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A VIÚVA DE GAL COSTA

As astúcias da misteriosa Wilma Petrillo – e o impacto


na carreira da cantora

G al Costa, vestindo um conjunto de cetim preto e com os cabelos

armados ao vento, andava de um lado para o outro na coxia escura. Lá


fora, milhares de pessoas se espremiam numa praça de Vitória da
Conquista, na Bahia, esperando para ouvi-la. Estava tudo pronto para o
show começar – o violão afinado, a mesa de som regulada –, mas Gal se
recusava a ligar o microfone. Tinha medo de subir no palco e ser
algemada pela polícia na frente de todos. Mais cedo, naquele domingo de
dezembro de 2012, uma viatura policial havia estacionado na porta da
pousada onde a artista se hospedava e intimado a sua companheira e
empresária, Wilma Petrillo, a prestar depoimento na delegacia, sob a
acusação de ameaçar e perseguir o médico Bruno Prado, então com 31
anos.

Vindo de uma família de médicos respeitada na sociedade baiana, Prado


ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia quando fez 18 anos. Era
apaixonado por Caetano Veloso, João Gilberto e Gal Costa. Em 2003, ele
soube que a cantora faria um show no Teatro Castro Alves em Salvador e
decidiu ligar para perguntar se podia levar lírios ao camarim. Quem
atendeu a ligação foi Wilma Petrillo. Ela o autorizou a levar as flores e
ficou encantada ao saber que Prado estudava medicina.

Ao longo da semana que antecedeu o evento, Petrillo ligou algumas vezes


para perguntar se ele estava confirmado no show. Em uma das conversas,
soube que Prado tinha pagado mais caro pelo ingresso. Ela armou uma
confusão com o teatro e tirou do próprio bolso o valor excedente que
Prado pagara. Desculpou-se e, para compensar o transtorno, disse que o
jovem teria livre acesso ao camarim de Gal. Na data combinada, ele foi,
entregou os lírios à cantora e permaneceu algumas horas conversando
com Petrillo, que alternava frases em inglês e português. Nunca tirava os
óculos escuros.

Daí em diante, ele passou a ser incluído nos jantares de Gal e Petrillo, que
estavam vivendo em Salvador, e das quais acabou ficando amigo. Chegou
a acompanhá-las em turnês internacionais e, dada a influência de sua
família, arranjava os melhores médicos da Bahia para atendê-las. Com o
tempo, passou a trocar confidências com Petrillo, que ligava tarde da
noite para desabafar sobre os problemas financeiros que enfrentava com
Gal. Um dia, sentiu confiança para contar que estava apaixonado por
outro homem. “Ser gay era o segredo da minha vida, meus pais não
podiam nem sonhar”, disse ele em entrevista à piauí.

G al Costa, vestindo um conjunto de cetim preto e com os cabelos

armados ao vento, andava de um lado para o outro na coxia escura. Lá


fora, milhares de pessoas se espremiam numa praça de Vitória da
Conquista, na Bahia, esperando para ouvi-la. Estava tudo pronto para o
show começar – o violão afinado, a mesa de som regulada –, mas Gal se
recusava a ligar o microfone. Tinha medo de subir no palco e ser
algemada pela polícia na frente de todos. Mais cedo, naquele domingo de
dezembro de 2012, uma viatura policial havia estacionado na porta da
pousada onde a artista se hospedava e intimado a sua companheira e
empresária, Wilma Petrillo, a prestar depoimento na delegacia, sob a
acusação de ameaçar e perseguir o médico Bruno Prado, então com 31
anos.

Vindo de uma família de médicos respeitada na sociedade baiana, Prado


ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia quando fez 18 anos. Era
apaixonado por Caetano Veloso, João Gilberto e Gal Costa. Em 2003, ele
soube que a cantora faria um show no Teatro Castro Alves em Salvador e
decidiu ligar para perguntar se podia levar lírios ao camarim. Quem
atendeu a ligação foi Wilma Petrillo. Ela o autorizou a levar as flores e
ficou encantada ao saber que Prado estudava medicina.

Ao longo da semana que antecedeu o evento, Petrillo ligou algumas vezes


para perguntar se ele estava confirmado no show. Em uma das conversas,
soube que Prado tinha pagado mais caro pelo ingresso. Ela armou uma
confusão com o teatro e tirou do próprio bolso o valor excedente que
Prado pagara. Desculpou-se e, para compensar o transtorno, disse que o
jovem teria livre acesso ao camarim de Gal. Na data combinada, ele foi,
entregou os lírios à cantora e permaneceu algumas horas conversando
com Petrillo, que alternava frases em inglês e português. Nunca tirava os
óculos escuros.

Daí em diante, ele passou a ser incluído nos jantares de Gal e Petrillo, que
estavam vivendo em Salvador, e das quais acabou ficando amigo. Chegou
a acompanhá-las em turnês internacionais e, dada a influência de sua
família, arranjava os melhores médicos da Bahia para atendê-las. Com o
tempo, passou a trocar confidências com Petrillo, que ligava tarde da
noite para desabafar sobre os problemas financeiros que enfrentava com
Gal. Um dia, sentiu confiança para contar que estava apaixonado por
outro homem. “Ser gay era o segredo da minha vida, meus pais não
podiam nem sonhar”, disse ele em entrevista à piauí.

Sete anos depois, em dezembro de 2010, Prado foi convidado para assistir
à formatura de Gabriel, o filho de Gal, no maternal. Na manhã do dia do
evento, Petrillo ligou: “Passe aqui em casa para irmos juntos até a
creche”. O endereço era o Morada dos Cardeais, condomínio de luxo no
bairro da Vitória, cujos apartamentos têm varandas com vista para o mar
de Salvador. Petrillo estava sozinha em casa. “Cadê a patroa?”,
perguntou Prado, recorrendo ao apelido que a empresária usava para se
referir a Gal. “Ela teve que passar no cabeleireiro”, respondeu Petrillo, e
começou a chorar. Segundo a lembrança de Prado, ela disse: “Bruninho, a
Gal fez uma cirurgia no olho, e eu descobri que também vou precisar
operar o meu, só que estamos sem dinheiro. Eu preciso de qualquer valor
que você puder me emprestar, mas agradecerei muito se for algo entre 10
e 15 mil reais.” Ele quase caiu para trás. Petrillo acrescentou: “Eu disse à
Gal que estava indecisa quanto a te pedir, mas ela falou que você é tão
nosso amigo…” Prado conta que se sensibilizou e disse que faria o
possível para ajudar na cirurgia. Petrillo sorriu e secou as lágrimas do
rosto. Pouco depois, Gal chegou ao apartamento e todos partiram para a
formatura de Gabriel. No dia seguinte, segunda-feira, Prado mandou
entregar na casa de Gal e Petrillo um envelope amarelo com 15 mil reais.

Estava aberta a sua temporada no inferno.


“E u quero saber o que está acontecendo”, repetia Gal,

naquela coxia escura em Vitória da Conquista. As horas passavam e o seu


produtor Ricardo Frugoli se empenhava em não contar a verdade para a
cantora. Na delegacia da cidade, Petrillo gritava com os policiais sem tirar
os óculos escuros, enquanto Prado tremia e suava frio.

Na época em que deveria receber o dinheiro de volta, ele deixou de ser


convidado para os shows e para a casa de Gal. Também não conseguia
mais se comunicar com Petrillo. No círculo cultural de Salvador, começou
a ouvir histórias sobre golpes que a empresária teria aplicado. Diziam
que Petrillo era uma pessoa ardilosa, de quem até os amigos de Gal
preferiam manter distância, mas os boatos não combinavam com o
companheirismo e a lealdade da mulher que Prado conheceu.

Um dia ela atendeu ao telefone, e o médico cobrou o dinheiro. A


empresária respondeu que faria a devolução em trinta dias. Passou-se um
ano, quase dois anos, e nada. Certa vez, ela disse a Prado: “Se você
continuar me cobrando, eu vou fazer uma coisa muito bonitinha: conto
para o teu pai que você é viado.”

“Quando ela falou isso, eu tremi”, diz o médico. Ele então conta que
decidiu escrever um e-mail para Gal revelando toda a história. A cantora
ligou, com a voz triste, dizendo que não sabia de nada e garantiu que
Petrillo lhe enviaria um cheque. Acrescentou que seria melhor ele se
afastar por um tempo porque ela não queria ter problemas com Petrillo.
O cheque prometido não chegou de imediato, mas Petrillo honrou a
ameaça: enviou para o consultório do pai de Prado um envelope com
uma foto dele beijando o namorado – era uma imagem que o próprio
Prado havia compartilhado com Petrillo quando ainda se davam bem.
Prado conta que, mais tarde, ela ligou para o seu pai e expôs a sua
intimidade. O efeito foi o inverso do que Petrillo planejara: Prado,
entrando num período de tristeza e pensamentos suicidas, foi acolhido
pela família.
Quando a Prefeitura de Vitória da Conquista anunciou o show de Gal
Costa em praça pública, o pai de Prado deixou um advogado e o
delegado em alerta para o caso de Petrillo fazer novas ameaças ao filho, o
que aconteceu assim que ela chegou à cidade. “Você vai tomar uma surra
tão bonita que vai aprender a respeitar os outros”, escreveu para Bruno
por SMS. “Ela dizia coisas como ‘Você não tem vergonha de pedir
dinheiro para uma mulher mais velha, sua bicha?’” Em 2012, Petrillo
tinha 62 anos, cinco a menos que Gal. Em pânico, Prado ligou para o pai,
que disse que estava na hora de dar um basta naquelas ameaças.

Na delegacia, a ocorrência foi registrada assim:

Relata o comunicante [Prado] que vem recebendo via celular do


número […] ligações de ameaça nas quais a pessoa sempre diz que vai agredi-lo
fisicamente, que para além das ligações existem também mensagens de voz nas
quais dizem que é melhor para o comunicante não sair de casa pois caso isso
aconteça ele sofrerá sérias consequências. Que tais ameaças estão sendo feitas pela
pessoa de nome Vilma Petrilo [o escrivão trocou o W pelo V e eliminou um
L], pessoa esta que não reside em Vitória da Conquista, mas se encontra
hospedada no Hotel Pousada da Conquista, no apartamento 104. As partes
compareceram em audiência nesta delegacia às 21:00 horas e a sra. Vilma Petrillo
se retratou, comprometendo-se a não repetir tais condutas. É o relato.

Pula uma linha.

Fato delituoso: sim; Natureza do fato: (CRIME CONTRA A PESSOA)


AMEAÇA (CÓDIGO PENAL, ARTIGO 147); Órgão destinatário: 10ª
Coordenadoria de Polícia – VITÓRIA DA CONQUISTA.

O registro foi auditado pela delegada Lusdenes Batista Silva, às 21h20.


Petrillo foi liberada e levada de viatura até o local do show. Só então Gal
aceitou subir no palco. Nervosa, errou as letras das músicas. Não se sabe
que explicação Petrillo deu a Gal. Nem Prado, nem Frugoli falaram do
assunto com a cantora.

Seguindo o conselho da família, Prado foi para Nova York duas semanas
depois para aliviar o estresse. Ele conta que, um dia, Petrillo ligou para
seu celular, dizendo que sabia o nome do hotel em que estava hospedado
e, por ter morado na cidade, conhecia gente que poderia dar um jeito
nele. O médico teve uma crise de pânico e pegou um trem para a casa de
um amigo em Massachusetts, onde ficou até as ameaças cessarem. Meses
depois, recebeu o cheque de Petrillo com a devolução de todo o dinheiro.
Nunca mais falou com ela, nem com Gal. Hoje tem 41 anos e diz que esse
foi um dos piores traumas da sua vida.

Para Ricardo Frugoli, o período em que trabalhou com Petrillo é uma


época de más lembranças. O produtor teve contato com contratantes de
shows do Brasil e da Europa que perderam o interesse em Gal Costa em
razão, segundo ele, do comportamento da empresária, que destratava os
profissionais, aplicava taxas de última hora para tirar vantagem dos
organizadores dos eventos e fazia acusações infundadas de furto. Frugoli
também conta que testemunhou casos de amigos e familiares da cantora
que se afastaram dela, e de ex-funcionários que tiveram episódios de
depressão por causa das humilhações que aconteciam nos bastidores.

Um dia, cansado de tudo, ele aproveitou uma carona com Gal para contar
o que estava acontecendo. Disse que Petrillo barrava ofertas de trabalho
que chegavam e que certos produtores internacionais se recusavam a
contratá-la por causa da índole da empresária. “Você pode ganhar o
dobro do que vem ganhando”, disse ele a Gal. A cantora bateu os punhos
fechados no volante do carro. “Estão tentando me roubar, Ricardo?”,
perguntou. Frugoli conseguiu acalmá-la, dizendo que ainda havia tempo
de contornar a situação.

No dia seguinte, chegou para trabalhar e estava tudo como antes. Gal o
tratava com a gentileza e a serenidade de sempre – e nunca voltou a falar
no assunto. Petrillo continuou à frente dos negócios e ainda o humilhava,
chamando-o de “burraldino” e fazendo comentários a respeito do seu
sobrepeso. “Eu tolerava por causa da Gal”, diz Frugoli. “Durante muito
tempo, fui o cara que não deixou a bomba explodir. Continuar ali era
importante para protegê-la do que vinha acontecendo na carreira e dentro
de casa.”

No final de julho de 2013, Frugoli acertou os detalhes de um show


diretamente com Gal. Petrillo não gostou e escreveu por SMS: “Ricardo,
pq nunca responde aos meus torpedos??? Nunca!!! (…) Tenho uma
surpresinha p vc.” Depois, acrescentou: “Favor enviar horários de voos e
hotéis. Não estou brincando.” Com medo das ameaças e do descontrole
de Petrillo, ele acordou no dia 31 e decidiu prestar queixa no 4º Distrito
Policial da Consolação, em São Paulo. A ocorrência foi emitida às 8h30
pelo escrivão Edvaldo Prado da Silva e assinada pelo delegado Paulo
Cesar de Freitas. Segue a íntegra, tal como foi originalmente escrita:

Comparecem nesta DELPOL, a pessoa de Ricardo Frugoli, o qual relata que vem
recebendo ligações telefônicas oriundas do fone […], bem como correspondências
eletrônicas via internet, por meio das quais a pessoa da autora Wilma Theodoro
Petrillo [o escrivão acrescentou um H], vem lhe proferindo ameaças a sua
integridade física, dentre elas relata que vai acabar com a pessoa do declarante,
salienta que além de ameaças por telefone a autora lhe profere pessoalmente em
seu trabalho situado no local dos fatos. Diante do acima narrado, dirigiu-se a esta
Unidade a fim de registrar o presente para serem tomadas as providencias
cabíveis. Vítima foi orientada quanto ao prazo e procedimento legal, para
representar em desfavor da autora, independentemente de intimação, se assim
desejarem.

Quatro dias depois, Frugoli foi dispensado do trabalho de produtor. Dois


anos mais tarde, em 2015, entrou com uma ação na Justiça, pedindo
anotação na carteira de trabalho e todos os benefícios trabalhistas, além
de indenização por assédio moral. Sua causa foi julgada improcedente em
primeira instância. Frugoli entrou com recurso, mas a Justiça voltou a
entender que não tinha direito às questões trabalhistas, nem conseguira
provar o assédio moral. “Com a perda do processo, é como se eu não
tivesse existido na vida de Gal”, lamenta Frugoli. Ele abandonou a área
cultural, na qual também trabalhou com Dionne Warwick e Mercedes
Sosa, e hoje comanda um projeto social de reabilitação de usuários de
drogas, em São Paulo. Quando recebeu a notícia da morte de Gal,
ocorrida em 9 de novembro do ano passado, se pegou pensando por que
ela confiou quase trinta anos de sua vida a Petrillo.

U ma das artistas mais relevantes da MPB, cuja carreira se

estendeu por quase seis décadas, Gal Costa deixou uma herança
minguada para o filho. Uma busca em cartórios de registros de imóveis
no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia mostra que o item de maior valor é
uma casa no bairro paulistano dos Jardins. O imóvel foi adquirido por 5
milhões de reais em 2020, depois que o apartamento em que morava na
Alameda Itu precisou ser vendido para quitar dívidas. Um ex-
funcionário, que trabalhou com Gal até sua morte e conversou com
a piauí em cinco ocasiões, sempre por celular, diz que a conta bancária da
cantora era um “buraco negro”. Mesmo fazendo turnê atrás de turnê,
disco atrás de disco, o dinheiro entrava e era engolido. Treze pessoas
ouvidas pela piauí – seis ex-funcionários que trabalharam com Gal, seis
amigos da cantora e um parente – concordam em um aspecto: as finanças
da cantora foram minadas no período em que Petrillo e Gal estiveram
juntas.

As dívidas se estendiam a restaurantes, ao Colégio Dante Alighieri (onde


estudou o filho de Gal, em São Paulo), a empregados domésticos e,
segundo uma produtora que chegou a ter acesso a contas internacionais
de Gal, até à Receita Federal norte-americana. Pouco antes da morte da
cantora, o Carnegie Hall, de Nova York, estava interessado em contratar
uma série de shows. “Na próxima vez que ligarem, diga que a Gal não
gosta de se apresentar nos Estados Unidos”, ordenou Petrillo ao
funcionário que recebeu a demanda do Carnegie Hall. Mais tarde, esse
mesmo funcionário, em conversa com Gal, lamentou que a cantora não
gostasse de se apresentar nos Estados Unidos. “Isso é mentira”, reagiu
Gal. Aos íntimos, a cantora dizia que o seu nome estava sujo junto à
Receita nos Estados Unidos porque Petrillo vendera um imóvel dela em
Nova York e não pagara os impostos devidos. Temendo ser presa, Gal
evitava ir ao país. Seu último show lá aconteceu em 2011.

Petrillo era a pessoa que cuidava das contas domésticas e também era a
empresária responsável pela Baraka Produções Artísticas, a GMC
Produções Artísticas e a Wilclick Produções Artísticas, empresas que
negociavam os shows de Gal. Havia dois funcionários que se dividiam
entre o trabalho no escritório e as demandas da vida pessoal de Gal e
Petrillo: o almoço, o jantar, as malas de viagem, o pagamento das contas,
o saque de dinheiro no banco. Um deles contou à piauí que, em 2015,
testemunhou Gal inquirir a parceira: “O dinheiro entra e some, as dívidas
não param de chegar. Que tipo de empresária é você?” Petrillo
respondeu: “Você é uma velha, as pessoas não querem mais te contratar.”
O funcionário conta que houve um momento de atrito físico. A cena
aconteceu na sala de estar do apartamento de Gal, na Alameda Itu.
Os shows continuavam a ser vendidos, mas alguns não chegaram a
acontecer. O mesmo empregado se lembra de receber telefonemas de
produtores furiosos. Até que um empresário gaúcho, Márcio André Melo
da Silva, ligou ameaçando-o de processo porque pagara para contratar
um show de Gal, mas não recebera os papéis assinados por Petrillo. O
funcionário decidiu relatar à cantora o que estava acontecendo. “Se eu
largo a Wilma, ela leva metade de tudo que eu tenho, sem nunca ter
trabalhado de verdade para conseguir alguma coisa”, disse Gal, segundo
o funcionário. Procurado pela piauí, Melo da Silva não quis se manifestar.
“Não tenho interesse de falar porque acredito que isso não vai levar a
nada.”

W ilma Teodoro Petrillo (seu sobrenome de solteira é Araújo)

nasceu em 1950, em São Paulo. Filha do segundo casamento da


professora Vitalina Ramos Araújo com o comerciante Celso Teodoro
Araújo, foi criada com os quatro irmãos – Anna, Ana Cristina, Celso e
Saladino. Seu tio-avô, Saladino Cardoso Franco, foi prefeito do extinto
município paulista de São Bernardo, que corresponde hoje ao território
das cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do
Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.

Ela cresceu numa casa no bairro do Brooklin, na capital paulista, e nunca


fez faculdade. Na juventude, se vestia como hippie e saía com músicos
amadores. Conheceu assim Claudio Ricardo Petrillo, integrante de uma
banda de garagem, que se tornaria seu marido. Ele entrou para a Escola
Paulista de Medicina. “Claudio foi o único de nós, dos quatros irmãos, a
não trabalhar desde cedo porque reservava o tempo para os estudos. Era
um garoto acima da média”, diz Cyro Petrillo, irmão de Claudio. Depois
da formatura, ele e Wilma se casaram e se mudaram para os Estados
Unidos, onde Claudio fez residência médica na Universidade de Nova
York.

Certo dia, caminhando pela Bleecker Street, no West Village, Wilma


esbarrou com o músico Paulo Lima, que tinha acabado de produzir no
Brasil o show Gal a Todo Vapor. “Ela me disse que queria aprender a tocar
violão”, relembra o músico. “Fez uma ou duas aulas comigo e desistiu,
mas continuamos nos frequentando.” O apartamento do casal Petrillo se
tornara um ponto de encontro de brasileiros em Nova York na metade da
década de 1970, frequentado por modelos, atrizes, produtores de cinema
e figuras da música. O casamento, que não gerou filhos, terminou na
virada para a década de 1980. Claudio concluiu a residência médica e se
mudou para Connecticut para chefiar o departamento de medicina e
reabilitação física do Norwalk Hospital. Deixou com a mulher o
apartamento em Nova York e passou a pagar uma pensão. Claudio não
respondeu os pedidos de entrevista da piauí.

Em 1982, a modelo Betty Prado chegou a Nova York. Com apenas 20


anos, era a primeira brasileira a participar do Supermodel of the World, o
maior concurso internacional de modelos. Ela conheceu Wilma Petrillo, e
as duas começaram a namorar. Costumavam se divertir em Nova York ao
lado da atriz Sonia Braga, que se preparava para atuar em filmes norte-
americanos. Betty Prado já comentou com amigos que foi lesada
financeiramente pela parceira e teve que voltar ao Brasil para se
recompor. Procurada pela piauí, a modelo limitou-se a dizer: “Isso é
passado e está enterrado.” E completou: “Desejo que o universo conspire
e te ajude a descortinar esses golpes.”

Na ausência de Betty Prado, Petrillo estreitou os laços com Sonia Braga.


As duas aparecem sorridentes em fotografias da época. Anos depois, em
1997, em entrevista ao Roda Viva, a atriz contou que morou com Petrillo –
a quem ela chamou de “amiga” – num momento em que a sua carreira
passava por uma mudança. Em 1985 estreou o filme O Beijo da Mulher
Aranha, em que Sonia Braga contracenou com William Hurt e Raul Julia,
tornando-se um rosto conhecido do público norte-americano.

Petrillo sempre ficou distante da imprensa. Há pelo menos um registro


audiovisual de quando ela era jovem, num videoclipe gravado por
Agnaldo Timóteo no Central Park, em Nova York. Seu cabelo preto desce
um pouco abaixo da altura do ombro e os olhos caídos lhe dão um ar
despretensioso. O nariz, fino no dorso e redondo na ponta, harmoniza
com os lábios fartos. “Era uma mulher de extrema beleza e enorme poder
de sedução, mas sem o caráter que a gente aprecia nos amigos”, diz o
diretor de cinema Fabiano Canosa, parceiro de longa data de Sonia Braga
e que integrou o círculo de brasileiros que frequentava o apartamento do
casal Petrillo em Nova York. “Nunca conheci alguém como essa mulher.
Ela tinha uma coisa que lembrava a atriz italiana Lea Massari: falava bem,
projetava uma beleza interior, uma calma, um espírito quase zen. Você
caía igual patinho.”

O que acontecia depois? “Ela tinha uma maneira civilizada de aplicar


golpes, tinha paciência, era uma pessoa bem orquestrada”, continua
Canosa. “Era uma mulher de muita paciência. E ninguém ousava
denunciar a Wilma porque não queria se associar a uma pessoa tão…”,
ele respira fundo, e conclui: “Psicótica.” Canosa diz que Sonia Braga lhe
confidenciou que se distanciou de Petrillo quando ela já estava com Gal,
depois de também ter sido envolvida em um golpe. A atriz não
respondeu aos pedidos de entrevista da piauí.

No final dos anos 1970, Gal Costa atingiu o seu ápice de popularidade no
Brasil. “Ela começou com muito prestígio, ao lado do Caetano Veloso e
dos tropicalistas, mas os discos não eram populares, costumavam agradar
principalmente aos formadores de opinião”, diz o jornalista e crítico
musical Mauro Ferreira. “A virada começa em 1978, quando saiu o
álbum Água Viva, com a gravação de Folhetim, do Chico Buarque. No ano
seguinte, sob a direção do Guilherme Araújo, ela fez o show Gal Tropical,
que virou o acontecimento do verão.”

Em 1984, Gal deixou a gravadora Philips e assinou com a RCA. “Então ela
passou a gravar baladas populares, como Chuva de Prata, com o Roupa
Nova”, continua Ferreira. “No disco Bem Bom, de 1985, lançou Sorte, com
Caetano Veloso, e a grande explosão que foi Um Dia de Domingo, com o
Tim Maia.” Vendeu mais de 500 mil cópias do álbum, um êxito comercial
para a época.

Sua empresária, Lea Millon, que também administrava a carreira de


Caetano e Gilberto Gil, aproveitou o momento para expandir o
patrimônio de Gal. “Lea sabia que uma cantora deveria fazer o seu pé de
meia no auge da carreira, para garantir um futuro seguro”, diz Guto
Burgos, o irmão de Gal, que assumiu a produção dela depois da saída de
Guilherme Araújo. Com a morte da mãe de Gal, Mariah, em 1993, Burgos
tornou-se a representação de família para a cantora, mas não participou
dos últimos anos da vida dela. Diz que foi afastado da irmã por Petrillo
em 1997. “Por favor, eu não quero mais falar disso”, pede, recostado no
sofá num apartamento no Leblon. “É um assunto que me dói muito.”
Sobre a questão patrimonial, ele diz: “Gal teve oito salas comerciais no
Rio de Janeiro, cujo aluguel garantia uma renda mensal extra. Comprou
uma cobertura e um apartamento no Praia Guinle” – um condomínio de
luxo na Praia de São Conrado. A piauí localizou quatro salas comerciais
no Leblon e o dois imóveis em São Conrado registrados no nome de Gal.
“Também tinha imóveis em Salvador, Trancoso e Nova York. Como dói
saber que ela morreu sem nada disso. Parece que todo o trabalho dela foi
em vão.” A cantora teve ainda uma granja em Petrópolis, onde
costumava passar os fins de semana com a atriz Lúcia Veríssimo, que foi
sua companheira durante dez anos.

“A s poltronas são as mesmas, mas aquele sofá não era

nosso”, diz Lúcia Veríssimo, andando pela casa principal da granja. Há


cinco outras casas espalhadas pelo terreno de 19 alqueires, todas pintadas
de rosa. Depois de ter sido vendido por ela e Gal em 1992, o espaço foi
transformado em escola e, mais tarde, numa pousada. Os últimos
resquícios do jardim desenhado por Burle Marx para o casal Gal e
Veríssimo são as palmeiras imperiais que se erguem no meio do mato. O
que era uma biblioteca virou lavabo. No banheiro da suíte, a atriz se
emociona: “Fui eu quem construí essa banheira para a Gal.”

As duas estreitaram as relações em 1981. “Havia, naqueles tempos, a


compreensão de que fazíamos parte de uma mesma família. Não
precisávamos de apresentações formais”, diz a atriz. “Era um período em
que nós duas estávamos sozinhas, ambas processando o término de um
namoro.” Como amigas, tinham longas conversas sobre música e teosofia.
“Varávamos as noites em reflexões profundas a respeito de onde viemos
e para onde vamos. O planeta Terra, astrologia, vida após a morte, vidas
passadas, reencarnação. Falávamos também de jazz, de bossa nova, dos
grandes intérpretes. Por vezes, eu tocava o violão para ela cantar. Mas
quase sempre eu pedia que ela tocasse e cantasse para mim.”

Um dia, Veríssimo precisou buscar uma encomenda no subúrbio do Rio e


convidou Gal para acompanhá-la. “Um convite nada romântico, que
dificilmente alguém aceita, mas ela aceitou.” Na volta para casa, ficaram
presas no trânsito. Como o rádio do carro estava quebrado, Veríssimo
pediu que Gal cantasse para ela. “Que música?” perguntou a cantora.
“Pétala, do Djavan”, escolheu a atriz.

Gal repetiu a canção várias vezes no trajeto até a Zona Sul e terminou a
noite do lado de Veríssimo. “Era um momento mágico para nós duas.
Vivíamos o ápice das nossas carreiras”, diz a atriz, uma das estrelas da
Rede Globo na época. “Eu emendava uma novela atrás da outra, me
apresentava no teatro e em shows countries pelo país. Gal estava
lançando seus maiores sucessos. Seus shows e turnês nacionais e
internacionais duravam dois anos, com casas lotadas.”

Veríssimo nunca foi creditada como produtora de Gal, mas agia como
uma faz-tudo nos bastidores. Chamou duas figurinistas da Globo, Marília
Carneiro e Helena Gastal, para refinar a imagem da cantora. Usava o
conhecimento em italiano, francês e inglês para ajudar a fechar contratos
no exterior. Nos segundos que antecediam o show, levava Gal pelas mãos
até a entrada do palco. “Naquela época, trabalhar com ela era muito
simples. Ninguém precisava mover nada. O telefone simplesmente
tocava.”

Na primeira casa que tiveram juntas, uma cobertura na Praia de São


Conrado, a cantora passava os dias dedilhando o violão ou lendo. Nos
fins de semana, elas viajavam para a granja de Petrópolis, geralmente
acompanhadas da mãe e do irmão de Gal. Passavam os verões em
Salvador. Chegavam de mãos dadas em eventos públicos e conheceram
até o papa João Paulo II, no Vaticano. “Tínhamos um casamento
declarado, com aliança no dedo. A rua era a extensão da nossa casa. Era
tão natural que acabava não chocando, nem rendia fofocas na imprensa.”

Veríssimo se diverte lembrando dos rompantes culinários de Gal. “Na


granja, se ela cismava de fazer um prato, pegava o telefone e ligava para
algum restaurante de que gostava. Quando atendiam, dizia que queria
falar com o chef e então pedia para ele ensinar o passo a passo da tal
receita. O cara ficava louco de alegria do outro lado da linha: era a Gal
Costa, porra”, conta Veríssimo, aos risos. Certa vez, Gal a chamou na
cozinha para dar uma olhada nos tomates “tão bonitos, tão diferentes”.
Eram, na verdade, caquis.
Para Veríssimo, a cantora nunca aprendeu a cozinhar ou a resolver as
questões mais práticas da vida adulta. “A mãe dela, a Mariah, criou a Gal
numa redoma”, diz a atriz. “Ela dependia de muita gente, principalmente
nos departamentos funcionais da rotina. Era doce, mas profundamente
insegura.” O quadro mudava quando o assunto era música. “Ela nasceu
apenas para cantar e sempre soube que isso jamais mudaria. No palco, se
agigantava, era de uma segurança invejável. Mas o poder só permanecia
até ela acordar no dia seguinte.”

Os depoimentos de amigos e familiares ouvidos pela piauí convergem


em outro ponto: a estabilidade emocional de Gal dependia de quem
estava ao seu lado e tinha repercussão direta na sua arte. Pode-se traçar
um paralelo. Na década de 1970, quando teve um relacionamento com a
modelo carioca Wilma Dias, seu trabalho tinha um impulso sexual e
desafiador. Nos anos 1980, durante seu casamento com Veríssimo, teve
sucesso financeiro e alcançou o ponto mais alto de sua popularidade. Na
década seguinte, depois do término com Veríssimo e o namoro curto, mas
doloroso com o músico Marco Pereira, a melancolia tomou conta do seu
trabalho.

Nesta época, sempre na companhia do irmão Guto Burgos, Gal passou a


se dividir entre o Brasil e o exterior, para temporadas de shows.
“Passávamos cerca de seis meses no Rio e seis em Nova York”, diz ele.
Gal aproveitava o tempo livre na cidade norte-americana para visitar os
amigos brasileiros. “Sempre que íamos à casa da Sonia Braga, tinha essa
mulher desconhecida que morava com ela. Gal não simpatizava, mas
respeitava. Se era amiga da Sonia, só podia ser gente de bem.” A mulher
era Wilma Petrillo.

E m Porto Seguro, quando a arquiteta Margarida Jacy tomava café

no restaurante de uma pousada, uma mulher de óculos escuros se


aproximou e pediu o jornal emprestado. A arquiteta entregou o jornal
para a desconhecida e foi embora. No outro dia, Jacy parou o carro para
abastecer e lá estava a mulher de óculos escuros novamente. “Prazer, eu
sou a Wilma.” As duas combinaram um jantar. “Então eu soube que a
Wilma era amiga de Sonia, que vivia em Nova York e agora tinha
alugado uma casa em Porto Seguro.” A arquiteta se apaixonou pelo jeito
blasé de Petrillo, que falava pouco do próprio passado, mas tudo que
dizia soava interessante. “Ela falava com orgulho que tinha sido a única
namorada de Sonia Braga.”

Os amigos avisaram Jacy que aquele namoro era uma roubada. Contaram
que Petrillo tinha aplicado um golpe no ator Diogo Vilela na venda de
um imóvel. Por se tratar de uma amiga de amigos, o ator dispensou as
formalidades legais de um contrato, confiando no acordo verbal que
acabou não sendo cumprido. À piauí, Vilela disse apenas o seguinte: “Eu
não quero falar absolutamente nada sobre essa senhora.”

Jacy desprezou os comentários porque não se importava com o passado


da namorada. Só estranhava que alguém vindo de Nova York e amiga de
famosos não tivesse dinheiro para pagar as contas mais básicas. “Wilma
tinha um padrão de vida alto, mas só pagava o aluguel. Muitas vezes,
quem fez o mercado da casa dela fui eu.” Em determinados dias, Petrillo
parecia falida. Em outros, jantava nos restaurantes mais caros de Porto
Seguro, com personalidades como a italiana Marina Schiano, modelo e
ex-diretora criativa da revista Vanity Fair, sua amiga de Nova York.

Apaixonadas, elas começaram um projeto para ganhar dinheiro. Jacy


usaria os conhecimentos em design de interiores para desenhar e fabricar
móveis, enquanto a namorada aproveitaria os contatos em São Paulo para
vendê-los. Foi assim durante um tempo: Petrillo negociava as peças,
ficava com metade do lucro e depositava a outra metade na conta da
arquiteta. Os negócios e o relacionamento seguiram firmes. Petrillo,
inclusive, levou Jacy para conhecer a sua família em São Paulo.

Depois de três anos e meio de namoro, a arquiteta comprou um terreno


de 3 mil hectares em Santo André, a 30 km de Porto Seguro, registrado no
nome dela e da namorada, que ficou de pagar pela sua parte assim que
possível. Como o negócio aconteceu há muitos anos, Jacy não lembra os
valores exatos, mas calcula que cada uma deveria desembolsar uns 15 mil
dólares. Petrillo viajou para Nova York em seguida e, pouco a pouco, foi
deixando de mandar notícias. Gal Costa havia entrado na história.
Quando amigos perguntavam a Gal como conheceu Petrillo, eles sempre
escutavam a “história do avião”. Num dia da primeira metade da década
de 1990, estava viajando para Nova York de primeira classe quando lhe
trouxeram uma garrafa de champanhe: “Foi aquela moça ali quem
mandou”, disse a comissária. Gal reconheceu o rosto que tinha visto na
casa de Sonia Braga e, contando com a liberalidade da companhia aérea,
convidou Petrillo para se sentar ao seu lado na viagem. Quando o avião
pousou, Petrillo disse que não tinha onde ficar na cidade, e Gal a chamou
para se hospedar em sua casa. Nunca mais se desgrudaram.

De Porto Seguro, Jacy continuava tentando se comunicar com a


namorada. “Eu não conseguia nem sentir raiva, queria apenas que ela me
pagasse o que devia pela compra do terreno.” Meses depois, quando
Petrillo reapareceu em Porto Seguro, Jacy cobrou o dinheiro. Petrillo
puxou do bolso do casaco um bolo de papéis e disse: “Estão aí as notas.
Eu te paguei tudo.” Eram os comprovantes dos depósitos do dinheiro
obtido com a venda dos móveis planejados por Jacy.

Num rompante de raiva, Jacy disse que se arrependia de não ter


acreditado nos alertas de que ela era uma “golpista”. Petrillo levantou-se
da mesa e foi embora. “A verdade é que ela detonou toda a herança que
os pais deixaram. Os irmãos usaram o dinheiro para prosperar, mas
Wilma não”, diz a ex-namorada. “Então, começou a aplicar um
golpezinho aqui, outro ali, e a viver com quem pudesse bancar o estilo de
vida dela.” Jacy diz que até hoje não recebeu o dinheiro. (Ana Cristina
Teodoro de Araújo, irmã de Petrillo, negou à piauí que a herança tenha
sido detonada e não quis dar detalhes sobre o assunto. “Em briga de
família, ninguém tem que se meter.”)

No Rio de Janeiro, Gal acolheu Petrillo na cobertura de São Conrado, a


mesma onde tinha vivido com Lúcia Veríssimo. Em 1994, a cantora disse,
numa entrevista à jornalista Marília Gabriela, que pela primeira vez
estava gerindo a própria carreira. O irmão, Guto Burgos, conta uma
versão diferente: ele próprio teria passado a atuar mais intensamente
como empresário da irmã, incentivando para que ela continuasse a
trabalhar depois da morte da mãe. Sem experiência em produção
cultural, Petrillo começou a participar dos negócios.

A nova namorada foi citada pela primeira vez em um trabalho da cantora


em 1995, nos agradecimentos do disco Mina d’Água do Meu Canto. São
raros os registros de Petrillo ao lado de Gal. Em 1996, a repórter Neide
Duarte, do SBT, passou alguns dias acompanhando a rotina da cantora,
entre o Rio de Janeiro e Trancoso, na Bahia. Em cenas gravadas no jatinho
que as levava ao litoral baiano, Petrillo aparece usando seus óculos
escuros.

No dia 14 de abril do ano seguinte, Burgos se internou para fazer uma


cirurgia no coração e deixou os funcionários do escritório de Gal
administrando o cronograma de shows. Logo que retornou a sua casa,
começou a receber ligações de produtores de shows do Brasil e do
exterior. Um deles disse: “Guto, ligou aqui uma mulher perguntando se
você já roubou a Gal.” O irmão da cantora descobriu que era Petrillo.
Pouco depois, Gal o chamou para conversar. “Ela disse que sentia que
estava na hora de trabalhar com outra pessoa”, conta Burgos. “Desejei
sorte para ela e disse que esperava que a Wilma respeitasse o meu nome.”
Gal se afastou do irmão. “Foi muito estranho porque tínhamos uma
amizade estreita, em todos os sentidos.”

Os interesses empresariais de Gal ficaram então sob os cuidados da


namorada, que colocou à venda a cobertura em São Conrado. Em
seguida, as duas se mudaram para a casa de Trancoso, e Gal reduziu o
contato com a maioria dos amigos. O telefone fixo da nova casa estava
sempre ocupado, ou encaminhava as ligações para a caixa postal.
“Quando estou na Bahia, meu ritmo fica mais lento, eu fico mais
preguiçosa”, disse Gal à reportagem do SBT, com o litoral baiano ao
fundo da imagem. “Eu fico mais burra, aquela burrice boa, de preguiça,
que não dá nem vontade de pensar.”

O candomblé era um pilar da vida religiosa de Gal Costa. Ainda

jovem, ela foi levada ao Gantois, o terreiro de Mãe Menininha, em


Salvador. Descobriu que seu orixá era Obaluaiê. “Gal, uma estrela? Aqui
no Gantois? Nunca”, diz Mãe Carmem, filha caçula de Mãe Menininha.
“Ela entrava aqui com tanta simplicidade que ninguém dizia que era a
cantora. Sentava-se no chão, para ficar bem pertinho do meu colo.”
A ialorixá de 94 anos fala devagarinho e fica melancólica quando o
assunto é Gal. Encolhe os olhos e sacode a cabeça de um lado para o
outro: “Se eu soubesse que ela ia partir tão cedo, eu a teria filmado em
cada pedaço do Gantois, até entrando no banheiro, para não esquecer
nunca. Gal era como um vento batendo numa flor: suaaaaave”, diz ela,
alongando a vogal. “Uma beleza tão simples que, se você não prestar
atenção, não vê.”

Outro pilar da cantora era a teosofia. Em 1994, ela conheceu a médium


Halu Gamashi e ficou interessada pelo seu trabalho com chacras. “Gal era
uma séria estudiosa da espiritualidade”, diz Gamashi. Quando visitava a
Bahia, a cantora se encontrava com a amiga, mas Petrillo não a
acompanhava. Até que, um dia, Petrillo apareceu em um jantar de
médiuns em Trancoso. Observava a conversa em silêncio. A certa altura,
levantou o dedo para perguntar se alguém ali acreditava em
extraterrestres. Quando Gal, Gamashi e os outros entraram num transe,
Petrillo explodiu com a namorada: “Chega, você não deveria me trazer
para um lugar como este.”

A médium disse que, por causa do “ciúme inescrupuloso” de Petrillo,


passou a se encontrar com a cantora em sigilo. Quando iam jantar, Gal
olhava para um lado e para o outro, tentando se certificar de que Petrillo
não estava à espreita. “Sinceramente, ninguém conseguia entender o que
se passava naquela relação. Gal era uma pessoa tão reservada que não
deixava ninguém se aprofundar no assunto. E eu também não queria
participar daquilo”, afirma Gamashi. “Na minha cabeça, elas sempre
foram como dois olhos: estavam uma do lado da outra, mas não se
enxergavam.”

Em 1995, Gamashi combinou com a cantora de fazer a leitura de sua aura


durante um show. “Aceitar ficar com elas no camarim foi uma decisão
horrível”, diz. Minutos antes de começar a apresentação, ela ouviu
Petrillo perguntar se Gal não sentia vergonha por estar tão gorda. “Ela
disse para Gal: ‘Você está pensando que é quem, Nana Caymmi?’”, conta
a médium. “O mais estranho era que a Gal ficava quieta diante dessas
situações.”

Em 1998, a cantora comprou por 1,6 milhão de reais, em valores da época,


um hotel modernista no Morro da Paciência, em Salvador, para
transformar em sua residência – e se mudou para lá no começo dos anos
2000. O dono da casa ao lado era Caetano Veloso. Com Gal, moravam
Petrillo, uma empregada e um motorista, que trabalhava para a cantora
desde os tempos do casamento com Lúcia Veríssimo. Nessa mesma
época, Ana Cristina, a irmã caçula de Petrillo, deixou São Paulo e se
instalou numa quitinete perto da casa de Gal. Foi contratada por Petrillo
para tomar conta dos cachorros da cantora.

A jornalista e produtora cultural baiana Rita Moraes foi convidada

por Gal para produzir um show, em 2009. “Quando soube que eu ia me


encontrar com Wilma, um amigo me disse: não leve a sua bolsa, deixe no
carro”, conta Moraes. Ela viajou a São Paulo, Goiânia e Brasília, tentando
captar recursos, mas encontrou resistência dos investidores. “Eu não
entendi: como o nome de Gal Costa, a maior voz do Brasil, não abre
portas?” O show não aconteceu, mas Moraes produziu a participação da
cantora no festival Praia 24 Horas, promovido pela Prefeitura de
Salvador. Depois, organizou outras duas apresentações de Gal na Bahia.
Na última, o governo do Estado atrasou o pagamento e Gal disse a
Moraes que, por recomendação de Petrillo, não subiria no palco se não
recebesse o dinheiro imediatamente. “Sempre tinha um estresse
envolvendo a Wilma e eu decidi não trabalhar mais com Gal. Wilma tinha
a melhor voz do Brasil em suas mãos, mas faltava tino administrativo e
habilidade de conversar com os outros”, diz Moraes. “Num momento de
desgaste, eu perguntei: ‘Gal, afinal, qual é o papel de Wilma na sua
carreira?’ E ela respondeu: ‘Wilma só me veste.’”

Nem todos têm a mesma leitura do relacionamento entre Petrillo e Gal.


“Elas eram ótimas”, afirma o amigo Alexandre Rodrigues, que
acompanhou as duas tanto na Bahia quanto nas viagens do casal a Nova
York. “Quando estava longe, Gal ligava para Wilma três ou quatro vezes
por dia.” Rodrigues garante: “Não havia conflito nenhum entre elas, pelo
contrário.” O diretor Daniel Filho, amigo de Gal e de Petrillo, também diz
que já ouviu diversos comentários sobre o passado de Petrillo, mas nunca
chegou a uma conclusão. “Sei lá, é um mistério. Dizem muita coisa, mas
eu prefiro ficar com a versão da Wilma.”
Quando concluiu o processo de adoção do filho Gabriel, Gal lançava
discos e rodava o mundo com turnês que exploravam pouco sua
extraordinária capacidade vocal. “Os anos 2000 foram muito esquisitos.
Ela entrou para gravadoras menores e lançou discos de pouca
visibilidade que desagradaram a crítica por serem conservadores,
caretas”, diz o crítico Mauro Ferreira. “Na segunda metade da década,
parecia que a carreira dela estava acabada. Até que Caetano Veloso
percebeu isso e decidiu tirá-la do fundo do poço com o álbum Recanto.”

Descontente com um show de Gal que assistiu em Portugal, Caetano


convidou a cantora para gravar um disco de canções inéditas. Em um
mês, compôs as músicas e começou a trabalhar nos arranjos eletrônicos
de Recanto, com a ajuda de Moreno Veloso, o seu filho mais velho e
afilhado de Gal. Segundo Moreno, a disposição de sua madrinha nas
gravações foi “inabalável”, do início ao fim.

As complicações surgiram mais tarde, quando se ventilou a possibilidade


de fazer uma turnê pelo Brasil para promover o disco. Petrillo queria que
Gal continuasse com os shows de voz e violão. E, se fosse para a
turnê Recanto acontecer, ela não queria que Caetano recebesse os créditos
e o lucro pela direção artística. “Gal e Wilma estavam há muitos anos
produzindo shows de voz e violão, não tinham mais estrutura nem
traquejo para tomar conta de uma equipe maior”, diz Moreno. “Foi um
pouco penoso para a equipe e para elas esse período de readaptação a
projetos maiores. Acho que todo esse atravancamento ficava na conta da
Wilma por ela ser a produtora, mas sei que era mais confusão, falta de
preparo e de comunicação do que má vontade.”

Por fim, Petrillo deixou a produção da turnê. Em Santa Catarina, o


produtor Rodrigo Bruggemann, responsável pela organização dos shows
de Recanto nas cidades do Sul do país, comemorou a notícia abrindo uma
garrafa de champanhe. “Eu trabalhei com Maria Bethânia, Simone,
Alcione, Beth Carvalho, Zizi Possi, Bibi Ferreira, Mart’nália, com
praticamente todas as cantoras do Brasil, e te digo que a pior pessoa com
quem lidei nesse meio foi a Wilma Petrillo”, ele desabafa. “Além de ser
grosseira, ela fazia mudanças de última hora e aplicava taxas surpresa, e
ainda exigia uísque caro para levar para casa. Gal, na presença dela, se
tornava uma pessoa soturna.”
Bruggemann conta que Gal não fazia participação especial nos shows de
ninguém, ao contrário dos outros cantores da MPB, porque Petrillo não
permitia. “Provavelmente nem deixava os convites chegarem até ela.” O
cantor Ney Matogrosso recorda que um dia esbarrou com Gal no
Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Fazia algum tempo que não
se viam e, depois que se abraçaram, ela perguntou: “Você não gosta mais
de mim?” Matogrosso ficou surpreso. “Nós fomos muito íntimos, era
uma delícia me encontrar com a Gal. Falávamos de sacanagem, dávamos
beijinhos, vivíamos toda aquela loucura que só quem viveu nos anos 70
sabe”, contou o cantor à piauí, na sala de sua casa no Leblon. “Diante de
uma pergunta como aquela, eu só pude responder: ‘Como eu não gosto
de você, Gal? Eu te amo.’ Daí ela me disse: ‘Então por que você recusou
as duas vezes que eu te pedi para me dirigir no palco?’”

Matogrosso se lembra de ter recebido apenas um convite para assumir a


direção do show da cantora e aceitou na hora. Pediu que lhe mandassem
um disco físico para entender o projeto, mas conta que nunca recebeu o
material. Um dia, Petrillo ligou dizendo que não havia mais tempo hábil
para Matogrosso dirigir o show porque estava em cima da hora para a
nova turnê. “Ela foi tão definitiva com a resposta negativa que eu preferi
nem questionar a decisão”, conta o cantor. No aeroporto, ele rememorou
a história para a cantora, mas não disse quem tinha ligado cancelando o
convite. Gal então perguntou se o nome da pessoa começava com a letra
W. Constrangido, ele não quis responder. Na saída do aeroporto, os dois
se abraçaram e Gal murmurou: “Eu sei que foi ela.”

E m 2012, Gal e Petrillo se mudaram para São Paulo. Foram viver

no apartamento da Alameda Itu e alugaram uma sala comercial na


Avenida Faria Lima, onde instalaram o escritório das três empresas que
cuidavam dos shows da cantora – a Baraka, a GMC e a Wilclick, esta uma
sociedade com Ana Cristina, a irmã de Petrillo.

O jornalista paulista Marcus Preto vinha tentando se encontrar com Gal


para apresentar a ideia de um documentário sobre o celebrado show Gal a
Todo Vapor, que aconteceu em 1971. Depois de marcar e desmarcar três
vezes, a cantora finalmente apareceu e ficou animada com a proposta.
Durante a conversa, ele perguntou o que Gal planejava fazer no próximo
disco. “Regravações”, respondeu a cantora. “Mas, Gal, não dá para você
fazer isso, agora que o Recanto te colocou outra vez na posição máxima da
música brasileira”, ele disse – e sugeriu que ela fizesse um disco de
inéditas com compositores da nova geração. Gal gostou da ideia e
convidou Preto para produzir o álbum. O documentário sobre o Gal a
Todo Vapor não aconteceu, mas o jornalista ficou incumbido também de
conceber um novo show da cantora, para acontecer antes do lançamento
do novo disco.

Os funcionários da Baraka Produções, porém, encontravam dificuldades


para fechar os contratos da nova turnê. O nome de Gal já não abria as
portas com tanta facilidade. Depois de acertar os shows com as casas de
espetáculos, os colaboradores da Baraka precisavam se certificar de que
não seriam ludibriados na porcentagem que recebiam em cada
negociação. “Uma vez, um contratante argentino falou que tinha
realizado um depósito e nós fomos cobrar a Wilma, que insistia que a
transferência não tinha caído na conta”, diz um ex-produtor, que pediu
para não ser identificado, por temer retaliações. “Eu me juntei à secretária
da Baraka, que tinha todas as senhas bancárias, e fui atrás do extrato. O
pagamento estava na conta havia dias, mas a Wilma simplesmente não
nos pagava.”

Houve outro momento tenso entre esse ex-produtor e Petrillo durante a


turnê Trinca de Ases, realizada por Gal, Nando Reis e Gilberto Gil. Um
dia, a cantora estava aflita porque deveria ter recebido um depósito da
equipe de Gil, mas a conta bancária estava vazia. Um funcionário foi ao
banco averiguar o problema e descobriu que o dinheiro havia sido
retirado por Petrillo, que tinha acesso à conta da cantora.

Funcionários da Baraka contam que, nos dias de calor em São Paulo, a


empresária tirava a blusa e o sutiã no escritório. A piauí teve acesso a
uma foto tirada por um funcionário na qual Petrillo aparece nua da
cintura para cima, dentro do escritório. Uma funcionária, Anamaris
Torres Leca, chegou a entrar na Justiça com uma ação trabalhista contra a
Baraka, a GMC e a Wilclick. Na reclamação, de quase quarenta páginas,
Leca diz que nos locais de trabalho havia até mesmo controle do uso do
banheiro e que Petrillo, quando estava nervosa, dizia a ela: “Me avisaram
que você é muito burra, de fato.” Francisco Erilando Costa Uchoa, uma
das testemunhas do processo, disse que Petrillo certa vez perguntou: “A
Ana já chegou para trabalhar, aquela imbecil?” Leca venceu a ação na
primeira instância e aguarda o julgamento do Tribunal Superior do
Trabalho.

O empresário baiano Maurício Pessoa conta que levou dois

tombos no mercado musical. O primeiro aconteceu em 2011, quando ele e


o sócio gastaram mais de 1 milhão de reais para organizar uma turnê de
João Gilberto. Às vésperas do evento, o artista cancelou tudo, alegando
problemas de saúde. O segundo aconteceu dois anos depois, em 2013,
com Gal. No começo de abril passado, ele explicou à piauí o que
aconteceu.

Pessoa conseguiu patrocínio de 700 mil reais da Natura Musical para um


projeto que Gal havia aprovado: organizar seis shows e a gravação de um
disco ao vivo em que ela interpretaria o repertório do compositor gaúcho
Lupicínio Rodrigues. Petrillo, então, disse que Gal só daria continuidade
ao projeto se recebesse de imediato 80% do valor, ou seja, 560 mil reais. O
empresário achou o valor exorbitante para a quantidade de
apresentações, mas cedeu, com a expectativa de reaver o dinheiro na
venda dos ingressos. Os primeiros shows aconteceram em 2015. “Foi
muito difícil encontrar uma data para as apresentações, porque a Wilma
sempre dizia que a agenda da Gal estava apertada”, diz o empresário.
“Como assim? Apertada? Eu paguei 560 mil reais que me pediram.
Tínhamos um compromisso.” Aos trancos e barrancos, os seis shows
foram realizados.

O problema chegou na hora de gravar o disco. Petrillo parou de


responder às mensagens de Pessoa. Quando finalmente retomou contato,
disse que Gal não tinha mais tempo para continuar no projeto e preferia
gravar o disco em estúdio, o que Pessoa acatou. A gravação foi agendada
para um dia de 2017. Na data combinada, ninguém apareceu – e, mais
tarde, Petrillo alegou falta de espaço na agenda de Gal. Sem o disco, a
Natura Musical não pagou os 140 mil reais restantes, e Pessoa nunca
recuperou o dinheiro investido na turnê. Ele estima ter perdido mais de 1
milhão de reais.

Enquanto Gal viajava pelo país para promover o disco Estratosférica,


lançado em 2015, Pessoa trancou-se em casa, diagnosticado com
depressão. Nunca entrou na Justiça para reaver os valores. “Eu não tinha
condições nem financeiras, nem emocionais e nem mesmo físicas para
lidar com a Wilma. No caso do João Gilberto, contratei um advogado e
segui com a minha vida, deixando ele cuidar dos meus direitos. Quando
tudo se repetiu com a Gal, não me sobrou chão.”

Em Pernambuco, o produtor Hermogenes Carolino da Silva também


enfrentou dores de cabeça. Ele pagou 57 mil reais a Petrillo pela
realização do show Estratosférica no Teatro Guararapes, em Olinda,
previsto inicialmente para 26 de março de 2016. A apresentação foi
adiada, de comum acordo, para 2 de junho. Um dia, o evento sumiu da
agenda oficial de Gal. Depois, entrou no lugar um show no Sesc
Pinheiros, em São Paulo, no mesmo dia e horário do de Olinda. Carolino
da Silva, que já tinha começado a venda dos bilhetes, ficou sabendo do
cancelamento do evento através da página de Gal no Facebook.

Em 30 de maio, a Wilclick Produções Artísticas e a própria Petrillo foram


notificadas extrajudicialmente para devolver, dentro de cinco dias, o
valor já pago por Carolino da Silva e mais 150 mil reais referentes à
quebra contratual. Sem retorno de Petrillo, o produtor levou o caso à
Justiça, requerendo também 350 mil reais por danos morais à imagem de
sua empresa, a Casa de Taipa Produções e Eventos. Quatro anos depois, a
37ª Vara Cível de São Paulo rejeitou o pedido de dano moral, mas
condenou a Wilclick a devolver os 57 mil reais do show, corrigidos.
Petrillo está recorrendo.

Na mesma época do frustrado show de Olinda, o produtor e diretor


criativo Marcus Preto teve a ideia de fazer um DVD para a
turnê Estratosférica. Gal achou que era uma boa ideia, mas Petrillo não
gostou. “Nunca entendi muito bem o motivo”, diz ele. “Acho que a ideia
dela era retornar ao formato de voz e violão, mais barato de realizar. Para
Gal, isso teria sido artisticamente catastrófico.”
Mas, como tinha sinal verde de Gal, Preto procurou financiamento para o
projeto com Kati de Almeida Braga, dona do Icatu Seguros e sócia da
gravadora Biscoito Fino, que se mostrou interessada não apenas no DVD
como em ter Gal no seu catálogo de artistas. A cantora foi ao encontro de
Kati Braga e ficou combinado que começariam logo a produção de um
novo disco e de uma agenda de shows. “Tempos depois, quando já
éramos íntimas, ela me disse que queria minha ajuda para organizar a
vida financeira”, diz Braga. Ela aceitou.

O álbum de inéditas com músicos da nova geração também foi em frente.


“Eu achava fundamental que a Gal seguisse lançando novos
compositores, para manter a própria relevância”, diz Preto. A artista
embarcou na proposta do disco A Pele do Futuro. Quando conseguiram a
participação de Marília Mendonça para a música Cuidando de Longe,
Petrillo disse que não entendia por que haviam chamado aquela
“caipira”. “A partir dali a minha relação com Wilma ficou insustentável e
não falei mais com ela”, diz Preto. “Também parei de mencionar o nome
dela para a Gal que, num acordo silencioso, fez a mesma coisa.”

As iniciativas de Preto e Kati Braga foram paulatinamente devolvendo


Gal ao mercado musical. Petrillo ficou escanteada nesse período. O
empresário Nilson Raman assumiu a negociação dos shows e conseguiu
contornar as dificuldades. “Naquela altura, as pessoas não queriam mais
negociar shows da Gal. Os contratantes todos se conhecem, contam suas
experiências um para o outro. Sabiam do que tinha acontecido na
administração da carreira da Gal antes de eu chegar”, diz Raman. Ele
completa: “Colocamos a Gal de volta à rota da América Latina, da Europa
e planejávamos a sua volta ao Japão. Todos os shows com contratos
assinados e cachês devidamente pagos.” Em 2021, sabendo que o
empresário negociava um show na Virada Sustentável de São Paulo,
Petrillo contatou a organização do evento para dizer que Gal era uma
artista exclusiva do escritório dela e, portanto, nenhum evento
aconteceria sem o seu aval. A cantora ficou sabendo do ocorrido, pediu
para o novo empresário ignorar o que Petrillo havia feito e participou da
Virada Sustentável.

Gal passou a cantar com mais frequência em festivais e teatros. Tinha


direito a acompanhante, mas sempre viajava sozinha. Petrillo ficava em
São Paulo na companhia da irmã, Ana Cristina, que morava no quarto de
empregada da casa, e de Gabriel, o filho da artista. Em março de 2022,
funcionários da companhia de energia elétrica bateram à porta da casa,
com uma ordem de corte da luz. As contas ainda estavam registradas no
nome da antiga proprietária da casa, a artista visual Daniela Cutait, e não
haviam sido pagas. “Meu nome ficou negativado porque a Wilma não
pagou as dívidas”, diz Cutait. “Quando eu liguei para pedir que a
titularidade da conta fosse atualizada, ela disse que eu era uma putinha.
Uma putinha que morava num apartamentozinho qualquer. Você acha
que eu gostei de cortar a luz da Gal Costa? Claro que não, mas foi a saída
que restou.” A titularidade da conta de luz foi trocada.

A briga continuou, porém, quando a fornecedora de gás também cobrou


a conta em nome de Cutait. Até hoje, a artista visual tenta em vão
convencer Petrillo a mudar a titularidade da conta de gás. No dia 22 de
junho passado, Cutait fez um desabafo no Instagram, expondo as faturas
vencidas e pedindo que Petrillo tome uma providência. A história foi
parar na coluna de Monica Bergamo, na Folha de S.Paulo. Os valores são
irrisórios: a de maio, por exemplo, ficou em 10 reais. Dois dias depois do
desabafo de Cutaiti, Petrillo publicou no Twitter comprovante do
pagamento da conta – mas era de luz, não de gás – e escreveu: “Se o
nome dessa senhora está no Serasa, certamente não é por
responsabilidade minha.” Em seguida, partiu para o ataque: “Ela vive
pendurada em maridos que certamente honram suas contas. Seu grande
mérito foi ter morado em Nova York por dois anos. Patético. Certamente
como faxineira, não como artista plástica famosa.” Cutait está
considerando levar o caso à Justiça.

N a casa de Guto Burgos, no Rio de Janeiro, há um telefone fixo

para o qual apenas Nana Caymmi costuma ligar. Ele tocou na manhã de 9
de novembro, mas a voz do outro lado era de um sobrinho de Nana,
avisando que tinha acabado de ver na tevê a notícia da morte da Gal.

Abalado, o irmão da cantora ligou para Kati de Almeida Braga, que


estava embarcando para São Paulo a fim de acompanhar os trâmites do
funeral. Burgos pediu que ela transmitisse um recado para Petrillo: Gal
havia manifestado o desejo de ser enterrada no Cemitério São João
Batista, no Rio de Janeiro, ao lado da mãe, onde comprou um jazigo
perpétuo. Petrillo recebeu o recado, mas decidiu que o corpo ficaria em
São Paulo, no mausoléu da família dela, no Cemitério da Consolação.

O velório, que contou com a presença de Burgos, aconteceu na


Assembleia Legislativa de São Paulo e, na manhã do sepultamento, o
nome da viúva de Gal estava em todos os cantos da internet. Em alguns
momentos no funeral, a revolta superou a tristeza dos amigos da cantora.
“Cheguei lá e parecia uma porta de camarim. Para entrar, o seu nome
tinha que estar na lista”, diz o ator Ciro Barcelos. “Me desesperei quando
vi o caixão sendo fechado, sem aplausos, sem uma homenagem digna.
Tinha um clima de frieza no ar.” Barcelos puxou um grito de “Viva Gal
Costa” antes que o corpo da cantora fosse levado embora.

No dia seguinte, a internet exibia críticas à condução do velório e à falta


de esclarecimentos sobre a morte da artista. A causa nunca foi revelada
porque é desconhecida. Em busca de explicações, Petrillo ligou para a
médium Halu Gamashi, que sugeriu que se fizesse a autópsia do corpo –
o que não aconteceu. No atestado de óbito constam duas razões
presumidas: infarto agudo do miocárdio e tumor maligno de cabeça e
pescoço. A cantora havia se submetido em 21 de setembro a uma cirurgia
no nariz, para a retirada de um nódulo.

Petrillo pediu à Justiça o reconhecimento da união estável com Gal e a


guarda do filho da artista, Gabriel. Ela pede para ocupar a posição de
inventariante do espólio. Além da casa nos Jardins, comprada por 5
milhões de reais, o patrimônio inclui os direitos autorais da cantora. Os
amigos se preocupam com o destino desses bens que Gal deixou para
Gabriel, que completou 18 anos no final de junho e mora na casa dos
Jardins.

No mausoléu onde Gal está enterrada, não há uma lápide com o nome da
cantora. Alguns fãs que visitam o local colocam fotos e dizeres sobre o
túmulo de mármore. A piauí visitou o local em maio. Além de
fotografias, encontrou uma placa de madeira com as datas de nascimento
e morte da cantora e um trecho da música Recanto: Coisas sagradas
permanecem,/nem o Demo as pode abalar./Espírito é o que, enfim, resulta/de
corpo, alma, feitos: cantar.
E m 2009, o produtor cultural Cleber Lopes Pereira procurou a

Baraka Produções para acertar uma apresentação de voz e violão de Gal


no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília. O valor
cobrado pelo show foi de 60 mil reais. Por telefone, ficou combinado que
a empresa de Pereira pagaria 6 mil reais um mês antes do evento, 24 mil
quatro dias antes e os 30 mil restantes na ocasião do show, dia 16 de
janeiro de 2010.

No contrato enviado por Petrillo por e-mail, as regras haviam mudado:


ela pedia duas parcelas prévias de 15 mil reais e uma última de 30 mil
reais. Pereira estranhou, mas aceitou as novas condições. Um dia, a
empresária ligou exigindo a primeira parcela do show antes da assinatura
dos papéis. Quando Pereira pediu o contrato assinado, ela disse: “Meu
amor, você não está lidando com qualquer cantora, estamos falando de
Gal Costa. Eu não vou assinar um contrato sem depósito prévio.”

Pereira ficou inseguro. Ele tinha 31 anos e pouca experiência no mercado,


mas sabia do risco de efetuar o pagamento sem que as formalidades
contratuais estivessem estabelecidas. Ao falar com seus dois sócios na
empresa de produção cultural, eles riram do dilema: “Cleber, pelo amor
de Deus, você está lidando com Gal Costa.”

Sem dinheiro, o produtor decidiu vender o carro, um Volkswagen Fox,


para pagar os 15 mil reais da primeira parcela. Em 11 de setembro de
2009, fez o depósito na conta bancária de Petrillo. Ela, então, começou a
cobrar a segunda parcela. “Pelo e-mail, eu pedia para me enviarem o
contrato, mas a Wilma alegava que estava em turnê com a Gal e não tinha
tempo para assinar”, diz Pereira. Foi quando ele teve a primeira crise de
pânico. “Eu fiquei sem saber o que fazer. Uma opção era começar a
vender os ingressos do show para arrecadar o valor da segunda parcela,
mas nem isso eu podia fazer.” A empresária havia proibido que a
imagem e o nome de Gal fossem usados em quaisquer publicidades do
show, exigência que não constava no contrato.
Ele enviou quatro e-mails para Petrillo pedindo o contrato assinado. Um
no dia 14 de setembro, outro no dia 24, o terceiro no dia 5 de outubro e o
último quatro dias depois. Não teve retorno. A empresária deixou de
atender seus telefonemas. Ana Cristina, a irmã de Petrillo, atendia ao
telefone do escritório e dizia que ia transmitir o recado. “Nesse ponto, eu
já me sentia como se tivesse caído num golpe de estelionato”, diz Pereira.
Sem o contrato assinado, o Centro de Convenções de Brasília cancelou a
reserva.

No final de maio passado, a piauí conversou com Ana Cristina por


telefone. De início, ela disse que nunca soube de nenhum caso de show
acertado por Petrillo que não tenha acontecido. “Eu participei de longe”,
disse ela. “Só tomo conta dos cachorros da casa, e olhe lá.” Depois, deu a
entender que a responsável pelos desacordos era a própria Gal Costa. “Eu
acho que ela era muito exigente. Dizia: ‘Se não for desse jeito, eu não
entro [no palco].’ Não era uma santa.” Por que, então, Petrillo, como
empresária, não devolvia o cachê pago pelos contratantes? “Eu não sei”,
respondeu Ana Cristina. “Não estou no escritório, estou aqui no quintal
com os cachorros. Procure uma produtora.”

No dia seguinte, a piauí procurou Petrillo por meio do WhastApp. A


mensagem, disparada às 18h32, fazia um pedido de entrevistas. Para não
surpreendê-la e permitir que chegasse à entrevista sabendo do que se
tratava, a mensagem adiantava os pontos centrais. Mencionava os
pedidos de adiantamento de cachês de shows de Gal, alguns dos quais
foram parar na Justiça, terminando com vitória dos contratantes e derrota
da Baraka Produções. Citava que seus funcionários reclamavam de
assédio moral, tendo inclusive testemunhado que Petrillo ficava nua no
escritório em dias de calor. Fazia referência à denúncia de Bruno Prado, o
médico de Vitória da Conquista, que registrou boletim de ocorrência
contra Petrillo por perseguição, e à denúncia de sua ex-namorada
Margarida Jacy, arquiteta em Porto Seguro, que a acusava de um golpe. A
mensagem dizia, ainda, que ex-funcionários contaram que ela abusava
psicologicamente de Gal e encerrava informando que a cantora tinha
receio de ser presa nos Estados Unidos pela falta de pagamento dos
impostos decorrentes da venda do apartamento em Nova York.

Petrillo não respondeu e bloqueou o repórter. Ela voltou a ser procurada,


desta vez por meio de uma ligação por celular, no dia seguinte, 31 de
maio. Outra tentativa de contato aconteceu no dia 6 de junho e, mais
uma, no dia 9 de junho. Petrillo nunca atendeu. No dia 16, seu advogado,
Ricardo Kopke Salinas, mandou uma “advertência” por escrito
à piauí para que não publicasse a reportagem, sob pena de sofrer “as
medidas judiciais cabíveis”. Segue a íntegra da peça assinada pelo
advogado:

A sra. Wilma Petrillo, viúva da cantora Gal Costa, tem recebido diversas ligações
telefônicas e, inclusive, mensagem de WhatsApp, do repórter Thallys Braga, que
alega estar a serviço da revista piauí. Nessas mensagens, o citado repórter realiza
afirmações e questionamentos sobre supostos fatos de caráter privado e íntimo
relacionados à convivência entre a sra. Wilma Petrillo e a cantora Gal Costa, sob
o argumento de que está escrevendo uma matéria jornalística para a próxima
edição da revista.

Tais afirmações e questionamentos partem de premissas genéricas, sem apoio em


fatos concretos, falsas, e caluniosas, como, por exemplo, a alegação de que a sra.
Wilma Petrillo cobraria adiantamentos para shows da cantora Gal Costa e os
shows não aconteceriam, dando a entender que a sra. Wilma se apropriava
indevidamente dos valores pagos; ou o de que a sra. Wilma Petrillo obrigaria
pessoas da equipe de shows a dividir espaço com ela [em] “momentos que se
encontrava nua”; que a sra. Wilma chamaria a sua companheira, Gal Costa, de
“burra, velha e gorda”; que a sra. Wilma Petrillo realizava “agressões físicas e
verbais contra Gal Costa”; entre outras afirmações.

Além disso, o citado repórter tem entrado em contato com pessoas próximas à sra.
Wilma Petrillo e a Gal Costa, no Brasil e nos Estados Unidos, e feito
questionamentos a tais pessoas sobre a convivência entre ambas, bem como
enviado a essas pessoas as alegações acima referidas. Ou seja, o repórter está
caluniando, difamando e injuriando a sra. Wilma Petrillo perante essas pessoas.

É evidente que tais afirmações são caluniosas, difamatórias e injuriosas, além de


serem falsas e equivocadas, desacompanhadas de qualquer comprovação.

A sra. Wilma Petrillo não é uma pessoa pública, e a cantora Gal Costa sempre fez
questão de preservar a intimidade da família, inexistindo qualquer interesse
público em tais alegações, do que decorre o nítido interesse ofensivo do repórter.

Assim, serve a presente para adverti-los de que se for publicada qualquer matéria
sobre a sra. Wilma Petrillo, nós adotaremos as medidas judiciais cabíveis para
reparar a sua honra e impedir a continuidade da ofensa, inclusive aquelas de
caráter criminal contra o repórter e os responsáveis. Confiamos no bom senso e
qualidade da revista piauí para que matérias ofensivas, difamatórias e
caluniosas, sem qualquer interesse público, e unicamente destinadas a ofender,
caluniar e violar a privacidade alheia não sejam publicadas.

Depois de receber a advertência do advogado, a piauí voltou, mais uma


vez, a procurar Wilma Petrillo para ouvir sua versão. Ela não respondeu.

A ntes de mover uma ação judicial contra a Baraka Produções,

Cleber Pereira adoeceu. A empresa de eventos era o negócio em que


depositava as expectativas de conseguir mudar de vida, ele que vinha de
um loteamento urbano localizado na Ceilândia, uma das cidades-satélites
mais pobres do Distrito Federal. De segunda a sexta-feira, ele se dividia
como professor de teatro entre duas escolas públicas de Brasília.

Com as contas acumulando, as crises emocionais se intensificaram. Um


psiquiatra o diagnosticou com depressão, ansiedade e princípio de
pânico, e ele foi afastado do trabalho pelo INSS. “Eu sou arrimo de
família. Venho de um contexto de dificuldade financeira”, diz. “Até hoje,
ver qualquer reportagem sobre estelionato me causa angústia. É uma
sensação de que te amarram e você não tem saída.”

Em 2014, Pereira venceu na Justiça um processo contra a Baraka


Produções, cujo portfólio de artistas tinha apenas Gal. Na sentença, o juiz
mandou a produtora pagar uma indenização de 15 mil reais. Pereira
achou pouco, recorreu e as partes acabaram fazendo um acordo de 35 mil
reais. “O valor original acabou sendo um pouco maior porque a ré
atrasou o pagamento de algumas parcelas. Mas conseguimos penhorar a
conta bancária dela”, diz o advogado Diogo Kutianski, que trabalhou na
causa. Pereira conta que usou o dinheiro para começar outra empresa de
produção cultural. “Consegui me reestabelecer, graças a Deus, mas passei
anos com a vida revirada.” Até hoje, toma os remédios para dormir que o
psiquiatra receitou em 2009. “Nunca vi o rosto da Wilma e ela mudou
completamente a minha vida”, diz, com um sorriso desajeitado. “Aposto
que ela nem faz ideia do estrago que causou.”

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