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REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

E ORGANIZAÇÕES CIVIS
Novas instâncias de mediação
e os desafios da legitimidade

Adrián Gurza Lavalle


Peter P. Houtzager
Graziela Castello

Introdução de facto e de jure um novo papel ativo na repre-


sentação política, e tal papel é diferente ao
Em inúmeros países está se vivenciando desempenhado por partidos e sindicatos, isso cria
uma abertura do poder Executivo à participação dilemas acerca da sua representatividade. Em
de atores societários – organizações civis1 – inves- contraste com tais instituições, a grande maioria
tidos juridicamente como representantes de deter- das organizações não utiliza mecanismos eleito-
minados segmentos e interesses da população no rais para estabelecer sua representatividade, nem
desenho, na implementação e na supervisão de funciona sob a lógica de afiliação.
políticas públicas. De modo semelhante ao que Não existem modelos decantados histórica
aconteceu nas primeiras décadas do século XX, ou teoricamente para pensar como organizações
civis podem construir uma representatividade de
quando as instituições da representação política
índole política por fora de tais mecanismos. Os
foram alargadas juntamente com a própria demo-
atores, porém, não estão aguardando os teóricos.
cracia, mediante a emergência dos partidos de
Uma diversidade de noções de representação, par-
massa, esses processos de reconfiguração da repre-
cialmente construídas, encontra-se hoje no seio
sentação englobando o poder Executivo podem
das organizações civis. Algumas dessas noções
confluir para uma nova ampliação da democracia. apresentam conteúdos compatíveis com o alarga-
Como as organizações civis estão a desempenhar mento da democracia, outras têm conteúdos
essencialmente antidemocráticos.
Artigo recebido em maio/2005 Este artigo visa a iluminar a representação
Aprovado em dezembro/2005 política realizada por organizações civis e algu-

RBCS Vol. 21 nº. 60 fevereiro/2006


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mas de suas possíveis conseqüências para a Segundo, quando introduzidas as justificati-


ampliação da democracia. A análise identifica enti- vas ou argumentos de congruência utilizados
dades paulistanas que assumem compromissos de pelas organizações civis para sustentar sua repre-
representação e foca (i) os fatores que incremen- sentatividade emerge a heterogeneidade das
tam sua propensão a se considerarem representan- modalidades de representação próprias desse uni-
tes das pessoas com ou para as quais desenvolvem verso de atores societários. Entre os argumentos de
suas atividades, bem como (ii) as feições mais rele- congruência conciliáveis com exigências democrá-
vantes das diferentes noções de representação que ticas há evidências do surgimento de uma nova
coexistem no seio dessas entidades. Os resultados noção de representação política no seio das orga-
apresentados são produto de uma pesquisa levada nizações civis. Nela é reconhecida a relevância da
a cabo no município de São Paulo no ano de 2002. representação política exercida por essas organiza-
Ao todo, 229 organizações civis foram entrevista- ções não como canal alternativo e genuíno peran-
das. Os critérios de escolha favoreceram organi- te as instituições tradicionais da representação
zações civis ativas junto a segmentos mal-aqui- política, mas como esforço de intermediação
nhoados da população, o que torna os resultados orientado a conectar segmentos da população
aqui expostos particularmente oportunos para o mal ou sub-representados ao Estado e aos circui-
debate sobre a ampliação da democracia. Cumpre tos da política eleitoral. Conforme será discutido,
esclarecer que São Paulo é considerada um caso tal noção de representação por intermediação
exemplar, capaz de espelhar o horizonte de refor- condensa os efeitos combinados das últimas
ma da democracia. Não há pretensão de genera- décadas de inovação institucional e reforma do
lizar descrições empíricas como se fossem propo- Estado vividas no Brasil, evidenciando que as
sições válidas para outros contextos, antes, o caso próprias dinâmicas de representação no seio das
exemplar sugere tendências e ilumina pontos vul- organizações civis mudaram e assumiram feições
neráveis das discussões contempladas, indicando explicitamente políticas. Porém, há outras noções
a plausibilidade de encetar argumentos como os de representação bastante difundidas que encar-
elaborados neste artigo. nam sérios limites e dissonâncias irreconciliáveis
Há dois corpora de literatura que lidam com com a democracia.
o fenômeno aqui estudado, focando-se ora no sis- Sem dúvida, há bons motivos para introdu-
tema político e na reconfiguração da representa- zir ressalvas perante os potenciais efeitos não
ção, ora na chamada sociedade civil e nas inova- democráticos de uma representação política exer-
ções institucionais participativas. Em ambos os cida por organizações civis. Além da inexistência
casos, embora por motivos diferentes, a represen- ou precariedade de mecanismos obrigatórios de
tação política exercida por organizações civis tem sanção e controle (accountability) entre as organi-
sido negligenciada. Os resultados, oriundos do zações civis e os segmentos sociais por elas repre-
universo das organizações civis de São Paulo, apre- sentados (Przeworski, 2002), há uma definição
sentam uma consistência notável e interpelam de ambivalente das fronteiras entre público e privado
múltiplas formas ambas as literaturas. Primeiro, o nas funções dessas entidades, e, conseqüentemen-
apoio fornecido por organizações civis a candida- te, tem sido apontada sua funcionalidade à lógica
tos políticos é, de longe, a variável com capacida- da privatização e da redistribuição de responsabili-
de de predição mais acurada da propensão dessas dades entre a sociedade, o Estado e o mercado
organizações civis a assumir o caráter de represen- (Houtzager et al., 2002; Cunill, 1997; Dagnino,
tantes dos seus beneficiários. Outros fatores tam- 2002). Há outros reparos pertinentes: a possível
bém apontam para a centralidade das inter-rela- proliferação de reclamos baseados em representa-
ções entre as organizações civis e as instituições tividades substantivas – raça, gênero –, alheios à
políticas. Isso sugere que as dinâmicas de repre- lógica formal e universalista da representação
sentação política no terreno das organizações política moderna;2 o engajamento das organizações
civis ocorrem não de forma paralela ou alternati- civis na pluralização do Estado em inúmeras agên-
va aos canais tradicionais da política, mas em cias e espaços participativos que diluem os contor-
estreita conexão com eles. nos do próprio Estado como interlocutor dos pro-
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testos e da contestação sociais (Chandhoke, 2003); tipologia empírica dos argumentos de congruência
ou ainda, a falta de reconhecimento e expectativas existentes nas organizações civis. Por fim, realiza-
acerca das organizações civis na população como se uma interpretação dos principais achados à luz
um todo (Harriss, 2004). de suas implicações para a compreensão da rela-
Porém, acreditamos ser prudente suspender ção entre organizações civis e política no cenário
o veredicto decorrente dessas e outras ressalvas, pós-constituinte, bem como para o debate con-
pois o arsenal de argumentos disponíveis para a temporâneo sobre a reconfiguração da representa-
crítica pressupõe como padrão de referência a ção e, sobretudo, da reforma da democracia. Este
configuração tradicional da representação política artigo encerra com alguns comentários finais à
ou mandato representativo. As organizações civis guisa de conclusão.
não são nem poderiam ser responsivas ou porta-
doras de mandato nesses termos, e, por conse-
guinte, julgá-las diretamente com esse padrão de Reconfiguração da representação e reforma
referência é operação pouco produtiva no plano da democracia
cognitivo. No limite, a delimitação, os alcances e
as restrições das noções de representação exis- Na América Latina, a democracia sempre foi
tentes nas organizações civis encontram-se hoje pensada e construída em referência a processos
sob disputa política. Suspender as ressalvas esbo- históricos e cristalizações institucionais da Europa
çadas acima permite continuar a reflexão, e torna e dos Estados Unidos. Talvez pela primeira vez na
evidentes desafios analíticos que exigem respos- história, a democracia e seu horizonte de refor-
tas para as quais há ainda poucos subsídios con- mas possíveis passaram a ser pensados, no hemis-
ceituais e empíricos na literatura. Nossa proposta fério norte, a partir de experiências vivenciadas
de abordagem – centrada, no momento inicial, na no hemisfério sul. Trata-se de uma tendência de
autodefinição do compromisso explícito e públi- alcances amplos.3 A esse respeito, o Brasil é um
co de representar os beneficiários, membros ou laboratório de enormes dimensões, do qual pro-
públicos (doravante beneficiários) – objetiva con- vém não apenas o experimento participativo mais
tornar a ausência de modelos para se pensar no conhecido no mundo todo – o Orçamento Parti-
papel das organizações civis na reconfiguração da cipativo –, mas também reformas constitucionais
representação política e na ampliação da demo- que tornaram obrigatória a implementação de
cracia, sugerindo uma alternativa mediante a qual conselhos gestores de políticas nos diferentes
seja viável avançar no terreno do conhecimento níveis da estrutura federativa de governo. As
empírico sem assumir antecipadamente um mudanças nas estruturas do Estado favoráveis à
modelo normativo de representação; modelo que, introdução de controles sociais na gestão pública
de modo iniludível, levaria a julgar a legitimidade têm sido simultaneamente estímulo e produto do
de tais organizações sem trazer maiores rendi- protagonismo das organizações civis, agora inves-
mentos cognitivos. tidas com funções de representação política.
O arco da argumentação descansa em vários Assim, o país tornou-se, na última década, referên-
passos. Na segunda seção, situam-se sucintamente cia imprescindível do debate internacional acerca
as principais literaturas com as quais dialogamos; da reforma da democracia graças a uma onda de
na terceira e quarta seções, equaciona-se uma pro- novas experiências participativas no desenho de
posta de abordagem para avançar na compreen- políticas públicas, enquadradas inicialmente na
são empírica da representação política realizada Constituição de 1988 ou em administrações muni-
por organizações civis, e explicitam-se as informa- cipais sob o comando do Partido dos
ções metodológicas pertinentes. Nas duas seções Trabalhadores (PT).4
seguintes, expõem-se descritivamente os resulta- Embora as organizações civis desempenhem
dos. Mostram-se, por meio de modelos probabilís- aqui e alhures funções de representação política
ticos, os fatores que incidem e aumentam as chan- de facto e de jure – ora intermediando recursos
ces de organizações civis assumirem a representação públicos em nome de diferentes grupos sociais, ora
dos seus beneficiários; também constrói-se uma investidas juridicamente com funções de represen-
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tação nos novos arranjos institucionais participati- do que os atores da sociedade civil emergem em
vos –, a problemática da representação política continuidade ou animados por uma conexão
exercida por tais entidades tem recebido pouca genuína com o tecido social – ou mundo da vida,
atenção das literaturas voltadas para o estudo da como se queira. Essa continuidade pressuposta
reconfiguração da representação política e para a tende a dissipar a formulação de questões como
reforma da democracia.5 em nome de quem e mediante quais mecanismos
A representação política mediante organiza- de controle e responsividade representam as orga-
ções civis e a eventual emergência de noções de nizações civis. Afinal, a separação entre represen-
representação inéditas não são passíveis de com- tante e representado é característica constitutiva da
preensão cabal se submetidas analiticamente à representação política moderna.9 No segundo caso,
lógica das instituições do sistema eleitoral e do em virtude de a participação cidadã cancelar – ao
poder Legislativo. A transformação contemporânea remeter à presença direta de pessoas eventual-
da representação decorre de deslocamentos e rear- mente afetadas ou beneficiadas por decisões públi-
ranjos no funcionamento das instituições tradicio- cas – a própria idéia de representação. Isto a des-
nais do governo representativo, mas encarna tam- peito de as experiências de inovação institucional
bém o alargamento do lócus e das funções da para a participação no desenho e na gestão de
representação política. Porém, a literatura dedica- políticas terem desencadeado intensa participação
da a esquadrinhar a reconfiguração da represen- de organizações civis, animando processos inédi-
tação política oferece interpretações de uma tos de representação política protagonizados por
transformação em curso no nível do sistema par- essas organizações (Houtzager et al., 2003, p. 25;
tidário, em que estaria se redefinindo a relação Gurza Lavalle et al., 2005a; Wampler, 2004).
entre representantes eleitos e cidadãos representa- Paradoxalmente, a literatura que explora a
dos pela perda de centralidade dos partidos polí- reforma da democracia pressupõe implicitamente
ticos6 como organizadores das preferências do tanto a existência de respostas satisfatórias acerca
eleitorado e pela personalização da política impul- da conexão entre os atores da chamada socieda-
sionada graças aos meios de comunicação de de civil e a população em geral, como o fato de
massa.7 Dentro desta perspectiva, a representação essa conexão ser qualitativamente superior às dis-
está integralmente condensada nos processos tantes e cada vez mais rarefeitas relações entre
eleitorais e, por esse motivo, sequer cabe cogitar representantes e representados no cenário da
eventuais funções de representação política exer- representação política tradicional. De fato, são raras
cidas por organizações civis. Acusar a falta de as exceções que têm formulado explicitamente
representatividade das organizações civis, ora pela uma conexão entre os processos de reconfiguração
ausência de mandato identificável e de dispositi- da representação política e as mudanças aconteci-
vos de autorização (voto), ora por sua evasão de das, no inicio do século XXI, no plano dos atores
mecanismos de controle e sanção (accountability societários e da redefinição do seu perfil no trans-
eleitoral), é postura que cancela em vez de se curso da reforma do Estado, levada a cabo nas
adentrar na problemática aqui analisada (cf. últimas décadas do século XX.10
Przeworski, 2002; Chandhoke, 2003). Em suma, ambas as literaturas manifestam
Os estudiosos da reforma da democracia, reações diferentes diante do mesmo dilema. O
por sua vez, têm enfocado inovações institucio- modelo legítimo disponível de representação polí-
nais que visam a acolher diversas formas de par- tica – mandato representativo mediante eleições –
ticipação nos arcabouços institucionais de dese- foi edificado historicamente por atores e para
nho e implementação de políticas públicas, mas desempenhar funções que não coincidem em
sem prestar qualquer atenção à problemática da hipótese alguma com o perfil das organizações
representação.8 A problemática da representação civis. Assim, a ausência de modelos parece levar
política no seio das organizações civis é encober- ao silêncio nos debates voltados para a reforma da
ta pela ênfase na “sociedade civil” e na “partici- democracia, ao passo que na literatura da reconfi-
pação cidadã” como alicerces para a reforma da guração da representação parece conduzir a uma
democracia. No primeiro caso, porque é concebi- conclusão implícita: se as eventuais práticas de
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representação política exercida por organizações do compromisso de representar, e ele se encontra


civis não encaixam nas instituições do governo largamente presente nas organizações civis.
representativo, sequer cabe cogitá-las. O desafio da estratégia indutiva aqui adota-
da reside em trabalhar com a representação pre-
suntivamente assumida pelas organizações civis e
Representação presuntiva identificar as diferentes noções que esses atores
têm da sua representatividade. Na medida em que
Diante da ausência de modelos, optou-se as organizações civis se defrontam cotidianamen-
por uma estratégia indutiva. A estratégia consiste te com tarefas de representação, e, sobretudo,
em deslocar as questões da representatividade do com as dificuldades de assumir essas tarefas des-
plano real para o plano simbólico, centrando a providas de modelos de representação política
atenção no compromisso representativo do repre- para se afirmarem como representantes legítimas,
sentante, na sua identificação com o representado a presunção da representatividade tende a ser for-
e na (auto)percepção acerca da sua representati- mulada e verbalizada na base de argumentos em
vidade. Assim, escolheu-se levar a sério e analisar boa medida estabilizados; argumentos não apenas
com cuidado o discurso dos atores acerca da acei- verossímeis ou razoáveis, mas publicamente
tação ou da recusa do seu caráter de represen- defensáveis.12 Como será visto, a representação
tantes, bem como acerca das justificativas ou dos presuntiva dos atores estudados dista de ser mera
argumentos de congruência por eles invocados manifestação retórica – os resultados a serem exa-
para sustentar publicamente a índole genuína do minados são consistentes o suficiente para dissol-
seu compromisso de representar – representativi- ver quaisquer dúvidas a esse respeito.
dade.11 A estratégia de abordagem assim delineada,
A presunção pública de representar alguém por certo, determina as principais limitações e
não equivale à sua efetiva representação, mesmo alcances dos achados gerados pela pesquisa;
se amparada empiricamente pelo desempenho de notadamente, a incapacidade de explorar qual-
atividades que, em princípio, pressuporiam o quer problema inscrito na órbita da representação
exercício de alguma modalidade de representação efetiva de interesses. Tais restrições, todavia, são
política. Contudo, o comprometimento com os compensadas por ganhos cognitivos consistentes.
interesses representados é um componente vital
da representação, irredutível a dispositivos institu-
cionais. No limite, segundo afirmara Burke (1942 Survey, momentos e técnicas da análise
[1774]), o melhor dispositivo para garantir a auten-
ticidade da representação – sua representatividade A representação presuntiva e os diferentes
– seria a existência de um compromisso represen- argumentos de congruência que a justificam,
tativo genuíno; entrementes, dada a contingência assim como o conjunto de variáveis independen-
desse componente subjetivo, a introdução de tes testadas neste artigo, foram gerados por um
mecanismos institucionais formais tornava-se ini- survey com organizações civis, realizado no muni-
ludível e desejável. Embora a dimensão subjetiva cípio de São Paulo, em 2002, ao longo de seis
da representação tenha sido sistematicamente des- meses de trabalho de campo. Há registros para
valorizada no campo das teorias da democracia, 229 organizações sediadas no município de São
como apontado por Sartori em reconhecimento à Paulo e escolhidas para a conformação da amos-
arguta intuição de Burke quanto à importância tra mediante técnica de snowball.13 Em entrevistas
dessa dimensão, as regras e os desenhos institu- com duração de uma hora, as organizações res-
cionais tornam-se impotentes quando os represen- ponderam questionário desenhado para indagar
tantes não são animados ou comovidos por um informações acerca da sua fundação, missão,
compromisso ou “sentimento de representação” nível de formalização, temas de trabalho, mem-
(Sartori, 1962). De modo mais preciso, se a repre- bros e/ou beneficiários, vínculos com outros ato-
sentação é irredutível a mera representação pre- res societários e com instituições governamentais.
suntiva, a representatividade não pode prescindir Na bateria de questões sobre os membros ou
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beneficiários da entidade, solicitou-se aos entre- Condicionantes da representação presuntiva


vistados, em perguntas abertas, que especificas- (resultados I)
sem o grupo de pessoas para o qual trabalhava a
entidade, e se a entidade se considerava repre- Ao total, 166 (72,8%) organizações civis na
sentante do grupo definido previamente; só amostra definiram-se como representantes dos
depois, e caso a resposta fosse afirmativa, inquiri- seus beneficiários. Aceitas as ressalvas para não
ram-se os motivos pelos quais a entidade afirma- transpor a representação presuntiva para o plano
va representar os interesses dos seus membros ou dos conteúdos efetivamente representados, é
beneficiários. A partir do exame e da codificação possível mostrar que existe uma relação clara
da última pergunta foi possível sedimentar os entre se definir como representante e o exercício
diversos argumentos de congruência, utilizados de práticas de representação política.
como justificativa plausível da presunção de Consideramos quatro tipos de atividades em que
representação. Por sua vez, as respostas afirmati- práticas de representação política soem ocorrer,
vas constituem a autopercepção dos atores entre- por vezes de modo rotinizado: participação em
vistados acerca de seu caráter de representantes novas instâncias de representação dentro do
dos seus beneficiários – representação presuntiva. poder Executivo, especificamente conselhos ges-
A representação presuntiva foi trabalhada tores de políticas públicas e/ou do orçamento
como variável dependente no campo das estatís- participativo; exercício direto de intermediação
ticas inferenciais, especificamente mediante esti- de demandas perante agências específicas do
mativas de probabilidade – relative risk ratios poder público; incidência na política através dos
(RRR) e logistic regressions (LR).14 Estatísticas des- canais tradicionais de caráter eleitoral, aqui aferi-
critivas e índices simples foram utilizados na aná- da como apoio a candidatos políticos; e incidên-
lise dos argumentos de congruência. As RRR per- cia na política recorrendo ao poder Legislativo,
mitem identificar quais fatores incidem na registrada como promoção de reivindicações na
percepção de uma organização civil de modo a Câmara Municipal. Por simples adição, e a partir
aumentar ou diminuir suas chances de se assumir da definição das atividades como variáveis dico-
como representante dos seus beneficiários – tômicas, elaborou-se um índice de eventuais prá-
representação presuntiva.15 As LR elevam os resul- ticas de representação política, empregado para
tados obtidos com as RRR a um patamar analiti- efetuar uma comparação entre as organizações
camente mais refinado, pois permitem entender civis que assumem e aquelas que recusam a
como a representação presuntiva está relacionada representação dos seus beneficiários.
a grupos de variáveis independentes – e não ape- Conforme mostra a Tabela 1, a representa-
nas a uma característica específica. Neste momen- ção presuntiva está claramente associada ao even-
to da análise torna-se possível construir modelos tual exercício de práticas de representação políti-
empíricos de combinação de variáveis e definir, ca. Enquanto 66% das organizações civis que
mediante cálculo de probabilidades, qual deles declararam não representar seus beneficiários rea-
tem maior capacidade como “preditor” da pre- lizam uma ou nenhuma das quatro atividades des-
sença ou não da representação presuntiva no seio critas acima, 77% daquelas que se autodefinem
das organizações civis. Por fim, exploraram-se os como representantes desempenham mais de duas
argumentos de congruência invocados pelas orga- dessas atividades. Porém, apenas 17% do total das
nizações civis como justificativa plausível da sua entidades mantêm relações de afiliação com seus
representação presuntiva.16 Os argumentos foram beneficiários, nas quais, em princípio, existe o
cuidadosamente sistematizados em uma tipologia “direito de saída”. A esmagadora maioria das
empírica, a partir da qual foi possível explorar os organizações sustenta relações mais ambíguas
tipos de organização e de atividades vinculados a quanto ao tipo de representação que eventual-
cada argumento. Aqui apenas serão apresentados mente poderia estar associado a elas: 30% se rela-
os resultados gerais do modelo probabilístico ciona com seus beneficiários em termos de comu-
final (modelo principal – MP) e da tipologia de nidade e 44% de público alvo.17
argumentos de congruência.
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Tabela 1 cos; (ii) possuir título de utilidade pública; e (iii)


Práticas de Representação realizar atividades de mobilização e reivindicação
por Representação Presuntiva (%) perante programas, órgãos ou instâncias do
governo.
SE CONSIDERA ATIVIDADES DE REPRESENTAÇÃO A quarta coluna da Tabela 2 apresenta os
REPRESENTANTE 0 1 2 3 4 Total resultados da regressão logística (LR), os quais
podem ser interpretados como propensões, quer
Sim 9,0 14,5 24,7 41,0 10,8 100
dizer, como a probabilidade de uma variável
Não 37,1 29,0 19,4 14,5 – 100 (dependente) vir associada a outra (independen-
Total 16,7 18,4 23,2 33,8 7,9 100 te), ou como alterações nas chances de um fenô-
meno ocorrer (representação presuntiva) quando
Para todas as organizações civis, aquelas que introduzida à presença de um fator determinado.
se definiram ou não como representantes dos Há incrementos na probabilidade de o fenômeno
seus beneficiários, foram exploradas mais de em questão ocorrer quando o resultado é maior a
noventa variáveis independentes mediante esti- 1; inversamente, cifras menores à unidade indi-
mativas de probabilidade (RRR), abarcando dis- cam que a variável independente considerada
tintas dimensões das práticas, das características e tem efeitos negativos e diminui as chances de
dos vínculos interinstitucionais das organizações ocorrência do fenômeno.18
civis do município de São Paulo: público das enti- Neste caso – e sempre controlando as outras
dades, vínculos com outros atores societários e variáveis do MP –, o fato de uma organização civil
com atores políticos tradicionais, temas trabalha- apoiar candidatos políticos é de longe a variável
dos, envolvimento dos beneficiários nas ativida- com maior capacidade de predição da represen-
des dessas entidades, projeção de demandas aos tação presuntiva, aumentando em mais de dez
diferentes níveis do poder público, participação vezes as chances de uma entidade assumir o
eleitoral mediante apoio a candidatos políticos, papel de representante dos seus beneficiários. Em
capacidade financeira, institucionalização pública segundo lugar, organizações civis que lançam
(jurídica) e inserção nos novos espaços participa- mão de mobilizações para levantar reclamos e rei-
tivos de gestão de políticas públicas – entre outras vindicações perante diferentes instâncias do
dimensões contempladas pela análise. governo apresentam uma propensão cinco vezes
Após inúmeros testes, o resultado final ou maior. Com efeitos sensivelmente menores – mas
Modelo Principal (MP) acabou composto por três consistentes em todos os testes realizados – apa-
variáveis: (i) a entidade apoiar candidatos políti- rece a variável “possuir título de utilidade públi-

Tabela 2
Modelo Principal (MP)

SE AUTODEFINE COMO REPRESENTANTE


VARIÁVEIS FREQ. GERAL
Coeficiente de
% LR
significação

Apoiar candidato político 34 0,97 12,8 **

Possuir registro de utilidade pública 64 0,81 2,86 **

Índice de Reivindicação/Mobilização (alto) 130 0,86 5,53 **

Desempenho do Modelo Sim Não Total


(% predições corretas) 85,00 58,06 77,48
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ca”, que dobra as chances da representação pre- intermediação. Na elaboração da tipologia, a repre-
suntiva. Não há duvidas quanto à significação sentação conjuga três elementos: o representado,
estatística desses dados. Ainda na Tabela 2, na sempre pessoas cuja vontade se consubstancia de
quinta coluna, indica-se a confiabilidade ou signi- maneira em maior ou menor grau direta e concre-
ficância dos resultados da LR para as três variáveis ta (voto, reclamo, petição), ou de maneira neces-
do MP. Conforme a convenções estatísticas, os sariamente indireta e abstrata (nação, tradição,
dois asteriscos denotam resultados altamente con- bem comum); o representante, intermediário e
fiáveis, em um nível de confiança de 5%. Os guardião dos interesses do representado, cujo
resultados receberam tratamento analítico cuida- papel descansa em graus diversos de instituciona-
doso na seção dedicada à interpretação. lização, de autorização e de obrigatoriedade para
com os representados; o lócus, a um só tempo
instância onde a representação é exercida e inter-
Novas e velhas noções de representação locutores perante os quais se exerce – notada-
(resultados II) mente o poder público, mas não só.
Neste caso, em que as figuras da representa-
Justificações são inerentes à lógica da repre- ção política tradicional resultam inadequadas, o
sentação presuntiva. O compromisso de represen- representado tende a coincidir com os beneficiá-
tar, mesmo se concebido sem o alicerce do con- rios, por vezes delimitados em termos bastante
sentimento dos representados, desdobra-se em amplos – “excluídos”, “pobres”, “comunidade”,
movimento que leva a invocar razões como supor- “cidadãos” –; o representante corresponde à orga-
tes da presunção de representação – não fosse nização civil investida de tal status por autodefini-
assim, seria difícil conferir a essa presunção signi- ção; e o lócus, especificado apenas de maneira
ficados capazes de diferenciá-la de um mero implícita na maior parte dos argumentos, via de
arroubo retórico. Trata-se, deve ser frisado, dos regra se concentra no poder público e, com menor
motivos e das razões efetivamente aduzidos pelas freqüência, em outras instâncias e perante outros
organizações civis para lidar com a difícil questão interlocutores societários. Cada argumento consti-
da sua representatividade. A gama de razões pas- tui uma modalidade particular de ordenação das
síveis de mobilização aponta para os critérios relações entre esses elementos, cuja nota distinti-
que, da perspectiva do ator, fundamentam a cor- va reside na ênfase depositada pelo ator no frag-
reção de sua autodefinição como representante. mento e no conteúdo dessas relações que ele
Nesse sentido, e embora no plano simbólico da invoca como prova da autenticidade da represen-
autopercepção, os motivos invocados atualizam a tação por ele assumida – quer dizer, como funda-
questão da representatividade. mento da sua representatividade.
As razões citadas pelas distintas organiza-
ções civis compõem grandes constelações de sen-
tidos, e a tipologia de argumentos de congruência Argumento eleitoral19
condensa-as e sistematiza seus elementos cen-
trais. Assim, a tipologia é resultado da pesquisa, Organizações civis invocam a existência de
prescinde de elementos conceituais normativos e mecanismos de eleição das lideranças ou da dire-
nada diz a respeito da forma em que as organiza- toria como evidência da sua representatividade.
ções civis deveriam construir suas funções de Trata-se, em boa medida, de justificação de facto
representação política. Na próxima seção serão de índole procedimental formal, que evita a ques-
avaliadas as implicações dos argumentos de con- tão da representatividade, pois apenas é salienta-
gruência do ponto de vista da sua compatibilida- da a ocorrência de processos de escolha consa-
de com a democracia, entrementes, nos parágra- grados pela sinonímia entre democracia e
fos seguintes receberão tratamento descritivo. governo representativo.20 Graças à utilização de
As razões aduzidas pelas organizações civis um mecanismo de escolha plenamente consagra-
definem seis argumentos de congruência: eleito- do, torna-se possível para os atores “assegurar” a
ral, afiliação, identidade, serviços, proximidade e legitimidade da representação exercida mediante
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argumento formal-procedimental – a realização mulheres, negros representando negros e assim


de eleições –, evitando especificações a respeito por diante. Também neste caso, o lócus permane-
dos conteúdos. (O Quadro 1 contém exemplos de ce implícito de forma difusa.
respostas englobadas no argumento clássico-eleti- Os três primeiros argumentos são ou familia-
vo, bem como nos outros argumentos.) O lócus res ou constitutivos da história da democracia
implícito como pano de fundo são diversas agên- moderna, e costumam receber tratamento no
cias do poder público. campo das teorias e dos debates da representação;
entretanto, eles aparecem em posição francamente
secundária como argumentos empregados na justi-
Argumento de afiliação21 ficação do caráter genuíno da representação assu-
mida pelas organizações civis da amostra – osci-
Organizações civis que invocam a filiação lando entre 4% e 7% (Quadro 1). Já os argumentos
como evidência da sua representatividade enfati- mais invocados como sustentação da representati-
zam a gênese simultânea do próprio ator e do vidade são em parte estranhos e não necessaria-
conteúdo a ser representado; isto é, trata-se não mente compatíveis com a democracia (serviços,
apenas de entidades criadas especificamente para 23%; proximidade, 27%; intermediação, 31%).
representar aos indivíduos ou atores envolvidos
na sua criação, mas, sobretudo, de organizações
civis que representam interesses adensados e ins- Argumento de serviços23
tituídos apenas mediante o ato de fundação da
respectiva organização. Nesse sentido, representa- A ênfase recai na relação entre a organiza-
do e representante são gerados no mesmo pro- ção civil que assume o papel de representante e
cesso. Aqui também se apela a razões de facto e, seus representados; todavia, em sentido muito
a esse respeito, a semelhança com o argumento diferente daquele relativo ao argumento da proxi-
clássico-eletivo não é fortuita, antes, guarda estrei- midade. Neste caso, a entidade invoca benefícios
ta relação com a cristalização histórica da prática outorgados como alicerce da sua representativi-
de corporificar interesses em sindicatos – utilizado dade; ou seja, sua atuação na melhoria da vida
com largueza no século XX. O lócus é elemento das pessoas, normalmente, mediante o forneci-
imprescindível do argumento, pois a fundação de mento de serviços – desde tratamentos médicos
um ator com propósitos de representação apenas os mais diversos até distribuição de cestas básicas,
adquire sentido pela existência de instâncias e passando por treinamentos profissionalizantes, bol-
interlocutores predefinidos – na maioria dos casos sas, suporte moral e apoios de natureza variada. Se
o poder público, mas não só. na maioria dos argumentos o lócus permanece
difuso, aqui ele é omitido por completo e sequer
aparece levemente insinuado.
Argumento de identidade22

Organizações civis invocam coincidência Argumento de proximidade24


substantiva plena entre representante e represen-
tado como fulcro da representatividade. O repre- Organizações civis enfatizam seu relaciona-
sentante espelha a vontade do representado em mento com os beneficiários, invocando vínculos
virtude de qualidades existenciais, não raro irre- marcados pela cercania e horizontalidade como
nunciáveis – gênero, raça, origem étnica –; quali- demonstração de seu interesse e papel genuínos
dades imbuídas, em tese, de uma definição em na qualidade de representantes. A afirmação de
maior ou menor medida nítida dos interesses a tal proximidade assume manifestações diversas:
serem representados. Em outras palavras, a repre- emancipação, ou o empenho de potencializar a
sentatividade é identitária e supõe, por mediação auto-organização do beneficiário e de fomentar
da identidade, a abolição da distância entre repre- seu protagonismo; empatia, ou o compromisso
sentado e representante – mulheres representando profundo com o beneficiário por afinidade, soli-
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dariedade e identificação real com seus proble- civil estriba sua representatividade não na relação
mas e necessidades; abertura, ou a disposição de com seu beneficiário, mas com o lócus da repre-
acolher e estimular a participação direta e a opi- sentação. Toda representação pressupõe o exercí-
nião do beneficiário na orientação e na organiza- cio de expedientes de intermediação, mas isso
ção do trabalho da entidade. Embora não coinci- não equivale a conferir à intermediação, em si, a
da necessariamente com o poder público, há um posição de fundamento da autenticidade do papel
lócus claramente sugerido no argumento, pois desempenhado pelo representante. Contudo, é
favorecer o protagonismo e a capacidade de rei- essa precisamente a ênfase do argumento, segun-
vindicação e resolução de problemas do benefi- do a qual as funções de intermediação levadas a
ciário reenvia a algum interlocutor pressuposto. cabo pela entidade conseguem abrir portas e fran-
quear o acesso a instâncias de tomadas de decisão
Argumento de intermediação25 no poder público; instâncias que, de outra forma,
permaneceriam inalcançáveis para os beneficiá-
Entre os seis argumentos encontrados, este é rios. Assim, a capacidade de interlocução do ator
excepcional se considerado que a organização com diferentes instâncias do poder público é utili-
Quadro 1
Tipologia de Argumentos de Congruência

FREQÜÊNCIAS COMPONENTES
ARGUMENTOS RELAÇÃO ENFATIZADA EXEMPLOS
Nº. % DOSARGUMENTOS

Vertical: “Porque somos eleitos para


Eleitoral 8 4,2 do representado Processo eletivo responder politicamente por
ao representante essa população”
Interna: “Porque somos parte do mo-
Filiação 13 6,8 do representante Filiação
ao representado vimento por sermos filiados”

Interna: Qualidade “Somos parte integrante, fala-


Identidade 9 4,7 do representado
ao representante substantiva mos porque somos”

Vertical: “Porque tentamos dar alguma


Serviços 45 23,4 do representante Benefícios estrutura às famílias – distribui-
ao representado ção de leite, cestas básicas”
“Porque damos condições
para esse grupo criar uma
consciência política...”;
Horizontal: Emancipação; “Porque trabalhamos em par-
Proximidade 52 27,1 do representante Participação; ceira com essas pessoas...”;
ao representado Compromisso “Porque o objetivo da entida-
de é todo voltado para este
grupo, em prol de seu
desenvolvimento”
“Porque reivindicamos direi-
Vertical: tos das crianças...”;
Intermediação 60 31,1 do representante Reivindicação “Porque temos sido a voz
ao lócus deles junto às autoridades
públicas”
Outros 5 2,6
TOTAL 192 100
REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E ORGANIZAÇÕES CIVIS 53

Tabela 3
Práticas de Representação por Argumentos de Congruência (%)

ATIVIDADES DE REPRESENTAÇÃO
ARGUMENTOS
0 1 2 3 4 Total
Eleitoral 0,0 0,0 12,5 62,5 25,0 100
Filiação 0,0 7,7 30,8 61,5 0,0 100
Identidade 0,0 0,0 44,4 44,4 11,1 100
Serviços 13,3 26,7 20,0 33,3 6,7 100
Proximidade 9,6 7,7 25,0 44,2 13,5 100
Intermediação 5,0 15,0 25,0 41,7 13,3 100
Outras 40,0 20,0 40,0 0,0 0,0 100

zada de maneira legítima – sempre do ponto de mentos desempenha pelo menos três atividades de
vista do argumento do ator – para a reivindicação representação. No outro extremo, apenas os argu-
de direitos, não para a barganha de dádivas ou mentos de intermediação, de proximidade e servi-
favores. Por fim, a relação com o representado, e ços são invocados por organizações civis que não
não com o lócus, é que permanece difusa neste realizam sequer uma das atividades eventualmente
caso. ligadas a práticas de representação política; mais: o
Uma vez exposta a tipologia, o primeiro argumento de congruência baseado no forneci-
dado interessante a ser mencionado diz respeito mento de serviços mostra o pior desempenho,
ao uso de um único argumento por parte das sendo utilizado por atores que majoritariamente
organizações civis que assumiram presuntivamen- (60%) efetuam até duas atividades apenas. Por seu
te a representação dos seus beneficiários: apenas turno, aproximadamente 80% das organizações
1% desses atores lança mão de três argumentos civis que lançam mão dos argumentos de interme-
para justificar sua representatividade, 5% invoca diação e proximidade realizam mais de duas ativi-
dois argumentos, e a esmagadora maioria (94%) dades de representação.
concentra suas razões em um só argumento.26 Em suma, os argumentos familiares à demo-
É pertinente explorar, então, os argumentos cracia mostram relações consistentes com o exer-
em questão à luz das eventuais práticas de repre- cício de práticas de representação, ao passo que o
sentação política levadas a cabo pelas diferentes argumento de serviços é ambíguo a ponto de ser
organizações civis. Conforme já advertido, cabe invocado em 40% das ocasiões por organizações
proceder com cautela quanto à possibilidade de veri- civis que realizam apenas uma ou nenhuma dessas
ficar a conexão entre argumentos e práticas de repre- práticas. Os dois argumentos mais interessantes do
sentação. Volta-se à Tabela 1, mas desta vez para exa- ponto de vista da reconfiguração da representação
minar se existe uma relação entre as quatro práticas e da ampliação da democracia, proximidade e
de representação política e as seis noções de repre- intermediação – conforme será argumentado
sentação. Conforme mostra a Tabela 3, o argumen- adiante –, apresentam alguma ambigüidade, mas
to clássico-eletivo e de filiação, correspondentes coincidem com atividades de representação.
aos expedientes de representação consagrados nas
democracias de massa, são levantados por entida-
des que, de fato, atingem a pontuação mais alta Organizações civis, representação e demo-
pela concentração de atividades eventualmente vin- cracia: interpretação
culadas à representação política; o argumento de
identidade, por sua vez, mantém comportamento Os processos de reforma do Estado e, em
semelhante, embora com cifras menos avultadas. A particular, a onda de inovações institucionais par-
maioria das organizações que invocam esses argu- ticipativas ocorrida pelo mundo afora nos últimos
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anos intensificaram o protagonismo político das públicos, como isenções fiscais, subvenções e
organizações civis. Praticamente três quartos das auxílios com verba pública, convênios para o for-
organizações civis em São Paulo, colhidas na necimento local de serviços públicos descentrali-
amostra do universo associativo mais ativo que zados ou para a participação na administração e
trabalha com ou para as camadas populares, assu- no desenho de políticas públicas, bem como
mem a representação presuntiva dos seus benefi- licenças para a realização de sorteios (Szazi, 2001,
ciários. Mais: o compromisso de representar, pp. 89-110; Landim, 1998a, pp. 79-83).
quando avaliado da perspectiva das diferentes A estreita conexão entre a representação
práticas de representação política ao alcance das presuntiva e as dinâmicas e o arcabouço tradicio-
organizações civis, aparece com respaldo empíri- nal da política suscitam pelo menos duas ordens
co, isto é, a representação presuntiva encontra-se de considerações que interpelam diretamente o
claramente associada ao eventual exercício de prá- debate contemporâneo em torno da reconfigura-
ticas de representação política. A relação inversa é ção da representação política e da reforma da
igualmente consistente: exercício de poucas ou democracia. Primeiro, conforme exposto no início
nenhuma prática de representação coincidem com deste artigo, o debate sobre reforma da democra-
a recusa das organizações civis a se autodefinirem cia e sua ênfase nas potencialidades da chamada
como representantes. sociedade civil, curiosamente, não têm sido acom-
panhados de trabalhos sistemáticos para esquadri-
nhar a problemática da representação subjacente
Conexão entre organizações civis e o circuito da em boa parte dos pressupostos analíticos que ali-
política tradicional cerçam tais potencialidades – a começar pelo pres-
suposto de uma continuidade ou conexão “natu-
O fato de uma organização civil afirmar ser ral” entre sociedade e sociedade civil. A
representante dos seus beneficiários está intima- desatenção a um assunto tão nevrálgico para a
mente vinculado, em São Paulo, às suas relações agenda da reforma da democracia pode obedecer,
com as estruturas tradicionais da política. Com pelo menos em parte, ao fato de se tratar de uma
maior precisão, apoiar candidatos políticos é de questão delicada – a representatividade das orga-
longe o melhor “preditor” da representação pre- nizações civis –, inscrita no terreno histórico e
suntiva, seguido com certa distância por mais dois intelectual das instituições políticas da democra-
atributos, a saber, a posse de títulos de utilidade cia. A proposta de abordagem aqui desenvolvida
pública e a realização de mobilizações e reivindi- mostra não apenas a pertinência de se explorar a
cações perante o poder público. O apoio a can- problemática da representação política no seio das
didatos remete ao engajamento das organizações organizações civis, mas também a plausibilidade
civis no suporte de determinados políticos em de avançar no equacionamento desse desafio sem
campanhas eleitorais nos últimos cinco anos, pos- levar precocemente a uma conclusão peremptória
sivelmente em troca do compromisso de trabalhar sobre a falta de representatividade dessas organi-
em prol de causas do interesse da organização. As zações. Sugere também que o compromisso de
atividades de mobilização e reivindicação perante representar nas organizações estudadas em São
programas, órgãos ou instâncias do governo são Paulo é moldado, fundamentalmente, na interface
eloqüentes por si só e não requerem maiores com as campanhas eleitorais e seus candidatos,
esclarecimentos, visto se tratar da conhecida estra- evidenciando tanto um filão de interações a
tégia de pressão externa sobre instâncias do poder serem esquadrinhadas como os custos analíticos
público responsáveis pela tomada de decisões. Os da distinção rígida, não raro própria desse deba-
títulos de utilidade pública respondem à lógica da te, entre a chamada sociedade civil e as institui-
legislação aplicável às organizações civis em São ções políticas.27
Paulo e implicam, por definição, o propósito da Segundo, se a representação presuntiva for
respectiva organização de preservar uma interface traduzível efetivamente em representação política
com o Estado para viabilizar sua missão e seus por organizações civis, isso parece acontecer não
objetivos mediante a obtenção de benefícios apenas à margem de ou contra, mas, sobretudo,
REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E ORGANIZAÇÕES CIVIS 55

graças e em estreita interação com os circuitos tra- te porque considerada a inexistência de compo-
dicionais da representação política – sistema polí- nentes sine qua non do modelo de representação
tico –, e com as formas comuns do exercício da política consagrado nas democracias – notada-
política dentro das organizações civis – pressões mente as eleições. O fato de a esmagadora maio-
via mobilização. Assim, contra advertências alar- ria das organizações (94%) incorrer a apenas um
madas sobre os riscos de usurpação das institui- argumento de congruência respalda a interpreta-
ções legítimas do modelo cristalizado de repre- ção de que as justificativas invocadas constituem
sentação política, o caso de São Paulo levanta formulações relativamente estabilizadas.28 Análise
evidências favoráveis à idéia da reconfiguração da idêntica para o caso das organizações civis da
representação pela emergência de novas instân- Cidade do México, por exemplo, mostrou que
cias societárias de intermediação que interagem 20% das entidades da amostra utilizam mais de
de forma complementar – embora conflitos não um argumento, e um número superior a 10% uti-
sejam excluídos – com as instituições consagradas lizam três argumentos ou mais (Gurza Lavalle et
do governo representativo. A interação comple- al., 2005c). Em São Paulo, por sua vez, apenas 1%
mentar com os processos eleitorais ocorre por da amostra lança mão de três argumentos.
intermédio dos candidatos, o que sugere impor- Encontraram-se argumentos de importância
tantes correções aos diagnósticos quanto à fatali- marginal no discurso das organizações civis,
dade de uma desconexão progressiva entre os embora claramente sintonizados com uma repre-
atores políticos dos processos eleitorais e suas sentação política de cunho democrático; um argu-
bases ou nichos sociais. mento de importância central, a rigor incompatível
Não há qualquer garantia a priori de as even- com as exigências normativas próprias da demo-
tuais dinâmicas de representação política ativas no cracia; e argumentos igualmente centrais, todavia,
universo das organizações civis serem representa- adequados para se pensar em perspectiva mais
tivas em si pelo simples fato de ocorrerem no promissora o papel das organizações civis na
plano societário. Caso elas se desempenhem efeti- reforma da democracia e na reconfiguração da
vamente como novas instâncias de mediação entre representação política. Nesses últimos argumentos
a população e os processos eleitorais ou, como é possível apreciar um deslocamento histórico
acontece de fato no Brasil, entre a população e a relevante: críticas à representação política e
gestão pública no desenho e na implementação noções de representação genuína, características
de políticas, as organizações civis apenas pode- das organizações civis brasileiras durante o último
riam contribuir para a reforma da democracia se terço do século XX, cederam passo a novas com-
elas próprias forem representativas ou mostrarem preensões que encarnam nitidamente os proces-
capacidade para preservar certa tensão na relação sos de reconfiguração da representação política
entre representantes e representados. Clientelismos pela ampliação do seu lócus e de suas funções
e patrimonialismos de diversas espécies, por exem- para o terreno do desenho, da implementação e
plo, também costumam ter lugar nesse plano. Para da supervisão de políticas públicas. Assim, a maior
avaliar a representatividade das organizações civis novidade encontrada nos argumentos de con-
não há, todavia, modelos práticos sedimentados gruência, potencialmente impregnada de conse-
no terreno das instituições de representação polí- qüências para a reforma da democracia e para a
tica, e tampouco modelos teóricos razoavelmente reconfiguração da representação política, reside
aceitos ou difundidos. na relação entre o argumento de proximidade e o
argumento de intermediação.
Auto-reconhecimento das funções políticas de Os resultados apresentados, por certo, põem
intermediação societária em xeque interpretações que desenvolvem mode-
los únicos de representação no seio das organiza-
Os argumentos de congruência exprimem as ções civis, caracterizados por supostas feições
justificativas invocadas pelas diferentes organiza- comuns, como o funcionamento em rede, a flexi-
ções civis para sustentar publicamente sua quali- bilidade e a adaptabilidade dos seus desenhos
dade de representantes, mesmo se e precisamen- organizacionais ou a presença de dinâmicas deli-
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berativas ou dialógicas (cf. Chalmers et al., 1997). Organizações civis submetidas a mecanismos
O tratamento unitário dispensado com freqüência eleitorais na sua relação com os beneficiários
ao diverso mundo das organizações civis sob a poderiam revitalizar a representação política
rubrica “sociedade civil” oblitera fatos comezi- quando incorporadas como instâncias de media-
nhos: os atores do mundo societário obedecem a ção nos processos de desenho e implementação
lógicas diferentes, não necessariamente compatí- de políticas públicas, ou, simplesmente, na cana-
veis com quaisquer esforços analíticos ou práticos lização de demandas e cobranças através dos cir-
de reforma da democracia. cuitos da política eleitoral.
A análise que se segue abordará os argu- O argumento de filiação também é franca-
mentos de congruência invocados pelas organiza- mente minoritário, e estriba a representatividade
ções civis em termos da sua “novidade” histórica, de quem o invoca na coincidência entre a criação
das suas implicações para a reforma da democra- da correspondente organização civil e o ato de
cia e para a compreensão da reconfiguração da instituir os interesses a serem representados.
representação política, e, quando pertinente, do Como peça-chave das estruturas trabalhistas de
contexto específico que permite interpretar essas representação de interesses nas democracias de
conseqüências. A rigor, nem todos os argumentos massa, ele coexistiu com o modelo dominante da
operam sob a lógica de uma representação pre- representação política no século XX, embora sua
suntiva, pois alguns deles, embora minoritários, estirpe seja mais antiga, remontando à associação
reproduzem no plano societário os dispositivos medieval de direitos a categorias sociais específi-
de autorização e as dinâmicas de legitimação pró- cas, consagradas nas guildas, nas corporações e
prias à representação política das democracias no em circunscrições territoriais submetidas ao poder
século XX. Os argumentos eleitoral, de filiação e régio (Marshall, 1967; Bendix, 1996; Pitkin, 1989).
de identidade correspondem ao primeiro grupo Seja pelas “cotizações”, pela participação na esco-
minoritário, e, de maneiras diferentes, cada um lha da diretoria, seja por outros mecanismos de
deles lança mão de expedientes de representação sanção e controle não raro associados à noção de afi-
essenciais a ou largamente presentes na história liação (stricto sensu), o argumento admite mecanis-
da democracia. mos para fixar e manter a relação entre a organi-
Semelhante ao modelo de representação zação e seus beneficiários; mecanismos, aliás,
política consagrado, o argumento eleitoral encon- conhecidos e largamente utilizados com legitimi-
tra nas eleições seu fulcro. Eleições e representa- dade na última centúria. Organizações civis, cujas
tividade distam de ser sinônimos, como atestado funções de representação respondem à filiação
não apenas pelas inúmeras denúncias da impo- dos seus membros, mesmo se minoritárias, pode-
tência dos partidos para sanar o déficit de represen- riam contribuir ao revigoramento da representa-
tação das democracias contemporâneas (Chalmers ção política quando conectadas com os atores
et al., 1997; Friedman e Hochstetler, 2002; Roberts, políticos tradicionais ou quando inseridas nos
2002), mas também por diagnósticos agudos acerca processo de desenho e supervisão de políticas
das limitações do mecanismo eleitoral e do parla- públicas.
mento como lócus da representação para garantir a O argumento de identidade descansa nos
responsividade e o controle dos representantes efeitos atribuídos a semelhanças existenciais ou
eleitos (Sartori, 1962; Manin et al., 1999b). substantivas. A posição marginal ocupada pelo
Contudo, eleições oferecem mecanismos de san- argumento de identidade pode causar espanto,
ção sobre os representantes (accountability) e ten- particularmente se for considerado que a chama-
dem a estimular a sensibilidade destes perante as da política da diferença tem merecido crescente
demandas e as necessidades dos representados atenção na teoria política pelas suas implicações
(responsividade). A despeito de as eleições no ora adversas, ora favoráveis à cidadania.29 As dinâ-
seio das organizações civis carecerem do escru- micas de representação no seio das organizações
tínio público e da formalização próprios dos civis em São Paulo, e plausivelmente em outras
processos políticos eleitorais, elas seguem a cidade brasileiras, parecem pouco ou nada guia-
mesma fórmula e critérios de legitimidade. das por lógicas identitárias. O argumento de iden-
REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E ORGANIZAÇÕES CIVIS 57

tidade prescinde, em princípio, de mecanismos representante no lócus da representação. Visto


de controle e sanção, pois a semelhança existen- que a justificativa do argumento de serviços resi-
cial encerra tudo o que o representante deve ser de no fornecimento direto de benefícios, nele
para atuar conforme espera o representado. Ainda aparece cancelada a função de intermediação e,
assim, quando o pressuposto da coincidência portanto, o lócus. Além disso, não contempla
entre características existenciais do representante mecanismos de controle ou sanção. A ausência de
e suas escolhas ou atuação é relaxado o bastante, intermediação e de lócus anula a essência da pró-
torna-se plausível atribuir-lhe um olhar ou uma pria representação. À margem dos méritos das
perspectiva (Young, 2002, pp. 121-153) – de organizações civis voltadas à prestação de servi-
gênero ou de raça, por exemplo – que, de forma ços e/ou à beneficência, particularmente em
laxa, isto é, sem pressupor interesses ou opiniões sociedades cindidas pela iniqüidade, como a bra-
predefinidos, corresponde a alguma qualidade ou sileira, no argumento em questão não há elemen-
atributo substantivos considerados indesejavel- tos compatíveis com os princípios normativos
mente sub-representados. Nesse sentido, ainda mínimos da democracia que tornem plausível ou
que com peso ínfimo, as organizações civis ani- sequer desejável a sua projeção para o plano da
madas por lógicas identitárias poderiam contribuir representação política.
na correção de exclusões sistemáticas na repre- Ao argumento de proximidade subjaz uma
sentação política ou no desenho e na gestão de crítica implícita: acusa as distorções causadas por
políticas públicas. arcabouços institucionais de intermediação, inca-
No argumento de serviços lança-se mão, pazes de transmitir com fidelidade a voz e os
como justificativa da representação assumida, dos anseios da população, opondo a eles um compro-
benefícios ou serviços fornecidos pelas respecti- misso genuíno e uma prática dirigida a fazer com
vas organizações civis aos seus beneficiários. De que as pessoas atuem e falem por si próprias ou
certa forma, nele opera uma sinonímia ou identi- sejam representadas nos seus interesses autênticos.
ficação entre a capacidade de distribuir ou pro- De fato, não surpreende a alta recorrência do argu-
duzir benefícios reais e a sinceridade do compro- mento – por sinal, o segundo mais invocado –,
misso de representar para o bem das pessoas. tanto por se tratar de atores societários não estrita-
Obviamente, também neste caso subjaz uma críti- mente políticos, como pela particular origem histó-
ca à representação política pela sua incapacidade rica de parte considerável desses atores no Brasil.
de garantir uma relação efetiva entre a atuação do No argumento é possível perceber efeitos dura-
representante, de um lado, e a solução de proble- douros do extraordinário peso da Igreja na consti-
mas e necessidades ou o cumprimento de expec- tuição simbólica e material de organizações civis,
tativas dos representados, de outro. Daí a efetivi- bem como a intensa participação de militantes de
dade aparecer como peça-chave do argumento. A esquerda refugiados no ativismo civil da proscri-
despeito da crítica implícita, a solução oferecida é ção política imposta pelo regime militar (Sader,
peculiarmente vulnerável se avaliadas suas conse- 1988; Doimo, 1995; Landim, 1998b; Houtzager,
qüências do ponto de vista do papel das organi- 2004). Transparecem, no primeiro caso, a renúncia
zações civis na reforma da democracia e na ao protagonismo, a empatia (compaixão) e o tra-
reconfiguração da representação. Nos argumentos balho silencioso lado a lado com os oprimidos,
examinados, i) o lócus da representação perma- como cânones de uma posição correta de inter-
nece subentendido, mas não é omitido; ii) embo- venção social da Igreja; no segundo, as convicções
ra com níveis diferentes de formalização e com de emancipação e a noção forte de uma identifica-
resultados incertos, existem dispositivos de apro- ção dos verdadeiros interesses das camadas sociais
ximação entre representantes e representados, desfavorecidas; em ambos os casos, a valorização
normalmente acompanhados de mecanismos que da participação e, por conseguinte, das experiên-
permitem algum tipo de sanção e controle; iii) cias de democracia direta. A participação e a pro-
quaisquer que sejam esses mecanismos e sua ximidade física constituem, em princípio, condi-
eventual eficácia, pressupõem que sua ativação ções favoráveis para reforçar a relação entre
pode ter alguma incidência sobre a atuação do representantes e representados, viabilizando algu-
58 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 21 Nº. 60

mas formas de controle ou sanção. Organizações mecanismos de sanção ou controle capazes de


civis próximas de seus beneficiários e abertas à reforçar a relação entre representantes e represen-
participação são, sem dúvida, mais preferíveis para tados – as organizações e seus beneficiários –, e
o revigoramento da representação política do que isso traz à tona os dilemas da representação de
aquelas distantes e herméticas. Porém, indepen- interesses no seio das organizações civis.
dentemente do seu valor, derivado do seu conteú- Em contrapartida, se for lembrado que, no
do de solidariedade, o argumento repõe velhos Brasil da ditadura e do contexto da transição, o
dilemas da democracia direta: se ênfases extremas discurso de parte nada desprezível das organiza-
na participação acabam anulando a própria repre- ções civis era guiado por forte antiestatismo,
sentação, pois cancelam no nascedouro a inter- assim como pela opção pelo trabalho anônimo
mediação (Pitkin, 1967, pp. 209-240; Sartori, 1962), com as bases – elementos presentes no argumen-
à medida que a participação ganha escala na defi- to de proximidade –, o argumento de intermedia-
nição de interesses a serem representados, ela se ção aparece carregado de novidade. Década-e-
torna propriamente representação – como tal, meia após a constituinte, a justificativa da
incompreensível como sucedâneo defeituoso da representação presuntiva mais utilizada pelas
participação. organizações civis de São Paulo valoriza a con-
No argumento de intermediação, a ênfase quista de uma capacidade de intermediação ante o
distintiva vincula o representante e o lócus da Estado. Nesse sentido, não parece descabido asse-
representação mediante o reconhecimento explíci- verar que enquanto o argumento de proximidade
to da importância de mediar interesses perante o permanece fiel à lógica dominante dos atores
Estado para abrir canais passíveis de serem per- societários durante o período da ditadura, o argu-
corridos por reivindicações de direitos que, nor- mento de intermediação espelha tanto a conjun-
malmente, não encontrariam vias de expressão tura de inovação institucional dos últimos anos
nas diversas instâncias de tomadas de decisão do como as dinâmicas de médio prazo de reconfigu-
poder público. A importância conferida à interme- ração da representação. Emerge consubstanciada,
diação ante o Estado é traço digno de nota: o argu- assim, a conexão entre os processos de reconfi-
mento estabelece como ponto de partida a urgên- guração da representação política e as mudanças
cia de paliar uma desigualdade que não é ocorridas na redefinição do perfil das organizações
diretamente de renda, mas de acesso ao Estado; civis no contexto da reforma do Estado imple-
isto supõe, do ponto de vista do ator, tanto assu- mentada nos últimos anos.30
mir um posicionamento privilegiado na desigual
distribuição da capacidade de alcançar o Estado,
como um compromisso de utilizar essa capacida- Comentários finais
de para elevar a voz daqueles que de outra forma
não seriam ouvidos. O argumento coincide em A abordagem adotada neste artigo permitiu
parte com o conceito de advocacy, comum na lite- avançar nos planos analítico e empírico para a
ratura que lida com ONGs e, inclusive, na literatu- compreensão da problemática da representação
ra de representação, bem como nos cruzamentos política no seio das organizações civis. Tanto os
entre ambas (Fox, 2000; Urbinati, 1999; Sorj, fatores que, em São Paulo, alteram a propensão das
2005). A crítica implícita no argumento não visa às organizações civis a firmar seu papel como repre-
instituições tradicionais de representação política sentantes de seus beneficiários, como os argumen-
em si, devido a quaisquer dinâmicas inerentes de tos de congruência por elas invocados, encerram
desvirtuação dos anseios dos representados; no achados relevantes para os debates em curso sobre
entanto, acusa déficits na sua capacidade de ecoar a reforma da democracia e a reconfiguração da
interesses e atender direitos de diversos segmen- representação política, a começar pelo fato de se
tos “politicamente excluídos” da população, esta- tornar patente o quanto tem sido negligenciada a
belecendo como própria a tarefa de conectar esses relação entre representação política e organiza-
segmentos com o Estado e com os circuitos da ções civis nas discussões. No primeiro caso, a des-
política eleitoral. Não há no argumento indícios de peito do foco centrado em atores societários, a
REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E ORGANIZAÇÕES CIVIS 59

ênfase na noção de participação e o pressuposto dificuldades de avaliar tal representatividade no


de uma conexão natural ou de uma continuidade registro de uma representação política pautada
entre sociedade e sociedade civil encobrem a por exigências democráticas. As evidências exa-
ocorrência de fenômenos de representação onde a minadas indicam que não é pertinente equacionar
literatura identifica processos de aprimoramento essa questão ensejando a elaboração estilizada de
da democracia pela incorporação de mecanismos um modelo único de representação para as orga-
de democracia direta. No segundo, reconstruções nizações civis; antes, encontraram-se diversas
ricas e nuançadas da reconfiguração da represen- modalidades de representatividade invocadas
tação política tornam-se rarefeitas quanto à avalia- pelas organizações civis como justificativa razoável
ção das conseqüências dessa reconfiguração para da autenticidade da representação assumida. Sem
a democracia. Se a literatura da reconfiguração da dúvida, um número considerável de organizações
representação política estiver correta, os partidos civis concebe a legitimidade da representação dos
estão perdendo sua centralidade na organização seus beneficiários em termos que assumiriam fei-
das preferências dos eleitores e na construção de ções perversas se projetados para o plano da
identidades representáveis, cedendo lugar à pree- representação política. Entretanto, há diferentes
minência dos candidatos e da sua vinculação inti- argumentos de congruência conciliáveis com exi-
mista com a população, viabilizada pelos meios de gências democráticas. Entre eles destaca-se uma
comunicação de massa. nova noção de representação explicitamente polí-
Porém, as evidências examinadas nestas tica e em clara sintonia com os processos de
páginas permitem afirmar que, em São Paulo, e reconfiguração da representação. Nela parecem
plausivelmente no Brasil, as organizações civis condensados os experimentos de inovação institu-
desempenham um papel ativo – embora não ne- cional participativa e de reforma do Estado vividos
cessariamente positivo – na reconfiguração da no Brasil nos últimos anos, evidenciando que no
representação tanto nos circuitos tradicionais da âmago de ambos os fenômenos as próprias dinâ-
política como nos âmbitos inaugurados pelas ino- micas de representação no seio das organizações
vações institucionais participativas. De um lado, a civis mudaram e adquiriram feições assumida-
irrefreável cisão entre partidos e bases sociais mente políticas. Esse conjunto de organizações
diagnosticada na literatura pode estar sendo con- civis não reivindica qualquer noção de autentici-
trabalançada por estratégias de reconexão, em dade ou representação genuína em face das insti-
que as organizações civis operam com instâncias tuições tradicionais, como aparece com freqüên-
de intermediação entre partidos e diferentes seg- cia nos discursos de atores societários, mas
mentos da população. A interpenetração entre ato- declara seu comprometimento com um trabalho
res societários e atores propriamente políticos não de intermediação orientado a conectar represen-
deveria surpreender, não fosse porque os campos tantes e representados, isto é, segmentos da
disciplinares e as orientações do debate nos últi- população mal ou sub-representados, de um
mos anos traçaram linhas divisoras rígidas entre lado, e Estado e circuitos da política eleitoral, de
eles. Partidos e candidatos investem no campo outro. Trata-se, assim, de argumento que situa as
societário como parte de suas estratégias políticas, organizações civis como uma nova instância de
e organizações civis cultivam orientações e alian- mediação entre representantes e representados.
ças políticas preferenciais para a realização dos Malgrado a crescente participação de atores
seus objetivos. São precisamente organizações societários no desenho e na supervisão de políti-
civis envolvidas nessa reconexão que assumem a cas públicas – participação, no Brasil, com estatu-
representação presuntiva dos seus beneficiários. to jurídico inscrito na Constituição –, e apesar da
A constatação da relação entre organizações autocompreensão de parte nada desprezível das
civis e reconfiguração da representação política organizações estudadas acerca do seu papel não
nada diz a respeito de suas conseqüências positi- como alternativa às instituições tradicionais da
vas ou negativas para a qualidade da democracia. representação política, mas como um novo andar
Isso, é claro, traz à tona a delicada questão da de intermediação institucional societária apto para
representatividade das organizações civis, e as vincular as necessidades e as demandas de deter-
60 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 21 Nº. 60

minados segmentos da população com as instân- smartboard/shop/burke/extracts/chap


cias públicas de tomadas de decisões, inexistem 18.htm.
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URBINATI, Nadia. (1999), “Rhetoric and represen- debate voltado para a reforma da democracia são
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Political Theory Workshop, University of Boavetura (2002a; 1998).
Chicago. 5 Gurza Lavalle et al. (no prelo) desenvolveram uma
análise cuidadosa de ambas as literaturas.
WAMPLER, Brian. (2004), “Delegation, authority,
and co-optation: Brazil’s participatory 6 Para uma análise de diferentes indicadores da
democracy”. Trabalho apresentado no perda de centralidade dos partidos do ponto de
American Political Science Association vista da reconfiguração da representação, ver
Conference, Chicago. Miguel (2003a) e Roberts (2002), além do afamado
trabalho de Manin (1997, pp. 193-234). Entre as
YOUNG, Iris Marion. (2002), Inclusion and demo- diferentes perspectivas que fornecem razões expli-
cracy. Oxford, Oxford University Press. cativas dessa perda de centralidade, focando alter-
ZERMEÑO, Sergio. (1990), “El regreso del nativamente fatores socioestruturais, político-institu-
líder”. Revista del CLACSO, 56, abr., cionais ou de desempenho econômico, ver trabalho
Buenos Aires. de Roberts (1999).

_________. (2003), “La ley de participación ciuda- 7 A relação entre representantes e representados tem
dana del gobierno del Distrito Federal”. sido intensamente estudada nos Estados Unidos,
México (mimeo.). focando a atenção nas eventuais conexões entre as
tomadas de decisões – no Legislativo – dos políti-
cos eleitos e os interesses ou as preferências dos
Notas eleitores. Aqui se faz referência a um conjunto de
trabalhos muito menor e mais recente, suscitado a
1 Introduzimos o termo “organizações civis” para con- partir dos debates sobre a reconfiguração da repre-
tornar o uso da idéia de “sociedade civil”, cuja defi- sentação política: Manin (1997); Przeworski, Stokes
nição costuma ser normativa e estar ancorada em e Manin (1999); Novaro (2000); Miguel (2003a;
pressupostos extremamente controversos. Limitar- 2003b), entre outros.
se-á, no percurso deste artigo, à utilização dessa 8 As agendas de pesquisa voltadas para a reforma da
expressão para se referir a uma perspectiva geral democracia incluem as literaturas centradas no
existente na literatura e nunca aos atores empíricos aprofundamento da democracia (deepening demo-
estudados. Para estes privilegia-se o termo “organi- cracy), nos controles sociais e na transparência das
zações civis”, mais neutro e, sem dúvida, menos instituições políticas (social accountability), no for-
estilizado e normativamente sobrecarregado. talecimento da capacidade de ação e participação
da sociedade na gestão pública (empowered parti-
2 Para uma análise crítica dos autores que sustentam
cipation), na democracia deliberativa e nas contri-
essa postura, ver Young (2002, pp. 81-120).
buições da sociedade civil para o aprimoramento
3 Entre outros casos, ver o Local Government Code da democracia. Para a literatura de deepening
nas Filipinas, a Ley de Participación Popular na democracy, ver os trabalhos de Heller (2001, no
Bolívia e o New Localism na Inglaterra (Gaventa, prelo), Fung (2004), Fung e Wright (2003), Santos
2004); a Ley de Participación Ciudadana na Cidade (2002b); para as abordagens de social accountabi-
do México (Zermeño, 2003; Sánchez-Mejorada e lity, ver Arato (2002), Peruzotti e Smulovitz (2002);
Álvarez, 2002); as Emendas Constitucionais 73 e 74 para o enfoque empowered participation, ver Fung
na Índia – especialmente a conhecida People’s plan- e Wright (2003); para a perspectiva da democracia
ning campaign no estado sulista de Kerala deliberativa, ver Habermas (1993, 1995, 1998),
REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E ORGANIZAÇÕES CIVIS 65

Gutmann (1995) e os trabalhos em Schattan e O termo “virtual” foi resemantizado na onda mais
Nobre (2004); a literatura da sociedade civil é recente de expansão das tecnologias digitais, além
muito maior, e, por vezes, também associada a crí- de, não raro, ser intuitivamente entendido como
ticas radicais da democracia (cf. Keane, 1988), mas algo limitado a efeitos potenciais, mas não reais. O
aqui remete fundamentalmente ao trabalho de termo cunhado por Burke, embora consagrado no
Cohen e Arato (1992), e de acadêmicos vinculados campo das teorias da representação política, corre o
a essa perspectiva na América Latina como Avritzer risco de evocar os sentidos mais intuitivos do vocá-
(1994), Olvera (2003), Panfichi (2003). Ainda den- bulo “virtual”, e, por isso, será aqui evitado.
tro da literatura da sociedade civil, mas em pers-
13 Há boas razões para optar pela técnica “bola-de-
pectiva habermasiana, também os trabalhos dos neve” em vez de se utilizar recursos mais comuns na
anos de 1990 de Costa (2002). De alguma forma, literatura da sociedade civil, como listas ou estudos
também o trabalho mais recente de Avritzer (2003), de caso (cf. Houtzager et al., 2003). Sem dúvida, há
centrado na idéia de públicos participativos. viesses inerentes às amostras produzidas mediante
9 Balanços críticos da literatura da sociedade civil foram tal procedimento de caráter não aleatório, mas, dife-
desenvolvidos por Gurza Lavalle (2003a, 1999). Para rentemente daquilo que ocorre com as listas, eles
uma crítica empírica dos custos cognitivos de ambas podem ser controlados e inclusive desenhados para
as ênfases – na participação e na sociedade civil – servir aos propósitos da pesquisa. Um dos projetos
para a questão da representação, ver Houtzager et al. recentes de estudos de caso mais ambiciosos foi
(2004) e Gurza Lavalle et al. (2005a); também ver financiado pela Fundação Ford: “Civil Society and
Governance Project”. Seus resultados para América
Pinto (2004) para uma crítica semelhante centrada na
Latina podem ser consultados nos trabalhos organi-
democracia associativa e na participação.
zados por Dagnino (2002), Olvera (2003) e Panfichi
10 Ver os trabalhos publicados em Chalmers et al. (2003). Para o uso de listas na América Latina, ver
(1997), particularmente os capítulos do próprio Fernandez (2002); Landim (1996).
Chalmers com Martin e Piester. Ver também os tra-
14 A utilização de modelos probabilísticos não reme-
balhos de Roberts (2002), Friedman e Hochstetler
te a distribuições de probabilidades de um univer-
(2002) e Houtzager et al. (2002).
so (inacessível no caso das organizações civis)
11 O modelo de Congruência constitui a abordagem representado na amostra. A técnica de amostragem
mais influente nas análises empíricas sobre repre- “bola-de-neve”, se corretamente controlada, cria
sentação política realizadas na segunda metade do conjuntos autodelimitados com capacidade de ilu-
século XX – particularmente no campo da ciência minar características de populações ocultas ou de
política (Campilongo, 1988). Como indicado no pró- difícil acesso (Atkinson e Flint, 2003). Neste caso, a
prio nome, o modelo postula que a avaliação da composição da amostra foi regida por critérios de
representação pode ser equacionada em termos de saturação e desenhada de modo a favorecer orga-
maior ou menor congruência – representatividade – nizações civis ativas junto a camadas pobres da
população. Exposição pormenorizada do desenho da
entre o comportamento dos representantes eleitos e
amostra, inclusive dos critérios de administração do
as preferências de seus eleitores, sendo que o com-
fluxo das entrevistas, pode ser consultada Houtzager
portamento dos primeiros se torna aferível mediante
et al. (2003) – também disponível para download em
a produção de políticas públicas legislativas, enquan-
http://www.ids.ac.uk/gdr/cfs/research/
to as preferências dos segundos aparecem conden-
Collective%20Actors-pubs.html.
sadas nos resultados eleitorais ou em estudos de opi-
nião. Malgrado as críticas dirigidas ao modelo ao 15 Para resultados instigantes do uso de RRR na aná-
longo dos anos, o espírito da noção de congruência lise historiográfica dos condicionantes do boom
parece incontestável sem colocar em cheque os fun- associativo posterior à guerra civil norte-americana,
damentos da própria representação política. ver Crowley e Skockpol (2001).

12 Em suma, de certa forma analisa-se aquilo que 16 A forma idônea de proceder neste momento seria
Edmund Burke (1792), nas suas dissertações episto- a utilização de multinomial logistic regressions,
lares clássicas, denominara de representação virtual. mas o número de casos da amostra, quando divi-
66 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 21 Nº. 60

dida nos diversos tipos de argumento, tornou essa pp. 112-143) como uma noção de acting for clara-
opção inviável. mente substantiva.

17 Para perfazer 100% é preciso acrescer as entidades 24 Este argumento está mais próximo das críticas con-
que trabalham com “outras organizações” (6%) e a tra a representação da linhagem socialista do que
categoria residual “outras” (3%). das noções não-eleitorais de representação, como
as analisadas anteriormente.
18 Como mostrado na Tabela 3, o desempenho do
modelo quanto ao total de predições corretas nos 25 Trata-se de um argumento bastante inovador. De
valores observados na amostra é de 77%, sendo um lado, como o argumento eleitoral, corresponde
que sua performance alcança um patamar mais claramente à família das concepções da represen-
satisfatório na determinação dos fatores com efeitos tação como acting for (Pitkin, 1967, pp. 112-143),
positivos na representação presuntiva – 85%, contra mas, diferentemente dele, por outro lado, carece
58% no caso das variáveis que incidem negativa- de mecanismos de autorização e sanção. De certo
mente. A performance do modelo é a relação entre modo, este argumento coincide parcialmente com
as predições realizadas pelo modelo e os casos a idéia de representação por advocacy.
classificados corretamente nos valores observados.
26 Os dados diferem ligeiramente daqueles apresen-
19 Por motivos óbvios, esse argumento cai em terre- tados em Gurza Lavalle et al. (2005b), pois os argu-
no bem esquadrinhado na literatura especializada mentos sofreram ajustes mínimos para torná-los
sob rubricas como governo representativo, manda- compatíveis com estudo idêntico para as organiza-
to representativo, accountability eleitoral, conceito ções civis da Cidade do México. A questão será
de representação acting for, modelo de congruên- retomada adiante.
cia ou representação política moderna.
27 Ver nota 9.
20 Argumentos procedimentais não são necessaria-
mente formais, conforme atestado pelos modelos 28 No mesmo sentido, embora aqui não explorada, há
de democracia deliberativa (Habermas, 1998, pp. uma clara coincidência entre determinados tipos
363-403; Gutmann, 1995). Justificativas formais dis- de argumento e tipos de organizações civis. A ela-
solvem a questão da representatividade na existên- boração de uma identidade pública e a aceitação
cia de mecanismos formais de autorização e con- de determinados perfis organizacionais comparti-
trole (Pitkin, 1967, pp. 14-59), mas sabe-se que a lhados nem sempre são fáceis para as organizações
mera existência de tais mecanismos não assegura civis, e, por vezes, seguem caminhos tortuosos
de per se a representatividade da representação como atestado pela história das ONGs no Brasil
(Manin et al., 1999a; Sartori, 1962). (Landim, 1998b), ou pelos conflitos e queixas
constantes dos conselheiros – assim chamados – da
21 O argumento de filiação também corresponde a
sociedade civil quanto ao seu próprio caráter de
um conjunto de fenômenos de representação abor-
representantes (Tatagiba, 2002).
dados na literatura, embora nem sempre sejam
associados positivamente à democracia: represen- 29 Balanços e críticas desse debate podem ser con-
tação funcional ou corporativa, ou inclusive a idéia sultados em Kymlicka e Norman (1997) e Gurza
de membership nas propostas de democracia asso- Lavalle (2003b).
ciativa, exemplificam essas abordagens.
30 Dobrowolsky e Jenson (2002) analisaram uma
22 O argumento de identidade também encontra eco conexão semelhante, embora com signo negativo,
na literatura sob formulações diversas: conceito de no caso da representação política exercida por
representação standing for, representação de mino- organizações de gênero no Canadá. Essa conexão
rias, representação espelho ou descritiva, identitária também é motivo de análise nos trabalhos publica-
e inclusive na lógica das posturas que defenderam dos em Chalmers et al. (1997) e Houtzager (2003).
historicamente a representação proporcional como
critério de composição do parlamento.
23 Este argumento poderia ser classificado nas con-
cepções parciais de representação de Pitkin (1967,
RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS 179

REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E POLITICAL REPRESENTATION REPRÉSENTATION POLI-


ORGANIZAÇÕES CIVIS: NOVAS AND CIVIL ORGANIZATIONS: TIQUE ET ORGANISATIONS
INSTÂNCIAS DE MEDIAÇÃO E NEW INSTANCES OF LIAISING CIVILES: LES NOUVELLES INS-
OS DESAFIOS DA LEGITIMI- AND THE CHALLENGES OF TANCES DE MÉDIATION ET
DADE LEGITIMACY LES DÉFIS DE LÉGITIMITÉ

Adrián Gurza Lavalle Adrián Gurza Lavalle Adrián Gurza Lavalle


Graziela Castello Graziela Castello Graziela Castello
Peter P. Houtzager Peter P. Houtzager Peter P. Houtzager

Palavras-chave: Representação Keywords: Political representa- Mots-clés: Représentation poli-


política; Sociedade civil; Conse- tion; Civil society; Policy councils; tique; Société civile; Conseils de
lhos gestores de políticas; Partici- Participation; Deepening demo- gestion; Participation; Réforme de
pação; Reforma da democracia. cracy. démocratie.

Este artigo visa a iluminar a emer- This article examines the new Cet article a pour but d’expli-
gência de formas de representa- forms of political representation quer l’émergence des formes de
ção política realizada por organi- civil organizations have been représentation politique, mises
zações civis e algumas de suas constructing in their relation en place par les organisations
possíveis conseqüências para a with the State, as well as some of civiles, et certaines de leurs pos-
ampliação da democracia. Não the possible consequences for sibles conséquences pour l’élar-
existem modelos decantados his- the quality of democracy. There gissement de la démocratie. Il
tórica ou teoricamente para pen- are no historical or theoretical n’existe pas, du point de vue
sar como organizações civis established models of represen- historique ou théorique, de
podem construir uma representa- tation which would enable one modèle suffisamment décanté
tividade de índole política e por to explore how civil organiza- pour penser de quelle façon les
isso a questão tem recebido tions, in the absence of the organisations civiles peuvent
pouca atenção a despeito da sua mechanisms of elections or for- construire une représentativité
crescente importância. Resultados mal membership, could con- politique. C’est pourquoi cette
de pesquisa ampla realizada em struct their political representa- question reçoit peu d’attention,
São Paulo mostram que as dinâ- tiveness. That is precisely why malgré son importance croissan-
micas de representação no terre- political representation by civil te. Les résultats d’une recherche
no das organizações civis ocorrem organizations has received little menée à São Paulo démontrent
em estreita conexão com os attention despite its growing que les dynamiques de repré-
canais tradicionais da representa- importance. Extensive fieldwork sentation, en ce qui concerne les
ção política. Mais: ao lado de in São Paulo has revealed that organisations civiles, ont lieu en
noções de representação que political representation by civil étroite connexion avec les voies
encarnam dissonâncias irreconci- organizations is closely connect- traditionnelles de représentation
liáveis com a democracia, há evi- ed to the dynamics of institu- proprement politique et compa-
dências do surgimento de uma tions of representative democra- tible avec la démocratie au sein
nova noção de representação pro- cy. Furthermore, it reveals that, des organisations civiles.
priamente política e compatível alongside notions of representa-
com a democracia no seio das tion that are clearly irreconcil-
organizações civis. able with democratic norms, a
new notion of representation
has emerged among civil organ-
izations, which is specifically
political and compatible to
democracy.

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