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ANEXO A: Texto da peça História de lenços e ventos

HISTÓRIAS DE LENÇOS E VENTOS

DE ILO KRUGLI

PERSONAGENS
Manuela
Manuel
Boneco 1
Boneco 2
Atores
Cavalo
Sapo
Azulzinha
Vermelhinha
Amarelinha
Floreado
Listrado
Transparente
Azulão
Amarelão
Alaranjado
Vermelhão
Ator
A
B
Um
Papel
Nuvem
Guarda-Chuva
Galinha
Telefonista
Rei
O Guarda
Cartaz
Soldados
Metal Mal

HISTÓRIAS DE LENÇOS E VENTOS

De Ilo Krugli
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O público vai entrando e os atores se aproximam das crianças pedindo para


eles se sentarem perto. Depois, começam a fazer entrar no palco todos os materiais
do espetáculo. Continuam as aproximações com o público, mostrando os objetos
com a preocupação de se saber qual o uso que vai se dar aos objetos do espetáculo.
Fazendo perguntas, tais como: “Será que com esses jornais velhos pode-se fazer
teatro?” “Já viu alguma história com um guarda-chuva velho?” etc. Tudo isso muito
rápido, até formar o quintal. Objetos jogados à direita, uns varais, panos grandes
pendurados etc.

Um dos atores entra com uma mala. Ela é aberta: surpresa com os bonecos
que tem dentro. Um ator diz: Vamos começar o espetáculo: Eu começo. Vocês
fazem música e batem palmas também.

MANUELA – Já começou o teatro? Ah, então vou chamar o Manuel, porque nós
sempre dançamos juntos. Ei, Manuel! (Grita) (Se escuta a voz de Manuel: “Estou
botando o nariz.” Assim vaias vezes. “Estou botando as orelhas”. “Estou botando os
sapatos” Manuel entra e se abraçam.)
MANUEL – Manuela!
MANUELA – Manuel!
MANUEL – Vamos chamar os outros.
MANUELA – Vamos! Eu vou por aqui.
MANUEL – Não, Manuela!
MANUELA – Porque?
MANUEL – Não posso dizer.
MANUELA – Então eu vou.
MANUEL – Não, não vai. (Todos pedem pra ele falar. Todo este diálogo é comentado
pelos atores que fazem música.)
MANUEL – (tremendo) Manuela, lá, os dois passos daqui...
MANUELA – Lá onde? (com muito movimento)
MANUEL- Manuela, isto aqui é o teatro e esta aqui é a longa estrada da vida que
passa pelo teatro, ou talvez a longa estrada do teatro que passa pela vida.
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MANUELA – E porque você se mexe tanto?


MANUEL – Porque estou fazendo expressão corporal, mas agora eu vou continuar
sem expressão corporal dizendo tudo em forma psicológica, dizendo tudo com o
olhar; me olha fixo Manuela.
MANUELA – Estou olhando Manuel.
MANUEL – Então vamos olhar também para o público. E nesta estrada da vida, a
dois passos daqui, que há um poço.
MANUELA – Não faz mal, eu vou.
MANUEL – Vou fechar os olhos. Não quero nem ver.
MANUELA – Um passo. (Manuel treme) Um e meio. (Manuel treme) E dois. (Cai)
MANUEL – Bem que eu avisei, e agora não posso salva-la, tenho que continuar o
espetáculo, apesar de tudo. Vou chamar os outros! (Entram o cavalo e o sapo.
Pedem música de sapo e cavalo, e perguntam aos atores que estão fora o que eles
estão fazendo.)
ATORES – Estamos fazendo teatro, ora que pergunta!
BONECOS – Então não somos nós quem vamos fazer?
CAVALO – Eu vou chamar o Manuel.
SAPO – Vamos chamar o Manuel. (Ator aparece e pede música de encontro e
desencontro. Entram de costas os bonecos.)
BONECO 1 – (Esbarrando no outro) Ah! É você.
B 2 – Sou eu, sim.
B 1 – Como?
B 2 – Que você perguntou?
B 1 – Se é você?
B 2 – E eu respondo, sou eu.
B 1 – Não. Eu sou eu.
B 2 – Não. Não você é você e eu sou eu.
Continuam, trocam de lugar depois perguntam aos atores e se confundem com nós,
vocês, nosco e vosco e vão embora aborrecidos. Entra o Manuel: procura o poço
várias vezes, por fim se aborrece com o público e diz: Agora vem o momento mais
importante do espetáculo, esta cena se chama “Manuel, o Salvador”.
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MANUEL – Vocês pensam que eu não sei onde está o poço? Sabem quem faz
poços neste teatro? Sou eu. Estudei vinte anos, sou doutor em poços. E Manuela
estudou quinze anos, é professora de caída em poços. Sobe Manuela.
MANUELA – Não posso subir, está escuro!
MANUEL - Sobe pela escada! Por favor, músicos, façam música de Manuela subindo
escada. (Se aborrece com os músicos e pede em lugar dessa música de caminhão
etc.) (Manuela sobe até aparecer a cabeça de quase anjo).
MANUEL – Sobe mais.
MANUELA – Não posso.
MANUEL – Por que?
MANUELA - Acabou a escada.
(Ele ajuda a puxa-la pra cima mas fica muito alto, puxa pra baixo fica baixo demais
etc. Manuela acaba caindo de novo no poço.)
MANUEL – Manuela, sobe pelo elevador. (Se escuta ruído de elevador e se vê
Manuela subindo através do pano). Onde você esta Manuela?
MANUELA – Estou no quarto andar.
MANUEL – Esse elevador não serve, este aqui é o quinto andar. Desce e sobe de
qualquer forma. (Ela desce e sobe segurada pela mão do titereteiro).
MANUEL – Ah, isso é “qualquer forma” Então vamos dançar. (Começam a dançar.
Entram o sapo e o cavalo; Falam ao ouvido de Manuel. A seqüência com bonecos
será interrompida porque o sapo e o cavalo convencem Manuel e os outros a não
trabalharem. O ator sai com a mala detrás do pano e diz:)
ATOR – Eles estão fechados lá dentro. Se fecharam com chave. Vamos ter que fazer
o espetáculo sem eles. Mas com o que vamos fazer o espetáculo? (Começam a
procurar até que se descobre um lenço no violão e a partir daí vão achando muitos
outros entre as roupas e os objetos e vão pendurando todos. Isto tem que funcionar
como um jogo mágico.)

MÚSICA
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Eu sou de seda
Eu sou de pano
Sou bordada de lua

Eu sou de chita
Eu sou de lã
sou dura engomada
de flor floreada

Sou uma bandeira


uma saia rodada
lencinho pequeno
de espirro e de mágua

- Era uma vez um pano vermelho brilhante


- Era uma vez um pano amarelo quadrado
- Era uma vez um quadrado de papel desenhado
- Era uma vez um desenho colorido num lenço quadrado
- Era uma vez um quadrado cheio de bolas
- Era uma vez uma bola cheia de quadrados
- Era uma vez um papelão de papel celofane transparente e era uma vez um coração
de metal
- Era uma vez, era uma vez, era uma vez...
- Era uma vez um quintal onde passavam todas as correntezas e todos os ventos
- Onde todas as chuvas, e as bolas, e todas as folhas secas, e às vezes até neve
- Era um quintal onde voavam todas as pipas e as nuvens e as borboletas e os
passarinhos e até aviões
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AZULZINHA – Ai, eu queria tanto voar!


VERMELHINHA – E eu queria voar alto com as nuvens!
AMARELHINHA – E eu queria rodar com todos os redemoinhos!
FLOREADO – E eu queria me agitar como uma grande floresta em tempestade!
LISTRADO – E eu como uma tempestade numa grande floresta!
TRANSPARENTE – E eu queria passar pelo céu como se fosse um cometa!
TODOS – DE ONDE VEM O VENTO?
AZULÃO – O vento vem do fundo do mar.
AMARELÃO – Não é do mar, não; o vento vem das montanhas altas.
ALARANJADO – Não, é das grandes cidades. Eu soube que em São Paulo tem uma
fábrica de vento.
AMARELÃO – Deve ser vento enlatado.
VERMELHÃO – O vento vem do céu. Tudo que voa anda pelo céu?
TODOS - Tudo que voa pelo céu. É, tudo que voa anda com o vento.
AZULZINHA – Ai, eu queria tanto voar! Será que tem vento hoje?
TODOS – Será que vai ter vento hoje?
AZULÃO – Não sei, hoje ainda não li o jornal. É lá que se sabe se vai ter vento ou
chuva. Mas, olha, com vento é preciso ter cuidado; tem alguns ventos muito fortes
,fortíssimos. O vento da Meia-Noite já fez voar um lençol até a Bahia. E o vento da
Madrugada levou uma telha e uma camisa ao deserto de Saara. E o vento do fim de
semana fez voar uma cama, com travesseiro e tudo.
TODOS OS LENCINHOS – Ai, que medo!
OS LENÇOS – Fiquem quietinhos e durmam, que se o vento chegar a gente avisa –
Se chegar um vento bom a gente avisa.
ATOR – Os lencinhos pequenos dormiram. Um, no chão; outro numa caixa. Um outro
junto a garrafa, outro no varal.
OS LENÇOS – Agora que estão dormindo nós vamos ter que trabalhar. Mas antes
vamos ver no jornal qual o tempo que vai fazer esta noite? Porque como
trabalhamos ao ar livre pode chover, granizar, ter tempestade. (com medo) Não
posso nem acreditar, é melhor não dizer nada...
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DIVIDIDO ENTRE OS ATORES

- (com medo) Não posso nem acreditar, é melhor não dizer nada...Eu não vou dizer
nada
- Eu não vou dizer nada; vou tirar a poeira das escada.
- E eu vou enxugar a chuva das janelas
- E eu vou tampar as fechaduras para não entrar fumaça
- E eu vou cortar as sombras das vidraças.
- E eu tirar a névoa dos telhados. (Os lenços vão embora).

ATOR – É, os lenços não querem dizer nada sobre o tempo. A gente também não vai
dizer nada, senão não vai ter graça.
ATOR – O que vem agora é muito perigoso.
ATOR – Mas vai ter tantos perigos nesta história...Para continuar contando vamos
esperar a noite.

(Começa a escurecer)
Lá vem
Lá vem a noite
e vem de capa preta
traz uma estrela grande

Lá vem
Lá vem a noite
e vem trazendo o vento
com três luas redondas
Brincando no sereno

ATOR – Onde vai você, Azulzinha?


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AZULZINHA – Vou andar pelo varal para ver se aprendo a voar. Está escuro, não se
vê nada. (entra pelo outro lado o BRANQUINHO; eles se vêem de longe e começam
a tremer assustados)
A – Quem é você?
B – Eu sou o Branquinho. Você tem medo?
A – É claro, eu pensei que você fosse o Gasparzinho, ou o Pluft, ou o fantasma da
ópera.
B – Eu sou o guardanapo do dono da casa vizinha, depois do jantar me dobraram e
me deixaram pertinho da janela. Aí eu aproveitei e me deixei cair.
A – Você sabe voar?
B – Não, e aproveito as correntezas. Mas sempre volto para a minha casa; me
devolvem quando vêem que eu tenho um monograma.
A – O que é um monograma?
B – É o nome do dono da casa. Bordadinho em letras de ponto cheio, é isso que é
monograma.
A – Eu não tenho monograma.
B – Lá em casa todos temos. Minha mãe é pano de pratos e tem até alça. Meu pai é
toalha de rosto e nele está escrito “bom-dia”. Minha prima é cortina de tergal e
balança o dia inteiro na sala de jantar. E meu avozinho é capacho e nele está escrito
“limpe os pés e seja bem-vindo” e a minha prima é fronha. Olha, eu já vou, vou
aproveitar esta correnteza, lá vou eu... (vai embora)
AZULZINHA – Eu também podia aproveitar as correntezas. Lá vem uma. (ela cai num
balde de água e sai toda molhada).
ATORES – Agora vai ser difícil, a azulzinha ficou toda molhada.

- Bota ela pra secar na corda e vamos esperar. Não. Não vamos esperar não!
- Agora podíamos fazer como se faz nos filmes: passamos pra outro lugar, fazemos
outra cena que ninguém sabe onde é, e entram personagens que ninguém sabe
quem são, e de onde vêem, é aquilo que se chama suspense! (Todos pegam lâminas
de metal e começam a fazer ruídos com a Música Medieval)
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Ele é grande, ele é forte


ele é brilante
é soldado que voa
do país distante

ele é grande, ele é forte


não tem vida nem morte
ele é grande ele é mau
ele é medieval

UM – É o vento?
TODOS – Não, é.
UM – São trovoadas?
TODOS – Não, não são.
UM – É tempestade?
TODOS – Não, é.
UM – É máquina?
TODOS – Também não. (em suspense) É gente? Não é
UM – É uma guerra? Pode ser.

- Olha, a Azulzinha já está seca. A gente continua esta cena depois.


- É. É depois que vamos continuar o suspense.

AZULZINHA – A correnteza só me fez cair no balde. É melhor esperar o vento. Será


que tem vento esta noite?
TODOS – (Como dizendo um segredo) – Tem o vento da madrugada. É o jornal deu
essa notícia. – Azulzinha é melhor você ir dormir.
AZULZINHA – EU QUERO APRENDER A VOAR...
Mas quem voa agora não é um vento qualquer, é o vento da madrugada. (Música do
vento da madrugada. Voam todos os panos e papéis)
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O vento da madrugada
nunca chega só
numa mão traz o sol
na outra um beija flor
ele é misterioso
mas não é medroso

Já fez voar um rato, um gato


uma escada, um telhado
mas que vento guloso

ele não é medroso


ele traz o sol

ATORES – O Vento da Madrugada já passou. Acabou a noite. Ele deixou o sol.


(pendura um papel com o sol)
- Será que ainda temos todos os lenços para continuar a história? Vamos ver.
- Verdinho. (recolhem os lenços e vão dando nome a eles de acordo com a cor)
TODOS – Azulzinha? Azulzinha? (chamam pra todos os lados)
- Deve ter sido o vento da madrugada.
- É, a última vez que eu a vi, ela estava no varal.
- A última vez que eu a vi, ela estava caindo no laguinho.
- Vamos ler o jornal? Deve ter notícias sobre o que aconteceu de madrugada.
(TRAZEM UM JORNAL)
- Na noite passada, repentinamente, sem avisar, nos quintais dessa cidade soprou
intempestivamente o Vento da Madrugada. O Vento da madrugada causou alguns
danos; derrubou árvores e levou para o ar folhas de papel, telhas, sinos, ninhos,
camisas e também diversos objetos não identificados.
- A Azulzinha deve estar dentre os objetos não identificados.
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- Vamos ler o resto. Pode ser que o vento da Madrugada volte com ela.
- O prognóstico para hoje e amanhã é de chuvas esparsas e ventos moderados de
norte a sul.
TODOS – Só vai ter ventos moderados... Não gosto de histórias de ventos
moderados... (Saem chateados até o fundo do quintal) É eles tem toda razão do
mundo, ventos moderados não dá, a última vez que estive numa história de ventos
moderados foi muito ruim, ou é vento pra valer, ou melhor nada.
- Mas agora é momento de fazer entrar na história um novo personagem.
- Ele não é de seda.
- Também não é de pano.
- Nem de papelão.
- Nem de papel celofane transparente.
- Nem de corda.
- Nem de metal brilhante. Ele é de jornal.
(Um ator rasga a metade de uma folha de jornal, faz uma dobra vertical para
segurar e outro pinta os olhos e a boca no papel.)

PAPEL – Meu nome é papel. Eu sei voar, andar, girar pelo ar, às vezes eu ando aos
trancos e barrancos. Eu tenho altos e baixos. Mas o importante é chegar aonde a
gente quer chegar. Eu gosto de todas as cores e as coisas deste quintal. Eu vou
procura-la. Amanhã o jornal terá notícias alegres. Hoje os ventos serão moderados,
mas eu vou conseguir voar. Eu já disse que eu tenho altos e baixos. Façam um vento
moderado para mim (os outros sopram forte) Eu disse moderado. (Os atores detrás
do varal se despedem agitando lenços) E foi assim que eu voei, voei mas no quintal
os lenços brincaram de roda como fazem todas as tardes, só que um pouco mais
tristes pois faltava a amiga deles, a Azulzinha. É quando os amigos não estão com a
gente fica bastante triste.

MÚSICA A AZULZINHA

Da cor do céu
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da cor do céu
da cor do teu olhar
a roda nasce
a roda gira
aqui no meu quintal

Se é muito azul
se é muito azul
no branco vai clarear
da cor do céu
a roda gira
aqui no meu quintal

- E o papel foi embora. Chegou outro personagem estranho. Não é do quintal. (O


Soldado Brilhante aparece; Música do soldado Medieval; voa ameaçador, inspeciona
tudo e se retira. Os lenços se escondem. Esta cena pode se repetir)
- Para onde será que ele voa?
- Para onde será que ele vai?
- E a Azulzinha, que voa sozinha pelos ares...
- Mas a Azulzinha não era a única que andava sozinha pelo ar. O papel também e a
todo mundo perguntava: Você viu a Azulzinha? E nada da Azulzinha. (Passa uma
nuvem) Ei, Nuvem, você viu passar a Azulzinha? Ela saiu voando hoje de madrugada.
Com o vento da madrugada.
- Hum, hum, não sei. Como ela é?

PAPEL – Pequena, de seda, da cor do céu.


NUVEM – Hum, hum, não sei. Acho que vi, acho que não vi. Vai ser difícil achar se
ela é da cor do céu.
PAPEL – Por que?
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NUVEM – Porque não da contraste.


PAPEL – Ah! Então vamos fazer entrar muitas nuvens para fazer contraste (entram
bandeirolas de papel de seda)
ATOR – As nuvens foram cobrindo, cobrindo, o céu foi ficando escuro e começou a
chover. O Papel foi ficando todo molhado, quase se desmanchando. Se continua
chovendo, nosso herói não vai conseguir salvar a Azulzinha. Se protege Papel!

MÚSICA DO PAPEL

Se é de papel
voa no céu
se é de metal
brilha na mão
se é de jornal
me faz chorar
não é por mal
me faz chorar

(A chuva é feita numa bacia com água e uma lata furada)

- E o papel foi se proteger noutro quintal, e nesse quintal tinha também outros
personagens que estavam voando no céu, sozinhos.
A GUARDA CHUVA – Que tristeza, ai, estou toda quebradinha! Solta, desmanchada,
desparafusada. Esse vento da madrugada quase me mata! Vou dar um telefonema e
entrar para conserto. (Se arma um telefone com duas latas e cordas segurado de
cima por duas pessoas.)
PAPEL – Me ajude, deixa eu ficar aqui, senão essa chuva me desmancha, também
não vou conseguir achar a Azulzinha.
GUARDA CHUVA – Você está muito molhado, fica aqui até a chuva parar. Eu vou dar
um telefonema. Alo, alo. É do Observatório.
GALINHA – É sim do Observatório.
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GUARDA CHUVA – Quem é que fala.


GALINHA – A Galinha Observatriz!
GUARDA CHUVA – A Galinha! Você está observando tudo direito.
GALINHA – Estou observando tudo, mas quem é que fala.
GUARDA CHUVA – Sou eu a guarda-chuva.
GALINHA – Como vai...
GUARDA CHUVA – Muito mal o Vento da Madrugada quase me mata, estou toda
desparafusada.
GALINHA – Que pena.
GUARDA CHUVA – Olha aqui, a chuva vai continuar muito tempo?
GALINHA – Estão anunciadas chuvas intensas no período.
GUARDA CHUVA – E que é que eu vou fazer?
GALINHA – Eu posso te ajudar, assim que a chuva parar eu telefono e aviso.
GUARDA CHUVA – Obrigada, me telefona. (para a telefonista) mande a conta para o
quintal. Papel a gente vai voar ainda um pouco até a chuva passar.
ATOR – A chuva parou?
ATOR QUE FAZ A CHUVA – Já parei!
GALINHA – Alô, alô! Quer chamar a guarda chuva.
TELEFONISTA – Alô, quer falar com Guarda Chuva de que?
GALINHA – Com o Guarda Chuva Fonseca.
GUARDA CHUVA – Ah, sou eu mesma. Alô, alô! Quem é que fala.
GALINHA – Sou a Galinha Observatriz. Boas notícias pra você.
GUARDA CHUVA – Boas notícias. Quais?
GALINHA – A chuva já parou.
GUARDA CHUVA – Parou, eu não tinha reparado, obrigado, obrigada, você é muito
eficiente, você é muito gentil.
GALINHA – Não tem porquê. Lembranças para sua família.
GUARDA CHUVA – Igualmente. (para a telefonista) Ela é muito educada, muito
gentil! Papel, agora você continua sozinho, mas quando você quiser volta aqui no
meu quintal.
PAPEL – Adeus, guarda-chuva, obrigada pela sua ajuda.
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GUARDA CHUVA – Nós somos teus amigos.


ATOR – E o Papel começou a subir, a subir. Cada vez mais alto, e as nuvens
passavam, mas sem ninguém. De repente viu lá de cima, dormindo esticada numa
nuvem, a Azulzinha.
PAPEL – Azulzinha!
AZULZINHA – Quem me chama!
PAPEL – Sou eu, Papel, do jornal lá do quintal. Volta, vem comigo. Os outros estão
muito tristes desde que você saiu de madrugada.
AZULZINHA – Ah, eu estou aprendendo a voar.
PAPEL – Não vai longe, não. A gente pode voar por cima do quintal.
AZULZINHA – Ah, não quero voltar ainda. Olha, lá no horizonte vejo a cidade
brilhante; eu quero ir até lá. (aparece um Soldado Voador. Música do Soldado
Medieval)
PAPEL – Já sei quem era ele! Ele é lá da cidade brilhante, da cidade Medieval.
Cuidado Azulzinha, cuidado! (O soldado rouba a Azulzinha) A Azulzinha foi roubada!
(chega uma nuvem fazendo barulho de carro)
PAPEL – Este aqui é um personagem tecnológico. Que número você é?
NUVEM – 123. Circular quintal-cidade medieval.
PAPEL – Ah, então me leva até a cidade medieval.
ATORES – E o ônibus levou o Papel até a cidade Mediveal
- A cidade Medieval é uma cidade brilhante, linda, de metal e cristal. Lá dentro é
tudo arrumado, tem o Castelo medieval; la mora o rei Metal Mal.
- Vocês têm que ver: é tudo certo e arrumado. Não é como o quintal. Nem os ventos
entram lá.
- Faz muito tempo que lá nada muda, tudo é igual, tem um grande tédio, um tédio
Medieval.
(Aparece a cidade. O Rei Metal Mal anda em linha reta, marcando ângulos, cruzando
com seus soldados. Chega o Soldado e deixa a Azulzinha em frente do Rei.)
AZULZINHA – O senhor é que é o Rei desta cidade? Sabe que eu gostei dela de
longe agora eu gosto muito mais. Eu só não gostei foi ser roubada pelo seu soldado.
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REI – Ele deve ter confundido com algum inimigo. Meus soldados são obedientes e
não deixam ninguém se aproximar desta cidade. Mas você pode ficar tranqüila,
alegre, satisfeita.
AZULZINHA – Eu já estou muito alegre, estou morrendo de alegria.
REI – Você será muito bem tratada. Poderá andar por toda a cidade e morar no
Castelo Perfeito, sem perigos.
AZULZINHA – É bonito o Castelo! É tudo tão perfeito!
REI – É bonito, perfeito, e sem perigos. Aqui ninguém entra: nem pássaros, nem
ventos, em papéis, nem nuvens, nem nada. Só você.
AZULZINHA – Nem pássaros, nem nuvens, nem ventos?
REI – É, só você! Sabe, eu vou casar com você!
AZULZINHA – Casar comigo!
REI – É você vai ficar aqui. Para sempre.
AZULZINHA – Mas ficar aqui, sem voar, sem nunca mais voltar ao quintal?
REI – Isso mesmo, mas vou organizar antes um grande torneio. Nenhum cavaleiro
que se preze, ou rei, ou sei lá, pode ganhar sua dama sem lutar. Ah, é claro que aqui
na cidade Medieval ninguém será mais forte nem tão perfeito guerreiro como eu.
Soldados, tragam todos os lenços de todos os quintais. Assistirão ao torneio e depois
ficaram com a Azulzinha e se transformarão em bandeiras da Cidade Medieval!
O GUARDA – (anuncia) Por ordem do Rei Metal Mal do Castelo Perfeito. Todos os
lenços de todos os quintais terão de se apresentar e entrar na caixa Estratosférica,
para dirigir-se nela até a Cidade Medieval. (música suave) “Eu sou de seda...” (Desce
uma caixa de papelão e todos os lenços são guardados nela, que novamente é
subida até o alto. O papel chega na cidade e fala com um cartaz pendurado na
porta.)
PAPEL – Posso entrar?
CARTAZ – Aqui você não entra. Aqui só entram os moradores do Castelo Perfeito,
quer dizer os perfeitos do castelo perfeito.
PAPEL – E você? É também perfeito?
CARTAZ – Ah, eu sou um cartaz. Um cartaz giratório. Anuncio o próximo torneio,
onde o Metal Mal vai ganhar a Azulzinha para casar.
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PAPEL – Ah, é? Então vou lutar, vou participar do torneio e levar a Azulzinha para o
quintal.
CARTAZ – (rindo) Você não é medieval, você não tem armadura, nem cavalo, nem
escudo.
PAPEL – É, não tenho, não sou, não sei lutar...
CARTAZ – E ainda que tivesse tudo isso, você não entraria. Aqui só entra metal,
cristal, ouro, prata, seda, renda, veludo, brilhantina, purpurina, lamê, laquê, acrílico.
É melhor voltar.
PAPEL – (falando para si mesmo) É melhor voltar. Sou apenas um papel.
OS OUTROS – Não, não volta, trata de falar com ela aqui de fora.
PAPEL – Mas como ela vai saber que eu estou aqui fora?
OS OUTROS – A gente canta, a gente toca música do quintal, ela escuta e aparece.
(Tocam e cantarolam da Cor do Céu)
PAPEL – (olha para todos os lados enquanto ela não aparece) Ela não aparece, ela
não escuta!
AZULZINHA – (na janela) Papel!
PAPEL – Azulzinha, você se lembra de mim? Você não se esqueceu?
AZULZINHA – Eu me lembro, eu me lembro! Você é o jornal lá do quintal!
PAPEL – Azulzinha, desce que eu quero falar com você. (Azulzinha desce, usa uma
corda como escada, mas fica do lado oposto do Papel). Azulzinha, eu vou te salvar.
AZULZINHA – Agora vai ser muito difícil. E para que voltar ao quintal? Os outros
lenços estão aprisionados lá na Caixa Estratosférica. Serão bandeiras, cortinas,
toalhas, tapetes, nunca mais voaram. Nunca mais vão chegar com as ventanias e o
ar. Volta, Papel, já está escurecendo e acho que o tempo vai esfriar.
ATOR – E o Papel foi embora. Será que volta sozinho para o quintal? Eu estou muito
preocupado com o fim desta história: A Azulzinha ficará para sempre no Castelo
Medieval? E vejam o que está dizendo o Rei Metal Mal aos seus soldados.
REI – Soldados, amanhã será o torneio. Temos que limpar, ordenar, arrumar a
Cidade Medieval. Que tudo brilhe, que tudo seja duro, firme e espelhado. Que não
fique em volta do castelo nenhuma folha seca, nenhum papel velho.
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SOLDADOS – As ordens serão cumpridas, vamos já! (Os soldados saem limpando
tudo. O papel passa voando e eles tentam pegá-lo, desaparecem todos. Parecerá
que o Papel foi aprisionado, mas ele volta e chama os amigos).
PAPEL – Guarda-chuva, Galinha Pintada, Violão, me ajudem, estou muito triste. Os
guardas estão queimando todos os papéis em volta do castelo e eu queria voltar ao
quintal, mas estou cansado.
TODOS – Fica aqui descansando, nós vamos vigiar. (Os amigos ficam vigiando, mas
um soldado pega o Papel e o queima. O soldado vai embora).
ATORES – Cuidado! É tarde demais...
– E agora? Queimaram o papel. A Azulzinha ficou lá na Cidade Medieval e o quintal
ficou sem cores, sem lenços. (Um dos atores fala com a mala de bonecos) Estão
vendo? Tudo por culpa de vocês. Se não fossem vocês nós teríamos aqueles
espetáculos bonitos e fizemos esta história triste. Tudo podia ser mais alegre.
- Você acha que é tão triste?
- É sim, porque o Papel foi destruído e não sabemos como vai ser o final.
- Eu acho que a história acabou, (Ao público) Podem ir embora.
- Assim deste jeito acabou. E não é a primeira vez que a história deste jeito.
- Mas quem é que está inventando esta história? Não somos nós? Quem foi que fez o
Papel? Não foi a gente?
- É, eu dobrei o papel.
- Eu pintei os olhos e a boca.
- Então trás os jornais, vamos fazer um papel muito melhor. Muito mais forte.
- É que ele vai ter que participar do torneio, bota corpo, bota mãos, e um coração
transparente de celofane, para que se veja tudo que se passa dentro.
- É melhor botar um também de metal, já que ele vai lutar contra o Metal Mal! E por
baixo com celofane e por cima um de metal. (Toda esta ação deve ser realizada
procurando que seja ampliada a discussão com o público). Essa lata vai ser o elmo!
PAPEL – Obrigada, vou salvar a Azulzinha! E o meu cavalo?
- Nem de cavalo, nem de ônibus ele chegaria, pois o torneio vai ser hoje, ele tem
que ir voando.
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ATOR – Espere aí, tive uma idéia! (Para o público) Os guardas guardaram o lenço lá
em cima, lá na Caixa Estratosférica.
- A gente faz um vento da madrugada. E faz jogar, sair e desamarrar. (Soltam a
Caixa Estratosférica e fazem cair os lenços)
- E agora faremos um cavalo.
- Não, um camelo.
- Um besouro eletrônico.
- Um tigre de oito patas.
- Um leão voador.
- Não, é melhor um dragão de cores. Um dragão de cores e amores. (Fazem um
dragão cantando a Música do Dragão com todos os lenços presos num pano com
pregadores de varal e uma máscara no meio com formato de dragão).

Vamos fazer um dragão


de muitas cabeças
para poder esta história terminar
uma cabeça, oito cabeças
dez cabeças, doze cabeças
chega, já é demais.

Vamos fazer um dragão


de uma cabeça
com um par de asas lindas para voar
quatro asas, sete asas, oito asas, vinte asas
chega, já é demais.

Vamos fazer um dragão


de uma cabeça
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com um par de asas lindo para voar


oito pontas, doze pontas, quinze pontas, vinte pontas
chega, já é demais.

Vamos fazer um dragão


de uma cabeça
e um par de asas lindo para voar,
dez pontas, muitas cores,
língua de fogo, mil calores
chega, já é demais.

ATOR – E o Papel, com esse elmo, com esse coração, montado num dragão voltou
para a Cidade Medieval para tentar salvar a Azulzinha.
CARTAZ – Quem é você?
PAPEL – Papel Coração de Celo... Quase que eu digo, Papel Coração de Metal. (Para
o público) Mentira, meu coração é de papel de celofane mesmo.
CARTAZ – Pode entrar e esperar que comece pelo torneio.
METAL MAL – É dia do torneio e ainda não se apresentou ninguém para lutar
comigo, já estão todos com medo de mim! Há,há,há. Mas ei de lutar e ganhar como
Rei e Cavaleiro Medieval que sou. Se for preciso, lutarei contra minha própria
sombra.
(Um ator bota uma máscara de metal e segura uma trombeta com estandarte).
CARTAZ – Hoje, aqui neste lugar na grande Cidade Medieval, o grande Rei Metal
Mal, do Castelo Perfeito, lutará com o primeiro cavaleiro que se apresentar. O
vencedor casará com a Azulzinha do quintal.
ATOR – Primeiro cavaleiro.
CARTAZ – Não tem!
ATOR – Segundo cavaleiro.
CARTAZ – Não tem!
ATOR – Terceiro, quarto etc etc etc.
CARTAZ – Não tem!
127

REI – Eu acho que vou lutar com a minha própria sombra. Preparem-se todos,
toquem os tambores que o torneio vai começar. Em guarda, minha sombra, ei de
vencer ainda que te perca. Toma, toma! (Luta com sua sombra. Aparece a sombra
do papel). De quem é essa sombra que aí se apresenta?
PAPEL – Essa sombra é minha.
REI – Quem é você?
PAPEL – Eu sou o Papel Coração de Celofane.
REI – Ousas me enfrentar?
PAPEL – Eu não, é a minha sombra que ousa. (As duas sombras lutam, a do Papel
vence e desaparece a sombra do Rei. Isto se fará com dois refletores apagando-se a
sombra do Rei)
REI – Minha sombra foi vencida, estou sem sombra. Agora lutarás com os meus
soldados.
PAPEL – Eu não, meu dragão é quem vai lutar!
(A luta começa e o dragão vai vencendo todos os soldados. Música do Dragão)
PAPEL – Ainda queres continuar a luta comigo? Já estás sem soldado, sem sombra.
REI – Eu sou apenas um boneco, um rei de Metal, eu deixarei sair a Azulzinha, mas
deixe-me ficar aqui no meu castelo.
ATORES – Mas longe do quintal! Bem longe do quintal. (Procura a Azulzinha)
Azulzinha! Azulzinha!
AZULZINHA – Papel!
PAPEL – Azulzinha, a gente vai voltar para o quintal!
AZULZINHA – Com o vento da madrugada!
ATOR – Não, com o vento do Pólo Norte.
- Com o vento da manhã.
- Com o vento de todo mundo!
TODOS – Com o vento de todo o mundo! (Acaba o espetáculo misturando duas
músicas: Primeiro Tempo de lenços e ventos e a segunda Se é de papel.)

Tempo de lenços e ventos


128

Tempo de lenços e ventos


São muitas histórias contadas
Ai! Bate no bumbo bumbo
É tempo de lenços e ventos
Ai! Treme e respira violão

Roda roda – Moinho


Roda roda – A Cor
Roda roda – A cantiga
Roda roda – Amor

É tempo de lenços e ventos


Ai! Bate cora – Coração
Não é máquina é gente que canta
Ai! Treme e respira violão
129

ANEXO B: Ficha técnica da primeira montagem de História de lenços e

ventos (1974)

HISTÓRIA DE LENÇOS E VENTOS

Autor: Ilo Krugli

Direção geral: Ilo Krugli

Cenários e figurinos: Ilo Krugli

Músicas: Beto Coimbra e Caíque Botkay

Direção musical: David Tygel

Elenco: Alice Reis, Arnaldo Marques, Beto Coimbra, Caíque Botkay, Ilo Krugli, Richard

Roux, Silvia Aderne, Sylvia Heller

Produção: Teatro Ventoforte Ltda.

Data de estréia: fevereiro de 1974 no Festival de Teatro Infantil de Curitiba.

Temporada de estréia no Rio de Janeiro na sala Corpo/Som do Museu de Arte

Moderna/MAM

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