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DOIS CORAÇÕES E TRÊS SEGREDOS – BETO ANDRETTA E LILIANA

IACOCCA
(O verso abaixo vem escrito num grande cartaz. O narrador atravessa a cena
mostrando o cartaz e declama o verso).

Narradora – Nossa história aqui começa com Manoela apaixonada. A patrona Joana
ruim, doida e malcriada. A disputa por Manoel e um casamento marcado.

(Entra Manoela varrendo o chão , ela está trabalhando na loja de dona Joana
enquanto canta uma canção).

Manoela- Como é bom deixar tudo brilhando. Dona Joana embora seja a patroa, tem
que concordar eu fiz agora tudo brilhar!

(Entra dona Joana)

Dona Joana– Manoela, sua desastrada, você não é boa varredora. É assim que varre o
chão da sua patroa? Ô servicinho sem-vergonha, coisa ruim de dar dor. Eu não quero
explicação. Vai varrer tudo de novo senão quer minha punição.

(Dona Joana sai esbravejando).

Manoela– Eita mulher mal criada. Só porque é minha patroa. Não precisava por isso
falar desse jeito, parece mais uma leoa! Vou limpar tudo de novo mas não acho certo
não. (voltando a trabalhar). Mas agora, eu só consigo pensar no meu Manoel, minha
grande paixão.

(Entra Manoel, dona Joana espia em um canto).

Manoela (de braços estendidos)- Ohhhh...Manoel!

Manoel – Ohhhh...Manoela, eu tava agorinha pensando em ti.

Manoela- A gente não pode ficar muito tempo, a patroa pode aparecer, mas,
pensando em quê?

Manoel – Pensando na vontade danada que eu tenho de casar com você.

(Manoela abraça Manoel. Dona Joana continua escondida).

Dona Joana – Eu fico danado vendo esses dois se namorar. E eu vou fazer de tudo pro
namoro não vingar. Se eu não casar com ele, ninguém mais vai casar. Há...há...há...

Manoel – Então você casa?

Manoela – Caso!
Manoel e Manoela (juntos)- Vamos já nos preparando e o casamento marcar.

Manoel – Vou falar com o padre Bento. Vou marcar o dia e a hora. De pensar eu já não
aguento e queria que fosse agora.

Manoela – Meu coração já treme, não suporta mais demora. (saem)

Dona Joana – Eu não vou permitir isso. Te esconjuro maldição! Te dou tudo o que
quiseres pra impedir essa união. Que Manoel seja meu quer queira quer não. Te dou
terra e plantação e se não for o bastante dou também meu coração.

(Entra a narradora segurando um cartaz)

Narradora- Nossa história continua, com os noivos, padre Bento, muita gente
convidada pra assistir o sacramento e uma figura estranha que estraga o casamento.

(Entram os convidados do casamento o padre, a morte e em seguida os noivos).

Padre- Abençuadus casamentus. Sagradorum matrimonium. Celebratus est


momentus. Para sempre est agorium.

Manoel – Mas seu padre, eu não entendo todo esse latinorium.

Padre – Pois não, claro, desculpe. Só que antes de eu vos juntar meu ofício me obriga
aos presentes perguntar: Tem alguém neste momento que tem algo pra falar?

(A morte levanta-se).

Morte – Eu seu padre miserável vou impedir esse casamento. Vou levar comigo o
noivo e sumir em meio ao vento, para nunca mais ser visto por aqui em nenhum
momento. E vocês vão levar muita pancada porque eu gosto de bater. (põe a máscara
de caveira) Sou a morte, eu sou malvada, sou feia de doer.

(Todos saem correndo assustados de cena enquanto a morte agarra Manoel pelo
braço e saí pelo outro lado. Depois entra a narradora com um novo cartaz).

Narradora – Essa parte da história conta da Manoela procurando Manoel muito


desesperada. Até que alguém aparece para ajudar a coitada.

(Entra Ofélia uma anciã muito sábia e para de costas para o público. Logo em seguida
entra Manoela muito triste).

Manoela – Manoel, Manoel! O que foi que aconteceu? Por que a morte sem vergonha
te levou e não devolveu? Eras tudo o que eu tinha meu amor e sonho meu.

(Manoela nota a presença da anciã)

Manoela (emocionada) – Manoel, Manoel...


Ofélia – O que é isso, ô menina? Não consegues enxergar? Tantas lágrimas nos olhos
confundiu teu olhar? Eu sou a velha Ofélia e estou aqui para te ajudar!

Manoela (gaguejando) Des...des...cul...cul...pe

Ofélia – Calma menina. Eu sei o que aconteceu. Foi a dona Joana tua patroa que com a
morte se meteu. Fez aliança com ela e a confusão se deu.

Manoela- Então foi a dona Joana, que criou essa confusão? Ela que chamou a morte
pra roubar minha paixão? Se passar na minha frente vou arrancar-lhe o coração!

Ofélia – Tua fúria só piora a situação...

Manoela – Mas me fala, seu eu mereço! Diz qual é a solução, a senhora parece tão
sábia.

Ofélia – Então ouça bem ouvido o que vou te pedir. Se você é bicho inteligente já vai
tudo descobrir e salvar teu Manoel . Aqui está a primeira coisa que você tem que
arranjar: É a parte de uma ave que não pode mais voar, porque anda com o índio que a
leva para dançar.

(Ofélia vai embora Manoela anda de um lado para o outro impaciente).

Manoela – Ave que não pode voar? Índio que a leva para dançar? O que será que ela
quer? (Tendo uma ideia) É uma pena! É uma pena que tenho que encontrar! Então já
sei onde procurar. (saí)

(Música para a festa dos caboclinhos, eles entram dançando, Manoela observa a festa
no canto. Quando a música para todos os índios notam a presença de Manoela e
ameaçam ela com suas lanças gritando sons de guerra).

Manoela (de joelhos) Não façam nada, por favor!

India 1- Impostora! O que está fazendo por essas bandas? Não sabe que aqui não é
lugar para você?

India 2 – O que veio fazer aqui? Não queremos conversa com você! E se insistir há de
morrer!

India 3- Parece que ela está com medo! Vamos deixa-la falar. Não parece que ela
quer briga.

India 4 – Não! Ela entrou sem pedir licença, tem que ter uma boa explicação se quiser
a salvação.

India 5 – Isso menina, vá se explicando, não se entra em terras alheias para ficar
bisbilhotando. O que está pensando?
India 6 – Vou contar até três senão quiser morrer vá embora de uma vez! Um, dois...

Manoela – Tudo bem, tudo bem. Nesse caso, me deixem ir embora, por favor! Eu só
queria salvar o meu amor.

Indias (Todos) – Salvar o seu amor?

Manoela – É. É uma longa história. No dia do meu casamento a morte apareceu e


roubou meu Manoel ai...( todos eles fazem pose de quem estão cochichando enquanto
uma música toca).

Índias (todos)- Ahhhhhhhhhhh.

Índia 1 - Olha, na minha vida inteira nunca ouvi uma história tão cabeluda dessas!

India 2 – Nesse caso, tome uma pena minha. Boa sorte e tenha cuidado.

India 3 – Mexer com a morte as vezes não da bom resultado.

India 4 – Se precisar chame nossa tribo, venha a nós correndo, vamos estar aqui por
você torcendo. Mas cuidado no caminho.

India5 –Espero que está pena te ajude mesmo!

India 6 – E desculpe a recepção, nós índios geralmente somos pacíficos e amigos dos
visitantes, é que você nos assustou...

India 1 – É, agora desejamos toda sorte do mundo com seu amor.

India 2- E se tiver casório, queremos ir à festa!

Manoela – Muito, muito obrigada! (Sai)

(As índias começam a cantar e a dançar e assim saem de cena. Entra Ofélia e em
seguida Manoela).

Manoela (mostrando a pena)- Minha velha. Eu consegui! Aqui está o teu pedido.

Ofélia (conferindo) – Isso mesmo menina. Já ta tudo conferido.

Manoela – Então o que eu faço com isso pra ter tudo resolvido?

Ofélia – Na hora certa você saberá. Mas tem uma segunda coisa que tem que arranjar.

Manoela – Mas me fala, se eu mereço? O que devo procurar?

Ofélia – Esta aqui não é difícil. Vem do boi, mas não é chifre, não é rabo, não é pé.
Vem de dentro, mas não é tripa. Só se ouve e não se vê. (Sai)
Manoela – É uma coisa que não dá para olhar e só se consegue escutar. O que será
que o boi tem que só se ouve e não se vê? (tendo a ideia) Ahhhhh já sei! É o mugido!
Então vou procurar esse boi.

(Escuta-se a música do bumba-meu-boi, ele entra em cena rodopiando e dançando


acompanhado por um cortejo. Manoela entra em cena, acompanha o cortejo e quando
a música para, tira do bolso a caixinha de fósforos, como se fosse um gravador. Fica na
frente do boi e pede para ele mugir).

Manoel – Muja boizinho, muja!

Boi – Muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu....

(Manoela abre a caixinha, põe na frente do boi e fecha. Fica experimentando várias
vezes, abre e fecha enquanto o boi muge. O boi e o cortejo saem de cena dançando. A
velha Ofélia aparece).

Manoela – Olha dona Ofélia, eu consegui, aqui está o seu pedido.

Ofélia (abrindo e fechando a caixinha)- Isso mesmo menina, está tudo conferido.

Manoela – Então o que eu faço com isso pra ter tudo resolvido?

Ofélia – Na hora certa menina, saberá! Mas uma última coisa você tem que arranjar.

Manoela – Mas me fala se eu mereço o que devo procurar?

Ofélia – Vem das ondas, vem do mar o meu último recado. Pede para um marinheiro
que explique bem explicado como é que ele faz para atar o desatado. (Sai)

Manoela – Onde será que está esse marinheiro que ata o desatado? No meio do mar?
Namorando o luar? O que ele tem que me ensinar? Ahhh, dá até nó na cabeça de
tanto pensar! (PAUSA) É isso! É um nó que ele tem que me ensinar a fazer. (sai de
cena).

(Entra em cena cantando e dançando um grupo de marujos com espadas na mão, logo
em seguida, Manoela se junta a eles com uma corda na mão).

Marinheiro 1- Então você quer aprender como se faz um nó?

Manoela – É eu preciso.

Marinheiro 2- Nós temos muito trabalho, menina! Não podemos perder tempo, temos
que sair para o mar e chegar antes do anoitecer.

Marinheiro 3- Vamos embora gente! Temos um novo barco para manobrar.

(Todos começam a sair)


Manoela – Por favor...

Marinheiro 4 – E a gente pode saber o porquê você quer aprender a fazer um nó?

Marinheiro 5 – Espero que seja uma boa história para que nosso tempo não seja
totalmente perdido.

Marinehiro 1 – Se for para maltratar alguém eu não ensino.

Marinheiro 2 – Se for para laçar boi eu também não ensino.

Marinheiro 3 – Se for para falar que marinheiro não sabe dar nó depois, eu não
ensino.

Marinheiro 4- Marujos! Deixe a menina falar. Ela não tem cara que quer aprender a
dar um nó para maltratar alguém, deixe ela se explicar.

Marinheiro 5 - Então come a explicação menina, que história é essa hein?

Manoela – A morte roubou o meu amado no dia do meu casamento. Foi uma situação
de dar dó. Ela apareceu para gente com aquela cara feia e azeda e só sei que para eu
tê-lo de volta preciso aprender a dar um nó. Agora se não podem me ajudar eu vou
embora, tenho muito que caminhar...

Marinheiro 1- Em todos esses anos de navegação nem história de pescador teve


tamanha emoção.

Marinheiros (todos) – Se é para seu amor voltar, você vai aprender um nó difícil de
soltar!

(Enquanto uma música toca Manoela dá a corda para um dos marinheiros que com
gestos mostra como é feito o nó, depois os marinheiros saem de cena. Entra a Velha
Ofélia).

Manoela – Olha só Ofélia, eu consegui. Aqui está o teu pedido.

Ofélia – Isso mesmo menina! Já está tudo conferido.

Manoela – Então o que eu faço para ter tudo resolvido?

Ofélia – Na hora certa com certeza saberás! Agora segue teu caminho sem medo de
errar. (Sai)

Manoela – Mas me fala, se eu mereço, e o Manoel quando vou encontrar? (Sai)

(Entra a narradora)

Narradora – A Manoela aqui continua a seguir sua jornada para ver se ela encontra
Manoel o seu amado, mas o encontro será outro em uma festa animada.
(Música, todos os atores com exceção de Manoel e dona Joana entram em cena
dançando. Manoela com a pena, a caixinha de fósforos no bolso e a corda pendurada
no ombro chega ao baile e fica observando a dança. O volume da música diminui).

(O moço bonito que é a morte se aproxima de Manoela a música para).

Moço – O que há, moça tristonha, o forró não está agradando?

Manoela – Não é isso não seu moço, mas desculpe, eu vou andando.

Moço – Não vai não! A festa está só agora começando. Eu já te vi em algum lugar.

Manoela – Me desculpe estou com pressa, tenho alguém pra procurar.

Moço – Então deixa só um pouquinho tua pena eu tocar.

(Manoela falando com o público)

Manoela – Por que será que ele gostou da pena? O que será que ela está querendo de
mim? (para o moço) Se gostou dessa pena, deves ter uma razão.

Moço – Não, não tem razão nenhuma. É só grande atração.

Manoela – Então fica a vontade, não precisa de explicação.

(O moço bonito pega a pena passa suavemente no próprio rosto, no pescoço e faz
expressões misteriosas).

Moço – Eu gostei de ti, ô moça, até te namoraria.

Manoela – Um moço tão bonito...é verdade? Quem diria. (para o público) Aqui tem
coisa! Será que é a morte que levou meu Manoel?

Moço (satisfeito com a pena ) – Hummmmmmmmmmm...

Manoela – Então tenho outra coisa que acredito que vais gostar.

Moço (Animado) – É verdade? Então me mostra, que estou louco para provar.

Manoela (tira a caixinha de fósforo do bolso) – Está nessa caixinha, mas é coisa para
escutar.

(Manoela abre a caixinha, ouve-se o barulho. O moço começa a tremer, mexer os


braços, os olhos, a boca. Manoela abre outra vez a caixinha e o moço se contorce
todo, faz expressões horríveis com o rosto e por fim coloca a máscara da morte que
estava escondida em sua roupa e vira de frente para Manoela com o dedo apontado).

Morte – Ah, sua peste, como ousas me desafiar? Podes entregar tua alma, que já vou
te matar.
Manoela – Então, ouve e vamos ver se este som vais aguentar.

(Manoela abre toda a caixa e a morte fica paralisada, enquanto isso ela aproveita e
amarra a morte com o nó de marinheiro que tinha aprendido).

Manoela (Comemorando) – Consegui amarrar o nó!

(Quando o mugido para a morte se debate).

Morte – Me solta, me solta! Traidora!

Manoela – Onde Manoel está? Fala senão abro esta caixa pra sempre...

Morte – Não! Chegaaaaaaaaaaaaa! Eu entrego Manoel. Mas não diga uma coisa
dessas! Me solta depois eu conto.

Manoela – Eu vou soltar o nó, desatar o que está atado. E o Manoel quero ver
inteirinho do meu lado e depois, cada um por si e assunto encerrado.

(Enquanto ela desamarra a morte, Manoel, com o corpo todo coberto por um pano
branco transparente entra em cena e lentamente se aproxima de Manoela. Logo em
seguida chega dona Joana, transtornada de raiva).

Dona Joana – Sua morte mentirosa! Cara dura de marfim. Entregastes Manoel que tu
prometestes a mim. Não se faz isso comigo. Está querendo o meu fim?

Morte – Nada disso, dona Joana, não precisa me xingar, pois agora dou certeza, sem
amor não vai ficar. Se perdeste Manoel, tens a mim para amar.

(Dona Joana sai correndo, assustado e a morte atrás dela).

Morte – Eu te amo! Eu te amo!

(Manoela tira o pano que cobre Manoel e emocionados os dois se abraçam).

Manoel – Oh, Manoela minha rainha! Que saudade dentro do meu peito eu sentia.
Não via a hora de te ver. Quero que você me conte tudo o que passou porque estou
sem entender.

Manoela – Por enquanto eu só quero é contigo me casar, para ter a vida inteira nossa
história para contar. Pois o amor sempre consegue sobre a morte triunfar.

(Abraçados, os dois saem de cena).

Narradora – Teve um final feliz essa história tão sofrida, com os noivos festejando pois
a morte foi vencida! Tanto amor, tanta poesia, vai durar por toda a vida!

(Música. Todos os personagens continuam a festa, depois entra Manoel e Manoela.


Todos fazem uma roda em volta do casal).

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