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História

para
Viva
Ouvir e Contar
Roseli Bassi
Organizadora
História
para
Viva
Ouvir e Contar
Roseli Bassi
Organizadora
Roseli Bassi

Idealizadora do projeto Ouvir e Contar, é uma paulistana apaixo-


nada por histórias.

Costuma dizer que seu travesseiro mora em São Paulo, enquan-


to ela vive no mundo do faz de conta.

Abandonou a carreira de executiva e fundou o Instituto Historia


Viva, uma organização que forma contadores de histórias. Daí
nasceu o projeto Ouvir e Contar, um projeto intergeracional que
conecta as frágeis idades por meio da contação de histórias.

www.historiaviva.org.br
Quem nunca sonhou em ter suas histórias transformadas em
contos infantis e receber a arte de uma criança inspirada em sua
história?

O idoso, ao ter sua história encantada e contada para uma


criança, percebe sua própria história de vida como encantado-
ra.

Como diz um dos idosos atendidos: “Nós passamos a existir”.

A criança, por sua vez, traz em seus olhos um brilho especial ao


saber que o personagem principal é um idoso que doou gentil-
mente um episódio de sua biografia para ela.

Chegam a perguntar: “Mas ele existe de verdade?”.

Os ouvidores, encantadores e contadores de histórias também


recebem sua quota de felicidade, ao serem coadjuvantes nesse
processo de transformação social.

Este livro traz alguns dos contos escritos inspirados nas histó-
rias de idosos.
HISTÓRIA VIVA PARA OUVIR E CONTAR
Ficha catalográfica elaborada por Nain Biernaski
Bibliotecário CRB 9-1668

C321
Bassi, Roseli (Org.)
História viva para ouvir e contar / Roseli Bassi. – Curitiba: [s.n.], 2018.
68 p.: il.; 21x24 cm

ISBN 978-85-94142-22-1
Vários ilustradores

1. Histórias. 2. Memórias. 3. Literatura infantojuvenil.


4. Melhor idade I. Título.

CDD 028.5

Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT

Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Roseli Bassi
Organizadora

HISTÓRIA VIVA PARA OUVIR E CONTAR


VOLUME I

Curitiba - PR
2018
1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.
Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192,
de 14/01/2010.

FICHA TÉCNICA
EDITORIAL Alexandre Zarske de Mello
Camila Fernandes de Salvo
Gabriele Ruppel
Jhary Artiolli
Lilian Ribeiro de Camargo
Vanessa Schreiner
COMITÊ EDITORIAL Alexandre Zarske de Mello
Camila Fernandes de Salvo
Gabriele Ruppel
Jhary Artiolli
Lilian Ribeiro de Camargo
Luiz Alberto Andrioli Silva
Vanessa Schreiner
ASSESSORIA EDITORIAL Lilian Ribeiro de Camargo
DIAGRAMAÇÃO Giuliano Ferraz
ILUSTRAÇÃO DA CAPA Anderson Xavier
DESENHOS Vários
EDIÇÃO DE TEXTO Camila Fernandes de Salvo
Jhary Artiolli
Vanessa Schreiner
REVISÃO Camila Fernandes de Salvo
Jhary Artiolli
Vanessa Schreiner
COMUNICAÇÃO Alexandre Zarske de Mello
Camila Fernandes de Salvo
Gabriele Ruppel
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Alexandre Zarske de Mello
Este livro é dedicado aos idosos que narram episódios
de sua biografia.

Aos voluntários que pacientemente ouvem os idosos


e encantam suas histórias.

Às crianças que ouvem as histórias encantadas e


criam os desenhos que são entregues aos
respectivos idosos.

E a todos aqueles que respeitam e valorizam as


memórias de vida.
AGRADECIMENTOS

Agradeço à equipe da pós-graduação em Produção e Gestão


Editorial Multiplataforma, da PUCPR, Alexandre Zarske de Mello,
Camila Fernandes de Salvo, Gabriele Ruppel, Jhary Artiolli, Lilian Ribeiro
de Camargo e Vanessa Schreiner, que pacientemente percorreu
todo o caminho para tornar possível a publicação deste sonho.

Aos voluntários Adriana Kukla, Rosana Meyer, Adriana de Cunto, Sandro


Moreira, Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira, Jacqueline Pereira,
Tássia Vidal Vieira, Irse de Araújo Ferreira, Miriam Leonila de Oliveira e
Roseli Bassi, que ouviram os idosos e escreveram as histórias que constam
nesta primeira coletânea.

Aos idosos e às crianças atendidos pelo Projeto Ouvir e Contar, do


Instituto História Viva.
APRESENTAÇÃO

Embora haja muitos “era uma vez”, cada história contada neste
livro foi inspirada em histórias reais vividas uma única vez. São
relatos de pessoas idosas, que contam histórias de suas vidas
para serem encantadas e, depois, contadas a crianças. As
ilustrações são das próprias crianças que ouviram essas histórias.

Os contos deste livro foram ouvidos e encantados por


voluntários do Projeto Ouvir e Contar do Instituto História Viva.

Essa coletânea traz uma pequena parte desse imenso caldeirão de histórias
vivas que são ouvidas por muitas pessoas e encantadas em todo o Brasil.

Todos os direitos foram cedidos e toda a renda com a venda dos


próximos volumes será direcionada para a manutenção do Instituto
História Viva, organização que treina e coordena voluntários
para atuarem em lar de idosos e crianças e hospitais de
todo o País, contribuindo para que todos possam exercer
seu papel de cidadão enquanto transformam realidades.

Além de valorizar a sabedoria das pessoas mais velhas, sabemos


o quanto uma história bem contada pode inspirar a formação de
leitores. Foi gratificante coordenar a organização das histórias para
a concretização deste sonho com os alunos da PUC, pois juntos
podemos sonhar juntos e transformar ainda mais histórias com alegria!

Fundadora do Instituto História Viva


Roseli Bassi
SUMÁRIO

O SUMIÇO DA RAINHA ......................................................................................17


A BRUXA .......................................................................................................... 20
COMO ERA A PÁSCOA ......................................................................................23
E A GENTE VAI DESCOBRINDO COISAS...........................................................26
CASO, SIM; CINTO, NÃO! .................................................................................29
BONECAS MARAVILHOSAS .............................................................................32
UMA BARRIGA E DOIS FRIOS! .........................................................................35
PEPE: O PELÉ PERNAMBUCANO ......................................................................39
A VIAGEM DE LULU .......................................................................................... 43
O PESCADOR DE HISTÓRIAS ........................................................................... 47
SILVÉRIO, O HOMEM DAS FERRAMENTAS ..................................................... 50
O MENINO BOM DE BOLA ................................................................................53
A CARRUAGEM ENCANTADA ...........................................................................56
O HORIZONTE NO TOPO DE UMA ÁRVORE ................................................... 60
O ENCANTADOR DE ANIMAIS .........................................................................63
O SUMIÇO DA RAINHA

E ra uma vez uma Rainha chamada Lourdes que vivia num lindo
castelo na Rua das Flores. Ela era uma rainha diferente. Não gostava de
ficar trancada no castelo. Todos os dias saía para um passeio. Adorava
caminhar pelas ruas do centro da cidade, ver vitrines, observar as cores
dos sapatos e roupas, as pessoas andando apressadas para concluírem
seus afazeres…
Em certa tarde, a Rainha saiu para tomar um lanche ali pertinho.
Disse que voltaria logo.
Só que as horas foram passando, passando e nada da Rainha
voltar…
Todos no castelo foram ficando preocupados. A princesa ligou para
todos os seus conhecidos, mas ninguém sabia da Rainha Lourdes…
Quanto mais a notícia do sumiço da Rainha se espalhava, mais o
desespero de seus familiares aumentava.
Quando já era noite, a rainha chegou ao castelo, alegre e
emocionada.
Para surpresa de todos, ela passara a tarde ouvindo o pianista
Arthur Moreira Lima, que estava se apresentando na rua, no caminho
de volta para o castelo.
Esqueceu as horas ouvindo belas músicas na companhia de
inúmeras pessoas.

17
Assim era a rainha Lourdes. Gostava de estar onde todos estavam.

Adriana Kukla

Desenho de Estevão Camilo Honorio da Silva, 9 anos

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A BRUXA

E ra uma vez uma bruxa muito poderosa... Ela vivia em sua casa,
onde as plantas e os pássaros, a natureza, viviam em muita harmonia.
Sempre que voltava de seus passeios, corria para suas panelas, a
fim de criar poções com muito amor. Elas faziam com que todos que as
experimentassem se sentissem muito felizes. Ouviam pássaros cantar de
forma ainda mais melodiosa.
Certo dia, ela buscava entender por que, de repente, sentia-se
tão cansada. Foi andando até seu canteiro de grama e, no caminho,
encontrou uma flor. Essa flor lhe contou um segredo: que todas as
bruxas são importantes, mágicas e que onde elas tocam com amor
transformam tudo para o bem!
A bruxa voltou feliz para sua casa e, a partir desse dia, colocou
ainda mais amor em seu caldeirão!

Roseli Bassi

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Desenho de Laís, 11 anos

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COMO ERA A PÁSCOA

F alar de coelhos, de Páscoa e de crianças é fácil. Mais gostoso


ainda é lembrar como era essa data na nossa infância. Criança adora
procurar e encontrar a cesta de ovinhos que o coelhinho da Páscoa
prepara para ela.
Os ovos de Páscoa de Mazilda eram feitos com cascas de ovos
de galinha. Ops! Mas eram ovos de coelho ou de galinha? Agora tudo
ficou muito confuso! Sim, eram de galinha.
Mazilda e seus oito irmãos comiam ovos quentes – aqueles molinhos,
comidos por um buraquinho aberto na casca do ovo. Depois, lavavam
as cascas e as pintavam com uma tinta feita com uma mistura de um
pouco de sal grosso (que era muito caro naquela época), água e
papel seda colorido. Essa mistura, depois de fervida no fogão, virava
uma tinta, usada na pintura dos ovos.
E para encher esses ovinhos pintados, como fazia? O recheio era
de chocolate? Ah, não, isso não! Eram recheados com amendoim.
Depois de descascados e torrados no forno (de barro, naquela época,
daqueles onde se costumava assar pães), enchia-se as cascas de ovos
já pintados, sequinhos. Então, eles eram fechados com um papel seda.
Imagine como ficavam bonitinhos?!
Quando prontos, os ovinhos eram depositados em uma caixa que
a própria Mazilda e os irmãos montavam. E quer saber como eram essas
caixas? Era uma caixa parecida com caixas de sapato, retangulares,

23
ou, ainda, redondas, feitas de papelão e encapadas com papel seda
e com uma alça “costurada” à mão – e Mazilda não furava os dedos
não, apesar de ser a criança mais nova ali.
A palha que se coloca dentro da caixa também era feita por
eles, com papel seda. Eles faziam rolinhos e cortavam fininho, depois
soltavam; assim a palha ficava com uma mistura de cores. E assim
estava pronto o cesto de Páscoa, para que o coelhinho viesse colocar
os ovos de volta para todas as crianças.
De volta? Como assim? Ah, as crianças faziam uma parte do
trabalho do coelho, ou seja, preparavam todos os ovos, com a pintura
e o amendoim, junto com algumas batatas-doces pequenas que eles
colhiam no quintal. Então, o coelho vinha buscar tudo e, ao final, no
dia da Páscoa, trazia de volta para as crianças.
Mas sabe que elas só ficavam pensando por que ele não devolvia
as batatas também... será que ele comia todas?!
Rosana Meye

Desenho de Cecilia, 13 anos

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E A GENTE VAI DESCOBRINDO COISAS...

N ascer no interior faz diferença? Será que faz mesmo?


Bem, a Dona Mazilda conta que, há 89 anos, era tudo muito diferente...
As crianças se mantinham longe dos adultos e os respeitavam; pediam
para ir brincar e não ficavam ouvindo suas conversas.
Mazilda nasceu em São Bento do Sul, no estado de Santa Catarina.
É a caçula de nove filhos. Teve duas irmãs e seis irmãos. Muitos meninos,
não é? E falando em meninos... ela lembra que sua mãe costumava
fazer pão e sempre lhe dava um pedacinho de massa para ela fazer um
bonequinho. Um bonequinho homem ela fez.
Foi então que a menina levou uma surra, pois onde já se viu
fazer um “pipizinho” no bonequinho de massa de pão. Mazilda tinha
descoberto que os meninos eram diferentes das meninas. Ela sabia que
os animais eram diferentes – que o boi era diferente da vaca, o cavalo
era diferente da égua. Mas foi surpresa saber que os meninos tinham
“pipi”. E o pior foi apanhar por causa disso!
Então ela foi brincar de outra coisa, foi costurar retalhos de tecido
– porque era muito caro comprar tecidos para fazer roupas para as
crianças. Os retalhos eram aproveitados também para fazer “fuxicos”.
Ah, não, não é mentira. Esse era o nome de um artesanato da
época... que, hoje em dia, é feito por muita gente por aí, não só gente
do interior...

Rosana Meyer

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Desenho de Cecilia, 13 anos

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CASO, SIM; CINTO, NÃO!

N em bem amanheceu na pequena cidade em que Eliete morava


e já começavam os falatórios e o agitado vaivém de parentes vindos
de todos os cantos do país. Era um dia especial, daqueles que ficaria
na memória de todos para sempre!
Em meio ao corre-corre, ouviram-se os trotes de um grande alazão.
Era a noiva que chegava para viver os lindos momentos com que toda
moça do interior sonha. E a noiva desta história é a irmã de Eliete, uma
linda moça do Lar Rogate, de Curitiba, no Paraná.
Lá se foram as madrinhas da noiva a se “emperiquitar” para o
grande dia. Em um quarto da casa, era um tal de puxar cabelos, vestir
anáguas, passar blush; um movimento e uma mistura de sons que mais
parecia um baile gaúcho.
Por falar em gaúcho, o noivo – que nem gaúcho era – resolveu
se casar vestindo uma camisa branca e uma bombacha, que era
acompanhada de um cinto grande e vermelho! Pediram tanto para
ele tirar o cinto vermelho que acompanha a vestimenta que, quando
o padre perguntou se ele queria se casar com a noiva, ele respondeu:
“Caso, sim; cinto, não!”
O que ninguém sabia era que sua calça estava sem um botão. Já
pensou se ele resolvesse mesmo deixar o cinto de lado?!

Roseli Bassi

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Desenho de Lucas, 18 anos

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BONECAS MARAVILHOSAS

E ra uma vez uma menina de cabelos castanhos, cacheados e


compridos. Ela se chamava Therezinha e vivia em um sítio, próximo a
uma pequena vila. Nesse vilarejo, a garotinha ia à escola todos os dias.
Às vezes, aos domingos, também passeava com os seus pais.
Therezinha era muito feliz, pois no sítio encontrava quase tudo o
que precisava para viver. Tinha frutas, verduras e até brinquedos, que
vinham da natureza: árvores para subir, cavalos para cavalgar, rios
para nadar, cachorros, gatos e passarinhos como companheiros de
aventuras.
Como toda menina que vivia em uma pequena cidade, Terezinha
fazia as suas próprias bonecas, com tocos de árvore e espigas de
milho. Os pequenos pedaços de madeira ganhavam olhos, nariz e
boca, pintados com carvão, e lindas roupinhas coloridas, feitas de
pedacinhos de pano. Tudo era aproveitado, nada se perdia naquela
vila. As bonecas de espiga de milho eram as mais desejadas, com seus
cabelinhos dourados e seus corpinhos de palha.
O tempo foi passando, e Therezinha continua fazendo brinquedos
para as crianças de hoje, que vivem na cidade grande. Mas hoje as
bonecas são feitas com outro tipo de material, tampinhas de garrafa
e potes de iogurte, Terezinha sabe que toda criança quer e precisa de
divertir!
Adriana de Cunto
Sandro Márcio Leite Moreira da Silva

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Desenho de Maria, 7 anos

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UMA BARRIGA E DOIS FRIOS!

Q uem nunca ouviu aquela frase: “Me deu um frio da barriga!”?


Então... a história que vamos contar é de uma pessoa que tinha uma
barriga, mas que teve dois “frios”!
Era uma vez... um senhor muito inteligente. Seu nome era José,
mais conhecido como Zé. Há muito tempo, Zé sentiu dois frios em uma
só barriga – mesmo achando que isso não era possível!
Em 1996, Zé casou-se com Maria, uma bela moça carioca. Zé e Maria
estavam muito apaixonados, felizes e sorridentes. Tinham certeza de seu
amor. Para celebrar esse momento tão especial – o seu casamento –,
eles aproveitaram para realizar outro sonho em comum: viajar de avião.
Zé tinha um pouco de medo, Maria também. No entanto, a felicidade
era tanta que, juntos, eles resolveram superar esse medo bobo.
Zé e Maria passaram dias organizando as malas, reunindo blusas e
casacos para a viagem tão esperada, que os levaria do Rio de Janeiro
ao sul do país, região conhecida pelo clima frio. Mas essa viagem não
era só pela lua de mel dos recém-casados; eles estavam indo também
porque Zé havia sido transferido, por meio de seu emprego, para a
cidade de Porto Alegre. Imaginem, então, a quantidade de malas que
Zé e Maria precisavam arrumar!
Finalmente, chegou o grande dia, o dia da viagem. Eles chegaram
ao aeroporto e viram aquela enorme máquina chamada avião.
Suas pernas começaram a tremer, a barriga começou a esfriar e o
segundo frio na mesma barriga apareceu. O primeiro havia sido no dia

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do casamento; e o segundo frio na mesma barriga estava prestes a
aparecer.
Eles entraram no avião, acomodaram-se em suas poltronas,
apertaram os cintos e logo o avião decolou. Então Zé se virou para
Maria e, com um olhar apaixonado, tirou de dentro do seu paletó uma
rosa vermelha e disse: “Eu te amo, Maria”. Ela deixou cair uma lágrima
emocionada, abraçou Zé e disse de volta: “Eu também te amo, meu
amor”. O clima de romance pairava no ar, quando, de repente, eles
começaram a ouvir gritos de outros passageiros da aeronave.
O avião, que faria escala em Porto Alegre e seguiria para a
Argentina, trazia vários passageiros desse país. Dentre eles, havia uma
mulher que, em desespero, gritava: “Mi marido, mi marido”. Todos os
outros passageiros tentavam entender o que ela estava dizendo, na
tentativa de ajudá-la. Foi então que Zé tomou a mão da mulher para
segurá-la e gritou para os outros: “Tem algum médico aqui? Por favor,
ajudem-nos”.
Neste momento, a comissária de bordo avisou aos passageiros
que seria necessário retornar ao aeroporto do Rio de Janeiro, pois o
marido dessa senhora precisava de atendimento com urgência. Zé e
Maria ficaram com muito medo dessa situação e, assim como as outras
pessoas, tiveram dores de barriga de tanto medo! Com isso, formou-se
uma fila na porta do banheiro.
Ao pousar, os bombeiros retiraram o homem do avião, e sua esposa
o acompanhou. Zé, Maria e os demais passageiros acomodaram-se
novamente, e Zé, aproveitando o clima mais calmo, olhou novamente
para Maria e disse: “Nunca esqueça que eu te amo!”. Maria chorou
muito... tanto de medo quanto de alegria. O avião tornou a decolar
e, algumas horas depois, pousou em segurança em Porto Alegra.

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Finalmente! Ao chegarem, Zé e Maria ficaram encantados com a
beleza da cidade e, em clima de lua de mel, chegaram ao hotel em
que se hospedariam nos primeiros dias ali. Nove meses depois, nasceu
o primeiro filho do casal, o qual eles chamaram de José Santos Dumont,
em homenagem à primeira viagem de avião deles.
Zé e Maria foram muito felizes durante sua vida em Porto Alegre.
Sempre que podiam, ajudavam ao próximo, sendo quem fosse a
pessoa. Zé ensinou ao filho desde pequeno que era muito importante
fazer o bem não importando a quem, em qualquer momento da vida.
Se você puder fazer o bem a alguém e se isso não interferir em sua vida
pessoal, faça com amor!
Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira

Desenho de Vitória, 10 anos

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PEPE: O PELÉ PERNAMBUCANO

E ra uma vez uma cidadezinha lá no Nordeste do Brasil, onde havia


um rapaz muito bonito... forte, com pernas velozes e pés precisos. Ele era
conhecido por todos da sua cidade como PEPE: o Pelé pernambucano.
Desde muito pequeno, Pepe fazia maravilhas com uma bola de
futebol. Para uns, a bola só servia para ser chutada em direção ao gol.
Mas para Pepe, ela não significava apenas isso. Pepe enxergava nessa
bola um mundo inteiro, cheio de sonhos e realizações. Pepe guardava
segredos nessa bola, que nunca foram revelados. Mas um segredo
Pepe contava: queria fazer desse mundo o mundo de outras crianças.
Pepe era o melhor jogador do seu time. Desde criança ele era
apaixonado por jogar bola. Chegava da escola, ajudava nas tarefas
de casa, fazia suas lições da escola e corria para o campinho próximo
à sua casa. Pepe era lateral direito do time 15 de Piracicaba. Um belo
dia, disputava com seu time a final de um campeonato importante
na região. Toda a cidade estava presente, todos os seus amigos, sua
família, e o último gol de pênalti, que poderia dar vitória ao seu time,
foi deixado para Pepe bater... Ele ouviu todos os gritos da torcida,
que diziam: “Vai, Pepe! Vai, Pepe!”, concentrou-se, olhou para a bola
na sua frente e enxergou todos os seus sonhos e segredos guardados
nela. Respirou fundo e correu em direção à bola, dando o chute mais
certeiro de sua carreira! Pepe fez o gol da vitória, e de sua vida! Todos
diziam que ele era tão bom, mas tão bom, que era o mais novo Pelé
pernambucano.

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Chovia muito na final desse campeonato. Pepe chegou em casa
todo encharcado, e sua irmã foi imediatamente enrolá-lo em uma toalha
para secá-lo. A irmã de Pepe disse: “você é nosso Pelé pernambucano!
Precisa se cuidar!”. Mas não tinha chuva que desmontasse o sorriso do
rosto de Pepe, nem frio que tirasse o calor de dentro do seu coração.
Era muita alegria para um menino só!
Mas o tempo foi passando, e infelizmente Pepe ficou muito doente.
Ele já não encontrava mais em suas pernas a força que todos conheciam
bem. Você acha que Pepe desanimou? De jeito nenhum!
Pepe lembrou-se de tudo o que viveu até ser considerado um
bom jogador de futebol, todas as dificuldades, todas as alegrias, todo
o esforço... e se animou! Pegou sua bola de futebol, olhou para bem
fundo para ela e lembrou de todos os sonhos que guardava junto a
ela. Sentou-se em uma cadeira, deixou sua bola em cima da mesa
e começou a escrever sobre um desses sonhos, que era fazer desse
mundo o mundo de outras crianças. Pepe queria muito que outras
crianças, assim como ele em sua infância, pudessem ter a oportunidade
de aprender a jogar bola e criar sonhos em seus chutes ao gol, não
desistindo nunca, mesmo nas piores dificuldades. Depois de muito
trabalho, Pepe criou o “Projeto Vencer”, no qual ensinava mais de cem
crianças a jogar futebol. Ensinava futebol de salão, futebol de areia e
de quadra.
Mas o que Pepe ensinava todos os dias, antes mesmo de ensinar as
regras do futebol, é o quanto cada um de nós precisa ter determinação
na vida e sonhar sempre, independentemente das dificuldades que
possam surgir.

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Hoje o time do “Projeto Vencer” coleciona vários títulos, e todos os
alunos aprenderam não apenas a jogar bola, mas também a como
transformar sonhos em realidade.

Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira

Desenho de Lucia, 8 anos

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A VIAGEM DE LULU

L ulu é uma nuvem muito sapeca. Com um sorriso grande e


saltitando de um lado a outro no céu, brinca sem parar com as outras
nuvens e finge incomodar as de mais idade. Sempre está pronta para ir
de um lugar a outro. Tudo é novidade e festa. Mas o que ela mais gosta
é de contar histórias. Tem mais de mil histórias…
De lá de cima, conhece lugares tão distantes quanto o deserto,
o oceano, as cidades populosas ou as pequenas vilas. E de vento em
vento vai colhendo e contando suas histórias.
Em uma dessas viagens, conheceu a um povo muito alegre, com
festas típicas que ela gostava de assistir. Umas mulheres muito bonitas
dançavam com vestidos de festa e moviam-se todas, desde o corpo
até braços e mãos, com tanta suavidade e doçura que pareciam voar,
como ela quando brincava ali entre suas amiguinhas.
E preparavam comidas onde os aromas subiam perfumando todo
o céu. Até ela que não comia sentia o prazer dessa alegria!
Um dia, pediu ao chefe das nuvens que lhe permitisse conhecer
e passar um tempo entre aquele povo alegre. “Claro que sim!”, ele
disse, “mas saiba que você terá que ir em forma de chuva, como todas
quando descem, e quando voltar subirá com o vapor”.
Lulu não se importou, e disse que sim. Preparou-se com grande
alegria para sua viagem.

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Pela manhã, todas as nuvens que iam descer até aquele lugar
estavam prontas. A nuvenzinha Lulu não cabia em si de contente, de
repente, soou um apito e todas entraram apressadamente no elevador
que ia até a Terra.
Ele comprimia tanto a todas, que elas se transformavam em chuva
e caíam em um montão de gotinhas que penetravam a Terra. Lulu teve
sorte, chegou num imenso campo verde, onde preciosos cachos de
uvas estavam sendo colhidos.
Muita gente chegava para uma grande festa. Carroças puxadas
por cavalos enfeitados, mulheres com vestidos longos e coloridos, e por
onde olhava havia vinho, pão, azeite, queijos, sopas frias, peixes fritos
e muita música e alegria! Lulu, fascinada, divertia-se pra valer vendo
tantas maravilhas.
De repente, trouxeram um tacho muito grande cheinho de uvas
para serem pisadas, e muitas moças bonitas subiram ali, rindo, brincando
e dançando.
Durante toda a noite aquela gente comeu, bebeu, brincou e
dançou. A nuvenzinha aproveitou a festa de montão, até chegar a
hora de retornar ao céu, onde continuaria a observar as tradições dos
humanos que vivem na Terra, agora se sentindo parte de toda essa
festa.

Jacqueline Pereira

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Desenho de Sara, 14 anos

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O PESCADOR DE HISTÓRIAS

N o interior do Rio Grande do Sul – bem no cantinho do mapa,


quase saindo do Brasil –, cresceu um jovem muito sério e trabalhador.
Brasilêncio era esse moço de mãos sujas, que passava seus dias entre
os motores a diesel, garantindo que o povo da cidade conseguisse
trabalhar sem se preocupar em seus tratores e caminhões lhes deixarem
na mão. Afinal, quanto mais suave fosse a semana de trabalho, mais
tempo lhes sobrava para pescar. E como se pescava nessa cidadezinha!
Todos se sentavam às margens do rio Uruguai com seus chimarrões
e suas cachaças (estas apenas para os maiores de idade, claro) e
lançavam seus anzóis na água. Se não conseguissem pegar nenhum
peixe, não tinha problema; o importante era reunir os amigos e contar
muitas histórias – ah, sim, histórias de pescador!
Os “causos” que os vizinhos e amigos de Brasilêncio contavam
eram tão mirabolantes que às vezes ganhavam vida própria. Eles
cresciam como peixes voadores, saltavam da boca de seus criadores
e pulavam de volta no rio. E sabe o que Brasilêncio fazia enquanto os
outros contavam suas histórias? Ele ouvia e preparava uma isca muito
especial.
Na ponta de seu anzol, ele amarrava um ponto de interrogação
com muito cuidado. “Para pescar uma história, comece com uma
pergunta”, ele dizia. E, com muita paciência, o jovem pescava as mais
deliciosas histórias. Depois, ele as guardava em sua bolsa e as levava

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para casa sem que ninguém soubesse. Para ele, esse era o pagamento
por todo seu trabalho suado.
Com o passar dos anos, Brasilêncio continuou a alimentar as histórias
que ouvia, fazendo com que elas crescessem e ficassem cada vez mais
inacreditáveis. Até hoje ele as guarda em um aquário secreto no Lar
dos Idosos Recanto do Tarumã. Ele não costuma compartilhá-las com
ninguém, pois diz que “elas ficam tímidas na presença de estranhos”.
Por isso, Brasilêncio as guarda só para ele.
Só resta saber se esta última história não é mais uma história de
pescador!
Tássia Vidal Vieira

Desenho de Maíra, 14 anos

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SILVÉRIO, O HOMEM DAS FERRAMENTAS

C omo a música, as palavras e as ferramentas, as pessoas são


diferentes e cada uma delas nos encanta de diferentes maneiras.
Essa é a história do Silvério, que durante 15 anos morou com sua
avó materna. Ela veio da Ucrânia atravessando o oceano e falava as
palavras num som diferente das pessoas que nasciam aqui… só que
ele entendia tudinho! Pergunte para ele como é “obrigado”, “bom
dia”, “vá dormir menino”... sim, todas as vovós são assim, nos ensinam
muito… e ele sabe direitinho como são pronunciadas essas palavras...e
ainda se diverte quando muitos não conseguem repeti-las… sim, isto o
diverte muito!
Ele dirigia caminhão e foi aprender a fazer móveis na fábrica do seu
cunhado, marido da sua irmã. Trabalhou durante oito anos fabricando
os móveis e morando em Irati, no Paraná. Não perdia os bailes, pois
não faltava par para ele! Aprendeu a dançar xote, uma dança rápida
e alegre, que ele fazia com dois passos para cá e dois passos para lá.
E ele quis mais e resolveu dar mais alguns passos… Foi morar no litoral,
perto do mar, acompanhando a sua arte de usar ferramentas e lá ver
o sol nascer no horizonte.
Ele fez muitos móveis que preencheram muitas casas. Começou a
construir casas. Como pedreiro, levantava a construção do amanhecer
ao anoitecer, assim como o Noé, despontando aos poucos e deixando
o dia com satisfação de tarefa cumprida.

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Hoje ele mora em Curitiba, numa outra casa e com muitas pessoas.
Visita sempre sua irmã que mora no 4º andar de um prédio.
Será que ele fala em ucraniano com a irmã? Ah! Não sei não!
Com certeza eles devem relembrar com muita alegria da vovó e das
palavras que aprenderam e rir muito, mantendo o brilho dos olhos
azuis!

Rosana Meyer

Desenho de Maria, 6 anos

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O MENINO BOM DE BOLA
E ra uma vez... um menino chamado Paulo. E ele não era um
menino como os outros.
Paulo vivia se escondendo das pessoas, pois não gostava muito de
conversar. Era rebelde, mesmo sem ter motivos. Mas ele adorava jogar
bola. No futebol ele era bom!
Tão bom que, quando cresceu, ele se tornou técnico de um
time de futebol da cidade em que ele passou a morar depois de se
casar – Maringá. Paulo passou todo seu conhecimento aos jogadores,
principalmente sua sabedoria e organização.
Ele ensinou a todos que, se um jogador derruba ou bate em outro,
deve abraçá-lo e pedir desculpas. Isso porque demonstrar gentileza
e educação era fundamental para Paulo. Ele nunca brigava, sempre
elogiava.
Não demorou muito para seu time ganhar o primeiro lugar em
disciplina. Eles também ganharam outros títulos, inclusive jogando
contra os times da capital.
Com o passar do tempo, Paulo aprendeu que sua rebeldia com
relação à vida era como um jogo de futebol: existe sempre um grupo
de pessoas que sente raiva de tudo; no entanto, também existe um
grupo de pessoas felizes e bem-humoradas. E nós podemos escolher
de que lado queremos ficar.
Paulo, finalmente, escolheu entrar para o time das pessoas de
bem com a vida! E, assim, foi feliz para sempre...

Adriana Kukla

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Desenho de Luiza, 14 anos

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A CARRUAGEM ENCANTADA

J ura era um jovem muito vaidoso. Seus cabelos brilhantes e seus


trajes reais sempre passados e engomados davam a ele ar de nobreza.
Como todo príncipe romântico, Jura também sonhava encontrar uma
princesa que tornasse seus dias ainda mais felizes. Seu sonho vinha
carregado de uma doce ambição: a princesa precisaria ser muito boa
de conversa.
O Rei, percebendo que os anos se passavam e o príncipe já estava
em idade de se casar, não teve dúvidas: criou um torneio para encontrar
a princesa ideal para o jovem príncipe.
O torneio consistia em convidar todas as jovens do reinado para
viajar em uma carruagem enorme, e em meio a essa viagem, encontrar
aquela que conquistaria o título de princesa.
As moças precisariam embarcar na grande carruagem e, durante a
viagem de 12 horas, trocar de lugar sentando-se com um novo rapaz a
cada troca. Nenhuma saberia de verdade quem era o jovem príncipe,
pois todos os rapazes estariam com suas máscaras.
Marcado o dia, os mensageiros do rei percorreram as ruas da
cidade, em uma ensolarada manhã de domingo, anunciando o
lançamento do torneio com suas cornetas e seus papiros escritos com
letras que pareciam dançar no papel real.
Todas as moças solteiras animaram-se com a possibilidade de
participar, e correram para suas casas, soltando suspiros ao sopro

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do vento dominical que acariciava seus rostos rosados e cheios de
esperança. Todas, menos Marisa.
Marisa era uma dessas moças, e já não tinha tanta esperança,
porque enquanto as meninas aprendiam a bordar e a cozinhar, ela
gostava de ler e de ouvir histórias. Seu imaginário era rico, mais rico do
que as riquezas do próprio Rei.
Sua mãe a incentivou a participar, mesmo sem esperança, porque
para uma mãe os sonhos sempre são possíveis.
No dia marcado, Jura saiu de seus aposentos e encontrou-se com o
mordomo, Jonas, que prontamente se dispôs a ouvir as queixas do rapaz
em relação às mulheres daquele reinado: “Jonas, elas não conhecem
nada além de cuidados com filhos e casa, disse Jura. Como vou viver
a vida ao lado de alguém que não conhece as paisagens e culturas
de outros mundos?”; ao que Jonas respondeu: “confia. Existem muitos
mistérios além do que acreditamos”.
Assim que embarcaram, as moças e os rapazes se sentaram. As
mais tímidas esperavam pela iniciativa dos rapazes.
A carruagem iniciou viagem, distanciando-se na estrada de terra e
pedras, ao som dos cascos dos cavalos reais.
Eis que acontece um solavanco forte da carruagem, ao deparar-se
com uma pedra enorme. A carruagem balançou de um lado para o
outro, fazendo todos caírem no chão. Muitas risadas foram ouvidas, o
que contribuiu para que os jovens ficassem mais relaxados e mostrassem
suas educadas atitudes, ajudando as moças a se levantarem.
Passado o susto e com as rodas da carruagem na estrada de novo,
Jura prontamente disse à passageira escolhida para se sentar ao seu
lado: existe algum familiar ou amigo seu nessa carruagem que você

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preferia que viajasse com você? Marisa respondeu: “não farei a viagem
com nenhum familiar, além disso, meus pensamentos também viajam
ao apreciar as paisagens coloridas pelas flores, árvores, montanhas e
pelas músicas dos pássaros e animais silvestres que encontraremos pelo
caminho. Estar nesta carruagem é por si só encantador e preenche
minha alma de alegria”.
Ahh! Jura não teve dúvidas, retirou sua máscara e beijou o rosto
daquela que viria a ser a sua princesa.
Em uma linda manhã de primavera, príncipe Jura e a princesa
Marisa se casaram. Tiveram dias encantadores, mas eis que um dia,
Marisa precisou embarcar numa outra carruagem, e até hoje o jovem
príncipe, agora Rei, conta episódios de suas histórias vivas a quem
queira ouvir.
Roseli Bassi

Desenho de Stella Camilo Honorio da Silva, 9 anos

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O HORIZONTE NO TOPO DE UMA ÁRVORE

E ra uma vez um menino chamado José. Nasceu no interior,


morava em uma comunidade rural! Sua infância foi alegre e muito
divertida, passava horas brincando de subir em árvores, seu passatempo
preferido.
Ao subir nas árvores, ficava a observar o horizonte, imaginando o
que teria para ser descoberto naquela vastidão do universo!
Moravam em uma casa simples, com poucos recursos, mas era
muito feliz. Adorava a comida que sua mãe fazia no fogão a lenha:
arroz, feijão e farofa era o seu prato preferido.
Suas lembranças mais felizes da infância eram os momentos
que ficava com sua mãe a contemplar as estrelas e correr atrás dos
vagalumes que iluminavam as noites escuras do campo. E ouvir suas
histórias preferidas.
Quando chegou a idade de ir à escola, seus pais mudaram-se
para a cidade. Sentia muita falta da vida no campo, onde podia correr
livremente entre os vales, ouvir o canto dos pássaros e subir em árvores.
Quando José tinha 8 anos, sua mãe faleceu, e a partir desse período,
Zé passou por várias moradas. Mas nunca se deixou contaminar pelas
dificuldades.
Quando ficava triste e com saudades de sua mãe, lembrava os
momentos felizes de sua infância, e essa era a chama que movia seus
dias e que o fez nunca desistir de sua fé e de acreditar na vida.

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Desenho de Stella Camilo Honorio da Silva, 9 anos

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O ENCANTADOR DE ANIMAIS

E ra uma vez, em uma terra muito distante, havia um rapaz


chamado João, que trabalhava em uma fazenda, próxima da
pequenina cidade de: “Escorrega, lá vai um”.
É isso mesmo, a cidade tinha esse nome, porque ficava no alto
de um morro, e quando chovia as suas ruas ficavam lamacentas e
escorregadias. Volta e meia era possível ver alguém descendo a ladeira
de bumbum no chão.
Rapaz inteligente e habilidoso, João não rejeitava nenhum trabalho,
apesar de só enxergar o mundo com as pontas dos dedos.
Mesmo com a deficiência visual, ele trabalhava na lavoura e
cuidava dos animais.
Às vezes, o patrão o mandava retirar o mato que crescia junto aos
pés de feijão. Fazia isso só de maldade, porque sabia que João não
enxergava. “Quero ver como ele se vira”, pensava, maldosamente. “Se
não fizer o trabalho direito, não come hoje!”, gritava ele para João.
Mal sabia ele que, com as pontas dos seus dedos e a bondade do
seu coração, João enxergava mais do que aquele patrão malvado,
que tinha os olhos perfeitos.
Quando João chegava à lavoura de feijão, abaixava-se, e
começava a correr os dedos cuidadosamente pelas folhas das plantas.
Imediatamente, conseguia diferenciar o mato, do feijão, e o arrancava,
deixando o feijão livre das pragas.

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Trabalhava o dia todo no sol quente, usando apenas um chapéu
de palha, velho, que servia como proteção. Mesmo assim, a comida
que recebia era muito pouca, apenas pão e algumas frutas já quase
podres.
Porém, João não se entristecia, pegava a sua sanfona, velha
companheira, e no final da tarde sentava-se no coreto da praça da
pequena cidade, e com seus dedos habilidosos, tirava dela um som
triste e harmonioso, que encantava as pessoas que por ali passavam.
Ah... João sempre ganhava uns bons trocados, que utilizava para
comprar comida e outras coisinhas que precisava.
João não se queixava da sua vida, mas, gostava mesmo era dos
bichos. Eles sim, considerava criaturas maravilhosas.
Passava a maior parte do seu tempo na companhia dos animais.
Conversava com eles e percebia que podiam entender o que dizia,
por isso não se sentia só.
Havia uma égua, que João chamava carinhosamente de Preta,
mas na verdade ela não era preta. Sua cor era um marrom escuro,
quase avermelhado. Preta e João eram inseparáveis.
Na hora de preparar a terra para o plantio, era com ela que João
gostava de trabalhar. Entretanto, o dono da fazenda, aquele homem
rude e perverso, que sempre tratava as pessoas no grito e os animais
no chicote, sempre ordenava que João batesse na égua Preta com
chicotadas, para que ela fizesse o trabalho mais rápido. Mas, não!
João não podia fazer isso com sua amiga! Então, ele disfarçadamente
cochichava alguma coisa no ouvido dela e, imediatamente, ela se
punha a trotar realizando todo o trabalho com perfeição, sem que
João precisasse desferir uma chicotada sequer.

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Os outros empregados da fazenda ficavam abismados, e diziam
que ele era um encantador de animais. João apenas sorria. Seus
companheiros não entendiam que ele usava somente a linguagem do
amor.
Os animais da fazenda, assim como Preta, trabalhavam duro
e quase não recebiam o que comer. Mas João pegava o pouco
dinheiro que recebia do patrão e o que ganhava com a sua sanfona e
comprava comida para ele e para seus amigos bichos. Principalmente
para a égua Preta, que não era preta.
Certa vez, ao se abaixar para colocar bananas no cocho para ela,
sentiu uma mordida em sua cabeça. Sabia pelo cheiro que havia sido
Preta que lhe roera o couro cabeludo.
Levantou-se, irritado, e perguntou-lhe porque havia feito aquilo.
Tamanha foi a sua surpresa quando ela lhe respondeu, com voz
suave: “Perdoe-me, João. Mas eu precisava colocar esse alfinete
mágico em sua cabeça. Com ele, você poderá ouvir a nossa voz. Assim,
poderemos nos comunicar mais facilmente. É um presente do anjo
guardião dos animais, por você ter sido sempre tão bondoso conosco”.
João ficou muito feliz! finalmente podia compreender o que os
bichos diziam e podia conversar com eles. Nunca mais sentiu-se sozinho.
Estava sempre batendo papo com as galinhas, os porcos, os cachorros,
os bois e, principalmente, com sua amiga Preta, que não era preta!
É... mas por causa disso, as pessoas começaram a achar que ele
estava maluco, e logo foram contar para o patrão, que o mandou
embora da fazenda na mesma hora. “Não quero doido trabalhando
para mim!, disse grosseiramente. “Cego eu ainda tolero, mas doido?

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Aí já é demais! Pegue as suas trouxas, e amanhã bem cedo não quero
mais vê-lo aqui!”.
João abaixou a cabeça e foi para o seu cantinho, que ficava na
baia perto de onde preta dormia. Começou a colocar as poucas coisas
que tinha em um saco, e a sanfona, é claro! Não poderia esquecer de
sua velha sanfona.
Vendo a tristeza de João, Preta se aproximou e perguntou-lhe o
que tinha acontecido. João não chorava, pois os seus olhos cegos eram
secos e não emitiam lágrimas. Mas a égua preta pôde sentir a tristeza
que havia no coração dele, enquanto ele lhe contava que precisaria
deixá-la para sempre.
Então, Preta chorou por ele. Assim como os outros animais, que
estavam ali por perto, e sabiam que iriam perder um grande amigo
e protetor. De repente, Preta ergueu a cabeça e disse: “Eu vou com
você! Não fico neste lugar sem você, de jeito nenhum!”. “Mas, Preta,
você não pode! ele vai pensar que eu roubei você!”, respondeu João.
“Que nada! Se sairmos agora mesmo, quando amanhecer, já
estaremos bem longe daqui. E ele nunca mais vai nos encontrar!”.
“Mas é noite, e eu não enxergo você, esqueceu?”, disse João, com a
voz embargada. “Mas eu enxergo, e muito bem!” disse Preta. “Vamos!
Pegue as suas coisas e suba no meu lombo. Deixe o resto comigo!”.
João pegou suas coisas, despediu-se dos seus amigos bichos, subiu
no lombo de Preta, que começou a se afastar da fazenda, devagarinho,
para não fazer barulho.
Quando tomou uma boa distância, começou a cavalgar mais
rápido... e mais...e mais... e se foram para bem longe dali. Naquela

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região, nunca mais se ouviu falar da égua Preta, que não era preta, e
do cego João... o encantador de animais!

Miriam Leonila de Oliveira

Desenho de Thais Vieira de Oliveira,17 anos

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Tipografias utilizadas:
Century Gothic (corpo de texto)
Alegreya (captulares)
Allers (caracteres especiais)
Papel Offset 90 g/m²
Impresso na Cópia e Cia
Março de 2018
Itajaí - SC
Este é um livro de histórias vivas. Histórias inspiradas em episó-
dios da biografia de pessoas idosas. Essas pessoas são verdadei-
ras bibliotecas vivas e, aqui, têm suas memórias perpetuadas em
histórias contadas para crianças e jovens acolhidos em institui-
ções.

As crianças e os jovens, por sua vez, retribuem esse carinho em


forma de uma arte, que é parte desta obra.

A cada “Era uma vez”, abre-se um universo que traduz a singele-


za da realidade vivida por quem tem muitas histórias para contar.
São histórias encantadoras para todas as idades!

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