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Medieval
Material Teórico
O começo da Patrística
Revisão Textual:
Prof. Ms. Selma Aparecida Cesarin
O começo da Patrística
• O começo da Patrística
• O Gnosticismo
• A escola de Alexandria
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Unidade: O começo da Patrística
Contextualização
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O começo da Patrística
A história da Filosofia traz desafios próprios enquanto disciplina filosófica. É difícil construir
um consenso em torno, por exemplo, das áreas de corte e formar blocos históricos sobre o
desenvolvimento de ideias.
Estabelecer para fins didáticos um início e um fim para determinado período na história do
pensamento sempre será uma construção artificial, construção esta sujeita ao olhar do autor do texto.
Muitas vezes, diante desse dilema, o estudante de Filosofia se vê forçado a perguntar: Qual
acontecimento histórico? Qual data? Ou ainda, e bastante relevante: A partir de qual autor?
O fato de não haver consenso não retira a objetividade da história da Filosofia, pois grandes
linhas mestras se formam de maneira tal que estudiosos importantes, que divergem sobre
pontos específicos, convergem em torno desses aspectos mais gerais, como, por exemplo,
situar Agostinho e Tomás de Aquino como grandes nomes e representantes da assim nomeada
Filosofia Medieval.
Não apenas esses – tidos como gigantes em suas épocas – deixaram suas contribuições,
como diversos outros autores de menor renome, que são poucos citados na formulação de
conteúdos para os manuais de Filosofia.
Aliás, essa é uma peculiaridade que recai sobre a Filosofia
Medieval como um todo. Infelizmente, não é incomum ela ser
deixada em segundo plano – às vezes, tanto por estudantes,
como por docentes – salvo nos casos em que a instituição de
ensino por sua própria história guarda afinidades específicas com
o tema (faculdades de Filosofia ligadas a seminários, por exemplo).
Entendemos que muito dessa falta de apetite pelos estudos
do período tem origem naquilo que dá à Filosofia Medieval sua
própria identidade, a saber, a tensão entre a fé e a razão.
Nos tempos modernos, o sentimento de que a Razão ganhou
da Fé ajuda a explicar certo desinteresse por um período e pelos
O pensador, Auguste Rodin. pensadores que dele fizeram parte e que tentaram, de diferentes
Thinkstock/Getty Images formas, articular os domínios da fé e da Filosofia.
Não é rara a referência ao período medieval como Idade das Trevas, em contraposição à
Idade das Luzes do iluminismo.
O chamado Mundo Medieval foi fortemente marcado pela questão da fé, isso é verdade; como
também os historiadores não negam o forte componente de intolerância e de perseguições religiosas.
Os Estados laicos modernos carregavam consigo a promessa de que os excessos cometidos
em nome da fé não se repetiriam (ou pelo menos essa era a ideia).
No entanto, o período apresenta riqueza de pensamento e cultura própria, que merece
ser estudada. A história do pensamento e da cultura medieval não pode ser resumida à
Inquisição, por exemplo.
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Unidade: O começo da Patrística
Tendo isso em vista, a recomendação a todo aquele que se debruça sobre o pensamento
do período é desarmar-se de reservas intelectuais que o impeçam de perceber a interessante
sutileza e a busca pela sabedoria feita pelos pensadores da época.
Estudar um determinado conjunto de ideias não garante, necessariamente, conversão ou
afastamento das convicções existenciais dos indivíduos. Ateus estudam autores influenciados
pela fé e pesquisadores cristãos ou mulçumanos de diferentes vertentes podem ler autores que
foram convictos ateus em seu tempo.
Assim sendo, vamos assinalar um ponto de partida para a discussão que faremos em torno
da Filosofia Medieval.
A perseguição aos cristãos patrocinada pelo império romano foi intensa. Todavia, por mais
violentas que tenham sido, não conseguiram desarticular ou sufocar por completo aquele
movimento religioso.
No início do século IV (do calendário cristão), o império estava às voltas com uma grave
crise militar e com lutas internas pelo poder. Constantino, filho de Constâncio, combatia para
reunificar o império. E como bem lembra Cláudio de Cicco:
Segundo rezava antiga tradição, Constantino implorou o auxílio divino na
batalha da Ponte Mílvio, pois sua mãe, Santa Helena, era cristã. Apareceu-lhe
então uma cruz luminosa com as palavras In hoc signo vinces – Com este sinal
vencerás (...) Após derrotar seu concorrente, Maxêncio, Constantino se tornou o
único imperador romano e, pelo Edito de Milão (313), considerou o Cristianismo
religião permitida no Império, oficializada depois por Teodósio, como religião do
Estado (Édito de Tessalônia, 28-2-380) (DE CICCO, 2013, p. 76).
Como dissemos antes, é difícil estabelecer fronteiras rígidas quando se trata de história
do pensamento. Contudo, o momento em que o Cristianismo deixou para trás a condição
clandestina para poder professar suas ideias abertamente abriu espaço ainda maior para o seu
enraizamento na cultura europeia.
Tataryn77/Wikimedia Commons
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Outro fator que não deve ser desprezado é que sem o Edito de Milão, no cair das luzes do
império romano, a vitória de Constantino não seria capaz de dirimir completamente as crises
do império, que começou uma marcha de decadência do poder central e de transformações
políticas que o fariam gradualmente se metamorfosear no mundo medieval.
Na época, já existia uma batalha cultural cujo prêmio seria, nos anos seguintes, os corações
e mentes da maioria da Europa.
De um lado, o Cristianismo, que ganhava forças, mesmo quando na clandestinidade, e que
alcançaria um vigor muito maior com a suspensão das barreiras impostas pelo império.
De outro lado, a herança cultural grega, que os romanos assimilaram ao longo dos séculos,
uma tradição que remetia aos filósofos gregos de outrora. As escolas de pensamento deles
derivadas eram epicuristas, estoicas, sofistas, neoplatonistas, pitagóricas etc.
Estavam postas as condições para as tensas relações entre fé e Filosofia, que estariam na
pauta das discussões dos séculos seguintes.
Etienne Gilson expressou com aguda lucidez essa dicotomia:
Essa fórmula de Gilson traz um grande subsídio para o debate em torno da evolução das
ideias filosóficas, de maneira mais geral, e da Filosofia dita medieval, em particular.
Não condiz com o espaço de discussão formulado neste texto polemizar sobre as escolhas
existenciais de abraçar ou rejeitar a ideia da salvação, mas sim, focarmos em questões de como
os valores culturais de uma determinada época e o pensamento filosófico se interpenetram.
Enquanto a visão grega de mundo considerava o homem integrado à natureza (phyisis),
num sentido amplo, podemos reencontrar essa percepção em diferentes escolas de pensamento
posteriores, em que a harmonia ganha destaque.
Por outro lado, outras linhas de pensamento irão lançar-se na ideia das escolhas e na
consequência dessas escolhas. Ao longo dos séculos, a história da Filosofia encontra e reencontra
a discussão sobre o predomínio da Razão (inclinando-se para as escolhas racionais) ou o
predomínio das Paixões (dando-lhes livre curso). Essa disputa está presente em autores como
Aristóteles, Descartes, Rousseau, Kant e Nietzsche, entre outros.
Obviamente, não é o advento do Cristianismo que inicia essa discussão no Ocidente, mas o
surgimento dele contribuiu diretamente ou indiretamente para o debate, pois é assim que nos
deparamos com pensadores cristãos como Tomás de Aquino e ferrenhos opositores da ideia
cristã de salvação, como Nietzsche.
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Segundo Gilson, o ancião teria, por exemplo, argumentado que:
[...] se as almas que veem Deus devem esquecê-lo em seguida, sua felicidade
não é mais que miséria, e se as que são indignas de vê-lo permanecem ligadas
a corpos em punição por sua indignidade, como não sabem (que estão sendo)
punidas, essa punição é inútil (GILSON, 1995, p.4).
Lembremos que no fundo da discussão estaria a teoria platônica da alma e que, entre outros
aspectos, a alma ao encarnar esqueceria a Verdade contemplada no mundo das Ideias.
Embora o debate entre as teorias platônicas da alma e o entendimento cristão sobre o
tema possa despertar discussão interessante, para Justino a disputa havia se inclinado para
o Cristianismo. Mais tarde, ele se tornaria protagonista de Apologias em defesa da fé cristã,
inclusive contra objeções que fossem oriundas da filosofia grega.
Uma linha de argumentação interessante do mártir foi pavimentar o caminho para que o
pensamento cristão pudesse absorver o pensamento filosófico pagão.
Haveria uma revelação universal anterior ao advento do próprio Cristo. Da sua própria maneira,
judeus, gregos e outros povos teriam tido contato com os desígnios de Deus, apenas teriam se
aproximado mais ou menos dessa Verdade que ainda não estava tão claramente revelada.
Gilson bem resume essa fórmula do pensamento do mártir:
Houve, pois, cristãos e anticristãos antes de Cristo; logo, também méritos e
deméritos. Acrescentemos a isso que os filósofos gregos tomaram amiúde suas
ideias emprestadas dos livros do Antigo Testamento, e teremos o direito de
concluir que a revelação cristã é o ponto culminante de uma revelação divina
tão antiga quanto o gênero humano (GILSON, 1995, p. 5).
É evidente que, do ponto de vista propriamente filosófico, a ideia de uma razão seminal por
si só suscita muito debate, ainda mais se aplicada de maneira a inverter uma possível condição
percursora de certas ideias.
Para o sábio apologista, não foram os sábios antes do Cristianismo que contribuíram para o
próprio entendimento cristão, mas o pensamento cristão que, na condição de Verdade revelada,
é anterior a qualquer arquitetura do pensamento racional, sendo ainda que este último – o
pensamento racional – apenas resvalou no sentido daquela Verdade, mostrando-se incapaz de
compreendê-la. Tal pendência teria se resolvido com o advento de Cristo.
Assim, o pensamento de Justino Mártir deu um passo firme na direção da incorporação de
elementos da filosofia grega ao arcabouço propriamente cristão, não apenas contradizendo as
linhas de pensamento divergente, mas também assimilando aquilo que estivesse alinhado às
suas próprias concepções, sem precisar lhe render méritos autorais aos antigos, pois, afinal, o
que eles pensaram já faria parte da Verdade revelada.
Como afirma Gilson:
Os apologistas do século II nunca se preocuparam em construir sistemas
filosóficos; apesar disso, sua obra interessa diretamente à história da filosofia.
Ela nos faz saber, primeiro, quais problemas deviam reter, mais tarde, a atenção
dos filósofos cristãos: Deus, a criação, o homem considerado sua natureza e
seus fins (GILSON, 1995, p. 23).
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Muito ainda haveria a ser formulado. Por enquanto, para os autores cristãos do século
II, não havia tanto o que descobrir, mas sim buscar novas e melhores maneiras de exprimir
aquilo que já haviam descoberto.
O Gnosticismo
Pode ser mencionado, por exemplo, que na busca de encontrar equivalências entre pensamento
racional e fé, os gnósticos sincretizam elementos diferentes do pensamento filosófico grego e do
Cristianismo, obtendo um resultado diferente dos apologistas.
Os gnósticos fazem sua a tese plotiniana que o mundo emana de Deus através
do degradar-se gradual da plenitude e da unidade da substância divina até
em formas inferiores de existência, na qual ao elemento divino se mistura o
elemento material. Este último é causa do mal, princípio de corrupção. Jesus,
um dos seres sobrenaturais (eones) emanados da substância de Deus, assume
corpo humano e opera a redenção do mundo. Revela ele Deus através da
gnose, conhecimento religioso superior ou de iniciados (mas não revelação
sobrenatural), que nos faz comunicar diretamente com o Transcendente.
A gnose ou conhecimento do divino é o caminho da salvação (SCIACCA,
1962, p. 173).
Ao defender a ideia – de origem grega – de que a fonte do mal está na matéria, o gnosticismo
complica fundamentos do Cristianismo como os da encarnação de Cristo e da salvação da
humanidade por seu sacrifício.
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A escola de Alexandria
Na antiga cidade de Alexandria, por volta do ano 180 d.C, floresceu uma interessante escola
de pensamento que buscou articular fé e filosofia por um caminho diferente do gnosticismo.
Clemente de Alexandria focou sua atenção em desenvolver uma forma da gnose
(conhecimento) diferente da gnose herética do gnosticismo, que se esforça para sobrepor a
razão sobre a fé, por uma forma de gnose mais alinhada com o Cristianismo.
Clemente procura mostrar que é a concordância da fé (pistis) com o conhecimento (gnosis)
que faz o perfeito cristão e o verdadeiro gnóstico (REALE; ANTISERI, 2002, p. 411).
Não seria por meio da Filosofia que a Verdade da fé se tornaria mais verdadeira. Contudo, a
fé poderia se servir dos serviços do pensamento filosófico como muralha de defesa das objeções
dos amigos da Verdade.
A Filosofia estaria fundamentada na fé e o conhecimento oriundo da Filosofia abriria o
caminho para que o cristão pudesse melhor compreender sua fé.
Clemente nomeou como Logos o conceito que serviria de base para seu pensamento. Como
assinalam Reale e Antiseri, a abordagem clementina de Logos, pressupõe três componentes:
[...] a) princípio criador do mundo, b) princípio de toda forma de sabedoria, que
inspirou profetas e os filósofos, e c) princípio da salvação (Logos encarnado). O
Logos é verdadeiramente o princípio e o fim, o alfa e o ômega, aquilo de que
tudo provêm, e para onde tudo retorna (REALE; ANTISERI, 2002, p. 411).
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Nesta condição, apesar das diferentes influências advindas do mundo externo, o homem é
autor de suas próprias ações. Portanto, responsável se elas ações boas ou ruins. Se de um lado
as escolhas podem eventualmente conduzir ao mal, também são elas condições necessárias
para verdadeiramente se alcançar o bem.
Mesmo que a ortodoxia da exegese atual venha a condenar certos aspectos da interpretação
desses antigos cristãos, a leitura atual é de que eles, à sua maneira – e dentro dos limites do seu
momento histórico – tentaram levar sua vida conforme a inspiração cristã.
A Escola de Alexandria foi um ponto de equilíbrio entre a rejeição total ao pensamento
filosófico ou a tentativa de fazê-lo se sobrepor à fé (como no gnosticismo).
Essa perspectiva assumirá um vigor ainda maior com a patrística, cujo representante mais
renomado foi Agostinho de Hipona, que a Igreja mais tarde chamaria de Santo Agostinho.
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Material Complementar
Bibliografia
• GILSON, Etienne. A filosofia na Idade Média. Tradução de Eduardo Brandão. São
Paulo: Martins Fontes, 1995.
• REALE, Giovani; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Antiguidade e Idade
Média. 7.ed. São Paulo: Paulus, 2002.
• SCIACCA, Michele Federico. História da Filosofia. Tradução de Luís Washington Vita.
São Paulo: Mestre Jou, 1962.
• NASCIMENTO, Carlos Arthur. O que é Filosofia Medieval. São Paulo: Brasiliense, 2004.
Sugestão de vídeo
• História da Idade Média: https://www.youtube.com/watch?v=q0ME7RLaUSs
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Referências
GILSON, Etienne. A filosofia na Idade Média. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo:
Martins Fontes, 1995.
SCIACCA, Michele Federico. História da Filosofia. Tradução de Luís Washington Vita. São
Paulo: Mestre Jou, 1962.
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Anotações
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