Você está na página 1de 3

MOBILIZAÇÃO JÁ!

Adroaldo Quintela*
J. Carlos de Assis**

A maioria dos cidadãos está se comportando como se eleger Lula Presidente da


República é o bastante para a retomada do desenvolvimento sustentável do país a
altas taxas, assim como para a reconstrução e consolidação da democracia
representativa. É um tremendo equívoco. Lula, sozinho, não terá forças para enfrentar
as terríveis travas que os governos Temer e Bolsonaro deixaram para seu governo, seja
no plano legal, seja na forma de uma hegemonia parlamentar mais preocupada em
defender os próprios interesses particulares do que os do país.
De fato, a base política e administrativa na qual se apoia o Presidente, formada
por uma colcha de retalhos partidária, é extremamente frágil. Para ampliá-la, Lula tem
que fazer recorrentes concessões. Hábil negociador, o Presidente contorna muitos
empecilhos. Contudo, seu estoque de concessões não é infinito, especialmente diante
do apetite de muitos grupos parlamentares acostumados ao velho estilo fisiológico de
tempos anteriores. Talvez a alternativa seja recorrer ao poder supremo numa
democracia: o povo.
Entretanto, as massas, por omissão de suas lideranças, têm tido um
comportamento amorfo. Não há mais mobilização política real no país no campo
democrático e popular. Todo o esforço para convencer o Congresso a assumir uma
pauta progressista na esfera da política econômica fica nas costas do Presidente e de
alguns ministros. E ninguém duvide que é justamente no campo da política econômica,
cujos meandros não são muito bem conhecidos pelo povo, que está a chave da
retomada do desenvolvimento sustentável da Nação.
Infelizmente, o ambicioso Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de
Lula pode morrer na praia, se não houver demonstração inequívoca de força popular
para sustentá-lo. As prioridades nele indicadas correspondem às necessidades do país,
as fontes de recursos, nele assinaladas, estão ao nosso alcance interna e
externamente, e o engajamento privado nele é, sem dúvida, possível. O que o
restringe, e o povo não sabe, é a política fiscal a que fomos obrigados a nos submeter.
Trata-se de uma tecnicalidade desconhecida da maioria da população. E a
principal razão pela qual ela não se mobiliza para defender o programa governamental
é que os próprios políticos do governo não têm sabido conduzir o grande debate sobre
os destinos do país. A política tem sido reduzida à retórica, em especial a retórica
antibolsonarista, quando esse assunto, para todos os efeitos práticos, está
praticamente bem encaminhado, na medida em que o STF cuida magistralmente dele
no nível legal, o mais adequado.
No nosso entender, as lideranças políticas da situação deveriam superar
questões meramente ideológicas e exercer uma pedagogia “religiosa” junto ao povo
para esclarecer os pontos vitais da política econômica que separam a Nação entre
verdadeiros progressistas e grupos regressivos, muitos deles inconscientes. O divisor
de águas, como mencionado, é a política fiscal. E, nela, as superstições do déficit fiscal
zero, do teto de gastos e do equilíbrio orçamentário a qualquer custo.
O Presidente deu uma sinalização de que não sacrificará as políticas sociais e de
desenvolvimento sustentável no altar do déficit zero, mas, em lugar de virem a público
para esclarecer esses conceitos, políticos governistas preferiram reforçá-los com
declarações ambíguas, para tranquilizar o mercado. Isso confunde a opinião pública e
retarda qualquer iniciativa de mobilização popular por uma mudança efetiva na
política econômica. E, claro, sem mobilização popular, o Congresso não se move.
É extremamente difícil ganhar uma maioria permanente no Congresso.
Entretanto, isso é simplesmente impossível se os parlamentares oposicionistas
sentirem que a opinião pública está inconsciente e confusa diante das vacilações da
política econômica. Portanto, os governistas têm que trazer a força do povo para o
centro da cena, o que só é possível com efetiva mobilização das massas. Ao presidente
deve caber a última palavra, em resposta à opinião pública.
Não há nenhuma desculpa para que organizações sindicais e os grandes
movimentos sociais de mulheres, de negros, de estudantes, de profissionais pela
democracia, da igreja progressista, da Ordem dos Advogados do Brasil, da Associação
Brasileira de Imprensa e de movimentos sociais do campo e das cidades, e de outros
grupos que se manifestaram antes das eleições, com grande força, se retraiam agora
como se já não tivessem um papel político a desempenhar. Ao contrário. A luta
verdadeira se dá agora, a fim de evitar que o Presidente fique isolado diante de forças
poderosas das elites e das classes dominantes que tradicionalmente controlaram a
Nação.
Na verdade, as lideranças políticas que apoiam o Presidente estão cometendo
um erro estratégico. Em lugar de se organizarem para dar-lhe suporte político, com
base em sua unidade, comportam-se como demandantes de interesses próprios. É
como se a luta, com o resultado das eleições, tivesse sido ganha em caráter definitivo,
e não pudesse haver possibilidade de reversão. Entretanto, há. Antes de “usar” a
democracia é preciso consolidá-la. Consolidação da democracia significa promover o
desenvolvimento.
Um fracasso do governo Lula seria o pior desastre da história republicana,
similar ao que acontece na Argentina. E embora pouco provável neste momento, não é
impossível, porque as travas ao desenvolvimento acima mencionadas poderão levar a
uma grande frustração da opinião pública em relação a seu grande líder político
histórico. Não podemos continuar sendo um país apenas de festas e de carnaval. A
principal festa que temos de fazer, como mencionado, é a da democracia e do
desenvolvimento.
Em razão disso, é preciso que todas as principais lideranças sociais,
principalmente os dirigentes das Centrais Sindicais, dos Movimentos Negros, dos
Movimentos de Mulheres e dos Estudantes, entre os outros acima citados, mobilizem
suas bases a fim nos prepararmos para ir às ruas e praças das metrópoles e cidades de
grande e médio porte, a fim de defenderem o programa de governo de Lula. Dessa
forma a Cidadania fará sua parte na grande luta política que definirá o futuro da Nação
e do nosso povo!

*Economista, fundador da ABED e diretor do IDENE.


** Jornalista, economista e professor

Você também pode gostar