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Cristiane Schwinden
Editora Lettera
© 2018 por Editora Lettera
1ª Edição
Editora Lettera
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DEDICATÓRIA
jogava com a gente), quando nosso time perdeu e ficou no alambrado esperando
a vez de voltar a jogar. A mente não guardou todo o diálogo, mas guardou com
carinho uma frase que ela me disse: você leva jeito para escrever.
Aquilo ficou como uma sementinha adormecida dentro de mim por uns
quinze anos, quando resolvi regar e ver no que dava. Nunca parei de regar, o
minha vida, foi durante esse processo (que levou vinte meses) que me assumi
como escritora, foi narrando as peripécias de Jennifer e Anna que percebi que
colocar no mundo e me deram uma vivência tão honesta e do bem. Essa coisa de
escrever eu puxei de você, viu, mãe?
de amor.
PREFÁCIO
entre uma pequena garota e poderosos Titãs, está prestes a por em cheque a
A tarde que cai ao som de asas de pedra a rasgar os céus, traz à realidade a ficção
dos contos.
A noite que termina na febre que arde como um prelúdio do fogo de dois
À medida que avançamos nas páginas deste romance, nos vemos cada vez mais
envolvidos pela saga vivida pelas personagens, sendo impossível não ficarmos
#team Anna, ou simplesmente, torceremos para o casal “#Jenna” ter um final dos
sonhos.
DEDICATÓRIA
PREFÁCIO
Capítulo 1 - Invasão
Capítulo 2 - Beatles
Capítulo 3 – O quintal verde
Capítulo 4 – A primeira missão a gente nunca esquece
Capítulo 5 – A lince e a raposa
Capítulo 6 – Teste-me
Capítulo 7 – Vamos à igreja
Capítulo 8 – Uma o quê?
Capítulo 9 - Montreal
Capítulo 10 – Feliz ano novo!
Capítulo 11 – Senhora racionalidade
Capítulo 12 – Amigas da porta para dentro
Capítulo 13 – Cerveja vencida
Capítulo 14 - Como se transformar numa raposa nas noites de lua cheia
Capítulo 15 – Um tiro no escuro
Capítulo 16 - Rambo ou Karate Kid
Capítulo 17 - Adios Alejandro
Capítulo 18 - O castelo de Glasgow
Capítulo 19 - Time after time
Capítulo 20 - Ótima pontaria
Capítulo 21 - A herdeira
Capítulo 22 - Helen
Capítulo 23 - Susan. Ou Codornas.
Capítulo 24 - Laura
Capítulo 25 - Frascos laranjas
Capítulo 26 - O dia que completaríamos um ano
Capítulo 27 - Segunda-feira
Capítulo 28 - O babaquinha do homem aranha
Capítulo 29 – O melhor aniversário de todos
Capítulo 30 - O irmão no campo de centeio
Capítulo 31 – Seus argumentos são inválidos
Capítulo 32 – Canecos voadores
Capítulo 33 - Laranja
Capítulo 34 - Vermelho
Capítulo 35 – A capa amarela
Capítulo 36 – Um tiro de misericórdia
Capítulo 37 – Preocupação
Capítulo 38 – Precisamos conversar
Capítulo 39 – Depois da febre
Capítulo 40 - Legado
Capítulo 41 – O retorno
Capítulo 42 – Jogo de gato e rato
Capítulo 43 - Angústia
Capítulo 44 – Fim de jogo
Capítulo 45 – O campo onde eu morri
Capítulo 1 - Invasão
pulso sobre o criado mudo e viu que estava atrasada, era quase oito da manhã.
Não iria trabalhar no porto, havia um destino mais nobre naquela manhã. Coçou
Era início de setembro, uma brisa fria soprava e o céu nublado deixava o
clima daquela terça-feira ainda mais carregado. Três carros chegaram algum
tempo depois, estacionaram quase em sincronia atrás das máquinas. Alguns
Os homens que haviam descido dos carros eram de uma raça bastante
as classes da sociedade ao longo dos séculos sem serem detectados. Eles eram
invejada pelos humanos, sem dúvidas, era a elevada expectativa de vida, com o
envelhecimento num ritmo duas vezes mais lento.
das máquinas. Eles haviam sido notificados que aquela região seria
desapropriada, os prédios seriam demolidos, sem negociação ou diálogo. Tudo
atrás.
barrando a passagem da milícia. Logo atrás estava sua melhor amiga Becca, com
irmãs.
Depois da grande guerra, que perdurou por cinco anos, a população dos
Estados Unidos foi reduzida a um décimo, havia cidades inteiras devastadas por
bombas e ataques. Outras, como Bridgeport, haviam sobrevivido ao bombardeio.
Jennifer fazia parte desta estatística, morava sozinha num pequeno quarto
e sala num prédio cor de tijolo no fim da rua, na parte baixa da vila. Tinha 22
anos e vivia de pequenos serviços no porto.
— Quem vocês pensam que são? Ninguém é dono destes prédios, nem
vocês. Esse pessoal chegou primeiro, tanto lugar desabitado nesta cidade e vocês
querem derrubar logo onde tem gente morando? — Jennifer falou alto, com
segurança, não era de grande estatura, tinha pouco menos de 1,70cm, mas se
portava com vigor e parecia falar com autoridade. Tinha um ar invocado, olhos
castanho claro num rabo de cavalo, ficando algumas mechas soltas que
— Escute mocinha, não viemos negociar, sugiro que saiam do local para
que ninguém se machuque. — O chefão fez um gesto com a mão chamando uma
pessoa atrás dele, falou algo no ouvido e logo em seguida os motoristas das
máquinas receberam autorização para avançarem.
costas.
segurança que lhe empurrou as costas com o joelho. Ainda no chão ela ergueu a
cabeça e viu seus amigos sendo algemados com amarras. Sentiu a terra gelada
abaixo do seu corpo, uma raiva visceral percorreu suas veias naquele instante.
amarelo chegou ao local, e assim que ele abriu as portas, ela deduziu qual seria o
destino de todos: seriam levados pelos Titans, e numa época onde as leis já não
as leis que respeitavam era a que eles próprios haviam criado, um regimento
Havia chegado a vez de Jennifer ser levada, ela teve também suas mãos
presas com as amarras plásticas transparentes, fora brutalmente arrastada pelo
segurança para o ônibus e a jogaram no banco de trás. Após se certificar que
todos já estavam no interior, ele desceu e deu dois tapinhas na porta do ônibus,
O ônibus seguiu pela rua até chegar à rodovia, que cortava a cidade
— Não fizemos nada de tão grave, será que estão nos levando para as
prisões clandestinas? Ouvi falar que eles têm verdadeiros calabouços... — Lisa
falou temerosa.
um plano, mas para isso todos precisam estar seguros do que vamos fazer, não
vou usá-lo contra o grandalhão, preciso que vocês dois me ajudem com ele,
vocês meninas vão pra cima do motorista e tentem assumir o volante quando
neutralizarmos o segurança.
— Ok, você vai dar o sinal para atacarmos, não é? — Sam perguntou,
assustada.
avisar quando for a hora. Eu vou na frente, Bob e Peter em seguida, depois vocês
seguem atrás de Peter.
Esperou o segurança se virar para trás para vigiá-los, como estava fazendo de
tempos em tempos, assim que voltou a olhar para frente, deu o sinal.
— Agora. — Falou baixinho, gesticulando para frente.
alguns cacos dos vidros, se certificou que o segurança não era mais uma ameaça,
com as amarras que retirou do seu bolso o amarrou por precaução. Após prender
também o motorista ao volante, abandonou o local rapidamente.
— E agora, vamos pra onde? Não tem nada aqui, não vejo nenhuma
casa! — Desesperou-se Lindsay.
maioria.
semblante dolorido.
— Peter, você bateu a cabeça? Não podemos voltar pra casa agora, os
filhos da mãe estão lá, e já devem estar nos procurando. Vamos nessa direção. —
Jennifer apontou para frente, nem para um lado nem para outro da estrada.
***
por George Bush ao conjunto de países contrários aos Estados Unidos e seus
aliados. Esse conglomerado era liderado por alguns países do oriente médio e
estragos.
governo dos humanos pelos Titans, que não se sentiam mais representados por
estes governantes e suas leis. Passados pouco mais de dois anos após o fim da
terceira guerra, as prioridades de reconstrução nos tempos atuais eram para
prover serviços básicos como água, energia e alimentação. Eram tempos difíceis,
mas de esperança.
***
estava abandonada.
porta da frente devagar, cautelosa, espiou para dentro com a arma em riste.
Lentamente olhou em todas as direções até se certificar que não havia ninguém
por ali.
Preveniu.
A casa tinha uma sala ampla logo na entrada, com sofás e lareira,
iluminada por grandes janelões no alto. Do outro lado havia uma escada, um
corredor e dois pilares cinzas, largos. Parecia habitada, porém ninguém foi visto
ou percebido naquele momento.
segurou pelo punho, travando seu braço que empunhava a arma. Logo recebeu
uma forte gravata por trás, não conseguiu identificar quem a detivera.
— Solte a arma. — Ordenou a pessoa que a imobilizou, falando
diretamente no seu ouvido. Deram alguns passos lentos para frente, na direção
de todos, que olhavam assustados aquela mulher com Jennifer em seu poder.
alta, cabelos negros na altura dos ombros, olhos azuis gélidos e um semblante
permanentemente sério.
esconder ou fugir. A sua casa foi a única que avistamos por aqui. — Jennifer
franziu a testa. — Fala sério, abaixe essa arma, realmente parecemos ameaças?
olhando para todos, percebeu que não pareciam de fato ameaças, nem bandidos.
para algum lugar pela rodovia quando conseguimos fugir. Acho que matei um
— Vocês mataram um miliciano? Sabem que isso não vai ficar assim
barato. Eles virão atrás de vocês, não tem a menor compaixão com os humanos
que os perturbam.
— Você é um deles?
— Mas não pode nos ajudar? Pelo menos nos dê alguma orientação do
que fazer, você os conhece melhor que nós.
— Vocês realmente não sabem o que acontece com quem comete alguma
infração grave com eles? Vão mandar gárgulas para dar um jeito em vocês.
regimento das milícias de Titans. Eles não respeitam as leis humanas, mas
mesmo assim temem a justiça de vocês, por isso usam gárgulas para o trabalho
sujo.
— E quem nos garante que é isso mesmo que vai acontecer? — Peter
parecia indignado. — Ela pode estar falando isso só para livrar-se de nós!
— O caminho é pela mata? Basta seguirmos numa linha reta para o oeste
que encontraremos os trilhos? Tem alguma trilha até lá? — Questionou Jennifer,
— Ok... Eu os levo até lá, senão é bem provável que se percam e... Bom,
eu vou pegar meu casaco.
ia até a altura dos joelhos. Calça, suéter de poliéster e botas pretas completavam
a sobriedade do seu visual. Jennifer se postava na porta, vigiando a entrada
devolvendo-lhe a arma.
Jennifer pegou a arma e sorriu de leve. — Acho que nem sei usar...
— Já está destravada, basta puxar essa parte aqui de cima para trás, está
vendo?
— É... Parece fácil, o que não é uma coisa boa em se tratando de uma
As gárgulas eram uma raça humanóide usada pelos Titans como seus
animais de caça. Eram comumente chamados de dragões dos ares por serem
alados e possuírem pele rochosa cinzenta como grandes lagartos de pedra.
Podiam usar suas asas para planar ou voar, mas a utilização mais mortal era
corte no supercílio.
— Solta ela! Solta ela! — Gritou Becca, que permanecia abraçada com
aproveitou a distração para se aproximar por trás, cravando a adaga com a mão
dentro do casaco.
a cabeça.
braço.
— Como pode não ter morrido com meus trezentos tiros? — Questionou
Jennifer, exagerando.
— Você já viu como é a pele dela? Balas não perfuram essa carapaça,
não essas balas comuns. — Explicava Anna, pacientemente.
onde a pele é menos espessa: o pescoço. Então se você atinge a coluna vertebral
dele, seja com uma adaga cravada a fundo ou um tiro certeiro, tem grandes
— Vamos para trás daquelas árvores, para que não nos vejam e deduzam
seguir, se os deixaria ali ou seguiria a viagem com eles. Começou a falar, com
um semblante piedoso.
— Garota, você até que me pareceu bem valente, mas acho que não vai
ser suficiente diante de mais gárgulas...
travesseiro a noite sabendo que provavelmente vocês estarão... Sei lá... Mortos.
madeira.
Anna levou a mão ao rosto, olhou a palma da sua mão, que se manchou
de sangue.
— Alguns...
— É o seu caso?
— Mais ou menos... Mais rápidos que os humanos, mas não tão rápidos
quanto um Titan.
pulseirinhas multicoloridas.
— Nunca fui muito com a cara dos Titans, mas sempre achei
interessantes os híbridos. Vocês podem andar nos dois lados, tem características
de ambos e...
— Como assim?
nenhum deles nos veem como seu semelhante, e então acabamos não sendo nem
— Dos híbridos?
— Esperar?
rapidamente e foi olhar pela abertura também. Ainda estava distante, mas vinha
— Não tenho mais balas, mas ainda tenho meu punhal, e agora já sei
— Eu vou tentar levá-lo para outro lugar, para que não ataquem vocês.
Vou chamar a atenção dela de cima de algum vagão mais à frente, vocês
equilíbrio. Não havia muito vento, mas o sacolejo do trem era traiçoeiro.
Então o temido ser alado deu seu último voo rasante, chegando até elas.
braço esquerdo.
Tentou um golpe com a direita, mas ela também a segurou pelo punho,
ainda no alto. Ela estava agora sem defesas, com as duas mãos presas. A gárgula
a encarou, com um semblante raivoso, e passou a forçá-la para baixo e para trás,
Anna resistiu o quanto pode, forçando na direção contrária e lutando para se
vagão, o dorso da sua mão já sangrava com o atrito da madeira, a fazendo por
fim soltar a adaga. Jennifer decidiu que era hora de entrar em ação e correu na
forte.
criatura perseguiu lentamente Anna, que dava passos para trás no mesmo ritmo
armara suas asas expondo extremidades pontiagudas prontas para o ataque. Anna
continuava presa, com dificuldade para respirar, debatendo-se e tentando
desprender as mãos dela do seu pescoço. Foi tomada pelo pânico quando
percebeu o que estaria prestes a acontecer, ninguém é páreo para um ataque tão
letal.
abaixo do ombro direito, fazendo-a novamente cair de costas. Após seu último
já não era mais uma ameaça, correu para socorrer Jennifer, ainda caída, que se
apoiava no chão com os cotovelos. Com os olhos arregalados fitou Anna, que
se, e arrancou a faca do seu ombro com dificuldade e um berro de dor, franzindo
o cenho.
vermelho.
— Sei lá! Mas essa coisa está morta não está? Chuta para ter certeza!
levantando poeira.
vagão.
falou olhando para Jennifer. — Vamos, pule, vou logo atrás. — Anna passou seu
braço na cintura de Jennifer e a ajudou a passar para o outro vagão, num pulo
duplo com facilidade.
Anna.
quando percebeu que a pergunta era direcionada a ela ergueu a cabeça e apontou
para Jennifer.
aproximou-se e olhou de perto o local onde Jennifer agora pressionava sua mão
esquerda.
ficar de olho, é questão de tempo para aquela coisa infernal rondar nosso vagão,
não é?
os olhos não veem, o coração não sente. Estou evitando olhar... Não olhe
também.
— Mas se você estiver perdendo sangue com esse corte, pode te deixar
— Uma coisa de cada vez. Vamos colocar nosso terceiro amiguinho para
dormir, depois eu vejo isso. — Voltaram a ficar em silêncio por alguns segundos.
não é assim milagroso. — Anna procurava as palavras olhando para o chão. Ela
não estava acostumada a ser questionada sobre quem era, isso era algo que
Anna morava sozinha naquele casarão já há algum tempo, desde que seu
pai havia morrido. Seu irmão, Andrew, que era alguns anos mais novo, havia
saído de casa durante a guerra. Simplesmente colocou uma mochila nas costas,
— Sim. Quer dizer... Não! Talvez... Mas não estou dizendo que você terá
uma infecção agora, pelo menos espero que não. Não tenha, ok? Daria muito
trabalho para nós.
humano?
Anna perdeu primeiro sua mãe, uma bela Titan de cabelos longos e
negros, num acidente de carro há quase vinte anos. Seu pai, humano, morreu
num ataque cardíaco fulminante, tempos depois. Anna havia passado toda a
Aparentava trinta anos, mas por conta de parte da sua genética Titan, sua idade
real era maior.
também.
— Anna não vai deixar. Não é, Anna? — Jennifer olhou para Anna
acompanhar.
— O segundo vagão depois desse, está com menos madeira nas paredes,
— Bem observado. E?
seria o lugar ideal, temos maior visão do que acontece do lado de fora,
poderíamos esperá-lo lá dentro.
entendido?
— Corra para o vagão que você falou! — Ordenou Anna. Jennifer não
entendeu a ordem, porque Anna continuava parada olhando para o alto, mas
mesmo assim obedeceu e correu em direção ao segundo vagão à frente.
Jennifer disparou sem olhar para trás, entrou no vagão e foi logo para a
parede dos fundos olhar pela fresta tentando enxergar se Anna estava vindo
também. Mas não a enxergou. Percebeu que Anna havia ficado lá em cima e
Anna desistiu de pular, virou-se para trás com a adaga em punho, Jennifer viu a
gárgula num voo rasante, como um falcão que mergulha para pegar sua presa em
solo, agarrar Anna pelos ombros, erguendo-a bruscamente e então carregando-a.
para cima e então correu para a porta, subiu rapidamente a escada, parou nos
últimos degraus e deu uma boa olhada para todos os lados, olhou para cima, mas
não viu nada nem ninguém, continuava sem saber o que havia acontecido, eles
simplesmente haviam sumido.
impaciência.
Jennifer entrou no vagão, assim que Anna entrou a abraçou aliviada. Ela
era uma mulher alta e de postura ereta, e mesmo Jennifer sendo menor,
encaixaram-se. A exultante humana passou seus braços por baixo dos braços
dela e a segurou firme com as mãos espalmadas em suas costas. Anna parecia
não entender direito a situação, mas acabou erguendo suas mãos e retribuindo o
abraço, meio confusa.
Jennifer a soltou, lhe fitou ainda assustada, não acreditando que tivesse
se safado daquela enrascada. Com uma mão tateou os ombros dela, havia no
— Puta que o pariu, você quase me matou de susto! Por alguns instantes
ocupada tentando matar aquela coisa, não deu tempo de avisar que eu estava
viva.
— E conseguiu matar?
‘pronto, levou embora e vai fazer um banquete com ela!’ Como você conseguiu?
— Sim, no ar. Eu sabia que provavelmente não desceria dali viva se não
fizesse algo radical, então... Tive que arriscar.
— E o que aconteceu?
— Caímos.
dia para meus netos e eles não vão acreditar em uma só palavra...
via!
abraçaram.
— Nossa, vocês tinham que ver, ela lutou com aquele bicho no ar! No ar!
Eu não vi, mas queria ter visto.
pedindo a confirmação.
— Acredito que sim... Vamos planejar nosso retorno, estamos bem longe
— Vou ficar bem, não se preocupe. Lembra que eu falei como seria se
seu ferimento fosse a mim? São apenas alguns pequenos furos, nem devem estar
mais sangrando.
grande.
cidade ou vilarejo. Não vamos achar carona, e a essa hora não deve ter comboios
voltando, penso ser mais seguro procurarmos algum lugar para passarmos a
Todos pareciam agora pensar em cada passo que dariam a seguir, como
— É isso aí, pessoal, Anna manda. Vamos ficar na porta até avistar
casa invadida, e estava ali arriscando sua vida por eles, os defendendo, inclusive
do vagão, pensando no próximo passo, mas não conseguindo evitar olhar para
os esforços dela e a agradecesse por não ter os abandonado ainda à beira da linha
férrea, ou ainda que não tivesse simplesmente os expulsado de sua casa, o que
grupo, avisando que havia avistado o que parecia ser casas e uma estação de
trem. Levantaram-se e tomaram posição. Quando o trem se aproximou da vila
nuvens, passava a ter a iluminação especial da lua por trás das massas cinzas
‘sinto muito’.
Continuou.
Anna pareceu não ouvir, olhava para os lados, como se procurando algo.
— Comentou Becca.
ao sul, e a moça respondeu que entre oito e nove da manhã passa um trem de
Chegaram até as casas, a rua de chão batido parecia uma rua fantasma,
não muito empoeirado e com algumas roupas velhas largadas denunciava que
outros hóspedes temporários haviam passado por ali não há muito tempo.
A porta do outro lado da sala estava fechada com tábuas pregadas, bem
como as duas janelas da parede contrária a lareira. — Que bom, proteção para o
— Ok, vamos lá fora procurar madeira que possa ser usada como lenha!
— Bob chamou para o acompanharem.
— O que são essas larvas saindo da madeira? — Bob olhou com asco.
pontudos, como pequenas lanças, para que cada um tivesse algum tipo de defesa
durante a noite. Depois saiu a procura de algo que pudesse ser usado como
***
todos não era que assaltantes ou outros nômades invadissem suas casas durante a
noite, tinham medo que milícias de Titans os abordassem com violência, já que
vagavam em grupos, seguindo suas próprias leis, e não hesitavam em bater ou
atirar em quem cruzasse o caminho deles. Se vissem uma híbrida ajudando um
***
destacando o vermelho dos rostos dos que haviam carregado a lenha. Pareciam
acontecesse à noite.
agachada, colocando gravetos. Até que sua visão ficou turva, como se uma
grande lanterna a cegasse. Sentiu as pernas fraquejando, desequilibrou-se, deu
Viu que estava suando e parecia desnorteada. Abriu sua jaqueta jeans e
confirmou o que suspeitara, a camisa por baixo estava com o lado direito
— Becca, relaxa, tá tudo bem, foi só uma tontura, não estou grávida.
um pouco a cabeça de Jennifer, pegou algo nos bolsos do seu casaco e voltou a
deitá-la no embrulho macio.
aqui. — Entregando a Anna sua regata de algodão branca, que usava por baixo.
baixinho.
— Infelizmente não é para você beber. Prometo que lhe pago uma bebida
qualquer dia desses. Essa aqui é para limpar seu ferimento.
Anna abriu com cuidado sua blusa, expondo totalmente o lado direito,
deu uma boa olhada no estrago, em seguida colocou a alça do seu sutiã para o
lado.
Anna hesitou de novo, ergueu um pouco a mão direita, que estava livre.
Jennifer aceitou a oferta segurando sua mão. Anna derramou aos poucos
o uísque sobre o ferimento, o sangue diluído em álcool escorria para os lados,
empossando sobre seu corpo. Jennifer apertou sua mão num longo piscar,
Neste momento Jennifer pode ver de perto seus arranhões no rosto, pequenos
cortes e arranhões na testa do lado esquerdo, e um corte acima da maçã do rosto,
próximo ao olho esquerdo. Notou o cabelo solto querendo pender para frente das
orelhas, seus olhos que pareciam duas porções de um mar azul. Pela primeira
— Acabou?
— Vou limpar agora. Consegue devolver minha mão? É que vou precisar
dela.
ferimento, e depois mais suavemente, por cima do corte. Desceu e foi limpando
abaixo, próximo a cintura. Jennifer acompanhava os movimentos com um olhar
baixo.
— Emprestado?
encerrando o assunto.
Jennifer.
Jennifer fez sinal negativo com a cabeça. Anna buscou comida, a ergueu
um pouco e ajudou a comer.
— Sim... Mas você está sentindo mais frio por causa da febre. Só não
durma agora.
— Ordens médicas?
— Posso ver?
todos:
quero ficar de olho nela, monitorando a febre. — Anna apontou para Jennifer
— Becca tem razão, sem esse fogo vamos congelar. Fiquem próximos
uns aos outros para se aquecer. Se preferirem durmam em duplas, para aproveitar
o calor do corpo. — Anna sugeriu.
dela, e abaixou-se.
— Tá bom, vou pensar no assunto, ok? Quem sabe nós duas fazemos o
último período então. — Respondeu, já sentando ao seu lado.
A temperatura caia cada vez mais, todos conversaram mais um pouco
sobre a ordem dos turnos, foram procurando as melhores posições para dormir,
apoiando-se uns nos outros. Anna colocou seu casaco sobre Jennifer, cobrindo
seus braços, a viu lutando para manter os olhos abertos. Virou-se em sua direção
e colocou uma mecha do cabelo dela que estava sobre sua testa, para trás da
orelha.
— Como se sente?
materialize no meio dessa sala. — Jennifer tremia e batia seus dentes, com frio.
frente. Anna entrou no espaço que se formou entre ela e a parede, sentando-se
baixo do casaco, as cruzou sobre seu peito, e a puxou delicadamente para trás,
para próximo de si. Deixou seus braços lá, por cima dela, para aquecê-la.
tendo tremores cada vez mais espaçados, acompanhou a temperatura dela caindo
Alguns grilos e cigarras faziam a trilha sonora, às vezes o farfalhar das folhas
das árvores quando alguma brisa soprava. Pela porta pouca claridade invadia o
adormecidas.
assumirem o turno.
Bob estava agora sentado ao lado de Becca, passando seu braço pelos
ombros dela, tentando aquecê-la. Esfregavam os olhos numa tentativa de afastar
o sono, enquanto bocejavam.
de cavalo. Ela já parecia mais corada, realçada pelo fogo. Tinha um rosto jovial,
aproximava cada vez mais, ela continuava olhando fixamente para a porta.
guardado ao seu lado. Mas a figura que surgiu na porta era Peter, carregando
tratando de dormir mais um pouco. Menos de uma hora depois já estavam todos
acordados, ansiosos com a volta para casa.
— Um pouco... Devo dizer que você correu o risco de ver uma faca
passava um quarto de hora depois das sete. — Antes de qualquer coisa, vamos
inquietos demais para sentar. O trem apareceu e já foi logo desacelerando para
parar na estação, o que facilitou a subida. Anna subiu primeiro, num dos últimos
sensação de que um dia mais tranquilo estava a caminho. Anna sentou-se quase
ao centro do vagão, encostada em uma pilha baixa de sacas escuras. Jennifer
checou um a um seus amigos se estavam todos bem, abaixou-se na frente de
Lisa.
uma pessoa para verificar. Anna foi pega de surpresa quando seus olhares se
cruzaram através do vagão, sem jeito desviou o olhar. Jennifer caminhou na sua
Anna continuou:
— Sob controle.
— Achava que hoje em dia não existisse mais pessoas assim. — Jennifer
cansado e pensativo, olhando para baixo. — Obrigada por não desistir de nós...
Por ter lutado por nós... E por cuidar de mim, me aquecido... Mesmo que tenha
Anna correspondeu o olhar por alguns segundos, abriu seu casaco e tirou
— Você coleciona?
— Não, as fabrico.
— Sério?
— Caramba, que legal! E você faz todo tipo de facas ou somente adagas?
— Já foi melhor.
Anna desfez o semblante sério, deu uma boa olhada para Jennifer.
Ajeitou a posição, subiu uma perna. Se deu conta da recuperação rápida que
Jennifer teve, sentada ali do seu lado com um olhar brilhante, parecia cheia de
vida.
descontraído.
nos expulsa! — Falou rindo. — Ele é um cara legal... Você curte chope, não?
— Sim.
Anna não conseguiu segurar o riso, olhou com surpresa para Jennifer.
— É... Você falando assim, tudo junto, até que soa estranho. Não tinha
me dado conta.
— Sério?
local.
***
estrangeiros, faziam um apelo para que pessoas de outros países migrassem para
lá, já que sua população havia sido dizimada e muitos americanos fugiram para
toda a América. O imigrante que antes era visto com certo repúdio, agora era
***
que um dia já foram plantações, agora estavam abandonados. Algumas casas que
viraram escombros, outras parcialmente destruídas, contrastavam com aquelas
— Ah sim, claro. Da sua casa sabemos continuar até nossas casas, meu
caminho aqui na frente da minha casa, vai dar na estrada. — Anna orientava,
apontando para uma pequena estrada de chão batido, que saia do seu portão de
ferro.
— Você foi nossa heroína, você sabe disso, não sabe? — Bob segurava a
— Seremos eternamente gratos pelo que fez por nós. Prometo que vou
trazer um bolo aqui para você qualquer dia desses. — Becca emendou, rindo.
— Bolo? Você não sabe fazer nem ovo cozido. — Jennifer rebateu.
— Jenny, estou tentando ser gentil, ok? — Becca disse e afastou-se para
que Jennifer se despedisse também.
— Não sei fazer bolo, mas obrigada por tudo, Anna. — Por fim, Jennifer
se despedia, lhe estendendo a mão. — Enfiamos você numa baita enrascada e
mesmo assim você nos ajudou até o fim, vou indicar seu nome para o Nobel da
Paz.
— O que importa é que todos estão de volta, são e salvos, com ou sem
bolo. Voltem para suas casas e continuem alertas. Pensem duas vezes antes de
Jennifer entrou ofegante, viu Anna saindo da cozinha com uma garrafa
de água na mão.
— Se você assim quiser, claro. — Anna respondeu, com uma voz branda.
— E não tenho.
Jennifer saiu correndo de volta aos seus amigos. E a partir daquele dia
seu mundo nunca mais seria o mesmo.
Capítulo 2 - Beatles
parte foi destruída no decorrer dos cinco anos de conflito. O pouco que restou,
juntamente com o que foi reconstruído, oferecia serviços de telecomunicação e
***
porta de Becca.
entrando no apartamento.
— Tenho planos. E você? Vamos rachar um táxi ou Bob vai passar aqui?
— Becca se espojava no sofá, vendo TV.
— Ahan.
— Alguém do porto?
— Não.
— Para você não querer falar é porque deve ser alguma encrenca ou
— Alice vai. Da outra vez ela ficou perguntando por você a noite toda.
Jennifer ficou em silêncio, vendo a TV.
— Ela está entendendo que vocês estão quase namorando, enquanto você
— Todo mundo culpa a guerra por tudo, até quando chove dois dias
rever Anna depois da aventura que haviam passado. Foi uma tarde dividindo
Por volta das dez horas Jennifer já estava pronta, ia a janela de dez em
dez minutos e voltava para frente da TV. — Ela não vem... Ela disse aquilo por
educação... — Pensava.
Até que uma buzina foi ouvida, correu à janela e viu uma moto preta
esportiva parada embaixo do seu prédio, uma pessoa ainda com o capacete
moto.
conheceram, estava agora com uma jaqueta de couro preta, e mantinha calça e
botas pretas.
colocava o capacete.
— Imagino onde seja. A propósito, você fica muito melhor sem aquele
sangue todo.
Jennifer teve que segurar mais firme com a arrancada forte que Anna deu
com a motocicleta.
inglesas nas paredes, uma grande bandeira irlandesa, contrapondo com algumas
flâmulas coloridas com a bandeira da Costa Rica. Jennifer procurava com a
cabeça por seus colegas, os avistou sentados numa mesa retangular, com um
quebrando o gelo.
timidamente.
aquela mulher destemida pudesse ficar tímida diante de uma socialização tão
corriqueira. Percebeu então que talvez não fosse tão corriqueira assim para
Anna, que talvez estivesse acostumada a enfrentar feras em locais inóspitos, mas
Jennifer animada.
Deu um longo gole, e olhou séria para caneca.
— Mais?
— Que foi?
— A híbrida eremita??
— Ela foi tão legal com a gente, parece ser uma pessoa interessante. Por
que não chamar para tomar um chope?
— É, deu para ver como ela odeia nós humanos. — Debochou Jennifer.
evitados.
de Jennifer, vorazmente.
— Japonesa minimalista.
show deles.
Jennifer apenas riu, achando que era brincadeira. Mas percebeu que Anna
não riu, arrematando a possível piada. Deu-se conta que era possível sim que ela
tivesse ido ao show, porque os híbridos, assim como os Titans, envelheciam mais
devagar. Seu semblante mudou instantaneamente para sério na hora que se deu
conta desse detalhe. Anna percebeu o que acontecera.
— Por obséquio.
— Trinta... Tipo assim, mais ou menos. Ou uns vinte e nove... Oito. Por
aí.
ele. Eu tinha só treze anos, mas deu um jeito de me levar com ele. Meu pai foi
um visionário: ele falou que não poderíamos perder porque seria a última turnê
deles. E foi mesmo.
— Não, claro que não. Só estou meio estupefata. — Jennifer ainda sorria,
surpresa.
Jennifer tinha algo que se contasse, com certeza Anna ficaria ainda mais
estupefata que ela ficara. Ou ela talvez não acreditasse. Ou saísse correndo.
Claro que ela não arriscaria contar.
— Ah é? Prove.
— Tá bom, lá vai.
séria.
— Viu só?
animação.
— Meninas, estou indo nessa. Jenny, amanhã vai ser na minha ou na sua
— Ah sim, claro...
— Às vezes eu tenho que trabalhar domingo, daí ela leva almoço para
mim no porto.
— Não, tudo bem. Não tenho problemas em contar que faço programas.
Anna ficou em silêncio, olhando incrédula para ela, sem ter a menor ideia
do que falar.
— Faz intermediações entre quem chega, quem quer comprar, quem quer
vender...
— Basicamente isso.
— Parece interessante.
— Sei lá, algo com mais ação, menos repetitivo. E menos burocrático.
não se sentia segura o suficiente para contar do seu segundo trabalho ali, nem
naquele momento.
— Ah fala sério, fala aí, prometo que mantenho segredo. Se você fizer
programas não vou te julgar, palavra de lobinha.
— Você está no sétimo chope, mocinha, acho que não estou preparada
— Uhum.
— Ok, acho que você entrou no seu número cabalístico. Quer ir para
casa?
minha cama.
também o capacete.
— De nada. Disponha...
— Anna?
— Sim?
— Não sumirei.
— Promete?
— Prometo.
— Tá bom.
— Sábado que vem vai ser minha vez de te levar a algum lugar, o que
— Perfeito.
Anna olhou ainda por alguns segundos o sorriso franco que Jennifer
sustentava.
os olhos.
— Cedo para a janta talvez, já é quase uma da tarde. Por que não dormiu
espreguiçando no sofá.
— O quê? Ah não, claro que não. Sério, ela não é uma dessas garotas que
trago aqui, já falei isso, ela é só uma amiga.
sofá.
cozinha. Era um pouco bagunçado, os móveis não combinavam entre si. Nas
— Becca, você não vai acreditar em quantos anos Anna tem! — Jennifer
— Não sei, uns trinta? Peraí, ela tem aquele lance da idade que os Titans
têm?
— Esse povo é tão bizarro, né? Parece que estão trapaceando o relógio
biológico.
— Acho confuso demais. Imagine só, ela deve ter assistido alguns destes
— O quê?
— No dia que alguma mulher disser o que eu posso ou não posso fazer,
***
Tirou a quarta-feira para ajudar seus vizinhos que tiveram que desocupar
o prédio recém demolido pela milícia Titan, episódio este que quase custou sua
vida. Jennifer estava frustrada por não ter conseguido evitar que as máquinas
derrubassem suas casas, podia ter recrutado outras pessoas para engrossar o
coro, ou então ter feito barricadas. Mas o sentimento era dúbio quando pensava
que toda aquela aventura, trem, gárgulas, Anna... Nada teria acontecido se não
houvesse daquela demolição.
Naquela sexta correu no final da tarde, com o sol baixando atrás de si. Mas
ônibus havia saído da estrada. Parou e pôs se a observar, ofegante. Ainda eram
visíveis no asfalto duas marcas escuras de pneus. E ela sabia para onde essas
marcas apontavam.
Permaneceu olhando para o horizonte por alguns instantes. Percebeu que a casa
de Anna não podia ser avistada dali. Teve um impulso momentâneo de ir até lá,
mas desistiu, não parecia uma boa ideia aparecer sem avisar. Virou-se, voltou a
correr de volta para casa. Pensou em como não havia sido muito inteligente
quando teve o ímpeto de ir até a casa dela pelo matagal, e não pela estrada que
— Não vai me dizer... — Sorriu surpresa. — Você vai sair com a híbrida
de novo??
amigos.
círculo de amizades.
— Mas ela é uma híbrida, Jenny, não vai ser bem vista, você sabe disso...
pequeno povoado junto ao mar. A guerra parecia não ter chegado até lá, as casas
Desceram da moto, mas não retiraram os capacetes, logo perceberam que estava
fechado.
— Que pena, parecia um bom bar, podemos voltar outro dia... — Jennifer
amenizava o desapontamento de Anna.
— Suba, vou te levar em outro lugar que também tem uma bela vista, e
com certeza estará aberto. — Anna gesticulou com a cabeça para que montasse
na moto.
você bebe?
Anna percebeu a dificuldade que Jennifer estava tendo para soltar a tira
Do lado da casa havia uma pequena escada de madeira que dava acesso à
meu quarto.
— Não duvido que seja um bar interessante, mas vou ser sincera com
você: não tenho do que reclamar. Tenho ótima cerveja, paisagem e companhia. O
Ouvir isso deixou Anna mais à vontade. Permitiu-se olhar sem pressa
para Jennifer, sentada ao seu lado, entretida pelas ondulações do mar.
— Você teve sorte, poderia ter sido mais para baixo, ou poderia ter
piorado bastante naquela noite. E nem teríamos para onde te levar.
— Eu estava na oficina, que fica anexa a casa. Criei uma passagem dela
por mim.
— E aí deu o bote.
Anna pegou mais duas latas de cerveja e abriu, entregando uma para
Jennifer.
— Foi incendiada na verdade. Mas isso foi tempos depois. Eles estavam
deve ter visto como ficou lá, não sobrou muita coisa.
— Sim...
— Nossa... Sinto mesmo por você... Quantos anos você tinha? — Anna
— Quase quinze.
— E o que você fez? Não foi morar com algum parente? Tem irmãos?
serenamente.
— E você tem irmãos? — Perguntou Jennifer.
— Sumiu na guerra?
— Foi. Mas sumiu por vontade própria. Hoje em dia não faço ideia de
— Talvez ele tenha desistido de enviar notícias por não ter notícias de
você, já que ele estava sempre em lugares diferentes.
— Quem sabe um dia ele apareça na sua porta. Ou então você descubra
onde ele enfim resolveu morar. Talvez esteja casado, com filhos... Já pensou?
Você titia.
— Sim, como faço. Mas não é uma profissão, é apenas uma prestação
algo esporádico.
— Mas pelo jeito que você fala, deve ser mais divertido que seu primeiro
ofício, na forja.
— É mais perigoso.
— Às vezes é apenas alguma conversa mais séria com alguém, para obter
informações para terceiros. Às vezes preciso pegar de volta alguma coisa que foi
furtada. Ou então sabotar alguma ação criminosa, dar alguns sustos, evitar
alguma coisa.
— Quando aparecer alguma missão mais leve, me leva vai. Prometo não
— Eu sei que não, eu vou e ajudo você, te dou cobertura, sei lá, alguma
— Não.
— Já... Alguns.
— E Titans?
— Por quê?
— É minha condição. — Desconversou.
— De certa forma... São sim. Eu gostaria de dar uma boa surra naqueles
Titans que derrubaram o prédio dos meus amigos.
— Por mim ficaria aqui até o sol nascer, mas o sono está pegando.
de Becca para sair e beber. Quando Anna a deixara em casa no sábado que
passou, não havia prometido nem mencionado nenhum outro compromisso com
ela.
que havia tido naquela noite junto ao mar, se algo que dissera poderia ter
a convidando.
Vestiu seu velho moletom cinza que usava para dormir e pôs-se embaixo
do edredom, no sofá, para ver TV. Era quase meia-noite, Jennifer iniciava um
cochilo, quando foi acordada com o som de uma buzina vindo lá de baixo.
couro curto, com uma blusa cinza por baixo, e um lenço preto no pescoço. Lá do
alto, seus cabelos pareciam negros como aquela noite.
tênis colorido.
— Te acordei?
Seguiram pela rodovia até a cidade vizinha. Entraram numa rua cheia de
— Tem certeza que quer continuar? Você pode esperar aqui se não
— Roubado?
— Qual é o objeto?
— Oitenta mil. Dinheiro de extorsão, que para mim é a mesma coisa que
dinheiro roubado.
— E como você tem certeza que esse dinheiro ainda estará dentro desta
aqui que entramos. Escute: você vai ficar atrás de mim o tempo todo, entendeu?
Não é na frente, do lado, nem mais ou menos do lado, é atrás de mim. Pelo
tamanho do lugar deve ter no máximo um ou dois seguranças tomando conta.
— Se aparecer alguém?
— Também não.
imóvel, estática. Se eu apontar para algum lugar, significa que quero sua
vigilância focada naquele local. Entendido?
— Totalmente. Algo mais?
— Quando eu disser corre, você corre. Corre pra valer, mais que o
Forrest Gump, está claro?
porte, feita de blocos de concreto, sem pintura. Guardou a chave mixa que havia
passo por um corredor estreito, cercado de divisórias brancas e três portas pelas
laterais do caminho, até chegarem numa porta aberta no fim do corredor, que
dava para um espaço amplo, no cerne do prédio.
caixas de madeiras. Anna checou todo o local até onde sua visão alcançava, e
maçaneta e percebeu que não estava trancada. Logo, imaginou, que se a outra
porta estivesse fechada com chave, teria mais chances de ser a tesouraria. E foi o
Após dois ou três minutos procurando pela mala, Jennifer forçou a porta
de um armário de aço e encontrou o objeto procurado, fazendo um pouco de
ruído.
Anna saiu na frente, Jennifer seguia atrás, o mais próximo possível dela,
apontou para o lado oposto de onde estavam, para que Jennifer ficasse alerta.
Chegaram até o final do espaço amplo, Anna parou ao lado da porta aberta,
inclinou a cabeça e deu uma olhadela para o corredor afunilado que teriam que
atravessar. Podia ver três portas fechadas ao longo do corredor, todas elas com
causa da janela de vidro. Quando estavam passando pela segunda porta, uma luz
se acendeu na terceira porta, vindo do interior da sala a que dava acesso.
Jennifer, assustada, exprimiu um palavrão curto e abafado, que faz com que
Anna se virasse rapidamente, colocando a mão em sua boca demandando
silêncio.
— Mmumumm mmm.
— Apenas vá.
com uma arma nas mãos, se virando na direção de Jennifer. Era um homem de
meia idade, alto e magro, com os cabelos grisalhos nas laterais. Anna o agarrou
por trás, aplicando uma gravata. Ele lutou tentando se desvencilhar, mas foi
— Vou. Mas sei que não vou dormir tão cedo... Com toda essa adrenalina
circulando no meu corpo. Já sei! Sobe comigo, ficamos lá conversando até meu
— Só cuidado para não fazer barulho, pode acordar meu marido e meus
redor.
— Bem-vinda ao meu cafofo! Não chega aos pés de sua mansão, mas dá
para o gasto.
— Legal né? Nem parece que começou como uma solução para esconder
as manchas de infiltração...
— Uns cinco anos. Becca me chamou para vir para cá, ela mora aqui na
porta da frente.
— Nunca.
preciosas, como gotas da sua existência. Não era um desejo consciente, mas
como se desvendar aquela mulher misteriosa e tão serena fosse seu novo
objetivo de vida. Talvez ela visse em Anna uma fuga da mediocridade que sua
— Mas não há nada que possa ser feito com o mar, porém viver sozinha é
uma escolha.
Jennifer entendeu o que ela quis dizer, mas não compreendia o porquê.
Quem escolhe viver só?
— Tem bons pubs na cidade para animar as noites, não acha? E a grana
não é lá grande coisa. A propósito, estou devendo sua parte do trabalho de hoje.
cerveja?
Jennifer tentou prestar atenção no filme que passava, mas logo quebrou o
silêncio.
— Observa o que?
delas.
— E a mais perigosa?
— Já se feriu?
— Inúmeras vezes.
— Gravemente?
— Já levou tiro?
— Alguns... Mas nenhum certeiro.
— Já matou humanos?
Jennifer sorriu como uma criança que fez algo errado mas não se
arrepende.
— Às vezes dá errado.
— Mas é melhor ter alguém para ajudar e fazer companhia, não acha?
— Oito? Nove?
— E juízo de dez?
desconfortável.
ninguém que você tenha visto dormindo.’ Imaginou que realmente seria
impossível odiar aquele ser que a encantara. Mas então percebeu que estava
perdendo o domínio sobre suas ações. Tantas regras quebradas em tão pouco
tempo. Se irritou consigo mesma. Sequer havia repousado suas mãos sobre as
pernas de Jennifer, por receio. Percebeu que havia se desacostumado a conviver
com outras pessoas. Não sabia mais distinguir o que era demonstração de afeto,
Repousou suas mãos nas pernas de Jennifer, mas apenas para erguê-las,
cautelosamente. Levantou-se do sofá, pegou um cobertor azul que estava no
claro e estrelado.
— Tipo... Agora?
— Claro, não tinha nada melhor para fazer mesmo... Entre, vou me
trocar.
— Você disse que queria ir numa missão novamente. Achei que você se
interessaria por essa. Envolve uma gárgula.
— Sou eu, e esse é meu irmão Brian. Foi Max que mandou vocês, não
foi?
— Não sei exatamente, acho que era umas duas da manhã quando atirei
naquele desgraçado. Eles estavam roubando minha casa! O que eu poderia fazer?
— O homem de barba arruivada, que agora era um alvo para os Titans, parecia
desesperado.
— Péssima decisão. Você deixou um fugir, esse foi seu erro. — Anna
respondeu, friamente.
— Pode ser. Venha Jennifer. Não saia de perto de mim, entendeu? Tome,
fique com essa adaga. — Anna não estava usando casaco, por isso era visível o
colete-coldre que usava por cima da blusa preta. Eram amarras de couro, como
adagas.
— Você já fez isso antes, não fez? Digo, matar esses animais. — Indagou
o ruivo.
Anna apenas olhou rapidamente para ela, sorriu de leve com o canto da
boca, achava graça da empolgação de sua parceira, que poderia soar como
ingenuidade. Chegaram até um rio de águas claras e pouca correnteza. A lua
pincelava alguns riscos prateados nas águas calmas. Havia uma espécie de praia
— Ele vai vir para cima de mim?? E se ela vier? — Carl perguntou,
assustado.
— Fuja. Se sentirem medo, fujam, corram para a sua casa. Vamos dar um
jeito aqui.
Jennifer já sentia que existia de fato uma parceria ali. — Deixe com a
Por volta das quatro e meia da madrugada finalmente a criatura foi vista,
Jennifer tentou um único golpe, mas teve sua adaga arrancada das mãos, voando
para longe. Parecia uma luta coreografada, com exaustivas investidas por parte
crítico, quando ele armou suas asas, como já era esperado. As pontas, torneando
lanças.
Deu um passo para trás e abriu suas asas escuras, pareciam feitas de pele
de crocodilo. Com as asas no ar, virou-se para os dois camponeses que assistiam
toda a luta e emitiu um ganido alto, agudo. Eles não titubearam em fugir.
Correram mais depressa que suas pernas podiam suportar, apavorados com a
investida daquele demônio. Jennifer também não havia encontrado ainda uma
volta sua arma, ainda molhada. A gárgula num golpe rápido, de baixo para cima,
arremessou Jennifer para trás, atirando-a no rio. Anna, já munida de sua adaga, a
aliviada.
perto.
— Simplesmente o apanhei.
dela.
Apenas de sutiã e calcinha, pulou nas águas convidativas, num local que
— Venha, mulher! Prometo não olhar. Vou virar para o outro lado, ok?
tirando o restante da roupa, permanecendo apenas com suas peças íntimas, como
Jennifer.
atrás dela.
— Pronto, satisfeita?
redor. Tentou se recordar da última vez que havia feito algo parecido. Até
mesmo o mar em frente à sua casa não a tinha há muito tempo.
— Formamos uma dupla e tanto, não acha?
— O quê?
— Ou Tom e Jerry.
— Bonnie e Clyde.
— Lennon e McCartney!
— Anna?
— Sim?
Anna.
Anna saiu logo em seguida, viu que Jennifer começava a vestir suas
justo...
— O que foi??
— Sua tatuagem.
Jennifer se aproximou.
— O que é?
— Ah... É um lince.
com os dedos.
— Faz muito tempo que estou criando coragem para fazer uma também.
Mas vai ser na perna. A primeira delas. Quero umas cinco tatuagens ao todo. —
Jennifer devaneava.
Antes que Jennifer vestisse o suéter, Anna reparou que ela usava um
cordão prateado com uma medalha redonda. Na medalha, alguns símbolos
arredondados, e uma forma de uma raposa por trás dos símbolos. Achou
familiar.
— O pingente? Acho que não. Não que eu saiba. Vai dizer que você
— Meu avô que me deu, nem lembro quando, mas eu deveria ser bem
pequena.
— Boa noite, Jennifer. Ou bom dia, sei lá. — Anna falou, a deixando na
de Bob, ele vai dar uma festa na casa dele, nada grandioso. Você vem?
arrumação. A casa dele é no fim da rua, número 280. Não chegue tarde.
— O que foi?
— Vá dormir, Jennifer.
Capítulo 6 – Teste-me
— Por mim nenhum. Mas vai ser estranho ter uma híbrida entre nós. E
não sejam hipócritas, vocês sabem que isso não é comum, isso já aconteceu
antes.
Acho que cada um tem sua turma, ela deveria procurar a dela.
baixinho.
— Não sei, ela não comentou nada comigo. Mas Jenny parece feliz, e eu
acho que a razão dessa felicidade é Anna, então se está fazendo bem a ela, que
continue assim. Eu gosto da Anna e você também deveria ser eternamente grata
a ela, se não fosse a híbrida, como você se refere, teríamos virado comida de
— Não tenho nada contra Anna, apenas temo por Jenny. Já estão falando
dela a bocas pequenas. Não quero vê-la sofrendo preconceito por estar andando
herança de seus pais. Tinha o estilo padrão das casas de subúrbio americanas,
com bebidas e comidas em dois ambientes. Por volta das nove horas quase todos
já haviam chegado à festa.
— Não sei, ela não confirmou. Às vezes ela precisa trabalhar à noite.
— Seu copo está vazio, e isso é proibido aqui hoje. Vou lá buscar mais
cerveja para você. — Tomou seu copo e saiu.
— Linda, não vou poder ficar com você agora, porque trouxe alguns
amigos e... Sabe como é... Preciso dar atenção a eles, mas nos falamos no final
da noite, ok? Temos alguns... Assuntos para colocar em dia. — Alice sussurrou
conversa, olhando para Jennifer. Ele era loiro, com uma franja que teimava em
colocar para trás, tinha algumas sardas e mantinha sempre um sorriso soberbo
nos lábios.
— Você deve estar falando da Anna. Bom, não sei. Ela é bem ocupada...
— Sério, vamos parar por aqui, ok? Bob, não tem nenhuma louça para o
Alex lavar lá na sua pia, não? — Todos riram.
Bob se aproximou com um copo para Jennifer, mas ela percebeu seu
— Ela chegou sim, mas antes de entrar aqui na sala parou e voltou para a
— Ouviu o quê?
soslaio.
pensam.
— Pois são todos uns babacas de mente pequena. — Falou num tom
sério. — Eu estou com você hoje à noite, e eu tenho muito orgulho da minha
companhia. Eu não vejo Titans, híbridos, humanos... Eu vejo somente a Anna, e
eu gosto do que vejo.
Sem obter uma resposta, Jennifer pegou a mão de Anna, que estava posta
adoro falcões?? — Bob desembrulhou e avistou seu presente, uma adaga com
— Ela que faz essas facas! E sobre o falcão, eu comentei algo com ela,
assim... Por cima. E pelo visto ela tem ótima memória. — Jennifer respondeu
por ela.
A festa continuou sem maiores problemas, Anna foi ficando cada vez
mais à vontade. A certa altura da noite, Alice passou pela sala e aproximou-se de
Jennifer.
Alice. Ao sair da sala, lançou um olhar intimidador para Anna, Jennifer apenas
ignorou.
O ambiente onde estavam tornou-se uma pista de dança, alguns
convidados divertiam-se ao ritmo da música, observados por Anna e Jennifer.
— Não dança?
chamado para a pista, mas ela apenas sinalizava com um leve sorriso. E não
sentou-se ao seu lado, entre ela e Anna, que afastou-se um pouco, dando espaço
para Becca.
— Hum... Não me recordo não. Cuidado para não queimar meu filme na
frente das visitas. — Jennifer falou sorrindo, apontando com a cabeça para
Anna.
— Ok, saquei. Desculpe ter trazido esse assunto. Não tá mais aqui quem
— Tudo.
— Tem cert...
Subiram na moto e dessa vez Jennifer, que sempre teve uma grande cautela ao se
segurar em Anna quando na garupa, a abraçou firme, como se não houvesse
Anna percebeu que era mais do que apenas alguém na sua garupa
bem. Antes de vestir suas luvas, pousou delicadamente sua mão esquerda nas
mãos dela, fazendo com o polegar um leve carinho nas mãos de Jennifer, que se
eternamente. A eremita era Anna, mas era ela quem se sentia só.
possibilidades.
— Acho que quero ficar sozinha mesmo... Mas obrigada minha cara
heroína, te devo mais uma. — Jennifer foi na direção dela, deu um beijo no rosto
e um abraço de despedida.
— Pode apostar.
***
Foi até a porta de seu escritório-contêiner no porto, visualizou sua nova amiga
— Você não vai querer conhecer esta bagunça. — Disse Jennifer sem
jeito.
— Já vi o suficiente...
— Cantinho da reflexão?
abandonado.
— Um barco bateu nele uma vez, mas não chegou a derrubar. Mas não
me parece que vá desabar num futuro próximo, é seguro, relaxa.
— Não, é um serviço normal, meio chato para ser mais exata. Mas como
estava passando por perto resolvi te fazer uma visita rápida. Não quero
— Pode ser a missão mais chata do mundo, mas estarei sempre dentro.
— Não imagino o que faria se algo ruim acontecesse com você numa
dessas missões.
Sem querer, sua perna roçou na perna de Anna num dos movimentos.
Jennifer não sabia o que fazer com a sensação que estava vivenciando. Só sabia
que era uma das melhores sensações do mundo, estar ali, tão próxima de Anna.
— Durma antes de ir, a noite pode ser longa. — Advertiu Anna, antes de
ir embora.
noite: uma empresa, uma pequena fábrica, numa área industrial no entorno da
cidade.
— Ok... Sabe, tenho até certo receio em arranhar esse capacete, parece
tão novinho...
— Não.
— Não.
— Eu sei, mas vai que um dia eu tenho capacete? Esse é tipo meu, não é?
Um só vai...
janela com vidraças quebradas, que descia do teto ao chão. Foi o local escolhido
para ser o ponto de observação.
quina da janela.
— Por quê?
os proprietários.
usava no corpo, por baixo do casaco preto de couro. Desta vez trazia apenas uma
adaga, e a arma do outro lado.
— Você vai ficar bem escondida atrás desta parede. Eu vou tentar
— Foi legal você ter ido ao porto hoje. Não costumo receber visitas. —
cafofo.
— Com o tempo você aprende o que pode e o que não pode fazer por lá.
— Não...
jocosamente.
— Como?
Anna divagava.
— E outras coisas também.
— Fiquei com alguns quando era mais nova, agora não fico mais.
— Qual?
posição. Colocou uma perna de cada lado da viga, ficando de frente para Anna.
— Minha moto. Desculpe, nunca fiz uma apresentação formal entre você
e Paty, não é?
— Não. Todas essas vezes que andei em cima dela, sem nem saber seu
nome, que falta de consideração.
na parede.
— Zero.
— Nem namoradas?
— Também não.
significativo.
— Melhor assim, não é? Eu também... Já faz algum tempo que não sei o
— Não casamos.
— Eu percebi que ele não era o cara que eu queria passar o resto da
minha vida...
— Que romântico.
— Ele não achou nada romântico.
quinze anos.
— O quê?
— Namorados.
— Não. Mas costumo acreditar no que você fala. Ainda não sei o porquê.
— Eu também tenho esse terrível problema.
— Sim.
— Não sei. Teste-me. Conte algo duvidoso, e eu vou te dizer se acho que
é verdade ou não.
— Já matou um humano?
— Sim.
— Hum... Naquele dia que invadimos sua casa, qual foi a primeira coisa
— E estou mesmo.
— Mande.
cunho pessoal.
— Sim.
— Só experimentando, sei...
escondeu atrás da parede, mas olhou de relance para a ação logo abaixo. Havia
— Dois armados.
— E agora?
— Jennifer?
— Sim?
— Corre.
como podia em Anna para não cair. Andaram em alta velocidade até um
você?
Anna sacudiu a cabeça positivamente.
— Caramba, que porra foi essa! Se eles fossem mais rápidos teriam nos
— Da próxima vez poderíamos fazer algo mais leve, pode ser? — Anna
sugeria algum encontro.
— Claro, passe aqui em casa e vamos sair pra beber. Quando você quiser.
— Fechado.
seguiu para seu prédio. Anna estava prestes a colocar o capacete quando
percebeu que havia sangue na sua mão direita, olhou assustada sem entender.
Olhou então para todo seu corpo, procurando algum ferimento.
— Jennifer?
que davam acesso a seu prédio. Viu então Anna mostrando a palma da mão
ensanguentada, erguida.
descia da moto.
a mão por cima de seu casaco de brim preto, sentiu onde estava úmido. Anna se
— Você foi atingida de raspão. Como não havia percebido até agora?
— Não sei, acho que foi a adrenalina, ainda estou com o coração
incrédula. A bala havia feito um corte não muito profundo, mas sangrava
demasiadamente.
— Sim... Que engraçado, agora que eu sei que ele existe está doendo.
tomar um banho para limpar essa bagunça, vai ficar mais fácil pra fazer o
curativo.
para dormir. Alguns frascos vazios, outros pela metade. Fechou rapidamente a
gaveta, abriu a terceira e enfim achou uma pequena bolsa branca com uma cruz
vermelha desenhada.
— Achou? — Gritou do banheiro.
— Achei sim.
— Você tem ideia do que tira mancha de sangue das roupas? — Falou
deixar abrir demais e mostrar os seios, mas era inevitável ficar com a calcinha à
mostra.
— Não é todo dia que você ouve balas passando a centímetros da sua
cabeça... Acho que só vou conseguir relaxar daqui uns dois dias.
O que Jennifer não confessou é que sua tensão não era causada pela
situação de risco que havia acabado de vivenciar. Os dedos ágeis de Anna
Anna limpou o corte com água oxigenada, ela se contorceu por reflexo.
— Já vai?
— Bom, era minha intenção. A não ser que você tenha mais algum
ferimento que não tenha percebido.
— Por quê?
— Não.
— Não... Sei.
— É um compromisso profissional?
— Por que??
— Foi de raspão.
caneca de chope.
Oscar.
— Acabou de ver.
— Pode ser. Mas por aqui mesmo... Não quero ir lá para frente.
com seus passos. Ela então puxou Jennifer para perto de si, envolvendo seu
braço um pouco acima da cintura. Jennifer fez uma expressão de dor, curvando-
se para o lado.
— Foi sério?
Alice não perdeu tempo e logo partiu para cima de Jennifer, que
correspondeu. Entrelaçaram os braços e não demorou mais que uma música para
lembro direito como foi... Mas bati na quina... E... Cortou. Um pouco. Entendeu?
do salão.
Jenny a interrompeu.
— Você sabe que eu não faria isso. — Becca respondeu com a cara
fechada.
...Sadomaso...
— Mas você não sente nada por ela? Você fica com os olhos brilhantes
quando ela está por perto, todo mundo percebeu.
— Não vou mentir para você... Alguma coisa nela me atraiu. Não sabia
ao certo o que eu estava sentindo, mas me dei conta que não vai acontecer, isso
não vai a lugar algum. Então já não penso nisso. Só estou aproveitando a
amizade, e é bom estar com ela, não sei explicar exatamente o que sinto... É
mágico! Mas não vai ter algo mais.
— E da parte dela?
— Ela é um enigma... Mas acho que desse mato não sai coelho, não... E
também não sou a praia dela, entendeu? — Jennifer sustentava agora um
— Eu acredito... E acho que ela não se sente bem em estar com você em
público.
— Hey!
— Não, não... Não foi ela. Foi um incidente bobo. Saímos quinta-feira,
— Anna faz uns serviços adicionais à noite... Não, não é o que você está
pensando.
— E o que é?
preocupar, tá bom?
— Não sei o que são esses serviços, mas pelo visto é algo perigoso. Não
— A faca era ruim, o frango estava congelado, eu te falei que não ia dar
certo.
— Tá Jenny, o que estou tentando falar é que ela sabe se safar numa boa,
enquanto você... Num descuido você pá! ...Levou um tiro, uma facada, ou sei lá
o que, e daí como fica?
— Eu prometo que vou escolher bem meus próximos passos, tudo bem?
E ela disse que estou temporariamente fora das missões.
— Um pouco de juízo na cabeça daquela híbrida aventureira, que bom!
— Só quero que você se cuide, tudo bem? Esse mundo não é seu, vá
devagar. E Alice já está procurando por você.
— Vamos.
Anna saia de casa em sua moto, com destino à uma cidade próxima, para
pai.
***
podia senti-lo em seu rosto. Apesar do clima frio e com o sol já baixo, Jennifer
exibia pequenas gotículas de suor na testa e em cima dos lábios. Seus cabelos
castanhos quase claros, mesmo presos, esvoaçavam com suas passadas. Mudou a
Anna.
capuz do Lanterna Verde, às portas da casa um dia invadida por ela e seus
amigos. Teve vontade de ir, e foi. Não teria uma boa desculpa para justificar a
— Você e seus detalhes... O que está fazendo? É uma espada? Não sabia
— Parede.
— Como assim?
— É para decoração.
— Claro.
— E o seu ferimento?
— Melhor do que nunca. Nem vai ficar cicatriz.
não.
— Voltar como?
porta.
— Talvez.
Jennifer sorriu.
— Às oito.
— Vamos à igreja.
— Sério??
***
— Em pleno domingo?
Você é ateia.
— Algo me diz que não vamos assistir à missa... Acho que ela tem algum
— Tá, de qualquer forma você pode sair com a gente hoje, volta mais
— Você que sabe. Hoje tem banda e tal... Mas se você prefere passar a
semana trancada em casa.
***
melancólico à manhã de domingo. Anna estacionou sua moto pouco depois das
oito, deu uma buzinada, aguardando Jennifer. Mas nada aconteceu. Ela buzinou
novamente, agora olhando para a janela dela. Mas nem sinal da sua fiel
prédio, ainda se vestindo com sua jaqueta jeans. Anna viu surgindo detrás de
Jennifer a figura de Alice, que se despediu com um beijo nos lábios na sua
ficante, deixando Jennifer sem jeito da mesma forma que Anna, que tentou
disfarçar olhando para frente.
Anna apenas entregou o capacete a ela, sem falar nada, saindo para seu
destino não muito distante dali, num bairro calmo e campestre. Anna carregava
uma pequena bolsa preta.
Anna não respondeu, foi logo se dirigindo a entrada dos fundos. Subiram
pelas escadas escuras até o último andar, entrou num dos apartamentos vazios e
— Você não estava brincando quando disse que iríamos a uma igreja. —
Da janela era possível avistar uma igreja não muito grande, distante
— Não.
— Chegamos a tempo?
— Pobre? Você sabe o que esse cara fez para chamá-lo de pobre?
Por Jennifer acreditar que Anna não nutria nenhum sentimento por ela,
não se deu conta do real motivo do mau humor dela naquela manhã. Não era o
— Vazias.
linda, a catedral de Saint James, é estilo gótico, tem uns vitrais... Já foi ao
Canadá?
— Já.
— Se bem que com essa guerra, talvez essa igreja nem exista mais, né?
— É possível sim.
— Ah é? Por que?
lá!
— Tá... É uma amiga com benefícios. Hum... Também não sabe o que é,
né?
timidamente.
boina.
Ela saiu rapidamente, mas logo voltou a observar a situação delicada que
se formava. Jennifer ficava mais preocupada a cada segundo, temendo que Anna
Foi então que uma parte da estrutura de madeira veio a baixo e uma das
finas vigas de madeira caiu exatamente entre o ‘baixinho’ e o restante das
Ainda em êxtase pelo que acabara de fazer, olhou para o lado e viu
Jennifer um tanto ofegante, com a mão na cabeça. Não entendeu nada.
na moto e voltaram para suas casas. Anna recusou o convite para almoçar com
ela e Becca, mas prometeu fazer algo com elas no próximo final de semana.
— Não, nenhum.
— Não se garante?
— Por que não deveria me importar? Não é uma simples nova amiga,
não acha?
— Eu acho.
— Você teme que se torne algo mais que uma amizade torta? É esse seu
medo?
— Só temo por você.
— Foram as circunstâncias.
— Jenny, meu amor, vamos para casa? Bob vai nos levar, já está meio
— Que lesma você hoje, hein? Logo você, que adora velocidade. —
Jennifer dizia, enquanto subiam as escadas do seu prédio. Anna a carregava pelo
— Viu? Tropecei por sua causa. Acha que não sei subir a escada do meu
próprio prédio?
agora de pé.
banho decente.
banheiro.
— O que foi?
— Não precisa.
— Claro que precisa. Pense dessa forma: se você ficar doente não vai em
— Eu sei.
Jennifer a encarava.
— Por que, qual risco eu corro? Lembre-se que sou bem mais forte que
você.
— Não é justo.
— Por que você é tão perfeita? E por que é tão legal comigo? E puta que
o pariu, por que é assim... Tão linda? Por que está aqui? Você não deveria estar
aqui.
cima do vaso.
— Melhor não.
— Eu sei que não deveria falar esse tipo de coisa, mas às vezes eu sinto
uma vontade enorme de beijar você... Eu sei, eu sei... Problema meu, não é?
E partiu para sua casa, não sem antes esmurrar a parede da escadaria.
***
Havia se passado quase uma semana desde o porre que Jennifer lutava
incessantemente para esquecer. Tantos porres em que ela mal se lembrava de ter
chegado em casa, e justamente aquele, ela recordava de quase todos os detalhes.
— Agora?
Jennifer foi pega totalmente de surpresa, achava que Anna nunca mais
quisesse vê-la nem pintada de dourado em sua frente. Mas lá estava seu inegável
objeto de desejo, parado na porta de seu apartamento, no início da noite daquela
sexta-feira.
Respondeu educadamente.
sim. Entre.
A essa altura Jennifer já estava suando frio, e a única coisa que se repetia
Correu para o quarto, tirou o pijama, ou o que usava como pijama, calça
— Ela vai me encher de bronca... Tenho certeza. Estraguei tudo. Será que
posso fazer de conta que não lembro de nada? Ahan, logo você, a pior mentirosa
marrom de couro, que formava um L com o outro menor, onde Jennifer sentava,
próximo a lareira acesa. A sala era iluminada apenas pela luz do fogo.
acinzentadas, não havia as percebido no dia que invadiu aquele recinto com sua
gangue.
aleatório, e leve.
chegar.
— De lojas?
— Naquele dia que visitamos você, não havia percebido essas lâminas
— Visitaram ou invadiram?
— É modo de falar.
— Não. Mas não estou com fome, não. Obrigada. Quer dizer, nem sei se
— Sinceramente?
— Olha desculpa, sério, mil desculpas por semana passada, eu sei que
você me trouxe aqui para puxar a minha orelha, mas já vou me adiantar, ok? Eu
sei que passei dos limites e enchi teu saco, mas acredite, prometo não te amolar
daquela forma nunca mais, você pode me jogar daqui de cima lá no mar, tudo
bem, as piranhas irão me devorar, existe piranhas marítimas? Mas será merecido,
você sempre foi super respeitosa comigo, e foi só eu beber um pouquinho e já fiz
besteiras, mas eu não ia beber! Nããão, não, Becca está de prova, eu falei que não
— Sim?
— Está?
— Está.
— Um pouco.
da praia, Jennifer sentou-se na beira, de lado, com uma perna balançando sobre a
areia da praia junto ao paredão e a outra erguida, em cima. Puxou o casaco com
as duas mãos, fechando-o sobre o peito, quando uma corrente de ar frio passou
por ela. Anna levantou a gola do casaco preto.
— Não falo por minha causa, pois não foi incômodo algum ter cuidado
de você sábado passado, mas falo por você, acho que você deveria parar no seu
— Eu sei... Quanto mais eu pensava ‘não vou beber’, mais eu bebia, não
faz sentido, não é?
Uma lua grande e amarela clareava a noite, Anna podia ver perfeitamente
cada detalhe do semblante de Jennifer, que ora olhava para o mar, ora olhava
para frente.
— Às vezes... Mas não é culpa sua. Eu não estou acostumada a ter uma
— Uma híbrida? Você está acostumada a ter apenas humanos por perto, é
— Ou?
— É o que, então?
confidencial.
— Uma o quê??
salvo comigo.
— Jennifer, você está falando sério? Não sabe do que estou falando?
Você não é uma Vulpi?
— Mas que raios é isso??
— A terceira espécie.
— Por que você cismou que eu sou isso aí que você tá falando? O que é
um... Vulpi?
Jennifer riu.
— ... E movem objetos com a mente.
sentada na beira do paredão, mas agora totalmente virada para Anna, que
— Não precisa mais disfarçar comigo, quero que saiba que fico feliz em
— Mas eu não sou isso aí! Eu só... Movo coisas... Mas sou uma simples
humana!
— Como assim?
— Ou você era Vulpi, ou não era. Sequer passou pela minha cabeça que
— Meu Deus, eu sou uma Vulpi?? Nem sei o que é, mas estou
apavorada!
— Não fique, isso é uma coisa boa, sua espécie é a mais sensata nesse
— Sim era, mas foi criado por uma família Vulpi, no Brasil, era adotado.
Foi assim que eu e meu irmão ficamos sabendo sobre vocês, meu pai tinha uma
estima enorme pela espécie e pelos pais adotivos, sempre falava tão bem...
Passamos a ter este carinho também.
Por um segundo aquele turbilhão que varria sua mente deu lugar àquelas
palavras: ‘ela tem carinho por mim...’ Mas foi realmente por um segundo apenas,
logo Jennifer voltou a ficar em pânico, sentia-se zonza. Virou-se de frente para o
mar, com as duas pernas balançando sobre o paredão, que naquele local tinha
pouco mais de um metro de altura.
pulsante.
— Hey, olhe para mim, não precisa ter medo de nada, você continua
sendo quem você sempre foi. Eu sei que é difícil de acreditar nisso assim, de
uma vez... Nem eu estou assimilando ainda a ideia, mas aos poucos você vai
entendendo quem você realmente é, e eu vou te ajudar, não sou uma da sua
— E como você tem tanta certeza que isso tudo é verdade? Isso tudo
pode ser apenas lenda.
— Eu não tenho certeza de nada do que foi dito esta noite, mas acho que
você deveria apostar nisso.
Jennifer entrou num silêncio quase catatônico, olhava para o mar, além
Anna, pensativa. Anna saiu da frente de Jennifer e encostou-se ao seu lado, no
muro de pedras atrás de si.
— Desculpe... Eu achava que o único choque que você teria era por eu
ter descoberto sobre você. Deveria ter sido mais sutil, me faltou tato.
determinada.
talvez?
— Tenho, ou tinha... Não sei, nunca mais tive contato com eles. Meus
— Canadá... Montreal.
— Quer arriscar?
— Continuaremos a procurar.
benevolentes como estes, não nos dias de hoje, onde era cada um por si, ou cada
um por sua espécie. Talvez ela se sentisse culpada por ter jogado tamanha bomba
em suas mãos, assim, numa noite que tendia ao quase constrangimento pelas
suas atitudes da semana passada, mas que tomara um rumo tão surreal, e
mudaria muito sua vida como ela conhecia há vinte e dois anos.
— Semana passada?
— É.
Jennifer sentiu o rosto quente, sem saber o que responder.
— Não sei se estamos falando sobre as mesmas coisas. – Anna disse com
cautela.
manhã de sexta-feira, rumo a Montreal. Rumo aos seus parentes. Rumo às suas
origens. Anna levava uma pequena bolsa transpassada em seu ombro, pousando
sobre o tanque da moto. Não poderia se demorar lá, tinha grande demanda de
— Parece que andei a cavalo por três dias a fio. Sem sela! — A viagem
foi dolorosa, como esperado. Jennifer se esticava ao parar em frente a ponte que
ela reconheceu.
Saltaram da moto e Jennifer bateu com vontade à porta, que tinha uma
abertura de vidro. Não demorou para uma velhinha simpática com cabelos gris,
abrir a porta devagar, cautelosa.
— Vó Meredith??
abraço, minha neta! — Meredith era uma senhora rechonchuda, com o cabelo
preso num coque. Um vestido claro com pequenas flores adornava seu quadril
largo. Bochechas sobressalentes e rosadas, como de sua neta.
— Tio Ethan?
— Sim!
— E o vovô...
também era a sala de TV, tinha uma decoração típica das casas mais antigas,
quadros com molduras escuras e grossas, tapetes de franja, móveis antigos.
— Vimos os nomes de seus pais numa lista de vítimas da sua cidade. Nos
disseram que todos haviam morrido num ataque à sua casa, pensamos em ir até a
cidade para ter mais informações, ou quem sabe conseguirmos fazer um funeral,
mas a informação que tivemos é que não haviam corpos, então desistimos.
com sua mãe... Óh, Olivia ficaria tão orgulhosa de uma filha linda como você...
Foi embora tão cedo, coitadinha.
Ficaram em silêncio por alguns instantes. Anna apenas acompanhava a
conversa, sentada numa poltrona um pouco afastada. Sabia que aquele momento
era importante para sua fiel escudeira, deixaria Jennifer o mais à vontade
possível.
sorriso enorme.
quarto de visitas, que tinha algumas pilhas de caixas nos cantos. Duas camas de
solteiro e um pequeno guarda-roupas completavam a decoração.
nisso a semana inteira. Antes de seguir até a poltrona afastada, passou na frente
— Ah não, esqueçam Anna, ela sabe de tudo, na verdade foi ela que
digam a verdade.
— Sim, ninguém me contou, como iria saber? Então é verdade? Sou isso
mesmo?
— Não sei exatamente quando seus pais iriam conversar com você, não
há uma idade padrão, mas tenho certeza que a guerra atrapalhou os planos.
— Então sou uma Vulpi. Isso é tão estranho falado assim, em voz alta. —
manter tudo isso em segredo, um dia quem sabe nossa espécie virá à tona, mas
enquanto isso, é algo que guardamos entre nós, como uma irmandade.
— Uma... Raposa?
— Romeno?
— Sim, não é à toa seu pai ser o que é.. Ou o que foi... E ser escocês.
— Seu pai é descendente dos líderes Vulpis. Temos uma hierarquia, uma
espécie de nobreza. Os nobres são os que nos lideram e governam. São os líderes
dos clãs.
— Clã, raposas, nobres, acho que vou ter uma síncope com tantos termos
toda.
— Seu avô paterno é o líder do clã do sul da Escócia, seu pai, por ser o
— Não sabemos, já tem alguns anos que não temos notícias deles. —
Meredith falou pesarosa.
— Não, não deve ser assim que funciona. — Jennifer ria, nervosa.
Escócia, e viu as duas irmãs de seu pai, além de seus avós. Ela tinha quase doze
anos na época.
bastava ser Vulpi, era uma Vulpi nobre. Mas que raios aquilo significaria?
sala, foi até o quintal. Sentou-se nos degraus que davam acesso ao pátio
ninguém falou nada. Ficaram alguns minutos ali, apenas lado a lado, dividindo
aquele degrau frio, de ombros colados. Olhando vez ou outra para o céu
iniciar um diálogo.
da boca.
— Então essa é a vista que você tinha da ponte. É uma bela vista. —
— O que mudou?
— Eu. Eu acho.
ordem.
a gola do seu próprio casaco. Passou a olhar para frente também. Mas já sentia
que Jennifer baixaria as defesas logo. Apenas esperou.
— Sabe... O que tiver que acontecer, tudo bem, que venha. O que me
assusta é perder o controle da minha vida, até alguns dias atrás eu sabia tudo que
estava acontecendo e era tudo tão previsível... Não que seja legal ter uma vida
avise.
Anna riu.
Anna assentiu com a cabeça. Olhou para o lado e percebeu que os seus
a puxou para próximo de si, um braço a trouxe para junto do seu próprio corpo, o
outro trouxe sua cabeça para baixo do seu queixo. Jennifer se deixou levar e
aninhou-se nela. Tão quente e confortável, como naquela noite fria na casa
abandonada.
Jennifer sentia a mão quente de Anna em seu rosto e tremia ainda mais.
Se antes ela tentava organizar a pilha de novas informações que havia recebido,
agora era como se estivesse num mar e seus pensamentos eram como papéis
sendo recolhidos da superfície. Anna era como uma onda que vinha e bagunçava
tudo ainda mais.
— Você nunca contou para ninguém sobre esse seu... Dom de mover as
coisas?
— Não.
— Só para eles.
— E?
— Tentaram fazer eu acreditar que aquilo era algo comum, que outras
pessoas também faziam aquilo, mas seria melhor eu não contar para ninguém. Se
eu quisesse conversar sobre isso, que o fizesse somente com eles.
— Quando era pequena sim, mas depois, sei lá, depois dos dez anos
Ambas sorriram.
— Qual?
— O Iluminado. Vamos, Jack.
***
apareceu para almoçar com a família, juntamente de sua esposa e suas duas
— Mas não era assim, tinha mais árvores, mais... Tá faltando alguma
coisa.
jogavam basquete.
— Sim... Caí vários tombos deslizando no gelo. Pobre lago.
— Quantos anos você tinha quando seus avós vieram para cá? —
Caminhavam entre algumas árvores.
— Acho que oito. Desde então todo ano vínhamos para cá, para passar o
Natal.
— Até quando?
— Aqui, ou mais ali, bom não lembro, estava escuro... Mas foi aqui que
— Menino ou menina?
— Tudo bem se você quiser ficar... Mesmo. — Anna arrumava sua bolsa,
buscar.
na mão de Jennifer.
— De quem é?
— De que?
— Sei lá, Natal antecipado? Quando quiser voltar, me ligue. Ou mande
uma mensagem. Meu número já está gravado na agenda.
ironia.
— Hum... Não, melhor ficar com você. — Anna vestia suas luvas de
couro. Era final de novembro e a viagem de volta seria bem gelada. Ainda mais
por não ter sua parceira à sua cintura, como um bicho preguiça preso à árvore.
— Me avise quando chegar em casa. Não faça nada que eu não faria, não
se aventure demais nem banque a Mulher Maravilha. E... Obrigada, obrigada por
tudo. — Jennifer tentava disfarçar sua voz embargada.
— Aviso sim. Não se preocupe comigo, aproveite estes dias... E volte
tranquila. Mas volte.
Jennifer encarava aqueles olhos azuis com uma dor que lhe dilacerava
por dentro. Ela sentia que não ficaria apenas uns dias por lá, mas não tinha
coragem de contar à Anna. Quando não pode mais segurar as lágrimas, virou o
rosto, esfregou as costas das mãos nos olhos. Anna titubeou um instante, já havia
calorosamente.
olhar intenso.
***
Os primeiros dias em Montreal foram repletos de longas conversas com
sua avó e seu tio Ethan. Jennifer estava experimentando viver em família
novamente, desde seus quinze anos vivia por si, privada precocemente de um lar
falta de algo, não era a mesma coisa se aventurar em lugares insólitos sem
Jennifer.
algumas noites mais tranquilas, Anna ligava, mesmo sabendo que a ligação teria
má qualidade.
No final de semana seguinte, Jennifer aceitou o convite para sair com sua
porém muito mais descolado que o pub do Oscar. Lá conheceu Susan, uma bela
jovem filha de franceses, que estudava com Carly, e assim como elas, era uma
lembrou do dia que falou sobre isso com Anna, na missão da igreja. — Se ela
estivesse aqui hoje saberia o que é uma amizade colorida na prática. — Riu
sozinha.
Na quarta à noite foi até a praça arborizada que havia levado Anna para
ponto de encontro dos jovens da cidade à noite. Sua cabeça continuava a mil por
lembra?
— Deve ser porque prometi emprestar meu pen drive com MP3s.
— Disfarçou.
— Carly me contou sobre sua amiga, é verdade que ela é uma híbrida?
incomodada.
— Jenny, quer vir comigo comprar mais cerveja? Não vendem bebida
alcoólica para menores de vinte e um anos por aqui, preciso de sua maioridade,
Claro que foi apenas uma desculpa, e assim que saíram da vista do
Logo depois, voltou para casa de sua avó, prometendo a si mesma não
mais ceder às investidas da francesa.
de texto, correu para ler, esperando ser um ‘bom dia’ de Anna, mas era um
convite de Susan.
‘Meus pais vão visitar minha avó hoje, só retornam no domingo, por
acaso você quer aquelas aulas de guitarra hoje à noite? Casa azul, no final da rua
da Carly.’
***
forja o dia inteiro. Desligou a máquina e olhou para um velho relógio de parede,
passava das onze da noite. Enquanto tirava as luvas e o avental de couro, deu
uma olhada no calendário fixado abaixo do relógio, fazia dez dias desde que
voltara do Canadá.
E desde então Jennifer não havia falado em nenhum momento sobre sua
volta aos Estados Unidos, nem uma menção sobre alguma data futura, algum
planejamento, nada. Isso afligia cada dia mais Anna, que sentia sua falta
demasiadamente.
Subiu, tomou um banho demorado e caminhou até sua cama, viu seu
celular em cima do criado mudo, pensou em ligar. O que Jennifer estaria fazendo
numa sexta à noite? Provavelmente saiu com suas primas, concluiu. Deitou-se,
fechou os olhos e suspirou de cansaço. Mas minutos depois levantou-se de
sobressalto, olhou novamente para o aparelho pousado ali do seu lado, hesitou, e
Vou ligar... Mas não vou perguntar quando ela pretende voltar, seria
muito invasivo de minha parte, e talvez ela se sentisse mais pressionada. Vou
ligar e apenas dizer que estou sentindo sua falta, que as missões sem alguém
sentindo sua falta, pirralha, só isso, sem pressão. — Pensava com seus botões.
lado.
— Alô?
— Jennifer?
— Você pode por gentileza dar o recado a ela dizendo que Anna ligou?
— Anna? Olha só Anna, quem tá falando é a namorada dela, faça um
favor para nós, não ligue mais, nem mande mensagens, Jennifer está tentando
tocar a vida dela aqui e você deveria fazer o mesmo com a sua aí. — E desligou.
Anna ficou ainda alguns segundos com o telefone mudo junto ao ouvido,
Uma semana após o telefonema havia se passado, Anna andava pelo seu
profissional, que além de repassar as missões, era uma espécie de guru para ela.
Max sentou no sofá maior, Anna lhe ofereceu uma bebida, mas ele
ergueu o pequeno fardo de cerveja que trouxe consigo, atirando uma lata para
ela.
surpresa.
estou devendo um lote à sua loja, devo te entregar semana que vem. Mas o prazo
não venceu ainda, foi por causa disso que você veio?
— Não, não foi, não tenha pressa com minha encomenda. Só senti sua
falta na loja essa semana, não apareceu para acertar as contas, nem para
conversar, não pegou nenhuma missão, vim ver se não havia morrido de tanto
trabalhar.
Max havia sido um grande amigo de seu pai, também era híbrido,
aparentava uns cinquenta anos, cabelos grisalhos, penteados para trás, tinha
aparência simpática.
— Anna?
Anna girava a lata de cerveja em suas mãos, passou a olhar para baixo.
— Nada.
— Por que?
— Não sei. Desde que chegou lá talvez. Mas não importa, ela escolheu
reconstruir sua vida lá, é um direito dela, se eu tivesse uma família disposta a me
— Ela precisa de um tempo para si, tem pouca idade, pouca experiência
de vida, tenha paciência com ela. E a garota deve ser alguma amizade colorida.
***
habitual: a razão. Sua vida voltava ao normal aos poucos e ela começava a
Iria à um bar que costumava ir, na Cidade Velha, um bairro sombrio e com bares
obscuros, geralmente em velhos prédios. Conversava com o barman, seu amigo
Este era seu ritual quando seus instintos mais primitivos começavam a
incomodar, uma fuga para um bar cheio de pessoas aleatórias e passageiras,
assim como ela. Que terminava em uma noite de sexo intenso com algum
desconhecido. Assim, simples, e seu problema estava resolvido. E foi assim que
***
— Sua amiga não ligou mais? — Meredith perguntou, olhando para sua
neta com pena.
— Ãhn... Não, não tem ligado nem mandado mensagens. Ela ficou
— Por que não a convida para passar o Natal aqui, com a gente? Você
***
esperava obter respostas com o passar do tempo, que as coisas clareassem, mas
continuava numa confusão de ideias, e cada vez mais envolvida com Susan.
de uma amiga, seus pais não estariam em casa naquela noite. E a amiga também
teria companhia.
conversa.
muito para que as roupas voassem e a noite terminasse com sexo carregado de
tesão, mas era só isso que Jennifer encontrava nesses encontros furtivos.
dormia sobre ele. Retirou o braço com toda delicadeza para não acordá-la. Ficou
alguns minutos ali, apenas olhando para a pequena garota, nua ao seu lado na
cama. Sentia algo que não gostava, era incômodo, mas não sabia o que era.
— Não.
— Vó? Tem uma coisa que preciso lhe falar. Vou voltar para casa.
— Eu vou apoiar qualquer decisão sua, minha querida, mas não quer
pensar mais um pouco? Passe o réveillon com a gente.
— Preciso voltar, vó. — Era a única coisa que conseguia falar. A abraçou
Naquela manhã despediu-se de seus tios e primas, por fim de sua avó.
Arrumou suas coisas, guardou um embrulho dentro do casaco azul escuro, pegou
Meredith ficou ainda algum tempo olhando a neta indo embora, voltou
para dentro de casa e chamou seu filho, que estava em seu quarto.
***
— No sul de Connecticut.
— Hoje não, mas às quartas tem um ônibus que passa por essa região.
— Tem algum ônibus hoje que vá pelo menos nesta direção? Depois
— Daqui meia hora tem um que vai para Plattsburgh, a cem quilômetros
daqui, é caminho.
tornando campos e plantações. O sono fazia suas pálpebras pesarem, mas mesmo
assim não conseguia dormir.
— Connecticut?
— Isso.
— Connecticut.
— Te deixo em Albany, depois sigo para o interior, mas você pode pegar
do caminhão.
Ele a deixou num cruzamento de rodovias. ‘Siga sempre para o sul que
Então o que parecia ser sua salvação finalmente surgiu, uma caminhonete
azul parou para ela. Dentro, um caipira de cabelos arruivados e barba do mesmo
tom, com um sorriso aberto.
— Não. Só quero voltar para casa mesmo, estava na casa da minha avó e
cochilo improvisado. Acordou com uma mão áspera percorrendo suas pernas.
Sem entender, olhou para o lado assustada e viu o motorista, agora com um
rispidamente.
— Sei bem o que garotas como você estão procurando, tenho certeza que
esse capacete é só para disfarçar, não é?
— Mas ainda faltam quase cem quilômetros até sua cidade, podemos
— Largue isso, sua vadia! Vai pular com o carro em movimento? Vá,
pule!
maçaneta e saiu correndo, abraçada ao capacete. Virou-se para ter certeza que ele
Parou ofegante quando viu o carro partindo acelerado. Não havia postes
de luz nem casas próximas naquela parte da estrada. Via luzes distantes, que
parecia ser um vilarejo, mas pareciam muito distantes.
Olhou o relógio, era quase nove da noite, dentro de três horas chegaria o
novo ano e definitivamente ela não queria passar o réveillon num acostamento
vez deu uma boa olhada no motorista, um senhor de cabelos grisalhos e pele
escura, com bigode igualmente acinzentado. Resolveu arriscar, e alojou-se no
interior da cabine.
— Deixo você na rodovia, na entrada da sua vila, tudo bem?
agora a pouco.
seu apartamento, o alívio de abrir a porta e ver sua casa, seus móveis, sua cama,
a deixou em êxtase.
e desabou em sua cama, de bruços. O sono viria fácil, pensou. Mas não veio.
— Preciso vê-la.
rápidos, encontrou um táxi minutos depois, que a levou até a casa de Anna.
mas suas extremidades pareciam que iam congelar. Não se permitia pensar
racionalmente, ela sabia que se parasse para ponderar a situação, voltaria
com algum amigo... Com Max talvez. Que idiota que eu sou... — Pensou,
hesitante.
Bateu na porta, sem muita força. Bateu novamente, com mais energia. —
Ela não está... — Mas bateu de novo, não queria acreditar que aquela viagem
havia sido em vão.
— Jennifer??
Anna fechou em seguida a porta por trás delas, se virou para Jennifer e
foi abraçada com todas as forças que a jovem conseguiu reunir, apesar da quase
hipotermia.
mesmo calor.
respiração quente de Anna em seu rosto. Jennifer a fitou com um olhar sofrido,
fechou os olhos e uniu sua testa à testa dela. Sua respiração estava mais ofegante
do que nunca.
Ela bem que tentou resistir, mas por fim encontrou os lábios de Anna.
Anna havia deixado todas as suas defesas caírem por chão, toda sua
racionalidade a qual sempre se orgulhava, não havia resistido àquele olhar que
suplicava alguma coisa, àqueles lábios suaves, àquela língua curiosa. Com as
duas mãos segurava o rosto de Jennifer, como se instintivamente não quisesse
que aquele momento fugisse dela. Ambas estavam entregues. Não era uma
híbrida e uma Vulpi, não eram duas amigas, duas parceiras, era apenas Anna e
Jennifer finalmente juntas, como uma brincadeira do destino.
Capítulo 11 – Senhora racionalidade
— Que bom que você voltou. — Anna disse à meia voz, assim que se
desprenderam.
— Você tem certeza que quer subir? Não está agindo por impulso?
— Não.
distraída.
Jennifer acompanhou as mãos dela abrindo o zíper, por maior que fosse sua
— Acho que sua escova não está aqui em cima. — Anna dizia com uma
pousando sem pressa no banco ao lado. Por incrível que pareça, Jennifer
Com apenas um olhar, Anna pediu permissão para tirar sua camisa
branca de mangas compridas e Jennifer permitiu, logo as mãos quentes
passeavam por seu corpo, algo que a jovem desejou tantas vezes. Não resistiu e a
Anna interrompeu o caminho que fazia com seus lábios, descia pelo
pescoço de Jennifer. Olhou por um instante a cicatriz que ela carregava em seu
ombro direito, aquela que uma gárgula havia feito há quase quatro meses, no dia
naquele ponto. Jennifer a acompanhava com o olhar, sorriu, trouxe o rosto dela
até próximo do seu, e antes que pudesse beijá-la, o barulho de fogos de artifício
as fez olhar pela varanda, encontrando o céu iluminado.
***
Percebeu que ainda estava sem roupas, puxou o cobertor cobrindo seus
seios. Se lembrou da noite que tivera. Que tiveram. Sorriu timidamente, com um
ar bobo. Percorreu novamente o quarto procurando por Anna, mas não a
queria era rever Anna, tocá-la, ter certeza que tudo realmente acontecera. Revê-
la agora seria como reviver por um segundo o que havia sentido naquela noite.
olhou através da sacada o mar lá embaixo, revolto, mas em silêncio dali onde ela
estava.
euforia de enfim vê-la, não reparou no semblante sério que trazia. Terminou de
Mas Anna desviou seu rosto do beijo, fazendo com que ela beijasse sua
face. Jennifer franziu a testa sem entender, ainda mantinha um sorriso, agora
confuso.
— Está... Tudo bem?
Anna apenas assentiu com a cabeça, passou a olhar para suas mãos
enquanto tirava as luvas. Jennifer a olhou por um instante, tentando decifrá-la. A
achou mais linda do que nunca, mesmo vestida de forma simples, com uma
— Carona?
acontecer.
— Que??
pegou seu casaco. Caminhou na direção da porta, quando passava por Anna tirou
um embrulho de couro preto de dentro do casaco e entregou nas mãos dela, com
displicência.
Anna olhou para o embrulho por alguns segundos, o suficiente para que
— Jennifer, espere.
Chegou ao porto, andou até o píer inclinado que era seu refúgio, sentou-
Tirou o casaco, andou com passos preguiçosos até o sofá e ligou a TV.
respondeu e se dirigiu até sua casa, quando ouviu a porta se abrindo à suas
costas.
Entraram e sentaram-se nos sofás, Becca largou sua bolsa e olhou com
curiosidade para Jennifer.
— Quando você chegou?
— Ontem à noite.
— Por que não avisou que estava vindo? Nós te pegaríamos aqui, ou
onde você estivesse, todo mundo iria gostar de te ver.
— Não...
— Não?
— Não.
— Provavelmente sim.
— Anna.
— Mas como... Como ela soube que você havia voltado? Ela esteve
aqui?
— Hoje?
— Sim, caminhei até o porto para organizar minhas ideias, depois vim
— Não me julgue, tá bom? Eu passei a noite lá, com ela... E foi a noite
mais incrível da minha porcaria de vida, mas por algum motivo ela se
Becca foi até o sofá onde ela estava sentada e passou o braço em volta
dos seus ombros.
mas pelo visto foi alguma ilusão idiota que criei na minha cabeça.
uma colegial que foi expulsa da classe pela professora. Uma completa imbecil
— Bem-vinda ao time.
Quando a semana chegou ao fim, Jennifer não aguentava mais olhar para
o capacete em cima de sua mesa, pagou um motoboy para atirar seu capacete
para dentro do terreno da casa de Anna.
***
Ouviu a batida novamente, foi até a porta esperando ser Becca ou Bob.
— Eu realmente não tive muito tato com a situação, e posso ter sido mal
interpretada. — Continuou.
— Você não cometeu nenhum erro, o que eu quero que você entenda é
me auto sabotando o tempo inteiro. Mas não se preocupe, fui eu quem fiz a
merda toda, não foi? Eu que te procurei, você não tem do que se desculpar. —
— Talvez você seja muito nova para entender o que estou fazendo, mas
não quero dificultar as coisas. Você não precisa deste problema na sua vida.
— Achei que eu poderia vir aqui e ter uma conversa de adultos, mas pelo
— Eu dispenso esse teatrinho, tá bom? Mas tudo bem, você está tentando
— Mentindo?
— Esqueça... Eu deveria ter usado meu cérebro para variar, ter pensado
racionalmente. Você estava me dando um gelo há semanas, isso deveria ter sido
o suficiente para a idiota aqui ter ficado dentro de casa, bem longe de você.
estratégia de proteção?
— Bom, isso não é meu problema, você pode voltar para o Canadá e sua
namorada.
— Vai me dizer que não deu pelo menos uma volta naquele bar de sexo
self-service na Cidade Velha? Você me disse que era lá que você afogava as
— Achou que eu não voltaria, não achou? Você não deveria ter
permitido... Ontem... Deveria ter me mandado embora, não depois de...
Antes que se falasse algo mais, alguém bateu na porta e Anna abriu
instintivamente. Era Becca.
Anna.
— Você tá bem?
— Tranquilo.
— Se você magoar a minha amiga eu juro que vou até aquela sua casa
mal-assombrada no meio da noite e faço você engolir todas as lâminas que eu
encontrar. Entendido?
— Não precisa ser assim, eu realmente gostaria de ter você por perto, de
ter sua amizade. — Anna disse com pesar. — Como era antes de você ir para o
Canadá.
— Se você falar que quer um tempo, ou que não quer me ver mais, vou
coisa... Mesmo. Acreditei que não era só eu, achei que você também estava
vendo o que eu via. Mas eu sou uma tapada, interpretei os sinais de forma
— Como sempre.
Jennifer sorriu com sarcasmo.
— Eu sou a impulsiva, mas é você que fala com uma francesa metida,
ouve meia dúzia de sandices e sai dando para a primeira pessoa que aparece.
— Também acho, e não sei o que você ainda faz aqui na minha casa.
completamente de surpresa.
Jennifer apontou a mão para a porta, que se fechou sozinha com força.
Foi a vez dela investir num beijo caloroso em Anna, sendo correspondida.
Capítulo 12 – Amigas da porta para dentro
costas sobre a cama, com Anna surgindo sobre ela. Seus cabelos teimavam em
cair, Jennifer afastou delicadamente para trás da orelha, a fitando. Anna percebeu
que era mais que um simples olhar, era uma pergunta. O gosto da rejeição ainda
estava fresco em sua boca e machucando seu coração. Apesar de nem ela ter
certeza do que estava fazendo, ela sabia que Jennifer esperava uma resposta.
Anna deslizou seus dedos pelo rosto dela, tocando o canto dos seus
lábios.
Jennifer.
vi. — Sussurrou.
deslizando por sua pele, por baixo de sua blusa, acordando cada pedacinho por
conheciam mais, se absorviam. Anna inclinou para trás e ajudou Jennifer a tirar
a blusa, tirou a sua também. A observou nua por um instante, voltou-se para ela.
ouvido.
Jennifer fechou os olhos, subia e descia suas mãos pelas costas de Anna,
que deslizava a sua até a cintura, subindo e aninhando seu seio em sua mão. Ela
já havia sentido seu toque antes, mas havia sido numa confusão de sentimentos e
sensações, desta vez Jennifer estava com os sentidos aguçados, sua pele se
Abriu a calça jeans dela e a tirou sem dificuldade, voltou a ficar sobre o
contornou chegando entre elas. Jennifer sentia a mão quente dela, um toque tão
por fim soltou a respiração. Anna deitou ao lado do seu rosto, em seus cabelos,
entrelaçadas.
***
do lado de fora. Olhou para a janela, cerrou os olhos por causa da claridade que
entrava pelas frestas. Fechou os olhos novamente, sonolenta. Como num filme
Pegou o celular ao lado da cama, passavam alguns minutos das nove da manhã.
Fechou novamente os olhos, colocando o braço por cima deles com um suspiro
pesado.
— Bom dia.
Jennifer.
responder.
Anna inclinou-se sobre ela e a beijou nos lábios, com a mão em seu
rosto.
— Muito engraçado. Pois é... Furei com eles ontem, depois preciso
— Posso explicar à Becca, mas temo que eu volte sem um fígado, ou sem
um rim.
— Só um pouquinho.
— Que mentira.
— Tome, beba antes que esfrie. — Anna disse lhe entregando a caneca
de café.
Achei que a melhor forma seria sair da sua vida. Mas eu não consigo.
lado?
— De mim. Ninguém quer uma híbrida à tiracolo, você viu, você sabe
que nunca somos bem-vindos em lugar algum, você quer isso para sua vida, por
tabela? Você não sabe no que está se metendo, não faz ideia.
— Eu faço.
— Não faz... Você mesma me disse que o único contato que teve com um
híbrido foi na escola, você não tem a menor ideia do que é fazer parte do meu
mundo.
— Como?
— Não é... Mas não quero falar sobre isso, tudo bem?
Anna percebeu que era algo que a deixava desconfortável e não insistiu
no assunto. Ainda segurando a mão dela, a levou até os lábios e beijou,
demoradamente.
dispensada.
segundos.
— Esse está tragável. Obrigada pelo café. E obrigada por ter encontrado
ano passado.
Riram.
— Bom, então você andou mesmo pelo vale do sexo fácil? — Jennifer
perguntou irônica.
— E tem outros?
— Só me responda isso.
— Manda.
— Foi homem.
deitava para dormir, sonhava acordada que um dia você estaria naquela cama
comigo.
Beijou seu pescoço, depois deu um beijo em seus lábios sem pressa.
— A vontade.
— Você move coisas com a mente, mas apontou a mão para porta quando
a fechou ontem?
— É eu sei, não faz sentido, mas eu vi num filme e achei legal. — Falou
rindo.
***
percebeu sorrindo sozinha, feliz por ter se permitido e mais feliz ainda por se dar
conta que o sentimento era retribuído. Tocou no capacete negro com um adesivo
Por um instante não soube onde colocar as mãos. Anna percebeu a hesitação e
— O que?
— É.
que Becca a apresentasse também. Teve uma sensação estranha com relação ao
garoto, mas não deu atenção àquilo no momento. Jim era um típico garoto de
— Eu tentei.
Elas haviam engatado uma conversa sobre as missões que Anna havia
cumprido na ausência de sua parceira.
— Você iria sair correndo se visse o tamanho dos caras, achei que ia
levar uma surra.
— E apanhou?
— Não mais que eles. — Anna falou de forma convencida.
— Você não estaria lá, é o tipo se serviço que eu nem pensaria em levar
você.
— E não vai?
— Só nas mais fáceis. Ou que parecerem fáceis, porque tem umas que
— Vem cá, baby! Quero ter certeza que você está de volta!
— Becca me disse que você havia ido para Montreal sem previsão de
retorno, e eu juro para você, por pouco não arrumei minha mochila e fui te
— Basicamente sim.
Alice parou por um instante e apenas a olhou com um sorriso nos lábios.
sentindo, vou lá buscar uns chopes para nós, já volto. — Alice deu um selinho
nela e partiu para o bar.
seu ouvido.
— O que sugere?
— Você está ciente que lá em cima é aberto, venta e faz frio, não está?
— Totalmente ciente.
direção do parapeito.
Assim que terminou a frase olhou para baixo do prédio, o vento agitava
parte do seu cabelo. Sentiu Anna pegando a sua mão, olhou rapidamente para as
mãos entrelaçadas e logo em seguida para Anna, que retribuiu com um olhar
tenro.
apenas, lábios encaixados nos lábios, mas era como se estivessem degustando o
— Por que?
— Código azul?
ritmo, e caprichos, e grilos, e peculiaridades... E é isso que faz valer a pena estar
do seu lado, são todos esses detalhes que te torna deliciosamente interessante.
— Tem problema não, acho que não vou mais beber, não estou me
— O que aconteceu?
— Quer que eu busque uma água para você? Ou arranje algum remédio?
— Anna falou, solícita. Alice ergueu a cabeça e olhou curiosa para Anna.
— Não, não... Já vai passar, deve ser alguma indisposição. Mas acho que
quero uma água, sim.
Anna voltou com a água, e antes que abrisse a garrafa Jennifer saiu a
passos rápidos para o banheiro.
na porta.
— Espera.
— Não.
Abriu a cabine e foi até a pia, pálida como uma parede branca, mas com
— Cerveja vencida?
— Por favor.
velocidade. Seguiam pela rodovia quando Anna resolveu não fazer o caminho
para o apartamento de Jennifer, ao invés disso entrou na estrada que dava para
sua casa.
— Ainda bem que tomei café na sua casa, e não cerveja. — Anna falou,
entregando uma toalha.
— Vá, vá brincando.
— Quero sim.
— Sinta-se em casa.
***
Será que um dia se acostumaria com aquilo? Mas acordar e procurar por Anna
estava se tornando uma rotina.
— Será que um dia vou dormir ao lado dessa mulher e acordar ao lado
Olhou para o lado e viu através das portas de vidro da sacada a chuva
caindo torrencialmente, não via o mar dali. Levantou-se, ajeitou o roupão, a
chuva a hipnotizava, abriu uma folha da porta e adentrou a sacada, que estava
com as vidraças fechadas. Encostou a testa no vidro, observou o mar revolto.
Um mar azul esverdeado com as espumas brancas formadas pelas ondas altas.
Surgiram memórias da infância, das vezes que ia até a praia com seus
pais, uma praia de mar calmo e águas frias não muito longe dali. — Água no
umbigo sinal de perigo, volte. — Sua mãe dizia. Seus pais. O que achariam da
Jennifer que ela havia se tornado? O que achariam de Anna? Como revelariam
mãos, e contariam que ela era de uma espécie diferente? Precisou de vinte e dois
anos para que uma estranha descobrisse quem ela realmente era.
Foi o destino. Anna era um acaso em sua vida. Ou nada foi aleatório, ela
Não ouviu os passos. Sequer ouviu a porta de vidro deslizando. Mas percebeu
com todos os seus sentidos duas mãos percorrendo seu corpo, seu abdome, seu
ventre. Fechou os olhos, Anna tinha esse efeito sobre ela, seu toque era como um
feitiço, seus poros se arrepiavam dos pés à cabeça.
— Mas eu sim.
— Não. Nas outras duas noites você também teve um sono não muito
tranquilo.
— Gostou?
— Obrigada.
— Um pouco.
***
um lugar amplo, com móveis antigos, havia espátulas e afins pendurados num
armário preso no alto.
— O quê?
meu.
— Todas.
Anna trouxe o café e sentou-se também à mesa.
— Ãhn?
como funcionava, eles me explicaram que era algo natural, que todos nasciam
com esse ‘faro’, mas que as pessoas iam apurando com o tempo e com a prática.
— É... Eles me disseram que não tem como explicar direito como
funciona, é como uma sensação diferente, você sente algo, não ruim, apenas uma
energia, sei lá.
— Você vai ter bastante tempo para praticar, você acabou de nascer nesse
mundo.
— Bom, não tenho esse dom, então só posso ajudar perguntando a ele,
acho que estou ficando boa nisso, em tirar Vulpis do armário. — Brincou.
— Mas minha vó também falou que nós costumamos nos relacionar com
outros de nossa espécie, como uma forma de autopreservação, você sabia disso?
descendentes.
— Como assim?
humana, se ele tem um filho com um Titan, ele será apenas Titan, e se tiver com
um híbrido, ele terá características humanas e Titans, assim como eu.
espécie.
— Rá-rá.
ao seu lado.
— Ãhn... Bom, não tenho dinheiro aqui, mas posso trazer algo amanhã.
— Que boba, você... Você sabe que não estou nessa pelo dinheiro. O
pagamento que eu gostaria de ter hoje é a sua companhia, se você assim quiser.
americana e a sala.
— Quer comer algo? Já tá meio tarde, mas posso preparar alguma coisa.
— Jennifer a perguntou, tirando a jaqueta.
— Já está meio cedo, você quer dizer né? O dia vai nascer em uma hora.
— Posso fazer sanduíches. Comprei aquele presunto cru que você gosta.
— Eu gosto sim.
Jennifer sorriu.
— Que cara?
novo.
se para ela, se aproximou devagar e a beijou. Jennifer subiu as mãos pelos seus
A conduziu até a parede, fazendo com que Anna ficasse com as costas na
mesma.
Sem muita cerimônia, deslizou sua mão para entre as pernas dela, que
estava totalmente absorta pelo momento. Ali de pé na cozinha sem dizer palavra
la. Apesar de todas as reservas que Anna mantinha por natureza, lá estava
Jennifer sempre tentando roubar-lhe um beijo.
Até que Anna não conseguiu mais sustentar o beijo, Jennifer apenas
continuava beijando seu pescoço. Era ela quem a conduzia até o esperado êxtase,
observando a respiração agora intensa de Anna, intercalados com gemidos
***
— E saímos.
— Foram no Oscar?
— Como assim?
— Ele é um amor, mas parece não querer nada sério. Já estamos saindo
há quase dois meses e não sinto que temos algo de verdade.
— Ontem ele... Sei lá... Deu a entender que não quer compromisso. Não
falou com todas as palavras...
compromisso.
— Você sabe alguma coisa que eu não sei? Jennifer, você viu Jim com
— Claro que não, não sei nada além do que você sabe.
Jennifer estava praticando os conselhos que Anna havia lhe dado, sobre
mentir ou omitir informações para alguém, para que ela não colocasse em risco
sua origem. Tentava manter o mesmo tom de voz, evitar rodeios e manter as
mãos paradas. Era seu primeiro teste.
— Mas isso me deixa insegura, sabe? Ele não parece estar tão envolvido
quanto eu.
— Olha... Sinceramente acho que você não deveria pressioná-lo, ele está
a fim de você, já percebi, então mais cedo ou mais tarde vocês estarão
oficialmente namorando.
— Quantos anos?
— Dezenove.
— Ele deve estar inseguro também. Relaxe, baby, ele me parece um bom
Anna, que estava iniciando um cochilo despertou quando ouviu seu nome
do outro lado da porta. Mesmo sem a intenção, acabou ouvindo o restante da
conversa.
— Não. O que temos não tem nome, só sei que eu gosto disso. — Sorriu
— Eu não falo essas coisas para você se sentir mal... Só tenho medo que
você sofra de novo. O que você passou naquela época só eu e Bob sabemos.
— É, eu sei... Mas a vida segue. Estou tão feliz em ter a Anna comigo.
— Você acha que foi coincidência, então? Você novamente às voltas com
uma híbrida?
— Eu acho... Até porque Anna não tem nada a ver com Helen, a não ser
o fato de ser o que elas são, mas elas são tão diferentes.
Anna já havia ouvido aquele nome antes: Helen. Mas talvez preferisse
não ter ouvido essa conversa. Perdeu o sono, levantou e foi tomar um banho.
Tirou o roupão e entrou, deu um beijo e ficou frente a frente com Anna, a
envolveu pela cintura entrelaçando seus braços.
— O que houve?
— É... Acho que o garoto é Vulpi, mesmo... Falou ontem para ela que
— Becca deve ser a primeira humana com quem se envolve, deve estar
inseguro.
— Ele está experimentando. Mas acho que daqui alguns anos vai acabar
se casando com uma bela Vulpi bem alimentada do mesmo clã que ele, filha de
amigos da família.
— Talvez.
— Ah é?
— Uhum. Vou me casar com um belo Vulpi do meu clã, bem alimentado
e rechonchudo, com uma barriguinha de cerveja e bacon, uma caminhonete
vermelha, dois cães labradores e que não perde um jogo dos Tigers na TV.
— Casar com um cara, ter uma casinha amarela com cerca branca, essas
— Lembro sim.
— Eu também não.
— Que correspondência?
Jennifer virou-se na direção dela. Anna levou os dois cafés e a carta até o
sofá, sentando-se no braço do mesmo, e lhe entregou a carta de envelope branco
e cheia de selos.
arregalou os olhos.
— Foi a vó Meredith, foi ela quem mandou uma carta para ele, depois
que fomos visitá-la ano passado.
— ...Sua avó não sabia como entrar em contato conosco e então resolveu
arriscar enviando uma carta para um antigo endereço que ela tinha anotado há
muitos anos, que por sorte não mudou, continuamos no mesmo lugar onde você
nos visitava e brincava de tiro ao alvo com seu estilingue nas pobres maçãs do
pomar...
brincadeira.
— Vá, continue.
bem, parece que recebemos a mesma informação que sua avó na época, sobre
nessa época, eu faço ela engolir seus próprios dentes! — Jennifer comentou.
— ...Eu, sua tia Melanie, sua prima Caroline, seu primo Adam, sua tia
Emma e seu primo Hugh, todos nós adoraríamos poder rever você o mais breve
possível...
preparar aqui no interior de Glasgow, seria uma grande alegria ter vocês conosco
neste dia festivo...
— Sua vó nos contou na carta que você acabou de descobrir sobre quem
verdadeiramente é, espero que já tenha aprendido a se transformar numa raposa
nas noites de lua cheia. Ok, esta última parte era só para assustar você mesmo...
mão no rosto.
— Ana com um N só, mas deve ser você. — Jennifer falou tocando na
perna de Anna.
— ...Que sua avó mencionou ser a responsável por você ter descoberto
que vocês participem da festa do nosso feriado, no mês que vem. Se não
puderem vir na data nós entenderemos perfeitamente, mas seria maravilhoso ter
minha netinha aqui conosco o mais breve possível, se for necessário troque a
data das passagens, mas venham.
Jennifer pegou o envelope que havia deixado ao seu lado e constatou que
— Não vejo a hora de poder enxergar com meus próprios olhos a bela
garota que minha neta se tornou, que sua avó Meredith descreveu cheia de
elogios e muito carinho. Te esperamos de braços abertos e ainda com bastante
— Não acredito! Meu avô está vivo, e me quer lá! Isso é demais!
— Em um dia não tenho família, não tenho nada, e de repente tenho uma
família no Canadá e outra na Escócia, todas receptivas e... Caramba, meu avô,
— Sua avó Meredith teve uma sacada e tanto escrevendo essa carta.
— E ela não comentou nada da segunda vez que eu estive lá! Que
Jennifer sorriu.
— Porque eles devem achar que também sou Vulpi, imagina a cara deles
quando virem que sou uma híbrida?
— Ah, Anna, vamos mesmo assim, vai ser divertido, eu prometo que
— Você não vai fazer essa desfeita com meu vovozinho, vai?
— Primeiro vamos tentar nos informar com sua avó se ela avisou quem
eu realmente sou, ok?
olhada rápida na carta novamente. Ainda sorrindo, fitou Anna, que desceu do
— Qual delas?
— Por exemplo?
— Já fui sua invasora, sua refém, sua paciente, sua médica, sua aprendiz
e sua mestra. Hey, não ria. Já fui sua parceira no crime, sua sócia, sua motorista,
— Tipo?
Jennifer sorriu.
colo, de frente para ela. Anna colocou suas mãos por trás de sua cintura e a
puxou para próximo de si.
— Mas?
faz cafuné até dormir, quem em sã consciência não vai querer namorar com
você? Ah, já mencionei que você é a garota mais linda que eu conheço?
Anna subiu suas mãos pelas costas de Jennifer e a trouxe para um beijo.
Jennifer colocou suas mãos em seu rosto e retribuiu, era o primeiro beijo em sua
namorada.
Capítulo 15 – Um tiro no escuro
Era oficial, e elas pareciam sentir que algo havia mudado, a conexão
estava lotada àquela hora. A calçada em frente daquele prédio antigo estava
incrivelmente bonita naquela noite, e seu sorriso a deixava iluminada. Desde que
público.
Mesmo sendo algo que de certo modo frustrava Jennifer, ela nunca havia
comentado nada a respeito, mas às vezes essa frustração ficava evidente. Quando
se via tendo que policiar suas atitudes e pequenos gestos em público, deixava
Sem olhar para Jennifer, Anna pegou a sua mão e começaram a caminhar
— O difícil não foi conseguir a mesa, foi guardar os lugares para vocês
percebeu que Jim a olhava, relanceando novamente os olhos se deu conta que ele
olhava seu cordão com o medalhão, que estava exposto naquele momento. Foi o
bastante para despertar a curiosidade dela.
— Claro.
— Por quê?
— Quero um minuto a sós com Jim.
Jennifer olhou discretamente para Becca e esperou que ela levasse sua
caneca até a boca. Quando foi beber seu chope, a caneca entornou mais do que
— Olá, meu caro duende irlandês. — Jennifer puxou conversa com Jim.
— Não sei do que você está falando. — Jennifer respondeu com cinismo.
— Glasgow ou Edimburgo?
— Glasgow. E você?
Edimburgo.
— O que anda fazendo no novo mundo?
— Meu pai foi transferido para cá esse ano. E você pelo sotaque já está
aqui há um bom tempo, não?
— Eu ia te perguntar isso.
— Ainda não.
— Não?
— Becca é como uma irmã para mim. Temos essa coisa de cuidar uma da
outra, sabe? Então... Seja um bom garoto.
— Senão mando minha garota ter uma conversinha com você. E ela é
bem forte.
— Mas funcionou.
— E das namoradas.
polegar. Jennifer ficou esperando o próximo movimento dela, e assim que Anna
resolveu investir em sua direção, Becca interrompeu.
— Claro, tome.
Era quase três da manhã quando toda a turma resolveu ir embora, alguns
percebeu que alguém mexia na moto de Anna, que estava há algumas dezenas de
metros dali.
Jennifer começou a dar alguns passos lentos na direção dele. Quando viu
que ele montara na moto e tentava dar a partida saiu correndo em disparada.
Toda a ação havia levado poucos segundos, mas Anna parecia ter
assistido tudo em câmera lenta.
fugindo a pé. Numa reação quase que automática ela sacou uma adaga de dentro
caiu inerte.
mãos em seu rosto e virou um pouco para ver melhor o ferimento. Olhou de
perto, franzindo a testa. Becca abaixou-se também ao lado, e logo outras pessoas
— Bob! Bob! Traga seu carro aqui! — Anna bradou levantando a cabeça.
— Vou tentar, mas não dá para exigir muito desse carro velho.
O sangue já manchara boa parte da blusa azul que Anna vestia por baixo
por um instante.
— Está sim. — Anna nem precisava olhar para ter esta certeza, podia
não havia esboçado nenhuma reação, mantinha cabeça, pernas e braços caídos
enquanto Anna a carregava para dentro do hospital.
uma recepcionista com uma cara pouco amistosa atrás do balcão alto e meia
voltou e arrastou uma maca que estava no corredor até elas, Anna a repousou
— Arma de fogo?
— Sim. Um tiro à queima roupa, não sei o quanto de raspão foi. — Anna
respondeu.
Entraram numa sala onde havia uma dezena de camas articuladas, todas
ocupadas e com biombos brancos as separando umas das outras. Assim que
adentraram o recinto outro enfermeiro, aparentando ser mais velho e algum tipo
de superior no local se aproximou e debruçou-se sobre Jennifer, a examinando.
— Não temos nenhum médico disponível agora. Vou pedir para fazerem
uma limpeza no ferimento enquanto ela aguarda atendimento, é o máximo que
podemos fazer.
— Você está me dizendo que nada vai acontecer, enquanto ela pode estar
com uma concussão ou algum edema cerebral, e vai ficar por isso mesmo?
Até aquele momento Anna havia tentado manter a calma, mas enfim
raivoso, empurrando Becca para o lado. Segurou o homem pelo colarinho do seu
— Você acha que eu vou ficar aqui olhando ela morrer?? Você vai
tanto embaraçada.
— Ela vai ficar bem. Aparentemente não foi nada grave, a sala de espera
é logo ali atrás, assim que terminarmos venho conversar com vocês, ok?
— Venha, vamos nos sentar lá. — Becca puxou Anna pelo braço.
A sala de espera não era muito grande, além das cadeiras azuis já
surradas, havia um bebedouro e janelões que davam para a rua, ainda negra com
a noite.
Sentaram em silêncio por um minuto, até Bob levantar para ir beber
água.
— Sua roupa está bem suja de sangue. — Bob falou quando voltava para
— O quê?
— Paciência.
casaco por cima da regata preta que usava por baixo da blusa.
— Apenas odeio.
Poucas palavras foram trocadas, o cansaço e sono eram grandes e
aumentavam à medida que a madrugada seguia.
para trás, mas Anna mantinha-se tensa, sentada com as mãos entrelaçadas em
— Que?
— Ela teve um traumatismo craniano leve, por isso tem que ficar pelo
— Ela foi para o quarto agora, vou levá-los até lá. Mas façam silêncio, eu
não poderia permitir três visitas ao mesmo tempo, então já sabem, bico fechado.
Logo que entraram foram até o lado da cama onde Jennifer estava, ela
tinha uma bandana de ataduras rodeando sua cabeça, cobrindo sua testa quase
por completo, e um tubo fino de oxigênio em seu nariz. O quarto era pequeno e
tenha uma perda permanente, que a audição não volte a ser como era antes no
ouvido esquerdo, pois identificamos células ciliadas bastante lesionadas através
da ressonância.
Anna olhou entristecida para Jennifer e virou-se novamente ao médico.
A permanência deles não durou muito, logo uma enfermeira foi até o
— Tá bom, eu tenho que trabalhar e nossa amiga não vai acordar até a
tarde mesmo. Eu volto assim que for possível. — Becca falou, já indo se
despedir de Jennifer.
— Ok, então, vou levar Becca no trabalho e voltamos a tarde. Você tem
meu número, não tem?
que estava comigo contando piadas há algumas horas... Eu sei que você queria
um beijo essa noite, não era uma noite qualquer, e eu não te dei... Eu deveria ter
dado todos os beijos do mundo. Apenas acorde. — Anna lutava para segurar as
deu um beijo suave, depois pousou seu rosto na mão dela. Fechou os olhos com
força, abriu e ficou por um tempo correndo seus dedos no braço dela.
— Anna?
Mas Anna percebeu que havia algo errado. Jennifer corria os olhos pelo
quarto, mesmo que entreabertos com dificuldade, sem focar em nenhum lugar.
— Anna?
— Sim?
— Por que as luzes estão apagadas? — Mantinha sua fala num tom
suave, calmo.
ela.
— Claro, não vou sair do seu lado nem por um minuto, ok? —
Respondeu pegando a mão dela e a colocando espalmada em sua face.
convencer.
— E você é...
— Ela estava bem sonolenta, mas eu percebi que ela não estava
— Não. Amiga.
— Ótimo, então caso ela acorde de novo a tranquilize, ela pode ficar
assustada por causa da cegueira. Faça contato físico e fale num tom de voz bem
— Ué, não vai me dizer que ela fugiu? — Bob perguntou confuso.
— Já acordou?
— Não! Deve ser algo momentâneo. Vamos saber mais depois dos
exames.
— Tomara.
desacordada.
Informou o enfermeiro.
no pub esta noite! Como eu ia adivinhar que um marginal iria tentar algo ali?
— Você não é tão forte e tão ágil? Deveria ter corrido quando viu
direção dela.
— No final...
Dr. Phil entrou a passos rápidos no quarto e foi logo falando sobre o
resultado do exame.
Brincou.
— Anna, por que não vai para casa descansar um pouco? Dormir, tomar
um banho. — Bob sugeriu logo após uma enfermeira reclamar da quantidade de
pessoas no quarto.
Anna hesitou. Jennifer tateou a cama procurando pela mão de Anna, que
prontamente a segurou.
— Eu estou ótima, não posso ver, mas você deve estar pior que eu.
— Eu busco você mais tarde, daí você passa a noite aqui, combinado? —
Bob insistiu.
***
No final da tarde do dia seguinte Jennifer teve alta. Após passar por mais
Anna, que a ajudava a se vestir com as roupas que Becca havia trazido.
— É toda sua.
— Não, o quê?
— Eu já decorei o caminho.
roupão negro com detalhes brancos. Sentou-se na beira da cama, ao seu lado.
— Não, claro que não. Mas um pouco mais de juízo faria bem.
contive.
— Dei azar.
— Achei você.
Não demorou muito para que ambas caíssem no sono, Jennifer embalada
— Hey, Jennifer, está tudo bem. — Pegou na mão dela, que se assustou
— Onde estou??
— Eu vou ficar.
— Eu não te vejo.
E a viu adormecer.
***
— Voltou a enxergar?
Jennifer balançou a cabeça positivamente.
— Como se sente?
— I can see clearly now the rain is gone… — Jennifer cantou. — Santo
Cristo, como estou tonta... — Completou.
***
acabamento de uma adaga, sentada numa velha cadeira de madeira escura, tinha
dela.
— Você é canhota.
— Percebeu agora?
— Não. — Sorriu nostálgica. — Percebi quando você matou a primeira
gárgula.
— Sim.
— Desde o início.
— Você estava com uma blusa preta... Não sei que material era aquele,
poliéster, lã, não sei... Mas tinha uns detalhes em couro preto, umas tiras, mas só
você parou, olhou séria pra mim... Deve ter pensado: ‘acho que essa pirralha não
vai aguentar’, eu lembro, eu lembro de quase tudo. Então você pegou a minha a
mão. Não sei se falou algo, nem se eu falei algo, porque eu estava embriagada de
febre.
— O quê?
— Falou.
— Que maldade. Eu posso ser útil algum dia. Se fosse você que tivesse
— Se você se ferir pra valer, o que eu faço? Eu ainda não achei diploma
de medicina para vender no porto.
ele.
— Mas se for algo bem cabuloso, você estiver com as tripas ou o cérebro
saindo de você, vou precisar te levar no hospital.
Jennifer riu.
Anna parou o que eu estava fazendo e olhou Jennifer nos olhos por um
instante.
para os híbridos.
— Por algum tempo houve uma verdadeira caça às bruxas, muitos de nós
— Sério? Que coisa de filme de terror. Mas hoje em dia não é mais
assim, é?
— Nos anos setenta houve uma espécie de lei ou acordo, sei lá... Que
proibiu o uso de sangue híbrido em qualquer humano, passou a ser crime coletar
ou injetar o nosso sangue. Ao mesmo tempo os híbridos criaram uma espécie de
regra de conduta entre nós, para que qualquer híbrido que doasse seu sangue,
— Não sei exatamente o que fazem hoje em dia. Mas sei que seria
deserdada da minha subespécie, e teria alguma represália, algum castigo talvez.
— E sei que hoje em dia ainda roubam sangue de híbridos, numa espécie
— Nada de hospitais.
Anna voltou a olhar o objeto na sua mão.
Anna sorriu.
— Pequeno Castor.
— Ah, fala sério!
— Você não queria que eu colocasse seu nome real nela, não é? Vai que
você a perde numa cena de crime e pronto.
— Hum, entendi.
acha?
— Ou Karatê Kid.
***
— Oscar.
— Do pub?
— Não lembro como terminou. Aquele babaca deve ter fugido assustado
com o que fez.
— Ele morreu.
— Foi você?
— De Titans?
— Bom, um a menos.
— Nem sempre.
— Como assim?
— Às vezes eu até te ouço, mas não faço o que você diz. — Sorriu.
— Não falo disso. Mas não deixa de ser uma verdade, você deveria me
— Sinto muito.
— Que maravilha.
concha, à orelha.
***
Sentou na cama e constatou que Anna não estava por ali, viu que já era
pernas pra fora da cama, permanecendo sentada, sem muita energia. Olhou os
— Foda-se, vou tomar todos agora. — Pegou o copo d’água que estava
ao seu lado e tomou os quatro tipos de remédios que havia ali em cima.
sinal de Anna também por lá. Caminhou com preguiça até a geladeira e viu um
bilhete em cima da mesa.
— Fui ao centro, vou demorar. — Estava escrito num pedaço de papel.
— Não foi ela quem escreveu isso! — Após falar ficou boquiaberta.
Subiu as escadas correndo, calçou suas botas, vestiu uma jaqueta preta
por cima da camisa de flanela xadrez azul e preta, e voltou até a cozinha. Olhou
porta de correr que dava para a rua e colocou a moto para fora.
Dirigiu até a saída que dava para a rodovia, parou a moto com uma roda
— Ok, mas onde vamos procurar por sua mãe? — Falou dando tapinhas
no tanque da moto.
— Não, eu sei o que aconteceu com a sua cabeça, pergunto sobre você
entrar assim afobada aqui na loja.
— Anna sumiu.
Conduziu Jennifer pelo ombro até uma espécie de porão, que era o
escritório dele.
ele?
— Não sei, ela simplesmente sumiu! Ela me acorda às oito para me dar
os remédios, e hoje ela não me acordou. Ela sempre faz café e deixa na cafeteira
para mim, porque ela sabe que eu adoro o café dela, e não tinha nenhum café na
cozinha! E o bilhete! Tinha um bilhete dizendo que havia ido ao Centro, mas a
moto dela estava lá!
— Não, ela nunca sai sem falar comigo. Isso tá muito estranho, Max,
alguém sequestrou ela.
— Como eu vou saber? Não sei se ela tem inimigos. Talvez alguém de
— Algo recente?
— Era! Oscar lá do pub disse que ele era de uma dessas novas gangues,
— Todo mundo sabe que foi ela quem matou ele, eles podem ter a
— Eu não sei, primeiro temos que saber qual gangue era. Você não tem
ideia?
— Não faço a menor ideia. Espera, esse pessoal costuma se tatuar com
símbolos não?
tatuagem?
desgraçado.
— O que era?
— Era algo vermelho... Tipo uma cruz. Que droga não lembro
exatamente o que era, foi rápido demais. Você sabe de alguma gangue cujo
símbolo seja uma cruz vermelha?
— Não conheço não. Mas conheço quem possa ter essa informação.
— Quem?
— Um amigo meu, Hank, que era de uma gangue, ele agora tem uma loja
e vende armas brancas, ainda atende às gangues.
— Já estive na Cidade Velha. E não vai ser um bairro feio que vai me
barrar, né?
— Ok, é uma loja dentro da galeria Archer, não lembro o nome da loja,
— Você é o Hank?
— Eu machuquei. Olha, você é o Hank? Foi Max que falou para eu vir
polícia, é?
piscadela.
da região de Black Rock sequestrou uma amiga minha, e preciso negociar com
eles, mas não sei qual é a gangue, não sei nada sobre eles.
vi direito.
— Sim, deve ser a cruz de malta, tem uma gangue de latinos que usam.
— Que gangue?
— Os reis latinos.
— Acho que eles são da parte alta do bairro, é coisa nova, pouca gente
ainda, nem devem ter um QG.
— E se eu pagar?
Hank riu.
— Obrigada, Hank, se der tudo certo prometo que um dia venho aqui te
agradecer.
— E eu adoraria ter você aqui, quem sabe podemos sair para tomar uma
cerveja?
de moto.
Mudou de direção e foi até o trabalho de Bob, uma serralheria. Foi até a
— Anna sumiu, é por isso que preciso da sua ajuda. Eu acho que sei onde
ela está, mas não quero ir para lá sozinha de moto.
carro.
— Claro que não, Bob, só se eu quiser esperar até o ano que vem.
— Bob, se você não puder tudo bem, só não posso ficar aqui perdendo
tempo.
— Eu vou sim, mas me prometa que não vai tentar nada arriscado.
— Ah... Não. Espera. Ai, ai, ai, espera, pronto. — Ajeitou sua bandana
de curativos na cabeça e prendeu o capacete no banco da moto.
Chegaram na região mais alta do bairro Black Rock, onde só haviam
casas, a maioria casas simples. Bob trafegava em baixa velocidade contornando
— Eles não devem ter QG, então devem se reunir na casa do líder.
— Lá, veja! Tem duas senhoras caminhando, talvez elas saibam onde
mora o Alejandro.
— O líder?
endereço que ele me deu não está correto, vocês poderiam me ajudar?
— Agora eu vou entrar. E você fique aqui, pronto para fugirmos, se for
preciso.
atento.
— Não quero perder mais tempo. Olha, se eu não voltar em uma hora,
peça ajuda.
— Jennifer...
— Combinado?
Nos fundos havia uma porta de alumínio, trancada. Jennifer subiu e deu
uma olhada para dentro do terreiro. Não viu ninguém e pulou, caindo no
Caminhou agachada até a parede da casa, olhou ao redor, viu que nos
fundos havia uma edícula da mesma cor da casa, com duas portas e duas janelas.
Andou até a quina da casa e deu uma espiadela, havia uma área aberta do lado,
— Quem?
— A irmã da Monica.
Riram.
Sentiu uma raiva descomunal subindo pelo corpo, junto com uma onda
redor e viu algumas latas de tinta em cima de uma prateleira do lado de fora da
edícula, numa região onde também era visível para os três elementos. Apontou o
— Caia... — Sussurrou.
podia ver porque ela havia se abaixado atrás de um tanque de concreto anexo à
casa.
Fez a lata se mover pelo chão na direção dela, e o homem moreno com
um bigode fino foi atrás da lata.
Assim que ele se aproximou e saiu do campo de visão dos outros dois,
ela saiu detrás do tanque e atirou nele, usando a arma com silenciador. Errou o
primeiro tiro e ele veio para cima dela, mas o segundo foi certeiro na cabeça.
Voltou para seu esconderijo temporário e continuou esperando.
arma, fechou os olhos, titubeou um instante, saiu detrás da parede e foi correndo
quatro tiros ainda caminhando em sua direção, e assim foi-se mais um. Ou
menos um desgraçado, como ela preferia pensar.
Olhou ao redor e foi até o corpo dele, que jazia na cadeira com a cabeça
caída para trás. Certificou-se que estava morto. O observou por alguns segundos,
com nojo, sentiu vontade de vomitar quando pensou que algum desses caras
poderiam ter tocado em Anna.
Com passos lentos deu uma olhada na frente da casa, um jardim bem
cuidado e cascalhos. Não havia ninguém.
— Meu Deus, onde você está, Anna... O que eu faço agora? — Pensava,
com aflição.
Deu uma olhada através da janela da frente, para o interior da casa. Era
— Não existe reino sem rei. — Este pensamento iluminou seu rosto. —
Verificou a arma, colocou um novo pente de balas. Foi até a porta frontal
passo, olhando para todos os lados, e foi até a parede que dava acesso ao
portas, todas abertas. Podia ouvir o som alto de uma TV vindo de uma delas.
Espiou e passou pelas primeiras três portas, sem sinal de movimentação alguma.
Na quarta porta, assim que colocou a cabeça para espiar, pode ver um
homem de cabelos arrepiados e sobrancelhas grossas, de no máximo vinte anos
apontou a arma para ele, que veio para cima dela. Ela errou o tiro e caíram no
chão, engalfinhados.
Jennifer encarava o olhar raivoso e sentia o peso dele pressionando seus quadris,
Com esforço, soltou sua perna e aplicou-lhe uma joelhada em suas partes
íntimas, foi o suficiente para largar sua mão e conseguiu atirar no peito dele, a
queima roupa. Ele caiu em cima dela, ainda com vida. Ela o empurrou para o
lado e observou até que não respirasse mais. Levantou-se rapidamente, os olhos
vazio. O som estava vindo da última porta, algum sistema de som alto e potente.
Parou ao lado da entrada, sua visão começava a falhar, piscava com força
vista.
testando a visão. Deu uma última respirada com força e entrou na sala. Havia um
sofá bege, uma TV enorme na parede e o som alto de algum filme. E no sofá, um
homem careca, magro, com cavanhaque bem feito e tatuagens nos braços a
mostra na regata branca, sentado com os braços abertos sobre o encosto do sofá.
Jennifer entrou já apontando a arma para ele, que não se moveu, apenas a
fitou.
— Moça, você errou de casa, não faço ideia de quem seja Anna. Mas
saiba que sua bandana é muito bonita. — Falou com um sorrisinho irritante e
a arma com mais vontade ainda para ele. Dava umas piscadas fortes, tentando
— Ah, já sei quem é você. Foi você quem levou o tiro, não foi? Vocês
não deveriam ter feito isso. — Balançou a cabeça em desaprovação. — Vocês
mataram meu melhor homem, ele era meu primo, sabia?
— Você o quê??
— Droga.
parede.
— Sua vadia atrevida! Eu vou foder você! Vou acabar com sua raça! E
vou matar sua amiguinha híbrida bem na sua frente! — Vociferava com seu rosto
quase encostado no rosto dela.
Juntou as mãos dela acima da cabeça e as segurou com apenas uma mão.
Com a mão livre, apertou o rosto de Jennifer, que tentava soltar-se e chutá-lo,
mas sem sucesso. Ela tentava puxar suas mãos para baixo, mas sentia os dedos
— Você achou mesmo que ia entrar na minha casa e sair assim numa boa,
levando aquela filha da puta? — Ao terminar de falar, ele bateu a cabeça dela
deixava mais desesperada naquela luta pela sua vida, e pela vida de Anna. Num
ato desesperado Jennifer reuniu todas as suas forças e abaixou-se,
retirou.
sua direção.
— Me diga agora onde ela está, e talvez eu ajude você. — Jennifer falou
friamente, mas por dentro eram tantas sensações e medos se misturando, que ela
precisava se esforçar para não transparecer aquilo tudo.
— Vá a merda!
Foi para a área externa, olhou dentro dos dois carros estacionados, mas
Olhou para o lado e suas feições mudaram, como se tivesse tido uma
grande ideia.
— A edícula.
— Anna!
e seu rosto estava ferido. Vestia apenas a calça e uma regata suja de sangue.
— Anna, Anna, sou eu, fale comigo, meu amor. — Acariciava com vigor
— Anna, sou eu. Que bom que você está viva, que bom... — A puxou
Jennifer viu que ela estava de pés descalços, levantou a barra da calça de
sua perna esquerda e viu seu pé completamente roxo, inchado e pendendo numa
posição estranha.
— Bob, achei Anna, preciso que me ajude a trazê-la para cá! — Falou
ofegante, na janela do carro.
casa.
— Qual hospital?
— Vamos para a casa dela, de lá ligo para o médico que ela me falou.
— E o que um médico da família vai fazer com um pé quebrado? Ela
pode ter mais ferimentos.
— Que droga. Não sei. — Jennifer estava apavorada, sem saber o que
fazer.
Bob dirigiu enquanto Jennifer virada para trás, olhava Anna desacordada.
desacordada?
grave em sua cabeça, ela deve ter sido drogada, ela tem uma marca no pescoço
— É bem provável. Ela era mais forte que eles, faz sentido. E os caras, o
que aconteceu?
— Já eram.
— Ela vai me matar por estar a levando para um hospital. Vai me matar e
depois vai me dar uma boa bronca. — Jennifer balançava a cabeça, preocupada.
— Mais do que você imagina. Mas não vou sair do lado dela. Nem por
um segundo.
— Algemas??
— Achei!
— Depois eu te explico.
— Nos sequestraram. Mas bateram apenas nela. Ela quebrou o pé, viu
aqui? — Falou apontando para seu pé. — E provavelmente a doparam. Mas é
bom dar uma boa olhada, ela pode ter mais ferimentos.
Jennifer ficou sem palavras, olhou para a outra enfermeira, para Anna, e
boca e ficou roendo a unha do seu polegar, aguardando angustiada pelo parecer
da enfermeira.
— Tudo bem, já terminamos.
A levaram para um quarto coletivo, onde havia mais três camas ocupadas
separadas por biombos amarelados, assim que chegaram lá um senhor bigodudo
dela e injetou algo pelo acesso em seu braço. Jennifer olhava atenta, prestando
supercílio.
dela.
rosto de Anna.
— Tentei fazer como você me ensinou. Funcionou, agora vai ficar tudo
olhava para Anna e dali tirava forças para continuar alerta, como uma sentinela.
O médico entrou no recinto e foi até o canto onde elas estavam, trazia
— Sim, tudo tranquilo. E Anna, vai ficar tudo bem com ela?
dopou, foi injetada uma alta dose de quetamina, ela deve acordar daqui a pouco,
vai ficar bem, quando ela acordar talvez tenha um pouco de irritabilidade, dor de
cabeça, náuseas...
— Tem?
— Não, não posso sair daqui, não pode examinar aqui mesmo?
— Não tenho como fazer uma tomografia neste quarto. Você não tem
Jennifer tentou impedir que ela tirasse a agulha de si, Bob também
tentava segurar seus braços. Mas Anna teve uma resposta violenta, empurrou
Bob para o lado e com a outra mão empurrou Jennifer para longe da cama, a
cama.
O médico riu.
— Seria ótimo.
— Ah, e sobre sua cabeça, o edema inchou um pouco, mas você vai ficar
bem. Apenas faça repouso e tome seus remédios.
Logo uma enfermeira implicou com a permanência de Bob no quarto.
— Não, não precisa esperar na recepção, vá para sua casa, ou para seu
trabalho, vai ficar tudo bem aqui. Obrigada por tudo, você foi um anjo hoje para
— Me traga a coisa mais forte que você tiver, por gentileza. Tem
Demerol?
— O médico prescreveu?
— Anna?
— Consegue me ouvir?
— Me vê?
— Sim.
eu não saí do seu lado nem por um segundo. Tá, na verdade quando eu precisei
sair Bob ficou aqui contigo, mas eu quero que você saiba que está tudo bem, está
tudo sob controle e ninguém te fez ou vai te fazer mal, você me entende?
Anna não respondeu, olhou para os dois lados, olhou para seus punhos, e
lembra disso?
— Mais ou menos...
— Tudo bem, o que importa é que você está bem, foi cuidada, medicada,
engessou o pezinho, e vai voltar para sua casa muito em breve.
— Engessei o pé?
— Ah... Lembrei.
— Aqueles idiotas fizeram isso, não?
— Que absurdo!
— É outra longa história. Mas eu estou aqui, você está aqui, todo mundo
— Apesar de achar sexy a ideia de prender você na cama, acho que está
— Pronto. — Jennifer pegou sua mão e levou até a boca, dando alguns
beijos.
— No lugar.
— Não se feriu?
— Um dos idiotas bateu minha cabeça contra a parede, mas tirando isso,
nem um arranhão.
— Você o quê??
— Quem diria que nós duas iríamos passar por um hospital em menos de
— Você ainda está sob efeito de drogas. Amanhã eu deixo você pular por
aí com um pé só.
— Vinte dias.
você quer?
— Eu sei, quando percebi que o bilhete não havia sido escrito por você,
— Quando percebi que havia sido escrito por uma pessoa destra.
— Ok, e depois?
— Montei na sua moto e fui falar com Max, foi quando me dei conta que
seus possíveis sequestradores faziam parte da gangue do cara que tentou roubar
sua moto, e como eu vi uma tatuagem no pescoço dele, achei que poderia
identificar qual gangue era.
— Alejandro.
— Então acho que você vai gostar de ouvir o desfecho dessa história.
— Prossiga.
— Prossiga.
— Olha, você tem que me prometer que não vai me repreender por nada
— Prometo.
— Bom, fui até o trabalho de Bob, e fomos de carro para a casa do terror.
— Isso. Ele foi de grande ajuda para nós, me lembre depois de ir buscar
sua moto no trabalho dele.
— Chegamos na casa, pedi para Bob ficar no carro, e pulei o muro pelos
fundos.
— Sozinha?
— Ok, prossiga.
— Você poderia ter perdido a visão, era arriscado demais, por que
continuou?
— O maldito Alejandro.
— Que nada, me encheu o saco mais um pouco, daí sim eu atirei nele.
— Te procurei pela casa e não te achei, fui até a edícula e tcharam! Você
— Eu sei.
— Meu médico particular não anda com uma máquina de raio-x nem
com gesso dentro da bolsa. Obrigada por te me levado ao hospital. Na verdade...
Obrigada por tudo, acho que nunca vou conseguir agradecer por tudo que você
fez, o risco que você correu, tudo que você enfrentou... Por minha causa.
Jennifer sorriu.
— Eu sei.
arriscou demais. Foi uma loucura o que você fez. — Anna insistiu.
— Ok... Mas saiba que ainda estou chocada com isso tudo. Imagina se
— De mim?
que talvez Alejandro já tivesse... Você sabe... Com você. — Jennifer falava com
a voz embargada.
— Foi. — Respondeu.
tenso e quase surreal, sem dúvida aquele era o único lugar onde ela queria estar,
a melhor recompensa por tudo que havia passado, finalizar aquela jornada nos
braços dela. Quase podia sentir a pele dela através da camiseta de algodão que
Jennifer se dava conta de todo risco que ela e Anna correram, finalmente
— É sim... — Continuou.
— Jennifer?
— Uhm?
***
— Que bom que você está indo comigo. — Jennifer olhou sorridente
— Ainda não sei se foi uma boa ideia, acho que deveria ser um momento
só seu, com sua família e tal... E até agora você não me mostrou a mensagem do
seu tio Ethan dizendo que sua vó contou para seu vô que eu não sou Vulpi.
— Ok.
casaco, deveria ter vindo com um mais quentinho. — Jennifer ainda estava
acelerada.
— Como eu desligo seu botão de preocupação?
tarde.
— Claro.
— É aqui perto?
aluguel de carros.
— Prefiro não.
— Tudo bem, eu dirijo então. — Jennifer falou já se dirigindo ao balcão.
— Compacto.
— Conversível.
— E na última vez você tinha doze anos. Você sabe que a mão aqui é
invertida, não sabe?
acharam a rodovia que levaria até a casa de seu avô, já com a brisa vespertina
batendo em seus rostos.
— Você se acidentou?
— Sim.
— Sinto muito.
— Estava indo visitar o seu pai, depois de tantos anos sem vê-lo.
— E o que aconteceu?
— Que azar.
— É.
— Praticamente fugiu de casa para ficar com meu pai. Meu avô nunca a
— É... Ela era uma mulher bem corajosa. Foi contra tudo e todos para
Jennifer se sentia confortável com aquela abertura de Anna, era raro vê-la
— Que pena seu avô ser assim tão cabeça dura. Ele ainda está vivo?
— Não sei, nunca mais tive notícias, só sei que foi morar na Ásia. Nunca
o conheci, nem meu tio Victor, irmão de minha mãe. — Anna havia recostado a
cabeça na mão, apoiando o cotovelo na janela do carro.
— Bom, mas no fim o amor de seus pais venceu o ódio da família dela.
numa das lojas do meu avô na cidade, e foi assim que eles se conheceram, ele
passou a frequentar cada vez mais a loja. Tinham menos de vinte anos, eram
praticamente adolescentes.
— Foi.
— É uma bela história. E que bom que teve final feliz, senão não existiria
— Fin.
— Fin, F I N? — Soletrou.
— Sim, é italiano.
— Duvido. — Sorriu.
Anna virou um pouco a cabeça e pôs a observar Jennifer, que estava
vestida com uma calça preta e uma camisa branca de botões.
— Adulta?
***
— Não é um castelo.
— Adam??
— Em carne e osso!
Seu avô era um exemplo típico de vovô, com cabelos brancos, apenas ao
Jennifer sorria animada, foi até Anna e a trouxe para próximo de seu avô,
a apresentando. Todos estavam de pé no centro do salão.
— É tão bom revê-lo. E estar de volta! Não mudou nada, tudo está do
jeito que vi pela última vez!
— Felizmente o engano foi desfeito e ganhei minha neta novamente, é
como se você tivesse nascido de novo para nossa família, a alegria é a mesma.
Você está tão grande! Sua vó Meredith tinha toda razão na carta!
apertando a mão dela. — Vocês devem estar cansadas, venham, vamos aqui
sentar um pouco.
As conduziu para uma sala de estar grande, com sofás, inúmeros quadros
— Sim, essa casa é de toda a família, inclusive sua. Mas me digam, como
chegaram aqui? Se me avisassem o horário eu teria mandado um carro buscá-las.
— Ah, não era preciso, nós alugamos um carro, me perdi algumas vezes,
mas no final deu tudo certo.
a critério de vocês.
do seu avô.
diplomas e troféus nas paredes. Seu avô estava atrás da mesa no final do recinto,
à frente dele havia duas grandes cadeiras escuras e um sofá encostado na parede,
abaixo de uma janela aberta, que dava para o pátio frontal da casa.
críquete.
Jennifer sentou-se no sofá, olhou para trás pela janela e viu Anna lutando
para subir a capota do carro.
queixo na madeira, surpresa com a pergunta. Virou-se para seu avô, sentando de
— Sim, time.
— Eu discordo.
— Celtic... Sim.
— Futebol, é claro.
— Não, mas eu conheço minha neta. Desde sua tenra infância, eu sabia
que você era diferente. Diferente não, eu sabia que você era especial.
para ser apenas mais uma. — William se virou e deu uma olhada pela janela. —
Você talvez não lembre, deveria ter um seis ou sete anos, vocês vieram passar as
férias de verão aqui, já era noite, umas dez da noite... Você simplesmente sumiu!
Procuramos você pela casa inteira, em todos os quartos e cantos, até que alguém
olhou pela janela e viu você lá, dentro da fonte, se esbaldando na água.
— Eu lembro... Não dos detalhes, mas lembro desse dia. — Jennifer riu.
— Quando perguntei por que você havia ido até lá, você me respondeu
com a maior naturalidade ‘porque eu estava com calor’. Ninguém teve coragem
***
— Depois.
segundos.
— Tá bom.
— Se doer me avise.
um sorrisinho.
— É cedo para falar isso, eu sou meio desastrada. Mas achei muito fofo
da sua parte.
peito do pé dela.
***
— Na verdade esse assunto ainda não havia passado pela minha cabeça.
— Respondeu.
três dias.
Não era a tarefa preferida dela, mas não tinha escolha e acabou
concordando.
— Esta deve ser a porteira que seu avô se referiu, temos que pegar esse
outro caminho a direita.
— Jennifer...
entrando na floresta.
Capítulo 19 - Time after time
— Se o seu avô falou para não entrarmos aqui ele deve ter suas razões.
— Anna resmungou.
— Ele deve achar que vou me perder, mas não sou tão desorientada
assim.
marrom, com seus cabelos castanhos claros soltos sacudindo no ritmo do galope,
usava uma camisa de flanela xadrez vermelha com um colete preto acolchoado
por cima.
reconhecimento de novo terreno, de cima de seu cavalo negro, com sua jaqueta
da mesma cor.
alguns poucos raios de sol conseguiam permear entre as folhas, deixando menos
sombrio aquele caminho formado de folhas secas, rodeado por pinheiros,
carvalhos e outras árvores menores.
— Sim, depois das árvores tem algumas colinas não muito altas, se
quiser te levo lá, a vista é excelente e às vezes tem cervos e raposas.
— Quero sim.
— Meu avô sabe sobre nós duas. — Jennifer falou sem rodeios.
— Ele me falou.
— Sabendo ué.
— Não.
— Meu vô falou que às vezes vai alguém de outra espécie, então você
não será a primeira a... Que porra foi essa?? Você também viu?? — Jennifer se
abaixou e olhava para todos os lados assustada depois que um pequeno objeto
— Vi... Vi sim, não sei o que era. — Anna também olhava para todos os
lados.
Antes que Anna respondesse, outro objeto passou entre ambas, e acabou
— Acertou você??
Pararam seus cavalos em seguida, Anna desceu e foi ver o que havia acontecido
a Jennifer
— Vá em frente.
Anna baixou o zíper da bota dela e a descalçou, pode ver dois furos com
pequenos filetes de sangue vertendo.
— Era para o estrago ter sido bem maior, você deu muita sorte, se acerta
o tendão você teria problemas.
— Como assim?
Chegaram na casa e deram de cara com seu avô passando pela sala indo
em direção à cozinha, ele viu ambas mancando.
— É feio imitar os problemas físicos dos outros, viu Jenny? — Ele falou
em tom de brincadeira.
quarto.
— Não conte para o meu avô. — Jennifer falou assim que fecharam a
porta.
Minutos depois depois Anna retornou com uma pequena bolsa nas mãos,
foi até o banheiro e pediu que Jennifer sentasse na beira da banheira.
— Quem você acha que pode ter feito esse ataque terrorista contra nós?
— Não sei. Mas provavelmente seu avô sabe. Prontinho, só não molhe
— Bom banho.
— Anna?
— Diga, querida.
***
— Eu trouxe a Jessica para nos ajudar, vamos nos dividir em duplas para
Ela é melhor que eu com roupas, você estará muito bem acompanhada.
com dois dedos, apontando para seus próprios olhos, e depois apontando para
Anna, como se dissesse ‘estou de olho em você.’ Anna apenas sorriu e seguiu
para o outro lado com sua companhia.
Voltaram para casa já de noite e Jennifer insistia para ver o que Anna
havia comprado.
— Você vai odiar e eu não estou nem um pouco a fim de mais uma
sessão de compras.
***
No dia seguinte, véspera da festa, Anna, Jennifer, seu avô e seu primo
Hugh se reuniram na sala de estar para assistirem TV após o jantar. Jennifer
estava com o assunto das estrelas ninjas coçando na sua língua, morrendo de
Era um garoto de cabelos escuros e belos lábios, seus olhos tinham longas
pestanas e eram encantadores, tinha feições simpáticas e era sempre doce ao
— Vô... Assim... Por que o senhor falou para não entrarmos na floresta
ontem?
— Perigoso como?
— É... Digamos que sim, mas nada sério. Atiraram estrelas ninjas em
nós. Mas a culpa foi toda minha, eu que insisti. — Isentou sua namorada de
culpa.
sozinhos, cada um na sua casa, casas essas que eu permiti que construíssem no
meu terreno há quase dez anos, com toda boa vontade. E olha como me
retribuem?
— Sim, mas por que eles começaram a atacar nossa família? Por que essa
violência?
— Porque eles não estavam satisfeitos com a estrada que dava acesso às
casas deles pelo outro lado da colina, eles querem que o acesso seja por dentro
da nossa propriedade, porque é alguns metros mais curto que a estrada de fato.
terras ao redor deste caminho dizendo que pertencem a eles, não permitindo
mais que usufruamos essas áreas.
— E é assim que eles retaliam quando algum animal nosso entra no que
— Eu vou pensar em algo. Vou pensar em algo para parar com esse
abuso. — William murmurou. — Enquanto isso, já sabem, não entrem na
bendita floresta.
Depois da conversa elas subiram para o quarto, Anna andava pelo quarto
se trocando para ir dormir, mas Jennifer havia sentado na cama, pensativa, com
Jennifer.
— O que foi, agora deu para ler pensamentos?
— Sim, eu sei exatamente o que você está pensando, e não, não vamos
nos meter nisso.
— Jennifer, não viemos para cá para esse tipo de coisa, viemos para nos
— Ou podemos deixar seu avô resolver isso, como ele disse que ia fazer.
***
O dia da festa chegou com uma manhã ensolarada entrando pela janela
do quarto. Jennifer, que dormia virada para a parede, acordou com Anna
passando seu braço ao redor do seu corpo e se moldando a ela, a abraçando, de
brinde ainda ganhou alguns beijos no pescoço.
— Bom dia, pequena... — Falou no seu ouvido.
— Hum... Se eu for acordada assim sempre que for feriado Vulpi, vou
pedir para meu vô declarar feriado o ano todo... — Jennifer comentou sorrindo.
Anna afastou algumas mechas no pescoço dela e deu mais alguns beijos
antes de falar.
outros, para pessoas que nem conhecemos. Por que não podemos fazer algo por
sua família?
— Fechado!
Jennifer a puxou pela nuca e a beijou, logo já estava por cima dela.
— Posso ficar aqui hoje à noite? — Anna falava com um semblante que
pedia clemência, fazia uma última tentativa de não ir ao baile.
— Eu não sei o que fazer num evento desses, não sei me enturmar, o que
falar... Vou me sentir um peixe fora d’água. E aquele monte de raposas me
pescoço.
como o teto rico em detalhes florais e cortinas de veludo. Na entrada havia uma
pequena escada dourada que dava acesso ao patamar do salão, por onde
entravam os convidados.
aplicações de vitrilhos e paetês prateados, cobria seus braços, mas deixava suas
costas inteiramente à mostra, assim como o generoso decote expunha seu colo.
— Jim??
— E você está bastante elegante, Becca adoraria te ver assim. Por que
não me falou que você também vinha para a festa?
— Porque decidi em cima da hora, ontem para ser mais exato. Becca me
falou que vocês haviam viajado na terça-feira.
— Isso.
— E Anna, não vem ao baile?
— Reza a lenda que sim. Ela está vindo com Jessica, a namorada do
Hugh. — Falou tocando seu primo no ombro, e aproveitou a deixa para
Hugh interrompeu o que estava falando e voltou seu olhar para a escada.
escadas. E como Anna estava estonteante! Jennifer nem tentou disfarçar seu
para quem quisesse ver, atraindo os olhares que ela tanto queria evitar. Seu
vestido creme era simples, mas com um corte atraente, também deixando suas
costas nuas, além de seus braços. Seu cabelo já havia crescido um pouco desde
pescoço esguio.
— Todos que estão olhando para você estão encantados com sua
presença, apenas isto, acredite.
— Não, não, ele namora com Becca. Anna é outro tipo de amiga. —
Jennifer respondeu rindo.
— E aí, será que vai rolar discurso do vovô? — Hugh interpelou todos.
— E por falar em vovô... — Hugh falou ao ver seu avô vindo na direção
deles.
reunião anual de Vulpis, uma festa preparada com tanto esmero por William e
sua família, era um prazer imenso reunir boa parte das pessoas que faziam parte
do clã que ele liderava, e que englobava todo o sul da Escócia. Jennifer evitava
pensar nesse assunto, mas ela sabia que no dia que seu avô deixasse esse plano,
— Quem, Hugh?
Não demorou muito para seus primos a chamarem para dançar, Jennifer
Era uma noite deveras especial para Jennifer, seus últimos meses haviam
sido de uma reviravolta sem igual. Na verdade, Jennifer já havia passado por
duas grandes reviravoltas em sua vida, mas ambas igualmente tristes. Agora as
educadamente, Jennifer pegou a mão de seu primo e foram para a pista dançar a
música romântica que embalava os pares. ‘Forever’ do Kiss fazia as duplas
dançarem de forma cadenciada, gostosa. Jennifer olhou para seu primo com um
sorriso besta.
— Nem um pouco.
— Nunca se sabe... — Se esforçava para não rir. — Talvez ela tenha uma
quedinha por Vulpis, vai saber.
Dançaram mais uma música e então seu primo Hugh a tomou para a
próxima dança. Hugh era um garotão alto e magro de vinte anos, com cabelos
castanhos encaracolados e olhos verdes. Era o tipo de garoto que transmitia certa
paz interior, daqueles que parecem estar sempre prontos para te ouvir e te ajudar.
— Não, eu deduzi.
— Ou mais... Mas acho que ninguém está se importando muito com isso,
— Tente.
— Talvez.
era um convite por si só, se chamava ‘Do you wanna dance’. Jennifer aproveitou
a oportunidade, se aproximou de Anna, que estava sentada numa cadeira na
mesa à lateral da pista central. Estendeu a mão para ela, a convidando para a
Tendo o cuidado de trocar a parte que dizia ‘your man’ por ‘your girl’.
Anna não resistiu, sorriu, riu, deu o mais aberto dos sorrisos, e enfim
Jennifer tratou logo de empunhar sua mão unida a dela e a envolveu pelo ombro
com sua outra mão, com seu rosto lado a lado com o rosto de Anna sem maiores
intimidades.
mundo poderia acabar ali, agora, que ela não se importaria. Aquele era seu
momento, seu êxtase. Seus dedos estavam entrelaçados de forma delicada, mas
ela podia sentir a mão um pouco suada de Anna, e com seu polegar sentia a
A música já havia mudado, eram embaladas agora por ‘Time after time’
da Cyndi Lauper. Afastou seu rosto e olhou por alguns segundos nos olhos da
sua garota, como gostava de chamá-la.
— Jennifer falou.
— Lembra aquela noite na beira do mar, que você me contou que eu era
— Que pena.
— Venha... Me siga.
estarem a sós, puxou Jennifer pela cintura, ficando com seus corpos unidos e
seus rostos próximos, permitindo que Anna observasse todos os detalhes da
feição de Jennifer, seus olhos castanhos com uma maquiagem acinzentada, seu
— Bem melhor sem aquela multidão nos olhando, não acha? — Anna
— Eu sei... E você estar aqui hoje, está fazendo desta noite perfeita.
— Acho que é a hora que seu avô fala para os convidados. — Anna
disse.
microfone.
anos convivemos com a notícia equivocada de que ela havia falecido juntamente
— Minha neta Jennifer nos reencontrou, e ela está aqui conosco hoje, nos
Os olhares voltaram quase todos para sua mesa, William pediu que ela se
levantasse. Jennifer levantou-se meio sem jeito e sorriu para todos os lados,
educadamente. Logo sentou-se novamente.
— Mas não se enganem, ela não é tão tímida quanto aparenta. Alguns de
vocês devem lembrar da última vez que ela participou desta nossa festa há dez
anos, e do inesperado show que ela e sua prima Caroline deram ao invadirem o
palco e cantarem músicas das Spice Girls. Além disso ela é uma garota bastante
inimagináveis, e agora está de volta ao seio da nossa família. E aquela bela moça
sentada ao seu lado é quem tornou tudo isso possível, então para você minha
querida Anna, meu eterno obrigada.
alegria com todos vocês esta noite. Agora por gentileza, voltem ao centro do
— Ah, que bom que ainda está aqui, achei que você não aguentaria a
Retrucou.
foi embora fechando o salão. Chegaram na mansão e William entrou ao lado das
três garotas, Caroline, Jennifer, que carregava seus sapatos nas mãos e
reclamando da dor nos pés, e Anna, logo perceberam que havia algo errado ao
ver duas funcionárias de pé àquela hora da madrugada.
resgatá-las, e acabou caindo num buraco que estava encoberto com galhos e
— Por gentileza tentem contato com ela e me avisem assim que tiverem
falando. — E vocês crianças, vão dormir porque o dia foi bem cansativo.
— O negócio está engrossando. Sei que você falou para não pensarmos
nisso agora, mas é inevitável.
— Eu sei.
— Você trouxe alguma arma? — Jennifer perguntou.
— Não, claro que não, não posso ficar andando pelos aeroportos
carregando pistolas.
— Somente uma.
— Bom, são dois Titans contra nós duas, não sabemos o tamanho deles,
mas temos que arriscar.
levar.
— Dada a atual circunstância vou ter que concordar com você, qualquer
arma adicional é de grande valia.
pela mão.
Capítulo 20 - Ótima pontaria
paramentaram para uma abordagem talvez não muito tranquila aos dois Titans
— Robin Hood mandou pedir seu arco de volta. — Anna comentou antes
— O que você está fazendo aqui fora essa hora? — Jennifer respondeu
sem paciência.
— Você tá louca?
dessas situações adversas, nós sabemos como nos virar se algo fugir do controle,
e levar você seria nada mais que um grande risco à sua integridade. Mas nós
agradecemos sua benevolência em querer ajudar, e peço encarecidamente que
não conte a ninguém sobre isto que estamos fazendo, mas caso não retornemos
até o amanhecer avise seu avô, posso contar com você? — Anna falou de forma
clara e calma.
— Ãhn... Claro, podem contar sim. Mas não enfrentem aqueles caras,
— Anna respondeu.
— Ok, cuidem-se!
abordagem.
— Fica fria, você usa um número maior que o meu. — Deu um tapinha
— Você me...
— Anna! — Ouviu um som distante. Olhou para trás e não viu Jennifer,
havia simplesmente sumido.
pedaço falso de grama, e lá dentro, Jennifer arregalada com seus olhos brilhantes
olhando para cima.
— Consegue se levantar?
feita.
boquiaberta.
Anna tomou a frente a abriu a grande porta de madeira, deu uma espiada
se iniciara.
— É ela sim, Burt. É a netinha daquele velho mão de vaca, e essa aqui
— Exato! Foi para isso que viemos aqui, podemos chegar num consenso
— Ele não sabe que estamos aqui. Mas se algo acontecer conosco com
certeza ele saberá. — Jennifer falava com certo nervosismo na voz, aquela faca
ainda possuía sua adaga. No mesmo momento o outro irmão acertou a mão de
Jennifer com a ferramenta, fazendo com que sua faca voasse para o pé da escada
de madeira que dava acesso ao mezanino.
Burt correu para pegar a adaga e neste pequeno espaço de tempo Jennifer
sacou seu arco das costas e sem pestanejar armou uma flecha. Ela fez o disparo
assim que Burt virou-se na direção dela após pegar a faca no chão. A flecha
passou próximo da cabeça dele, mas não o atingiu, ao invés disso acabou
alastrar.
Enquanto isso Anna lutava como podia para não ser esfaqueada por sua
própria adaga, seu oponente era um grandalhão de mais de dois metros de altura,
que já começava a atingir as vigas de madeira. Burt havia sumido do seu campo
de visão, não pensou duas vezes e subiu a escada correndo, com o arco
Porque Jennifer era dessas, podia morrer de medo antes ou depois, mas
nunca durante.
apenas o enfureceu mais, ele investiu para cima de Jennifer a golpeando nas
atingido. Enquanto recuperava seu fôlego, viu Burt retirando a flecha de sua
perna.
e encurralada. As chamas já estavam tão altas que eram visíveis lá de cima. Burt
investiu mais quatro ou cinco golpes contra Jennifer, acertando apenas um,
novamente na mão.
A adrenalina e o furor eram tamanhos que ela ignorava a dor nas costelas
Jennifer voltou a olhar para o lado de Burt, onde havia uma pilha de feno
e um ancinho de quatro pontas enfincado. Logo ele percebeu que ela olhava para
— Vá, sua garotinha mimada, tente passar por mim e pegue o que você
de costas, ainda com o objeto cravado em si. Ela olhou para baixo apenas para
Correu até a outra ponta do mezanino e viu lá embaixo que Anna ainda
estava em apuros, já via algum sangue em seu rosto, mas agora ela empunhava
um pedaço de madeira, como se fosse um bastão, porém Argus ainda estava com
a sua adaga, e para piorar o fogo se aproximava deles. Foi até o local onde havia
largado o arco, o pegou e voltou para o ponto mais próximo deles. Passou a mão
por cima da cabeça e tirou uma flecha de suas costas. A armou e fez a mira, o
suor escorria por sua testa e olhos, atrapalhando mais ainda seu intento, já que
eles não paravam numa boa posição lá embaixo, gingavam, esquivavam,
Porém o alvo errado. Acertara a nádega de Anna, que com o susto acabou
ficando vulnerável, permitindo que Argus acertasse um golpe com a faca acima
da sua cintura. Anna deu uns passos para trás, olhou assustada para cima e
Ela resolveu fazer nova tentativa, enxugou a testa, pegou outra flecha às
suas costas e colocou em posição entre a madeira e o cordão do arco. Continuava
sem conseguir uma mira limpa do seu alvo, sua mão tremia, mas resolveu
arriscar. Puxou mais um pouco o cordão e lançou a flecha, que entrou esguia
bem no meio do peito do grande Titan. Anna ficou sem reação, seu oponente
parecia desnorteado e acabou caindo sentado. Levou a mão até a flecha, mas
recebeu mais uma, um pouco mais à esquerda. Tombando de vez para trás.
Anna se inclinou sobre o corpo e certificou-se que não era mais uma
ameaça. Virou-se na direção de Jennifer e a viu olhando atentamente a cena,
ainda com o arco em mãos. Quando percebeu que havia dado certo, sorriu para
Anna.
Um vulto surgiu entre aquela nuvem infernal. Era Jennifer dando pulos e
tropeços o mais rápido que podia, com os braços erguidos a sua frente
protegendo seu rosto das chamas. Após passar pelos escombros, correu e se
— Anda, isso vai desabar, temos que sair! — Jennifer falou correndo
ouvido e o teto ruiu como se estivesse sendo sugado por dentro. O fogo tomou
formas ainda maiores.
— Você está bem? — O estrondo tirou Anna daquela quase hipnose.
— Acho que o balanço final até que não foi tão ruim. E você?
encerrada, talvez não exatamente como imaginado, mas aqueles dois não
incomodariam mais ninguém.
que deu.
— Ah é, e por acaso essa sua mesma bunda agradece por eu ter acertado
— Viu? Os cavalos ainda estão aqui. Ok, qual é mesmo o propósito dessa
discussão?
Anna parou e a olhou.
— Objetivo alcançado.
— Tudo bem.
— Vou tentar não morrer então, quer dizer, não parecer que eu morri...
— Você ficou o que? Uns dois minutos dentro daquela fogueira gigante,
e só está com a roupa chamuscada e com o rosto sujo de fuligem.
— Eu estava abaixada.
— Fazendo o que?
— E conseguiu?
— Como assim?
— Seu rosto está machucado, você acha que não vão ligar a morte deles
— Você tem razão, temos que pensar em algo, seu avô vai deduzir tudo
se me ver assim.
— Temos até amanhã para pensar em alguma coisa. Enquanto isso você
será minha refém no quarto. — Falou sorrindo.
— Não.
— E como vamos entrar, escalando a sacada?
— Eu trouxe a chave.
Deram uma olhada para os lados e começaram a caminhar pelo longo corredor
de assoalhos, passo atrás de passo para evitar que a madeira soltasse algum
rangido. Passaram pela frente da porta do quarto de Caroline e torciam para que
ela estivesse dormindo e não as escutasse.
— Hum-hum.
assombrados.
Era William, vestido em um roupão cor de vinho, com uma gola de cetim
preto.
assustada.
— Vocês têm alguma relação com o fogo na casa dos irmãos Titans?
sujos de fuligem.
— Claro que não, vô, eu que insisti para irmos lá! — Virou-se para
médico?
— Não, eu me viro.
— Me deixe assumir a culpa, isso vai aliviar para o seu lado. — Anna
lançou um olhar cansado.
Anna hesitou, mas acabou desabotoando sua calça, Jennifer a desceu sem
cerimônia.
— Não está tão ruim, você tem sorte por ter bunda brasileira. — Riu.
bolsa de primeiros socorros que ainda estava no banheiro delas e uma toalha de
— Isso arde?
— Isso é bom.
— Você precisa aprender a proteger seu rosto, você tem um rosto tão
bonito, não pode deixar que machuquem assim.
— Ok, da próxima vez vou pedir para baterem em lugares não visíveis.
— Uma pazada.
— Respire fundo.
— Não dói?
Nesse momento Anna viu que a mão dela estava inchada na lateral e
arroxeada.
— Mais pazadas.
— Seu saldo foi positivo, para quem matou dois Titans gigantes hoje.
— Pareciam... Bom, chega de papo, vou terminar aqui, pegue uma toalha
para mim e tome seu banho, temos compromisso e ainda tenho que cuidar dos
estragos, como você diz. — Ao terminar de falar beijou sua mão machucada.
Jennifer se enfiou num jeans e moletom verde, enquanto Anna num jeans
e uma regata cinza, e foram ao escritório, receosas.
bárbaras?
— Mas por que vocês foram até lá? Sabiam que eles seriam capazes
— É mentira! Não, não, vô, a ideia foi minha desde o início! — Se virou
para Anna rapidamente pousando sua mão em seu braço. — Desculpe ter te
Ela só está tentando livrar a minha cara, mas não é verdade, eu não segui
ninguém. Eu bolei isso, eu quis resolver, está feito, eu também peço desculpas
por estar aqui tendo que esclarecer, não sei como as coisas ficarão agora, quais
— No celeiro!
— Ok, ok, no celeiro.
— Me escutem bem, neste momento tem uma dúzia dos meus homens lá
controlando as chamas e cuidando da situação. Já retiraram os corpos, algo me
diz que eles não morreram em decorrência do incêndio, então eu vou cuidar
pessoalmente para que não sejam examinados e que eles sejam logo sepultados.
O que houve foi o seguinte: tiveram uma morte acidental no celeiro, onde eles
beberam demais e acabaram ateando fogo no local, como estavam bêbados não
conseguiram fugir das chamas. Vocês entenderam?
todo aquele sofrimento mais uma vez. Não posso te perder novamente, Jennifer.
escurecido, sentia a mão latejando. Anna deu uma olhada tímida nela.
— Ah, vô, o senhor bem sabe que não sou santa, às vezes chutamos
algumas... Alguns traseiros de quem merece. Mas só de quem merece.
Anna.
Jennifer olhou para o lado e viu uma pequena mancha de sangue que
surgia na camiseta de Anna.
— Vamos ter uma conversa de líder de clã para futura líder de clã, então
— O bastante. O senhor não acreditou que foi ideia dela ir até lá,
acreditou?
entendo o porquê. Você é jovem, é cheia de energia, impulsos, tem esse ímpeto
que nem eu nem seus pais conseguiam segurar, de fazer o que dava na telha, de
querer resolver as coisas, mesmo que as coisas não fossem suas.
William continuava.
— E era assim que você conhecia seus limites, por sua conta. Foram seus
tombos, arranhões, joelhos ralados, hematomas, que ensinaram alguns limites, e
te deixaram mais sábia nas escolhas que você fazia em seguida. Você ainda vai
cair muitas vezes, eu ainda caio hoje em dia, e não estou me referindo ao tombo
que levei no banheiro semana passada, eu ainda aprendo muito com os
— Algumas coisas são escolhas suas, outras são escolhas da vida para
você. Você escolheu ter Anna em sua vida, baseada nos tombos que você já
levou, então não irei te julgar nem questionar sobre o que você sente por ela, eu
realmente acredito que seja algo genuíno, tanto da sua parte, quanto da parte
dela. Você escolhe as pessoas que vão conviver com você, é você que permite
que elas tenham este lugar em sua vida, então eu vou dizer uma coisa: faça as
escolhas certas, porque você irá precisar. Cerque-se de pessoas em que possa
confiar.
— Não foi escolha sua ser herdeira direta do meu posto dentro de nossa
sociedade, foi uma escolha da vida, e é uma grande responsabilidade. Você pode
fugir disto, mas se a vida tem esse propósito maior para você, é porque você é
bastante especial e o merece. O destino não poderia ter feito melhor escolha para
esta jornada. Você consegue imaginar Adam, ou Caroline, indo até lá lançando
flechas em Titans?
Jennifer sorriu.
— Foi uma boa ideia, mas eles não souberam fazer isso. Nem souberam
eles não tenham esta capacidade, eles são muito bons apenas com sua força
física.
— Há uma vertente dentro da nossa espécie que quer ir para a luz do dia.
— Se revelar??
— Sim, há uma corrente que deseja isso. Porém da forma correta, não
simplesmente surgir na sociedade e ficar à margem, mas sim surgir e ir para as
lideranças.
— Não entendi.
além de você ficar movendo coisas por aí, é o intelecto. Vou te dar um exemplo
preconceito. Semana passada você foi à uma festa restrita à uma determinada
espécie, levou sua namorada, que não é Vulpi, e até dançou com ela. O máximo
que aconteceu foram alguns olhares, que eu posso lhe garantir que foram para
admirar a beleza de ambas.
— Por quem?
— Bom, alguns clãs encabeçam este movimento, são seis para ser mais
exato. O nosso é um deles.
— Eu... Não sei o que pensar sobre isso. — Jennifer respondeu, confusa.
letárgico de pós-guerra, queremos iniciar uma nova era, com governos fortes.
— Talvez eu não veja isso acontecer, mas com certeza você verá. E verá
Mas o senhor entende que o movimento estaria muito ferrado se eu fosse uma
das lideranças?
— Estaria em ótimas mãos. Meu anjo, isso não aconteceria amanhã nem
semana que vem, então não precisa ficar nessa aflição.
— Não. Quer dizer, não agora, tudo bem? Você nem assimilou isso
direito. Mas sempre que você quiser conversar, seu avô estará completamente
disponível.
— Que noite...
— Não esqueça que você nunca estará sozinha, você tem sua família, ela
sempre será seu porto seguro. E acredite um pouco mais nessa bárbara que tem
abajur que iluminava parte do seu rosto. Dormia de lado, voltada para dentro da
cama.
Tirou o moletom ficando com uma camiseta branca de algodão que usava
por baixo. Sem muito ânimo, deitou-se de bruços ao lado de Anna, com o rosto
mansa.
Anna correu sua mão nas mechas que caiam sobre sua orelha.
— Não.
— Ok.
— Você? Sozinha?
— Dois pontos só.
vincos que se formavam na testa, entre as sobrancelhas dela, quando fazia uma
expressão séria.
— Adoro tempestades.
extratropical?
— Promete que nunca vai sair do meu lado? Que o que sente por mim é
forte o bastante?
— É tão difícil assim falar sobre essas coisas? Você nunca me responde.
— Que coisas?
Era difícil, sempre fora. E Jennifer já sabia disso, sua pergunta era
retórica. Ela havia aprendido a se contentar com gestos e olhares que diziam
muito mais que qualquer meia dúzia de palavras prontas. Mas naquele exato
momento, ela queria ouvir algo reconfortante. Eram seus medos aflorando.
— Mas são só palavras... Estou aqui, não estou? Enquanto você quiser,
— Eu sei...
— E eu sei que você sente falta, eu sei. — Anna disse a puxando para
Anna se inclinou para perto e a beijou nos lábios, com uma mão em seu
rosto.
fechou os olhos.
— Vou.
***
— Maldita flecha...
Sentiu-se mal pela conversa que tiveram naquela noite, sentia um peso dentro do
peito. Viu que passava das oito, foi até o banheiro. Nada de Jennifer também.
Não tinha escolha, devia ficar trancafiada no quarto para não expor seus
automaticamente abri-la, mas se deu conta que Jennifer não bateria antes de
entrar.
— Quem é?
— Sua prima.
falou do que havia acontecido achei que vocês tinham pedido ajuda aos homens
— Agora entendi porque meu avô me mandou vir aqui ver como vocês
— São só arranhões.
— O pai de Jennifer?
— Nossa, não sabia que vocês eram assim tão valentes. Posso sentar
aqui? — Falou apontando para a cama.
— O que foi?
— Nada não... Acho que estou passando tempo demais com sua prima.
— Eu... Encaro esses tipos já há algum tempo. Jennifer acho que tem um
— Tem sim, você não acreditaria nas coisas que ela aprontava aqui.
dor.
Anna a olhou.
— Fui na vila, fui à farmácia comprar Band-aids para sua cara e aquelas
coisinhas metálicas de imobilizar, para o meu dedo. — Falou mostrando a sacola
plástica na mão.
— Mas...
— Esses são para mim, para você eu comprei dos sem graça. Deite e não
se mexa.
— Assim vai disfarçar um pouco, vai poder descer para tomar café pelo
— Há muito tempo?
— Deve ser legal ter namorada, porque você une as duas coisas, você
tem alguém para namorar e tem uma amiga ao seu lado ao mesmo tempo. —
Filosofou.
— Geralmente começa assim. Ela era minha amiga, mas daí eu a seduzi.
— Jennifer falava com naturalidade e sarcasmo.
À esta altura Anna já estava mais vermelha que a maçã mais madura do
— As coisas devem ser mais fáceis, não? Quando duas garotas que
gostam de garotas começam a se envolver, já fica claro logo de cara?
Anna.
sarcástico.
— Eu dava pinta?
— Bastante. Lembra aquela vez, uma das últimas vezes que você esteve
aqui, você convenceu as minhas amigas a tomarem banho no lago, mesmo elas
— Num rio.
— Não.
— Um lince.
— É uma longa, longa história... Mas tudo começou de uma forma muito
— E eu tinha escolha?
— E depois?
— Vim ver o que aconteceu com a minha mensageira, que não retornou.
— Falou brincando.
— Café.
— Você foi uma peste quando criança, pelo visto. — Anna falou,
Jennifer deu uma olhada no trabalho final, empurrou Anna para deitar-se
na cama.
— Meu beijo de bom dia, ursinha. — Falou já por cima dela, com um
— Eu??
— Bati onde?
— Uma cotovelada aqui do lado e um tapa com as costas da mão no meu
rosto.
— Acho que não adianta eu pedir desculpas, porque não foi algo
sentido.
— Nunca percebi.
— Ufa.
***
A noite chegou e todos estavam reunidos para o jantar, era o último dia
seguinte.
— Ela caiu do cavalo hoje cedo, mas não foi nada sério, não é mesmo,
Anna?
— Que pena.
***
almoço.
— Não que eu saiba, não é mesmo? — William olhou sério para as duas.
— Vocês devem aprontar muito por lá, não?
— Anna, você tem ideia do quão preciosa é a joia que você tem em
mãos, não sabe? Cuide bem desta garotinha por mim, enquanto ela estiver longe
da minha visão.
— Pode ter certeza que tenho todo zelo do mundo, mas o senhor sabe o
quanto ela é teimosa, se me permite dizer.
— É claro que eu tenho ideia, mas percebo que ela ouve você.
— Vocês são tão exagerados. — Jennifer resmungou.
que não são de nossa espécie, mas que sabem sobre nós e convivem
pacificamente conosco de Vulpis de coração, e acredito que você seja uma delas.
Até porque teríamos que matar você caso você não mantivesse nosso segredo à
salvo.
nós?
— Meu pai foi adotado ainda bebê por uma família Vulpi, no Brasil.
— Fin.
— Era sim.
— Tem irmãos?
— Não perdi.
— Bom, meninas, sei que vocês têm coisas para arrumar, não vou
Descubra tudo sobre o presente e o passado dela, e também sobre sua família.
Quando você tiver esse dossiê em mãos venha até meu escritório, você terá uma
aeroporto, num final de tarde morno. Saíram pelo caminho que dava acesso à
— Ooops.
— Você vai sofrer um bocado nas quinze horas de voo, sentada naquela
poltrona dura e apertada.
travesseiro.
— Qual será a pior dor que alguém pode sentir? — Jennifer devaneava.
— Talvez. Mas acho que a pior dor é a dor na alma. Para todas as outras
existem remédios e paliativos.
expressão pensativa.
— Você não acha que é muito nova para pensar nessas coisas?
sentisse que ela não a levava muito a sério. Voltou a dirigir em silêncio,
pensativa.
alta velocidade em sua mão correta e acabou pegando Jennifer de surpresa, que
— Eu me confundi, desculpa.
— É a segunda vez, Jennifer, é melhor você prestar um pouco mais de
atenção.
— Será que estragou algo no carro? Pode ter amassado alguma coisa.
— Mesmo se eu der perda total no carro? Acho que teríamos que pagar
— Imagine só, daí não teríamos como pagar um carro novo e ficaríamos
presas no país, como clandestinas ilegais e criminosas. Ou então fugiríamos
— E você teria como pagar um carro desses à vista? Ele deve custar uns
quarenta mil!
— Eu sei.
— Você teria como pagar? — Jennifer perguntou intrigada, dando uma
olhada rápida nela.
— Sim.
— E dois desses?
— E dez desses?
— Você é rica?
Jennifer riu.
— Pare de falar isso, não sou rica, apenas meu pai me deixou uma
— Por quê?
— Por que você trabalha tanto? E é tão responsável com seus clientes e
tal?
meu pai, eles confiam em mim, assim como confiavam no meu pai. Eu trabalho
— Que bom que você tem seu pé de meia, espero um dia conseguir fazer
o meu também, não precisa ser um pé de meia milionário como o seu, claro.
— Pelo menos seu avô vai te mandar uma mesada, já é um bom começo,
— Foi como ele começou, mas depois ele construiu uma fábrica na
cidade vizinha.
— Fazendo adagas?
— Foi sim.
— Quem incendiou?
— Uma milícia Titan, em represália por meu pai não ter aceitado fazer
— Então foi assim que surgiu seu ódio por milícias Titans.
eliminamos.
molhados.
— Quer falar a respeito daquilo que você fez com as estrelas ninjas? —
Anna falou.
— Não sabia que você tinha tamanho domínio sobre seu poder.
— Meu pai nos contava sobre as coisas que ele presenciava, que os
Vulpis faziam, e nada que ele tenha contado chegou perto do que você fez.
— Pelo amor de Deus, você não sabe o que é um Pokemon? Agora eu sei
porque não encontrei você antes, porque você morava na lua, só pode ser.
— Um dos melhores!
— Nunca vi.
— Como?
alguma coisa.
***
aproveitando que não havia ninguém sentado ao lado delas. Dobrou um cobertor
e colocou embaixo de sua cabeça, o voo estava na metade, as luzes estavam
— Eu preciso vê-la...
perguntando.
— Ela quem?
— Helen.
— Eu quero vê-la...
em seu colo.
— Pensei em ligar para Bob vir nos pegar. Melhor não, né? Melhor
— Eu?
— Temos que pegar o táxi juntas? Não acha que já passamos bastante
tempo juntas nos últimos dias?
— Sim, senhora.
trás.
Ela ficou ainda algum tempo parada ao lado de sua mala, vendo o carro
dando a partida e saindo do aeroporto.
Havia algo de errado, mas Jennifer preferia pensar que era apenas o
cansaço da viagem e o incômodo do ferimento. Finalmente seguiu para seu
apartamento.
— Amanhã tem festa com temática anos oitenta no pub, não podemos
azul royal. Era estranho estar de volta ao pub sem Anna, aproveitou a ocasião
para colocar o papo em dia com Bob e Becca, entre os assédios de uma colega
em comum com seus amigos, que passou a noite em seu grupo, era uma ruiva de
— Por que alguém perderia essa festa e a sua companhia para fazer
entregas?
— Ela gosta de respeitar os prazos que dá aos clientes, nem todo mundo
Becca indagou.
— Jim respondeu.
vigiado.
— E como foi sua família com a presença de Anna, não rolou nenhum
climão?
— Foi, ela... Caiu do cavalo. Mas já está bem. — Falou desviando do seu
olhar.
Jennifer odiava ter que mentir para Becca, mas não via outra opção.
sentou-se próximo e Jennifer assustou-se ao virar para o lado e dar de cara com
ela. Em outros tempos Jennifer estaria se engalfinhando com ela em algum canto
Estava preocupada com ela pegando a estrada à noite, dirigindo por tanto
tempo, queria que ela estivesse ali do seu lado, segura. Jennifer estava
definitivamente apaixonada por Anna. Mas tinha dúvidas se Anna sabia disso,
Foi embora cedo e passou todo o sábado esperando por Anna, que não
respondeu suas mensagens. Sua ansiedade sumiu quando ouviu o barulho da
moto lá embaixo no início da noite. Correu para a janela e observou Anna
— É sim.
altura moderada.
— Ah... Várias coisas. Um pouco de rock ‘n’ roll, talvez não tão rock.
Gosta do que ouve?
— É bom, o que é?
— Posso ajudar.
— Vou te colocar para dormir hoje então... Mas antes venha jantar.
— Eu nem danço.
— Passei meia hora juntando suas coisas espalhadas pelo quarto na casa
do seu avô.
— Eu sou espaçosa.
Jennifer a levou pela mão até o quarto e começou a tirar alguns objetos
— Quer ajuda?
brinquedos.
— Ah... Entendi.
— Nem sempre, na verdade alguns não tem muita graça de usar sozinha.
Jennifer, no alto de sua ingenuidade, interpretou a pergunta
erroneamente. Anna vislumbrou o quanto Jennifer já havia ‘brincado’ naquela
— Você sozinha durante todos esses anos naquela casa enorme, não tem
nenhum brinquedinho?
— Sim, mas não sei se estou muito à vontade com esse assunto.
— O que? Masturbação? Todo mundo faz, relaxa. E você fica linda assim
Começou a beijar seu pescoço enquanto descia sua mão e abria sua calça.
— Não, Jennifer...
Quando deslizava sua mão para dentro de sua calcinha foi interrompida
pela mão de Anna.
acordada, deitada em seu peito. Era apenas dez da noite e não sentia sono algum,
levantou e foi para a sala ver TV. Zapeava sem se concentrar em programação
alguma, algum tempo depois acabou pegando no sono, deitada no sofá.
da TV pelas frestas da porta e foi até lá. Agachou em frente ao sofá, afagava seus
baixinho.
— Sim, para alguma coisa boa minha força tem que servir. — E a
carregou para o quarto.
***
Uma semana se passou sem maiores contatos a não ser pelo telefone. No
sábado seguinte Anna passou na casa de Jennifer para levá-la ao pub, conforme
próximos à pista.
— O que é?
— Um iPod, com 483 músicas. Para você atualizar seu gosto musical. —
— Gárgulas.
— Mas...
um terninho. Tinha os cabelos soltos e usava uma bota alta, com salto.
Anna usava um lenço xadrez no pescoço, por cima de uma blusa preta. Tinha
uma caneca cheia em mãos. Jennifer terminou sua caneca rapidamente e pegou a
— Ainda não, mas com certeza essa semana passarei por lá. - Deu uma
piscadela. — Não vão dançar?
de Anna.
— Vocês se conhecem?
— Conversaram?
— Ela é nova na cidade, está procurando emprego, dei umas dicas, falei
que no porto sempre tem alguma vaga aberta.
— Entendi.
Talvez Jennifer ainda não tivesse percebido, mas Anna era do pior time
de ciumentos, aqueles que não demonstram, mas alimentam um vulcão por
dentro.
intercalava música eletrônica com hits dance e pop. Havia mais luzes coloridas
— O quê?
— Ahan.
Anna falou que ia ao banheiro e Jennifer pediu que trouxesse outro chope
para ela.
— Vejam, vagou uma mesa lá! — Becca falou, chamando o grupo para o
local.
— Vamos, Jenny!
— Tudo bem com Anna? Ela também parece mais calada que o de
costume.
— Às vezes acho que sim, às vezes acho que tem algo errado, ou a
— E uma boa dose de mistério. Acho que ainda não sei decifrá-la. —
Jennifer mexia no descanso de copo a sua frente, cabisbaixa.
Bob virou-se para Jennifer, e falou com um tom de voz mais cuidadoso.
— Deve ser algo inerente aos híbridos, não? Essa aura de mistério. Helen
ao lado de Bob.
aniversário de namoro.
Anna sentiu seu sangue começando a ferver, levantou-se e foi para longe,
— Mas agora que você tem Anna do seu lado, não aliviou a barra?
que eu poderia ganhar. Nunca achei que encontraria alguém que eu pudesse amar
tanto, pensava que essa coisa de amor não era mais para mim.
pareçam tão diferentes à primeira vista, tá na cara que foram feitas uma para a
outra.
— Bom, vou procurar pela minha Cinderela que deve estar perdida por
aí. — Jennifer falou já levantando da sua cadeira.
Deu uma volta pelo espaço e a encontrou, bebendo num dos bancos altos
— Achei sim.
alterar o tom.
— Por quê?
— Você está me sufocando. — Continuava sem olhar para Jennifer, que a
olhava assombrada.
— Mas eu... Tem uma semana que não nos vemos, e nem estou tentando
te agarrar hoje nem nada, por que está falando isso? Você está chateada com
alguma coisa?
— Não levante sua voz. — Falou olhando para os lados. — Já estão nos
olhando.
que achem que você é sapatão, esqueci dessa sua fobia social.
escadas.
O local estava escuro, não havia sequer uma estrela no céu, um vento
deixava o clima mais sombrio, apenas as luzes dos postes vinham fracas lá de
da outra.
— A sensação que eu tenho é que nunca serei suficiente para você, que
você está comigo apenas esperando a chuva passar.
— De onde tirou isso? Eu quero ficar com você, somente com você, não
percebe?
— Não. — Anna baixou o olhar. — Acho que você deveria ir atrás dela.
— Mas como... Você não sabe do que está falando. — Jennifer sentiu-se
golpeada no peito.
— Eu tenho uma boa ideia. Eu sou apenas uma substituta, não sou?
— Ela está longe? Ela pode estar esperando por você, pare de perder
de uma pirralha mimada? Procurando por uma híbrida para passar seu tempo... E
— Ah, você quer mudar o jogo agora, mas você é péssima mentirosa,
lembra?
Antes que terminasse Anna deu duas passadas rápidas em sua direção e a
segurou pelos dois braços.
— Continue!
— E por que você não desce e continua bebendo, não é assim que você
para trás.
lágrimas e desceu as escadas. Um minuto depois Anna também desceu, deu uma
olhada rápida ao redor e foi para a rua. Encontrou Jennifer fazendo sinal para um
táxi, que parava na calçada. Foi até ela.
faça de conta que nem me conheceu, ou que morri naquele trem. Me erra!
Fez sinal para o motorista, que arrancou com o carro. Seguiu até sua casa
apática, sem reação, com a cabeça encostada no vidro. Subiu as escadas como
um zumbi, girou a chave e entrou. Fechou a porta e seguiu até o banheiro, tirou o
casaco e jogou displicentemente na cama. Tirou o restante da roupa e entrou
debaixo do chuveiro. A água corria em seu rosto e ela desejava que aquela água
levasse a dor que sentia subindo do peito até a cabeça, estava devastada.
Anna viu o taxi partindo e a única vontade que ela teve foi de correr
atrás. Mas ficou estática olhando, caindo em si. Caminhou lentamente para
dentro do pub e foi até a mesa onde estava o restante do pessoal. Sentou-se ao
olhou surpresa.
— Vocês brigaram?
— Sim.
— Claro, pode deixar que eu pago. Mas o que você ainda está fazendo
aqui? Vá atrás dela e resolva isso.
Anna sorriu e foi embora. O trajeto entre o pub e sua casa nunca foi feito
tão rápido como naquela noite. Subiu para seu quarto, tirou seu lenço, caminhou
devagar e ficou olhando o mar através da porta da sacada. Seu sangue já havia
esfriado. Afastou-se rapidamente e golpeou a porta com seu punho fechado.
Havia estilhaços de vidro espalhados por todo o quarto. E vertia sangue de sua
mão esquerda.
Capítulo 23 - Susan. Ou Codornas.
com os olhos ainda vermelhos depois uma péssima noite de pouco sono.
preocupada.
— Sabe sim.
— Então com certeza ela irá te procurar para fazer as pazes na terça.
— Becca, já era.
— Vocês terminaram?
— Ela eu não sei, mas de minha parte não quero mais nem saber, ela foi
uma idiota comigo.
coisas sem o menor sentido, a impressão que eu tive é que ela estava guardando
passada?
— Não! Eu nem sei o nome daquela ruiva. Becca, eu juro, desde que
começamos a namorar eu só tenho olhos para ela, foi injusto o que ela fez.
— Sei lá, deve ter ouvido fragmentos de conversas por aí, ou alguém
falou alguma merda para ela.
— Acho que Bob também não comentaria... Ah, quer saber? Foda-se. Ela
que arranje um cara bem filho da puta, que sacaneie com ela de verdade, daí sim
— Era uma vez duas amigas que viviam felizes, Mary e Clementine. Até
codornas. Um tempo depois Mary não tinha nada, e Clementine tinha ovos de
codorna. Moral da história: eu deveria ter criado codornas e não expectativas.
Becca riu.
Jennifer deitou e colocou o braço por cima dos olhos, voltando a chorar.
porta.
Jennifer não sorriu, largou a caneta na mesa e foi até ela, que deu alguns
no cantinho da reflexão?
Jennifer a fitou por um momento, pela primeira vez não sentiu uma onda
apenas triste. Vê-la novamente fez repassar novamente um pouco daquela noite
no terraço do pub, era impossível a olhar e não lembrar das palavras mordazes
que havia proferido e que a magoaram tanto. Jennifer estava machucada, só não
sabia se estava mortalmente ferida.
— Honestamente? Não.
Era tão difícil dizer não à Anna, negar algo para aqueles olhos que
— Tudo bem.
ao lado.
— Jennifer... Eu sei que você está chateada comigo, e acho que você tem
razão para isso, tem toda razão. Eu... Nos últimos dias andei pensando bastante
Ela não podia acreditar na frieza quase cirúrgica com que Anna estava
parecia desconfortável.
— Eu não quero saber se Helen realmente morreu, não quero saber sobre
— ‘Se’ ela morreu? — Falou com ênfase no ‘se’. — Você continua não
acreditando em mim??
— Por que você está reagindo desta forma? Você se magoou tanto assim?
— Veja bem, a minha cota de mágoa de você chegou aqui, está vendo?
e qualquer coisa que você fale agora eu nem tenho como absorver porque não
cabe mais nem uma gota de mágoa de você dentro de mim!
— Que me esqueça.
— Não precisa mudar nada na sua vida por minha causa, se quiser
— Você pode me deixar em casa? — Jennifer falou já com uma voz mais
atenuada, de pé.
Aquela deve ter sido a pior viagem que Jennifer havia feito, da casa de
Anna até sua casa parecia ter levado uma semana. A noite já começava a cair.
Jennifer logo desceu da moto e tirou o capacete, olhou por um instante para ele
Esponja que havia colado meses atrás. Sentia como se tivesse engolido um
desespero, algo que nunca havia sentido antes, estava aterrorizada com a
possibilidade, agora certeza, de não ter mais Jennifer. Se olharam, ambas tinham
os olhos marejados.
Anna questionou, com uma voz que carregava todo o pranto que lutava para
manter dentro de si.
claro estavam se tornando uma constante. Fitava seus próprios olhos, como se
seu braço. Respirava com força agora, como se tentando se livrar de algo que
de Jennifer.
— Ainda bem que você está aqui... — Jennifer falou entre soluços.
— Mas só agora me dei conta que terminar o namoro implica em não tê-
la mais.
— Nós conversamos.
umas fitas adesivas, só pra ter o vaso de volta, não importando como.
— Uma ‘coisa’ quebrada. Agora eu sei o que significo para ela. Como
pude me enganar tanto?
— Só não se culpe.
— E o que eu faço com essa coisa gigante que eu sinto por ela? Eu amo
— Simples assim.
— Você acha que Anna te ama? — Becca perguntou com uma voz
cuidadosa.
— Bom, então bola pra frente. Tente ocupar sua mente... Preparada para
receber suas primas e Susan amanhã?
— Qual?
— Eu deveria ter falado para Anna que ia colocar Susan para dormir na
minha cama, por falta de colchões extras, para ser a malvadona que ela acha que
sou.
***
Era estranho ver suas duas primas, Carly e Amanda dentro do seu
apartamento, mas era ainda mais estranho ver Susan ali.
seus tenros dezoitos anos, parecia já menos adolescente que suas amigas, tinha
os cabelos loiros e cacheados, na altura dos ombros, um pequeno nariz bem
formado e covinhas que surgiam quando sorria, o que fazia com frequência.
— E você?
— Não é justo.
— Tudo bem, estou feliz em ter vocês aqui garotas. — Falou sorrindo
para elas. — Querem descansar?
— Quinze!
***
No dia seguinte, após uma tarde rodando por pontos talvez não muito
turísticos da cidade, subiam as escadas do prédio de Jennifer.
apartamento.
Todas riram.
— Que nada, esse carro é da idade da Amanda, saiu bem menos do que
imaginam.
sofá.
— Claro!
garotas como companhia, mas sempre que pensava em Anna era tomada por
uma nuvem de tristeza. Susan não havia tocado no assunto do caso que tiveram
em Montreal e estava apenas sendo uma amiga de suas primas, uma companhia
divertida e agradável.
para as meninas o quanto estava devastada por dentro, mas nem sempre com
sucesso, elas já haviam perguntado algumas vezes se estava tudo bem.
As dez partiram para o pub do Oscar, e depois de um pouco de conversa
com ele, Amanda pode entrar, com a condição de ficar só até meia-noite. O local
não estava muito cheio e ficaram próximo ao palco, onde uma banda de pop/rock
— Passo.
— Só não deem esse caneco para Amanda, ela vai ficar no refrigerante
hoje também.
A noite transcorreu de certa forma triste para Jennifer, estar ali no pub
não era exatamente o melhor lugar para se curar das feridas do relacionamento
recém terminado.
séria.
— Beleza.
— Por que você não vai chutar umas bolas por aí, ao invés de importunar
garotinhas? — Jennifer falou sem se alterar, não era um bom dia para irritá-la.
— Por que eu decidi ficar aqui conversando com vocês, e daqui vocês
não saem.
— Senão o quê? Você vai buscar seu namoradinho nerd para me bater?
Jennifer deu um passo para trás e desferiu um chute entre as pernas dele,
que se curvou com as mãos em cima do local atingido. Ela fechou os punhos,
deu um murro com a mão direita no seu rosto, e em seguida um gancho mais
Sacudiu as mãos no ar, com dor por causa dos socos desferidos, abriu a
Susan sentou-se ao seu lado e logo seguiram para casa, Jennifer estava
séria.
Naquela noite não houve muita conversa, foram logo dormir sem
férias com sua prima mais velha. Jennifer, encostada com o ombro numa pilastra
e segurando um copo de refrigerante já na temperatura ambiente, as observava.
Estava aliviada por estar sendo uma boa anfitriã, e era bom ter as garotas
ocupando seu tempo. Mas naqueles momentos em que ficava sozinha consigo
mesma, esses eram os piores. Achava que com o passar dos dias seu coração iria
descansar, mas parecia cada dia mais indomado. Às vezes tinha vontade de sair
no meio da noite e correr para a casa de Anna, como fez na noite de ano novo.
Mas como num flashback de um filme, aquela conversa no terraço surgia, as
— Você está fazendo falta nessa pista, é o estilo musical que não está
agradando?
— Daqui a pouco.
— Sabe, achei legal você me receber assim na sua casa, sendo tão
hospitaleira e tal.
— Não sei, pelo jeito como você foi embora. Achei que... Sei lá, eu
tivesse feito algo errado.
— É... Valeu.
Antes que Jennifer esboçasse reação suas duas primas a tomaram pela
Era quase uma da manhã quando Jennifer chamou todas para irem
embora, dessa vez sem percalços no estacionamento.
— Lógico que não, amanhã vamos num lugar que era ponto de encontro
de usuários de drogas, mas hoje em dia tem várias pistas de skate, e skatistas,
óbvio.
— Aee! — Vibraram.
Era Susan.
— Sim, terminamos.
Deslizou seu dedo sobre seu lábio, se aproximou e falou em seu ouvido.
— Por causa de Anna? Você acha que ela já não está te esquecendo? Ou
olhou entristecida.
adorável, foi bom o que tivemos, mas eu não consigo... Agora não.
preciso de um tempo para me reerguer... Eu não sou aquela Jennifer que você
conheceu em Montreal, sou apenas uma sombra dela, um fantasma, que está se
esforçando para não deixar isso estragar as férias de vocês.
***
Susan não voltou a tocar no assunto nos dias que se seguiram, naquela
terça-feira Jennifer as deixou no aeroporto.
— Vai ter uma banda bacana sábado no pub, te vejo lá, ok?
fazendo alguns ajustes em sua moto, quando viu um carro entrando pelo seu
portão, logo reconheceu quem dirigia.
— Sim?
— Amanhã nós todos vamos ao pub, bom, isso não é lá muito novidade...
Mas eu acho que seria legal se você fosse também, sair um pouco.
— Jennifer vai?
— Eu sei... Mas eu acho que pode ser uma boa oportunidade para
conversarem, de uma forma mais descontraída. E mesmo que vocês não tenham
uma conversa reconciliadora, vai ser legal você curtir um pouco, nós ainda
— Não sei se é uma boa ideia, Bob. Talvez minha presença estrague a
noite de vocês.
Jennifer e todo seu grupo estavam reunidos de pé, num dos cantos do
questionou Bob.
noite o clima estava agradável, Jennifer estava sem casaco, apenas com uma
camisa azul clara de botões, com as mangas dobradas até acima do cotovelo, e
jeans. Os cabelos presos. Quando não estava conversando com seus amigos,
estava olhando cabisbaixa para seu caneco, deslizando o polegar pela borda de
Anna trazia uma expressão um pouco nervosa, mas se esforçava para deixar o
clima leve, evitava pensar que aquela seria talvez sua última chance de fazer as
coisas darem certo e ter finalmente sua amada de volta. Não sabia ao certo como
abordá-la, nem quais palavras a desarmariam, era Jennifer que era boa nisso, em
desarmá-la, será que não havia aprendido nada durante esse tempo?
— Eu vim em paz.
— O filme, ‘O dia em que a terra parou’. Ah deixa pra lá... Se bem que
esse filme é da sua época, você deveria conhecer.
— Olha, desculpe, não quero discutir e também acho que não temos mais
e Anna permanecia à sua frente, como se tentando ter toda sua atenção naquele
momento.
Jennifer evitava cruzar seu olhar com o de Anna, desviava quase o tempo
todo.
— Você foi cruel... E foi tão fria depois na sua casa. — Jennifer
respondeu com certa mágoa em sua voz.
— Eu nunca te faria mal... Você esteve todo esse tempo ao meu lado,
parede.
— Eu também sinto a sua, mas não posso ficar com alguém que não
confia em mim.
— Eu confio.
Anna tirou sua mão na parede, voltou a ficar apenas na frente de Jennifer.
Não achou as palavras certas para falar naquele momento, e não falou nada.
— Foi por ciúmes? Tudo aquilo foi por ciúmes? Porque se foi, isso tem
— Eu diria que você não passa muita segurança para quem está ao seu
lado.
— Você está sempre olhando para outras garotas, flertando com elas,
mesmo quando estou com você.
— Sério que você está me acusando disso? Eu apenas olho, todo mundo
olha, você também pode olhar para outras garotas se quiser, ou garotos... Mas
— Eu não sabia disso, não sabia que você se sentia assim, mas de
qualquer forma não vejo isso como falta de respeito. Anna, você tem um
problema sério com comunicação, eu não tenho como adivinhar tudo que você
está sentindo.
suspiro.
— Eu queria que fosse... Mas para mim é tudo bastante complexo, até
mesmo pequenas coisas. Eu nunca estive num relacionamento como este.
— Eu sabia que mais cedo ou mais tarde você iria jogar a culpa nesse
‘fator’.
— Anna, você não nasceu para namorar com mulheres, ponto final.
— E eu sabia que mais cedo ou mais tarde você usaria esse argumento
também, da mesma forma que você falou isso para sua prima.
verdade na brincadeira. Sério, não quero te julgar por você ser quem você
realmente é. Eu que quebrei a regra básica de não me envolver com héteros,
àquele ponto.
— Bom, pelo visto estou perdendo meu tempo aqui. Você já deve ter
alguém engatilhado para esta noite, não quero atrapalhar seus planos.
— É, quem sabe eu encontre alguém com quem possa ter uma conversa
adulta.
noite.
Jennifer estava irada, saiu rapidamente da parede onde estava e foi para o
banheiro. Lavou o rosto várias vezes, deu uma boa olhada no espelho, se
Ficou não mais que dez minutos lá, com os braços apoiados na soleira do
de sua camisa e atingiu sua pele, arrepiando. De repente sentiu um arrepio maior,
Se dirigiu à escada certa do que tinha que fazer, era hora de colocar um
ponto final naquele clima desnecessariamente hostil, e ela não pretendia usar
palavras para falar isso. Desceu com passos rápidos os degraus, contornou o bar
e parou de repente.
Pode ver lá no canto mal iluminado onde estavam seus amigos, Anna
conversando animadamente com um amigo de Bob. Ela parecia interessada na
— É pra já!
— A terceira, porque três é meu número da sorte! Nem preciso dizer que
a dançar juntas, uma de frente para outra. Bastou apenas uma música, e Jennifer
passou seu braço ao redor da sua cintura, a puxando para um beijo, um beijo
lascivo e sem previsão de terminar. Naquele momento tentou não pensar em
***
— O que é isso?
— Aspirinas, sei que você está precisando. — Becca falou após jogar um
frasco de remédios em Jennifer, que dormia no sofá de seu apartamento.
rosto.
— Não posso apagar a luz do sol, Jenny, já passa das onze da manhã. —
Sentou-se no sofá menor ao lado.
— Nem me fale.
— Me deu vontade.
— Mas Jenny, na frente de Anna? Você pegou pesado, e olha que nem
garota ruiva.
para cima daquele cara eu... Fiquei muito, muito puta da vida. Não me orgulho
do que fiz.
— Normal, estamos numa fase boa. Ele é bem ocupado, mas sempre
arranja um tempinho para ficar comigo.
— O que ele faz?
— É... Só não é legal quando ele viaja para longe. Mês que vem ele vai
— A trabalho?
— Não, é algum compromisso do pai. Ele não fala muito sobre essas
coisas, é alguma coisa com seis grupos de alguma coisa.
— Não sei, acho que é uma reunião política, algo assim. Por que você
— Só curiosidade.
— Não, não... Só deve ser algo chato demais para ele entrar em detalhes.
E o pai dele, é líder de um desses grupos?
— Não, nada, deixa pra lá. Pega uma água para mim? Para tomar com
essa aspirina.
— Sobre seu arsenal... Você anda, você sabe, usufruindo dele?
— Becca... Não.
***
Foi uma semana péssima para ambas, uma das piores e mais nebulosas
era de dar pena dos Titans que cruzavam seu caminho nestas missões. Além de
de seu prédio e deu de cara com um pacote de papel pardo, enrolado por cordões
Naquela noite Jennifer foi para o pub sozinha, Bob e Becca não iriam,
mas sabia que encontraria conhecidos por lá. Estava decidida a apenas se
que teve, remoendo os últimos acontecimentos, iria tentar apenas beber e dançar.
Pagou sua comanda, vestiu sua jaqueta de couro preta e seguiu já com
certa embriaguez para seu carro. Arrancou com os pneus cantando e pegou o
rumo da Cidade Velha, iria ao pub do Joel, de longe o lugar que ela mais tinha
curiosidade em conhecer.
sabia qual era a rua, mas não exatamente onde era o bar. Andou em velocidade
bem reduzida, olhando placas e letreiros, pode ver um pequeno letreiro luminoso
com as luzes falhando, que dizia o nome do bar. Parou em frente do pequeno
Entrou no ambiente, era escuro e parecia ter uma leve neblina ocupando
Mais da metade das pessoas olharam curiosas para Jennifer, que ficou um
— Posso ajudá-la?
— Claro que tenho idade para beber. Você sabe, eu posso ter quarenta
— Você me pegou.
— Esse é meu nome. Foi alguém que indicou esse bar a você?
— Anna.
Jennifer riu.
— Ah, claro.
— Posso tentar?
— Fique à vontade.
Colocou a mão sobre sua cabeça, fechou os olhos. Abriu os olhos e olhou
— Hoje, recentemente...
— Não, a última vez que esteve aqui foi no ano passado. Mas nos
pouco.
sorriu.
Jennifer girou o banco e deu uma olhada ao redor, dando uma boa
percebia vários tipos notáveis, uma mesa em particular havia chamado sua
— Joel, eu sei que não é muito ético, mas... O que Anna falou de mim?
as mágoas porque a humana por qual estava apaixonada a havia trocado por uma
francesa.
estava indo viajar com a namorada. Eu estranhei um pouco, nunca soube que ela
havia se envolvido com uma mulher antes, ainda mais uma humana, mas nunca é
tarde para se tentar truques novos, não é mesmo?
— Que pena, me parece que tiveram bons tempos juntas, no final é isso
que importa.
— Bom, mas agora quero ter bons tempos com a tequila, me traz outra?
Novamente correu os olhos naquela mesa mais ao canto, uma das garotas
a olhava, e Jennifer voltou a virar para frente um pouco confusa.
— Ah, não, outra híbrida não... — Pensou com seus botões, que àquela
quão interessante era aquela garota. Bebeu seu drinque e voltou a falar com Joel.
Joel a interrompeu.
sentando-se no banco alto ao seu lado e apontando com a cabeça para Jennifer.
— Laura, prazer.
ombro.
Jennifer a olhou, de perto pode ver o quão verdes eram seus olhos, suas
sobrancelhas eram finas, arqueadas, era daquelas garotas que mesmo sem
esforço tinham um olhar sexy, em conjunto com uma grande boca. Aparentava
Jennifer olhou de relance para ela, que sorria com o mais malicioso dos
sorrisos. Sorriu também e pediu outro drinque. — Foda-se. — Pensou para si.
Laura riu.
— Provavelmente.
— Os Tangerinas.
Laura riu.
— Por quê?
— Sério?
mostrar de volta.
Riram.
depois pelo grande espelho preso no azulejo branco pode ver Laura entrando à
passos lentos, e a fitando através do espelho, ela só acompanhou com os olhos.
Jennifer a olhou.
— Agora?
— Agora.
Pagaram a conta rapidamente e cada uma seguiu para seu carro. Jennifer
conduzia se esforçando para enxergar a estrada que parecia sumir da sua frente,
completo numa lavadora de roupas. Mesmo estando nua não havia ainda se dado
conta de como havia terminado aquela noite. Arrastou-se até o banheiro, tomou
um banho e vestiu-se. Abriu a porta do quarto e deu alguns passos pela sala, ia
até a cozinha beber água, a ressaca era grande.
fogão, lançando um sorriso de bom dia. Agora lembrava de tudo, ou quase tudo.
olhando surpresa. — Já volto. — Falou e saiu pela porta, indo até o apartamento
de Becca.
— Anna??
— Certo, e você veio aqui pedir minha benção nesse seu novo namoro?
— Você que tem o costume de trazer garotas aleatórias para sua casa, o
que você fazia com as outras?
— Nada, elas iam embora assim que acordavam, não me davam um bom
— Ela me pareceu uma pessoa sensata, vou conversar numa boa com ela.
— Pode deixar.
— E eu estava brincando sobre se casar com ela, ouviu? Não case com
híbridas.
— E você deve estar pensando que sou daquelas loucas pegajosas que
acham que estão num relacionamento sério depois de uma noite.
Laura riu.
ótimos.
— Qual delas?
— Ficar com uma híbrida.
Jennifer riu.
tomar o café.
— Ãhn... Sim.
— Qual o nome?
— Anna.
— É, essa mesmo.
— É sim.
receosa.
— Não.
— Hum.
— Sério?
— Quem diria...
— Algo me diz que ela não foi só uma aventura para você.
Laura terminou seu café e colocou sua mão em cima da mão de Jennifer.
— Infelizmente tenho que abandoná-la, meu turno começa em quarenta
minutos, tudo bem?
Laura sorriu.
— Você pegou ontem à noite, mas tudo bem, eu também não lembro
***
estava amena, colocou um moletom, short, tênis e partiu. Mas antes de partir
olhou em cima da cômoda e viu o iPod que Jennifer havia lhe dado, resolveu
companhia.
aniversário de Bob.
— Ok.
Não demorou muito para começar a tocar Time after time, da Cyndi
lembrança havia a chacoalhado da letargia dos últimos dias, revivia tudo de bom
que havia passado com Jennifer, lembrava-se de como sentia-se ao seu lado,
Anna não estava agora julgando se era verdade ou não, estava apenas
lembrando do que sentiu quando ouviu Jennifer proferindo estas palavras
***
Precisava repor seu estoque do que Becca chamava de arsenal na gaveta do seu
Jennifer estava usando indiscriminadamente nos últimos dias, cada dia mais,
monstro particular.
— Não era bem uma encrenca, era só um impasse, que na verdade nem
— Ela é policial.
— Não estou no clima, vou ficar por aqui, ok? — Jennifer recusou.
Jennifer.
— Eu sei que você não quer falar sobre aquele assunto, mas tem algo
diferente hoje em você, está com uma cara péssima, quer me contar algo? —
— Faz tempo que não está nada bem, mas hoje você está parecendo tão
distante, triste.
— É mesmo? Quando?
— Essa semana.
— Sinto muito.
— Tudo bem, ela está tocando a vida dela, do mesmo jeito que eu estou
também.
diferente.
Esse era o jeito como Jennifer estava encarando seus medos e suas
frustrações. Seu avô havia depositado uma carga de expectativa grande nela,
para quando explodisse a tal revolução Vulpi, que parecia tão palpável agora.
Temia ter que encarar sua vida sem Anna, sentia como se faltasse um motivo
para sair de sua cama todos os dias, seu coração não deixava seu corpo
descansar, havia encontrado seu jeito torto de se desligar de tudo isso,
— Nunca imaginei que eu falaria isso, mas porque não tenta conversar
com ela? Sem acusações, sem julgamentos, apenas fale o que você sente.
E eu acho que ela já está em outra, acho que perdi minha chance de estar ao lado
— Por que essas coisas são sempre tão complicadas para você?
— Talvez eu mereça...
Jennifer foi embora cedo, mas não dormiu. Aquela noite terminou como
Nesta noite em especial uma angústia parecia querer explodir seu tórax,
foi preciso duplicar as doses para conseguir apagar as imagens de Anna com
outra pessoa, que não saiam de sua mente.
A noite saiu com Becca, Jim e Bob, foram à uma pizzaria comemorar o
— Jenny, tem três dias que não te vejo, porque você não tem atendido a
porta? — Becca a questionou, assim que ela entrou no local, antes que Jennifer
sentasse à mesa.
— Bom, aqui não é local para discutirmos isso, mas tem algo muito
errado acontecendo e desta vez você não vai fugir do assunto, vou na sua casa
— Hey, relaxa, está tudo bem, só estou com meus horários trocados,
— Ok zumbi, sente-se conosco, vamos comer uma pizza e tentar ter uma
noite legal.
— Bom, não sei como vocês chamam isso hoje em dia, mas sua
namorada me deve uma grana, ela só tem me enrolado, diz que a grana vai entrar
no mês que vem, mas dinheiro para comprar um carro ela teve, bonito isso, não?
Enfim, cansei das baboseiras dela, então vim cobrar de você. Hum, bonita sua
— Ela me deve dezesseis pacotes, é uma boa grana, e não posso ficar
— Continuo não fazendo ideia do que você está falando, e sério, tenho
mais o que fazer.
— São dezesseis potes, ela pegou dezesseis esse mês, não sei se ela anda
fazendo alguma festinha com essa droga toda, mas eu preciso da grana e não vou
mais aceitar desculpas esfarrapadas, senão tua garota vai comer grama pela raiz,
entendeu?
— Escute, não tenho dinheiro aqui, não costumo carregar essa quantia
tarde no porto, agora me dê licença que tenho mais o que fazer do que negociar
— Jennifer, eu sei que você está aí, abra essa porta! — Falou dando um
tapa na porta.
um mau pressentimento.
nada. Tentou novamente, com mais força, e finalmente a porta abriu-se. Entrou
devagar no apartamento, não viu sinal de Jennifer. O apartamento estava
aparelho de som também estava ligado, Anna desligou tudo, continuou olhando
ao redor.
— Jennifer?
Entrou no quarto e não viu nada, andou na frente da cama e pode ver
uma camiseta branca. Correu até ela e a virou, Jennifer estava desacordada, não
reagia.
Olhou ao redor, colocou o frasco laranja vazio que estava ao seu lado no
bolso da jaqueta, lembrou que o traficante havia falado que ela agora tinha um
carro.
carregou no colo, avistou uma chave de carro em cima da mesa e pegou. Desceu
lá.
de um volante há quase vinte anos, sabia o que tinha que fazer, mas sentiu-se
paralisada por um instante, sentia uma vertigem antagônica, tinha que levá-la o
mais rápido possível ao hospital, mas seu corpo se recusava a responder aos seus
comandos.
Olhou para o lado, viu Jennifer com a respiração cada vez mais lenta,
parecia apenas dormir, mas ela sabia que ela estava morrendo, teria uma parada a
qualquer momento. Virou a chave na ignição e arrancou com o carro. Deu ré
com dificuldade, bateu numa placa de trânsito, mas finalmente pegou a estrada e
braços.
— Duzentos! Afastem-se!
maca, mas ainda não havia sinal nos monitores. Anna estava num estado absurdo
— Trezentos! Afastem-se!
Ficou ali por uma hora, sentada, esperando por notícias, sem saber direito
o que pensar. Até que o médico veio até ela.
— Ela vai ficar bem, foi uma overdose causada por medicamentos
controlados e álcool, apesar da parada cardiorrespiratória está tudo sob controle,
ela está reagindo bem.
— Não acho que tenha sido isso, acho que ela tem usado essas coisas já
há algum tempo e deve ter se passado na dose hoje.
— Hum, mas é bom mantê-la sob vigilância, nunca se sabe. Ela já está
no quarto, quer visitá-la?
— Claro.
— Já estou de saída.
— Sim.
— Eu sabia que ia dar nisso.
— Você sabia que ela estava usando essas coisas? Por que não me falou?
— Ok... O carro dela está aqui em frente, deixei a chave com ela.
— Estou a caminho.
— Becca?
— Sim?
— Por quê?
seu pequeno quarto de hospital. Ela não se sentia nada bem, nem tanto pelos
efeitos do trauma em seu corpo, mas por ver aquele assunto tão pessoal exposto
desta forma, aquela era talvez sua maior fraqueza, sentia-se mal por isso.
— Ok, eu que me drogo e vocês que ficam loucos? Ela nem dirige, ela
— Não mais.
No dia seguinte, no início da tarde, Jennifer teve alta e voltou para casa.
Anna foi até o porto, estacionou perto do píer nove e saiu a procura de Tuck.
adaga de dentro do casaco e colocou em seu pescoço, ficando cara a cara com
ele, que àquela altura sangrava na boca e num corte no supercílio.
— Você nunca mais vai vender nada para Jennifer, nunca mais. Nem uma
pílula, nem meio comprimido, mesmo que ela venha aqui com rios de dinheiro,
você vai se recusar, você vai dizer não e vai mandá-la embora. Se você vender
qualquer coisa para ela, mesmo que seja uma cerveja, eu volto e acabo com a sua
raça, você será um desgraçado morto boiando no mar, entendeu? — Falava com
— S-sim.
— Você não tem ideia de quem você está lidando, então é bom que tenha
entendido mesmo.
— Isso aqui deve quitar a dívida da Jennifer. — Saiu sem olhar para trás,
— Sim, estou aqui na cozinha fazendo algo para almoçarmos. Por que
você não liga para ela? Ela ia gostar de receber sua ligação, ela está precisando
de você, Anna.
Anna caminhava devagar dentro de sua sala, ouvindo Becca, sentia uma
vontade enorme de ir visitar Jennifer, sabia que ela estava fragilizada, queria
— As coisas não são simples, a essa altura ela deve estar me odiando.
— A ajude, Becca, converse com ela, vigie, sei lá. Mas não permita.
Anna não estava preparada para receber uma notícia trágica em breve,
mal conseguia pensar nessa possibilidade, ainda estava assustada o suficiente
com o que havia presenciado no dia anterior.
— Cuide dela.
— Vou tentar.
***
— Era Jim? No telefone. Não quero atrapalhar qualquer plano que você
tenha feito com ele. — Jennifer perguntou, assim que entrou no espaço da
cozinha.
— Não.
— Era Anna.
— Hum.
— Jenny, eu não sei o que fazer com você. — Becca a fitava séria.
— Você não me ouve, não quer conversar, você quase morreu ontem,
qualquer hora você consegue.
— Ah, não estou a fim de falar disso. Foi um acidente, eu tenho total
controle do que faço, ontem foi um deslize, eu estava de estômago vazio, isso
— Você não vai parar, não é? — Becca apoiava as duas mãos sobre o
encosto da cadeira à sua frente, era perceptível certa angústia em sua voz.
— Não ando fazendo planos para nada, então não tenho essa resposta. —
Jennifer estava abatida, física e mentalmente, não queria se prolongar nesse
assunto.
***
Becca dormiu em seu sofá naquela noite, sabia que sua amiga não era
nenhuma suicida nem nada parecido, mas ainda temia por ela. Jennifer
conseguiu dormir mais do que havia dormido nas últimas semanas, engatou
No dia seguinte Becca foi trabalhar cedo e Jennifer acordou com a porta
Uma garoa fina caía, mas ela não se incomodou, andava devagar pela calçada da
vila, sentindo os pequenos pingos gelados umedecendo seu rosto. Tinha ideia
que havia passado por uma situação crítica, mas não estava consciente que
seguiu pelo labirinto de lápides que já conhecia bem. Chegou num descampado
já havia mudado o tom do verde em sua roupa, nos ombros e nos braços.
Estendeu a mão sobre o chão à sua frente, tocou a grama molhada, sem
pressa.
— E o mais irônico é que você que era a garota forte, como dizem... Era
para eu estar aqui, não você. Mas já que está aí do outro lado, talvez você saiba
— Desculpe, meu anjo. Sei que sou uma grande decepção, mas quem
Ergueu o capuz sobre sua cabeça e saiu caminhando de volta para casa. À
— Becca?
sua inquietação triplicava, enquanto rolava de um lado para outro. Horas mais
animar-se a ir trabalhar. Abriu a janela e viu um sol solitário no céu, sem nuvens.
Estava quase calor, abandonou o casaco em cima da mesa e seguiu para o porto,
reflexão.
Ela sabia que aquela sua gaveta estava vazia, e também sabia que deveria
ficar longe do que quase a matara. Mas quando lembrava que mais uma noite
— O que isso, Tuck, isso é jeito de tratar os amigos? Hoje é seu dia de
sorte, não vim de mãos vazias. — Sorriu. — O que foi isso no seu rosto?
Jennifer o segurou pelo ombro, fazendo com que olhasse para ela.
— Hey, eu trouxe grana, posso te mostrar. — Falou num tom mais baixo.
— Eu não vou vender mais nada para você, tenho amor a minha vida.
— Não quero confusão com híbridos, só sei que não te vendo mais nem
você.
Seguiu com passos agora rápidos até seu carro e saiu em velocidade. Ela
tinha uma grande dúvida povoando sua mente, e somente uma pessoa tinha essa
resposta.
Desceu as escadas ainda descalça, viu Jennifer entrando por sua porta com uma
expressão transtornada.
— Você foi falar com Tuck, você o procurou no porto. — Jennifer parou
— Você bateu nele, para que não me vendesse mais nada. — Apesar de
— E foi você que me encontrou e que me levou para o hospital, não foi?
Por que você fez isso tudo? — A essa altura já chorava, seu coração doía de
tanta inquietação. — Você fez essas coisas porque ainda se importa comigo?
Jennifer fechou os olhos com força, jogando a cabeça para trás, voltou a
encarar Anna.
subiu sua mão por sua nuca, entrelaçando seus dedos nos cabelos, que estavam
presos num rabo de cavalo.
beijos. Seus lábios uns contra o outro pareciam querer se fundir em um só, um
cores, todo aquele cinza saindo de seus corações e permitindo que o vermelho
voltasse a preenchê-los.
semanas, o quanto era confortável sentir seu corpo unido ao de Anna, desfrutar
seu cheiro, sua pele.
Anna afastou um pouco seu rosto e a fitou com ternura, ambas tinham os
olhos vermelhos.
— Eu também, pequena.
— É o iPod que eu te dei que está tocando? — Podia ouvir música vindo
do andar de cima.
pingente de lince.
Anna olhou para sua mão e voltou a olhar para Jennifer, aproximou seu
Pegou Jennifer pela mão e subiu as escadas com ela logo atrás. Foi até o
criado mudo e atendeu. Jennifer a olhava, de pé em frente a cama.
— Oi Becca, como...
— Jennifer não apareceu ainda! Ela nunca fica até essa hora no porto,
não sei onde procurá-la! Desculpe te ligar, mas Bob não atende e não sei o que
fazer, Meu Deus, será que...
— Hey, heeeey! Acalme-se, garota. Ela está aqui em casa.
— Ah não, vocês estão brigando de novo, ela vai tomar uma tonelada
daquela porcaria quando chegar em casa, isso se chegar em casa!
— Pelo amor de Deus, Jenny, pare de me dar sustos, eu não tenho mais
idade para essas coisas. Quando entrei na sua casa agora e não te encontrei quase
enfartei!
Anna a fitou.
— Jennifer, eu sei que você gosta de sentir intensidade em tudo que faz,
que talvez você não pense muito antes de tomar algumas decisões, mas sua vida
é algo mais sério que qualquer rompante ou má ideia que você tenha.
— Eu sei.
Anna a puxou para próximo de si, pela cintura, unindo seus quadris.
mágoas não tiveram a menor chance. Jennifer tratou de sentir e desbravar cada
centímetro do corpo de Anna, e esta deu à Jennifer o prazer e alívio que droga
percebeu o motivo, sorriu. Estava aliviada e com o coração em paz por ter
passando pela nuca, onde começavam seus fios de cabelo, e subiu até atrás da
Tirou seu braço devagar, mas ainda mantendo-se como uma concha para
***
perguntando onde estava. Olhou para o lado e viu todo aquele espaço
desocupado na cama, com o lençol ainda mexido. Olhou para frente e viu suas
roupas dobradas em cima do sofá de madeira, sorriu.
tonta, nauseada, esperou aquela sensação passar e saiu. Vestiu-se com a roupa
que havia ido até lá, não tinha mais nada seu na casa, seguiu para as escadas e
assim que abriu a porta do quarto deu de cara com Anna, que assustou-se,
Por um instante ficaram num impasse, olhando nos olhos uma da outra,
como se ambas esperassem alguma primeira reação, de preferência positiva.
— Sim, senhora.
— Praticamente um mês.
mão na altura do ombro dela. — Era mais ou menos aqui. Olha onde já está.
— Porque eu te conheço, você está com rodeios, com receio que eu entre
em algum assunto que talvez... Você não queira entrar.
frente, pensativa.
— Mas tem uma diferença enorme entre ter suas cartas na mesa, e jogar.
— Não foi total surpresa quando soube que você estava se drogando.
— Por quê?
— Lembra aquela noite, depois de uma missão que você levou um tiro de
raspão...
— Que eu nem havia percebido. Lembro. Eu falei para você pegar o kit
dezesseis potes, e eu juro que levei alguns segundos achando que ele estava
falando de comida.
— Com o quê?
— Com a gente.
— Meu pai dizia que todo relacionamento sólido precisa ser construído
sobre três bases, não falo somente de relacionamentos amorosos, mas todo tipo
confiança, para ser mais exata. E não soube lidar com isso, muito menos me
expressar, e errei. Como se isso já não bastasse para abalar as estruturas, em
abaladas?
mão.
— Escute... Não quero que você se sinta insegura quando estiver comigo,
nem que fique imaginando coisas. Se estou com você, estou só com você, e eu
seria louca se não fosse assim, perto de você todas as outras garotas são apenas
coadjuvantes.
gostar de outra pessoa, irei te contar, não quero dar espaço para dúvidas. E você
promete que sempre que tiver algum grilo, alguma dúvida, você vai conversar
comigo, não vai deixar a bola de neve chegar onde chegou. Mas fique tranquila,
não tenho a menor intenção de usar isso como prerrogativa para ficar com outras
pessoas, só quero que você tenha sempre certeza que não estou escondendo nada
de você.
— Não. Um acordo desses não deve ser selado com um aperto de mãos.
pela nuca.
— Não tenho grilos, nem nenhum outro inseto. — Sorriu, e virou-se para
frente.
— Hum, sei. — A fitava, ela sabia que Anna estava pensando em algo do
tipo e logo começaria a falar.
Alguns segundos depois, Anna deu uma olhada para o lado e perguntou,
Jennifer riu.
— Só curiosidade, então?
— Só curiosidade.
— Ela me procurou uma noite, mas não aconteceu nada, quase nada... —
Falou baixando a voz no fim da frase.
— Quase nada?
— Eu sei.
— Aquela garota ruiva que você ficou no pub, naquela fatídica noite...
Você a conheceu no dia da festa anos oitenta, que eu não pude ir porque tinha
— Isso.
— Ok, você está certa, se você tem dúvida, pergunte mesmo. Mas então
me deixe esclarecer uma coisa, eu nunca fiquei com outra pessoa enquanto
— Totalmente.
— E até hoje eu não sei o nome daquela ruiva. — Riu para si.
— E foi assim que pela segunda vez essa semana meu coração parou. —
Jennifer brincou.
— Claro.
— Claro que meu preparo também conta, mas o mérito é quase todo dos
grãos brasileiros mesmo.
— Bom, agora que já sei o segredo... Já posso pedir o divórcio, foi bom
te conhecer, na partilha dos bens vou ficar com seu estoque de café.
***
final da calçada e entrou com uma expressão enigmática em seu rosto, juntando-
se aos seus amigos já alojados numa mesa próxima ao bar. Todos a olharam
pazes na noite anterior, mas preferiram não perguntar o que havia acontecido
com Anna.
— Ah, eu gosto da banda de hoje! Faz tempo que não tocam aqui, não é?
— É, faz algum tempo que não vejo eles por aqui. E eu acho esse
vocalista bem... — Olhou para o lado onde Jim estava sentado. — Bem, você
Jennifer continuava com uma expressão que não dizia muita coisa.
respiraram aliviados, Jennifer não conseguia conter seu sorriso bobo. Anna
— Não, assim foi mais divertido, adorei a cara de pânico que vocês
fizeram quando Anna chegou. — Sorriu. — E achei que você deduziria, por eu
— Ops... — Riu.
sisuda, segurando com força seu copo, bebia suco em solidariedade à Jennifer
no seu ouvido.
— Achei essa a mais criativa. — Falou começando a dançar a sua frente,
sorridente.
pelo clima quente que Jennifer estartara. Anna estava dançando frente a frente
com Jennifer, que agora sorria abertamente, mas ainda mantinha uma dose
suas mãos, as subia em seus quadris. Aproximava seus lábios dos dela, mas não
a deixava beijar, estava fazendo um jogo com Anna, estava adorando a reação
dela. Quando começou outra música, Anna puxou Jennifer pela cintura e a
— Vamos para minha casa. — Anna falou lançando o mais malicioso dos
sorrisos.
— Você disse que não sabia dançar. — Jennifer comentou, enquanto
pagavam suas comandas na portaria.
— Bom saber.
atrás, que vinha fechando seu casaco por causa da brisa fria que soprava.
— Sim, pode indo de moto, vou logo atrás. Não durma, viu? — Falou
sorrindo.
montando na moto.
Jennifer entrou no seu carro, fechou a porta e girou a chave. O carro não
pegou, fazendo um barulho prolongado.
— Ah, fala sério, você de novo? — Jennifer falou num tom injuriado.
Era o mesmo cara que havia mexido com ela e suas primas algumas
levaram arrastando de costas até um beco que se formava entre dois prédios
próximo dali. Ela esperneava e tentava se soltar, mas o outro grandalhão ajudava
a segurar. Chegaram até o final do beco, que tinha uma pequena claridade vindo
de frestas acima. Além de algumas caixas de papelão, havia apenas o ladrilho
molhado e escuro.
A jogaram numa pilha de papelão amassado e logo foram para cima dela,
segurando seus braços e ombros contra as caixas. Ela pode ver caminhando
lentamente em sua direção o cara que a havia abordado, com um sorriso irônico
nos lábios.
— Hum, bem melhor assim... Sabe, naquele dia confesso que estava um
pouco bêbado, só por isso que você conseguiu me acertar. Boa notícia: hoje
suas pernas, Jennifer sentia aquelas mãos deslizando sobre seu jeans e tinha
vontade de chorar mais do que já chorava. Em seguida ele abriu seu cinto, sem
pressa. Jennifer tentava atingi-lo, mas um dos caras grandes segurou uma de suas
pernas.
— Mas que gata selvagem você é, hein? Colabore e quem sabe você sai
seu zíper. Jennifer olhava desesperada, suava, não tinha mais forças para tentar
fugir dali. Ele abria seu casaco quando um dos seguranças bradou.
— Atrás de você!
— O quê? — Respondeu confuso.
Antes que virasse para trás, sentiu algo rígido golpeando seu rosto,
fazendo com que sangue e talvez alguns dentes voassem de sua boca enquanto
cima dela com raiva, porém com mais raiva Anna o acertou quatro vezes na
cabeça com a barra, caiu sangrando. O valentão atlético, que agora virava-se no
chão como um rato encurralado, fitava assustado Anna, já sabia de onde tinha
vindo o golpe que o fazia cuspir sangue até agora. Ele ergueu-se, se sustentando
falhando.
Anna deu alguns passos ficando aos pés dele, olhou dentro de seus olhos
— Anna...
— Tá tudo bem agora. — Anna corria sua mão pelos cabelos dela,
Anna a ajudou a levantar dali, deu uma conferida se estava tudo bem,
Jennifer concordou, Anna lhe deu seu próprio capacete e seguiram para a
casa de Anna.
— Acidente doméstico.
Anna sorriu.
macio.
— E o que aconteceu?
— Sim.
achando estranho seu carro estar lá, com o vidro aberto e sem você dentro, fui na
— Não quero nem pensar no que teria acontecido se você não tivesse
voltado.
***
sacada, o olhar perdido no mar à sua frente, com o adorno amarelado do sol que
nascera há pouco tempo. Anna se aproximou com duas canecas de café e lhe
entregou uma, transpassou seu braço ao redor da sua cintura e deu um beijo em
seu pescoço. Ficaram lado a lado, olhando por alguns instantes em silêncio para
a imensidão esverdeada, Jennifer girava sua caneca nas mãos, usava uma calça
cinza de Anna e um regata também dela.
— Helen?
tão imersas numa conversa sobre o que cozinhar para o jantar, que andávamos
sem maiores preocupações pelo porto. A noite já havia caído, seguimos entre
minha boca e um braço me puxando para trás. Quando percebi, haviam feito o
mesmo com ela, e já estávamos num pequeno espaço atrás dos contêineres, no
chão.
— Os caras eram bem grandes, não maiores que aqueles irmãos vikings
que enfrentamos na Escócia, mas eram bem truculentos. Eles praticamente
montaram em nós e nos imobilizaram, eles nos batiam quando tentávamos gritar,
então eu desisti de tentar gritar por socorro. O que estava em cima de mim estava
sem camisa, tinha umas tatuagens horrorosas nos braços, e o que estava com
Helen ficava falando coisas grotescas sobre os híbridos.
também estava lutando, mas mesmo sendo híbrida, ela não era tão forte como
você, ela nunca gostou de nada violento, nunca deve ter batido em ninguém, nem
barata ela matava.
— Enfim, eles... Você sabe, você pode imaginar o que fizeram com a
nunca imaginaria que Jennifer tivesse passado por uma violência desse tipo. A
fitava, estarrecida.
— Eu percebi que Helen não estava mais tentando gritar, não estava mais
fazendo barulho algum. Olhei para o lado e o vi com as mãos em seu pescoço,
ele estava a sufocando, ela estava com as mãos em seus punhos, tentando se
soltar, mas ele era muito mais forte que ela. Algum tempo depois eu... Eu vi suas
mãos caindo ao seu lado... — Jennifer se esforçava para continuar falando, a voz
falhava, soluçava. — E então ela não se mexeu mais. Ele a havia matado e eu
tinha certeza que seria a próxima. Eu olhei nos olhos do cara que estava em cima
de mim e foi exatamente isso que eu percebi. Bom, não sei de onde surgiu aquele
impulso, eu acho que converti todo o medo que estava sentindo numa força
dentro de mim, sei lá, e consegui soltar minha perna, acertei uma joelhada bem
no meio das pernas dele... E funcionou... Aproveitei a deixa para empurrá-lo
para o lado... Eu fugi, corri como nunca havia corrido na vida, sem olhar para
trás.
Helen ainda estava lá, eu já não podia fazer mais nada por ela, mas ela ainda
estava lá... Com aqueles caras... — Parou um instante, respirou com mais calma.
— Eu não sabia o que fazer, não sabia a quem pedir ajuda, eu fui para casa.
Becca e Bob foram meus anjos da guarda, eles me ajudaram de tal forma...
Principalmente Becca. Nossa, eu... Estava acabada... Os caras pegaram pesado,
— E no dia seguinte eu fui até a casa dela, dei a notícia para sua mãe e
sua avó. Encontraram o corpo no mar, naquele mesmo dia.
— Faz quanto tempo que isso aconteceu?
Pela primeira vez desde que havia começado a falar, Jennifer olhou para
Anna.
— E não teve um dia sequer nesses três anos, que não me culpei por não
tê-la salvo.
— Não sei, eu poderia ter sido mais forte, poderia ter lutado mais,
tentado soltar minha perna antes, somente eu poderia ter mudado o curso
— Você não tem culpa de nada, meu anjo. — Anna afagava seus cabelos.
— Pense em tudo de ruim que você fez, ou que você permitiu que
acontecesse, por causa dessa sua culpa, o que ela acharia disso? Você precisa dar
outro sentido para a morte dela, você não é a responsável pelo que aconteceu, é
apenas uma sobrevivente. — Anna falava com uma voz calma, apaziguante.
— Eu sinto muito por tudo isso... Queria que você tivesse me contado
antes, mas eu te entendo. Meu amor, você precisa deixar Helen partir.
Jennifer não falou mais nada, mas Anna percebeu algo errado.
— Talvez.
— Nada.
— De carro? — Sorriu.
Anna a olhou, passou seus dedos em sua testa, afastando seus cabelos.
seu lábio.
— Já vou.
Anna se levantou, passou a mão esquerda por baixo dos seus joelhos e a
Jennifer prontamente virou-se e deitou-se em suas pernas, passando sua mão por
trás de suas costas.
— Me desculpe pelas coisas que falei sobre Helen aquele dia, eu não
fazia ideia.
— Não sei, ela nunca me falou. Ela dizia que a idade biológica era um
mero detalhe. Aparentava uns vinte, mas com certeza tinha mais, ela estava
que você deve estar achando que sou algum tipo de viciada, ou sei lá... Eu dei
margem para isso, mas não é o que parece. É que as últimas semanas foram
pesadas.
— É, eu sei.
— Desde o dia que te conheci, até o dia que terminamos, eu não tomei
sequer um comprimido, nunca usei nada ao seu lado.
Anna se dava conta que fazia parte de algo muito maior do que
imaginava.
— Desculpe se te julguei. Você é uma boa garota, foi injusto isso que te
aconteceu. E eu quero garantir que nada do tipo aconteça com você novamente,
— Eu sei que isso pode soar meio cafona, mas eu sentia que tinha um
vazio enorme aqui dentro, quando você apareceu... E preencheu tudo tão
lindamente, que eu nem acreditava que você era de verdade. Eu levei um bom
esbarrar acidentalmente na sua mão, mas com o passar dos dias eu comecei a
sentir uma espécie de urgência em ter mais, em poder tocar você, queria poder te
abraçar sem ter uma boa desculpa para isso, queria poder te beijar, mas sabia que
não seria correspondida, e isso doía muito, por isso resolvi ficar no Canadá.
— Posso te garantir que não foram pelos quitutes da minha vó, que são
muito bons, diga-se de passagem. — Deu uma olhadela para cima.
Anna riu.
— Sente-se melhor?
— Uhum.
— Por que você não me contou tudo isso antes? Sobre Helen.
— Você carrega esses fantasmas com você o tempo todo, seu sono é
agitado e tenho certeza que é por causa disso. Você já falou o nome dela
enquanto dormia.
— Fez.
— Eu tenho pesadelos.
Jennifer levantou e foi até a mesa próximo a porta de vidro, foi até a
sacada atender. Anna, da cama pode apenas observá-la, estava com um
aparelho.
— Quem era?
assustado dela.
Jennifer aprendia a duras penas que toda atitude acaba tendo uma
cabeceira, lançava um olhar temeroso. Sentou-se ao seu lado, de frente para ela.
— Eu não sei, tentei argumentar, mas ele parecia inflexível. Disse que
— Mas nada disso vai acontecer de novo, eu falei para ele. Eu só quero
— Qual?
Ergueu as sobrancelhas.
— Meu lugar é aqui. Mas sei que irão precisar de mim. Não sei se estou
— Eu sei. Não se preocupe com isso. Mas se for algo pesado demais,
você sabe que pode dividir o fardo comigo, não sabe? Seja o que for.
— Quem sabe.
***
iria visitar Max, como fazia todas as semanas. Teve uma sensação estranha
conduziam ao escritório.
— E vocês?
Anna deu um sorriso bobo.
— Ela voltou para casa dela ontem à tarde e já estou com saudades,
querendo correr para o apartamento dela. Isso responde sua pergunta?
conheço você desde que usava fraldas, seu pai te trazia aqui e você mexia em
com ela.
isso várias vezes, mas nunca deixe uma conversa para depois, o diálogo é a
chave do entendimento.
últimos dias, outras coisas ficaram mais claras. É que as vezes é difícil entrar na
cabeça dela. Ela tem muitos esqueletos no armário.
— Vocês querem ficar juntas, vão encontrar um jeito, o avô deve estar
assustado, quer tomar providências imediatas.
— Não sei, estou com a sensação que fui seguida, não somente hoje.
observada.
sabe.
— Tomarei.
— Sempre.
— Quem, a polícia?
— Isso, estão com um impasse e precisam de nossos servicinhos. É uma
missão conjunta.
— Acho que Jennifer vai querer voltar à ação. Mas depende do tipo de
serviço.
— Um resgate em Newtown.
— Hum... Prossiga.
***
— Não tem problema, desde que tenha comida neste saco aí.
— Rosquinhas.
— Ok, pode entrar. Mas você não me acordou não, Becca me tirou da
cama cedo, veio fazer a checagem matinal.
— Que checagem?
— Se estou viva.
— Que horror.
— Mas também vim ver como você está, você deveria ter passado a noite
lá em casa.
— Ok, seu argumento foi melhor que o meu, vou me recolher à minha
— Sim, e resolvi passar aqui para dar um beijo de bom dia. — Andava
até o sofá.
— E onde está?
— O quê?
— O beijo.
namorada pela cintura e a beijou, mas parecia não se contentar com um simples
beijo de bom dia, o prolongou de forma voluptuosa, logo Jennifer subiu suas
mãos sorrateiramente por dentro da blusa de Anna, a incendiando.
— Assim não vou parar no beijo de bom dia... — Sussurrou no ouvido de
Jennifer.
dão, com Jennifer se atirando na cama. Anna tirou sua roupa sozinha de pé em
frente a cama, com grande agilidade, enquanto Jennifer a olhava com um olhar
desejoso e um sorriso bobo, ou talvez nada bobo. Puxou Jennifer pelas pernas, a
pegando de surpresa, e tirou a sua calça. Subiu na cama de joelhos, a trouxe para
próximo de seu corpo, tirando sua blusa de alcinhas brancas, finalizou a puxando
pela nuca, lhe dando um beijo que saciava um pouco do desejo que sentia no
momento.
prendendo, percebeu que Anna suspirava mais forte agora, e arrepiava-se quando
demorava seus lábios por seus mamilos. Não demorou muito para que Anna
baixava seu corpo, queria sentir sua pele em contato com a pele dela, uniram-se,
roçavam-se.
Anna deslizava avidamente as mãos pelo corpo de sua namorada,
enquanto a beijava, ora nos lábios, ora no pescoço, às vezes mordiscava sua
orelha. Era desejo em sua forma plena, tendo paixão como combustível, Anna
agora sabia exatamente como era a dor de não tê-la mais em seus braços, em sua
cama, e queria consumir cada gota de Jennifer, era muito mais que apenas fazer
amor.
Desceu seus beijos pelo pescoço dela, chegou até seu seio, permitiu-se
demorar em ambos com sua boca e o toque delicado de sua mão, Jennifer ficava
cada vez mais ofegante, mordia o lábio inferior. Anna desceu mais um pouco,
correu seus lábios quentes até seu umbigo, e fez o mesmo caminho de volta com
a língua, até o espaço entre seus seios. Voltou até a região da cintura, contornava
o umbigo sem pressa, com beijos suaves, podia sentir a leve penugem da pele de
quando se arrepiava.
Caminhou pelo baixo ventre, logo sua boca encontrou seu destino final,
que prevendo as intenções de sua namorada, espaçou sua perna para o lado,
deixando ainda mais fácil para Anna encaixar-se entre seus quadris. Parecia que
seus corpos haviam sido feitos para isto, para encaixaram-se em qualquer
posição. Anna a puxou para si, passando sua mão por baixo da cintura de
Jennifer. Percorreu as pequenas curvas quentes e molhadas com seus lábios e sua
língua, pode sentir que Jennifer estava de fato entregue, de corpo, alma e
excitação.
Aumentou um pouco o ritmo com seus movimentos, sentia Jennifer
vibrando, arfando, parecia buscar algo com sua mão irrequieta no lençol branco.
Anna a segurou pelo quadril com força, a absorvia, sorvia. Jennifer alcançou o
Anna ergueu um pouco os olhos e viu Jennifer ainda com a cabeça para
exposto. Jennifer voltava a si, a fitou e colocou sua mão quente em seu rosto,
de Anna.
Anna sorriu satisfeita, ficaram assim por longos minutos, trocando beijos
e calor.
***
— Me sentindo ótima.
— Não.
— Sim.
— Ãhn... Só um minuto.
— Como posso ter meu coração em paz com você aí tão longe, sem
notícias suas, sem saber como você está, se está em perigo, se precisa de ajuda,
um deslize, mas agora estou bem melhor, e prometo mantê-lo sempre informado.
— Vô...
— Eu te liguei hoje preparado para ouvir exatamente isto, sei que não
sou páreo para a sua teimosia, por isso eu vou lhe propor um plano B, mas ouça
com atenção, pois é pegar ou largar.
e agora você é um membro honorário deste clã, você vai fazer parte
efetivamente, não será apenas um membro, você fará parte do conselho, irá
participar das reuniões, todas elas, irá frequentar a casa dos líderes, vai entrar
— Sim.
— Alguma dúvida?
— Não tem datas fixas, eu já repassei seu telefone e endereço para eles,
irão te procurar muito em breve, e você aceitará todos os convites que receber.
— Ok.
— Em segundo lugar, você virá nos visitar com regularidade, não vou lhe
impor uma frequência, mas vou lhe sugerir que seja de dois em dois meses, ou
três. Quero me certificar pessoalmente que está tudo bem com você.
Compreendido?
— Sim senhor.
— Bom, o terceiro item é sobre sua mesada, mas antes quero conversar
sobre uma coisa com você.
— Manda.
— O que houve entre vocês? Como ela não percebeu o que estava
acontecendo?
— Ela sentou diante de mim e prometeu cuidar de você, mas pelo visto
— Mas agora estamos juntas novamente, e sei lá, eu sinto que as coisas
agora estão mais fortes, se não tivéssemos terminado eu não teria... O senhor
sabe, aquela coisa toda e tal.
sobre ela e sua família, e talvez você não saiba de tudo que descobri.
Jennifer ficou ainda mais apreensiva, se tivesse mais testa para franzir,
era o que faria naquele momento.
— E você sabia que seu avô materno, juntamente do seu tio, de nome
— Bom, mas você deve saber que ela foi noiva, de um rapaz de nome
Robert.
— É... Pelo visto tem bastante coisa que você não sabe.
— Eu sei, e esse não foi meu objetivo. Ouça... Eu resolvi dar um voto de
— A mesada.
— O acordo será entre vocês, mas ela terá que prestar contas todos os
— Ok, Anna.
— Certo, mas eu vou querer falar com ela, preciso dar uns puxões de
orelha, só para fazer meu papel de avô. Peça para ela me ligar mais tarde, ok?
— Tá bom.
Jennifer estava meio desnorteada com a quantidade de informações.
— Promete que não vai mais fazer nenhuma besteira, Jenny? — Falou
num tom de voz tenro.
— Prometo vô, sério, pode ficar tranquilo, está tudo sob controle agora.
Quando avistou Anna não soube o que falar muito menos como esconder dela a
cama.
— Eu estou aliviada por poder ficar, mas ainda estou processando tudo.
morando aqui.
— Algo muito difícil de atender?
— Basicamente sim, você vai ter que prestar contas com meu avô todos
os meses. Claro que você pode declinar dessa nobre função se quiser, e então um
monitor Vulpi será contratado para ser meu monitor particular. Foi a segunda
— É claro que aceito essa nobre função. — Correu sua mão na cama e
colocou em cima da mão de Jennifer. — Eu faço qualquer coisa para ter você
aqui por perto.
polegar.
imposições?
Estava difícil conter sua curiosidade nata, Jennifer queria poder falar
sobre tudo que havia conversado com seu avô, obviamente não seria uma boa
sei disso?
— Bom, seja quem for que obteve essa informação, deve ter falado com
alguém da parte dele, porque é isso que eles falam por aí, algumas vertentes até
dizem que o abandonei no altar.
— Não tenho uma resposta satisfatória para essa questão, nem para mim
mesma.
— Não, era Rob. E Rob não aceitou o fim da relação, mas não teve muita
escolha.
— Viu, nem doeu. Era só curiosidade mesmo, não quero resgatar velhas
histórias de amor.
— Ótimo.
beira da praia.
— Qual?
— Tive.
— Quase nada.
— Mesmo?
— Apenas faça.
— Hey, olhe para mim. — Anna pegou sua mão e a puxou para perto.
— Polícia?
Capítulo 28 - O babaquinha do homem aranha
— Tem certeza que está pronta para voltar à ativa? Outras missões
aparecerão.
beijo.
— Esse não.
Anna riu.
— Que seria...
— Meu carro, você ainda não andou comigo. Tá, teve aquela vez que
você me levou para o hospital, mas não conta porque eu estava desacordada.
descendo as escadas.
— Ok, poderia ser pior... Então, como é esse lance de missão conjunta?
— Dessa vez nem é assim bem conjunta, eles não entrarão conosco, vão
— E o que faremos?
— Nós vamos para o bairro que te falei, Newtown, encontraremos alguns
policiais, de lá entraremos numa espécie de condomínio fechado e faremos o
— Quem é?
cara é quem sabe de tudo, de todos os envolvidos com a máfia, por isso querem
tanto prendê-lo, parece que tem alguns políticos na lista de clientes. Mas a coisa
ficou feia porque isso se tornou um caso público, até o prefeito já foi na mídia
falar que iria prender esse contador rapidamente, mas até agora nada, porém já o
— Aí que está o pulo do gato, a polícia não pode entrar nesta vila de
— A polícia não pode entrar, mas contrata gente como a gente para fazer
o serviço deles.
— Simples assim.
— Não tem missão simples, essa vila deve ser muito bem vigiada, vamos
encontrar alguns obstáculos, se é que você me entende... O cara em si não
— Entendi.
— Então já sabe, fique sempre atrás de mim, não tente nada maluco nem
arriscado, não faça barulho e não se distraia com bichinhos de estimação.
Anna falou apontando para uma viatura parada num local mais alto, de
cercadas por pequenas ruas asfaltadas e bem iluminadas. Saíram do carro e logo
viram um policial negro saindo do carro, e do outro lado uma policial de cabelos
negros e óculos.
beijo e abraço que Laura havia lhe dado. Anna observava a cena sem entender o
que acontecia, com a testa franzida.
desembaraço.
— Que bom te rever aqui, nem imaginava que você era algum tipo de
paladina noturna.
— Sim, voltamos.
Jennifer sabia que Anna já havia sacado que havia acontecido algo entre
elas, àquela altura seria desnecessário qualquer tentativa de encobrir, mas
também não seria ela que contaria abertamente, esperaria Anna perguntar, o que
ela sabia que aconteceria mais cedo ou mais tarde.
— Fico feliz por vocês, mesmo. Bom, mas se as coisas mudarem... Você
sabe, você tem meu telefone.
agradável e fresca, Anna usava uma regata negra de alças finas, e por cima vestia
seu coldre com duas adagas guardadas. E no cós da calça, atrás, uma arma.
planejando o percurso.
— Acho que devemos ir por ali, por trás daquelas casas brancas. —
Apontou.
Andaram por trás de grandes casas sem muros, até chegarem numa
pequena rua, onde havia uma guarita de vigilância, um forte segurança estava de
— Faça barulho.
— O quê?
Jennifer olhou ao redor, pegou uma pequena pedra e atirou para frente,
fora. Quando ele se aproximou, Anna o puxou pelo pescoço e arrastou para trás
da casa, ele ainda tentou revidar, acertando uma cotovelada já sem muita força
— Ahan. Hey, o outro cara está olhando desconfiado para cá, temos que
agir logo.
Anna ergueu novamente a arma, deu mais uma espiada e correu até a
guarita. O elemento que vigiava não era de grande porte, deveria ser uma espécie
de sentinela, mas era ágil. Ele sacou sua arma, mas Anna conseguiu impedi-lo de
Anna prontamente finalizou com sua arma e seguiram para trás das casas
novamente, correram pelos quintais e esgueirando-se pelas paredes sob a
falar algo.
— O que foi?
— A casa rosa, deve ser aquela lá. — Anna falou apontando com a mão
— Aparentemente sim, se bem que pode haver mais casas rosas aqui...
Mas vamos arriscar. Preparada para entrar?
— Já estou lá dentro!
Jennifer tinha uma carta na manga, Anna também havia ficado com uma
garota naquela mesma época, por isso não estava levando muito a sério as
provocações de Anna, apesar de ter ficado tensa assim que viu quem era a
policial que as aguardavam. Esperava não ter que usar esta carta, mas se o tom
da conversa piorasse, usaria.
— Na minha retaguarda.
Anna arrombou a porta dos fundos da casa rosa, entraram num ambiente
escuro, era a cozinha e estava vazia. Continuaram passo após passo adentrando
os cômodos, andando pelos corredores, quando ouviram um som vindo do andar
de cima, logo subiram as escadas até encontrarem uma porta fechada, com o som
de TV vindo de dentro.
que ela entraria na frente, na contagem de três. Abriram a porta com vigor e um
homem aparentando uns quarenta anos, magro e com duas entradas calvas
Naquele momento Jennifer lembrou do que seu avô falara, que Anna
havia sido acusada de homicídio há nove anos, se deu conta que ela fazia aquilo
— Para a prisão.
Jennifer riu.
abrindo caminho?
— São os seguranças, eles são bem fortes para vocês, acho melhor me
Anna subiu os dois degraus que faltavam para o patamar onde eles se
— Você vai sair daqui com a gente, acostume-se com esta ideia, ok? —
Falou rispidamente.
— Sim, segure bem esse indivíduo, fique com seu punhal na mão e me
siga. E você, espertinho, não tente nada, ela tem autorização para machucar
você, acho que deveria saber disso.
bem próximo, mais à frente. Rapidamente elas voltaram para a porta da casa, se
— Não podemos voltar por onde viemos, teremos que dar a volta pelo
condomínio.
— Agora?
fundos das casas até chegarem numa outra rua, Anna parou bruscamente.
— O que foi?
— Não temos chance com esse grupo, temos que esperar que eles saiam
daqui, não podemos voltar. — Anna explicava à Jennifer.
— Ok, tomara que aqui não seja algum ponto de encontro de seguranças
fortemente armados.
Anna continuava alerta, empunhando sua arma. Então voltou seu olhar
para Jennifer, a fitou.
— No pub do Joel.
— Sim, algumas amigas dela. Por falar nisso, precisamos fazer amizade
com mais híbridas, elas são tão divertidas.
O homem que estava à frente, preso, olhava de um lado para outro, para
precisariam pegar a rua naquele trecho. Assim que pisaram no asfalto ouviram
enquanto Anna dominava o vigilante, caindo no chão sobre ele, logo já estavam
Josh começava a correr na direção da casa de onde vieram, partiu atrás dele, o
derrubando no chão, Anna chegou logo em seguida e pressionou sua a cabeça
contra o concreto da calçada.
— Outra tentativa dessas e você vai virar comida para aquele cachorro,
olhando curiosa.
— Pronto, agora ele não vai mais chamar atenção. — Jennifer falou ao
voltar.
— Ok, vamos seguir por esse caminho. Pegue sua encrenca de volta. —
Falou entregando os punhos algemados dele.
— Você se machucou?
— Ele mordeu minha mão, mas não foi nada. — Mostrou a mão com
alguns pontos perfurados.
tem que desinfetar bem esses furos. — Anna falava enquanto olhava de perto a
motorista. Jennifer também deu uma olhada pelo vidro, mas logo se abaixou,
deslizando de costas pela lataria do carro, até quase o chão, seu companheiro
— É outro vigia, vamos ver para que lado ele vai. — Anna informou.
— É sim.
respondeu.
— Nenhum. Mas aquela roupinha dele... Vou te contar viu, que coisa
ridícula.
— Ah claro, e a Mulher Maravilha usa roupas bem melhores.
até o muro, ali, está vendo? — Apontava para o muro há uns cinquenta metros
lixeiras.
— Atingiu sim, olha aqui seu braço. — Anna falou segurando seu braço,
próximo ao ombro, onde havia um pequeno rasgo na pele.
— Foi de raspão.
— Vamos esperar eles virem para cá. Não sei quantos são lá, melhor
Anna segurava sua arma com as duas mãos juntas à sua frente, esperando
pela abordagem, que talvez não acontecesse.
— Tudo bem com você? — Jennifer virou-se para o homem sob seu
poder.
Esperavam já por dois longos minutos, mas nada aconteceu. Anna passou
a respirar com mais calma, ainda com a arma em riste, e olhou para Jennifer, que
— Diversão, já te disse.
arregalada.
— Virão.
— Já.
Josh às olhava, franzindo as sobrancelhas, acompanhando o desenrolar
da conversa.
— Ok, se é isso que você quer ouvir... Sim, nós ficamos, foi uma vez
— Olha, se você não ficou com ela, não posso fazer nada, eu não me
arrependo, foi só uma aventura de uma noite, você entende bem disso.
— Vocês estavam separadas, ela podia ficar com qualquer pessoa, ela não
— Sim, mas o ponto é que vocês não estavam juntas, você não pode
recriminá-la. — Josh insistia.
— Até ele sabe que não foi nada demais. — Jennifer falou enfática.
— Sim, qual seu problema com Laura? Você se arrepende de não ter
ficado com ela quando teve oportunidade? — Josh argumentava juntamente de
Jennifer.
Anna a olhou séria, uma ira incômoda teimava em querer dar as caras,
para Jennifer.
— Já temos o alvo, vamos sair daqui a pouco. — Jennifer respondeu ao
rádio.
— Eles não virão até aqui. — Jennifer falou, encerrando aquela conversa.
— Diga.
— E você acha que um arco e flecha faz da Lara Croft muito mais
— E agora?
O trio estava diante de Laura, que sorriu e deu uma conferida em Josh.
— Agora é com vocês. Aliás, Laura, para onde ele vai agora? Para a
delegacia?
— Minha cara, você precisa fazer sexo com essas duas, com urgência.
— Bom, meninas, vocês sabem com quem acertar essa missão, quem
sabe outras como essa surjam, não? Foi um prazer trabalhar com vocês hoje. —
Piscou.
e entrou no carro.
também.
— Vamos.
***
— Eu me diverti.
Foi até a geladeira, deu uma olhada e pegou duas cervejas, seguiu até o
sofá onde Anna já ligava a TV e sentava.
— Você está muito tensa, tome. — Lhe entregou uma das garrafas.
apaziguante e a fitou.
— Eu não consigo ficar brava com você quando você me olha desse
— Ok, não li, mas tive bastante tempo para refletir nas últimas semanas,
não quero deixar meu ciúme e minha insegurança estragarem mais nada. Não
Anna deu uma longa piscada, suspirou com um sorriso tímido, sentiu
uma onda pulsante em seu peito, encontrou a paz que procurava dentro dos olhos
de Jennifer.
— Eu sei.
***
Anna, nada além de uma sexta-feira como qualquer outra. Trabalhava em sua
barulhento, quando foi surpreendida pela visita de Jennifer, que foi logo
entrando.
— Você vai acabar ficando mais surda do que eu. — Se aproximou e deu
um beijo.
— Não, na verdade...
— Oi Anna! — Bob interrompeu, aparecendo na porta da oficina.
broca número...
— Dezesseis.
— O quê?
— Sim, naquele armário ali na última porta tem quase tudo que você
falou. O martelo está aqui nesta caixa e a escada está encostada do lado da porta.
— Querem ajuda?
— Não, na verdade não saia daqui até voltarmos, não nos siga, estou
falando sério.
— Voltam hoje?
— Talvez. — Riu.
sua casa.
para atender.
— Se melhorar estraga.
despertar, eu nunca consigo acordar antes de você. — Falava ainda com os olhos
naturalmente inchados de quem acabou de acordar e não dormiu muito, mas de
forma animada.
— Não me diga que errei a data? Mas eu olhei na sua carteira, lá dizia
onze de maio.
— Ah, ok, pegadinha antes do meio-dia. Eu sempre vou cair, ainda não
acordei completamente.
sorridente.
— Sinceramente, não sei como você ainda não tinha um desses em casa.
você tentou prender isso? — Falou olhando para cima, e contando uma dúzia de
furos malsucedidos no teto.
Anna caminhou devagar até ela, com um sorriso gostoso nos lábios.
— Adorei, obrigada.
— Que festa?
— Não se preocupe com nada, apenas esteja aqui a noite. E me diga qual
— Sério?
Jennifer riu.
***
naquela noite.
ajustes, quando teve sua atenção tomada por Anna, que descia as escadas já
pronta para a festa. Usava uma blusa vermelha, com um caimento que deixava
um ombro a mostra, e jeans.
— Jenny tem razão, você fica ótima de vermelho. — Max falou do sofá.
— Max, não o vi, me desculpe. — Anna foi conversar com seu velho
amigo e não demorou muito para outros convidados começassem a chegar.
bebidas, queria que todos se sentissem à vontade, como numa reunião íntima,
principalmente Anna, que provavelmente não comemorava um aniversário
daquela forma há muito tempo.
lareira, onde estavam instaladas algumas caixas de som e uma amiga, Samantha,
cuidava das músicas. Também espalhara balões por toda grande sala e
bandeirolas pela parede. Algumas cadeiras estavam disponíveis, mas a maioria
Anna deixou o sofá que dividia com outros convidados e foi na direção
Que bom que você fez, obrigada. — Se aproximou com duas garrafas nas mãos,
e a beijou.
— Sim, e vocês...
— Bom você deve estar estranhando nossa visita, seu avô mencionou
sobre a festa que você daria hoje à noite, e viemos prestigiar.
— Prestigiar ou vigiar?
Todos riram um pouco sem jeito. O casal, na faixa dos quarenta anos,
estava bem arrumado, pareciam simpáticos. O amigo, aparentando uns trinta
— Seu avô deve ter falado sobre a aproximação que você deve fazer
conosco, não? Então achamos que nada como uma festa para nos aproximarmos
de você. Apenas queremos tê-la em nosso círculo, não temos intenção de vigiá-la
Atravessou o salão com passos largos, segurou Jim pela gola de sua
camisa polo e o arrastou para um pequeno corredor que havia ao lado das
escadas.
— Contei para minha mãe, na Escócia. Ela deve ter contado para meu
padrasto, que é do conselho do clã do seu avô, então... A notícia deve ter se
espalhado.
— Você queimou meu filme com meu avô de uma forma... Você não faz
espalharia.
— O que está acontecendo aí? — Becca chegou até eles, sem entender o
guitarras?
reação dela.
o salão principal, viu seus novos amigos Vulpis de pé, eles continuavam
observando toda a movimentação, curiosos. Balançou a cabeça, irritada.
Ainda deu uma olhada pelo ambiente, tentando enxergar Becca ou Jim,
mas provavelmente já haviam deixado a casa. Seguiu até onde estava Samantha
numa das mãos. Anna estava próximo e a viu subindo as escadas guardando algo
escadas, adentrando o quarto, iluminado apenas pela luz da lua que vinha da
sacada.
com o copo em outra mão, estava sentada na cama, e tomou um susto quando
viu Anna entrando.
— Por que você veio tomar aqui em cima? — Perguntou num tom
desolado.
— Não, não diga isso, eu confio em você, é só... Eu sei como essas
coisas são, algumas pessoas têm recaídas... Não é questão de confiança... Eu só
pensei...
Jennifer ergueu a cabeça, viu o quão angustiada Anna estava com aquela
situação, ficou consternada, levantou-se da cama.
— Venha cá.
não gosto, não me sinto à vontade, e além do mais meu pai morreu um dia antes
do meu aniversário. Mas hoje cedo você disse que estava preparando uma festa e
não me opus, você acha que eu deixaria qualquer pessoa fazer isso?
— Você poderia ter falado que teria uma roda gigante e eu não seria
contra. Eu sei que você quer o meu melhor, às vezes do seu jeito torto, mas estou
aprendendo a te entender.
na cama.
— O que houve?
intimamente com Jim, deve estar agora achando que estou tendo um caso com
— E está?
estava dando uma dura nele, por ter me dedurado para meu avô.
— Contou para a mãe, que contou para o marido, que contou para todas
— Que linguarudo.
— Exatamente.
— Mas não se preocupe agora com isso, amanhã quando Becca estiver
de cabeça fria vocês conversam e desfazem o mal-entendido, essas suposições
não posso te raptar assim. Se bem que não seria uma má ideia.
— Melhor não falar isso duas vezes, senão eu fico aqui com você, estou
beijo, Anna empurrou devagar Jennifer contra a cama, deitando parcialmente por
cima dela. A medida que os beijos evoluíam as mãos também ficavam mais
— Ai, desculpe meninas, Bob foi buscar o bolo e pediu para chamar
Anna, como vi você subindo...
frente e fez com que o bolo voador fosse até sua própria mão, antes que ele se
espatifasse no chão. Rapidamente o colocou sobre a mesa, no lugar em que ele
deveria ficar. Só então se deu conta do que havia feito, sorriu desajeitada para as
— Nossa, essa foi por pouco. Vou buscar uma faca. — Saiu correndo
— Você não pode fazer essas coisas na frente dos outros! — Anna falou
atrás dela.
— Ok, se policie e faça de conta que nada aconteceu. Vamos para fora
porque estão nos esperando.
preocupada com o que seus vigilantes poderiam fazer sobre o que presenciaram.
— Laura?
divertia com sua seleção musical, dançando animada atrás dos equipamentos. De
lá pode ver Anna no sofá, rodeada por Joel e Laura, conversando sem maiores
reservas com ambos.
cansada da cozinha e se atirou no sofá. Jennifer colocou uma playlist mais calma
para tocar, num volume já mais baixo, sentou-se também no sofá, jogando a
— Me diga você.
teto acima delas. — Teve até globo! Sei que você teve alguns percalços, na
verdade deve ter sido uma noite bem movimentada para você. Mas falando por
mim, adorei tudo, você foi incrível.
— Ãhn... Sobre Laura, foi ela que sentou ao meu lado e começou a
conversar comigo.
— Eu sei.
— Só conversamos sobre banalidades.
— Já fez?
Jennifer riu.
ainda sorrindo.
sobressalto.
— Você já deu.
— Lembro.
— Onde está?
— Olha, é algo que você quer faz muito tempo, mas não sei se é
exatamente o que você procura, mas já é algo. — Jennifer virou-se devagar, a
encarando.
— Como assim??
— Não foi eu. Meu avô não estava simplesmente investigando você por
diversão, ele estava procurando seu irmão. E depois de muito fuçar por aí acabou
achando uma pessoa que bate com a descrição e o nome do seu irmão.
***
Heathrow, em Londres, com uma ansiedade que mal podia ser contida.
— São cento e trinta quilômetros até Swindon, você nunca dirigiu por
aqui antes, melhor procurarmos outra forma de chegarmos lá. — Anna falou
discordando da sugestão de novamente alugar um carro.
— Ok... Ônibus?
— Vamos, recline esse banco e durma, são duas horas até lá, você não
dormiu nada no avião. — Anna tentava fazer Jennifer dormir um pouco.
— E perder a paisagem? Por isso fiz questão de ir na janela.
vidro, percebeu que Anna estava tensa, segurou a mão dela com suas duas mãos
e a fitou.
— Se não for ele, continuaremos procurando, ok? Meu avô é bom nisso.
— Tenho certeza que como qualquer dupla de irmãos vocês tiveram suas
desavenças fraternais na infância, mas ele não teria motivos para não ficar feliz
em ver a irmãzinha, ele apenas pode ter desistido de procurar por você por causa
— Ah, sem sombra de dúvida. Mas tente relaxar, ok? Fique tranquila.
seguir para o interior, até a zona rural. Carregavam pouca bagagem e não
demorou muito para Jennifer conseguir uma carona até metade do caminho,
numa caminhonete carregada de ovelhas.
que procuravam. Mais uma vez tiveram que fazer uma caminhada carregando
suas pequenas malas, numa estrada ainda mais campestre. Após quase uma hora,
se depararam com uma entrada ornada por uma espécie de portal arcaico de
madeira, com uma tábua escrita à mão o nome da fazenda que procuravam.
laranja rodeada pelo verde e cercas marrons, até chegarem a duas casas
tipicamente rurais, uma branca maior e outra amarela, ao lado, com varandas à
frente.
olhos claros, usava um vestido azul celeste estampado e aparentava quatro anos.
interior.
— É... Gosto... — Ela odiava, mas não faria desfeita com a pequena. —
Qual seu nome?
— Marianne.
— É aqui perto?
entremeado por pastos, que despontava num vasto campo com cereais dourados
plantados.
Anna para prosseguirem pelo caminho orientado pela menina, e Anna consentiu.
— Ah, com certeza queremos sim, primeiro vamos lá falar com seu pai,
mas depois voltamos aqui, ok? — Jennifer respondeu sorrindo.
— Tá bom.
ondas de direções variadas. O sol já estava mais baixo, suas sombras formadas
no chão mais alongadas, e ao redor não viam nenhuma presença humana.
Naquele momento Jennifer viu Anna sorrindo, era a confirmação que ela
precisava.
Andrew lembrava bastante sua irmã nas feições, mas tinha o cabelo mais claro,
como seu pai, e olhos castanhos, como sua mãe, o inverso de Anna. Seu cabelo
estava desgrenhado, e usava uma barba castanha quase cobreada, cheia, mas bem
aparada.
— Achei que nunca mais te veria. — Ela falou, ainda unidos. Tinha os
olhos marejados de lágrimas e suas mãos pareciam não querer soltar das costas
de seu irmão.
— É uma longa história, mas o responsável por isso foi o avô dela. —
— Quem é ela?
apresentou.
— Meu Deus Andrew, todo esse tempo eu imaginei tantas coisas, até
mesmo que a guerra tivesse te levado, mas você estava aqui, morando numa
fazenda em outro continente!
Se entreolharam, sorridentes.
— Nunca imaginei que um dia teria você aqui, na minha frente... Que
bom que nunca desistiu de mim.
— E que bom que te achei vivo, seu filho da mãe fugitivo. — Deu um
Eileen.
— Claro, até porque Marianne está nos esperando para tomar chá com
ela.
Os três chegaram em casa e encontraram Eileen com a filha na cozinha,
começando a preparar o jantar, fizeram as devidas apresentações. A esposa era
uma típica camponesa, com algumas sardas acima das bochechas e cabelos da
— Filha, lembra da tia Anna que sempre falamos? Ela é a tia Anna, veio
nos visitar.
encantadora que alguém poderia ter, estou super orgulhosa em ser sua tia.
Anna sorriu.
— Não querida, mas prometo visitá-la mais vezes, ok? E desculpe não ter
— Claro, ajudo sim, sou melhor com café, mas também sei fazer chá,
qual o seu favorito?
A família agora reunida ficou ainda algum tempo matando a saudade, ali
— Andy, que tal jantarmos todos na casa dos meus pais? Eles vão gostar
de conhecê-las e com certeza o jantar deles é bem melhor que isso que eu estava
— Eileen tem razão, vamos até lá, é a casa ao lado. Mas antes acho que
com minha mãe para que ajeite outro quarto na casa deles, para que cada uma
tenha seu próprio quarto.
— Não se preocupe com isso, este quarto está ótimo para nós. — Anna
respondeu.
quarto era pequeno, mas parecia intocado, como se aguardando que a prole da
sorriso perdido.
— Ele só queria retribuir o que você fez por nossa família, ele me disse
isso. — Falou sentando-se na cama.
— Ainda não caiu a ficha que o Andrew está ali, do outro lado da parede,
é surreal demais.
— Obrigada.
— Queria que você tivesse mais uns dez irmãos para encontrar, só para
ver você sorrindo desse jeito. — Jennifer murmurou no seu ouvido.
— Um time de futebol?
— Sou claustrofóbica.
— Desde quando?
***
pelos pais de Eileen, duas figuras simpáticas que, apesar de não muita idade,
fios claros misturado ao já grisalhos. Jennifer percebeu que seu sorriso amistoso
se alterou aos poucos, em câmera lenta ao vê-la, como se captando algo no ar.
pessoa.
Jennifer já esquecera daquela situação e ficava cada vez mais à vontade. Esse
pessoal da fazenda sabia como ninguém como ser acolhedor, fazendo até mesmo
Anna conversar animadamente com todos na mesa, depois do jantar.
os olhos vermelhos que pareciam repletos de grãos de areia de tanto sono que
sentia, quando ela teve um insight. Enquanto Marianne a levava pela mão e
todos já seguiam de volta para a casa amarela, teve tempo de olhar assustada
para os pais de Eileen que permaneciam no alto da varanda, observando a
— Agora?
— É!
— Anna, senta aqui na varanda, toma um chá com a gente! — Andrew a
chamava, à sua frente.
sentaram-se lado a lado, enquanto Eileen foi fazer o chá. Era visível a excitação
de Jennifer para contar o que havia descoberto, mas não demorou muito para que
o sono a vencesse.
Sem entender direito o que acontecia, Jennifer topou e foi para o quarto.
Eileen retornou e sentou-se ao lado de seu marido, ajeitando seu vestido claro
— Até hoje ele ainda gosta de dar sustos, até na própria filha.
— Como quando você se escondeu atrás do sofá da sala? Tive que fazer
Anna riu.
— Era merecido.
Agora apenas a lua entre nuvens fazia companhia aos irmãos Fin, a
paisagem dali da varanda era quase poética, campos cobertos de cereais, onde
não se podia dizer se era a lua que os deixava assim dourados ou ela apenas os
realçava, enquanto se moviam com o vento, trazendo aquele cheiro fresco dos
— Eileen parece ser uma pessoa tão dócil, tão serena. — Anna reiniciou
a conversa.
muita sorte.
— Como a conheceu?
— Eu andava por várias cidades rurais, sem destino, mas gostei daqui, de
Swindon, então resolvi passar mais uns dias na região e numa noite fui parar no
pub. Por sorte fiquei sabendo que tinham uma vaga no bar e nem pensei duas
vezes, decidi que era minha. Algo aqui me fez querer fincar raízes. Algumas
Andrew sorriu.
apesar do cansaço sentia-se bem em estar ali, ao lado de parte da sua família,
com todas as lembranças e sensações confortáveis que vinham à tona.
arranjava um tempinho para ir até a mesa delas, mesmo quando não tivessem
pedido nada, dava um jeito de conversar com a garota do casaco azul e cabelos
dourados.
e apareceu!
com um entusiasmo quase infantil, como se revivendo aqueles dias, bem à sua
frente.
— Eu sabia, eu tinha certeza que íamos nos casar e ter filhos, mas ainda
faltava um pequeno detalhe: seus pais, eu ainda não os conhecia.
— Melhor?
— Ela tinha um receio, uma reserva tão grande com esse assunto, mas
não me parecia preconceito com híbridos, não parecia que ela estava com receio
— Eu falei que gostaria de conhecer seus pais, de ir até a sua casa. Ela
então me contou que era adotada, havia sido adotada ainda bebê. E que seus pais
eram pessoas reservadas, mas bastante generosas e gentis, eu percebi que ela
queria contar algo mais, e na hora foi como um estalo, eu segurei suas mãos e
falei: ‘Eileen, seus pais são Vulpis?’ Anna, os pais dela são Vulpis!
— Não é uma coincidência e tanto? Ali eu tive certeza que tudo daria
certo, e que ela era de fato a mulher da minha vida. Ela me olhou assustada,
como eu saberia sobre isso? Então contei a história de nosso pai, ela ficou tão
abismada quanto eu, mas nossa... Que alívio para ambos... Principalmente para
ela, que não precisaria mais esconder isso de mim.
— Imagina como nosso pai riria disso tudo, ele ia fazer questão de vir
aqui conhecê-los. — Anna falou com um sorriso meio torto.
— Ia sim... Eu não acreditei em quão perfeita era essa história toda, nos
casamos seis meses depois e vim morar aqui, com a casa ainda inacabada
mesmo, um ano depois veio a Marianne, desde então trabalho nas plantações de
grãos, não é muito grande, os dois irmãos de Eileen também ajudam, mas é o
suficiente para o sustento de todos. E ainda por cima estou cercado por Vulpis,
eles são tão bons comigo, nosso pai tinha razão, são tão diferentes das outras
tempo você estava bem, estava tocando sua vida, e que achou uma boa pessoa
para ficar do seu lado, que bom que você encontrou alguém como Eileen, e...
— Eu sou um cara muito sortudo, tive minha época errante, fiz minhas
besteiras, mas finalmente me encontrei, e é uma pena que seja tão longe de nossa
casa e de você, mas aqui é meu lar agora.
— Eu sei... Eu sei disso. Sabe, quando estava vindo para cá, comentei
com Jennifer que se você não estivesse bem, se não estivesse numa situação
mais fofa do mundo! Acredite, não estou desapontada por não te levar na mala
— Nunca achei que fosse casar, lembra que eu dizia que não queria me
banco.
— Sério? Volta e meia você estava de pretendente novo, achei que depois
— Isso, Rob.
gosta de mulheres?
— Eu gosto de Jennifer.
— Isso não está certo, Anna, você não é uma daquelas... Como se
— Você deve estar em alguma fase estranha, sei lá, esse não é o seu
natural.
— Não fazia ideia que os ares do interior iriam fechar sua mente dessa
forma.
— Não é questão de ser mente aberta, isso não está certo, você precisa
conhecer um cara legal, casar e começar sua família, um homem! Tenho certeza
que vários dos caras que você se envolveu no seu passado voltariam rastejando
para você se quisesse.
cabisbaixa.
— Ela é Vulpi.
— Por que ela não poderia ser Vulpi? Por que é ‘lésbica’? — Falou quase
se exaltando.
explicando isso, mas quando me apaixonei por ela eu nem sonhava que ela
poderia ser Vulpi.
Andrew assimilava.
— A ama?
— Amo.
Até mesmo Anna assustou-se com a naturalidade com que falou aquilo.
— Minha irmã... Eu só quero o melhor para você. Como isso pode dar
— Acho que sim, bem como eles devem saber sobre ela.
— Nosso pai iria gostar de conhecê-la. Ele não conhecia muitos Vulpis
— Acho que eles se dariam bem, nosso pai adorava pessoas sarcásticas, e
essa passou na fila do sarcasmo várias vezes.
de deitar apoiou seus braços na cama de cima, ficou por alguns segundos
cinco anos de incertezas angustiantes, nem mesmo sua opinião sendo um ente de
sua família, sangue de seu sangue, alguém que realmente era importante para
ela. A certeza do que ela sentia por Jennifer era inabalável e se reafirmava num
momento simples como aquele, a vendo dormir, observando seu rosto quieto e
sombreado.
Quando tirou seus braços do colchão e se abaixava para deitar pode ouvir
Jennifer num murmúrio sonolento.
— Anna?
— Sim.
— Os pais da Eileen são Vulpis. — Falava sem abrir os olhos.
Anna sorriu.
— Eu sei.
— Sabe?
— Boa noite.
— Anna?
— Também, e participar de uma reunião que não posso contar para você.
— Anna?
— Ok, nadinha.
— Anna?
— Eu.
— No final da tarde.
— Quando é a reunião?
— Eu te falei da reunião?
— Desculpe, esqueci que era para fazer de conta que eu não sabia da
reunião.
ombro só.
— Eu sei, é um saco isso, não poder te contar... Não gosto das coisas
desse jeito, fiz votos de sinceridade com você. — Jennifer falava séria.
— Quando chegar em Glasgow vou conversar com meu avô, ele vai ter
para cá no sábado.
— Que horas? Pra combinar com meu irmão para te buscar em Londres.
— É sim.
— Melhor não.
— Sabe, mas não aprova, acha que devo me casar com um homem. —
— É uma pena que meu cunhado pense desta forma, porque você vai se
casar comigo.
— Bom... Todo mundo eu não sei, mas você sim. — Sorriu com
— Lembra o dia que levei você para casa, bêbada feito um gambá e
molhada de cerveja, você tomou um banho e não enxugou seus cabelos, então te
— Eu te assustei.
— Perguntou.
— Eu não sou perfeita, mas talvez eu seja perfeita para você, assim como
você é para mim... E quando eu olho para você... Eu enxergo a perfeição que eu
procurei durante toda minha vida, essa perfeição torta, às vezes inexplicável,
mas eu procurava justamente você e nem sabia disso.
— Ou chá.
— Nãããão.
***
Aquele dia correu lento e suave, terminou com uma caminhada pela
extensão da fazenda, passando pelo rio que cortava a propriedade.
presença, que agora sabia que ela era mais do que a amiga de sua irmã. Ela
tentava contornar a situação o deixando à vontade e sem maiores aproximações
de Anna. Pelo menos no final da tarde Andrew já não a olhava mais com tanta
estranheza.
Ela andava mais à frente pelo caminho ao lado das plantações, de mãos
dadas com Marianne, que não a largou durante todo o dia.
— Por que você vai embora hoje? Não vá... — A pequena perguntou
entristecida, olhando para cima, protegendo os olhos do sol com a mão em
concha.
— É o melhor vô do mundo.
— Então, meu avô também é legal, claro que o seu é bem mais, o meu
talvez seja o melhor vô da Escócia apenas, ou quem sabe o segundo vô mais
legal do mundo. Eu quero visitá-lo, pois já faz tempo que não o vejo. Você me
entende?
— Entendo.
— Não.
— Ãhn?
Marianne saiu correndo com seus cabelos castanhos, como o de seu pai,
— Eu agradeço, por que minhas opções são uma carona com você ou
com um desconhecido, já que sua irmãzinha não dirige.
— Ainda não venceu seu trauma, Anna?
***
— Então... Você é Vulpi... Anna deve ter contado que os pais de Eileen
vontade.
— Foi sua irmã que percebeu que eu era Vulpi, sabia? Nem eu sabia de
mim mesma, olha que tapada que eu sou! — Tentava quebrar o gelo.
— Sei.
Uma pausa incômoda se formou, então Andrew deu uma boa olhada em
Jennifer e questionou, sério.
— Por que a minha irmã? Tanta gente no mundo e você quis a minha
irmã?
— Precisa de porquê? Você, mais do que eu, deveria saber o quanto ela é
incrível.
podem ser felizes juntas. Anna está passando por uma fase, e eu sinto muito por
você sabe como os relacionamentos que Anna teve com homens terminaram,
mas esse você não faz a menor ideia como vai terminar, nem sequer ‘se’ vai
terminar. — Falou com ênfase no ‘se’.
infecção.
— Uau.
— Você acha que a conhece, mas não a conhece, Anna deve ter ficado
alguns anos sozinha dentro daquela mansão e quando você apareceu acabou se
apegando a você, como amiga. Não se deu conta? Ela deve enxergar você como
uma amiga.
— Sim, tenho.
— Não quis soar irônica, só queria que você entendesse que nosso
— Soube que o nível decaiu um pouco, mas tudo bem, podem usar meu
carro se quiserem. Agora sobre irmos também, quem sabe, vou conversar com
Eileen.
Aquele dia terminou e quinta-feira veio apenas para que Jennifer matasse
como seu avô chamava o grupo dos seis clãs que organizavam a revolução
Vulpi. Concluiu o dia com a certeza que aquilo era real, agora percebia o quão
tangível era seu papel naquela cruzada.
boa parte dela contando o que haviam feito nos últimos anos.
— Volta hoje?
— Claro, mas você também pode nos visitar, continuo na mesma casa
onde crescemos.
— Eu não posso...
— Andrew, por que você sumiu? Por que não me procurou mais?
Ele deu uma boa olhada para os lados antes de começar a falar.
guerra... - Hesitou antes de continuar. — Olhe, Eileen sabe de tudo, mas os pais
dela não sabem. Eu vou contar a você, mas precisa me prometer que guardará
grupo. Fui para a Turquia, onde ficava o quartel general e de onde partiam as
— Nunca fui, nossos atos podiam até ser violentos, mas era em prol de
um bem maior, para se fazer a omelete é preciso quebrar alguns ovos, não é o
que dizem?
exterminar cidades inteiras, mas eu me recusei a participar dos atos hostis que
eles planejavam. Não vou dizer que eu era um santo e que não fiz algumas coisas
político do que sangrento. Mas fomos sabotados pelo grupo reacionário, aquele
que tentou nos recrutar e recusamos. Na mesma noite eles explodiram um
hospital ali próximo e a autoria dessa explosão também foi dada a nós, porque já
havíamos assumido a autoria da primeira explosão. Colocaram aquele segundo
— Eu sei! Eu nunca participaria de algo tão bárbaro, mas hoje em dia sou
procurado pelo governo de quatro países por conta disso, algo que não fiz. Sem
contar que o restante da nossa organização passou a nos perseguir também, nos
julgando desertores.
— Como fugiu?
Europa. Fui para a França, fiquei algumas semanas escondido numa pensão de
um conhecido, mas fui descoberto pelo nosso grupo, fui para a Bélgica, mas me
deduraram, então fugi para cá, para a Inglaterra, onde a atuação do grupo era
quase nula e o governo ainda não me caçava.
— Sim, mas aquela história que te contei sobre o pub, Eileen, é tudo
verdade, eu não vim para a fazenda unicamente para me esconder, eu vim depois
que me casei. Até então eu estava morando num porão na vila e trabalhando no
bar.
— Você nunca vai conseguir sair daqui... Você está preso nesta
propriedade.
— Eu sei. Talvez nunca aconteça. Mas você sabe que essa conversa não
— Claro que sei. Mas eu vou me informar sobre seu caso, a quantas
anda, quem procura por você, sobre o que te acusam, serei discreta, prometo.
— Por favor, não faça nada que coloque meu paradeiro em risco.
— Você não poderia pelo menos ter me mandado alguma carta, algum
comunicado, dizendo que estava vivo?
— Não era apenas eu, agora eu tenho uma família, tenho uma filha, eu
tinha medo de colocar isso tudo em risco se tentasse me comunicar com o
exterior, eu preferi não arriscar. Pelo menos não por agora, mas eu sempre tive
esperança de achar uma forma de encontrar você, por mais que tudo indicasse
que a guerra tivesse te matado.
tantas mortes, parecia que aquele continente havia sido dizimado. E eu conheço
você, sei o quanto gosta de bancar a valente, achava que não duraria muito
— Minha moral está baixa com você hein, maninho? — Sorria, pela
Olhavam na direção das águas, que corriam não muito profundas naquele
— Ela te contou?
para trazê-la.
— Sério?
adora, não fala de outra coisa. Não acho que o problema seja ela, mas Anna,
mas para mim não foi tão absurdo assim, foi apenas inevitável.
— Anna... Pelo menos pense sobre isso. O que você viu nela? Tenho
certeza que você tem condições de achar um homem muito mais interessante que
— Da tia Jenny!
Marianne desceu das costas de Jennifer e mostrou o chapéu para sua tia.
Anna, usava um short jeans e tinhas os joelhos sujos, tirava alguns fios de cabelo
que estavam no suor da testa.
de seu pai.
— Um pônei? Vou conversar com o Papai Noel, ok? Vamos ver se cabe
no trenó dele.
para dentro.
— Não precisava...
em sua cabeça.
— Gostou?
— Exames médicos?
— Meu vô quis ter certeza que estou bem, depois daquele piripaque.
***
— Não.
— Ainda desorientada com o fuso horário?
— Talvez.
— Até que enfim, achei que não falaria nunca. — Disse já pulando para a
cama de baixo.
Ajeitou-se de costas, debaixo das cobertas, Anna passou seu braço sobre
— Artes dramáticas?
— História.
o colegial.
— Você nem teria como terminar, todas as escolas da cidade foram pelos
ares durante a guerra.
— Quem?
— A casa de Stuart. É como chamam os reinados na Escócia, chamam de
casas reais.
quatorze até o dezessete ou dezoito, a Escócia foi governada por essa dinastia.
— Pergunte para seu avô, ele deve saber muito mais do que eu.
— Raramente.
— Sim.
— Melhor não... — Deu alguns beijos preguiçosos.
— Só um pouquinho, vai.
Jennifer riu.
Anna sorriu e voltou a beijá-la nos lábios, deslizava sua mão pela lateral
do corpo de Jennifer quando ouviu um gemido, mas não de prazer, era de dor.
entender.
Anna a olhava tentando decifrá-la, mas não fazia ideia do que havia
acontecido.
camiseta.
— Não, não foi nada disso. Só não estou a fim de falar sobre esse assunto
Anna sobre os planos Vulpi, já que seu avô havia liberado que ela contasse para
sua namorada.
corria robusto e avermelhado com a chuva, Jennifer tentou contar tudo de uma
maneira que não a chocasse, receava que talvez ela não concordasse com aqueles
— E qual seu papel nesse levante? — Foi a primeira pergunta que fez,
após ouvi-la.
— Meu clã é um dos seis que tomará frente, meu avô me quer ao seu
lado na liderança. E se ele não estiver mais aqui quando isso acontecer, ah... Daí
estarei muito, muito mais encrencada.
— E você concorda?
A pergunta a surpreendeu.
— Agora sim. Quando meu avô me contou achei tudo uma loucura, mas
já conversamos tanto, debatemos essa semana inclusive, é uma solução bem
plausível, sim.
Jennifer continuou.
— Não será uma guerra. Será muito mais político do que qualquer outra
coisa. E não será de uma hora para outra, já está sendo arquitetado há muito
tempo, tem governantes atuais que farão parte, gente que já está no poder. Acho
que é viável. O que acha disso tudo? — Jennifer queria sua opinião.
dar certo. É natural que o diferente seja rejeitado, ainda mais de forma
correrá.
— O que?
Jennifer lançou um sorriso aliviado para o lado, onde Anna ainda olhava
para a frente.
— Tem uma coisinha chata que preciso conversar com você. — Jennifer
reiniciava a conversa.
— Fale.
— Seu irmão, fez algumas coisas... Não muito legais nesse tempo em que
andou sumido, antes de encontrar o amor loiro de sua vida.
— Eu sei.
— Ele te contou?
— Sim.
— Meu avô não vai contar para ninguém o paradeiro dele, o objetivo de
investigá-lo foi realmente para que você sossegasse seu coração o
reencontrando, mas ele não imaginava que a polícia de três países o procurasse
por terrorismo.
— Então um país já cansou de procurar por ele. Enfim, que porra que ele
andou aprontando? — Jennifer perguntou calmamente, olhando para Anna.
— Ele admite ter integrado um grupo terrorista turco, mas o motivo dele
estar sendo procurado foi por um atentado num hospital no Sudão, que ele alega
inocência, diz ter sido bode expiatório.
— Hum, então o negócio foi tenso mesmo... Bom, vou te falar com as
palavras que meu avô usou, ok? Temos que conseguir anistia para esse moleque
— É a liberdade dele de volta. Olha só, sei que você acabou de dizer que
estará comigo pro que der e vier, mas digamos que tudo mude, e você mude de
ideia, ou você termine comigo, não estejamos mais juntas, de qualquer forma
vão revirar meu passado e vão encontrar você e seu irmão. Então a verdade é que
algo precisa ser feito, porque provavelmente seu irmão já está em risco, você
Ainda com os cotovelos apoiados nas pernas, Anna passou as mãos pelo
— Quem diria que no dia que você resolveu embarcar naquele trem com
brincadeira.
— De nada.
— Foi uma avalanche de novas informações essa semana.
— É.
Jennifer pegou a mão direita de Anna e passou o braço dela por cima dos
seus ombros, deitando sua cabeça em seu ombro.
— Ainda não.
Anna não insistiria, estava aprendendo que Jennifer tinha seu próprio
***
dentro era amplo, com dois ambientes, algumas vigas largas, paredes de madeira
simpáticas.
— Por mim tá ótimo. Olha aquele lá, de camisa azul, o que está fazendo?
mais ainda.
— Pelo menos o chope aqui é bom. — Jennifer dava mais uma olhada
em volta, o lugar era escuro, havia o barulho alto da TV mesclado com o som
sujo de alguma música indecifrável vindo de pequenas caixas de som.
Passaram quase duas horas não fazendo muito mais que bebendo suas
cervejas sem pressa e jogando conversa fora em meio aos ruídos do bar.
— Não gosto do jeito como olham para cá. — Anna estava incomodada.
Anna estava sentada de costas para boa parte do recinto, mas mesmo
assim relanceava os olhos de tempos em tempos ao redor, mexia nas mangas de
seu cabelo.
— Nem fale duas vezes, ela iria mesmo. — Anna deu uma olhada já mais
tranquila em Jennifer. — Ela adorou o presente, Eileen disse que não quer tirar
mesmo?
chope.
balcão, num lugar mais vazio ao canto, onde pediu seu último chope. Aguardava
uma mão em sua cintura que desceu rapidamente para sua bunda, olhou
assustada para o lado e tirou a mão do seu corpo quase que por reflexo.
— E aí, gatinha.
Pode ver de perto aquele mesmo homem com a camisa de futebol azul do
Ela apenas deu um pequeno passo para trás com um semblante um pouco
assustado.
Anna nesse momento deu uma olhada para o lado, por cima do ombro e
— Tirando o chope que você gostou, não foi uma boa ideia ter vindo até
— Terminamos esse aqui e partimos. Nem vou insistir para dividir sua
pequena cama comigo hoje, vou te deixar dormir em paz, ok?
— O que foi?
— Ãhn?
Anna percebeu o que acontecia, olhou para cima com a testa inteiramente
franzida e não acreditava na ousadia daqueles dois, enquanto Jennifer apenas
inclinou-se para o lado e deu uma boa olhada nela, dos pés à cabeça.
— E você, gata, está sem bebida, posso pegar uma para você. — Falou o
— Já estávamos de saída.
— Não, duas garotas bonitas como vocês têm que aproveitar a noite, nós
podemos providenciar diversão. — Deu um sorrisinho malicioso. Seu colega,
que parecia um pouco bobalhão, apenas ria.
Anna soltava um pouco a echarpe cinza que envolvia seu pescoço, como
se o ambiente estivesse esquentando, mas na verdade era seu sangue que
— Vamos.
— Não ouse.
minhas mãos nela lá no balcão do bar. Não foi, gata? — E novamente ele
insistiu, dirigindo sua mão na direção do braço de Jennifer.
face. Anna puxou o homem da camisa azul para perto e também lhe bateu no
rosto com a mão livre. Porém, eles não eram os únicos com ânimos exaltados
dentro daquele bar obscuro, logo alguém já puxou Anna pelo pescoço e em
segundos boa parte dos frequentadores estavam envolvidos em socos, pontapés,
cadeiradas e garrafadas, sem contar os arremessos de canecos, garrafas e
bêbados sobre as mesas e balcão, algo digno de um filme de ação mal dirigido.
— Fique aqui no canto! — Foi a única coisa que Anna falou antes de
sumir.
entrar naquele bolo humano desvairado, e procurava por Anna. Dali, atrás de
uma das poucas mesas ainda no lugar, assistia aqueles homens com expressões
brigando com ninguém, não batia em ninguém, nem apanhava, apesar de estar
Jennifer hesitou, mas foi atrás dela. Como num jogo de futebol
com a camisa azul do Chelsea. Logo em seguida o seu colega bobalhão, que de
bobalhão naquele momento não tinha mais nada, acertou uma garrafa quadrada,
Jennifer correu até ela, não sem antes dar um soco e uma cotovelada no
— Acorda, Anna! Temos que sair desse inferno! — A virou para cima,
— Que merda, por que você tem que ser tão grande?
— Deixe comigo.
— Ok. — Foi o que ela balbuciou enquanto ele a erguia com facilidade.
— Estão de carro?
fora do bar.
solícito.
— Não vai precisar de hospital, foi de leve, daqui a pouco ela acorda.
— Você é médico?
confusão, da próxima vocês podem não ter tanta sorte, ou eu posso não estar por
perto.
Ainda deu uma olhada nos arredores, pela rua, mas nem sinal dele. Entrou no
carro, tirou seu casaco, dobrou e colocou embaixo da cabeça dela, acomodou
de dor.
— Minha cabeça.
— Foi uma garrafa de tequila, ainda bem que estava quase vazia.
Anna a olhou.
— Quer ir num médico, farmácia, veterinário, ou sei lá, quer ver sua
cabeça?
— Que cara bonzinho? — Voltou a deixar sua cabeça pender para o lado,
fitando Jennifer.
lógico, e ele chegou e nos salvou, assim, do nada. Te carregou até o carro.
— Que estranho.
— É.
— Ah é?
seja.
— Não sei... Tem algo nele que está me intrigando. Mas você vai zombar
de mim.
— Que Thor?
— O Thor... Super-herói?
— É.
— É.
— E o Thor é Vulpi.
— Aparentemente sim.
— Ok.
— Só para deixar claro, quem levou a pancada na cabeça fui eu, certo?
Ou você também levou?
— Sim, mas não tinha barba, o Thor dos quadrinhos nem sempre usou
barba, só o do cinema.
— Ah certo. Talvez ele seja amigo dos duendes que nos atacaram
naquela floresta na Escócia.
atenção na conversa.
— Esse cara bonzinho também usava uma capa vermelha e... Hey, o que
foi isso? — Anna assustou-se com uma manobra defensiva que Jennifer fez com
o carro.
Jennifer olhou pela janela do seu lado e viu uma caminhonete grande,
preta, pareada com elas e reconheceu o motorista: o cara com a camisa azul do
Chelsea.
— Quem é??
mãos e olhava para frente, determinada, olhando às vezes de relance para o lado.
volante e deu um giro rápido, fazendo com que a lateral de sua pick-up batesse
para a estrada.
— Vou acabar com eles. — Era a vez de Jennifer ficar irritada naquela
noite.
de metros sobre uma área de terra, aos solavancos. Jennifer cortou a frente deles
e tomou uma estrada asfaltada, mas foi seguida e logo o carro preto já estava ao
espaço. Ela sentia o volante vibrando, segurava com força e temia que o carro
desgovernasse.
interrompeu.
— Por que você não vai dar sua bunda para esse seu amiguinho aí do
lado?
raiva, girou o volante para fora da estrada e em seguida para dentro, dando um
balão e encurralando o carro deles, batendo na quina do para-choque dianteiro,
fazendo com que a caminhonete deles saísse da estrada, capotando. Seu carro
veículo, mas pode ver pelo retrovisor, com uma alegria maldosa, o grande carro
preto com as rodas ainda girando no ar, ficando para trás.
Jennifer enfim olhou para Anna, que estava pálida, apavorada, parecia
que havia prendido a respiração durante toda a aventura. Enquanto ela era o
— Vi...
— Onde estamos?
bruscamente.
boa é que não consigo enxergar seu cérebro, nem seu crânio. — Pegou um lenço
— O corte é grande?
— Não, uns três centímetros. Eu lembro de ter lido uma vez na escola um
livreto que falava sobre o que fazer em caso de uma pancada na cabeça.
— E?
— Ok, eu estou bem, só um pouco zonza, mas não foi nada demais, eu só
queria ver até onde você ia.
— Nada a ver.
— Ele passou??
— Em que século você vive, John Wayne? Por que não fizeram um duelo
em frente ao bar?
— Eu estava brincando.
— Ah tá.
— Diga.
— Volte...
— Me desculpe.
E nada.
— Pequeno castor?
desceu, Anna sorriu e levantou as cobertas, para que se juntasse a ela no pequeno
espaço.
Silêncio.
— É possível, sim.
— Você é uma.
correndo pela pele de Anna, do pescoço até o início dos seus seios.
diferente.
— Você viu?
— Eu tentei impedir.
Anna começava a entender.
— Seu machucado...
— Exato. Meus primos não queriam que eu fosse, mas fui mesmo assim,
bom... Eu vi o que faziam, entendi na hora, eram dois Titans contra um híbrido,
não sei se iam matá-lo, mas de qualquer forma eu não poderia deixar que
continuassem.
um soco na boca. Depois levamos o híbrido para o hospital, ele ficou bem.
— Como sabe?
— Era por isso que não queria te contar, se você não tivesse visto o
hematoma eu não te contaria, porque só fomentaria ainda mais esse seu pânico.
— Não, não é, mas você é uma garota esperta, valente, sabe se defender.
— Sobre super-heróis, acho que você tem razão... Eles existem e você
também é um deles.
— O que você disse para seu irmão, sobre o carro? — Jennifer e Anna
— Ele acreditou?
— Que bom. Quer dizer... — Franziu a testa a fitando. — Quer dizer que
hospital.
— Eu mandei. Educadamente.
***
mas nada acontecia. Desistiu, adentrou seu pequeno apartamento, largou tudo
pelo chão e foi logo abrindo todas as janelas e cortinas, gostava de tudo arejado,
às claras. Pousou as mãos no parapeito da janela da sala, era uma tarde de
quarta-feira, um meio de tarde, se pôs a observar uma máquina escavadeira
Naquele exato momento sentia-se tão segura de si, ali dentro de sua casa,
como se soubesse enfim seu papel dentro do filme da sua vida. Como o papel
daquela máquina na obra que estava sendo feita na rua naquele dia, parte de
algo, como a máquina, como o operador da máquina, ela era parte de algo, de
vários algos, riu quando pensou nessa palavra, algos.
Em menos de uma semana seria seu aniversário, talvez fosse uma data
simbólica de diferentes formas naquele ano. Sentia-se tão adulta, crescida, nunca
havia pensado tanto no futuro quanto nos últimos meses, nunca havia sequer
pedra ou algo do tipo, lembrou que havia até mesmo falado uma palavra que
faziam, não ela, ela não casava, ela sequer namorava, ela só ficava, esse era seu
único verbo praticado, Helen havia sido sua única exceção. E agora Anna.
Foi até a cozinha, pegou uma jarra na geladeira e encheu um copo com
água, ligou o aparelho de som e se atirou no sofá, bebeu um grande gole e
Sorriu novamente quando sentiu o gosto dela ainda em sua boca. Tirou o
elástico que prendia seu cabelo e deitou a cabeça no encosto do sofá. Prestou
E eu envelheço também
Ela estava agora comparando como havia levado tempo para conseguir
enfim ter Anna, por mais que ela odiasse esse termo, ‘ter’, porque Anna não era
noite também não havia corrido como planejado, desejara uma longa noite de
sono, dormir e dormir. Mas aquelas duas apenas caíram de fato no sono tarde na
madrugada, como haviam respeitado o lar doce lar de Andrew e os pequenos
leitos onde passaram uma semana, a noite anterior havia sido de sexo.
dormiu profundamente por algumas horas até despertar com sua porta se abrindo
e a claridade incomodando suas vistas.
— Isso é hora de dormir? — Anna falou dando um tapinha nos seus pés
descalços, que estavam para fora do sofá.
— Anda, se arrume.
— Para?
— Vamos ao pub.
tascando um beijo.
rosada vindo pela janela, já era noite ,mas parecia um pôr do sol congelado.
— Pois hoje irá abrir e vai tocar uma banda legal lá.
— Como sabe?
— Putz, dormi isso tudo? Espera, você cortou o cabelo? Que luz é essa?
— Olhou para a janela.
— Ah tá... Queria resolver as coisas com Becca, bati na porta dela hoje,
mas ninguém atendeu... Não sei se não estava, ou se não quis abrir para mim. —
Falava cabisbaixa, chateada.
— Como assim? Aquele lance com Jim, no seu aniversário, não lembra?
Aproximou sua cadeira da dela, segurou com carinho uma de suas mãos
e deu alguns beijos em seu pescoço.
— Adoro quando você usa esse perfume.
— Sua mão está suada, tipo, muito suada. — Jennifer estranhou, olhando
para as mãos de Anna.
— Normal.
— Não, não é normal, você parece tensa, está ansiosa com alguma coisa?
— Não sei, mas você sabe que pode me falar qualquer coisa não sabe?
— Então...
todos, inclusive de Jennifer, que virou-se para dar uma olhada e imediatamente
reconheceu a baixista: Laura.
banheiro, entrou numa das cabines e novamente estranhou aquela luz laranja que
entrava pela pequena janela basculante no alto. Ficou algum tempo ali olhando
pequenas pancadas, tentava com jeito, com força e nada. Parou e ficou apenas
falou ao sentar-se.
— Sério? Nossa, faca é o que não falta na casa de Anna, você precisa ver.
— Jennifer respondeu sorridente, mas então se deu conta do que havia falado e
Não foi preciso mais do que meia hora de conversa para que a sugestão
Após pagarem suas contas, as duas saíram juntas pela porta da frente,
— Que céu estranho é esse hoje? Porque não está preto como todas as
noites? Essa luz laranja... — Jennifer olhava para o alto, devaneando, depois foi
até a moto.
— Você tem certeza que quer isso? É que... Você parecia tão irredutível
há alguns dias quando toquei nesse assunto, você está estranha hoje.
montou na moto.
levou Laura até as paredes da sala onde haviam algumas espadas penduradas e
um aparador com adagas arrumadas lado a lado, Anna seguiu logo atrás.
— Hum... Não, algumas. Meu pai fez a maioria. Essa aqui, com a águia,
fui eu que fiz. — Anna falou lhe mostrando uma adaga com o cabo rico em
detalhes, prata.
— Uhum.
escadas e as encontrou se beijando de pé, ao lado da cama. Ficou sem reação por
um instante, atônita, mas então largou a garrafa em cima de uma cômoda e partiu
também para o ataque.
que levou um certo susto com o gesto dela. Jennifer tratou logo de abrir a calça
de Anna e deixou que Laura terminasse o serviço, enquanto tirava sua própria
calça.
deitada via as duas se beijando acima delas, como se esperando sua vez num
cruzamento, apenas as olhava. Resolveu interferir e roubou os lábios de Laura
para ela, deslizando suas mãos pelo corpo dela. Sem entender direito como
aquele movimento foi feito, Laura girou para cima de Anna e a beijou. Laura
desceu os beijos pelo pescoço, seios, abdome, e tirou a calcinha de Anna.
— Vem cá. — Anna sussurrou para Jennifer.
Anna a puxou pela nuca e voltou a beijá-la, mas logo Laura subira e
atirou no chão. Olhou para o lado e viu a luz alaranjada do sol entrando pela sua
mente, a perturbando. Minutos depois seu celular tocou em cima da mesa, ela
correu para atender.
— Oi, Anna.
— É... Estou. É que estou... Meio que brava com você agora.
— Olha só, eu não quero que façamos sexo a três com a Laura.
— Hey, hey, essa conversa evoluiu rápido demais, acho que perdi alguma
coisa.
— Parecia mais legal quando eu imaginei, mas no sonho não foi legal.
— Ah, entendi.
— Eu nunca dividiria você com ninguém. — Anna falou com uma voz
calma.
— Anna?
— Sim?
— Eu te amo, sabia?
***
Anna ouviu uma freada brusca em frente à sua casa naquela terça-feira de
Anna sorriu.
— Boa tentativa.
Jennifer deu uma olhada ao redor, viu os quadros que remetiam ao clima
— Anna? Olá moça, quanto tempo! Como você tem passado? — Falou
servia, lançando um olhar para Anna que Jennifer queria interpretar como
corriqueiro, mas não conseguia.
metálico pendurado na alça do seu avental, onde pode ler o nome da moça.
— Sharon??
— Pois não?
— Creme de avelãs.
— Sim, só de vista.
— É sim. Acho que vou pegar uma fatia dessa torta aqui, o que acha?
disso.
— Sim, tenho quase certeza que tinha dois homens nos olhando, lá
próximo da ponte.
Jennifer passou a olhar para o mesmo ponto, procurando por alguma
movimentação suspeita.
— Sempre. Olha só, você quer ficar aqui enquanto vou lá na loja do Max
— Pode ser.
— Sharon, certo? Sharon, é a quarta vez que você nos pergunta isso.
Não, não queremos mais nada no momento.
dentro, quando percebeu a ação já estava no chão e era tarde demais, vários
choques com pistolas taser foram dados, mas mesmo com os choques
carro branco, grande, de modelo antigo, e dirigiram por cerca de uma hora,
primeiro por uma rodovia, depois por uma estrada de chão, foram longos
quilômetros de sacolejo dentro do carro, até chegarem numa grande casa cinza,
parecida com uma pequena fortaleza no meio da floresta. Anna já suava parte de
acordada, os raios de sol quase cegaram sua visão, tentou fugir, até acertou um
ou dois golpes, mas seus músculos ainda não reagiam conforme seus impulsos, e
foi logo dominada por três homens truculentos, ela já havia percebido que eram
todos híbridos. Estava confusa, não fazia ideia de quem eram aqueles homens,
ou do que queriam dela. Lhe aplicaram mais alguns choques, apenas para que ela
parasse de lutar.
construída de forma rústica, sem cuidado com o acabamento, tinha ares de prisão
clandestina. Passou por um par de corredores e chegou até uma ala com celas,
seis portas azuis de ferro, com uma pequena abertura no alto em cada. À frente
das portas de ferro, uma área com duas mesas e cadeiras de escritório e um sofá,
numa das mesas havia um homem, que parecia ser uma espécie de carcereiro e
— Sim, finalmente pegamos. A chefinha vai ficar feliz, talvez até pague
parede do fundo da sala e abriu a última cela do corredor, Anna foi logo
arremessada para dentro, caindo de joelhos.
risinho.
sua cela, apenas um pequeno cômodo de paredes cinzas, de concreto nu, sem
tinta, como todo aquele lugar. Tinha uma cama estreita feita de blocos e um vaso
Uma, duas, três horas se passaram. Já era início da tarde e tudo que
acontecia eram ruídos de portas abrindo e fechando, vozes masculinas
— Ah, a chefe já chegou? Não sabia. O maridinho dela pelo menos vinha
Anna foi para o lado da porta, ficando a postos, estava ereta junto à
parede, sentia uma tensão subindo em seu estômago.
sua direção.
— Meu nariz! Essa puta quebrou meu nariz! — Dizia com as duas mãos
no rosto ensanguentado.
O primeiro deles voltou para cima dela, era um cara grande, mas lento,
tentou um gancho e Anna desviou-se, acertou um soco duplo em suas costelas,
até que parasse de se mexer. Apenas alguns espasmos involuntários era o que
restava à Anna, agora caída naquele piso em frente às portas azuis. Outros dois
pelos corredores até uma sala grande, com as paredes pintadas de preto, era
de ‘a chefe’, mas não viu ninguém. Apenas ao fundo percebeu dois grandes
gaveteiros metálicos e um armário com duas portas. Ergueram seus braços
algemados e a prenderam num dos ganchos do teto, em seguida acorrentaram
suas pernas a uma das argolas do chão. E a deixaram lá.
cortado, seus cabelos soltos balançavam com suas passadas firmes. Tinha os
lábios não muito grossos, mas uma grande boca, uma pequena pinta acima do
— Vivian.
querida cunhadinha, quer dizer, você não chegou a se tornar de fato minha
— Marido? Que marido? Robert sabe disso? Ele também está aqui?
Vivian sorriu.
— Então você deve ter cometido algum engano, porque não matei
marido de ninguém, e se você armou isso tudo porque larguei o seu irmão, então
acho que você precisa de tratamento.
ano passado, mas haviam sido dezenas, naquele mês Jennifer estava no Canadá e
— Ah, Anna, você não mudou nada, continua essa pessoa pedante...
Quem diria que você se tornaria uma mercenária. — A olhou com desdém. —
Uma mercenária desleixada, que não termina o serviço. Harry não morreu na
hora, ele ainda conseguiu falar para um de nossos homens que tinha sido uma
mulher que havia atirado nele. Sem muito esforço cheguei até Max, depois
coloquei alguns homens para procurar pela mulher que havia feito esse serviço
para Max, e adivinhe só? Descobri que você é a única vadia que trabalha para
ele.
— Eu não queria matar seu marido. — Anna falou em voz baixa, havia
se lembrado da missão.
julgar os negócios da nossa família. — Falou jogando seus cabelos para trás,
com a mão.
— Você largou meu irmão para isso? Para ter essa vida ordinária de
roubar e sair atirando nos outros, por dinheiro? Rob te amava de verdade, aquele
pateta... Queria te dar uma vida boa, ter uma família contigo, ele fazia tudo por
você, mas você nunca lhe deu o valor que ele merecia, sempre tão fria, tão
egoísta.
— Nunca iria dar certo, Vivian, acredite, foi o melhor para seu irmão eu
— É... Você só traz o mal para quem cruza seu caminho. — Vivian falou
taxativa. — Talvez eu coloque um ponto final nisso hoje.
Anna baixou a cabeça, sentiu um nó na garganta, começava a se dar
conta que talvez não saísse daquela sala nunca mais, lembrou de Jennifer no
café, quanto tempo teria ficado lá a esperando até perceber que ela não voltaria,
Vivian foi até seu segurança e falou algo em seu ouvido, prontamente ele
saiu da sala, ela voltou a se aproximar de Anna.
— Eu fiquei tão feliz em saber que era você a pessoa que eu estava
caçando, quase não acreditei. Mandei dar uma arrumada nesta sala, já tinha
algum tempo que eu não a usava. Sabia que ela é conhecida como sala da
— Você é louca, Vivian, você quer se vingar, não quer? Resolva isso de
— Ah, é a coisa que mais quero nesse momento... Não via a hora de
colocar minhas mãos em você e fazer você sofrer pelo menos um pouco do que
sofri. Mas adivinhe só? Eu encontrei um jeito de fazer tudo ser ainda mais
Anna apenas a encarava agora, temendo pelas torturas que ela estaria
tramando.
— Eu vou fazer você pagar um pouquinho pelos seus crimes hoje. Sim,
vou te torturar, acho que você vai sofrer o bastante para eu lavar minha alma.
Mas acredite, não vou encostar um dedo em você, prometo que você não terá um
arranhão sequer.
— Jennifer??
Capítulo 34 - Vermelho
Jennifer entrando algemada por aquela porta sentiu como se o pesadelo tivesse
sensação pior, uma sensação incômoda lhe queimando por dentro, era a dor da
impotência diante da situação.
— Fique à vontade, tente se soltar, mas fique sabendo que essa sala foi
construída para segurar Titans com o dobro do seu tamanho. — Vivian falou.
estava descalça.
lembre-me de pagar uma rodada de cerveja para eles hoje. — Falou para um dos
homens ao seu lado.
— Vocês dois podem sair, e você Sith, fique aqui, precisarei de sua ajuda.
— Por quê? — Ela suava, desde sua cela vinha se debatendo e dando
— Porque achei tão improvável que Anna estivesse envolvida com uma
— Deixe ela ir embora, ela não tem nada a ver com isso. Seu problema é
comigo.
estavam com você na mira e que sua namoradinha estava junto, eles me
perguntaram se era para levar ambas. E eu respondi ‘é óbvio que sim!’ Hoje é
meu dia de sorte, fala a verdade! Foi então que tive a grande sacada de mudar as
— Seria interessante.
— Bom, imagino que você deva ser do nível de sua namorada também.
Ela matou meu marido no ano passado, por dinheiro. Você acha que é um bom
motivo para vocês estarem aqui penduradas, como dois pedaços de carne?
— Você é humana, agora que me dei conta! — Vivian sorriu e olhou para
Anna. — Que mudança radical, hein, cunhada? Você agora anda com humanos.
corrigiu.
— Não ouse falar de Robert, ele foi a melhor coisa que aconteceu na vida
— Há séculos atrás, ele já deve ter reconstruído a vida dele, vai ver nem
Vivian ergueu o braço e deu um tapa com as costas de sua mão no rosto
— Robert se foi, ele não está aqui agora para te contar o inferno que a
vida dele se tornou depois do término do noivado, ele nunca mais foi o mesmo.
— Por sua causa. — Vivian foi até Anna. — Menos de um ano depois eu
o estava enterrando na nossa cidade natal, vencido pelas drogas, teve uma
— É mais fácil me culpar, não é mesmo? — Anna falou com uma voz
branda.
— Acho que vai ser difícil manter a promessa de não encostar em você
hoje, mas tentarei honrar. — A fitou com raiva.
— Faça o que tiver que fazer a mim, não encoste nela. — Anna
implorava.
como se calculando seus gestos. Usava uma camisa de seda branca com botões
armário, abrindo ambas as portas. Olhava para dentro como se estivesse fazendo
compras.
Nós vamos dar um jeito nisso, apenas mantenha a calma e só fale o necessário.
Jennifer começava a se dar conta que algo ruim viria pela frente em
breve, muito breve, mas não imaginava o que aconteceria.
Lentamente, objeto a objeto, Vivian foi colocando tudo que havia pego
— Faz algum tempo que não uso essas coisas, acho que me empolguei
um pouco, talvez não use todos eles, então não se assuste. — Falou terminando
de colocar o último objeto.
— Espera aí, o que você... Espera aí, você não está pensando em usar
essas coisas em nós, está?? — E Jennifer finalmente se deu conta.
enquanto torturo você, porque nem te conheço, mas imagino que você deva
desvencilhar.
Virou-se para Jennifer. — E se eu fosse você não faria isso, só vai machucar seus
pulsos.
— Eu não vou ficar aqui... Me tira daqui! — Era o que Jennifer dizia
enquanto ainda tentava se soltar.
Anna não respondeu, Vivian a olhou, esperando a resposta, mas ela não
falou nada.
— Espere, faz muito mais sentido usar em mim, sou eu quem fabrico, use
Vivian apenas deu um risinho e caminhou até Jennifer, que só tinha olhos
para a faca, não tentava mais se soltar das algemas, mas ainda se agitava um
pouco e tremia.
— Se você parar de se agitar vai ficar mais fácil para você, ouça meu
— E não é que esta adaga tem um ótimo fio de corte? — Vivian falou
olhando para sua faca, Jennifer acompanhava tudo apreensiva, e Anna aflita.
Vivian voltou a olhar para Jennifer, encostou a faca na base do seu
pescoço e começou a descer, devagar, apenas deslizando sem cortar, fazendo
uma pressão angustiante em sua pele. Desceu pelo meio dos seus seios e depois
por sua barriga. Parou o movimento com a faca e com a outra mão tocou os seios
de Jennifer.
— Você é até interessante, acho que entendo, Anna. Tive meus anos de
— Você não sente falta de algo? — Vivian deslizou sua mão entre as
Jennifer achou que seria uma boa hora para negociar e começou a falar.
— Olha só, por que não resolvemos isso de uma forma civilizada?
— Sei que não temos como mudar o passado, mas isso não vai resolver
nada, você vai bater em mim, que legal, e daí? Por que não sentamos numa mesa
e conversamos, Anna te fala o quanto ela sente muito por tudo que ela fez, te
pede desculpas, eu também peço desculpas em nome dela, e tenho certeza que as
coisas ficariam mais leves, sem violência.
conversando?
— Sim, eu, você, Anna, que quase foi da sua família, sentamos e
conversamos.
— Você acha... Que uma conversa vai fazer eu me sentir melhor com
— Você acha... Que uma conversa vai fazer eu me sentir melhor com
— Mas que merda, isso dói!! — Jennifer falou aos berros. Olhava para as
duas manchas escarlates em sua calça jeans, que aumentavam rapidamente.
demonstrar nenhuma comoção com as crueldades dela, que logo ela se cansaria e
findaria a tortura, mas como manter-se impassível diante daquilo tudo?
— Ah, esqueci de falar, esse punhal é bom para essa finalidade, cravar
em pernas e braços. Mas você deve ter percebido isso, notou como deslizou fácil
na sua carne? Adoro esse punhal. — Terminou de falar olhando para a faca ainda
conta que estava lidando com algum tipo de psicopata, seus ferimentos na perna
doíam agudamente, mas o desespero de não saber o que vinha a seguir era pior,
era dramático. Sentia a sala fria, refrigerada provavelmente por algum ar
condicionado, seus poros arrepiavam, um vento gelado batia em suas costas nuas
— É uma adaga normal, mas por ter esta ponta afiada é também
conhecida como escarificadora. Sabe o que é escarificar?
— Não! Não!
Vivian deu uma olhada ao redor dela, decidindo pelo melhor lugar, se
aproximou de sua lateral, correu a mão por sua cintura até a altura do sutiã e por
cima das costelas, do lado esquerdo.
— Aqui, nas costelas. E nem preciso pedir para você levantar os braços.
começou a correr com a faca, para baixo e devagar, até que formasse a primeira
Jennifer já não queria mais olhar, olhava para cima e gemia, olhava seu
sem olhar a sensação era de uma brasa acesa passeando em sua pele, com a
Mas logo ela seguiu até sua coleção de objetos e selecionou um outro,
um punhal bastante estreito e comprido, sua lâmina não deveria ter mais que um
centímetro de largura.
lâminas para você, Anna, mas eu também sou admiradora dessa arte, então se me
penetrava num ponto fraco da armadura do seu inimigo... Com sorte perfurava
mãos.
Vivian olhou pensativa para seu tórax, colocou sua mão esquerda abaixo
do seu seio esquerdo, retirou e recolocou dedo a dedo.
— Um... Dois... Três... Dedos. Três dedos abaixo do seio, dizem que o
pulmão termina aqui. Será que seu pulmão realmente termina aqui? Se eu
nervosamente.
— Temos cinquenta por cento de chances de acertar, torça para que seu
pulmão termine antes.
dedos, Jennifer contraiu seu abdome. Lentamente Vivian foi penetrando a fina
lâmina, enquanto Jennifer fechava seus olhos e mordia seu lábio inferior com um
grunhido.
saberemos. Anna, você quer fazer uma aposta? Se ela tossir sangue nos
próximos minutos, você me paga uma bebida, caso contrário, sou eu que te pago,
fechado?
financeira, mas sei que sempre é bem-vindo mais dinheiro e mais posses.
para você, e você a deixa ir embora, ela não vai fazer nada contra você, ela nem
sabe onde está... Você continua comigo e com tudo que eu tenho, mas deixe que
mão.
— Deve ter algo que você queira, algo mais valioso que essa vingança
estúpida. Por favor, me diga o que você quer. — Anna falava, com uma voz
cansada.
— Você me interrompeu três vezes. Pare com isso, eu não quero nada
esquerda, direita.
Uma das pulseiras coloridas que Jennifer usava caiu no chão, à sua
frente, Vivian juntou e deu uma olhada, era azul com detalhes vermelhos.
— Hum... Anna, acho que ela está te traindo, tem o nome de uma mulher
— Minha mãe.
— Oh, sinto muito. Mas eu vou ficar com ela, ok? Será meu troféu. —
mesmo?
— Eu gosto do timo pela aura mística que o envolve, alguns dizem que
ele está relacionado à felicidade e tristeza, amor e ódio... E que por estar na
frente do coração e ser menor, é o coração que ganha os créditos, mas eu gosto
— Devagar, para não ultrapassar... Não quero chegar até seu coração.
Anna virou o rosto para o outro lado, não estava mais suportando ver o
sofrimento estampado no rosto de sua namorada.
— Pronto, apenas seis centímetros, é o que dizem. Viu, vocês estão tendo
frente a ela.
— Não, não, não chore... Você estava indo tão bem. — Colocou a mão
em seu rosto.
— Agora?
novamente.
Vivian sorriu.
Logo ele a entregou o copo e ela a deu de beber. Jennifer deu alguns
goles ávidos e tossiu, com um leve engasgo.
— Vejam só! Você está vendo, Anna? Acho que temos sangue no copo.
Acredito que ganhei a aposta e você me deve uma bebida. — Animada, mostrou
o copo para Anna. — É sangue! Ela tossiu sangue!
Ela a encarou.
— Hey, olhe para mim. Olhe para mim! Desculpe ter te colocado aqui,
— Acho que isso irá me atrapalhar. — Vivian tomou uma adaga e cortou
o sutiã nas costas, depois cortou as duas alças, fazendo com que caísse no chão.
— Pronto, agora temos uma tela em branco. Nem tão em branco, você
tem algumas pequenas sardas. — Falou deslizando sua mão pelas suas costas,
até sua calça.
Passou sua mão suja de sangue pela blusa branca de Anna, a manchando.
Foi até o aparador e pegou uma espécie de chicote de couro com o cabo
— Isso é diversão!
— Vivian!
— Sith, não quero sujar minha camisa com sangue, pegue, você sabe
como usar, fique a postos. Anna, vou te fazer algumas perguntas, darei notas às
suas respostas, ok?
— Eu... Eu... Vivian, eu não amava mais Robert, não era justo com ele.
dela, que se contraiu, seus dedos esticaram e um gemido alto ecoou naquela sala
ampla.
três golpes na pele alva de sua namorada, formando vergões profundos, de onde
— Sim.
— Quantas vezes?
— Duas vezes.
— Claro, eu não teria ficado tanto tempo com ele por nada.
— Um golpe, Sith.
— Ah... Por favor... — Jennifer estava quase jogando a toalha, aquela era
— Você sabe.
— Quatro anos.
Sem pressa, Sith desferiu os quatro golpes com o chicote com pontas de
Jennifer baixou sua cabeça e segurava com força suas próprias algemas,
as puxando.
— Jennifer.
semblante sério.
— Chefe?
— Sim?
Jennifer estava com sua cabeça caída de lado, seus pés arrastando no
chão, estava pendurada pelos braços, os joelhos levemente dobrados. Em suas
— Ok, por hoje chega. Mas sabe que isso me deu uma ideia? Não vou
acabar com vocês hoje, eu gostei disso! Vou continuar amanhã. Vocês vão voltar
— E você, já sabe, nada de morrer essa noite, quero você viva amanhã,
nesta sala. Sith, leve ela de volta para a cela, diga para que não a deixem morrer
essa noite. Depois peça reforço e levem essa aqui também de volta à cela. —
Falou apontando para Anna.
ombro, sem sinal de vida. Anna ainda conseguiu ver seu rosto ensanguentado
antes que saísse da sala. Vivian se aproximou dela.
— Vivian, eu vou acabar com a sua raça, você é uma mulher morta, eu
vou atrás de você e vou te matar nem que seja a última coisa que eu faça, nem
que eu precise ir até o inferno atrás de você. — Anna falou com a voz
Vivian riu, jogando a cabeça para trás, pegou seu terninho e vestiu
calmamente.
ranger das dobradiças, sentiu a claridade entrando através dela. Acordou, mas
levou algum tempo até abrir os olhos, a cabeça doía e sentia-se tonta, enjoada.
Algo foi atirado ao chão e a porta logo fechou-se, percebeu. Estava deitada de
bruços, desajeitada, numa cama estreita de concreto, entre a cama e seu corpo
sangue. Deu uma relanceada no que havia sido atirado ao chão: parecia uma
ocre. Vestia apenas uma calça jeans e a cela era fria, a manta parecia um oásis no
deserto àquela altura. Colocou ambas as mãos ao lado de sua cabeça, estava
tomando coragem para se erguer da cama, ainda não processava direito onde
estava nem o que havia acontecido, seu grande objetivo de vida naquele instante
Com ajuda dos braços ergueu seu tronco, soltou um grito de dor, virou e
sentou-se, tocou o chão com os pés descalços, ereta. Emitiu um longo suspiro
que iniciou-se com um gemido, sentia todo o corpo dolorido, alguns lugares
estreita, por onde entrava a pouca luz que iluminava sua cela.
Então se deu conta que não se lembrava de como aquela tarde havia
terminado, entrou em pânico.
— Porra, o que será que aconteceu com ela? Será que... Não, não, eu sei
que ela está aqui, viva, em algum lugar. — A angústia subiu, entalando em sua
garganta.
Sentia um frio cortante, como se viesse de dentro, a sensação era que sua
energia havia sido sugada, qualquer mínimo movimento era doloroso.
abertura na porta.
uma dor imensa nos dois cortes nas pernas e caiu de frente.
— Que merda... Que dor... — Falou deitada de bruços no chão frio, brava
consigo mesma.
— Eu preciso fazer algo, eu não vou morrer aqui, não vou deixar Anna
morrer aqui.
Novamente usou os braços para se erguer, com ajuda dos joelhos ficou de
pé e com alguns passos sôfregos chegou até a porta, apoiando-se nela.
outro lado, aquela sala com duas mesas e um carcereiro com cara de mal-
bebedouro antigo. Sabia que havia mais celas ao seu redor, talvez umas três à sua
sobre seus ombros. Apesar do frio, suava, era a febre que chegava, lhe causando
uma sensação ruim, tão ruim quanto o pior dos pressentimentos ruins, a
deixando mais tonta do que já estava.
— Ela deve estar em alguma destas celas. São talvez oito celas... Ou
sete... Dez... Não, são sete. — Fechou os olhos, tentando pensar direito.
Virou a cabeça, viu na bandeja um prato cinza com algo que parecia uma
Então pode ouvir mais ao longe duas batidas numa porta e alguém
dela.
— Pense... Pense... Pense... Não dizem que os Vulpis são espertos? Seja
Passou a mão pela testa e pelo rosto, limpando o suor. Puxou as duas
de sua energia e conseguiu chegar até a porta, respirando forte. Empurrou com o
pé a bandeja para o lado e certificou que nada mudara desde o momento anterior,
Abaixou-se, pegou o pão, deu uma boa olhada, rapidamente o atirou por
início do corredor, onde o pão ainda rolava, agradeceu por ser um pão
endurecido, o que acabou fazendo barulho suficiente para atrair a atenção dele.
Assim que ele passou pela frente de sua cela, ela concentrou-se no mural
— Droga!
Olhou novamente para a chave e a fez correr para dentro daquela cela,
pela abertura que havia próximo ao chão. Estava preparada para fazer o mesmo
procedimento com a penúltima cela, quando percebeu o carcereiro já voltando
braços e mãos pela porta. Tentou levantar, mas acabou fraquejando e voltando a
ficar de joelhos, voltou assim para a cama, subiu devagar e deitou-se de bruços,
ardia em febre.
— É a nossa chance... Ela tem que estar na última cela, ela estará...
Jennifer começava a acreditar que havia errado de cela, ou que Anna não estava
naquelas celas, ou ainda que simplesmente não estivesse mais naquele lugar.
— Não deu certo... Preciso fazer outra coisa... Vou levantar. Ai, Meu
Deus, que dor...
Sentia as gotas de suor descendo pela sua testa, as costas pareciam estar
em chamas, as pernas com orifícios que latejavam, o peito doía.
— Acho que não estou tão mal... Consigo levantar. — Falava tentando se
convencer, mas sequer se movia. — Eu estou mal.
sussurro, nenhum ruído, apenas a espera pelo dia seguinte era o que lhe restava.
— Meus ombros... Por que doem tanto? Que... Ah, talvez por ter passado
uma tarde pendurada pelos braços... Claro... Meus ombros... Meus Deus, Anna
pode estar morta e eu aqui reclamando de dor nos ombros... Não posso dormir,
preciso jogar as chaves.
— Espero que aquela Hannibal Lecter devolva meu corpo para meu
avô... Ele vai ficar muito chateado... Meu vô... Desculpe vô... As macieiras... Eu
contra seu peito, tinha uma pistola na mão esquerda e com a mão direita afagava
seus cabelos.
— Desculpe... Desculpe... Desculpe... Não vou deixar mais ninguém
encostar em você. — Anna repetia baixinho com os olhos marejados, Jennifer
corria suas mãos pelas costas dela, lhe comunicando silenciosamente que estava
tudo bem.
— Não, mas precisamos sair daqui. — Anna deslizou a mão pelo seu
rosto e limpou o sangue abaixo do nariz. — Eu vou cuidar de você, eu vou
— Para alguma coisa tem que servir ser uma raposa. — Falava tentando
Anna riu.
— Consegue andar?
— Bom, digamos que hoje não é um bom dia para caminhar, mas posso
tentar.
— Venha.
parede.
— Um tiro irá chamar a atenção, vou tentar outra abordagem. Fique aqui.
planejados pelo corredor. Não deu a menor chance para o sujeito, aplicou-lhe
— Me busca?
saída era do outro lado, mas haviam vários corredores desembocando naquele
ambiente.
longo, mas parecia estar vazio. Quando voltou sua cabeça para trás sentiu uma
O forte híbrido segurava a mão de Anna para cima, com suas duas mãos,
enquanto Anna se debatia, tentando soltar-se, ambos olhavam para a pistola
como se fosse o grande prêmio. Até que Anna o encarou com uma ira visceral,
deu um grunhido com raiva e se desvencilhou das mãos dele, sem pestanejar a
empunhou com as duas mãos à sua frente e deu dois tiros certeiros na sua
cabeça.
— Suba?
— Onde?
— Nas minhas costas. Passe seus braços aqui.
Anna correu através de toda aquela grande sala chegando até a saída,
força a porta, que abriu-se. Chegaram até o pátio, que um dia deveria ter sido um
gramado, agora tinha apenas uma relva rala, seca e amarelada e alguma areia. De
um lado havia quatro carros estacionados, à frente uma guarita, do lado de um
grande portão de aço. Anna empurrou Jennifer para cima, a ajeitando com a mão
— Droga! — Anna saiu correndo para trás dos carros, com Jennifer
grudada em suas costas numa carona perigosa.
— Eu sei!
Anna observou por alguns segundos, esperando mais algum movimento
do outro lado, mas nada aconteceu.
— Segure firme.
Anna correu com agilidade por trás dos carros e com uma determinação e
rapidez que Jennifer nunca vira antes, chegou até a guarita, derrubando a porta
com os pés e dando três tiros no segurança que estava em seu interior.
disparado.
Anna correu o olhar afoita pelo ambiente e sobre a mesa, até ver um
pequeno quadro com as chaves dos carros penduradas. Pegou uma das chaves e
apertou um grande botão na parede à sua frente, fazendo o portão ao lado abrir
alarme procurando pelo carro que apitasse. Um carro vermelho mais ao canto
— Pode descer.
— Venha buscar.
apoiou-se com as mãos sobre o painel à sua frente, olhou para o lado e viu Anna
pesada.
Anna sentiu o calor da mão de Jennifer sobre sua coxa, por cima do seu
jeans escuro, aquele toque carinhoso acabou desmanchando a sensação
aterrorizante que estava sentindo. Colocou sua mão sobre a mão dela e
e saiu pelo grande portão, não sem antes dar ré em cima de outro carro, batendo
a traseira.
— Você está indo bem... Está indo bem. — Jennifer falava tentando
esconder a apreensão.
Saíram no meio da noite daquela fortaleza dos horrores por uma pequena
estrada de terra, cercada de uma densa vegetação. Jennifer ainda deu uma
olhadela pelo retrovisor, viu a casa ficando para trás, apoiou a cabeça sobre os
estar saindo dali, carregava consigo as marcas e as dores adquiridas, mas estava
— Ah.
— O jeito é seguir por esse caminho e ver em qual rodovia vai dar. —
Anna olhava pela janela, tentando se localizar.
— Uhum.
— Me trouxeram num porta malas, não faço ideia que cidade seja essa.
— Nem eu.
Anna lançou um olhar culpado e passou os dedos pelos seus cabelos que
— Ãhn?
— Me deram.
la naquele estado.
— Você sabe que se eu pudesse tiraria todos seus ferimentos e colocaria
em mim, não sabe?
— Eu... Eu sinto muito que tudo isso tenha lhe acontecido por minha
— Não, por favor, sem esse papo de culpa, ok? A única culpada aqui é
— E se for pedir desculpas, que seja por ainda não ter me dado o
— O quê?
— Sharon, a que nos atendeu hoje cedo, você ficou com ela naquela
época que estávamos dando um tempo.
— Do que você está falando?
— Tudo bem, eu também fiquei com Laura naquela época, não estou
brigando com você.
— Laura me contou.
— Não.
— Um híbrido?
— Ok.
— Hum.
— Está acordada?
— Hum.
— Fale comigo.
— Hum.
deu um longo suspiro, ainda com as mãos no volante. Estava de volta à sua zona
de conforto.
— Não posso te levar no colo, machucaria ainda mais suas costas, ok?
— O quê?
— Um saco...
Deu um passo para trás, e com alguns chutes abriu sua porta.
cama, que rapidamente se virou quando suas costas tocaram no colchão. Anna
sentou ao seu lado pensativa.
celular.
— Não, dessa vez não é comigo. Mas preciso dos seus serviços com
urgência.
mergulhou dentro da água, fazendo com que ela despertasse, sem saber o que
estava acontecendo.
— Por que?
— Capa.
— Desculpe, capa.
— Tudo bem, volte para frente, venha cá. — Anna a abraçou, trazendo
sua cabeça com a mão para perto do seu rosto e aproveitando para dar uma boa
olhada em suas costas.
quarto, um senhor que aparentava seus setenta anos, alguns poucos fios brancos
visto andou se metendo em uma encrenca das grossas, hein? — Falou com a voz
calma, já colocando delicadamente as mãos em suas costas, a examinando de
perto.
— Tá bom... — Murmurou.
— É, está sim, mas vamos limpar bem isso, alguns pontos, alguns
remédios, e ela vai ficar bem. — Respondeu otimista.
reclamou.
— Não, não!
— Tem uns cortes desse lado. — Anna o impediu, então a viraram para o
lado direito.
— Nem me pergunte...
devidamente feitos depois, ele havia enfim terminado seu serviço e tirava alguns
comprimidos de sua bolsa.
— Por quê?
— Bom, eu também tenho coisas bem mais fortes dentro da minha bolsa,
— Ãhn... Espera, não sei se é uma boa ideia. Ela teve problemas com
isso recentemente.
— Problemas
— É, esses problemas.
— Eu sei... Tudo bem, dê o que o Sr. tiver de mais forte, chega de dor por
receituário.
— Troque todos os curativos três vezes por dia, inclusive os das costas,
use e abuse da pomada para que nada grude nos cortes. Ela teve sorte, não teve
perfuração no pulmão.
— Pelo que examinei não há líquido no pulmão, ela deve ter tossido
— Menos mal.
acompanhado de Anna.
— Já faz algum tempo que você não me procura. Não, não estou
serviços quase todos os meses e já tem um bom tempo que não me chama, se
não me falha a memória, a última vez que atendi você foi no final do ano
passado.
meio torto.
— Bom sinal, significa que você não tem se ferido. Não tem mais feito
aquelas missões?
— Sim.
— Melhoras para seu anjo então, se amanhã a febre não passar me ligue
novamente.
ao lado dela na cama. Deslizava a mão por seu ombro, seguiu pelas costas até o
outro ombro, sentia a pele quente sob seus dedos. Subiu sua mão pela nuca e
afagou seus cabelos enquanto a via dormir, agora com um semblante pacífico,
aliviado.
da sua testa.
— Ao inferno.
Capítulo 36 – Um tiro de misericórdia
dentro de três horas quero que você venha até minha casa e leve Jennifer com
você, ela vai precisar de cuidados médicos, leve para bem longe e tome conta
armário no alto. Guardou nela algumas coisas e fechou o zíper. Tirou o casaco,
vestiu seu coldre e colocou uma arma de cada lado, uma com silenciador e outra
sem. Voltou a vestir a jaqueta, colocou a mochila nas costas, pegou o capacete e
levou a moto para o lado de fora da casa. Fazia tudo com um semblante
compenetrado, parecia um ritual.
Andava devagar por uma das ruas, olhando ao redor, procurando por uma casa
em especial, até encontrar o que queria.
Anna adentrou pelos fundos e logo já estava dentro da casa de Vivian, olhando
atentamente ao redor, numa sala de estar grande rodeada de vidraças altas.
Seguiu para uma sala menor, igualmente clara, com móveis e decoração na cor
branca, bem diferente daquela sala negra onde elas haviam sido torturadas. Ao
encontrar a larga escada, encontrou também um segurança distraído que
aguardando. Sacou uma de suas adagas e a empunhou junto a sua perna, ouvia
atentamente seus passos lentos, até finalmente abordá-lo na surdina, tapando sua
boca com a mão direita e cravando a adaga em seu peito com a esquerda.
capataz desfalecido no chão. Não queria perder tempo, subiu logo as escadas
com passos apressados, chegando num corredor com poucas portas, que
desembocava numa grande janela que ocupava toda a parede. Abriu a primeira
porta e viu um homem dormindo numa grande poltrona, com a cabeça caída para
trás, o reconheceu. Guardou a adaga, sacou uma pistola com silenciador de seu
coldre de dentro da jaqueta, entrou devagar, pé após pé, o fitando. Aquela não
era uma missão comum, a raiva em seus olhos e a frieza em seus movimentos
faziam toda a diferença. Naquela noite Anna era, como disse uma vez Jennifer,
uma máquina de matar.
Assim que ficou em frente àquele homem ele acabou acordando, num
gesto rápido Anna cobriu sua boca e encostou o cano do silenciador na testa
dele, lançando um olhar fulminante. Novamente estava decidida a não perder
tempo, o encarou dentro dos seus olhos e murmurou.
— Sith, um golpe.
Ele teve tempo apenas para arregalar os olhos, ela efetuou o disparo,
entrava pelas janelas e iluminava Vivian dormindo numa grande cama, de lado,
firme de pé em frente a cama, apontando sua arma para ela com as duas mãos.
— Tenho certeza que podemos resolver isso com essa arma abaixada,
semblante nervoso.
— Eu não vou atirar em você, não se preocupe, mas vou manter a arma
— Eu? Eu não faria isso. Vamos lá, deixe-me colocar uma roupa,
podemos ir lá embaixo conversar, eu posso te dar garantias que não farei mais
— Você não vai a lugar algum, cunhada. — Falou o ‘cunhada’ com certo
deboche.
Anna tirou a mochila das costas e colocou sobre a cama, tirou dos bolsos
de trás da calça dois pares de algemas, enquanto isso Vivian fez um movimento
rápido na direção do criado mudo ao seu lado. Anna correu e a impediu.
primeira gaveta, avistando uma arma e um outro objeto que chamou sua atenção,
prontamente pegou ambas as coisas e colocou no bolso de sua jaqueta.
— O que você vai fazer? — Ela perguntou assustada, olhando as
algemas.
Vivian à cabeceira, prendeu mais uma algema no mesmo pulso, em outra parte
metálica.
— Pare com essa besteira, Anna, eu não fiz nada a você, me solte, já
disse, resolvemos isto de outra forma. — Falou puxando seu pulso, sem sucesso.
sem pressa.
— Como pode essa humana ser mais importante que sua própria espécie!
— Chega, Vivian.
você, não te farei um arranhão sequer. — Falou num misto de ira e sarcasmo.
Vivian em pânico.
quarto, compenetrada, com uma frieza que deixava Vivian cada vez mais
e pelo corpo dela, jogando o vasilhame vazio no chão por fim. Vivian
acompanhava cada movimento com um olhar tenso, depois com seu braço livre
— Anna, temos que preservar nossa espécie, por isso não te fiz nada, eu
nunca faria nada a você! Você fez parte de nossa família, não pode fazer isso
comigo! — Vivian dizia agitada.
— Se eu fosse você não faria isso, vai machucar seu pulso. — Anna
disse.
— Me solte! O que você quer que eu faça?? Que eu peça desculpas? Me
diga, o que você quer de mim?? Você já tirou tudo de mim! E eu não fiz nada a
você!
fósforos.
— Quando o fogo chegar até você, tenho certeza que você desejará a
morte, por isso vou deixar esta arma com você. — Fez menção de jogar a arma
para ela, mas parou o movimento.
— Mas se eu fosse você tomaria cuidado para não errar o tiro, tem
segundos.
Anna a fitou mais uma vez, ainda dominada por uma raiva que lhe
acelerava o coração.
— Vá a merda, Vivian.
Lançou a arma para ela e saiu pela porta.
— Anna! Sua vadia! Volte aqui! Eu deveria ter matado vocês duas
quando tive a oportunidade!
mais ouvida, passou pelas salas e saiu da casa, chegando até o quintal, na lateral.
mais lá, a fechadura estava consertada. Subiu rapidamente as escadas e foi até a
luvas de couro e passou sua mão pelos cabelos dela, agachada ao seu lado, agora
aliviada. Sentiu em sua testa apenas um suor frio, a febre havia diminuído,
incomodada, franziu a testa, era perturbador vê-la daquele jeito por sua causa,
enxugar. Por alguns instantes deixou todo aquele terror que sentia se esvair,
talvez não percebesse, mas alguma coisa havia mudado dentro dela depois
daquilo tudo, porém naquele momento apenas havia baixado suas defesas.
— Vem cá.
ao seu lado.
— Você pediu para ser valente. Por falar nisso, ela vai nos procurar
— Vou sim, mas não se preocupe, ok? Está tudo sob controle.
pulseira que Vivian levou com ela! — Olhou assustada para ela. — Anna, como
que... Onde você estava?? — Tentou se levantar, ficando apoiada no cotovelo.
Anna ficou sem ação e sem palavras, nem sabia por onde começar a
explicar.
— Sozinha?
— Eu e Paty.
— Anna...
— Você a matou?
— Como se mata uma pessoa mais ou menos, Anna? Ela virou zumbi?
— Ela está morta, estamos livres. — Anna tentava não se prolongar, ela
sabia que aquilo tudo havia sido mais do que autodefesa, havia sido vingança.
acordo com aquela atitude impensada de sua namorada, mas de certa forma
estava aliviada.
de lado.
— Não.
— Você se arriscou, não deveria ter ido sozinha, imagina se... Imagina...
— Se acontecesse algo Max viria te buscar. Mas deu tudo certo, agora
estamos seguras, não pense mais nisso. Esqueça ela, ok? Tente dormir.
— Não se machucou?
— Ainda não, tenho que ver o que tenho de material para curativo,
remédios, o que comprar daqui a pouco, essas coisas. — Falou já indo para o
banheiro.
— Anna?
— Sim?
— Claro.
— Posso ver tudo isso depois. — Colocou a mão em seu rosto, passou os
dedos num corte em seu lábio e num corte na maçã do rosto, onde estava
avermelhado.
— Vingança?
— Estrago? — Jennifer tentou olhar suas costas por cima do ombro, com
— Tá muito feio?
— Quando você entrou na minha casa, quer dizer, quando você invadiu a
minha casa eu juro, a primeira coisa que eu pensei foi que estava vendo a garota
mais linda que já havia visto em toda minha vida. E não imaginava que você
poderia ficar ainda mais bonita com o passar do tempo, hoje eu tenho a mulher
mais linda e perfeita que eu jamais poderia imaginar ter ao meu lado, aqui, bem
na minha cama.
cuidado, mas Jennifer logo passou sua mão por trás de sua nuca e a puxou para
pelos lençóis.
***
— Alô?
— Sr. Stuart?
— Por gentileza.
— Vô? Eu...
— Você sumiu!
— Estou ouvindo.
— Fomos... Num parque de diversão, num local que não havia sinal, era
um local distante.
— Essa história está muito mal contada, mas tudo bem, estou mais
tranquilo que finalmente consegui falar com você. A propósito, feliz aniversário,
— Que bom que gostou. Bom, de qualquer forma o pessoal do clã vai na
sua casa hoje ou amanhã te fazer uma visita, vão levar um presente ou algo
assim.
— Que dro... Que legal! Tem como avisá-los que não estou em casa?
— Na casa de Anna.
— Os avisarei.
para Anna.
los assim?
— Melhor eu atender.
— Sim, está.
— Não, claro que não. Tivemos uns... Probleminhas, passamos o dia fora
da cidade, só isso.
— Ela está lá em cima?
— Ãhn... Está.
— Espere.
olhos.
— O que você fez com ela?? Por que eu não posso subir?
— Eu não vou impedi-la de subir, tenho certeza que ela vai gostar de te
ver, mas me escute primeiro... Aconteceram algumas coisas, ela se machucou, eu
estava trocando os curativos quando você chegou, então talvez a visão não seja
das melhores, mas não faça alarde, ok? Ela vai ficar bem.
— Não se impressione, estou bem. Olha só, sobre aquele dia com Jim, no
aniversário de Anna, tentei falar com você todos esses dias, desculpe, sei que
Becca sentou-se na beirada da cama, ao seu lado, deu mais uma boa
olhada em suas costas e passou a afagar seus cabelos, pondo para trás da orelha.
— Claro que não. Mas quem fez isso com você, baby? Que absurdo foi
esse?
— Uma louca aí... Mas não é tão ruim quanto parece, ela escolheu uma
região delicada, só isso.
— Deixa pra lá, eu vou ficar novinha em folha. Então, quando vamos
— Você permitiu que fizessem isso com ela e agora quer dizer o que ela
semana nós vamos ao pub e faremos um brinde com algo sem álcool, ok?
coberta leve.
— Então por que você não abriu a porta da sua casa para mim todos
esses dias?
— Eu estava viajando com Jim, ele me levou para conhecer a mãe dele
na Escócia.
— Becca? Você pode tomar conta dela enquanto vou ao Centro comprar
em seu leito.
— Não notei.
mil vezes se você queria alguma coisa. E você, toda sonsa do meu lado. — Falou
dando um soco de leve na perna de Anna.
— Hey!
— Nós, achei que eu estava solteira, só por isso fiquei com ela naquela
época.
— Aff.
sorrisinho.
— Você tem algum antiácido aí? Essa conversa está me dando azia.
suas costas.
— O que é?
— Abra.
— Acertei o modelo?
— Sim! É exatamente igual a câmera dele e que eu usei, até quebrar. —
Mexia na câmera de um lado para outro.
um beijo.
— Sim.
— Para?
— Quero ir na sacada.
— Para?
Ela sabia que não adiantaria argumentar com Jennifer, foi buscar uma
camiseta grande a ajudou a vestir.
— Consegue andar?
frente no chão.
— Jennifer!
— Obrigada. baby.
— Se machucou?
— Mais? — Riu. — Veja só, esse oceano meio verde meio azul
esperando para ser fotografado pelo queijo suíço aqui, eu não poderia perder
impressionada com sua recuperação, estava aliviada com isso, mas algo a
incomodava lá no fundo, lá dentro de si algo dizia que as coisas não estavam
nada bem, sentia um misto de culpa e temor, mas não entendia direito o que
acontecia.
À noite Jennifer havia acabado de adormecer e Anna a observava da
sacada, recostada no parapeito, com um semblante apático. O bip do celular
chamou sua atenção, leu a mensagem de Max e ficou alguns instantes pensativa,
pouco mais de duas horas organizando o local, agora procurava por algo para se
ocupar, olhava algumas adagas inacabadas sobre a bancada, mas não sentia a
encontrou na cama. Seguiu até o banheiro, colocou ambas as mãos nos batentes
da porta, olhando para seu interior, mas também não a viu. Empurrou para o lado
a porta de vidro da sacada e nada de Jennifer por ali. Instantaneamente teve uma
na cozinha, mesmo tendo passado por ali quando saiu da oficina, poderia ter a
ignorado sem querer. Mas ela não estava lá também. Olhou quarto por quarto,
cômodo por cômodo, afoita, batendo portas. Voltou à oficina, mas nem sinal dela
pela casa, nenhum ruído, nada quebrado, nada alterado que percebesse.
Parou no meio da sua grande sala com a respiração rápida, forte, olhando
ao redor, não fazia ideia de onde mais a procurar, nem por onde começar a
buscá-la fora dali. O dia estava abafado, ela suava e sua regata branca já estava
molhada na região acima dos seios e nas costas. Aquilo que começara como
Pensou no óbvio, que talvez Vivian tivesse forjado sua morte ou alguém
ligado a ela tivesse tramado alguma represália, resolveu ir até a casa dela. Correu
até a oficina e abriu a porta de deslizar para tirar sua moto. Quando fazia isso
percebeu algo que lhe chamou a atenção, parou de empurrar a porta e passou a
com a testa franzida, apreensiva. Jennifer andava mar a dentro, já com a água na
chamá-la, mas estava paralisada, apenas esperando, tentando entender que raios
continuou andando, até a água chegar em seus ombros. Então parou por ali, ficou
um tempo ainda com os braços esticados e depois começou a nadar, bater os
braços de um lado para outro, algumas tentativas de boiar, nadar de costas, como
Anna foi até o banheiro do andar de baixo buscar uma toalha e ficou a
— Por que você fez isso? — Anna a perguntou, num tom brando.
proibiria.
— Duvido. — Sorriu.
— A água do mar vai consertar isso. Esses dois aqui de cima estão bem,
mexendo no corte.
— Não mexa, vai soltar os pontos. Me deixe cuidar desses de cima agora.
— Vivian era psicopata, não era? Ou era só sádica? Por que ela não fez
— Saber o quê?
— É, eu sei.
que o vestiu e deitou-se de lado. Anna deitou-se também a encarando, a fitou por
o quanto ele cobrar, ele vai fazer o melhor serviço possível nas suas costas, eu
prometo.
verdade.
— Mas eu vou cuidar disso. E dessa que você tem aí do lado também.
— O quê?
— Coisas.
— Me fale...
Anna hesitou.
— Em como quase perdi você. E como achei que talvez tivesse perdido
— Mas isso não vai acontecer. — Jennifer colocou a mão em seu rosto.
— E se acontecer, vai ser por obra do destino, não por culpa sua.
conta.
pouco importava, eu não tinha nada a perder. Se alguém quisesse me fazer mal,
ela colocaria uma arma entre meus olhos ou uma faca em meu pescoço e
resolveria. Agora se alguém quiser me fazer mal ela vai colocar uma arma
— Bom, então em outras palavras, você está dizendo eu sou o seu ponto
fraco.
— É... Disse... Se for levar por esse lado você também é meu ponto
Anna se virou incomodada para cima, com uma mão embaixo da cabeça.
— Talvez Vivian tenha razão quando disse que eu só trago o mal para
— Você se deu conta que está dando razão para uma louca que achou
em você. E por fim, para nos salvar, precisei matar Vivian e mais uma porção de
híbridos, pessoas da minha espécie. Entende o rastro de destruição que deixei?
Que eu sempre deixo.
— Ação e reação, você não causou nada disso por vontade própria, nem
por sua iniciativa. — Jennifer a fitava, virada de lado.
um pouco inchada.
— Se eu perder meu calcanhar de Aquiles eu caio. Eu não posso viver
sem ele. — Por fim respondeu e a trouxe para seus lábios.
***
— Por que?
— Você pode ficar aqui o tempo que quiser. — Anna falou já próxima de
Jennifer.
— Tem certeza?
Jennifer a cada dia percebia que algumas coisas haviam mudado para
Anna e começava a se preocupar com isso.
Anna balançou a cabeça, concordando.
— Aqui.
Era só uma desculpa, Jennifer puxou Anna pelo pulso para dentro do
box.
pela cintura.
nela, Jennifer desceu sua mão de forma suave, como se brincando com o corpo
de Anna, o conhecendo, novamente. Espalmou sua mão abaixo da coxa dela e
ergueu sua perna, fazendo com que ela apoiasse seu pé na borda da banheira.
Anna a obedecia, não queria correr o risco de ser expulsa dali, muito menos
duplamente molhada, e fez aquilo que fazia de melhor com suas mãos. Anna a
abraçou, envolvendo seus braços ao redor do seu pescoço, tendo cuidado com
suas costas, já Jennifer sequer lembrava daquilo tudo.
Ela percebeu que Anna estava cada vez mais envolvida, a sentiu
olhar que avisava o que viria a seguir, ou pelo menos tentava avisar.
Assim Anna desceu seus lábios e beijos do ombro aos seios, devagar,
chegando até o abdome, Jennifer se desequilibrou e se recostou na parede atrás
— Machucou?
vez de erguer uma perna e apoiar na banheira, Anna chegou até o final daquele
caminho e passou sua mão por trás dela, a segurando com a mão espalmada.
Jennifer fechou seus olhos, colocou sua mão nos cabelos molhados de
Anna, não havia mais cicatrizes, ferimentos, ameaças, nem mundo ao seu redor,
tudo desaparecera com aquele turbilhão de sensações intensas que a levaram aos
aquilo tudo, ela também aproveitou e se permitiu deixar que os demônios que a
assombravam naquele momento escoassem junto com a água que caía do
chuveiro.
O beijo findou e Jennifer segurou seu rosto com ambas as mãos,
lançando o mais amoroso dos olhares.
— Eu quero você, eu quero você como nunca desejei nada nem ninguém
— Ela respondeu.
***
remédios e aparatos que Jennifer levaria para sua casa, enquanto ela aguardava
na sacada, tirando fotos. Anna largou a bolsa na cama e foi até lá.
— Todo dia é um bom dia para alguma coisa, mesmo os dias nublados
são perfeitos para alguns tipos de fotos.
— Isso acontece quando se gosta do que faz.
— O que?
— Não... O trato era eu te dar a câmera e você não tirar fotos minhas.
Ainda com os lábios próximos, Anna mordia seu lábio inferior, como se
— Jennifer...
— Mas eu já sou. Bom, pelo menos acho que sou a titular, não sou? —
Jennifer brincou.
— Anna, eu não abro mão de ter a minha casa, o meu canto, minha
juntas.
Jennifer estava ficando arrasada com o jeito que Anna assimilava aquilo,
— Ah, você é dessas que só vai morar junto quando casar? — Anna
— Não acho que isso tenha a ver com idade. — Jennifer contestou.
— Opção sexual.
— Não existe opção sexual, só a falta dela. É agora que você diz ‘mas
como sabe que não gosta se nunca provou’?
— Hoje?
— É sábado.
num asilo.
***
com a TV ligada, trajada apenas com uma regata, calcinha e meias, havia
marcado de ir ao pub com Anna, mas havia adormecido. As batidas na porta a
— Vô William!
por telefone.
— Ahan, vejo que sim, a começar por esses cortes em suas pernas e no
seu rosto.
convidou para entrar, quando já fechava a porta viu seu primo Adam subindo
Logo atrás de Adam foi possível ver Hugh também carregando uma mala
e sorrindo.
todos para ficarem por lá também, mas Hugh e Caroline preferiram ficar aqui,
tudo bem se eles ficarem no seu apartamento? — William falou, ele estava de pé
próximo ao sofá.
— Claro... Podem ficar, como viram não posso oferecer o conforto que
vocês têm na Escócia, mas são todos mais que bem-vindos aqui.
— Esse sofá está ótimo para mim. — Hugh falou, sentado no sofá ao
qual se referia.
falou.
Jennifer não continuou com o beijo e sorriu um pouco sem jeito, abrindo
mais a porta.
— Temos visitas.
— Boa noite, Sr. Stuart, fez boa viagem? — Anna ainda estava surpresa.
— A viagem é longa demais para ser boa, mas eu precisava ver se você
da casa.
juntamente de Adam.
você fosse ao meu hotel amanhã de manhã, vá tomar café comigo, vamos
Não demorou muito para que Anna também fosse embora e Jennifer
aprontasse os lugares para seus dois primos dormirem. Caroline dormiria com
ela.
***
sua prima.
— O que foi??
— Suas costas!
aproximando dela.
— É recente.
— Segunda-feira.
cama.
— Que acidente estranho foi esse? Esses cortes no seu rosto, também foi
do acidente?
— Sim, estilhaços de vidro, sabe como é. Mas não comente nada com vô
William sobre minhas costas, ok?
— Ele viu os cortes na minha perna, vou ter que contar do acidente, mas
se ele ver minhas costas vai ficar preocupado, não quero preocupá-lo... Já está
tudo bem.
— Você deveria ter contado para ele, a semana inteira ficamos ouvindo
ele falar que havia acontecido alguma coisa com você, mas não sabia o que era,
por que você acha que está aqui? Estava imaginando todos os tipos de coisas
ruins.
— Ele se importa pra valer com você, talvez você devesse atender seu
— Eu sei que ele se importa, Carol, eu vou ser mais responsável com ele.
***
conseguido uma folga dos seus parentes. Subiu para o quarto e encontrou Anna
na sacada, se aproximou e a envolveu por trás, pousando seus lábios em seu
de você.
— Despedir?
— Tive uma longa conversa com meu avô hoje de manhã, e bota longa
nisso...
— Vamos amanhã cedo para Nova Iorque, a cúpula Vulpi fica lá, vamos
conhecer algumas pessoas, meu vô tem reuniões durante a semana, algumas eu
irei participar. E de lá, na semana que vem, partimos para Montreal, vamos
passar uma semana visitando minha avó.
— E depois?
Jennifer riu.
Jennifer apaziguava.
— Anna, não vai acontecer nada, é uma viagem em família, pare com
esses grilos.
***
***
emocionada.
atrapalhando.
e diversão com seus familiares, era como uma recompensa pelos dias dolorosos
— Não foi tão cansativa porque Hugh dirigiu a maior parte do tempo, até
tirei um cochilo entre um telefonema e outro que Caroline dava para suas
amigas.
— Estão sim, a família inteira está reunida aqui hoje. E você, não vai
sair?
— Não pretendo.
comendo sanduíches em pleno sábado à noite. Até deixo você ir no pub do Joel
— Hoje não.
presença?
— Nenhuma?
— Ah, meu vô sugeriu um jantar na sua casa no sábado que vem, nós
contato de uma pessoa que pode cuidar disso para você, para você ter o mínimo
de trabalho.
— Anna?
— Diga.
— Como sempre.
contato com Anna, ela percebia que as coisas não estavam bem, aquela coisa
errada que nem mesmo Anna entendia que havia dentro dela, preocupava de fato
Jennifer.
sanduíches e outros alimentos, a porta do quarto deles estava entreaberta e ela foi
logo entrando, não os viu assim que entrou, mas logo percebeu que Hugh e
— Ele deve ter seus motivos para não querer que Jennifer saiba. — Hugh
respondeu, sério.
— Proteção do que?
— Para o futuro.
falar.
— Você ouviu errado, falávamos que ele não quer você morando nos
Estados Unidos.
Foi como se o chão de repente sumisse sob seus pés. Jennifer levou
doente.
— Mas ele pode buscar um tratamento e ficar bom, não pode? — Ela
perguntou ainda em choque.
— Ele não nos contou muita coisa, não quis entrar em detalhes... —
— Mas?
— Ele não pode simplesmente desistir assim, temos que falar com ele,
— Pelo visto não há o que fazer mesmo, ele não desistiu sem lutar.
da sacada.
— Eu digo que ouvi uma conversa de vocês, que não sabem que eu sei.
Na noite daquele mesmo dia Jennifer foi até o hotel onde seu avô estava,
tratamento agressivo, mas isso me daria apenas um suspiro a mais no final, nada
— Você já tem um bom peso nos ombros, queria te poupar deste. Além
do mais, seus primos ainda têm seus pais os reconfortando, você não.
— Se seu pai estivesse aqui ele estaria falando as mesmas coisas que
você, tenho certeza. — William sorriu, sentava ao seu lado.
— Meu pai estaria andando com as mãos para trás, dizendo que levaria o
senhor para consultar outros médicos, para ter segundas e terceiras opiniões. —
— Ainda bem que você sabe de onde vem sua teimosia. — Ele virou-se
para sua neta e continuou falando. — Ainda ficarei um tempo razoável por aqui,
não precisa ter medo de nada. E quando eu não estiver mais por perto, ainda terá
seus tios e primos, eles sabem que devem tomar conta de você... Permita que
eles façam parte de sua vida e faça parte da deles, unam-se, eles sempre estarão
lá por você.
— Eu sei...
— Posso pedir algo a você? Não deixe isso influenciar em nada na sua
vida, essa informação. Quero que você faça como eu, toque o barco e ignore o
que você sabe agora, sei que você ainda está assimilando isso, mas pode tentar?
— Ele falou passando seu braço ao redor dela.
algo.
— Hugh foi treinado para ser o protetor do novo líder, que no caso seria
sua tia Melanie, a mãe dele. Mas como você reapareceu, você será a líder, e
— A revolução Vulpi.
acima de tudo, ele será alguém em quem você poderá confiar cegamente.
— Eu não tenho a menor dúvida que você será uma excelente líder, será
sobrevivência, sua determinação. Apenas seja quem você sempre foi, eu já falei
e volto a repetir, tem uma guerreira destemida aí dentro, acredite mais em você.
***
Evitava pensar sobre a doença de seu avô, conforme ele havia lhe pedido,
tentava abstrair tudo que aconteceria futuramente, estava tendo sucesso parcial.
Seus pensamentos durante aquele percurso estavam numa certa mansão cinza à
não muito tranquila, onde percebera a preocupação exacerbada de Anna com sua
segurança. Mas não era nisso que ela estava pensando agora, estava apenas com
saudades, ansiando por um abraço, um beijo, duas semanas longe dela haviam
sido o suficiente para se dar conta da falta absurda que sentira de tê-la ao seu
lado. Agora com a cabeça recostada na janela do carro, apenas imaginava como
ficarem a sós por alguns instantes, para que matasse um pouquinho aquela
vontade de estar com ela, sentir a proximidade de seus corpos, seu cheiro, passar
Agora ouvia Norah Jones, e uma canção a fez dar um sorriso torto, quase
bobo.
Come away with me and we'll kiss (Venha comigo e nós iremos nos
beijar)
On a mountain top (No topo de uma montanha)
apartamento.
— Sim, mas não tem problema chegarmos um pouco mais cedo. — Era
sete da noite.
Todos foram no carro de Jennifer até a casa de Anna, Jennifer olhou para
o mar assim que saiu do automóvel, olhou um pouco confusa naquela direção,
— Boa noite, minha cara Anna. — William a saudou. Anna foi pega de
— Desculpem por ainda não estar tudo pronto, mas já estou finalizando.
— Anna se explicou um pouco constrangida por ainda estar aprontando o jantar.
falou.
— Acho que Jenny está faminta, nos apressou para vir para cá antes da
hora. — Adam falou, ingenuamente.
resolveu quebrar o protocolo indo até sua namorada e lhe dando um abraço.
braços ao seu redor, a pegando de surpresa; sem perder tempo a beijou, matando
um pouquinho da saudade.
— Cada minuto.
— Viu como correu tudo bem? Não tinha motivo para aquela
preocupação.
— Um píer? Você está construindo um píer? Mas você não tem barco, e
— Ok, marinheira.
cidade está muito mais reerguida que a nossa. — Jennifer dava suas impressões
— Eu acordava todas as noites com os pesadelos dela, uma noite ela deve
ter acordado o andar inteiro com os gritos. Você precisa tomar uns calmantes
para dormir prima, eu já te falei isso. — Caroline falou.
— Enfim sós? — Fechou a porta e virou-se para trás, onde Anna estava.
descansou na grande cama, alguns minutos depois Anna surgiu, também depois
de um banho.
— Acho que correu tudo bem no jantar, não? — Anna perguntou, ainda
atrás de Jennifer.
— Perfeitamente bem.
de Jennifer.
— Você não precisa desse trabalho, tem a mesada do seu avô, eu posso te
ajudar financeiramente também. E agora você terá um píer aqui, na minha casa,
contendo a irritação.
— Não precisa se aposentar, faça outra coisa, volte aos estudos, ache
alguma atividade.
— Percebe que você está tomando decisões por mim, sem me consultar?
estou me achando um monstro por estar aqui reclamando disso, sendo que você
está fazendo todas essas coisas pensando no meu bem-estar, mas você está
— Eu não faria nada para cercear você, estou apenas preocupada com
sua segurança.
uma forma de lidar com aquela recém adquirida paranoia de Anna de uma forma
que não a magoasse.
talvez eu cogitasse a ideia de ir morar numa ilha remota no Pacífico por medo da
— Eu só estou fazendo o que está ao meu alcance para que nada parecido
volte a te acontecer, eu sei que se não tomar providências você não tomará,
continuará achando que todo mundo é bonzinho, que nada pode te fazer mal.
sobrevivência pode não bastar, pode te custar a vida com apenas uma distração.
você? Max me ligou, ele disse que você largou de vez as missões, está
preocupado, pediu que conversasse contigo. Estagnar nossas vidas vai nos
manter a salvo?
— Você não entende a gravidade das coisas. Mesmo depois de tudo que
comportamento ultimamente, e... Eu não sei como fazer você enxergar, você está
prejudicando sua vida, prejudicando nós... Por favor, pense nisso. — Jennifer
gesticulava.
— Sou eu quem te pede, pense melhor nas coisas que tem feito, eu tenho
— Olha, por hoje chega, ok? Estou exausta e isso não vai a lugar algum.
Boa noite.
parede. Anna ficou alguns segundos ainda a observando, deitou-se virada para o
***
— Não, ela não vai comprar barco algum, ela nem gosta de barcos. —
Jennifer largou sua caneca de café no braço do sofá.
— Para que eu não precise mais ir ao porto, ela não quer que eu vá lá,
então ela está construindo esse píer para quando eu tiver vontade de ir no
cantinho da reflexão. É tipo o cantinho da reflexão da casa dela, porque lá é mais
seguro.
— Então ela não quer que você trabalhe mais no porto também?
reflexão.
— Isso é sério, eu estou preocupada com essas coisas, ela já não estava
muito bem com tudo aquilo que me aconteceu, se sentia culpada, e com essas
duas semanas que passei fora, tudo piorou.
— Ela passou duas semanas pensando besteiras, arquitetando teorias
conspiratórias.
evoluiria, pioraria na verdade. Anna não está legal, só fala em minha segurança,
parou de trabalhar, não faz mais as missões noturnas, não fabrica mais adagas.
— Esses que sabem ficar ricos. Olha pra nós duas, torrando nossa grana
— Eu não vou. Pelo menos não pretendo ir num futuro próximo, ah sei
lá... Não faço ideia do que vai acontecer.
— A solução mais simples que enxergo é você terminar com Anna. Não
— Então você vai ter que ter pulso firme, não ceda às maluquices que ela
inventar, aos limites que ela impor. Converse, converse o máximo que você
puder.
— Terça.
— Depois tire um dia para ter uma boa conversa com Anna, tente a
***
terça-feira.
mesmo, somos sua família, nunca esqueça disso. — Ele respondia segurando as
— Prometo ligar várias vezes por semana, e não esconderei nada, não
deixarei mais vocês preocupados, darei boletins periódicos.
apenas doze horas de voo, eu venho te ajudar no mesmo instante. — Hugh falava
ao seu lado.
— Exatamente.
***
— Você disse que tinha algo para me contar sobre seu avô? — Anna
também se sentava no sofá ao seu lado, após entregar um copo, ficando com
outro.
— O que?
— Vô William tem pouco tempo de vida, tem uma doença na fase final.
— Ele pediu que ninguém fizesse drama com isso, que não pensássemos
nisso. Mas fica meio difícil com aquela bendita revolução tão iminente.
— Até lá muita coisa pode acontecer e talvez essa revolução nunca saia
do papel.
— Enfim... Rolou uma pressão para que eu fosse para a Escócia. Mas eu
— E você está deixando ainda mais delicada, mesmo que você ache que
— Por que? Porque quero te proteger, como todo mundo que ama faz?
Era complicado para Jennifer ter esse embate com Anna, porque no
fundo era apenas preocupação, mesmo que quase paranoica. Jennifer virou-se na
— Meu amor, você sabe que é muito mais que isso, você está indo além.
— Não acho. Mas então me diga o que você quer que eu faça. — Já era
visível certa apreensão por parte de Anna.
— Para começar, que volte para suas missões, você adora isso, e o
trabalho na forja, você sempre me disse que eram as coisas que você mais
gostava de fazer. Você mentiu?
— Que forma? Você sempre fez isso e está aí viva para contar cada
história.
força física, você é uma guerreira Jedi, eu sou apenas seu contrapeso sarcástico e
desastrado.
— Você não enxerga... Seu avô já enxerga, logo outras pessoas também
enxergarão. E logo também não conseguirei mais te acompanhar.
você que nos salva. Você foi torturada e mesmo assim nos salvou das mãos de
Vivian. Você nos livrou daquele cara grudento de camisa azul na Inglaterra. Você
nos salvou daqueles irmãos vikings na Escócia. Você me salvou quando aquele
dopada, o restante foi trabalho em equipe, eu e você juntas, nos ajudando, nós
— Veja seu futuro, você tem uma revolução nas mãos! Você nasceu para
algo maior, não tem espaço na sua vida para alguém como eu.
— Mas é exatamente você que eu quero do meu lado! Quero você hoje e
quero você no meu futuro, sem você eu sou apenas uma pirralha bebedora de
cerveja.
— Eu serei sempre esse peso morto que você vai arrastar na sua vida?
— Olhe, você não está legal e eu estou com o coração apertado te vendo
Jennifer a fitou com uma dor incômoda no peito, percebia que conversas
passou seus braços ao redor do seu pescoço, Anna não falou mais nada, apenas
correspondeu ao abraço.
— Vem, vamos para o quarto, lá pelo menos tem TV. — Jennifer falou no
seu ouvido.
***
— Não, outro.
Anna esperou que falasse o nome do livro, mas ela parou por ali mesmo.
— Por causa do dia chuvoso, não é? Você está ficando gripada, falei para
não pegar chuva ontem. Quer que eu vá aí então?
— Te busco?
— Não, vou com meu carro. Anna... Eu preciso conversar com você.
— Aconteceu algo?
Esta era a típica pergunta retórica, que se faz quando você acaba de ouvir
da sua namorada um ‘precisamos conversar’.
brusca em frente à casa de Anna, correu do carro até a casa, para fugir da chuva.
— Você fez bem em não querer sair, da última vez que fomos no pub do
Oscar com chuva eu vi uma goteira bem em cima do bar. — Anna iniciou a
conversa.
colocar um ponto final nessa história. Acho que vai ser uma coisa boa para mim,
vai me fazer bem, e acho que vai ser bom para você também, pelo menos espero
que sim.
Provavelmente Anna não estava mais respirando, mas ainda não havia se
dado conta.
— Eu fui ao porto essa semana, duas vezes, as coisas estão lentas, mas
estou tentando pegar o ritmo novamente. Na quarta-feira quando estava indo
navio aporta lá uma vez por ano, e toda vez que esse navio aporta eu... Eu nem
consigo dormir. — Deu um sorriso nervoso rápido. — Aqueles caras, aqueles
dois caras que nos... Eu e Helen... Você sabe, eles trabalham nesse navio.
Foi o que Jennifer ouviu em resposta ao seu pedido. Quando ela entrou
— Já imaginou o quão difícil isso é para mim também? Não foram três
parede, ao mesmo tempo em que tentava entender o que aquilo significava para
Jennifer.
isso, o problema é que eu não faço mais esse tipo de coisa. — Falava cabisbaixa,
conhecer meus limites e eu sei que essa história chegou ao meu limite. Eu não
quero mais isso me atormentando, quero tentar ter uma noite em que não acorde
tremendo com um pesadelo, quem sabe parar de espancar as pessoas que
dormem ao meu lado, eu quero ter a certeza que eu revidei, que não vou
— Mas nada disso vai trazer Helen de volta. — Anna respondeu com a
voz baixa.
— Ok, eu já entendi que você não vai aceitar, mas eu vou manter minha
decisão. Eu gostaria que fosse você que fizesse isso, porque eu confio em você e
eu não tenho a pretensão de tentar resolver isso sozinha com minhas próprias
mãos. Eu vou encontrar alguém que faça, falarei com Max, vou pedir que me
indique alguém para esse serviço, ele tem outros funcionários como você, não
tem? Vou contratar alguém da confiança de Max. Mas isso será feito, ah, não
tenha dúvida disso, e infelizmente sem você.
— Que TV?
para ela.
Jennifer virou-se.
direção do carro.
— Deixe que eu te ajudo com isso. — Anna tomou de suas mãos assim
que ela começou a arrastar a caixa pela sala.
— Acho que vou deixar você escolher o lugar. — Jennifer falou irônica,
já abrindo a caixa.
— Mas acho que vou precisar de ajuda, não sei onde se encaixam essas
coisas, ler o manual vai contra meus princípios. — Jennifer falou olhando uma
manifestou.
podem ter sido colocadas aqui só para nos confundir. — Jennifer falava.
— Ali, à direita da lareira, tem um espaço onde um dia já teve uma TV, já
— Não trouxe a nota fiscal para você prestar contas porque não comprei
— Não, claro que não, é presente. Ok, já está ótima, não tem mais o que
mexer aí, sente-se, venha assistir comigo.
Anna sentou-se ao seu lado no grande sofá e ficaram por alguns instantes
em silêncio. Ela deu uma olhadela de relance para Jennifer, que falou num tom
intimista.
— Gostou?
cabeça positivamente.
— Em junho?
— Sério?
— Uhum.
então.
aproximar dela, mas ainda estava decepcionada demais para conseguir. E Anna
sabia como ela estava se sentindo, por isso não tentou nada também. Era como
— Vou ver mais um pouco de TV, depois eu vou. — Jennifer falou sem
sensação péssima que sentia tomar vida. Ainda olhava para a TV, mas não
assistia, não demorou muito para que algumas lágrimas surgissem, enquanto
franzia a testa e enxugava os olhos.
Além dos ombros ficticiamente pesando, sua cabeça agora também doía
desceu as escadas e viu que Jennifer dormia no sofá da sala. Se aproximou com
receio, mas logo percebeu que algo não estava bem, colocou a mão em sua testa
— Jennifer?
— Ãhn?
— Que ótimo.
— Você tinha razão, eu não deveria ter saído para correr na chuva ontem.
— Jennifer continuou.
está com a imunidade baixa, isso era meio previsível. Mas tudo que eu falo agora
é superproteção, não é?
— Assim você também vai ficar doente. — Jennifer falou com Anna já
indo na direção do banheiro.
— Tome ambos.
— O que é?
encarou. Anna retribuiu o olhar por um instante, fez menção de levantar, mas
Jennifer segurou sua mão, o que a fez voltar a fitá-la, era como se ela precisasse
— Seu sofá é muito desconfortável para dormir, não quero mais dormir
lá. — Enfim ela falou algo, de forma séria.
***
— Quer torradas?
toalha.
comia.
— Coisas.
— Hum. A...
— Não espirre nas torradas! — Anna falou tirando a cesta da frente dela.
— Quer café?
***
— Leve. Mas quero falar com você antes de ir. — Anna inverteu o jogo.
alguma resolução que a tiraria do sério provavelmente, era para isso que ela
— Como sabe?
ler quadrinhos.
voltar a falar.
— Caras?
— Do navio. Mas não precisa ser agora. — Anna passou a olhar a TV.
— Sim. Desculpe não ter aceitado no momento em que você falou, eu sei
que era comigo que você contava e deve ter sido uma grande decepção quando te
falei não. Eu farei isso, se trouxer um pouco de paz de espírito para você, então é
assimilando.
aprontar algo.
— O que?
***
— Melhor?
— Hum? — Jennifer acordava, ou semi acordava naquela metade de
manhã de segunda-feira.
— Posso ir junto?
sarcasmo.
— Ok.
— Anna?
— Achei sim.
— Pequena... — E saiu.
***
Passavam alguns minutos das dez da manhã daquele sábado e Anna batia
dia.
— Por que tão cedo num sábado? Achei que você me amasse.
Anna foi logo para a cozinha preparar café, que trazia num pacote de
casa.
— Te liguei ontem à noite várias vezes, você não atendeu, sexta não é
minha noite? Precisamos definir um cronograma. — Jennifer falou
resmungando.
— Estava no porto, de vigília. Te falei que estava indo todos os dias essa
semana para lá estudar a movimentação deles.
— Ah sim, esqueci que isso incluía as noites... E então, está dando certo?
— Sim, isso que vim te contar, vai ser hoje à noite. — Anna falou e deu
uma olhada de relance para Jennifer, que abriu os olhos neste momento.
— Sério? Hoje?
Anna deixou o café na pia e sentou-se ao lado dela, que agora também
sentava.
— Pode ser?
— Diga.
— Não.
— Na verdade eu te convidei porque sei que você daria conta deles com
uma mão nas costas e facilitaria meu trabalho. — Anna deu um sorriso tímido.
Jennifer deu uma risada fungada, virou-se para ela e a puxou pela nuca,
para um beijo.
***
terminava de forjar uma adaga em sua oficina, ouviu as famosas freadas bruscas
Anna.
— Por que?
— Não entendi.
— Cuidado.
— Ao porto?
— É.
— Tem certeza?
— Tenho sim.
— E o que a fez mudar de ideia?
— Acho que presenciar vai ser mais convincente para essa minha mente
confusa.
— Sei sim.
seus braços pela cintura de Anna, que usava um avental de couro negro e jeans.
com seu rosto próximo ao dela, colocando o que restava do cabelo preso de
— Estou feliz que isso vai ter um ponto final. Estou feliz que você tenha
aceito.
— Eu não posso garantir que tudo corra conforme o previsto hoje, eles
não estarão sozinhos, o ancoradouro é um lugar lotado de marinheiros aportados
à noite, é muito fácil que algo dê errado.
— Encare como mais uma missão, ok? — Deu um beijo rápido e saiu. —
— Claro que não, mas já estou pronta. Venha na oficina comigo pegar
algumas armas.
redor do pescoço, botas, e tinha uma adaga presa em cada lado da perna. Sorriu
com encanto.
quarto no seu navio de origem, segundo as observações que Anna fizera durante
a semana.
sussurrou de volta.
— É esse, não é? — Falou apontando para um grande navio cargueiro
com a bandeira da República Dominicana.
expressão séria.
cargueiro, onde não se via movimento algum, desceram até o nível dos
frente à porta cento e trinta, abrirei, entrarei e executarei o serviço. Após eu sair
você terá dez segundos para decidir se quer entrar para visualizar ou não. Se
não ficar tão próxima de Anna e dos seus pés, olhava atentamente para os lados
quando uma porta abriu em suas costas, saindo um homem moreno baixinho de
dentro do quarto.
— Quién es...
Jennifer se adiantou e tapou sua boca com a mão, segurando sua nuca
quarto.
em espanhol.
Toda a ação levou não mais que trinta segundos. Um estampido baixo
pode ser ouvido por Jennifer, momentos depois Anna saiu, gesticulando com a
cabeça para que ela entrasse, se quisesse.
Ela a fitou e entrou. Também voltou rapidamente. Saíram correndo do
navio, tinham urgência em deixar aquilo tudo para trás, Jennifer sequer olhou
— Ali, Wax Bar, é ali que ele está enchendo a cara. — Anna falou,
— Ok.
Ficaram ali, de pé, por longos minutos. Anna de olho no bar de vitrine
para ela.
— E para todos que o conheciam, para saberem quem ele realmente era.
Você preferia que não tivesse feito?
— Não, tudo bem, achei uma boa ideia. Eu cravei ainda mais a faca.
— Fique à vontade.
— Ok.
— O de Helen.
era o de Jennifer.
— Já sabe, eu o arrasto para o beco, você vigia em frente, vou tentar ser
rápida.
— Sim.
ombro.
Anna disse.
longo, Anna o golpeou na cabeça pelo lado, acertando na têmpora com o cabo da
arma, o derrubando já para dentro do local escuro. Ela o arrastou para o interior,
até o final do beco, por uns trinta metros. Jennifer não seguiu as orientações e foi
atrás.
Mas Jennifer fincou seus pés ali diante daquele grande homem com uma
camisa bege aberta, rosto e pescoços largos e barba por fazer, o encarando com
olhos duros de raiva.
— Anna, eu quero que ele sofra antes, não seja rápida, faça o sofrer.
molhado.
— Hey! O que você pensa que está fazendo? Quem são vocês? Batman e
Robin versão piranhas? Eu vou perder a paciência! — Tentou levantar-se mais
uma vez.
foi para cima de Anna, Jennifer afastou-se, acompanhava tudo atentamente, com
os olhos arregalados e brilhantes.
Seu soco passou no ar, Anna esquivou para trás se defendendo. Ela
aproveitou a deixa para lhe apresentar seus punhos, uma vez que ele já conhecia
seus pés. Uma mão de cada vez, dois socos em sua face, o deixando
cambaleante.
— Você bate bem forte para uma mulher, hein? Mas só sabe esses
outro golpe em seu rosto com um soco inglês, arrancando vários espirros de
sangue do rosto dele.
— Sua puta louca! Olha o que você fez com meu nariz!
Anna deu uma olhada rápida para Jennifer e sinalizou com a cabeça,
pedindo autorização para finalizar. Mas Jennifer negou seu pedido, balançou a
Anna foi em sua direção, chutando entre suas pernas, fazendo com que
projetasse o tronco para frente, permitindo a Anna conectar um novo chute seu
rosto, arrancando mais um pouco de sangue, do seu já fraturado nariz.
Anna se preparava para outro chute quando ele reagiu, dando um gancho,
lhe atingindo no queixo. A pancada apenas a deixou um pouco tonta, ele tentou
outros movimentos, todos defendidos habilmente por ela, que dava passos para
trás à medida que ele investia em golpes.
você gostou do papai aqui, me procurou para mais uma vez? Posso te comer
agora ou sua amiga nervosa vai querer dar primeiro? — Ele disse.
sarcástico.
híbrida também. Mas sinto muito, a história vai ter um final diferente, seu porco
asqueroso, hoje você vai comer suas próprias bolas e vai se arrepender
Ele foi para cima dela, mas Anna impediu, o jogando contra a parede
— Naquele dia você escapou, mas hoje você não escapa, putinha
direita, apesar de ser canhota. Ele desviou-se e ela acertou em cheio a parede,
fazendo uma feição de dor.
outro golpe, uma batalha de mãos e socos estava sendo travada, enquanto
inesperados ao beco. Jennifer sacou sua arma quando viu se aproximando dois
homens medianos arrastando uma jovem garota de cabelos claros, cobrindo sua
boca, ela esperneava e se debatia, ninguém entendia o que acontecia ali.
para ver o que acontecia também, os dois caras permaneceram por alguns
— Ãhn... Tudo bem, nós vamos procurar outro lugar. — Um dos caras
falou.
Jennifer olhou atônita para Anna, que mantinha a mão direita erguida,
estava ferida, a esquerda segurava o colarinho do seu oponente. Aquele olhar era
uma convocação para que Anna fizesse algo, ou aquela garota teria o mesmo fim
que Jennifer teve há três anos, ou talvez o fim que Helen teve.
Ela largou seu então rival e pulou nos três que visitavam o beco. O já
ensanguentado grandão também entrou na luta, ele queria vingar-se de Anna, e
tentava acertá-la por trás, enquanto Anna tentava atingir os dois novos caras e
outro ainda segurava a garota, ela tinha dificuldades em acertar seus golpes por
causa dos murros na nuca que o grandalhão lhe desferia. Ela também levou
alguns golpes no rosto e no abdome, sentiu um chute nas costelas, se arqueando
para puxar ar. A situação estava ficando crítica com três homens ao seu redor
num pandemônio de golpes e sangue, além de sua mão direita quase inutilizada.
Era hora de reagir de forma mais veemente. Sacou suas duas adagas das
bainhas nas laterais de cada perna, mesmo com a mão dolorida, num golpe ágil
para trás cravou ambas no grandão que estava às suas costas e que espancava sua
e estava prestes a disparar em Anna, mas ela o desarmou chutando sua mão, a
pistola caiu aos pés do grandalhão duro na queda, que permanecia de pé, mesmo
esfaqueado.
fazendo cair perto de Jennifer. O outro cara aproveitou sua posição para chutar
mentalmente para junto de Anna, todas as armas. Ela queria provar algo a Anna
aquela noite.
Anna pegou a pistola e atirou no peito do grande Titan, fazendo com que
ele caísse de costas, finalmente a hora dele havia chegado. Mas ele não morreu,
ainda tentava se levantar. Ela atirou nos outros dois caras, um tiro acertou a
consigo.
Anna guardou suas adagas nas pernas e saiu correndo também, seguida
por Jennifer. Sendo híbrida, Anna, corria muito mais rápido que Jennifer e logo
avistou os dois próximos a um píer, junto ao mar. Apesar da arma em punho,
evitou fazer disparos, uma vez que a garota estava sob o poder dele. Quando se
aproximou o suficiente, o golpeou pelas costas os fazendo cair, mesmo do solo,
ele foi capaz de chutar com ambas as pernas a mão de Anna, a fazendo perder a
briga. Num dado momento, Anna conseguiu alcançar sua adaga na perna e
Ele mesmo ferido chutou novamente, conseguindo afastar Anna, que deu
alguns passos trôpegos para trás, foi nesse momento que ele empurrou a garota
desacordada no mar e tentou fugir, arrastando a perna ferida, que não mais
obedecia. Jennifer, outra vez moveu a pistola para as mãos de Anna, que
matando.
Anna olhou para Jennifer, estava ofegante e com alguns veios de sangue
descendo pelo rosto, olhou para o mar, viu a garota se afogando nas geladas
Ela correu até a beira do píer e mergulhou, nadou até onde a jovem agora
se debatia e transpassou seu braço por baixo dos seus agitados, a trazendo de
volta à terra firme. A deitou sobre o piso de madeira e certificou-se que estava
bem.
ajudaram a garota.
— O que?
Jennifer riu.
se arrastar.
Ela tomou a adaga das mãos de Anna e enfiou a lâmina no papel, até o
fim. Se aproximou devagar do seu algoz do passado, inclinou-se sobre ele, olhou
de perto o rosto largo daquele homem, os olhos negros que um dia ela havia
encarado por outro ângulo. Agora ele não tinha mais deboche e devassidão em
com força e raiva. Ele deu um gemido abafado, mas continuava vivo, agitando
suas mãos.
Anna ergueu sua arma e efetuou um único disparo no meio dos olhos,
olhou por um momento sua mão direita, que àquela altura já estava arroxeada e
inchada, Jennifer também olhava.
— Anna pedia.
— Hey, acabou. Vamos para casa. — Anna colocou a mão em seu rosto.
Jennifer colocou seu capacete e subiu na moto, Anna fez o mesmo. Ela
não guiou até a casa de Anna, nem até sua casa, seu destino foi outro.
tirou seu , mas permaneceu ao lado da moto. Jennifer parou e voltou, pegando
Anna pela mão, agora caminhavam juntas, atravessando os grandes portões de
ferro do cemitério municipal.
pé atrás.
Jennifer deu uma olhada para o alto, sorriu percorrendo o céu, franzindo
a testa por causa do sol que batia em seus olhos. Voltou a encarar a lápide. E
começou um diálogo solitário, baixinho.
fez justiça por nós essa noite; ela acabou com aqueles caras, você tinha que ter
visto, parecia uma ninja cheia de braços.
Ela olhava agora para os pedaços de grama que arrancava à sua frente.
— Talvez agora você possa ter paz, onde você estiver. E eu também,
talvez eu também tenha um pouquinho de paz. Eles não ficaram impunes, e eles
mão no rosto.
Anna colocou sua mão sobre o ombro de Jennifer, a acariciando.
— Eu amo Anna com todo meu coração, mas também vou te amar para
sempre, meu anjo.
Um leve sorriso surgiu nas feições de Anna, que continuava com sua mão
em seu ombro. Para ela o nome Helen não era mais algo incômodo, já
forte.
***
— Mas uma bagunça que cumpriu seu dever. — Anna falava com um
orgulho contido.
— Cumpriu até o que não era seu dever. — Jennifer falou, também
orgulhosa.
— A mão não, deixe comigo. — Anna falou erguendo a mão direita, com
dor.
— Sinto muito, mas sua mão está quebrada, você vai ter que ir engessar.
— Não, nada de tala, olha o estado disso? Quer virar o capitão gancho?
***
— Você tem sorte que seus cortes cicatrizam mais rápido. — Jennifer
comentava enquanto cuidava dos ferimentos no rosto de Anna, já depois do
banho, sentada na cama. Tinha uns cortes na maçã do rosto, supercílio e lábio.
— Cicatriza errado mais rápido, você quer dizer. Vamos, vista qualquer
coisa, eu levo você de carro ao hospital, prometo que não saio do seu lado nem
por um segundo. Prometo ficar com você até mesmo na hora do raio-x, e tomo
uma dose de raios prejudiciais à saúde só para te fazer companhia.
Duas horas depois voltaram para casa, Anna com gesso na mão e até
metade do antebraço e com mau humor.
sendo extirpados.
de sensações diferentes, mas fortes, algo arrebatador dentro do seu peito. Era a
raiva e o pesar querendo deixar sua alma.
Parou no meio da sala e fechou os olhos com força, sentiu uma onda a
invadindo, ela sabia que tinha controle sobre aquilo, mas não entendia o que era.
os dentes, ela viu janela por janela explodindo ao seu redor, os vidros voando em
pequenos cacos, bem como os espelhos dependurados nas paredes se tornando
aterrorizante, havia cacos de vidro e espelho por toda a sala, e no centro, uma
Jennifer igualmente assustada e boquiaberta.
— Telecinese?
acontecido.
— Você precisa conversar com seu avô, talvez ele tenha uma explicação.
— Eu sabia que você tinha algo diferente, meu pai nos contava o que
presenciava ou ouvia falar dos Vulpis, eram coisas simples, mover coisas leves
de um lado para outro. Naquele dia na Escócia, você parou várias estrelas ninjas
no ar ao mesmo tempo, depois as devolveu na mesma velocidade!
— O que mais que eu consigo fazer? Será que eu sou um X-Men? —
Jennifer falou esticando o braço a frente dos olhos.
— Você não é um X-Men Jennifer, você é uma Vulpi que ainda não sabe
— Vá visitá-lo.
— Sim, mas não precisa ir agora, se programe, viaje com calma. Isso tem
alguma boa explicação. — Anna ainda olhava assustada ao redor.
— Não, deixe para lá, vamos dormir, depois eu cuido disso. — Anna
— Saia dos meios dos cacos, tome um banho e venha deitar comigo. —
porta da cozinha, apontou a mão espalmada para ele e segundos depois o vaso
explodiu.
para o outro com a câmera fotográfica, tirando retratos do mar à sua frente e dos
Escutou o som de botas dando passos na madeira do píer, olhou para trás
e viu Anna chegando até ela, que sentou às suas costas, cruzando à sua frente
— O que?
— A conta da vidraçaria?
— Não, essa eu mandei para seu avô.
cabelos de ambas.
— Um compromisso.
visor.
— Eu estava dormindo, isso não é justo, eu não gosto que você tire fotos
minhas quando estou acordada, quanto mais dormindo.
— Ficaram lindas, pare de reclamar, são fotos artísticas. Você diz que
— Tem uma diferença bem grande entre ver e tirar fotos, eu não produzo
mexendo a mão.
Anna apenas sorriu, largou a câmera e voltou a beijar sua nuca e costas.
Jennifer estava com uma blusa de tricô cinza, de gola larga, era visível parte de
suas cicatrizes próximas ao pescoço e ombros. Anna se deteve numa mais
profunda, olhou incomodada, passando de leve seus dedos por cima, Jennifer
percebeu.
— Não te incomodam?
Jennifer pegou a mão esquerda de Anna, passou seus dedos por cima da
— Lembro.
— Sim...
— Anna, cicatrizes servem para isso, nos lembrar que agora somos mais
fortes do que antes.
— Sabe, o porto não é um bom lugar para garotinhas como eu. Decidi
que não vou mais trabalhar lá.
Anna passou a correr seu polegar pela mão de Jennifer, seu único dedo de
— Acho que tenho lugares mais interessantes para frequentar, como uma
— Essas.
— Não quer estudar com adolescentes de dezessete anos? Acho que você
— Não.
— E colar adesivos?
***
porto, nesse tempo visitara seu avô na Escócia, obtivera algumas respostas sobre
— Então, seu avô acha que você tem um poder de concentração maior, só
— É... Diz que talvez eu consiga reunir com mais facilidade as ondas
eletromagnéticas, e falou outras coisas que não entendi direito. Mas não engoli
muito essa história não. Ainda acho que sou tipo o Harry Potter, um escolhido.
— Quem?
— Ah, Anna, assim vou ter que pedir o divórcio, você não conhece
ninguém.
— Vou fazer de conta que não ouvi isso. — Falou e continuou andando,
mexendo nas ferramentas e objetos.
— Por que não vai estudar? Você não disse que tem prova de matemática
hoje à noite?
cansei. Você disse que ia me ajudar com matemática, que era boa nisso.
Anna largou uma forma com aço derretido em cima de uma pedra.
— Não senhorita, eu falei que te ajudaria com matemática, não falei que
era boa.
— Você tem cara de CDF, tem duas faculdades, tem trocentos anos, deve
— O que é CDF?
— Já vi você cortando.
machado no ar, avistou uma mulher entrando pelos portões da casa de Anna.
observando se aproximar.
longos cabelos castanhos escuros, aparentava quarenta e cinco anos e tinha uma
A mulher ainda deu mais uma olhada ao redor e na casa, antes de olhar
para Jennifer e falar.
— Não.
— Sim.
— Ela está?
— Por gentileza.
— Que mulher?
Jennifer a encarou.
— Ok, leve duas facas. Se quiser posso dizer que você está no banho e
vai demorar.
— Eu vou lá. — Anna falou colocando uma adaga no cós de trás de sua
calça.
Jennifer saiu pela porta da oficina e Anna saiu logo atrás, assim que
— Mãe?
Capítulo 41 – O retorno
— Não, foi tudo forjado por seu avô. Meu Deus, como é bom te ver! —
— Mãe... Esse tempo todo então... — Anna falava com a mão nos olhos,
como se chorar fosse algo proibido. Jennifer, ali perto, não tinha o menor receio
da outra novamente.
esperanças de encontrar seu pai e explicar tudo, mas a menina me falou que ele
faleceu.
— Moro. Vem, vamos entrar, você tem uma longa história para contar.
casa.
— Você não mudou quase nada por aqui, as mesmas adagas e espadas na
parede. — Disse.
— Eu não acredito que você esteja aqui, novamente andando por essa
Imaginou como seria se reencontrasse sua mãe, em como pularia em seu colo a
— Filha, desculpe por todo esse tempo longe de você. Foi contra a minha
vontade.
tinha certeza que um dia voltaria à América. Por falar nisso, onde está seu
irmão?
— Andrew está na Inglaterra, ele se mandou assim que nosso pai morreu.
— Inglaterra?
— Andrew casou com uma inglesa, Eileen, tiveram uma filhinha, tem
quatro anos agora, a conheci esse ano, ela lembra muito você.
sofá.
— Aquele acidente na ponte, quando você estava indo visitá-lo, foi uma
encenação?
— Sim, eu não estava naquele carro, eles me abordaram assim que saí
— Três?
— Eu, meu pai, e meu irmão Victor, que também compactuava desse
ódio pelos humanos. Eu fui raptada, não podia mais decidir nada por mim, você
não imagina o quão desesperador era saber que vocês estavam aqui, que minha
família inteira estava do outro lado do mundo, achando que eu estava morta, e eu
não podia voltar, não podia fazer nada, estava presa lá.
— Você tentou?
ainda tinham contatos aqui que poderiam chegar até vocês rapidamente. Mas
arquitetei fugas várias vezes, eu estava sob forte vigilância, só tentaria quando
— Você conseguiu vir agora porque seu pai morreu, não foi? — Jennifer
a cozinha.
— Eu vou para casa tomar um banho, tenho aula daqui a pouco, vou
deixar vocês a sós, aí matando a saudade.
— Que bom que você tem amigos, você não tinha muitas amizades.
— Mas você tem namorado, não tem? Você nunca foi de ficar muito
tempo solteira.
Anna não falou nada, apenas a fitou, estática, com o mais abismado dos
semblantes.
— Ela não pode vir, por causa dos estudos, está no colegial, mas virá
também.
— Quantos anos?
— Quinze.
se acostumava com a presença de sua mãe por ali, depois de tanto tempo
imaginando que ela estivesse morta. Era chocante aquela imagem.
Apesar dos olhos azuis herdados do seu pai, todo o restante do seu físico
e porte fora herdado de sua mãe, uma Titan de cabelos escuros e um olhar baixo,
misterioso. Tinha seus movimentos controlados, a fala calma, séria.
***
anos depois!
surpresa e felicidade.
— Por que ela foi para um hotel? — Jennifer falou sentando ao seu lado
no sofá.
— Você não faz ideia, por isso vim aqui, desculpe te importunar essa
hora.
— Você é uma felizarda por ter sua mãe de volta, o restante você vai
— Fiz metade das questões, fiquei com preguiça de fazer o resto, Steve
me passou a cola.
próxima, ok?
— O que?
— Na escola.
— Por que?
— Ignore.
— Sua moto é mais cara que meu carro. Ah, como eu queria ter uma
gárgula de estimação...
— Por que não vai com o Ignatius, você ainda o tem, não?
— Sua mãe veio para ficar? Ou seu tio Victor quer ela de volta?
— Ela disse que veio para ficar, que meu tio permitiu que ela voltasse.
Ela quer reconstruir sua vida aqui, logo minha irmã também estará aqui.
— Não é engraçado? Sua irmã. Irmãzinha caçula. Quantos anos ela tem?
— Quinze.
— Você não é mais a híbrida solitária que eu conheci quase um ano atrás.
— Não, não contei. Amor, ela acabou de chegar, não quero chocá-la
— Hey, não estou te cobrando nada. Só é bom saber, para não dar algum
— Talvez ela pense como meu irmão, eu não lembro de ter conversado
sobre essas coisas com ela, até porque eu nunca tinha me envolvido com
mulheres antes, então não faço ideia do que ela pensa sobre esse assunto, espero
que seja tranquilo.
— Isso é negociável.
***
debruçadas na sacada.
— Eu de novo!
Anna explicava.
— É, mais ou menos.
— Mas de longe, a melhor coisa que ela faz na cozinha é o café, tudo
bem que sou meio café-maníaca, mas o dela é de outro mundo. — Jennifer
contava, animada.
Marianne perguntou.
— Ok, depois você mostra seus dotes com café então. — Marianne falou
***
Anna olhou hesitante para sua mãe, depois para Jennifer, que já abria a
— Se importa se escolhermos uma mesa aqui dentro, mas com vista para
o balcão? — Perguntou.
***
— Eu tinha, mas larguei para me dedicar apenas aos estudos. Por isso
que estou sempre visitando Anna.
— Estuda à noite?
— Houve esse forte apoio aos estudos em nossa família, Anna sempre foi
muito dedicada, ela absorveu bem nossos ensinamentos e valores.
— Ah, não tenho dúvidas disso.
— E tem namorado?
próximas.
respondeu.
— Acho que ainda não tem idade para discernir o que é bom para você.
***
cintura.
— Então vou deixar o carro aqui, você me leva agora de moto em casa e
pego o Ignatius, não me importo de ficar andando com minha querida lata velha.
— Não sei...
— Sério, fique com o carro aí a disposição da sua mãe, para ela resolver
as coisas dela, passear também, até porque se eu ficar vindo aqui o tempo todo
***
— Ela estava resolvendo algumas coisas no Centro, vai passar aqui para
me pegar, vamos dar uma volta na cidade vizinha. Quer vir aqui hoje depois da
aula?
— E sua mãe? Vai achar no mínimo estranho.
— Até você chegar aqui já serão quase onze da noite, ela já estará
dormindo.
— Tá bom, não esqueça de jogar suas tranças pela sacada, para que eu
***
silenciosamente.
— Não.
— Prefiro química.
— Ok, vou tomar um banho e depois vou fazer valer minha alcunha de
namoradinha adolescente. — Jennifer falou com um sorriso malicioso, já a
soltando.
***
— Leite!
cozinha.
— Por favor, a casa é sua, sou só uma visita, venha cá, eu pego água para
você. — Falava sem jeito, já pegando uma jarra na geladeira.
— Anna também gosta dos Vulpis. Mas isso você deve saber, não é? —
— O que?
Anna ainda a fitou por mais uns segundos, antes de esfregar a mão pela
— Deduziu?
— Não existe isso. Ela deve ter percebido que você é especial.
Anna riu.
— Ela sabe que gosto dos Vulpis, sempre os achei especiais. — Anna
disse.
— Ela não acha, disse que são apenas humanos que movem coisas.
— É a visão dela. Ela acabou criando uma certa birra com os Vulpis, meu
pai tinha uma amiga Vulpi que frequentava nossa casa, digamos que minha mãe
seja um pouco ciumenta.
— Enfim, não se sinta intimidada por minha mãe, ela tem esse ar sério e
severo, mas é só o jeito dela.
acho que me saí bem. Pelo menos consegui levar para a cama. — Jennifer riu.
— Vá dormir, que eu vou tentar dormir mesmo sabendo que minha mãe
está no andar de baixo tirando mil conclusões sobre a minha vida afetiva.
— O que?
***
— Estou com vergonha de descer e encontrar sua mãe por lá. — Jennifer
falava, saindo do banheiro, na manhã seguinte.
da porta da cozinha.
mesma forma.
— Bom dia. Anna, não estou achando nada nessa cozinha, você mudou
tudo de lugar.
respondeu.
***
— Podemos conversar juntas, se você se sentir mais segura. — Jennifer
falou já com a porta do carro aberta.
fáceis.
— De modo algum, minha mãe te aceitando ou não, isso não muda nada
***
— O café fica nesse compartimento, para que não entre nenhum raio de
armário rústico.
— Eu ia ao consulado.
— Ia?
— Não. Quando você ia me contar que está dormindo com uma mulher?
te contar.
— Sabe por que não encontrou a ocasião certa? Porque não existe, não
tem um momento certo para você me falar sobre esse disparate. O que você
deveria ter feito é ter evitado o contato com essa garota, ter evitado praticar esse
tipo de coisa.
tendo, como as outras que tive, não há nada de errado com isso.
— Não, não mesmo, isso que você está tendo agora não é como uma
relação que você teve no passado, isso sequer pode ser considerado uma relação,
é uma abominação.
— Talvez você tenha razão, não é uma relação como tive no passado, eu
não me recordo de ter amado alguma outra pessoa como eu amo Jennifer. —
Confessou.
— Eu não acredito que estou ouvindo essas coisas... Não parece você,
não parece a Anna que eu criei e ensinei os valores de família.
— Você está estranhando porque eu falei sobre amor, não é? Eu sei que
você nos deu a melhor educação possível, que estava sempre presente e à
disposição, mas você também me ensinou que era errado falar sobre
sentimentos, e o que aprendi com você foi a guardar tudo que eu sinto só para
— Eu dei todo amor possível para vocês, você está me acusando de que?
— Não estou negando o amor que você deu para nós, você nunca
negligenciou nada, mas o que você acabou passando para mim, com suas
falar sobre amor não é fraqueza, demonstrar o que eu sinto não me torna
— Já que você quer falar sobre sentimentos, você nem deve saber ao
certo o que sente por essa garota, está se deixando levar. Volte a ter contato com
homens, você vai se dar conta que estava vivendo uma ilusão, uma coisa pela
isso... Mas você precisa saber que Jennifer vai continuar frequentando essa casa,
eu não mudarei nada na minha relação pelo fato de você não aceitar.
Marianne continuou a encarando e então voltou a tomar seu café.
— Eu não voltei para dizer como você deve viver, o que pode ou o que
não pode fazer, você já é grandinha. Eu não irei interferir em nada, eu sei que
não tenho esse direito. Mas quero que saiba que não concordo com esse seu
— Eu respeitarei sua opinião, assim como quero que você respeite o que
tenho com Jennifer.
***
— Anna?
Anna já estava na porta e voltou-se novamente para sua mãe.
***
recepção do pub.
perguntou.
— Eu achei o máximo, é uma pena que ela não goste de mim, eu poderia
— Acho que não chega a isso, mas ela deixou claro que não aceita meu
— Eu levei um bom tempo me aceitando, eu acho que algum dia ela vai
entender que não é uma fase, que não estou influenciada, mas é difícil para uma
— Idade?
— Nossa, minha sogra tá com tudo em cima para uma pessoa quase
centenária.
— Por que? Ela é bonitona, se não fosse sua mãe e não me odiasse...
— O que eu quero dizer é que agora sei de onde veio essa sua beleza com
ar misterioso. — Jennifer falou com um sorriso sarcástico.
— Continua estranho.
— Hey, bobona, foi um elogio. — Jennifer pegou a mão de Anna e
passou por cima dos seus ombros.
direito. Mas eles sabiam que eu já tinha beijado uns meninos e umas meninas,
— E minha mãe sempre se deu bem com meu tio Ethan, muito melhor
— Ele é gay.
— Sério?
— Sinto muito por minha mãe pensar desta forma, mas eu acredito que a
opinião dela mudará quando ela perceber que o que temos é genuíno, que não é
uma fase.
***
pela cozinha.
— Acho que você bebeu mais do que eu, essa noite. — Jennifer disse.
— Algum motivo?
falou.
Jennifer sorriu.
rindo.
— Você saberá que não te amo mais no dia que tirar esse prego da
— Bom, eu não ouvi nada, mas minha audição já não é mais a mesma,
Anna foi até a porta frontal e abriu, havia uma flecha fincada na madeira
no alto da porta.
aquela flecha, percorreu todo o terreno em frente à casa, o caminho que dava no
— Meu tio Victor? Mas ele não permitiu que você voltasse para cá? —
Anna falou surpresa.
— Ele veio atrás de você, quer que volte, e agora? — Anna continuava
atônita.
— Eu não posso voltar para lá... Não posso. Eu quero minha vida de
— E Angie?
— Acho que não... Não sei, mas Victor pode ser violento, não sei o que
esperar dele.
— Então nós temos que encontrá-lo, antes que ele tente algo mais
incisivo.
— Resolver como?
— É tarde, ele não tentará nada agora. Amanhã conversaremos, você vai
vigilância 24 horas em cima de você, para que ele não tente nada.
— Nós vamos encerrar esse pesadelo de uma vez por todas, seu lugar é
aqui. E logo Angie também estará com a gente.
desconfiado.
— Não, a história da sua mãe foi convincente, não dava para prever esse
porém.
***
estará aqui tomando conta da casa. Eu vou na mansão que era dos seus pais,
fazer uma busca.
— Você tem muito o que conhecer dela... Mas terá bastante tempo para
isso. Acho que seu segurança chegou. — Anna falou levantando do sofá, ao
ouvir o barulho de um carro.
Anna foi até a cozinha, onde Jennifer tomava seu segundo café da
manhã, e a intimou.
A casa ficava num local afastado, o acesso era através de uma estrada de
chão batido, havia poucas casas naquele local. Entre uma casa e outra havia
pastos e vegetação.
entrada era visível que aquela casa estava abandonada, não via habitantes há
muito tempo. Era uma grande construção imponente, agora cinza por causa das
destravada em punho.
— Minha mãe falou que tem um quarto secreto nos fundos, um quarto do
pânico.
Você é bem maior que eu, prefiro que vá na frente, melhor escudo humano
metálica, que abriu-se sem dificuldade. Deu uma olhada preliminar rapidamente
e chamou Jennifer.
despertou a atenção delas, Anna colocou seu braço para trás, para evitar que
Jennifer saísse dali, e apontou sua arma. Olhou mais de perto e viu um rato cinza
Deram ainda mais uma olhada pelo quarto, mas nada relevante foi
encontrado.
— Vamos examinar a área externa e então vamos embora. Ele não está
habitara aquele lugar por muito tempo, Victor deveria estar na cidade, mais perto
do que gostariam.
— Ainda não acredito que você não me deixou ficar com o gatinho, ele
— Você não cuida direito nem de você mesma, vai cuidar de um gato?
e o buscaria em todos.
Essa busca terminou perto das dez da noite daquele domingo, Jennifer a
acompanhou, de hotel em hotel, mas o resultado foi negativo.
A madrugada chegou e nenhum sinal de Victor surgiu. A estratégia do dia
seguinte seria tentar contato com conhecidos dele na Tailândia e na cidade.
— Mãe... Não tenho nenhuma pista, o que você sugere que façamos? —
muitos.
— Que seja então, essa tarde faremos essa varredura. — Anna falou,
levantando, indo para a cozinha almoçar com Jennifer.
***
— Ok, mas não precisa ser nada elaborado, pode ser um sanduíche.
— Deixe comigo. — Jennifer já começava a preparar algo. — Esse cara,
é mestre do ilusionismo hein? O Houdini sabe mesmo se esconder.
— Temos que encontrar Victor antes que ele dê outro passo. — Anna
— Titio deve ter entrado no buraco do coelho. Ou vai ver alugou algum
imóvel.
— Jennifer, você tem razão, ele pode ter alugado uma casa! — Anna
— Procurando casas com placa de aluga-se, não sei, tem alguma ideia
— Bom, Becca trabalha numa imobiliária, posso falar com ela, a garota
tem uma boa rede de conhecidos nesse ramo.
Anna levantou-se, foi até Jennifer e passou seus braços ao redor da sua
cintura, com um sorriso leve.
— Não, mas é a primeira vez que te vejo sorrindo nos últimos dois dias,
Após almoçarem, Anna teve uma breve conversa com sua mãe, no quarto
dela, e iniciaria a busca pelas imobiliárias com a ajuda de Becca. Ao se
aproximarem da moto, estacionada em frente à casa, logo Anna percebeu uma
flecha metálica cravada no tanque. Ela correu até lá, arrancando a flecha,
— Não me faça tomar uma atitude radical, você pegará o avião amanhã,
— Esse infeliz não vai desistir tão fácil, ele deve ter colocado pessoas
vigiando a casa.
— Sobrou até para a Paty, olha a merda que ele fez com ela... — Jennifer
— Rick, você não viu nada? Onde você estava? — Anna o interpelou.
— Acertou alguém?
— Quem é Paty?
— Leia você mesma, afinal é para você. — Anna lhe entregou o bilhete.
— Não sei onde estão, devem estar por perto, mas não na nossa
propriedade, e não deve ser ele pessoalmente, deve ter contratado pessoas para
— Não, você não coloca o pé fora desta casa, entendeu? Rick vai fazer
sua segurança pessoal, vou pedir reforços para Max para a segurança externa e
para a busca aqui ao nosso redor. Eu e Jennifer vamos seguir com nossos planos,
— Desde que você saiu de lá. Mas vamos até o fim com isso, você não
— Ok, eu vou falar com Max e você vai falar com Becca, eu te encontro
lá no trabalho dela.
***
trabalhava, uma sala comercial com uma mesa comprida de ponta a ponta
lateralmente, e atrás dela três funcionários, Becca no meio.
— Não, estou em pleno exercício dela, e você também faz parte desta
fundos.
— Que história é essa que faço parte disso? Hey, deixe um pouco para
mim!
— O tio do mal pode ter alugado uma casa, ou algum outro imóvel, é aí
que você entra.
— Ele pode ter usado dados falsos. — Becca falava enquanto abria um
saco de açúcar, derrubando na pia. — Merda!
outro nome, mas minha sogra conseguiu os dados da identidade falsa que ele
costuma usar quando viaja, deve ter lançado algum feitiço pelo telefone para
porta.
— É... Digamos que agora ela está ocupada com o irmão psicopata e me
deixou em paz, temporariamente. Tenho certeza que quando isso passar ela vai
procurar um marido para a filha.
me ajuda?
você?
residencial.
— Meninas, eu sinto muito, mas não encontrei nada, já fiz a busca duas
— Tudo bem, deve ter umas dez imobiliárias na cidade. — Anna falou.
Anna a olhou.
— Hoje você não derrubou nada, fica como brinde. — Henry respondeu,
bem-humorado.
***
— Você tem aula hoje, não tem? — Anna perguntou para Jennifer ao
entrar em casa.
— Não, nada de faltar aula, não vamos fazer nada importante agora à
noite, pegue seu material e vá.
— Vou.
— Promete?
— Cuidado com seu tio infernal, ok? Você não sabe do que ele é capaz,
não sabemos com o que estamos lidando, ele pode fazer mal a você para atingir a
irmã.
eu sei me cuidar, ou você não confia mais no meu potencial? — Anna terminou a
complicado. Desculpe não te dar muita atenção. — Anna falou, após beijá-la.
— Pode ser, vou para minha casa então, mas amanhã de manhã estarei
aqui.
***
— Rick recebeu uma flechada nas costas hoje cedo. — Anna falou, num
tom baixo de voz.
Anna pegou a sua mão e seguiram para a cozinha, antes que Marianne
— Não adianta falar essas coisas, ela sabe que o irmão é um desgraçado,
com Rick.
recostada na pia.
— Essa é a pior missão de todas, porque não faço ideia do que fazer, não
sei mais onde procurá-lo e não sei qual seu próximo passo. — Anna desabafou.
nisso.
— Acho que poderíamos ir nos locais onde ele e o pai dele tinham
negócio aqui na cidade, mesmo que não sejam mais deles, podemos conseguir
— Hum.. É uma boa pedida para hoje. Eles tinham várias lojas aqui,
para o Rick e depois vou ligar para o hospital para ter notícias dele. Depois nós
— Você é a garota.
seu café, ficar a sós com sua sogra ainda a deixava em pânico.
— Me desculpe pela forma como falei com você sobre seu irmão, eu
— É sim.
— Sabe, não é só pelo fato de ser um café importado e tal, ela sabe fazer
— É sim, por isso ela está se dedicando tanto em manter você por perto,
ela não vai medir esforços para conseguir isso. — Jennifer falou.
— Muito, fisicamente elas são muito parecidas, quando Anna tinha essa
idade era exatamente como Angie. — Marianne falava agora de forma relaxada,
Jennifer sorriu.
— Vai ser engraçado juntar essas duas, não? Você tem foto dela?
para Anna se ela guarda os álbuns de família, para comparar com as fotos de
Anna adolescente.
— Eu iria amar ver essas fotos, sério. — Jennifer falou com excitação.
— Você sabe a filha que tem, né? Eu já perguntei se ela tinha fotos, ela
— Anna nunca joga nada fora, com certeza ela tem esses álbuns. Ela é
— E não é? Difícil arrancar alguma coisa dessa menina. Vai ser bom ter
— Quem disse?
— Sua mãe disse, e ela falou que você não joga nada fora. Eu quero ver
esses álbuns. Tá, não precisa ser hoje, mas futuramente eu vou ver esses álbuns,
entendeu?
— Guardei.
— Mãe, falei com Max, ele mandou outro segurança para cá. E Rick vai
ter alta amanhã. Preciso de uma listagem dos estabelecimentos comerciais que
sua família tem ou tinham na cidade. Mas vamos lá na sala fazer isto. — Anna
falou, séria.
nome, mande ele vir fazer a segurança da minha mãe aqui dentro. — Anna falou
para Jennifer.
— Ted, o nome dele.
***
se for preciso.
mar. Havia algumas crianças brincando na areia com seus pais sentados por
perto.
— Pode ser.
— Era aqui, era essa praia, agora reconheci. Era aqui que eu vinha com
meus pais quando era criança, por causa do mar calmo. — Jennifer falou,
sorridente.
Anna falou.
— Não tem necessidade de faltar, está tudo sob controle hoje, o bilhete
da manhã nos dava mais 24 horas.
para frente.
— Você é um alvo, sabia? Seu tio te odeia, ele pode tentar algo contra
você para forçar sua mãe a tomar uma atitude.
segurança.
— Quando voltar da aula você vai para minha casa e faz seu serviço de
segurança. — Anna respondeu.
pensava nisso, não prestava atenção em professor algum. Ficava imaginando que
Anna sorriu, passou seu braço por cima dos ombros de Jennifer e a
trouxe para perto.
pescoço.
murmurou.
em Anna.
sem você é só escuridão, era assim que eu vivia antes de te conhecer, antes de
— Toda vez que você sorri eu me apaixono por você de novo. Algo me
Anna sorriu e a beijou, com a sensação que nada além daquilo importava
naquele momento.
Mas elas tiveram que voltar à realidade, logo já estavam em casa naquele
preocupação.
— Não, e vocês?
— Victor não vai ter paciência por muito tempo, ele deve estar tramando
algo, eu sinto.
Anna.
***
— Tem que ficar no silencioso, mas vou olhar o tempo todo se houve
ligação sua.
Foi até o sofá, pegou seu casaco e mochila, mas acabou voltando,
***
— Ah não, Ignatius, sério que você vai pifar justamente hoje, aqui no
havia era a estrada e o silêncio da noite, por vezes quebrado com o som dos
poucos carros que passavam.
Com o carro ligado, tentava acelerar, mas Ignatius não se movia. Desceu
do carro e abriu o capô, liberando uma boa quantidade de fumaça cinza.
— Que porra aconteceu com você? — Ela falava, entre uma tossida e
outra.
superfície quente.
do outro, perfeito.
Resolveu ir para a beira da estrada pedir por ajuda aos carros que
Ele tinha um belo sorriso, Jennifer estava aliviada por enfim alguém
novo, o estado deste aqui não é dos melhores. Olha ali, aquela peça cinza com
vermelho, está vendo? Está partida, pode se romper a qualquer minuto. — Ele
explicava, com paciência.
Jennifer foi até o interior do carro, virou a chave e acelerou várias vezes,
mas nada do carro se mover. Saiu, voltando a ficar ao lado do homem prestativo.
— Nada.
— Acho que você vai ter que chamar ajuda, talvez um guincho.
limpando as mãos.
— Ah ok, vou lá desligar. Espera aí, como você sabe meu nome?
Capítulo 43 - Angústia
Ted entrou correndo na mansão, esbaforido, trazia uma flecha nas mãos.
Marianne veio correndo do seu quarto e ouviu quando Anna fez a leitura
do novo bilhete.
— Ted, avise os outros dois homens que fiquem alertas, que talvez
— Você que sabe do que ele é capaz, estamos armados e prontos para
revidar.
— Ted, onde você achou esta flecha? — Anna perguntou, assim que Ted
retornou.
— Na porta da oficina, eu fui fazer uma ronda nos fundos, quando voltei
já estava lá, mas não deve ter mais que vinte minutos.
— Ok, atenção redobrada, tudo indica que ele vai tentar algo ainda essa
noite.
— Anna, não tente nada arriscado, se ele realmente vier com seus
homens eu irei com ele, não quero te colocar em risco.
— Lutaremos até o fim, fique tranquila, confie em mim. Ele não ousará
— Acho que vou pedir reforço para... — Anna parou o que ia falando,
— Daqui a pouco ela estará aqui, vamos nos concentrar nesse ataque
eminente.
— Mãe, ela já deveria estar aqui, alguma coisa aconteceu. Eu vou buscá-
la.
— Você não está sozinha e eu não demoro, apenas irei buscá-la, talvez
ela esteja a caminho.
— Não irei. — Anna foi até sua mãe, lhe dando um beijo na testa.
Correu na direção da cozinha, mas no caminho lembrou que sua moto
estava no conserto.
— Ok, nada de travar agora, é só um carro, ele irá fazer o que eu mandar,
volante.
um dos seguranças e saiu pela rodovia, no caminho que dava para a escola.
de Jennifer vindo em sua direção, alguns minutos depois avistou um carro com o
Olhou pela janela do passageiro e não viu ninguém. Olhou ao redor, não
via sinal de vida vindo de nenhuma direção. Procurou ao redor do carro, desceu
o pequeno barranco que havia ao lado do acostamento, mas Jennifer não estava
lá.
ignição. Deu mais uma olhada e avistou o celular dela, em cima do banco do
passageiro. Pegou de lá e conferiu, estava descarregado.
— Eu avisei.
meio.
Desistiu, foi para a frente do carro com passos trôpegos, ajoelhou-se no asfalto
— Seu desgraçado! Por que não me levou? Não! Não! Você não poderia
ter levado Jennifer! Não! — De joelhos, gritava em meio ao pranto que
começava a surgir.
Olhou para baixo e viu o mini carro prata que Jennifer havia tirado da
maquete, juntou e o observou.
embargada.
tirou a chave da ignição para em seguida travá-lo. Deu mais uma olhada ao redor
***
entrar na sala da sua casa, atraindo a atenção de Marianne e Ted, nos sofás.
— Ele não vai atacar nossa casa, ele levou Jennifer! — Anna atirou no
— Aquele desgraçado... Ele não sabe com quem está lidando, eu vou
acabar com a raça dele!
— Calma, Anna, talvez ele use Jennifer como moeda de troca, vamos
esperar o contato dele.
— Não pense no pior, pense que ele não tentará nada contra nós hoje, ele
irá negociar amanhã.
— Como mantém essa frieza? Mãe, você ainda não entendeu que ela é a
mulher que eu amo? Se ela morrer, levará minha vida com ela.
— Acalme-se, Anna, não vai acontecer nada com ela, não adianta se
desesperar agora.
— Por que ele está fazendo isso? Por que ele não deixa você seguir sua
vida e ele segue a dele? — Anna perguntou, com uma expressão sofrível.
— Não é só por mim que ele está fazendo isso, ele quer Angie também.
Victor não se casou, sempre se dedicou apenas aos negócios, e Angie era como
uma filha para ele.
— Não, claro que não, só quero que você entenda o que está por trás
destas ações.
— Ela vai voltar, sã e salva, não perca a fé. — Marianne falava com uma
voz branda.
— Esperar...
Anna voltou a colocar as mãos nas pernas, não disfarçava sua angústia.
Continuou.
Jennifer de volta, ao meu lado. Ela passou o dia todo ao meu lado, parecia estar
pressentindo algo, estava preocupada comigo. Não consigo acreditar que ele a
levou... Isso é inadmissível.
Anna olhou de forma dura para sua mãe por algum tempo, antes de falar.
sacada.
mesa.
***
— Não, eu queria poder falar que está tudo bem, mas não está. — Anna
— Depois da aula. Becca, ela ligou para você às dez, ela te falou algo
importante? Pediu socorro, descreveu alguma coisa, falou algo que possa me dar
alguma dica?
— Eu não tenho ideia, Becca. Por isso estou te ligando, preciso de pistas.
— Ãhn... Não sei, não, não falou nada relevante, deixa eu lembrar. Ela só
comentou que a aula havia sido chata, que estava com fome, que estava
preocupada com você, porque o tio dos infernos poderia invadir a sua casa, que
ainda não tinha pistas dele, foi só, ela estava saindo da escola quando me ligou.
— O que você vai fazer? Anna, você precisa encontrá-la, antes que
— Não, não precisa, eu vou sair daqui a pouco para continuar as buscas.
Aquele foi o mais longo dos dias para Anna, uma quarta-feira chuvosa e
cinza. Fez andanças por toda a cidade e não conseguiu uma pista sequer.
Já à noite desceu após o banho e sentou-se ao lado de sua mãe, em frente
à TV ligada na sala.
— Eu não faço ideia do que fazer amanhã, ele já deveria ter feito contato
— Temos que contar com a possibilidade dele não querer fazer uma
troca.
— Como assim?
— Isso, talvez ele tenha apenas feito uma baixa, para nos intimidar.
— Você tem ideia do que está falando? Eu não vivo sem ela, você parece
— Não, não continue, não termine a frase, não ouse terminar a frase. —
Uma hora depois Marianne entrou no quarto de Anna, que estava sentada
— Acho que temos notícias... — Marianne falou, com uma voz contida.
— Com bilhete?
— Sim.
— Só? E Jennifer?
Alguns minutos depois Anna desceu até a sala, onde sua mãe via TV no
sofá.
— Acho que ele não faria mal à própria família, ele sempre foi apegado
aos familiares.
— Ok, você conviveu com ele nos últimos anos, você o conhece bem,
então quero que seja sincera, quero o cenário realista, baseado no que você sabe
— Eu não sei...
— Mãe, me escute. Eu não conheço meu tio Victor, só lembro das poucas
vezes que você o citava, sobre como ele fora contra seu casamento, não sei quase
nada sobre ele. Mas você sabe, me fale algo mais substancial, por favor.
— Apesar dele ser um pouco violento, eu acho que ele não faria mal a
nós.
— A você com certeza não, mas e Jennifer, que é uma estranha para ele,
apenas uma isca para conseguir algo maior, ele seria capaz de fazer algo com
alguém que ele não tem nenhum vínculo?
— Talvez... Não posso afirmar nada, quem sabe ele apenas queira chamar
— Sim, quer dizer... Eu nunca presenciei nada, mas eu sei de coisas que
sei que algumas vezes para conseguir o que ele queria ele torturava, matava...
— Merda! Merda!
— Mãe... Eu juro, se esse cara encostar nela, se ele fizer qualquer coisa
com ela, eu mato meu querido tio Victor, eu arranco o coração dele, eu acabo
com a raça dele, não importa se é seu irmão, ele vai pagar caro se machucar
Jennifer.
Anna apenas a olhou, tentando conter sua explosão, achou melhor subir
— Hum, manda.
— Jennifer foi sequestrada ontem à noite pelo meu tio, um psicopata que
quer que minha mãe volte a morar com ele em outro país.
— Não, com todo respeito, não acredito na polícia e acho que eles não
moveriam um dedo para buscá-la. Mas acredito no seu trabalho, preciso da sua
ajuda.
— Que coisa estranha isso, Anna. Levou e não fez nenhum contato, não
pediu um resgate?
— Nada, apenas quer que minha mãe volte para lá, eu não faço ideia do
que aconteceu com Jennifer, já não sei onde procurar, revirei tudo que pude.
— Eu vou inclui-la nas minhas rondas, vou procurar esse cara para você,
desceu e ficou andando pela sala como um fantasma insone. Já com o sol
assustada.
vermelhos.
— Anteontem, terça.
— Já tem outras pessoas ajudando, pedi ajuda a uma amiga policial que
está a procurando, Max colocou alguns homens para procurar também, são
profissionais.
— Foi o que Jennifer falou. — Anna disse, com um leve sorriso de lado.
— Não sei como, mas se precisar de nossa ajuda, não hesite em pedir. —
Bob se ofereceu.
— Eu farei.
— Bom, não queremos atrasar suas buscas, lembre-se do que falei, nos
mantenha informados. — Becca falou, se levantando.
Anna saiu para buscas no porto ainda no início da manhã, conversou com
coisa.
que levava até sua casa, foi pega de surpresa por uma saraivada de tiros em sua
sua lateral e janelas, todo o ataque durou pouco menos de um minuto, o carro
arrancou em velocidade, sumindo na rodovia e na escuridão.
que havia acontecido e porque não estava morta. O carro era blindado.
estrago.
sua mãe.
— Venha aqui fora ver uma coisa. — A convidou, com a voz tremida.
— Como pode perceber, o carro é blindado. Mas sabe o que foi pior? Eu
Anna entrou devagar na sala, o susto ainda não havia passado, estava em
choque.
— Seu irmão me quer morta e quase conseguiu. Acho que ele não me
considera da família. — Anna ironizou.
no assunto do atentado.
— Você não conseguiu ver nada? O carro, alguma informação que possa
ser útil...
— Mãe, tanto faz... Ele vai tentar me matar em qualquer hora do dia, eu
estarei preparada para ele. Se eu for pega de surpresa, paciência, ele vencerá.
algo no chão.
— Eles são muito rápidos, num minuto de distração e isso já estava aqui.
— Ted falava, se erguendo, olhando para Anna.
seguranças perguntou.
pior tipo possível. Mantenham a vigília alerta, se quiserem trocar de turno agora,
respondeu.
Anna entrou e entregou o bilhete à sua mãe sem falar uma palavra sequer,
subiu para seu quarto. Fez algumas ligações, tomou um banho e desceu para
— Vou tentar.
— A encontrou?
— Ãhn... Talvez.
levado um tiro.
— Acho que você vai ter que vir aqui reconhecer o corpo, tudo bem?
Talvez se você conseguir com o dentista dela algum raio-x, também ajuda.
— Não, ainda não, ela queria fazer uma tatuagem, mas não fez.
— Estou indo.
— Várias.
— Não é ela, Jennifer tem várias cicatrizes nas costas. Não é ela, não é
ela, Laura.
— Desculpe o susto, mas tínhamos fortes indícios que poderia ser ela.
jogando água abundantemente em seu rosto, molhando parte de sua blusa cinza.
vermelhos e abatidos. Se deu conta que aquela tarde de tortura com Vivian não
uma mais extenuante agora. E ela não podia ver o que estava acontecendo com
ocasião ela tinha total conhecimento do que se passava com sua namorada, era
um mínimo de controle da situação, que ela não tinha agora.
Fechou a torneira e desceu para a sala, onde sua mãe via TV.
força, passando seus braços ao redor da sua cintura, desabou num choro.
— Vai ficar tudo bem... Vai ficar tudo bem... — Marianne afagava seus
cabelos, e falava baixinho, tentando acalmá-la.
Ela continuava chorando sem sequer conseguir controlar seu queixo, que
tremia. Marianne continuava num carinho silencioso, a observando, consternada.
ouvido.
das coisas... — Ela hesitou antes de continuar. — Eu sei o quanto você gosta
dela.
— Mãe... Quando isso vai acabar? — Anna levantou seu rosto, que
estava recostado no colo de sua mãe. A olhou, com a face ainda molhada e uma
expressão sofrível.
— Não, não há garantias que ele devolva Jennifer se você for, e então eu
— E eu não sei até onde ele foi. — Anna falava com temor na voz.
— Jennifer está viva, e logo você vai encontrá-la.
Anna baixou novamente seu rosto e continuou com um olhar vazio, ainda
recebendo os dedos de sua mãe passeando por seus cabelos, acalmara-se aos
poucos.
— É o preferido de Jennifer.
mudou.
ainda mais reclusa, e eu não queria que você ficasse só, eu sempre incluía em
minhas orações que encontrasse alguém para viver com você, que pudesse ter
uma vida a dois, porque a solidão é algo avassalador e fica pior à medida que os
anos passam.
— Quando ela entrou por aquela porta, pedindo ajuda, quase um ano
distância a desolação de sua filha, que sentava na borda do píer com as pernas
sobre a água calma.
— Victor está por perto, mais perto do que podemos imaginar. E Jennifer
— Eu não sei... Achei que o conhecia bem, mas já não consigo entender
o objetivo dele. No início parecia apenas que queria que eu voltasse, agora ele dá
— Muito mais do que está externando, confesso que não sei direito como
lidar com isso, queria poder aliviar um pouco a angústia dela.
— Apenas esteja ao seu lado, mesmo quando ela quiser ficar em silêncio,
para que ela veja que não está só. — Becca respondia, com calma.
— Só nos resta torcer para que tudo se resolva, manter a esperança acesa,
a dela também.
lado do banco.
— Não, não vá, não agora. Ela está no cantinho da reflexão. — Becca a
impediu.
— Onde?
— Eu sei que você não entende o que existe entre elas, que é difícil
enxergar sua filha amando uma mulher, mas isso é genuíno, eu sei que é, e pode
apostar que é a relação mais forte que eu já vi.
— Ainda estou processando tudo isso, mas eu já me dei conta da
importância de Jennifer para ela.
— Sabe, no início eu era contra esse namoro, dizia para Jenny que era
não ia muito com a cara de Anna, a achava fechada demais. Mas felizmente eu
estava errada, essas duas nasceram uma para a outra, não vou dizer que elas se
completam porque eu não acredito nisso, para mim almas gêmeas são almas que
se aceitam, e elas são assim, elas são apaixonadas pelas diferenças que tem.
— Essa menina precisa voltar... Mas eu temo que ela não esteja mais
viva.
— Está, eu sei que está, Jenny é osso duro de roer. — Becca sorriu.
***
casa com um olhar triste para o pequeno carrinho reluzente que estava em suas
— O que Jenny acharia de entrar aqui e não encontrar seu famoso café?
— Becca perguntou de forma descontraída.
— Que provavelmente Jenny estava sem bateria, que tentaria falar com
ela para ligar o celular.
— Eu estou com o celular dela, mas deve ter acabado a bateria e não
percebi.
— Ele vai acabar me ligando de novo, não sei o que falar para ele.
— Por que não contamos a verdade para ele? Quem sabe ele ajude.
seus daqui para ajudar, não adiantaria muito, estou preferindo poupá-lo.
— E acho que Jenny iria preferir assim também.
— Acho que sim. Se ele te ligar novamente, diga que Jennifer perdeu o
celular, mas que está tudo bem.
paciência...
combinado?
***
Por volta das nove da manhã, Anna partiu no grande carro preto com
hora depois.
Talvez não houvesse mais nenhum palmo naquela propriedade que Anna
não tivesse averiguado, já sabia inclusive onde os ratos habitavam, mas ficou por
lá até próximo do meio dia, quando resolveu checar a vizinhança.
frente a uma grande casa de dois andares antiga, em más condições. Na frente
havia uma placa de madeira, indicando tratar-se de um ferro velho.
O portão de ferro alto estava aberto e ela foi entrando, após avistar um
senhor de cabelos e barbas brancas, camisa amarela florida, sentado num banco
— Olá mocinha, em que posso ajudar? — Ele falou, ainda sentado, com
— Não, se bem que meu carro precisa de vidros novos, mas realmente
estou procurando algo sobre Victor Spencer, que morava num casarão a
quinhentos metros daqui. Você o conheceu?
— Eu lembro disso, eles foram morar em outro país, acho que a justiça
estava procurando por eles, algo assim. Alexander era um grande amigo, fizemos
— Eu sei que ele tinha uns galpões no bairro industrial, não é longe
neste escritório é impressionante. — Ele disse, entrando numa pequena sala que
Ele foi para trás da mesa e começou a mexer nos papéis que haviam em
cima.
— Não deve estar aqui por cima, vou aqui atrás pegar algumas caixas
com cartões e papéis, só um instante.
Anna estava inquieta, aquela poderia ser a melhor pista desde que Victor
surgira, a localização de galpões onde um sócio dele possivelmente ainda estaria
Olhou para o local onde sua mão estava e pode ler duas letras na poeira,
— Ela está aqui, ela esteve nesta sala! E você vai me dizer onde ela está,
senão vou começar estourando seus joelhos e só vou parar quando não sobrar
— Você deve estar me confundindo com alguém, não tem nenhuma moça
Anna soltou um brado raivoso e soltou-se das mãos dos dois elementos,
pulando para cima do velhote de camisa florida. Arrancou a arma da sua mão,
outro, ferido, saiu da saleta. Anna recebia joelhadas nas mãos, que prendiam a
arma sobre o tampo da mesa. Com uma cotovelada bem colocada no rosto, ela
conseguiu tirá-lo de cima dela, o suficiente para atirar na sua direção, o
acertando em cheio.
estar por tiros que vinham de dois homens, o que estava com o braço ferido e um
outro, bem maior que os outros e com um semblante colérico.
Um dos tiros atingiu de raspão seu abdome, rasgando sua blusa negra e
sua pele. Anna correu abaixada até atrás do sofá, mas não teve tempo sequer de
formar mira neles, assim que olhou para cima o grandalhão surgiu, arrancando a
estava encurralada pela parede, ele chutava seu rosto, que já sangrava, suas
costelas e estômago.
— O patrão quer ela viva, seu idiota. — O homem que segurava o braço
sangrando o alertou.
Num gesto rápido, Anna tirou uma das suas adagas do coldre em sua
perna e enfiou na panturrilha do grandalhão. Aproveitou que ele parou com os
chutes para se erguer, de forma afoita, tateando a parede, mas foi novamente
Anna tirou mais uma adaga, do seu outro coldre, e fez posição de guarda,
enquanto o homem tentava acertar com a lâmina, investindo em sua direção.
Numa das investidas ele conseguiu, cortando a pele dela próximo ao local onde
Ela curvou-se e deu dois passos para trás, colocou a mão em cima do
ferimento, ver aquele sangue abundante despertou ainda mais sua ira, correu na
direção dele, cravando a faca em seu abdome. Ela retirou e cravou mais quatro
vezes, fazendo com que ele caísse sentado.
ninguém surgiu naquele patamar de madeira que havia após a escada, uma
atirando na direção dela, que abaixou-se, mas não sem antes atirar sua adaga na
direção dele, o atingindo no ombro.
punhal.
Digladiaram-se no chão, um entrave de mãos lutando pela posse da
adaga, ele conseguiu fazer um corte na lateral do seu pescoço, tingindo um dos
poucos lugares que ainda não estavam vermelhos em Anna. Com a mão direita
ela conseguiu imobilizar a mão que segurava a adaga e passou a desferir socos
violentos contra o rosto dele, que foi perdendo as forças, e por fim a consciência,
Anna havia praticamente destruído o rosto dele com suas próprias mãos.
percebeu uma movimentação do lado de fora da casa. Pelas grandes vidraças ela
do penhasco que havia no final do terreno, onde o mar batia mais abaixo. Na
beira do desfiladeiro havia uma pequena construção simples de pedras, com três
portas. Observava com as mãos nos vidros, sujando de sangue, quando foi pega
de surpresa por outro elemento, um homem magro desarmado, que a segurou por
trás.
quebrando o cercado, fazendo com que Anna caísse de costas no andar de baixo,
em cima de uma mesa de centro de madeira e vidro.
tentava respirar, mas não conseguia puxar o ar, a queda provavelmente havia lhe
quebrado algumas costelas. Ela permaneceu alguns segundos naquela posição,
tentando desesperadamente trazer algum ar para seus pulmões e sentindo uma
Ouviu passos na escada vindo em sua direção, olhou para os lados, viu
uma das pistolas ali perto, se arrastou até ela, assim que o homem magro surgiu
ela disparou quatro vezes, segurando a arma com ambas as mãos de forma
trêmula.
mesmo que de forma curta. Levantou-se, olhou ao redor com a mão sobre seus
Correu entre as sucatas e ferros retorcidos que lotavam aquele pátio, que
dava para o desfiladeiro. Apesar do sangue que a esta altura escorria de várias
partes, era como se seu corpo estivesse blindado para a dor, agora não sentia
nada, apenas escutava o barulho do vento passando por ela, pensava somente na
ao precipício.
do seu tio maquiavélico, com as mãos atadas à frente por cordas de nylon
brancas encardidas.
— Anna! — Jennifer gritou, com alívio e preocupação.
— Pode parar aí, mocinha, nem mais um passo! — Ele ordenou para
Anna, que prontamente parou, a uns dez metros deles.
Ver finalmente Jennifer e ouvi-la dizendo seu nome, lhe causou uma
sensação forte e contraditória, como se seu nome varasse de lado a lado em seu
peito.
Jennifer não aparentava estar ferida, apenas suas roupas estavam sujas,
sua camiseta regata branca já não tinha muitos pedaços da cor natural, e era
visível dali alguns arranhões em seu rosto e braços, havia um corte na maçã do
rosto.
precisava conter. Aquele foi o golpe mais doloroso que Anna sofrera naquela
tarde, vê-la em poder de uma pessoa que ela já sabia não ter o mínimo de
escrúpulos, que seria capaz de qualquer coisa para atingi-la, e atingir sua mãe.
jogados para trás, parcialmente molhados por suor e sendo desgrenhado pelas
vento. Tinha uma incômoda semelhança física com sua mãe, ela podia
entre inimigos mortais, e para Anna, se a vida de Jennifer corria risco, então seu
— Vamos resolver isso em família, ela não tem nada a ver com isso. —
— Por que eu soltaria seu animalzinho de estimação? Vai ser muito mais
divertido acertarmos as contas todos juntos. E seja uma boa menina, jogue este
revólver aqui nos meus pés, senão a conversa já vai começar com uma morte.
do chão, voltando para o banco, colocando no cós da sua calça. — Eu não sei
como essa garota faz essas coisas, mas ela bagunçou a casa movendo e
quebrando coisas, em qual circo você encontrou essa aberração? Tive que mantê-
— Pronto, você que conversar, não é? Estou de mãos limpas, deixe ela ir
— Você acabou de chegar e está com pressa? Esperei você todos esses
dias, estava ansioso para conhecê-la. Aliás, como tem cuidado do meu
informante em sua casa? Espero que o esteja tratando bem, ele disse que seu café
é muito bom.
— Quem?
— Ted, ele é um dos meus homens e tem feito um trabalho excelente.
— Eu estou disposta a fazer o que você quiser, assim como minha mãe,
apenas me diga quais são seus termos e vamos resolver isso sem que ninguém se
machuque.
se achando tão forte e poderosa quanto um Titan, quando não passa de uma
sabia que se escolhesse as palavras erradas poderia custar a vida de uma delas.
— Para que tudo isso, para ficar se glorificando que no final você
venceu? Que a vontade do seu pai venceu? Por que essa obsessão com o que
minha mãe faz ou deixa de fazer? Essa obsessão doentia por nossa família? —
Anna argumentou.
— Não existe sua família, só existe minha irmã e Angie, que voltarão a
morar comigo na Tailândia. Do outro lado existe você, uma pobre coitada
solitária, e seu irmão covarde que se escondeu no velho mundo.
O vento continuava soprando com certa força, dali era somente possível
ouvir o barulho das ondas quebrando nas pedras logo abaixo. Ao lado deles
viés de sangue que escorria de seu supercílio. Não sabia mais o que falar ou
fazer para convencê-lo a soltar sua namorada.
— Se seu objetivo é levar minha mãe de volta, por que não fez isso? Por
— Queria conhecer você, sobrinha, ouvi tanto sua mãe falar de você e
seu irmão, tinha curiosidade em conhecê-la, não que eu tenha algum tipo de
afeto fraternal por você, se dependesse de mim você já teria sumido há muito
tempo... Todas as vezes que meu pai cogitou matar vocês eu apoiei e incentivei,
mas ele preferiu apenas manter Marianne longe dessa corja de sanguessugas. Eu
deveria ter incentivado mais, agora eu não estaria aqui, perdendo meu tempo
todo o tempo.
Tailândia e eu continuo morta para você, como sempre estive. Ou tem mais
alguma exigência?
A cada minuto que passava Anna ficava ainda mais aflita, não tinha ideia
dos planos de seu tio, não sabia quais suas reais intenções armando toda essa
esperado, ele poderia ser capaz de tudo, até mesmo simplesmente libertá-las,
pois pelo que sua mãe havia contado, Victor era apenas uma sombra de seu pai,
continuou.
— Assim será. Agora por favor, solte a garota, apenas a solte, me deixe
levá-la embora. — Anna suplicava, estava sentindo uma angústia sem tamanho
— Quero Marianne aqui, ainda hoje, não tenho mais tempo a perder
nessa cidade de merda.
espalmando sua mão nas costas dela, Jennifer deu um passo sôfrego para frente,
Anna correu até ela, que caiu no chão lentamente, já em seus braços.
terrificada com aquela cena. Colocou suas mãos uma sobre a outra em cima do
ferimento, numa tentativa desesperada de mantê-la viva e estancar o
sangramento. Jennifer tentou falar algo, mas suas palavras não saíram, apenas
sangue. Só conseguia olhar para Anna com olhos que imploravam que não a
deixasse morrer.
— Vai ficar tudo bem, vou tirar você daqui, ok? Vai ficar tudo bem. —
Ouviu uma risada seca, forçada, e sentiu um braço a puxando para trás,
aplicando-lhe uma gravata.
Victor era um Titan não tão corpulento quanto os que ela estava
acostumada a enfrentar em suas noites de aventura, mas ainda assim era forte.
— Você achou mesmo que eu ia deixar vocês saírem com vida daqui? Eu
vim para os Estados Unidos para me certificar que Marianne não teria mais
motivos para retornar para cá. Eu estava esperando você aparecer, para te matar
ele, mas foi logo surpreendida por um soco certeiro no seu rosto. Na sequência
reuniu todas as forças que tinha e as que não sabia que tinha e partiu novamente
para cima de seu tio.
para manter-se de pé. Limpou o sangue que caía em seus olhos, pode visualizar
ele sacando a arma e apontando para ela. Mas com todo o desespero que a movia
para longe.
Foi então que ela lembrou do que carregava às costas, sua espada. Anna
desembainhou sua lâmina extremamente afiada. Soltando um grito de raiva
— Isso é pelo meu pai, seu desgraçado! — Anna ainda segurava a espada
atravessada nele, o fitou nos olhos com ira a girou e a fez sair pela lateral,
rasgando seu tronco, a lâmina agora não estava mais prata, e sim rubra com seu
sangue.
mais ainda.
Jennifer olhou ao redor e viu todo o mar azul acinzentado ao seu redor, a
Sentia seu corpo inteiramente dormente, ou talvez não o sentisse por inteiro, mas
sentia a água ao seu redor, a água gelada em contato com sua pele.
Experimentava o cheiro salgado da maresia, o sol forte que parecia secar
De lá podia ver sua mãe, com uma camiseta branca, e seu pai sem camisa
usando um boné do Blue Fish, um time local, sentados na areia numa toalha
grande colorida. Viu sua mãe abrindo uma bolsa térmica e tirando sanduíches
embalados em papel alumínio, colocou o primeiro sobre a toalha, colocou
delicadamente o segundo.
— Já vou, mãe!
logo o repuxo a fez recuar duas passadas. Firmou-se no fundo, sentiu a areia fina
se moldando aos seus pés, tomou impulso para caminhar, mas novamente as
ondas à impediram, a fazendo recuar mais. O mar parecia um tanto quanto mais
agitado, as ondas mais fortes e a água já batia na altura do seu peito. Se irritou
por não conseguir avançar na água.
Viu seu pai tentando abrir uma garrafa de refrigerante com o garfo.
Sentiu uma corrente forte em suas pernas, a forçando a dar mais passadas
para trás, mesmo lutando para não ir, se inclinando para frente. O mar já cobria
Olhou para a praia, já não enxergava direito seus pais sentados, mas
Não tocava mais o fundo do mar com seus pés, tentava flutuar, sem
água entrando por sua boca e nariz. Abriu os olhos e só enxergou a turbidez da
água, como se olhasse para o céu num dia de tempestade. Não lutou mais e
fechou os olhos.
***
— Por favor meu amor, não vá... Não vá!. — Anna chorava
copiosamente, debruçada sobre o corpo de Jennifer.
entrelaçadas sobre seu tórax em meio a todo aquele sangue, mas não havia
reação alguma.
— Eu não quero viver sem você... Eu não consigo... Acorde, meu amor,
vamos, fale comigo. — Passava sua mão trêmula pelo rosto e pelos cabelos de
Jennifer, deslizando da sua testa para trás.
— Não me deixe, não faça isso comigo, você prometeu ficar comigo,
camiseta ensanguentada e rasgada pela bala. Não havia mais o que fazer, seu
coração doía como se estivesse esfacelado ou sido arrancado de dentro de seu
não sabia?
pensativa, agachada ao seu lado. Formaram-se dois vincos em sua testa, próximo
às sobrancelhas.
derramar seu sangue em sua amada, na tentativa de reanimá-la. Ela carregou esse
estigma do seu sangue por toda a vida, nunca imaginou que um dia poderia
cogitar usar em alguém. E numa Vulpi, muito menos.
Já não tinha muito tempo, não fazia a menor ideia do que aconteceria, se
surtiria algum efeito em alguém que não fosse humana, o que aconteceria com
uma Vulpi, talvez já fosse tarde demais. Sem contar que isso também era algo
Tomou a espada caída ao seu lado e fechou sua mão direita ao redor da
lâmina, dedo após dedo. Olhou para Jennifer, olhou para sua mão fechada,
deixou todas as incertezas para trás e deslizou a lâmina para baixo, lhe cortando.
soluçando. — Meu Deus... Não pode ser verdade. Por que não me levou?
daquela noite. E agora você se foi. — Voltou a colocar sua testa sobre o peito de
Jennifer.
Jennifer acenou com a cabeça, sua respiração estava forte e rápida. Anna
sentiu uma onda arrepiante passando por toda sua espinha, uma alegria absurda
ela.
perto de si, passou seus braços ao redor do corpo dela com desespero e vigor.
olhava sem conseguir acreditar no que via e sem conseguir tirar o sorriso do
rosto.
— Achei que tinha perdido você, mas você voltou, meu amor! Você
voltou para mim, eu juro que vou dizer o quanto te amo todos os dias da minha
vida. — Anna falou emocionada.
— Não?
— Eu quero ver.
— Consegue se levantar?
das pedras jazia o corpo de Victor, alcançado pelas águas de tempos em tempos.
— Sua mãe vai ficar uma fera, você matou o irmão dela por minha causa.
— Jennifer falou antes de colocar a mão no peito e fraquejar os joelhos.
carregando no colo.
ferro-velho.
— Está dirigindo?
— Sempre estou.
***
lado havia alguém sentado numa cadeira, sua visão ainda estava embaralhada,
apertou os olhos tentando focalizar.
— Não, Angelina.
— Angelina? — Jennifer repetiu o nome, ainda tentando descobrir quem
era aquela garota de cabelos escuros e olhos castanhos, com um celular nas
mãos.
— Você está bem? Precisa de algo? — A garota falou num tom solícito.
— Sinto muito por ele... Não deveria ter terminado daquela forma.
— Tudo bem, eu sei o que aconteceu, vocês não tiveram culpa. E ele era
um babaca.
— Te deixaram instruções?
— Algumas.
— Relaxa, não vou fugir daqui. Não agora, Angie. — Jennifer sorriu para
ela.
acho muito irado que minha irmã namore com uma garota, é tão moderno, eu
adorei.
— Ela ainda fica tímida com esses assuntos, temos que pegar leve com
ela.
— Eu percebi.
Angie riu.
— Ela me alertou que você faria alguma piada com o fato de sermos
parecidas. Levantou e começou a servir um copo com água.
— Sua irmã me conhece bem.
Bebeu a água e deu uma olhada em seu peito, onde havia uma grande
bandagem.
— Parece que você levou um tiro que fez um baita estrago, daí operaram
você noite passada. — Angie sentou-se numa cadeira giratória ao lado da cama,
se movendo.
— Domingo à noite.
— Nossa, um saco, quase vinte horas... Achei que andar de avião fosse
mais divertido, mas todo mundo só quer dormir, um monte de gente chata.
— Não vejo a hora de sair e conhecer essa cidade, outras cidades, quero
— Jura? O meu também! Minha família ainda mora lá, eu visito de vez
em quando, você pode ir comigo na próxima vez.
— Sério? Que massa! Eu quero ir sim, ele falava tanto de lá, já até
— Que cidade?
— Irvine.
— É pertinho de Glasgow, serei sua guia, soube que tem uns pubs legais
lá. Quer dizer... Não, nada de pub, esqueci que você tem quinze anos, Anna me
mataria.
Jennifer sorriu.
— Fechado!
— O que tem de tão legal lá? Hey, não tire isso, vai que dá algum
problema?
— Isso é chato. Mas tá bom, não quero queimar teu filme. Sobre o que
tem nesta fazenda? Tem seu irmão e sua sobrinha.
— Nossa, estou doida para conhecer eles também! Poderíamos fazer uma
para outra, nós vivíamos tão isoladas lá, agora estamos livres e não estamos mais
sozinhas. — Angie olhou para baixo, pensativa. — Minha mãe sofria bastante
por estar longe da família, ela falava tanto de Anna.
— Anna também sentia falta da mãe, ela passou os últimos anos sozinha,
e agora tem vocês duas por perto, vai ser incrível para ela.
— Não, ele é menos sério, menos fechado, mas muito menos legal que a
— Não se deixe enganar, Anna só tem esse jeito reservado, ela é especial,
é sensível, atenciosa, carinhosa, você vai conhecê-la melhor e vai entender o que
— Ah, fala sério, você tirou foto minha assim apagada? — Jennifer
olhava no visor do aparelho, Angie ia passando as fotos.
para elas.
— Sacanagem, não sou fotogênica dormindo, você tem que tirar outra,
agora que estou acordada.
— Legal!
— Vem, vamos tirar uma foto nossa. — Jennifer a chamou para ficar ao
seu lado.
Anna entrou no quarto, viu as duas garotas fazendo pose para uma foto
com o celular, com os dedos erguidos num V.
— Oi mana!
— Oi Angie.
Jennifer pegou a mão de Anna com suas duas mãos e a beijou. Anna já
estava de roupas limpas e com seus ferimentos cuidados, a mão direita estava
perguntou.
— Olhou para Angie, que agora estava sentada no sofá do outro lado.
— Não, mas para você eu tenho boas notícias, fiquei sabendo que você
— Você estava com uma hemorragia forte, tiveram que operar à noite,
— Eu ouvi o médico dizendo que você está viva por um milagre, que
incômodo.
— E é como dizem? Você viu um longo túnel, uma luz forte? — Angie
perguntou.
perguntou.
— Não deve ter sido muito, os médicos vão logo dando aqueles choques
no peito das pessoas, não tem quem não volte com aquilo. — Jennifer
respondeu.
— Mas não foi aqui, foi lá no ferro velho, não foi, Anna? Ou ouvi
errado?
Jennifer sorriu.
— Mais um motivo para te chamar de minha heroína. — Jennifer falou.
— Ela é a minha Mulher Maravilha, sabia Angie?
falou com um leve sorriso, de pé do outro lado da cama, mas mantendo seu jeito
sério.
Jennifer lançou um sorriso para Anna e pegou sua mão, mas logo desfez
o sorriso.
sido de forma pacífica, ele não nos deu essa opção, ele fez a escolha dele. — Ela
respondeu serenamente.
nós duas.
— Mas eu quero que saiba que estou feliz e aliviada em vê-la aqui, com
vida e bem. Você não imagina o quanto essa garota aqui sofreu com sua
ausência, sem saber seu paradeiro, ela estava desesperada... — Marianne disse
apontando para Anna, com a cabeça.
Anna ficava ainda mais encabulada com o que sua mãe falava sobre ela.
— Eu também estou aliviada por estar viva. — Jennifer falou, com uma
pitada de sarcasmo.
— Mini Anna?
Anna se aproximou pelo lado, Jennifer pegou sua mão e foi trazendo-a
para mais perto, até ficar com o rosto próximo ao dela.
um sorriso bobo.
desmotivação.
— Não, não aconteceu nada, ele era cruel, mas nem tanto. — Jennifer a
tranquilizou.
— Só quando cheguei, mas nada demais. Isso aqui foi por tentar fugir
— Eu sabia que o mar estava batendo ali, bem do meu lado, eu ouvia o
barulho. E foi isso que me impediu de perder as esperanças, era meu alento. Eu
sabia que esse mesmo mar que estava batendo nas rochas, era o que estava
batendo no seu quintal. O barulho me acalmava, eu prestava atenção, me dava
uma sensação reconfortante, lembrava das vezes que ouvia o barulho do mar na
— Olha quem fala, você se machucou pra valer e está aí, firme e forte.
— Um corte.
— Tem mais?
— Dois cortes?
— Um corte e um tiro.
Anna viu que não tinha saída, tirou as botas e deitou ao lado de Jennifer,
que virou-se e a abraçou, numa confusão de tubos e fios, aninhando-se nela.
Paz, finalmente era o que Anna sentia invadindo sua alma naquele
perto. Deslizava sua mão devagar pelas costas dela, tendo a certeza que sua
dolorido.
— Sim, sim, só dói quando mexe. Estou com sono e nem me deram
ainda os que apagam...
— Achei no asfalto.
— Foi você que encontrou meu carro no acostamento?
— O carro e a flecha.
— Ele pifou.
— Eu não deveria ter sugerido que você fosse para a aula com ele.
— Acho que vou aposentar o Ignatius, colocar para decorar seu quintal,
— Seu carro novo também vai precisar de conserto, você não percebeu
— Achei que tudo acabaria ali, não entendi porque ainda estava viva.
— Que susto deve ter sido, seu coração é forte, hein?
— Se tem uma coisa que eu tenho certeza é que não morrerei do coração,
tenho passado por bons testes.
— Que coisa?
— Laura me ligou uma noite, dizendo que havia encontrado seu corpo,
ou pelo menos um que parecia o seu, mas ela não podia reconhecer.
— E ela não reconheceu o corpo? Que estranho, ela conheceu meu corpo.
— Não precisou, eu pedi para que procurasse por cicatrizes nas costas e
não tinha nenhuma. Acho até que tive um pequeno infarto naquela noite, mas
sobrevivi.
— Que horrível.
— Inclusive ela esteve aqui ontem te visitando, mas você estava na
cirurgia.
— Você não imagina o quanto procurei você, todas as noites voltava para
a casa sem nada, sem notícias, sem uma pista sequer, era desolador.
Jennifer passava seus dedos pelo rosto dela, pelos cortes e curativos,
— Spencer.
— Tenho.
— Não.
— Por que?
— Isso daria um nome de filme, ‘porque meu nome é Anna’, achei forte.
Fala de novo?
***
— Nunca entendi direito, mas acho que você prende uma coisa aqui e faz
alguma coisa. Espera, vou prender essa lâmina aqui e te mostro.
— Obrigada.
embora sem se despedir de mim. — Ela falou para Jennifer, antes de sair
correndo da oficina.
polimento.
— Vou pensar no assunto. E acho que minha mãe não vai deixá-la ir.
Jennifer andava lentamente pela oficina, fazendo o que Anna mais
detestava, mexendo em tudo. Se aproximou de Anna e ficou girando uma
— Anna, tem uma coisa que quero conversar com você, desde domingo
— Diga.
— Quero.
pelo pátio de sucatas, fui atrás, o encontrei sentado num banco e você ao lado.
Conversamos, ele atirou em você pelas costas, mas não tive tempo para fazer
nada, porque ele logo me puxou pelo pescoço, tivemos uma luta, eu vi você
agonizando, estripei ele, fui te socorrer, assim que cheguei você teve uma
parada, eu fiz o procedimento de reanimação, seu coração voltou, e te levei para
Anna parou o trabalho que fazia, mas ainda ficou um instante olhando
para baixo, hesitante. Então desligou a máquina, virou-se e olhou para Jennifer.
— Obviamente.
alucinação, foi real, bem real. Estávamos na praia, eles estavam sentados na
deles, mas depois de algumas passadas não consegui mais avançar, o mar
— Oi?
em você várias vezes, por isso que você trincou três costelas, eu tentei como
pude te reanimar, mas não adiantava, era tarde demais.
voltar?
— Você já havia ido, era a única coisa que me restava fazer, eu tive que
tentar.
— Não sei, talvez não tenha mais a esta altura, mas sinceramente não sei.
— Deve ter sido uma péssima visão, não? Eu... Assim... Morta.
afogar. O corte na sua mão, foi para isso? — Jennifer desgrudou sua cabeça do
peito de Anna, a encarando.
— Foi sim.
Mas tudo que ela conseguiu foi derrubar a máquina, a bancada, e ela
própria.
— Acho que não fiquei mais forte. — Ela falava sorrindo, ainda no chão.
***
— Que trabalheira você deu, hein? Não suma mais, Anna quase surtou.
— Você não sabe a briga que comprei para trazê-la, mas usei bons
argumentos, prometi entregá-la sã e salva até uma da manhã e não permitir que
ajudando.
Jennifer.
— Claro, mas peça permissão para sua mãe e sua irmã com cara de
Anna riu.
— Você deu sorte, a maioria dos sequestros não termina bem, o refém é
Mas concordo, tivemos sorte sim. E obrigada pela força e pelas buscas.
— Anna, sei que eu tive aquele lance com Jennifer, mas independente
disso, eu admiro a relação de vocês, dá pra notar o quanto vocês se amam, e isso
é tão raro nos dias de hoje. Eu realmente torço para que vocês fiquem juntas para
sempre.
pista.
— Olha quem veio para a pista! — Jennifer disse com um sorriso aberto,
se virando em seguida.
— As garotas já começaram a te abordar?
— Eu sou um X-Men.
***
Anna riu, pegando Jennifer pelos pulsos e trazendo para perto dela.
descendo com seus beijos quentes e demorados, por fim tirando a calcinha dela.
***
— Algo me diz que você não veio aqui apenas para sexo matinal. —
— Que missão?
— É a intenção, topa?
para Hartland.
— E o que temos que fazer em Hartland, cidade que sequer ouvir falar?
— Ãhn... Quarta?
— Onze de setembro.
— E?
— Isso tudo é muito meigo, mas porque temos que ir lá? Não podemos
comemorar aqui?
— Eu sei que você estava com febre, mas você se recorda do que falei
uísque do armazém?
promessa.
— Cara, você não existe... Ok, vamos de carro, mas você vai ter que me
orientar, não faço ideia de como chegar lá, quer dizer, só sei chegar de trem de
carga.
para chegar lá. Jennifer com uma camisa xadrez vermelha e preto, Anna com
uma blusa preta, jeans e bota.
— Claro. Da outra vez você não quis me levar, preferiu Becca. — Falou
— Boa tarde, eu estive aqui um ano atrás, era você que estava atendendo,
certo?
— É bem provável que sim, eu sou a dona e já faz tempo que cuido disso
Sei que vai parecer estranho, mas na ocasião estávamos numa situação
armazém.
— Minha colega comprou algumas coisas com você, mas eu peguei dois
produtos emprestados, e vim hoje devolver, eram exatamente iguais a estes.
Desculpe ter agido desta forma, mas essa garota aqui estava com um ferimento
feio no ombro, que estava infeccionando, e graças a estes dois itens eu pude
pequeno furto.
— Vem, vamos arriscar, temos que passar pela estação e descer do outro
— Eu olhei para você, e você estava super séria, eu pensei ‘ela deve ter
se arrependido amargamente de ter nos ajudado’. — Jennifer disse.
— Não, eu estava preocupada com seu ombro. Também dei uma olhada
escurecia.
não é?
Entraram na casa, aquela mesma sala que as abrigou agora estava com
mais lixo e poeira, haviam removido a madeira das janelas. Deram alguns passos
pelo ambiente, dando uma olhada ao redor.
olhando para o canto onde elas passaram a noite, foi até ela.
— O que?
Anna soltou sua mão e ficou de frente para Jennifer, com as mãos no
bolso da calça.
— Sim. Aquela briga idiota que tivemos e que me custou um mês sem
você.
— Passo.
— Eu tenho mais amor por você agora. E eu tenho tanto, mas tanto de
você no meu coração. Você sabe disso.
— Sei. — Anna respondeu quase num sussurro, balançando a cabeça
com um sorriso leve. — E também sei que amei você desde o início.
— Mas tem uma coisa que você não sabe. — Jennifer disse.
— O que?
eu acordei. Mas fiz de conta que estava dormindo para que você não parasse de
— O que?
— Sério?
— Você sempre anda com uma. — Jennifer falou, pegando a adaga dela.
FIM
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