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a Borboleta

Era uma borboleta linda, mais azul que qualquer outra cor. Essas que encantam
as crianças. Mas era um pouco vaidosa. Gostava de sobrevoar por sobre as formigas
trabalhadeiras e ia pensando pobres coitadas... daqui a pouco passa alguém aí e
pisoteia tudo elas e eu vou dar risada. Num desses rasantes, a borboleta naquele dia
além de vaidosa tava um pouco sarcástica, deu uma cagadinha por sobre um grupo de
seis formigas que arrastavam uma pequena folha de goiabeira. Só pra se amostrar.
Depois uma coisa muito estranha, a borboleta não entendia o que se passava.
Não conseguia voar, quer dizer, não conseguia sair voando, sei lá. Ela ficou apavorada,
coitada. Alguma coisa prendia ela. Um enrosco. Não conseguia ganhar o céu, se debatia,
mas sentia que estava se deslocando; ou sendo deslocada?
Um homem, também vaidoso, capturou a borboleta numa rede. Era um
empalhador. Matou a bichinha sufocada dentro dum pote de vidro. Não vou descrever a
agonia, que foi curta, mas intensa, da linda borboleta. Depois foi colada num quadro, de
fundo branco, moldura clássica e vidro temperado. Era o vigésimo terceiro quadro
daquela parede.
O homem, além de vaidoso, era um tanto porco. Morava sozinho numa bela
casarona no bairro do Pacaembu. Além de cinza de cigarro e guimbas que deixava pelo
chão, as coisas que comia e sempre deixava cair não eram recolhidas. Ele chutava em
vez de varrer. As formiguinhas se aproveitavam da falta de cuidado do homem e sempre
iam do quintal pra dentro da casa recolher algum sustento. E, sempre pensando na
coletividade de formiguinhas, elas levavam pro ninho as migalhas de comer que o
homem derrubava e não limpava. Levavam para os seus e para as suas. Na travessia da
sala de volta pro quintal, algumas delas sempre olhavam a parede. Naquele dia, uma
delas reconheceu a borboleta azul, e comentou com outra formiguinha:
– Não é aquele metida que cagou na gente esses dias?

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