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BPI – Biblioteca Pública Independente

Fóruns conciliadores e institucionalização dos Movimentos


Sociais

Coletivo PAEM – Para Além do Estado e do Mercado (Dourados – RS)

Historicamente as classes dominantes sempre utilizaram de diversas formas, e não apenas da


violência, para desarticular e pôr fim às movimentações populares que surjam de forma
autônoma e autêntica no seio das classes oprimidas. Uma das formas que tem se mostrado
mais eficazes é a institucionalização dos movimentos sociais, prática que vêm sendo agravada
nos últimos anos, mas, contudo, já é um fenômeno bem mais antigo.
Esta institucionalização é levada a cabo quando um movimento, formado por determinado
setor social que disputa a satisfação de uma demanda específica, porém abrangente, é
arrastado à participação dentro de algum fórum conciliador estatal, onde, teoricamente, o
movimento teria condições de debater com governantes e ricos como e onde seriam investidos
recursos e aplicadas as políticas públicas que são de seu interesse. Porém, na prática, o que
acontece é o enquadramento do setor popular na agenda política burguesa, prendendo-o nas
entrelinhas da legalidade estatal e, a partir daí, impedindo e criminalizando toda e qualquer luta
autônoma das classes oprimidas, cujos métodos e anseios não estejam previstos no âmbito
destes fóruns conciliadores.
No início do século XX, quando da ascensão dos primeiros movimentos de trabalhadores no
Brasil, impulsionados, sobretudo pelo Sindicalismo Revolucionário e por grupos Anarquistas, o
Estado e as classes dominantes levaram ao termo a matança dos militantes operários mais
influentes e combativos ao mesmo tempo em que preparava o terreno da institucionalização do
movimento sindical, que tomou corpo, durante o Estado Novo, nas leis trabalhistas e na criação
do Ministério do Trabalho. Ainda que as ditas leis trabalhistas reconhecessem a vitória da luta
dos trabalhadores quanto à jornada máxima de 8 horas diárias, do estabelecimento do salário
mínimo, de férias remuneradas, etc., as classes dominantes estabeleceram, através do
Ministério do Trabalho, as regras que queriam para a forma com que os trabalhadores
poderiam organizar seus sindicatos o que, obviamente, era na verdade a total criminalização
dos métodos de ação direta e autonomia do Sindicalismo Revolucionário e a aclamação do
sindicalismo atrelado ao Estado e com o rabo preso com a patronal, o que ficou historicamente
conhecido como “sindicalismo pelego”. Na época as classes dominantes acabaram contando
com a ajuda do PCB, o “partidão”, que vinha ganhando influência com o extermínio de
anarquistas efetuado pelo governo, e sonhava com a direção da máquina estatal apoiando,
portanto, coerentemente com seu projeto, a institucionalização do movimento sindical. Esta
conjuntura perdurou por décadas, agravada durante a Ditadura Militar, e vendo-se desnudada
e, momentaneamente, rompida pelo “novo sindicalismo” em fins da década de 1970.
O chamado “novo sindicalismo” representou num primeiro período o resgate da autonomia
popular e de seus movimentos perante as classes dominantes, surgindo na época a Central
Única dos Trabalhadores/CUT que se propunha a romper com o peleguismo e se pautar na luta
direta dos trabalhadores para alcançar seus anseios. Só que ao mesmo tempo as principais
lideranças cutistas fundavam o PT e, quanto mais o partido crescia, abocanhando cargos no
Estado e fazendo, necessariamente, alianças e coligações com setores patronais, mais o “novo
sindicalismo” definhava, transformando-se, atualmente, em uma potente correia de transmissão
das políticas governamentais. Através da Reforma Trabalhista e da conseqüente Reforma
Sindical, concretizada de forma eficaz em etapas, volta a emergir a institucionalização do
movimento sindical, agora do chamado “novo sindicalismo” em estruturas não muito diferentes
das criadas na Era Vargas, contudo com nuances de participatividade.
Outro forte meio de institucionalização dos movimentos sociais é o chamado “orçamento
participativo” e seus “conselhos municipais”. O orçamento participativo tomou corpo em Porto
Alegre, quando da chegada do PT à administração da cidade, apontado inicialmente como um
grande exemplo de política pública de esquerda, vindo a chamar a atenção de diversos setores
no mundo todo e a ser implantado em diversas cidades do Brasil onde o partido chegava ao
poder, o orçamento participativo logo demonstrou sua dubiedade. Ao mesmo tempo em que
atendia parcialmente a reivindicação popular de opinar em como deveria ser gastos os
recursos públicos, também criava uma série de parâmetros reguladores para como poderia ser
realizada a organização e a movimentação popular de quem quisesse ter representatividade
nos conselhos de decisão do orçamento participativo. E estes parâmetros reguladores eram,
logicamente, a legalidade burguesa e a participação indireta, através de representantes ou
conselheiros, da comunidade.
Ora, sendo assim, em um curtíssimo período de tempo, este modelo descambou a ser uma
“pré-escola” para políticos, criando uma gama de especialistas na “arte de ser representantes”,
e espezinhando qualquer iniciativa de protagonismo da comunidade que pudessem vir a
prescindir da autoridade dos conselheiros, além de não atender a nenhuma reivindicação
popular concretamente, vindo sim a impor aos participantes a adesão cega às políticas
governamentais, já que aparentemente teriam participado da elaboração das mesmas. E, como
não poderia deixar de ser, rapidamente as administrações de todas as colorações partidárias
perceberam as beneficies que o orçamento participativo poderia proporcionar-lhes, sendo que
hoje todas seguem adotando-o, vide o caso aqui em Dourados.
Para nós é um crime contra nosso povo silenciar sobre o perigo que espreita por trás dos
belos discursos de democracia e tolerância presentes nas políticas de institucionalização dos
movimentos populares. É corrente vermos um grande número de pessoas sinceras, que
querem fazer algo por e junto com suas comunidades, serem arrastadas e tragadas pela
participação em tais fóruns. Sendo apresentado, tanto pelas classes dominantes quanto por
pelegos que se dizem militantes sociais, como a mais justa, ou ainda como a única via para a
luta popular, estes modelos de enquadramento vêm minando a organização e a resistência
popular. Afinal, se a participação através de representantes, nos fóruns de conciliação com a
burguesia/governo é a única forma de participação política popular vislumbrada, o trabalho de
base, a militância e a luta direta protagonizada pelo povo é totalmente abandonada e, mais que
isso, criminalizada como provocação, irresponsabilidade e como prejuízo à própria
comunidade.
No nosso entendimento é urgente rompermos esta situação. É preciso que todos os militantes
e pessoas que realmente querem trabalhar por mudanças sociais profundas intervenham
energicamente em todos os espaços de organização de sua comunidade. Seja nos sindicatos,
grêmios escolares ou associações de moradores é preciso contrapor, com organização,
resistência e luta, a institucionalização dos movimentos sociais e a conseqüente criminalização
das lutas diretas, protagonizadas pelas classes oprimidas. Defendemos, ainda a construção de
um fórum destinado a consolidar-se como um contraponto ou contra-poder perante as
instâncias conciliadoras, apoiado em um profundo trabalho de formação de base e
protagonismo comunitário, onde a mobilização e a combatividade sejam apontadas como as
principais características a serem buscadas, já que assim, mesmo que um movimento ou
organização defina taticamente a participação momentânea em alguns destes fóruns
conciliadores, a mobilização nas ruas possa garantir um efetivo poderio de barganha para as
disputas das demandas que realmente nosso povo trabalhador urge em satisfazer.

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