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Hotel Califórnia

Alfredo Zaragoza vivia em Tijuana com seu pai Marco desde a morte de sua mãe
Antonieta. Moravam em uma cidadela próxima a capital. A vida na cidade grande
não era fácil, a periferia continuava sendo assombrada por traficantes e facções
rivais que controlavam o narcotráfico na fronteira.

Aos 12 anos, Alfredo ganhou um violão de seu pai, foi o presente mais caro que já
ganhara, logo aprendeu a tocar e tratou de ajudar seu pai com os afazeres. Marco
era garçom.

Os anos se passaram, a situação da família melhorava à medida que piorava, o


menino sempre tocava no mesmo local que seu pai trabalhava.

Um dia chegou uma mulher no estabelecimento, não era uma qualquer, ela sentou-
se na mesa 66 e solicitou atendimento. Infelizmente Marco era o garçom mais
próximo naquele momento. A moça, loira, alta, americana provavelmente, falava um
péssimo espanhol, estava nervosa, não se sabe ao certo o porquê, mas notou-se
que ela trocava olhares com outra do outro lado do bar. Ao receber o pedido, a loira
ficou ainda mais furiosa, disse que não era aquilo, atirou os pratos ao chão, delatou
o infrator ao garçom e disse para que esse tomasse alguma providência:

“Não se devem empregar pessoas desse tipo, sugiro que o expulse daqui
imediatamente”.

Acontece que o bar era frequentado por Marias e Patrícias da alta sociedade, um
boteco para burgueses, e a clientela vinha basicamente do outro lado da fronteira.
Marco era mal visto por toda aquela gente por ser latino-americano, e precisava de
só de mais uma ocorrência para perder o emprego, que não tardou para acontecer.

Tudo aconteceu ao fim da tarde, Alfredo estava na escola, e iria ao trabalho assim
que saísse. Ele e seu pai se encontravam no bar, saíam de manhã e se viam
novamente por volta das seis. Mas naquele dia, Alfredo não viu seu pai, pensou que
estivesse na cozinha e tocou o barco adiante.

No fim do expediente, seu pai o chamou na porta do bar e foram para a casa. No
caminho o pai explicou que perdera o emprego e que não queria expor o filho
àquele tipo de problema, embora Alfredo não aparentasse ser filho de mexicano, às
vezes era até paparicado por algumas gran – finas que frequentavam o boteco. Elas
apresentavam uma vida meramente satisfatória para o moleque, era algo realmente
desejável para um quase favelado.

Depois do papo, Alfredo convenceu o pai a deixar que continuasse a tocar para as
madames, tinha quinze anos, já sabia tomar suas próprias decisões. O pai
concordou, dizendo que rapidamente arranjaria outro emprego, mas isso nunca
aconteceu.
Todos os dias, salvo os fins de semana, o garoto acordava, ia à escola, de tarde
estudava também, queria ser jogador de futebol ou doutor, estava indeciso, tocava
só como um hobbie e fonte de renda à noite, principalmente agora que era ele
quem sustentava a casa. Sempre que chegava seu pai estava dormindo, sempre
que saía seu pai estava dormindo.

Passados alguns meses, um pouco mais de um ano, e a rotina continuava a


mesma, Alfredo só via o pai em pé aos fins de semana, mas um dia chegou em
casa e estava acordado, deitado no sofá, seus olhos rajavam um vermelho
fortíssimo, a casa fedia a colitas, o garoto sem entender questionou se o pai queria
continuar às custas do filho, enquanto um se matava o outro também se matava,
literalmente. A casa estava impregnada, cheia de bitucas, charutos e baseados,
Marco caíra numa profunda depressão e se marginalizou, explorando o próprio filho
para sustentar seus vícios. O pai disse que pararia, jogou tudo fora, mas estava
realmente preocupadíssimo.

No dia seguinte, uma sexta-feira de cinco de maio, Alfredo chegou da rua tarde,
dormiu num sono profundo, mas logo acordou, queria passar o feriado com o pai,
mas quando o relógio o despertou, dirigiu-se à sala e se surpreendeu ao ver que
nada havia lá. Nada de sofá, nada de mesa, nada de geladeira, nada. O pai estava
no portão, chorando, chorando...O filho logo desconfiou que de que Marco estivesse
devendo algum traficante nas redondezas. O pai não quisera assumir coisa alguma,
disse que tinham sido roubados durante a noite, e depois de um bate-boca com o
filho, pediu que este fosse à delegacia prestar queixa de furto, era o tempo
necessário para solicitar as coisas de volta ao traficante, Pablito, era como era
conhecido.

Alfredo saiu, a delegacia dava uns três quilômetros do cortiço onde moravam.
Marco saiu atrás, foi prestar contas com Pablito, mas acabou não voltando mais.

Algum tempo depois, Alfredo retornou com a polícia e não encontrou o pai,
encontrou Maria, uma das vizinhas mais próximas da família, ela relatou o ocorrido
para o filho e para os policiais. Marco devia muito, muito mesmo para os caras,
tentara ganhar algo numa roleta, nas cartas, e acabou perdendo tudo na casa.
Deixou o filho desamparado, sozinho, este em prantos, consolado por Maria. A
garota gostava muito do vizinho, eram da mesma idade, Alfredo agora, já barbado,
levava pose de homem feito, com dezessete anos já era dono do próprio destino,
pai de si mesmo.

As cocotas que frequentavam o bar perguntavam o porquê de o menino não estar


mais indo tocar lá. Algumas se comoveram, outras esqueceram – no mais que
depressa, mas ninguém fora ajuda – lo. Alfredo perdeu o emprego também, pois há
muito tempo que não trabalhava, só ficava em casa, a cama era tudo que não
levaram, mas a dívida ainda não tinha sido paga, e um dia os capangas do maioral
juraram que sairiam e só voltariam com o pagamento em mãos, caso contrário,
alguém sairia perdendo.

Em uma quinta-feira, 1 de novembro daquele ano, Alfredo decidira sair, era Dia Dos
Mortos e quis ir ao túmulo do pai, levou seu violão e ficou lá até as celebrações
acabarem. Marco não era digno de fazer com que seu filho saísse de casa, e mais
uma vez essa saída causou-lhe a ruína. Maria levava mantimentos e novas a
Alfredo todos os dias, mas naquela noite, ela o procurou por todo o cemitério até
que o encontrou tocando para seu pai. Não foi preciso palavras, apenas as lágrimas
e a expressão em seu rosto já foram o bastante para que o garoto entendesse o
que se passava.

Ao chegar em casa viu que não havia mais casa, os capangas a haviam incendiado
e ainda deixaram um recado “VOLTAREMOS. ESTEA ACÁ CUANDO
LLEGARMOS”. Os garotos choraram juntos, até que Maria lhe perguntou:

- E agora, Alfredo. Para onde você vai?

O garoto a respondeu:

- Quero ir para longe. Como? Não sei. Mas irei já. Não tenho mais nada aqui, e não
quero morrer por culpa de meu pai. Ele deveria estar aqui. Eu mantive aquele inútil
por quase dois anos para agora estar sem onde morar. O que me sobrou Maria?

- Você tem a mim. Não vá! Imploro-te, não vá.

- Sinto muito, amiga minha. Mas não posso continuar aqui, você viu, eles me
matarão.

Alfredo tornou-se um rapaz esperto, a vida lhe ensinou muito o quê fazer e quando
fazer, e agora ela dizia:

“VA. VA, porque aqui no há nada para usted”.

Mas ir para aonde? Tudo ele pensava, quando viu uma águia voar baixinho próximo
aos dois jovens. Era uma águia linda, penas lisinhas e cabeça branca (eh, ele viu
até a cabeça da águia).

- Já sei para aonde irei. - disse entusiasmado o garoto.

- Nossa aonde irá? - Maria respondeu preocupada.

- América. Irei para o outro lado da fronteira. E irei já. - Alfredo indagou secando as
lágrimas e levantando-se. – Só preciso fazer mais uma coisa. Você vem comigo
Maria?

- Sim, mas o que você vai fazer? Pensando bem, não! Você realmente acha que
sua vida vai mudar cruzando a fronteira? Será visto como um marginal lá, as
pessoas vão te desprezar não vão te tratar como você merece. Fica. Nós podemos
passar por essa juntos.

- Já decidi Maria, se não quiser ir, não precisa. Apenas passarei para despedir – me
de meu pai.

- Ao menos espere seu aniversário, passe – o comigo.

- Não posso. Adeus então. Por favor, deixa-me ir.

- Não Alfredo, não vá.

- Obrigado por tudo. – concluiu o garoto já se afastando.

Alfredo passou no cemitério, dirigiu-se ao túmulo de seu pai e se despediu.


Desculpou-se e disse que um dia voltariam a se verem. Pôs o violão nas costas e
partiu em direção a tudo aquilo que as dondocas lhe apresentaram.

Cruzar a fronteira foi fácil, não há muitos guardas em todas as ruas, nossas cidades
são grudadas, é apenas uma linha e uma estrada que separam os dois mundos. E
milagrosamente consegui alguém que me ajudasse em tarefa tão difícil. A pessoa
não me viu, mas subi em uma caminhonete e já em solo anglófono aterrissei em
San Diego. Mas não queria santo algum, queria anjos e era por isso que meu
destinos era la ciudad de los angeles. Lá teria tudo o que me disseram, eu
disfrutaria de vida boa, não mais daquelas desgraças que a vida tem me oferecido
até agora, contanto que eu não fosse pego, tanto pela polícia, quanto pelos
traficantes tijuanos.

A máquina parou em algum lugar deserto na Road 5, ouvi os caras dizendo que eu
estava muito próximo, mas não sabia do que, então desci antes que me vissem. A
noite se aproximava e acabei pegando no sono em algumas rochas próximas a
estrada.

No dia seguinte fui ao restaurante onde o carro me deixou e perguntei se o dono


poderia me ajudar, ele notou meu violão e perguntou se eu tocava, disse que sim,
então me ofereceu para me apresentar durante o fim de semana, era quinta-feira.
Passou – se os três dias, fui dispensado, mas agradeci imensamente o favor, afinal
o moço fora muito bom, acho que era de minha terra. Consegui renda para mais
uma semana, desde que não me roubassem. Mas de acordo com as placas,
chegaria à terra dos anjos em dois dias.

Era uma tarde de terça-feira, dia da minha maioridade, ou melhor, dos meus 18
anos. Aquilo servia só como número, porque um ano a mais não faria diferença, já
era muito responsável. Enfim a noite estava por cair e eu estava exaustivamente
cansado, quis conhecer logo os prazeres que disfrutavam os californianos, mas
achava-me cada vez mais distante.

A estrada estava escura, deserta, não passava nada ali por um bom tempo, mas de
repente senti um vento fresco chocar-se contra meu cabelo, pensei que choveria, os
céus começaram a assoviar. Mas eis que vejo que não eram os céus, havia quatro
jovens sentados à beira da estradinha, incomodei-me com o cheiro morno de
baseado subindo no ar, mas insistiram para que eu me aproximasse, disseram que
não me fariam mal, escondi o dinheiro e fui.

- O que faz um moço tão bonito sozinho a essa hora nessa estrada perdida? –
perguntou-me um rapaz com os cabelos longos que estava na roda.

- Ah eu? Ah eu estou andando, pretendo chegar logo a terra dos anjos, sabem se
está ainda muito longe? - respondi.

- Está um pouco, mas estamos indo para lá também, só que vamos passar a noite
aqui nessa tendinha, junte-se a nós. Amanhã partiremos cedo, aí você vai com a
gente. – Disse uma garota loira com uma tiara branca que também estava no grupo.

O cheiro realmente estava forte e quente, amas já havia percebido que se tratava
de boas pessoas, deviam ser hippies, um deles também tocava o violão e me
chamou para fazermos um dueto. Aceitei e tocamos, por longas horas, até que...

- Ei, você está um pouco tenso. Aqui pega um, e puxa o ar. – disse o outro
guitarrista.

- Ah não, obrigado, mas eu não fumo. – respondi.

- Ora o que é isso. Não há nada demais nessa belezinha aqui. Sem contar que você
precisa descansar, amanhã teremos que andar um bocado. Sem contar que, aqui é
a Califórnia, todos aqui fazem isso. Disfrute você também do Sonho Californiano.

“Sonho Californiano”? Foi por isso que eu vim. – pensei.

Fiquei com medo de tornar-me um viciado como meu pai, mas pensei que seria por
uma boa causa, já que disseram que lá todos faziam aquilo.

Aceitei.

Tive dificuldades para puxar o aroma, mas foi alucinante, literalmente. Mal acabei o
primeiro baseado e já pedi outro. Aceitaram e deram. Fumei. Passados alguns
momentinhos de prazer, como era de se esperar, vi tudo ficar mais claro. Ai sem
que visse, levantei e comecei a andar sozinho até que alguém gritou:

- Ei, seu violão!

Voltei, peguei meu presente e continuei andando sozinho, cambaleando. Eis que vi
a águia me guiando para o norte.
- Cara maluco. Ah, deixa ele! – alguém disse lá atrás.

Tive a impressão de ter andado muito, mas em pouco tempo, logo à minha frente,
eu vi uma luz trêmula, meio azulada. Minha cabeça ficou pesada e minha visão
embaçou. Então me aproximei e vi que se tratava de uma espécie de pousada, um
hotel no meio do nada, parecia uma mansão com algumas árvores na frente e uma
igrejinha do lado. Então decidi que teria que parar para passar a noite. Cheguei
mais próximo e lá estava ela na entrada da porta, Maria, com roupas elegantes e
exuberantes.

De repente eu ouvi o sino da missão soar, era a igrejinha do hotel, e algumas


pessoas bem – vestidas entrarem para rezar. Maria me conduziu ao local e vi vários
executivos, presidentes, empresários e atores famosos ajoelhados em banquinhos
escuros. Tinha um rapaz mais de idade no centro do altar, cantando alegremente
Californication. Aí, todos começaram a louvar e eu peguei-me pensando comigo
mesmo:

“Aqui pode ser o céu ou pode ser o inferno”. Mas era bem isso que eu vim
procurando.

De repente acabou a cerimônia, o sino da missão bateu de novo, ainda era noite,
então Maria, a moça que me recebeu, pegou-me pelo braço e junto entramos no
hotel. Estava escuro, então ela acendeu uma vela e me mostrou o caminho até um
quarto. Disse que era meu, deveria passar a noite por lá.

Quando entrei deparei – me com um loft extremamente luxuoso, tinha de tudo lá,
até tapete com pele de tigre ao lado da cama, lustre de cristais, banheira, uma
parede vermelha, e uma águia above of the bed. Nunca havia visto nada do tipo
antes, exceto coisas do tipo como parte das cocotas que iam ao bar em Tijuana de
vez em quando. Acomodei – me e fui dar um passeio nos corredores do hotel,
peguei a vela que estava sob um móvel de ébano e fui.

Havia vozes pelo corredor, e sempre que eu passava por uma porta, pensava tê-las
ouvido dizerem:

“Bem – vindo ao Hotel Califórnia”.

Eu disse para mim mesmo:

- Que lugar encantador, que rostos encantadores. Pena que meus novos
coleguinhas não estão aqui. Mas esse povo não dorme? Já deve ser bem tarde...

De repente um moço alto, aproximou-se de mim e perguntou se precisava eu de


ajuda. Afirmei que não. Ele relatou que há vários quartos no Hotel Califórnia, e cada
um é para um tipo de celebridade, já que cada pessoa é sua própria celebridade,
todos são estrelas.
Pensei comigo mesmo que aquele hotel fosse um sonho, parecia ser um resumo
bem completo do estilo de vida do pessoal da área. Era um sonho, quando veio
outro homem, um negro, com capuz e alguns objeto brilhantes no colarinho e
pulsos, todo tatuado, dizendo:

“Em qualquer época do ano você pode encontra- lo aqui. Disfrute dos prazeres do
Hotel Califórnia”.

Nossa! Esse pessoal é realmente alegre aqui, todos fazendo propagandas do hotel,
deve ser mesmo muito bom viver aqui. Mas o sono me pegou, então voltei para o
meu quarto, tomei um banho na banheira espumosa de algum material chique.
Depois, apaguei a vela e fui dormir.

Às oito da matina acordei novamente com o sino da missão. Depois do culto, uma
moça com roupa branca me conduziu até um campo bem grande cheio de mesas e
cadeiras, onde todos desjejuavam. Depois do banquete, fui para o pátio da entrada
e vi duas moças entrando no Hotel. Vieram com um Mercedes novinho e trajavam
Tiffany Jewels, foram logo conduzidas a uma salinha no fundo do recinto e depois
um homem chegou e fechou a porta do quarto. Curioso, eu fiquei esperando o que
sairia de lá. Só saíram às cinco, quando a missão chamou todos a outro banquete,
mas quem saiu foi outro homem e a moça das joias com uma maleta preta. Fiquei
desconfiado, logo fui surpreendido por um jovem, mesma idade que eu, também
trajava roupas brancas, que disse:

- Ela tem vários belos, belíssimos rapazes que chama de amigos. Geralmente trás
alguns para se hospedarem aqui. Você não sabe como eles dançam no pátio.
Dançam muito.

- Ah!!! – gritei espantado – quem é você?

- Ah esse doce suor de verão! Sou Pablo e você.

Lembrei-me do traficante que poderia estar me perseguindo desde que fugi do


México.

- Sou Josh, venho do Texas, estou em férias.

- Férias? – perguntou sarcasticamente Pablo. – Okay, então boa sorte.

Não entendi muito bem a ironia, mas decidi tomar mais cuidado com as coisas que
fazia no recinto. Ouvi música boa, alta e gente festejando, fui ver o que era. Era
uma festinha, aniversário do Hotel. Tinha muita dança. Maria? Já não a via mais, o
pastor e os moços de ternos? Também não. Aproximei – me de duas pessoas e
perguntei:

- O que estão comemorando?

- O aniversário da instituição. – responderam.


- Instituição? Que instituição? – perguntei.

Uma das pessoas deu um cutucão na outra e esta respondeu:

- Instituição não. Hotel. Confundi-me.

- Ah sim. Que músicas esquisitas e essas danças. Quem é esse pessoal de


branco? – perguntei.

- Enfer...Camareiras. Ah a música é boa sim, alguns dançam para lembrar, alguns


dançam para esquecer.

- Esquecer o quê?

- Meu amigo está meio mal agora, mas depois conversamos mais, foi bom te
conhecer. – respondeu o que deu o cutucão.

- Mas, nem nos conhecemos. O que está acontec...

Decidi ir para o meu quarto, a noite já estava por chegar e o sino da missão logo
tocaria. Tomei um banho, sai e fui procurar alguma camareira. Mas não achei. Achei
um moço atrás do balcão de check- in.

- Moço, o senho...

- Por favor, chama-me Capitão. – respondeu o moço.

- Tá certo. Ah Capitão, por favor, o senhor trazer – me meu vinho? Quarto 977. Se
não tiverem um Domaine de la Romanée-Conti, pode ser um Chandon mesmo.

Capitão matou-se em gargalhadas, riu até engasgar e completou.

- Meu jovem, se toca. Aqui não é Beverly Hills. Não temos essas bebidas aqui
desde 1969. Agora me deixa ir dormir. Logo aquela droga de sino vai soar.

Então eu fui para meu quarto pensando no que estava acontecendo. O Hotel estava
diferente, os hóspedes estavam diferentes. Olhei da janela do meu quarto e vi luzes
muito fortes no horizonte, pensei que já poderia sair e continuar minha viagem, mas
lá no Hotel, tinha de tudo que as cocotes me disseram, mas parece que estava
acabando. De repente, vi um rapaz jovem, com algo grande nas costas chegar ao
Hotel, e ainda assim aquelas vozes maníacas estão chamando – nos à distancia.

Não consegui pregar os olhos, às dez o sino soou e vi os mesmos magnatas


entrarem na igrejinha, mas quando me aproximei, vi que não eram os mesmos.
Eram monstros, já não cantavam Californication, cantavam outra canção que não
conheço. Tratei de sair e voltar para meu quarto antes que me vissem. Tentei
dormir, mas a todo momento, alguém me acordava, só para ouvir as vozes dizerem
aos novos hóspedes:
“Bem – vindo ao Hotel Califórnia!”

E pensei nas palavras que disse quando cheguei,

“Que lugar encantador, que rostos encantadores”,

Tentando saber se aquele lugar era realmente encantador. Mas aí finalmente dormi.

No dia seguinte acordei com o som do sino novamente e ao sair do meu quarto
encontrei um velho no corredor que me chamou.

- Meu filho, você viu quem chegou ontem?

- Não. Quem foi? – perguntei.

- O presidente. – o velho respondeu.

- Ah, jura? O que ele estaria fazendo aqui (nem sabia quem era o presidente dos
EUA) nesse hotel cinco estrelas, não é?

- Hotel? Isso não é um hotel, isso é um man... – disse o velho até ser interrompido
por um coro muito alto que gritava na saída do corredor:

“Nós estamos vivendo no HOTEL Califórnia”.

- Man o que? – perguntei.

- Um manancial de fortunas e prazeres. Disfrute dos prazeres do Hotel Califórnia,


meu jovem. – respondeu o idoso.

- Nossa, que surpresa agradável, não é? Mas muito obrigado. A propósito, onde o
presidente está hospedado?

- Uhhh... – respondeu o velho, ou melhor, não respondeu o velho.

- O senhor é um louco.

- Não é verdade, ele está aqui sim.

- Aham! Sei. Traga seus álibis.

- Meus o quê?

- Esquece, vou voltar para o meu quarto. Foi bom conhecer o senhor.

Entrei no quarto 975 e deitei na cama. Quando abri os olhos, vi – me em reflexos


dos espelhos no teto. Assustei, e quando olhei para o lado havia uma dama
seminua tirando um champagne rosé no gelo.

- Acalme-se, está tudo bem. Toma uma taça. Brindemos. – disse ela.

- Brindar pelo o quê? – perguntei.


- Ora, por esse lugar maravilhoso que nos acolhe, olha essas paredes, esses
aposentos, tudo. Você nunca encontrará luxo em nenhum outro lugar. – ela
respondeu.

- Mal lhe pergunte, mas como você chegou aqui?

- Nós todos somos apenas prisioneiros aqui por nossa própria conta.

Fui coçar os olhos perguntando “o que?”, e quando os abri, não havia ninguém mais
no quarto, os espelhos sumiram, a dama sumiu, o champagne sumiu. Apavorado,
abri a porta e vi uma multidão em direção a um salão, decidi segui-los.

E nos aposentos do mestre, eles se reuniram para o banquete, Capitão me disse


que era a despedida, mas não disse de quem. Naquele lugar tudo que me diziam
estava incompleto, alguém estava me escondendo algo. Acho que todos me
escondiam alguma coisa. A verdadeira identidade do hotel, talvez, se ele era de fato
o céu, ou se era o inferno. Eu poderia ir embora dali, pagar minha conta, mas
pensei:

“Depois de todos esses mimos, como pagarei minha conta?”

Era isso que me prendia naquele lugar, mas uma hora ou outra teria que sair dali. A
terra dos anjos me espera.

Voltei para a multidão, era um almoço de despedida como já foi dito. Uma mulher
virou-se para mim e disse:

- É engraçado como eles esfaqueiam com suas facas de aço, mas simplesmente
não podem matar a besta.

- Oi? – perguntei.

- Não sei por que esses famintos não podem matar a besta.

- Mas que besta. Por favor, quem é essa besta? – perguntei.

- O capitão. Ele nos mantem aqui, muitos entram ninguém sai.

Eu fiquei ainda mais louco a partir daquela conversa. Corri para meu quarto, foi a
última coisa que me lembro. Cheguei lá e não havia nada, o quarto estava branco
com uma maca no centro. Nada de tapetes, champagnes, banheiras, regalias e
damas seminuas. Nada. Eu estava correndo para a porta quando lembrei – me de
meu violão, esteve comigo durante todas as minhas dificuldades, jamais o
abandonaria naquele lugar. Voltei para meus aposentos, mas não achei violão
algum, achei moça bonita que entregou – me uma mala, enquanto dizia:

VA. VA, porque aqui no há nada para usted.


Mas eu ainda tinha que encontrar a passagem de volta para o lugar onde eu estava
antes. Não lembrava de onde eu vinha, nem para onde eu estava indo, só lembrava
das palavras da moça que me entregou a mala.

Passei correndo pela porta do Hotel Califórnia, em direção ao pátio que dava ao
portão de entrada, mas tinha um moço bem – vestido lá:

- Relaxe. – disse o guarda.

- Moço, por favor, deixa – me sair, não posso ficar aqui. Tenho que ir embora. Por
favor. – implorei ao senhor.

- Ei, meu rapaz, acalme – se. O que aconteceu? Não gostou do Hotel? Alguém
recusou – se a lhe atender?

- Não, o hotel, ou seja lá o que isso for, é até que bom, mas não posso ficar mais
aqui. (Foi aqui que lembrei – me da Tierra de Los Angeles). Tenho que ir à Terra
dos Anjos.

- Lamento meu rapaz. Aqui nós somos programados para acolher. Você até pode
registrar a saída quando quiser. Mas nunca poderá sair! Lamentamos muito que o
efeito do Hotel tenha durado pouquíssimo tempo em você. Mas, não poderá sair.

Todos os dias de noite, eu via as luzes de Los Angeles pela janela do meu quarto, e
todos os dias eu ouvia as vozes saudarem os novos pacientes do Hotel Califórnia.

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