.
de metrô, calçadas, fachadas e janelas de ônibus. Até o tronco de uma Acesso em: 18 out. 2021.

árvore, onde é exposta uma declaração de amor, pode ser um supor-


te incidental (MARCUSCHI, 2008).

Além dos suportes, há os serviços em


função de determinada atividade comuni-
cativa, como descreve Marcuschi (2008).
Esses podem ser: correios, e-mail, mala di-
reta, internet, homepage, entre outros.

Você deve estar se perguntando: como


explorar os textos que circulam em nosso
hutterstock

meio com os estudantes em processo de al-


fabetização? Para responder a esse questio-
MLoneWolfK/S

namento, na próxima seção, discutiremos


como possibilitar a alfabetização em uma

Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 27


perspectiva de letramento, de modo a possibilitar tanto a compreensão
do sistema de escrita alfabética quanto a produção e a compreensão de
textos, garantindo que as habilidades de ler e escrever sejam emprega-
das em situações reais do cotidiano.

1.3 A alfabetização na perspectiva


Vídeo do letramento: os gêneros
textuais em sala de aula
Como estudamos, ao considerar a alfabetização pela perspectiva de
letramento precisamos reconhecer a necessidade de que os gêneros
textuais sejam objeto de reflexão. Compreender o funcionamento da
escrita é de extrema relevância, porém apenas essa compreensão não
basta para as necessidades de uma sociedade letrada. É preciso saber
como utilizar essa tecnologia, como empregá-la na produção e com-
preensão de textos verbais e não verbais, necessários em diferentes
situações sociocomunicativas do nosso cotidiano.

Diante disso, você pode questionar: como podemos oportunizar aos


alfabetizandos a compreensão do funcionamento do sistema de escrita,
bem como o uso das habilidades de ler e escrever em situações reais?

Para responder a esse questionamento, vamos trazer para discussão


a proposta metodológica de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), que de-
fendem a sequência didática (SD) no ensino dos gêneros textuais.

A sequência didática é uma metodologia que consiste em um


“conjunto de atividades escolares organizadas de maneira sistemáti-
ca em torno de um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ; NOVERRAZ;
SCHNEUWLY, 2004, p. 82). Essa metodologia visa ao ensino de determi-
nado gênero textual que ocorre em diferentes etapas, como podemos
observar na figura a seguir.
Figura 3
Esquema da sequência didática

Apresentação Produção Módulo Módulo Módulo Produção


da situação inicial 1 2 n final

Fonte: Adaptada de Dolz; Noverraz; Schneuwly, 2004, p. 83.

28 Fundamentos de alfabetização e letramento


A primeira etapa dessa metodologia é a apresentação de uma si-
tuação comunicativa, ou seja, os estudantes precisam de uma situação
que exige a escrita real ou simulada para que possam fazer uma pri-
meira versão do gênero que será explorado.

A elaboração da produção inicial permite ao professor verificar co-


nhecimentos que os estudantes têm, saberes que precisam ser amplia-
dos e/ou reelaborados. É o momento para a avaliação diagnóstica, na
qual o professor identifica os saberes e as necessidades de aprendiza-
gens dos estudantes.

Na sequência, temos as etapas para o ensino do gênero textual.


Nessas etapas, os estudantes realizam atividades pedagógicas, nas
quais refletirão sobre o gênero textual, sua funcionalidade, meio de cir-
culação, destinatário e estrutura textual. Entre as atividades propostas,
deve-se considerar a análise linguística de modo a propiciar a reflexão
sobre o sistema de escrita alfabético-ortográfico.

Após as diferentes etapas, cuja quantidade é definida pelo professor,


o estudante fará uma produção final do mesmo gênero textual explo-
rado ao longo dessa trajetória. Essa produção dará condições ao pro-
fessor de avaliar as aprendizagens em relação à sequência didática
implementada.

Nesse contexto, o objetivo para o uso dessa metodologia é “ajudar


o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim,
escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação
de comunicação” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 83, grifo do
original).

Desse modo, a definição dos gêneros textuais a serem objetos de


reflexão, tanto no que se refere à leitura quanto à produção, deve le-
var em consideração que “as sequências didáticas servem [...] para
dar acesso aos alunos a práticas de linguagem novas ou dificilmente
domináveis” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 83). Precisa-
mos propor a exploração de gêneros textuais que sejam desafiadores,
que impulsionem a aprendizagem dos estudantes, de acordo com as
necessidades que apresentam quanto à linguagem.

Para delimitar quais gêneros textuais seriam necessários no


processo de alfabetização, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC),
documento orientador do sistema educacional brasileiro (BRASIL,
2017), traz algumas recomendações.

Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 29


Primeiro, recomenda-se que seja adotada a perspectiva enunciati-
va-discursiva de linguagem, ou seja,
tal proposta assume a centralidade do texto como unidade de
trabalho e as perspectivas enunciativo-discursivas na aborda-
gem, de forma a sempre relacionar os textos a seus contextos de
produção e o desenvolvimento de habilidades ao uso significati-
vo da linguagem em atividades de leitura, escuta e produção de
textos em várias mídias e semioses. (BRASIL, 2017, p. 67)

Além da defesa de uma perspectiva que considera o texto como


central no que se refere ao desenvolvimento das habilidades de ler e
escrever, a proposta também orienta para a necessidade de considerar
os multiletramentos dos estudantes.
A respeito das práticas de linguagem, a BNCC traz os quatro
eixos que precisam ser contemplados, a saber: oralidade, leitu-
ra/escuta, produção (escrita e multissemiótica) e análise linguís-
tica/semiótica (que envolve conhecimentos linguísticos – sobre
o sistema de escrita, o sistema da língua e a norma-padrão –,
textuais, discursivos e sobre os modos de organização e os ele-
mentos de outras semioses). (BRASIL, 2017, p. 71)

Ainda, faz-se necessário que os quatro campos de atuação sejam


considerados nas práticas de linguagem e, consequentemente, que os
gêneros textuais específicos de cada campo sejam objetos de ensino.

O quadro a seguir explicita, com base na BNCC (BRASIL, 2017), os cam-


pos de atuação e os gêneros específicos de cada campo, considerando os
1º e 2º anos do Ensino Fundamental, definidos como etapas de escolari-
dade em que a alfabetização dos estudantes brasileiros deve se efetivar.
Quadro 2
Campos de atuação

CAMPO DA VIDA CAMPO CAMPO DAS PRÁTICAS DE CAMPO DE ATUAÇÃO NA


COTIDIANA ARTÍSTICO-LITERÁRIO ESTUDO E PESQUISA VIDA PÚBLICA
Agendas; listas; bilhe- Lendas; mitos, fábulas; Enunciados de tarefas Notas; álbuns noticiosos;
tes; recados; avisos; contos; crônicas; canção; escolares; relatos de notícias; reportagens; cartas
convites; cartas; cardá- poemas; poemas visuais; experimentos; quadros; do leitor (revista infantil);
pios; diários; receitas; cordéis; quadrinhos; gráficos; tabelas; infográficos; comentários em sites para
regras de jogos e tirinhas e charges. diagramas; entrevistas; notas criança; textos de campanhas
brincadeiras. de divulgação científica e de conscientização; Estatuto
verbetes de enciclopédia. da Criança e do Adolescente;
abaixo-assinados;
cartas de reclamação, regras
e regulamentos.

Fonte: Adaptado de Brasil, 2017.

30 Fundamentos de alfabetização e letramento


Para exemplificar a exploração de gêneros textuais como encami- Saiba mais
nhamento favorável ao processo de alfabetização, podemos citar o es- Para saber mais sobre o
tudo desenvolvido por Vieira e Aparício (2020) com estudantes de 1º estudo em que o gênero
textual carta foi explora-
ano do Ensino Fundamental a partir de uma sequência didática que do, a fim de oportunizar
focou o gênero carta ao autor. a alfabetização em uma
perspectiva de letramen-
Como relatado pelos pesquisadores, a sequência didática iniciou to, sugerimos a leitura do
artigo completo Sequência
com o interesse dos estudantes em escrever para o autor de um livro li- didática de gênero textual:
terário que fora explorado em sala de aula. Nesse sentido, a sequência uma ferramenta de ensino
da escrita no processo de
didática iniciou com uma situação comunicativa, escrever para alguém, alfabetização, das autoras
com a intenção do grupo de crianças de se comunicar com o escritor da Fabiana Silva Soares Vieira
e Ana Silvia Moço Aparício.
obra Tutuli em: que barulho é esse, papai?, de autoria de Marcelo Loro.
Disponível em: http://www2.ifrn.
Realizou-se, então, uma roda de conversa
edu.br/ojs/index.php/HOLOS/
em que foram levantados alguns conhecimentos prévios sobre article/view/6664. Acesso em: 18
out. 2021.
o gênero carta, com as seguintes perguntas: Como vocês pen-
sam que é uma carta? Como será que tenho que escrever para
o autor? O que eu preciso escrever na minha carta? E as seguin-
tes orientações: vocês vão pensar e escrever do melhor jeito
como acham que é a escrita de uma carta; é muito importan-
te que vocês escrevam e leiam o que estão escrevendo. (VIEIRA;
APARÍCIO, 2020, p. 9)

Nessa perspectiva, os estudantes são impulsionados à reflexão


sobre a funcionalidade do gênero, estrutura do texto, intenção comu-
nicativa etc. Também são encorajados a tentar escrever – exercício im-
portante nessa fase do processo de alfabetização.
Leitura
Essa produção inicial possibilitou verificar “que alguns alunos co- Outro gênero textual
nheciam superficialmente este gênero, outros não, mas todos foram que pode ser explorado
junto aos estudantes em
capazes de escrever mesmo sem apresentar todas as características do processo de alfabetização,
gênero carta” (VIEIRA; APARÍCIO, 2020, p. 9). considerando a pers-
pectiva de letramento, é
Os módulos para a exploração do gênero textual foram implementa- história em quadrinhos
(HQ). Acesse o link a se-
dos, contando com a realização de leituras, produções coletivas, reflexão guir e conheça a proposta
sobre a estrutura de carta, comparação com o gênero bilhete, exploração desenvolvida em uma
escola pública brasileira
do sistema de escrita alfabético-ortográfico, entre outras ações. que explorou a produção
da HQ em ambiente infor-
Ao fim da sequência didática implementada por Vieira e Aparício matizado, com o uso de
(2020), os estudantes reescreveram a carta ao autor da obra literária. um software educativo.

Além disso, escreveram uma carta ao Papai Noel, contemplando in-


Disponível em: http://books.
tervenções e revisões do texto, possibilitando ao professor avaliar as scielo.org/id/3vrq5/pdf/
rodrigues-9788538604723-04.pdf.
aprendizagens e as necessidades de aprendizagens dos estudantes
Acesso em: 23 set. 2021.
após a implementação da sequência didática.

Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 31


Na figura a seguir, podemos analisar a primeira e a última produção
da carta por um dos participantes do estudo.
Figura 4
Produção do gênero textual carta

Produção inicial Produção final

SÃO CAETANO DO SUL, 28 DE


OLA MARCELO LORO
NOVEMBRO DE 2017.
QUERIDO MARCELO LORO,
EU ADOREI O SEU LIVRO. EU SOU UM ALUNO DO 1ºC DA
E QUANDO VOCÊ VAI LANSAR OS ESCOLA E.M.E.F (NOME DA ESCOLA)
OUTROS LIVROS? VEM AQUI NA E POR FAVOR FAÇA UM LIVRO

ESCOLA DE AÇÃO AVENTURA TERROR


ANIVERSSÁRIO E MUITO MAIS
PORQUE EU TE ADORO MUITO EU
16/09/2017 (NOME DO ALUNO)
VOU TE AJUDAR VOCÊ SOU SEU FÃ
NÚMERO 10 EU GOSTO DE VOCÊ
ATÉ MAIS
(NOME DO ALUNO)

Site
Fonte: Adaptada de Vieira; Aparício, 2020, p. 11.
Conheça os materiais
teórico-metodológicos A respeito das aprendizagens do estudante, diante da implementação
elaborados pelos pesqui-
sadores dos centros de da sequência didática, nas palavras de Vieira e Aparício (2020, p. 14),
pesquisa referências na
área da alfabetização das o trabalho desenvolvido nos módulos da SD, elaborados em fun-
universidades federais de ção da avaliação diagnóstica da primeira produção, contribuiu
Pernambuco (CEEL/UFPE)
e Minas Gerais (CEALE/
para uma melhor aprendizagem dos alunos. Tais resultados si-
UFMG) e da Associação nalizam que o trabalho com a SD no contexto da alfabetização
Brasileira de Alfabetização
contribui efetivamente no desenvolvimento das capacidades de
(ABALF), que poderão
subsidiar a prática alfabe- linguagem do aprendiz, na medida em que lhe dá condições de
tizadora em sala de aula sentir-se mais confiante ao produzir seus textos e, assim, ocupar
de modo a propiciar a
aprendizagem da leitura e um lugar de autor em condições de produção significativas.
da escrita de modo signifi-
cativo aos estudantes. Portanto, considera-se pertinente o trabalho que possibilita aos es-
tudantes desenvolverem as habilidades de ler e escrever textos que
Disponível em: http://www.
portalceel.com.br/principal/. Acesso tenham funcionalidade para eles, que sejam escritos tendo objetivos
em: 18 out. 2021.
bem delimitados, com destinatário explícito.
Disponível em: http://www.ceale.
fae.ufmg.br/. Acesso em: 18 out. 2021. Desse modo, acredita-se que a alfabetização pode ocorrer em uma
Disponível em: https://www.abalf. perspectiva que considera a necessidade de ler e escrever em situa-
org.br/. Acesso em: 18 out. 2021. ções reais ou que as representem, em situações simuladas.

32 Fundamentos de alfabetização e letramento


Nessa perspectiva, ler e escrever se tornam habilidades linguísticas
empregadas no contexto social, em que não basta conhecer o funciona-
mento da escrita, mas saber empregá-la em situações sociocomunica-
tivas que beneficiam a atuação do usuário da língua em seu cotidiano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na primeira parte deste capítulo, discutimos o conceito de alfabeti-
zação com base em uma perspectiva histórica e um aporte teórico. Com
isso, foi possível averiguarmos que a alfabetização refere-se à compreen-
são do funcionamento do sistema de escrita como uma representação da
língua falada.
Em seguida, tratamos de letramento, que amplia o conceito de al-
fabetização, contemplando o uso da leitura e da escrita em situações
sociocomunicativas.
Ainda, recuperamos a definição de gêneros textuais, tipologia, suporte,
entre outros aspectos fundamentais quando se trata da perspectiva em
que o texto toma a centralidade em práticas de linguagem.
Nesse sentido, recorremos a um exemplo de sequência didática im-
plementada no processo de alfabetização de participantes de um estudo
brasileiro, o qual defendeu o ensino do gênero de modo a beneficiar a
aprendizagem da escrita, sem desconsiderar a importância da compreen-
são textual.
O processo de alfabetização deve considerar o uso que se faz da leitura
e da escrita no cotidiano, seja por meio de textos verbais, seja por meio de
textos não verbais. Entretanto, não se trata de descartar as práticas pedagó-
gicas que buscam oportunizar a reflexão sobre o funcionamento do sistema
de escrita alfabética, a aprendizagem da tecnologia. Aprender como funcio-
na o nosso sistema de escrita é fundamental no processo de alfabetização.
No entanto, somente compreender o funcionamento do sistema de
escrita é insuficiente para o processo de alfabetização. Além da faceta
linguística, é importante explorar as facetas interativa e sociocultural. Re-
fletir sobre o sistema de escrita alfabética a partir de situações em que os
textos que circulam em nosso cotidiano sejam explorados propicia aos
aprendizes da língua portuguesa compreenderem a tecnologia e empre-
gar as habilidades de ler e escrever em situações reais.

Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 33


ATIVIDADES
Atividade 1
Com base na leitura deste capítulo, apresente uma definição para
alfabetização.

Atividade 2
Durante um dia, anote todos os eventos de letramento dos quais
você participa, isto é, todas as atividades desempenhadas que,
de alguma maneira, envolvam a leitura ou a produção de textos.
Para isso, use o quadro a seguir. Veja o exemplo:

Campo de atuação Uso de leitura


Evento de letramento Finalidade
do gênero textual e/ou escrita

Ler recado escrito na Campo da vida Receber informações da


Leitura
agenda escolar do filho. cotidiana escola onde o filho estuda.

Fonte: Adaptado de Rojo, 2007, p. 53.

Atividade 3
Escolha um livro didático de 1º ou 2º ano do Ensino Fundamental.
Analise a obra selecionada com base nas seguintes questões:
a) Possibilita a exploração da função social da escrita e da leitura?
b) Oportuniza a leitura de diversos gêneros textuais?
c) Oportuniza a produção de diversos gêneros textuais?
d) Há propostas que contribuem para o multiletramento dos
estudantes?
e) Considera os letramentos multissemióticos?
f) Contempla atividades que promovem letramentos críticos e
protagonistas?
g) Oportuniza aos estudantes efetuarem escritas espontâneas?
h) Há propostas que promovem a interação entre os pares?
i) O material possibilita aos estudantes compreenderem o funcio-
namento do sistema de escrita alfabética? Quais as propriedades
do SEA que podem ser exploradas com o material?
j) O material favorece a alfabetização na perspectiva do letramento
ou vai ao encontro dos métodos tradicionais de alfabetização,
aproximando-se mais da proposta de uma cartilha, por exemplo?

Título do livro didático: ___________________________________________________


Autor(es): ___________________________________________________
Editora: _________________ Ano de publicação: _____________
Ano/Série: _______________ PNLD: _______________________________

34 Fundamentos de alfabetização e letramento


REFERÊNCIAS
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2017.
Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_
versaofinal_site.pdf. Acesso em: 15 out. 2021.
CAGLIARI, L. C. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 2009.
CARVALHO, M. Alfabetizar e letrar. Petrópolis: Vozes, 2005.
CASTRO, D. A. S.; GATTO, R. K. S.; BARRERA, S. D. Letramento emergente, educação infantil
e aprendizagem inicial da leitura e da escrita. In: SANTOS, M. J.; BARRERA, S. D. (org.).
Aprender a ler e escrever. São Paulo: Vetor, 2019.
DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequências didáticas para o oral e a escrita:
apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na
escola. Campinas: Mercado das Letras, 2004.
KATO, M. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática, 1986.
KLEIMAN, Â. (org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática
social da escrita. Campinas: Mercado da Letras, 1995.
LEITE, S. A. S. Alfabetização: em defesa da sistematização do trabalho pedagógico. In:
LEITE, S. A. S.; COLELLO, S. M. G.; ARANTES, V. A. (org.). Alfabetização e letramento. São
Paulo: Summus, 2010.
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola
Editorial, 2008.
MORAIS, A. G. de. Práticas do ensino do SEA: princípios gerais e atividades voltadas a
compreender as propriedades do sistema. São Paulo: Melhoramentos, 2012.
ROJO, R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
SANTOS, M. J.; BARRERA, S. D. (org.) Aprender a ler e escrever. São Paulo: Vetor, 2019.
SARGIANI, R. de A.; ALBUQURQUE, A. Análise das estratégias de escrita de crianças pré-
escolares em português do Brasil. Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, v. 20, n. 3, p.
591-600, set./dez. 2016.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
SOARES, M. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Contexto, 2016.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
VIEIRA, F. S. S.; APARÍCIO, A. S. M. Sequência Didática de gênero textual: uma ferramenta de
ensino da escrita no processo de alfabetização. Revista Holos, v. 1, p. 1-15, 2020. Disponível
em: http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/view/6664. Acesso em: 15 out.
2021.

Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 35


2
Políticas Nacionais
de Alfabetização
É comum aos brasileiros o conhecimento de que nosso país não possui
índices satisfatórios quando o assunto é a alfabetização, tema que confi-
gura ainda um grande desafio para os estudantes, professores e pesqui-
sadores, bem como para os promotores de políticas públicas.
Neste capítulo iremos discutir acerca das principais ações efetuadas
em prol de melhorias na alfabetização no cenário nacional. Abordaremos
as Políticas Nacionais de Alfabetização, implementadas a partir da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n. 9.394/1996).
Num primeiro momento nos debruçaremos sobre os impactos da pro-
mulgação da LDB n. 9394/1996, especificamente em relação à alfabetiza-
ção, considerando as transformações decorrentes da legislação nas duas
etapas de escolaridade: Educação Infantil e Ensino Fundamental.
Na sequência, o foco da discussão será o Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), a fim de que seja possível compreen-
der a proposta da formação ofertada, seu objetivo e o modo como se
efetivou a implementação junto aos municípios brasileiros, bem como os
resultados dessa política perante a alfabetização.
Dando continuidade, trataremos da avaliação em larga escala, mate-
rializada no contexto nacional por meio da Provinha Brasil e da Avaliação
Nacional da Alfabetização (ANA), ambas instituídas nos últimos anos no
sistema educacional brasileiro para avaliar as habilidades de ler e escrever
dos estudantes nos primeiros anos do Ensino Fundamental.
Em seguida, abordaremos outra política instituída considerando a ne-
cessidade de qualificar a alfabetização, a Política Nacional de Alfabetização
(PNA), de modo que seja possível compreender o embasamento teórico
adotado e os objetivos delimitados, assim como os procedimentos meto-
dológicos para a sua implementação no contexto nacional.
Por fim, o foco de discussão será a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC). O estudo desse documento orientador das ações educativas,
ou seja, dos currículos escolares, será importante por possibilitar a
compreensão do que é esperado, em relação à alfabetização, tanto na
Educação Infantil quanto no Ensino Fundamental.

36 Fundamentos de alfabetização e letramento


Objetivo de aprendizagem

Analisar as políticas nacionais de alfabetização, implementadas a


partir da LDB n. 9.394/1996, no que se refere à Educação Infantil e
ao Ensino Fundamental.

2.1 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Vídeo Nacional n. 9394/1996 e a alfabetização
Nesta seção nos debruçaremos sobre as principais determinações
promulgadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.
9.394/1996 no que se refere à alfabetização.

Como consta em sua identificação, a lei que estabelece as diretrizes


para a educação no contexto nacional foi promulgada no ano de 1996.
As prescrições para o sistema educacional brasileiro estão contempla-
das nos 92 artigos, considerando os procedimentos a serem adotados
nas diferentes etapas (Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino
Médio, Ensino Superior) e modalidades da educação (Ensino Regular,
Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação Profissio-
nalizante, Educação a Distância).

Embora tenha sido promulgada em 1996, a LDB sofreu modifica-


ções para atender a medidas do governo brasileiro em prol da educa-
ção. Dentre essas modificações, podemos citar a ampliação do Ensino
Fundamental de oito para nove anos.

Vale ressaltar que essa ampliação do ensino não é uma novidade no


sistema educacional brasileiro e ocorreu em diferentes momentos his-
tóricos. Em 1971, por exemplo, o ensino obrigatório passou de quatro,
de 1ª a 4ª série, para oito anos, de 1ª a 8ª série (SILVA, 2010).

Em 2001, a ampliação de oito para nove anos voltou à discussão,


pois “a partir da LBD 9394/96, retomam-se as discussões a respeito de
uma nova alteração no tempo escolar, com o Programa de Ampliação
do Ensino Fundamental, contemplado no PNE – Plano Nacional de Edu-
cação” (SILVA, 2010, p. 26).

Portanto, era necessário ampliar o ensino obrigatório no país por


essa ampliação ser uma das metas previstas no PNE, aprovado por
meio da Lei n. 10.172, de 9 de janeiro de 2001.

Políticas Nacionais de Alfabetização 37


Embora a discussão tivesse sido retomada em 2001, foi no ano de
2006 que a ampliação do Ensino Fundamental de oito para nove anos
se efetivou no sistema educacional brasileiro. Assim, crianças que fre-
quentavam a última etapa da Educação Infantil passaram a integrar
o primeiro ano do Ensino Fundamental, com o respaldo da Lei n.
11.274/2006, que alterou o artigo 32 da LDB n. 9.394/1996, que deter-
minava a duração de oito anos para essa etapa do ensino.

As escolas brasileiras efetuaram essa implementação do ensino am-


pliado entre os anos de 2007 e 2009, com o ano de 2010 sendo o prazo
máximo para que as instituições públicas e privadas se adequassem à
nova organização.

Para orientar as escolas diante dessa modificação no sistema edu-


cacional, o governo federal disponibilizou documentos, como a Reso-
lução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica
(CNE/CEB) n. 3, de 3 de agosto de 2005.

Além disso, foram publicados documentos orientadores, tais como:

BRASIL. Ensino Fundamental de nove BRASIL. Ensino fundamental de nove anos:


anos: orientações gerais. Brasília, DF: passo a passo do processo de implantação.
MEC/SEB, 2004. 2. ed. Brasília, DF: MEC/SEB, 2009.

BRASIL. A criança de 6 anos, a linguagem


escrita e o Ensino Fundamental de nove
anos. Brasília, DF: MEC/SEB, 2009.

38 Fundamentos de alfabetização e letramento


A intenção com a partilha dos documentos era capacitar as escolas
para o atendimento qualitativo das crianças que adentrariam o Ensi-
no Fundamental e possibilitar subsídios teóricos e metodológicos para
que a ação docente pudesse contribuir de modo que os objetivos deli-
mitados quanto à ampliação do ensino fossem atingidos, a saber:
Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9
(nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis)
anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão,
mediante: (Redação dada pela Lei nº 11.274, de 2006)
I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como
meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema polí-
tico, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamen-
ta a sociedade;
III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo
em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a forma-
ção de atitudes e valores;
IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solida-
riedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a
vida social. (BRASIL, 1996)

Diante do exposto, é possível reconhecer a formação básica do cida-


dão como o objetivo delimitado para o Ensino Fundamental, prescrito
na legislação. No rol de capacidades a serem desenvolvidas para essa
formação está a capacidade de ler e escrever.

Vemos, portanto, que a ampliação do ensino tinha como objetivo


desenvolver nos estudantes o domínio da leitura e da escrita, entre ou-
tros aspectos delimitados.

Diante da necessidade de alfabetizar os estudantes no início do En-


sino Fundamental, o Parecer CNE/CEB n. 4, de 20 de fevereiro de 2008,
definiu que a alfabetização deveria se dar nos três primeiros anos e de-
terminou a reorganização da Educação Infantil, especificamente em re-
lação à última etapa, a pré-escola (crianças de 4 a 5 anos) (BRASIL, 2008).
Além desse documento, a Resolução CNE/CEB n. 7, de 14 de dezembro
de 2010, também enfatizou a alfabetização nos três primeiros anos, de-
nominando esse período de ciclo de alfabetização (BRASIL, 2010).

O documento também definiu a entrada dos estudantes, conside-


rando o ingresso com 6 anos no Ensino Fundamental para aqueles que
completassem essa idade até 31 de março, e determinou a quantidade
de 800 horas, distribuídas em 200 dias letivos de trabalho escolar.

Políticas Nacionais de Alfabetização 39


Ademais, determinou que os três anos iniciais do Ensino Fundamen-
tal devessem assegurar a alfabetização e o letramento dos estudantes,
bem como enfatizou que a reprovação dos estudantes do 1º para o 2º
ano seria um prejuízo ao processo de alfabetização, uma vez que “mes-
mo quando o sistema de ensino ou a escola, no uso de sua autonomia,
fizerem opção pelo regime seriado, será necessário considerar os três
anos iniciais do Ensino Fundamental como um bloco pedagógico ou um
ciclo sequencial não passível de interrupção” (BRASIL, 2010, p. 9).

Vale destacar outra medida que foi instituída visando, entre outros
aspectos, contribuir para a alfabetização dos estudantes, um dos gran-
des objetivos dos primeiros anos do Ensino Fundamental, o Programa
Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD).

Instituído pela primeira vez em 1934, o PNLD sofreu modificações


ao longo dos anos para atender às necessidades percebidas em nosso
sistema educacional. Atualmente esse programa avalia e disponibiliza
livros e outros materiais às escolas públicas de Educação Básica, assim
como para as instituições que atendem o público da Educação Infantil.

As instituições contam com um período de escolha dos materiais


Saiba mais que foram inscritos no PNLD – seguindo editais específicos – e passaram
Acesse o Edital PNLD por avaliações pedagógicas organizadas pelo Ministério da Educação
2022 e conheça os
em parceria com comissões técnicas. Dentre os recursos disponibili-
critérios de seleção para
que um livro didático seja zados pelo PNLD, podemos citar: jogos educativos, livros literários,
aprovado e disponibiliza-
softwares, livros didáticos, materiais destinados à formação e à gestão,
do a crianças e estudan-
tes das escolas brasileiras entre outros.
de modo gratuito por
meio do programa. Podemos dizer que o PNLD tem um papel importante em relação
Disponível em: http://www.fnde. ao processo de alfabetização e letramento, uma vez que os materiais
gov.br/index.php/programas/ selecionados poderão favorecer a aprendizagem inicial da leitura e da es-
programas-do-livro/consultas/
editais-programas-livro/ crita dos estudantes, bem como a formação dos professores e da equipe
item/13526-edital-pnld-2022. gestora em prol de uma educação de qualidade.
Acesso em: 21 out. 2021.
Também não deixe de Em 2014, em função de outra importante política nacional instituída
verificar alguns posicio- em prol da melhoria na educação, o Pacto Nacional pela Alfabetização
namentos críticos em
relação ao último edital. na Idade Certa (Pnaic), foram disponibilizados jogos pedagógicos e obras
Disponível em: https:// didáticas e literárias para a alfabetização dos estudantes brasileiros.
educacaointegral.org.br/
reportagens/pnld-2022-vai-
No guia denominado Literatura na hora certa, volume 1, há orien-
na-contramao-dos-direitos-de- tações para o trabalho com a literatura infantil, bem como discussões
aprendizagem-na-educacao-
infantil/. Acesso em: 21 out. 2021.
sobre os encaminhamentos metodológicos e a descrição de obras li-
terárias que podem vir a ser utilizadas em sala de aula. Outros dois

40 Fundamentos de alfabetização e letramento


volumes desse guia estão disponíveis para os professores de 2º e 3º
anos, para que possam utilizar as obras literárias enviadas às escolas
da maneira mais eficiente possível.

BRASIL. Literatura na hora certa.


Brasília, DF: MEC/SEB, 2015.

Vejamos alguns dos títulos sugeridos no guia (BRASIL, 2015):

VIGNA, E. A pontinha menorzinha do


THOMMEN, S. A árvore. Curitiba: APC, 2015.
enfeitinho do fim do cabo de uma colherzinha
de café. Curitiba: Positivo, 2010.

FÉLIX, S. R. A velha a fiar. São Paulo: SUPPA. ... E o lobo mau se deu bem. São
Noovha America, 2014. Paulo: Giramundo, 2012.

A seguir iremos conhecer esse programa de formação instituído


pelo governo federal.

Políticas Nacionais de Alfabetização 41


2.2 Pacto Nacional pela Alfabetização
na Idade Certa
Vídeo

Como vimos, o PNLD disponibilizou às escolas brasileiras mate-


riais pedagógicos destinados aos professores, como livros técnicos e
softwares. Além disso, disponibilizou livros literários e jogos pedagógi-
cos que podem ser utilizados diretamente pelos estudantes.
Entre os materiais disponibilizados, estão os recursos utilizados na for-
mação dos professores alfabetizadores, propiciada pelo Pnaic, e defendi-
dos como importantes para melhorar a qualidade da educação nacional.
Vale ressaltar que outros dois programas de formação de professo-
res foram instituídos em anos anteriores, a partir da LDB, o Proalfa e
o Pró-Letramento. O primeiro foi implementado de 2001 a 2004 e o
segundo, entre os anos de 2005 e 2012.
Em termos de carga horária, o Proalfa era organizado em 160 ho-
ras, durante um ano. Já o Pró-Letramento ocorria em dois anos, sen-
do um destinado à alfabetização e linguagem e o outro, à matemática,
totalizando 240 horas, incluindo períodos presenciais e a distância
(OLIVEIRA, 2018).
Após a implementação desses dois programas, ambos com foco na
formação docente em relação à alfabetização e ao letramento, houve a
implementação do Pnaic, durante os anos de 2012 e 2018.
De acordo com Oliveira (2018), a diferença do PNAIC em relação às
outras duas formações era a sua concepção como processo de forma-
ção, com a implementação de atividades formativas, e não somente a
realização de um curso de formação.
O programa surgiu como uma estratégia para atender à meta 5 do
PNE, que estabeleceu a alfabetização de todas as crianças brasileiras
até o final do 3º ano do Ensino Fundamental, ou seja, até no máximo
Exemplo de materiais os 8 anos de idade (BRASIL, 2014). Nessa perspectiva, o Pnaic obje-
do Pnaic
tivou oferecer atividades formativas para os professores que
atuavam junto às crianças do ciclo de alfabetização de
modo a mobilizá-los para a concretização desse objetivo.
Esse programa possibilitou a parceria entre universi-
dades públicas e as redes estaduais e municipais de
educação. Além disso, viabilizou o acesso dos pro-
fessores aos materiais didáticos e pedagógicos,

Fonte: Lorenzoni, 2011.

42 Fundamentos de alfabetização e letramento


bem como o acesso das crianças a materiais relevantes ao processo de
alfabetização.

Para tanto, o Pnaic considerava quatro eixos: a formação continua-


da dos professores alfabetizadores, a oferta de materiais didáticos e
pedagógicos, as avaliações e a gestão (OLIVEIRA, 2018).

As atividades formativas tiveram início em 2013, com carga horária


anual de 120 horas, focalizando Língua Portuguesa. Em 2014, o foco foi
a Matemática, com a mesma carga horária. Os materiais de Língua Por-
tuguesa foram elaborados pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), pelo Centro de Estudos em Educação e Linguagem (CEEL). Já os
materiais de Matemática foram elaborados por pesquisadores da Uni-
versidade Federal do Paraná (UFPR).

No ano de 2015, a formação envolveu temáticas interdisciplinares


“abrangendo artes, ciências da natureza, ciências humanas, a concep-
ção de infância e criança e a retomada dos estudos de linguagens e
matemática” (OLIVEIRA, 2018, p. 198).

Apesar de a estrutura ter sido pensada de modo a oferecer uma carga


horária expressiva, em 2016 a formação aconteceu de outubro a dezem-
bro, resultando no desmonte da proposta. Consequentemente, houve
um desmonte na valorização da participação dos professores, mediante
bolsa de estudo, que começou com o pagamento de 200 reais por dez
meses e finalizou com o pagamento de, apenas, três bolsas a cada pro-
fessor participante do programa (OLIVEIRA, 2018).

Outra mudança ocorrida em 2016 foi a inclusão de profissionais da


Educação Infantil, articuladores da escola e mediadores que atendiam
crianças dos anos finais. Para o atendimento desses profissionais e,
também, dos professores alfabetizadores, as formações passaram a
acontecer separadamente e totalmente a distância.

Além da oferta da formação a distância e do desmonte na organi-


zação da carga horária e na distribuição das bolsas aos professores,
o Pnaic passou a integrar o Programa Novo Mais Educação, ainda
no ano de 2016. Em 2017, houve uma ruptura com as universidades
parceiras e o programa passou a ser proposto unicamente pelo MEC,
sendo as instituições convidadas para participação sem que fossem
consideradas parceiras do programa. Nesse contexto, as portarias
n. 826/2017 e n. 851/2017 e o Documento Orientador 2017 do PNAIC
foram instituídos para balizar a continuidade da ação.

Políticas Nacionais de Alfabetização 43


Entre os anos de 2017 e 2018, a Universidade Federal de Minas
Gerais, mais precisamente o Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
(Ceale), disponibilizou para o Ministério da Educação os materiais de
formação do Pnaic, que seguiu o seguinte organograma:

Figura 1
Organograma Pnaic 2018 – Ceale

Coordenador Estadual e Coordenador Undime

Coordenador de Formação Coordenador de Gestão

Pnaic – Educação Infantil Pnaic – 1º ao 3º Novo – Mais Educação

Coordenador
Formador Estadual Formador Estadual Regional

Formador Regional
Formador Regional Formador Regional

Formador Local
Coordenador
Formador Local Formador Local Local

Articulador da
Escola

Coordenador Coordenador
Professor Professor
Pedagógico Pedagógico
Mediador de
Aprendizagem

Fonte: Ceale, 2017.

Embora tenha recebido críticas, o Pnaic contribuiu, de certa ma-


neira, para o cenário educacional brasileiro no que se refere à forma-
ção de professores alfabetizadores e à alfabetização dos estudantes.

Para Oliveira (2018, p. 203), “um dos aspectos que consideramos


bastante produtivo no PNAIC foi a ‘descoberta’ pelos professores de
muitos materiais enviados pelo MEC”, como apresentamos anterior-
mente, via Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD);
os professores tiveram acesso a importantes recursos pedagógicos.

Além disso, Oliveira (2018, p. 203) afirma que “a estruturação do


processo de formação a partir do fazer pedagógico do professor,

44 Fundamentos de alfabetização e letramento


promovendo seu engajamento ativo” foi um segundo aspecto posi-
tivo da implementação do Pnaic, sendo um programa de formação
que favoreceu “diálogo, contato, aprendizado compartilhado entre
Universidade e Escola Básica, através da escuta recíproca”.

Já para Melo (2015, p. 225), “através do Pnaic formou-se um pro-


fessor competente tecnicamente e inofensivo politicamente, um
bom seguidor de ordens, a fim de que isto se estenda até as crian-
ças de 6 a 8 anos”. E mais, “em nome de um governo democrático
intensificou a responsabilização de professores alfabetizadores e
gestores educacionais pelas mazelas da alfabetização em território
Saiba mais
nacional”.
Como vimos, o Pacto
Além dessas críticas, podemos citar a definição de 8 anos como a Nacional pela Alfabetiza-
ção na Idade certa (Pnaic)
idade certa para a alfabetização – sendo que aos 6 anos as crianças contribuiu, de certo
de escolas privadas, em sua maioria, já estariam alfabetizadas – e modo, para a formação
de professores alfabeti-
o emprego de avaliações externas, como a Avaliação Nacional de zadores em nosso país,
Alfabetização (ANA), para averiguar a qualidade da educação e do ressignificando os conhe-
cimentos pedagógicos de
trabalho docente, servindo como possibilidade de criar compara- profissionais de diferentes
ções entre as escolas. Podemos mencionar também a continuidade municípios brasileiros.
Conheça alguns dos
de práticas tradicionais de alfabetização que não foram modificadas
cadernos de formação
por meio das atividades formativas desenvolvidas no Pnaic (OLIVEI- implementados durante a
vigência do Pnaic e confira
RA, 2018).
o trabalho de alguns pro-
fessores alfabetizadores
A respeito da avaliação em larga escala, com o uso de instrumen-
que participaram das
tos avaliativos como a Provinha Brasil e a ANA, o estudo realizado por atividades formativas do
programa.
Melo (2015, p. 229) concluiu que esse “sistema de dados serve muito
mais ao estreitamento curricular e à intensificação das políticas de Disponíveis em:
responsabilização do que à melhoria da qualidade da educação”. https://wp.ufpel.edu.br/
obeducpacto/files/2019/08/
Nesse sentido, Melo (2015, p. 230) afirma que “omite-se que Unidade-4.pdf
https://www.cenpec.org.br/
tais defasagens podem refletir problemas endógenos e/ou exóge-
tematicas/Pnaic-integracao-areas-
nos que fogem a dimensão didático-pedagógica e, por isso, mesmo do-conhecimento
requerem recursos e profissionais que extrapolam os limites da https://www.ceale.fae.ufmg.br/
pages/view/caderno-do-pnaic-
educação”. -2017-2018-esta-disponivel-para-
-download.html
Para entender melhor esses instrumentos de avaliação, na pró-
Acessos em: 21 out. 2021.
xima seção iremos refletir sobre a Provinha Brasil, um dos mecanis-
mos avaliativos empregados no cenário educacional brasileiro nos
últimos anos.

Políticas Nacionais de Alfabetização 45


2.3 Provinha Brasil
Vídeo
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep) é o órgão responsável pelo Sistema de Avaliação da
Educação Básica (Saeb), que avalia a educação ofertada nas escolas
brasileiras privadas (por amostragem) e públicas.

De acordo com a Portaria n. 250/2021, em seu artigo 2º, “O Saeb é


um sistema de avaliação externa em larga escala, composto por um
conjunto de instrumentos, realizado periodicamente pelo Inep desde
os anos 1990” (BRASIL, 2021).

Entre os objetivos delimitados para esse sistema avaliativo, estão:


I – Produzir indicadores educacionais para o Brasil, suas Regiões
e Unidades da Federação e, quando possível, para os Municípios
e as Instituições Escolares, tendo em vista a manutenção da com-
parabilidade dos dados, permitindo, assim, o incremento das sé-
ries históricas;
II – Avaliar a qualidade, a equidade e a eficiência da educação
praticada no país em seus diversos níveis governamentais;
III – Subsidiar a elaboração, o monitoramento e o aprimoramen-
to de políticas públicas em educação baseadas em evidências,
com vistas ao desenvolvimento social e econômico do Brasil; e
IV – Desenvolver competência técnica e científica na área de ava-
liação educacional, ativando o intercâmbio entre instituições de
ensino e pesquisa. (BRASIL, 2021, p. 1)

Para alcançar esses objetivos, o documento prevê a aplicação de ins-


trumentos de avaliação com estudantes dos 2º, 5º e 9º anos do Ensino
Fundamental e dos 3º e 4º anos do Ensino Médio. Ainda, em 2021 um ins-
trumento passará a ser aplicado junto às crianças da Educação Infantil.

O desempenho dos estudantes, demonstrado nas avaliações do


Saeb, compõe o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Além do desempenho, outros fatores também contribuem para a de-
terminação desse índice, como as taxas de aprovação, reprovação e
abandono escolar, identificadas por meio de censo escolar.

Entre os instrumentos de avaliação do Saeb, encontra-se a Provinha


Brasil, aplicada junto aos estudantes do 2º ano do Ensino Fundamental
duas vezes ao ano.

A Provinha Brasil foi instituída a partir do Decreto n. 6.094, de 24


de abril de 2007, com o intuito de contribuir para o Plano de Metas e

46 Fundamentos de alfabetização e letramento


Compromisso Todos pela Educação, delimitado para melhorar a
qualidade do ensino, incluindo outras ações, como a ampliação
do Ensino Fundamental para nove anos e a instituição do Pacto
Nacional pela Alfabetização na Idade Certa.

A Provinha Brasil é, portanto, uma avaliação em larga escala


que tem como objetivo avaliar, principalmente, as habilidades
de leitura, no que se refere à Língua Portuguesa. Também avalia
as habilidades dos estudantes em Matemática. Sua implemen-
tação é dependente da adesão de cada município a esse siste- BRASIL. Provinha Brasil: avaliando
ma avaliativo. a alfabetização. Brasília, DF: Inep/
Daeb, 2016.
Os objetivos dessa avaliação estão dispostos na Portaria
Normativa n. 10/2007. Nesse documento se estabelece que o
instrumento busca avaliar os níveis de alfabetização, fornecer
os resultados que são considerados diagnósticos das dificulda-
des de aprendizagem e promover a diminuição das desigualda-
des, bem como atender a metas e políticas nacionais. Figura 2
Questão 5 – guia de aplicação
Nas Figuras 2 e 3 são apresentados
excertos de dois dos materiais que com-
põem a Provinha Brasil, o caderno do alu-
no e o guia de aplicação, ambos utilizados
na aplicação com os estudantes de 2º ano
do Ensino Fundamental no ano de 2016.

Na Figura 2 temos a questão 5 apre-


sentada no guia de aplicação, ou seja,
a questão com orientação ao professor e
o enunciado “Marque com um X o qua-
dradinho da placa que apresenta ape-
nas letras” a ser lido pelo docente aos
estudantes.

Fonte: Brasil, 2016.

Políticas Nacionais de Alfabetização 47


Já na Figura 3 temos a questão 5 destinada aos estudantes. Após a
leitura do enunciado, efetuada pelo professor aplicador do instrumen-
to de avaliação, a questão deve ser respondida pelo estudante.

Figura 3
Questão 5 – caderno do aluno

Fonte: Brasil, 2016.

Além do caderno destinado aos estudantes, do guia de aplicação, há


um guia de correção e interpretação. Todos os materiais encontram-se
na homepage do Inep e são distribuídos às escolas quando da aplicação
da Provinha Brasil.

48 Fundamentos de alfabetização e letramento


Nesse contexto, as questões de Língua Portuguesa são avaliadas
com base em três eixos (BRASIL, 2016, p. 9):

artyway/Shutterstock
Apropriação do sistema de escrita
Diz respeito à apropriação, pelo estudante, do sistema
alfabético de escrita. Considera-se a importância de o alfa-
betizando compreender, entre outros aspectos, a lógica de
funcionamento desse sistema, por exemplo: identificar letras
do alfabeto e suas diferentes formas de apresentação gráfi-
ca, reconhecer unidades sonoras como fonemas e sílabas e
suas representações gráficas (dominando correspondências
grafofônicas), reconhecer diferentes estruturas silábicas das
palavras e conhecer marcas gráficas que demarcam o início
e o término de cada palavra escrita.

Leitura
Entendida como “atividade que depende de processamento
individual, mas se insere num contexto social e envolve
[...] capacidades relativas à decifração, à compreensão e à
produção de sentido. A abordagem dada à leitura abrange,
portanto, desde capacidades necessárias ao processo de
alfabetização até aquelas que habilitam o estudante à parti-
cipação ativa nas práticas sociais letradas, ou seja, aquelas
que contribuem para o seu letramento” (BRASIL, 2008).
Isso implica que o estudante desenvolva, entre outras ha-
bilidades, as de ler palavras e frases, localizar informações
explícitas em frases ou textos, reconhecer o assunto de um
texto, reconhecer finalidades dos textos, realizar inferências
e estabelecer relações entre partes do texto.

Compreensão e valorização da cultura escrita


Refere-se aos aspectos que permeiam o processo de alfa-
betização e letramento, permitindo o conhecimento e a va-
lorização dos modos de produção e circulação da escrita na
sociedade, considerando os usos formalizados no ambiente
escolar e os de ocorrência mais espontânea no cotidiano.

Para cada um desses eixos foram delimitados dez descritores, apre-


sentados no guia de correção e interpretação (BRASIL, 2016, p. 11-14):

Políticas Nacionais de Alfabetização 49


artyway/Shutterstock
D1 Reconhecer letras. D6 Localizar informação explícita em textos.

D2 Reconhecer sílabas. D7 Reconhecer assunto de um texto.

Estabelecer relação entre unidades so-


D3 noras e suas representações gráficas.
D8 Identificar a finalidade do texto.

D4 Ler palavras. D9 Estabelecer relação entre partes do texto.

D5 Ler frases. D10 Inferir informação.

Embora a Provinha Brasil tenha sido elaborada com o intuito de


aperfeiçoar o ensino brasileiro e, consequentemente, a alfabetização
dos estudantes, Silva e Rossi (2013) verificaram alguns problemas com
esse instrumento de avaliação em larga escala. As pesquisadoras ana-
lisaram seis artigos publicados entre os anos de 2011 e 2012 na base
de dados Scielo.

A análise dos estudos permitiu inferir que há “nº insuficiente de


descritores para avaliar as habilidades necessárias para a alfabetiza-
ção e o letramento, variação no grau de complexidade de uma edição
para outra dentro do mesmo ano” (SILVA; ROSSI, p. 90). Além disso,
as autoras apontaram a complexidade das questões que, segundo os
estudos visitados, confundem os alunos na escolha da resposta, bem
como a discordância entre o que é explorado com os estudantes e o
que é contemplado nesse instrumento avaliativo. Por fim, ressaltaram
a desconsideração do instrumento para com a realidade sociocultural
dos estudantes, além do treinamento dos discentes para a avaliação,
efetuado em algumas realidades.

Com base na análise dos estudos, Silva e Rossi (2013) constataram


que o instrumento precisaria ser aperfeiçoado para se constituir, de
fato, num diagnóstico a fim de avaliar os estudantes em relação à alfa-
betização e ao letramento.

50 Fundamentos de alfabetização e letramento


2.4 Avaliação Nacional de Alfabetização
Vídeo Além da Provinha Brasil, aplicada anualmente em duas versões para
os estudantes do 2º ano do Ensino Fundamental, temos outro instru-
mento, a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA).

Essa avaliação foi instituída pelo Inep, a partir da Portaria n. 867, de


4 de julho de 2012, e assim como a Provinha Brasil, faz parte do Saeb.

Constitui-se como uma avaliação em larga escala, aplicada aos estu-


dantes de 3º ano do Ensino Fundamental, considerando o final do ciclo
de alfabetização, conforme preconiza o Pnaic. A aplicação acontece em
dois dias nas escolas públicas brasileiras.

Tal instrumento tem como objetivos avaliar o desempenho dos es-


tudantes em Língua Portuguesa e Matemática, bem como as condições
das instituições de ensino, e possibilitar a melhoria da qualidade do
ensino, diminuindo as desigualdades para atender às metas e políticas
estabelecidas no contexto nacional (BRASIL, 2013).

Sendo assim, a ANA busca avaliar não somente a aprendizagem dos


estudantes, mas a instituição e, também, o sistema educacional brasi-
leiro no que se refere à consolidação da alfabetização até o 3º ano do
Ensino Fundamental em nível nacional, e não individual. Por isso, busca
“realizar um diagnóstico, de modo a servir como ‘linha de base’ para a
implementação de políticas previstas no Pacto, auxiliando na orienta-
ção permanente da formação de professores alfabetizadores” (BRASIL,
2013, p. 14).

Para atender a esses objetivos, são aplicados dois testes e um ques-


tionário. Um teste é de Língua Portuguesa e o outro, de Matemática.
Com o questionário, que é aplicado aos professores e às equipes ges-
toras, “espera-se avaliar aspectos de contexto que envolvam a gestão
escolar, a infraestrutura, a formação docente e a organização do traba-
lho pedagógico” (BRASIL, 2013, p. 7).

O teste de Língua Portuguesa tem como objetivo averiguar as habi-


lidades de escrita de palavras e de produção de textos. Nesse sentido,
pretende-se avaliar, entre outros aspectos, a estrutura do texto,
a capacidade de gerar o conteúdo textual de acordo com o gênero
solicitado e de organizar esse conteúdo, estruturando os períodos
e utilizando adequadamente os recursos coesivos (progressão do
tempo, marcação do espaço e relações de causalidade). Assim,

Políticas Nacionais de Alfabetização 51


com a produção textual dos estudantes, espera-se avaliar os con-
textos de uso da escrita, a organização textual, a coerência e coe-
são da produção, o uso de pontuação e aspectos ortográficos e
gramaticais de acordo com o que se espera das crianças matricu-
ladas no final do Ciclo de Alfabetização. (BRASIL, 2013, p. 8)

Observa-se, portanto, que além da apropriação do sistema de escri-


ta alfabética, busca-se avaliar a produção textual, ou seja, a condição de
uso da habilidade de escrever. Dito isso, vale ressaltar o marco teórico
defendido na ANA, que estabelece a articulação entre os termos alfa-
betização e letramento, por entender que “o processo de apreensão do
código alfabético deva ser associado à compreensão dos significados e
de seus usos sociais em diferentes contextos” (BRASIL, 2013, p. 9).

Embora um dos objetivos delimitados para a ANA seja avaliar a al-


fabetização, considerando a concepção discursiva de linguagem, há
limites provenientes da avaliação em larga escala, uma vez que “se tra-
ta de aplicar um mesmo instrumento, em todo o território nacional,
no contexto (inevitavelmente pouco natural) de uma avaliação formal”
(BRASIL, 2013, p. 15).

Portanto, a ANA considera somente os conhecimentos passíveis de


serem avaliados por meio de instrumento de larga escala. Para orientar
essa avaliação, foram delimitadas as matrizes de referência. Em Língua
Portuguesa, a matriz considera dois eixos: leitura e escrita.

No eixo de leitura estão definidas as habilidades a serem avaliadas,


a saber:

Quadro 1
Matriz de Referência de Língua Portuguesa – leitura

EIXO ESPECIFICAÇÕES DAS


HABILIDADE
ESTRUTURANTE HABILIDADES
H1. Ler palavras com estrutura silábica
CV
canônica.

H2. Ler palavras com estrutura silábica


CCV, CVC, VC, VC; VV, CCVC, entre outras.
não canônica.
LEITURA
H3. Reconhecer a finalidade do texto.

Exemplos de suporte: cartazes, listas de tele-


H4. Localizar informações explícitas fone, guias de programação infantil, pequenos
em textos. anúncios, reportagens de jornais infantis, textos
informativos.
(Continua)

52 Fundamentos de alfabetização e letramento


EIXO ESPECIFICAÇÕES DAS
HABILIDADE
ESTRUTURANTE HABILIDADES
H5. Compreender os sentidos de pala- Exemplos de suporte: textos literários (contos, his-
vras e expressões em textos. tórias, pequenas crônicas), pequenas reportagens.
Exemplos de suporte: textos literários (contos, histó-
H6. Realizar inferências a partir da lei-
rias), artigos de revista infantil, reportagens de suple-
tura de textos verbais.
mentos infantis.
Exemplos de suporte: pequenas tirinhas próximas
H7. Realizar inferências a partir da lei-
do universo infantil, quadrinhos de uma página,
LEITURA tura de textos que articulem a lingua-
primeira página de jornais ou suplementos infantis,
gem verbal e não verbal.
piadas, etc.
Exemplos de suporte: pequenas reportagens, textos
H8. Identificar o assunto de um texto.
informativos.
Tempo, causa e consequência, finalidade.
H9. Estabelecer relações entre partes
Exemplos de suporte: contos, histórias, reportagens,
de um texto marcadas por conectores.
textos informativos.
Fonte: Adaptado de Inep, 2012.

No que se refere à escrita, são apresentadas as seguintes habilida-


des a serem consideradas na avaliação:

Quadro 2
Matriz de Referência de Língua Portuguesa – escrita

EIXO ESPECIFICAÇÕES DAS


HABILIDADE
ESTRUTURANTE HABILIDADES

H10. Grafar palavras com corres- Grafar palavras com correspondências regulares diretas
pondências regulares diretas. (P, B, T, D, F, V e M ou N em início da sílaba).

Grafar palavras com correspondências regulares contex-


H11. Grafar palavras com corres-
tuais entre letras ou grupos de letras e seu valor sonoro
pondências regulares contex-
(C/QU; G/GU; R/RR; SA/SO/SU em início de palavra; JA/JO/
tuais entre letras ou grupos de
JU; Z inicial; O ou U/E ou I em sílaba final; M e N nasalizan-
letras e seu valor sonoro.
do final de sílaba; NH; Ã e ÃO.

Gerar o conteúdo textual de acordo com o gênero solici-


tado.

ESCRITA Organizar o conteúdo textual, estruturando os períodos


e utilizando recursos coesivos (progressão do tempo,
marcação do espaço e relações de sentido).
H12. Produzir um texto a partir Pontuar o texto.
de uma situação dada.
Usar convencionalmente os espaços entre palavras no
texto.

Fazer uso da letra maiúscula nos textos, segundo as


convenções

Grafar convencionalmente as palavras do texto.

Fonte: Adaptado de Inep, 2012.


Políticas Nacionais de Alfabetização 53
Como podemos observar nos quadros, há nove habilidades a serem
avaliadas em relação à leitura. Por sua vez, no eixo escrita são contem-
pladas três habilidades que envolvem a escrita de palavras, bem como
a produção de texto.

Essas habilidades são um recorte de aprendizagens que os estudantes


devem vivenciar, como destaca o documento orientador ao afirmar que
é necessário que “as crianças brasileiras possam vivenciar aprendizagens
mais amplas do que a matriz da ANA considera” (BRASIL, 2013, p. 15).

Com o intuito de melhorar a qualidade da aprendizagem, especial-


mente em relação à aprendizagem inicial da leitura e da escrita, em
2019 o Ministério da Educação implementou a Política Nacional de Al-
fabetização (PNA). É sobre essa política, que se encontra em vigência no
contexto nacional, que nos debruçaremos a seguir.

2.5 Política Nacional de Alfabetização


Vídeo Entre as metas apresentadas no PNE, instituído pela Lei n. 13.005/2014,
para o decênio 2014/2024, encontram-se as metas 5 e 9, relativas à
alfabetização.

A primeira meta se refere à alfabetização de todas as crianças até o


3º ano do Ensino Fundamental. Por sua vez, a meta 9 visa diminuir em
50% o analfabetismo funcional no país e elevar a taxa de alfabetização
da população de 15 anos ou mais para 93% (BRASIL, 2019).

Para tanto, o Ministério da Educação, com base em estudos na-


cionais e internacionais, elaborou a Política Nacional de Alfabetização
(PNA), com a sua implementação a partir do ano de 2019.

Essa política tem como público-alvo (BRASIL, 2019, p. 43): artyway/Shutterstock

crianças na primeira infância;

alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental;

alunos da Educação Básica regular que apresentam níveis insatis-


fatórios de alfabetização;

alunos da Educação de Jovens e Adultos;

(Continua)

54 Fundamentos de alfabetização e letramento


jovens e adultos sem matrícula no ensino formal;

alunos das modalidades especializadas de educação.

Já os agentes envolvidos na PNA são (BRASIL, 2019, p. 44):

artyway/Shutterstock
professores da Educação Infantil;

professores alfabetizadores;

professores das diferentes modalidades especializadas de


educação;

demais professores da Educação Básica;

gestores escolares;

dirigentes de redes públicas de ensino;

instituições de ensino;

famílias; e

organizações da sociedade civil.

Entre as principais ações para a implementação da PNA no contexto


brasileiro, estão (BRASIL, 2019, p. 44-45):
artyway/Shutterstock

orientações curriculares e metas claras e objetivas para a Educação


Infantil e para os anos iniciais do Ensino Fundamental;

desenvolvimento de materiais didático-pedagógicos [...] e de ações de


capacitação de professores para o uso desses materiais na Educação
Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental;
(Continua)

Políticas Nacionais de Alfabetização 55


recuperação e remediação para alunos que não tenham sido plena-
mente alfabetizados nos anos iniciais do Ensino Fundamental ou que
apresentem dificuldades de aprendizagem de leitura, escrita e mate-
mática básica;

promoção de práticas de literacia familiar;

estímulo para que as etapas de formação inicial e continuada de pro-


fessores da Educação Infantil e de professores dos anos iniciais do
Ensino Fundamental contemplem o ensino de ciências cognitivas e
suas aplicações nos processos de ensino e de aprendizagem;

promoção de mecanismos de certificação de professores alfabetiza-


dores e de livros e materiais didáticos de alfabetização e de matemá-
tica básica;

difusão de recursos educacionais, preferencialmente com licenças


autorais abertas, para ensino e aprendizagem de leitura, de escrita e
de matemática básica.

Para monitorar a implementação dessas ações, a PNA se utilizará de


(BRASIL, 2019, p. 45):

artyway/Shutterstock
avaliação de eficiência, eficácia e efetividade;

incentivo à difusão tempestiva de análises devolutivas de avaliações


externas e ao seu uso nos processos de ensino e de aprendizagem;

desenvolvimento de indicadores de fluência em leitura oral e pro-


ficiência em escrita;

incentivo ao desenvolvimento de pesquisas acadêmicas para


avaliar programas e ações desta política.

A ciência cognitiva trouxe avanços significativos com base nos estu-


dos relacionados à aprendizagem da leitura, sobretudo no sentido de
desvelar o funcionamento do sistema nervoso central no desenvolvi-
mento da capacidade de ler. Diante disso, defende que ler e escrever
precisam ser habilidades ensinadas, uma vez que a aprendizagem em
relação a elas não ocorre somente pelo contato com leitores e escrito-
res como na aprendizagem da fala, que ocorre pelo contato com falan-
tes da língua (BRASIL, 2019).

56 Fundamentos de alfabetização e letramento


Respaldada nesses conhecimentos, a PNA “define alfabetização
como o ensino das habilidades de leitura e de escrita em um sistema alfa-
bético” (BRASIL, 2019, p. 18, grifo do original) e defende a aprendizagem
da leitura como sendo a percepção da correspondência entre grafema-
-fonema/fonema-grafema. Essas habilidades de decodificação e codifi-
cação, dentro da perspectiva da PNA, caracterizariam a alfabetização.

Além disso, a PNA defende que, gradativamente, a leitura e a escrita


precisam ser habilidades linguísticas empregadas em situações em que
não ocorra intervenção, por isso preconiza ler e escrever com autonomia.

Nesse contexto, apresenta o conceito de compreensão de textos


como sendo dependente “primeiro da aprendizagem da decodificação
e, posteriormente, da identificação automática de palavras e da fluên-
cia em leitura oral. Outros fatores também influenciam na compreen-
são, o vocabulário, o conhecimento de mundo e a capacidade de fazer
inferências” (BRASIL, 2019, p. 19).

Nessa discussão, outros dois termos são apresentados na PNA,


analfabetismo funcional e analfabetismo absoluto. O primeiro se refere
ao sujeito que realiza a leitura (decodificação), mas não entende o que
lê (compreensão). O segundo termo é relativo ao sujeito que não apren-
deu a ler e escrever no sentido estrito – não aprendeu a decodificar.

Na PNA se encontram descritas as fases do desenvolvimento da


leitura e da escrita, com base nos estudos de Ehri (2005; 2013; 2014): Saiba mais
fase pré-silábica, fase alfabética parcial, fase alfabética completa e fase Além do respaldo nessa
alfabética consolidada. Ainda com base nos estudos da pesquisadora, linha teórica, a PNA se
fundamenta em estudos
o documento apresenta as quatro maneiras de ler palavras, a saber: internacionais – Preventing
predição, analogia, decodificação e reconhecimento automático. reading difficulties in
young children (1988);
A PNA preconiza ainda a importância da Educação Infantil para a apren- National Reading Panel
(2000); Developing early
dizagem da leitura e da escrita. Nesse sentido, defende que o desenvolvi- literacy (2009) – e em
mento das habilidades de ler e escrever depende das experiências às quais documentos nacionais
– Alfabetização infantil:
as crianças são expostas nessa etapa, sendo também favorecido por elas. novos caminhos (2003);
Educação de qualidade
Também evidencia a importância dos jogos e das brincadeiras como começando pelo começo
propulsores do desenvolvimento das habilidades metalinguísticas e, (2004). Também se baseia
em materiais elaborados
nesse quesito, atesta o desenvolvimento da consciência fonológica. pela Academia Brasileira
de Ciências – Aprendizagem
Além disso, a PNA afirma que é necessário possibilitar o desenvolvi- infantil: uma abordagem da
mento das seguintes habilidades: conhecimento alfabético, consciência neurociência, economia e
psicologia cognitiva (2011).
fonológica, nomeação automática rápida, nomeação automática rápi-

Políticas Nacionais de Alfabetização 57


da de objetos ou cores, escrita ou escrita do nome, memória fonológi-
ca, conceitos sobre a escrita, conhecimento de escrita, linguagem oral,
prontidão para leitura, processamento visual.

Ademais, defende experiências que possam contribuir para o de-


senvolvimento das funções executivas, considerando necessário explo-
rar a inibição ou controle inibitório, a memória de trabalho ou memória
operacional e a flexibilidade cognitiva (BRASIL, 2019).

Ao abordar a aprendizagem da leitura e da escrita no Ensino Fun-


damental, a PNA preconiza cinco componentes que devem apoiar os
currículos e, assim, as práticas exitosas de alfabetização: consciência
fonêmica, instrução fônica sistemática, fluência em leitura oral, desen-
volvimento de vocabulário e compreensão de textos.

Além disso, reforça o papel da Educação Infantil no que se refere


ao desenvolvimento da consciência fonológica e do conhecimento
alfabético, refletindo nas aprendizagens no 1º ano, que é defendido
como o início do processo formal de alfabetização. Esse é considerado
o período de escolaridade prioritário para a aprendizagem das rela-
ções grafofonêmicas que, posteriormente, abarcará novos aspectos ne-
cessários para que os estudantes possam consolidar as habilidades de ler
e escrever.

Seguindo esse respaldo científico, a PNA desenvolveu programas de


formação para os professores, bem como disponibilizou recursos didá-
ticos considerando a alfabetização baseada em evidências.

Ademais, tendo como base o estudo de Morais (2014), a PNA defen-


de o conceito de literacia, definida como:
o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes relacionados
à leitura e à escrita, bem como sua prática produtiva. Pode com-
preender vários níveis: desde o mais básico, como o da literacia
emergente, até o mais avançado, em que a pessoa que já é capaz
de ler e escrever faz uso produtivo, eficiente e frequente dessas
capacidades, empregando-as na aquisição, na transmissão e, por
vezes, na produção do conhecimento. (BRASIL, 2019, p. 21)

Nessa perspectiva, defende que a literacia ocorre antes e depois do


processo de alfabetização. Além disso, apresenta três níveis: literacia
básica, literacia intermediária e literacia disciplinar.

Para a PNA, a literacia básica deve ser desenvolvida da pré-escola ao


1º ano do Ensino Fundamental, quando ocorre a:

58 Fundamentos de alfabetização e letramento


aquisição das habilidades fundamentais para a alfabetização
(literacia emergente), como o conhecimento de vocabulário e a
consciência fonológica, bem como as habilidades adquiridas du-
rante a alfabetização, isto é, a aquisição das habilidades de leitu-
ra (decodificação) e de escrita (codificação). (BRASIL, 2019, p. 21)

Nesse contexto, antes da alfabetização formal, a criança deve viven-


ciar experiências que contribuam para o desenvolvimento das habilida-
des de ler e escrever, o que é defendido como literacia emergente, um
“conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes relacionados à leitu-
ra e à escrita, desenvolvidos antes da alfabetização” (BRASIL, 2019, p. 22).

Para tanto, a PNA orienta o trabalho prévio à alfabetização formal,


ao afirmar que:
nesse momento, a criança é introduzida em diferentes práticas
de linguagem oral e escrita, ouve histórias lidas e contadas, canta
quadrinhas, recita poemas e parlendas, familiariza-se com ma-
teriais impressos (livros, revistas e jornais), reconhece algumas
das letras, seus nomes e sons, tenta representá-las por escrito,
identifica sinais gráficos ao seu redor, entre outras atividades
de maior ou menor complexidade. Em suma, na literacia emer-
gente incluem-se experiências e conhecimentos sobre a leitura
e a escrita adquiridos de maneira lúdica e adequada à idade da
criança, de modo formal ou informal, antes de aprender a ler e a
escrever. (BRASIL, 2019, p. 22)

Além de considerar importante a literacia emergente, a PNA defen-


de a literacia familiar. Com base em estudos científicos, defende que
as crianças sejam expostas a situações em que possam ouvir a leitura
de um adulto, participar da leitura de histórias, conversar com adultos,
praticar leitura e escrita com os integrantes da família, manusear dife-
rentes riscantes, tentar escrever, ter contato com livros, brincadeiras e
jogos com letras e palavras, entre outras recomendações.

Para aperfeiçoar a condição da família em oferecer a literacia emer-


gente, a PNA cita programas e ações empregados em outros países e
que demonstraram repercutir favoravelmente, especialmente em gru-
pos desfavorecidos socioeconomicamente.

Por essa razão, o governo federal instituiu programas de alfabeti-


zação que incluem a família, uma vez que acredita na sua relevância,
tanto em relação à literacia emergente, especialmente no nível básico,
quanto no reflexo em níveis seguintes: intermediário e disciplinar.

Políticas Nacionais de Alfabetização 59


O nível chamado de literacia intermediária, segundo a PNA, seria efe-
tivado do 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental, contemplando fluência
em leitura oral, estratégias de compreensão de textos, significados de
palavras e conhecimentos ortográficos, além de outras habilidades di-
tas de literacia comum.

O último nível de literacia seria a disciplinar, que se efetivaria do


6º ano ao Ensino Médio, “onde se encontram as habilidades de leitura
Site aplicáveis a conteúdos específicos de disciplinas, como geografia, bio-
Para ampliar seu conheci- logia e história” (BRASIL, 2019, p. 21).
mento acerca da Política
Nacional da Alfabetiza- Além de defender a literacia, a PNA traz para a discussão o termo
ção, acesse o portal da numeracia. Para o PNA, “a literacia numérica diz respeito às habilidades
PNA, do Ministério da
Educação, e conheça de matemática que permitem resolver problemas da vida cotidiana e
os materiais e cursos lidar com informações matemáticas” (BRASIL, 2019, p. 24).
disponibilizados a pro-
fessores e famílias, bem A Política Nacional de Alfabetização inclui, ainda, o Programa Mais
como jogos destinados
aos estudantes visando
Alfabetização, a Política Nacional de Formação de professores, a Re-
favorecer a aprendizagem sidência Pedagógica e o Mestrado Profissional. Busca-se com esses
da leitura e da escrita.
programas, principalmente, o cumprimento das metas 5 e 9 do Plano
Disponível em: http://alfabetizacao.
mec.gov.br/. Acesso em: 21 out. 2021.
Nacional de Educação, de modo a contribuir para a melhoria da educa-
ção brasileira, considerando os anos de 2014-2024.

2.6 A Base Nacional Comum Curricular


Vídeo O Plano Nacional de Educação instituiu a necessidade de criação de
um currículo base para o sistema educacional brasileiro, ou seja, uma
“base nacional comum dos currículos, com direitos e objetivos de
aprendizagem e desenvolvimento dos (as) alunos (as)” (BRASIL, 2014).

Diante dessa prerrogativa, surgiu a Base Nacional Comum


Curricular (BNCC), a qual já era defendida desde a Constituição
de 1988, que explicita, em seu artigo 210, a necessidade de con-
teúdos mínimos para assegurar uma formação comum aos estu-
dantes no contexto nacional (BRASIL, 1988).

A versão final da BNCC foi publicada em 2017, após um pe-


ríodo destinado para debates e participações públicas. O docu-
mento contempla a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o
Ensino Médio e configura-se como
BRASIL. Base Nacional Comum
Curricular. Brasília, DF: MEC, 2017.

60 Fundamentos de alfabetização e letramento


um documento de caráter normativo que define o conjunto or-
gânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os
alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades
da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus
direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformida-
de com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE).
(BRASIL, 2017, p. 7)

Embora seja um documento de caráter normativo, que busca garan-


tir o direito de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes por
meio da definição de aprendizagens necessárias a esses sujeitos, não
descarta a contribuição de outros elementos regulatórios, como a LDB
e as Diretrizes Curriculares Nacionais (2010). É um suporte para apoiar
a construção dos currículos dos sistemas de ensino e das redes esco-
lares brasileiras.

A BNCC defende, primeiramente, o desenvolvimento de dez compe-


tências gerais, a saber:

Conhecimento Responsabilidade e cidadania


Valorizar e utilizar os conhecimentos sobre o Agir pessoal e coletivamente com autonomia,
mundo físico, social, cultural e digital. responsabilidade, flexibilidade e determinação.

Pensamento científico, crítico e criativo Empatia e cooperação


Exercitar a curiosidade intelectual e utilizar as Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de
ciências com criticidade e criatividade. conflitos e a cooperação.

Repertório cultural Autoconhecimento e autocuidado


Valorizar as diversas manifestações artísticas Conhecer-se, compreender-se na diversidade
e culturais. humana e apreciar-se.

Comunicação Argumentação

Utilizar diferentes linguagens. Argumentar com base em fatos, dados e


informações confiáveis.

Cultura digital Trabalho e projeto de vida


Compreender, utilizar e criar tecnologias Valorizar e apropriar-se de conhecimentos e
digitais de forma crítica, significativa e ética. experiências.

Fonte: Adaptado de Inep, 2021.

Nesse contexto, considera-se competência “a mobilização de conhe-


cimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas

Políticas Nacionais de Alfabetização 61


e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas comple-
xas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do
trabalho” (BRASIL, 2017, p. 8).

Essas dez competências gerais devem ser consideradas nas diferen-


tes áreas do conhecimento e etapas da Educação Básica, como é possí-
vel observar na Figura 4.

Figura 4
Educação Básica

Fonte: Brasil, 2017, p. 24.

62 Fundamentos de alfabetização e letramento


Na Educação Infantil, além das dez competências, consideram-se os
direitos de aprendizagem e desenvolvimento: conviver, brincar, partici-
par, explorar, expressar, conhecer-se. Esses direitos devem ser garan-
tidos no trabalho pedagógico perante os cinco campos de experiência:
o eu, o outro e o nós; corpo, gestos e movimentos; traços, sons, cores
e formas; escuta, fala, pensamento e imaginação; espaços, tempos,
quantidades, relações e transformações (BRASIL, 2017).

Dentro dos campos, deve-se considerar os objetivos de aprendiza-


gem e desenvolvimento para cada etapa da Educação Infantil: bebê
(0 a 1 ano e 6 meses), crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos
e 11 meses) e crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses). Ainda,
ressalta-se a necessidade de que dois eixos estruturantes norteiem o
trabalho pedagógico na Educação Infantil: interações e brincadeiras.

Ademais, enfatiza-se que:


é importante promover experiências nas quais as crianças possam
falar e ouvir, potencializando sua participação na cultura oral,
pois é na escuta de histórias, na participação em conversas, nas
descrições, nas narrativas elaboradas individualmente ou em
grupo e nas implicações com as múltiplas linguagens que a crian-
ça se constitui ativamente como sujeito singular e pertencente a
um grupo social. (BRASIL, 2017, p. 44)

A BNCC recomenda ainda que as crianças possam ter contato com


diferentes textos, por meio da escuta da leitura deles e da observação
deles no ambiente, para que, gradativamente, construam sua concep-
ção de escrita, “reconhecendo diferentes usos sociais da escrita, dos
gêneros, suportes e portadores” (BRASIL, 2017, p. 42).

Nesse contexto, postula que:


as experiências com a literatura infantil, propostas pelo educa-
dor, mediador entre os textos e as crianças, contribuem para o
desenvolvimento do gosto pela leitura, do estímulo à imaginação
e da ampliação do conhecimento de mundo. Além disso, o con-
tato com histórias, contos, fábulas, poemas, cordéis etc. propi-
cia a familiaridade com livros, com diferentes gêneros literários,
a diferenciação entre ilustrações e escrita, a aprendizagem da
direção da escrita e as formas corretas de manipulação de livros.
Nesse convívio com textos escritos, as crianças vão construindo
hipóteses sobre a escrita que se revelam, inicialmente, em ra-
biscos e garatujas e, à medida que vão conhecendo letras, em
escritas espontâneas, não convencionais, mas já indicativas da

Políticas Nacionais de Alfabetização 63


compreensão da escrita como sistema de representação da lín-
gua. (BRASIL, 2017, p. 42)

Diante do exposto, observa-se a intenção de que nessa etapa de es-


colaridade se possibilite às crianças experiências com a cultura escrita
por meio do contato com diferentes gêneros textuais e do conhecimen-
to gradativo do sistema de escrita alfabética.

A seguir, são apresentados os objetivos de aprendizagem e desen-


volvimento que tratam de modo explícito sobre a cultura escrita nessa
etapa da educação.

Quadro 3
Objetivos de aprendizagem – escuta, fala, pensamento e imaginação

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO

Bebês Crianças bem pequenas


Crianças pequenas
(zero a 1 ano e (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11
(4 anos a 5 anos e 11 meses)
6 meses) meses)

(EI03EF01)
(EI01EF01) Expressar ideias, desejos e senti-
(EI02EF01)
Reconhecer quando é chama- mentos sobre suas vivências, por
Dialogar com crianças e adultos,
do por seu nome e reconhecer meio da linguagem oral e escrita
expressando seus desejos, necessi-
os nomes de pessoas com (escrita espontânea), de fotos,
dades, sentimentos e opiniões.
quem convive. desenhos e outras formas de
expressão.

(EI01EF02) (EI02EF02) (EI03EF02)


Demonstrar interesse ao ouvir Identificar e criar diferentes sons e Inventar brincadeiras cantadas,
a leitura de poemas e a apre- reconhecer rimas e aliterações em poemas e canções, criando rimas,
sentação de músicas. cantigas de roda e textos poéticos. aliterações e ritmos.

(EI01EF03) (EI02EF03)
Demonstrar interesse ao ouvir Demonstrar interesse e atenção ao (EI03EF03)
histórias lidas ou contadas, ouvir a leitura de histórias e outros
Escolher e folhear livros, procu-
observando ilustrações e os textos, diferenciando escrita de
rando orientar-se por temas e
movimentos de leitura do ilustrações, e acompanhando, com
ilustrações e tentando identificar
adulto-leitor (modo de segurar orientação do adulto-leitor, a dire-
palavras conhecidas.
o portador e de virar as ção da leitura (de cima para baixo,
páginas). da esquerda para a direita).
(EI03EF04)
(EI01EF04) (EI02EF04)
Recontar histórias ouvidas e
Reconhecer elementos das Formular e responder perguntas
planejar coletivamente roteiros de
ilustrações de histórias, sobre fatos da história narrada,
vídeos e de encenações, definindo
apontando-os, a pedido do identificando cenários, personagens
os contextos, os personagens,
adulto-leitor. e principais acontecimentos.
a estrutura da história.
(Continua)

64 Fundamentos de alfabetização e letramento


OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO

Bebês Crianças bem pequenas


Crianças pequenas
(zero a 1 ano e (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11
(4 anos a 5 anos e 11 meses)
6 meses) meses)

(EI01EF05)
(EI02EF05) (EI03EF05)
Imitar as variações de entona-
Relatar experiências e fatos acon- Recontar histórias ouvidas para
ção e gestos realizados pelos
tecidos, histórias ouvidas, filmes produção de reconto escrito, tendo
adultos, ao ler histórias e ao
ou peças teatrais assistidos etc. o professor como escriba.
cantar.

(EI01EF06) (EI03EF06)
(EI02EF06)
Comunicar-se com outras Produzir suas próprias histórias
Criar e contar histórias oralmente,
pessoas usando movimentos, orais e escritas (escrita espontânea),
com base em imagens ou temas
gestos, balbucios, fala e outras em situações com função social
sugeridos.
formas de expressão. significativa.

(EI01EF07) (EI03EF07)
Conhecer e manipular mate- (EI02EF07) Levantar hipóteses sobre gêneros
riais impressos e audiovisuais Manusear diferentes portadores textuais veiculados em portadores
em diferentes portadores (li- textuais, demonstrando reconhe- conhecidos, recorrendo a estraté-
vro, revista, gibi, jornal, cartaz, cer seus usos sociais. gias de observação gráfica e/ou de
CD, tablet etc.). leitura.
(EI03EF08)
(EI02EF08)
(EI01EF08) Selecionar livros e textos de gêneros
Manipular textos e participar de
Participar de situações de conhecidos para a leitura de um
situações de escuta para ampliar
escuta de textos em diferentes adulto e/ou para sua própria leitura
seu contato com diferentes gêne-
gêneros textuais (poemas, (partindo de seu repertório sobre
ros textuais (parlendas, histórias
fábulas, contos, receitas, qua- esses textos, como a recuperação
de aventura, tirinhas, cartazes de
drinhos, anúncios etc.). pela memória, pela leitura das ilus-
sala, cardápios, notícias etc.).
trações etc.).
(EI02EF09) (EI03EF09)
(EI01EF09)
Manusear diferentes instrumen- Levantar hipóteses em relação à lin-
Conhecer e manipular diferen-
tos e suportes de escrita para guagem escrita, realizando registros
tes instrumentos e suportes
desenhar, traçar letras e outros de palavras e textos, por meio de
de escrita.
sinais gráficos. escrita espontânea.

Fonte: Brasil, 2017, p. 49-50.

Defende-se o trabalho com oralidade, leitura de textos, escrita


espontânea, manuseio de portadores textuais, reconto de histórias,
contação de histórias, entre outras ações em prol da aprendizagem e
do desenvolvimento integral da criança.

Políticas Nacionais de Alfabetização 65


De igual modo, no Ensino Fundamental as dez competências devem
ser consideradas. No entanto, não se falará em campos de experiên-
cias, mas em áreas do conhecimento (linguagens, matemática, ciências
da natureza, ciências humanas, ensino religioso) e das competências
específicas dos nove componentes curriculares: Língua Portuguesa,
Arte e Educação Física; Matemática; Ciências; Geografia e História; Ensi-
no Religioso. Além disso, é importante considerar em cada componen-
te curricular as unidades temáticas, os objetos de conhecimento e as
habilidades a serem desenvolvidas nos estudantes dessa etapa, sejam
dos anos iniciais (1º ao 5º ano) ou finais (6º ao 9º ano).

No que se refere à área de linguagens, na qual se encontra o com-


ponente curricular Língua Portuguesa, a BNCC preconiza a exploração
do texto, ao assumir que o texto precisa ser o centro do trabalho, consi-
derando o uso da linguagem seja na leitura, escuta e/ou em atividades
de produção de textos. Além disso preconiza a exploração de textos de
diversas mídias e semioses.

Portanto, defende-se a ampliação dos letramentos, considerando


os textos multissemióticos e multimidiáticos. Considera-se pertinente
explorar os letramentos digitais, ampliando a exploração dos gêneros
escritos/impressos.

Sendo assim, enfatiza-se experiências que considerem a cultura di-


gital presente em nosso cotidiano, sem desconsiderar os gêneros tex-
tuais escritos que continuam vigentes.

Além disso, cabe considerar os campos de atuação, ao pensar no


trabalho com os gêneros textuais nos anos iniciais, sendo eles: campo
da vida cotidiana; campo artístico-literário; campo das práticas de estu-
do e pesquisa; campo da vida pública.

Nesse contexto, orienta-se que seja dado destaque aos textos do


campo da vida cotidiana nos dois primeiros anos, por contemplarem
gêneros mais simples, como bilhetes, receitas, listas etc. Além disso,
recomenda-se a leitura e a produção de textos compartilhadas com
colegas e professores nos 1º e 2º anos.

A exploração de gêneros discursivos/textuais desses diferentes


campos de atuação deve levar em consideração os eixos relativos às
práticas de linguagem: leitura, produção de textos, oralidade e análise
linguística/semiótica.

66 Fundamentos de alfabetização e letramento


Vale ressaltar que a BNCC defende que a alfabetização se efetive
nos 1º e 2º anos do Ensino Fundamental, o que requer desenvolvi-
mento da consciência fonológica e conhecimento do alfabeto e das
relações grafofônicas. Para tanto, é necessário propiciar que os estu-
dantes possam:
• diferenciar desenhos/grafismos (símbolos) de grafemas/letras
(signos);
• desenvolver a capacidade de reconhecimento global de palavras
(que chamamos de leitura “incidental”, como é o caso da leitu-
ra de logomarcas em rótulos), que será depois responsável pela
fluência na leitura;
• construir o conhecimento do alfabeto da língua em questão;
• perceber quais sons se deve representar na escrita e como;
• construir a relação fonema-grafema: a percepção de que as letras
estão representando certos sons da fala em contextos precisos;
• perceber a sílaba em sua variedade como contexto fonológico
desta representação;
• até, finalmente, compreender o modo de relação entre fonemas
e grafemas, em uma língua específica. (BRASIL, 2017, p. 91)

Além disso, considera-se o desenvolvimento das seguintes capaci-


dades/habilidades para a alfabetização dos estudantes:
• Compreender diferenças entre escrita e outras formas gráficas (ou-
tros sistemas de representação);
• Dominar as convenções gráficas (letras maiúsculas e minúsculas,
cursiva e script);
• Conhecer o alfabeto;
• Compreender a natureza alfabética do nosso sistema de escrita;
• Dominar as relações entre grafemas e fonemas;
• Saber decodificar palavras e textos escritos;
• Saber ler, reconhecendo globalmente as palavras;
• Ampliar a sacada do olhar para porções maiores de texto que
meras palavras, desenvolvendo assim fluência e rapidez de leitu-
ra (fatiamento). (BRASIL, 2017, p. 93, grifos do original)

Por sua vez, a consolidação da alfabetização, ou seja, a chamada


ortografização, deve se efetivar nos anos posteriores, em que os estu-
dantes deverão compreender as relações fono-ortográficas. Esse pro-
cesso poderá se estender até o Ensino Médio.

Políticas Nacionais de Alfabetização 67


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste capítulo pudemos verificar as ações no contexto
nacional em prol de melhorias na educação, especialmente no que se
refere ao processo de alfabetização.
Desde a promulgação da LDB n. 9.394/1996, vimos emergir di-
ferentes políticas públicas na tentativa de aperfeiçoar a prática dos
professores alfabetizadores e contribuir para a melhoria da gestão
escolar, bem como oferecer recursos didáticos para o apoio pedagó-
gico aos estudantes em processo de alfabetização.
Embora tenham sido efetuadas diferentes ações em prol de atin-
gir, principalmente, as metas estabelecidas no Plano Nacional de Edu-
cação visando à alfabetização até os 8 anos de idade e à redução
do analfabetismo no país, percebemos que o debate ainda pode se
estender.
Há aspectos que favorecem a alfabetização dos estudantes bra-
sileiros, mas há aspectos que precisam ser repensados para que a
repercussão seja benéfica na aprendizagem da leitura e da escrita de
tantos estudantes brasileiros.
Concordamos que políticas públicas precisam ser efetivadas para
que os estudantes tenham o direito à aprendizagem garantido, e não
somente à matrícula. Concordamos que as experiências com as crian-
ças antes mesmo do ingresso no primeiro ano do Ensino Fundamen-
tal podem contribuir para a chamada alfabetização formal.
No entanto, é fundamental sempre recordar que as necessidades
de aprendizagem para uma formação integral dos estudantes brasi-
leiros precisam ser o norte das práticas pedagógicas e do trabalho
pedagógico nas instituições, bem como o fio condutor das ações a
serem implementadas no contexto nacional para garantir a melhoria
na alfabetização dos nossos estudantes.
O sucesso na alfabetização dos estudantes brasileiros deve ser
resultado de parcerias com instituições internacionais, mas sem des-
considerar as pesquisas científicas exitosas realizadas no contexto
nacional. Sem desconsiderar as práticas pedagógicas relevantes de-
sempenhadas por tantos profissionais. Sem desconsiderar o direito
de todo estudante à aprendizagem da leitura e da escrita, direito de
todo cidadão brasileiro.

68 Fundamentos de alfabetização e letramento


ATIVIDADES
Atividade 1
Estudo de caso: Ana Paula é professora do 1º ano do Ensino Fun-
damental há pouco mais de dois anos. Ela gostaria de aperfeiçoar
seu conhecimento acerca da ampliação do Ensino Fundamental que
aconteceu no ano de 2006, bem como ampliar sua compreensão
acerca dos objetivos para esse período de escolaridade. Escreva
uma carta à professora Ana que contemple os objetivos estabeleci-
dos para o 1º ano do Ensino Fundamental com base na ampliação
de oito para nove anos. Não deixe de mencionar algumas das
justificativas para essa ampliação. Também não deixe de mencionar
em que ano de escolaridade os estudantes devem ser alfabetizados,
segundo a BNCC (2017) e a PNA (2019).

Atividade 2
Elabore um quadro-síntese sobre as principais avaliações em
larga escala, Provinha Brasil e Avaliação Nacional da Alfabetização
(ANA), adotadas para avaliar o desempenho dos estudantes no
que se refere, especialmente, à alfabetização.

Atividade 3
Você conheceu a Política Nacional de Alfabetização (PNA), instituí-
da pelo governo federal no ano de 2019 no território brasileiro.
Com base na PNA, elabore um Infográfico que contemple as
experiências a serem vivenciadas pelas crianças da Educação
Infantil, bem como pelos estudantes do Ensino Fundamental.

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Políticas Nacionais de Alfabetização 69


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OLIVEIRA, M. V. Formação continuada de professores alfabetizadores: o Pnaic e seus impactos.
Revista Brasileira de Alfabetização, v. 1, n. 8, p. 193-208, 2018. Disponível em: https://revistaabalf.
com.br/index.html/index.php/rabalf/article/view/302. Acesso em: 20 out. 2021.
SILVA, P. M. M.; ROSSI, M. A. L. Provinha Brasil: avaliação diagnóstica ou classificatória.
Poíesis Pedagógica, v. 11, n. 2, p. 77-92, 2013. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/
poiesis/article/view/29581. Acesso em: 20 out. 2021.
SILVA, T. F. A aprendizagem e a prática pedagógica no 1º ano do Ensino Fundamental.
2010. Dissertação (Mestrado em Educação) – PUC-PR, Curitiba. Disponível em: http://
metacognicao.com.br/?p=532. Acesso em: 20 out. 2021.

70 Fundamentos de alfabetização e letramento


3
As habilidades metalinguísticas
e o processo de alfabetização
e letramento
Ler e escrever são habilidades linguísticas importantes em nossa
sociedade. Uma pessoa que as domina pode atuar com muito mais
autonomia do que uma pessoa que depende de outra para, por
exemplo, ler um bilhete, escrever um recado, ler uma mensagem no
celular, uma notícia, entre outras ações que exigem tais habilidades.
Por ser uma aprendizagem importante para a vida em sociedade,
ao longo dos anos diversas pesquisas têm sido realizadas com o intui-
to de investigar elementos favoráveis e desfavoráveis ao processo de
aprendizagem da leitura e da escrita.
Nos últimos anos, ganhou destaque o papel da consciência fonoló-
gica tanto como propulsora da alfabetização quanto como habilidade
que pode ser desenvolvida nesse processo inicial da aprendizagem da
leitura e da escrita. Há uma grande defesa de que as práticas alfabeti-
zadoras considerem o desenvolvimento da consciência fonológica no
processo de alfabetização dos estudantes.
Por essa razão, veremos, neste capítulo, as diferentes dimensões
dessa consciência e a importância delas para que uma pessoa possa
aprender a ler e escrever.
No entanto, trataremos ainda das outras habilidades metalinguís-
ticas que não influenciam diretamente a alfabetização, mas que são
importantes no que se refere à consolidação da leitura e da escrita.
Portanto, nesse capítulo vamos nos debruçar para compreender o
papel das habilidades metalinguísticas no processo de aprendizagem
da leitura e da escrita e, principalmente, o papel da consciência fono-
lógica no processo de alfabetização.
Objetivo de aprendizagem

Reconhecer o papel das habilidades metalinguísticas no início do


processo de aprendizagem da leitura e da escrita, bem como na
consolidação da alfabetização.

As habilidades metalinguísticas e o processo de alfabetização e letramento 71


3.1 As habilidades metalinguísticas
Vídeo Para aprender a falar, o ser humano precisa estar em contato com
as pessoas que usam a fala em sua comunicação, não é mesmo? Nós
aprendemos a falar dessa maneira, ao estarmos com pessoas que fala-
vam a língua portuguesa.

A criança aprende a construir frases por meio do contato com falan-


tes, ou seja, não há uma reflexão intencional, pois ela “aprende a falar e
a compreender a linguagem oral sem que lhe seja necessário conhecer
conscientemente a estrutura formal (fonológica e sintática) de sua lín-
gua” (GOMBERT, 2003, p. 21).

Nessa construção natural que é a aprendizagem da fala não há en-


sino explícito, por isso falamos de habilidade epilinguística. No entan-
to, aprender a ler e escrever não se efetiva de modo natural, isto é,
por meio da mera interação com os usuários da leitura e da escrita.
Exige-se reflexão sobre elementos linguísticos.

Para aprender a ler e escrever, não basta estarmos imersos na


cultura escrita e observarmos pessoas usando as habilidades de ler e
escrever. Essas habilidades linguísticas exigem a reflexão intencional
sobre as unidades que compõem a língua, sejam fonemas, morfemas,
palavras, frases e textos.

Segundo Barrera (2003, p. 66), “a relação entre habilidades meta-


linguísticas e alfabetização ainda não foi suficientemente elucidada”, o
que mostra a necessidade de estudos nesse sentido. No entanto, estes
apresentam algumas considerações importantes quando falamos de
habilidades metalinguísticas e alfabetização.

Antes de dissertarmos explicitamente sobre as habilidades metalin-


guísticas, precisamos abordar o conceito de metacognição, a qual tem
John H. Flavell como um de seus precursores na Psicologia Cognitiva.

Para Flavell (1971, p. 232), “o conhecimento que alguém tem sobre


os próprios processos e produtos cognitivos, ou qualquer outro assun-
to relacionado a eles” é o que conceitua o termo metacognição.

Nesse sentido, a capacidade do aprendiz de refletir sobre sua apren-


dizagem, pensar sobre o que aprendeu ou aprende se constitui de um
exercício metacognitivo. Quando a criança pensa a respeito do que a
professora lhe ensinou, sobre o que ela aprendeu e consegue registrar

72 Fundamentos de alfabetização e letramento


tais percepções, ela está fazendo uso da metacognição em seu pro-
cesso de aprendizagem.

Quando falamos do processo de alfabetização, Soares (2007, p. 18)


recomenda que, para ter coerência em uma proposta teórica, é ne-
cessário pensarmos na “articulação e integração dos estudos e pes-
quisas a respeito de suas diferentes facetas. Essas facetas referem-se,
fundamentalmente, às perspectivas psicológica, psicolinguística, socio-
linguística e propriamente linguística do processo”.

Soares (2007, p. 31) afirma que aprender a ler e a escrever exige “a


habilidade de decodificar símbolos escritos; a habilidade de captar o
sentido de um texto escrito; a capacidade de interpretar sequências
de ideias e acontecimentos”. Além disso, ressalta que “ler estende-se
desde a habilidade de simplesmente traduzir em sons sílabas isoladas,
até habilidades de pensamento cognitivo e metacognitivo”.

As pesquisas sobre a metacognição, mais especificamente sobre a


metalinguística, trazem importantes contribuições para pensarmos a
aprendizagem das crianças em processo de alfabetização. Além disso,
trazem contribuições para refletirmos acerca da consolidação desse
processo e sobre o ensino que visa à aprendizagem dessas duas habili-
dades linguísticas: ler e escrever.

Segundo Gombert (1992 apud MOTA, 2009, p. 9), “do ponto de vista
da psicolinguística, a atividade metalinguística deve ser vista como a
habilidade de se refletir não só sobre os aspectos formais da língua,
mas também do ponto de vista dos processos cognitivos e metacogni-
tivos envolvidos nesse pensamento”.

Guimarães e Paula (2019, p. 94) afirmam que habilidades


linguístico-cognitivas são acionadas na aprendizagem da leitura e da es-
crita. Além disso, declaram que “várias evidências empíricas têm demons-
trado que as habilidades metalinguísticas que envolvem a capacidade de
pensar e manipular conscientemente o conhecimento linguístico” são
fundamentais na aprendizagem da escrita. Para Maluf, Zanella e Pagnez
(2006), ao corrigir a sintaxe de uma frase ou texto, por exemplo, são ne-
cessários reflexão e autocontrole.

Nessa perspectiva, as atividades metalinguísticas precisam ser pro-


postas formalmente, uma vez que “ler é uma atividade linguística formal
e sua aprendizagem requer que a criança desenvolva uma consciência
explícita das estruturas linguísticas que deverão ser manipuladas in-
tencionalmente” (MALUF; ZANELLA; PAGNEZ, 2006, p. 68).
As habilidades metalinguísticas e o processo de alfabetização e letramento 73
Ao aprender a ler, a criança precisa refletir sobre os sons que são
articulados e as letras que os representam, ou seja, necessita de co-
nhecimentos fonológicos. O aprendiz precisa da “instalação das capa-
cidades específicas ao tratamento dos perceptos linguísticos visuais”
(GOMBERT, 2003, p. 22).

Além disso, ele necessita de outros conhecimentos metalinguísti-


cos, isto é, conhecimentos morfológicos e sintáticos (GOMBERT, 2003).

De acordo com Guimarães e Stoltz (2008), o pouco uso das habi-


lidades metalinguísticas nas propostas escolares configura uma das
possíveis causas para as dificuldades encontradas no processo de
aprendizagem da leitura e da escrita.

Dito isso, é importante considerarmos a necessidade de que, no


processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita, os aprendi-
zes da língua sejam impulsionados ao desenvolvimento da
habilidade para segmentar e manipular a fala em suas diversas
unidades (palavras, sílabas e fonemas); para separar as palavras
de seus referentes (diferenciação entre significados e significan-
tes); para perceber semelhanças sonoras entre palavras; para
julgar a coerência semântica e sintática dos enunciados e outras.
(BARRERA, 2003, p. 65 e 66)

Podemos entender que tais exemplos ilustram o que vêm a ser


as habilidades metalinguísticas consideradas importantes na apren-
dizagem da leitura e da escrita. Algumas delas no início do processo
de alfabetização e outras de grande relevância para a consolidação
desse processo.

A seguir, veremos cada uma dessas habilidades metalinguísticas im-


portantes para a alfabetização, bem como as habilidades em desenvol-
vimento durante o processo de aquisição da leitura e da escrita.

3.2
Vídeo
Consciência fonológica
As pesquisas científicas reconhecem o papel da consciência fono-
lógica no processo de alfabetização com base em inúmeros estudos
realizados acerca dessa habilidade metalinguística.

Mas você deve estar se perguntando: o que é a consciência fo-


nológica? Em que a criança precisa pensar, já que é uma habilidade

74 Fundamentos de alfabetização e letramento


metalinguística? Como proceder considerando-a pertinente no pro-
cesso de alfabetização?

Para responder a esses questionamentos, vamos primeiramente


definir que consciência fonológica se refere “à habilidade da criança
seja para realizar julgamentos sobre características sonoras das pala-
vras (tamanho, semelhança, diferença), seja para isolar e manipular fo-
nemas e outras unidades suprassegmentais da fala, tais como sílabas e
rimas” (BARRERA, 2003, p. 69).

A manipulação intencional de fonemas demonstra ser uma das di-


mensões da consciência fonológica. Outra dimensão seria a consciên-
cia de rimas e sílabas. Além disso, a consciência fonológica diz respeito
à reflexão que se faz de uma palavra em relação ao número de letras,
sílabas, letras repetidas, letras diferentes. Também podemos conside-
rar a reflexão sobre as aliterações, ou seja, sons que se repetem no
início de uma palavra, repetição de consoantes ou sílabas na palavra,
frase, verso ou estrofe.

Além disso, podemos citar “as tarefas de supressão, adição ou inver-


são de sílabas e fonemas, sendo, pelo menos no caso destes últimos,
em grande parte resultante da aprendizagem da leitura e da escrita”
(BARRERA, 2003, p 74).

Segundo Siccherino (2017, p. 93), vários estudos comprovam a


correlação entre a consciência fonológica e o sucesso na aprendiza-
gem da leitura e da escrita. Consideram “a habilidade metafonológica,
também chamada de consciência fonológica, como a discriminação e
manipulação dos segmentos da fala”.

Nessa perspectiva, as práticas alfabetizadoras precisam propiciar o


desenvolvimento da consciência fonológica, uma vez que “pode faci-
litar nas crianças em processo de aprendizagem da leitura e da escri-
ta, a percepção de que as palavras são constituídas por sequências de
sons, o que permite que sejam feitas análises e sínteses desses sons”
(SICCHERINO, 2017, p. 93).

Ao analisar a aprendizagem da escrita por crianças de 1º ano do


Ensino Fundamental, com base em prática alfabetizadora focalizando
a metalinguagem, Siccherino (2017) encontrou resultados satisfatórios
no que se refere à consciência fonológica.

As habilidades metalinguísticas e o processo de alfabetização e letramento 75


Nessa pesquisa foram consideradas “manifestações de consciência
fonológica sob a forma de rima, de aliteração, de segmentação da sen-
tença em palavras, da segmentação das palavras em sílabas e da habi-
lidade de omitir fonemas” (SICCHERINO, 2017, p. 99).

Para avaliar essas manifestações, foram solicitadas as seguintes ta-


refas aos participantes do estudo, conforme o Quadro 1:

Quadro 1
Tarefas para avaliar a manifestação da consciência fonológica

Manifestação de consciência fonológica Tarefa


Identificar quais palavras terminavam com o mesmo som, após a
Identificação de rima
pronúncia de três palavras pela pesquisadora.
Identificar palavras que começavam com o mesmo som, após a
Identificação de aliteração
pronúncia de três palavras pela pesquisadora.
Colocar uma ficha colorida para cada palavra de uma frase pronun-
Segmentação da sentença em palavras
ciada pela pesquisadora.
Colocar uma ficha colorida para cada sílaba da palavra pronuncia-
Segmentação de palavras em sílabas
da pela pesquisadora.
Retirar o primeiro som que conseguisse identificar, após a pronún-
Omissão de fonema inicial
cia de palavras pela pesquisadora.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Siccherino, 2017.

A segmentação da sentença em palavras foi a manifestação que


se mostrou mais baixa quando o estudo foi realizado. Por sua vez, os
participantes demonstraram melhor desempenho na segmentação de
palavras em sílabas.

Com base nesses resultados, Siccherino (2017) concluiu que novas


pesquisas precisam investigar a consciência fonológica como preditora
da aprendizagem da leitura e da escrita. Encontrou fortes indícios de
que há uma interação entre a habilidade de escrita e a fonológica, de-
fendendo que as práticas alfabetizadoras precisam propiciar o desen-
volvimento da consciência fonológica.

Barrera (2003) cita a pesquisa desenvolvida por Bradley e Bryant,


realizada em 1983, que apontou a relevância da consciência fonológica
antes mesmo do processo formal de alfabetização, como propulsora
da aprendizagem inicial da leitura e da escrita. Esse estudo oportuni-
zou “um forte suporte à hipótese de que a consciência das rimas e das
aliterações, que as crianças adquirem antes de serem alfabetizadas”

76 Fundamentos de alfabetização e letramento


(BARRERA, 2003, p. 73) são importantes para a promoção da aprendi-
zagem da leitura e da escrita.

Em uma perspectiva construtivista, Morais (2012) defende a promo-


ção da consciência fonológica, sendo contrário a um treinamento da
consciência fonêmica. Para ele, “segmentação de palavras em seus fo-
nemas, a pronúncia isolada de fonemas iniciais, a adição ou subtração
de fonemas de palavras ouvidas e a ‘síntese de fonemas’, isto é, compor
uma palavra a partir da escuta da sequência de seus fonemas isolados”
(MORAIS, 2012, p. 106) parecem não ser as condições mais promissoras
para a alfabetização.

Morais (2012) sugere determinadas atividades para o desenvolvi-


mento da consciência fonológica que seriam essenciais no processo de
alfabetização. Vejamos a seguir:
Figura 1
Atividades para o desenvolvimento da consciência fonológica

artyway/Shutterstock
Identificar palavras que rimam ou produzir uma palavra que rime com outra.

Dizer uma palavra que termina como outra.

Identificar, dentre quatro palavras, aquelas que começam parecidas.


Exemplo: PALITO, MORANGO, PAREDE, CAVALO = PAREDE e PALITO.

Comparar palavras quanto ao tamanho.

Identificar palavras que começam com a mesma sílaba.

Identificar palavras que compartilham apenas o mesmo fonema inicial.

Identificar palavras no interior de outras palavras.

Fonte: Elaborada pela autora com base em Morais, 2012.

As habilidades metalinguísticas e o processo de alfabetização e letramento 77


Além do emprego de tais atividades no processo de alfabetiza-
ção, o autor sugere que os jogos pedagógicos sejam empregados
para a promoção da aprendizagem da leitura e da escrita, como os
Leitura jogos de alfabetização elaborados pelo Centro de Educação e Estu-
Conheça no link a seguir dos da Linguagem (Ceel/UFPE) que se encontram na Caixa dos 10
os jogos elaborados jogos, disponibilizada para as escolas brasileiras que fizeram parte
pelo Ceel, criados para
subsidiar a prática do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic).
docente e contribuir para
o desenvolvimento da
Figura 2
consciência fonológica dos Jogo Ceel: Bingo dos Sons Iniciais
estudantes em processo
de alfabetização.

Disponível em: http://www.


serdigital.com.br/gerenciador/
clientes/ceel/material/28.pdf.
Acesso em: 12 nov. 2021.

Fonte: Elaborada pela autora.

Por meio de jogos como o Bingo dos Sons Iniciais, apresentado


Vídeo
na Figura 2, as crianças podem ser impulsionadas a uma reflexão
Conheça outras atividades
sobre “a relação entre pautas sonoras e sequências de letras a elas
que podem ser propostas
para o desenvolvimento equivalentes” (MORAIS, 2012, p. 100).
da consciência fonológi-
ca no vídeo Aprenda 05 Morais (2012) sugere ainda que cantigas, parlendas e quadrinhas
atividades de consciência
sejam empregadas para a promoção da reflexão sobre as partes orais
Fonológica para alfabetizar
mesmo no ensino remoto!, e escritas das palavras, possibilitando o desenvolvimento da cons-
do canal NeuroSaber.
ciência fonológica e da compreensão do sistema de escrita alfabética.
Disponível em: https://
www.youtube.com/ Essa é uma possibilidade, dentre outras, de tornarmos explícita a
watch?v=c2GZ62Jgj6U. Acesso em: reflexão sobre a linguagem, de modo a favorecermos o desenvolvi-
12 nov. 2021.
mento das habilidades de ler e escrever.

78 Fundamentos de alfabetização e letramento


A exploração de textos de tradição oral, como cantigas e parlen-
das, pode propiciar o desenvolvimento tanto da consciência fonoló-
gica como também de outra habilidade metalinguística importante
para a promoção da aprendizagem da leitura e da escrita, a habili-
dade metatextual.

A seguir, nos debruçaremos sobre o termo consciência


metatextual e seu papel no processo de alfabetização, bem como
na consolidação desse processo de aprendizagem inicial da leitura
e da escrita.

3.3
Vídeo
Consciência metatextual
A consciência metatextual, ou consciência textual, é outra habili-
dade metalinguística que demonstra contribuir para a aprendizagem
da leitura e da escrita. Essa habilidade pode ser desenvolvida tanto
no início do processo de alfabetização quanto em sua consolidação.

Quando falamos de consciência metatextual, estamos nos re-


ferindo às habilidades metatextuais, capacidades que uma pessoa
adquire e/ou desenvolve durante o processo de aprendizagem da
leitura e da escrita. É o pensar intencional sobre o texto, no que se
refere à estrutura, coesão e coerência.

Com base nos estudos de Gombert (1992), Silva e Guimarães (2019,


p. 138) classificaram as habilidades metatextuais como “capacidades
relativas ao pensamento e monitoramento de elementos macrolin-
guísticos (estrutura textual) e microlinguísticos (coesão e coerência)
presentes no texto”.

Nessa mesma perspectiva, Spinillo (2009, p. 78) defende que “po-


demos voltar nossa atenção, de forma consciente e deliberada, para
o texto em si mesmo: sua estrutura, suas partes constituintes, suas
convenções linguísticas e marcadores (coesivos, pontuação)”.

Por exemplo, quando a criança é exposta a textos em que pre-


cisa reconhecer informações inadequadas e/ou quando necessita
reorganizar a sequência, “a atenção do leitor se volta para o texto,
requerendo pensar sobre as informações nele contidas e acerca de
sua própria compreensão” (SPINILLO, 2009, p. 82).

As habilidades metalinguísticas e o processo de alfabetização e letramento 79


Vamos pensar em um texto muito comum utilizado em nosso
dia a dia: uma mensagem enviada pelo celular. Ao escrever uma
mensagem, você segue algumas regras, ou seja, costuma pensar
em elementos linguísticos, começa a mensagem cumprimentando
o destinatário, escreve uma saudação final e uma mensagem que
seja compreendida por quem irá ler, ou seja, coerente. Caso a men-
sagem não seja coerente, pode ser que a pessoa que a receberá não
seja capaz de compreender o que você precisaria que ela compreen-
desse. Talvez a pessoa lhe peça para explicar, pois ela não conseguiu
entender sua mensagem.

Ao lermos, acontece a mesma reflexão. Por exemplo, ao vermos


uma receita culinária escrita em um papel e uma lista de compras,
saberemos distinguir a função desses textos. Esses gêneros apresen-
tam características estruturais que permitem aos usuários da língua
entenderem que no primeiro haverá o modo de preparar determinado
alimento e no segundo texto conterá os alimentos que devem ser com-
prados no supermercado. Se queremos escrever uma lista de compras,
não optaremos pelas características de uma receita culinária. Não pre-
cisamos citar os ingredientes, nem mesmo o modo de preparo.

Portanto, para ler ou escrever, precisamos pensar sobre as ca-


racterísticas estruturais do gênero. Se alguém lhe pedir para escre-
ver uma carta de reclamação, você primeiramente pesquisará que
texto é esse que lhe foi solicitado, como é sua estrutura, quais pa-
lavras deve utilizar ao escrevê-lo. Você percebe que precisa pensar
sobre o texto? Sim, você precisa de consciência metatextual, e, quan-
do lê e/ou escreve, também é capaz de desenvolver essa habilidade
metalinguística.

Essas questões parecem ser simples para uma pessoa alfabe-


tizada, mas não acontecem naturalmente, pois não são habilida-
des epilinguísticas. Estudos científicos têm apresentado evidências
para validar o papel das habilidades metalinguísticas, como as
metatextuais, no processo de aprendizagem da leitura e da escrita.

Segundo Silva e Guimarães (2017, p. 117):


o texto é uma das estruturas linguísticas que podem ser ana-
lisadas durante o processo de aprendizagem da leitura e da
escrita, por exemplo, quando o estudante analisa o começo ou
o final de uma história, quando ordena trechos e/ou imagens

80 Fundamentos de alfabetização e letramento


e compõe uma narrativa, quando examina a parte ausente de
um texto etc.

No levantamento de estudos sobre as habilidades metatextuais,


efetuado por Silva e Guimarães (2017), as pesquisadoras avaliaram
a relação entre tais habilidades: a produção oral e a compreensão e
produção de textos. Esse estudo permitiu considerar que os resul-
tados das pesquisas realizadas no âmbito nacional mostraram que
o desempenho de estudantes na produção de texto foi favorecido
por meio do ensino explícito, ou seja, quando as tarefas envolviam a
reflexão acerca da estrutural textual, coesão e coerência.

Nessa revisão sistemática, Silva e Guimarães (2017) confirmaram


o papel das habilidades metatextuais na produção de textos, espe-
cialmente do gênero história, assim como Ferreira e Spinillo (2003,
p. 143) quando afirmaram que “ensinar explicitamente às crianças a
estrutura de histórias seria um caminho eficaz para estimular o uso
deste esquema em suas produções”.

Por essa razão, Silva e Guimarães (2017, p. 140) expuseram que


“autoavaliação, revisão, reescrita e o uso de estratégias de autorre-
gulação, se mostraram relevantes para o desenvolvimento das habi-
lidades metatextuais”. Sendo, portanto, atividades que contribuem
para beneficiar os estudantes no que se refere ao desempenho na
produção textual.

Diante do papel das habilidades metatextuais no processo de apren-


dizagem da escrita, especialmente na produção textual, Silva (2018)
destaca a importância do planejamento da escrita de determinado gê-
nero textual, bem como da revisão para o aperfeiçoamento da escrita.

Quanto ao planejamento do texto, Silva e Guimarães (2020, p. 19)


afirmaram que:
o ensino explícito de como realizar o planejamento da escrita de
um texto pode contribuir para uma maior capacidade de escri-
ta nos alunos. Esse ensino deve auxiliar os alunos a empregar
estratégias como: realizar um rol dos conteúdos a serem abor-
dados no texto (delimitação adequada do conteúdo), balizar a
escrita do texto de acordo com a estrutura textual do gênero que
será produzido, além de realizar uma definição prévia dos obje-
tivos, do destinatário e da finalidade do texto que será escrito.

As habilidades metalinguísticas e o processo de alfabetização e letramento 81


Além de evidências acerca do planejamento do texto, no que se
refere ao bom desempenho na produção escrita, as autoras verifi-
caram o papel da revisão, salientando “a necessidade de incutir nos
alunos a noção de que produzir um texto é uma atividade recursiva,
ou seja, a revisão permanente do escrito é que permite o seu aper-
feiçoamento” (SILVA; GUIMARÃES, 2020, p. 19).

Artigo

https://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/view/5634/pdf

Para aprofundamento do tema, sugerimos a leitura do artigo O planejamento


e a revisão de textos na prática pedagógica de professores do ensino funda-
mental, de Silva e Guimarães, pela revista Holos, do Instituto Federal do Rio
Grande do Norte (IFRN), em 2020.

Acesso em: 12 nov. 2021.

Para Ribeiro, Silva e Guimarães (2019, p. 71) “as atividades de re-


visão devem contemplar a análise de aspectos linguísticos, dos ele-
mentos estruturais que caracterizam o gênero e da qualidade do
texto na transmissão de sentido que o escritor quer emitir, ou seja,
se está coerente com a finalidade comunicativa a que se propõe”.

As autoras citaram a importância da revisão colaborativa com


Leitura base no estudo realizado por Spinillo (2015), que mostrou a interfe-
Para saber um pouco rência relacionada tanto às modificações referentes à escrita correta de
mais sobre o desenvol- palavras, elementos gramaticais e legibilidade quanto ao conteúdo.
vimento das habilidades
metatextuais no processo Corroborando a ideia de revisão colaborativa, Silva e Guimarães
de aprendizagem da leitu-
ra e da escrita, sugerimos (2020, p. 16) afirmam que “além de potencializar as alterações na
a leitura do material O en- produção, a revisão colaborativa contribui para a compreensão
sino da escrita: a dimensão
textual, do Plano Nacional do texto, uma vez que os revisores terão necessidade de ler o ma-
de Ensino Português terial escrito para refletir sobre os elementos linguísticos que o
(Pnep) do Ministério da
Educação de Portugal. constituem”.
Disponível em: https://www.dge. Vale destacarmos a afirmação de que “a consciência metatextual
mec.pt/sites/default/files/Basico/
Documentos/ensino_escrita_
se desenvolve entre as idades de 5 e 9 anos, emergindo de forma
dimensao_textual.pdf. Acesso em: mais evidente aos 8 e 9 anos de idade” (ZABOROSKI; OLIVEIRA, 2014,
12 nov. 2021.
p. 217).

82 Fundamentos de alfabetização e letramento


Sendo assim, consideramos que o desenvolvimento dessa habi-
lidade metalinguística ocorre no início formal da alfabetização, bem
como na consolidação da aprendizagem inicial da leitura e da escrita.

3.4
Vídeo
Consciência morfossintática
Além do desenvolvimento das habilidades metatextuais, como
vimos, precisamos compreender o papel das habilidades morfológi-
cas, especialmente com relação ao conhecimento do vocabulário no
que se refere à compreensão leitora.

Para Guimarães, Minatel e Oliveira (2019), há conhecimentos e


habilidades que precisam ser desenvolvidos para que a leitura se
efetive com autonomia, de modo a possibilitar a compreensão leito-
ra. Dentre esses conhecimentos está a amplitude vocabular.

Nesse sentido, podemos dizer que, ao ler um texto – como uma


história –, a criança ampliará seu vocabulário, seu conhecimento le-
xical. Além disso, se for impulsionada a refletir sobre o significado
das palavras apresentadas na narrativa, ela poderá compreender o
texto lido. Assim, podemos dizer que “a leitura amplia o vocabulá-
rio, mas o conhecimento do vocabulário é fundamental para a com-
preensão leitora” (GUIMARÃES; MINATEL; OLIVEIRA, 2019, p. 112).

Portanto, as pesquisadoras recomendam que as palavras desco-


nhecidas pelo leitor sejam exploradas por meio do uso de dicioná-
rio, da leitura de trechos do texto, da elaboração de hipóteses, do
encontro de pistas no contexto textual, da recuperação dos conhe-
cimentos prévios dos leitores, de seus conhecimentos lexicais. Por
sua vez, afirmam que a exploração de palavras já conhecidas não
se mostra favorável à compreensão textual (GUIMARÃES; MINATEL;
OLIVEIRA, 2019).

Você pode estar se perguntando como as habilidades morfoló-


gicas podem ser exploradas no trabalho pedagógico. Para ilustrar
como fazer em sala de aula, a seguir, apresentamos o exemplo cita-
do por Guimarães, Minatel e Oliveira (2019):

As habilidades metalinguísticas e o processo de alfabetização e letramento 83


Figura 3
Atividade de exploração das habilidades morfológicas

Atividade

Sugere-se a leitura completa da fábula a seguir para elaborar uma representação mental
da situação descrita no texto.

Fábula moderna
O ratinho estava na toca, encurralado por dois gatos furiosos que, do lado de fora, miavam:
– Miau! Miau! Miau!
O tempo passava e ele ouvia:
– Miau! Miau! Miau!
Depois de várias horas e já com fome, o rato ouviu:
– Au! Au! Au!
Então, deduziu:
– Se há cão lá fora, os gatos foram embora. Foi saindo disparadamente, em busca de
comida, e mal pisou fora da toca, os gatos:
– Nhac!
Inconformado, já na boca de um deles, perguntou:
– Está maluco, gato?!
– Maluco, eu?! Meu filho, neste mundo globalizado de hoje, quem não fala pelo menos dois
idiomas morre de fome!
OBVIOUS MAGAZINE. Fábula moderna.
Recuperado de: http://obviousmag.org/archives/2006/03/fabula_moderna.html.

Ligue as palavras extraídas do texto com outras que possam substituí-las sem modificar
o sentido no texto.

furiosos aceleradamente
encurralado indignado
disparadamente mundializado
inconformado raivosos
globalizado cercado

Fonte: Guimarães; Minatel; Oliveira, 2019, p. 117.

Na atividade apresentada pelas pesquisadoras para ilustrar como


explorar as habilidades morfológicas em sala de aula, referente à com-
preensão leitora dos estudantes, podemos perceber a exploração de

84 Fundamentos de alfabetização e letramento


palavras com o mesmo significado. Os estudantes são impulsionados,
dessa maneira, a pensar sobre o emprego de uma palavra que dará o
mesmo sentido para determinado trecho do texto, por exemplo, encur-
ralado e cercado no trecho “O ratinho estava na toca, encurralado por
dois gatos furiosos que, do lado de fora, miavam”.

Outra recomendação diz respeito à exploração referente à mor-


fologia das palavras como possibilidade para a recuperação de sen-
tidos. Por exemplo, citamos uma atividade em que um professor
pede para que uma criança complete a frase “A laranja foi retirada
da _ _ _ _ _ _ _ _ _ _”, com a pista de que ela deverá completar com
o nome da árvore de onde a fruta é extraída. Segundo Guimarães,
Minatel e Oliveira (2019), a criança quando reflete sobre a estrutura
da palavra, ou seja, sobre o morfema laranja do exemplo, deduz que
a árvore de onde se extrai a laranja é a laranjeira.

Sendo assim, a criança percebe a estrutura semântica da pala-


vra laranja e acrescenta o sufixo -eira. O exemplo citado ilustra a
possibilidade de “ampliar o olhar infantil para os radicais das pa-
lavras e suas possibilidades combinatórias” (GUIMARÃES; MINATEL;
OLIVEIRA, 2019, p. 115).

As pesquisadoras citam vários estudos que defendem a contribui-


ção do desenvolvimento de habilidades morfológicas para a genera-
lização de significados, o estabelecimento dos sentidos semânticos e
gramaticais de palavras desconhecidas, bem como para a ampliação
do conhecimento lexical. Destacam, também, a exploração do contexto
de um texto no trabalho pedagógico no que se refere à compreensão
textual (GUIMARÃES; MINATEL; OLIVEIRA, 2019).

Nessa perspectiva,
à medida que os estudantes aumentam os conhecimentos lé-
xico-semânticos, advindos das reflexões atencionais sobre a
morfologia das palavras, potencializam as possibilidades de
transferência desse aprendizado para a identificação e atribui-
ção de sentido ao se depararem com palavras desconhecidas e,
consequentemente, tendem a ampliar o repertório vocabular e o
desempenho em compreensão textual. (GUIMARÃES; MINATEL;
OLIVEIRA, 2019, p. 116)

Podemos entender que a reflexão intencional sobre os morfemas


contribuiu para a compreensão textual, assim como para a ampliação

As habilidades metalinguísticas e o processo de alfabetização e letramento 85


de conhecimentos lexicais e semânticos. Ao se deparar com uma pa-
lavra explorada em determinado contexto de leitura, a criança poderá
recuperar seus conhecimentos lexical e semântico, reconhecer a pala-
vra e recuperar seu significado, atribuindo sentido ao se deparar com
ela em um novo texto.

Guimarães, Minatel e Oliveira (2019) destacam ainda a importân-


cia de pensar nos textos aos quais as crianças serão expostas em sala
de aula. É recomendável que os estudantes sejam expostos a textos
em que a maior parte das palavras seja conhecida por eles, caso con-
trário, haverá limitação na compreensão textual. As pesquisadoras
se respaldam nos estudos de Nagy e Scott (2000), que defendem a
necessidade de conhecer pelo menos 90% das palavras de um texto
para sua compreensão.

Nesse sentido, “a seleção do texto escolhido para o trabalho sis-


temático de ensino de língua materna não pode contar com o acaso,
pois a maior parte do vocabulário será adquirido por meio de pala-
vras encontradas em textos com os quais as crianças se deparam”
(GUIMARÃES; MINATEL; OLIVEIRA, 2019, p. 119).

Além da recomendação quanto à seleção cautelosa de textos que


apresentem, em maior quantidade, palavras conhecidas pelos estu-
dantes, as pesquisadoras ressaltam a pertinência de atividades que
possibilitem a interação entre texto, leitor e contexto.

Dessa forma, ressaltam a existência de polissemia na língua portu-


guesa, como em outros idiomas, ou seja, quando mais de um sentido
pode ser atribuído a uma palavra.

Portanto, recomendam a exploração do sentido de uma palavra


por meio da recuperação do contexto. Sendo assim, “a compreensão
parte tanto do contexto para o significado da palavra quanto da se-
mântica das palavras para as inter-relações contextuais” (GUIMARÃES;
MINATEL; OLIVEIRA, 2019, p. 123).

Outra recomendação importante é quanto aos textos verbais e não


verbais. Muitas vezes a apreensão de sentido de um texto se torna
possível por meio da leitura de imagens veiculadas nele. Isso ocorre,
por exemplo, na leitura de gêneros textuais, como tira, história em qua-
drinhos, entre outros. Para a compreensão textual, o leitor precisará ler
as imagens, além do texto escrito.

86 Fundamentos de alfabetização e letramento


Quando ocorre a reflexão, tanto em relação aos morfemas quanto
em relação à sintaxe, falamos de consciência morfossintática. Nesse
contexto, a reflexão sobre os morfemas caracteriza o termo consciên-
cia morfológica e a reflexão sobre a estrutura gramatical das sentenças
configura-se como consciência sintática (MOTA, 2009).

A consciência morfossintática tem um papel relevante no que se re-


fere à segmentação de palavras em um texto escrito. Por essa razão, é
necessário que, na consolidação do processo de alfabetização, os estu-
dantes sejam expostos a situações em que possam refletir sobre a es-
trutura de palavras, bem como sobre a construção de frases num texto.

Para Guimarães (2010), após vencer a etapa de percepção sonora e


descobrir a natureza alfabética do sistema de escrita, a criança passa
por um novo desafio: a escrita ortográfica. Sendo assim, “ela precisa,
ainda, enfrentar várias questões relativas à ortografia, e talvez uma das
mais importantes seja a aquisição da capacidade de segmentar o escri-
to em palavras gráficas. Para isso, é necessário que a criança estabele-
ça critérios morfológicos de segmentação de linguagem” (GUIMARÃES,
2010, p. 126).

Por essa razão, a autora afirma que a aprendizagem da leitura e da


escrita é dependente das consciências fonológica e morfossintática. No
que se refere a essa segunda, apoiada em Laroca (2005), afirma que há
dois ramos da morfologia, a derivacional e a flexional (ou gramatical),
tendo esta um caráter morfossintático.

Observe no quadro a seguir dois exemplos para ilustrar os ramos


da morfologia:
Quadro 2
Morfologia derivacional e morfologia flexional

Por exemplo, no par: nadar/nadador, a palavra


Morfologia derivacional nadador se relaciona por derivação com a palavra
nadar, pelo acréscimo do sufixo derivacional -dor.
Pode-se dizer que a flexão tem caráter morfossin-
tático, pois cumpre uma exigência de concordân-
cia nominal ou verbal, de acordo com a necessi-
Morfologia flexional dade imposta pela frase. Por exemplo, na frase:
“Nós estivemos em São Paulo no mês passado”,
identifica-se uma clara relação entre nós e estive-
mos (concordância na primeira pessoa do plural).

Fonte: Elaborado pela autora com base em Guimarães, 2010, p. 129-130.

As habilidades metalinguísticas e o processo de alfabetização e letramento 87


Esse quadro permite sintetizar
a consciência morfossintática como a habilidade que o sujei-
to possui de fazer considerações, de modo consciente, sobre
a derivação e a flexão das palavras (considerações morfológi-
cas), envolvendo a reflexão sobre as palavras como categorias
Saiba mais gramaticais e sua posição na frase (considerações sintáticas).
Para saber um pouco (GUIMARÃES, 2010, p. 130)
mais sobre o desenvol-
vimento da consciência Portanto, “dado que o sistema ortográfico representa simultanea-
morfossintática no pro- mente os níveis fonológicos e morfossintático, parece perfeitamente
cesso de aprendizagem
da leitura e da escrita, vi- legítimo inferir que a aprendizagem da leitura e da escrita é influen-
site o site da direção-geral ciada tanto pela consciência fonológica como pela consciência mor-
da educação, do governo
de Portugal, e acesse fossintática” (GUIMARÃES, 2010, p. 130). Sendo que, no caso dessa
os links dos materiais última, existe uma relação direta com o maior domínio ortográfico.
elaborados no âmbito do
Plano Nacional de Ensino Dentre as tarefas que podem ser sugeridas para a consolidação
Português. Destacamos
os materiais referentes da alfabetização está a tarefa de segmentação lexical, citada por
ao desenvolvimento da Guimarães (2010), que diz respeito à apresentação de um texto com
consciência lexical e da
consciência linguística; ao palavras emendadas que requer a separação pelo estudante. Outra
ensino da escrita, dimen- tarefa é perguntar ao estudante qual palavra é feita da mesma ma-
sões gráficas e ortográfi-
cas; e ao ensino da leitura, neira que “descobrir”, “deslizar” ou “desfazer”, com o intuito de que o
acerca da compreensão estudante possa discriminar uma palavra derivada de outra.
de textos e da decifração.

Disponível em: http://www.


Essas tarefas, dentre outras, possibilitam a reflexão sobre a mor-
dge.mec.pt/materiais-didaticos- fossintaxe. Tal reflexão demonstra contribuir para o maior domínio
elaborados-no-ambito-do-pnep.
Acesso em: 12 nov. 2021.
ortográfico dos estudantes no processo de aprendizagem da leitura
e, principalmente, da escrita.

3.5
Vídeo
Consciência pragmática
Por último, trazemos para debate uma habilidade metalinguística
cuja discussão se encontra em expansão. Os estudos ainda não são
suficientes, mas mostram a relevância da habilidade pragmática no
processo de aprendizagem da leitura e da escrita.

Essa habilidade diz respeito à capacidade de refletir acerca tan-


to do sistema linguístico como do contexto, ou seja, da situação
sociocomunicativa. Nas palavras de Gonçalves (2016, p. 116), “consciên-
cia metapragmática refere-se não apenas às relações dentro do sis-

88 Fundamentos de alfabetização e letramento


tema linguístico, mas também aquelas entre o sistema e o contexto/
situação de uso da língua – locutor e alocutário, objetivo e suporte
comunicativo, tempo e espaço da comunicação”.

Com base em Gombert (1992), Gonçalves (2016) afirma que essa


habilidade começa a ser desenvolvida a partir dos 6 anos. Desde esse
momento é possível que a criança possa “explicar as relações entre for-
ma linguística e contexto na produção e compreensão das mensagens,
além de compreender metáforas e ironia” (GONÇALVES, 2016, p. 116).

Sendo assim, dentre as habilidades metalinguísticas que se encon-


tram em desenvolvimento no processo de aprendizagem da leitura e
da escrita, precisamos citar a habilidade pragmática.

Chaves e Lopes (2012 apud GONÇALVES, 2016, p. 116) identifica-


ram as habilidades relativas à consciência pragmática: “a) perceber
a ambiguidade nas mensagens; b) detectar incoerências nas mensa-
gens; e c) alterar seu comportamento discursivo em virtude das espe-
cificidades da interação comunicativa”.

Para tanto, é necessário a interação social e verbal, que permitirá


ao aprendiz ampliar suas percepções, uma vez que “o falante se de-
para com inúmeras situações comunicativas distintas, com informa-
ções linguísticas e contextuais explícitas e implícitas, que contribuirão
para a compreensão da mensagem. O falante terá êxito na sua com-
preensão se tiver condições de utilizar essas informações a seu favor”
(GONÇALVES, 2016, p. 119).

Para Moura e Paula (2013, p. 13), essa habilidade diz respeito à


consciência acerca da “estrutura e aspectos pragmáticos de textos de
diferentes gêneros (consciência textual ou metatextual)”. Assim, po-
de-se dizer que a habilidade metalinguística referente aos aspectos
estruturais e pragmáticos é necessária no processo de aprendizagem
da leitura e da escrita.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste capítulo nos debruçamos sobre o papel das habilidades
metalinguísticas no processo de aprendizagem de leitura e escrita e, princi-
palmente, o papel da consciência fonológica no processo de alfabetização.

As habilidades metalinguísticas e o processo de alfabetização e letramento 89


Como vimos, não basta estar em contato com usuários de leitura e
escrita para que se aprenda a ler e escrever. No caso da fala, isso é
possível, mas quando focamos a aprendizagem da leitura e da escrita,
exige-se ensino explícito de habilidades metalinguísticas.
As pesquisas científicas confirmaram o papel da consciência fono-
lógica em suas diferentes dimensões para a aprendizagem inicial da
leitura e da escrita. Portanto, propormos atividades que promovam o
desenvolvimento da consciência fonológica passa a ser fundamental
quando falamos de alfabetização.
Além do desenvolvimento dessa habilidade metalinguística, é re-
levante propiciarmos o desenvolvimento da habilidade metatextual.
Essa capacidade, que está em desenvolvimento no processo de alfa-
betização, possibilita a reflexão intencional sobre a estrutura do tex-
to, a coesão e a coerência. Dados de estudos científicos comprovam
especialmente o papel dessas habilidades na produção de textos,
dentre estes, o gênero textual história. Estudos constatam a influên-
cia do planejamento da escrita e da revisão de texto como atividades
que possibilitam o desenvolvimento das habilidades metatextuais.
Também, o desenvolvimento da habilidade lexical se mostrou fa-
vorável à compreensão leitora e este é dependente da exploração do
vocabulário na leitura de textos.
Ainda, os estudos ora visitados afirmaram que a consolidação da
alfabetização requer o desenvolvimento de habilidades morfossin-
táticas. Assim sendo, mostram-se relevantes para o maior domínio
ortográfico pelos aprendizes da língua atividades que levem os estu-
dantes a refletirem sobre a formação de palavras, derivação e flexão,
como também atividades que promovam a segmentação de palavras.
As discussões acerca da habilidade pragmática têm indicado sua
relevância no processo de aprendizagem, especialmente a partir dos
6 anos, quando a criança é capaz de apresentar habilidades em razão
do desenvolvimento.
Portanto, se queremos que os estudantes aprendam a ler e escre-
ver, precisamos compreender a necessidade das práticas alfabetiza-
doras os mobilizarem a refletir intencionalmente sobre os fonemas,
os morfemas, as palavras, as frases e os textos. Sem essa reflexão
intencional sobre esses elementos linguísticos, a aprendizagem da
leitura e da escrita estará comprometida.

90 Fundamentos de alfabetização e letramento


ATIVIDADES
Atividade 1
Elabore um mapa mental contendo uma síntese das habilidades
metalinguísticas. Para a criação desse mapa, utilize recursos tec-
nológicos como o Canva ou o Padlet. Lembre-se de que o termo
habilidades metalinguísticas deve ser apresentado no centro do
seu mapa mental!

Atividade 2
Analise os dois exemplos de atividades adaptadas de Lyra e
Eisenberg (2019). Identifique a habilidade metalinguística que
pode ser desenvolvida de modo mais direto por meio dessas
atividades e justifique quais dimensões dessa habilidade podem
ser exploradas no trabalho pedagógico referente à aprendizagem
da leitura e da escrita.

Atividade 1
Quais palavras começam com o mesmo som de “piano”?
VIAGEM – PATOTA – SAPATO – PANELA
Faça uma lista de palavras iniciadas com o mesmo som.

Atividade 2
Uma criança escreveu dois primeiros versos da parlenda da seguinte
maneira:
– PANELANO FOGO BA RRIGAVAZIA.
Escreva, colocando uma palavra em cada quadrinho:

– Pinte as palavras que possuem a mesma quantidade de sílabas.


– Que outras palavras começam com o mesmo som de “vazia”: vaca,
faca, vestido ou vovó?

– Conte quantas palavras tem a parlenda:


Rei, capitão
Soldado, ladrão
Moça bonita
Do meu coração

– Escreva as palavras que rimam:

As habilidades metalinguísticas e o processo de alfabetização e letramento 91


Atividade 3
Ângela é professora de um grupo de estudantes que está
em processo de consolidação da alfabetização. Analise as
atividades propostas aos estudantes e argumente acerca das
habilidades metalinguísticas favorecidas com a implementação
dessas duas atividades.

Atividade 1
Reúna-se com um colega e separem os textos dos envelopes que
vocês receberam, observando os seguintes aspectos:
• Os textos contidos nos envelopes são iguais?
• Por que você os considera diferentes?
• Quem escreve esses textos?
• A quem são dirigidos?
• Qual é o objetivo?
• Onde nós encontramos esses textos?
Depois, apresente as considerações para o grupo.

Atividade 2
• No início da sequência didática, o professor orientou a produção
de um texto. Após a realização de várias atividades sobre o gênero
reportagem, é hora de voltar ao primeiro texto que você fez.
• Você assumirá o papel de jornalista e escreverá uma reportagem so-
bre a importância do consumo consciente da água em nossa cidade.
• Lembre-se de que seus colegas, os colegas de outras turmas e os
professores farão a leitura da reportagem.
• Seu professor já leu seu primeiro texto e devolverá para que você
possa alterar o que for necessário e reescrever a segunda versão.

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92 Fundamentos de alfabetização e letramento


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As habilidades metalinguísticas e o processo de alfabetização e letramento 93


4
Processos cognitivos e
estratégias de ensino para
a compreensão leitora
Você provavelmente já observou uma criança realizando a leitura
de uma palavra, não é mesmo? Isso, inclusive, pode ter acontecido com
você quando aprendeu a ler. Você observava placas dispostas nas ruas,
observava as letras registradas e tentava pronunciar os sons que elas
representavam.
Hoje, ao ler este texto, você já automatizou a leitura de palavras e não
precisa recorrer à soletração de cada sílaba, por exemplo. No entanto,
para compreender o texto escrito, você precisa decodificar a palavra re-
gistrada e compreendê-la no contexto, de modo que possa entender o
sentido dela no texto. Ao fazer isso, além de decodificar, você busca com-
preender a leitura do material.
Você saberia dizer o que acontece no cérebro humano para que a
aprendizagem da habilidade de ler, tão importante em nossa sociedade,
se efetive? Saberia dizer quais áreas são ativadas quando decodificamos
e/ou compreendemos o que lemos? Conseguiria identificar as estratégias
de ensino para a compreensão leitora?
Além disso, conseguiria explicar as razões pelas quais algumas pes-
soas possuem dificuldades para aprender a ler e o que professores po-
dem fazer para que essas pessoas possam aprender?
Ademais, saberia dizer qual o papel das funções executivas na apren-
dizagem da leitura, tanto em relação às funções básicas quanto às de
alto funcionamento como planejamento, monitoramento de erro, dentre
outras?
Para responder a tais questionamentos, convidamos você a realizar a
leitura deste capítulo.

94 Fundamentos de alfabetização e letramento


Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• Investigar o funcionamento cerebral no que diz respeito à
aprendizagem da leitura.
• Compreender estratégias de ensino e de aprendizagem que
beneficiam a compreensão da leitura por estudantes em
processo inicial e em consolidação da alfabetização.

4.1 Leitura e compreensão: processos cognitivos


Vídeo Para que possamos ler, precisamos que o nosso sistema cognitivo
entre em ação. É necessário que um aparato biológico entre em jogo,
além de um aparato social. Por exemplo, você precisa reconhecer a
palavra escrita e, também, compreender o seu sentido dentro do con-
texto no qual ela está inserida.

Mas o que acontece em nosso cérebro que permite que esse proces-
so aconteça? Há áreas corticais específicas que atuam na aprendizagem
da leitura quando da decodificação e da compreensão de um texto?

Observe a Figura 1 e tente identificar quais são as áreas que se des-


tacam no que se refere à leitura de palavras.
Figura 1
Regiões do cérebro recrutadas para a leitura de palavras

Giro frontal inferior


Parietotemporal
Área de articulação da
Área de análise
palavra
fonológica da
palavra

Occipitotemporal
Área da forma visual
da palavra

k
rstoc
utte
/Sh
ie Pro
Sc

Fonte: Adaptada de Correa; Ferreira, 2019, p. 25.

Processos cognitivos e estratégias de ensino para a compreensão leitora 95


A região occipitotemporal tem a função de processar a informação
visual (CORREA; FERREIRA, 2019). Essa é a área do cérebro que permite
que ao ler uma palavra escrita seja possível visualizar as letras que a
compõe, ou seja, permite que o leitor identifique as letras que consti-
tuem uma palavra escrita.

Por essa razão, é importante que, ao usuário de nosso idioma,


sejam oportunizadas experiências para o conhecimento das letras que
compõem o alfabeto e que, portanto, são utilizadas em nosso sistema
de escrita alfabético.

A região parietotemporal precisa ser acionada quando falamos em


leitura, pois é a parte de nosso cérebro que possibilita a análise relativa
aos sons das palavras, os quais são representados por letras. Isso quer
1 dizer que “a região parietotemporal, em torno da área de Wernicke
1
,
Parte do córtex cerebral está associada à análise fonológica da palavra escrita, em seus consti-
ligada à compreensão
da linguagem. Segundo
tuintes, permitindo, assim, a correspondência grafema-fonema” (CORREA;
Cosenza e Guerra (2011, FERREIRA, 2019, p. 25).
p. 100) “localiza-se na
junção entre os lobos tem- Portanto, o reconhecimento de letras é uma habilidade importante
poral e parietal, também
do lado esquerdo, e está
para a aprendizagem da leitura. Uma habilidade que requer reconheci-
relacionada com a com- mento tanto visual quanto fonológico.
preensão da linguagem”.
Por essa razão, torna-se essencial que as práticas alfabetizadoras
propiciem o desenvolvimento da consciência fonológica, uma vez que,
para ler, a pessoa precisa ativar essa área cortical “relacionada às diver-
sas habilidades que compõem a consciência fonológica (identificação,
segmentação e recombinação de rimas, sílabas e fonemas, por exem-
plo)” (CORREA; FERREIRA, 2019, p. 25).

Vimos, portanto, duas regiões recrutadas para a leitura de palavras,


as regiões: occipitotemporal e parietotemporal. No entanto, há uma
terceira região ativada para que a leitura se efetive: o córtex frontal.

Nessa região, mais especificamente na área de Broca, é possível


articular a palavra lida a partir do processamento fonológico. Essa
área de Broca é protagonista quando se fala na articulação da fala e,
também, é reivindicada para a leitura. Vale dizer que não é apenas
ativada na leitura em voz alta, pois a leitura silenciosa não é, sim-
plesmente, uma tarefa visual. Ler implica poder estabelecer a relação
entre a pauta gráfica e a pauta sonora (CORREA; FERREIRA, 2019).

96 Fundamentos de alfabetização e letramento


Segundo Correa e Ferreira (2019), o desenvolvimento da habilidade
de ler transforma a percepção acerca do espaçamento entre palavras,
que oralmente não é facilmente percebido. Também transforma a
capacidade de se efetuar a leitura silenciosa que, inicialmente, é um
desafio aos aprendizes que precisam da leitura em voz alta (CORREA;
FERREIRA, 2019).

Segundo as pesquisadoras, há uma diferença na ativação das re-


giões corticais em leitores iniciantes e habilidosos. O primeiro grupo
ativa mais a região parietotemporal, enquanto o segundo grupo ativa a
região occipitotemporal de modo predominante. Geralmente, crianças
que apresentam dificuldades para ler demonstram limitação na ativa-
ção dessas duas regiões.

Diante do exposto, podemos citar a dificuldade apresentada por


pessoas que não conseguem realizar a leitura de palavras, uma vez
que elas “têm dificuldade em realizar a análise fonológica das palavras,
o que os faz não alcançar a automaticidade na conexão entre a pauta
gráfica e a pauta sonora da língua” (CORREA; FERREIRA, 2019, p. 26).

A automaticidade na leitura possibilita uma agilidade na percepção


da palavra pelo cérebro. Nesse sentido, “ler implica receber a informa-
ção visual vinda da página escrita e o processamento da grafia, do som
e do significado das palavras” (CORREA; FERREIRA, 2019, p. 26).

A seguir, há uma representação dos processamentos que aconte-


cem para a leitura de palavras.
Figura 2
Modelo triangular para a leitura de palavras

Processamento
fonológico
Fireofheart/Shutterstock

Processamento Processamento
ortográfico semântico

Fonte: Ashby; Rayner, 2012 apud Correa; Ferreira, 2019, p. 26.

Processos cognitivos e estratégias de ensino para a compreensão leitora 97


O processamento ortográfico permite que o cérebro humano cap-
ture a informação visual. Além da informação referente à grafia, o cé-
rebro precisa processar o som, ou seja, é necessário o processamento
fonológico. Reconhecendo a grafia e o som, há necessidade do proces-
samento semântico, a percepção do significado da palavra lida.

Ao explicar sobre o funcionamento da leitura, Dehaene (2012,


p. 25) afirma que começa nos olhos, quando “desmembrada em milha-
res de fragmentos pelos neurônios da retina, a cadeia de letras deve
ser reconstituída antes de ser reconhecida. Nosso sistema visual extrai
progressivamente o conteúdo dos grafemas, sílabas, prefixos, sufixos e
radicais das palavras”.

Após isso, “entram enfim em cena duas grandes vias paralelas de


tratamento: a via fonológica e a via lexical. A primeira permite conver-
ter a cadeia de letras em sons da língua (os fonemas). A outra permite
acessar um dicionário mental onde está armazenado o significado das
palavras” (DEHAENE, 2019, p. 25).

Para Dehaene (2019), o cérebro de um aprendiz que está no pro-


cesso inicial na aprendizagem da leitura passa por três fases: a etapa
pictórica, a etapa fonológica e a etapa ortográfica. Na primeira, ocorre
uma fotografia da palavra. Na seguinte, o aprendiz identifica os sons re-
presentados pelos grafemas. Na última, o reconhecimento da palavra
se torna automatizado.

Ainda segundo o autor, o cérebro humano de um aprendiz de nível


médio inclui de 50 mil a 100 mil entradas de palavras. Para efetuar a
leitura das palavras que entram em nosso cérebro há necessidade de
ativação de nossos dicionários lexicais mentais. Sendo assim, “nosso
cérebro abriga uma biblioteca em muitos volumes, desde o guia orto-
gráfico até o manual de pronúncia e o grande dicionário enciclopédico”
(DEHAENE, 2012, p. 57).

Nas palavras de Dehaene (2012, p. 63): “sem a ação de nosso léxico


mental, a palavra escrita permaneceria ‘letra morta’. A identificação das
letras e das palavras é um processo ativo de decodificação no qual o
cérebro acrescenta a informação ao sinal visual”.

Para que o cérebro humano possa ler, há uma rede de neurônios


que trabalham, sendo um sistema que opera com aproximadamente
100 mil milhões dessas células. Nessa perspectiva, “nosso sistema ce-
rebral de leitura se parece a uma vasta assembleia, na qual milhares de

98 Fundamentos de alfabetização e letramento


palavras e de letras conspiram a fim de propor a melhor interpretação
possível à palavra percebida”. Nessa assembleia, “uma palavra que en-
contramos com frequência terá mais chances de ganhar a competição
do que uma palavra rara” (DEHAENE, 2012, p. 60-61).

Portanto, ao ler, há a ativação da via fonológica e da via lexical. Como Vídeo


postula Dehaene (2012), uma via de conversão dos grafemas em fonemas No vídeo A leitura e a
cultura no desenvolvimento
e outra via que acessa o léxico, reconhece o significado das palavras. cerebral, disponibilizado
pelo Canal Fronteiras do
Vale dizer que, no cérebro da criança, a ativação dessas duas vias Pensamento, a neurocien-
está em desenvolvimento, uma vez que “a coordenação destas duas tista Suzana Herculano-
-Houzel aborda o tema da
vias não é sempre efetiva. Algumas crianças utilizam, sobretudo, a via estrutura cerebral no que
direta e fazem uma leitura de adivinhação” (DEHAENE, 2012, p. 55). Essa tange à aprendizagem da
leitura. Acesse!
leitura de adivinhação pode ser exemplificada quando ao ler “meren-
Disponível em: https://www.
da” a criança pronuncia a palavra “lanche”. Também, ao ler, a criança youtube.com/watch?v=dLWiwD_
gagueja, pois ela não consegue compreender o significado da palavra YhUM. Acesso em 16 nov. 2021.
lida, devido ao bloqueio para a percepção dos sons constituintes da pa-
lavra escrita. Por isso, “é somente depois de muitos anos de aprendiza- 2
gem que as duas vias terminam por se integrar uma à outra, a ponto de
Diante dessa perspectiva
produzir, no leitor adulto, a aparência de um sistema único e integrado neurobiológica, podemos
dizer que a aprendizagem
de leitura” (DEHAENE, 2012, p. 55).
se refere às sinapses que
acontecem em nosso
Nesse sentido, “a leitura transforma a forma como compreendemos
cérebro. Assim, a apren-
linguagem oral, e como nos expressamos por meio dela. Não menos dizagem é considerada a
formação e consolidação
importante, a leitura transforma, de forma expressiva, o nosso cére-
das ligações entre as
bro” (CORREA; FERREIRA, 2019, p. 30). células nervosas. Pode-
mos falar, também, em
Portanto, aprender a ler não possibilita a mudança em termos estru- plasticidade cerebral ou
turais no que se refere às áreas corticais, mas em relação à plasticida- neuroplasticidade, como
2
sendo essa modificação
de cerebral . Essa habilidade depende de uma estrutura que funcione da estrutura cerebral
adequadamente, como também do meio externo que possibilite a que acontece em quem
aprende.
ativação das áreas em que a aprendizagem se torne possível.

4.2 A aprendizagem da leitura e a dislexia


Vídeo
As pessoas que possuem dislexia apresentam comprometimento
no que se refere à precisão/fluência no reconhecimento de palavras.
Também há prejuízo na decodificação, causando dificuldade na sole-
tração. Essas complicações impactam a capacidade de ler e dificultam
a compreensão do texto lido.

Processos cognitivos e estratégias de ensino para a compreensão leitora 99


Segundo Rodrigues e Ciasca (2016), os exames de neuroimagem
mostram que ocorre um mau funcionamento do cérebro nessas situa-
ções. Além disso, existe a concordância quanto à influência do fator
genético, uma vez que, em 50% dos casos de crianças com dislexia, há
outros integrantes da família com o transtorno.

As pessoas que possuem esse transtorno normalmente reali-


zam a leitura com lentidão, compreendem o texto de modo limita-
do, acrescentam ou omitem letras, apresentam erros gramaticais,
empregam de modo inadequado as pontuações, apresentam ha-
bilidades abaixo do esperado para a idade, baixo desempenho na
leitura e na escrita e sentem sobrecarga quanto às exigências aca-
dêmicas (RODRIGUES; CIASCA, 2016).

No processo de aprendizagem inicial da leitura, as crianças com


dislexia tendem a adivinhar ao lerem as palavras escritas. Demons-
tram muito esforço para a leitura, pois apresentam dificuldades na
percepção dos aspectos sonoros, ou seja, no desenvolvimento da
consciência fonológica. Elas também podem apresentar limitações
na fala (RODRIGUES; CIASCA, 2016).

Além disso, pessoas disléxicas podem apresentar dificuldades


no desenvolvimento das funções executivas, como explicam Rodri-
gues e Ciasco (2016), principalmente no que se refere à concen-
tração. Podem, ainda, apresentar dificuldades na matemática e na
coordenação motora, além de poderem ser acometidas por qua-
dros depressivos e por ansiedade.

Segundo Rodrigues e Ciasca (2016), é importante considerar que


para uma avaliação, a fim de identificar o transtorno, os sintomas
citados precisam aparecer por, pelo menos, 6 meses seguidos. Não
podem ser decorrentes da inadequação de atividades pedagógicas,
de situações que gerem emoções negativas, além de não serem
decorrentes de deficiências, de situações relativas às questões cul-
turais e/ou ambientais. Por exemplo, uma criança com dificuldade
para aprender a ler pode ter um ambiente familiar que pouco in-
centiva essa aprendizagem, o que pode acarretar alguns dos sinto-
mas citados, sem caracterizar um transtorno de linguagem.

100 Fundamentos de alfabetização e letramento


Ainda que não haja, até o momento, uma cura, os estímulos am-
bientais podem repercutir favoravelmente, o que inclui as ativida-
des realizadas em sala de aula.

Para Rodrigues e Ciasca (2016), na Educação Infantil e nos anos


iniciais do Ensino Fundamental, devemos mobilizar os aprendizes
para a reflexão sobre os sons que são semelhantes e diferentes
nas palavras, propiciando atividades nas quais eles tenham que
criar e identificar rimas, perceber o tamanho das palavras, entre
outras possibilidades.

Também, os pesquisadores defendem, em ambas as etapas da


Educação Básica brasileira, a introdução gradual de atividades de
reconhecimento de letras e escrita.

Além disso, os autores defendem a realização de atividades me-


tacognitivas que propiciem a reflexão sobre a leitura por parte do
aluno. Consideram relevante a adoção de determinados encami-
nhamentos, como a ampliação de tempo para a realização das ati-
vidades, o auxílio para a realização de alguns registros, a redução
dos textos a serem lidos pelo estudante disléxico e o auxílio para o
destaque de informações do texto.

Além disso, é necessário ajudar a pessoa com dislexia a eliminar


os elementos que causam distrações, a organizar uma agenda e
ter uma rotina, o que inclui a rotina na escola. É importante repetir
instruções, possibilitar que o aprendiz esteja próximo do professor
em sala de aula, diversificar as atividades avaliativas e as estraté-
gias a serem adotadas para a realização de determinadas tarefas,
realizar revisões dos conteúdos trabalhados, entre outras possibi-
lidades (RODRIGUES; CIASCA, 2016).

Artigo

http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v33n100/10.pdf

No artigo Dislexia na escola: identificação e possibilidades de intervenção, Rodri-


gues e Ciasco apresentam as características específicas em relação à dislexia
e outras possibilidades de intervenção.

Acesso em: 16 nov. 2021.

Processos cognitivos e estratégias de ensino para a compreensão leitora 101


4.3 Funções executivas e a aprendizagem da leitura
Vídeo
Guimarães e Medina (2019) elucidam a importância das funções
executivas para a aprendizagem da leitura e da escrita. Os estudos
visitados pelas pesquisadoras indicam que, ao ler e/ou escrever, há
uma demanda cognitiva que exige o funcionamento das funções
executivas básicas, como também das de alto funcionamento.
Quadro 1
Funções executivas básicas e de alto funcionamento

Memória de trabalho
Funções executivas Inibição
básicas
Flexibilidade cognitiva

Resolução de problemas
Planejamento
Monitoramento

Funções executivas de Avaliação


alto funcionamento Organização
Consciência de si
Criatividade
Autocontrole

Fonte: Elaborado pela autora com base em Guimarães; Medina, 2019.

Em estudo visitado por Guimarães e Medina (2019), há a evi-


dência de que o déficit nas funções executivas figuram entre os
problemas presentes quando uma criança apresenta dificuldades
relacionadas à leitura.

Outros estudos visitados pelas pesquisadoras apresentam evi-


dências de que planejar a tarefa de ler e refletir sobre o conteúdo
do material lido são estratégias adotadas por leitores que apresen-
tam fluência.

Quando se fala na capacidade de planejar e na capacidade de


reflexão sobre a leitura, é ativado o lobo frontal, ou seja, o córtex
frontal, mais especificamente a região pré-frontal. Essa região é
recente no ser humano, diante da perspectiva evolucionista, e se
mostra responsável pelas funções executivas (COSENZA; GUERRA,
2011).

102 Fundamentos de alfabetização e letramento


Essa região cerebral é reconhecida pela capacidade de coor-
denação. Se pudéssemos fazer uma comparação, seria a torre de
controle de um aeroporto. Assim como a torre, essa região recebe
informações advindas de várias partes cerebrais e as transmite
para várias outras.

É uma região que demora a amadurecer no ser humano. Esse


amadurecimento biológico apresenta três momentos importantes:
do nascimento até 2 anos; dos 7 aos 9 anos; e no final da adolescên-
cia, entre os 16 e 19 anos. A consolidação é prevista para a segunda
década de vida, quando o aparato biológico está preparado (CO-
SENZA; GUERRA, 2011).

No entanto, além de um elemento biológico que interfere, pode-


mos dizer que o ambiente contribui para o desenvolvimento dessa área
que contempla o funcionamento das funções executivas, logo, en-
volve fatores intrínsecos e extrínsecos (COSENZA; GUERRA, 2011).

As funções executivas, segundo Cosenza e Guerra (2011), emergem


da inteligência intrapessoal, reconhecida por Gardner (1994). Essa seria
uma inteligência importante para as demais, tais como: interpessoal,
linguística, lógico-matemática, musical, espacial, existencial, corporal-
-cinestésica e naturalista. Ela promove a regulação do comportamento
em direção aos objetivos. Fora isso, ela é desenvolvida ao longo da
vida e tem grande importância para que as pessoas adquiram estraté-
gias necessárias para a vivência harmoniosa em sociedade.

Como as funções executivas são desenvolvidas, também, por


meio do ambiente, é essencial que, na aprendizagem da leitura,
essas funções sejam potencializadas nos aprendizes que se encon-
tram em processo de aprendizagem e desenvolvimento.

Alguns encaminhamentos, segundo Guimarães e Medina (2019),


contribuem para o desenvolvimento das funções executivas: valo-
rizar as expressões verbais das reflexões; evitar destacar erros,
incentivar os avanços; envolver estratégias problematizadoras; rea-
lizar perguntas para ajudar os alunos a estabelecerem conexões;
proporcionar trabalho cooperativo e aprendizagem compartilhada;
permitir que os aprendizes percebam que as aprendizagens en-
volvem dificuldades; permitir que os aprendizes façam novas ten-

Processos cognitivos e estratégias de ensino para a compreensão leitora 103


tativas; garantir que os aprendizes entendam que os desafios são
importantes para a aprendizagem e que existem novas formas de
resolver situações; viabilizar a compreensão de que ler trará novas
oportunidades para a vida, entre outros encaminhamentos.

Além disso, as autoras explicitam atividades específicas para a


aprendizagem da leitura e da escrita que podem contribuir, tam-
bém, para o desenvolvimento das funções executivas. Vejamos:
Quadro 2
Atividades para o desenvolvimento das Funções Executivas

Montar uma estrutura segundo um modelo.


Planejamento, organi- Elaborar o passo a passo da realização de uma ativi-
zação e resolução de dade.
problemas Possibilitar que, dentre três atividades, os estudantes
escolham qual será realizada em primeiro lugar.

Caça-palavras com ditado. Ditar uma palavra que de-


verá ser encontrada num quadro com letras.
Formar palavras a partir de um quadro de letras.
Memória de trabalho
Memorização de sequências de letras e/ou palavras.
Ditar as letras que ao final deverão compor uma pala-
vra, a ser citada pelas crianças.

Bingo de letras.
Bingo de sílabas para marcar palavras que começam
Controle inibitório com a mesma sílaba.
Identificação de palavras repetidas.
Criação de pseudopalavras.

Dominós de palavras.
Mudar o final de uma história.
Quebra-cabeça de palavras a partir de sílabas.
Flexibilidade cognitiva
Formar um círculo e sortear uma letra. Cada criança
deverá falar uma palavra (animal, objeto, entre outras)
que começa com a letra sorteada.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Guimarães; Medina, 2019.

Além das atividades sugeridas, Guimarães e Medina (2019, p. 261)


sugerem a realização de atividades metacognitivas, explicando que
é importante que o professor “possa conversar com os alunos sobre
como foi realizar a atividade, o que foi mais difícil, o que foi mais
fácil, como cada um a efetuou, que estratégia usou, possibilitando que
eles pensem o que poderá ser feito de forma diferente da próxima vez”.

104 Fundamentos de alfabetização e letramento


As pesquisadoras defendem, ainda, que os professores desenvol-
vam situações problematizadoras que oportunizem aos aprendizes
resolverem desafios que os permitam serem ativos no processo de
aprendizagem. Para elas, os professores têm um papel importante com
relação ao desenvolvimento das funções executivas.

Nesse sentido, o ambiente poderá potencializar ou limitar o desen-


volvimento com relação a essas capacidades humanas, que são tão
importantes para a aprendizagem da leitura, considerando o fator ex-
trínseco, além do fator intrínseco.

Artigo

http://www.scielo.org.co/pdf/apl/v36n3/2145-4515-apl-36-03-511.pdf.

No artigo Funções executivas, habilidades sociais e comportamento distributivo


na infância, disponibilizado na Scielo, os autores Renata Reis e Leonardo
Sampaio apresentam os resultados de uma pesquisa que realizaram acerca
do papel das funções executivas no desenvolvimento de habilidades sociais.

Acesso em: 16 nov. 2021.

4.4 Estratégias de ensino e a


Vídeo aprendizagem da leitura
Aprender a ler requer a compreensão acerca da relação grafofo-
nêmica, ou seja, o reconhecimento das letras empregadas para a re-
presentação de cada um dos fonemas, a decodificação. Também, a
aprendizagem da leitura exige a fluência, que é considerada uma ponte
para a compreensão da leitura.

Segundo Dehaene (2012), quando se fala no ensino da leitura,


devemos considerar a etapa de decodificação como fundamental para
o desenvolvimento da habilidade de ler.

Nessa perspectiva, é necessário que o encaminhamento metodo-


lógico referente à aprendizagem da leitura contemple atividades que
possibilitem o desenvolvimento relacionado à consciência fonológica e
ao reconhecimento da relação grafofonêmica.

É importante que o aprendiz seja levado a “reconhecer, memori-


zar e traçar a forma das letras” (DEHAENE, 2012, p. 245). Sendo que o
autor defende que esses encaminhamentos ocorram ainda na Educa-
ção Infantil.

Processos cognitivos e estratégias de ensino para a compreensão leitora 105


Justi e Pollo (2019) citam vários estudos
que reforçam a importância do conhecimento
do alfabeto para a aprendizagem da leitura e
da escrita. Esse conhecimento inclui o do som
das letras, do nome das letras, entre outros.

Para os pesquisadores, esse conheci-


FamVeld/Shutterstock

mento interfere nos resultados positivos em


etapas posteriores no que se refere à alfabe-
tização. Dito isso, os autores defendem que
esse conhecimento seja explorado desde a
última etapa da Educação Infantil.

Com base em diferentes estudos, Justi e Pollo (2019) sugerem al-


guns encaminhamentos para o conhecimento do alfabeto, como pode-
mos observar a seguir:
Figura 3
Implicações práticas para o conhecimento do alfabeto

artyway/Shutterstock
Explicar aos aprendizes sobre a importância do alfabeto.

Explorar as letras dos nomes das crianças, como primeira experiência diante
da exploração do alfabeto.

Expor, com frequência, as crianças à exploração do alfabeto. A frequência


é importante para a aprendizagem, com resultados melhores do que uma
prática condensada em um único dia, mesmo por longo tempo.

Expor as letras na parede da sala, na altura das crianças.

Comparar e contrastar letras novas com as letras já conhecidas pelas


crianças.

Explorar o som da letra em palavras que iniciam com ela.

Organizar um ambiente lúdico para a exploração das letras do alfabeto.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Justi; Pollo, 2019.

106 Fundamentos de alfabetização e letramento


No entanto, não basta a exploração da grafia, há necessidade de
que o aprendiz seja exposto às situações em que tenha que refletir so-
bre os sons da língua e emitir a palavra de modo oral para a percepção
das correspondências grafofonêmicas.Algumas atividades são indica-
das por Correa e Ferreira (2019), com base nos estudos de Shaywitz
(2006), dentre elas, a análise fonológica das palavras e a vocalização da
palavra escrita.

Para Lyra e Eisenberg (2019, p. 138), que citam Morais (1996), a


consciência fonológica “inclui a capacidade de refletir sobre os sons da
fala e sua organização na formação de palavras. Assim, ser capaz de
identificar rimas (balão, João, sabão), aliterações (o rato roeu a roupa
do rei de Roma), perceber que dentro de palavras podemos encontrar
outras (tucano, cano, ano)”.

Essa habilidade metalinguística tanto facilita como desenvolve a


aprendizagem da leitura e da escrita. Por essa razão, é uma importante
habilidade a ser considerada no processo de alfabetização, especifica-
mente no que se refere à decodificação.

Segundo Barrera e Santos (2019, p. 165), é na fase alfabética com-


pleta que a criança é capaz de decodificar. Nessa fase, as crianças
“aprendem a relacionar as letras presentes nas palavras aos sons apro-
priados e, em seguida, aglutinam os sons em sequência para identificar
palavras, mesmo não familiares”.

Portanto, o aprendiz não é capaz de se tornar um verdadeiro leitor


nas fases de escrita pré-alfabética e parcialmente alfabética. Somen-
te na fase alfabética completa é que a leitura de palavras se efetiva,
uma vez que “a estratégia de decodificação ativa conexões entre letras
e sons e contribui para o armazenamento da grafia das palavras na
memória” e tal ativação possibilita que “a forma escrita das palavras se
conecte à sua pronúncia e ao seu significado armazenados na memó-
ria, formando novas conexões entre a representação ortográfica das
palavras escritas e sua pronúncia e significado” (BARRERA; SANTOS,
2019, p. 165).

Nessa fase alfabética completa, os aprendizes reconhecem com


maior agilidade uma palavra escrita, especialmente palavras que co-
nhecem de memória ou que possam ser identificadas por analogia a
outras já conhecidas. Por exemplo: pato/sapato/; mala/mapa.

Processos cognitivos e estratégias de ensino para a compreensão leitora 107


Segundo Barrera e Santos (2019, p. 166), após a fase alfabética, o
aprendiz adentrará a fase alfabética consolidada, em que será “capaz
de fazer conexões entre ortografia e fonologia, envolvendo unidades
maiores que o grafema e o fonema, e os tipos predominantes de co-
nexões retidas na memória passam a ser morfográficos (palavras fre-
quentes, prefixos e sufixos)”.

Portanto, na fase pré-alfabética e na fase parcialmente alfabética,


Barrera e Santos (2019) caracterizam os aprendizes como pré-leitores.
A leitura de palavras se torna possível na fase alfabética completa e é
aperfeiçoada na fase denominada alfabética consolidada.

De fato, nesse último momento, o aprendiz compreendeu o funcio-


namento do sistema de escrita alfabética, ou seja, percebeu as relações
grafofonêmicas. Inclusive, adquiriu progressivamente a compreensão
sobre as regras simples e complexas no que se refere às questões mor-
fossintáticas. Ainda, adquiriu um léxico mental ortográfico, possibilitan-
do a automatização na tarefa de ler (BARRERA; SANTOS, 2019).

No entanto, vale ressaltar que enfatizar a decodificação e negligen-


ciar a compreensão repercute desfavoravelmente na aprendizagem da
leitura, uma vez que “parte-se do pressuposto que uma vez domina-
do o sistema de notação (vulgo código), o leitor será capaz de usar as
competências leitoras e linguísticas e seus conhecimentos para extrair
sentido do que ler” (VIANA et al., 2019, p. 182).

Conforme apontam Roazzi, Hodges e Nobre (2019), o bom desem-


penho na decodificação não é equivalente ao desempenho satisfató-
rio na compreensão de um texto. Essas são habilidades diferentes que
precisam ser aprendidas no processo de aprendizagem da leitura.

Nessa perspectiva, é importante ressaltar que o reconhecimento de


palavras e frases não é sinônimo de compreensão. Pois compreender
um texto é “um processo sofisticado no qual o leitor procura verificar
a congruência expressa no texto e inferir significados que assegurem a
coerência da representação mental” (ROAZZI; HODGES; NOBRE, 2019,
p. 18).

Quando se fala na compreensão da leitura é importante conside-


rar que compreender um texto é uma “atividade de construção que
permite ao leitor alcançar uma representação integrada e coerente
da situação descrita pelo texto”, tal atividade é dependente “tanto de

108 Fundamentos de alfabetização e letramento


competências linguísticas quanto de competências sociais, cognitivas e
metacognitivas” (ROAZZI; HODGES; NOBRE, 2019, p. 17).

Portanto, quando é dito sobre a compreensão de textos, falamos do


ensino explícito, uma vez que essa habilidade linguística “é aprendida
e desenvolvida mediante interações socioculturais qual é o meio em
que se vive, não sendo uma capacidade genética” (ROAZZI; HODGES;
NOBRE, 2019, p. 18).

Para compreender os textos que leem, os aprendizes precisam desse


ensino explícito. Segundo Roazzi, Hodges e Nobre (2019), com base
em estudos científicos, a compreensão de textos pode ser proposta a
partir de três modelos: o primeiro caracterizado por processos ascen-
dentes (bottom-up); o segundo com base em processos descendentes
(top-down); e o terceiro fundamentado em processos interacionais ou
interativos (bottom-up/top-down).

O primeiro modelo tem como enfoque a decodificação do texto, ou


seja, “o texto é elaborado pelo leitor a partir de pequenas unidades
e o processo básico que o caracteriza é a decodificação” sem que as
informações contextuais sejam consideradas pertinentes e “experiên-
cias, conhecimentos prévios e escolhas de estratégias cognitivas são
minimizadas” (ROAZZI; HODGES; NOBRE, 2019, p. 20-21).

De acordo com os pesquisadores, esse modelo tradicional não


possibilita o levantamento de questionamentos durante a leitura de
um texto, como também não propicia que o texto seja problematizado
após a sua leitura. Tais ausências se mostram desfavoráveis à aprendi-
zagem da leitura, uma vez que “a formulação de perguntas durante ou
após a leitura de um texto, aos poucos, pode levar os alunos a se apro-
priarem de estratégias de monitoramento da compreensão” (ROAZZI;
HODGES; NOBRE, 2019, p. 22).

No modelo de compreensão de texto caracterizado por processos


descendentes (top-down) acreditamos que “o processamento da leitura
é elaborado em sentido descendente, de unidades mais globais para as
mais discretas”. Sendo que, nesse modelo, “o leitor cria expectativas e
procura no texto só as informações que deseja encontrar e que são, de
certa forma, importantes para a leitura do texto e sua compreensão”
(ROAZI; HODGES; NOBRE, 2019, p. 22).

Nesse modelo, é valorizado o conhecimento prévio do leitor,


que terá espaço para fazer inferências, ou seja, para que o tex-

Processos cognitivos e estratégias de ensino para a compreensão leitora 109


to seja compreendido há necessidade de ativar os conhecimentos
prévios do leitor. Assim sendo, são ativadas
todas as nossas experiências em conjunto que formam os es-
quemas durante o processo de leitura [...] tendo como base
experiências vivenciadas anteriormente que facilitam o enten-
dimento dos textos, visto que as informações armazenadas na
memória podem ser usadas para fazer inferências, sobretudo
em situações novas. (ROAZI; HODGES; NOBRE, 2019, p. 25)

Os pesquisadores afirmam que para a compreensão de um tex-


to as informações contextuais são importantes, bem como o esta-
belecimento de inferências e a ativação de conhecimentos prévios
do leitor. Além disso, os textos presentes no cotidiano são objetos
de reflexão, considerando inadequadas as atividades que envol-
vem a decodificação e a exploração de textos artificiais.

No entanto, os modelos caracterizados por processos interacio-


nais ou interativos (bottom-up/top-down) se mostram mais adequa-
dos quando da aprendizagem e ensino da leitura. Roazzi, Hodges
e Nobre (2019, p. 28) explicam que “para ler e entender o que está
sendo lido é necessário tanto o reconhecimento rápido e eficien-
te das palavras como a capacidade de prever o que aparecerá no
texto”.

Por essa razão, os pesquisadores defendem que os modelos


bottom-up e top-down precisam interagir. Para eles, “o leitor pre-
cisa tanto de um repertório sobre questões morfológicas, léxicas,
semânticas e sintáticas quanto lançar mão de estratégias para le-
vantar e verificar hipóteses” (ROAZI; HODGES; NOBRE, 2019, p. 29).

Nessa perspectiva, Roazzi, Hodges e Nobre (2019) indicam ope-


rações que são necessárias para a compreensão de um texto: fo-
calizar nas informações pertinentes do texto; fazer inferências,
identificando ideias explícitas e implícitas; conectar as informações
textuais com os conhecimentos prévios.

Ademais, Viana et al. (2019, p. 182) citam as estratégias que pre-


cisam ser empregadas no ensino explícito para que os aprendizes

110 Fundamentos de alfabetização e letramento


possam ser capazes de ultrapassar a decodificação e compreender
os textos que leem.
a) planificar, monitorar e avaliar os processos de compreensão;
b) fazer previsões ou formular hipóteses sobre o conteúdo do
texto (antes ou durante a leitura); c) fazer resumos; d) ativar co-
nhecimentos prévios; e) convocar os conhecimentos prévios;
f) responder a perguntas; g) formular perguntas e responder a
estas; h) encontrar ou destacar as ideias principais; i) encontrar o
significado de palavras ou expressões desconhecidas; j) realizar
inferências; k) elaborar narrativas, atendendo às ideias princi-
pais; l) utilizar estratégias de visualização do texto.

Essas estratégias foram empregadas em diferentes estudos cientí-


ficos e demonstraram beneficiar os participantes das intervenções no
que se refere ao processo de desenvolvimento da habilidade de ler.
São estratégias que podem ser incorporadas antes, durante e após a
leitura de um texto.

No quadro a seguir, temos os diferentes tipos de processos ne-


cessários para que a compreensão leitora se efetive, divididos em:
compreensão literal, reorganização, compreensão inferencial e com-
preensão crítica.
Quadro 3
Tipos de processos para a compreensão leitora

Tipo de processo Definições e operacionalização


Reconhecimento de toda a informação explicitamente incluí-
da em um texto:
• Reconhecimento de ideias principais.
Compreensão literal • Reconhecimento de detalhes.
• Reconhecimento de comparações.
• Reconhecimento de relações de causa-efeito.
• Reconhecimento de trações de caráter de personagens.
Sistematização, esquematização ou resumo da informação,
consolidando ou reordenando as ideias a partir da informa-
ção que se vai obtendo de forma que se possa conseguir
uma síntese compreensiva:
Reorganização
• Classificar.
• Esquematizar.
• Resumir.
• Sintetizar.
(Continua)

Processos cognitivos e estratégias de ensino para a compreensão leitora 111


Tipo de processo Definições e operacionalização
Ativação do conhecimento prévio do leitor e formulação de
antecipações ou suposições sobre o conteúdo do texto a
partir dos indícios que proporcionam a leitura:
• Dedução da ideia principal.
• Dedução de uma sequência.
• Dedução de detalhes.
Compreensão
• Dedução de comparações.
inferencial
• Dedução de relações de causa-efeito.
• Dedução de traços de caráter de personagens.
• Dedução de características e aplicação de uma nova.
• Predição de resultados.
• Hipóteses de continuidade de uma narrativa.
• Interpretação de linguagem figurativa.
Formação de juízos próprios, com respostas de caráter sub-
jetivo (identificação com as personagens da narrativa e com
sujeitos poéticos, com a linguagem do autor, interpretação
pessoal com base em reações criadas por meio da imagem
Compreensão crítica literária):
• Juízos de atos e de opiniões.
• Juízos de suficiência e de validade.
• Juízos de propriedade.
• Juízos de valor, de conveniência e aceitação.

Fonte: Viana et al., 2017.

Para representar cada um desses processos, os pesquisadores portu-


gueses criaram personagens como estratégia para mobilizar a compreen-
são de crianças acerca dos textos lidos e explorados por meio do ensino
explícito. São personagens criados para exemplificar os tipos de processos
que precisam ser ativados para mobilizar a compreensão de textos.

No material elaborado por meio do Programa Nacional do Ensino


de Português (PNEP), ao se deparar com um dos personagens, que apa-
recem nos textos explorados, o estudante é convidado a colocar em
ação um determinado processo em prol da sua compreensão leitora.

Viana et al. (2017) explicam o que representa cada personagem


da chamada Família Compreensão: Vicente Inteligente, Juvenal Literal,
Gustavo Significado, Durval Inferencial, Francisca Crítica, Conceição
Reorganização.

O personagem Vicente Inteligente aparece durante a exploração de


um gênero textual para mobilizar a criança a pensar e não se precipitar
na resposta a uma questão sobre o texto. Além disso, entender que
quando não se sabe uma resposta, é possível pedir ajuda aos demais

112 Fundamentos de alfabetização e letramento


personagens. Assim, vemos que essa representação pode permitir que
a criança seja mobilizada a refletir sobre o texto. Esse personagem en-
fatiza a necessidade de outros integrantes entrarem em ação para a
compreensão leitora.

Um personagem importante da Família Compreensão é o Gus-


tavo Significado. Quando ele aparece durante a exploração de um
texto, isso significa que o estudante é convidado a refletir sobre o
significado de palavras desconhecidas. Pois o personagem instiga a
criança a perguntar, ser questionadora, ser curiosa diante de pala-
vras apresentadas em um texto.

Quando Juvenal Literal aparece, indica que o estudante refletirá so-


bre as ideias explícitas no texto. Além disso, o aluno é estimulado a
responder as questões com as informações contidas no texto, sendo
orientado a respondê-las com as suas palavras, e não somente copiar
o que está presente no gênero textual explorado.

Ao refletir sobre as ideias implícitas, outro personagem entra em


ação: Durval Inferencial. Ele precisa do auxílio de Gustavo Significado e
de Conceição Reorganização para que o estudante consiga compreen-
der o texto e as informações que não estão explicitamente disponíveis
nele. Além disso, esse personagem também busca mobilizar os conhe-
cimentos prévios do leitor do texto, representando a importância das
inferências para que seja possível compreender o texto lido.

A personagem que auxilia na apresentação de inferências é a Con-


ceição Reorganização. Seu papel é instigar o estudante para que ele Site
possa sintetizar as principais ideias do texto. No site do Ministério da
Educação de Portugal,
Por último, temos a Francisca Crítica. Seu papel é estimular o lei- é possível conhecer
tor do texto a se posicionar criticamente em relação ao conteúdo, mais sobre a Família
Compreensão, além das
principalmente por meio do levantamento de questões que serão estratégias que podem
respondidas com a ativação dos processos anteriores: inferências, co- ser implementadas em
prol da compreensão de
nhecimentos prévios, informações explícitas, implícitas, significado de textos pelos estudantes.
palavras e reorganização textual, representados pelos seus respectivos Fora isso, você poderá en-
contrar outros materiais
personagens. acerca do ensino explícito
da leitura.
O estudo realizado por Viana et al. (2017), que analisou o pro-
Disponível em: http://www.
grama de intervenção denominado Aprender a compreender torna
dge.mec.pt/materiais-didaticos-
mais fácil o saber, que fez uso da Família Compreensão, demostrou elaborados-no-ambito-do-pnep.
Acesso em: 16 nov. 2021.
resultados satisfatórios na compreensão de textos por estudantes
portugueses do 4º ano.

Processos cognitivos e estratégias de ensino para a compreensão leitora 113


Portanto, a estratégia de adotar os personagens que representam
os processos envolvidos para a compreensão textual, bem como ou-
tros encaminhamentos até aqui citados, possibilitam a implementação
de um ensino explícito que não somente vise à decodificação, mas tam-
bém, à compreensão quando se trata dos processos de ensino e apren-
dizagem da leitura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo verificamos como é o funcionamento cerebral no
que tange à aprendizagem da leitura. Foi possível reconhecer estraté-
gias que podem ser empregadas para o processamento ortográfico,
fonológico e semântico desempenhado para a compreensão leitora.
Os estudos visitados neste capítulo permitiram a apresentação de
uma discussão acerca da importância das funções executivas na aprendi-
zagem da leitura. Por meio deles, reconhecemos as funções básicas, bem
como as de alto funcionamento. Ademais, verificamos intervenções que
podem ser efetuadas a fim de potencializar o desenvolvimento dessas
capacidades humanas.
Além disso, discutimos acerca do conceito, das características predo-
minantes em pessoas que apresentam um transtorno de leitura reco-
nhecido como dislexia, bem como as intervenções necessárias para que
pessoas disléxicas possam aprender a ler.
Além disso, foi possível compreender estratégias de ensino que po-
derão beneficiar estudantes em processo de alfabetização no que tange
à compreensão de textos, entendendo que práticas que fazem alusão
apenas à decodificação se mostram insuficientes para que uma pessoa
possa compreender o texto lido.
Se queremos que os estudantes sejam capazes de ler e entender o
que leem, é essencial que o ensino explícito considere pertinente a expo-
sição dos aprendizes a diferentes estratégias que mobilizem a compreen-
são da leitura.
Esperamos que você tenha compreendido quais estratégias de ensino
beneficiam a compreensão da leitura dos estudantes, seja em processo
inicial ou de consolidação da alfabetização.

114 Fundamentos de alfabetização e letramento


ATIVIDADES
Atividade 1
Vídeo Com base neste capítulo, elabore um texto argumentativo que
explique como ocorre o processamento da leitura em nossa
estrutura cerebral. Em seu texto, insira, pelo menos, uma citação
do capítulo para reforçar seus argumentos.

Atividade 2
Vídeo Conceitue dislexia, apresentando as principais características de
pessoas com esse transtorno e as intervenções que podem ser
empregadas junto a elas.

Atividade 3
Vídeo Aline é professora de uma turma de estudantes que se encontram
em processo de aprendizagem da leitura. Ela percebe que alguns
estudantes decodificam e que outros compreendem os textos
explorados. Elabore uma apresentação no Canva sobre o signifi-
cado de decodificação e compreensão. Além disso, apresente as
estratégias que precisam ser empregadas para que os estudantes
sejam capazes de compreender os textos que leem.

REFERÊNCIAS
BARRERA, S. D.; SANTOS, M. J. Como se aprende a ler e escrever: a compreensão do
princípio alfabético. In: SANTOS, M. J.; BARRERA, S. D. (org.). Aprender a ler e escrever: bases
cognitivas e práticas pedagógicas. São Paulo: Vetor, 2019.
CORREA, J.; FERREIRA, J. M. O cérebro que aprende a ler. In: SANTOS, M. J.; BARRERA, S. D.
(org.). Aprender a ler e escrever: bases cognitivas e práticas pedagógicas. São Paulo: Vetor, 2019.
COSENZA, R.; GUERRA, L. B. Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto
Alegre: Artmed, 2011.
DEHAENE, S. Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa capacidade de ler.
Porto Alegre: Penso, 2012.
GARDNER, H. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1994.
GUIMARÃES; S. R. K.; MEDINA, G. B. K. A importância das funções executivas para a
aprendizagem da linguagem escrita. In: SANTOS, M. J.; BARRERA, S. D. (org.). Aprender a ler
e escrever: bases cognitivas e práticas pedagógicas. São Paulo: Vetor, 2019.

Processos cognitivos e estratégias de ensino para a compreensão leitora 115


JUSTI, C. N. G.; POLLO, T. C. O conhecimento do nome das letras e o aprendizado da
leitura e da escrita. In: SANTOS, M. J.; BARRERA, S. D. (org.). Aprender a ler e escrever: bases
cognitivas e práticas pedagógicas. São Paulo: Vetor, 2019.
LYRA, J. T.; EISENBERG, Z. Consciência fonológica: como a incluir nas práticas diárias da sala
de aula? In: SANTOS, M. J.; BARRERA, S. D. (org.). Aprender a ler e escrever: bases cognitivas
e práticas pedagógicas. São Paulo: Vetor: 2019.
ROAZZI, A.; HODGES, L.; NOBRE, A. Compreensão de textos e seus processos: para uma
didática da compreensão. In: GUIMARÃES, S. R. K.; PAULA, F. V. (org.). Compreensão da
leitura: processos cognitivos e estratégias de ensino. São Paulo: Vetor, 2019.
RODRIGUES, S. D.; CIASCA, S. M. Dislexia na escola: identificação e possibilidades de
intervenção. Revista Psicopedagogia, v. 33, n. 100, p. 86-97, 2016. Disponível em: https://
www.revistapsicopedagogia.com.br/detalhes/21/dislexia-na-escola--identificacao-e-
possibilidades-de-intervencao. Acesso em: 16 nov. 2021.
SANTOS, M. J.; BARRERA, S. D. (org.). Aprender a ler e escrever: bases cognitivas e práticas
pedagógicas. São Paulo: Vetor, 2019.
SHAYWITZ, S. Entendendo a dislexia. Porto Alegre: Artmed, 2006.
VIANA, F. et al. O ensino explícito da compreensão da leitura. Análise do impacto de um
programa de intervenção. Revista Brasileira de Educação, v. 22, n. 71, 2017. Disponível
em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/3qfznKcLTShbGwjd6Q59xhL/?format=pdf&lang=pt.
Acesso em: 16 nov. 2021.
VIANA, F. et al. Ensinar a compreender: perspectivas e propostas. In: GUIMARÃES, S. R. K.;
PAULA, F. V. (org.). Compreensão da leitura: processos cognitivos e estratégias de ensino.
São Paulo: Vetor, 2019.

116 Fundamentos de alfabetização e letramento


5
A produção de textos no
processo de alfabetização
Neste capítulo abordaremos a produção de textos no processo de alfabetiza-
ção. Queremos que você seja capaz de reconhecer as etapas na produção de um
texto, bem como as estratégias que podem beneficiar a competência na escrita,
em especial aquelas empregadas na revisão textual.
Começaremos com uma discussão acerca da produção de textos individuais
e coletivos, buscando responder aos seguintes questionamentos: quais as orien-
tações legais quanto à produção de texto no processo de alfabetização? O que
os autores falam a respeito da produção de textos no processo de alfabetização?
Quais as orientações quanto às produções a serem realizadas pelos estudantes
em processo de alfabetização? Elas devem ser individuais e/ou coletivas?
Na sequência trataremos das três etapas no processo de produção de um
texto: planejamento, escrita propriamente dita e revisão. Buscaremos responder
aos seguintes questionamentos: é importante planejar a escrita de um texto antes de
escrevê-lo? Que estratégias podem ser adotadas na etapa de planejamento
de um texto? Qual a importância da revisão textual? Quando é importante que o
estudante efetive a revisão de um texto?
Por fim serão compartilhadas estratégias para o aperfeiçoamento da escrita,
buscando responder aos seguintes questionamentos: quais são os benefícios da
revisão no processo de aprendizagem da escrita? Que estratégias podem ser ado-
tadas na revisão de um texto?

Objetivos de aprendizagem
Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:
• Reconhecer as etapas na produção de um texto, bem como as estra-
tégias de revisão textual que podem beneficiar a escrita na consoli-
dação da alfabetização.

A produção de textos no processo de alfabetização 117


5.1
Vídeo
A escrita de textos individuais e/ou coletivos
Para iniciar a discussão sobre a produção de textos individuais e co-
letivos, tomaremos como base a BNCC (2017) e a PNA (2019), documen-
tos que norteiam as ações pedagógicas no que se refere à produção de
textos nos períodos importantes de escolaridade relativos à alfabetiza-
ção: a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental.

Nos últimos anos foi implementada a Base Nacional Comum Curricu-


lar (BNCC). Esse documento defende a exposição das crianças aos dife-
rentes gêneros textuais, a começar na Educação Infantil. Recomenda,
também, a exploração de diferentes gêneros discursivos ao longo do
Ensino Fundamental. Há uma defesa quanto à centralidade do texto no
processo de aprendizagem da leitura e da escrita.

Na Educação Infantil é recomendado que a produção de textos seja


efetuada de modo colaborativo e que as crianças vivenciem a escrita
espontânea tanto de palavras quanto de textos.

Para a BNCC (BRASIL, 2017), é importante que as crianças tenham


oportunidades de dialogar no contexto da Educação Infantil. O docu-
mento recomenda a valorização da participação oral das crianças, bem
como a promoção de momentos em que elas possam ouvir e elaborar
histórias, individualmente ou em grupo.

Além disso, defende que as crianças tenham contato com livros e


possam manuseá-los, bem como que tenham contato com diferentes
gêneros literários. Também recomenda que as crianças sejam expostas
a experiências em que percebam diferenças entre ilustração e texto
escrito e apreendam a direção da escrita.

É evidente ainda a defesa em relação ao trabalho com a literatura in-


fantil e ao papel do educador como mediador nos momentos de explo-
ração do universo literário. O documento recomenda, ainda, o contato
com textos literários diversos: contos, fábulas, poemas, cordéis etc.

Ao visitar os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento delimi-


tados para a Educação Infantil, podemos identificar ao menos quatro
que tratam sobre a produção de textos nesse período de escolaridade.

118 Fundamentos de alfabetização e letramento


Quadro 1
A produção de textos na BNCC – Educação Infantil

Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses)


Código Objetivo de aprendizagem e desenvolvimento
Recontar histórias ouvidas e planejar coletivamente roteiros de
(EI03EF04) vídeos e de encenações, definindo os contextos, os personagens,
a estrutura da história.
Recontar histórias ouvidas para produção de reconto escrito, ten-
(EI03EF05)
do o professor como escriba.
Produzir suas próprias histórias orais e escritas (escrita espontâ-
(EI03EF06)
nea), em situações com função social significativa.
Levantar hipóteses em relação à linguagem escrita, realizando
(EI03EF09)
registros de palavras e textos, por meio de escrita espontânea.

Fonte: Adaptado de Brasil, 2017.

No Quadro 1 observamos os objetivos de aprendizagem e desen-


volvimento referentes à produção de texto – contemplados no campo
de experiência “escuta, fala, pensamento e imaginação” – para crianças
que se encontram na faixa etária de 4 anos a 5 anos e 11 meses.

Antes desse período, com as crianças bem pequenas, defende-se a


produção oral, o manuseio de suportes textuais, o relato oral, o recon-
to oral de história etc.

Vemos, portanto, que há indicação de que as crianças pequenas se-


jam expostas a situações em que tenham que planejar textos de modo
coletivo. Há indicação de reconto de histórias tendo o professor como
escriba e de produção de histórias individualmente, de modo espontâ-
neo, além da escrita espontânea de palavras e textos.

Para o Ensino Fundamental, a BNCC preconiza a importância da


continuidade do trabalho desenvolvido na Educação Infantil. Defende
ainda que o texto deve ter um papel central, de modo que seja possível
propiciar o uso da leitura e da escrita por meio de contextos de produ-
ção que considerem as diferentes mídias e semioses (BRASIL, 2017).

Nessa perspectiva, definem-se conteúdos, habilidades e objetivos


com base nos gêneros discursivos que circulam em diferentes esferas/
campos sociais em que se faz necessário usar a linguagem, seja verbal
ou não verbal. Sendo assim, a BNCC apresenta os campos de atuação
dos gêneros textuais a serem considerados nos anos iniciais do Ensino
Fundamental.

A produção de textos no processo de alfabetização 119


Quadro 2
Campos de atuação

Anos iniciais
Campo da vida cotidiana
Campo artístico-literário
Campo das práticas de estudo e pesquisa
Campo da vida pública

Fonte: Adaptado de Brasil, 2017.

Nessa exposição, vemos a indicação de que nos anos iniciais sejam


explorados diferentes gêneros textuais, considerando os campos de
atuação que são indicados para esse período de escolaridade. Por exem-
plo, no campo de atuação da vida cotidiana temos como exemplo os gê-
neros convite, cartaz, lista, bilhete, cardápio, regra de jogo, receita, entre
outros. Já no campo artístico-literário podemos citar a quadrinha, o poe-
ma, o cordel, a charge etc. No campo das práticas de estudo e pesquisa
estão quadro, gráfico, relato de experimento, entrevista, infográfico, en-
tre outros. Por sua vez, o campo da vida pública contempla a notícia, a re-
portagem, a carta do leitor, o texto de campanha de conscientização etc.

Além disso, há de se considerar o letramento digital nas práticas de


linguagem. No entanto, o documento faz a ressalva de que
não se trata de deixar de privilegiar o escrito/impresso nem de
deixar de considerar gêneros e práticas consagrados pela esco-
la, tais como notícia, reportagem, entrevista, artigo de opinião,
charge, tirinha, crônica, conto, verbete de enciclopédia, artigo de
divulgação científica etc., próprios do letramento da letra e do
impresso, mas de contemplar também os novos letramentos,
essencialmente digitais. (BRASIL, 2017, p. 71)

As práticas de linguagem são identificadas na BNCC como: oralida-


de, leitura/escuta, produção de textos e análise linguística/semiótica.
Sendo assim, o trabalho diante do componente Língua Portuguesa,
dentro da área de Linguagens, deve considerar tais práticas norteado-
ras do ensino.

No quadro a seguir são apresentados os objetos do conhecimento


referentes à produção de textos dos gêneros de todos os campos de
atuação, conforme prescreve a BNCC, para a etapa do 1º ao 5º ano.

120 Fundamentos de alfabetização e letramento


Quadro 3
Habilidades a serem desenvolvidas – produção de textos – todos os campos de atuação

Objeto de Conhecimento Código Habilidade


Planejar, com a ajuda do professor, o texto que será produzido,
considerando a situação comunicativa, os interlocutores (quem
escreve/para quem escreve); a finalidade ou o propósito (escrever
para quê); a circulação (onde o texto vai circular); o suporte (qual
Planejamento (EF15LP05)
é o portador do texto); a linguagem, organização e forma do texto
e seu tema, pesquisando em meios impressos ou digitais, sempre
que for preciso, informações necessárias à produção do texto, or-
ganizando em tópicos os dados e as fontes pesquisadas.
Reler e revisar o texto produzido com a ajuda do professor e a
colaboração dos colegas, para corrigi-lo e aprimorá-lo, fazendo
Revisão de textos (EF15LP06)
cortes, acréscimos, reformulações, correções de ortografia e pon-
tuação.
Editar a versão final do texto, em colaboração com os colegas e
Edição de textos (EF15LP07) com a ajuda do professor, ilustrando, quando for o caso, em su-
porte adequado, manual ou digital.
Utilizar software, inclusive programas de edição de texto, para
Utilização de tecnologia digital (EF15LP08) editar e publicar os textos produzidos, explorando os recursos
multissemióticos disponíveis.

Fonte: Adaptado de Brasil, 2017.

Para os 1º e 2º anos, considerando o campo da vida cotidiana,


é recomendada a escrita compartilhada e autônoma, como podemos
observar nas habilidades definidas para as práticas de linguagem: es-
crita e oralidade.
Quadro 4
Habilidades a serem desenvolvidas – escrita e oralidade – campo da vida cotidiana

(EF01LP17) Planejar a produzir, em colaboração com os


colegas e com a ajuda do professor, listas, agendas, ca-
(EF02LP13) Planejar e produzir bilhetes e cartas, em meio
lendários, avisos, convites, receitas, instruções de mon-
impresso e/ou digital, dentre outros gêneros do campo da
tagem e legendas para álbuns, fotos ou ilustrações (digi-
vida cotidiana, considerando a situação comunicativa e o
tais ou impressos), dentre outros gêneros do campo da
tema/assunto/finalidade do texto.
vida cotidiana, considerando a situação comunicativa e o
tema/assunto/finalidade do texto.
(EF01LP18) Registrar, em colaboração com os colegas e
(EF02LP14) Planejar e produzir pequenos relatos de ob-
com a ajuda do professor, cantigas, quadras, quadrinhas,
servação de processos, de fatos, de experiências pessoais,
parlendas, trava-línguas, dentre outros gêneros do cam-
mantendo as características do gênero, considerando a
po da vida cotidiana, considerando a situação comunica-
situação comunicativa e o tema/assunto do texto.
tiva e o tema/assunto/finalidade do texto.
(Continua)

A produção de textos no processo de alfabetização 121


(EF12LP05) Planejar e produzir, em colaboração com os colegas e com a ajuda do professor, (re)contagem de histó-
rias, poemas e outros textos versificados (letras de canção, quadrinhas, cordel), poemas visuais, tiras e histórias em
quadrinhos, dentre outros gêneros do campo artístico-literário, considerando a situação comunicativa e a finalidade
do texto.
(EF12LP06) Planejar e produzir, em colaboração com os colegas e com a ajuda do professor, recados, avisos, convites,
receitas, instruções de montagem, dentre outros gêneros do campo da vida cotidiana, que possam ser repassados
oralmente por meio de ferramentas digitais, em áudio ou vídeo, considerando a situação comunicativa e o tema/
assunto/finalidade do texto.
(EF01LP19) Recitar parlendas, quadras, quadrinhas, tra-
(EF02LP15) Cantar cantigas e canções, obedecendo ao rit-
va-línguas, com entonação adequada e observando as
mo e à melodia.
rimas.

Fonte: Brasil, 2017, p. 103.


Vemos, nesse recorte da tabela apresentada na BNCC – consideran-
do os gêneros contemplados no campo de atuação da vida cotidiana –,
que há indicação de que a produção de texto seja efetivada pelos estu-
dantes, tanto em colaboração com os colegas quanto com a ajuda dos
professores. Essa mesma indicação pode ser percebida ao longo das
orientações, considerando os demais campos de atuação, para os dois
primeiros anos do Ensino Fundamental, em que o foco é a alfabetização.

Portanto, a produção de texto poderá ser compartilhada ou autôno-


ma e deverá contemplar os seguintes objetos de conhecimento: plane-
jamento, revisão de textos, edição de textos e utilização da tecnologia
digital – conforme apresentado no Quadro 3.

Também é possível perceber a recomendação da escrita autônoma


e compartilhada de textos para estudantes do 3º ao 5º ano, quando se
espera que ocorra a consolidação da alfabetização, segundo a BNCC.
Quadro 5
Escrita autônoma/escrita compartilhada – 3º ao 5º ano

Campo de atuação Estratégia recomendada


Campo da vida cotidiana Escrita compartilhada
Campo da vida pública Escrita compartilhada
Campo das práticas de estudo e pesquisa Escrita autônoma
Campo artístico-literário Escritas compartilhada e autônoma

Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 2017.

No entanto, para esse momento de escolaridade, quando se fala na


prática de produção de texto, a BNCC define outros objetos do conheci-
mento (BRASIL, 2017): construção do sistema alfabético/convenções da
escrita; construção do sistema alfabético/estabelecimento de relações
anafóricas na referenciação e construção da coesão; planejamento de

122 Fundamentos de alfabetização e letramento


texto/progressão temática e paragrafação. Esses objetos do conheci-
mento são delimitados para a exploração de gêneros de todos os cam-
pos de atuação.

Além da BNCC, como documento referencial para a elaboração dos


currículos das escolas brasileiras, temos a Política Nacional de Alfabeti-
zação (PNA), que traz recomendações para o trabalho pedagógico a ser
efetuado junto aos estudantes em processo de alfabetização.

No que se refere à produção de textos, a PNA afirma que:


a produção de escrita diz respeito tanto à habilidade de escrever
palavras, quanto à de produzir textos. O progresso nos níveis de
produção escrita acontece à medida que se consolida a alfabeti-
zação e se avança na literacia. Para crianças mais novas, escrever
ajuda a reforçar a consciência fonêmica e a instrução fônica. Para
crianças mais velhas, a escrita ajuda a entender as diversas tipo-
logias e gêneros textuais. (BRASIL, 2019, p. 34)

Embora a PNA recomende a exploração de gêneros textuais, verifi-


ca-se a defesa que o documento faz de que a produção escrita auxilia
na compreensão dos gêneros textuais somente em crianças mais ve-
lhas. No entanto, quando se fala em produção de textos, considera-se
pouco provável que o fator idade determine o entendimento das crian-
ças em relação aos gêneros textuais.

Nesse sentido, a BNCC apresenta, de modo mais didático e adequa-


do, a distribuição dos gêneros textuais a serem explorados em relação
aos campos de atuação em cada ano de escolaridade, considerando a
exploração dos gêneros textuais tanto para crianças mais novas quan-
to para estudantes mais velhos.

Para a PNA, o processo de alfabetização deve focalizar a consciên-


cia fonêmica, a instrução fônica sistemática, a fluência em leitura oral,
o desenvolvimento de vocabulário, a compreensão de textos e a produ-
ção escrita (BRASIL, 2019).

Com relação à produção escrita, o documento delimita quatro ní-


veis: nível de letra, nível de palavra, nível de frase e nível de texto. Nesse
último torna-se possível “escrever e redigir; refere-se à organização do
discurso e envolve processos que não são específicos da língua escri-
ta, como a memória episódica (memória de fatos vivenciados por uma
pessoa), o processo sintático e semântico” (BRASIL, 2019, p. 34).

A produção de textos no processo de alfabetização 123


Ademais, a PNA (2019) não traz indicações diretas referentes à pro-
dução individual ou coletiva, autônoma ou compartilhada, como preco-
niza a BNCC (2017).

Até aqui verificamos quais as recomendações da BNCC (2017) e da


PNA (2019) em relação à produção de textos na Educação Infantil e nos
anos iniciais do Ensino Fundamental. Também vimos como esses dois
documentos delimitam a produção individual, bem como a produção
coletiva.

Diferentes autores efetuaram pesquisas para tratar sobre a produ-


ção de textos. Visitaremos alguns desses estudos a fim de realizar uma
discussão acerca da pertinência da produção de textos em diferentes
momentos de escolaridade.

Massani-Cagliari (2001) afirma ser importante que as crianças par-


ticipem da produção de textos orais. Os textos produzidos oralmente
podem ser registrados pelo professor e aproveitados para que a crian-
ça em processo de alfabetização perceba a diferença existente entre
fala e escrita.

A produção de texto coletivo pode, então, ser um caminho inicial


na produção de textos por crianças. Nessa produção o professor atua
como escriba, ajudando na transcrição, bem como nas alterações ne-
cessárias para a coesão e coerência do texto.

Para Brandão e Leal (2020, p. 179), ao participar da elaboração de dife-


rentes gêneros textuais, a criança poderá ser mobilizada em seu processo
de aprendizagem “tanto em relação à apropriação do sistema de escrita,
quanto em relação aos aspectos relativos à construção da textualidade”.

Sendo assim, a produção de texto é considerada uma prática re-


levante, uma vez que aprender a escrever um texto não é uma tarefa
simples e requer aperfeiçoamento ao longo dos anos de escolaridade.
Por essa razão, as autoras defendem a produção de texto já na Educa-
ção Infantil.

Além disso, iniciar a produção de texto a partir desse momento de es-


colaridade possibilita que as crianças tenham contanto com a escrita e
ao lidarem com os textos, por meio da mediação de leitores/es-
critores mais experientes, as crianças podem familiarizar-se com
as letras do alfabeto (traçados e nomes), podem observar que
há um sentido da escrita (da esquerda para a direita), que pode-
mos escrever qualquer sequência sonora que emitimos; e que

124 Fundamentos de alfabetização e letramento


podemos oralizar (ler em voz alta) qualquer sequência gráfica
que siga os princípios do sistema. (BRANDÃO; LEAL, 2020, p. 181)

Desse modo, a produção de texto possibilita a compreensão do sis-


tema de escrita alfabética, mesmo que tal compreensão ainda esteja
em desenvolvimento. Para tanto, é imprescindível a mediação de um
leitor/escritor mais experiente, que pode ser o professor.

Além da familiarização com as letras do alfabeto e com a direção da


escrita e da percepção da sequência sonora pronunciada e registrada,
a produção de textos contribui para a fluência na leitura, ou seja, para
a consolidação do processo de alfabetização.

Para Brandão e Leal (2020), as crianças que já compreendem o fun-


cionamento do sistema de escrita alfabética poderão se beneficiar da
produção de textos para que possam aperfeiçoar a fluência e as corres-
pondências grafofônicas.

Nesse contexto, é preciso compreender que a produção de texto


deve partir de um problema a ser resolvido, de uma situação de es-
crita que demanda adotar determinado modelo textual (gênero) pre-
sente em interações vivenciadas no cotidiano. Portanto, é necessário
pensar na finalidade, nos interlocutores e no contexto quando se fala
em produção de texto. Assim, busca-se evitar que a escola seja o in-
terlocutor e que os textos sejam elaborados para cumprir com tarefas
meramente escolares.

Quando o texto é elaborado apenas como uma tarefa escolar, os


escritores em processo de aprendizagem não são levados a refletir so-
bre as expectativas dos destinatários de seus textos (BRANDÃO; LEAL,
2020). Essa reflexão, impossibilitada pela proposta de produção – sem
a definição do destinatário –, é reconhecida como limitada numa con-
cepção de produção que considera pertinente escrever para alguém e
com objetivos definidos a priori.

Para ilustrar a produção de texto dentro dessa perspectiva, vamos


verificar a proposta de uma professora alfabetizadora participante do
estudo desenvolvido por Brandão e Leal (2020, p. 186):
em um dos dias, as crianças produziram uma escrita coletiva de
anúncio para um circo. Nesta aula, as crianças leram um texto
sobre circo e produziram coletivamente um anúncio que “seria
publicado no jornal”, para divulgar que o circo chegaria à cidade.
Assim, havia indicação do gênero a ser produzido (anúncio), da

A produção de textos no processo de alfabetização 125


finalidade (divulgar a chegada do circo para garantir público nos
espetáculos) e do suporte textual (jornal). Implicitamente, os des-
tinatários foram definidos: os leitores do jornal, que poderiam
repassar a informação para outras pessoas da comunidade.

Nessa proposta podemos perceber que há função social para a es-


crita do texto, ou seja, as crianças escreveram coletivamente um texto
que tem um destinatário e um objetivo e que será veiculado num su-
porte. Não se trata de uma tarefa meramente escolar, mas sim de uma
situação sociocomunicativa em que o texto escrito se torna relevante.

Para Brandão e Leal (2020, p. 187), esse é um exemplo significativo


de “uma situação em que as crianças foram inseridas em um contexto,
mesmo que fictício, em que assumiam papéis de interlocutores seme-
lhantes aos vivenciados fora da escola”.

Essa proposta de produção coletiva exigiu planejamento – o pensar


sobre as estratégias para convencer os leitores do texto – e possibili-
tou que as crianças ampliassem seu conhecimento sobre a finalidade
do gênero, sua composição, sua circulação no contexto social, entre
outros aspectos. Ainda, nessa produção coletiva elas “estavam se fami-
liarizando com as letras do alfabeto, o sentido da escrita (da esquerda
para a direita, predominantemente), presenciando uma ação em que
o que era ditado pelos autores era registrado ‘tal e qual’, além de lido
várias vezes ‘sempre com a mesma sequência de palavras’” (BRANDÃO;
LEAL, 2020, p. 187).

Para as autoras, nas atividades de produção de textos em que as


crianças foram expostas a situações significativas, elas puderam se
apropriar de “conhecimentos sobre os gêneros e desenvolver habilida-
des de produção textual, apropriarem-se, também, de conhecimentos
sobre o sistema de escrita e se dedicarem a pensar sobre a escrita das
palavras que compunham os textos” (BRANDÃO; LEAL, 2020, p. 190).

Para Brandão e Leal (2020), na produção de texto coletivo, em que


a professora tem a função de escriba, os estudantes assumem o pro-
tagonismo na apresentação de ideias para a construção do texto. Além
disso, a professora deve atuar como mediadora, efetuando questio-
namentos ao grupo, referentes ao conteúdo do texto, à mensagem,
à organização lógica de ideias, às características estruturais do gênero
em questão, à função do texto, ao destinatário, à grafia de letras e à
construção de palavras.

126 Fundamentos de alfabetização e letramento


As discussões a serem mobilizadas durante a produção de texto co-
letivo, oportunizada especialmente no início do processo de alfabetiza-
ção, são importantes para a aprendizagem inicial da escrita, uma vez
que as crianças ainda possuem pouca experiência com a escrita. É uma
estratégia importante para que as crianças percebam a sequência de
ideias num texto, compreendam a construção de palavras e a direção
da escrita, entre outras possibilidades já citadas anteriormente.

Além da produção coletiva, também é possível propor a elaboração


de textos em duplas ou em grupos. Para Brandão e Leal (2020), a ela-
boração de textos em duplas é relevante porque as crianças ainda não
dominam o sistema de escrita. As autoras também apontam a relevân-
cia da elaboração de textos curtos para que as crianças possam refletir
sobre a construção das palavras.

Outro fator importante apontado pelas autoras em relação à produ-


ção de texto é a ludicidade, indispensável no processo de alfabetização.
Podemos exemplificar a ideia de ludicidade na produção de textos por
meio das práticas pedagógicas em que as crianças são mobilizadas a
brincar de mercado e, portanto, são convidadas a escrever a lista de
compras. Nessas situações, as crianças terão que se envolver no faz de
conta em relação à ida ao mercado.

Sendo assim, é importante levar a criança a imaginar estar na situa-


ção comunicativa proposta para que, efetivamente, a escrita e a leitura
tenham sentido para elas, por serem práticas que refletem o cotidiano.

Para Brandão e Leal (2020, p. 21), “a produção de textos no início


da escolarização não só é possível, como favorece inúmeras aprendi- Vídeo
zagens, além de motivar as crianças a quererem aprender a ler e a es-
No vídeo BNCC na Prática:
crever”. Ademais, as autoras consideram isso como uma prática que textos multissemióticos na
aula de Língua Portuguesa,
permite transformar “as atividades de escrita em brincadeiras de ‘viver
profissionais convidados
os papéis que os adultos desempenham’, ajudando as crianças a me- pela revista Nova Escola
apresentam considera-
lhor compreenderem e atuarem na realidade em que vivem”.
ções teóricas e práticas
sobre a produção de
Até aqui vimos como é importante propiciar a produção de textos
textos multissemióticos,
no processo de alfabetização, individualmente ou em colaboração com defendidas pela BNCC.
Acesse!
colegas e professores. No entanto, não basta entender a produção
como algo relevante na aprendizagem da escrita, é necessário consi- Disponível em: https://
www.youtube.com/
derar a produção como um processo que envolve três etapas: planeja- watch?v=kRvtnRDlh6A. Acesso em:
mento, escrita propriamente dita e revisão. 22 dez. 2021.

A produção de textos no processo de alfabetização 127


A seguir trataremos dessas três etapas, partindo do pressuposto
de que elas contribuem para a aprendizagem da escrita e, conse-
quentemente, para a elaboração de textos.

5.2 Etapas na produção de um texto


Vídeo
Ao escrever um texto, pode ser que você faça um rascunho com
as principais ideias a serem contempladas. Pode ser que antes de
iniciar você pense previamente no que irá colocar no papel. Ao final
da elaboração, talvez você opte por revisar o que escreveu e efetue
as alterações que julgar necessárias.

Ações como essas podem repercutir na qualidade do texto que


será elaborado. Estudos demonstram que tanto o planejamento
quanto a revisão são ações indispensáveis quando se fala em aspec-
tos favoráveis à produção textual.

Pereira (2008) postula acerca da necessidade de o escritor viven-


ciar todas as etapas na produção de um texto, identificadas por ela
1 1
como planificação , textualização e revisão. A autora defende que
Termo utilizado por Pereira o trabalho não deve se pautar apenas pelo resultado, mas também
(2008) que se refere à
etapa de planejamento.
pelo processo da escrita. Além disso, defende a relevância de deixar
os alunos escreverem com propósitos diversos.

No levantamento de estudos sobre o processo de produção


de texto, efetuado por Silva e Guimarães (2020), foram encontra-
das evidências científicas quanto à relação entre a competência na
escrita de texto e o planejamento na produção textual (CALKINS,
2002; HAYES; FLOWER, 1980; JOLIBERT, 1994; LEAL; MELO, 2007;
BRANDÃO, 2007; LUCENA, 2013; SPINILLO, 2015).

Para Silva (2018), os estudantes que planejam o texto a ser ela-


borado apresentam melhores resultados na produção textual. Tal
afirmação foi confirmada no estudo realizado com estudantes dos
anos iniciais do Ensino Fundamental. O grupo experimental que par-
ticipou de uma sequência didática que envolveu as três etapas no
processo de produção (planejamento, escrita e revisão) apresentou
melhor desempenho em comparação com o grupo controle.

128 Fundamentos de alfabetização e letramento


Segundo Pereira (2008), a escrita sem um planejamento carac-
teriza escritores fracos ou com pouca experiência, os quais não
demonstram refletir sobre a escrita do texto antes de iniciá-lo, es-
crevendo o texto à medida que as ideias surgem. Por sua vez, os
escritores experientes organizam previamente as ideias a serem
apresentadas em suas produções textuais.

Essa organização das ideias, segundo a autora, efetiva-se por


meio do conhecimento do tema e da consciência das expectativas
do leitor, bem como do conhecimento referente à estrutura do gê-
nero a ser elaborado (PEREIRA, 2008).

Nesse sentido, “planejar quais e como os conteúdos irão compor


o texto constitui-se um exercício necessário ao escritor iniciante que
ao registrar o seu plano estará delimitando o que será contemplado
na produção, ou seja, o planejamento servirá como ponto de partida
para a construção do texto” (SILVA; GUIMARÃES, 2020, p. 3).

A etapa de planejamento deve contemplar a leitura de textos,


uma vez que “antes da escrita propriamente dita, a leitura e as refle-
xões em torno dos textos escritos podem ajudar a antecipar forma-
tações do discurso e ainda conteúdos a introduzir” (PEREIRA, 2008,
p. 32). Vivenciar essa etapa pode contribuir para a formação de bons
escritores.

Silva e Guimarães (2020, p. 3) afirmam que “no processo de en-


sino-aprendizagem é fundamental a leitura de variados gêneros
textuais, pois a comparação entre a estrutura prototípica de diferen-
tes composições contribui para o desenvolvimento das habilidades
metatextuais”, ao passo que “a leitura e exploração de textos com a
mesma estrutura composicional possibilitam a recuperação e aqui-
sição de conhecimentos sobre o gênero. Esses saberes poderão ser
incorporados quando o texto tomar seu formato”.

Algumas estratégias podem ser adotadas na etapa de planeja-


mento, como a elaboração de um mapa no momento da elaboração
de uma história.

A produção de textos no processo de alfabetização 129


Figura 1
Mapa da história

Personagens Cenário (tempo e


principais espaço em que ocorrem
os eventos)

Título e
autor

Problemas/
Personagens conflitos/
secundárias complicações

Solução

Fonte: Pereira, 2008, p. 150.

Esse mapa poderá ser relevante na elaboração de um texto narra-


tivo, de modo a guiar a produção textual, uma vez que contempla as
características estruturais do gênero em questão.

Outra estratégia que poderá ser empregada na etapa de planeja-


mento, ainda para a exploração do gênero textual história, é a utilização
de um quadro para a reflexão sobre os personagens que aparecerão
no enredo.
Figura 2
Quadro para criar personagem de uma história

Objetivos da
Aquilo de que
personagem (o que Forças e medos
a personagem
a personagem quer da personagem
gosta e não gosta
alcançar)
Gosta: Forças:

Não gosta: Medos:

Fonte: Pereira, 2008, p. 151.


130 Fundamentos de alfabetização e letramento
Além dessas estratégias a serem implementadas antes da produção
de um texto narrativo, é possível propor a elaboração de um diagrama,
como verificado a seguir.
Figura 3
Diagrama

Diagrama
Título do texto:
Problema

Acontecimento 1 Acontecimento 2 Acontecimento 3

Resolução

Fonte: Pereira, 2008, p. 152.

Para a organização prévia das ideias a serem contempladas no pro-


cesso de produção de um texto informativo, por exemplo, é possível
recorrer à elaboração de uma lista, como no exemplo apresentado na
figura a seguir.
Figura 4
Lista para planejamento de texto informativo

Animal escolhido:

Elabore uma lista com tudo o que souber sobre o animal que escolheu!






Fonte: Adaptada de Pereira, 2008, p. 135.


A produção de textos no processo de alfabetização 131
Esses exemplos ilustram as diferentes possibilidades de impulsionar
os estudantes em processo de aprendizagem da escrita a efetuarem o
planejamento de suas produções textuais. Essas estratégias, emprega-
das na primeira etapa do processo de produção, podem potencializar
a competência na escrita.

Além disso, o texto poderá ter maiores chances de ser compreendi-


do pelos interlocutores, atendendo a sua finalidade. Desse modo, cum-
prirá com a sua intencionalidade discursiva, que é específica em cada
gênero elaborado.

No entanto, não basta apenas planejar a escrita de um texto e es-


crevê-lo, seguindo o que foi planejado. O processo de produção de um
bom texto inclui a etapa de revisão, que é igualmente importante para
a qualidade da composição escrita. Essa etapa pode se efetivar ainda
no planejamento, na fase de escrita do texto e, também, na elaboração
de uma primeira versão.

Para Silva e Guimarães (2020, p. 2), “o planejamento e a revisão são


atividades que permitem a reflexão sobre os diversos elementos cons-
titutivos de um texto, seja na etapa de projeto, durante sua elaboração
ou ao término da primeira versão”.

Sendo assim, “o desenvolvimento da capacidade de produção tex-


tual deve focalizar a análise crítica do planejamento de modo que seja
possível ao escritor prever inadequações, tendo em vista a necessidade
de acréscimos e/ou substituição de conteúdos no texto a ser construí-
do” (SILVA; GUIMARÃES, 2020, p. 3).

Portanto, é fundamental planejar a escrita de um texto, como


também revisá-lo. Essas ações contribuem para a reflexão sobre a
linguagem, que é essencial para a competência na escrita (SILVA;
GUIMARÃES, 2020).

Silva e Guimarães (2020, p. 2) afirmam que “os estudantes preci-


sam realizar tarefas que possibilitem o pensar sobre o modo como
procedem antes ou durante a produção de um texto, a fim de de-
senvolver habilidades metacognitivas relacionadas ao processo de
produção”.

Após a elaboração do texto, o escritor/leitor precisa efetuar uma


reflexão sobre o material escrito. Essa reflexão sobre o texto é relevan-

132 Fundamentos de alfabetização e letramento


te, pois “todas as estratégias e tarefas que ativem uma grande clareza
(meta)cognitiva relativamente aos procedimentos linguísticos impli-
cados nos textos são facilitadoras das duas práticas: ler e escrever”
(PEREIRA, 2008, p. 50).

Além de propiciar o desenvolvimento da competência escrita do


próprio escritor, a revisão da primeira versão de um texto também
contribui para o desenvolvimento da competência na escrita de um
colega, que poderá atuar na análise da produção. Conforme aponta
Pereira (2008), ancorado em estudos sobre a aprendizagem da escri-
ta em cooperação, a evolução dos processos individuais de revisão
textual se beneficia da evolução dos comentários dos colegas.

Nesse sentido, é importante que a produção de texto seja revisada


de modo que os pares possam colaborar efetuando comentários. Esse
olhar de um outro escritor, mesmo que pouco experiente, pode susci-
tar benefícios para que o autor do texto produzido se torne um escritor
hábil, além de contribuir para a revisão do texto em si.

Segundo Pereira (2008, p. 54), na produção de textos, bem como


na leitura deles, deve haver espaço para “diálogos, trocas e discussões,
visto que a motivação – e o envolvimento – dos alunos nas atividades
de leitura-escrita é condição para a emergência de sentido”.

Também é possível aperfeiçoar a escrita de um texto por meio da


leitura que se faz do material. Segundo Pereira (2008, p. 48), “só conse-
gue verdadeiramente reescrever ou rever o escrito aquele que é capaz
de, através da leitura, se aperceber das falhas e das incongruências do
seu texto”.

O livro intitulado Felpo Filva, escrito por Eva Furnari, teve 82 rascu-
nhos até ser publicado, mesmo sendo um texto elaborado por uma Vídeo
renomada escritora de literatura infantil (FURNARI, 2006). Esse é um No vídeo intitulado Produ-
ção de texto em alfabeti-
exemplo que pode ser compartilhado com os estudantes que estão em zação, apresentado pela
processo de aprendizagem da escrita a fim de ilustrar o papel da revi- pedagoga Clarissa Pereira,
há indicações de como
são textual. Com esse exemplo, podemos demonstrar a importância efetivar a produção de
dessa etapa da produção de texto, tanto para escritores novatos quan- textos junto a estudantes
em processo de alfabeti-
to para escritores experientes. zação. Acesse!

Nesse contexto, em que se busca mobilizar o aperfeiçoamento Disponível em: https://www.


youtube.com/watch?v=OgHoTi_
da escrita de um texto, evidenciando a importância da elaboração de lcZk. Acesso em: 23 dez. 2021.
mais de uma versão, os estudantes precisam ser estimulados a efetuar

A produção de textos no processo de alfabetização 133


Glossário ajustes no texto, reparos ou, nas palavras de Pereira (2008), bricolage
bricolage: bricolagem, textual. Para tanto, precisam ser expostos a “exercícios em torno dos
termo que faz referência
a atividades de montagem quatro pontos cardeais da operação de reescrita: suprimir, permutar,
e reparo sem o auxílio de substituir e acrescentar” (PEREIRA, 2008, p. 65).
profissionais.
Essas experiências vivenciadas no processo de produção de um tex-
to possibilitam a reflexão sobre a linguagem. Além disso, possibilitam,
como vimos, o desenvolvimento de habilidades metatextuais, ou seja,
a reflexão sobre a estrutura, a coesão e a coerência textuais.

No levantamento de estudos efetuado por Silva e Guimarães (2020),


as pesquisadoras identificaram estratégias que podem ser adotadas na
revisão de um texto e que foram empregadas em diferentes estudos
científicos. Essas estratégias serão apresentadas a seguir.

5.3 Estratégias de revisão textual


Vídeo
Como vimos, o processo de produção de um texto inclui a revisão,
a qual pode acontecer na etapa de planejamento, durante a escrita do
texto ou após a elaboração de uma versão.

Para Ribeiro, Silva e Guimarães (2019, p. 71), a revisão de textos não


é um processo de aprendizagem natural. As pesquisadoras destacam
“a necessidade de os professores sistematizarem atividades pedagó-
gicas que envolvam processos metalinguísticos”. Ou seja, é preciso o
ensino explícito para que escritores novatos sejam capazes de revisar
seus textos e, assim, aperfeiçoá-los.

Por exemplo, após ler o texto elaborado em sua primeira versão,


o escritor mais experiente, no caso o professor, poderá escrever orien-
tações para que o aluno volte ao texto e o aperfeiçoe. Essa estratégia
foi identificada por Silva (2018) no levantamento de estudos que con-
templaram a revisão de textos.

No entanto, Silva (2018) cita os desafios da implementação de bilhe-


tes como estratégia para a revisão, tendo como base estudos realiza-
dos no contexto brasileiro (D’ELIA, 2007; NASCIMENTO, 2009): resposta
às questões, compreensão e tempo. Sobre eles, caso o bilhete conte-
nha questões, recomenda-se orientar o estudante a não respondê-las,
mas voltar ao texto para reescrever o que for necessário. Com relação
à compreensão, deve-se verificar a clareza da mensagem para o es-

134 Fundamentos de alfabetização e letramento


tudante, pois a falta de entendimento pode comprometer a revisão a
ser efetuada com base nas orientações contidas no bilhete. O último
desafio reportado é a falta de tempo do professor para redigir o bilhe-
te. Nesse sentido, é preciso considerar que essa estratégia demanda
planejamento.

Do levantamento efetuado por Silva (2018), selecionamos também


o emprego de símbolos para orientar a revisão. Essa estratégia permite
que o estudante volte ao texto e verifique o símbolo contido nele e o
que ele representa, ou seja, qual a mudança que se deve efetuar para
o aperfeiçoamento da produção.

Outra estratégia percebida por Silva (2018) nesse levantamento de


estudos foi a revisão efetuada por outro escritor – no caso, por outro
estudante.

A revisão colaborativa foi indicada como estratégia relevante


para a revisão de textos, especialmente, em três estudos visitados:
Borges (2007), Dutra (2011) e Spinillo (2015).

Na pesquisa realizada por Dutra (2011), citada por Silva (2018), es-
tudantes de 1º e, posteriormente, 2º anos do Ensino Fundamental par-
ticiparam da investigação que envolveu a revisão colaborativa. Nessa
pesquisa, “verificou-se que, individualmente, os estudantes foram ca-
pazes de pensar e aprimorar seus próprios textos. Entretanto, quando
atuaram como revisores, em parceria com os colegas, a atuação refle-
xiva foi ainda mais expressiva” (SILVA, 2018, p. 100).

Como estratégias de revisão que envolvem processos metalinguís-


ticos, podemos citar tanto a revisão em colaboração quanto a revisão
mediante autoavaliação. Ambas foram identificadas por Ribeiro, Silva
e Guimarães (2019) como propulsoras da atividade metalinguística no
processo de produção de textos.

Além da autoavaliação e da revisão em colaboração, outra estra-


tégia é a revisão coletiva, como verificou Silva (2018) no levantamen-
to de estudos que realizou. Essa estratégia foi proposta por Brandão
(2007), que propõe a escolha de um texto pelo professor, dentre as
primeiras versões elaboradas individualmente pelos estudantes, para
ser analisado pelo grupo.

No estudo efetuado por Auriemo (2012), também citado por Silva (2018)
em seu levantamento, foram percebidas diferentes estratégias que po-

A produção de textos no processo de alfabetização 135


Vídeo dem ser implementadas no momento da revisão de textos no processo
No vídeo Produção de de produção. Dentre as estratégias identificadas, podemos citar:
texto, apresentado pela
Prof.ª Dr.ª Sandra Puliezi, a análise coletiva da produção escrita de um dos colegas da
é possível acompanhar turma; a troca de textos entre os alunos para revisá-los, com con-
a revisão e reescrita de
sulta ou não ao aluno escritor; discussão prévia do assunto a ser
texto por uma criança
de 2º ano do Ensino abordado num texto; organização dos alunos em duplas para a
Fundamental. Por meio escrita do texto, desde o início de sua composição; uso de roteiro
do vídeo, você poderá
para nortear a escrita; utilização de bilhetes com orientações da
refletir sobre as estra-
tégias para a revisão e, professora aos alunos, ao invés de uma simples correção; prática
também, acompanhar os contínua de leitura e escrita em sala de aula. (SILVA, 2018, p. 100)
comentários efetuados
pela professora durante a Todas essas estratégias empregadas no processo de produção de
mediação. Acesse!
texto se mostraram relevantes para o aprimoramento das produções
Disponível em: https://
www.youtube.com/
textuais e, assim, para o desenvolvimento da competência na escrita.
watch?v=dPYQvVH4HoA. Acesso
Podemos afirmar, com base nos estudos citados, que há possibi-
em: 23 dez. 2021.
lidade de o professor propor atividades em que os estudantes sejam
mobilizados a refletir sobre o texto, ou seja, atividades metalinguísti-
cas que contribuam para o aperfeiçoamento da produção escrita. São
estratégias que precisam ser pensadas conforme as necessidades de
cada grupo e/ou de cada estudante em processo de aprendizagem da
escrita. Essas recomendações poderão beneficiar estudantes que se
encontram em processo de alfabetização, bem como no momento de
sua consolidação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo buscamos possibilitar o reconhecimento das etapas
existentes na produção de um texto, bem como as estratégias que po-
dem beneficiar a competência na escrita, em especial aquelas a serem
empregadas na revisão textual.
Na primeira parte nos debruçamos sobre os documentos que devem
nortear a elaboração dos currículos das escolas brasileiras, a Base Nacio-
nal Comum Curricular (2017) e a Política Nacional de Alfabetização (2019).
Ambos defendem que no processo de aprendizagem da escrita os estu-
dantes sejam expostos a situações em que tenham que elaborar textos.
No entanto, de modo mais enfático e didático, a BNCC orienta o trabalho
com a produção de texto como uma prática de linguagem – prática que se
efetiva num processo que contempla as etapas de planejamento, escrita
e revisão. O documento ainda preconiza a escrita autônoma e a escrita
compartilhada.

136 Fundamentos de alfabetização e letramento


Debruçamo-nos ainda sobre o processo de produção de texto, ou seja,
as etapas que precisam ser vivenciadas por escritores novatos e experien-
tes. Com base no referencial teórico, foi possível verificar a pertinência
dessas etapas para a competência na escrita por estudantes em processo
de alfabetização, bem como estratégias que favorecem a aprendizagem
da escrita.
Por fim, na última parte do capítulo, foram apresentadas estratégias
pertinentes para a revisão textual. Essas estratégias foram contempladas
em pesquisas científicas, e há evidências de que beneficiam a competên-
cia na escrita.
Esperamos que as estratégias aqui apresentadas possam ser empre-
gadas no contexto escolar de modo a beneficiar a produção de textos por
estudantes em processo de aprendizagem da escrita.

ATIVIDADES
Atividade 1
Escreva dois parágrafos, cada um relativo a um dos documentos
que devem ser adotados como referência para a elaboração
dos currículos das escolas brasileiras. Para a elaboração desses
parágrafos, empregue todos os termos contidos nos respectivos
quadros:

1º parágrafo
BNCC – CENTRALIDADE DO TEXTO – PRODUÇÃO DE TEXTO
– ESCRITA AUTÔNOMA – ESCRITA COMPARTILHADA –
ENSINO FUNDAMENTAL – EDUCAÇÃO INFANTIL

2º parágrafo
PNA – PRODUÇÃO DE TEXTO – ESCRITA AUTÔNOMA –
ESCRITA COMPARTILHADA –
ENSINO FUNDAMENTAL – EDUCAÇÃO INFANTIL – NÍVEIS DE
PRODUÇÃO ESCRITA

Atividade 2
Escritores mais experientes costumam realizar uma ação específi-
ca quando da produção de um texto, antes de iniciá-la. Descreva
essa ação, que é defendida como uma etapa relevante na elabo-
ração de bons textos e, por essa razão, precisa estar presente no
processo de produção de textos.

A produção de textos no processo de alfabetização 137


Atividade 3
Você foi convidado (a) para orientar a prática dos professores
perante a produção de textos numa rede municipal de ensino.
Entre as estratégias que você adotou para as orientações aos
docentes, está a distribuição de um folder. Nele você apresenta
algumas estratégias que os professores poderão empregar diante
da revisão de textos no processo de aprendizagem da escrita
por estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Como é
esse folder? Lembre-se de planejar a sua escrita, recuperando as
principais características estruturais que devem estar presentes no
texto que irá construir.

REFERÊNCIAS
AURIEMO, C. F. A produção e a reescrita de textos: o trabalho docente e discente no quarto ano
do ensino fundamental. 2012. Dissertação (Mestrado em Educação) – Setor de Educação,
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita, Rio Claro.
BORGES, C. L. C. A criança e suas reescritas escolares: as estruturas com determinantes.
2007. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas.
BRANDÃO, A. C. P. A revisão textual na sala de aula: reflexões e possibilidades de ensino.
In: LEAL, T. F.; BRANDÃO, A. C. P. (org.). Produção de textos na escola: reflexões e práticas no
ensino fundamental. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p. 119-134.
BRANDÃO, A. C. P.; LEAL, T. F. Reflexões sobre produção de textos escritos na alfabetização
e a prática docente. In: SILVA, M. C.; CABRAL, A. C. S. P. (org.) Práticas de alfabetização:
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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Alfabetização. PNA Política Nacional de
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CALKINS, L. M. A arte de ensinar a escrever: o desenvolvimento do discurso escrito. Porto
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D’ELIA, M. E. R. O texto do professor no texto do aluno: intenções e significado. 2007.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Setor de Educação, Universidade Estadual de
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DUTRA, E. F. A revisão textual nos anos iniciais da escolaridade: percursos e procedimentos.
2011. Dissertação (Mestrado em Educação) – Setor de Educação, Universidade de São
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FURNARI, E. Felpo Filva. São Paulo: Moderna, 2006.
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JOLIBERT, J. Formando crianças produtoras de texto. Porto Alegre: Artmed, 1994.
LEAL, T. F.; MELO, K. L. R. Produção de textos: introdução ao tema. In: LEAL, T. F.; BRANDÃO,
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138 Fundamentos de alfabetização e letramento


LUCENA, R. N. A revisão no planejamento, na textualização e na edição: estudo sobre as
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Tese (Doutorado em Psicologia Cognitiva) – Setor de Psicologia, Universidade Federal de
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NASCIMENTO, C. E. R. Escrevendo relatórios em sala de aula: gênero discursivo, circulação e
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PEREIRA, L. Á. Escrever com as crianças: como fazer bons leitores e escritores. Porto: Porto, 2008.
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opinião: estratégias didáticas. In: SPINILLO, A. G.; CORREA, J. A escrita de textos por crianças.
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SILVA, T. F. O ensino explícito de operações metatextuais e da revisão textual como estratégias
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SILVA, T. F.; GUIMARÃES, S. R. K. O planejamento e a revisão de textos na prática pedagógica
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SPINILLO, A. G. A revisão textual feita individualmente e em colaboração: há diferenças?
Revista Prolíngua, v. 10, n. 1, p. 230-240, 2015. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/
ojs/index.php/prolingua/article/view/27601/14840. Acesso em: 22 dez. 2021.

A produção de textos no processo de alfabetização 139


Resolução das atividades
1 Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória
histórica
1. Com base na leitura deste capítulo, apresente uma definição para
alfabetização.
Conforme explicitado no capítulo, alfabetização se refere à
compreensão do funcionamento do sistema de escrita alfabética e
suas propriedades.
Vale ressaltar que na perspectiva do letramento, considera-se a
aprendizagem inicial da leitura e da escrita de modo mais abrangente,
contemplando o uso das habilidades de ler e escrever no cotidiano.
Nessa perspectiva, a alfabetização envolve a faceta linguística, a
faceta interativa e a faceta sociocultural.

2. Durante um dia, anote todos os eventos de letramento dos quais


você participa, isto é, todas as atividades desempenhadas que, de
alguma maneira, envolvam a leitura ou a produção de textos. Para
isso, use o quadro a seguir. Veja um exemplo:

Campo de
Uso de
Evento de atuação do
Finalidade leitura e/
letramento gênero tex-
ou escrita
tual
Ler recado escrito Receber informações
Campo da vida
na agenda escolar da escola onde o filho Leitura
cotidiana
do filho. estuda.

Fonte: Adaptado de Rojo, 2007, p. 53.

140 Fundamentos de alfabetização e letramento


3. Escolha um livro didático de 1º ou 2º ano do Ensino Fundamental.
Analise a obra selecionada com base nas seguintes questões:
a) Possibilita a exploração da função social da escrita e da leitura?
Há situações que mobilizam os estudantes a pensar na finalidade
dos textos? Para que serve uma receita? Onde encontramos uma
tirinha? Qual a função de uma reportagem?

b) Oportuniza a leitura de diversos gêneros textuais?


Há a exploração de bilhete, recado, canção, tirinha, entre outros
gêneros textuais?

c) Oportuniza a produção de diversos gêneros textuais?


Além da exploração de textos que circulam em nosso cotidiano por
meio da leitura, os estudantes são expostos à produção desses
textos, sejam eles verbais ou não verbais?

d) Há propostas que contribuem para o multiletramento dos


estudantes?
Os textos da cultura local dos estudantes são valorizados no
material? Exemplo: músicas, poemas etc.

e) Considera os letramentos multissemióticos?


No material analisado, observou-se a presença de textos escritos,
imagens, textos orais? Possibilitava a exploração de mensagem por
aplicativo, fotografias ou entrevistas gravadas, por exemplo?

f) Contempla atividades que promovem letramentos críticos e


protagonistas?
O material possibilita levar o estudante à reflexão sobre quem
escreveu o texto, com que propósito, onde foi publicado, quando,
quem era o interlocutor etc.?

g) Oportuniza aos estudantes efetuarem escritas espontâneas?


O material didático propõe atividades em que os estudantes
tentem escrever sem que tenham que copiar?

Resolução das atividades 141


h) Há propostas que promovem a interação entre os pares?
Há atividades em que os estudantes podem realizar em duplas ou
em grupos?

i) O material possibilita aos estudantes compreenderem o


funcionamento do sistema de escrita alfabética? Quais as
propriedades do SEA que podem ser exploradas com o material?
Citar uma atividade proposta no livro e qual propriedade do SEA
foi explorada.

j) O material favorece a alfabetização na perspectiva do


letramento ou vai ao encontro dos métodos tradicionais de
alfabetização, aproximando-se mais da proposta de uma
cartilha, por exemplo?
Há exploração do SEA, a partir da reflexão sobre diversos gêneros
textuais? Há exploração de uma canção, por exemplo, da função
desse gênero, da exploração do significado de palavras do texto,
exploração dos nomes de animais citados?

2 Políticas Nacionais de Alfabetização


1. Estudo de caso: Ana Paula é professora do 1º ano do Ensino
Fundamental há pouco mais de dois anos. Ela gostaria de aperfeiçoar
seu conhecimento acerca da ampliação do Ensino Fundamental que
aconteceu no ano de 2006, bem como ampliar sua compreensão
acerca dos objetivos para esse período de escolaridade. Escreva uma
carta à professora Ana que contemple os objetivos estabelecidos
para o 1º ano do Ensino Fundamental com base na ampliação de oito
para nove anos. Não deixe de mencionar algumas das justificativas
para essa ampliação. Também não deixe de mencionar em que ano
de escolaridade os estudantes devem ser alfabetizados, segundo a
BNCC (2017) e a PNA (2019).
Olá, Prof.ª Ana Paula!
Gostaria de lhe ajudar no aperfeiçoamento de seu conhecimento
sobre a ampliação do Ensino Fundamental de oito para nove anos em

142 Fundamentos de alfabetização e letramento


2006, considerando os objetivos para essa modificação no sistema
educacional brasileiro.
Só para reforçar, em outros momentos o ensino já foi ampliado, como
em 1971, quando passou de quatro para oito anos. Também quero
ressaltar que a ampliação começou a ser discutida em 2001.
Em 2006 o ensino foi ampliado nas escolas brasileiras e as crianças
que frequentavam a última etapa da Educação Infantil passaram a
integrar o primeiro ano.
O governo federal disponibilizou vários documentos norteadores
para auxiliar os professores e as escolas em relação a essa mudança.
Esses materiais encontram-se ainda disponíveis, caso você julgue
pertinentes para a sua prática pedagógica.
Os objetivos citados para a ampliação do ensino foram os seguintes:
possibilitar o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo
como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
promover a compreensão do ambiente natural e social, do sistema
político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta
a sociedade; possibilitar o desenvolvimento da capacidade de
aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos
e habilidades e a formação de atitudes e valores; promover o
fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade
humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.
Essa ampliação repercutiu na determinação do ciclo de alfabetização.
Nesse sentido, a alfabetização deveria acontecer nos três primeiros
anos do Ensino Fundamental.
Novas políticas surgiram e, atualmente, passamos a falar que a
alfabetização deve acontecer nos dois primeiros anos, como diz
a BNCC (2017). Para a PNA (2019), a alfabetização deve ocorrer,
proritariamente, no 1º ano do Ensino Fundamental.
Espero que os meus conhecimentos possam ter lhe ajudado. Espero
que consiga alfabetizá-los ainda nesse primeiro ano. Sucesso com
seus estudantes em processo de alfabetização!

2. Elabore um quadro-síntese sobre as principais avaliações em larga


escala, Provinha Brasil e Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA),
adotadas para avaliar o desempenho dos estudantes no que se
refere, especialmente, à alfabetização.

Resolução das atividades 143


PROVINHA BRASIL ANA
Estudantes de 2º, 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e
Estudantes do 3º ano do Ensino
PÚBLICO-ALVO 3º e 4º anos do Ensino Médio.
Fundamental.
Crianças da Educação Infantil (no ano de 2021).

I – Produzir indicadores educacionais para o Brasil, suas Avaliar o desempenho dos estu-
regiões e Unidades da Federação e, quando possível, dantes em Língua Portuguesa e
para os municípios e as Instituições Escolares, tendo em Matemática, bem como as con-
vista a manutenção da comparabilidade dos dados, per- dições das instituições de ensi-
mitindo, assim, o incremento das séries históricas; no, e possibilitar a melhoria da
qualidade do ensino, diminuin-
II – Avaliar a qualidade, a equidade e a eficiência da edu-
do as desigualdades para aten-
cação praticada no país em seus diversos níveis governa-
der às metas e políticas esta-
OBJETIVOS mentais;
belecidas no contexto nacional
III – Subsidiar a elaboração, o monitoramento e o aprimo- (BRASIL, 2013).
ramento de políticas públicas em educação baseadas em
Avaliar a instituição e, também,
evidências, com vistas ao desenvolvimento social e eco-
o sistema educacional brasileiro
nômico do Brasil; e
no que se refere à consolidação
IV – Desenvolver competência técnica e científica na área da alfabetização até o 3º ano do
de avaliação educacional, ativando o intercâmbio entre Ensino Fundamental em nível
instituições de ensino e pesquisa. (BRASIL, 2021, p. 1) nacional, e não individual.
COMPONENTES
Língua Portuguesa e Matemática Língua Portuguesa e Matemática
CURRICULARES
D1: Reconhecer letras.
D2: Reconhecer sílabas.
D3: Estabelecer relação entre unidades sonoras e suas
representações gráficas.
D4: Ler palavras.
DESCRITORES
D5: Ler frases. Não há.
(Língua Portuguesa)
D6: Localizar informação explícita em textos.
D7: Reconhecer assunto de um texto.
D8: Identificar a finalidade do texto.
D9: Estabelecer relação entre partes do texto.
D10: Inferir informação.

(Continua)

144 Fundamentos de alfabetização e letramento


PROVINHA
ANA
BRASIL
Leitura:
H1. Ler palavras com estrutura silábica canônica
H2. Ler palavras com estrutura silábica não canônica
H3. Reconhecer a finalidade do texto
H4. Localizar informações explícitas em textos
H5. Compreender os sentidos de palavras e expressões em textos
H6. Realizar inferências a partir da leitura de textos verbais
H7. Realizar inferências a partir da leitura de textos que articulem a
linguagem verbal e não verbal
H8. Identificar o assunto de um texto
HABILIDADES
H9. Estabelecer relações entre partes de um texto marcadas por
(Língua Portuguesa)
conectores.

Escrita:
H10. Grafar palavras com correspondências regulares
diretas
H11. Grafar palavras com correspondências regulares
contextuais entre letras ou grupos de letras e seu valor
sonoro
H12. Produzir um texto a partir de uma situação dada.

3. Você conheceu a Política Nacional de Alfabetização (PNA), instituída


pelo governo federal no ano de 2019 no território brasileiro. Com
base na PNA, elabore um Infográfico que contemple as experiências
a serem vivenciadas pelas crianças da Educação Infantil, bem como
pelos estudantes do Ensino Fundamental.
No infográfico relativo à Educação Infantil deve constar: jogos,
brincadeiras, conhecimento alfabético, consciência fonológica,
nomeação automática rápida, nomeação automática rápida de
objetos ou cores, escrita ou escrita do nome, memória fonológica,
conceitos sobre a escrita, conhecimento de escrita, linguagem oral,
prontidão para leitura, processamento visual, literacia emergente,
literacia familiar, ouvir histórias lidas e contadas, cantar quadrinhas,
recitar poemas e parlendas, ter contato com livros, revistas e jornais,
reconhecer sons das letras, fazer tentativas de escrita, desenvolvimento
das funções executivas (inibição ou controle inibitório, memória de
trabalho ou memória operacional e flexibilidade cognitiva).

Resolução das atividades 145


O Infográfico relativo ao Ensino Fundamental deve contemplar:
consciência fonêmica, instrução fônica sistemática, fluência em
leitura oral, desenvolvimento de vocabulário e compreensão de
textos, literacia, estratégias de compreensão de textos, significados
de palavras e conhecimentos ortográficos, além de outras habilidades
ditas de literacia comum.

3 As habilidades metalinguísticas e o processo de


alfabetização e letramento
1. Elabore um mapa mental contendo uma síntese das habilidades
metalinguísticas. Para a criação desse mapa, utilize recursos
tecnológicos como o Canva ou o Padlet. Lembre-se de que o termo
habilidades metalinguísticas deve ser apresentado no centro do seu
mapa mental!
O mapa mental deve apresentar uma síntese das habilidades
metalinguísticas, considerando a definição de cada termo apresentado
e discutido no capítulo. O termo habilidades metalinguísticas deverá
ser o foco/centro do mapa.
• Habilidades metalinguísticas: capacidade de pensar e manipular
conscientemente o conhecimento linguístico.
• Habilidades fonológicas: aptidão para analisar características
sonoras das palavras (por exemplo, tamanho, semelhança,
diferença) para isolar e manipular fonemas e outras unidades da
fala, tais como sílabas, rimas e aliterações.
• Habilidades metatextuais: capacidades relativas ao pensamento
e ao monitoramento de elementos macrolinguísticos (estrutura
textual) e microlinguísticos (coesão e coerência) presentes no texto.
• Habilidades morfológicas: habilidade que o sujeito apresenta de
fazer considerações de modo consciente sobre a derivação e a
flexão das palavras (considerações morfológicas).
• Habilidades sintáticas: aptidão que o sujeito tem de fazer considerações
de maneira consciente sobre as palavras, como as categorias
gramaticais e suas posições nas frases (considerações sintáticas).
• Habilidades pragmáticas: habilidade que o sujeito detém de fazer
considerações de modo consciente sobre elementos linguísticos e
sociocomunicativos.

146 Fundamentos de alfabetização e letramento


2. Analise os dois exemplos de atividades adaptadas de Lyra e
Eisenberg (2019). Identifique a habilidade metalinguística que
pode ser desenvolvida de modo mais direto por meio dessas
atividades e justifique quais dimensões dessa habilidade podem
ser exploradas no trabalho pedagógico referente à aprendizagem
da leitura e da escrita.

Atividade 1
Quais palavras começam com o mesmo som de “piano”?
VIAGEM – PATOTA – SAPATO – PANELA
Faça uma lista de palavras iniciadas com o mesmo som.

Atividade 2
Uma criança escreveu dois primeiros versos da parlenda da seguinte
maneira:
– PANELANO FOGO BA RRIGAVAZIA.
Escreva, colocando uma palavra em cada quadrinho:

– Pinte as palavras que possuem a mesma quantidade de sílabas.


– Que outras palavras começam com o mesmo som de “vazia”: vaca,
faca, vestido ou vovó?

– Conte quantas palavras tem a parlenda:


Rei, capitão
Soldado, ladrão
Moça bonita
Do meu coração

– Escreva as palavras que rimam:

Na atividade 1, a proposta tem a finalidade de impulsionar a reflexão


sobre as aliterações, ou seja, sons que se repetem no início de uma
palavra, repetição de consoantes ou sílabas nela, frase, verso ou
estrofe. Na atividade 2, a proposta tem o objetivo de impulsionar a
manipulação intencional de fonemas, que é uma das dimensões da
consciência fonológica. Outra dimensão seria a consciência de rimas
e sílabas. Além disso, a consciência fonológica diz respeito à reflexão
que se faz de uma palavra em relação ao número de letras, sílabas,
letras repetidas, letras diferentes, entre outras reflexões.

Resolução das atividades 147


3. Ângela é professora de um grupo de estudantes que está em processo
de consolidação da alfabetização. Analise as atividades propostas
aos estudantes e argumente acerca das habilidades metalinguísticas
favorecidas com a implementação dessas duas atividades.

Atividade 1
Reúna-se com um colega e separem os textos dos envelopes que
vocês receberam observando os seguintes aspectos:
• Os textos contidos nos envelopes são iguais?
• Por que você os considera diferentes?
• Quem escreve esses textos?
• A quem são dirigidos?
• Qual é o objetivo?
• Onde nós encontramos esses textos?
Depois, apresente as considerações para o grupo.

Atividade 2
• No início da sequência didática, o professor orientou a produção
de um texto. Após a realização de várias atividades sobre o gênero
reportagem, é hora de voltar ao primeiro texto que você fez.
• Você assumirá o papel de jornalista e escreverá uma reportagem so-
bre a importância do consumo consciente da água em nossa cidade.
• Lembre-se de que seus colegas, os colegas de outras turmas e os
professores farão a leitura da reportagem.
• Seu professor já leu seu primeiro texto e devolverá para que você
possa alterar o que for necessário e reescrever a segunda versão.

As atividades propostas aos estudantes demonstram impulsionar


o desenvolvimento da habilidade/consciência metatextual,
uma vez que planejamento e a revisão de textos constituem
etapas importantes na produção destes, pois contribuem para
a reflexão intencional sobre eles. Ao planejar a escrita do texto
é possível refletir sobre sua estrutura, os elementos estruturais
que caracterizam o gênero, além da reflexão sobre a função,
o objetivo e o destinatário do texto. Na revisão, que pode ser
colaborativa, podem ocorrer alterações de forma (ortografia,
gramática, legibilidade) e de conteúdo (ideias expressas). Esse tipo
de revisão tem demonstrado favorecer a aprendizagem da escrita.
Além disso, o revisor poderá pensar sobre elementos que têm
a possibilidade de serem aperfeiçoados para garantir coesão e
coerência à produção textual.

148 Fundamentos de alfabetização e letramento


4 Processos cognitivos e estratégias de ensino para a
compreensão leitora
1. Com base neste capítulo, elabore um texto argumentativo que
explique como ocorre o processamento da leitura em nossa
estrutura cerebral. Em seu texto, insira, pelo menos, uma citação
do capítulo para reforçar seus argumentos.
No que se refere à aprendizagem da leitura, podemos dizer que
ao lermos, efetuamos três tipos de processamento: ortográfico
(identificação de letras), fonológico (percepção sonora) e semântico
(percepção do significado).
O primeiro processamento possibilita capturar a informação visual.
O segundo permite o processamento do som, o processamento
fonológico. E o terceiro possibilita reconhecer o significado.
Todos os três processamentos são importantes para que se possa
decodificar e compreender uma palavra, frase ou texto escrito.

2. Conceitue dislexia, apresentando as principais características de


pessoas com esse transtorno e as intervenções que podem ser
empregadas junto a elas.
As pessoas que possuem dislexia apresentam comprometimento no
que se refere à precisão/fluência e no reconhecimento de palavras.
Também há prejuízo na decodificação, causando dificuldade na
soletração. Essas dificuldades impactam a capacidade de ler,
dificultando a compreensão do material que leem.
Normalmente, as pessoas que possuem esse transtorno realizam
a leitura com lentidão, compreendem o texto de modo limitado,
acrescentam ou omitem letras, apresentam erros gramaticais,
empregam de modo inadequado as pontuações, apresentam
habilidades abaixo do esperado para a idade, baixo desempenho
na leitura e na escrita, sentem sobrecarga quando das exigências
acadêmicas. As crianças com dislexia tendem a adivinhar ao lerem
as palavras escritas. Demonstram muito esforço para a leitura e
apresentam dificuldades na percepção dos aspectos sonoros, ou
seja, no desenvolvimento da consciência fonológica. Também podem
apresentar limitações na fala e no desenvolvimento das funções
executivas (RODRIGUES; CIASCA, 2016).
Devemos incentivar os aprendizes para a reflexão sobre os sons que
são semelhantes e diferentes nas palavras; propiciar atividades em
que tenham que criar e identificar rimas; propor atividades para a
percepção do tamanho as palavras, entre outras possibilidades.
Introduzir gradualmente atividades de reconhecimento de letras e

Resolução das atividades 149


escrita. Realizar atividades metacognitivas que propiciem ao aprendiz
refletir sobre a leitura. Adotar determinados encaminhamentos, tais
como: ampliação de tempo para a realização das atividades, auxílio
para a realização de alguns registros, redução dos textos a serem
lidos pelo estudante disléxico, auxílio para o destaque de informações
do texto.
Além disso, é necessário ajudar a pessoa com dislexia a eliminar os
elementos que causam distrações, a organizar uma agenda, a ter uma
rotina, o que inclui a rotina na escola. É necessário repetir instruções,
possibilitar que o aprendiz esteja próximo do professor em sala de
aula, diversificar as atividades avaliativas, diversificar as estratégias
a serem adotadas para a realização de determinadas tarefas, realizar
revisões dos conteúdos trabalhados, entre outras possibilidades
sugeridas por Rodrigues e Ciasca (2016).

3. Aline é professora de uma turma de estudantes que se encontram


em processo de aprendizagem da leitura. Ela percebe que alguns
estudantes decodificam e que outros compreendem os textos
explorados. Elabore uma apresentação no Canva sobre o significado
de decodificação e compreensão. Além disso, apresente as
estratégias que precisam ser empregadas para que os estudantes
sejam capazes de compreender os textos que leem.
As estratégias que precisam aparecer na apresentação: i. planificar,
monitorar e avaliar os processos de compreensão; ii. fazer previsões
ou formular hipóteses sobre o conteúdo do texto (antes ou durante a
leitura); iii. fazer resumos; iv. ativar conhecimentos prévios; v. convocar
os conhecimentos prévios; vi. responder a perguntas; vii. formular
perguntas e responder a estas; viii. encontrar ou destacar as ideias
principais; ix. encontrar o significado de palavras ou expressões
desconhecidas; x. realizar inferências; xi. elaborar narrativas,
atendendo às ideias principais; xii. utilizar estratégias de visualização
do texto.

5 A produção de textos no processo de alfabetização


1. Escreva dois parágrafos, cada um relativo a um dos documentos
que devem ser adotados como referência para a elaboração
dos currículos das escolas brasileiras. Para a elaboração desses
parágrafos, empregue todos os termos contidos nos respectivos
quadros:

150 Fundamentos de alfabetização e letramento


1º parágrafo
BNCC – CENTRALIDADE DO TEXTO – PRODUÇÃO DE TEXTO – ESCRITA
AUTÔNOMA – ESCRITA COMPARTILHADA –
ENSINO FUNDAMENTAL – EDUCAÇÃO INFANTIL

2º parágrafo
PNA – PRODUÇÃO DE TEXTO – ESCRITA AUTÔNOMA – ESCRITA
COMPARTILHADA –
ENSINO FUNDAMENTAL – EDUCAÇÃO INFANTIL – NÍVEIS DE PRODUÇÃO
ESCRITA

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) defende que o trabalho


pedagógico em relação à aprendizagem da leitura e da escrita
tenha o texto como elemento principal, ou seja, defende a centralidade
do texto. Os estudantes devem ser impulsionados à produção de
textos que façam sentido, por isso os gêneros textuais presentes no
cotidiano, considerando os diferentes campos de atuação, precisam
ser explorados. A produção de textos pode ser proposta por meio de
escrita autônoma ou compartilhada. A BNCC evidencia a pertinência
da escrita compartilhada no início do processo de alfabetização, seja
na Educação Infantil ou no Ensino Fundamental.
A Política Nacional de Alfabetização (PNA) evidencia que o texto não é
um objeto central quando se fala em alfabetização, diferentemente da
BNCC. O documento recomenda a exploração de textos, em especial
de literatura, aborda a escrita espontânea de palavras e textos, ainda
na Educação Infantil, e considera que há quatro níveis em relação à
produção escrita: nível de letra, nível de palavra, nível de frase e nível
de texto. Esse documento não traz orientações precisas quanto à
escrita autônoma e à escrita compartilhada na produção de textos,
como aborda a BNCC.

2. Escritores mais experientes costumam realizar uma ação específica


quando da produção de um texto, antes de iniciá-la. Descreva essa
ação, que é defendida como uma etapa relevante na elaboração de
bons textos e, por essa razão, precisa estar presente no processo
de produção de textos.
O processo de produção de um texto envolve diferentes etapas,
e isso quer dizer que, antes de o texto ser elaborado em sua versão
final, há diferentes caminhos a serem trilhados. Entre essas etapas,
está o momento de planejar a escrita do texto.
A primeira etapa na produção de um texto é o planejamento. Antes
da escrita, é importante, além de ler outros textos, pensar nas ideias
a serem veiculadas, no destinatário, na estrutura do gênero, na
mensagem, na organização do conteúdo etc.

Resolução das atividades 151


Essa etapa costuma ser negligenciada por escritores novatos e
adotada com frequência por escritores experientes que planejam por
escrito ou até mentalmente.
No contexto escolar, a etapa de planejamento precisa ser vivenciada
pelos estudantes. Eles precisam entender que não basta iniciar
a escrita de um texto assim que a proposta comunicativa lhes é
apresentada. Essa tarefa exige prever o que será apresentado no
texto.
Como estratégias a serem empregadas na etapa de planejamento,
podem ser citadas: elaboração de mapa, criação de lista, leitura de
textos do mesmo gênero, criação de diagrama etc.
Estudos comprovam que planejar a escrita de um texto beneficia
a produção, além de favorecer o processo de aprendizagem da
escrita de quem o faz, tornando-o mais competente na habilidade de
escrever textos.

3. Você foi convidado (a) para orientar a prática dos professores


perante a produção de textos numa rede municipal de ensino.
Entre as estratégias que você adotou para as orientações aos
docentes, está a distribuição de um folder. Nele você apresenta
algumas estratégias que os professores poderão empregar diante
da revisão de textos no processo de aprendizagem da escrita
por estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Como é
esse folder? Lembre-se de planejar a sua escrita, recuperando as
principais características estruturais que devem estar presentes
no texto que irá construir.
O folder deverá considerar as características desse gênero textual –
suporte pequeno, conteúdo informativo, linguagem objetiva etc. – e
contemplar as estratégias mencionadas na última parte do capítulo:
uso de bilhete com orientações, emprego de símbolos para orientar a
revisão, revisão realizada por colega e autoavaliação.

152 Fundamentos de alfabetização e letramento


FUNDAMENTOS DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
igreja

Fundamentos de
laranja
Alfabetização
e
Letramento
THALITA FOLMANN DA SILVA

sapo folha

avião
bola

THALITA FOLMANN DA SILVA


foca
tatu caneta lápis
Código Logístico ISBN 978-65-5821-103-7
papel
I0 0 0 0 3 1 9 786558 211037

carta amor

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