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2 de 25 de setembro a 1º de outubro de 2014

editorial

Os movimentos sociais, a reforma política e as eleições


1. A REFORMA POLÍTICA também anunciarão o início da coleta Nosso jornal tem grado tamanha unidade programáti- alguns movimentos, sobretudo sindi-
Nos últimos meses, construíram-se de assinaturas entre senadores e de- ca entre os movimentos sociais. E is- cais, que tomaram a deliberação nas
vários espaços unitários e plenárias putados para um decreto legislativo a missão de seguir so é muito significativo diante da cri- suas direções de apoiar este ou aque-
setoriais entre os mais diferentes mo- que convoque um plebiscito legal e se política de representação institu- le candidato.
vimentos sociais para discutir os pro- obrigatório para que toda população fiel às deliberações cional que vivemos. Assim, esse pro- No entanto, entre os dirigentes e
blemas brasileiros e tomar iniciativas se manifeste se quer ou não uma as- grama unitário representa um avan- militantes de movimentos sociais,
de mobilizações populares. sembleia constituinte soberana para da maioria dos ço enorme, e certamente servirá de percebe-se que a ampla maioria es-
Houve grande afinidade e unidade realizar uma reforma política. baliza para as ações comuns. tá apoiando a candidatura da Dilma,
que articulou praticamente todos os Se tudo der certo, o plebiscito obri- movimentos sociais, apesar das críticas aos limites do pro-
movimentos sociais do país em torno gatório seria realizado no primei- 3. AS ELEIÇÕES grama neodesenvolvimentista dos
da necessidade de uma reforma po- ro semestre de 2015, para que então reconhecendo a Os debates que houveram em tor- últimos anos. Alguns militantes es-
lítica. Já que consideramos que o fi- possamos eleger os constituintes de no das eleições demonstraram que tão fazendo campanha para Luciana
nanciamento privado das campanhas forma independente, no segundo se- legitimidade das há visões diferenciadas sobre a for- Genro, como espécie de voto de pro-
faz com que as empresas sequestrem mestre de 2015 ou início de 2016. ma como se comportar. Há unidade testo e em reconhecimento à sua pos-
a democracia brasileira e elejam ape- Sem uma reforma política ampla, diferentes visões de que devemos colocar nossas ener- tura política não sectária durante a
nas os seus escolhidos. Nessa cam- que envolva inclusive o Poder Judi- gias para eleger o maior número pos- campanha. E, em número cada vez
panha serão gastos mais de R$ 4 bi- ciário e o controle dos meios de co- sível de parlamentares comprometi- menor, há também militantes que
lhões, por apenas 117 empresas fi- municação como parte do sistema dos com a classe trabalhadora, que apostam na possibilidade da candi-
nanciadoras! político brasileiro, é impossível rea- existem em todos os partidos. Apesar datura Marina Silva, embora as crí-
Para conseguirmos a reforma po- lizar as reformas estruturais que ne- da desigualdade imposta nas campa- ticas a essa candidatura aumentem a
lítica plena e ampla, só há um cami- cessitamos para resolver os proble- nhas pelo poder econômico. cada dia, em função de suas alianças
nho possível: a convocação de uma mas do povo. E para isso, deveremos Há unidade também, de que de- conservadoras, às suas vacilações so-
assembleia constituinte soberana e seguir nos mobilizando nas ruas. vemos colocar energias para eleger bre temas polêmicos, como recursos
exclusiva. Nessa semana conhecere- para a luta permanente na nossa so- os candidatos a governador que re- do Pré-Sal, transgênicos, união civil
mos os resultados do plebiscito po- 2. AS REFORMAS ESTRUTURAIS ciedade, que ultrapassa o calendário presentam posições progressistas e homoafetiva etc. E muitos militan-
pular sobre a necessidade de con- Nesse contexto, um conjunto de eleitoral. de esquerda, frente à ofensiva con- tes estão lhe fazendo oposição aberta,
vocação de uma assembleia consti- mais de 60 movimentos sociais, da As eleições são importantes e ne- servadora que estamos assistindo por suas posturas de defender a inde-
tuinte. Depois, nos dias 14 e 15 de maior amplitude setorial de nosso cessárias. Podem alterar a correla- nos estados. pendência do Banco Central, as crí-
outubro, a coordenação da campa- povo, debateu e apresentou uma pla- ção de forças institucionais. Porém, Em relação à eleição presidencial, a ticas a Cuba e Venezuela, e outros si-
nha convocou uma plenária nacio- taforma política sobre as mudanças os movimentos e as forças populares maioria dos movimentos quer man- nais claramente a favor da classe do-
nal massiva, em Brasília (DF), on- estruturais necessárias. Essa plata- devem ter um programa de mudan- ter sua autonomia como organiza- minante brasileira.
de devem chegar um ônibus de mi- forma política dos movimentos so- ças, que oriente suas lutas sociais, su- ção. Portanto, suas direções não deli- Nosso jornal tem a missão de se-
litantes por estado. Lá em Brasília, ciais (vide nessa edição e na pagina as mobilizações e seja uma espécie beraram por este ou aquele candida- guir fiel às deliberações da maioria
os movimentos vão entregar o resul- http://www.brasildefato.com.br/no- de bússola para o caminho a seguir. to, como forma de manter a autono- dos movimentos sociais, reconhe-
tado do plebiscito para as autorida- de/29832 ) representa um progra- Desde as campanhas das Diretas Já e mia política e preservar os princípios cendo a legitimidade das diferen-
des dos Três Poderes da República. E ma unitário dos movimentos sociais, as eleições de 1989, não havíamos lo- de movimentos sociais. Embora, há tes visões.

opinião Cândido Grzybowski crônica Luiz Ricardo Leitão

A cultura Eleições em
Norma Bates/CC

política e a Bruzundanga (Parte II)


“ficha” de RETA FINAL DA ESCOLHA do novo síndico geral de Bruzundan-
ga. Sem travas na língua, o sociólogo Chico Oliveira classifica o pro-
cesso de “deserto eleitoral”, incapaz de formular um programa de es-

candidatos
querda à altura dos anseios concretos do povo brasileiro. Aliás, só
nos últimos dias, em face da acintosa guinada da ‘irmã’ Marina à di-
reita, entreviu-se uma nesga de debate político na insossa campanha
de 2014.
Quem te viu, quem te vê... Ao melhor estilo de FHC (o mentor
TRÊS CANDIDATOS a governador ideológico de Marina, segundo alguns analistas de plantão), a ex-
– Distrito Federal, Mato Grosso e -verde virou “laranja” e trata de renegar quase todas as bandeiras
Roraima – renunciaram, na última que abraçou nos tempos áureos da sua militância ambientalista. Se
semana, por causa de sua “ficha su- já não bastasse a aliança com o agronegócio, a aversão ao Pré-Sal e a
ja”. É algo a festejar, mas nem tan- O tamanho de do para deputados estaduais e fede- pronta adesão à proposta de “autonomia” do BC (tão a gosto do clã
to assim. Eles renunciaram diante rais. Muda um pouco, mas continua Setúbal e dos bancos privados), a “novidade” que já nasceu velha de-
da evidência de que seus últimos re- transformação contaminado, na eleição de senado- cidiu subscrever agora a “reforma trabalhista” ditada pelos empresá-
cursos nos tribunais superiores não res (que ninguém sabe para que ser- rios daqui e de acolá.
funcionariam e, caso eleitos, perde- da política pela vem!), de governadores e de presi- Contudo, como ensina um provérbio cubano, “no hay mal que por
riam legalmente os mandatos con- dente. Só que estes não existem sem bien no venga”. As ameaças a direitos básicos dos trabalhadores (13º,
feridos pelo voto. Além disto, os três cidadania ativa é a institucionalidade do Poder Legis- férias, FGTS, etc.) não podem ser diluídas no figurino cosmético dos
puseram suas esposas na chapa, co- lativo. marqueteiros: por isso, até Dona Dilma esqueceu o teleprompter e
mo titular (MT e RR) ou como vice gigantesca, coisa para Assim, o que nos falta, mais do tratou de afirmar que não há como suprimir as conquistas históricas
(DF). Com a lei da Ficha Limpa bar- que reforma política, é a reforma do movimento operário. Ufa! Para tristeza de Malafaia, Bolsonaro &
rou-se a possível representação de mais de uma geração. da política enquanto tal. A Política Cia., finalmente ultrapassamos a agenda fundamentalista do “abor-
três candidatos que não têm condi- (com P maiúsculo) entre nós ainda to” e do “casamento gay”.
ções de legitimidade para exercê-la Mas temos que não é plenamente um bem comum,
– só três de um universo de mais de público, uma arena simbólica de
10%, segundo minhas estimativas, começar agora para disputa de projetos de sociedade en- Soluções incomuns exigem esforços
de todos os candidatos com “ficha tre todas e todos, sem exclusões ou
suja” disputando eleições este ano acontecer um dia! discriminações. O privado prevalece incomuns – e a soberania de um povo não
no país. Não dá para dizer que com a sobre o público, o interesse menor
esperta e oportuna renúncia nesses sobre o interesse comum, a compe- se exerce via Twitter ou Facebook
três casos, em favor de suas esposas, tição por vantagens corporativas so-
a cultura político-eleitoral entre nós, bre o bem de todas e todos. A “ágo-
que permite a eleição de represen- tra da “governabilidade”, de alian- ra” – a praça da democracia para os
tantes “fora da lei”, está mudando. ças espúrias para governar, que tu- gregos – como símbolo de conquista Ainda assim, continuamos a anos-luz da expectativa gerada pelas
Ainda não é a democracia, a cidada- do justifica. Parece que política é um democrática de convivência e deba- colossais manifestações de junho de 2013, que “não tiveram fôlego
nia e a política que saem enaltecidas espaço público disto mesmo, de “fi- te de iguais na diferença e diversida- para atravessar o deserto eleitoral”, observa Francisco Oliveira. De
diante de tais fatos. chas sujas”. Como mudanças consti- de, ainda precisa ser inventada en- qualquer forma, já foi possível ver, no recente debate da CNBB, Lu-
Duvido que haja alguém neste país tucionais dependem de um Congres- tre nós. Continuamos uma socieda- ciana Genro (PSOL) esculachar o playboy Aécio, pondo a nu a hipo-
que não conheça político corrupto so com presença de “fichas sujas” e de de “casa grande” e “senzala”, com crisia do discurso tucano de “combate à corrupção” e “modernização
ou criminoso mesmo, até com pro- de corporativismos acima de inte- donos e não donos, com verdadeiros do Estado” (leia-se “privatização”) – um santinho barroco com dois
cesso e tudo. A questão é por que resse público, passa ano e vai ano, proprietários de representação polí- pés de barro.
tais pessoas recebem o voto cida- tudo fica na mesma. Só um podero- tica (o tal “direito adquirido”) e elei- É uma pena que nossas dispersas forças de esquerda – aquelas que
dão e acabam eleitas? O antídoto le- so movimento cidadão poderia con- tores submissos que a eles servem. ainda possuem algum ímpeto transformador – não tenham aprovei-
gal da Ficha Limpa ajuda, e muito, figurar uma outra situação. Mas co- Ainda temos clãs na política, como tado este tosco processo eleitoral para formular um programa polí-
mas não consegue mudar uma cultu- mo, se a cultura do favor e do “rouba se política fosse questão de herdei- tico comum, seja em âmbito econômico, seja na esfera social. É bem
ra política corroída, encrustada nos mas faz” está impregnado na cultu- ros, com direito a continuar vivendo verdade que não se pode propor aquilo que o eleitor avalia como in-
usos e costumes. Afinal, não são tri- ra política e contamina, paralisa até, das benesses do poder. viável na atual conjuntura, conforme adverte com razão o sociólogo.
bunais que votam, somos nós mes- a cidadania? A tarefa de mudança vai muito Mais arguto do que supõem certos gurus dos partidos, o povo não
mos, cidadãs e cidadãos. Por que Bem, a minha questão nesta crô- além da cosmética proposta por Ma- embarca em canoa furada. Ele é fruto de uma sociedade que se “mo-
ainda há espaço para gente sem “fi- nica do momento eleitoral do Bra- rina, nesta eleição. Na sua “nova po- dernizou” sem promover qualquer ruptura e na qual o “novo” é sem-
cha limpa” que consegue se eleger sil é esta mesma: para o povão, polí- lítica” há muito lugar para “fichas pre uma metamorfose do velho. Basta ver a nossa história, desde a
facilmente? O candidato Arruda es- tica sempre foi e continua sendo coi- sujas” e o financiamento interesseiro Independência e a República até o amplo acordo burguês que selou o
tava à frente na disputa eleitoral em sa de gente “esperta”. Já que é as- de grandes corporações econômicas fim da ditadura, com uma tácita anistia a todos os carrascos.
Brasília, apesar de todas as falcatru- sim, vamos tirar vantagem disto. A e financeiras. Aliás, ela até buscou Por isso, a tarefa da esquerda tem sido apenas “domar as forças ca-
as e condenações. Não é a cidadania minha “pesquisa de urna” e observa- apoio explícito da elite do agrone- pitalistas” para assegurar novos avanços na área dos direitos huma-
que lhe estava negando a represen- ção pessoal, sobretudo em caminha- gócio, uma pequena fração da clas- nos – deixando em banho-maria temas como a reforma agrária, o
tação, ele foi derrubado por expecta- das matinais pelo Aterro do Flamen- se dominante, mas muito esperta em controle do sistema financeiro e outros pontos bem espinhentos da
tiva de ser condenado em último re- go ou nas idas a mercados, é que a financiar e comprar lealdade de de- agenda econômica. Toda aquela energia da “Copa das Manifesta-
curso pelo STF. política para o cidadão comum não é putados, a tal “bancada ruralista”, ções” esvaiu-se pelo ralo, caro leitor. Sobrou apenas uma urna eletrô-
Fala-se muito, hoje, de reforma definida pelo nosso voto programáti- eleita por nós, com o nosso voto, va- nica na esquina, para se digitar no dia 5. Se desejar outra opção, con-
política. Mas parece assunto de es- co, mas por a gente ser esperta o su- le lembrar. O tamanho de transfor- sulte sua indignação. Soluções incomuns exigem esforços incomuns
pecialistas, pois não é um tema cla- ficiente para conseguir estar do lado mação da política pela cidadania ati- – e a soberania de um povo não se exerce via Twitter ou Facebook.
ro na agenda política de candidatos. daquele conhecido que pode dar al- va é gigantesca, coisa para mais de
Todos eles e elas, sem exceção, tem guma vantagem. Sim, estamos ain- uma geração. Mas temos que come- Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor associado da UERJ.
alianças e apoios de “fichas sujas”. da diante de uma cultura de favor, çar agora para acontecer um dia! Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é
As lealdades e amizades estão aci- de voto em troca de favor, não im- autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e de Lima
ma da legalidade. E existe o tal man- porta muito como. Isto vale sobretu- Cândido Grzybowski é diretor do Ibase. Barreto – o rebelde imprescindível.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Aldo Gama, Marcelo Netto • Repórter: Marcio Zonta• Correspondentes nacionais: Maíra Gomes (Belo Horizonte – MG),
Pedro Carrano (Curitiba – PR), Pedro Rafael Ferreira (Brasília – DF), Vivian Virissimo (Rio de Janeiro – RJ) • Correspondentes internacionais: Achille Lollo (Roma – Itália),
Baby Siqueira Abrão (Oriente Médio), Claudia Jardim (Caracas – Venezuela) • Fotógrafos: Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur (São Paulo – SP),Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper
(Rio de Janeiro – RJ), João Zinclar (in memoriam), Joka Madruga (Curitiba – PR), Le onardo Melgarejo (Porto Alegre – RS), Maurício Scerni (Rio de Janeiro – RJ), Pilar Oliva (São Paulo – SP) • Ilustradores: Latuff,
Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Marina Tavares Ferreira • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira •
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de 25 de setembro a 1º de outubro de 2014 3

instantâneo Frei Betto

Mortes
precoces
Pedro Nathan

O BRASIL é o 6º país em mortes de jovens no mundo. Aqui


eles são mortos pela polícia, por balas “perdidas”, pela guer-
ra entre traficantes e por acidentes de moto ou carro. O dado
é da UNICEF. Em números absolutos, o Brasil teve, em 2012,
mais de 11 mil homicídios de pessoas entre 0 e 19 anos de ida-
de, atrás apenas da Nigéria, que teve 13 mil.
Aqui ocorrem 17 assassinatos em cada 100 mil jovens. E
10% das meninas com menos de 19 anos já fizeram sexo for-
çado. Em geral, a pedofilia ocorre no próprio âmbito familiar.
A UNICEF pesquisou 190 países. À frente do Brasil em as-
sassinatos de jovens estão El Salvador (27/100 mil), Guate-
mala (22), Venezuela (20), Haiti (19) e Lesoto (18).
Jovens negros sofrem o risco três vezes maior de serem as-
sassinados que brancos da mesma faixa etária. Nossa polícia,
com raras exceções, não é treinada para agir sem preconceito
racial e com respeito à cidadania dos mais jovens.

Jovens negros sofrem o risco três


vezes maior de serem assassinados
que brancos da mesma faixa etária

Segundo o UNICEF, a violência cresceu “dramaticamen-


te” nas grandes cidades brasileiras nos últimos anos. Isso se
Altamiro Borges deve à desigualdade social, ao acesso facilitado às armas de
fogo, ao alto consumo de drogas e ao crescimento da popu-
lação jovem.

Ibope está à venda “O homicídio é a primeira causa de morte entre homens


de 10 a 19 anos no Brasil, no Panamá, na Venezuela, na Gua-
temala, na Colômbia, em El Salvador e Trinidad y Tobago”,
afirma o relatório.
CRESCEM OS RUMORES de que o Ibope – instituto que manescente do Ibope custará R$ 400 milhões. A empresa Em 1/5 dos assassinatos no mundo as vítimas têm me-
monopoliza as pesquisas de audiência da tevê brasileira e hoje presidida por Carlos Augusto Montenegro foi criada nos de 20 anos. Em 2012, essas vítimas precoces somaram
que realiza milionárias sondagens em períodos eleitorais por sua família há 62 anos. Neste período, ela conseguiu 95 mil!
– será vendido nos próximos dias à multinacional britâni- – não se sabe de que forma – o monopólio da medição da Uma em cada 10 meninas em todo o mundo já sofreu al-
ca WPP. Segundo matéria do Estadão do dia 19 de setem- audiência da televisão. Tornou-se parceira da Rede Globo gum tipo de ato sexual forçado. Os abusos costumam ser pra-
bro, “um dos maiores grupos de publicidade do mundo, na conquista da publicidade e foi acusada pelas emissoras ticados por pais e parentes. E 6, em cada 10 crianças entre 2
dono de agências Ogilvy, Young & Rubicam e JWT, quer concorrentes de distorcer as pesquisas para privilegiar o e 14 anos, são regularmente agredidas por seus pais. Estes ig-
ficar com 80% do capital da empresa brasileira de pesqui- império global – ganhou até o apelido de “Globope”. noram que criança surrada tende a ser adulto revoltado, ca-
sa. O grupo de comunicação já é sócio do Ibope e detém Nas sondagens eleitorais, o Ibope também foi acusa- paz inclusive de crimes hediondos.
atualmente 44% do negócio... As negociações estão em es- do várias vezes de manipular os resultados para favore-
tágio avançado”. cer os candidatos da sua predileção política e os partidos
O negócio se encaixaria no processo bilionário de ex-
pansão das multinacionais do setor no Brasil. “Comenta-
que pagavam mais pelas pesquisas. Este passado nebulo-
so – para dizer o mínimo – talvez explique o otimismo do
É urgente os governos
-se no mercado que o próprio WPP estaria em busca da
compra de uma agência de relações públicas no Brasil.
veterano jornalista Janio de Freitas. Em artigo na Folha
de domingo (21), ele afirma que “a venda do controle do
adotarem políticas em relação
Hoje, o grupo comandado por Martin Sorell já contabili-
za sob o seu ‘guarda-chuva’ empresas de desenvolvimen-
Ibope à inglesa WPP vai sacudir as relações entre meios
de comunicação, publicidade e público leitor/ouvinte/es-
à violência infantil, que não é
to de marcas, de promoções em ponto de venda, de mar- pectador”. Ele lembra os vínculos do instituto com o Gru- normal nem tolerável
keting esportivo (incluindo a 9ine, que tem o ex-jogador po Globo, que levaram “muitas emissoras de sucesso do
Ronaldo Nazário como sócio). O WPP já é proprietário de Rio e, depois, também de São Paulo a se insurgirem con-
uma empresa do mesmo ramo que o Ibope, a Kantar, que tra o que seria o sistema de apuração do Ibope. Em vão.
já atua no Brasil”. É compreensível que, para as mesmas ou para as sucesso- Entre cada dez adultos, três acreditam que castigos físicos
Não há ainda informações seguras sobre o valor do ne- ras, novos donos possam significar novas perspectivas”. são necessários para criar os filhos. Em 58 países, 17% dos
gócio, mas apenas boatos de que a compra da parcela re- A conferir! menores sofrem “graves formas de castigos físicos”, índice
que sobe para 40% em países como Egito e Iêmen.
É urgente os governos adotarem políticas em relação à
Vito Giannotti violência infantil, que não é normal nem tolerável. Em ju-
nho, a presidente Dilma Rousseff sancionou o projeto que

Sem luta, a CLT pode acabar


criou a Lei da Palmada, para punir adultos que submetam
menores a castigos que resultem em sofrimento físico. A lei
determina que as crianças sejam educadas sem castigos físi-
cos ou “tratamento cruel ou degradante como forma de cor-
reção ou educação.”

HÁ QUASE 30 anos que se fala que o 13º salário pode aca- tenção dos direitos trabalhistas, como férias, 13º salário,
bar. E as férias também. E o descanso remunerado aos
domingos, e a licença maternidade e tudo mais. Sim, este
multa por demissão e muitos outros. Não podemos correr
o risco de eleger alguém que aceite o fim da CLT.
Metade das jovens entre 15 e 19
é o papo dos empresários.
Todo dia na Globo e nas outras televisões ouvimos os
Fique atento. Em Brasília, circula um Projeto de Lei, fei-
to por um deputado que, evidentemente, é um empresá-
anos consideram justificável que
Williams Bonners repetirem que com estas leis traba-
lhistas o Brasil não vai poder crescer. Os patrões não po-
rio. Este é o Projeto de Lei nº 4.330. É um projeto que li-
bera totalmente as empresas para terceirizar seus servi-
o marido bata na mulher “em
dem abrir novos empregos. Não podem concorrer com ços. Hoje a lei limita, parcialmente, as terceirizações. Com determinadas circunstâncias”
firmas internacionais. As empresas pequenas não conse- este decreto, liberaria geral. Ele permite aos patrões con-
guem se manter. E mais: não há dinheiro para as empre- tratar sem registro, sem nenhuma obrigação legal. Enfim,
sas prestarem melhores serviços. Há leis demais. A apo- livre para explorar à vontade. Com este projeto acabam a
sentadoria come todo o dinheiro público e a Previdência CLT e a Justiça de Trabalho. Enfim, o trabalhador fica to- O relatório do UNICEF, de 206 páginas, indica que cerca
é um buraco só. talmente desamparado. É uma volta atrás nos direitos dos de 120 milhões de meninas e adolescentes de menos de 20
Essa é a campanha feita desde 1990, pela mídia dos pa- trabalhadores, de 70 anos. anos (ou uma em cada dez) já sofreram violência sexual.
trões, quando o neoliberalismo chegou com força ao Bra- O que é grave é que esse tema importantíssimo está sen- Metade das jovens entre 15 e 19 anos consideram justificá-
sil. Globo, Folha de São Paulo, Veja, CBN, Record, SBT e do escondido. O eleitor nada sabe do projeto de Lei nº vel que o marido bata na mulher “em determinadas circuns-
toda a mídia estão em campanha para agradar aos patrões 4.330. Nada sabe do plano de liberar a terceirização. E na- tâncias”. A proporção chega a 80% em países como Afega-
e fazer acabar a CLT. A CLT é o conjunto de leis que foram da sabe do que sua candidata vai querer fazer sobre este nistão, Jordânia e Timor Leste. A violência doméstica é en-
consagradas por Getúlio Vargas após 100 anos de lutas assunto. Ainda sobram alguns dias para se informar e ver coberta pelo medo das vítimas de denunciarem o agressor, o
dos trabalhadores no mundo todo e no Brasil. Os patrões as consequências dessa lei para os trabalhadores. Os pa- que agrava o problema.
querem aumentar seus lucros e para isso insistem em aca- trões estão de um lado. Do lado de liberar geral as terceiri- Quem bate não ama. Quem abusa é tarado. Quem mata
bar com todas as obrigações legais. zações. Os trabalhadores podem escolher. Sobra, para os merece cadeia.
Estamos na véspera de eleger uma nova presidente do sindicatos, para os movimentos dos trabalhadores, para
país. O momento é sério. Os trabalhadores têm que sa- movimentos sociais, culturais e artísticos mostrar a gravi- Frei Betto é escritor, autor de Alfabetto – autobiografia infantil
ber quais candidatos estão comprometidos com a manu- dade do assunto para impedir este retrocesso. (Ática), entre outros livros.

fatos em foco
da Redação
Telefônica é condenada (USP), as aulas foram retomadas dia 22 Justiça paralisa usina São Manoel
por terceirização ilegal de setembro. O acordo para colocar fim à e ordena consulta prévia aos índios
A empresa, que presta serviços de telefo- paralisação foi firmado dia 17, no Tribunal A Justiça Federal no Mato Grosso sus-
nia fixa em São Paulo e de telefonia móvel Regional do Trabalho da 2ª Região. Após pendeu novamente o licenciamento da usi-
em todo o país, foi processada pelo Ministé- cinco audiências, o impasse foi resolvido. na São Manoel, no rio Teles Pires, a pedido
rio Público do Trabalho por terceirizar ser- A proposta apresentada – 5,2% de reajus- do Ministério Público Federal (MPF) dessa
viços como instalação de linhas, aparelhos, te salarial pagos em duas parcelas, abono vez pelo descumprimento da obrigação da
fiação interna e equipamentos para recepção salarial de 28,6% e 13º salário de forma consulta prévia, livre e informada prevista
de TV por satélite, funções ligadas à sua integral – foi aprovada em assembleias na Convenção 169 da Organização Interna-
atividade-fim. A sentença da juíza titular da dos professores e dos funcionários na se- cional do Trabalho (OIT). A ordem judicial
65ª Vara do Trabalho de São Paulo determi- mana passada. dá prazo de 90 dias para que o governo rea-
na que a Telefônica pague indenização por lize a consulta, que deve abranger os povos
dano moral no valor de R$ 1 milhão. Além Número de analfabetos indígenas Kayabi, Apiaká e Munduruku,
da indenização, a Justiça estabelece prazo de é estimado em 13 milhões todos afetados diretamente pelo empreen-
30 dias para que a empresa contrate direta- A taxa de analfabetismo das pessoas a par- dimento. A barragem de São Manoel está
mente os terceirizados que exerçam funções tir de 15 anos diminuiu para 8,3% em 2013, planejada para menos de um quilômetro
ligadas às suas atividades finalísticas. ante estimativa de 8,7% no ano anterior. A dos limites da Terra Indígena Kayabi, vai
estimativa é que o país tem 13 milhões de afetar as aldeias Munduruku do Teles Pi-
USP retoma aulas após 118 dias de analfabetos, 297 mil a menos de um ano pa- res e são previstos impactos severos sobre
greve de funcionários e professores ra outro. Os dados fazem parte da Pesquisa populações de Apiaká em isolamento vo-
Após 118 dias de greve, a maior da Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), luntário. Para o MPF, o licenciamento tem
história da Universidade de São Paulo divulgada dia 18 de setembro pelo IBGE. graves irregularidades.
6 de 25 de setembro a 1º de outubro de 2014 brasil

Último indígena no Congresso


deixou cargo há 28 anos
POLÍTICA Dos 25.919 candidatos ve interesses financeiros para empre-
sas e representantes do agronegócio”,
e candidatas, apenas 83 são comenta Tupã.
indígenas em todo o país País racista e excludente
Com a sub-representação, a garantia
de direitos dos indígenas tem ficado re-
Leonardo Ferreira fém da influência de setores do agrone-
de São Paulo (SP) gócio e da mineração. A ofensiva sobre os
Territórios Indígenas resulta em aumen-
DESDE QUE o cacique xavante Mário to dos conflitos no campo.
Juruna deixou o Congresso Nacional, no As populações indígenas têm sido ex-
fim de 1986, nunca mais o país teve um cluídas dos processos de tomada de de-
índio no parlamento. Com uma popula- cisão. Além disso, em muitos casos, são
ção de 890 mil pessoas, os indígenas re- frequentemente tratadas de forma pe-
presentam cerca de 0,4% da população jorativa e discriminatória. Para a inte-
brasileira, proporção que não se repete grante da APIB, a exclusão é uma for-
nos espaços de poder. ma de racismo.
Dos 25.919 candidatos e candidatas, “O Brasil demonstra que a ordem que
apenas 83 são indígenas em todo o país, se prega é excluir essas representações
sendo 51 candidatos a deputado estadu- das minorias, tanto de indígenas como
al, 24 a deputado federal e apenas 3 pa- de negros e mulheres. Aí fica muito claro
ra o Senado. Para presidente da Repú- que o que manda mesmo é o poder eco-
blica e governador de estado, não há ne- nômico, o dinheiro. Fica declarado um
nhum candidato indígena. Nem mesmo país racista e excludente.”
entre os vice. Este ano, no estado de Roraima, em as-
No Brasil, existem pelo menos 305 po- sembleia na reserva Raposa Serra do Sol,
vos, com 274 línguas diferentes faladas, caciques de diversas etnias iniciaram
segundo dados do Instituto Brasileiro de uma articulação para eleger dois deputa-
Geografia e Estatística (IBGE). dos, um federal e um estadual.
A valorização dos conhecimentos e tra- Roraima é o estado que proporcional-
dições de povos tradicionais, que envolve mente possui a maior população indíge-
várias gerações dentro das aldeias pode na no país. Segundo o último Censo do
fortalecer as comunidades, preservando IBGE, dos 450 mil habitantes do estado,
a riqueza dessas culturas. É o que defen- 49,6 mil se declaram indígenas. A articu-
de Sonia Guajajara, da Coordenação exe- lação busca levar um indígena ao Con-
cutiva da Articulação dos Povos Indíge- gresso depois de 28 anos sem um repre-
nas do Brasil (APIB). sentante genuíno.
“Para nós é mesmo uma questão de re-
afirmação da identidade. Se a gente tives-
se a nossa representação indígena dentro
do parlamento, a gente poderia contri-

Abismo ruralista separa


buir muito inclusive para o Brasil reco-
nhecer e respeitar essa diversidade étni-
ca, cultural”, sugere.
Marcos Tupã, Coordenador da Comis-

indígenas do restante do país


são Guarari Yvyrupa, considera necessá-
rio que o país garanta representação das
populações tradicionais no Parlamento
como forma de expressar as reivindica-
ções específicas.
“O Brasil é pluricultural. Deveria res- A falta de conhecimento gresso Nacional, que conta com uma for- áreas indígenas com as demais, as indí-
peitar a Constituição Federal. E toda ho- te bancada ruralista. genas sempre são as mais preservadas. E
ra, todo momento os parlamentares an- e respeito pelas culturas Atualmente, a demarcação de terras é são protegidas naturalmente”, destaca.
ti-indígena estão apresentando propos- tradicionais tem levado realizada pelo governo federal por meio A construção de usinas hidrelétricas, o
tas e projetos de lei para mudar a Cons- da Fundação Nacional do Índio (Funai). avanço da mineração, a grilagem de ter-
tituição e muitas vezes estão batendo de a um distanciamento Outro item em discussão abre essas ras, a extração de madeira e as monocul-
frente com a legislação já garantida.” áreas à exploração econômica. É o caso turas têm avançado, aumentando o nú-
cada vez maior do Projeto de Lei Complementar (PLP) mero de conflitos, principalmente na
Reforma política 227, que aponta exceções ao direito de Amazônia.
Sonia Guajajara fala da urgência de uso exclusivo dos indígenas das terras Dados recentes do relatório Conflitos
o Brasil corrigir essa distorção marca- tradicionais, em caso de relevante inte- no Campo Brasil 2013, da Comissão Pas-
da pela sub-representação nos espaços de São Paulo (SP) resse público da União. Entre tais exce- toral da Terra (CPT) apontam que o país
institucionais, pois “somente uma mu- ções está a exploração desses territórios teve 1.277 conflitos no campo naquele
dança no sistema político pode ser bem Conflitos, violência e um grande abis- tradicionais pelo agronegócio, empre- ano.
sucedido. Só um representante indíge- mo separam os povos indígenas do res- sas de mineração, além da construção de Os confrontos causaram 34 assassina-
na mesmo pode fazer essa defesa com tante do Brasil. A falta de conhecimen- empreendimentos. tos e 243 agressões em vários estados.
legitimidade.” to e respeito pelas culturas tradicionais Sonia enfatiza que a forma de se rela- Segundo dados do relatório, das 34 pes-
A capacidade de proposição dos indí- tem levado a um distanciamento cada cionar com os recursos naturais reflete soas mortas no campo entre janeiro e de-
genas não se limita a pautas específicas. vez maior. na qualidade de vida de todos e não po- zembro de 2013, 15 são indígenas.
Tupã destaca que é possível contribuir Algumas das principais lutas são a de- de ser desprezada. Para ela, existe toda A maioria dos conflitos continuam sen-
em todas as áreas relacionadas ao desen- marcação imediata das terras, a titulari- uma contribuição na preservação de re- do na Amazônia, onde aconteceram 20
volvimento do país. dade e regularização. A maior ameaça à servas naturais em meio ao avanço ex- dos 34 assassinatos e 55% dos episódios
“Nós temos condição de discutir meio legitimidade dos processos está repre- ploratório. de violência de qualquer tipo contra po-
ambiente e conservação. Infelizmente a sentada na PEC 215, que tramita des- “Já está muito comprovado, estudos já pulações tradicionais. O desfecho do re-
questão econômica e o capitalismo aca- de 2000 na Câmara dos Deputados. Ela mostraram isso que povos indígenas fa- latório é pouco animador: das 15 vítimas
bam engolindo os menos favorecidos transfere a demarcação de territórios in- zem a gestão do seu território de forma de tentativas de assassinato, 10 perten-
porque a maioria das questões envol- dígenas e áreas quilombolas para o Con- sustentável. E quando você compara as cem a etnias indígenas. (LF)

AVANÇO

Relatório da ONU aponta aumento do


número de indígenas na América Latina
Dados de 2010 apontam Segundo a Cepal, o número de 45 mi- voluntário na Bolívia, no Brasil, na Co- ligados a atividades extrativas de petró-
lhões de indígenas em 2010 representa lômbia, no Equador, no Paraguai, no leo, gás e mineração.
45 milhões de indígenas aumento de 49,3% em dez anos. Em re- Peru e na Venezuela. “Os movimentos indígenas estão cada
em 826 comunidades, latório de 2007, a Cepal estimou que ha-
via 30 milhões de indígenas no ano de
vez mais atuantes e governos e setor pri-
vado têm negociado cada vez mais com
que representam 8,3% 2000 na América Latina, quando foram “Os movimentos indígenas estão cada eles. É preciso fortalecer o marco legal
identificados 642 povos. A Cepal atribui e institucional dos países para incluir
da população. O número esse aumento à melhoria da informação vez mais atuantes e governos e setor os indígenas”, disse a secretária execu-
representa aumento de estatística nos últimos anos e à maior
autoidentificação por parte dos povos privado têm negociado cada vez mais tiva da Cepal, Alicia Bárcena. Para ela,
as comunidades devem ser consultadas
49,3% em dez anos em sua luta por reconhecimento. com eles. É preciso fortalecer o marco na questão da governança dos recursos
O relatório mostra que, dos 45 mi- naturais.
lhões de indígenas, 17 milhões vivem legal e institucional dos países para A Cepal observou também aumento da
no México e 7 milhões, no Peru. En- participação política dos indígenas, com
Ana Cristina Campos tretanto, os países com maior propor- incluir os indígenas” um contínuo fortalecimento de suas or-
de Brasília (DF) ção de população indígena são Bolí- ganizações e o estabelecimento de alian-
via (62,2%), Guatemala (41%), Peru ças para a atuação política, mas perma-
A AMÉRICA Latina tem cerca de 45 mi- (24,0%) e México (15,1%). nece escassa a representação desses po-
lhões de indígenas em 826 comunida- O Brasil, com 900 mil indígenas, Avanços vos em órgãos dos Poderes do Estado.
des, que representam 8,3% da popula- tem o maior número de comunidades O estudo indica que têm ocorrido avan- Em educação, a Cepal constatou au-
ção, revela o relatório “Povos Indígenas (305), seguido pela Colômbia (102), ços na maioria dos países da região em mento nas taxas de frequência escolar,
na América Latina: Progressos da Última Peru (85), México (78) e Bolívia (39). relação ao reconhecimento dos direitos com porcentagens de comparecimento
Década e Desafios para Garantir seus Di- De acordo com o estudo, muitas estão territoriais, principalmente na demar- entre 82% e 99% para crianças de 6 a
reitos”. O documento da Comissão Eco- em perigo de desaparecimento físico cação e titulação de terras, mas perma- 11 anos. Segundo o relatório, persistem,
nômica para a América Latina e o Cari- ou cultural, como no Brasil (70 povos necem importantes desafios relaciona- entretanto, diferenças significativas na
be (Cepal) foi apresentado hoje (22), na em risco), na Colômbia (35) e na Bo- dos com o controle territorial, incluindo conclusão do ensino médio e no acesso
sede das Nações Unidas, em Nova Ior- lívia (13). os recursos naturais. Por este motivo, fo- aos níveis superiores em relação aos in-
que, onde ocorre a 1ª Conferência Mun- A Cepal estima ainda que existem ram detectados, entre 2010 e 2013, mais dicadores da população não indígena.
dial sobre os Povos Indígenas. 200 povos indígenas em isolamento de 200 conflitos em territórios indígenas (Agência Brasil)
brasil de 25 de setembro a 1º de outubro de 2014 7

“Somos fiéis às bandeiras que o PT


sempre defendeu quando era oposição” Luciana Genro/Flickr

ELEIÇÕES 2014 Em entrevista


exclusiva à série do Brasil de Fato
com os presidenciáveis, Luciana
Genro falou sobre política de
combate às drogas, a ruptura “pela
direita” da candidata Marina Silva
(PSB) com o PT e as consequências
das manifestações de junho de 2013

José Francisco Neto


de São Paulo (SP)

O FATO DE DISPUTAR as eleições com


duas mulheres que estão no favoritismo
das pesquisas não faz muita diferença
para a candidata à presidência da repú-
blica Luciana Genro, do PSOL. Para ela,
não basta ser mulher: é preciso estar do
lado certo. “A Dilma e a Marina, em vá-
rios casos que dizem respeito aos interes-
ses das mulheres, estão do lado errado”,
argumenta.
No final de 2003, Luciana foi expulsa Luciana Genro (no centro) em campanha em rua ade Porto Alegre (RS)
do PT junto com mais dois parlamen-
tares: o deputado João Batista, o Babá, Essa é uma das propostas do nosso que um oficial nunca tenha sido soldado, nizando de forma mais clara o progra-
e a senadora Heloísa Helena. Ambos programa de governo que dialoga direta- como ocorre hoje, já que são duas por- ma para avançar mais ainda a conquista
foram excluídos do partido por serem mente com o problema do racismo. Nós tas de entradas diferentes, o que torna a de direitos. E a minha tarefa como can-
“radicais ao não optar por uma cons- defendemos que a política de seguran- polícia disfuncional. Além disso, é preci- didata do PSOL à presidência é ajudar a
trução diferente”, nas palavras do lí- ça pública não pode ser ancorada nessa so pagar melhores salários para também dar voz a essas demandas de junho e se-
der do governo petista na época, Aloí- chamada guerra às drogas, que se trans- garantir melhores condições de trabalho guir insistindo para que elas tenham vi-
sio Mercadante. formou na prática numa guerra aos po- para os policiais. Uma outra política de sibilidade e tenham cada vez mais força
Luciana, no entanto, explica o que mo- bres e negros das periferias. segurança que não seja a política de vio- para poder conquistar.
tivou sua exclusão do partido. Segundo Então, em primeiro lugar, é preciso lência permanente contra os direitos hu-
ela, quem optou por uma construção di- mudar a política de segurança pública, manos, contra as mobilizações e contra
ferente do que tinha defendido ao longo democratizando a estrutura policial, des- os pobres. “Os movimentos sociais
de sua história foi o próprio PT, quando militarizando, formando policiais com
chegou ao poder. intuito de garantia de direitos e respeito A senhora foi expulsa do PT em estavam muito contidos
“Eles (petistas) entenderam que radi- aos direitos humanos. E não essa política 2003. O PT decidiu expulsar
calismo foi o fato de nós não aceitarmos de entrar nas favelas promovendo execu- as pessoas que ele chamou de
pela cooptação feita pelo
mudar de lado quando chegamos ao po- ções sumárias como nós vimos o caso da “radicais que optaram por uma PT. E junho destravou
der. Nós nos mantemos fieis às bandeiras Cláudia, torturas como nós vimos o caso construção diferente”. Queria
que o PT sempre tinha defendido quan- do Amarildo, que levou a morte e ao de- que a senhora explicasse o que esse processo”
do era oposição, e é por isso que nós não saparecimento dele e tantos outros anô- seria essa “construção diferente”
aceitamos nos dobrar a essas imposi- nimos que têm sido vítimas dessa fami- que foi chamada de “radicalismo”
ções”, defende. gerada guerra às drogas, que não acabou pelo PT na época.
com o narcotráfico e nem conseguiu di- Na verdade, quem optou por uma Um dos resultados da Jornada
Brasil de Fato – Como é disputar minuir o uso abusivo de drogas. construção diferente do que tinha de- de Junho foi a proposta do
as eleições com duas mulheres fendido ao longo de sua história foi o plebiscito pela reforma do
que estão no favoritismo das PT quando chegou ao poder. Nosso pri- sistema político, que foi sugerido
pesquisas? “A política de segurança pública não meiro enfretamento com o governo do pela Dilma. Essa proposta foi
Luciana Genro – O fato de disputar PT foi justamente quando ele decidiu encampada por mais de 400
contra duas mulheres, para mim, não faz pode ser ancorada nessa chamada apoiar o Sarney para ser presidente do organizações sociais e partidos
muita diferença, porque não basta ser senado. Junto com isso, colocou o Hen- políticos, inclusive o PSOL. Por
mulher: é preciso estar do lado certo. A
guerra às drogas, que se transformou rique Meireles, vindo do Bank Boston e que o Brasil precisa de uma
Dilma e a Marina, em vários casos que na prática numa guerra aos pobres e deputado eleito pelo PSDB na chefia do reforma política?
dizem respeito aos interesses das mulhe- Banco Central, garantindo a continuida- Na verdade, a Dilma usou essa ideia
res, estão do lado errado. Inclusive, a Dil- negros das periferias” de da política econômica do Fernando da constituinte como um subterfúgio na-
ma, que é presidenta há quatro anos, não Henrique. E pra culminar, queríamos quele momento em que o povo estava
avançou em uma das promessas mais que nós votássemos a favor da reforma nas ruas questionando o seu próprio go-
importantes que ela fez para as mulheres da previdência que estendeu aos servi- verno. Ela não foi consequente na defesa
na campanha de 2010, que foi a constru- Isso não sou eu quem diz. São prêmios dores públicos as maldades que o Fer- dessa proposta, tanto é que ela abando-
ção de 70 mil creches. Ela realizou menos nobeis de economia. O próprio Fernando nando Henrique já tinha feito com os nou logo depois que as mobilizações ter-
de 10% dessa promessa. A educação in- Henrique Cardoso e outros ex-presiden- trabalhadores e aposentados da iniciati- minaram.
fantil é um elemento fundamental para o tes, como o do México, Vicente Fox. E co- va privada e que o PT havia sido contra Então, os movimentos sociais toma-
desenvolvimento das crianças e das mu- mo um passo adiante no fim dessa polí- quando era oposição. ram essa bandeira como sua. Nós apoia-
lheres. Ter com quem deixar com segu- tica de guerra aos pobres, nós propomos Então eles entenderam que radicalis- mos essa ideia e achamos que fazer uma
rança seus filhos é um fator fundamen- a descriminalização e regulamentação do mo foi o fato de nós não aceitarmos mu- reforma política é fundamental, porque
tal para garantir que a mulher possa con- uso da maconha, que é uma droga de me- dar de lado quando chegamos ao poder. as instituições, tais quais como estão or-
tinuar estudando, trabalhando e tendo nor potencial danoso e que deve ser tra- Somos fiéis às bandeiras que o PT sem- ganizadas, não conseguem mais repre-
atividade política. Isso demonstra clara- tada, na nossa opinião e na opinião de pre defendeu quando era oposição, e é sentar os interesses da população. Es-
mente que o fato de ser mulher não as- muitos especialistas, nos mesmos pata- por isso que nós não aceitamos nos do- tão capturadas principalmente pelo po-
segura que os direitos das mulheres es- mares que o álcool e o cigarro. Portanto, brar à essas imposições. Nós acabamos der econômico, que é quem financia as
tejam sendo definitivamente contempla- não se trata de se fazer apologia ao uso sendo expulsos e construímos o PSOL campanhas eleitorais de Aécio, Dilma e
dos com essas candidaturas. da maconha, mas sim de descriminalizá- para continuar a construir uma esquerda Marina.
-la para tirar o usuário da maconha das coerente, que não aceita se dobrar aos in- Então, terminar com essa relação pro-
garras do narcotráfico e possibilitar a ele teresses do capital, dos bancos e das oli- míscua entre a iniciativa privada e os
“O fato de ser mulher não assegura acesso à melhores informações a respei- garquias políticas. partidos é fundamental para que as elei-
to da possibilidade de se fazer o uso re- ções tenham um resultado mais próximo
que os direitos das mulheres estejam creativo da maconha e também da pos- da vontade popular.
sendo definitivamente contemplados sibilidade disso se transformar numa de- “Nós precisamos
pendência que causa danos à saúde. Tem Nas eleições de 2010, a senhora
com essas candidaturas” que haver um maior controle do Estado desvincular a polícia das deixou claro que apoiaria a
em relação aos usuários até para oferecer candidatura da Marina Silva para
tratamentos que forem necessários.
forças armadas e fazer com a presidência com argumento
que ela tenha um outro de que “não teria outra
Como tem sido o debate sobre A senhora falou sobre a alternativa se não quisesse cair
a representatividade negra desmilitarização. Como seria tipo de treinamento” no isolamento e perder grande
dentro do PSOL, já que a gente então um outro modelo de quantidade do capital político
pode verificar que os quadros segurança pública no governo da que foi acumulado nos últimos
do partido não refletem muito senhora? anos”. Que posição a senhora
a diversidade da população Nós precisamos desvincular a polícia Como a senhora avalia o pós- adotaria numa possível repetição
brasileira? das forças armadas e fazer com que ela junho 2013? A senhora acha daquele pleito, hoje?
Nós temos vários candidatos negros e tenha um outro tipo de treinamento. Não que o governo incorporou as Esta manifestação que tu estás citando
negras. Temos uma plataforma de direi- o treinamento para a guerra como ocor- demandas da rua? fiz muito antes das eleições de 2010. Eu
tos para a população negra e de comba- re hoje, mas sim um treinamento para a As demandas de junho continuam fiz quando a Marina rompeu com o PT
te ao racismo que faz parte do nosso pro- proteção dos direitos e garantia dos di- pendentes. Tivemos algumas vitórias. O e aparentemente estava rompendo pe-
grama de governo. Temos uma setorial reitos humanos. Precisamos também de preço da passagem de ônibus caiu, con- la esquerda. Acontece que, a partir daí,
de negros e negras do PSOL que se orga- uma polícia de ciclo completo e com uma seguimos aprovar o fim do voto secre- nós buscamos dialogar com a Marina e
nizam não só na hora da eleição, mas são porta de entrada única. Não é possível to para a cassação de deputados na Câ- ela deixou muito claro que não queria se
permanentemente organizados dentro mara Federal, que estava engavetada há vincular com a esquerda socialista, por-
do partido, debatendo e apresentando muitos anos. Mas isso foi muito pouco que a proposta dela era uma unidade do
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

propostas. Eu acredito que o partido tem em relação ao tamanho da mobilização PT com o PSDB. Então, naquele momen-
um compromisso muito claro com com- e a quantidade de demandas. Então eu to, ela já deixou claro que a ruptura de-
bate ao racismo e com as políticas para vejo que nós entramos numa outra fa- la com o PT não era pela esquerda, mas
compensar esses anos todos de discrimi- se: a de organizar a indignação. Porque inclusive pela direita, aproximando mais
nação e opressão que os negros e negras junho foi muito espontâneo e sem ne- do PSDB.
vivem no Brasil. nhum controle de partidos, movimen- Por isso eu fui uma militante da cam-
tos ou entidades. Isso foi muito positivo, panha do Plínio de Arruda Sampaio em
Na prática, a chamada ‘guerra às porque foi como uma panela de pressão 2010, que foi o único candidato que re-
drogas’ nada mais é do que uma que se destampou. presentou a esquerda coerente nas elei-
guerra contra uma população Os movimentos sociais estavam mui- ções presidenciais. E agora, em 2014, es-
negra, jovem e periférica to contidos pela cooptação feita pelo PT. se perfil da Marina não só se confirmou
que está mais vulnerável à E junho destravou esse processo. Agora como se aprofundou, já que ela abraçou
esse tipo de situação. Como a a gente entra numa nova etapa de cons- bandeiras totalmente neoliberais, co-
senhora enfrentaria esse tipo de trução de novas lideranças que possam mo foi o caso da independência do Ban-
problema? A candidata do PSOL à presidência, Luciana Genro dar continuidade a esse processo orga- co Central.
8 de 25 de setembro a 1º de outubro de 2014 brasil
Marlene Bergamo/Folhapress

Para Pimenta, eleições não mudam política de acordos

“O socialismo é uma inevitabilidade


histórica”, diz Rui Costa Pimenta
ENTREVISTA mobilização. A eleição do Lula foi pro- rapidamente de desvirtuar o caráter da putados que o PT, [de modo que] com al-
duto de uma ruptura. Você vê que hou- manifestação, chamando a uma dilui- gum partido burguês ele vai ter que go-
Candidato do PCO critica ve uma coincidência, quase toda a Amé- ção completa e procurando voltar a ma- vernar. O socialismo com democracia é
rica do Sul é governada por governos de nifestação contra o PT. Isso estabeleceu isso: ele não rompe revolucionariamente
setores da esquerda esquerda, nacionalistas burgueses de di- uma enorme confusão política. As mani- com a ordem burguesa; é uma proposta
por fazerem política versos graus. O motivo disso é o fracas- festações cumpriram uma etapa; está tu- que não tem nada de concreto. Eles vão
so da política neoliberal. Esses são go- do aberto. A insatisfação que ela mostra fechar o Congresso? Eles têm apoio das
“pequeno-burguesa” vernos que, como todo o governo nacio- contra o PT é real porque o governo de Forças Armadas pra fazer isso? Vão cha-
nalista burguês, operam em um quadro fato não atendeu as necessidades dessa mar o povo pra invadir o Congresso? O
de enfrentamento e conciliação com o parcela. Mas eu acho que de um modo que ele vai fazer? Sobre a nossa política
imperialismo, as duas coisas ao mesmo geral as manifestações, em si, indepen- você pode perguntar: “Será que vai ter
Bruno Pavan tempo, sem nunca chegar ao extremo da dentemente das particularidades, foram (a revolução)?” Eu não sei. Pode ser que
da Redação ruptura, a não ser quando eles são força- positivas e nós caminhamos para uma sim, pode ser que não, mas a mudança
dos por uma condição externa. época de maiores manifestações. revolucionária é uma maneira concreta
CONHECIDO por frases de efeito mar- de mudar o quadro, ou então, é o acor-
cantes e discursos diretos, o Partido da O governo brasileiro se Qual a sua opinião sobre as do, não tem muito terreno intermediá-
Causa Operária (PCO) nasceu em 1996. virou mais para a América eleições como elas se dão hoje rio. Agora, é preciso ficar claro, e isso de-
Desde 2002, Rui Costa Pimenta, presi- do Sul nos governos do PT e no Brasil? Tendo em vista esse ve ficar bem enfático: pra nós, o socialis-
dente nacional do partido, disputa as muitos acusam o Brasil de ser pensamento de que a mudança mo é uma superação da democracia bur-
eleições ao cargo máximo do Executivo imperialista com os vizinhos. só viria pela revolução, qual é guesa. Se estivermos pensando em al-
brasileiro. Como você vê essa situação? o motivo da presença do PCO go que seria inferior ao regime de Esta-
Aos 57 anos, Rui é dono de um discur- Eu acho que o Brasil se aproxima dos nas eleições? do de direito, de garantias democráticas,
so firme e “radical” como ele mesmo ad- países da América do Sul como uma me- Nós encaramos a eleição como uma tri- então, não vale a pena porque é um re-
mite. Começou a se envolver com políti- dida de autodefesa contra o imperialis- buna para a luta política geral. É o que gime de barbárie. Você também não po-
ca desde muito jovem, quando viveu na mo. Não é que ele esteja explorando o os marxistas sempre pensaram: o po- de ser um regime progressista no terre-
Inglaterra e teve acesso a textos que não país vizinho. O que se tem feito nos tra- vo é chamado pela burguesia, que é uma no econômico se a expressão política de-
teria se morasse no Brasil. tados econômicos no marco do Merco- força política no país, a se mobilizar em le é a barbárie.
Após seu retorno, entrou na faculda- sul e de outros instrumentos dessa na- torno de um embate político. Nós acha-
de de jornalismo em 1979 e ingressou tureza é uma política de autodefesa no mos que temos que fazer parte desse de-
no movimento estudantil. Trabalhou no marco da conciliação. O problema é que bate embora nós não concordemos com “O PT é um partido de esquerda,
Sindicato dos Químicos de São Paulo e o imperialismo vai acabar engolindo to- as virtudes reformadoras do processo.
para a CUT. Militou no PT até o início dos esses governos. Sem uma ruptura A eleição acaba sendo sempre o produ- assim como os partidos social-
dos anos de 1990, quando foi expulso. com o sistema é impossível controlar a to de uma manipulação. Não é como um democrata francês, alemão, que,
Em entrevista exclusiva para a série do situação. Você vê que o governo chavis- restaurante à la carte, o cidadão chega lá
Brasil de Fato com os presidenciáveis, ta, apesar da imensa popularidade, vive e quer comer filé, mas dizem pra ele: só apesar de responderem aos interesses
Rui critica setores da esquerda no Bra- na corda bamba. O imperialismo é uma tem macarrão e peixe. Se o garçom ain-
sil, que chama de “pequeno-burgueses”, força muito poderosa, que domina com da falar que o peixe está estragado, final- do imperialismo, mantêm uma relação
e aponta que, para o PCO, as eleições são grande facilidade uma nação gigantes- mente ele só pode escolher mesmo o ma- com os trabalhadores diferente da de
um “palanque para a luta política geral”. ca como o Brasil. Não é pouca coisa. No carrão. Se você falar “vote na esquerda”,
marco da conciliação, é o pacto entre o o eleitor vai olhar e perguntar: mas que um partido de direita”
Brasil de Fato – Qual o regime cordeiro e o leão, e isso não é um pacto esquerda, a esquerda do PT ou a esquer-
ideal a ser implantado no Brasil entre iguais. da do PSOL, PSTU, PCO e PCB? O eleitor
para o PCO e qual o principal vai acabar votando no PT porque é o par-
problema do país? tido que vai conseguir vencer a eleição. Qual a sua posição em questões
Rui Costa Pimenta – Não se trata de “O imperialismo é uma força como o aborto, casamento gay e
um problema de regime ideal. Nós acha- Em um vídeo disponível no site legalização das drogas no país?
mos que o socialismo é uma inevitabili- muito poderosa, que domina do PCO, você faz uma crítica Nós somos contra todo o tipo de proi-
dade histórica. Lutamos como parte de com grande facilidade uma a alguns setores da esquerda bição, cada um faz o que quer! Você é
um processo objetivo, que se desenvol- brasileira os chamando de drogado e fulano acha que isso aí é muito
ve independentemente de nós, do que nação gigantesca como “pequeno-burgueses”. Num feio, autodestrutivo, tudo bem, mas não
achamos ou deixamos de achar. O go- certo momento você declara que é crime e, portanto, não deve ser proibi-
verno tem que ser controlado pela clas- o Brasil. No marco da o socialismo com democracia é do, nem ser objeto da legislação. Sobre o
se trabalhadora e deve expropriar a pro- contrarrevolucionário. O que você casamento gay e o aborto, a mesma coi-
priedade privada, o grande capital, as conciliação, é o pacto entre o quis dizer com essas colocações? sa. Nossa posição nesse sentido é bem
grandes empresas e bancos e colocar a cordeiro e o leão, e isso não é Vamos pegar o caso mais óbvio que radical, nós não queremos dar a socieda-
economia a serviço do desenvolvimento é o do PSOL. O PSOL é uma federação de escravagista, capitalista e repressiva
amplo da sociedade para permitir uma um pacto entre iguais” de parlamentares, isso já define o parti- nenhum tipo de poder sobre o cidadão.
melhoria na qualidade de vida da popu- do como um partido pequeno-burguês. Os direitos têm que ser todos garantidos.
lação. O problema histórico do Brasil é Um partido operário não pode ser isso. Para nós, o Estado de direito é quando
que ele é aquele país muito peculiar no O parlamentar é que tem que ser contro- você consegue forçar o Estado a garan-
mundo que fica no limiar entre os atra- Você considera que o PT faz um lado pelo partido. O problema todo é es- tir os direitos do povo. Quando ele co-
sados e os desenvolvidos. O maior deles governo de esquerda? se tal de socialismo com democracia, ve- meça a tirar o direito do povo, não é Es-
é a questão agrária, que é o nó do atra- Considero um governo de esquer- ja bem a peculiaridade da frase, existiria tado de direito, é um Estado de arbitra-
so nacional que precisaria ser rompido. da. Logicamente uma esquerda burgue- um socialismo com democracia e um so- riedade. Então, somos contra a diminui-
Além, logicamente, da dependência e da sa, extremamente moderada, que pro- cialismo sem democracia. O socialismo ção da maioridade penal; a favor da re-
opressão do capital estrangeiro. cura levar adiante uma política de inte- rigorosamente é a superação da demo- dução de todas as penas criminais; con-
resses da burguesia nacional e fazer cer- cracia. Considerar que o socialismo seria tra o encarceramento de pessoas por vá-
ta abertura para as camadas populares. um regime econômico superior, mas po- rios motivos pelas quais elas são encar-
“Lutamos como parte de Muita gente estranha essa posição por- liticamente aquém do regime da burgue- ceradas hoje.
que encara a esquerda como um atesta- sia é uma contradição lógica. Se ela é um
um processo objetivo,
PCO
do de pureza. Mas o governo Vargas, que absurdo teórico, na prática, ele faz a mes-
teve início em 1950, foi um governo de ma coisa da política do PT, só que de um
que se desenvolve esquerda, mesmo ele sendo antes o che- ponto de vista utópico. [Quando] o PT
independentemente de fe de um governo de tipo fascista. O PT é defende que só dá pra progredir através
um partido de esquerda, assim como os de acordos, ele pratica uma política bur-
nós, do que achamos ou partidos social-democrata francês, ale- guesa. “Você quer aprovar um aumento
mão, que, apesar de responderem aos para o Bolsa Família? Chama o PMDB,
deixamos de achar” interesses do imperialismo, mantêm oferece cargos, faz aquele toma lá da cá
uma relação com os trabalhadores dife- e aprova o que você quer”. É uma políti-
rente da de um partido de direita. ca que nunca vai chegar a favorecer o po-
vo brasileiro, mas é uma proposta con-
Como você vê o que aconteceu Sobre as manifestações de junho creta porque o partido que ganha a pre-
na Venezuela em relação ao do ano passado, qual a sua opinião sidência não consegue ter mais do que
chavismo em comparação com a sobre o ocorrido nas ruas? 100 deputados dos quase 600. Pra fazer
ascensão do Lula em 2002? Nós participamos ativamente delas qualquer coisa tem que ser por acordo.
A ruptura é tanto maior quanto maio- desde o começo, e temos uma opinião Os outros estão falando a mesma coisa.
res foram as mobilizações revolucioná- muito concreta. Primeiramente, elas co- A não ser que antes de chegar ao poder
rias das massas numa dada etapa. Não é meçaram como um movimento reivin- você modifique totalmente o regime po-
que o chavismo seja hiperrevolucionário dicativo do transporte, que aderiu um lítico, o que não está em pauta, você vai
e o PT seja contrarrevolucionário, que é caráter político devido à repressão bru- cair na mesma situação do PT. Eu vi que
o que muita gente pensa. Tem a ver com tal do governo do estado de São Paulo. o Randolfe Rodrigues falava assim: “Vou
as condições políticas. O governo PT, em A burguesia, a imprensa capitalista e di- governar sem o PMDB”. Mas o PSOL é
parte, é um resultado indireto de uma reitista e os partidos de direita trataram um partido que elege muito menos de- O candidato do PCO à presidência, Rui Costa Pimenta
brasil de 25 de setembro a 1º de outubro de 2014 9

Condenação máxima para


mentor de estupro coletivo
VIOLÊNCIA No dia 25 de “Diante da dimensão de desumanida- tenciados foram condenados. Luciano de ser investigado e solucionado, com a
de e dos detalhes frios, cruéis e selvagens dos Santos Pereira a 44 anos de prisão; prisão dos envolvidos. O mentor e mais
setembro será julgado o mentor que envolveram este dia de violência pe- Luan Barbosa Casimiro a 27 anos; Fer- um adolescente, que teve participação no
dimos a condenação máxima do acusa- nando França Silva Junior a 30 anos; crime, estão respondendo a processo pa-
do estupro coletivo ocorrido na do”, declarou Lourdes Meira, militante Jacó Sousa a 30 anos; José Jardel Sou- ra apuração de ato infracional, mas ainda
cidade de Queimadas no estado da União Brasileira de Mulheres. za Araújo a 27 anos; e Diego Domin- não foram julgados.
A justificativa do crime: presente de gos a 26 anos e seis meses. Todos estão Portanto, estes crimes se inserem no
da Paraíba. Mulheres pedem aniversário para Luciano dos Santos Pe- cumprindo pena em regime fechado no contexto de violência que as mulheres da
reira (44). O mentor do crime foi o irmão Presídio de Segurança Máxima PB1. A Paraíba vivenciam, pois de acordo com o
condenação máxima de Luciano, Eduardo dos Santos Pereira, diferenciação nas penas deve-se ao fa- Mapa da Violência de 2012 realizado pe-
que era ex-cunhado de Isabela Pajuçara, to de que as condutas criminosas de ca- lo Instituto Sangari, a Paraíba é o 7° es-
uma das mulheres assassinadas. da um dos autores foi considerada se- tado onde mais ocorrem assassinatos de
Muita pressão foi feita e organiza- paradamente. mulheres e, a capital João Pessoa, a 2ª ci-
Heloisa de Sousa da nas ruas pedindo justiça, a CPMI da Quanto aos menores, a pena pode du- dade em feminicídios.
de João Pessoa (PB) Violência contra a Mulher visitou a Pa- rar até três anos e está sendo cumprinda Segundo informações dos moradores
raíba e diagnosticou a situação de vulne- no Lar do Garoto, em Lagoa Seca, condi- da cidade de Queimadas é comum as mu-
NO DIA 25 de setembro será julgado rabilidade das mulheres em Queimadas ção que pode ser reavaliada dependendo lheres serem estupradas, mortas ou acor-
o mentor do estupro coletivo ocorri- e em seu entorno. Mas a indignação ain- do comportamento deles.  darem de madrugada na rua, sem saber
do na cidade de Queimadas no estado da continua. como foram parar lá, portanto o que em
da Paraíba. Há dois anos e sete meses, “A objetificação das mulheres é susten- princípio seria um crime localizado, pa-
os paraibanos e as paraibanas se viram tada na sociedade capitalista, machista, O estupro coletivo de rece ter trazido à tona a conjuntura vivi-
diante de um crime de extrema violên- racista e patriarcal que vivemos. Diaria- da pelas mulheres desta região.
cia contra as mulheres do agreste parai- mente as mulheres são violentadas pelo Queimadas se torna “As famílias das vítimas até hoje são
bano. O crime aconteceu no dia 12 de Estado e pela sociedade, mulheres mor- emblemático para as tratadas como culpadas, são frequente-
fevereiro de 2012. rem pela sua condição de ser mulher”, mente agredidas nas ruas e pelas redes
Em pleno carnaval, cinco mulheres afirma Aylla Milanez, militante da Arti- mulheres desta região, no sociais por parte da população queima-
foram atraídas para um aniversário, culação de Mulheres Brasileiras. densse que inverte o papel das vítimas
que se transformou, numa cena de cri- “Precisamos seguir lutando pela inclu- sentido de trazer à tona a pelo dos agressores.”, revelou Íria Ma-
me bárbaro de estupro e assassinato de são do crime de feminicídio no Código banalização da violência chado, da Marcha Mundial das Mulhe-
duas mulheres, Isabela Pajuçara e Mi- penal e pautando nossas reivindicações res.
chelle Domingos. O crime foi minucio- contidas no Dossiê sobre a violência con- enfrentada por elas Por isso, no dia 25 de setembro du-
samente planejado por 10 homens, en- tra mulher do movimento feminista e de rante o julgamento do mentor do cri-
tre eles três menores de idade, o que mulheres da Paraíba que entregamos a me de estrupro e assasinato, que acon-
chocou e ainda choca a população bra- CPMI.”, explicou Aylla Milanez. tece no centro de João Pessoa, no Fó-
sileira e mundial. No dia 13 de junho, foi noticiado que o Banalização da violência rum Criminal, haverá uma grande mo-
júri popular do mentor do crime e do as- O estupro coletivo de Queimadas se bilização de mulheres pedindo justiça
sassinato das duas vítimas, Eduardo dos torna emblemático para as mulheres e gritando por direitos de serem livres
“Diante da dimensão de Santos Pereira, foi desaforado para a co- desta região, no sentido de trazer à tona a e felizes, numa sociedade que enfren-
marca de João Pessoa. Essa foi uma das banalização da violência enfrentada por te seus problemas de machismo, desi-
desumanidade e dos detalhes frios, principais reivindicações dos movimen- elas. É o caso de Ana Alice que era mi- gualdades e feminicídio.
tos de mulheres que acompanhavam o litante do Polo Sindical da Borborema e “Pelo machismo, pela injustiça cometi-
cruéis e selvagens que envolveram caso, por compreender que isso evitaria foi assassinada no dia 19 de setembro de da, pela maldade, pela covardia, por cada
este dia de violência pedimos a interferência nos rumos do julgamento 2012. Quando voltava da escola, ela foi parte de seus corpos que foram destru-
por conta das relações familiares, polí- sequestrada e barbaramente violentada. ídos até a última gota de sangue que foi
condenação máxima do acusado” ticas e socioeconômicas que os acusados Seu corpo foi enterrado na Zona Rural do derramada, eu clamo por justiça!”, desa-
mantêm na região. município de Caturité e só foi encontrado bafa indignada Isânia Monteiro, a irmã
Eduardo está sendo acusado de duplo 50 dias após o crime. de Isabela Pajuçara.
homicídio qualificado, estupro, porte ile- Desde o desaparecimento da jovem, foi Nesse sentido, as mulheres pedem que
Pedir justiça foi o lema das famílias gal de arma, corrupção de menores, for- formado o Comitê de Solidariedade e Pe- todas e todos possam participar da cam-
das vítimas e de todos os movimentos mação de quadrilha e cárcere privado. lo Fim da Violência Contra a Mulher Ana panha Somos Todas e Todos Mulheres
sociais feministas e de mulheres da Pa- Quanto aos demais envolvidos, em Alice, composto por mais de 30 organi- de Queimadas nas redes sociais do dia
raíba que se viram diante do machismo sentença dada no dia 23 de outubro de zações rurais e urbanas. Foi por meio da 22 ao dia 26 de setembro dizendo #SO-
e misoginia que ainda resistem na socie- 2012, pela juiza Flávia Baptista Rocha pressão e da mobilização criada em tor- MOS TODAS E TODOS MULHERES DE
dade brasileira. da Comarca de Queimadas, os seis sen- no do Comitê, que o caso Ana Alice po- QUEIMADAS.
10 de 25 de setembro a 1º de outubro de 2014 brasil
Mídia Ninja

Plataforma política dos movimentos sociais Ato-Intervenção pelo Plebiscito Popular em São Paulo

OPINIÃO Para resolverem os Reforma Agrária, que de fato democra- de controle das tarifas de água, energia Fórum do movimento ambientalista –
tize a estrutura da propriedade fundiária elétrica, combustíveis. BRASIL
problemas do povo brasileiro, os e garanta terra a todos/as os sem-terra. Por Políticas de Enfrentamento ao Ma- Fórum do movimento ambientalista de
Pela publicação do decreto que atualize o chismo, Racismo e Homofobia. Defe- Minas Gerais
movimentos sociais e organizações índice de produtividade, facilitando a de- sa da criminalização da homofobia, da Fórum do movimento ambientalista de
de todo o Brasil apresentam para a sapropriação do latifúndio. união civil igualitária, implementação re- Santa Catarina
Por uma nova Política Agrária, que ga- al da Lei Maria da Penha e políticas pa-
sociedade e para as candidaturas a ranta a produção e a compra pela CO- ra a autonomia econômica e pessoal das Fórum do movimento ambientalista do
NAB de todos os alimentos produzidos mulheres, pela criação do Fundo Nacio- Paraná
sua plataforma política para debate pela Agricultura Familiar. Incentivo a nal de Combate ao Racismo. Fórum do movimento ambientalista do
produção de alimentos agroecológicos. Pela demarcação imediata das terras Rio Grande do Sul
no processo eleitoral de 2014 A nova política agrária tem que ter como indígenas e titularidade e regularização Fundação Campo Cidade e Coletivo de
central a soberania alimentar. das terras das comunidades quilombo- Bombeiros Civil do Estado de São
Por um Plano Nacional de Erradicação las. Rejeição a todos os projetos e PEC’s Paulo – FCC
do Uso de Agrotóxicos e Transgênicos, em tramitação no Congresso contra os
Movimentos sociais em defesa dos bens naturais e da biodi- direitos indígenas e quilombolas. Pelo Instituto De Estudos Socioeconômicos
versidade. efetivo cumprimento da Convenção 169 (INESC)
OS PROCESSOS eleitorais devem ser Reforma Tributária, que inverta o atual da OIT. Instituto Democracia Popular – Curiti-
espaços de debate e afirmações de pro- sistema que cobra mais dos que menos Por uma Política Externa que priori- ba – PR
jetos, que impliquem uma concepção de têm; que tribute a renda e riqueza e não ze as relações com países do Sul, que en- Levante Popular da Juventude
sociedade e de Estado, pautem as ruptu- o consumo; que cobre impostos sobre frente o poder das “grandes potencias”,
ras necessárias para enfrentar as gran- grandes fortunas, sobre herança e sobre que crie nova ordem de governança Marcha Mundial das Mulheres
des questões estruturais da sociedade, transferência de lucros para o exterior; mundial. Pela criação do Conselho Na- Movimento Camponês Popular (MCP)
apontem a natureza de nossos proble- que elimine a Lei Kandir e o Imposto de cional de Política Externa.
Movimento das Comunidades Populares
mas e as soluções necessárias. Mas não Renda sobre o salário.
é isso que percebemos. Por um Plano de Desenvolvimento da Assinam: Movimento das Mulheres Camponesas
Apesar das candidaturas expressarem Indústria Nacional, em todos os muni- (MMC)
Articulação de Mulheres Brasileiras
projetos distintos para o Brasil, cada vez cípios, com estímulo a Agroindústria (AMB) Movimento de Ação e Identidade Socia-
mais os processo eleitorais discutem me- Cooperativa e Economia Solidária. Este lista (MAIS)
nos política e se tornam grandes estraté- plano deve apontar para um novo mo- Articulação dos Movimentos Sociais pe-
gias de marketing, vendendo os/as can- delo de desenvolvimento, baseado em la Alba. Movimento dos Atingidos por Barragens
didatos/as como mercadorias. novas formas de produção, distribuição (MAB)
Articulação popular e sindical de mulhe-
Neste “jogo”, o poder econômico ga- e consumo. res negras de São Paulo (APSMN-SP) Movimento dos trabalhadores e Traba-
nha de goleada subjugando a política e Por Mudanças na Política Econômica, lhadoras do Campo (MTC)
Associação Brasileira de Agroecologia
as instituições públicas aos seus interes- com o fim do superávit primário; que co- (ABA) Movimento dos Trabalhadores Rurais
ses de classe, impedindo as transforma- loque a taxa de juros e de câmbio sobre Sem terra (MST)
ções políticas, econômicas, sociais, cul- o controle do Governo, não a autonomia Associação Brasileira de ONG’S
turais e ambientais que interessam ao do BancoCentral. (ABONG) Movimento Ibiapabano de Mulheres
povo brasileiro. Pelo compromisso real com o ple- (MIM – Ceará)
Associação de estudos, orientação e as-
É em razão desta análise que movi- no emprego. Pensar a política econômi- sistência rural (ASSESOAR) Movimento Nacional de Direitos Huma-
mentos sociais e organizações de todo ca como elemento essencial para o pleno nos (MNDH)
Associação de Moradores do Bairro Par-
Brasil apresentam para a sociedade e pa- emprego, garantia de melhores salários e que Residencial Universitário (AM- Movimento Nacional de Rádios Comu-
ra as candidaturas a sua plataforma polí- trabalho decente. Contra qualquer tenta- PAR – Cuiabá) nitárias
tica para debate no processo eleitoral de tiva de precarização do trabalho e dos di-
2014. Defendemos que estes são pontos reitos trabalhistas. Garantia de uma polí- Associação de Mulheres Solidárias Cria- Movimento Nacional pela Soberania Po-
fundamentais pra começar a provocar as tica para aos trabalhadores estrangeiros tivas (AMSC) pular Frente à Mineração (MAM)
rupturas e avanços que tanto lutamos. que se encontram no país em situações Central de Movimentos Populares do Movimento dos pequenos agricultores
Reforma do Sistema Político que eli- de violação de direitos humanos. Brasil (CMP-BR) (MPA)
mine o “voto” do Poder Econômico nas Pela retomada da Reforma Sanitária e Movimento Popular de Saúde (MOPS)
Central Única dos Trabalhadores (CUT)
eleições e nas definições das políticas pelas reformas estruturais que a Saúde
públicas; que fortaleça os programas precisa, com aumento do investimento Centro Brasileiro de Estudos de Saúde Movimento Quilombola de Sergipe
partidários, que enfrente a sub-repre- no SUS, fortalecimento da Atenção Bá- (CEBES) Movimento Reforma Já
sentação dos/as trabalhadores/as, das sica, popularização dos cursos de saúde, Centro de Estudos e Pesquisas Agrárias Organização Cultural e Ambiental (OCA
mulheres, dos jovens, da população ne- carreira SUS para os trabalhadores, for- do Ceará (CEPAC) – Hortolândia – SP)
gra, indígena e LGBT; que regulamente talecimento das práticas integrativas e
e efetive os mecanismos de Democracia Coletivo de Consumo Rural Urbano de Plataforma dos Movimentos Sociais pela
comunitárias e das políticas de promo-
Osasco e Região (CCRU-O.R) reforma do Sistema Político
Direta; e que convoque uma Constituin- ção à saúde, com efetiva regulação e fis-
te Exclusiva e Soberana do Sistema Polí- calização dos planos de saúde, além de Coletivo de Mulheres e PLS’s – Casa Li- Pólis
tico. A Constituinte deve ter como prer- fortalecimento do controle social. lás – Pernambuco
rogativa central a soberania popular. Democratização do Poder Judiciário, Rede Economia Feminismo (REF)
Confederação Nacional dos Trabalhado-
Democratização dos Meios de Comu- para que a sociedade brasileira tenha res em Seguridade Social. Rede Fale
nicação: implementação das propostas controle e possa implementar padrões Sempreviva Organização Feminista
aprovadas na Conferência Nacional de democráticos na escolha e no mandato Conselho Nacional do Laicato do Bra-
sil (CNLB) (SOF)
Comunicação e pela descriminalização dos juízes de Instâncias superiores. Criar
dos veículos de mídia independente. mecanismos reais de controle externo de Comissão Pastoral da Terra (CPT-nacio- Sindicato dos Petroleiros de Duque de
Democratização da Educação: com todo o sistema de justiça. Defesa que o nal) Caxias
universalização do acesso à educação sistema de justiça como um todo deva ter Consulta Popular Sindicato dos Produtores Orgânicos e
em todos os níveis, principalmente a políticas que contemplem a diversidade Familiares do Paraná (Sindiorgâni-
educação infantil, ensino médio e supe- étnico, racialetc Coordenação Nacional de Entidades Ne- cos)
rior; erradicação do analfabetismo de 14 Desmilitarização das PM’s: defesa de gras (CONEN)
Sindicato dos Psicólogos de São Paulo
milhões de trabalhadores/as; garantir a uma polícia desmilitarizada e uma nova Movimento de Mulheres Camponesas
(SinPsi)
efetividade dos 10% do PIB para educa- concepção de política de segurança que (MMC)
ção pública. não criminalize a pobreza e a juventude, Diocese Anglicana de Esmeraldas – MG Sindicato dos Trabalhadores da Agri-
Programa Massivo de Moradia Popu- principalmente negra. cultura Familiar de Sumaré e Região
lar, que supere o déficit de 8 milhões de Pelo fim do Genocídio da Juventude Educafro (Sintraf)
moradias à curto prazo. Negra e contra Projetos de Redução da Escola de governo – São Paulo Sindicato dos Trabalhadores em Educa-
Investimentos Prioritários em Trans- Maioridade Penal. Escola de Participação Popular e Saúde ção de Pernambuco (Sintepe)
porte Público de Qualidade, implemen- Pelo fortalecimento do sistema público
tando a tarifa zero. Entendemos que é o de Previdência, pelo fim do fator previ- Federação dos Estudantes de Agrono- Sindicato dos Trabalhadores em Educa-
transporte público que dá acesso a todos denciário que prejudica o direito à apo- mia do Brasil (FEAB) ção de Roraima (Sinter).
os outros direitos sociais constitucional- sentadoria dos/as trabalhadores/as bra- Federação Paranaense de Entidades am- Sindicato Unificado dos Petroleiros do
mente conquistados, como saúde, educa- sileiros/as. bientalistas (FEPAM) estado de São Paulo (Sindipetro)
ção e cultura. Pelo fim das privatizações e das con- UNEAFRO
Fora do Eixo
Redução da Jornada de Trabalho para cessões dos bens e serviços públicos. O
40 horas semanais. Estado precisa ter instrumentos eficazes Fórum de reforma urbana em Alagoas União Nacional dos Estudantes (UNE)
brasil de 25 de setembro a 1º de outubro de 2014 11

“A luta feminista está presente


em diferentes âmbitos sociais” Rede Rua
ENTREVISTA dade não apenas para a causa da digni-
dade feminina, mas para as necessárias
Para a teóloga e filósofa mudanças estruturais que possibilitem
Ivone Gebara, a tentativa uma nova relação entre as pessoas. E is-
to nós mulheres temos conseguido gra-
é de sensibilizar e dativamente, com todas as contradições
inerentes aos processos sociais. Creio
conscientizar a sociedade que já não temos a ingenuidade de acre-
ditar que se todo o mundo for feminista
não apenas para a causa segundo tal ou tal modelo os problemas
da dignidade feminina, do mundo ou do país estarão resolvi-
dos. Cada pessoa e cada grupo tem uma
mas para as necessárias compreensão da vida e da história e te-
mos que aprender a lidar com esse plu-
mudanças estruturais que ralismo e essa complexidade, pois esta-
possibilitem uma nova mos seguras que já não é uma única vi-
são do mundo que vai prevalecer.
relação entre as pessoas
Como reconstruir uma aliança
entre as lutas sociais e a
produção intelectual?
Eduardo Campos Lima Este é o velho problema da relação en-
de São Paulo (SP) tre teoria e prática presente desde a An-
tiguidade, passando por Marx, Grams-
EM 2014, a teóloga e filósofa Ivone Ge- ci e outros tantos. Não há solução defi-
bara completa 70 anos, boa parte deles nitiva para ele. Para mim, existe a neces-
dedicada às lutas sociais, ao trabalho sidade das/dos intelectuais fazerem al-
pastoral com mulheres e ao debate teo- gumas escolhas, ou seja, para onde e pa-
lógico feminista. ra quem direcionar sua pesquisa e refle-
Durante o 2º Congresso Internacio- xão. Entretanto, estou consciente de que
nal Religião, Mídia e Cultura, ocorrido não se pode mais estabelecer um mode-
entre 8 e 12 de setembro em São Leo- lo de intelectual único, sobretudo porque
poldo (RS), seu trabalho de mais de três muitas vezes os intelectuais mais atuan-
décadas foi reconhecido, com a conces- tes não são os que escrevem livros ou têm
são do título de Doutora Honoris Causa um blog, mas aqueles e aquelas que estão
da Escola Superior de Teologia de São dentro da problemática que fere suas vi-
Leopoldo (Faculdades EST). das. São as empregadas domésticas que
Na entrevista a seguir, Ivone Gebara conhecem sua situação por dentro, são
fala sobre Teologia da Libertação e Te- as mulheres vítimas de violência domés-
ologia Feminista, as lutas das mulheres tica, são os indígenas cujas terras foram
no terceiro milênio e o debate eleitoral. tomadas que percebem por onde passam
os veios da violência e das possíveis sa-
Brasil de Fato – Que avanços a ídas. O papel das/dos intelectuais mui-
Teologia da Libertação trouxe tas vezes é o de fazer as boas perguntas
para a espiritualidade cristã? para acordar a consciência adormecida,
Ivone Gebara – É muito importante perguntas que levam a encontrar cami-
ter claro que o que chamamos de espi- nhos de breve restauração da vida. A par-
ritualidade cristã é uma motivação pa- tir dessas perguntas, recuperar exemplos
ra viver e lutar baseada em valores pre- do passado para ajudar a ver na história a
sentes na vida de Jesus segundo a tra- complexa trama dos acontecimentos e as
dição dos Evangelhos. A Teologia da Li- A teóloga e filósofa Ivone Gebara contradições da vontade humana. É tam-
bertação dos anos de 1970 e 1980 en- bém papel dos intelectuais conviver para
fatizou a importância da realidade his- de gênero, que tocam sem dúvida as Constata-se hoje o além das análises políticas e econômicas
tórica e do contexto social num tempo relações de classe e de raça. Descons- enfraquecimento dos movimentos nos momentos de gratuidade, nas fes-
e espaço determinados para conhecer- trói as imagens do sagrado centrado no sociais gestados nas décadas tas e celebrações que marcam instantes
mos o que se chama tradicionalmen- masculino e o poder eclesiástico igual- de 1960 e 1970. A Teologia da importantes da vida e revelam algo para
te “vontade de Deus”. Não podemos es- mente centrado numa masculinização Libertação tem ainda um papel além das teorias estabelecidas.
quecer que os anos de 1970 e 1980 es- da imagem de Deus. Tomamos consci- para alimentar esses movimentos?
tavam marcados na América Latina pe- ência do quanto uma religião simboli- Quando se fala do papel da Teologia
las ditaduras militares, por um cresci- camente colonizada pelo masculino tem da Libertação em alimentar movimen- “Não é novidade constatar a diversidade
mento gigantesco da pobreza e da inter- a força de subjugar muitas pessoas e, tos sociais se está imaginando que a Te-
venção econômica do capitalismo inter- sobretudo, as mulheres. ologia da Libertação é algo mais ou me- atual do movimento social na América
nacional. Nesse contexto, a espirituali- nos pronto aplicável a diferentes situ-
dade da libertação propunha direcionar Qual o espaço das mulheres no ações. Em outros termos, se tem uma
Latina e especialmente no Brasil.
nosso olhar, sobretudo para a vida dos debate teológico atual e qual o visão mais ou menos estática da teolo- Há movimentos que prescindem do
pobres e marginalizados de nossas so- papel das mulheres na Igreja? gia ou do pensamento religioso e de sua
ciedades. Esta postura foi um enorme Perguntar pelo papel das mulheres na ação em nossa realidade. A ideia de que instrumental marxista de análise”
avanço em relação a uma espiritualida- Igreja esconde certamente uma grande as teorias se aplicam às práticas preci-
de intimista em que o individuo se rela- dúvida. Isto porque raramente se per- sa ser modificada. Penso que o discur-
cionava com Deus independente do so- gunta sobre o papel ou o lugar dos ho- so religioso libertário dos anos de 1970
frimento e das injustiças sociais de mi- mens na Igreja, visto que a pergunta é e 1980 se afirmava a partir de um con- No atual debate eleitoral os
lhares de pessoas. desnecessária. Basta constatar que são texto histórico nacional e internacio- candidatos são convidados a se
homens que dirigem, pensam e repre- nal que alimentava certas práticas so- posicionar em relação ao aborto
Muitos apontavam contradições sentam o sagrado nas igrejas. Por is- ciais e políticas. Hoje estamos em outro e ao casamento homoafetivo.
entre marxismo e cristianismo. so se pode dizer que a visão sobre o lu- contexto muito mais plural e no qual as Essas questões são políticas?
Atualmente, ainda é possível gar das mulheres nas igrejas e nas teo- Igrejas já não têm o mesmo papel so- Durante muito tempo essas questões
falar nessas contradições? logias depende da interpretação que se cial, salvo algumas poucas exceções. não apareciam explicitamente no cená-
Nos anos de 1970 e 1980 muitos foram faz do ser humano. As pessoas que não rio político cotidiano nem nos períodos
os teóricos cristãos que escreveram so- querem mais manter as hierarquias de Nota-se hoje uma fragmentação de eleições. Hoje, o movimento social
bre as relações entre marxismo e cristia- gênero como sendo um destino huma- e compartimentação das lutas abriu-se para outros problemas sociais
nismo. De uma maneira geral, boa par- no buscarão outras formas de viver o sociais, muitas vezes sem que revelam a complexidade das ques-
te afirmava que o marxismo fornecia um cristianismo em que acreditam, talvez articulação mais ampla. Como tões políticas. Muitas pessoas acredi-
instrumental de análise da exploração um cristianismo sem submissão insti- analisar a luta feminista neste tam que essas questões são menores e
do capitalismo e esse instrumento nos tucional e mais aberto a criar laços com contexto? não deveriam entrar no debate político
ajudava não só a entender, mas a criar grupos e pessoas em busca do bem co- A luta feminista está presente em di- visto que polarizam posições e confun-
condições para mudar os rumos da vida mum. Os esforços atuais, sobretudo do ferentes âmbitos sociais. Existem várias dem a opinião pública. Distinguem en-
dos mais pobres. Muitos grupos se orga- papa Francisco, não lograram a de fa- instâncias de organização, como a Asso- tre as grandes questões políticas e as pe-
nizaram em torno dessa ideia e não viam to abordar a problemática antropológi- ciação das Mulheres Brasileiras (AMB), quenas questões que não merecem ser
contradição entre o marxismo e o cris- ca, social, política e religiosa atualmen- a Marcha Mundial das Mulheres, o Mo- chamadas de políticas. Mas, a meu ver,
tianismo, visto que se tratava de viver te vivida pelas mulheres. Querem abrir vimento Nacional de Mulheres Agricul- justamente essas questões aparente-
a justiça nas relações humanas. Creio espaços na mesma compreensão da vi- toras, o MST das Mulheres etc. Cada ar- mente sem importância revelam as pos-
que essa problemática já pode ser con- da cristã sem suspeitar que é justamen- ticulação dessas engloba vários grupos turas íntimas dos candidatos e os mos-
siderada como sendo do passado. Não é te essa compreensão hierárquica e mi- de mulheres, mas nenhum tem a pre- tram para o grande público, para além
novidade constatar a diversidade atual sógena que nos faz problema e justifi- tensão de dizer a última palavra de co- dos chavões habituais das promessas
do movimento social na América Lati- ca aberrações não apenas nas institui- mo deve ser a vida das mulheres. Há de campanha. Nessas questões eles não
na e especialmente no Brasil. Há movi- ções religiosas, mas nas instituições so- autonomia e interrelação. A tentativa é podem se esconder, mesmo que muitas
mentos que prescindem do instrumen- ciais e políticas. de sensibilizar e conscientizar a socie- vezes tentem fazê-lo. Sem dúvida são
tal marxista de análise. Quanto ao cris- Alesp questões constrangedoras para muitos,
tianismo, o uso do marxismo como me- mas são elas que abrem as portas, por
diação analítica diminuiu muito e tem exemplo, para a reflexão sobre a educa-
acontecido que muitas igrejas prescin- ção dos filhos de casais homossexuais,
dem até de momentos de análise social sobre os conteúdos educacionais apre-
mais aprofundada e continuam reprodu- sentados nas escolas, sobre uma econo-
zindo um cristianismo tradicional, acre- mia que deve prever situações plurais,
ditando que é disso que o povo precisa. sobre políticas públicas para os que não
se enquadram nos conceitos de “norma-
Hoje a Teologia da Libertação é lidade”. Da mesma forma, questões so-
também teologia feminista? bre a legalização e descriminalização do
Muitas teólogas da libertação dos aborto abrem a reflexão para a proble-
anos de 1980 e 1990 se tornaram femi- mas de saúde pública e da responsabi-
nistas, mas a maioria dos teólogos ho- lidade humana (masculino e feminina)
mens continuou sendo apenas da li- em relação à sua prole e à vida em co-
bertação. Dizer isso significa que a teo- mum. Essas aparentes pequenas ques-
logia feminista não teve muito suces- tões são a novidade das novas políticas
so nos meios tradicionais de fazer teo- atuais porque tocam a ecologia humana
logia, meios que admitiam a presença na sua complexidade real. A questão da
das mulheres apenas se elas repetissem economia mundial, por exemplo, se tra-
o que era dito pelos homens. A dificul- duz também em tráfico de mulheres, de
dade com a teologia feminista é que ela meninas, de menores, em pornografia,
introduz uma concepção não hierárqui- em pedofilia, em drogas, aborto, doen-
ca da vida cristã, o que significa que ela ças sexualmente transmissíveis. Este é o
também propõe uma visão mais iguali- concreto cotidiano da vida das popula-
tária e horizontal a partir das relações Gebara participa de audiência das comissões nacional e estadual da Verdade ções do mundo.
12 de 25 de setembro a 1º de outubro de 2014 cultura

Tempos interessantes
CRÔNICA Quem gosta de tempos
interessantes são as pessoas que
gostam de desafios, de aventuras,
as que não temem a incerteza, que
sabem conviver permanentemente Joan Mas/CC

com os próprios medos

Braulio Tavares

OS CHINESES TÊM uma expressão para rogar praga


a alguém: “Tomara que você viva em tempos interes-
santes”. É o contrário de desejar a alguém paz e tran-
quilidade, não é mesmo? Doris Lessing dizia que os
bombardeios nazistas sobre Londres trouxeram mor-
te e terror para muita gente, mas também trouxeram
um pouco de animação para suas vidas. Uma senho-
ra londrina bem idosa lhe disse uma vez: “It was a
nice change.” (“Foi uma mudança agradável”). Pode
ter sido. Para pessoas que levavam uma vida tediosa,
reprimida, asfixiante, a guerra pode ter representado
uma liberação, uma instabilidade onde era possível
meter os pés, arregaçar as mangas, tomar decisões,
viver intensamente, em suma. Tempos interessantes.
Algo parecido é dito por Colin Wilson em vários li-
vros: que durante os bombardeios da 2ª Guerra Mun-
dial os londrinos se divertiam a valer nos bares ins-
talados nos porões. O chão tremia, as bombas caíam
a algumas dezenas de metros, mas a música não pa-
rava, a bebida rolava solta, todo mundo namorava e
dançava pra valer. A proximidade e a possibilidade da
morte (bem como a impossibilidade de fazer algo a
respeito) pareciam tornar cada minuto mais carrega-
do de significado.
F. Scott Fitzgerald (“Echoes of the Jazz Age”, 1931)
dizia que a palavra jazz estava associada “a um esta-
do de estimulação nervosa não muito diferente da-
quele das grandes cidades logo aquém do front de
batalha. Para muitos ingleses, a guerra ainda conti-
nua, porque todas as forças que os ameaçavam ain-
da estão em atividade. Portanto, vamos comer, va-
mos beber e nos divertir, porque amanhã a gen-
te morre.” Note-se o quanto Fitzgerald tinha razão:
a guerra a que ele se refere era a Primeira, e os in-
gleses tinham uma percepção muito sensata do que
lhes vinha pela frente.
“Para pessoas que levavam uma vida tediosa,
Quem gosta de tempos interessantes são as pesso-
as que gostam de desafios, de aventuras, as que não
reprimida, asfixiante, a guerra pode ter representado
temem a incerteza, que sabem conviver permanente-
mente com os próprios medos. Pessoas pacatas não
uma liberação, uma instabilidade onde era possível
sabem conviver com o medo. Quando estão numa si- meter os pés, arregaçar as mangas, tomar decisões,
tuação mediana e satisfatória de estabilidade, que-
rem que tudo permaneça assim. Têm moradia, comi- viver intensamente, em suma”
da, trabalho, o básico da vida; e a última coisa que de-
sejam é que essa estabilidade precária seja ameaça-
da. Diante do novo e do desconhecido, esperneiam e
vociferam. São capazes de tudo para manter as coisas
do jeito que estão. Entre a aventura de querer melho-
rar e a segurança de se agarrar ao que já têm, prefe-
rirão sempre esta última. Temem as próprias limita-
ções, acham sempre “que não vai dar”, agarram com
desespero o pássaro-na-mão que o destino lhes con-
cedeu até agora. Não querem viver em tempos inte-
ressantes. (Texto publicado em sua coluna diária no
Jornal da Paraíba – Campina Grande-PB)

Braulio Tavares é escritor, poeta e compositor de Cam-


pina Grande (PB).

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PALAVRAS CRUZADAS
Horizontais – 1. Maior conflito bélico entre Argentina e Reino Unido que completou 30 anos em 2012.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18
2.Alcoólicos Anônimos – Marca de impressora. 3.Estreito que marca o limite da Ásia e da Europa e que
1
divide a cidade de Istambul, na Turquia, ao meio – Sigla para Rio Grande do Norte – Lei da (?), promulgada
em 1979, contestada por muitos por ter nivelado torturadores e torturados. 4.Apelido de Patrícia Galvão,
primeira mulher presa política no Brasil – Objeto que produz campo magnético – Versus. 5.Sigla para 2

Estados Unidos, na língua espanhola – Campanha da Fraternidade - Terceira pessoa do plural do presente
do indicativo do verbo ir. 6.Exército Brasileiro – “Talvez”, em italiano. 7.“Perna”, em inglês – Cidade paulista 3
onde se localiza o Rio Dourado – Gênero de beija-flor existente nas Américas Central e do Sul. 8.“Não”, em
espanhol – Instituto de Artes – “Leão”, em inglês 9.Ex lateral-esquerdo que atuou na seleção brasileira em 4
1950, 1954, 1958 e 1962, conhecido como “Enciclopédia” – “Noites”, em italiano. 10.“(?) sós”, frase dita por
casais que quase não conseguem ficar sozinhos – Distrito Federal. 11.“Correio eletrônico”, em inglês – Ex- 5
-ditador chileno que ficou no poder de 1973 a 1990.
Verticais – 1.(?) García Márquez, escritor colombiano, autor de Cem anos de solidão, falecido recentemen- 6
te - “Novo”, em alemão. 2.País de origem da maioria dos africanos feitos escravos e que foram enviados
ao Brasil; o acarajé, por exemplo, faz parte da sua culinária. 3.Nome do cartão de memória do celular que 7
popularmente chamamos de “chip” - Esporte de origem escocesa atualmente praticado somente pela
elite em que consiste meter uma bola numa série de 18 (ou 9) buracos sucessivos. 4.Uma das operado- 8
ras de celular. 5.Liderança indígena brasileira que ficou internacionalmente conhecida quando viajou o
mundo com o cantor Sting em defesa da Amazônia - “Vovó”, em alemão. 6.Ong que defende que a fome 9
e a desnutrição não são resultado da escassez de alimentação ou limitação de recursos, mas resultado
das violações do direito humano a se alimentar, sua sigla é a abreviação, em inglês, de Rede de Ação e 10
Informação “Alimentação Primeiro”. 7.“Deus”, em italiano – Divisão de tempo não mensurável, eternidade.
8.Como os europeus por séculos chamaram o Irã. 9. Eventos culturais nos quais a leitura de livros aconte-
11
ce juntamente com música e poesia - “E”, em inglês. 10.O solo dos (?) caracterizam-se por serem úmidos,
lodosos, pobres em oxigênio, mas muito ricos em nutrientes – Organização católica reacionária brasileira,
fundada em 1960, que defende a tradição, a família e a propriedade privada. 12.Gigante sucroalcooleira
condenada pela Justiça de Jaboticabal, São Paulo, a pagar R$ 1 milhão por danos causados a trabalha-
16.Bitte. 17.Shiva – Rot. 18.Pasolini.
dores no corte de cana em 2012. 13.(?) de Lima, um dos principais estudiosos da mídia no Brasil. 14.Sigla 8.Pérsia. 9.Saraus – And. 10.Mangues – TFP. 12.Cosan. 13.Venício. 14.IMF. 15.Nasa – Nilo.
do “FMI”, em inglês. 15.Agência espacial estadunidense – Segundo rio mais extenso do mundo, depois Verticais – 1. Gabriel – Neu. 2.Benin. 3.SIM – Golfe. 4.Tim. 5.Raoni – Oma. 6.Fian. 7.Dio – Éon.
do Amazonas. 16.“Por favor”, em alemão. 17.Vandana (?), física e ecofeminista indiana – “Vermelho”, em 10.Enfim – DF. 11.Email – Pinochet.
alemão. 18.Cineasta italiano, que chegou a ser membro do Partido Comunista, que tem como um de seus 5.EEUU – CF – Vão. 6.EB – Forse. 7.Leg – Lins – Colibri. 8.No – IA – Lion. 9.Nilton Santos – Notti.
Horizontais – 1.Guerra das Malvinas. 2.AA – HP. 3.Bósforo – RN – Anistia. 4.Pagu – Ímã – Vs.
principais filmes Saló ou os 120 dias de Sodoma.
américa latina de 25 de setembro a 1º de outubro de 2014 13

Sede da 2ª maior zona franca do


mundo vive em extrema pobreza Reprodução

PANAMÁ uma das estudantes do campus da Uni-


versidade do Panamá em Colón. A repor-
Edifícios em ruínas e tagem conversou com moradores e pe-
destres e ouviu relatos de que famílias
desemprego de cerca inteiras são capazes de viver nos escom-
de 30% dão a tônica em bros de prédios.

Colón, município vizinho Colón, um “puerto libre”


Em julho, o recém-eleito presiden-
ao Canal do Panamá te do Panamá, Juan Carlos Varela, de-
clarou que pretende integrar a cidade
de Colón à zona livre e torná-la toda um
“puerto libre”. Em seu primeiro ato de
Fabíola Ortiz governo, Varela fez um anúncio oficial
de Colón (Panamá) comprometendo-se com a intenção de
renovar a cidade neste primeiro ano de
A 80 QUILÔMETROS da Cidade do Pa- mandato. O projeto, contudo, ainda está
namá, a pequena cidade de Colón tor- em fase de estudo.
nou-se famosa por acolher a zona livre de Segundo a imprensa panamenha, a
comércio das Américas, a segunda maior zona franca de Colón tem atravessado
zona franca do mundo, perdendo apenas uma forte queda em suas vendas. Em
para Hong Kong. maio representou um declínio de mais
Situada na boca do Canal do Panamá, de 17% em relação ao mesmo mês em
por onde circulam diariamente dezenas 2013. Sem contar as demissões que, en-
de navios mercantes, Colón ganhou des- tre os meses de janeiro e maio, atingi-
taque a partir da década de 1950 com a ram 1.700 postos de trabalho. Essa onda
instalação do entreposto mundial de co- de declínio em muito se deve à crise eco-
mércio livre de impostos. nômica vivida, especialmente, por parte
Dentro dos limites da zona franca, da Venezuela, um grande sócio comer-
com seus 450 hectares e 2.500 empre- Uma das 16 ruas de Colón mostra a atual situação da cidade, de aparente abandono cial da zona livre.
sas instaladas, 250 mil compradores, O recente anúncio de que o governo
empresários e turistas fazem negócios e transferência na sua administração foi longo de 39 anos, Bailey trabalhou no deverá investir cerca de 500 mil dólares
movimentam 30 bilhões de dólares to- concluída em 1999. cais do porto. “A vida com os gringos era para revitalizar a área da cidade e restau-
dos os anos. Os principais mercados são Williams afirma que a vida em Colón melhor, não faltava trabalho. Sem con- rar os edifícios do centro antigo, conheci-
os países da Américas do Sul, Central e já fora mais animada e próspera. “Antes tar que os gringos pagavam mais. Hoje do como “casco viejo”, traz um suspiro de
do Norte. era melhor com os gringos, eles pagavam em dia o que mais tem é jovem desem- esperança para seus moradores.
Em meio à liberdade fiscal e uma eco- melhor pelos serviços”, disse. Hoje apo- pregado. O principal problema aqui ho- Perguntado sobre o futuro da cidade
nomia dolarizada que permitiu a cons- sentado, Williams recebe uma pensão de je são os ladrões, a bandidagem é gran- na costa do Atlântico, o diretor do Cen-
trução de arranha-céus como o Trump 240 dólares a cada dois meses. Ele tem de”, reclamou. tro Regional Universitário de Colón, o
Ocean Club, de 70 andares, do magnata quatro filhos e dois netos. Dois de seus fi- historiador José Vicente Young, defen-
Donal Trump, o Panamá celebra o cente- lhos trabalham na zona livre de comércio de a necessidade de se pensar na imple-
nário de seu Canal. A obra gigantesca foi e de lá garantem seu sustento. As atividades comerciais na Avenida mentação do puerto libre e integrar toda
capaz de criar um atalho para a Ásia, en- “Me gusta vivir aquí en Colón”, afirma a zona franca à pequena cidade de 16 ru-
curtando as distâncias entre o Ocidente e ao apontar de um lado para o outro da ci- del Frente se desenvolveram para as. “É preciso mudar a aparência da ci-
o Extremo Oriente. dade. O município inteiro se limita a 16 atender a demanda dos cidadãos dade para receber os cruzeiros que apor-
Inaugurado em 15 de agosto de 1914, os ruas. “Posso caminhar pela cidade ida e tam, além de fomentar atividades de em-
80 km que separam o Atlântico do Pací- volta”. No entanto, Williams reconhe- estadunidenses em solo panamenho. preendimento e hotelaria.”
fico se tornaram motivo de orgulho na- ce que a cidade precisa ser revitaliza- A parte antiga da cidade tem uma ex-
cional para os panamenhos. Contudo, o da. “Tem que arrumar a cidade, há mui- Hoje, a Rua 8 apresenta um cenário pressão caribenha em termos de esti-
país vive às voltas com suas contradições tas casas aqui que estão condenadas, fi- lo e arquitetura que, na opinião de You-
sociais. caram abandonadas. Tem que mudar tu- degradante e desolador. Edifícios ng, merece ser resgatado e preservado. O
Bem perto dali, do outro lado do país, do”, destacou. caindo aos pedaços, construções historiador compara ainda a pobreza às
Colón sofre com o abandono: edifícios favelas nos grandes centros urbanos bra-
carcomidos e decadentes são os sinais “Aquí no está muy bien” rachadas e prestes a desmoronar sileiros. “O Parque Centenário perto do
mais evidentes de uma cidade imersa Com muita dificuldade para cami- mercado municipal está localizado em
na pobreza. Colón vive à margem de to- nhar, Joyce Wallace, de 76 anos, pas- frente aos bairros mais pobres, às fave-
do o progresso do país. Quase 40% da sa dias inteiros no banco da praça em las. Aqui a lei do ordenamento público
população de 90 mil habitantes vivem frente ao mercado municipal de alimen- Cenário desolador não é cumprida.”
na extrema miséria e mais de um terço tos em Colón. Sentada ao lado de uma A famosa rua conhecida como Aveni-
não tem acesso à água encanada. O ín- amiga num dos bancos do Parque Cen- da del Frente, atualmente Rua 8, costu-
dice de desemprego também é de 30%, tenário, Joyce reclama que “aquí no es- mava ser a principal via comercial, pois Segundo a imprensa panamenha, a
agravado ainda mais no caso dos jo- tá muy bien”, quando perguntada sobre estava localizada bem em frente à entra-
vens. Muitos colonenses dedicam su- a vida em Colón. da da chamada zona do canal, uma faixa zona franca de Colón tem atravessado
as vidas a trabalhos temporários ou de “A vida está difícil, a situação mudou de propriedade estadunidense em ple- uma forte queda em suas vendas. Em
mão de obra braçal com pouca qualifi- muito, antes era alegre e não faltava co- no território panamenho. A zona do ca-
cação e salários baixos. mida”, balbuciou. “Às vezes volto para nal se estendia da área portuária de Co- maio representou um declínio de mais
casa e vou dormir sem ter o que comer. lón, abrangendo a boca do canal pelo la-
Para tapear a fome, tomo um copo de do Atlântico, até o seu outro extremo no de 17% em relação ao mesmo mês em
Em meio à liberdade fiscal água para encher a pança. Não tem nada Pacífico, correspondendo a 1.300 quilô- 2013. Sem contar as recentes demissões
para comer aqui”, lamentou. Joyce é vi- metros quadrados. Lá vivia uma popu-
e uma economia dolarizada úva e tem dois filhos. Seu marido traba- lação de cerca de 10 mil civis estaduni- que atingiram 1.700 postos de trabalho
que permitiu a construção lhava no cais do porto Cristóbal, um dos denses, mas o país chegou a receber até
três portos situados na saída do Canal. 70 mil soldados nas bases que os EUA
de arranha-céus como o Ao lado de Joyce, sua amiga Perli- mantinham.
ne Mezon, de 86, complementa: “Hoje As atividades comerciais na Avenida Young analisa que os pontos críti-
Trump Ocean Club, de 70 tem muita matança aqui, muita morte e del Frente se desenvolveram para aten- cos que merecem atenção em Colón
violência. A cidade também precisa de der a demanda dos cidadãos estaduni- são especialmente o tema urbanístico
andares, do magnata Donal manutenção”. Perline Mezon é da Re- denses em solo panamenho. Hoje, a Rua e de saneamento. “Há um déficit im-
Trump, o Panamá celebra o pública Dominicana e se mudou para 8 apresenta um cenário completamente portante de distribuição de água, fal-
Colón ainda jovem para casar-se com degradante e desolador. Edifícios caindo ta levar água potável para todos os mo-
centenário de seu Canal um colonense. aos pedaços, construções inteiras racha- radores. A drenagem também merece
Ao caminhar pelos corredores estreitos das e prestes a desmoronar. De dentro de atenção, pois Colón está abaixo do ní-
do mercado municipal de alimentos em fendas e rachaduras de edificações abso- vel do mar e, quando coincide a maré
meio a um calor extenuante, uma figu- lutamente carcomidas, olhos curiosos à alta com a chuva, a cidade inteira fica
O caminho para a free zone ra se sobressai. De pais jamaicanos, Ale- espreita se projetam atraídos pela curio- debaixo d’água. Quanto à marginalida-
Para chegar a Colón é preciso envere- xander Bailey, 66 anos, se apresenta co- sidade de um novo visitante. de, há uma parcela da população urba-
dar pelo Corredor Norte ou a via Tran- mo um autêntico cidadão de Colón. Ócu- Não é comum estrangeiros serem vis- na que não tem acesso ao mercado la-
sístmica. A viagem leva cerca de uma ho- los escuros, chapéu estilo panamá, bar- tos por aquela área. Em geral, muitos tu- boral formal”, argumenta.
ra em ônibus que saem a cada meia hora bicha e um caminhar que, segundo seus ristas passam margeando a cidade rumo A cidade vive inteiramente à sombra
do terminal rodoviário Albrook, na Cida- moradores, só um colonense tem. Seu in- às compras na zona livre sem nem mes- da zona livre, fornecendo metade dos
de do Panamá. glês é perfeito e seus familiares jamaica- mo ter qualquer tipo de contato com co- 30 mil funcionários locais. “Se a zona li-
De fabricação brasileira, os ônibus que nos vieram ao Panamá para ajudar nas lonenses nas ruas, a sua maioria de afro- vre quebrar, Colón se tornará uma cida-
levam diariamente centenas de paname- obras de construção do canal. descendentes. de fantasma. Temos que preservar a ga-
nhos à cidade da zona franca – muitos A obra empregou muitos estrangeiros, “A chance de você ser assaltada em linha dos ovos de ouro”, analisa Young.
vão apenas trabalhar na chamada free como jamaicanos e dominicanos. Ao Colón é altíssima”, confessou à repórter (Opera Mundi)
zone e regressam à noite – são antigos Stan Shebs/CC
e com péssima manutenção. O preço da
passagem é de menos de três dólares ou
três balboas, a moeda local.
Era uma segunda-feira, no início da
tarde, quando Reinaldo Williams, de 84
anos, distraía-se com o movimento no
Parque Centenário, um comprido pas-
seio público em Colón com canteiros, ár-
vores e bancos de praça.
“Antes eu trabalhava em um barco pe-
troleiro”, contou Williams ao falar de su-
as lembranças no período em que cos-
tumava cruzar com frequência o Canal
do Panamá. “Hoje, ver o canal é um or-
gulho para o Panamá. Antes o canal era
dos gringos, agora é nosso. Tudo aqui era
dos gringos. Mas muita gente queria que
os norte-americanos ficassem”, admite
Williams.
A presença dos EUA é muito forte
ainda no imaginário do Panamá. Em
1977, os Tratados Torrijos-Carter –
em homenagem aos signatários Jimmy
Carter e Omar Torrijos – garantiram
a transição da gestão do Canal para as
mãos dos panamenhos. A saída com-
pleta dos estadunidenses do país e a Canal do Panamá, a partir da cidade de Colón
14 de 25 de setembro a 1º de outubro de 2014 américa latina

As reformas no campo, a
resistência e a alternativa Omar Ibanez/CC

OPINIÃO No México, o
neoliberalismo desapropria
comunidades e impõe um
modo civilizatório de morte

Víctor M. Quintana S.

NO MÉXICO, o que está em jogo nestes


dias e nestes meses com relação ao cam-
po não é somente um projeto de mais
seis anos de reformas no meio rural, é a
imposição de um modo civilizatório que
contribui para o aquecimento global,
prejudica a sociedade e tenta impedir o
surgimento de uma alternativa humanis-
ta dessa mesma sociedade.

1. Esgota-se fase do neoliberalismo


O campo mexicano carrega mais de
trinta anos de desapropriações não so-
mente intensas como também legitima-
das por leis e instituições. A reforma ins-
titucional imposta a sangue e fogo du-
rante os governos de Salinas e de Ze-
dillo cumpriu um papel importante: tor-
nar funcionais nossas leis e nossas insti-
tuições para o novo ciclo de expansão do Nova investida neoliberal tenta impedir o surgimento de uma alternativa humanista para a sociedade
capitalismo no campo, que Blanca Rubio
denomina de “a nova fase agroalimentar tural. São os agronegócios, as maderei- ramento hidráulico) etc. Reformas a ou- No entanto, a atropelada e atropelan-
global”. Por meio dela, se integrou o país ras, os empresários turísticos que assu- tras leis como a do Equilíbrio Ambiental, te aprovação das 21 reformas legais que
ao manejo global dos alimentos como mem a paisagem, o crime organizado e a de Vida Silvestre, a de Desenvolvimen- constituem a reforma energética no Con-
commodities, como importador de cere- o crime de colarinho branco os respon- to Florestal, a de Biossegurança, para au- gresso durante os meses de junho e julho
ais, oleaginosas, carnes e produtos lác- sáveis por este saque”. torizar, entre outras coisas, a construção indignou os camponeses que promove-
teos, enquanto ordem mantida no mer- de gasodutos em áreas naturais prote- ram uma Grande Marcha Nacional Cam-
cado de alimentos. 3. A verdadeira reforma agrária gidas, conceder funções à Procuradoria ponesa na cidade do México em 23 de ju-
Esta desapropriação, característica Federal de Proteção ao Meio Ambiente lho. Esta constituiu a manifestação mais
da “fase demencial do totalitarismo ne- (Profepa), facilitar a exploração de mi- articulada e mais massiva de qualquer
O campo mexicano carrega mais oliberal” como a denomina o jornalista nerais energéticos em selvas, pântanos setor da sociedade mexicana contra a Re-
argentino-canadense Alberto Rabilot- e solos florestais, além de autorizar a se- forma Energética aprovada pelo PRI, pe-
de 30 anos de desapropriações não ta, faz-se possível legalmente por meio meadura de transgênicos para a produ- lo PAN e seus aliados.
somente intensas como também das 21 reformas constitucionais e com ção de bioenergia. A manifestação tentou arrancar do
leis secudárias em questões energéticas A estas novas formas de desapropria- governo uma série de mesas de diálogo
legitimadas por leis e instituições e com as que farão parte da Lei de Águas ção corresponderá uma nova forma de para que os representantes campone-
e a de Biossegurança, entre outras. Este dominação política, a que trata de cons- ses levantassem suas propostas para a
novo marco institucional consagra uma truir o governo de Peña Nieto median- Reforma. No entanto, nem todas as or-
nova forma de exploração econômica no te um complexo processo de pressão- ganizações aceitaram participar de tais
Os instrumentos salinistas para ob- campo mexicano, cujas principais im- -negociação-cooptação, ou inclusive re- mesas e paralelamente se convocou
tê-lo foram: a contrarreforma agrária, plicações são: pressão aos atores do campo. Isso ocor- o Encontro e Jornadas pela Defesa da
a abertura comercial, principalmen- Legalização do extrativismo como re por meio das consultas sobre “a Re- terra, da água e da vida, para o dia 17
te através do TLCAN (Tratado de Livre a atividade prioritária no campo: ex- forma para o Campo” (mesas de nego- de agosto no emblemático povoado de
Comércio da América do Norte), a po- tração de petróleo, gás natural, gás de ciação iniciadas em 23 de julho); a aber- San Salvador Atenco. O evento foi to-
lítica financeira-bancária que levou à xisto, águas termais, de água simples- tura de novas instituições como a Finan- do um êxito tanto pelo número de assis-
quebra de milhares de produtores – daí mente, minerais, sobretudo o uso agrí- ceira Nacional para o crédito aos peque- tentes como pelo ambiente e a inspira-
nasceu El Barzón, enorme movimen- cola, pecuário ou florestal do solo. Desa- nos produtores; e todas as “ações para ção que nele predominam. Deste evento
to de devedores bancários – a separa- propriação dos territórios das comuni- reformar o campo” que implicarão não surgiu uma estratégica e emotiva decla-
ção dos programas oficiais em progra- dades, “ejidos” [terrenos de uso comu- só mudanças econômico-produtivas, ração que denuncia a nova fase do ne-
mas para os produtores de “grande po- nal] ou privados, sob a forma de “ocu- mas também no estabelecimento de no- oliberalismo no campo mexicano com
tencial” e os de “baixo potencial”, pa- pação temporal” ou de o proprietários, vas formas de controle, de clientelismo todo o rastro de desapropriação que
ra fazer mais produtivos e rentáveis os ou de “servidão energética”; autorização e de relação do Estado com os atores ru- traz consigo. No entanto, não permane-
primeiros (Procampo) e, aos segundos, do método de fragmentação hidráulica rais. Daqui surgirá o que de fato substi- ceu na contagem de queixas, mas lan-
condená-los a políticas de compensação para a extração de gás de xisto, com os tuirá o CAP, o Conselho Nacional Agro- çou um importante chamamento, nes-
social (Oportunidades). conseguintes danos ambientais e esgo- pecuário, e etc. tes termos:
Para conter a dissidência e estreitar ou tamento de aquífero.
cooptar as organizações de produtores, o 4. A resposta camponesa
salinismo-neoliberalismo criou dois es- Desde o início desta fase tem havi- Impõe-nos uma
paços de consulta diferentes: o Conselho Faz-se necessário para o neoliberalismo do importantes processos de resistên-
Agrário Permanente, para as organiza- cia por parte de comunidades campone- urbanização desordenada,
ções camponesas, e o Conselho Nacional extrativista um novo marco sas, indígenas, coordenações e organi- desenvolvimentos
Agropecuário, instância dos empresários zações regionais e nacionais. Em Guer-
agrícolas de diversos níveis. No interior
institucional para a exploração rero, Oaxaca, San Luis Potosí, Michoa- turísticos, privatização dos
destes espaços o governo tentou, em vez econômica dos espaços rurais e de cán, Chihuahua, Sonora, Nayarit, Jalisco
serviços básicos, assumem
de debater o essencial de suas políticas e outras localidades, tem emergido mo-
sobre a agricultura, pôr uma válvula de dominação dos atores que neles operam vimentos contra os projetos de explora- o controle da biodiversidade
escape e de processamento dos conflitos ção mineral, das grandes barragens, da
que surgem com a implementação de su- extração ou apropriação da água super- e lhe põem preço
as políticas excludentes. ficial e dos aquíferos.
Aí não termina a fúria extrativista-en- Quando o governo de Peña Nieto es-
2. Desapropriações no campo treguista do presidente Peña Nieto e seus tabelece o “Pacto pelo México”, algumas
Com o avanço da globalização e das aliados. Segundo a informação de que organizações pedem que se leve a cabo “A tarefa que temos não é pouca e pre-
tentativas dos Estados Unidos e seus dispõe a coalizão “Água para tod@s”, no um diálogo para acordar um “Pacto pelo cisa de reconhecermos, escutarmos e
aliados, Organização do Tratado do próximo período ordinário de sessões do Campo”. Logo demandam que se lhes es- respeitarmos; partir da solidariedade,
Atlântico Norte (Otan) e empresas trans- Congresso, o Executivo apresentará um cute antes de formular qualquer projeto como compromisso, como princípio per-
nacionais, por manter um mundo unipo- “pacote verde”, com outra série de refor- de Reforma no Campo. Assim, durante manente e sobretudo como oportunida-
lar a todo custo e salvar sua hegemonia mas para a última reviravolta na reforma os meses de maio, junho e julho de 2014 de gerada pela própria luta. Uma tarefa
ameaçada, iniciou-se um novo ciclo não energética: a Lei Geral de Águas que per- se levaram a cabo oito fóruns nacionais urgente é a libertação de todas e todos os
só para manter e conservar a domina- mite uma total desregulação para lhe dar temáticos e sete fóruns regionais, além presos políticos, o regresso das e dos de-
ção, por meio do controle dos alimentos, prioridade aos usos energéticos da água: de fóruns estatais nos quais participaram saparecidos e da defesa das e dos perse-
mas agora também através da utilização mega-empresas, geotermia, esfriamen- diversas organizações camponesas e os guidos por lutar.
das riquezas naturais, como são os recur- to de centrais nucleares, fracking (fratu- governos federal e dos estados. Enquanto é necessária a defesa perma-
sos energéticos (os minerais, a água) co- nente de nossos territórios, não é sufi-
mo “commodities” nos mercados finan- ciente resistir, temos que ser capazes de
Anique Halliday/CC

ceiros globais. passar à construção de alternativas que


Por isso, faz-se necessário para o ne- nos permitam por um lado, manter nos-
oliberalismo extrativista um novo mar- sa terra, água, a vida e nossos direitos. E
co institucional para a exploração eco- por outro, a possibilidade de desatar to-
nômica dos espaços rurais e de domina- dos os saberes, a imaginação e a criativi-
ção dos atores que neles operam, cuja dade do povo ao serviço do povo”.
lógica de base é a “acumulação por de- É nessas linhas estratégicas que espe-
sapropriação”, como conceitualiza Da- ramos se sigam dando a resistência, a lu-
vid Harvey e ilustrou notavelmente a ta e a construção de alternativas das co-
declaração final das Jornadas Nacio- munidades camponesas e indígenas de
nais de Defesa da terra, da água e da vi- todo o México em aliança com todos os
da, celebradas em Atenco nos dias 16 e que demandamos alimentos saudáveis,
17 de agosto: “A desapropriação é uma ar puro, água limpa suficiente para todas
realidade cotidiana que padecemos to- e todos, cultura de paz.
das e todos: desapropriação da terra, da Isso porque não se trata da luta das e
água, do ar, da biodiversidade, de nos- dos atores rurais em defesa de seus direi-
sos saberes, do patrimônio familiar e tos e de seus territórios; é a resistência a
comunitário, dos bens comuns, de nos- um modo civilizatório de morte, injusti-
sos direitos individuais e coletivos, de ça e exclusão e é o cultivo de uma nova
nossos sonhos e nossas esperanças. Nos civilização de cuidado, de compartilhar,
desapropriam os projetos por meio da de paz. (Alai)
mineração, das represas, das rodovias,
dos oleodutos. Impõe-nos uma urba- Víctor M. Quintana S. é assessor da Frente
nização desordenada, desenvolvimen- Democrática Camponesa de Chihuahua e
tos turísticos, privatização dos serviços pesquisador/professor da Universidade Autô-
básicos, assumem o controle da biodi- noma de Cidade Juárez.
versidade e lhe põem preço, comercia-
lizam e empobrecem nossa riqueza cul- Manifestação de camponeses na Cidade do México Tradução: Eduardo Sales de Lima.
internacional de 25 de setembro a 1º de outubro de 2014 15

Prisão é como um imposto que


todo palestino tem que pagar Fotos: Lara Sartorio
ORIENTE MÉDIO seres humanos. Sem rostos, a vida desse
povo está fadada a terminar como már-
A vida de catracas, roletas, tir, ex-presidiário ou como quem viveu a
muros e armas apontadas vida esperando por sua família encarce-
rada finalmente encontrar a luz do dia.
para qualquer olhar
Trocados por uma faca
palestino, em seu próprio A palestina Sumoud Karaja, corajosa
lutadora contra o sionismo, relatou ao
território, é uma anulação Brasil de Fato sua experiência. Aos 21
completa desses sujeitos anos de idade, a vida de barreiras, che-
ckpoints (pontos de controle israelense),
como seres humanos o pai e outros familiares presos e humi-
lhações levou essa jovem a juntar os tro-
cados da merenda escolar para conseguir
comprar uma faca. Foi até o checkpoint
Lara Sartorio de Qalandia, o qual tinha que cruzar dia-
da Cisjordânia (Palestina) riamente, e atacou um dos soldados que
Garoto palestino é revista-
ali fiscalizavam os palestinos.
DESAFIO ALGUÉM A visitar a Palesti- do por soldado israelense Hoje com 26 anos, Sumoud conta:
na e encontrar sequer uma família que em rua de Hebron “Naquele momento eu me encontrei. Ali
não tenha sua história marcada por eu soube quem eu era e disse um gran-
sangue, humilhação e muros. Seja pe- de ‘não’. Não à ocupação militar, não ao
lo Muro do Apartheid – quase 800 km assassinato de nossas crianças, não aos
de barreira construída em 2002 para nossos pais presos, não ao impedimen-
cercar a Cisjordânia –, seja pelos mu- to de movimentar-me, não a toda forma
ros das torres de vigilância, pelos mu- de humilhação”. Ela continua: “Me ins-
ros das prisões ou mesmo muros que pirei em grandes revolucionários, como
dão o formato quadrangular aos assen- Che Guevara e Fidel Castro. Me vi não
tamentos. como eles, mas como uma parte deles:
Apesar de a história da Palestina qua- eu também disse não à opressão como
se sempre ser contada a partir de 1948, eles fizeram”.
ano em que foi fundado o Estado de Is- “Não podemos ter medo para lutar.
rael dentro do território Palestino, é Eu tinha 1% de chance de sair viva dessa
preciso voltar ao século 19 para uma operação. Não achei que seria presa, es-
compreensão mais responsável, já que tava pronta para seguir como meus pri-
as origens do sionismo, movimento na- mos, mais uma mártir. Se pensarmos
cionalista judeu, antecedem a própria Em Aida, criança palestina atira nas consequências, se tivermos medo,
determinação do termo que passou a pedras em soldados escondidos não faremos nada. É preciso mártires pa-
existir em 1890. atrás do Muro do Apartheid ra haver causa.”
De modo que a história do sionismo Ela conta ainda que “depois de dois
é também a história da limpeza étnica anos presa finalmente saiu minha sen-
promovida na Palestina. tença de 20 anos de prisão”. Mas a sur-
Em 1878, a Palestina já era bem habita- presa veio quando Sumoud foi solta atra-
da, com 462.465 habitantes, dentre eles vés de negociações entre Israel e o Ha-
96,8% eram árabes (muçulmanos e cris- mas. Seu irmão, Hassan, também está
tãos) e 3,2% eram judeus. Com o avan- preso por “desenvolver atividades políti-
ço do movimento sionista e seu fortale- cas” e está cumprindo pena há 1 ano e 8
cimento após o Primeiro Congresso Sio- meses.
nista, em 1897, a imigração judaica pa- Ao questionar a mãe de Sumoud so-
ra o território palestino foi de 65 mil ju- bre como ela se sente por ter tês de seus
deus europeus entre 1882 e 1914. Até o sete filhos presos e ter cuidado de crian-
fim de 1922 a população judaica na Pa- ças pequenas sozinha quando seu ma-
lestina passou a representar 11% do total rido também estava preso, a resposta é
de habitantes. enfática: “Não apenas meus três filhos e
Na década de 1920, começaram os pri- meu marido, também três dos meus qua-
meiros confrontos entre judeus e palesti- tro irmãos foram presos. Isso é a reali-
nos. O destino dos palestinos começou a dade de uma família palestina. Faz parte
ser traçado quando milhares deles foram Sumoud Karaja, em sua da pressão que sofremos com a ocupação
arrancados de suas terras. casa em Saffa, fala da prisão israelense. O meu sentimento é de ainda
Até 1931, uma imigração adicional de e da luta contra a opressão mais força e vontade de lutar pela liber-
mais de 100 mil judeus elevou-os pa- dade do nosso povo”.
ra quase 17% da população na Palestina. Histórias como a de Sumoud se repe-
Com o nazismo na Alemanha, os efeitos tem em cada família palestina. Acusa-
foram evidentes: em apenas cinco anos, ções tais como “envolvimento em ativi-
174 mil judeus chegaram à Palestina, do- dade política” e “atirou pedras em ma-
brando sua população. nifestação” são as mais frequentes delas.
Em Hebron, Rana, 56 anos, esteve de-
“Linha verde” de 1948 tida por 4 meses dois anos atrás sob a
Após o fim da Segunda Guerra Mun- acusação de atirar pedras contra colonos.
dial, com os brutais efeitos do nazismo, a Ela disse se sentir surpresa com a acusa-
Inglaterra decidiu cumprir a antiga pro- ção por ser uma mentira, mas por outro
messa de criação de um Estado judeu, lado se sente pronta para todo tipo de in-
entregando nas mãos da recém-fundada justiça vinda de Israel.
ONU a responsabilidade de solucionar a Onde Rana vive, Hebron, há assenta-
questão. mentos no centro da cidade, o que con-
O plano resultante consistiu na pro- figura de maneira peculiar a região. Ru-
posta de divisão do território palestino e as são impedidas para a passagem de pa-
a criação de dois Estados: um judeu ocu- lestinos, que devem encarar um caminho
pando 53% do território e outro corres- Criança palestina trabalha alternativo mais longo. Todas as ruas são
pondente a 47% para atender aos pales- em mercado diante de vigiadas por soldados israelenses, que
tinos, que representavam 70% da popu- checkpoint em Hebron possuem uma linha branca pintada no
lação que vivia no território. Nesse mo- chão que os palestinos não podem atra-
mento, árabes eram proprietários de 92% vessar, configurando o apartheid em que
do total do território palestino e os judeus vivem. Ao caminhar pelo mercado cen-
possuíam menos de 8% das terras. tral, de repente nos deparamos com um
A decisão e seus efeitos no mundo ára- enorme checkpoint, bem no meio da ci-
be fizeram com que os sionistas realizas- dade. Ainda mais chocante é ver o ponto
sem o primeiro genocídio contra o po- de controle que foi instalado na porta da
vo palestino como garantia de seu Esta- principal mesquita de Hebron.
do. O sangrento ano de 1948 ficou co-
nhecido como Nakba (“Catástrofe”), pe- Crianças detidas
lo massacre contra o povo palestino e a Situações escandalosas como a da vila
destruição e desalojamento de vilas in- de Silwan, Jerusalém Oriental, nos cha-
teiras. Esse foi o marcante início do sta- mam ainda mais atenção: em menos de
tus que ainda hoje se confirma de que a um ano três crianças de 4 anos foram de-
maior população de refugiados do mun- tidas em suas casas por soldados israe-
do é a de palestinos. lenses e levadas para interrogatório.
Diante da ascensão nacionalista no De 2012 até o início deste ano, pelo
mundo árabe, principalmente do gover- menos 300 crianças foram presas na vi-
no egípcio de Nasser, a resposta de Israel la, com penas entre 6 meses e 10 anos.
foi de ocupar militarmente toda a Pales- Idoso palestino cruza che- Cerca de 25% dos presidiários palestinos
tina – ocupação que persiste e se amplia ckpoint para chegar até a sob controle de Israel são da vila Silwan,
até os dias de hoje. mesquita Ibrahimi já que por viverem em Jerusalém (consi-
Em 1967, as Forças de Defesa Israelen- derado território internacional) são con-
ses realizaram uma operação que ficou siderados habitantes sem identidade na-
conhecida como “Guerra dos Seis Dias”, lestinos, dos impedimentos dos direitos uma incursão dos soldados. Geralmen- cional sob o controle do governo israelen-
na qual tomaram a outra parte do territó- de ir e vir e do apartheid institucional te os fardados adentram as casas à for- se. A lei de Israel define que essa popula-
rio repartido (Gaza e Cisjordânia), além promovido pelo Estado de Israel. ça durante a madrugada, colocam as mu- ção está proibida de ter qualquer envol-
da Península do Sinai e das Colinas de Historicamente, a Palestina foi sendo lheres e meninas da família trancadas em vimento em atividade política, podendo
Golã, pertencentes respectivamente ao moldada pelo sionismo de modo a con- um quarto e habitam o resto da casa até ser preso. Isso e o fato de a vila ser uma
Egito e ao Líbano. figurar uma enorme prisão a céu aberto. o amanhecer. Levam presos os homens significativa fonte de turismo religioso e,
Não bastasse isso, as invasões de casas e crianças que estavam buscando e con- logo, de dinheiro, explicam o exorbitante
Oslo por soldados no meio da noite e toda es- trolam até mesmo a ida ao banheiro dos número de prisioneiros palestinos.
Os acordos de Oslo significaram um pécie de humilhação realizada por aque- moradores da casa. O desrespeito e o ca- Mahmoud Qaraeen, morador da vi-
grande atraso na luta palestina e são con- les que seguram armas mais pesadas que ráter sádico dessas visitas indesejadas se la Silwan, é incisivo em sua colocação:
siderados uma verdadeira traição das li- seus cérebros, são parte do cotidiano pa- expressa em atitudes tais como defecar “Eles (os israelenses) querem nos trans-
deranças palestinas com a luta popular lestino. Não é necessário muito tempo no chão das casas e esfregar os excretos formar em um povo sem educação, que
de libertação. Esse foi um processo legi- nos territórios ocupados para presenciar nas paredes. da prisão nos reste apenas a opção de
timador do interminável roubo de terras muitas dessas situações. A vida de catracas, roletas, muros e ar- trabalhar em suas fábricas e de ser força
por Israel, do controle dos espaços aéreo No campo de refugiados Aida, localiza- mas apontadas para qualquer olhar pa- de trabalho com contratos precários para
e marítimo da Palestina, da administra- da nos limites do muro, é natural espe- lestino, em seu próprio território, é uma fazer girar a máquina do sistema opres-
ção israelense de recursos vitais dos pa- rar que ao menos uma vez por mês haja anulação completa desses sujeitos como sor capitalista”.
16 de 25 de setembro a 1º de outubro de 2014 internacional

Renzi e Berlusconi juntos Fisaccesi

ITÁLIA A anunciada
reforma trabalhista quebra
a aparente unidade
no seio do Partido
Democrático, já que
54% dos italianos acham
que com a anulação do
Artigo 18 do Estatuto dos
Trabalhadores as empresas
poderão desempregar
como e quando quiserem

Achille Lollo
de Roma (Itália)

EM FEVEREIRO, o programa de gover-


no de Matteo Renzi apresentava uma re-
forma trabalhista para reformular mui-
tas leis que criaram 47 formas de con-
tratos de trabalho, alimentando assim as
opções pela ilegalidade (trabalho no mer-
cado negro sem contrato) ou fragmen-
tando ainda mais a qualidade da ocupa-
ção, com contratos temporários (semes-
trais, mensais e até semanais). Manifestação da CGIL: entidade promete greve geral para combater reforma trabalhista
A princípio, a reforma deveria abo-
lir a celerada “Lei Fornero” do governo É evidente que essa questão foi a gota

Internaz
Monti, que no lugar de abrir o mercado que fez entornar o copo no seio do PD,
de trabalho aos jovens, na realidade, li- já que os contrastes políticos e, também,
quidou os trabalhadores que estão na fai- ideológicos não são poucos. Trata-se, en-
xa etária de 50/60 anos, ampliando ain- fim, de uma confrontação política entre
da mais o contingente dos ditos “precá- os “liberais de Matteo Renzi” e a dita “ve-
rios”, que são condenados a permanecer lha guarda social-democrata” que, agora,
sem contrato de trabalho efetivo. personifica duas concepções políticas di-
Fato é que tais propostas ficaram no ar ferentes, que, na realidade, podem che-
como simples intenções, ao passo que o gar ao surgimento de dois novos parti-
primeiro-ministro Matteo Renzi e o líder dos. Aliás, alguém afirma que esses dois
de Força Itália, Silvio Berlusconi, realiza- partidos já existem em “off” disputando o
vam um acordo político que comportava “aparelho” do próprio PD.
a introdução de sérias modificações no  
programa da Reforma do Trabalho. De olho nos EUA
Nesse âmbito surgiu a proposta de su- Enquanto na Itália multiplicam-se os
primir o Artigo 18 do Estatuto dos Tra- opositores a uma Reforma do Trabalho
balhadores, que é a última lei trabalhis- que vai acabar com o Art. 18 do Estatu-
ta que não foi modificada nos últimos 15 to dos Trabalhadores, o primeiro-mi-
anos pelos governos direitistas liderados nistro Matteo Renzi foi aos EUA para se
por Berlusconi. conciliar, por um lado, com os republica-
A reação do Movimento Cinco Estrelas A secretária geral do CGIL, Susanna Camusso nos (George Shultz e Condoleezza Rice)
na Câmara dos Deputados e nas ruas foi e, por outro, com os democratas (Bill e
imediata. De fato, seu líder, Beppe Grillo, Hillary Clinton), além de tornar público
Niccolò Caranti/CC

ao promover um protesto de rua disse: o “namoro político” com o administrador


“Durante os últimos 40 anos os empre- delegado da FIAT-Chrysler, Sergio Mar-
sários disseram que o Artigo 18 devia ser chionne, que foi quem desafiou a legisla-
abolido por ser um entrave aos investi- ção trabalhista italiana, desempregando
mentos. Depois, todos os governos que apenas os sindicalistas e os delegados de
Berlusconi chefiou tentaram suprimir es- fábricas da FIOM-CGIL, além de intro-
se artigo, porém o PD (Partido Democrá- duzir o “contrato de trabalho FIAT”, que
tico) sempre fez oposição permanecendo desqualifica o tradicional contrato nacio-
ao lado dos trabalhadores. Agora, Renzi, nal dos metalúrgicos.
que precisa dos votos dos parlamentares A sequência de encontros que Renzi
direitistas do Força Itália para sustentar manteve, em San Francisco, com os em-
a sua maioria, fez um acordo em segredo presários do Silicon Valley e depois em
com Berlusconi dando, em troca da sus- Detroit com Marchionne e os principais
tentação no Parlamento, 30 anos de his- banqueiros (ou seria melhor dizer espe-
tória e de lutas dos trabalhadores. Quer culadores) de Wall Street, na realidade,
dizer: o que Berlusconi nunca conseguiu foi uma artimanha do marketing político
fazer, agora, foi realizado por Renzi. É que há dois anos construiu o sucesso mi-
claro que os empresários e as transnacio- diático de Renzi, fortalecendo sua ima-
nais aplaudem”. gem política.
De fato, ter dialogado, ao mesmo tem-
O líder do Movimento Cinco Estrelas, Beppe Grillo po, com Shultz e Rice e depois com Bill e
A CGIL, em um comunicado Hillary Clinton, antes de ir à Assembleia
Confusão no PD mia da classe operária” em todas as fá- da ONU, para contar a fábula que os ita-
da secretaria, logo alertou o Desde março de 1970, os partidos que bricas do norte e do centro norte. lianos escutam desde fevereiro, foi uma
governo que ela não admite representam os interesses das transna- Um “Plano B” que apresentava mui- jogada de mestre, visto que a mídia es-
cionais e do empresariado italiano que- tas vertentes, do tradicional e truculento tadunidense homenageou bastante Ren-
modificações do Art. 18, rem acabar com a legislação trabalhis- golpe de Estado com a participação das zi – não por ser um líder inovador mas,
ta do Estatuto dos Trabalhadores, por organizações neofascistas, à sofisticada simplesmente, por se ajoelhar ao Impé-
avisando que se o governo defender em absoluto os interesses dos cooptação midiática e política de sindica- rio e reverenciar todos os seus líderes.
trabalhadores. Uma bandeira que o en- listas e de deputados de centro-esquer- Enfim, algo que foi feito não para im-
continuar por esse caminho tão PCI logo ergueu, inclusive porque da em oposição ao “nascente esquerdis- pressionar os estadunidenses, mas para
a CGIL vai optar pela greve esse fato lhe permitiu reconquistar o vo- mo”. Uma cooptação que depois da men- convencer os italianos de que ele é bem
to da classe operária e dos trabalhado- sagem política do golpe do Chile evolui- protegido e, por isso, agora, é ele que
geral em outubro res em geral desmotivados com a pro- ria no PCI, com o chamado “Compromis- manda. É claro com o apoio de Berlus-
posta do Compromisso Histórico. so Histórico”, de Enrico Berlinguer. coni, sem o qual o governo Renzi já te-
Tal posicionamento se manteve tam- ria caído.
bém quando o PCI se transformou em É evidente que uma agenda desse tipo
O cenário torna a situação no mundo PDS e depois em PD, visto que o Estatuto Para muitos comentaristas essa não foi improvisada na véspera de em-
sindical mais complexa, na medida em dos Trabalhadores não foi uma “regalia” barcar para Nova York. Houve contatos
que a Confederação Geral Italiana do oferecida pelo Estado. Foi, sim, resultan- viagem de Renzi aos EUA foi a última e um planejamento por parte do “gru-
Trabalho (CGIL) já se manifestou contra te de um período de lutas que se transfor- que ele fez como líder de um PD po oculto do PD” que escolheu datas, lo-
a decisão do governo, enquanto a Confe- mou em lei somente quando os trabalha- cais e participantes para obter na Itália
deração Italiana Sindicatos dos Traba- dores italianos ganharam a batalha polí- unificado, na medida em que está em o chamado “efeito espelho”, no preciso
lhadores (CISL) apoia abertamente Ren- tica após terem desafiado o capitalismo momento em que começava o debate so-
zi e a União Italiana do Trabalho (UIL) italiano durante dois longos anos de lu- curso uma confrontação política entre bre a abolição do Artigo 18 e, sobretudo,
ainda não definiu oficialmente sua posi- tas, com greves, manifestações e, sobre- os “liberais de Matteo Renzi” e a dita quando explodia o conflito com a CGIL e
ção, já que a direção está praticamente tudo, com ocupações das fábricas e das os trabalhadores em geral.
dividida quanto a este assunto. universidades. “velha guarda social-democrata” Para muitos comentaristas, essa via-
A CGIL, em um comunicado da secre- É necessário dizer que foram tam- gem de Renzi aos EUA foi a última que
taria, logo alertou o governo que ela não bém dois anos de dura repressão por ele fez como líder de um PD unificado,
admite modificações do Art. 18, avisando parte de um Estado cada vez mais con- visto que a declarada efusão de inten-
que se o governo continuar por esse ca- trolado pelos grupos da Democracia Por conta do peso político e pelo fato tos e de projetos com Sergio Marchion-
minho a CGIL vai optar pela greve geral Cristã para manter a Itália dentro da de mexer com a vida de milhões de tra- ne enterraram, de vez, a aparente unida-
em outubro. lógica da dependência imperialista, se- balhadores, o PD nunca se atreveu em de que poderá explodir de forma definiti-
Por isso, Susana Camusso, secretária- ja ela tanto estratégica quanto econô- pôr em discussão o Art. 18. De fato, acei- va quando a situação deficitária e a reces-
-geral da CGIL não teve dúvida em dizer mica e financeira. tar as propostas do empresariado teria são obrigarão o governo a pedir a inter-
que “o futuro mais próximo dos nossos Por outro lado é necessário lembrar significado perder a confiança e o voto venção da Tríade (FMI, Banco Mundial
jovens que esperam poder trabalhar está que foi nesses dois anos que os grupos dos trabalhadores que nos últimos dez e Banco Central Europeu),com as conse-
cada vez mais nebuloso, já que ninguém que monopolizavam os palácios do po- anos começaram a desertar a militân- quências que todo o mundo conhece.
sabe o que, de fato, esse governo quer fa- der abriram as portas aos clãs mafiosos cia, mantendo, apenas, o vínculo eleito- De fato, Mario Draghi, presidente do
zer. A CGIL é contra a revisão do Art. 18 para garantir ao governo um “assenso ral com o PD. Banco Central Europeu, alertou Ren-
porque esse é um ataque gravíssimo con- majoritário no sul da Itália”, enquanto Por isso, a chamada “velha guarda”, li- zi ao lembrá-lo que a dívida pública no-
tra todos os trabalhadores na medida em na capital e nas grandes metrópoles das derada por Massimo D’Alema, Pierlui- vamente extrapolou os níveis, enquan-
que o crescimento econômico se alcança regiões industriais do norte e do centro, gi Bersani, Giuseppe Civiati e pelo jovem to o crescimento econômico permanece
realizando uma ampla reforma econômi- os serviços de inteligências foram au- Stefano Fassina, foi duramente atacada no nível “0”.
ca e infra-estrutural e não intervindo no torizados a materializar um “Plano B”, por Matteo Renzi e consequentemente  
mercado do trabalho com a abolição do com uma série de operações planejadas desqualificada por toda a mídia por ame- Achille Lollo é jornalista italiano, correspon-
Art. 18 para permitir que as empresas de- para quebrar o avanço das esquerdas e, açar não votar no Parlamento a abolição dente do Brasil de Fato na Itália e editor do
sempreguem livremente”. em particular, a afirmação da “autono- do Art. 18. programa TV “Quadrante Informativo”.

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