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Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

Meu Amor
Rebelde
Rosemary Hammond
Digitalização: Rita Cunha
Revisão: Cynthia M.
Resumo:

Seria um delírio sentir a doçura dos lábios dele nos seus. . .

O homem ferido que invadiu a clínica representava um risco muito grande para a

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doutora Jéssica. E não apenas porque devia ser um espião, um inimigo do grupo armado
que cercava a aldeia. O verdadeiro perigo estava no fascínio que exercia sobre ela, com
aquele corpo másculo exalando charme, aqueles cabelos negros e rebeldes como seu
dono. Temerosa de cair nos braços atraentes do estranho, Jéssica resolveu curá-lo o
mais depressa possível e afastá-lo de sua vida antes que fosse tarde demais...

CAPÍTULO I

Naquele fim de tarde Jéssica Carpenter sentia os nervos à flor da pele. Tinha a
impressão de que a guerrilha que ocorria na mata próxima estava prestes a atingir a
aldeia. Vivia há um ano em San Cristobal e o rumor do tiroteio já lhe era familiar, quase
não sendo ouvido dentro de seu consultório. Mas nesse dia tornava-se insuportável.
Embora lhe fosse penoso desistir tão cedo de um projeto, começava a achar boa a
idéia de voltar para sua terra.
Ao se diplomar, após o período de residência num hospital da Virgínia, Jéssica decidira
ir para aquele país pequeno e pobre na América Central, porque nutria grande desejo de
ajudar o povo do lugar. Cheia de ideais, almejava acima de tudo colocar seus
conhecimentos profissionais a serviço de populações carentes c verdadeiramente
necessitadas do seu trabalho. Acreditava que seria mais gratificante do que montar um
bem-sucedido consultório em Washington.
Suspirando, Jéssica abriu a pesada porta de madeira da clínica saiu na pequena
varanda cimentada. O eco do tiroteio ressoou mais alto ainda. Todos os habitantes da
cidadezinha deviam estar trancados em suas casas, a maior parte constituída por
casebres e choupanas muito pobres.
Ao pôr-do-sol, o povo costumava reunir-se na praça. As mulheres ficavam a tagarelar
sentadas nos bancos, os homens bebiam na frente da taverna as crianças brincavam na
rua sem asfalto. Mas naquele dia, como durante toda a semana, a praça estava deserta,
parecendo abandonada.
Jéssica deu um suspiro de tristeza e entrou em casa. Em poucos minutos o sol se poria
e a noite desceria sobre a vila. Fora necessário muito tempo para que ela se acostumasse
à escuridão do lugar. Na cidadezinha protegida pelas montanhas não havia luz nas ruas,
nem neons brilhantes, nem casas ou lojas muito iluminadas. A eletricidade provinha do
gerador de uma plantação de café próxima, onde trabalhava a maioria dos homens que ali
viviam.
Depois de fechar a porta com firmeza, Jéssica dirigiu-se para a enfermaria, no andar de
baixo da casa. Apesar de a batalha estar se realizando ainda longe do vilarejo, já tivera
que socorrer vários soldados feridos, trazidos por alguma mãe aflita ou pelo padre local.
Entretanto, nem mesmo Marshall Bennett, seu amigo na embaixada americana,
acreditava que houvesse ameaça real para ela. Pelo menos por enquanto, pensava
Jéssica, ao mesmo tempo que esterilizava os instrumentos cirúrgicos.
Desde que chegara a San Cristobal, as guerrilhas aconteciam nas montanhas, mas
isso nunca a afetara. Era totalmente apolítica. Na verdade, nem mesmo sabia o porquê
daquela luta. Parecia-lhe, às vezes, que a guerra assemelhava-se mais a um perigoso
passatempo nacional do que a uma batalha em que estivesse em jogo a vida das
pessoas.
Mas a realidade lhe mostrava uma questão de vida ou morte, e isso se tornava mais
claro a cada dia. Uma prova era o crescente número de vítimas que a procuravam. Nem
sabia mais quantos curativos já tivera que fazer em oficiais de ambos os lados, por ser a
única médica da região. Alguns desses feridos eram quase adolescentes, ainda imberbes.
A situação se agravava e ela começava a sentir-se insegura, permanecendo ali.
Após limpar a enfermaria, Jéssica foi para o escritório, no outro lado do corredor,

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decidida a pôr em dia as fichas de alguns clientes.


Trabalhou por umas duas horas fazendo anotações, recordando-se de todos os
pacientes como se estivessem em sua presença. Nutria verdadeira paixão pela medicina,
e cuidar das pessoas, ajudando-as a viver melhor, era-lhe muito importante. Pensou com
carinho na jovem Sra. Morales, de olhos castanhos, úmidos e confiantes, assustada com
a proximidade do nascimento de seu primeiro filho. Depois lembrou do pequeno Pablo
Silva, arrastando o gesso da perna nas últimas seis semanas, e do velho Manoel, que
sofrerá um talho profundo na mão. Todos confiavam nela e constituíam o grande motivo
de estar ainda naquele lugar. Não queria abandoná-los. Pelo menos enquanto lhe
restasse alguma alternativa. Já era noite fechada. Sentindo fome, Jéssica acendeu a luz
da escada e subiu para seus aposentos particulares, no andar superior. Esperava que
não houvesse nenhuma emergência, pois pretendia comer alguma coisa e depois
descansar.
Dormiu um sono tão profundo, que nem o barulho noturno da guerrilha conseguiu
acordá-la. Ao levantar-se, na manhã seguinte, chegou à porta e relanceou o olhar pela
praça ensolarada. Não havia quase ninguém na rua. Era estranho! A aldeia costumava
despertar muito cedo. Alarmada, percebeu como os tiros soavam ainda mais perto, Era
muito difícil avaliar as distâncias naquela região do país apenas pelo som, pois ele ecoava
pelas escarpas das montanhas ao redor da vila e se espalhava, dando a ilusão de uma
proximidade maior do que a real. Mas, naquela manhã, o ruído do tiroteio encobria os
outros sons locais.
Foi então que notou, na extremidade da praça, em frente à taverna, um pequeno
agrupamento de soldados uniformizados. Nesse instante um oficial destacou-se do
aglomerado, caminhando na direção de sua casa.
Baixo e muito moreno, ele era um típico nativo de San Cristobal. Usava um vasto
bigode negro e vestia um uniforme imundo.
Ao vê-lo aproximar-se, instintivamente Jéssica recuou um passo, amedrontada, lutando
contra o desejo de entrar em casa e trancar as portas.
— Você é a médica? — perguntou o homem, num sotaque desconhecido.
— Sim. Sou a Dra. Carpenter.
Eu sou o capitão Varga. Estou com muitos feridos. São homens valentes lutando nessa
gloriosa revolução! — E inflou o peito com orgulho, apontando para o grupo de soldados,
que se tornava mais numeroso à medida que ele falava.
— Não me importo com essa revolução! Apenas atendo os doentes e trato de seus
ferimentos. E isso é tudo — Jéssica afirmou com secura, tentando ocultar o medo. Sabia
que seria um erro deixai transparecei seu temor.
O capitão Varga não comentou nada. Limitou-se a ordenar-lhe que atendesse os
feridos com voz rude e autoritária, sem deixar margem a nenhum protesto.
Por todo aquele dia Jéssica fez curativos nos soldados. Ao anoitecer sentia-se
absolutamente exausta e preocupada. O estoque de medicamentos estava no fim e, se
continuasse naquele ritmo, logo acabaria. Como se não bastasse todo o aborrecimento,
os seus pacientes regulares se recusavam a entrar no consultório, preferindo permanecer
ostensivamente a distância, observando os guerrilheiros que perambulavam pela casa.
Apesar de o capitão Varga garantir que assim que os homens estivessem em
condições seguiriam seu destino, Jéssica já estava se resignando a receber nova leva de
pacientes, após a partida deles, dessa vez pertencentes ao outro lado. Só lhe restava
esperar que não houvesse luta armada dentro da vila.
Nos dois dias seguintes, após ser obrigada a trabalhar quase sem descanso, Jéssica
estava exausta, esperando com ansiedade que os soldados partissem o mais depressa
possível.
No terceiro dia daquela loucura, Marshall Bennetí, seu amigo da embaixada, chegou da
capital, que ficava a duas horas de distância, além das estradas tortuosas de terra das

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montanhas. Jéssica estava à janela da sala de visitas, aproveitando uma pausa no


trabalho, quando avistou seu jipe. Ficou tão feliz que deu um gritinho involuntário e correu
para recebê-lo.
Chegando à varanda, porém, viu que um grupo de soldados sob o comando de Varga
cercava o carro e apontava os rifles para a cabeça de Marshall. .
— Meu nome é Marshall Bennett, representante da embaixada americana na capital.
Sou um diplomata, e não um espião.
O capitão Varga olhava com impaciência para o chão enquanto o rapaz se explicava.
Depois, mantendo-o sob a mira de sua arma, forçou-o a descer com as mãos para o alto,
designando um dos soldados para revistá-lo.
Indignada, Jéssica quis protestar contra aquela grosseria, mas seu olhar encontrou o
do amigo. Ele fez-lhe um sinal para que não interferisse. Seria uma temeridade dizer
qualquer coisa naquela circunstância. Só agravaria a situação. Permaneceu então
parada, observando, enquanto Varga conferia os documentos na maleta de Marshall.
Terminada a revista, com um resmungo, e emitindo uma ríspida ordem em espanhol, o
capitão fez baixarem as armas. Todos os olhares seguiram o americano alto e loiro que
se dirigiu rapidamente até Jéssica, murmurando:
— Vamos entrar. Depressa!
Quando a porta foi fechada, Marshall segurou-a pelo braço, olhando-a com gravidade.
Era perceptível a sua preocupação pela integridade física da moça.
— Jéssica, você deve partir com urgência!
— Marshall, eles não vão me deixar ir agora! Precisam de mim aqui.
— É. Talvez você esteja certa — declarou ele, após refletir por um instante. — Mas,
assim que eles partirem, você também irá embora. Chegou a hora de deixar o país. O
conflito ficou muito pior do que imaginávamos a princípio. Está totalmente fora de
controle.
— O que você está querendo dizer? — perguntou ela, alarmada.
— Escute, Jéssica: esta é uma guerra civil e ambos os lados julgam que os americanos
são espiões. Alguns já foram perseguidos. Um repórter e ura padre estão desaparecidos.
A tensão está insuportável. O governo está por um triz e, se cair, vai ser o caos.
— Você está pensando em partir, Marshall?
— Não, a embaixada ainda é um local seguro. Mas eu quero que você saia. O
embaixador já deu ordens de evacuar todos os americanos. — A voz de Marshall refletia
o cansaço e a tensão que estava vivendo nos últimos tempos.
— Está bem. Eu não sou nenhuma heroína. É claro que partirei tão logo puder —-
concordou Jéssica.
— Ótimo. Creio que por enquanto não há perigo imediato e você estará bem aqui. Mas
voltarei, ou mandarei alguém buscá-la em uma semana, mais ou menos. Esteja pronta
para partir assim que eu chegar.
Naquela mesma noite a Sra. Morales deu à luz o seu bebê. Ao voltar para casa, após o
parto bem-sucedido, Jéssica sentia-se feliz. Estava tão satisfeita, apesar do cansaço e
das preocupações dos últimos tempos, que por um momento julgou injustificados seus
temores.
Cantarolando, foi para o escritório preparar a ficha do seu mais novo paciente. Mal
começara as anotações quando alguns tiros soaram muito alto e próximos, trazendo-a
para a realidade cruel da guerra e pondo fim a seu estado de euforia.
Assustada, largou a canela e levantou-se num salto, com o coração aos pulos. Ficou
esperando, mas, apesar de aguçar os ouvidos, não conseguiu ouvir mais nada. Deveria
ter sido um engano, um produto de sua imaginação intensificada pela tensão dos últimos
tempos.
Talvez o melhor mesmo fosse voltar para sua terra, por mais que a perspectiva a
entristecesse. Sentia-se muito ligada ao povo de San Cristobal, mas sabia que era

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chegada a hora de partir. Marshall não era alarmista e não insistiria se não houvesse
perigo real.
"Fiz o que pude", pensou Jéssica, apoiando pesadamente a cabeça nos braços
cruzados sobre a escrivaninha. Fechou os olhos, apreciando a súbita calmaria que se
seguiu aos tiros e estava quase adormecendo ali mesmo, quando percebeu um ruído
perto da casa.
Alarmada, apagou a luminária da escrivaninha e aproximou-se com cuidado da janela.
Ouviu novamente o rumor, um pouco mais alto agora. Abriu uma fresta na cortina para ver
se enxergava alguma coisa, mas, como não havia luar, a escuridão dificultava seu
propósito. Franzindo o sobrecenho, conseguiu entrever, entre os pés de romã, um vulto
disforme. Parecia um homem.
Em pânico, ela não sabia o que fazer. A praça não apresentava sinal de vida. Apenas
do outro lado, perto da taverna, uma sentinela solitária vigiava, andando de lá para cá em
frente à vacilante fogueira do acampamento dos soldados.
— Quem está aí? — perguntou num sussurro.
Ouviu, quase num murmúrio, uma voz de homem lhe pedir:
— Deixe-me entrar. Estou ferido.
O sotaque era de um americano. Seria Marshall?... Teria ele caído em alguma
emboscada e retomado à vila? Fosse quem fosse, obviamente precisava de ajuda.
Colocando a prudência de lado, Jéssica abriu a vidraça, e pôs a cabeça para fora:
— Será que você consegue chegar até a varanda? Está muito escuro e os guardas não
o verão.
O vulto meio encurvado arrastou-se silencioso em direção à entrada. Jéssica correu
para o hall, destrancando a porta sem fazer barulho. Abriu-a e o homem quase
despencou pelo umbral, caindo em seus braços.
Imediatamente ela percebeu que era um desconhecido, bem mais alto do que Marshall,
e de cabelos pretos. Tinha a manga da camisa rasgada e coberta de sangue e segurava o
braço ferido com a mão direita.
Antes de entrar, Jéssica relanceou o olhar pelo acampamento de Varga. Tudo parecia
tranqüilo. A sentinela encostara-se contra a parede da taverna e fumava um cigarro. Não
havia qualquer sinal de atividade entre os homens.
Colocando o braço em volta da cintura do estranho, conseguiu levá-lo para a
enfermaria. Refletindo melhor, porém, resolveu colocá-lo no quarto extra do andar
superior. O capitão Varga estaria por ali durante todo o dia seguinte e talvez até mesmo
no meio da noite, e era óbvio que aquele homem não podia ser visto de jeito nenhum.
— Será que você consegue subir as escadas? — perguntou baixinho.
O homem se inclinava pesadamente sobre ela, cambaleando sobre as pernas, com o
rosto contraído pela dor e o olhar turvo e injetado de sangue.
— Posso tentar — disse ele, e sua voz soou muito fraca. Começaram a subir os
degraus, um após o outro, em lenta agonia. A cada passo o homem parecia ficar mais
fraco, mais pesado, agarrando-se a ela, que já se sentia sem forças. A respiração dele,
difícil e entrecortada, levava-a a temer que os ferimentos fossem mais profundos do que
pareciam à primeira vista.
Antes de acender a luz do quarto, Jéssica deixou-o de pé, apoiado contra a parede, e
certificou-se de que as cortinas estavam bem fechadas. Retirou o pesado cobertor da
cama e colocou-o na janela, de modo a não deixar nenhuma fresta por onde pudesse
passar claridade.
Acendeu ó abajur na cabeceira da cama e voltou-se para observar o desconhecido.
Ele se sentara numa cadeira encostando a cabeça contra o estuque. Ainda apoiava o
braço ferido. Os olhos estavam fechados, e a cor parecia estar voltando ao rosto
queimado de sol.
— Você estará bem em um minuto. Voltarei já. Vou apenas pegar algumas coisas na

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enfermaria.
Os olhos dele vagaram pelo quarto até conseguirem focalizá-la.
— Você é médica?
— Sim. Fique calmo e em silêncio. Não podemos fazer barulho. Há soldados por toda
parte.
Fazendo um sinal de concordância com a cabeça, ele fechou os olhos novamente,
como se fosse muito difícil mantê-los abertos.
Jéssica foi até a enfermaria, pegou lençóis limpos e a maleta de instrumentos e
antibióticos. Ao subir, estendeu o lençol na cama.
— Venha. Eu o ajudarei.
Notando que ele estava completamente extenuado, começou a desabotoar-lhe a
camisa rasgada. O homem tinha um corpo bem proporcionado, de ombros largos,
músculos fortes e atléticos. Estava molhado de suor devido à febre, ao esforço físico e à
infecção causada pelo ferimento.
Ela tirou-lhe as botas pesadas de barro, ajudando-o, por fim, a deitar-se. Como o braço
ferido não estivesse mais sangrando, mas tivesse muito sangue coagulado, precisava
limpar-lhe o local antes de arriscar um diagnóstico,
Dirigiu-se ao banheiro no corredor, onde encheu uma bacia com água quente, pegou
um sabonete e uma toalha.
Sentando-se na beirada da cama estreita, limpou com suavidade o ombro e o braço
machucado, e depois disse:
— Parece ter sido um tiro. Se a bala ainda estiver aí, terei que retirá-la.
— Ela ainda está aí — respondeu o desconhecido com voz rouca.
Jéssica observou-o mais atentamente e estremeceu. Devia estar louca, deixando um
estranho entrar assim em sua casa! Ainda mais um tipo esquisito como aquele, de olhar
tão selvagem e agressivo e uma aparência assustadora. Com os cabelos negros
despenteados, as roupas imundas e a barba espessa, há vários dias por fazer. O homem
mais parecia um marginal, um fora-da-lei, como os que rondavam a montanha assaltando
os viajantes incautos.
—- Quem é você? — indagou ela.
— Sou um cidadão americano, mas pensam que sou um espião.
— Quem pensa que você é um espião?
O ferido deu um sorriso estranho e carregado de ironia antes de responder:
—- Os dois lados. Você pode escolher — e, sem esperar resposta, fechou os olhos,
soltando um gemido de dor. Gotas de suor escorriam por seu rosto.
Jéssica umedeceu a toalha, banhando-lhe a testa. Lembrou-se do que Marshall lhe
dissera sobre dois americanos desaparecidos. Sua situação era muito delicada. Se o
capitão Varga descobrisse que ajudava aquele homem, nada a salvaria... Mas ele estava
machucado, precisando de um socorro que não seria capaz de negar-lhe, deixando que
os soldados o capturassem e o matassem. Decidida, colocou os temores de lado, pondo-
se a trabalhar.
— A primeira coisa a fazer é remover a bala. Vai precisar de uma anestesia — afirmou
Jéssica ao terminar o exame do ferimento.
— Não, por favor, eu não quero anestesia.
— Fique calmo! É apenas um leve sedativo — ela comentou enquanto ajustava a
agulha. — Do contrário não posso retirar a bala. Mas você não ficará inconsciente, se é
isso que o assusta.
Embora não parecesse satisfeito, o estranho estava fraco demais para protestar.
Jéssica aplicou a anestesia e, enquanto esperava pelo efeito, limpou e desinfetou a área
ferida com álcool. Com habilidade e delicadeza, seus dedos percorriam suavemente o
corpo todo, verificando se não havia lesões internas. Admirou-lhe a constituição forte.
Mesmo abatido e machucado, os músculos dele eram rijos, mas flexíveis, o pescoço,

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longo e forte, c os braços, musculosos e bem torneados. Desabotoando a fivela do cinto,


Jéssica fez a calça deslizar um pouco pelo quadril estreito e apalpou o abdômen.
Concluindo que não havia nenhum outro ferimento, começou a extrair a bala, que não
tinha entrado profundamente. Acabou em pouco tempo, fazendo um curativo.
O homem estava inconsciente, totalmente desacordado e muito fraco, devido ao
sangue que perdera. Jéssica ministrou-lhe um antibiótico contra infecção e um sedativo
para que dormisse a noite inteira. Queria evitar que a febre subisse e ele se agitasse, num
delírio, chamando a atenção dos soldados.
Após cobri-lo com um cobertor leve e recolher o material cirúrgico, parou ao lado da
cama e contemplou o estranho, cuja respiração estava mais pausada agora. Era um
homem jovem. Deveria ter uns trinta e cinco anos, embora fosse difícil avaliar, pois a
barba cerrada escondia-lhe as feições e os sinais ainda evidentes da dor faziam-no
parecer muito abatido.
Jéssica apagou a luz e foi à enfermaria, onde limpou os instrumentos, não deixando
nenhum vestígio da passagem de alguém por ali. Limpou também o sangue que havia na
porta, na entrada do corredor.
Quando se desocupou já eram mais de duas horas da manhã c estava completamente
exausta.
Nos tempos de residência médica aprendera a manter-se acordada por muito tempo,
mas a situação que vivia agora era muito mais difícil de enfrentar. A tensão, o medo, o
clima de suspense que a vila vivia serviam para exaurir-lhe as forças. Foi para o quarto, e
ao deitar-se voltou a pensar no desconhecido. Quem seria? O que lhe teria acontecido?
Adormeceu com a imagem dele na mente e teve sonhos estranhos e turbulentos.
A manhã chegou em meio a um pesado silêncio. Jéssica sentou-se na cama, ainda
sonolenta, procurando entender o que se passava. Percebeu então que não havia sons
de tiros. Levantou-se e correu para a janela, esperando que os soldados tivessem partido,
mas, ao abrir as cortinas, verificou que ainda estavam lá.
Decepcionada, vestiu um roupão e foi para o outro quarto. Encontrou seu paciente
dormindo. Verificou-lhe o pulso, que batia forte e regular, e notou que, embora estivesse
com o rosto e os ombros banhados de suor, ele não tinha febre. A palidez havia diminuído
e, à luz do dia, sua aparência não era mais tão ameaçadora e perigosa quanto o fora à
noite.
Mais tranqüila, Jéssica foi até o banheiro, onde tomou uma rápida ducha. Vestiu calça
jeans, camiseta de algodão e uma sandália, sem salto.
Pela primeira vez em semanas resolveu observar-se no espelho. Percebeu que estava
mais magra do que quando chegara e havia perdido o ar adolescente. Por outro lado, sua
pele ganhara um lindo bronzeado e os cabelos pareciam mais loiros devido ao sol.
No último ano vivido em San Cristobal, estivera tão ocupada com o trabalho que não
tivera tempo nem vontade de prestar atenção à aparência. As roupas que usava eram
sempre as mesmas e, por conveniência, havia desistido de qualquer maquilagem. Usava
os cabelos longos e sedosos presos num rabo-de-cavalo no alto da cabeça, sem qualquer
vaidade.
Reconheceu que tinha um belo corpo, de conformação esguia e delicada, pernas
longas e bem torneadas, e ficou feliz com a imagem que o espelho lhe devolveu.
Subitamente pôs-se a imaginar por que estava se arrumando tanto. Não se preocupava
com a aparência nem mesmo quando Marshall a procurava e, embora não tivesse
nenhum interesse por ele, era a coisa mais próxima de um romance que havia entrado em
sua vida, desde os tempos do colégio. Voltando ao quarto para dar uma última olhada no
paciente, antes de começar a ronda diária, surpreendeu-se pensando se não estaria
nesse homem a causa de seu repentino interesse pela própria aparência. Mas isso seria
ridículo!... Ela mal o conhecia!... Não sabia nada a respeito dele. Poderia até ser um
espião ou um fora-da-lei, como pensara no início.

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O estranho acabara de acordar. Estava com a cabeça recostada no travesseiro e com


o peito descoberto. Quando Jéssica entrou no quarto, ele a encarou, fazendo-a notar a
cor extraordinária daqueles olhos. Eram de um azul muito profundo, quase cinzentos, e
tinham uma expressão gelada que a fez sentir um ligeiro arrepio subindo pela espinha.
Sentiu-se ameaçada de uma forma que não conseguia compreender e por um momento
hesitou, pensando se não seria melhor sair dali.
Então reconheceu-lhe os sinais de fraqueza física, o rosto macilento e pálido, as
olheiras, as marcas de sofrimento que lhe vincavam a boca. Pensar nele como um
homem doente dava-lhe a confiança de que precisava. Chegando perto da cama, per-
guntou da maneira mais profissional que pôde:
— Como está hoje?
— Melhor — foi a resposta breve.
Aproximando-se, Jéssica colocou um termômetro em sua boca. Esperou uns minutos
e, após checar-lhe o pulso, falou:
— O pulso está normal e a febre baixou.
— Quando poderei ir embora?
— Não nos próximos dias. Você perdeu sangue e está muito fraco. Tive que dar uns
pontos no seu braço e eles devem ser retirados antes que volte à ativa.
— Eu não posso ficar aqui. Não com os homens de Varga do outro lado da rua. Partirei
hoje à noite.
— E para aonde você irá?
Ele encolheu os ombros. Sentindo dor devido ao ferimento, fechou os olhos novamente
antes de responder.
— Não sei. Talvez tente chegar à capital.
— Não conseguirá andar um quilômetro nas condições em que se encontra.
— E o que você sugere então? Que me entregue a Varga e deixe-me matar como
espião? — retrucou lançando um olhar irritado para Jéssica.
— E você é isso? Um espião? — ela indagou com petulância.
— Ora, essa é boa! Claro que não! Eu sou um repórter. Vim u este fim de mundo em
busca de uma boa história. A gloriosa revolução! Certamente você já ouviu falar dela,
não?
O tom de ironia feriu Jéssica. Quem era ele para se julgar no direito de espezinhá-la?
— Embora isso o espante, já ouvi, sim! E também ouvi dizer que ninguém sabe ao
certo por que ela está ocorrendo.
— Correto. Essa é a opinião geral, mesmo entre os jornalistas americanos! Mas eu
terei a minha história de um jeito ou ele outro! — continuou com dureza.
Ela percebeu que não havia argumentos com um homem como aquele. Era o tipo de
pessoa que fazia apenas o que queria, sem se importar com a opinião de mais ninguém.
Dava-lhe a impressão de ser um dos homens mais cínicos e teimosos que conhecera.
Mas no fundo, pouco lhe importava que fosse embora e morresse no caminho por causa
de qualquer estúpida reportagem.
—- Pois muito bem, faça como quiser! Estará bastante seguro aqui, desde que fique
quieto e não apareça à janela. Os soldados nunca vêm ao primeiro andar. Como médica
posso lhe dizer que se partir antes de estar curado cometerá suicídio. — E, encolhendo
os ombros, lançou um sorriso frio antes de terminar. — Mas é a sua vida, e você deve
saber o que faz.
Pela primeira vez Jéssica sentiu que o estranho a ouvia com atenção. Aquelas frases
pronunciadas com frieza conseguiram o que os conselhos anteriores não haviam obtido.
Até mesmo a sombra de um sorriso aparecia no rosto dele e um ar de respeito em seus
olhos, antes que os fechasse novamente.
— Está bem. Decidirei isso depois. Mas você deve saber que a minha permanência
nesta casa a coloca em perigo.

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— É possível, mas já estou acostumada a isso. Além do mais, eles têm necessidade de
mim, e não vão correr o risco de me perder!
O homem acomodou-se melhor na cama antes de continuar.
— Gostaria de tomar um banho. É possível?
— O banheiro fica à direita, no corredor. Há uma ducha e um barbeador, se quiser.
Ele arqueou as sobrancelhas escuras e um sorriso sarcástico surgiu em seus lábios
finos.
— Tudo preparado para os convidados masculinos, ao que parece!
Jéssica sentiu uma onda de raiva tomando conta de seu ser ante o comentário
maldoso. Que sujeito insolente! Cruzou os braços, mirando-o de alto a baixo, com toda a
fúria impressa no olhar.
— Eu não sei quem é você e nem o que faz, mas gostaria de lembrá-lo de que salvei
sua vida esta noite. Posso até me arre- j pender, mas tenho uma formação que me impele
a isso e que não consigo esquecer facilmente.
— Você é muito bondosa! — respondeu ele com a voz carregada de ironia.
— Não se engane. Eu o deixarei ficar aqui até você estar melhor. Mas é só até aí que
vai a minha bondade. E deixe-me lembrá-lo: enquanto estiver sob meus cuidados, deve
seguir as minhas regras e fazer o que lhe digo, certo? Senão, pode partir agora, está
bem? — disse, quase gritando.
Os olhares de ambos se cruzaram: o dela, fuzilante de indignação e raiva; o dele, frio e
avaliador. Então, para espanto de Jéssica, ele deu um amplo sorriso. Um novo brilho
surgiu-lhe no olhar e iluminou aquele rosto frio e sério, tornando-o atraente.
— Você tem razão. Desculpe-me. Fui muito grosseiro. Sei o quanto lhe devo. Você
salvou minha vida e agradeço-lhe. Meu nome é Jason Strong, e juro que não sou um
espião — terminou por fim, amigavelmente.
A médica reconheceu o nome na hora. Era um jornalista famoso e respeitado. Um
correspondente internacional, que escrevia para vários jornais e revistas sobre os grandes
acontecimentos que abalavam o mundo. Lembrava-se de vários artigos dele: sobre a
guerra no Sudeste Asiático, no Oriente Médio, El Salvador, Irlanda do Norte e nos Bálcãs.
Escrevera também alguns livros e sua imagem aparecia sempre na televisão. Mas nunca
poderia associá-lo a esse homem estranho, deitado na cama.
— Já ouvi falar muito em você — disse por fim. — Sou Jéssica Carpenter.
— Dra. Carpenter — repetiu ele, inclinando a cabeça num cumprimento. — Agora, se
fosse possível, eu gostaria realmente de tomar um banho e me arrumar.
Enquanto falava isso, esfregava a mão no rosto barbudo, com um ar de desconforto.
— Mas é claro! Você acha que consegue levantar-se sozinho? Ele jogou as cobertas
para o lado, colocando as pernas para
Cora da cama, com cuidado. Ainda vestia a mesma calça suja de quando chegara, e o
cinto continuava desabotoado. Com o movimento, a calça escorregou pela cintura,
parando nos quadris.
Jéssica sentiu-se perturbada c por um instante ficou com a respiração suspensa.
Recuperou-se logo, mas o olhar de Jason Sirong lhe dizia que havia captado o que se
passara em seu íntimo naquele rápido momento.
Com naturalidade ele levantou a calça e afivelou o cinto. Pôs-se de pé ao lado da
cama, mas parou, de repente, cambaleando, sentindo que as forças lhe fugiam.
Empalideceu e estendeu o braço procurando um apoio.
Jéssica correu para ampará-lo até que a súbita vertigem desaparecesse. Aos poucos,
ele foi melhorando e afastou-se dela dizendo:
— Você tem razão, doutora. Acho que estou mais fraco do que imaginava.
— Não se preocupe, Jason. Logo estará melhor. E bom andar um pouco. Mas vá
devagar e com calma.
Jéssica colocou-lhe um braço em torno da cintura e vagarosamente guiou-o até o

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banheiro. Protegeu o curativo com um pedaço de plástico e esparadrapos, recomendando


que o conservasse seco.
Então, perguntou-lhe:
— Quer que eu o ajude?
Por um segundo uma sombra de malícia apareceu nos olhos dele, que naquele
momento estavam cinzentos. Mas, evitando qualquer comentário, negou com um gesto
de cabeça.
— Não, obrigado. Eu já posso me arrumar sozinho.
— Então fique à vontade. Há um creme de barbear no armário. Vou preparar algo para
você comer enquanto...
Uma forte batida na porta da frente da casa a interrompeu. Dando uma rápida olhada
para Jason, que a observava com um ar de desconfiança no rosto, ela explicou:
—. Deve ser Varga. Fique tranqüilo e tome seu banho. Vou ver o que ele quer e estarei
de volta o mais rápido possível.

CAPÍTULO II

Enquanto Jason tomava um banho e fazia a barba, Jéssica procurava, aflita, uma
desculpa que afastasse o capitão dali. Levou algum tempo para conseguir convencê-lo e
quando, por fim, ele se retirou, ela encostou-se na porta, com as pernas trêmulas, em
pânico pelo risco que acabara de correr.
Depois subiu as escadas correndo para tranqüilizar Jason. Encontrou-o deitado, de
olhos fechados, a respiração suave e a cabeça relaxada sobre o travesseiro, parecendo
profundamente adormecido. O esforço feito para tomar banho o deixara exausto.
Não querendo incomodá-lo, Jéssica foi para a cozinha preparar um café. Antes,
recolheu as roupas sujas que estavam espalhadas pelo banheiro e pelo quarto. Teria que
lavá-las na banheira e deixá-las secando nos cabides das toalhas. Riu ao imaginar o ar de
espanto que faria o capitão Varga se a visse ensaboando e esfregando aquelas enormes
calças caqui e a camisa masculina, manchada de sangue e com a manga perfurada por
um tiro.
Enquanto preparava o café da manhã, Jéssica lembrou-se de que o antigo morador da
casa, um tal Dr. Brownlee, havia deixado umas roupas velhas ao partir. Ela as guardara
num armário, pensando em dá-las para alguém e, agora, vinham a calhar. Mesmo que
não estivessem cm bom estado, ou não fossem do tamanho exato, seriam melhor do que
nada.
Rapidamente, Jéssica arrumou numa bandeja ovos mexidos, torradas, suco de laranja
e café. Enquanto levava tudo para o quarto de Jason, sentiu um arrepio percorrer-lhe a
espinha ao pensar na estranha situação em que se encontrava. Aquilo era muito
perigoso... Não apenas pela possibilidade de Varga descobrir que ela ocultava alguém
considerado um espião, pois se Jason Strong permanecesse em silêncio, não haveria
perigo algum. Não... Sentia que o verdadeiro risco era de outra natureza.
Havia algo naquele homem que lhe causava uma sensação esquisita, como uma
vertigem. Aparentava ser uma pessoa controlada, segura de si, capaz de enfrentar os
contratempos sem perder o humor. No entanto, Jéssica pressentia, de uma forma que
não conseguia definir, que ele significava um grande risco para ela.
Que perigo seria esse, ainda não sabia, mas já pudera entrever lampejos do poder e do
magnetismo daquele desconhecido, muito bem escondidos sob uma máscara de frieza e
autocontrole.
Banindo tais pensamentos, Jéssica entrou no quarto. Ele ainda dormia. Colocando a
bandeja sobre a mesinha de cabeceira, pôs-se a contemplá-lo mais detidamente. Era
como se Jason tivesse sofrido uma verdadeira transformação. De banho tomado e com a

Projeto Revisoras 10
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barba feita, ficara outro homem. Seus traços revelavam não uma beleza convencional,
mas uma forte personalidade. Tinha os lábios finos, o nariz aquilino, um queixo largo, a
testa alta e inteligente. As faces ainda estavam macilentas devido à febre e ao desgaste
físico. As sobrancelhas eram pesadas e escuras e os cabelos negros e rebeldes caíam-
lhe pela testa e se enrodilhavam na nuca, como se não fossem cortados há muito tempo.
Apenas os longos cílios espessos, sedosos e negros abrandavam a dureza e o rigor
daquelas feições.
Continuou a observá-lo, admirando os ombros largos e o peito forte e bronzeado.
Daquele corpo emanava força e masculinidade, mesmo em profundo relaxamento.
Repentinamente, Jéssica percebeu que ele havia acordado e a fitava com curiosidade.
Era um olhar quase hipnótico, e ela não conseguia apreender o que havia por trás
daquela expressão impenetrável. Sentindo-se encabulada, e tentando proteger-se,
apontou a bandeja.
— Trouxe-lhe o café da manhã -—declarou meio desajeitada. Assim que ele conseguiu
sentar-se, arrumou os travesseiros em suas costas para que ficasse mais confortável e
colocou-lhe a bandeja sobre o colo.
— Precisa de alguma ajuda? — quis saber Jéssica.
Ele negou com um gesto de cabeça. Pegou o copo de suco e, enquanto bebia, seus
olhos permaneciam fixos nela.
Um pouco intimidada, Jéssica voltou-lhe as costas. Caminhou até o armário e começou
a procurar as roupas velhas. Ao encontrá-las, levou-as para a cama, dizendo:
— Examine essas roupas masculinas. Não sei se estão em bom estado, mas espero
que haja alguma que sirva para você. Pode experimentá-las quando se sentir melhor.
Jason estava comendo devagar, com uma expressão de desprazer.
— Ótimo! Vou experimentá-las daqui a pouco. Terei que partir assim que escurecer, e
não posso sair sem roupa...
Surpresa, Jéssica endireitou o corpo. Colocou as mãos na cintura, aproximando-se da
cama.
— E como você pensa fazer isso?
Jason continuou a comer ignorando por completo a pergunta.
— Conseguiu livrar-se de Varga? — indagou após uma pequena pausa.
— Sim, é claro... Ouça-me! Você mal consegue se mexer. Como espera fugir dos
homens de Varga lá nas montanhas, e, ainda por cima, sozinho? — retrucou ela, irritada.
— Você fica muito bonita quando está zangada! — ele brincou, com um sorriso
zombeteiro.
Jéssica viu-se prestes a proferir um comentário mordaz, quando percebeu que era
exatamente aquilo o que ele queria. Então, acalmando-se, fez um grande esforço para
sorrir.
— E você é um homem teimoso, Jason Strong! — exclamou, encolhendo os ombros.
— Bem, afinal a vida é sua. Faça como quiser. Agora eu tenho que abrir o consultório.
Vou sair para ver uns pacientes, mas estarei de volta à hora do almoço.
E fazendo um rápido aceno com a cabeça, retirou-se, deixando-o sozinho.
Meia hora mais tarde começou a atender os soldados. No meio da manhã, Varga
entrou na enfermaria, parecendo bastante desconfiado.
—A doutora sabia que tem um espião americano solto por aí?
— Não. Eu não ouvi falar sobre isso.
— Pode ser que ele tente vir para cá, doutora.
— E por quê? Ele seria louco de vir até aqui! Se eu fosse um espião, tentaria me
manter o mais longe possível da vila — disse, procurando manter-se calma. Apesar do
medo que sentia, não podia deixar transparecer sua preocupação.
Pode ser — duvidou Varga. — Contudo, se a senhora não w Importar, gostaria de
colocar uma sentinela para vigiar a casa. O homem está ferido e deve precisar de um

Projeto Revisoras 11
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médico.
Faça como quiser, capitão, embora eu ache desnecessário. Mas se o senhor prefere
abrir mão de um soldado, o problema c seu. Agora, vou atender as pessoas da vila.
Amanhã verei seus homens novamente.
Jéssica havia compreendido que, se desse outra resposta, poderia aumentar a
desconfiança do capitão.
Por volta das onze horas, viu-se livre para começar a ronda diária. Trancou a porta com
cuidado, dando duas voltas na chave. Antes, esse tipo de cautela não era necessário,
mas na atual situação... Afirmara a Jason que ele estaria seguro ali. Só lhe restava rezar
para que tivesse razão.
Após examinar o bebê dos Morales, Jéssica apressou-se a voltar, andando pelas ruas
quentes e empoeiradas do vilarejo. Embora o verão já estivesse no fim, o clima em San
Cristobal era muito quente, sem estações definidas.
A sentinela estava postada no muro em frente à casa, sentada, fumando um cigarro e
com o rifle sobre a perna. Jéssica lançou-lhe um sorriso ao passar por ele. O homem
cumprimentou-a, acenando-lhe a distância.
Felizmente a porta da casa continuava trancada e, depois de entrar, Jéssica deu um
suspiro de alívio. Ficara apavorada a manhã toda, pensando que o capitão poderia invadir
o consultório em busca do espião!
Jason dormia quando ela entrou no quarto, mas um sexto sentido pareceu avisá-lo de
sua presença. Assim que voltou da cozinha com o almoço, ele já estava desperto e
sentado na cama.
Jéssica contou-lhe sobre o guarda e, para sua surpresa, ele recebeu a notícia com
aparente tranqüilidade. Apenas franziu a sobrancelha, assumindo uma expressão ausente
e séria, tentando avaliar a situação. Depois de pensar um pouco, olhou para ela e fez um
gesto com os ombros, como se tivesse chegado a uma decisão muito difícil.
— Parece que você vai ter que me agüentar por algum tempo! — Foi seu único
comentário, um tanto ácido.
Jéssica não respondeu. Colocou a bandeja com o almoço perto da cama c, cm silencio,
estendeu-lhe um guardanapo.
— Será que ele não se importará?
— Quem se importará? E com o quê? — perguntou Jéssica, surpresa.
— O homem a quem pertencem estas roupas. O dono do barbeador também, eu
suponho.
— Bem... Essas roupas pertenciam ao médico que morou aqui antes de eu chegar.
Não vejo por que ele se importaria — respondeu, dando uma risadinha divertida.
— Se é assim... tudo bem — disse Jason, dirigindo-lhe um dos seus raros sorrisos que,
aliás, o tornavam muito atraente. E começou a comer.
— Vou almoçar também. Depois quero dar uma olhada no seu braço e trocar os
curativos — disse Jéssica, retirando-se sem esperar resposta.
Já comendo um sanduíche, começou a pensar por que não ficara no quarto,
almoçando com ele.
Bem, fora melhor assim... Era preferível deixar que as coisas ficassem apenas num
plano profissional.
Aquele homem a confundia e perturbava e ela já sentia um certo fascínio pelo perigo
que sua presença lhe provocava. Precisava manter uma distância segura dele.
Mas também, o que isso importava? Assim que os soldados partissem, ambos iriam
embora, cada um para seu lado.
Quando retornou ao quarto, Jason estava terminando de tomar o café. Sentou-se ao
lado dele e começou a remover as ataduras, em silêncio.
— Você é uma mulher de poucas palavras — comentou Jason.
— Aprendi a colocar toda a minha atenção nos pacientes e concentrar-me apenas nos

Projeto Revisoras 12
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problemas que eles apresentam.


No entanto, era obrigada a admitir que naquele momento eslava bem longe disso.
Nos dois primeiros dias, Jason dormiu a maior parte do tempo sob o efeito de
sedativos. No início os rejeitara com firmeza, mas, quando Jéssica ameaçou entregá-lo a
Varga, resolveu ceder.
Para um homem decidido e independente como ele, respeitar ordens alheias, mesmo
sendo uma prescrição médica, era muito difícil. E sempre que tomava o remédio, fazia
uma careta de desagrado.
— Você realmente me entregaria a Varga se eu não tomasse essa droga? — reclamou.
Jéssica hesitou. Era óbvio que não o faria, mas contar isso seria abrir mão da única
arma que possuía para convencê-lo.
— Bem, não sei... Não é bem assim. Mas você ainda tem tido febre. Imagine só o que
aconteceria se acordasse no meio da noite, delirando. A sentinela o ouviria e nós dois
estaríamos numa grande enrascada.
— Ora! Eu não costumo chorar nem gritar enquanto estou dormindo.
— Mas, sendo médica, não posso esquecer a possibilidade. Uma pessoa doente faz
coisas que não faria se estivesse saudável.
— Eu não estou doente!
Jéssica foi obrigada a sorrir, ao vê-lo tão melindrado.
— Ah, não? Desculpe-me, não sabia! Isso é novidade para mim! — caçoou. — Vamos,
Jason, tome o remédio. Tive um dia duro e quero dormir um pouco, tranqüila e em paz
para variar.
No terceiro dia, Jason parecia bem mais forte, conseguindo levantar-se para fazer as
refeições. Nesse fim de tarde, ao fechar o consultório e subir as escadas, Jéssica
encontrou-o andando pela sala de visitas. Ficou observando-o sem se deixar notar. Ele
usava as roupas que ela arranjara. O jeans surrado ficava apertado em suas coxas, e a
camisa de malha de algodão ajustava-se a seu corpo, marcando as costas e o peito, pois
o antigo dono era de compleição menor.
Sua saúde estava bem melhor e sua partida era questão de dias. Jéssica surpreendeu-
se com a dor inesperada que esse pensamento lhe causou.
Nesse instante, Jason voltou-se, percebendo que ela estava ali. Dirigiu-lhe um olhar
penetrante e estranho. Em seu íntimo, Jéssica desejava não estar tão consciente da
presença física daquele homem que a desnorteava.
— Você está meio abatida. Dia difícil?
Jéssica passou as mãos pelos cabelos, dando um ligeiro sorriso.
— Não mais do que o normal. Você, ao contrário, parece estar muito bem.
Realmente, a cor voltara-lhe ao rosto e Jason perdera o aspecto macilento dos últimos
dias. Os olhos azuis continuavam com a expressão misteriosa, mas havia neles um brilho
novo agora, imperceptível quando se achava mais fraco. O andar estava diferente, com
passos mais seguros, sem vacilação.
— Está com fome? — perguntou Jéssica, dirigindo-se à cozinha.
— Por que não me deixa fazer o jantar? — perguntou ele.
— Você?
— Claro, eu mesmo! Afinal, não fui um solteirão por trinta e sete anos para nada! Está
certo que não sou nenhum mestre-cuca, mas até que sou um cozinheiro bastante
razoável.
E como Jéssica não saísse do lugar, ele apoiou as mãos nos ombros dela,
empurrando-a suavemente em direção à porta.
— Vá. Tome um delicioso banho, coloque os pés para cima e relaxe. Esta noite eu faço
o jantar!
— Céus! Isso parece muito bom — exclamou ela, finalmente acreditando.
Quando desceu, meia hora mais tarde, sentia-se bem melhor. Vestia um caftã de linho

Projeto Revisoras 13
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amarelo-claro, muito confortável. Os belos cabelos loiros, ainda úmidos, caíam-lhe pelos
ombros, como uma cascata brilhante.
Jason enfeitava a grande travessa de legumes cozidos com fatias de tomates. Sobre a
mesa, num dos únicos pratos de louça que havia na casa e que foram deixados pelo
antigo morador, havia uma salada apetitosa.
Quando ela entrou na cozinha, Jason levantou as sobrancelhas para observá-la melhor
e um brilho momentâneo pairou em seu olhar, desaparecendo no instante seguinte. Como
se nada tivesse acontecido, continuou prosaicamente a cortar os tomates. Colocando a
travessa sobre a mesa, fez um gesto amplo convidando-a á sentar-se.
— Hum, que delícia! Parece estar ótimo! É tão bom quando alguém faz o jantar para a
gente! Eu odeio cozinhar.
— Ah, claro. Afinal, você é uma mulher liberada! — Jason ironizou.
O tom da voz era crítico e Jéssica rebelou-se.
— Eu não sei o que você quer dizer com isso. Saiba que, se não gosto de algumas
tarefas domésticas, é porque meu trabalho ocupa todo meu tempo.
— Calma, calma! Não me interprete mal, por favor! Não estava de forma alguma
tentando desmerecê-la ou querendo fazer algum comentário maldoso — Jason olhou-a
divertido antes de continuar. —- Eu a compreendo. Posso até dizer que sinto o mesmo.
Sendo homem ou mulher, quando se tem um trabalho realmente fascinante, para o qual
voltamos toda a energia o a atenção, é natural que nos dediquemos inteiramente a ele.
Continuaram a comer cm silencio. Quando Jason terminou, recostou-se na cadeira,
dando um suspiro de satisfação.
— Estava ótimo — comentou Jéssica. Apontando para o prato vazio de Jason,
continuou: — Estou contente por ver que o seu apetite voltou.
— Eu também, mas daria tudo por um cigarro — afirmou ele, desolado.
Jéssica riu, achando engraçado ver um homem tão grande e forte desconsolado por
causa de um cigarro.
— Sinto muito. Eu não fumo e o capitão Varga sabe disso. Mesmo que lhe conseguisse
alguns cigarros, você não poderia fumar aqui, pois os soldados logo perceberiam o cheiro.
Varga é um homem muito desconfiado, especialmente no que toca a espiões
americanos... — brincou.
— Falando nisso, já que não sei quando poderei sair daqui, gostaria muitíssimo de
trabalhar um pouco. Você tem papel ou alguma outra coisa para que eu possa escrever?
Qualquer coisa serve. Eu já escrevi várias reportagens nas costas de envelopes usados e
nas margens de jornais velhos, quando não conseguia nada melhor.
— É claro que tenho! — Levantou-se para buscar o que ele pedia.
— Oh, não precisa ser agora. Só penso em começar amanhã. Sente-se. Eu fiz um café
para nós. Vou servi-la.
Jéssica recostou-se na cadeira, encantada, deixando que ele a servisse. Jason era um
homem surpreendente!
— Fale-me um pouco sobre você. O que faz uma bela e jovem médica nesse fim de
mundo, no meio de uma revolução?
— Bem, quando eu resolvi vir para cá, não havia uma revolução. Isso foi há um ano e
hoje em dia não tenho mais certeza dos meus motivos. Eu havia acabado a faculdade e
queria fazer um trabalho em que me sentisse realmente útil. Algo mais gratificante do que
clinicar lucrativamente num consultório qualquer da Virginia, por exemplo.
— Então foi de lá que você veio? Da Virgínia?
— Isso mesmo. Do norte, de uma pequena cidade perto de Washington, quase na
fronteira com Maryland.
— Um belo lugar. Gosto da Virgínia. Eu já sou mais nômade. Mas fico em Washington
quando estou nos Estados Unidos. — Fazendo uma pausa, tomou um gole de café. — E
a sua família? E de lá também?

Projeto Revisoras 14
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— Apenas meu irmão que trabalha na Universidade de Georgetown corno professor.


Nossos pais morreram quando eu ainda não passava de uma criança. Charles e a esposa
cuidaram de mim. Ele é bem mais velho do que eu. Quase uns quinze anos.
Jason olhou-a, surpreso.
— Charles Carpenter é seu irmão?
— É, sim. Você o conhece?
— Ligeiramente. Mas não percebo muita semelhança entre vocês dois, — E seus olhos
a examinaram com curiosidade.
— Ninguém vê. Nós puxamos a diferentes lados da família. Jason parecia a ponto de
dizer alguma coisa, mas então, parecendo mudar de idéia, continuou tomando o café em
silêncio.
— E agora, o que você está pensando em fazer? Vai embora daqui?
— Acho que vou voltar para a Virgínia — afirmou Jéssica, com uma expressão de
desalento estampada no rosto.
— E abrir um lucrativo consultório? Você não me parece muito entusiasmada com essa
perspectiva.
— Engraçado. Essa idéia está a cada dia mais atraente após um ano em San Cristobal.
Acho que já tive a minha dose de revolução! — falou com tristeza, olhando-o por sobre a
xícara.
- E você? Quais são seus planos?
Levantando-se após tomar mais um gole de café, Jason pôs-se a andar agitado pela
cozinha.
— É difícil responder. Eu nunca sei com antecedência para onde irei. Acabo indo para
onde as histórias estão acontecendo. Quando terminar aqui, talvez eu vá para a Polônia.
Ou para o Afeganistão. — Nos lábios dele surgiu o mesmo sorriso frio t- enigmático que já
estava se tornando familiar.
— Sempre para onde há alguma encrenca! Você gosta de perigo, Jason Strong!
— Nunca pensei no assunto nesses tempos. Mas talvez seja isso. Provavelmente você
tem razão — afirmou ele após alguns minutos de reflexão.
Com a rotina que se instalou nos dias que se sucederam, eles mal tinham tempo de se
ver. Encontravam-se apenas à noite, na hora do jantar, quando Jéssica estava exausta.
Jason quase sempre estava escrevendo, totalmente imerso em sua atividade, sentado à
mesa da cozinha.
Jéssica também trabalhava bastante. Estava com muitos pacientes, entre soldados e
moradores da aldeia, que não só a ocultavam durante o dia como até mesmo algumas
noites, obrigando-a a ficar fora de casa a maior parte do tempo.
A sentinela permanecia postada à porta da casa e Jéssica já se acostumara à situação;
gradativamente seus temores diminuíam.
A presença de Jason Strong dividindo a casa com ela tornava-a mais confiante
também: fazia com que se sentisse segura, quase a salvo, naquele país em guerra.
Ele continuava fazendo os jantares, e essa era a única hora em que podiam conversar.
Eram momentos preciosos em que procuravam se conhecer melhor, embora pouco
falassem sobre assuntos pessoais. Mas apesar disso Jason já lhe contara que seus pais
eram divorciados há muito tempo e que não se relacionava bem com nenhum dos dois.
Quando tocava nesse assunto, seus lábios se retorciam num vinco cruel. Pela sua expe-
riência familiar, deixara transparecer que não tinha o casamento em boa conta. Era um
solteirão solitário e não se importava com sentimentos.
Duro, misterioso, introvertido, Jason era tão atraente que despertara nela um desejo
irresistível de conhecê-lo melhor, desvendar aquele lado que ele insistia em ocultar.
Jéssica sentia-se especialmente fascinada pelos olhos, dele, que pareciam mudar o
colorido conforme o humor, indo de um azul forte e brilhante quando ele sorria a um
opaco tom de ardósia quando algo o perturbava. Se estivesse muito cansado, assumiam

Projeto Revisoras 15
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uma tonalidade cinzenta que a fazia lembrar os dias chuvosos de inverno.


Quando não havia chamados e ela ficava em casa, à noite, ocupando-se com alguma
atividade doméstica para relaxar, enquanto Jason concentrava-se no trabalho, percebia
que ele a observava. Então o clima ficava tenso, elétrico. E isso, somado ao tiroteio e à
sentinela postada no muro, deixava-a num estado de excitação, como se algo estivesse
para acontecer a qualquer momento. Sentia-se tentada a encará-lo, mas não tinha cora-
gem. Temia a revelação contida naquele olhar.
No quinto dia da permanência de Jason na casa, quando Jéssica retornava de suas
rondas, teve consciência de que só pensava nele. Ficou aturdida! Não estava mais se
importando com os tiros e nem a presença dos soldados lhe despertava o medo que
sentia a princípio.
Nesse instante, viu que se aproximava uma forte tempestade vinda das montanhas,
dando uma tonalidade verde-escura às árvores c cobrindo o céu com pesadas nuvens. Já
podia entrever os flashes dos relâmpagos a distância e o som ensurdecedor dos trovões
atingindo a vila. Apressou o passo para chegar em casa antes de a chuva cair.
Enquanto atravessava a praça deserta, uma ansiedade enorme a invadia ao pensar
que veria Jason em poucos minutos. Tentou afugentar esse sentimento, o melhor seria
que ele fosse embora logo, embora seu coração não aceitasse essa idéia.
Depois de entrar, Jéssica trancou a pesada porta atrás de si e subiu correndo as
escadas, sentindo o cheiro gostoso da comida no fogão. Encontrou Jason sentado à
mesa da cozinha, escrevendo. Ficou à porta, admirando-lhe o belo perfil. Jason
trabalhava sem camisa, e de vez em quando levava a mão até o braço, como se o
ferimento o incomodasse.
Ele possuía o rosto mais interessante que ela já vira. Um cacho do cabelo longo e preto
caía sobre a testa, vincada pelo esforço de concentração. Num movimento inconsciente,
afastou displicentemente o cabelo que o atrapalhava. Bateu com o lápis na prancheta,
procurando talvez por uma expressão ou uma palavra. Então, deu um sorriso secreto e
introspectivo ao achar o que procurava, retomando furiosamente a escrita. Só se ouvia o
som do lápis sobre o papel. Jéssica achou-o completamente irresistível assim.
De repente, a mão masculina parou no ar, ao mesmo tempo que seus olhos
encontraram os dela. Jéssica nem pôde dissimular a confusão que sentiu por ter sido
surpreendida, pois ficou como que hipnotizada.
Um forte calor subiu pelo seu corpo e suas faces arderam em fogo. Não conseguia se
mover. A chuva que caía mais forte e
0 vento sibilante eram ensurdecedores, mas a tensão que havia na sala e que pesava
no ar era muito maior que a da tempestade lá fora.
Nesse instante, um raio caiu e um trovão soou, parecendo explodir bem em cima de
suas cabeças. Jéssica deu um grito de sobressalto, quebrando o instante de magia. Já
presenciara muitas tempestades antes daquela, mas nunca um trovão ribombara tão
próximo, nem a surpreendera num momento tão especial.
Num movimento rápido, Jason saltou da cadeira e segurou-a pelos braços para
acalmá-la.
— Jess, você está bem? — perguntou com voz profunda e vibrante.
Ao toque firme daqueles dedos longos em seus braços, Jéssica recobrou-se do susto.
Fitou-o longamente, como num transe. Finalmente desviou o olhar, dando um riso
nervoso.
— Sim, eu estou bem. Não sei o que me aconteceu. Não costumo me assustar dessa
maneira. Deve ser por causa dos soldados, do tiroteio, de toda essa situação estúpida.
Jason movimentou a cabeça num gesto de concordância. No entanto, continuou
olhando no fundo dos olhos dela, com uma expressão intensa, e não parecia ter nenhuma
vontade de libertá-la. Estavam tão próximos que ela podia sentir-lhe o calor do corpo, o
perfume inebriante da pele. Um arrepio percorreu sua espinha. Teve vontade de se atirar

Projeto Revisoras 16
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nos braços daquele homem. Ele estava tão perto... Um movimento apenas, e se aninharia
no peito másculo e poderoso. Isso era tudo o que queria!...
Foi então que Jéssica teve certeza do desejo que sentia por Jason. Seu corpo ansiava
pelo dele. Seguindo o impulso de entregar-se, poderia ser feliz por um momento. Mas e
depois? Como seriam os outros dias? Jason era um nômade, um viajante. Nunca se
fixaria em lugar algum, com ninguém. E ela queria alguém para dividir seu dia-a-dia. Ante
a idéia de ficar tanto tempo sozinha, a esperá-lo, preferia a solidão à qual já estava
acostumada. Aprendera a não agir impulsivamente na vida. Achava que era preciso
escolher um caminho e permanecer nele, custasse o que custasse. Por isso, com
delicadeza, desembaraçou-se daquele abraço, desviando o olhar para que Jason não
percebesse o quanto lhe doía aquela decisão.
Ele baixou os braços imediatamente, reagindo contra o movimento de recuo por parte
dela. Era um homem determinado, mas nunca se imporia à força para uma mulher.
— Hum! O jantar está cheirando bem!
Jéssica procurava dar um tom de frivolidade à voz. Dirigindo-se para o fogão, ergueu a
tampa de uma das panelas, cheirando a comida com um ar deliciado e voltou-se
novamente para ele.
— Você está me acostumando mal! O que farei quando for embora e eu tiver que fazer
o jantar sozinha?
— Estou certo de que você se sairá muito bem. É uma mulher bastante auto-suficiente
— ele respondeu num tom carregado de tristeza.
Como ela esperava, Jason havia percebido imediatamente o que havia por trás
daquele comentário de aparência inocente. Quisera deixar claro que qualquer tipo de
envolvimento entre ambos resultaria com certeza numa coisa passageira. E a resposta
dele mostrava que havia compreendido e gentilmente concordava com aquela decisão.
Mais tarde, já deitada, Jéssica se perguntava se havia tomado a decisão correta.
Aquele incidente lhe provara que ele sentia a mesma atração por ela.
Ficou imaginando o que teria acontecido se tivesse se atirado nos braços de Jason.
Seria o paraíso, um delírio, ser envolvida por aqueles braços fortes, sentir a delícia
daqueles lábios nos seus, pressionar o corpo contra o dele, tão musculoso, forte e viril.
Mas e depois? Tão logo fosse possível, ele partiria. Embora ela o conhecesse pouco, e
Jason se mantivesse muito discreto sobre o assunto, Jéssica sabia que ele não
permaneceria por muito tempo num mesmo lugar e nem estava interessado em fixar-se
numa vida rotineira.
Tentando evitar a depressão que a dominava, esforçou-se para dormir. Talvez
dormindo conseguisse esquecer as mágoas.

CAPÍTULO III

Após uma noite de intermináveis pesadelos, Jéssica mergulhou no trabalho,


procurando esquecer seus problemas.
Jason adotou a mesma atitude, porém um clima denso pairava no ar, como se a tensão
entre eles estivesse mais forte. Nos poucos momentos em que se encontravam, tentavam
agir com naturalidade, mas não conseguiam.
A gentileza excessiva transformava-se em afetação e as conversas versavam sobre
temas banais e impessoais.
À noite, ao terminarem a refeição, arrumaram a cozinha como dois autômatos, quase
sem se falar. Enquanto Jason lavava os pratos, Jéssica guardava o resto do jantar na
pequena geladeira, no lado oposto, a uma distância que evitava qualquer contato físico.
Era como se tivessem feito um pacto sobre a melhor maneira de continuar aquela
convivência forçada.

Projeto Revisoras 17
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Ao terminarem as tarefas domésticas, Jéssica comentou, de forma casual, que


trabalharia à noite no consultório preenchendo as fichas dos pacientes. Jason limitou-se a
encolher os ombros, aparentemente aliviado por poder ficar só. Não se referiu ao fato de
que, nas noites anteriores, ela havia trabalhado na sala, ao lado dele.
O dia seguinte também foi desagradável. No meio da tarde, quando Jéssica já havia
terminado os curativos nos soldados, um garoto entrou correndo pelo consultório, aos
berros, avisando que o bebê dos Morales não passava bem. Era uma simples dor de
ouvido, mas esse incidente serviu como desculpa para que ela permanecesse fora de
casa até mais tarde e não se visse forçada a jantar com Jason.
Quando finalmente retornou, ele já se havia recolhido. Jéssica fez uma refeição ligeira,
tomou uma ducha rápida e foi para seu quarto. Ao passar pelo corredor, percebeu que
havia luz no aposento de Jason. Teria tomado o sedativo? Pensou em avisá-lo. Apesar de
ele se encontrar melhor e não ter mais febre, estava mais fraco do que admitia.
Jéssica hesitou; sabia que naquele estado as pessoas corriam o risco de ter um sono
agitado, pesadelos e até dar gritos involuntários. Com o guarda patrulhando a casa, isso
não poderia acontecer. Será que deveria bater na porta do quarto e lembrá-lo de tomar o
remédio? Talvez nem precisasse abrir a porta. Poderia apenas chamá-lo...
Mas, ao perceber que usava apenas uma fina camisola sobre a pele, concluiu que isso
seria uma temeridade. Imaginou Jason deitado em sua cama, o corpo nu, numa
proximidade perigosa. Seria muito menos arriscado alertar a sentinela do que ter esse tipo
de confronto com ele.
Decidiu deitar-se logo e, cansada como estava, dormiu no mesmo instante.
No meio da madrugada, foi acordada por um grito forte. Sentou-se na cama, ainda
sonolenta, tomada por um súbito pânico. Seriam os guerrilheiros aproximando-se da
aldeia? Tentava acalmar-se quando tornou a ouvir o grito, vindo de dentro da casa.
Percebeu então que era Jason quem gritava.
— Aquele idiota! — esbravejou, jogando as cobertas para longe e saltando fora da
cama.
Na única noite em que não lhe dera o sedativo ele tivera um pesadelo. Tinha que
acordá-lo antes que o ouvissem. Apavorada, Jéssica correu pelo corredor, acendeu a luz,
escancarou a porta do quarto de Jason e correu até a cabeceira da cama. Ele continuava
aos gritos, o corpo úmido de suor, remexendo-se num pesadelo carregado de angústia.
Sentando-se a seu lado, segurou-o pelos ombros e começou sacudi-lo para que
acordasse.
— Jason, Jason, você está me ouvindo? — ela sussurrava, com o rosto próximo ao
dele e a boca colada ao seu ouvido.
— Jason, acorde! Pelo amor de Deus, acorde! — E tornou ti sacudi-lo.
Finalmente ele parou de gritar. Ficou quieto, sem esboçar nenhum movimento por um
longo tempo, enquanto Jéssica o observava em suspense. Pestanejou por uns momentos
até conseguir abrir os olhos, apoiou-se sobre os cotovelos e fitou-a com ai de espanto. A
luz fraca do corredor punha um brilho diferente e sensual no rosto dele, iluminando seu
olhar profundo e penetrante. O cabelo escuro estava mais em desalinho do que nos
outros dias.
— O que foi? Aconteceu alguma coisa? — murmurou ele, a voz rouca de sono.
— Você estava tendo um pesadelo e gritava. Fiquei apavorada. Se o guarda o
ouvisse!...
Com o coração acelerado, sem saber se sentia raiva ou pânico, Jéssica estava pronta
para repreendê-lo, quando algo no olhar dele a fez parar. Jason a fitava nos olhos com
sensualidade. Pouco depois seu olhar foi descendo devagar pelo decote até se deter nos
seios arfantes.
Ela se lembrou de que usava apenas a fina camisola de cambraia sobre a pele. Ficara
tão apavorada que nem colocara um roupão.

Projeto Revisoras 18
Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

Diante daquele olhar que percorria todo o seu corpo, sentiu uma onda de calor envolvê-
la e o sangue acelerar-se nas veias. Tentou voltar para seu quarto.
— É melhor eu ir agora, Jason — avisou, com voz incerta. Jason sentou-se na cama,
completamente desperto. Esticou o braço e tomou-lhe a mão.
— Não. Não vá, Jéssica. Fique comigo — pediu num murmúrio doce e vibrante, a mão
deslizando vagarosamente, numa carícia sensual, até o ombro nu.
Sem conseguir falar nada, Jéssica sentiu-se também incapaz de qualquer movimento.
Seu corpo inteiro tremia.
Dominada por aquele toque macio, quente, acariciante e pelo olhar ávido que ele lhe
lançava, ela se deixou puxar para a cama.
Os dedos masculinos pressionavam seus ombros, não admitindo negativas. Estavam
tão próximos que podia sentir-lhe a respiração quente como uma carícia no rosto.
Deslizando a mão até sua nuca, Jason enfiou os dedos entre seus cabelos, deliciado.
Aquele contato provocou-lhe uma reação por lodo corpo. O coração de Jéssica começou
a bater enlouquecido enquanto ele lhe tocava o rosto, dando pequenos e suaves beijos
cm seus olhos, em suas orelhas, descendo pelo queixo e pescoço.
Nunca sonhara ser acariciada assim. Um arrepio percorreu-lhe a espinha. Era como se
tudo estivesse em suspense e no mundo só existissem os dois e aquele quarto. A
angústia, a tensão e o medo desapareceram como por encanto.
De repente, afastando-se um pouco, Jason segurou-lhe o queixo com dedos firmes,
obrigando-a a encará-lo.
— Jess?...
Ela intuiu o que Jason queria saber. Os olhos azuis, brilhantes e cheios de desejo
estavam inquisidores, mas não suplicantes. A escolha era sua. Poderia recuar se
quisesse, e tudo continuaria como antes.
Mas essa idéia era insuportável. Não queria fugir dele. Algo muito mais poderoso a
detinha. Um impulso irresistível a atraía para aquele homem. Vagarosamente, de forma
quase imperceptível, concordou.
Puxando-a para mais perto de si e envolvendo-a em seus braços fortes, Jason inclinou-
se sobre ela. Antes de fechar os olhos numa entrega total, Jéssica viu o rosto dele
aproximando-se até suas bocas se tocarem. Foi um momento mágico, alucinante. Nunca
havia sido beijada daquele jeito, com suavidade a princípio, num leve toque, numa carícia
úmida e sensual. Trocaram pequenos beijos que a deixaram em brasa, ansiando por
mais.
Então, mais exigente, Jason pressionou com força os lábios contra os dela. Uma
emoção incrível a dominou e o sangue ferveu-lhe nas veias enquanto ele se tornava mais
possessivo. Jéssica entreabriu os lábios, deixando que a língua dele explorasse iodos os
recantos de sua boca num beijo longo e prolongado.
Finalmente, Jason parou. Encostou a testa contra a dela, olhando-a no fundo dos
olhos, com um brilho febril no rosto.
— Como eu a tenho desejado, Jess! — falou suspirando, como se a voz estivesse
estrangulada pela emoção que sentia.
Enquanto ele acariciava-lhe as costas e a nuca, puxando-a para perto de si, Jéssica
sentia que toda a sua resistência havia se dissolvido. Seu corpo estava totalmente dócil,
correspondendo às delícias daquele toque, submisso à paixão que tomava conta dela.
— Todo esse tempo ansiei por você. Meu corpo dói de desejo desde que cheguei aqui.
Você, tão competente, tão séria, tão Inacessível... e tão linda...
As mãos de Jason deslizaram pela pele macia do seu colo, circundaram o decote da
camisola até tocar os seios. Alcançando as finas alças, afastou-as delicadamente de seus
ombros, desnudando-lhe o colo. Com a ponta dos dedos ele fez uma cadeia nos mamilos
rijos de desejo arrancando um gemido de Jéssica.
Embevecido, ficou a contemplar a beleza daqueles seios nus.

Projeto Revisoras 19
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— Você é exatamente como eu imaginava... Uma mulher plena, madura, linda! Como
eu desejo cada pedacinho desse corpo!
Puxou-a para mais perto de si num abraço, passeando os lábios e a língua pela pele
macia, no colo, até alcançar o seio. Começou a mordiscá-lo numa carícia delirante, louca,
deixando-o rijo de excitação.
Jéssica nunca havia sentido tal prazer antes. De olhos fechados, ela gozava aquelas
carícias ardentes que despertavam seu corpo. Era uma intimidade nova e a força das
emoções a atingia com violência. Apertou-se contra ele, o corpo ardendo de desejo.
Jason puxou mais a camisola, fazendo com que deslizasse pelos quadris até cair ao
chão. Depois retirou-lhe a calcinha. Dando um gemido de prazer, beijou-a novamente com
paixão enquanto suas mãos percorriam febrilmente cada polegada do corpo nu.
Sentindo-a preparada para recebê-lo, Jason pôs-se de pé e se despiu. Deitou-se a
seguir enterrando os dedos nos cabelos loiros e macios.
Louca de paixão, Jéssica dava beijos no peito moreno, nos ombros fortes, arrancando
gemidos de prazer, sussurrando coisas sem sentido. Deitados na cama, os corpos
entrelaçados, eles se acariciavam, movimentando-se numa luta feroz e ávida.
— Beije-me, querida.
As pernas longas e musculosas de Jason enrodilhavam-se nas dela. Jéssica podia
perceber, pela pressão daquelas coxas nas suas, o desejo incontrolável e quase animal
que o dominava. Não havia mais dúvidas, não havia mais temores. Ela queria aquele
homem inteirinho para si, queria amá-lo e ser amada por ele. Enlouquecida pela paixão,
sussurrou com voz rouca e urgente:
— Jason! Agora, por favor!
— Sim, pequena, sim!
Ele deslizou as mãos pelas costas delicadas, tocou-lhe ai nádegas redondas e macias
e puxou-a para si. Segurando-a com firmeza pelos quadris, foi penetrando-a lentamente,
pari depois, num movimento sôfrego e numa harmonia perfeita, se amarem numa dança
frenética que os conduziu ao clímax de prazer.
Algum tempo depois, deitada ao lado de Jason sob o macio cobertor, Jéssica sentia-se
tomada por uma grande languidez; estava satisfeita, invadida por uma paz que nunca
pensara existir. Ele ficara abraçado a ela por um longo tempo antes d< soltá-la, até que os
últimos espasmos de êxtase passassem e a respiração se aquietasse. Ainda podia sentir-
lhe o calor do corpo.
Apesar de cansada, Jéssica não tinha sono. Na verdade, queria ficar acordada,
saboreando a sua felicidade e lembrando infinitas vezes a perfeição daquele ato de amor.
Finalmente, encostando-se nela, Jason murmurou ao seu ouvido, num tom meio divertido:
— Você não teve muitas experiências desse tipo, não é, Jess?
— É verdade. Tive apenas uns namoradinhos no colégio, e uma tentativa frustrada de
fazer amor com um deles. Eu era muito ingênua e nem sabia o que esperavam de mim.
Depois, acabei me envolvendo com os estudos e fiquei muito ocupada para pensar em
romances. Então, após uma pequena pausa, voltou o rosto para ele, temerosa de seu
julgamento. — Você está desapontado comigo?
— Claro que não, tolinha! Longe disso. Você é tudo o que eu imaginava: quente, doce,
apaixonada.
Ergueu-se para encará-la, apoiando-se sobre o cotovelo. Com a outra mão corria os
dedos por seu rosto acariciando-lhe o contorno da boca, circundando o queixo, o
pescoço, o vale entre os seios.
Jéssica estremeceu com as sensações provocadas por aquelas carícias. Finalmente,
Jason parou a mão sobre seu quadril.
— E o que você achou desta? Mais uma tentativa frustrada?
— Bem, não vá se sentir mais convencido do que já é, mas você não pode ser
comparado aos meus namorados anteriores — ela brincou.

Projeto Revisoras 20
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— Tomarei essas palavras como um cumprimento — disse de, dando-lhe um beijo


estalado na face.
— Mas é um cumprimento! Eu já estava achando que era frígida e nem me preocupava
mais com isso. Até que você apareceu na minha vida! Imagine como foram maravilhosos
os meus namorados anteriores.
— Você conhece aquele ditado que diz que não existem mulheres frígidas, apenas
homens insensíveis?
— Você o inventou agora, não? — acusou ela numa gargalhada. — Mas pode ser que
tenha razão.
Enquanto conversavam, a mão dele voltou a passear por seu corpo, e Jéssica um
pouco encabulada, sentiu o desejo crescendo outra vez. Jason a enlaçou mostrando lhe
que também a desejava.
— Já que a primeira vez foi tão boa, que tal se repetíssemos a experiência?—
perguntou antes de beijá-la com ardor. Abraçaram-se, amando-se pela segunda vez, e
depois conseguiram adormecer e descansar.
Jéssica nunca havia sido tão feliz como o foi nos dias seguintes. Era como se flutuasse
numa nuvem, vivendo num clima constante de sonho.
A rebelião que atingia o povoado foi esquecida, o tiroteio não mais a afligia, mesmo
quando aparentava estar muito próximo. Pelo contrário, quase a deixava feliz, pois
significava que Jason não partiria ainda. Às vezes, ela chegava a pensar na sentinela
postada à sua porta como num aliado. No entanto, não sabia como enfrentar a partida de
Jason, que era iminente. Desde o início jurara a si mesma que não se preocuparia com o
futuro nem com a possibilidade daquela relação terminar. Mas, embora nunca
comentassem o assunto, em seu íntimo Jéssica cultivava a esperança de revê-lo nos
Estados Unidos, quando a revolução chegasse ao fim. Ela aceitaria o convite de um velho
amigo de seu pai, o Dr. Weatherby, para trabalhar com ele, em Taunton, cidade onde
tinha nascido. Assim que retornasse já teria emprego. Não planejava, porém, contar a
Jason sobre seus planos futuros, a não ser que ele perguntasse. Quando se des-
pedissem, mencionaria, com a maior naturalidade possível, que gostaria de encontrá-lo. E
talvez, caso sentisse abertura para isso, desse o endereço do Dr. Weatherby, em
Taunton. Por enquanto, o mais sábio seria calar-se e satisfazer-se com a felicidade que
viviam naqueles dias.
Depois das primeiras noites de amor, Jéssica se deu conta de que estava
completamente apaixonada por aquele homem. Era um sentimento que não podia apagar
nem mascarar. Não fazia idéia se era correspondida. Ele a desejava, admirava, gostava
dela. Mas nunca dissera que a amava, nem mesmo no auge da paixão. Isso a deixava
num constante sobressalto, embora aumentasse seu encantamento.
Certa noite Jéssica chegou tarde em casa após o trabalho, ansiosa para encontrá-lo.
Deu com ele sentado à mesa da cozinha, como sempre debruçado sobre as folhas de
papel, rabiscando algo que devia ser importante. Uma panela com batatas fervia no
fogão. Ela entrou, numa grande expectativa, mas Jason sequer levantou os olhos.
Desapontada com aquela indiferença, resolveu tomar uma ducha e trocar de roupa.
Enquanto penteava os longos cabelos loiros, em pé ao lado da cama, percebeu-o
chegando por trás em silêncio.
Seus olhares se cruzaram no espelho e a mão dela ficou imobilizada no ar. Jason tinha
um ar sério e a hipnotizava com seus olhos azuis brilhantes de paixão. Passando os
braços em torno dela, puxou-a para si, beijando-lhe os seios sob a blusa fina.
O coração de Jéssica começou a bater em desvario, a respiração ficou
descompassada. Sem pronunciar palavra, Jason encostou-a contra a parede,
pressionando o corpo rijo de desejo contra o dela. Com pressa, desabotoou-lhe a blusa,
botão por botão, tirou-a e jogou-a num canto. Passou as mãos pelo colo macio, brincando
com os bicos dos seios que se enrijeceram pelo desejo.

Projeto Revisoras 21
Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

Gemendo de paixão, ela se agarrou nele tirando-lhe as roupas. Afundaram na cama,


fizeram amor com fúria, com impaciência, enquanto o jantar queimava no fogão.
Ao final da semana Jason estava totalmente restabelecido e Jéssica já lhe tirara os
pontos do corte.
A cada dia ficava mais difícil para ele suportar aquele confina mento. Para um homem
ativo e saudável não era agradável permanecer trancado por dias a fio num lugar em que
mal podia locomover-se. Tendo terminado a matéria que escrevia, agora era comum
encontrá-lo andando de um lado para o outro ao redor da sala, como um animal
enjaulado.
Não havia nada que ela pudesse fazer, exceto estar ao lado dele. A paixão crescia a
cada dia, mas o jeito frenético com que ele a possuía parecia estar ligado, de uma forma
que Jéssica podia «penas intuir, a esse desejo ardente de liberdade.
Jason nada comentava sobre a vida que levavam, parecendo viver apenas para o
presente. Aparentemente, o futuro não existia, Jéssica começava a sentir-se usada, como
se fosse um objeto com qual ele aplacava as frustrações.
Aquela forma possessiva e quase violenta de fazer amor às vezes a levava a achar que
havia algo de errado na relação, e a desencantava.
Aproveitando o escuro da noite e o fato de estarem deitados Indo a lado, reuniu toda a
sua coragem e indagou: Por que é que você nunca se casou, Jason?
Ele demorou um longo tempo antes de responder. Afinal, soltando uma risada amarga,
num tom meio acusador, comentou:
— Por que será que as mulheres sempre insistem nessa tecla! Raiva e humilhação
subiram em ondas, tomando conta de Jéssica. Num movimento impulsivo, afastou-se
dele, dando-lhe as costas, com amargura. Percebeu que poderia defender-se daquela
acusação maldosa, mas não valia a pena. Ficou calada, respirando pausadamente para
ocultar as emoções desagradáveis que a sufocavam. Quando foi capaz de falar, tentou
dar um tom casual à voz.
— Olhe, Jason, eu estava apenas manifestando a minha curiosidade. Isso não foi o
prólogo de uma proposta. Boa noite.
Minutos depois Jason aproximou-se, encostando-se a ela e colocando o braço ao redor
de sua cintura. Num gesto de carinho, afastou os cabelos que lhe caíam pelo rosto.
Levantou um pouco o corpo, beijou sua orelha.
— Perdoe-me, Jess. Foi uma coisa estúpida o que eu disse. Sei que você é diferente
das outras mulheres. — Continuava acariciando-lhe os cabelos. — É esse horrível
confinamento que me deixa terrivelmente irritado. Sinto-me numa prisão! Errei em jogar
minha raiva em cima de você. Perdoe-me — murmurou, encostando os lábios no rosto
dela.
Jéssica deixou-se abraçar, porém sua voz soou meio triste quando respondeu:
— Tudo bem, não há o que perdoar. Eu sei o quanto tem sido difícil para você. Essa
situação não durará muito tempo. Logo você estará livre.
— Eu sabia que entenderia, Jess.
Pegou-a então pelo queixo, virando-lhe a cabeça para beijar-lhe a boca. Foi um beijo
doce e prolongado, quase uma manifestação de amor. Novamente deitado, Jason
acariciou o corpo dela, com indolência. Disse então, com voz sonolenta:
— Você sabe a resposta a essa pergunta. Casamento significa uma casa, filhos,
estabilidade. Isso é algo que eu nunca tive. Meu pai apenas se interessava por dinheiro, e
minha mãe passava o tempo se arrumando para o seu novo namorado. Nunca tive um lar.
Em conseqüência, não tenho nenhum modelo para seguir. Durante a minha infância
inventei uma série de expedientes para não ficar em casa, sem contar que passei a maior
parte do tempo em internatos. Como quer que pretenda construir uma família?
Apesar de ainda se sentir magoada, Jéssica se enterneceu. Esquecendo sua mágoa,
colocou a mão sobre a dele e apertou-a contra o seio, para aquecê-lo e confortá-lo.

Projeto Revisoras 22
Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

Beijou-lhe o ombro, aspirando o perfume suave e intenso que emanava de sua pele.
Ansiava por declarar-lhe seu amor, ensiná-lo a se dar a alguém. Mas sabia que seria
um erro. Se houvesse futuro para aquele amor, seria ele quem colocaria os termos.

CAPÍTULO IV

Ao despertar na manhã seguinte Jéssica percebeu que o tiroteio havia cessado. Tudo o
que se ouvia era o canto dos pássaros e um latido, ao longe.
Desabituada àquele silêncio, levantou-se, vestiu o roupão e desceu correndo as
escadas, abrindo a janela do consultório, de onde tinha uma visão ampla da praça. Estava
surpreendentemente vazia. Os soldados haviam se retirado, deixando apenas, como
lembrança de sua passagem, os restos do acampamento. Nesse momento, avistou, em
frente à igreja, o padre do vilarejo. Era a primeira vez, em duas semanas, que ele
aparecia nas ruas.
Então, pouco a pouco, os moradores foram chegando. Primeiro os homens mais velhos
e, atrás deles, alguns adolescentes mais corajosos. Olhavam desconfiados,
inspecionando o acampamento abandonado, as fogueiras mortas, tentando verificar se
aquilo seria uma retirada efetiva.
De repente um deles deu um grito de alegria e saiu correndo para avisar os amigos. A
praça, então, começou a criar vida! Mães com filhos nos braços, velhos, crianças, todos
corriam para verificar com os próprios olhos que estavam livres. As conversas e os risos
das crianças encheram a praça outra vez.
"Acabara, afinal, pelo menos aquela batalha", pensou Jéssica. Sentia-se em
turbulência. Por um lado estava, sem dúvida, aliviada. Não haveria mais lutas nem mortes
e a vila retomaria o ritmo normal, a rotina costumeira. Os homens retornariam às
plantações de café, e ela não teria mais que fazer curativos nos soldados. Por outro lado,
Jason poderia partir...
Subiu as escadas, revolvendo as emoções em conflito. Não havia nada que pudesse
fazer. Parou à porta do quarto, olhando para o homem deitado na cama, completamente
relaxado.
Talvez não fosse necessário que Jason partisse agora, ela refletiu, com o coração
apertado no peito. Com a retirada dos soldados, não havia mais perigo. Jason poderia
movimentar-se com liberdade, sem ter que ficar preso em casa. Isso o reteria por
mais um tempo. Assim pensando, decidiu não acordá-lo, e só falar-lhe mais tarde. Ele
poderia partir depois. Não havia mais urgência.
Fechou a porta do quarto e aprontou-se para sair. Quando terminou, foi espiá-lo outra
vez. Oh, como temia perdê-lo! A imagem daquele corpo forte em repouso na mesma
posição em que o vira antes devolveu-lhe a segurança. Jason era tão belo! Sem ele a
vida não fazia sentido.
Nesse momento, ouviu o ruído do motor de um carro parando na rua. Desceu correndo
as escadas, abriu a porta da frente, que dava para a varanda. Piscou os olhos, ofuscada
pela luz clara da manhã, e avistou Marshall Bennett saindo do jipe.
— Marshall! — gritou, correndo ao encontro dele. — Então está tudo terminado
mesmo?
Marshall deu-lhe um sorriso de alívio, apertando-a nos braços.
— Céus, como estou feliz por encontrá-la a salvo! Estive terrivelmente preocupado
todos estes dias. Era impossível vir até aqui e eu esperava que os soldados precisassem
tanto de cuidados médicos que não ousassem ameaçá-la — exclamou ele, colocando-lhe
um braço em torno dos ombros e caminhando com ela até a casa.

Projeto Revisoras 23
Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

Jéssica estava muito ansiosa, querendo saber sobre a guerrilha.


— E então, conte-me. A revolução acabou?
— Que diabos! Não, não acabou! Apenas os guerrilheiros se embrenharam mais pela
montanha. Está mais perigoso agora.
Pegando-lhe o queixo, ele a fez levantar a cabeça e fitar seus olhos sérios e
preocupados.
— Jéssica, você tem que sair daqui de qualquer jeito, e bem rápido! Não posso dizer
com certeza, mas é bem provável que retornem. Agora é a hora certa de partir. Os aviões
continuam deixando a capital e posso colocá-la num dos vôos. Mas deve ir logo. Quando
poderá partir?
Jéssica abaixou a cabeça, com o coração apertado de angústia. Tentando
contemporizar, disse:
— Eu não sei, Marshall. Uma semana é muito tempo? Tenho pacientes que precisam
de mim.
— É tempo demais! Dou-lhe dois dias. Hoje é terça-feira. Estarei de volta na quinta e
quero que esteja pronta.
— Dois dias? — ela balbuciou assustada, pensando em Marshall. Deveria mencionar a
presença dele? Talvez Marshall pudesse ajudá-lo também. Poderiam partir juntos... Ou
até mesmo ficar juntos...
Esse último pensamento fez com que Jéssica decidisse: a palavra final seria de Jason.
Se ele resolvesse permanecer ainda um tempo em San Cristobal, ela ficaria também. E
se, por outro lado. Jason resolvesse ir embora, Marshall certamente conseguiria um outro
lugar no avião.
Por enquanto o melhor seria concordar com os planos de Marshall; quando ele voltasse
na quinta-feira, lhe diria o que faria. Qualquer que fosse a decisão, estaria segura. Mesmo
que a rebelião acontecesse dentro da aldeia, todos necessitavam de seu trabalho e
ninguém a importunaria.
— Está certo, Marshall. Estarei pronta em dois dias. Agora, que tal comer alguma
coisa? Você deve estar faminto!
— Não, obrigado. Tenho que retornar à capital. Vim aqui apenas para falar com você.
Estamos tentando evacuar os americanos o mais depressa possível, pois todos corremos
perigo. Somos considerados espiões.
Quando Marshall se foi, Jéssica encontrou Jason parado no alto da escada, olhando-a
com ar interrogativo. Usava o velho jeans surrado e estava sem camisa, mostrando o
dorso nu. Ela sentiu a garganta apertada ao avistá-lo, belo, alto, imponente e tão amado.
— Você ouviu as notícias, Jason?
— Sim. Finalmente os soldados se retiraram.
— Mas isso não significa que esteja tudo acabado. Marshall contou que a luta continua
nas montanhas e corremos o risco de que voltem a qualquer momento. — Fez uma pausa
antes de acrescentar: — Marshall estará aqui depois de amanhã para me levar. Ele quer
que eu deixe o país.
— Acho que está certo.
— Você poderia ir comigo. Ele nos colocaria num avião... Jason inclinou a cabeça para
o lado, olhando-a bem dentro dos olhos. Então, um sorriso enigmático apareceu em seu
rosto.
— Veremos...
A resposta era reticente e insatisfatória, mas Jéssica sabia que era o máximo que
poderia esperar por enquanto.
— Conversaremos a respeito disso hoje à noite, Jason. Agora tenho que sair. Será um
dia muito atarefado, tenho que ver muitos pacientes. Já que os soldados se foram, eu
posso me movimentar com mais liberdade pela vila. Voltarei faminta hoje à noite. Quer
fazer um jantar bem gostoso para mim? — terminou, lançando-lhe um beijo com as

Projeto Revisoras 24
Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

pontas dos dedos, enquanto descia a escada.


Jason acenou uma despedida.
Ao anoitecer, voltando para casa, Jéssica sentia-se tão cansada que mal conseguia
caminhar. Seria bom comprar um carro, pensava. Se ficasse, seria a primeira coisa que
faria... Algumas pessoas da vila moravam quase ao pé das montanhas, muito longe do
centro.
Estava com muita fome e animava-se pensando que encontraria Jason, sempre gentil e
atencioso. Tomaria um banho, jantariam juntos, conversariam e então... Jéssica
estremeceu, antegozando a noite que teriam pela frente.
Ao entrar em casa, notou que reinava um silêncio fora do normal... Mas, claro, não
havia mais os rumores do tiroteio... Fechou a porta. Não havia mais necessidade de
trancá-la. Talvez Jason tivesse saído para dar uma volta pela vila... Quem sabe tivesse
ido telefonar. Afinal, precisava enviar a reportagem para a capital...
Jéssica subiu as escadas. Não havia sinal do jantar. O fogão estava desligado e o
forno vazio. A cozinha, exageradamente limpa. A mesa onde Jason trabalhava
encontrava-se vazia também, sem os objetos que ele usava para escrever. A pia e o chão
da cozinha brilhavam, como se tivessem sido lavados há pouco.
Jason era muito cuidadoso com a casa!, refletiu ela, tomada por uma onda de afeto.
Mas lhe daria uma bronca por não ter preparado o jantar, logo num dia em que se
encontrava tão extenuada!
Enquanto pensava isso, foi para o seu quarto. Despiu-se, colocou um roupão e
encaminhou-se para o banheiro. Relanceou o olhar pelo cômodo que compartilhava com
Jason, apenas para certificar-se de que ele não estava lá. Provavelmente, quando ter-
minasse o banho, já estaria de volta...
Jéssica queria surpreendê-lo ficando muito atraente. Pôs-se a procurar entre suas
roupas algo bem sexy para vestir. Não que fosse necessário. Sorriu ao recordar o brilho
faminto nos olhos azuis ao admirá-la, não importando a roupa que usasse. A química
entre eles era extraordinária! Bastava que os olhares se cruzassem, ou os corpos se
esbarrassem, para que a mesma loucura se apossasse de ambos, numa onda de paixão
e delírio. Adorava o jeito impetuoso de ele fazer amor. O corpo esguio e flexível já lhe era
muito íntimo e queria explorar todos os seus segredos.
Vestida num caftã branco, com um pronunciado decote nas costas, os cabelos muito
brilhantes, Jéssica foi procurá-lo novamente. Não havia porém nenhum sinal de sua
presença. Uma pontinha de ansiedade começou a crescer dentro dela. E se Jason tivesse
caído em alguma emboscada? Se estivesse ferido? Os guerrilheiros não hesitariam em
matá-lo.
Apavorou-se com aquela idéia. Resolveu olhar no quarto de Jason e verificar com que
roupa havia saído. Talvez descobrisse alguma pista.
Foi então que viu, sobre o travesseiro, uma folha de papel amarelo igual às que Jason
usava para escrever seus artigos. Cruzando o quarto, sentou-se trêmula na beira da
cama. Um pânico terrível a invadia.
O bilhete era breve, seco, escrito numa grafia elegante e precisa:
"Jess,
Estou indo embora. Obrigado por tudo. Nunca a esquecerei, mas é melhor e mais
seguro assim".
Ela leu e releu o bilhete, tentando apreender o significado. Finalmente, viu-se de frente
com a dura realidade. Jason partira, sem ao menos lhe dizer adeus. Como pudera fazer
isso? Ser tão cruel com quem o amava tanto?
Ficou sentada na cama, imóvel, com os olhos fixos no vazio e o bilhete esquecido entre
as mãos. Os minutos corriam e ela não conseguia se mover. Relutava em aceitar aquilo.
Parecia anestesiada, quase como se fosse uma espectadora do próprio sofrimento,
vendo-se a distância, como se não estivesse envolvida.

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Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

Não conseguia discernir o que sentia. Dor? Raiva? Não... Naquele instante apenas um
torpor tomava conta dela, uma espécie de estado de choque. Queria ficar ali, parada...
Afinal, passado algum tempo, Jéssica deitou-se entre os cobertores, fechou os olhos e
deixou que as lágrimas corressem.
Logo caiu num pranto convulsivo que a sacudia toda, molhando o travesseiro.
— Eu amo você, Jason — gritou entre soluços, como se ele pudesse escutá-la.
Sentia-se lesada. Tentara ser paciente, fazer as coisas do jeito dele. Não cobrara ou
pedira nada, nem compromissos, nem promessas. Por que Jason não a esperara para
expor seus planos ou pelo menos se despedir? Sem dúvida não a amava, pois, se a
amasse, não a machucaria tanto!
Por fim, exausta, conseguiu adormecer. Sentia-se vazia, como se estivesse morta, e
não se importava com isso. Talvez fosse melhor morrer mesmo. Jason Strong a havia
despertado para o amor e tinha certeza de que nunca mais se apaixonaria por nenhum
outro homem.
A luz continuava acesa no quarto quando Jéssica acordou. Desorientada, confusa,
procurou por Jason, querendo assegurar-se da presença dele na cama. Ao perceber que
estava só, recordou-se de tudo e sentiu outra vez aquela dor.
Não chorou, contudo. Havia chegado ao fundo do poço na agonia da noite anterior.
Não possuía mais lágrimas e só queria acabar com o sentimento de autopiedade em que
se afundara e sair dali.
Sentou-se na cama, pestanejando. Que horas seriam? Nem sabia se era madrugada
ou se já havia, amanhecido.
Com cuidado removeu o pesado cobertor que havia colocado sobre a cortina, na noite
em que Jason chegara, e olhou pela janela.
O sol nascia. Um galo cantava em algum quintal do vilarejo adormecido e um cachorro
latia ao longe. Jéssica ficou observando a aurora,* que iluminava a praça vazia. Mais uma
vez sentiu-se dominada pela estranha sensação de estar fora de si, analisando as
próprias reações.
Percebeu surpresa que uma imensa raiva crescia a cada minuto e tomava conta dela
uma indignação tão grande contra Jason, que seria capaz de matá-lo.
Pouco a pouco, foi-se acalmando. A raiva fez acordar seu orgulho. Levantou o queixo e
saiu de perto da janela. Sabia o que tinha a fazer agora. Havia sido tola, cega e estúpida,
caindo nos braços do primeiro homem que motivara seu romantismo, sua fantasia. Talvez
essa experiência tivesse sido necessária. Agiria como uma dolorosa vacina para imunizá-
la contra novas paixões.
Com fria determinação pegou o bilhete de Jason, rasgou-o em mil pedacinhos e jogou-
os no lixo. Era o único traço da presença dele na casa, e agindo assim via-se livre de
seus vestígios. Precisava arrancá-lo do pensamento e do coração.
Passou o resto do dia em frenética atividade. A princípio, ficou assustada com a
quantidade de coisas que precisava fazer antes de partir com Marshall na manhã
seguinte. Percebeu então que deveria organizar-se, fazer uma coisa de cada vez, ao
invés de ficar andando de um lado para o outro torcendo as mãos em agonia, sem saber
por onde começar.
Resolveu que, em primeiro lugar, sairia para as rondas diárias. Por sorte, não havia
casos de emergência que precisassem de atenção imediata. Isso colaborava para que
não se sentisse tão culpada por estar abandonando a aldeia.
Não sabia se deveria falar com as pessoas sobre sua partida, apesar de achar que
seria muito duro suportar o descontentamento estampado no rosto daquelas pessoas
queridas e que tinham tanta necessidade dela. Após hesitar algum tempo,percebeu que
não teria outra alternativa senão encarar a situação.
A reação dos moradores foi muito comovente. A Sra. Morales chorou muito e nada do
que Jéssica dizia era capaz de acalmá-la. Recebeu, também, pequenos presentes e

Projeto Revisoras 26
Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

lembranças e todos maldisseram a revolução que a levava para longe.


Durante a tarde, ela empacotou e embalou as coisas que possuía. Trouxera um mínimo
de equipamentos consigo, e quase tudo que havia no consultório fora providenciado por
médicos anteriores.
Provavelmente um outro profissional logo viria ocupar seu lugar. A agência que a
contratara devia ter alguém na lista, esperando para ir a San Cristobal.
Quando a noite chegou, com a arrumação acabada, sentia um misto de cansaço e
excitação, ao mesmo tempo. Apenas num dia tantas mudanças abruptas haviam ocorrido,
repletas de fortes emoções. O abandono de Jason, a decisão de partir, as demonstrações
de afeto dos moradores da vila. Nada daquilo era fácil de ser assimilado.
Jéssica andou pela casa procurando objetos de uso pessoal que pudesse ter
esquecido. De repente percebeu que esperava encontrar algum pertence de Jason,
qualquer coisa que ele tivesse esquecido. Era uma atitude perversa, masoquista, mas não
conseguia agir de outra forma.
Contudo não havia nada, nenhum rastro da passagem dele. Jéssica encontrava-se
perplexa e até assustada. Jason levara poucas coisas consigo. Apenas as roupas do
corpo, uma carteira com algum dinheiro c documentos. Não possuía sequer canetas ou
papel para escrever. Era como se tivesse vindo do nada, um errante desconhecido, e isso
a surpreendia. Pôs-se a imaginar como alguém podia se arriscar daquela forma, num país
em guerra.
Sentindo fome, resolveu jantar. Tomou apenas uma sopa leve e comeu algumas frutas.
Ao limpar a mesa e lavar a louça, não pôde evitar que as recordações a invadissem.
Lembrou-se das noites deliciosas que passaram juntos, conversando e realizando
pequenas tarefas domésticas. Chorou desconsoladamente.
Ainda soluçava mais tarde, ao deitar-se, sentindo-se arrasada. Aquele dia tinha sido
longo e duro e o dia seguinte não prometia ser melhor. Esperava que Marshall
conseguisse tirá-la de San Cristobal em segurança. Ansiava pela paz é a quietude de sua
casa na Virgínia...
Antes que adormecesse, a imagem de Jason invadiu sua mente. Seria impossível
livrar-se daquele amor com facilidade. Ele havia penetrado no seu coração, no sangue.
Como era brutal a rejeição que havia sofrido! Aquilo era o pior. O resto, um sonho.
Apenas poeira e cinzas...

CAPÍTULO V

Instalada em sua aconchegante residência em Taunton há quase um mês, Jéssica


recebe, numa tarde de domingo, a visita do irmão Charles e da cunhada Lisa.
— E então, Jessie? Como está se sentindo agora de volta ao lar? — perguntou
Charles, acomodando-se no sofá, em frente à lareira.
— Aliviada — retrucou ela.
Era muito reconfortante para Jéssica rever a figura familiar e querida do irmão, com as
longas pernas estiradas sobre um banquinho e as mãos cruzadas na nuca. Apesar dos
quarenta e dois anos, Charles era ainda um belo homem, com seus olhos claros e os
cabelos grisalhos eternamente em desalinho.
— Mas você está me parecendo muito magra, querida! — observou Lisa.
Dê-me tempo — suspirou ela. — Voltei há menos de um mês.
A cunhada era uma mulher de forte instinto materno, que, por não ter filhos,
praticamente a adotara quando ela fora morar com eles, após a morte dos pais.
— Como está indo o trabalho, querida? — Charles perguntou, erguendo-se para pegar
o cachimbo.
— Ótimo! É bem o tipo de prática que eu esperava. Temos um pouco de tudo, de ossos

Projeto Revisoras 27
Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

quebrados a mulheres grávidas. E os problemas que exigem especialistas são


encaminhados pra Washington.
— O Dr. Weatherby deve estar bem idoso, não? Será que vai passar os pacientes para
você quando se aposentar? — perguntou Charles enchendo o cachimbo.
— É muito cedo para afirmar qualquer coisa e não quero fazer planos antes do tempo.
Estou bastante satisfeita com o rumo que as coisas estão tomando e isso me basta!
— Bem — interrompeu Lisa com firmeza —, só espero que não esteja pensando em
voltar para um daqueles perigosos países onde costuma estourar uma revolução a cada
minuto!
— Não se preocupe, Lisa! Já tive uma dose suficiente de soldados e tiroteios!
— Ainda bem, pois estou muito feliz com você em casa, segura e tranqüila.
A conversa prosseguiu amena até que, algum tempo depois, Lisa pôs-se de pé e
estendeu a mão ao marido, dizendo em voz melíflua:
— E agora vamos, meu amor. Os Priors irão jantar conosco hoje e temos que correr, se
não quisermos chegar depois dos convidados.
— Mas... Lisa? Visitas esta noite? Hoje é domingo!
Lisa olhou-o com um sorriso quente e afetuoso. Tornava-se muito sedutora quando
queria e conseguia manipular bem as situações.
— Ora, querido. Quem lhe disse que as pessoas não podem se divertir aos domingos?
— perguntou. Voltou-se a seguir para Jéssica: — Você não quer se juntar a nós? Os
Priors adorariam vê-la.
— Não, Lisa, obrigada. Tive plantão hoje e estou cansada. Quero ir para a cama cedo.
— E que tal sairmos juntos no próximo fim de semana? Haverá uma grande festa na
embaixada da Itália e...
— Oh, não! Eu não quero saber mais dessas festas e você sabe disso, Lisa! — Charles
a interrompeu, levantando-se abruptamente do sofá.
— Ora, querido, conversaremos sobre isso num outro momento.
Depois que eles se retiraram, Jéssica voltou para a sala, sentando-se em frente ao
fogo para terminar de ler o jornal de domingo. Folheou-o distraidamente. Logo
contemplava a sala, tão familiar e aconchegante, da casa da sua infância! Tinha vivido ali,
primeiro com os pais e depois, após a morte deles, com o irmão e a cunhada. Ao graduar-
se, Charles fora trabalhar na Universidade de Georgetown e se mudara para um
agradável apartamento em Washington. Naquela época, quisera vender a casa de
Taunton, mas Jéssica pedira para não fazê-lo. Tinha raízes ali e seu lar lhe dava
segurança.
Examinou o aposento com uma sensação de profunda satisfação e calma. Pertencia
àquela casa. O fogo aquecia-lhe o coração. A boa e sólida mobília que fora de sua mãe
continuava no lugar de sempre, na sala bem proporcionada. Os quadros antigos e
familiares pendiam na parede cor de areia e a mesma prata brilhante de Meisse enfeitava
a mesinha de café.
Erguendo-se, Jéssica abriu as cortinas e contemplou a longa alameda de carvalhos
com as folhas amareladas pelo outono ornamentando a calma rua residencial. O
consultório do Dr. Weatherby, onde trabalhava, ficava apenas a cinco quarteirões dali e
ela podia ir até lá a pé. Pouco tirava o carro da garagem, exceto quando saía para as
compras ou para visitar o irmão.
A tarde estava bela e a rua, tranqüila. O inverno vinha chegando e a neve logo cairia. O
vizinho mais próximo, o velho Sr. Thorson, podava uma imensa roseira no jardim ao lado
e um garotinho passeava de bicicleta na calçada.
Fechando as cortinas, Jéssica acomodou-se no sofá. O bule de chá que havia feito
ainda estava quente e ela se serviu de uma xícara enquanto continuava a ler o jornal.
Parecia não haver nada além de desastres e guerras no mundo, refletiu, vendo as man-
chetes.

Projeto Revisoras 28
Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

O seu olhar foi atraído, então, pelo título do editorial: "Junta Militar governa em San
Cristobal". Enquanto vivera lá, Jéssica pouco se interessara pela política daquele pobre
país em guerra e nunca entendera por que lutavam. Mas agora queria saber o que estava
acontecendo e como se desenrolava a revolução.
Num sobressalto viu quem assinava a matéria! Jason Strong! Colocou a xícara na
bandeja, com a mão trêmula, o coração batendo dolorosamente no peito. Não conseguiu
mais focalizar as letras do jornal, que pareciam dançar frente a seus olhos. Inclinando a
cabeça sobre a almofada, fechou os olhos. No íntimo, sabia que, mais cedo ou mais
tarde, teria de volta a imagem de Jason. Desde a fuga de San Cristobal, o havia banido
da memória, não se permitindo pensar nele.
A última coisa de que se lembrava era de sua partida, da despedida de Marshall, que
havia conseguido que ela embarcasse após subornar os guardas do aeroporto. Já em
Taunton, ocupara-se com a casa e o novo trabalho e não tivera tempo para pensar nos
incidentes de San Cristobal. Mas agora...
As recordações, contidas até então, afluíam-lhe à memória causando-lhe dor. Por que
aquelas lembranças tinham o poder de machucá-la tanto? O amor rejeitado, a perda de
Jason e a humilhação que sofrerá ainda estavam muito vivos!
Jéssica procurou pela xícara que pusera na bandeja e bebeu p chá gelado sem sentir o
sabor. Olhava fixamente as chamas. Da lareira uma onda de autopiedade a invadia.
Lutando contra esse sentimento, teve ímpetos de destruir alguma coisa, quebrar algo,
cometer qualquer loucura; dominou-se para não atirar a valiosa porcelana contra a
parede.
Como fora tola! O que havia pensado que fosse um amor puro revelara-se apenas
sexo, algo puramente carnal. Se fora traída e usada, a culpa era sua, por se deixar levar
pelas próprias carências.
Levantou-se do sofá e caminhou até a janela. Escurecia depressa e um vento gelado
empurrava as nuvens pesadas de chuva pelo céu sombrio.
— Fui estúpida, sim! — disse em voz alta, para a sala vazia. Mas sob a camada de
objetividade, uma onda de ressentimento crescia contra o homem que a havia magoado
tanto, pois, embora não conseguisse culpá-lo, não podia esquecer que tinha acreditado
num amor correspondido. Jason a enganara apenas para satisfazer seus desejos.
Cerrou os punhos com força enquanto um espasmo de raiva e humilhação a fazia
estremecer. Isso não aconteceria novamente, nunca mais! Jurou para si mesma.
As recordações dolorosas começaram a diminuir com o passar dos dias. Jéssica sentia
ainda o ressentimento apossar-se dela sempre que pensava em Jason, mas sabia que
era inútil insistir nessa tecla. Esperava que o tempo a fizesse esquecer aquela triste
experiência.
Duas semanas mais tarde, num domingo, encontrava-se no jardim, varrendo as folhas
que caíam das altas árvores, quando ouviu o telefone tocar.
Correu para dentro de casa pela porta de trás e, ofegante, pegou a extensão na
cozinha.
— Alô!
— Jéssica? Aqui é Marshall. Marshall Bennett!
— Marshall! Que surpresa! Mas onde é que você está? O que andou fazendo depois
que me colocou naquele avião horrível, em San Cristobal?
— Que escapada dramática! E bem planejada também, não acha?
Jéssica deu uma gargalhada.
— Bem planejada? Que piada! — Mas, me diga, quanto você teve que dar ao guarda
para que eu pudesse embarcar?
— Ora, não seja indiscreta! O fato é que eu consegui tirá-la de lá, e isso basta.
—, Certo, Marshall. Conseguiu e lhe serei eternamente grata. Agora me conte, de onde
você está ligando? Zaire? Afeganistão? Iraque?

Projeto Revisoras 29
Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

— Washington!
— Que lugar mais burguês! — quer dizer que está de volta?
— Isso mesmo. Depois que fomos expulsos de San Cristobal pela Junta Militar, o
Departamento de Estado requereu minha presença aqui, para me dar uma nova locação.
— E para que agradável lugar estão pensando em mandá-lo desta vez?
— E quem pode saber? Mas, se depender de mim, ficarei aqui para sempre. Já não
sou mais tão jovem para viver de aventuras.
— Está certo, Marshall. Afinal deve estar beirando os trinta e cinco anos, não é? Quase
um ancião...
— Trinta e três, minha cara! Mas já vivi muito para a minha idade. Não estou brincando,
Jéssica. Sinto que aprendi tudo que precisava com esses revolucionários maltrapilhos e
rebeldes! Já é hora de me estabelecer num lugar e começar a pensar em construir um lar,
uma família.
— Marshall, não acredito! E eu aqui pensando em você todo esse tempo como um
aventureiro, um mercenário em busca da fortuna! — ela caçoou.
— Sinto desapontá-la, mas agora só quero sombra e água fresca! Estou até pensando
em comprar um cachorro para mim!
Jéssica sorriu. Marshall parecia mais um pacato fazendeiro do que um aventureiro
qualquer. Era um homem forte, de cabelos loiros e lisos e tranqüilos olhos azuis, com um
jeito plácido e bonachão. Simpático e interessante.
— Bem, acho que estamos pensando de forma semelhante, Marshall. Também estou
mais do que pronta para abandonar a vida aventureira...
— Fico feliz por ouvi-la dizer isso, Jéssica... Bem, o que me levou a ligar para você é o
seguinte: que tal colocar o seu mais elegante e glamouroso vestido e aceitar um convite
para uma festa?
— Uma festa?... Meu Deus, Marshall! Eu não danço desde... Bem, já nem me lembro
mais. E nem tenho uma roupa apropriada!
— Mas você sabe dançar, não sabe?
— Bem, sim, eu sei, mas...
— Há alguma butique aí, nessa sua cidadezinha perdida no mundo?
Jéssica riu.
— Ora, é claro, Marshall!
— Então, qual é o problema? Vamos, Jéssica. Eu gostaria muito que você aceitasse o
meu convite.
— Quando será a festa? E onde?
— Sábado que vem, na embaixada da França. Uma comida soberba e champanhe
jorrando feito água. Posso ir buscá-la em sua casa e depois a levarei de volta. O que
acha?
— Muito obrigada! Sua gentileza me comove! Não deixa de ser um sacrifício perder
meia hora nesse trajeto de Washington até aqui! Mas não se preocupe, Marshall! Eu irei
sozinha, com meu carro.
Combinaram se encontrar na própria embaixada, às oito da noite do sábado, e então
se despediram.
Jéssica tentou analisar os seus sentimentos cm relação a Marshall; pareciam-lhe
contraditórios. Gostava dele e seria divertido ir a um baile de verdade após tanto tempo.
Por outro lado, essa história de ele querer estabelecer se c constituir família não a
agradava. Temia que a tivesse como candidata. A situação era um pouco delicada, pois
não queria nenhum tipo de envolvimento emocional com ele.
Essa certeza até a surpreendia um pouco. Era como se a experiência com Jason lhe
tivesse arrancado um pedaço, deixando-a fria para novos relacionamentos amorosos.
Rejeitava qualquer hipótese de se dedicar a outro homem, não importava quem fosse.
Amar alguém de novo estava fora de cogitação. Após a rejeição que Jason lhe infligira

Projeto Revisoras 30
Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

não confiaria em mais ninguém.


Na manhã seguinte, Jéssica trabalhou normalmente. Não estava bem familiarizada
com a rotina que o Dr. Weatherby havia estabelecido no consultório, mas gostava muito
do trabalho, mais do que havia imaginado, principalmente agora que já possuía seus
próprios pacientes
Alguns clientes a olhavam com desconfiança pelo fato de ser jovem. Estava
descobrindo, entretanto, que muitas pessoas tinham maior liberdade pra falar de seus
problemas com ela do que com um profissional do sexo masculino. As crianças também
preferiam sua atitude carinhosa, pois o Dr. Weatherby era um profissional frio e distante.
Após terminar os apontamentos sobre os pacientes que havia visitado, Jéssica resolva
aproveitar o horário do almoço para fazer umas compras. Queria procurar o vestido para o
baile da embaixada, pois não possuía nada apresentável. Nunca lhe sobrara dinheiro para
adquirir roupas sofisticadas durante a época da universidade e elas em San Cristobal,
eram desnecessárias.
Embora Taunton fosse uma cidadezinha calma, com uma zona comercial muito restrita,
Jéssica lembrava-se de que ali havia uma pequena butique onde Lisa costumava
encontrar coisas bonitas, mas não sabia onde ficava. Resolveu procurar e, após andar um
pouco, achou o discreto letreiro. "Cabots — Roupas Femininas. Na vitrina havia dois
manequins, numa postura pouco natural, e um deles trajava um vestido longo, bastante
elegante, numa delicada seca cor de champanhe. Jéssica observou-o encantada. Era um
bonito modelo, ideal para o baile.
Resolveu entrar na loa e experimentá-lo. Ao colocar o vestido, sentiu como era
delicioso o contato com a seda. E, contemplando-se no espelho, viu que a roupa era linda
e caía perfeitamente bem em sei corpo. A saia ajustava-se até os quadris e depois se
abria num amplo godê. O corpete justo desenhava-lhe os seios, marcando a cintura
esbelta, insinuando as belas linhas de Jéssica deixando-a mais bonita e sensual. Re-
solveu ficar com o vestido após um momento de hesitação ante o preço. Achou que
poderia usá-lo outras vezes, pois era um traje muito elegante.
Ao cair da tarde de sábado, algumas horas antes do baile, Jéssica estava excitada,
querendo se embelezar e fazer jus ao vestido que adquirira.
Às seis horas, sentou-s em frente à penteadeira trajando apenas um roupão, com una
toalha enrolada nos cabelos recém-lavados. Olhava com imenso respeito o arsenal de
cosméticos que havia comprado. A faro ta da loja dera uma explicação sobre o uso de
cada um daqueles frascos com seus conteúdos misteriosos.
Começou passando a base, depois o pó facial e uma série de outros produtos,
conforme aprendera. Quando terminou, olhou-se no espelho e viu que o resultado era
horrível. Embora tivesse mãos firmes, quase nunca se pintara. Não sabia lidar com
aqueles cremes e pincéis.
A maquilagem dos olhos foi um verdadeiro desastre. Os cílios eram muito longos e ela
acabou manchando o rosto e as pálpebras, piscando antes do rimei secar. A sombra e o
traço do lápis, muito grosso, fizeram com que seus olhos parecessem enormes, dando-lhe
olheiras pretas. O blush não apenas a deixara mais corada, como afirmara a garota da
loja, mas também com duas manchas vermelhas nas faces. E no lugar errado,
naturalmente.
Seu aspecto era lastimável! Precisava treinar para fazer uso daqueles produtos, mas
estava há uma hora em frente do espelho e não tinha mais tempo. Precisava ainda secar
o cabelo, pentear-se e vestir-se. Nunca pensara que fosse tão difícil maquilar-se. Como
enfrentar uma noite de gala com o rosto lavado?
Sem saber o que fazer decidiu que o vestido teria que ser suficiente naquela noite.
Após relaxar um pouco, conseguiu até achar engraçada a situação. Como tinha sido
tola por ter-se preocupado por tão pouca coisa! Afinal, refletia, enquanto tirava a
maquilagem da pele, havia vivido até os vinte e oito anos ignorando completamente as

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Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

artimanhas para se fazer bonita. Mais uma noite não faria diferença!
Passou um pouco de base no rosto e sobre ela uma fina camada de pó-de-arroz. Sobre
os lábios, usou apenas o velho batom, numa tonalidade tosada que combinava muito bem
com a cor de sua pele, e nos olhos uma ligeira camada de sombra, somente para
ressaltar-lhes o tom.
Secou os cabelos, penteando os longos fios até que brilhassem e prendeu-os no alto
da cabeça, passando um pouco de fixador para que o penteado ficasse mais encorpado.
Olhou se então no espelho com olhar crítico.
— Hum, não está mal! Não pareço uma vamp, mas até que estou bastante
apresentável.
Colocou finalmente o vestido e, como enfeite, apenas os brincos de pérola em forma de
gota que haviam sido de sua mãe. Recuou um passo, para observar o efeito, chegando à
conclusão de que as sofisticadas mulheres da alta sociedade poderiam ficar tranqüilas,
pois ela não representava perigo algum! Mas estava bem com aquele vestido de seda, os
cabelos brilhantes e os brincos que faiscavam, dando mais vida a seu rosto.
Após pegar as luvas, a pequena bolsa e um casaquinho preto, Jéssica encaminhou-se
para a garagem. Iria no velho Thunderbird de Charles. Ele era apaixonado pelo carro,
totalmente inútil no trânsito de Washington. Por isso o havia deixado em Taunton.
Dirigiu pelas ruas da cidade, livre e descomprometida, sentindo enorme prazer e
excitação frente à idéia do baile.
Marshall encontrava-se em frente à embaixada, na escadaria da imensa entrada,
parecendo mais alto e elegante no smoking preto. Ao vê-la, acenou um cumprimento,
descendo alguns degraus para recebê-la.
— Pode deixar o automóvel aqui. Um dos ajudantes vai estacionar para você.
Jéssica relanceou um olhar desconfiado à volta. Havia muita gente por ali e tudo
parecia muito seguro e organizado. Saindo do carro, colocou-se ao lado de Marshall na
calçada.
— Espero que você esteja certo. Charles me mataria se alguma coisa acontecesse ao
seu precioso Thunderbird! E eu me sinto como se estivesse guardando as jóias da coroa
inglesa! — retrucou ela com alguma apreensão.
Marshall olhou para o enorme veículo com certo respeito.
— Realmente, é uma valiosa antigüidade. Esse modelo deve custar uma fortuna hoje
em dia. — Após esse comentário, voltou o olhar para Jéssica, fazendo-lhe uma pequena
curvatura e estendendo o braço. — Então, que tal fazermos nossa grande entrada?
— Pois não, meu senhor! — brincou, apoiando-se no braço que ele lhe oferecia.
Subiram os largos degraus. As portas do salão estavam completamente abertas e
ouviam-se os acordes da música tocando lá dentro. Muitos pares transitavam pelas
escadarias, cumprImentando-se em voz alta.
Enquanto caminhavam, Marshall segurou firmemente o braço de Jéssica, olhando-a
com admiração.
— Estou muito contente por vê-la aqui, Jéssica. Você está muito bonita! Que
transformação desde a última vez que nos encontramos!
Marshall estendeu o convite ao funcionário postado na porta e entraram. A música
estava muito mais alta agora e o local superlotado.
— Dê-me o casaco que eu vou guardá-lo para você — disse ele. E, após ajudá-la a
despi-lo, afastou-se.
Jéssica ficou esperando num ângulo que lhe permitia uma visão privilegiada do local.
Sentia-se fascinada por tudo o que via e pelo rumor da festa. As mulheres vestiam-se das
formas mais variadas e exóticas. Havia todos os estilos imagináveis, do mais elegante
longo até curtíssimas minissaias!
Observando a multidão, sentia-se cada vez mais confiante no seu bom-gosto e na
escolha acertada do modelo. A seda era macia e linda e lhe caía muito bem.

Projeto Revisoras 32
Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

Era curioso como os homens se vestiam de forma muito mais semelhante. Todos
trajavam roupas escuras e formais. Maravilhou-se com aquela constatação. Eles não
tinham que se preocupar com maquilagem, cortes de cabelo ou com a moda. Precisavam
apenas encontrar um bom terno e estavam adequados para qualquer ocasião. Os
homens pareciam muito mais livres!
Como para comprovar essa conclusão seu olhar caiu sobre um casal que acabava de
entrar. Prestou atenção primeiro na mulher, uma ruiva alta, com um vestido verde
esmeralda, muito justo e decotado, e belíssimos diamantes ao redor do pescoço, pulsos e
orelhas.
Era uma mulher atraente, numa roupa bastante sofisticada! Olhou então para o homem
que a acompanhava.
Céus! Era Jason Strong! Não podia acreditar! Olhou nova mente pensando ter se
enganado. Não havia nenhuma dúvida: era o mesmo porte orgulhoso, a face séria, os
olhos misterioso».
Aquele encontro tão inesperado provocou uma sensação de vertigem em Jéssica, que
fechou os olhos sentindo o tinindo gelar, o sangue correr veloz nas veias. Seu coração
bateu enlouquecido. Levou a mão ao peito, procurando um lugar que lhe servisse de
apoio. A visão estava turva e teve medo de desmaiai.
Reunindo toda a força de vontade que possuía, tentou controlar-se antes da volta de
Marshall. Apoiou-se numa coluna. Colocou finalmente o vestido e, como enfeite, apenas
os brincos de pérola em forma de gota que haviam sido de sua mãe. Recuou um passo,
para observar o efeito, chegando à conclusão de que as sofisticadas mulheres da alta
sociedade poderiam ficar tranqüilas, pois ela não representava perigo algum! Mas estava
bem com aquele vestido de seda, os cabelos brilhantes e os brincos que falseavam,
dando mais vida a seu rosto.
Após pegar as luvas, a pequena bolsa e um casaquinho preto, Jéssica encaminhou-se
para a garagem. Iria no velho Thunderbird de Charles. Ele era apaixonado pelo carro,
totalmente inútil no trânsito de Washington. Por isso o havia deixado em Taunton.
Dirigiu pelas ruas da cidade, livre e descomprometida, sentindo enorme prazer e
excitação frente à idéia do baile.
Marshall encontrava-se em frente à embaixada, na escadaria da imensa entrada,
parecendo mais alto e elegante no smoking preto. Ao vê-la, acenou um cumprimento,
descendo alguns degraus para recebê-la.
— Pode deixar o automóvel aqui. Um dos ajudantes vai estacionar para você.
Jéssica relanceou um olhar desconfiado à volta. Havia muita gente por ali e tudo
parecia muito seguro e organizado. Saindo do carro, colocou-se ao lado de Marshall na
calçada.
— Espero que você esteja certo. Charles me mataria se alguma coisa acontecesse ao
seu precioso Thunderbird! E eu me sinto como se estivesse guardando as jóias da coroa
inglesa! — retrucou ela com alguma apreensão.
Marshall olhou para o enorme veículo com certo respeito.
— Realmente, é uma valiosa antigüidade. Esse modelo deve custar uma fortuna hoje
em dia. — Após esse comentário, voltou o olhar para Jéssica, fazendo-lhe uma pequena
curvatura e estendendo o braço. — Então, que tal fazermos nossa grande entrada?
— Pois não, meu senhor! — brincou, apoiando-se no braço que ele lhe oferecia.
Subiram os largos degraus. As portas do salão estavam completamente abertas e
ouviam-se os acordes da música tocando lá dentro. Muitos pares transitavam pelas
escadarias, cumprimentando-se em voz alta.
Enquanto caminhavam, Marshall segurou firmemente o braço de Jéssica, olhando-a
com admiração.
— Estou muito contente por vê-la aqui, Jéssica. Você está mui to bonita! Que
transformação desde a última vez que nos encontramos!

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Marshall estendeu o convite ao funcionário postado na porta e entraram. A música


estava muito mais alta agora e o local superlotado.
— Dê-me o casaco que eu vou guardá-lo para você — disse ele. E, após ajudá-la a
despi-lo, afastou-se.
Jéssica ficou esperando num ângulo que lhe permitia uma visão privilegiada do local.
Sentia-se fascinada por tudo o que via e pelo rumor da festa. As mulheres vestiam-se das
formas mais variadas e exóticas. Havia todos os estilos imagináveis, do mais elegante
longo até curtíssimas minissaias!
Observando a multidão, sentia-se cada vez mais confiante no seu bom-gosto e na
escolha acertada do modelo. A seda era macia e linda e lhe caía muito bem.
Era curioso como os homens se vestiam de forma muito mais semelhante. Todos
trajavam roupas escuras e formais. Maravilhou-se com aquela constatação. Eles não
tinham que se preocupar com maquilagem, cortes de cabelo ou com a moda. Precisavam
apenas encontrar um bom terno e estavam adequados para qualquer ocasião. Os
homens pareciam muito mais livres!
Como para comprovar essa conclusão seu olhar caiu sobre um casal que acabava de
entrar. Prestou atenção primeiro na mulher, uma ruiva alta, com um vestido verde-
esmeralda, muito justo e decotado, e belíssimos diamantes ao redor do pescoço, pulsos e
orelhas.
Era uma mulher atraente, numa roupa bastante sofisticada! Olhou então para o homem
que u acompanhava.
Céus! Era Jason Strong! Não podia acreditar! Olhou novamente pensando ter se
enganado. Não havia nenhuma dúvida: era o mesmo porte orgulhoso, a lace séria, os
olhos misteriosos.
Aquele encontro tão inesperado provocou uma sensação de vertigem em Jéssica, que
fechou os olhos sentindo o mundo girar, o sangue correr veloz nas veias. Seu coração
bateu enlouquecido. Levou a mão ao peito, procurando um lugar que lhe servisse de
apoio. A visão estava turva e teve medo de desmaiar,
Reunindo toda a força de vontade que possuía, tentou controlar-se antes da volta de
Marshall. Apoiou-se numa coluna, respirando fundo. Quando sentiu que estava melhor,
olhou para a entrada procurando em todas as direções. Jason havia desaparecido,
provavelmente levado pela bela ruiva para o salão de baile, confundindo-se no turbilhão
que dançava na pista...

CAPÍTULO VI

Marshall voltou no momento em que Jéssica se recompunha e ficou preocupado com a


lividez no rosto de Jéssica.
— Você está bem? Aconteceu alguma coisa? — perguntou.
— Não, é claro que não. Estou apenas um pouco perturbada com todo esse
movimento. Ainda estranho o barulho da cidade. Gostaria de me arrumar um pouco antes
de entrar. Você sabe onde fica a toalete?
Após um momento de hesitação, Marshall pegou-a pelo braço, atendendo-lhe o pedido.
— Fique calma! Venha. Acho que posso ajudá-la. Conheço essa embaixada como a
palma da minha mão!
Quando entrou na imensa toalete, Jéssica sentiu que os olhares das mulheres se
voltavam para ela, especulativos, observando cuidadosamente sua aparência, avaliando
se ela poderia representar algum perigo.
Sem se importar com isso, Jéssica umedeceu as têmporas e os pulsos com água fria,
tentando se acalmar. A súbita e inesperada visão de Jason a deixara bastante abalada.
Estivera firmemente convencida de que nunca mais o veria e essa certeza lhe fornecera
uma capa de proteção contra os sentimentos dolorosos. Sentia-se segura, apesar da

Projeto Revisoras 34
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solidão em que vivia. De certa forma, era como se Jason Strong estivesse morto para ela.
Porém, naquela noite, o que conseguira ocultar de si própria durante esse tempo todo
voltava à tona: amor, ódio, raiva, humilhação e, acima de tudo, a necessidade de
compartilhar a vida com alguém.
Jéssica encarou o próprio reflexo no espelho. Como pudera imaginar que nunca mais o
veria? Ele havia dito que morava em Washington e era óbvio que, sendo jornalista político
e correspondente internacional, teria entrada franca em todos os círculos sociais.
Um pouco mais tranqüila, resolveu voltar ao salão. A última coisa que queria era que
Marshall desconfiasse de sua ligação com Jason Strong. Ninguém soubera do que
acontecera entre eles e ainda havia alguma chance de não se encontrarem. Jéssica
estava determinada a fazer com que aquela recordação dolorosa se apagasse para
sempre.
Encontrou o amigo caminhando de um lado para o outro, esperando por ela. A visão
daquela figura alta e reconfortante tranqüilizou-a. Olhou para ele com um sorriso
enquanto se apoiava em seu braço.
— Está se sentindo melhor? — Marshall indagou interessado.
— Foi apenas um mal-estar passageiro. Já estou bem agora e poderemos finalmente
entrar.
— Tenho uma surpresa para você! E bastante agradável, espero — afirmou ele, um
tanto temeroso, enquanto entravam no grande salão de dança.
A pista estava profusamente iluminada e a música vibrava altíssima. As mesas,
entretanto, ficavam numa suave obscuridade, iluminadas apenas pelas luzes dos
candelabros.
Jéssica quis indagar qual seria a surpresa que Marshall lhe preparara, mas havia muito
barulho e foi impossível perguntar-lhe. Esperava que fosse algo realmente agradável!
No trajeto até a mesa Marshall cumprimentou diversas pessoas. Ele conhecia muita
gente, pois seu trabalho na embaixada o levava a todos os lugares do mundo.
Atravessaram o salão superlotado e chegaram a uma mesa reservada para quatro pes-
soas. O canto estava tão escuro que Jéssica mal podia enxergar os outros dois
convidados, já sentados. Surpresa, deparou-se com Charles e Lisa.
O rosto do irmão trazia um ar de patética infelicidade e desconforto, mostrando
claramente o desprazer que sentia por estar ali. Lisa, por sua vez, sorria feliz, como se
estivesse adorando tudo!
— Surpresa! — cumprimentou Lisa acenando para os dois.
— Charles, eu não acredito! Há poucas semanas você afirmou que nunca mais daria o
ar de sua graça em festas de embaixadas... — Jéssica falou olhando-o com fingido
assombro.
— Tenho que agradecer a Lisa por me fazer esquecer essa promessa. No caso de
você ainda não ter percebido, essa capa de comedimento com que Lisa se protege
encobre uma vontade férrea e uma teimosia sem igual! Ai de mim se não fizer o que ela
quer... — Charles brincou, fazendo um gesto com a cabeça em direção à mulher. Jéssica
sorriu para a cunhada, que disse num tom amistoso:
— Sentem-se, sentem-se! Não dêem atenção aos resmungos de Charles. No fundo,
ele adora tudo isso, mas detesta admitir e faz essa cara enjoada para ver se alguém fica
com pena.
— Você deve estar certa, Lisa, já que o conhece tão bem! — caçoou Jéssica.
— Oh, sim! Espere até a segunda taça de champanhe e verá como tenho razão. Seu
irmão até dançará comigo.
Charles fez uma careta e começou a encher o cachimbo. Marshall, que havia se
dirigido a uma outra mesa para cumprimentar uns amigos, estava de volta.
— O que você prefere, Jéssica? Champanhe? Ou quer dançar um pouco antes?
— Champanhe, por favor, Marshall. Não danço há muito tempo e preciso de algo para

Projeto Revisoras 35
Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

relaxar, antes de me aventurar na pista.


Marshall parou um garçom e, pegando duas taças de champanhe, sentou-se ao lado
dela.
— Beba, minha cara — disse, oferecendo-lhe a taça.
— O champanhe é excelente.
Brindaram então, tocando as bordas das taças.
— A esta linda noite! — Jéssica murmurou, tomando um gole da bebida gelada e
borbulhante. — Hum, eu não sou expert, mas está delicioso!
Conforme a noite prosseguia, Jéssica foi se sentindo mais relaxada e tranqüila, feliz por
estar se divertindo tanto. O champanhe a deixava mais solta e o riso saía fácil, tudo
parecia agradável e essa sensação só se nublava quando, ao dançar, tinha a impressão
de avistar a familiar cabeleira negra de Jason acima da multidão de pares na pista de
dança. Mas havia tanta gente circulando, que não conseguia certificar-se e, envolta numa
névoa de bem-estar, queria apenas usufruir aqueles momentos de prazer.
À meia-noite, num movimento inesperado, interrompendo u conversação na mesa,
Charles bateu as cinzas do cachimbo no cinzeiro, levantando-se abruptamente, e olhou
para a esposa com ar de firme determinação no rosto sério.
— Hora de irmos embora, Lisa! — anunciou sem nenhum preâmbulo.
Lisa, que estava envolvida numa conversa com Marshall acerca dos últimos
escândalos do Congresso, respondeu, sem protestar:
— Sim, querido, naturalmente.
Jéssica, que estava entretida observando os pares a dançar, olhou para a cunhada,
surpresa pela inesperada docilidade.
Recostou-se na cadeira, esperando assistir ao que prometia ser mais uma divertida
incursão pelos bastidores do casamento do irmão.
Lisa reuniu as luvas e a bolsa, levantando-se da cadeira. Lançou a Jéssica um olhar
breve e conspiratório, colocou o braço no do marido e deu-lhe um sorriso muito doce.
Charles, que não esperava uma rendição tão fácil, despediu-se feliz da irmã e do amigo.
— Bem, boa noite para vocês. Foi tudo muito agradável, mas já está na hora de pôr
estes ossos cansados na cama.
— Ora, querido, não diga boa noite, ainda. — E, voltando-se para Jéssica, continuou:
— Convidei umas poucas pessoas para um drinque lá em casa, neste fim de noite.
Gostaria muito que vocês fossem também. Você e Marshall irão, não é? Afinal, por que
não esticar um pouco mais uma noitada tão agradável, não mesmo? Se quiser, pode
passar a noite conosco, assim não precisará dirigir até Taunton, de madrugada. O que
acha? Não é uma boa idéia, querido? Jéssica mal pôde conter uma gargalhada ao ver a
expressão de desgosto no rosto de Charles. Uma noitada na própria casa dele! Era
terrível demais!
Charles fitou Lisa com um olhar assassino, pronto para discutir. Mas, antes que
pudesse dizer qualquer coisa, Lisa pôs-se na ponta dos pés, dando-lhe um beijo estalado
no rosto.
— Ah, querido! Estou feliz por você querer ir embora. Nossos convidados chegarão
meia-noite e meia em casa. Assim ainda poderemos dormir num bom horário, não é?
Será divertidíssimo! Irão apenas umas poucas pessoas e não ficarão por muito tempo!
Vamos, meu bem, é melhor irmos rápido se quisermos chegar antes deles, certo?
E lançando um último e triunfante sorriso em direção a Jéssica, foi empurrando Charles
para longe da mesa.
Assim que desapareceram, os dois amigos se entreolharam, rindo com vontade.
Quando conseguiram dizer alguma coisa, ainda em meio a risadas, Marshall brincou:
— Sua cunhada esta na profissão errada, minha cara. Deveria assumir a chefia do
corpo diplomático, depois dessa... Talvez até a Secretaria de Estado.
— Lisa é mestra em manipular Charles. Tenho de concordar que ele parece um

Projeto Revisoras 36
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cordeirinho nas mãos dela.


— Foi uma das mais eficientes táticas de manobra que já vi. Pobre Charles! Nunca
saberá direito como caiu nessa — exclamou Marshall, começando a rir de novo.
— E você acha que depois de todos esses anos ele não conhece a mulher que tem?
Se faz o que ela quer é porque deve gostar desse jogo.
— Há quanto tempo estão casados, Jéssica?
— Há uns vinte anos, mais ou menos. E os dois ainda se amam muito. Isso é o que
interessa.
Marshall olhou para Jéssica com uma expressão muito doce e terna, segurando-lhe a
mão, num gesto que a incomodou um pouco.
— Isso é o que mais interessa mesmo. Amar alguém, construir uma vida, um lar, um
futuro juntos... — murmurou Marshall num tom intenso e íntimo.
— Sim — disse ela. — Acho que sim... Depende da pessoa, é claro. Ambos têm que
querer a mesma coisa — concordou hesitante. Afinal, não havia esquecido a conversa de
Marshall ao telefone.
— E o que é que você quer, Jéssica?
As mãos de Marshall pressionavam as suas. Nervosa, percebeu o brilho muito intenso
no olhar dele e o tom de voz mais íntimo e vibrante. "Tinha que pôr um fim nessa
história!", pensou com decisão. Empurrando a cadeira para trás, levantou-se, exclamando
no tom mais despreocupado que conseguiu:
— Neste momento, acho que gostaria de dançar um pouco antes de irmos embora.
Você não quer também?
O desapontamento ficou estampado no rosto dele, mas era melhor deixá-lo com o ego
meio abalado agora do que prometer coisas que não poderia cumprir no futuro. Isso o
machucaria muito mais.
Enquanto dançavam, tentando quebrar o gelo que se interpusera entre eles, Jéssica
começou a fazer-lhe perguntas sobre o trabalho, pois era o tipo de assunto que fascinava
qualquer homem. Ao findar a música, ele já conseguira relaxar.
— Quase meia-noite e meia. Se vamos à casa de Lisa, será melhor irmos agora —
concluiu Marshall ao voltarem para a mesa.
Jéssica volveu-lhe um olhar de dúvida.
— Eu não sei, Marshall. Você quer realmente ir? Já é bastante tarde!...
— Você vai ter que trabalhar amanhã?
— Não. Este é o meu fim de semana de folga. As emergências ficarão por conta do Dr.
Weatherby.
— Então não há o que pensar. As reuniões na casa de Lisa costumam ser bem
gostosas. Ela conhece todo mundo em Washington!
— Assim como na Virgínia, em Maryland e na Pensilvânia! — brincou Jéssica.
Não demoraram mais do que quinze minutos para chegar ao apartamento de Charles,
em Georgetown. O edifício ficava numa rua calma e arborizada, ladeada por velhas casas
de tijolo aparente, contrastando com modernos prédios de apartamentos. Eram todas
belas construções localizadas num dos bairros mais agradáveis da cidade. A rua estava
deserta devido ao adiantado da hora. Estacionaram bem em frente à casa.
Jéssica havia se sentado a uma grande distância dele, encostada à porta, com a
desagradável expressão de que a conversa iniciada durante a festa iria continuar.
Marshall contemplou-a longamente.
— Jéssica... há algumas coisas que gostaria de dizer antes de entrarmos.
— Marshall... — ela tentou interrompê-lo.
— Por favor, deixe-me continuar — pediu ele, segurando-lhe a mão, e ela teve que
render-se àquela insistência. — Você se lembra do que conversamos outro dia por
telefone? Sobre eu achar que já c tempo de me fixar em algum lugar, com alguém?
O rosto de Marshall parecia solene à luz do luar e ela ficou comovida. Apesar de

Projeto Revisoras 37
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insistente, ele era muito querido. Sentiu uma grande ternura pelo amigo. Qualquer mulher
que quisesse constituir uma família veria nele o par ideal.
— Sim, Marshall, eu me lembro dessa conversa.
— Nós já nos conhecemos há um bom tempo e até vivemos algumas aventuras
juntos... Jéssica, o que estou tentando dizer é que eu gostaria muito que nos
conhecêssemos melhor. Gosto demais de você. Na verdade, estou apaixonado... O que
você acha? Há alguma chance de você se interessar por mim? — indagou ansioso, com o
olhar cheio de expectativa e a voz emocionada.
Jéssica esperou um longo tempo antes de responder. Marshall era um dos homens
mais gentis que conhecia. Além de não querer magoá-lo, também não queria rejeitá-lo
prematuramente, apenas porque ele não lhe causava os efeitos devastadores que...
Afastando a súbita recordação, Jéssica suspirou profundamente.
— Não sei o que dizer, Marshall... Eu não sei se estou pronta para viver qualquer tipo
de envolvimento mais sério, como uma relação amorosa. O último ano foi um caos para
mim e você sabe disso melhor que ninguém. Estou recomeçando minha vida aqui,
tentando me estabilizar e jogando todas as minhas energias no trabalho. No fundo acho
que não conseguiria me apegar a ninguém neste momento — falou com delicadeza.
— Entendo. Mas preciso saber se eu não lhe sou totalmente indiferente e se você
permite que eu gaste o meu tempo tentando conquistá-la.
Jéssica não sabia o que dizer. Não podia encorajá-lo, pois possuía uma certeza interior
de que, por mais que gostasse dele, qualquer envolvimento entre ambos seria impossível.
— Marshall, fico muito feliz com tanta atenção, mas devo lhe dizer que o tipo de
relação que você está buscando nunca será possível para mim... — E dizendo isto, sentiu
uma tristeza enorme dominá-la.
— Você acredita que seja só por enquanto? Ou será para sempre?
— Talvez para sempre. Acho que sou uma pessoa muito fria.
— Não acredito nisso! — ele replicou. — Eu vi a dedicação com que você cuidou do
povo de San Cristobal. Seus sentimentos eram muito verdadeiros. Há muito amor em
você, Jéssica.
— Talvez eu não consiga me envolver com uma só pessoa, mas apenas me entregar
ao meu trabalho e a quem precisa de mim.
"Pelo menos depois de Jason ter entrado em minha vida", pensou Jéssica, e, abrindo a
porta do carro, apressou Marshall para que entrassem na festa. Apesar de saber que ele
não se satisfaria com aquela resposta, era só o que podia dizer no momento.
Ele a seguiu com relutância pelos degraus que levavam ao apartamento e nenhum dos
dois conseguiu dizer mais nenhuma palavra.
Jéssica estava extremamente cansada. Os últimos preparativos para o baile, a dança,
o champanhe, a conversa com Marshall e, principalmente, a visão de Jason haviam-na
atingido violentamente, deixando-a sem energia. Esperava que pudesse relaxar na casa
do irmão.
O apartamento de Lisa e Charles ocupava todo o andar térreo do prédio e tinha uma
entrada privativa cuja porta estava entreaberta. Através dela podia-se ouvir a música e
também o som de risadas e conversas.
Entraram numa pequena área de circulação onde os convidados deixavam os casacos
pendurados num cabide antigo ou espalhados sobre uma mesinha.
Jéssica deixou o casaco no alto da pilha sobre a mesa, dando uma rápida olhada no
espelho de cristal, que ficava ao lado dela. O tempo estava frio e seu cabelo estava um
pouco úmido pelo sereno da madrugada. Enquanto os arrumava, a dona da casa veio
recebê-los.
— Ah, finalmente chegaram! Venham, entrem. Já está todo mundo aqui. Por que
demoraram tanto? — Lisa colocou o braço no de Jéssica, levando-a para dentro. Marshall
seguiu-as logo trás.

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— Ficamos dançando e depois resolvemos conversar um pouquinho — disse Jéssica e


sentiu que seu rosto ficava corado.
Lisa deu um olhar malicioso para a cunhada, sussurrando:
— Ah, sei. Isso me parece muito interessante...
Jéssica voltou-se para ela, pronta para uma resposta mais seca, mas, antes que
tivesse qualquer chance, já haviam penetrado na imensa sala de visitas, lotada de
convidados. Surpresa com a pequena multidão perguntou:
— Apenas poucas pessoas? — mas Lisa já os havia abandonado.
Relanceando o olhar pela sala, viu que conhecia muita gente. Voltou-se para Marshall:
— Vamos tomar um drinque? Acho que estou precisando de alguma bebida.
Nesse momento avistaram Charles, que parecia completamente perdido, cuidando do
bar.
— Lisa tem o dom de reunir apenas as pessoas certas em sua casa. Nunca soube de
uma festa que ela planejasse que não fosse um sucesso! — Jéssica conseguiu dizer,
mais relaxada.
— Como eu lhe falei antes, ela é mulher de muitos talentos — comentou Marshall com
entusiasmo.
Charles estava tão ocupado misturando as bebidas e tentando fumar o cachimbo ao
mesmo tempo que nem sequer percebeu a presença da irmã. Ela sentou-se sobre o alto
banquinho e apoiou os cotovelos sobre o balcão.
— Olá, Charles. Você está ótimo! Até parece um barman de verdade!
— Bem, Lisa conseguiu outra vez. Manobrou as coisas de tal forma que não apenas
me fez ir ao baile da embaixada, coisa que havia jurado nunca mais fazer, como me
colocou preparando as bebidas para toda essa gente que veio à minha casa. Ela acaba
me matando! E você ainda acha tudo muito engraçado!
— Ora. Não seja tão mal-humorado! No fundo do coração, você adora isso tudo —
brincou Jéssica.
— Ah, é? Então eu gosto disso? Que novidade! Agora não me amole mais e diga logo
o que quer beber.
— Deixe-me ver... Acho que gostaria de um coquetel bem complicado, fantasioso e
sofisticado. Pode ser um Pink Lady? Ou um Brandy Alexander?
— Você vai ter um uísque, ou no máximo um vinho, e acabou-se! E você, Marshall? —
retrucou bastante irritado.
— Oh, céus! Esperava que você me oferecesse um Aberdeen Angus, mas se o seu
talento é tão limitado, por favor, prepare-me um uísque com gelo!
Até mesmo Charles viu-se obrigado a sorrir ante a brincadeira. Enquanto preparava as
bebidas, Jéssica voltou-se para Marshall e lhe deu uni sorriso.
— É vergonhoso que, numa festa como esta, não possamos beber o que temos
vontade. Que barman ele me saiu! — continuou no mesmo tom de brincadeira.
Marshall abriu a boca para replicar, mas foi interrompido pela voz de Lisa às costas de
Jéssica.
— Charles, meu bem, você está se saindo muito bem! Não sei o que faria sem você! E
dirigindo-se à cunhada: — Jéssica, querida, estou louca para apresentar-lhe uma pessoa.
— Ela se voltou com um sorriso polido nos lábios, tentando ser paciente e conhecer
mais um dos muitos amigos de Lisa. Mas, ao reconhecer o homem alto e moreno que lhe
era apresentado, empalideceu.
— Jéssica, este é Jason Strong. Jason, esta é minha cunhada, Jéssica Carpenter!

CAPÍTULO VII

Naquele instante o mundo desmoronou sobre a cabeça de Jéssica. Um sorriso artificial

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apareceu em seu rosto e ela apertou o copo com tanta força como se dele pudesse extrair
alguma segurança.
Ouvia a voz de Lisa, vindo de muito longe.
— Vocês dois têm muito em comum. Jason esteve em San Cristobal durante a
revolução, na mesma época que você. Imagine, Jéssica, que os revolucionários o
tomaram por um espião! Não é engraçado? Logo ele, um correspondente internacional
famoso, não é mesmo? Certamente você deve ter ouvido falar em seu nome, não,
querida?
Jéssica conseguiu apenas erguer os olhos, enquanto Jason inclinava a cabeça, em sua
direção, num cumprimento.
— Como vai, Dra. Carpenter? Charles e Lisa falaram tanto sobre você, que estou me
sentindo como se já a conhecesse.
Jéssica respirou, aliviada, ao perceber que ele nem sequer havia mencionado que a
conhecia. Ficou um pouco mais tranqüila, procurando recuperar o controle.
— Muito prazer em conhecê-lo, Sr. Strong. Já ouvi palavras muito elogiosas a respeito
do seu trabalho.
— Vocês têm que se encontrar mais vezes para comparar as experiências e conversar
sobre tantas aventuras! E você também, Marshall, que esteve lá esse tempo todo. Não foi
uma grande coincidência os três estarem no mesmo lugar e na mesma época, em meio a
acontecimentos tão palpitantes? — Lisa falou em tom frívolo.
Durante as apresentações, Marshall colocara o braço nos ombros de Jéssica. Apesar
de não lhe agradar a intenção possessiva do gesto, ela se sentiu segura e protegida
contra aquele homem que a perturbava tanto.
— Como vai, Strong? Está voltando do Líbano? -- indagou Marshall, estendendo a mão
para cumprimentar Jason.
— É isso mesmo. Fui para lá assim que deixei San Cristobal e cheguei ontem. Nem
tive tempo de descansar ainda — falou, olhando significativamente para Jéssica.
Os dois homens passaram a conversar sobre a situação política de San Cristobal,
discutindo aspectos técnicos que ela desconhecia. Enquanto conversavam, ela tentava
reconstruir o precário equilíbrio emocional.
Não conseguiu resistir ao desejo de contemplar Jason.
Que transformação! A pessoa que ela conhecera em San Cristobal lhe parecera rude e
grosseira à primeira vista. Chegara mesmo a pensar que fosse um marginal, com as
roupas imundas, manchadas de sangue, a barba por fazer, o olhar selvagem. Só
melhorara um pouco ao usar as velhas roupas que ela lhe arranjara.
Mas, agora, quem estava à sua frente conversando com Marshall era um homem
completamente diferente, polido e educado, tão à vontade naquele salão quanto estivera
enquanto se escondia nas montanhas. Além disso, muito bonito e elegante. G smoking
preto lhe assentava com perfeição e a camisa branca fazia ressaltar a pele queimada de
sol. Jéssica sentiu uma pontada no coração: Jason estava mais fascinante do que nunca!
De súbito, percebeu a presença da ruiva, exuberante num vestido verde-esmeralda,
que acompanhara Jason ao baile. Ela se agarrava ao braço dele, aproveitando o excesso
de gente para encostar-se ao seu corpo. Olhava para Jéssica com um desprezo patente
no rosto, fazendo um muxoxo com a boca.
— Você estava naquele país horrível, também? — perguntou com voz aguda.
A médica devolveu-lhe o olhar com frieza.
— Na verdade, não é um país tão terrível assim. É um lugar pobre, devastado pela
revolução e cheio de problemas. Mas é também muito belo e as pessoas são
maravilhosas e gentis —-concluiu com voz um pouco mais áspera do que pretendia.
Uma expressão divertida apareceu no rosto de Jason, que, voltando-se para a
companheira com um sorriso indulgente, explicou:
— A Dra. Carpenter não estava lá como turista, Dorothy. Estava trabalhando.

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Jéssica não pôde deixar de notar a intimidade com que eles se tratavam. Sentindo uma
ponta de irritação, começou a imaginar quem ela seria e que tipo de relacionamento teria
com Jason. As feições da moça eram familiares mas não conseguia saber de onde a
conhecia. A voz de Lisa interrompeu-lhe os pensamentos:
— Ora, me desculpem. Como fui indelicada! Nem apresentei vocês. Jéssica, essa é
Dorothy Davis. Acho que vocês não se conhecem. Dorothy, esta é minha cunhada,
Jéssica Carpenter.
As duas mulheres murmuraram um cumprimento educado após as apresentações. Ao
ouvir aquele nome, Jéssica o reconheceu imediatamente. Ela era a filha de um destacado
membro do gabinete e a provável herdeira de um vasto campo petrolífero em Oklahoma.
Suas fotos apareciam com freqüência nas colunas sociais dos jornais de Washington.
Perdida nos próprios pensamentos, Jéssica continuou a beber, ouvindo o burburinho
das conversas ao redor. Marshall parecia conhecer bem o pai de Dorothy e ter com ela
assuntos em comum.
Pensava que o pior já havia passado. Haviam se reencontrado como dois estranhos e
esperava não vê-lo nunca mais. Pelo menos era nisso que acreditava naquele momento.
Voltou à realidade quando ouviu Jason perguntando:
— Imagino que já esteja trabalhando por aqui, não?
Ele havia se aproximado sem que ela percebesse e falava num tom mais baixo. Aquela
intimidade assustou-a. Demorou um minuto para responder, temendo que a voz a traísse.
— Sim. Já estou trabalhando.
— Justamente como havia planejado.
— É, exatamente como planejei — respondeu à meia voz. Jason inclinou-se sobre o
balcão procurando um lugar para depositar 0 copo, quase tocando-a ao fazer esse
movimento. Estava tão próximo que ela podia sentir o perfume da colônia que ele usava e
ver os longos cílios que emolduravam os olhos tão queridos, dando-lhes uma expressão
suave e profunda. Um sentimento de perda começou a invadi-la, reacendendo-lhe um de-
sejo soterrado no íntimo.
Teve uma vontade imensa de tocar aquele rosto tão familiar e acariciar as mechas do
cabelo preto e longo que se enrolavam na nuca.
Então, ele se voltou, e ela pôde ver que os olhos estavam muito escuros, quase violeta.
Jéssica sabia que ficavam daquela tonalidade quando estavam sob o impacto de forte
tensão emocional.
— Preciso falar com você, Jess! — pediu ele em voz tão íntima e suave que ela mal
conseguiu ouvi-lo.
Por um momento sentiu-se tentada a ouvir o que ele tinha a dizer, mas a mágoa e a
recordação da dor que havia sofrido não a deixaram aceitar. Seria loucura empolgar-se de
novo por aquele homem. Tinha que mantê-lo distante, para seu próprio bem.
— Eu não acho necessário, Jason. Não temos nada mais a dizer um para o outro —
afirmou, aparentando calma, embora no íntimo ansiasse pelo contrário.
Jason franziu a testa, recuando a cabeça e apertando os lábios. Olhou-a para ver se
dizia a verdade e, aos poucos, para surpresa de Jéssica, a expressão abrandou-se num
sorriso.
— Está com raiva de mim, Jess. Temia que isso acontecesse.
— Ora, Jason, não seja tão pretensioso. Por que razão teria? — perguntou, tentando
dominar-se.
— Só você pode me dizer. Afinal deve saber os motivos melhor do que eu — falou
Jason devolvendo-lhe a pergunta.
Ele lhe preparava uma armadilha. Qualquer resposta seria puramente emocional e
mostraria o quanto ele a dominava ainda. Ao perceber o sorriso maroto no rosto
masculino, respirou fundo e sorriu também.
— Não tenho nada para lhe contar, Jason, e nem tenho tempo. Meu serviço está me

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deixando muito cansada — E continuou sorrindo, sentindo um prazer meio sádico ao


constatar seu desapontamento.
— Entendo... Em resumo, o que aconteceu entre nós em San Cristobal não significou
nada para você. Foi apenas uma maneira agradável de passar pela revolução sem
maiores danos... Não é isso? — continuou Jason.
Esse golpe foi insuportável! Jéssica sentiu o sangue subindo à cabeça. Como podia
acusá-la, se fora ela a abandonada?Sentia-se queimar por dentro. Seu rosto estava em
chamas e as mãos trêmulas.
— Como pode dizer isso se foi você quem me abandonou? — explodiu, quase
gritando.
Quando viu o ligeiro brilho de satisfação no rosto dele, percebeu que se traíra. A sua
resposta mostrava com clareza a raiva que a dominava. Estava desarvorada! Tinha que
mantê-lo fora de sua vida para sempre. Havia sofrido muito para permitir que continuasse
brincando daquela forma.
— Você é muito inteligente, Jason. Inteligente demais para mim. Mas torno a afirmar:
não quero vê-lo nunca mais. Faça o que quiser, mas saia da minha vida! — disse por fim,
levantando-se e procurando Marshall, que havia se afastado.
Ao encontrá-lo apoiou-se no braço dele como se fosse uma tábua de salvação.
Deliciado e um pouco surpreso com aquela atitude, o amigo olhou-a com um sorriso e
perguntou:
— Pronta para ir embora, minha querida? Ou mudou de idéia e resolveu passar a noite
aqui?
— Não, prefiro ir embora. Vamos sair antes que Lisa perceba e comece a insistir para
ficarmos.
Num rápido relance observou que a cunhada conversava com Dorothy Davis. Charles
permanecia só, num canto, as mãos nos bolsos, entediado e cansado. Enquanto
caminhava na direção dele, pôde ver, pelo canto dos olhos, Jason no mesmo lugar em
que o deixara.
— Charles! Já vou para casa. Diga a Lisa para não se preocupar comigo, está bem? E
deu-lhe um beijo no rosto.
— Você acha que deve ir agora? — perguntou o irmão, preocupado.
— O trajeto é curto. Taunton é perto daqui.
— Tudo bem, então. Invejo-a, querida. Estou muito cansado e gostaria de poder fazer o
mesmo que você: retirar-me!
— Os convidados logo irão embora, Charles. Boa noite, e obrigada por tudo.
Sem olhar para trás, embora se sentisse bastante tentada, Jéssica caminhou em
direção a Marshall, que a esperava pacientemente encostado na porta da pequena área
de circulação. Enquanto abria caminho por entre as pessoas tinha a nítida sensação de
que um par de olhos atentos a acompanhava.
Apenas na estrada para Taunton, depois de pegar o carro e despedir-se de Marshall,
permitiu-se pensar a respeito do inesperado encontro com Jason Strong. Um sentimento
a dominava agora: um ódio intenso e insano. As mãos apertavam tanto a direção que
seus dedos doíam.
Pretensioso, arrogante, machista, isso é o que ele era.
O que esperava? Que ela caísse em seus braços para ser abandonada no momento
em que ele decidisse? Que se deixasse trocar de novo por mais uma oportunidade de
escrever alguma daquelas estúpidas histórias?
No fundo, sabia que estava sendo injusta. Ela própria, desde o princípio, decidira não
tolher a liberdade de Jason, fosse qual fosse o tipo de ligação entre eles. Sempre achara
importante não tentar prendê-lo a nenhum compromisso ou cobrar-lhe promessas. Queria
viver apenas o momento presente, sem preocupar-se com o futuro.
Mas havia sido abandonada de forma miserável como se ele temesse uma cena, e

Projeto Revisoras 42
Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

sentia uma amargura intensa. Não merecera sequer um adeus.


Ao entrar nas ruas desertas de Taunton não suportou mais e chorou amargamente.
Toda a fúria se esgotava e agora a tristeza e um profundo sentimento de perda tomavam
conta dela. Nada mais importava, a não ser o fato de que havia amado aquele homem
mais do que a qualquer outra pessoa no mundo e ele sabia disso.
Entrou em casa sentindo o corpo todo dolorido. Tirou o belo vestido e tomou um banho
demorado, que a aqueceu e acalmou. Mais relaxada, deitou-se e apagou a luz. Com um
suspiro de alívio, percebeu que havia atingido o fundo do poço. Tinha sido terrível, muito
duro, reencontrar Jason, mas sobreviveria. Agora poderia libertar-se definitivamente
daquele amor.
Jéssica passou o dia seguinte limpando e podando os arbustos próximos à grande
janela da sala de jantar. Ao final da tarde, acendeu o fogo na lareira. Preparou um bule de
chá e sentou-se confortavelmente no sofá para ler o volumoso jornal de domingo.
O dia havia sido calmo e agradável, o que era surpreendente após uma noite tão
turbulenta. Conseguira evitar que a imagem de Jason a perturbasse. Acreditava que o
tempo faria com que tudo o que se referisse a ele fosse apagado.
Quando ouviu o telefone tocando sentiu-se tentada a não atender. Não devia ser uma
emergência, pois quem estava de plantão era o Dr. Weatherby.
No quarto toque, levantou-se. Dirigiu-se para o hall. Quem a chamaria com tanta
insistência? Seria Lisa, ligando para falar da festa?
— Alô!
— Jéssica? Aqui é Jason.
Ela apertou com mais força o telefone e perguntou:
— Como conseguiu o número daqui? — tenho facilidade para obter esse tipo de
informação. Sou um repórter, você se lembra?
— E como poderia esquecer?
— Ouça, Jess, quero falar com você. Preciso explicar por que parti tão abruptamente
de San Cristobal.
— Jason, eu já lhe disse a noite passada e repito: Não quero vê-lo, nem conversar com
você nunca mais. Deixe-me em paz, por favor. Fique com a sua Dorothy!
— Droga, como você é teimosa! — exclamou ele num tom exasperado. — Vou até aí e
você vai ter que ouvir o que te...
— Não — Jéssica o interrompeu secamente. — Você é quem vai me ouvir, Jason
Strong. Se vier, eu não vou abrir a porta. Se persistir, chamo a polícia. Sei que é difícil
para um homem como você aceitar isso, mas não quero nada com você. Vou desligar
agora. Adeus.
Triunfante, Jéssica bateu o fone no gancho. Estava acabado. "Que homem
persistente!", avaliou, sentando-se de novo. "E teimoso..."
Antes que pudesse relaxar, o telefone tocou outra vez. Decidiu ignorar a chamada.
Jason certamente desistiria depois de um tempo. O aparelho, porém, continuou tocando
muitas vezes seguidas até que, totalmente exasperada, Jéssica tirou-o do gancho,
soltando uma imprecação e quase gritando.
— Ouça aqui, você tem que parar com isso!
— Jéssica? — A voz espantada de Lisa soou do outro lado da linha. — Parar com o
quê? Já disquei inúmeras vezes e ninguém atendeu. Você está bem?
Jéssica começou a rir e disse:
— Desculpe-me, Lisa. É que andaram me aplicando uns trotes, mas está tudo bem. O
que houve?
— Eu queria apenas me certificar se você chegou bem em casa — disse ela.
— Naturalmente que cheguei bem, Lisa. Não precisava se incomodar. Se consegui
sobreviver a uma revolução, também pondo dirigir sozinha de Washington a Taunton.
— Mas fiquei bastante preocupada. Charles e eu achamos que você está muito

Projeto Revisoras 43
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diferente, desde que voltou para casa.


— Creio que é verdade. Afinal, passei um ano fora, Lisa. As pessoas mudam nesse
tempo.
— Sim, mas...
— Muitas coisas aconteceram comigo. Foi uma experiência excitante e cheia de
aventuras, e acho que vai demorar até que consiga me acostumar à rotina daqui.
— Você está certa de que é isso apenas? Percebi que você ficou meio perturbada,
ontem à noite, quando a apresentei a Jason Strong.
Jéssica estremeceu. Só faltava agora Lisa descobrir sua relação com aquele homem!
— Perturbada! Como assim? — ela perguntou após um minuto de hesitação.
— Sim, querida. Até comentei com Charles depois. Mas você sabe como são os
homens. Nunca percebem nada do que seja verdadeiramente importante. De qualquer
forma concluímos que Jason deve tê-la feito recordar alguma coisa ruim que lhe
aconteceu naquelas terras, algo que você quer guardar apenas para si. Mesmo que
nunca o tenho visto, ele esteve lá ao mesmo tempo que você e o encontro pode ter-lhe
trazido à memória o que quer manter reprimido.
Jéssica foi obrigada a sorrir. Alguns anos atrás Lisa havia começado um curso de
psicologia e desde então havia se tornado um hobby analisar os amigos. O diagnóstico
predileto era o do trauma reprimido. Decidiu concordar com aquela hipótese absurda,
mesmo porque, no fundo, não era tão absurda assim.
— Talvez você esteja certa, Lisa. Prometo que vou pensar no assunto.
— Isso mesmo, querida, e sempre que precisar de alguém para conversar pode me
procurar. Estou ao seu dispor, está bem?
— Certo, Lisa, mas pode ficar sossegada.
— Charles e eu gostamos muito de Marshall, meu bem!
Jéssica percebeu que essa mudança um pouco brusca de assunto era proposital. De
alguma forma, as preocupações de Lisa e a aprovação com relação à pessoa de Marshall
estavam ligadas.
— Eu também gosto dele — respondeu Jéssica com cautela. Ele parece bastante
empolgado por você, querida.
— Ouça, Lisa, não fique imaginando coisas que não existem. Nós temos apenas uma
relação amigável.
— Mas, minha intuição me diz que poderia ser muito mais do que isso. Ele é um rapaz
maravilhoso, Jéssica. E daria um ótimo marido...
Nesse exato momento a campainha soou. Aliviada e sentindo-se salva pelo gongo,
pois aquela conversa estava tomando rumos desagradáveis, Jéssica despediu-se da
cunhada desligando o aparelho.
Já no hall lembrou-se de que Jason ameaçara ir a Taunton conversar com ela. Parou
hesitante, com a mão sobre o trinco, e foi espiar pela janela antes de abrir a porta.
Quando suspendeu a cortina, porém, ficou desapontada ao ver que era o vizinho da
casa ao lado.
Não pôde negar a frustração que sentiu.
O Sr. Thorson pedia sua assinatura num abaixo-assinado requerendo um vigia para a
rua.
Enquanto discutiam o assunto um carro cinza-prateado de modelo estrangeiro virou a
esquina estacionando em frente ao portão.
Nesse preciso instante, ela soube antes mesmo de o homem sair do veículo e
caminhar com determinação pelo jardim que era Jason quem chegava. Não tinha como
escapar nem que quisesse, e, para ser sincera consigo mesma, não podia negar a cu-
riosidade que sentia.
Ouviu, desatenta, as explicações sobre a importância de um vigia enquanto observava
Jason, que contemplava o amontoado de folhas que ela havia juntado no quintal.

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Resolveu assinar o documento, para se livrar da história.


Nesse momento percebeu que Jason se aproximava, postando-se no fim da escada.
Teria que enfrentá-lo, não tinha dúvidas. Lamentava apenas que estivesse tão mal
vestida, com o velho jeans e a malha de tricô surrada. Sentia-se em desvantagem, porque
ele estava muito elegante e charmoso, trajando uma calou de veludo cinza, uma jaqueta
de lã preta bem grossa e um cachecol xadrez no pescoço.
Os dois homens se cumprimentaram polidamente e o Sr. Thorson, conseguindo a
assinatura, bateu em retirada.
— Olá, Jason.
Jason parou em frente a ela, o rosto sério, as mãos nos bolsos da jaqueta, fitando-a. O
sol colocava reflexos no espesso cabelo negro. Por um momento, a confiança de Jéssica
se desvaneceu. "Por que ele tinha que ser tão irresistível?", pensava em desespero.
— Posso entrar, Jéssica? Quero conversar com você mas aqui fora esta frio. Acho que
vai ser mais confortável aí dentro.
Ela relutou por instantes.
— Está bem, Jason. Mas apenas por alguns minutos. Enquanto entrava e fechava a
porta, sentiu-se tomada por uma onda de pânico ao pensar que agora estariam
absolutamente sós, dentro de casa. Tentando dominar-se, ponderou que teria que
enfrentar essa situação algum dia, e o momento havia chegado.
Polida, porém distante e fria, resolveu ouvi-lo e depois mandá-lo embora. Não se
deixaria dominar pelas emoções. Não teria manifestações de raiva, não faria acusações
nem ameaças.
— Você quer uma xícara de chá? Talvez um drinque...
— Não quero nada, obrigado. — Jason cortou bruscamente. Estavam em frente à
lareira, em pé, a um passo de distância um do outro. Jéssica não olhava para o rosto
dele. Mas o tom rude de sua voz fez com que levantasse os olhos e o encarasse
assustada.
— Vim aqui para conversar, não para me distrair nem tomar chá — continuou ele num
tom mais ameno, enquanto corria o olhar pela sala. — Aqui é muito agradável e
aconchegante, do jeito que você queria.
O que ela queria... A única coisa que desejava era estar com ele. E a maneira de ele
falar dava-lhe a impressão de que havia sido abandonada por não combinar com seu
perigoso estilo de vida.
Tentando manter-se fiel às promessas que fizera a si mesma, Jéssica respirou fundo
para acalmar-se e disse com frieza.
— Eu gosto daqui. Por que não nos sentamos?
Jason fez um gesto de impaciência, franziu a testa e deu alguns passos pela sala.
Jéssica percebeu que sob a capa de homem civilizado vivia ainda o foragido das
montanhas.
Sentiu um certo temor.
— Não vim aqui para termos uma conversinha polida, Jess.
— E por que você veio? O que nós ainda temos para dizer um ao outro?
Jason ficou olhando para ela um longo tempo, com as pálpebras quase fechadas sobre
os olhos. Uma enorme eletricidade invadiu a sala silenciosa. Alguma coisa muito séria
estava em jogo naquele momento. Algo nas atitudes dele, no seu tom de voz, no olhar
parecia atingi-la e ameaçá-la.
— Como pode dizer isso, depois de tudo o que aconteceu entre nós, Jess? Você acha
de verdade que não temos nada a dizer um ao outro?
O coração de Jéssica saltou forte no peito. Seria possível que Jason se importasse
com ela apesar de tudo? Então lembrou-se do lacônico bilhete que ele havia deixado ao
partir e da bela Dorothy Davis pendurada em seu braço na noite anterior, e uma onda de
ressentimento tomou conta dela.

Projeto Revisoras 45
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— Gostaria de lembrá-lo, Jason, de que deu tão pouca importância ao que houve entre
nós que me deixou sem me dizer uma única palavra. O bilhete tocante que me escreveu
poderia ter sido escrito para qualquer um, até para um empregado — falou Jéssica com a
voz trêmula. Horrorizada, percebeu que sua voz começava a falhar e lágrimas quentes lhe
inundavam os olhos. Não queria que ele a visse chorar. Odiava que percebesse sua
fraqueza.
Jason estendeu os braços em sua direção. Imediatamente ela recuou, percebendo o
perigo que isso significava. Sabia que, se não conseguisse vencer o desejo de cair nos
braços dele, o fascínio daquele homem a venceria.
— Não, não chegue perto de mim! Não me toque! Isso não pode acontecer nunca
mais.
Jason parou bem perto, fitando-a. Parecia lutar contra o próprio temperamento
impetuoso. Com um movimento de ombros, deu-lhe as costas, caminhando em direção à
lareira, onde o fogo ainda ardia. Ficou contemplando as chamas e só depois de algum
tempo virou-se para encará-la.
— Está bem, Jess. Será como você quiser. Vou lhe explicar como as coisas
aconteceram, e então, se você ainda quiser que eu vá embora, irei. — Lançou-lhe um
olhar estranho e começou a falar em voz mais baixa. — lembrando de tudo agora, acho
que realmente não agi direito, mas naquele momento me pareceu ser a melhor atitude a
tomar. Já presenciei muitas revoltas internas nos mais diversos países do mundo para
saber que aquela trégua seria apenas temporária, e eu tinha apenas duas coisas na
mente naquele momento: que você pudesse sair sã e salva de lá enquanto o combate
estava paralisado e que eu conseguisse a minha reportagem.
Os reflexos do fogo iluminavam o rosto moreno e de traços longos, acentuando a
selvagem beleza daquele homem. Jéssica se emocionou mas nada disse. Ele então
prosseguiu:
— Temia que, se você soubesse dos meus planos de continuar no país, resolvesse
permanecer também. O que eu podia fazer além de fugir, me diga? Talvez tenha agido
errado, mas o que aconteceria se a tivesse esperado e lhe dito tudo isso? O que você
teria feito? Será que teria partido?
Jéssica ainda não se sentia capaz de falar. Estava completamente dividida em partes
inconciliáveis. Uma desejava atirar-se nos braços de Jason e retomar aquela relação. A
outra, mais cautelosa, dizia-lhe que isso era loucura, um caminho sem retorno, perigoso e
incerto, inclusive ameaçador.
Mas Jason esperava que ela dissesse alguma coisa. Ao vê-la em silêncio, seu olhar foi
se entristecendo.
— Você não acredita em mim — falou baixinho.
Será que realmente ela não acreditava nele? Ah, no fundo, pouco importava. Seu único
desejo era ver-se livre da presença perturbadora de Jason. Se não resistisse ao impulso
de abraçá-lo estaria perdida.
— Isso não importa mais, Jason. Talvez você estivesse mesmo pensando apenas na
minha sobrevivência. Eu até prefiro lhe dar o benefício da dúvida, mas isso não muda
nada — respondeu com tristeza.
Poderia se explicar melhor, Jess?
— Não tenho que lhe dar explicações, Jason. Tenho todo o direito de dizer que não
quero você em minha vida, entende?
— Eu não acredito!
— Acredite no que quiser. Deixei-o entrar em minha casa, ouvi sua versão e até posso
considerá-la verdadeira. Agora quero que vá embora daqui e não volte mais por favor.
Os ombros dele se abaixaram, demonstrando que se sentia derrotado. Jéssica teve um
impulso de abraçá-lo, dizer-lhe que não era verdade, que ainda o amava e queria ficar a
seu lado.

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— Eu não podia imaginar que a tivesse magoado tanto, Jess.


Fiz o que achei melhor para você naquela hora — disse Jason, desanimado.
— Por favor, vá embora.
— Está bem, irei, Jess. — Deu-lhe as costas e caminhou em direção à saída. Antes de
chegar ao hall, porém, parou, virando-se para ela e lançando-lhe um olhar triste. — Mas
não espere que eu desista assim tão facilmente, doutora. — Dizendo isso, retirou-se.

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CAPÍTULO VIII

Jéssica ficou parada no meio da sala, o corpo rígido, os braços caídos, incapaz de
esboçar qualquer reação. Ouviu os passos que se afastavam, a porta do carro abrindo e
fechando e, finalmente, indo embora.
Então jogou-se sobre o sofá, soluçando de mágoa.
Depois de muito tempo acendeu a luz do abajur, procurando pelo chá que ainda não
bebera. Estava gelado! Levantou-se e foi até a cozinha mas, ao invés de esquentá-lo,
derramou-o todo dentro da pia. Tirando uma garrafa de cherry de dentro do armário,
encheu a xícara com o licor e tomou um longo trago. Terminou de beber e voltou a
recostar-se no sofá, tentando pensar sobre o seu encontro com Jason. Sentia um imenso
cansaço.
Não sabia se fizera a coisa mais estúpida ou a mais sensata, expulsando aquele
homem de sua presença. Tinha a cruel consciência de que o desejava mais do que nunca
e de que estava apaixonada.
Haviam ficado esclarecidas as razões que o levaram a escrever aquele bilhete cruel:
ele pensara na sua segurança. Se não tivesse aceitado o auxílio de Marshall, perderia a
oportunidade de deixar o país.
Mas o problema era outro: o tipo de vida que teria de aceitar se permanecessem
juntos.
Não! Jéssica concluiu com certa dureza. Sua escolha fora a única possível. Não havia
esperança de futuro e segurança para aquele amor. Jason viveria sempre em função do
perigo e de aventuras, e quase nunca ao seu lado.
Nos dias que se seguiram ela trabalhou demais e todo esse episódio foi se
desvanecendo em sua memória até o ponto de duvidar que tivesse realmente acontecido.
A princípio havia esperado que ele reaparecesse e insistisse no assunto. Ficara um pouco
desapontada quando isso não acontecera, pois as últimas palavras dele deram-lhe a
impressão de que não desistiria. Mas parecia ter mudado de idéia. Jason não era homem
de desistir assim com facilidade. Talvez não a quisesse tanto, especialmente tendo a seu
lado uma mulher como Dorothy Davis.
Jéssica tinha certeza de que jamais o esqueceria, mas, com o passar dos dias, a
convicção de que acertara ao mandá-lo embora era a cada momento mais forte.
O trabalho na clínica aumentava a olhos vistos, pois o Dr. Weatherby encaminhava-lhe
sempre novos pacientes. Graças a sua competência estava ganhando a confiança de
todos. Procuravam-na também pessoas que não tinham nenhuma ligação com o velho
médico, mas já tinham ouvido falar da sua capacidade.
Mesmo a taciturna enfermeira Schultz a aceitava agora e esse fato fez com que se
sentisse, realmente, em casa. Numa tarde de sexta-feira, Jéssica estava atendendo a
uma das últimas consultas do dia, uma senhora que sofria de artrite e que apresentava
um quadro de anemia profunda muito preocupante. Logo depois, iria embora.
— A senhora deve comer fígado, peixe, carne fresca, Sra. Columbo — recomendava
ela.
A Sra. Columbo fez um muxoxo meneando a cabeça.
— Eu não consigo, doutora. Essas coisas me fazem passar mal!
— Tudo bem. Vou lhe receitar uns comprimidos que contêm ferro e são muito bons.
Vou querer também um novo exame de sangue. A Sra. Schultz fará a coleta.
Jéssica foi até o corredor e chamou a enfermeira, pedindo-lhe para tirar uma amostra
do sangue da velha senhora. Sentia-se cansada. Essa última consulta havia exaurido
suas energias e tudo o que queria era ir embora. Olhou para o relógio. Já eram cinco
horas.
— Ainda há mais algum paciente, Sra. Schultz?
— Apenas mais um e então você poderá descansar. Parece que o rapaz tem um

Projeto Revisoras 48
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problema no coração, segundo me contou — explicou a enfermeira, passando-lhe a ficha


do paciente.
Jéssica leu o prontuário esperando que não fosse um problema sério. Por que a
pessoa não havia procurado um cardiologista? Era a pergunta que se fazia, enquanto se
dirigia para a sala onde o paciente estava.
Encontrou-o sentado, de costas para a porta, sem camisa, pronto para os exames de
rotina.
— Bem, Sr. Smith, parece que o senhor está preocupado com o seu coração? Quais
são os sintomas?
— Tenho a impressão de que está partido — respondeu uma voz conhecida.
Jéssica sentiu o sangue correr mais veloz nas veias e um calor subir-lhe pelo rosto ao
se dar conta de que o homem era Jason. Levantando os olhos do prontuário deparou com
o olhar divertido que ele lhe lançava.
— Você?! Mas o que está fazendo aqui? — perguntou incrédula.
Levantando os ombros com ar de pouco-caso, Jason explicou:
— Foi a melhor tática que consegui imaginar para ser recebido. Você não poderia
deixar de me atender. Portanto...
Jéssica sentiu-se tentada a mandá-lo embora, chegando a abrir a boca, mas as
palavras de raiva morreram em seus lábios. Ele estava tão bonito e charmoso com a pele
queimada de sol e o peito nu, que ela não pôde resistir.
— Oh, Jason, o que eu vou fazer com você? — suspirou.
— Por que não me leva para sua casa? Eu marquei de propósito a última consulta do
dia, apenas para que depois pudéssemos sair juntos daqui — respondeu ele,
aproximando-se.
— Eu não sei, Jason. O que você quer de mim? Já não falamos tudo o que deveria ser
dito?
— Não pretendo deixá-la fugir de mim, Jess — disse ele com ternura. Depois,
colocando a mão sobre o peito, continuou com um sorriso malicioso: — E, além disso,
você não quer ser responsável por um coração partido, quer? Poderia ser fatal, você
sabe!
Jéssica foi forçada a sorrir também, quebrando um pouco o gelo. Era tão cômico vê-lo
assim, à sua frente, com uma expressão patética no rosto, tão desarmado e
completamente fascinante! Então, pela primeira vez, percebeu que talvez tivesse algum
poder sobre aquele homem.
O pensamento a chocou. Sempre acreditara que só ela abria mão dos sonhos c
fantasias para viver ao lado dele. Nunca lhe havia ocorrido que ele dependesse de sua
vontade também.
Essa idéia a alegrou, mas por pouco tempo.
— O que você quer de mim, Jason?
— Bem, nesse momento, eu gostaria de ter as minhas roupas de volta. Depois,
poderíamos ir à sua casa para conversarmos mais à vontade. Você faria isso por mim,
Jess? É muito importante que ouça o que tenho a lhe dizer. E então, o que me responde?
Jéssica percebeu como brilhavam aqueles olhos cinzentos. Cruzou os braços
entendendo a mudança da cor.
— Está bem, Sr. Smith. Já que o senhor está tão preocupado, é o mínimo que posso
fazer para ajudá-lo!
— Obrigado, doutora!
— Então por que não se veste e espera na sala ao lado? Vou demorar uns cinco
minutos.
— Vou indo — concordou Jason pegando a camisa que lhe era estendida.
— Ah, espere um minuto — Jéssica ordenou, colocando o estetoscópio no peito dele
para ouvir-lhe as batidas do coração.

Projeto Revisoras 49
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Só percebeu como aquela brincadeira era perigosa e insensata quando já estava muito
perto, sentindo o perfume daquele corpo moreno. Viu o brilho provocante nos olhos dele e
uma onda de desejo a dominou, deixando sua pele arrepiada e o coração aos saltos.
Afastou-se rapidamente.
— Parece que está muito bem, Sr. Smith. Não creio que o senhor tenha com que se
preocupar. O seu coração está ótimo!
— Isso nós veremos... — Jason respondeu com um sorriso enigmático, vestindo
finalmente a camisa.
Quando ficou sozinha, Jéssica percebeu a imprudência que estava cometendo. Foi
para o lavabo lavar as mãos e pentear os cabelos. Enquanto se olhava no espelho,
sentia-se dominada por uma estranha emoção.
"Você está louca?", perguntou à sua imagem refletida. "Devo estar, mas ele é tão
atraente!", desculpou-se enquanto penteava os cabelos e passava um pouco de batom
nos lábios.
Vestiu o blaser creme, guardou os objetos pessoais na bolsa e dirigiu-se para a saída
do consultório, apagando as luzes no caminho. Quando chegou à rua, viu o carro
estacionado e sentiu-se trêmula de novo. Começava a escurecer e ela mal podia dis-
tinguir Jason ao volante.
De repente, o rosto dele foi iluminado pela chama do isqueiro. Quando enxergou
aquelas feições viris, atinou que corria um certo risco ao ficar sozinha com ele, em sua
casa. Se tivesse algum juízo, correria no sentido oposto...
Mas não! Ouviria as explicações de Jason e não permitiria que chegasse perto dela.
Gostava muito de sua vidinha tranqüila e estava determinada a defender o pouco de paz
que havia conquistado. Não daria nova chance a Jason Strong apenas para ficar sofrendo
quando ele sumisse.
Ao entrar no carro, falou:
— Espere, Jason, eu mudei de idéia. Não gostaria de ir para casa agora.
— Por quê? Está com medo do que o vizinho possa pensar? — argumentou arqueando
as sobrancelhas.
— É claro que não. Mas me sentiria melhor num lugar público.
Jason freou bruscamente ao ouvir aquele argumento.
— Você quer dizer que se sentiria mais segura, não é isso?
— Não se superestime, Jason. É que não acho prudente, desde que você está tão
envolvido com Dorothy Davis... — afirmou Jéssica, em atitude defensiva, pois a
observação estava muito próxima da verdade, e a incomodava bastante.
Jason lançou-lhe um rápido olhar, manobrando o carro pela rua deserta. Como sempre
acontecia, Jéssica não conseguiu distinguir nada na expressão dele. — Então para onde,
Jess?
Tentou lembrar-se de algum recanto próximo, que fosse aconchegante e onde
pudessem beber alguma coisa e relaxar um pouco. Charles a havia levado, há muito
tempo, a um bar chamado O Salgueiro. Ensinou o trajeto e foram até o local em silêncio.
De tempos em tempos, ela se atrevia a dar uma olhada furtiva para Jason e o via
perdido em pensamentos com uma expressão séria no rosto. Imaginando uma boa
história para lhe contar, desconfiava Jéssica. Mas o que ele ganharia com isso? Afinal,
por que se preocupava tanto com ela?
A proximidade forçada e o silêncio tenso aumentavam seu desconforto. Estava
totalmente distraída quando chegaram ao bar, c acabou saltando do carro antes mesmo
que ele terminasse de estacionar.
Quando entraram no bar, Jéssica sentia-se aflita. Por que ele sempre conseguia
colocá-la na defensiva? Parecia uma garotinha, uma escolar ingênua e não uma mulher
adulta e responsável.
Afinal não fora ele quem a procurara e propusera o encontro? Por que não dizia nada

Projeto Revisoras 50
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então, droga?! Armara todo aquele estratagema para saírem juntos, e agora insistia em
permanecer mudo!
Sentaram-se num canto da sala escura e deserta. Jéssica sentia-se bastante irritada,
cansada, faminta e sem disposição para discutir o passado com um homem que não tinha
nenhum futuro a lhe oferecer. Então, o que fazia lá sentada em frente a ele?
A melhor coisa seria concordar com tudo o que ouvisse e depois pedir que a levasse
para casa.
A garçonete aproximou-se com o cardápio, acendendo o candelabro no centro da
mesa. Jéssica viu que Jason a fixava intensamente, com uma súplica estampada nos
olhos. Estava tenso, como se antecipasse uma batalha de vida ou morte.
— Como eu senti falta de você, Jess!
Essa afirmação, feita quase num sussurro, a deixou de respiração suspensa, os olhos
mergulhados nos dele. Todas as bravas resoluções se desvaneceram num instante e um
imenso amor a invadiu. Antes que pudesse esboçar qualquer reação, começou a chorar.
— Não chore, Jess! Por favor, não chore. Você é a minha garota forte e querida!
— Eu não estou chorando — negou, dando um pequeno soluço.
Jason limitou-se a sorrir, com os olhos ternos e quase negros de emoção. Tirou um
lenço do bolso da jaqueta, inclinando-se sobre a mesa para limpar-lhe as lágrimas.
— É claro que não está! — disse com carinho. Confusa, Jéssica não sabia o que dizer,
o que pensar.
— Jess, a última coisa que eu queria era magoar você. Deve acreditar em mim. O que
aconteceu entre nós significou muito para mim. Foi errado partir daquele jeito, mas achei
que seria o melhor. Você poderia jurar que teria deixado o país se soubesse que eu
permaneceria lá?
— Não! — respondeu ela num suspiro. — Eu havia planejado que partiríamos juntos ou
eu ficaria com você. E então, quando percebi que você havia me abandonado...
Nesse instante a voz de Jéssica a traiu, impedindo-a de continuar.
— Você partiu... E era justamente isso o que eu queria. A sua segurança — Jason
concluiu com simplicidade.
A garçonete apareceu trazendo as bebidas que haviam pedido. Jéssica sentiu-se grata
por essa interrupção e, enquanto a garota os servia, limpou os olhos e assoou
delicadamente o nariz, tentando pensar com mais clareza.
Queria analisar a expressão de Jason, do outro lado da mesa. Estaria sendo sincero?
Em caso afirmativo, importava-se com ela mais do que podia supor. E pouco ganharia se
estivesse mentindo. Aquilo não fazia sentido! Obviamente, Jason já tivera muitas
mulheres e nenhuma delas devia ter significado muito. Jamais reataria um caso de amor
sem significado.
O enigma continuava. Nunca Jéssica havia conhecido alguém como ele, um homem
determinado, quase sem ética ao perseguir o seu objetivo, totalmente desligado dos
riscos que corria e, por outro lado, tão gentil, ansioso para que compreendessem as
razões de sua atitude.
Jason voltou a cabeça, procurando-lhe os olhos.
— Você acredita em mim, Jess?
O tom da voz denunciava que era importante que ela acreditasse. Jéssica percebeu
que o futuro dependia de sua resposta honesta.
— Sim, Jason, eu acredito!
O olhar dele se tornou mais profundo e uma luz interior pareceu iluminar-lhe as feições
enquanto a contemplava.
Era como se apenas os dois importassem no mundo. Levantou o copo num brinde e,
após um longo trago, perguntou:
— Agora me diga: o que há entre você e Marshall Bennett?
— Por que quer saber, Jason? Será que está com ciúmes? — perguntou Jéssica,

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colocando o copo sobre a mesa.


Os olhos de Jason soltaram faíscas enquanto respondia com firmeza.
— Você está certa. Estou com ciúmes, sim. E não gostei nada do jeito com que ele se
pavoneou para o seu lado.
— Ora, não sei por que isso poderia irritá-lo, quando você tinha aquela bela ruiva para
se consolar!
Jason arqueou as sobrancelhas com uma expressão de desagrado.
— O pai de Dorothy e eu somos velhos amigos. No dia em que voltei, ele me telefonou
pedindo como favor especial que a levasse ao baile. Eu havia planejado procurar você no
dia seguinte e, quando Lisa nos convidou para aquela reunião, imaginei que a encontraria
lá. Não podia perder a oportunidade. Dorothy é uma cabeça de vento, apenas uma peça
decorativa numa festa. Nada mais do que isso. Significa tão pouco para mim que não
consigo entender como você pôde ter ficado com ciúmes. — Jason estendeu o braço,
pegando-lhe a mão. — Você é a única mulher que me interessa, Jess. Apenas você!
Jéssica sentiu-se como se estivesse nas nuvens. Nada mais importava naquele
momento. Desejava atirar-se nos braços dele, beijá-lo, sentir o sabor daqueles lábios em
sua boca e de suas mãos acariciando-lhe o corpo. O desejo era tão forte que lhe
provocava uma espécie de vertigem.
— Oh, Jason... — sussurrou num fio de voz, a garganta embargada, e não pôde
continuar.
O restaurante estava começando a encher, ficando mais barulhento.
— Vamos embora daqui — pediu Jason.
E sem esperar resposta, afastou a cadeira e levantou-se. Colocou no bolso traseiro
uma parte do troco que a garçonete havia trazido, deixando o resto de gorjeta. Então
estendeu a mão para Jéssica e, sem trocar uma palavra, saíram do bar.
Estava muito escuro lá fora. Uma magia indefinida pairava na noite sem luar. Jason
puxou Jéssica para junto de si, enlaçando-a enquanto caminhavam. Já dentro do carro
abraçou-a.
Ela tremia de felicidade enquanto trocavam carinhos loucos, dando-se conta de quanta
falta sentira, de como havia ansiado por aquele contato, a despeito de toda a raiva. Jason
beijava-lhe os cabelos, o rosto, as pálpebras, o pescoço, com lábios sequiosos,
murmurando-lhe palavras doces ao ouvido. Num gesto de posse, ele tocou-lhe o seio. O
desejo há tanto tempo adormecido explodiu. Ela se abraçou a ele com volúpia. Todos os
sentidos estavam despertos. Adorava o sabor daquela boca, o cheiro da pele, o toque
daquelas mãos. Ansiava por senti-lo dentro dela novamente.
Jason afastou-se e, segurando-a pelos ombros, pediu:
— Deixe-me ir para casa com você, Jess. Eu preciso de você! Nesse momento o clarão
ofuscante dos faróis de um carro estacionando à frente deles iluminou o interior do
automóvel de Jason. Foi apenas um flash, o suficiente para que Jéssica se recobrasse
daquele enlevo.
Esses poucos segundos bastaram para que percebesse o quanto ainda o amava, e
que não devia fazer amor com ele. Voltava à velha história de que não haveria nenhum
futuro para os dois. Reatar aquele caso significava sofrer muito depois. Jason a deixaria
assim que fosse requisitado para uma missão perigosa.
— Então, podemos ir?
— Não vou deixá-lo ficar lá, Jason.
Ele a fitou, surpreso. Após alguns instantes insistiu num tom desanimado.
— Não compreendo, Jess. Você disse que acreditava em mini, e eu senti que me
deseja muito. Então, o que acontece?
— Tem razão, Jason. Eu quero você. — Jéssica nem tentou negar.— Mas, entenda o
meu ponto de vista, apenas desta vez, por favor. Suponha que retomemos o nosso caso.
O que acontecerá então? Não consigo vislumbrar um futuro para nós, para mim, a não ser

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uma decepção ainda maior quando você me deixar novamente.


Por um longo tempo Jason não disse nada limitando-se a observá-la. Afastou-se então,
acendendo um cigarro. Um vinco profundo marcava-lhe a testa.
— Ainda está pensando no amanhã? — perguntou por fim.
— Tenho que fazê-lo. Você vive por aí, em qualquer lugar do mundo. A minha vida é
aqui e não consigo me imaginar esperando-o ansiosa, com medo do que possa ter-lhe
acontecido.
— Você quer alguém calmo e tranqüilo, que possa lhe dar segurança. Como Marshall
Bennett! — disse Jason.
Aquele não era o momento para joguinhos infantis e ela sentia que devia ser
absolutamente honesta.
— Não tenho nenhum interesse por Marshall.
Jason esmagou o cigarro contra o cinzeiro, ligando o motor do carro. Nenhum dos dois
falou mais.
"Talvez não haja mais nada a dizer", pensou Jéssica, sentindo-se miserável.
Quando Jason estacionou em frente à sua casa, ficou parado, olhando-a com
insistência. Não parecia nem um pouco irritado.
— Está bem, Jess. Posso entender seu ponto de vista — disse num tom terno,
sorrindo. — E até concordo com ele, a princípio.
— Fico feliz em ouvir isso — respondeu ela, a voz apertada na garganta, desapontada
por ele desistir tão cedo. Sentia-se um verdadeiro poço de contradições, incapaz de saber
o que queria.
— Mas não na prática! Não vou desistir de você, Jess, e ponto final.
— Mas, Jason? Não vou ter um caso com você e nem vou mudar de opinião. Não
consigo ver perspectiva para nós. O que podemos fazer?
Jason esfregou com força as mãos uma na outra e, levantando os ombros, exclamou:
— Céus, como posso saber? Talvez não haja saída, mas vou tentar descobrir.
Pegou as mãos de Jéssica entre as suas, grandes e fortes, e virou-as com as palmas
para cima, beijando-as.
— Gosto de você, Jess. Desde o primeiro momento em que a vi. O que sinto vai além
de sexo — e dando um sorriso maroto —, embora também goste muito de fazer amor
com você!
Jéssica ficou pasma, tomada por uma louca esperança de que ainda tivessem alguma
chance. Talvez não precisasse abrir mão daquele amor.
— O que você está sugerindo, Jason? — perguntou.
— Apenas que continuemos a nos ver e nos conheçamos um pouco. Acho que
podemos namorar um tempo e quem sabe apareça alguma solução. O que acha dessa
proposta?
— Oh, eu não sei. Tenho medo.
— Droga, Jess. E você acha que eu não tenho também?
— Você? Com medo? Não pensei que houvesse alguma coisa no mundo que o fizesse
sentir isso.
— Apenas você, Jess. Unicamente você! — ele disse com doçura.
Jéssica riu.
— Eu não represento perigo algum, Jason. E você deve saber disso muito bem.
— Ah, não? Sou quase um solteirão inveterado. Tive muitas amigas e, tenho que
admitir, muitas mulheres não são tão escrupulosas quanto você. Mas guardei o melhor de
mim para o meu trabalho. Até que um dia caiu na minha vida, como um meteoro, uma
médica linda, de cabelos loiros e perfumados, que virou tudo de cabeça para baixo. E isso
me assusta muito!
O coração de Jéssica batia descompassado, enlouquecido. Aquelas palavras pareciam
uma declaração de amor. Não deixaria escapar aquela chance, a sua oportunidade de

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viver um grande amor.


— Está bem. Vamos tentar desse jeito maluco que você está propondo. Pelo menos
por um tempo para ver o que acontece — admitiu num suspiro.
— Ótimo! —ele exclamou aliviado e então continuou: — Mas sem cama?
— Exatamente! Sem cama!
— É melhor então que a leve para dentro agora. Saíram do carro e andaram pelo
jardim em direção a casa.
Após abrir a porta e acender a luz do hall, Jéssica voltou-se para desejar boa noite a
ele.
— Eu ligo em um ou dois dias, Jess. E então faremos algo simples, normal e seguro.
Está bem assim? Rodeou os ombros dela com seus braços fortes, beijando-lhe a boca.
Foi uma carícia suave e terna e ele não a prolongou.
Jéssica sentiu-se grata pela compreensão, pois não conseguiria resistir muito mais.
Jason então foi embora e ela ficou parada sob o umbral da porta, a contemplá-lo, como se
estivesse sonhando. Entrou depois em casa, trancando a porta atrás de si. Era como se
estivesse flutuando, embriagada pelo sabor dos beijos que recebera.

CAPÍTULO IX

As semanas seguintes foram calmas e deliciosas para Jéssica, Jason a cumulava de


carinho e atenção. Encontravam-se quase todas as noites, quando ela costumava fazer
um jantar para os dois. Algumas vezes iam a um restaurante em Washington. Nos finais
de semana, davam longos passeios de carro ou passavam o dia conversando em frente à
lareira, quando fazia muito frio.
Novembro se aproximava. Logo seria inverno, e a neve começaria a cair. As árvores
apresentavam um colorido de outono, em tons avermelhados, e as folhas se amontoavam
aos pés dos carvalhos.
Em nenhum momento Jason a pressionou para fazerem amor. Era delicado e gentil
quando estavam juntos, mas limitava seus carinhos a um simples beijo de boa noite,
contendo o desejo que sentia. Apesar de terem resolvido evitar um contato físico mais
íntimo sem antes terem certeza dos rumos que aquela relação tomaria, Jéssica sentia
falta das carícias alucinantes que lhe despertavam tanta paixão.
Aprendera muito sobre Jason nessas poucas semanas: conhecera seu trabalho, o livro
que estava escrevendo acerca das experiências em San Cristobal, os planos de vida, o
passado e a infância solitária. Mas ainda não o conhecia realmente. Era como se ele
guardasse uma parte de si escondida e não permitisse que fosse desvendada. Ela se
perguntava se chegaria a conhecê-lo algum dia. As barreiras que Jason tinha levantado
haviam sido apenas transpostas ao fazerem amor em San Cristobal. Jéssica o sentira
vivo e vibrante então, mas não sabia se fora devido à situação de perigo ou à intimidade
em que viviam.
O fato de estarem sempre juntos não escapou à perspicácia de Lisa, que ligou uma
tarde para falar do assunto. Jéssica eslava terminando de preparar o jantar) à espera de
Jason, guando o telefone tocou.
— Jéssica, eu tenho um assunto delicado para falar... Parece que você está se
envolvendo com Jason Strong, não é? — Lisa perguntou, após muitos rodeios.
— Me envolvendo? Está muito enganada! O que quer dizer com isso? Apenas saí para
jantar com ele algumas vezes. Por quê?
Não era a verdade absoluta, mas ela não queria que Lisa conhecesse a extensão total
daquele relacionamento. Afinal, nem mesmo ela ou Jason sabiam direito o futuro que
teriam. Se é que teriam algum futuro juntos...
— E desde quando isso vem acontecendo? — Lisa persistia.

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— Há poucas semanas. Afinal, qual é o problema, Lisa? Jason é uma boa companhia e
um homem muito interessante — Jéssica respondeu, tentando dar um tom frívolo à voz.
— É muito perigoso, minha cara! É um aventureiro, incapaz de se prender a alguém, e
nunca vai se comprometer.
Jéssica sentiu as faces em fogo e respondeu irritada:
— Bem Lisa, será que não posso sair com um homem sem ter planos de me casar com
ele?
Percebia que uma boa parte de seu mau humor era devido ao fato de que a cunhada
estava certa. Jason era, na verdade, perigoso e aventureiro, o que a confundia mais do
que gostava de admitir.
— Claro que pode querida! Mas falo isso apenas porque não quero que você sofra —
disse Lisa num tom mais doce, antes de mudar de assunto. — E o que me diz de Marshall
Bennett?
Jéssica suspirou. Sentia-se muito culpada em relação a Marshall e não precisava que
Lisa lhe recordasse isso. Não haviam se encontrado desde a noite do baile na embaixada,
há mais de um mês. Se Lisa sabia que ela estava se encontrando com Jason, Marshall
também deveria estar a par.
— Nunca houve nada entre nós dois — Jéssica refutou com voz fraca.
— Bem, querida, sei que esse assunto só interessa a você e não gosto de interferir na
sua vida.
Jéssica sorriu com ironia frente àquela afirmação duvidosa, enquanto Lisa continuava
de forma inexorável!
Mas, você está com vinte e oito anos e é tempo de começar a pensar em casar-se e
constituir uma família. Marshall seria o marido ideal e odeio vê-la perdendo tempo com
um homem como Jason Strong, que...
Para seu alívio, a campainha soou e Jéssica sentiu-se salva daquele incômodo
interrogatório.
— Desculpe-me, Lisa, mas estão batendo na porta. Chamo você mais tarde. Um beijo.
— Colocou o fone no gancho, correndo para ver quem chegava.
— Havia chovido o dia todo e naquele momento descia uma garoa fina e gelada. A
temperatura estava muito baixa, caindo ainda mais com a aproximação da noite. Jason
tremia de frio na varanda, sob o pesado sobretudo cinza. Seus cabelos brilhavam
molhados pelas gotas da chuva gelada.
Como acontecia sempre que o via, Jéssica sentiu um arrepio da cabeça aos pés. Jason
trazia um embrulho em papel marrom embaixo do braço. Aproximou-se, beijando-lhe
ligeiramente os lábios.
— Olá, Jess. Trouxe um vinho para nós.
— Entre, Jason. Está muito gelado para ficar parado aí. Desculpe-me por tê-lo deixado
esperando, mas falava com Lisa. Ela me pregou um sermão terrível — disse, ajudando-o
a tirar o casaco.
Jason olhou-a de relance por sobre o ombro.
— É? Por quê?
— Por sua culpa! — respondeu sem pensar, arrependendo-se logo depois. Enquanto
pendurava o sobretudo, as implicações daquele comentário intempestivo começaram a
assustá-la. Não queria de maneira alguma que Jason se sentisse pressionado. Gostaria
que desistisse da vida perigosa que levava, para que pudessem pensar no futuro, mas
essa decisão teria que partir dele, espontaneamente, sem nenhum tipo de pressão.
Ao entrar na sala, fingiu uma calma que não sentia naquele momento.
— Ia acender o fogo quando você chegou. Não quer fazer isso enquanto termino de
preparar o jantar para nós? — pediu, notando a expressão séria no rosto de Jason.
— Está bem — concordou ele, aproximando-se da lareira. Enquanto terminava a
refeição, Jéssica não se perdoava pelo comentário impulsivo que fizera. Que ele não

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havia gostado, era mais do que óbvio. Mas talvez as coisas pudessem ser arranjadas,
pensava enquanto colocava as taças e a garrafa de vinho sobre a bandeja, levando-as
para a sala. Teria de ser mais cuidadosa.
Encontrou Jason parado, pensando, com o braço apoiado no rebordo da lareira,
olhando fixamente o fogo. Mais uma vez, sentiu uma onda de ternura invadi-la. Ele era
essencial em sua vida. Estava tão belo e atraente! Vestia uma elegante calça preta e um
grosso suéter creme, de lã. O cabelo, sempre em desalinho e comprido na nuca, aparecia
sobre a gola da malha. Teve ímpetos de atirar-se em seus braços, acariciar-lhe o
pescoço, enfiar as mãos pelos cachos macios e encaracolados, apertar o corpo contra o
dele e fazer todo o tipo de loucuras que aquele amor lhes permitisse inventar.
Jason voltou a cabeça e seus olhares se encontraram. Foi como se uma onda de
eletricidade tomasse conta de ambos. Ele ergueu a mão, correndo-a pela nuca num gesto
de impaciência, e falou em voz baixa e controlada:
— Jess? Será que o jantar pode esperar um pouco?
— É claro que sim. Vamos beber um pouco de vinho antes? — perguntou ela,
enquanto colocava a bandeja sobre uma pequena mesa.
Em silêncio, Jason serviu o vinho, entregando-lhe a taça. A sua, ele encheu duas vezes
antes de falar.
— Preciso conversar com você.
Jéssica ficou tensa, sentindo-se tomada de enorme pavor. Jason ia abandoná-la
novamente, ela sabia. Certamente já aceitara fazer á cobertura das lutas internas em
algum outro país, Nicarágua, por exemplo. Não havia repórter mais indicado para cobrir
os eventos.
Jason aproximou-se, sentando-se a seu lado, o olhar perdido no vazio. Apoiou os
cotovelos sobre as pernas. Brincou distraidamente com a taça de vinho entre as mãos.
— Estive pensando muito a nosso respeito nesses últimos tempos, Jess.
— E chegou a alguma conclusão? — perguntou ela, sem saber ao certo se queria ou
não saber a resposta. Segurava firme a taça, para impedir que as mãos tremessem.
— Não havia chegado a nenhuma conclusão, até esta noite. — Jason a fitou, com olhar
enigmático. — Mas quando soube que Lisa a estava prevenindo contra mim, as coisas
ficaram claras.
— Jason, eu não quis...
— Sei disso — interrompeu-a. — Mas sou obrigado a admitir que ela tem razão. Isso
me fez compreender como sou idiota e egoísta, e o quanto tenho exigido e esperado de
você.
— Jason... não estou compreendendo...
— Sei que não. — E fez uma ligeira pausa antes de explicar. — Vários jornais querem
que eu faça as reportagens sobre os eventos na Nicarágua.
Então era isso! Confirmava o que ela mais temia. Os pensamentos mais
desencontrados lhe subiram à cabeça. Tentou controlar a súbita onda de desespero que a
invadia. Aquela afirmação significava o fim de tudo, de todos os sonhos! Não queria viver
daquela maneira, sempre amedrontada com o que pudesse acontecer a ele. Embora
sofresse muito, preferia ficar sozinha a uma contínua ansiedade. Seria melhor que
terminassem naquele instante. Num esforço enorme, engolindo em seco, Jéssica tentou
dar um tom calmo à voz.
— E quando você pensa em partir?
Jason correu as mãos distraidamente entre os cabelos. Aquele gesto tão peculiar, por
algum motivo, a feriu mais do que qualquer palavra. Não conseguia imaginar como viveria
sem aquele homem. Ele a encarou antes de continuar:
— Eu não irei. Não vou aceitar nenhuma proposta. Com cuidado, Jéssica colocou a
taça na bandeja, as mãos trêmulas.
— Não vai aceitar nenhuma proposta? — repetiu automaticamente, como se duvidasse

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do que ouvira.
Jason aproximou-se prendendo-a nos braços e acariciando-lhe as costas num carinho
possessivo, e ela encostou a cabeça naquele peito forte e protetor, deixando-se levar pela
emoção.
— Eu amo você, Jess. Nunca pensei que isso aconteceria comigo, mas de repente
percebi que nada no mundo valerá a pena, se com isso correr o risco de perder você.
— Oh, Jason. Eu te amo tanto.
Ele segurou-lhe o queixo, fazendo-a erguer o rosto. Fitou-lhe profundamente os olhos,
brilhantes de emoção.
— Jess, case-se comigo. Não sei se serei um bom marido, nunca pude me imaginar
nesse papel. Ficar parado num lugar, ter esposa e filhos é uma incógnita mais perigosa
que qualquer guerra. Mas você pode me ensinar. Diga que se casa comigo.
Embriagada por uma felicidade imensa, ela apenas conseguiu dizer, num fio de voz:
— A qualquer momento e em qualquer lugar, Jason. Ele a enlaçou, apertando-a contra
si.
— Você sabe o que eu gostaria de fazer agora, não sabe? — perguntou com um
sorriso ambíguo, entre comovido e malicioso, e Jéssica apertou-se mais contra ele, antes
de murmurar:
— Sim, Jason, eu sei. E também quero.
Beijaram-se com ternura e amor, as mãos dele percorrendo-Ihe o corpo em carícias
loucas.
— Querida, vamos esquecer o que aconteceu em San Cristobal e começar tudo de
novo — pediu ele.
Jéssica teve ímpetos de gritar que não queria esquecer San Cristobal, pois tinha se
apaixonado por ele lá, mas parou antes de começar. Jason já lhe tomava os lábios com
paixão, exigindo seu amor.
As semanas que se seguiram foram de inteira felicidade. Jason deixou todas as
decisões sobre a cerimônia de casamento com ela, apenas pedindo que fosse o mais
rápido possível.
A notícia atingira a pequena família de Jéssica como uma bomba! Lisa havia ficado
estarrecida, mas recebera Jason de braços abertos. Mesmo o fleumático Charles
parecera deliciado com a idéia e não conseguira evitar o olhar de surpresa e admiração
ao receber a boa nova. Comentou apenas que jamais imaginara que pudesse existir a
mulher que levaria Jason Strong ao altar.
Ilido parecia correr bem, mas, em diversos momentos, Jéssica surpreendia uma
expressão meio distante e ausente no olhar de Jason. Temia que ele estivesse
arrependido da decisão que tomara, mas não teve coragem de perguntar. Além disso,
sempre que ele se percebia sendo observado, sorria, tomava-a nos braços, fazia carinhos
e Jéssica acabava esquecendo as dúvidas. E isso era tudo o que importava.
Alguns dias após aparecer nos jornais a notícia do noivado, Jéssica recebeu um
telefonema de Marshall. Sua voz soava rude ao telefone.
— Achei que seria conveniente dar-lhe os parabéns.
— Muito obrigada, Marshall. — Jéssica agradeceu com certo desconforto.
— Foi um tanto repentino, não? Vocês se conheceram apenas há um mês.
— Talvez tenha sido mesmo. Afinal Jason é um homem muito persuasivo.
Um silêncio mortal caiu do outro lado da linha, fazendo-a perceber a inconveniência
daquelas palavras.
— Oh, Marshall. Desculpe-me...
— Esqueça, Jéssica. Afinal, você nunca fez nenhuma promessa ou me deu qualquer
esperança. Sei que sou um perdedor. Conheço Jason Strong há muito tempo e gosto
dele, assim como respeito o trabalho que faz, sua habilidade e coragem. Mas você sabe
que não será fácil entendê-lo. Acha que será capaz de tolerar as longas ausências

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enquanto ele estiver fora, vivendo suas aventuras?


— Jason não fará mais essas reportagens. Desistiu desse tipo de trabalho.
— É mesmo? Mas eu pensei... — a voz de Marshall denotava surpresa.
— O que você pensou? — Jéssica perguntou ao perceber a pausa que ele fizera.
— Nada de importante. É que a gente ouve muitas coisas, que nem sempre são reais,
e é provável que eu esteja enganado.
— Vamos, Marshall. Me conte. Talvez seja alguma coisa importante — Jéssica insistiu.
— Bem, ouvi dizer que Jason estava indo para a Nicarágua. Mas como você está
dizendo que ele desistiu de tudo, tenho que acreditar nisso.
— E o que mais você ouviu, Marshall?
— Jéssica, acho que é melhor você conversar sobre isso com o próprio Jason. Já falei
demais. Estou certo de que não é nada. Devem ser apenas boatos. Afinal, se ele lhe
disse que não ia, por que dar ouvidos aos falatórios?
A voz de Marshall soava firme, mostrando que seria tolice persistir. E ele não queria ser
desleal com Jason comentando esse assunto nas suas costas.
— Você tem razão, Marshall. Foi gentil de sua parte me ligar. E, por favor, me perdoe.
Gosto muito de você, mas tudo aconteceu de forma imprevisível.
— Eu compreendo, Jéssica. A propósito, já ia me esquecendo. A diretora daquela
agência médica que a contratou ligou outro dia procurando por você. Ainda não acharam
alguém para substituí-la em San Cristobal. Ela quer saber se você gostaria de voltar à
aldeia. Jéssica deu uma risada gostosa,
— Nunca, jamais!
— Foi o que respondi. Bem, mais uma vez desejo-lhe felicidades. Espero que você e
Jason sejam muito felizes. Ele é um homem de sorte.
Quando desligou o telefone, Jéssica ficou parada, com a mão apoiada no aparelho por
um longo tempo, pensando naquela conversa. Pressentia que Jason não lhe havia
contado tudo. Recordava-se daqueles momentos de introspecção, do modo como ele
tentava disfarçar suas preocupações. Ele não lhe mentiria, pensou. Mas poderia estar
ocultando alguma coisa.
Fosse o que fosse, ficou intrigada. Será que deveria incomodar-se com aquilo? Talvez
fosse melhor esquecer, mesmo porque, se houvesse algo de real importância, Jason lhe
contaria.
Naquela mesma tarde Jéssica foi a Washington para jantar no apartamento do noivo.
Estava muito frio e uma espessa camada de neve cobria as ruas.
Jason a olhou com ar preocupado quando abriu a porta e ajudou-a a tirar o casaco.
— Querida, você não deveria ter vindo com um tempo desses. Eu tentei ligar, mas
acho que você já havia saído.
— Está tudo bem, agora. Além do mais, um pouco de neve não faz mal. Sou boa
motorista.
Jason apoiou as mãos nos seus ombros e deu-lhe um beijo.
— Hum! Que gostoso! Mas suas mãos estão geladas. Venha para perto do fogo.
Foram até o estúdio, uma sala com poucos móveis, lotada de livros até o teto.
Recostando nas almofadas perto da lareira, Jéssica aninhou-se nos braços dele, com a
cabeça em seu peito, e disse num tom provocador:
— Você conhece o ditado: "Mãos frias, coração quente?" Os olhos de Jason brilharam
fitando os dela. Acariciou-lhe os seios e Jéssica encolheu o corpo, assustada com o
violento desejo que aquele gesto despertou. Jason brincou:
— Ei, calma! Você tem razão. Seu coração é muito quente. — E curvou-se para beijá-
la.
Jéssica sentiu um calor subindo pelo corpo. Abraçou-o, pressionando com força seu
corpo contra o dele. O coração batia acelerado ao deslizar as mãos por baixo do suéter
escuro, sentindo a textura da pele masculina.

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— Eu... eu acho que sim — respondeu Jéssica, com a respiração entrecortada.


— Garanto que, se continuar tentando, vai conseguir o que quer — Jason sussurrou
em voz doce.
Então puxou-a para si e ela percebeu que o desejo também o invadia. Mas ele
exclamou com voz jovial.
— Em todo o caso, não antes do jantar. Fiz uma comida deliciosa para nós, e não
quero que nada atrapalhe.
Um pouco frustrada e meio envergonhada, Jéssica passou as mãos pelos cabelos.
— Você é um tolo, Jason. Sabia disso? — brincou.
Ele lançou-lhe um olhar prolongado, cheio de carinho, mantendo-se ainda um pouco
distante, a respiração apressada. Sorriu.
— Sei apenas que te amo, Dra. Carpenter.
Jéssica colocou a mão no queixo dele, segurando-o com firmeza, balançando-lhe a
cabeça.
— Isso é tudo o que preciso saber. Então vamos ver aquele maravilhoso jantar.
A refeição, na verdade, não passava de uma mistura de vários legumes refogados,
como ele costumava fazer em San Cristobal, com uma salada verde e um pão delicioso.
— Espero que isso não lhe traga recordação da revolução — brincou ele enquanto a
servia.
— Não, mas me faz lembrar de que Marshall Bennett ligou hoje de manhã.
— E o que ele queria? — Jason perguntou secamente.
— Apenas desejar felicidades e avisar que a agência que me contratou para trabalhar
em San Cristobal está interessada em que eu volte.
— O que lhe respondeu, Jess?
Disse que não, é obvio. Expliquei que estamos planejando nos fixar e ter uma vidinha
bem doméstica. — Fez uma pausa esperando por alguma resposta dele. — É isso o que
estamos planejando, não é?
— Juro que é — Jason respondeu com um leve sorriso.
Mas aquela convicção soou falsa aos ouvidos de Jéssica. Não pôde deixar de perceber
a hesitação nos olhos dele. Lembrou-se da surpresa de Marshall ao saber que Jason não
iria para a Nicarágua.
Percebeu que não poderia continuar com aquelas dúvidas. Jason não parecia disposto
a se abrir com ela e seria muito difícil arrancar aquele segredo. Colocando o garfo no
prato, apoiou os cotovelos sobre a mesa, encarando-o.
— O que está acontecendo na Nicarágua, Jason?
Ele demorou um pouco para responder, como se aquele assunto o surpreendesse.
— Uma outra revolução, eu creio. Isso nunca termina, você deve saber disso.
— É mais do que isso. De que forma você está envolvido? O que querem com você?
— persistiu Jéssica.
Uma expressão de alarme surgiu no olhar de Jason, que ficou calado por um longo
tempo. Parecia estar ponderando, pesando as palavras. — Está bem — disse ele
finalmente num sopro de voz. — Eles continuam querendo que eu vá fazer a cobertura da
revolução. Parece que o líder das forças guerrilheiras finalmente concordou em dar uma
entrevista, mas impôs uma condição: que seja feita por mim.
Jéssica sentiu o coração dolorido. Uma súbita tristeza tomava conta dela.
— E você está indo...
Jason bateu com força os punhos sobre a mesa. Levantou-se andando de um lado
para o outro da sala.
— Não, droga. Eu não irei. Já os avisei — afirmou por fim. Uma onda de alívio a
percorreu. Quis mostrar como estava
feliz. No entanto, Jason tinha as costas encurvadas e um olhar de desespero. Ela hão
disse nada, percebendo o peso da decisão sobre ele. Recostou-se na cadeira, com as

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mãos em volta do pescoço, sentindo-se sufocada. Aquela opção era um preço muito alto
para ele. Jason continuou:
— Prometi a você que não iria, e juro que cumprirei a promessa. — Jason aproximou-
se dela, abaixando-se ao lado de sua cadeira.
— Perdoe-me, Jess. Perdoe-me. Eu não queria deixá-la preocupada com essa história.
— E abraçou-a com ternura.
Num gesto de desalento, ela ergueu a mão fazendo um carinho naqueles cabelos
pretos. Sentia tanta tristeza que não conseguiu evitar o pranto. Forçá-lo a levar uma vida
doméstica era como colocar um pássaro numa gaiola, e ela o amava demais para isso.
Lembrava-se que fora atraída pelo seu ímpeto aventureiro, sua liberdade.
O que deveria fazer? Casar-se e morar em Taunton, esperando sua volta, sempre com
medo, sem nunca saber se estava vivo ou morto? Ou desistir, deixá-lo fazer seu trabalho,
libertando-o daquela promessa.
Permaneceram por muito tempo sentados, juntos, abraçados, na mesma posição,
respirando no mesmo ritmo. Finalmente, Jéssica viu a resposta com clareza. Jason... —
sussurrou:
— Eu te amo, Jess.
Ela sorriu com tristeza.
— Eu sei. E também te amo. E é por isso que não podemos mais continuar, Jason.
Percebe isso? Parar com seu trabalho o destruiria. Você acabaria me odiando. Não posso
fazer isso com você. É pedir demais.
Jason ia dizer qualquer coisa, protestar, mas interrompeu-se. Levantou-se, dando-lhe
as costas. Somente Jéssica sabia o quanto desejava correr para ele, cair em seus braços,
aceitar qualquer coisa. Mas não poderia fazer aquilo. Seria violentar-se demais. Então
pôs-se em pé.
— Estou indo embora, Jason.
Ele se voltou para ela, com o rosto exprimindo intensa dor.
— Eu realmente te amo. Você sabe disso... Não vou esquecê-la nunca.
Com um adeus, Jéssica saiu depressa da sala.

CAPÍTULO X

Durante semanas Jéssica leu as reportagens de Jason sobre a Nicarágua. Achava-as


sempre brilhantes. Mais do que isso, as entrevistas com o líder guerrilheiro constituíram
um elemento importante para um acordo futuro entre as facções.
O que ele estava fazendo era também algo muito perigoso. Jason encontrava-se no
campo de batalha, nos territórios onde a guerrilha atingia o auge, e sempre havia a
possibilidade de que pudessem prendê-lo, fazê-lo refém ou até mesmo matá-lo, se lhes
passasse pela cabeça a idéia de que era um espião.
Apesar da tensão, Jéssica conseguiu manter sua vida dentro da normalidade durante
aquele período, aumentando ainda mais sua clientela. Mas sentia que perdera algo
precioso.
Passava horas tentando avaliar o que havia acontecido. Ganhara tranqüilidade
desistindo de Jason?
Como poderia viver com ele, temendo noite e dia pela sua segurança? Duvidava no
entanto que isso fosse pior que a dor aguda que sentia, o vazio absoluto que lhe ia no
íntimo desde que ele partira. Se estivessem juntos, sofreria menos. O Natal se
aproximava. Se os planos não tivessem sido rompidos já estariam casados.
O último paciente daquela sexta-feira se foi. O dia seguinte era sábado e seria plantão
do Dr. Weatherby. Jéssica pensou no monótono fim de semana que a esperava. Como
preencher a enorme lacuna provocada pela ausência de Jason?

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Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

Lembrou de como Jason era cheio de vida, contagiante. A despeito dos perigos que
corria, e talvez até por causa deles, possuía uma aura, um mistério, que não existia nas
outras pessoas com suas vidinhas seguras, normais. Jason possuía um prazer e uma
alegria quase animais, pelo simples fato de estar vivo, fazendo um trabalho importante,
significativo e que adorava.
Saudosa, Jéssica olhou com tristeza a neve que caía e cruzou os braços
estremecendo, enquanto as imagens de San Cristobal dominavam sua mente. Recordou-
se das pessoas, da praça, até mesmo dos soldados, tão jovens, lutando por algo que nem
sabiam o que fosse. Após o último paciente a Sra. Schultz abriu a porta, despedindo-se.
Quando a enfermeira se retirou, Jéssica recolheu suas coisas. Viera a pé para o
consultório naquele dia. Com a neve acumulada nas ruas, era mais rápido e seguro ca-
minhar, apesar do frio intenso.
Percorreu todas as salas do consultório, examinando-as para certificar-se de que se
encontravam em ordem. Era uma atitude desnecessária, por ser tarefa da enfermeira,
mulher extremamente organizada. Cada objeto achava-se em seu devido lugar e os ins-
trumentos cirúrgicos absolutamente limpos e esterilizados.
Bem diferente de San Cristobal, pensou Jéssica. Lá, tudo tinha que ser feito com suas
próprias mãos, e a aparelhagem era bastante precária. Ficava feliz quando o pessoal da
embaixada mandava alguns estoques de seringas descartáveis.
Jéssica sentia-se muito deprimida. Tentando levantar o ânimo, voltou até a sala onde
deixara a bolsa e as botas para neve. Quem diria, pensava, que algum dia pudesse
lembrar-se de San Cristobal com tanto carinho. Engraçado como havia esquecido com
facilidade os sons da batalha, os temores, os constantes tiroteios.
Será que esse súbito acesso de nostalgia era devido ao fato de que fora lá que
conhecera e se apaixonara por Jason? Não, foi obrigada a reconhecer, pois havia sido
feliz ali antes dele. Sentiu novamente os olhos molhados de lágrimas. Quase com raiva,
enxugou-os. Tinha que parar com aquilo, admoestou-se decidida. Tudo o que fazia nos
últimos tempos era chorar. Será que essa dor não passaria nunca?
Vestiu a pesada capa e estava abrindo a porta da frente, quando ouviu o telefone.
Hesitou em atender. Apesar de saber que até sábado de manhã era a médica de plantão,
o que mais queria era chegar em casa, e sentar-se em frente à lareira para ler os jornais.
Há dois dias os artigos de Jason não apareciam nos jornais, e ela estava ansiosa por
verificar se haviam publicado alguma coisa.
O telefone continuou tocando. Jéssica voltou para atender. Caminhou até a mesa da
Sra. Schultz, tirando o fone do gancho.
— É do consultório do Dr. Weatherby.
— Posso falar com a Dra. Carpenter, por favor? — A voz do outro lado da linha era de
uma mulher e soava firme e prática.
— É a Dra. Carpenter — Jéssica respondeu, esperando que não fosse uma
emergência.
— Dra. Carpenter, aqui é Anna Pruett. Lembra-se de mim? Jéssica reconheceu o nome
da diretora da agência que a contratara para o trabalho em San Cristobal.
— Claro, Sra. Pruett — respondeu secamente.
— Desculpe-me por incomodá-la, mas estou desesperada. Marshall Bennett me disse
que lhe contou o nosso problema e que conversaram sobre a possibilidade de sua volta a
San Cristobal.
— Sim, é verdade. E eu lhe disse que não seria possível. Estou me estabelecendo em
Taunton, com um consultório, e não quero sair daqui. A hipótese está fora de questão,
desculpe-me.
— Essa foi a resposta que ele me deu, mas tinha esperança de que você
reconsiderasse. — A Sra. Pruett deu um suspiro de decepção do outro lado da linha,
antes de continuar: — Não posso dizer que a culpo por querer estabelecer-se por aí, mas,

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Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

como lhe disse, estou desesperada e decidi tentar mais uma vez.
— Isso significa que a senhora está tendo dificuldades em encontrar um substituto para
o meu lugar?
— Dificuldade é uma palavra leve. Parece ser uma coisa impossível. Ninguém quer ir
para lá.
— Bem, Sra. Pruett. Fico muito triste com isso, mas, como disse antes, está fora de
cogitação para mim.
— Eu compreendo, Dra. Carpenter, também estou triste, mas posso entender seu
ponto de vista.
— Então, boa sorte em suas buscas, Sra. Pruett. Espero que logo encontre algum
interessado — Jéssica retrucou com poli-dez, tentando ocultar os sentimentos
desencontrados que a dominavam.
Recolocando o fone no gancho, percebeu que estava com as mãos trêmulas e as
pernas bambas. Sentou-se. Era um absurdo ficar tão abalada por causa de um
telefonema. Então eles precisavam desesperadamente de um médico? Por que
procuravam justo por ela? Já havia ficado muito tempo por lá. Por que não a deixavam em
paz?
Assim que chegou em casa Jéssica acendeu a lareira e tirou as roupas úmidas. Havia
nevado durante o trajeto e tudo estava gelado. As chamas a ajudavam a aquecer o corpo,
enquanto procurava por alguma notícia de Jason. Mas não havia nada. Apenas uma
pequena nota afirmando que a guerrilha continuava e o fogo era cerrado. Olhou fixamente
o fogo que crepitava na lareira, tomando um gole de vinho e mastigando, com ar ausente,
algumas torradas. Não fazia uma refeição decente desde que Jason partira. Seu
estômago se rebelava contra qualquer alimento mais substancial que tentasse engolir.
A preocupação estava atingindo limites insuportáveis. Alguma coisa devia ter
acontecido com Jason para que tivesse parado de escrever. Essa certeza fazia com que a
depressão aumentasse a cada minuto e a ansiedade ficasse fora de controle, enquanto
tentava afastar as imagens que teimavam em invadir sua imaginação. Via Jason ferido e
sangrando em alguma montanha perdida e distante, totalmente só, sem ninguém para
ajudá-lo.
— O que devo fazer? — Jéssica perguntou em voz alta como se falasse com alguém.
E apenas ouviu o silêncio como resposta. Cobriu o rosto com as mãos, tomada de
intenso pânico, e soluçou, desesperada.
Aos poucos foi ficando mais calma. Tinha que fazer alguma coisa. Não suportava mais
aquela impotência, à espera de notícias. Mas o que poderia fazer?
Ligaria para Marshall, decidiu finalmente. Ele sabia sempre tudo o que ocorria no
mundo, pois possuía muitos contatos. Poderia dar-lhe alguma pista sobre o paradeiro de
Jason. Com as esperanças renovadas, pegou o telefone.
— Marshall? É Jéssica.
— Jéssica! O que há? Há algo errado? Eu estava saindo e quase não atendi o
telefone...
— Você tem alguma notícia de Jason? — ela perguntou, interrompendo-o com
ansiedade. — Há dias que não aparece nenhum artigo dele nos jornais. Alguma coisa lhe
aconteceu?
Marshall manteve-se em silêncio por longo tempo e ela chegou a pensar que a ligação
tivesse sido interrompida.
— Marshall? Você ainda está ai?
— Sim... Ainda estou na linha. Escute, Jéssica. Eu não posso lhe dizer nada sobre
isso.
— Por que não sabe de nada, ou por que deve manter o sigilo?
— Não é tão simples assim. Apenas ouvi alguns boatos, como sempre, mas nada de
oficial, nem definitivo — continuou cauteloso.

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Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

— Que boatos foram esses, Marshall? Por favor, eu tenho que saber! — Jéssica estava
quase gritando. Mais uma vez sentia o pânico crescendo.
— Tudo o que sei é que, por alguma razão que não conhecemos, ele está
incomunicável. Pode ser por qualquer motivo. A situação na América Central é caótica.
Ferve como uma caldeira. Os sistemas de comunicação estão precários.
— Sei disso tudo. Mas continue, Marshall. Quais são os rumores?
— Tenha calma, Jéssica. Vou falar. Ouvi dizer que ele permaneceu com as forças
guerrilheiras até que... Bem...
A voz de Marshall falhou, e Jéssica percebeu onde ele queria chegar. Até que Jason foi
morto, ela terminou em silêncio, o coração oprimido no peito.
— Oh! Por que você não me diz qual é a sua opinião sincera? Sem mais preâmbulos,
por favor — implorou.
Ele hesitou.
— Está certo, Jéssica. Vou lhe contar tudo. O boato mais persistente, e o que estou
inclinado a aceitar, conhecendo os riscos que o trabalho de Jason implica e a situação na
Nicarágua, é que ele provavelmente foi morto. Posso estar errado, você compreende. Fez
uma pesada pausa antes de continuar: —Ainda não houve nenhum pronunciamento
oficial. Mas o fato é que, se eles o tivessem preso como refém, nós já teríamos alguma
notícia. E se ele estivesse doente ou ferido, teria sido mandado de volta para cuidados
médicos.
Um longo silêncio reinou após aquelas palavras. Jéssica sentia-se paralisada.
Finalmente, conseguiu falar com voz mais calma.
— Entendo... Obrigada, Marshall. Se ouvir qualquer coisa mais definitiva, pode fazer o
favor de me comunicar?
— Naturalmente, Jéssica... Escute. Eu sinto muito... Mas você tem que concordar que
Jason sabia muito bem os riscos que corria, certo?... Você está bem, Jéssica?
— Sim, não se preocupe, eu estou bem.
Desligaram então, e Jéssica caminhou quase desfalecida até a lareira. Deixou-se cair
sobre o sofá, olhando fixamente as chamas até o fogo apagar, horas depois. Mal se
movendo, passou a noite sentada no sofá.
As primeiras luzes da manhã a surpreenderam ainda acordada. Sentia um cansaço
enorme, mais do que em qualquer outro momento de sua vida, como se toda a sua
energia tivesse se exaurido. E, com ela, toda a vontade e toda esperança.
Todo o seu corpo doía. Conseguiu levantar-se, caminhou até a janela e espiou a rua
encoberta pela neve. Não havia nenhum sinal de vida ali. Nem carros, nem gente. Apenas
solidão e desalento.
Eu sei que ele está morto! — repetiu em voz sufocada.
Não encontrou nenhuma notícia nos jornais da segunda e terças-feiras seguintes. Não
adiantava folheá-los. Continuou com a rotina normal em ambos os dias, fazendo as
rondas habituais pela manhã e recebendo os clientes no consultório à tarde. O rigoroso
dia-a-dia ajudava-a a não pensar. No resto do tempo, dormia para não sentir nada.
Parará de nevar no fim de semana, mas desde domingo caía uma garoa constante e
deprimente, aumentando-lhe a melancolia.
Na terça à noite, Jéssica resolveu telefonar para Marshall de novo.
— Não foi feito nenhum comunicado oficial — ele respondeu com cautela. — Mas há
muitos boatos ainda.
— Quais são eles?
— Bem, dizem em determinados círculos diplomáticos que há a possibilidade de
alguma intervenção do governo.
— O que isso significa? — indagou Jéssica.
— Quase nada, exceto que estamos insistindo em obter a evidência concreta sobre o
paradeiro de Jason.

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Meu Amor Rebelde Rosemay Hammond

— E há chance de alguma resposta?


— É difícil saber, e você não deve alimentar esperanças. Essa atitude é apenas uma
encenação, sem nenhuma força por trás. Nós não vamos nos indispor mais ainda com os
governos da América Central por causa de um jornalista americano.
— Entendo... — O tom de voz dele a aterrorizou. — Referia-se a Jason como se
estivesse morto. — Você não acredita que ele ainda esteja vivo, não é, Marshall?
— Jéssica, eu simplesmente não sei. Mus acho que você deve estar preparada para o
pior. Fico muito triste por estar dizendo isso, mas você foi avisada do que poderia
acontecer. E, de qualquer modo, não há nenhuma evidência de uma coisa ou outra.
Depois de agradecer pelas notícias e desligar, Jéssica ficou parada no hall, olhando para
o telefone, tentando digerir aquelas informações. Ao erguer os olhos, viu seu reflexo no
espelho em frente.
Estava horrível, verificou com desgosto. Há dias que mal se arrumava. Sua aparência
era patética, falta de vida nos olhos, olheiras, ombros caídos.
Volveu àquela imagem desagradável um olhar duro. Então era essa mulher, avaliou
sem piedade, que havia lutado tanto para conseguir o diploma de medicina? Que havia
ido para um país em guerra enfrentar tantos riscos? E, mais do que isso, era por essa
mulher que Jason tinha se apaixonado?
"Claro que não!", pensou Jéssica com amargura. De repente, uma idéia começou a
tomar corpo em sua mente. Afinal, pensava, o que lhe adiantaria ficar parada em Taunton,
torcendo as mãos em agonia como uma mulher de antigamente, esperando o marido que
havia ido para a guerra? Ela não era desse tipo e devia haver algo que pudesse fazer.
Dirigiu-se para a cozinha e preparou uma sopa rápida, que tomou quase sem sentir o
sabor. Os pensamentos giravam-lhe no cérebro, até chegar a uma resolução. Afinal voltou
para o hall e pegou o telefone com mãos firmes. Enquanto discava o número de Marshall,
olhou para o reflexo no espelho outra vez. Os olhos já estavam mais brilhantes, os
ombros levantados, e não tinha mais o desânimo no olhar.
— Marshall, desculpe-me por incomodá-lo de novo, mas preciso de um favor seu.
Como posso entrar em contato com a Sra. Pruett, da agência?
— Você quer falar com ela agora?
— Sim.
— Hum, deixe-me ver.
Jéssica esperou em silêncio enquanto ele procurava o número do telefone.
— Aqui está. — Após dar-lhe o número, Marshall fez uma pequena pausa. Posso lhe
perguntar por que você quer falar com a Sra. Pruett?
— Decidi aceitar a proposta de voltar para San Cristobal — respondeu calmamente.
— Você o quê? — Marshall quase gritou do outro lado da linha. — Está louca?
— Talvez. Mas sei que preciso ir. Não posso ficar parada esperando por alguma notícia
por mais tempo. Eu quero ir.
Percebeu que não fora apenas a preocupação por Jason que a fizera se decidir. Em
todos aqueles meses havia sentido o desejo de voltar para o país onde sua presença era
necessária, embora não tivesse consciência disso.
— Não acredito. E o que você me diz do consultório, Jéssica? Ela conseguiu sorrir.
— Ora, Marshall. Há coisas mais importantes.
— E você pretende desistir de tudo para ir à América Central procurar por Jason
Strong? Isso é loucura, Jéssica! Você não pode ter esperanças de encontrá-lo.
— É claro que não, Marshall! Não seja tolo. Não tenho essa intenção, mas estarei
muito mais próxima dele. E apreciaria muitíssimo que você lhe contasse que fui para lá,
quando puder.
— Jéssica... E se ele estiver morto?
— Se ele estiver morto, minha vida estará acabada de qualquer modo. Que pelo menos
eu viva o resto dela onde possa ser útil.

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Duas semanas mais tarde, Jéssica estava de volta a San Cristobal. Um jovem adido da
embaixada foi ao seu encontro no aeroporto, levando-a pelas tortuosas estradas nas
montanhas. O jipe que dirigia devia ser o mesmo que Marshall usara.
Uma trégua prolongada se desenrolava nas linhas de batalha, e todos estavam com
esperanças de que fosse definitiva. Mas nunca se podia ter certeza, afirmou o rapaz.
Os comentários sobre sua volta ao vilarejo haviam se espalhado e, quando o jipe parou
em frente à casa, muitas pessoas se aproximaram rindo e dando-lhe as boas-vindas.
Jéssica sentiu o coração aquecido ante as demonstrações de carinho e afeto. Indicavam
o quanto sua decisão fora correta.
— Já esteve por aqui antes, não?
— Vejo todos contentes com sua volta. Observou o adido, enquanto a ajudava a
carregar sua bagagem.
Jéssica apenas confirmou com um gesto de cabeça.
— Você é uma mulher muito corajosa! E parece ser muito querida também.
— É verdade. Eu acho que sim.
Quando ele se foi, ela tirou seus pertences das malas e desceu para arrumar a
enfermaria. Trabalhava como se nunca tivesse partido e os meses passados na Virgínia
fossem um sonho.
Nas vésperas da partida, hesitava ainda, quando, ao abrir o jornal vira um artigo de
Jason. Ele estava vivo! As entrevistas com os líderes guerrilheiros haviam sido um
instrumento importante para criar um clima amigável nas negociações. Jéssica perguntou-
se na época se não estaria cometendo uma loucura ao desistir da clínica e voltar para um
lugar que oferecia tanto perigo. Jason estava salvo. Havia mais alguma razão para que
ela fosse para San Cristobal?
Havia sim, um motivo muito importante. Toda a população contava apenas com ela.
Taunton era um lugar bem provido de médicos, com um bom atendimento. Mas em San
Cristobal ela era tudo o que eles possuíam. E, além disso, a vida pacata e segura que
levava ficou extremamente tediosa, após o rompimento com Jason. Ele havia marcado
seus dias mais do que pensava.
Na mesma tarde de sua chegada Jéssica ficou observando a praça tão familiar e
ouvindo os gritos dos macacos nas bananeiras. Logo cairia a noite. Uma paz deliciosa
tomava conta dela. Sorria, lembrando-se da última conversa com Charles e Lisa antes de
partir, quando a levaram para o aeroporto naquela mesma manhã.
— Jason está perfeitamente bem querida! Não há necessidade de partir agora —
dissera Lisa, que antes havia recebido a notícia de sua volta a San Cristobal com
bastante tranqüilidade. Sua imaginação romântica fervilhara ao pensar que a cunhada
estava indo ao encontro do homem que amava, apesar de todos os riscos.
Não conseguia compreender, porém, por que ela partia sabendo que Jason estava vivo
e são, fazendo o seu trabalho. Por que não o esperava em casa, tranqüila?
Jéssica tentou explicar seu ponto de vista, enquanto esperavam pelo embarque no
aeroporto.
— Quero partir, Lisa. Eu pertenço àquele lugar. — Charles, diga que me compreende!
— E lançou um olhar suplicante ao irmão.
Charles encarou-a. Soltou então uma baforada do cachimbo, meneando a cabeça.
— Na verdade, não a entendo, Jessie. Mas sei que todos nós devemos seguir o que o
coração mandar. Se você deseja realmente ir, deve ir — terminou abraçando-a e dando-
lhe um beijo no rosto.
Havia muito trabalho esperando por Jéssica. Bastava olhar ao redor, contemplar as
altas montanhas que circundavam a vila, isolando-as das grandes cidades.
Naquela mesma noite, um pouco antes de deitar-se, Jéssica caminhou até a porta do
quarto em que Jason havia ficado. Enquanto observava a cama vazia, mil recordações
afluíram-lhe à mente. Via Jason deitado, ferido e com febre, usando as roupas sujas e

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manchadas de sangue; lembrava-se da noite em que havia acordado com os gritos dele,
quando se amaram pela primeira vez, e todas as outras noites em que estiveram juntos.
Será que ele voltaria? Entenderia como ela se modificara com a separação?
Seria capaz de perceber que o conflito entre eles estava terminado, resolvido? Queria
tanto acreditar que sim...

CAPÍTULO XI

Uma semana após a chegada de Jéssica à aldeia, Jason apareceu. No momento em


que ela menos esperava. Era de manhã cedo e ela estava na enfermaria, limpando os
instrumentos cirúrgicos e lendo os prontuários dos pacientes, quando percebeu um vulto
parado à porta.
Levantou os olhos e o viu, alto, bronzeado, muito atraente com roupas caqui e pesadas
botas. O cabelo continuava longo, e mechas caíam-lhe sobre a testa e a nuca. Fitaram-se
por longos momentos, sem dizer uma palavra. Jéssica sentiu-se invadida por ondas de
alívio e felicidade.
— Eu estava nas proximidades e resolvi passar por aqui — ele disse de forma casual.
Ela colocou a mão no peito para acalmar as violentas batidas do seu coração e
permaneceu sentada, imóvel, olhando para Jason. Ele parecia seguro de si, com o sorriso
pairando nos lábios finos e expressivos, a cabeça pendendo para o lado, uma expressão
divertida no rosto. Mas os olhos, de um intenso azul-escuro, mostravam que também
estava emocionado com aquele encontro.
Aguardava alguma coisa, imóvel, encostado na porta, as mãos nos bolsos traseiros da
calça. Então Jéssica se lembrou. Havia sido ela que o mandara embora e Jason esperava
que fizesse um movimento em sua direção.
Levantou-se num impulso, derrubando desajeitadamente a pilha de prontuários pelo
chão.
— Jason! Eu sabia que você estava vivo! — E correu para abraçá-lo. Parou ao
perceber uma ruga de preocupação a vincar-lhe a testa.
— Foi por isso que você veio para cá? — perguntou ele baixinho.
Jéssica entendeu o que o perturbava. Jason estava em dúvida, perguntando-se se ela
havia voltado para a aldeia para livrar-se de alguma culpa, por preocupar-se com sua
segurança, ou se havia sido uma decisão baseada apenas em senso de dever para com o
povo. Sentiu-se relaxar e sorriu carinhosamente.
— Não foi só por isso — afirmou, aproximando-se. Parou na frente dele, tão perto que
podia perceber as linhas finas que lhe circundavam os olhos, as veias pulsando em seu
pescoço e a respiração morna. — Suas matérias haviam recomeçado a aparecer nos
jornais antes da minha partida e eu já sabia que você estava bem. Mas, depois de uma
semana por aqui, sem receber nenhuma notícia, também sabia que ainda corria perigo.
— Acho que é melhor termos uma conversinha. Levantando o braço, Jason correu a
mão pelos cabelos, num gesto familiar. Estava empoeirado, suado e com uma expressão
de cansaço no rosto. Jéssica relanceou os olhos para o relógio.
— O meu primeiro paciente virá somente daqui a duas horas. Por que você não
aproveita, toma um banho e faz a barba, enquanto lhe preparo um café da manhã?
— Parece uma idéia maravilhosa.
Subiram as escadas lado a lado, ainda conversando.
— Como chegou aqui?
— Vim de avião, de Manágua. Depois peguei um jipe emprestado na embaixada.
Jéssica notou que ele não trazia nenhuma bagagem, só as roupas do corpo. Desejava
perguntar-lhe se planejava ficar ali, mas ainda não era o momento. Olhou-o sorrindo.
— Você sabe onde estão as coisas.

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Enquanto preparava o café podia ouvi-lo movimentando-se pelo quarto. Foi dominada
por uma grande emoção e expectativa. Não tinha idéia se ele ficaria ou não, e nem
mesmo o que sentia, mas a única coisa que importava era que ele estava ali.
Depois do banho, Jason apareceu na cozinha na hora em que Jéssica colocava o café
na mesa. Estava barbeado e com o cabelo ainda úmido. Usava um dos velhos jeans do
armário, estava sem camisa, mostrando o peito nu e bronzeado. Como nas outras vezes
ela sentiu um aperto na garganta e um arrepio de excitação ao vê-lo assim.
— Chegou bem na hora! — exclamou.
Percebia o perfume do sabonete que usara e podia ver as gotas de água que
escorriam-lhe dos cabelos pelos ombros. Teve vontade de correr os dedos por aquelas
gotas, tão indiscretas, e seguir seu trajeto pelo corpo dele. Soltou um suspiro de puro
desejo. Serviu-se de um pouco de café também, sentando-se no canto oposto da mesa,
incapaz de desviai os olhos de sua figura tão querida.
Jason comeu em silêncio por um tempo. Então baixou o garfo, erguendo os olhos para
ela.
— Então, Jess. Por que você voltou?
Jéssica escolheu cuidadosamente as palavras para responder:
— Eu voltei porque queria.
— Isso não é resposta, Jess. Por que você quis voltar? — E seu olhar foi tão
penetrante que a deixou intimidada.
Jason estava muito frio e ela começava a pensar que ele não entenderia seus motivos.
Mas, mesmo sendo assim, tinha que tentar.
— A princípio, talvez, por mero instinto de sobrevivência. Não sabia sequer se você
estava vivo, mas acreditava que, se estivesse por aqui, mais perto de você, pudesse fazer
algo para ajudá-lo. Sei que é bobagem. Não ria, por favor — concluiu ao ver a
incredulidade estampada no rosto dele.
— Não estou rindo, Jess. Continue.
Apoiando os cotovelos sobre a mesa e tomando um gole de café, ela prosseguiu:
— Então, aos poucos, isso foi me parecendo a melhor coisa a fazer, simplesmente
porque eu desejava estar aqui. Esse era o motivo principal, Jason.
— E o que você me diz daquela vidinha tranqüila com que tanto sonhara? Você queria
muito se fixar. Foi por isso que me mandou embora e não quis se casar comigo, lembra?
Jason parecia muito zangado e Jéssica estremeceu. Ele tinha razão de estar furioso!
Talvez fosse tarde demais para recomeçarem. E se ele não quisesse mais?
— É claro que me lembro, Jason! Eu disse que seria incapaz de levar uma vida de
preocupações constantes por sua segurança. Pensei que seria melhor, mais fácil e
seguro para mim se você saísse da minha vida... Mas eu estava errada.
— Você tem certeza disso? — Um lampejo de esperança apareceu no fundo do olhar
dele.
— Absoluta! A minha vida não tem sentido sem você, Jason — respondeu, perdendo
qualquer vestígio de orgulho.
Levantando-se, correu para o lado dele abaixando-se ao lado da cadeira.
— Jéssica, Jéssica — murmurou ele com doçura. Abraçou-a,beijando-lhe os cabelos e
os olhos cheios de lágrimas.
— Oh, Jason, eu pensei que você tivesse morrido... — gemeu. Jason segurou-lhe o
rosto entre as mãos, enxugando as lágrimas com as pontas dos dedos.
— O que você faria então, Jess? Voltaria para aquela vida normal e segura?
— Não! Sem você a vida não tem graça, a segurança não significa nada. Eu havia
decidido vir, não importava o que lhe tivesse acontecido.
— E o que me diz das preocupações com o futuro?
— Pode não haver amanhã... Hoje é o que conta. E hoje você está aqui, comigo.
— Eu te amo, Jess. Quero me casar com você, mas não posso desistir da minha

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profissão.
— Eu sei, querido. E nem eu tampouco. O meu trabalho é aqui. O seu, é onde as
coisas estiverem acontecendo. E eu descobri que o amo, não a despeito do que você é,
mas pelo que você é.
Jason envolveu-a num abraço cheio de emoção, encostando o rosto contra o dela.
— Eu te amo tanto, Jess. Diga que também me quer! — pediu.
— Oh, sim, Jason! Você é tudo o que eu quero. Senti tanto a sua falta!
Queria viver apenas aquele momento, sem pensar em mais nada. Apoiou-se nele com
um suspiro de felicidade.
A boca macia e úmida de Jason tocou a sua num beijo suave e sensual.
Aos poucos, o desejo foi crescendo, tornando-se mais imperioso e começaram a se
acariciar com paixão, quase com fúria, num abraço frenético.
Sem trocar uma palavra, num mudo acordo, levantaram-se indo para o quarto que
Jason havia ocupado antes, onde se atiraram nos braços um do outro. Jéssica queria
apenas entregar-se totalmente aos carinhos dele, que explorava seu corpo de forma
possessiva, apaixonada, deslizando as mãos pelos ombros, pelos seios, pela cintura.
Levantando-lhe a saia, Jason deslizou as mãos pelas nádegas redondas e sensuais e
pelos quadris, até tocar-lhe delicadamente o sexo, escondido sob a calcinha de renda
branca. Louca de paixão, Jéssica soltou um gemido, quando ele a acariciou com
intimidade e ternura. Apertou-se de encontro a ele, dando-lhe um beijo ardente. Jason
ergueu-a nos braços, deitando-a na cama. — Oh, Jess, você me enlouquece! Não se
passou um dia em que não pensasse em você, querendo tê-la comigo! — sussurrou-lhe
ao ouvido, com a voz rouca de paixão. Desabotoou e tirou-lhe a blusa, jogando-a num
canto. Livrou-a do sutiã, e beijou-lhe os bicos dos seios com avidez.
— Você é tão linda, como eu bem me lembrava.
Jéssica abriu os braços para ele, num convite mudo.
Arrancando às pressas as últimas peças de roupa, entregaram-se a carícias
enlouquecedoras, entre gemidos de prazer e paixão. Jason ergueu-a sobre seu corpo e a
foi penetrando com delicadeza, num movimento ritmado. Os dois foram então tomados
pelo mesmo fogo, envolvidos numa dança delirante e sensual, até atingirem juntos o
êxtase, envoltos em ondas de prazer.
Mas o desejo que sentiam parecia interminável. Era como se estivessem famintos um
do outro. Pouco depois a paixão tornou a apossar-se deles, querendo ser saciada
novamente. E, mais uma vez, gozaram juntos a mais perfeita expressão daquele amor.
Algum tempo depois Jéssica, deitada ao lado de Jason, observava-lhe o sono. Teria
que levantar-se logo, vestir-se para atender o primeiro paciente daquela manhã.
Ouvindo a respiração ritmada e profunda de seu amado, olhou com doçura para o
corpo esguio e forte, completamente nu sobre a cama.
Uma onda de ternura a envolveu. Não podia prever por quanto tempo Jason ficaria e
nem que tipo de futuro poderiam ter juntos, mas isso não tinha importância. O que
importava era que ele estava ali.
Certamente se casariam, como haviam planejado antes, pensava ela em devaneio.
Talvez até mesmo tivessem filhos... Sorriu: gostava da idéia. O trabalho muitas vezes o
levaria para longe e ela ficaria só, temendo pelo que pudesse acontecer a ele. Mas um
amor forte e belo como aquele sobreviveria, não importava o preço!
Uma história inesquecível de amor!

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