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Mais uma vez, uma digressão se faz necessária para elucidar melhor o tema, pois a

obrigatoriedade do Serviço Militar já fora previsto desde a nossa primeira Constituição,


quando no artigo 145 estabelecia: “Todos os brasileiros são obrigados a pegar em armas, para
sustentar a independência, e integridade do império, e defende-lo dos seus inimigos externos,
ou internos.” (BRASIL, Constituição de 1824, artigo, 145).

Diante desse quadro de verdadeiro desprestígio perante nossas elites políticas, seguiu-se um
sucateamento deliberado das Forças Armadas, traduzido pela redução dos efetivos,
diminuição dos gastos militares e um recrutamento realizado nas camadas mais baixas da
população, onde somente eram incluídos às Forças Armadas indivíduos pobres, negros
libertos, vadios e aqueles a quem o destino não tinha reservado melhor sorte. Quando não se
incorporavam para fugir das condições precárias de vida que levavam, eram recrutados a laço,
tomando o recrutamento, com isso, a feição de verdadeira “caçada humana.” (HANDELMANN
apud SODRÉ, 1979, p. 129). Nelson Werneck Sodré, analisando o baixo nível social dos recrutas
disponíveis para o Exército, assim expressou-se: Para preencher os claros do Exército, era
preciso caçar nas ruas os desocupados, alistar à força os pretos libertos, aceitar pretos
escravos cujos donos quisessem dá-los, recrutar os vagabundos que perturbavam o sono da
burguesia com suas noitadas de álcool, enfim, os párias, os egressos daquela sociedade cheia
de preconceitos contra os militares. (SODRÉ, 1979, p. 128).

Um pouco antes, durante o governo de Afonso Augusto Moreira Pena (1906 - 1909), cujo
Ministério da Guerra era ocupado por Hermes da Fonseca, havia sido aprovada, em
substituição à Lei de 1874, uma nova Lei do Serviço Militar, chamada Lei do Sorteio. A Lei 1860
de 4 de janeiro de 1908 trazia mudanças significativas com relação a sua antecessora,
apertava-se o cerco às fugas, às fraudes e às manobras políticas e econômicas que visavam
burlar a prestação do Serviço Militar. Todavia, no que pese o esforço do Ministro Hermes,
pouca coisa mudou no quadro do recrutamento, estando longe ainda de conseguir que a
prestação fosse dirigida a todos os cidadãos de forma universal e pessoal. Na expressão de
José Murilo de Carvalho: Em 1913, vinte e quatro anos após o final do Império, Leitão de
Carvalho ainda dizia que as principais fontes de recrutamento do Exército eram: a) os
nordestinos afugentados pelas secas; b) os desocupados das grandes cidades que procuravam
o serviço militar como emprego; c) os criminosos mandados pela polícia; d) os inaptos para o
trabalho. Era, segundo ele, uma seleção invertida. (CARVALHO, 2005, p. 20).

Dessa confluência de interesses, e agora ajudado pelo estado de guerra, surgiu a possibilidade
de fazer valer a Lei do Sorteio que, desde sua aprovação em 1908, ainda não havia sido
aplicada na prática. Assim, de 10 a 17 de dezembro de 1916 foi realizado o primeiro sorteio do
Serviço Militar. O sistema era simples e funcionava da seguinte forma: os nomes de todos os
alistados, aptos, eram colocados dentro de uma urna giratória. Na presença de autoridades
civis e militares girava-se a urna e, em seguida, tirava-se o nome sorteado, procedendo-se à
leitura pública do mesmo para que o interessado e toda sociedade tomassem conhecimento
do fato. A partir do sorteio de 1916 e observando dados organizados por Frank McCann (ver
Tabela 3) para o alistamento e recrutamento nos anos de 1917 e 1923, vemos que houve certo
sucesso com a aplicação da Lei do Sorteio, quando comparado com períodos anteriores. Mas a
situação ainda não estava como gostaria os entusiastas do Serviço Militar: obrigatório, pessoal
e universal.

Outra medida tomada, dessa vez com a intenção de estimular a prestação do Serviço Militar
pelas classes médias e altas da sociedade, uma vez que essas sempre fugiam, de alguma
forma, à obrigação para com o Serviço Militar, foi a criação dos Centro de Preparação de
Oficiais da Reserva (CPOR) e dos Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva (NPOR). Ambos
destinados a receber os jovens em idade de prestar o Serviço Militar e que estivessem
cursando nível superior. Dessa forma, o Exército acolhia em suas fileiras uma parcela
significativa de jovens e penetrava ainda mais na sociedade. Assim, ao final da década de
trinta, o Exército, através do Serviço Militar Obrigatório, conseguia envolver basicamente toda
a sociedade. Os filhos das camadas mais pobres eram incorporados para servirem como
soldados, ao passo que as classes médias e altas prestavam o Serviço na condição de alunos de
algum centro ou núcleo de formação de oficiais da reserva.

Os recrutas eram conscritos extraídos das classes trabalhadoras e, com frequência, analfabetos
ou de baixo nível educacional. Mostravam pouca resistência às doenças e o moral parecia
extraordinariamente dependente da liderança dos oficiais, que poderiam, com facilidade, levá-
los à ação ou à indecisão. Os oficiais geralmente tratavam seus soldados como seres
socialmente inferiores e eles mesmos pareciam motivados mais por interesses próprios que
por senso de dever ou espírito de corpo.

O Serviço Militar Obrigatório é condição para que se possa mobilizar o povo brasileiro em
defesa da soberania nacional. É, também, instrumento para afirmar a unidade da Nação acima
das classes sociais. (BRASIL, Estratégia Nacional de Defesa, 2008, p. 11).

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