FERNANDES, Florestan. “O significado da ditadura militar”. In: TOLEDO,
Caio Navarro (org.). 1964: visões críticas do golpe: democracia e reformas no populismo. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 1997, p. 141-148.
Segundo Fernandes, os militares pela primeira vez não se limitaram a crises
políticas, mas sim tomaram o poder para si. De acordo com ele, no Brasil, militares e civis formaram uma comunidade insolúvel por conta da herança colonial e dependente, principalmente da dominação externa. Assim, mantinham seus status de família privilegiada através do ingresso nas Forças, atuando na “preservação da ordem” e o “meio legal” para conter a “gentinha em seu lugar”. p.141
A sua interpretação continuaria verdadeira, provando-se a partir do artigo 142 da
Constituição de 1988, onde o texto brotou do consenso militar e não apenas constituinte. p.142 A respeito da declaração do General Meira Matos a uma revista sobre o Golpe de 1964 ter sido uma contrarrevolução, Fernandes afirma que na verdade foram duas: A tomada do poder por militares e civis (especialmente governadores aliados, e a decisão de manter os militares à frente do governo e do Estado:
O caminho percorrido no 1ª de abril de 1964 foi incomum, porém,
dentro da moldura histórica convencional e da associação indissolúvel (até aquele momento) entre as elites das classes dominantes civis e militares. Esse padrão, aliás, é genérico e tem vigência tanto nos países centrais quanto na periferia. O que escapou da rotina e causou estupefação foi o deslocamento dos civis para as posições atribuídas pelos líderes militares e que estes se apossaram abertamente da hegemonia do poder “institucional”. p.142
Após o suicídio de Getúlio Vargas, os militares passaram a imprimir nova
orientação sobre a visão particular de Brasil. E sob as suas próprias perspectivas históricas, capazes de arcar sozinhos, mas com a colaboração de alguns civis, com as exigências da situação. A partir de 1962 inicia-se uma atuação no campo civil para buscar colaboradores na “contrarrevolução”. No entanto, esbarram no modelo que estes adotavam. O que leva a um radicalismo por parte dos militares, especialmente por conta da atuação dos EUA, gerando o “anticomunismo”, e que se beneficia com tal discurso. p.143
De acordo com Fernandes, os militares abriram mão da conciliação histórica,
desde o Império, e partiram para tomada do poder com os civis apenas subalternos, por conta das possíveis “turbulências” ou a manutenção das “ameaças” comunistas. Os militares aceitaram a ameaça apontada pela direita estrangeira. As reformas capitalistas frustradas poderiam continuar estranguladas. p.144
Fernandes também aponta o governo Goulart como débil e fraco na resposta às
práticas nascentes da “contrarrevolução”. Diz que a “bandeira da contrarrevolução tremulou sozinha”. Apesar disso, as massas responderam pela devolução do poder a Jango, ao contrário da razoável desmobilização delas. p.144
Assim, conservadores, reacionários e parafacistas, o topo, segundo o autor,
recorreram aos militares como socorro. No entanto, não se engajaram na “defesa da democracia” ou “defesa da ordem”, que acabou esbarrando na atuação histórica dos militares em agir sob a força das armas. Principalmente após a II Guerra Mundial. Assim, levou a consequências imprevistas. Os militares, com o tempo, tiveram que ceder às amarras da conciliação tradicional, servindo apenas de aparato da burguesia e servos do capital. p.145
Entretanto, Fernandes cita três questionamentos sobre a Ditadura e a atuação
dos militares: a primeira é sobre o uso da mão de ferro para conter insurgências e mobilizações contrárias, que não lhe renderam compensações a não ser este tipo de força. A segunda é quanto de herança e resquícios dessa corrente ditatorial ainda circula pelas casernas e sociedade atual, melindrando atuações políticas ou sociais. Já a terceira diz respeito a quanto de “democracia” que as elites militares admitem em “nossas circunstâncias”. De acordo com o autor, a constituição vigente parece “inacabada”:
Cheguei a designar a constituição vigente de “constituição inacabada”.
ela não responde a necessidades vitais da nação como um todo; não solta as revoluções e reformas capitalistas interrompidas, persistindo à altura dos interesses estreitos das classes dominantes e das nações capitalistas centrais; não atende à humanização das classes subalternas e dos excluídos (a começar da educação, das oportunidades de trabalho e nível de vida, à saúde, à hesitação, etc); e reteve privilégios que deveriam ter sido expurgados da herança constitucional brasileira, deixando o Estado e o governo como bunkers dos que mandam. p.147