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Otextoqueer Socioletodialogismoeenfase
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Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Uberlândia – MG – Brasil. Professor do Programa de Pós-graduação
em Estudos Literários e do curso de graduação em Tradução. Professor Adjunto, Instituto de Letras e Linguística.
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Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Uberlândia – MG – Brasil. Bacharel em Tradução.
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Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Uberlândia – MG – Brasil. Bacharel em Tradução.
RIAEE – Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 18, n. esp. 1, e023008, 2023. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v18i00.16155 1
O texto queer: Socioleto, dialogismo e ênfase
PALABRAS CLAVE: Estudios queer. Sociolecto queer. Dialogismo. Énfasis. Texto queer.
ABSTRACT: Although the concept of queer text holds fundamental importance within the
transdisciplinary field of Queer Studies, particularly at the intersection with Language Studies,
an exhaustive definition for this notion is still lacking. Initially, we discuss the definitions of
queer text provided by sociolinguistics and literary theory, based on the concepts of queer
sociolect and literature, respectively. These definitions are necessary, but insufficient to fully
understand it. Through dialogue with the concept of verbal camp and emphasizing the intrinsic
relationship between its linguistic and extralinguistic dimensions, we propose our own
definition of queer text, delineating three interconnected aspects: queer sociolect, dialogism,
and emphatics. Finally, we illustrate our own definition through the analysis of excerpts from
literary and journalistic texts, songs, and audiovisual works.
Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e023008, 2023. e-ISSN: 2594-8385
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v18i00.16155 2
Daniel Padilha Pacheco da COSTA; Gustavo Matheus PIRES e Rodolfo Gabriel ALVES
Introdução
Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e023008, 2023. e-ISSN: 2594-8385
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O texto queer: Socioleto, dialogismo e ênfase
suas áreas específicas de conhecimento, nossa definição desse conceito dialoga com a ideia de
camp verbal (HARVEY, 1998; MAZZEI, 2007; ALVES, 2022).
Neste artigo, discutiremos, inicialmente, as definições de texto queer a partir dos
conceitos de socioleto e literatura queer, segundo as concepções de discurso e de linguagem
oriundas da sociolinguística ou da teoria literária, respectivamente. Em seguida, propomos
nossa própria definição do texto queer que, baseada no diálogo com o conceito de camp verbal
e na exploração da relação intrínseca entre as suas dimensões linguística e extralinguística,
distingue a presença de três aspectos indissociáveis entre si: socioleto queer, dialogismo e
ênfase. Finalmente, ilustramos nossa definição do texto queer por meio da análise de exemplos
retirados de obras literárias e jornalísticas, de canções e de obras audiovisuais.
A literatura queer
Em inglês, a palavra “queer” era utilizada, a princípio, para denominar algo estranho,
excêntrico ou pessoas que se comportavam de forma não aceita socialmente. A partir do final
do século XIX, o termo ganhou uma conotação pejorativa, passando a ser utilizado como ofensa
contra homens gays ou considerados femininos. Em uma carta lida durante o julgamento que
condenou Oscar Wilde à prisão por ser homossexual, John Douglas (o marquês de Queensbery)
não esconde a sua repulsa pela relação homoafetiva entre o seu filho, Alfred Douglas, e o
célebre escritor irlandês, ao utilizar a expressão “snob queers” (apud HALL, 2016).
O termo passou por um processo de ressignificação, como demonstra a sua primeira
definição em The Concise New Partridge Dictionary of Slang and Unconventional English
(DALZELL; VICTOR, 2007, p. 524, tradução nossa): “Queer adjetivo 1 homossexual.
Depreciativo de fora, não de dentro EUA, 1914”. Segundo a concepção sociológica de
linguagem de Bakhtin (2015), a língua não é apenas um sistema estável de formas normativas
e idênticas de linguagem, como defendia a concepção estruturalista de Saussure, mas é,
sobretudo, socialmente estratificada em variedades linguísticas banhadas em valores
contraditórios. Os conteúdos objetivos da linguagem só existem na escrita ou na fala viva em
relação a certa ênfase valorativa, sem a qual nenhuma palavra pode ser escrita ou dita. Como
evidencia o verbete citado anteriormente, o sentido do próprio termo “queer” varia
diametralmente segundo os valores sociais e a identidade sexual e de gênero de quem o
emprega.
A ressignificação de insultos ou ofensas é uma característica central do socioleto queer.
Em seu sentido ressignificado, o termo passou a ser utilizado para denominar diversos
Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e023008, 2023. e-ISSN: 2594-8385
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Preferimos evitar o uso dessa sigla, já que ela está em constante mudança e poderia ser rapidamente superada.
Essa mudança se observa, seja nos acréscimos (começando com GLS, depois LGBT, depois LGBTQ e em diante),
seja na ordem (TLGB, na intenção de aumentar a visibilidade da causa trans).
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O texto queer: Socioleto, dialogismo e ênfase
Podemos concluir que, para ser definida como queer, uma obra literária deve incluir não
apenas personagens lésbicos, gays ou transsexuais, mas também concepções múltiplas sobre a
sexualidade e o gênero, cuja ruptura com as normas tradicionais de sexualidade, gênero e
família destacam-se por meio de artifícios literários a natureza queer do texto. Da mesma forma
que a palavra “queer” foi ressignificada em inglês por meio de sua apropriação pela comunidade
LGBTAIAP+, a própria literatura queer encena personagens que, por meio do diálogo com as
representações socialmente desprestigiadas de si mesmas, subvertem as normas sociais, sexuais
e de gênero predominantes em determinado contexto sociocultural.
O socioleto queer
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O texto queer
O uso do socioleto queer por parte de autores (inclusive tradutores) que se identificam
como membros dessa comunidade, a representação de personagens queer e a exploração de
artifícios disruptivos com as normas sociais, sexuais e de gênero são necessários, mas não
suficientes para definir o texto queer, já que essa identidade é, sobretudo, performaticamente
construída. A dimensão performática da construção social da identidade queer reúne uma face
linguística e outra extralinguística. Juntas, as faces do texto queer transmitem “a força
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VEJA resolução de questão do Enem que aborda status do pajubá como o “dialeto secreto” dos gays e travestis.
G1, 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/enem/2018/noticia/2018/11/05/veja-resolucao-de-
questao-do-enem-que-aborda-status-do-pajuba-como-dialeto-secreto-dos-gays-e-travestis.ghtml. Acesso em: 3
maio 2022.
Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e023008, 2023. e-ISSN: 2594-8385
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O texto queer: Socioleto, dialogismo e ênfase
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Daniel Padilha Pacheco da COSTA; Gustavo Matheus PIRES e Rodolfo Gabriel ALVES
Ballrooms constituem um estilo de vida formado por três elementos principais (BAILEY,
2013): o sistema de gênero, a estrutura de parentesco em torno de Houses (Casas) e os eventos
de competição (bailes). Nos Ballrooms, surgiram muitos elementos das subculturas queer,
como o vogue (estilo de dança caracterizado por movimentos provenientes da “pose” de
modelos em fotos de revistas de moda). A série norte-americana Pose (2018-2021), por
exemplo, retrata o surgimento da subcultura dos Ballrooms em uma comunidade de gays e
mulheres trans negras e latinas na cidade de Nova Iorque dos anos de 1980 e 1990 (PIRES,
2022).
Como a sua produção pode envolver distintos atores, como autores, tradutores, editores
e personagens ficcionais (literárias, teatrais ou audiovisuais), o texto queer não se limita à forma
escrita (presente, por exemplo, em artigos jornalísticos ou obras literárias), mas também pode
se manifestar em outros suportes, que incluem música (em particular, em canções), gesto (em
representações teatrais e performances artísticas), imagens (em quadros, esculturas ou
fotografias), ou todos esses suportes ao mesmo tempo (em produções audiovisuais). Por esse
motivo, nossa análise de textos queer procura apresentar exemplos retirados dos mais variados
suportes, como textos literários e jornalísticos, canções e obras audiovisuais.
A escrita queer
Mauzinho! E continua o mesmo, hein? “Jornal das tias”: hum, hum, que
imaginação fertilíssima! Por que não das bichas, das bonecas, dos viados?
Ricas idéias: luz tosca do LAMPIÃO deve ser a do bisavô de quem escreveu.
A nossa continua acesa, acesíssima. Sinceramente sua, Rafaela Mambaba.
A canção queer
Da mesma maneira que a literatura queer, a música queer é composta por músicos
pertencentes a essa subcultura (PAES; SARROUY, 2022) ou por artistas que, de alguma forma,
dialogam com ela, como ocorre com grandes divas da música pop internacional. Na música
brasileira dos últimos cinco anos, a identidade queer foi absorvida por artistas ligados ao gênero
pop, como a cantora drag queen Pabllo Vittar, conferindo-lhe significativa visibilidade.
Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e023008, 2023. e-ISSN: 2594-8385
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Daniel Padilha Pacheco da COSTA; Gustavo Matheus PIRES e Rodolfo Gabriel ALVES
Em canções, as características do texto queer podem ser observadas em sua forma oral,
diferentemente da forma escrita adotada nos textos literários e jornalísticos. A entonação
expressiva adquire novos contornos graças ao suporte sonoro. No refrão de “Amor Rural”, são
utilizadas articulações vocais e entonações típicas da música sertaneja. No verso final, há uma
pausa dramática, seguida da palavra “viado”, pronunciada com uma entonação “afetada”.
Segundo o dialogismo do texto queer, o termo “viado” é usado em sentido ressignificado,
sintetizando a auto-descoberta da própria homossexualidade no contexto de opressão
heteronormativa dos espaços rurais. A mesma característica também se observa na descrição
explícita da atividade sexual, como nestes versos: “Duas potrancas no cio / Num cruzamento
adoidado”.
Além de cantora, Linn da Quebrada (nome artístico de Lina Pereira) é atriz e ativista
social brasileira. O seu primeiro álbum, chamado “Pajubá” (2017), funde ritmos do funk carioca
e do hip-hop para falar sobre a experiência da cantora, relatando a sua trajetória desde que
assumiu a homossexualidade até se reconhecer na identidade travesti. O título “Pajubá” designa
o socioleto queer, apresentado como uma linguagem dotada de um caráter artístico e criativo,
como a cantora afirma no anúncio do álbum: “Eu chamo esse álbum de pajubá, porque [...] é
construção de linguagem. É invenção. É ato de nomear” (QUEBRADA, 2017a).
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Junção da palavra “sertanejo” com “poc”, a expressão “pocnejo” se baseia na ressignificação do termo “bicha
poc-poc”, antes usado de forma pejorativa para se referir a uma categoria de homens gays e afeminados com baixo
poder aquisitivo (ALONSO, 2005).
Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e023008, 2023. e-ISSN: 2594-8385
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O texto queer: Socioleto, dialogismo e ênfase
O audiovisual queer
Considerações finais
REFERÊNCIAS
ALONSO, N. T. Q. Do Arouche aos Jardins: uma gíria da diversidade sexual. 2005. 170 f.
Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa) – Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2005. Disponível em:
https://repositorio.pucsp.br/jspui/handle/handle/14308. Acesso em: 7 maio 2022.
CANAL BRASIL. Judith Butler debate os problemas de gênero com Linn da Quebrada e Jup
do Bairro | Transmissão. [S. l.: s. n.], 22 jun. 2021. 1 vídeo (52 min). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=DMge3Uc9sUs. Acesso em: 7 maio 2022.
DALZELL, T.; VICTOR, T. (ed.). The Concise New Partridge Dictionary of Slang and
Unconventional English. London; New York: Routledge, 2007.
GABEU. Amor Rural. [S. l.: s. n.], 25 maio 2016. 1 vídeo (3 min). Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=0U-CxqgzCPU. Acesso em: 6 maio 2022.
HALL, J. Tracing the history of the word “queer”. Dazed, London, 28 jul. 2016. Disponível
em: https://www.dazeddigital.com/artsandculture/article/32213/1/tracing-the-history-of-the-
word-queer. Acesso em: 12 fev. 2022.
HARVEY, K. Translating Camp Talk: Gay Identities and Cultural Transfer. The Translator,
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LIMA, R. G.; STACUL, J. F. “Ninguém esquece uma mulher como Isadora”: A construção
da personagem travesti em Sargento Garcia, de Caio Fernando Abreu. In: CONGRESSO
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6., 2012, Salvador. Anais [...]. Salvador: UFBA, 2012. p. 1-12.
PAES, R. E.; SARROUY, A. D. Quando a música é queer. In: SARROUY, A. D.; CAMPOS,
R.; SIMÕES, J. A. V. A arte de construir cidadania: Juventude, práticas e ativismo. 1. ed.
Lisboa: Tinta-da-china, 2022. p. 131-153. Disponível em:
https://www.buala.org/pt/corpo/quando-a-musica-e-queer. Acesso em: 6 maio 2023.
PORTA DOS FUNDOS. Viada. [S. l.: s. n.], 22 jul. 2019. 1 vídeo (2 min). Disponível em:
https://youtu.be/l7qLkt4Ptug. Acesso em: 7 maio 2022.
SONTAG, S. Notes on “Camp”. In: SONTAG, S. Against interpretation: and other essays,
[S. l.]: Picador, 1964. p. 191-202.
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Doxa: Rev. Bras. Psico. e Educ., Araraquara, v. 24, n. esp. 1, e023008, 2023. e-ISSN: 2594-8385
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v18i00.16155 16
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