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O texto queer: Socioleto, dialogismo e ênfase

Article in Doxa · August 2023

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Daniel Da Costa Gustavo Matheus Pires


Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
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O TEXTO QUEER: SOCIOLETO, DIALOGISMO E ÊNFASE

EL TEXTO QUEER: SOCIOLECTO, DIALOGISMO Y ÉNFASIS

QUEER TEXT: SOCIOLECT, DIALOGISM, AND EMPHATICS

Daniel Padilha Pacheco da COSTA1


e-mail: dppcost@ufu.br

Gustavo Matheus PIRES2


e-mail: gustavo.matheus.pires@gmail.com

Rodolfo Gabriel ALVES3


e-mail: rodolfogabrielalves@gmail.com

Como referenciar este artigo:

COSTA, D. P. P.; PIRES, G. M.; ALVES, R. G. O texto


queer: Socioleto, dialogismo e ênfase. Doxa: Rev. Bras.
Psico. e Educ., Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e023008, 2023.
e-ISSN: 2594-8385. DOI:
https://doi.org/10.30715/doxa.v24iesp.1.18043

| Submetido em: 10/05/2023


| Revisões requeridas em: 22/06/2023
| Aprovado em: 22/06/2023
| Publicado em: 01/08/2023

Editor: Prof. Dr. Paulo Rennes Marçal Ribeiro


Editor Adjunto Executivo: Prof. Dr. José Anderson Santos Cruz

1
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Uberlândia – MG – Brasil. Professor do Programa de Pós-graduação
em Estudos Literários e do curso de graduação em Tradução. Professor Adjunto, Instituto de Letras e Linguística.
2
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Uberlândia – MG – Brasil. Bacharel em Tradução.
3
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Uberlândia – MG – Brasil. Bacharel em Tradução.
RIAEE – Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 18, n. esp. 1, e023008, 2023. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v18i00.16155 1
O texto queer: Socioleto, dialogismo e ênfase

RESUMO: Embora seja um conceito-base no interior do campo transdisciplinar dos estudos


queer, sobretudo em sua intersecção com as áreas dedicadas aos estudos da linguagem, o texto
queer ainda não possui uma definição exaustiva. Inicialmente, discutimos as definições de texto
queer que, oferecidas pela sociolinguística e pela teoria literária, baseiam-se nos conceitos de
socioleto e de literatura queer, respectivamente. Como essas definições são necessárias, mas
não suficientes para compreendê-lo, dialogamos com o conceito de camp verbal, enfatizando a
relação intrínseca entre as suas dimensões linguística e extralinguística. A seguir, propomos
nossa própria definição do texto queer, distinguindo três aspectos indissociáveis entre si:
socioleto queer, dialogismo e ênfase. Finalmente, ilustramos nossa definição por meio da
análise de exemplos retirados de textos literários e jornalísticos, canções e obras audiovisuais.

PALAVRAS-CHAVE: Estudos queer. Socioleto queer. Dialogismo. Ênfase. Texto queer.

RESUMEN: Aunque el concepto de texto queer tenga una importancia fundamental en el


campo transdisciplinario de los estudios queer, particularmente en la intersección con los
estudios del lenguaje, falta, todavía, una definición exhaustiva de esta noción. Inicialmente,
discutimos las definiciones de texto queer proporcionadas por la sociolingüística y la teoría
literaria, a partir de los conceptos de sociolecto queer y literatura queer, respectivamente.
Como estas definiciones son necesarias, pero no suficientes para comprenderlo, dialogamos
con el concepto de camp verbal, enfatizando la relación intrínseca entre sus dimensiones
lingüística y extralingüística. Enseguida proponemos nuestra propia definición de texto queer,
distinguiendo tres aspectos inseparables entre sí: sociolecto queer, dialogismo y énfasis.
Finalmente, ilustramos nuestra definición a través del análisis de ejemplos tomados de textos
literarios y periodísticos, canciones y obras audiovisuales.

PALABRAS CLAVE: Estudios queer. Sociolecto queer. Dialogismo. Énfasis. Texto queer.

ABSTRACT: Although the concept of queer text holds fundamental importance within the
transdisciplinary field of Queer Studies, particularly at the intersection with Language Studies,
an exhaustive definition for this notion is still lacking. Initially, we discuss the definitions of
queer text provided by sociolinguistics and literary theory, based on the concepts of queer
sociolect and literature, respectively. These definitions are necessary, but insufficient to fully
understand it. Through dialogue with the concept of verbal camp and emphasizing the intrinsic
relationship between its linguistic and extralinguistic dimensions, we propose our own
definition of queer text, delineating three interconnected aspects: queer sociolect, dialogism,
and emphatics. Finally, we illustrate our own definition through the analysis of excerpts from
literary and journalistic texts, songs, and audiovisual works.

KEYWORDS: Queer studies. Sociolect. Dialogism. Emphatics. Queer text.

Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e023008, 2023. e-ISSN: 2594-8385
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v18i00.16155 2
Daniel Padilha Pacheco da COSTA; Gustavo Matheus PIRES e Rodolfo Gabriel ALVES

Introdução

No início dos anos de 1990, os estudos queer se desenvolveram no interior do campo


transdisciplinar das ciências de gênero, a partir da aproximação dos estudos gays e lésbicos e
dos feministas. Também chamados de ensaios de diversidade sexual, as pesquisas queer
permitiram uma expansão para além do binarismo sexual (homo/hétero) e de gênero
(homem/mulher) e a inclusão de identidades sexuais e de gênero não-normativas. Ao questionar
a hegemonia heterocisgênero, os estudos queer têm buscado compreender a construção social
de identidades de gênero e de orientações sexuais das identidades queer.
Para a construção dessas identidades, o texto oral e escrito desempenha um papel
central, já que, como afirma Butler (2017), a teórica reconhecida como uma das fundadoras
desse campo de estudos, o gênero é um efeito produzido a partir da repetição estilizada de atos
performativos de linguagem. O papel desempenhado por diferentes concepções linguísticas nas
pesquisas queer é particularmente visível em subáreas desse campo transdisciplinar
desenvolvidas em íntima relação com objetos de pesquisa pertencentes aos estudos da
linguagem, como a tradução e a literatura queer.
A tradução queer procura retextualizar em outra língua textos de partida que,
empregando variedades linguísticas ligadas às identidades queer, podem ser classificados como
pertencentes à literatura queer. Essa expressão permite designar textos literários que, ao incluir
personagens gays e lésbicas, rompem com as normas tradicionais de sexualidade, gênero e
família por meio da exploração de artifícios literários que representam, disruptivamente, as
subculturas queer e as suas identidades sexuais e de gênero não-normativas. Situadas no
entrecruzamento entre os ensaios queer e os estudos da linguagem, tanto a tradução quanto a
literatura queer se baseiam no conceito de texto.
Os estudos produziram variadas definições do texto queer através do seu diálogo com
concepções de discurso e de linguagem oriundas de diferentes disciplinas, como a
sociolinguística e a teoria literária. Com base em uma concepção sociolinguística da linguagem,
o texto queer foi definido como aquele que emprega um “socioleto queer” (PIRES, 2022), um
“jargão LGBTQ” (BRAGA JUNIOR, 2020) ou um “dialeto pajubá” (NASCIMENTO;
MARIANO; SANTOS, 2021). Segundo uma noção de estilo própria da teoria literária, o texto
queer foi compreendido como aquele pertencente à “literatura queer” (GIRALDO, 2009;
BLACKBURN; CLARK; NEMETH, 2015). Apesar da sua centralidade nesses campos, essa
literatura ainda não possui um significado. Para confrontar entre si essas definições restritas às

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O texto queer: Socioleto, dialogismo e ênfase

suas áreas específicas de conhecimento, nossa definição desse conceito dialoga com a ideia de
camp verbal (HARVEY, 1998; MAZZEI, 2007; ALVES, 2022).
Neste artigo, discutiremos, inicialmente, as definições de texto queer a partir dos
conceitos de socioleto e literatura queer, segundo as concepções de discurso e de linguagem
oriundas da sociolinguística ou da teoria literária, respectivamente. Em seguida, propomos
nossa própria definição do texto queer que, baseada no diálogo com o conceito de camp verbal
e na exploração da relação intrínseca entre as suas dimensões linguística e extralinguística,
distingue a presença de três aspectos indissociáveis entre si: socioleto queer, dialogismo e
ênfase. Finalmente, ilustramos nossa definição do texto queer por meio da análise de exemplos
retirados de obras literárias e jornalísticas, de canções e de obras audiovisuais.

A literatura queer

Em inglês, a palavra “queer” era utilizada, a princípio, para denominar algo estranho,
excêntrico ou pessoas que se comportavam de forma não aceita socialmente. A partir do final
do século XIX, o termo ganhou uma conotação pejorativa, passando a ser utilizado como ofensa
contra homens gays ou considerados femininos. Em uma carta lida durante o julgamento que
condenou Oscar Wilde à prisão por ser homossexual, John Douglas (o marquês de Queensbery)
não esconde a sua repulsa pela relação homoafetiva entre o seu filho, Alfred Douglas, e o
célebre escritor irlandês, ao utilizar a expressão “snob queers” (apud HALL, 2016).
O termo passou por um processo de ressignificação, como demonstra a sua primeira
definição em The Concise New Partridge Dictionary of Slang and Unconventional English
(DALZELL; VICTOR, 2007, p. 524, tradução nossa): “Queer adjetivo 1 homossexual.
Depreciativo de fora, não de dentro EUA, 1914”. Segundo a concepção sociológica de
linguagem de Bakhtin (2015), a língua não é apenas um sistema estável de formas normativas
e idênticas de linguagem, como defendia a concepção estruturalista de Saussure, mas é,
sobretudo, socialmente estratificada em variedades linguísticas banhadas em valores
contraditórios. Os conteúdos objetivos da linguagem só existem na escrita ou na fala viva em
relação a certa ênfase valorativa, sem a qual nenhuma palavra pode ser escrita ou dita. Como
evidencia o verbete citado anteriormente, o sentido do próprio termo “queer” varia
diametralmente segundo os valores sociais e a identidade sexual e de gênero de quem o
emprega.
A ressignificação de insultos ou ofensas é uma característica central do socioleto queer.
Em seu sentido ressignificado, o termo passou a ser utilizado para denominar diversos
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elementos e conceitos relacionados ao universo LGBTQIAP+4. Podemos usar o termo


aclimatado “cuir” em português, que é reivindicado pela própria comunidade LGBTQIAP+,
conforme evidenciado por Jup do Bairro durante debate com Judith Butler e Linn da Quebrada
(CANAL BRASIL, 2021). No entanto, preferimos a forma estrangeirizada, por ter sido
consagrada pela maior parte dos pesquisadores. Os próprios campos do conhecimento relativos
à construção social de orientações sexuais e de identidades de gênero foram qualificados pelo
termo “queer”, como evidenciam as expressões “tradução queer” ou “teoria queer”. Além
disso, o estrangeirismo gera um estranhamento que julgamos desejável para a compreensão do
conceito enquanto tal. Nesse sentido, o termo “queer” deve ser entendido como um “guarda-
chuva” capaz de englobar o conjunto das identidades não-cisgêneras e não-heterossexuais.
Em seu exame de diversas coletâneas e antologias de textos de autores definidos como
literatura queer, gay e lésbica na América Latina, Giraldo (2009, p. 2, tradução nossa) aponta a
predominância do sentido pejorativo da representação da identidade queer na assim chamada
“literatura gay e lésbica”. Em sua maioria, essas obras seriam melhor descritas como
“antologias de literatura da homofobia”, segundo Giraldo (2009, p. 2, tradução nossa). Na
Antologia de la literatura gay en República Dominicana (2004), editada por Mélida García,
que reúne textos com temática gay escritos por autores emblemáticos da poesia e ficção
dominicana, e em El teatro homossexual en México (2002), que se volta à mesma temática no
teatro mexicano, as personagens homossexuais e transgêneros são representadas como
transviadas e marginais, os seus desejos como aberrantes e os seus excessos (o alcoolismo e o
uso de drogas) como corruptores em potencial.
Em contraste, em outras antologias classificadas como “queer”, como Baladas de la
loca alegría: literatura queer en Colombia (2007), de Daniel Balderston, e Lo
transfemenino/masculino/queer (2001), editado por Ileana Rodríguez, Giraldo (2009, p. 4,
tradução nossa) reconhece o esforço para romper com as normas sociais, sexuais e de gênero
do padrão heteronormativo, direcionando a literatura para um “lugar de coexistência de tensões,
de desejos, de prazeres e de personagens não coisificadas ou essencializadas”. Em sua
investigação sobre a literatura queer em língua inglesa, Blackburn, Clark e Nemeth (2015)
confirmam a coexistência das duas tendências apontadas por Giraldo (2009).

4
Preferimos evitar o uso dessa sigla, já que ela está em constante mudança e poderia ser rapidamente superada.
Essa mudança se observa, seja nos acréscimos (começando com GLS, depois LGBT, depois LGBTQ e em diante),
seja na ordem (TLGB, na intenção de aumentar a visibilidade da causa trans).
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O texto queer: Socioleto, dialogismo e ênfase

Podemos concluir que, para ser definida como queer, uma obra literária deve incluir não
apenas personagens lésbicos, gays ou transsexuais, mas também concepções múltiplas sobre a
sexualidade e o gênero, cuja ruptura com as normas tradicionais de sexualidade, gênero e
família destacam-se por meio de artifícios literários a natureza queer do texto. Da mesma forma
que a palavra “queer” foi ressignificada em inglês por meio de sua apropriação pela comunidade
LGBTAIAP+, a própria literatura queer encena personagens que, por meio do diálogo com as
representações socialmente desprestigiadas de si mesmas, subvertem as normas sociais, sexuais
e de gênero predominantes em determinado contexto sociocultural.

O socioleto queer

Em “Translating Camp Talk”, Harvey (1998) investiga a presença do queer em textos


literários e distingue as suas categorias integrantes. O camp pode ser entendido como um “modo
de expressão [que] tem sido associado à cultura homossexual desde o fim do século XIX”
(MAZZEI, 2007, p. 41, tradução nossa). Em “Notes on ‘Camp’”, Sontag (1964, p. 193, grifo
da autora, tradução nossa) associa o camp a um gosto típico dos homossexuais: “Embora não
seja verdade que o gosto camp é um gosto homossexual, não há dúvida de que são afins e se
justapõem entre si”. Ela assim o define: “Camp é uma visão de mundo em termos de estilo –
mas um tipo particular de estilo. É o amor pelo exagerado, pelo ‘estranho’, pelas coisas-serem-
o-que-não-são” (SONTAG, 1964, p. 200, tradução nossa). Nesse sentido, o camp é um
fenômeno estético e artístico, um conjunto de qualidades que podem ser encontradas em pessoas
e objetos, manifestando-se de maneira visual, sonora ou verbal. Afinal, como afirma Sontag
(1964, p. 192, tradução nossa): “Existem filmes, roupas, músicas, livros, pessoas e prédios
próprios ao ‘camp’”.
Para definir o texto queer, gostaríamos de retomar não apenas a manifestação do camp
na literatura, mas também o conceito de camp verbal. Segundo Harvey (1998), os principais
aspectos do camp verbal são: a subversão de gênero, o code-switching entre línguas
estrangeiras, o uso de léxico específico à subcultura queer, a ênfase, a intertextualidade e a
descrição explícita de atividade sexual. Esses dois últimos aspectos foram discutidos no item
anterior (“A literatura queer”), a propósito do tratamento dialógico conferido à prática
disruptiva do gênero e da sexualidade por personagens queer, gays e lésbicas na literatura. Os
três primeiros aspectos, por sua vez, podem ser considerados subcategorias fonéticas, lexicais
e morfossintáticas da variedade linguística empregada pela comunidade LGBTAIAP+.

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No Brasil, o conjunto de palavras, gírias e expressões utilizado pelos membros da


comunidade LGBTQIAP+ foi apelidado de “pajubá”. Essa variedade linguística já está,
inclusive, em processo de ser lexicalizada, como demonstra a existência de dicionários
especialmente dedicados a ela, como por exemplo Aurélia: o Dicionário da língua afiada (VIP;
LIBI, 2006). Traço típico do camp verbal designado por Harvey (1998) como “code-switching”,
o pajubá se apropria de diversos idiomas, como as línguas europeias (o francês e, sobretudo, o
inglês), as línguas indígenas locais e línguas de matriz africana (o iorubá é uma de suas
principais fontes).
Com frequência, o pajubá é classificado como um dialeto, segundo a expressão “dialeto
pajubá” (NASCIMENTO; MARIANO; SANTOS, 2021). Em uma questão do Exame Nacional
do Ensino Médio (ENEM) de 2018, o pajubá é definido como o “dialeto secreto” dos gays e
travestis5. Outros teóricos classificam o pajubá como o “jargão LGBTQ”, vinculando-o a uma
prática profissional (BRAGA JUNIOR, 2020). No entanto, o pajubá não deve ser considerado
nem uma variedade geográfica (dialeto) nem tampouco um tecnoleto profissional (jargão), mas
um “socioleto queer” (PIRES, 2022).
Como uma variedade linguística empregada por um subgrupo social, o pajubá
corresponde à definição sociolinguística de socioleto. Nesse sentido, uma das características
necessárias de todo texto queer é a presença do socioleto queer empregado pela comunidade
LGBTAIAP+, como demonstra, por exemplo, o uso desse conceito na teoria da tradução
(PIRES, 2022): “[...] a tradução queer pode se referir a traduções de textos queer ou a traduções
feitas por tradutores que se identificam como queer” (LEWIS, 2010, p. 5, tradução nossa).

O texto queer

O uso do socioleto queer por parte de autores (inclusive tradutores) que se identificam
como membros dessa comunidade, a representação de personagens queer e a exploração de
artifícios disruptivos com as normas sociais, sexuais e de gênero são necessários, mas não
suficientes para definir o texto queer, já que essa identidade é, sobretudo, performaticamente
construída. A dimensão performática da construção social da identidade queer reúne uma face
linguística e outra extralinguística. Juntas, as faces do texto queer transmitem “a força

5
VEJA resolução de questão do Enem que aborda status do pajubá como o “dialeto secreto” dos gays e travestis.
G1, 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/enem/2018/noticia/2018/11/05/veja-resolucao-de-
questao-do-enem-que-aborda-status-do-pajuba-como-dialeto-secreto-dos-gays-e-travestis.ghtml. Acesso em: 3
maio 2022.
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O texto queer: Socioleto, dialogismo e ênfase

disruptiva inerente às representações queer” (ALVES, 2022, p. 10). Essa dimensão


performática corresponde àquilo que Harvey (1998) designou como a “ênfase” (emphatics) do
camp verbal.
Em inglês, o termo “emphatics” inclui o sentido pejorativo designado pela palavra
“afetação” em português. Com frequência, a “ênfase” pode ser expressa por meio da simples
entonação dada a uma determinada palavra, como exemplifica Sontag por meio do uso
metafórico das aspas: “Vê tudo com aspas. Não é uma lâmpada, mas uma ‘lâmpada’; não é uma
mulher, mas uma ‘mulher’” (SONTAG, 1964, p. 4, tradução nossa). O uso metafórico das aspas
em certas palavras corresponde ao conceito de “entonação”, presente na teoria bakhtiniana da
linguagem.
Como afirma o linguista russo Valentin Volóchinov, que pertenceu ao assim chamado
“Círculo de Bakhtin”, a entonação situa-se no limite entre o enunciado e o contexto verbal e
extraverbal: “A camada mais evidente, mas ao mesmo tempo mais superficial da avaliação
social contida na palavra é transmitida com a ajuda da entonação expressiva” (VOLÓCHINOV,
2019, p. 123, grifo do autor). Necessariamente atravessado pelos valores heteronormativos e
pelas representações falocêntricas, o texto queer os desconstrói por dentro em seus níveis
linguístico e extralinguístico, simultaneamente, como evidencia o seu uso metafórico de aspas,
ou entonação expressiva.
Assim, a performatividade do texto queer depende não apenas de elementos linguísticos,
mas também extralinguísticos: à “ressignificação” no nível linguístico, corresponde à uma
dimensão deliberadamente paródica no nível performático. Newton (1972, p. 106, grifo da
autora, tradução nossa) observa três aspectos presentes nas manifestações do camp: “[...] a
incongruência, a teatralidade e o humor”. Da mesma forma, esses são aspectos intrínsecos à
dimensão deliberadamente paródica no nível performático do texto queer. A convergência de
recursos verbais, como o uso de hipérboles e exclamações, e de recursos extraverbais, como a
gestualidade dramática, constitui uma performatividade deliberada que desafia as convenções
de comunicação e confronta as expectativas sociais de gênero. A ressignificação linguística e a
incongruência, teatralidade e humor performáticos são indissociáveis e explicam a dimensão
intrinsecamente parasitária e dialógica do texto queer, a qual é designada, justamente, pela
expressão “subcultura queer”.
A incongruência, a teatralidade e o humor envolvem o distanciamento autoconsciente
da identidade queer e podem se expressar por meio de variados recursos estéticos,
performáticos e políticos, como ocorre claramente na “subcultura” dos Ballrooms. Os

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Ballrooms constituem um estilo de vida formado por três elementos principais (BAILEY,
2013): o sistema de gênero, a estrutura de parentesco em torno de Houses (Casas) e os eventos
de competição (bailes). Nos Ballrooms, surgiram muitos elementos das subculturas queer,
como o vogue (estilo de dança caracterizado por movimentos provenientes da “pose” de
modelos em fotos de revistas de moda). A série norte-americana Pose (2018-2021), por
exemplo, retrata o surgimento da subcultura dos Ballrooms em uma comunidade de gays e
mulheres trans negras e latinas na cidade de Nova Iorque dos anos de 1980 e 1990 (PIRES,
2022).
Como a sua produção pode envolver distintos atores, como autores, tradutores, editores
e personagens ficcionais (literárias, teatrais ou audiovisuais), o texto queer não se limita à forma
escrita (presente, por exemplo, em artigos jornalísticos ou obras literárias), mas também pode
se manifestar em outros suportes, que incluem música (em particular, em canções), gesto (em
representações teatrais e performances artísticas), imagens (em quadros, esculturas ou
fotografias), ou todos esses suportes ao mesmo tempo (em produções audiovisuais). Por esse
motivo, nossa análise de textos queer procura apresentar exemplos retirados dos mais variados
suportes, como textos literários e jornalísticos, canções e obras audiovisuais.

A escrita queer

Criado na década de 1970 em meio à ditadura militar no Brasil, o jornal Lampião da


Esquina surgiu com o objetivo de representar e dar voz à marginalizada comunidade
homossexual. O jornal reunia reportagens, entrevistas e correspondências que tratavam da
vivência dos homossexuais e travestis, bem como de temas feministas e sociais em geral.
Nos textos jornalísticos assinados por Rafaela Mambaba (pseudônimo criado pelos
editores do jornal), por exemplo, se “exercitava o linguajar ferino e malicioso atribuído às
travestis e às bichas loucas” (SIMÕES; FACCHINI, 2009, p. 88-89). No número 2, de junho
de 1978, rebatendo uma crítica que o jornal Pasquim fizera, chamando o Lampião de “jornal
das tias”, Rafaela Mambaba (1978, p. 4) afirma:

Mauzinho! E continua o mesmo, hein? “Jornal das tias”: hum, hum, que
imaginação fertilíssima! Por que não das bichas, das bonecas, dos viados?
Ricas idéias: luz tosca do LAMPIÃO deve ser a do bisavô de quem escreveu.
A nossa continua acesa, acesíssima. Sinceramente sua, Rafaela Mambaba.

Além do uso repetido de diminutivos e superlativos que caracterizam a sua ênfase


hiperbólica, a interjeição “hum, hum” é um elemento claramente calcado na oralidade.Embora
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O texto queer: Socioleto, dialogismo e ênfase

estejam presentes em um texto escrito, esses elementos caracterizam a “entonação expressiva”


empregada por Rafaela Mambaba. Ela ainda termina a resposta aos seus críticos com uma
fórmula irônica de despedida, como se trocassem cartas íntimas: “Sinceramente sua”
(MAMBABA, 1978, p. 4).
A obra literária do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu é considerada “um marco para
a inclusão das discussões acerca da cultura gay e das representações homoeróticas” (LIMA;
STACUL, 2012, p. 6). No seu conto “Sargento Garcia” (1982), a ênfase do discurso da
personagem Isadora é representada na escansão das sílabas por meio de hifens na palavra
“adorar”, indicando a entonação expressiva utilizada: “Tenho certeza de que o mocinho vai a-
do-rar, ficar freguês de caderno” (ABREU, 2018, p. 373). Além disso, o socioleto queer
empregado por Isadora subverte constantemente as expectativas de gênero gramatical por meio
da ênfase na sua ambivalência genérica. Embora seja apresentada como Isadora, a personagem
não deixa de mencionar o seu nome masculino de batismo: “Isadora Duncan, [...] a minha ídola,
eu adoro tanto que adotei o nome. Já pensou se eu usasse o Valdemir que minha mãezinha me
deu?”
A mesma ambivalência da sua identidade de gênero é produzida na justaposição por
parte do narrador, Hermes, do mesmo adjetivo nos dois gêneros para caracterizar Isadora:
“Piscou íntimo, íntima, para o sargento e para mim” (ABREU, 2018, p. 372). Por vezes, a
ambivalência da sua identidade de gênero assume a característica de uma hesitação por parte
do narrador, como neste trecho: “[...] ela perguntava, e quase imediatamente corrigi, dentro da
minha própria cabeça, olhando melhor e mais atento, ele, dentro de um robe colorido” (ABREU,
2018, p. 372).

A canção queer

Da mesma maneira que a literatura queer, a música queer é composta por músicos
pertencentes a essa subcultura (PAES; SARROUY, 2022) ou por artistas que, de alguma forma,
dialogam com ela, como ocorre com grandes divas da música pop internacional. Na música
brasileira dos últimos cinco anos, a identidade queer foi absorvida por artistas ligados ao gênero
pop, como a cantora drag queen Pabllo Vittar, conferindo-lhe significativa visibilidade.

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Daniel Padilha Pacheco da COSTA; Gustavo Matheus PIRES e Rodolfo Gabriel ALVES

O cantor e compositor Gabeu (nome artístico de Gabriel Felizardo) é considerado o


precursor do gênero conhecido como “queernejo” ou “pocnejo”6. Nesse movimento musical,
músicos LGBTQIAP+ procuram conferir representatividade a essa subcultura através da
inserção de temáticas queer no repertório da música sertaneja, que é fortemente marcado por
identidades heteronormativas. Em “Amor Rural”, por exemplo, a primeira canção lançada pelo
cantor Gabeu, é narrado de forma satirizada um romance secreto ocorrido em contexto
campestre (espaço típico do gênero sertanejo) entre dois homens. O refrão dessa canção é:

Vamos assumir o nosso amor rural


Sai dеsse armário e vem pro mеu curral
Como nós, nunca se viu
Duas potranca no cio
Num cruzamento adoidado
Vamos assumir o nosso amor rural
Larga essa enxada e pega no meu...
Quero montar na sua cela, cavalgar até ela
Descobrir que nós é... viado (GABEU, 2019).

Em canções, as características do texto queer podem ser observadas em sua forma oral,
diferentemente da forma escrita adotada nos textos literários e jornalísticos. A entonação
expressiva adquire novos contornos graças ao suporte sonoro. No refrão de “Amor Rural”, são
utilizadas articulações vocais e entonações típicas da música sertaneja. No verso final, há uma
pausa dramática, seguida da palavra “viado”, pronunciada com uma entonação “afetada”.
Segundo o dialogismo do texto queer, o termo “viado” é usado em sentido ressignificado,
sintetizando a auto-descoberta da própria homossexualidade no contexto de opressão
heteronormativa dos espaços rurais. A mesma característica também se observa na descrição
explícita da atividade sexual, como nestes versos: “Duas potrancas no cio / Num cruzamento
adoidado”.
Além de cantora, Linn da Quebrada (nome artístico de Lina Pereira) é atriz e ativista
social brasileira. O seu primeiro álbum, chamado “Pajubá” (2017), funde ritmos do funk carioca
e do hip-hop para falar sobre a experiência da cantora, relatando a sua trajetória desde que
assumiu a homossexualidade até se reconhecer na identidade travesti. O título “Pajubá” designa
o socioleto queer, apresentado como uma linguagem dotada de um caráter artístico e criativo,
como a cantora afirma no anúncio do álbum: “Eu chamo esse álbum de pajubá, porque [...] é
construção de linguagem. É invenção. É ato de nomear” (QUEBRADA, 2017a).

6
Junção da palavra “sertanejo” com “poc”, a expressão “pocnejo” se baseia na ressignificação do termo “bicha
poc-poc”, antes usado de forma pejorativa para se referir a uma categoria de homens gays e afeminados com baixo
poder aquisitivo (ALONSO, 2005).
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O texto queer: Socioleto, dialogismo e ênfase

A última canção do disco, “A Lenda” narra parte da história de vida da cantora e, ao


mesmo tempo, reflete sobre o papel de artistas LGBTQIAP+ na arte e no entretenimento. O
refrão da canção é:

Eu tô bonita? (Tá engraçada)


Eu não tô bonita? (Tá engraçada)
Me arrumei tanto pra ser aplaudida
Mas até agora só deram risada
(QUEBRADA, 2017b).

No refrão, é estabelecido um dialogismo entre a sua história e a época do lançamento


do disco, quando se observava, pela primeira vez, o reconhecimento social de músicos
LGBTQIAP+ em espaços de destaque cultural do país.
Na canção “Enviadescer”, cujo título é um neologismo criado a partir da palavra
“viado”, é utilizado o anglicismo boy, como ocorre neste verso que antecede o refrão: “Se tu
quiser ficar comigo, boy” (QUEBRADA, 2017b). O uso do code-switching, sobretudo de
palavras e expressões oriundas do inglês, é uma característica do socioleto queer. No entanto,
o termo foi dialogicamente ressignificado, já que, neste caso, “boy” não possui o significado
literal da palavra em inglês (garoto), mas designa uma figura masculina afetiva e sexualmente
desejada ou desejante.

O audiovisual queer

Além do suporte sonoro já presente nas canções, as obras audiovisuais acrescentam a


imagem como elemento complementar com o qual o texto queer deve, necessariamente,
dialogar. No Brasil, a disseminação de caricaturas humorísticas em programas de TV ocorre há
décadas (PIRES, 2022). Em um esquete chamado “VIADA” (PORTA DOS FUNDOS, 2019,
s./p.) e lançado no youtube pela produtora de vídeos de comédia Porta dos Fundos, uma mulher
chamada Manuela cumprimenta os seus amigos gays dizendo, com uma entonação exagerada
e teatral (alongando e nasalizadando cada sílaba): “Inhaí, viados? Maravilhosas!”. Segundo
uma tendência apontada no primeiro verbete do dicionário AURÉLIA (VIP; LIBI, 2006), ela
também subverte o gênero gramatical, ao usar o gênero feminino para se dirigir a homens gays.
Nos diálogos seguintes, Manuela é repreendida pelos amigos por usar determinadas expressões
que, na boca de uma mulher heterossexual, podem assumir um sentido até mesmo ofensivo:

– Amiga, a gente preparou uma intervenção.


– Intervenção é meu edi, né bee? O que é que foi, gente? Vão ficar me xoxando
agora?
– Você tem que parar de falar assim, Manu.
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Daniel Padilha Pacheco da COSTA; Gustavo Matheus PIRES e Rodolfo Gabriel ALVES

– Meu cú. Desaquenda esse ebó e corta meu picumã.


– Quê?
– Meu cabelo, viado, bora cortar, mona.
– Quantas vezes eu vou ter que dizer que eu não sou cabeleireiro?
– Manu, o Luís é do mercado financeiro.
– Tô bege! Luísa, deixa de ser passivona, sua louca!
– Então, isso, por exemplo. Isso é um pouco ofensivo com ele.
– A louca sou eu, sua doida.
– Não, estou falando do passivona.
– Aonde? Não vem fazendo a egípcia pra mim, não, que você fica espalhando
por aí que você é a passivona.
– Não, eu posso porque eu sou.
– Eu também sou passivona.
– Não, amiga, você é mulher. Não tem isso pra mulher.
(PORTA DOS FUNDOS, 2019, transcrição nossa).

Pertencentes ao pajubá, expressões como “edi”, “ebó” e “picumã” são neologismos ou


palavras emprestadas de outros idiomas, principalmente do iorubá. Pronunciada pela
personagem de uma mulher cisgênero e heterossexual, a profusão de palavras do socioleto
queer visa produzir um efeito cômico. Usadas por heterossexuais, expressões como “passivona”
são insultos e, por gays, podem ter um sentido positivo ou negativo, mas jamais agressivo, já
que os falantes se enxergam como semelhantes. Ao ser empregado por Manuela para
caracterizar a si mesma, o termo é esvaziado de seu sentido, ridicularizando a sua ignorância
em relação à diversidade sexual dos amigos. O esquete pode ser considerado uma paródia das
caricaturas humorísticas da identidade queer criadas pelos veículos audiovisuais brasileiros.

Considerações finais

Embora seja um conceito-base no interior do campo transdisciplinar dos estudos queer,


sobretudo em sua intersecção com as áreas dedicadas aos estudos da linguagem, o texto queer
ainda não possui uma definição exaustiva. As definições de texto queer oferecidas pela
sociolinguística e pela teoria literária a partir dos conceitos de “socioleto queer” e de “literatura
queer” são necessárias, mas não suficientes para compreendê-lo. Para complementá-la,
procuramos dialogar com a concepção do camp verbal que, sintetizada por Harvey (1998) em
seis elementos, foram reorganizados por nós em torno de três aspectos indissociáveis entre si:
“socioleto”, “dialogismo” e “ênfase”.
Os elementos chamados de “subversão de gênero”, “code-switching entre línguas
estrangeiras” e “uso de léxico específico à subcultura queer” foram reunidos sob o conceito de
“socioleto queer”, segundo a concepção sociolinguística de variedade linguística. Os elementos
chamados de “intertextualidade” e de “descrição explícita de atividade sexual” foram
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O texto queer: Socioleto, dialogismo e ênfase

reinterpretados a partir da noção bakhtiniana de dialogismo que, aplicado à literatura queer,


permite descrever os artifícios literários que representam disruptivamente as subculturas queer
e as suas identidades sexuais e de gênero não-normativas. Reinterpretada com base no conceito
de “entonação expressiva” de Volóchinov (2019), o conceito de “ênfase” permitiu, por sua vez,
salientar a relação intrínseca entre as dimensões linguística e extralinguística no texto queer.
Retiradas da definição de camp (LEWIS, 2010), as noções de incongruência,
teatralidade e humor também podem ser aplicadas ao texto queer, cuja dimensão
intrinsecamente parasitária e dialógica pode se expressar de diferentes maneiras, desde as
exclamações e hipérboles linguísticas até uma gestualidade e paródia dramáticas.
Exemplarmente ilustrado na subcultura do Ballroom, o texto queer não é apenas o produto, mas
também o processo criativo para performar as diferenças e, assim, sobreviver subjetiva e
objetivamente, subvertendo artisticamente os ditames impostos em contextos de opressão das
identidades sexuais e de gênero não-normativas.

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