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A RAZÃO DO MEU VOTO NA UNITA (FPU)

1.
Acho incómodo, mas também grave, a persistente e enfadonha repetição que se escuta por aí,
vinda dos sectores da sociedade poucos esclarecidos politicamente, para os quais os dois
principais partidos concorrentes às eleições gerais de amanhã «são a mesma coisa». Para eles,
tanto faz. Trata-se, na verdade, de gente que vê a nossa política nas lentes de quem sempre
governou. Deste modo, é «tudo a mesma coisa» MPLA ou UNITA, sem se compreender a
diversidade, a complexidade e, naturalmente, as subtilezas da política que em tantas situações
fazem com que se torne indispensável apoiar sectores dos quais legitimamente se discorda
num grande número de escolhas e perspectivas. É a mesma coisa MPLA ou UNITA para a
despartidarização da administração pública? Para o enfrentamento do poder centralista e
autoritário do Estado e a implementação da democracia efectiva? Para as relações com
Cabinda e as Lundas? Para as relações com o resto do mundo, a começar pelos países
africanos? Para integração das nossas línguas no quotidiano oficial? Para o respeito para com
as nossas etnias? Para a independência dos poderes legislativo e judicial? Para a abrangência
do combate à corrupção? Para a liberdade de imprensa, de opinião e de manifestação? Para
uma educação inclusiva e gratuita nos níveis básico e secundário? Para os impostos mais
equitativos e salários mais competitivos? Para a despartidarização da propriedade privada? É
mesmo? Estou a falar do mais básico, mas é mesmo deste que se trata.
2.
É também comum ouvir-se falar que os do MPLA se unem por interesses e os da oposição se
desunem por princípios. Porventura seja um juízo simplista, todavia, contém algo de autêntico.
Simplista porque, no lado do partido que continua a delimitar os caminhos da coisa pública é
possível encontrar cidadãos com um padrão ético que circunscreve as suas escolhas e outros
que dele são completamente desprovidos. Tal como pessoas verdadeiramente comprometidas
e outras sempre à procura da sua «vez de subir na vida». Mas subsiste também algo de
genuíno naquela afirmação ambígua: em norma, no plano basilar, quem governa mais
facilmente cede nos princípios em nome de interesses mais imediatos, enquanto os partidos
da oposição frequentemente subalternizam objectivos comuns em função de divergências
fundamentadas, mas sem carácter de urgência. Este é o cenário em que a nossa oposição tem
vivido.
3.
Começou a ser desenhada por membros da sociedade civil ainda antes de 2015, embora duma
maneira moderada, uma junção de forças (sociedade civil + partidos da oposição) unidas pelo
objectivo comum de derrubar o autoritarismo do MPLA e pôr fim à sua longa destruição do
tecido socioeconómico do país. Na altura, algo de tão fantasioso quanto, provavelmente, de
improvável, dadas as diversidades no plano dos princípios e as diferentes culturas que
democraticamente distinguem os seus elementos. Daí que tal não foi possível nas eleições de
2017. A UNITA, a CASA-CE, o PRS, a FNLA, a APN e os sectores minoritários da sociedade não
conseguiram formalizar uma aliança e então incompatibilizaram-se, criando antagonismos
associados a pingos de inflexibilidade mais egocêntrica do que ideológica. Porque os dirigentes
dos partidos não perceberam que o desenvolvimento do país impõe a necessidade de uma
confluência de interesses. A incompatibilização entre esses partidos, que tinham na sociedade
civil uma base social de apoio, é que criou as condições para transformar uma vírgula
programática ou uma mera antipatia pessoal em motivo suficiente para recusar qualquer
concessão ou contacto com quem, de facto, até se tinha muito em comum em termos de base
ideológica e de projecto político. Um apanágio idiossincrático que, aliás, ainda não foi varrido
de todo. E foi esta a razão de eu não ter votado no pleito de 2017.
4.
Tudo passa a mudar a partir de 2019. A possibilidade de confluir interesses comuns voltou a
pôr-se vagamente e foi debloqueada por dois momentos-chave: (i) Abel Chivukuvuku foi
destituído da liderança da CASA-CE e impedido de formalizar o seu novo partido (PRA-JA); (ii)
Adalberto Costa Júnior foi eleito presidente da UNITA. Sob a influência da partilha de um
mesmo historial ideológico e militante — lembremos que Chivukuvuku é UNITA de gema —,
estava dada a aproximação de ambos. O panorama crivado de fronteiras intransponíveis
perdeu sentido. Depois de muitos cidadãos verbalizarem esse desejo sincero, estavam criadas
as dinâmicas que iriam conduzir à criação da Frente Patriótica Unida. Infelizmente, não é ainda
uma «união da oposição».
5.
Hoje, diante de um governo de João Lourenço que empobreceu ainda mais o país, aumentou o
desemprego, quebrou por completo a classe média, forçou muitos jovens a expatriar-se e
lançou a maioria dos angolanos no pessimismo e na aflição, tudo em nome da redução de uma
dívida que apenas aumentou e de um crescimento económico que, na verdade, não é
palpável, não existe objectivo maior que não seja o de descontinuar este ciclo, desalojando o
MPLA do poder e iniciando uma política de reintegração moral e material que só a propensão
de uma Frente Patriótica Unida está em condições de projectar. Invertendo a tendência
corrosiva que se tem servido do dinheiro público nos últimos 20 anos. Perante o cenário
actual, torna-se, pois, imperativo um quadro de convergência política que não se exclui da
responsabilidade de governar e o quer fazer num quadro político de crescimento económico e
de verdadeiro desenvolvimento social.
6.
A FPU (considero-a um movimento de partidos políticos e cidadãos apartidários), em boa parte
criada e projectada justamente para ajudar a desbloquear a irredutibilidade e a construir
pontes entre o Estado e a sociedade civil, possibilitando uma alternância capaz de assegurar
uma governação decente, vê agora erguer-se a possibilidade de se alcançar esse objectivo.
Pela identidade que construiu e pela diversidade que propôs, mobilizando muitos cidadãos
que não se revêem em forças partidárias e estimulando esta convergência de interesses —
contra o autoritarismo e pela democracia, contra a destruição do Estado social e pelo bem-
estar colectivo fundado no progresso e nos direitos sociais — que terá o país e as pessoas
como prioridade, na sua diversidade e sem hegemonias, numa experiência de mobilização
social, criação e governação tão possível quanto necessária. Assim, para que Angola seja de
novo um país no qual se deseje viver, votarei na UNITA pela primeira vez.
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Domingos Estêvão Vicente
23/08/2022

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