Estudar o significado de algumas palavras e sua etimologia (que é o estudo da
origem e da evolução das palavras) pode nos levar a descobertas muito profundas e extremamente relevantes, principalmente em se tratando das Escrituras Sagradas. Através da leitura e análise dos dois textos anteriormente citados, abordaremos dois comportamentos e suas consequências, analisando as aplicações práticas para nossas vidas. As palavras são arrependimento e remorso que, embora no português sejam consideradas sinônimos, em suas línguas originais tem sentidos totalmente diferentes no tocante ao comportamento em resposta da ação ocorrida.
Vamos começar observando o que nos apresenta Mateus 27.3-10. Esse
acontecimento se deu na sexta, logo pela manhã, quando a condenação de Jesus é confirmada, após uma longa e exaustiva noite de um interrogatório totalmente arbitrário. O versículo 3 nos diz que Judas estava tocado de remorso. Remorso vem do latim e significa, literalmente, voltar a morder. Traz a ideia de voltar a mexer em uma ferida, causando mais dor e sofrimento. Em português, pensamos em remorso como dor na consciência, no entendimento de que os sentimentos negativos ficam “picando” a mente da pessoa. É um sentimento repetitivo, que traz amargura. No original grego, a palavra usada no texto é metanoia, que significa conversão (tanto espiritual quanto intelectual), mudança de direção, de mente, atitudes, temperamentos, caráter, trabalho. Por que será, então, que o tradutor resolveu usar uma palavra com significado diferente? Provavelmente porque metanoia também traz a ideia de evolução, uma mudança para melhor. E este aspecto não é observado no texto. Judas não melhora depois do amargo aprendizado sofrido naquela ocasião. Ele busca, de certa forma, apoio naqueles com quem conspirou, e é abandonado por eles. Ele não poderia buscar apoio em seu antigo grupo, os apóstolos, porque já havia sido desmascarado no Getsemani, por ocasião da prisão de Jesus, onde ficou claro seu papel vital nesse acontecimento. Uma das características do remorso é infligir a si mesmo autopunição, visando escapar de uma punição maior vinda de outro lugar ou pessoa. E é exatamente o que Judas faz ao cometer suicídio. Atos 1.18 narra que a situação foi tão extrema que ele teve suas entranhas expostas. Judas roubava da bolsa das ofertas que eles recebiam para distribuir aos pobres (Joao 12.8), demonstrando um caráter, no mínimo duvidoso. Ao contrário de Paulo, antes perseguidor dos judeus que, quando de sua conversão, tornou-se perseguido e provavelmente teve que lidar com amigos e conhecidos de pessoas as quais mandou matar - o que não deve ser fácil -, Judas não quis resolver sua situação e arcar com as consequências dos seus atos. Seu sentimento vinha do fato de ter sido descoberto e não ter mais o apoio de seus pares.
Voltemo-nos agora para Pedro. Impulsivo e leviano, prometeu nunca, de modo
nenhum negar ao Senhor (Mateus 26. 35). E, horas depois, fez exatamente o oposto. Na noite em questão, ainda na quinta-feira, enquanto estavam no Getsêmani, logo após o fracasso do período de oração dos discípulos que acompanhavam Jesus, Judas chega com a guarda que leva o Mestre preso. Pedro, num impulso, tentando impedir que isso acontecesse, feriu o servo do sumo sacerdote. À partir dali, o caos se espalhou entre os apóstolos e estes se dispersaram. Chegamos na sexta-feira. João 18 narra que Pedro e, provavelmente, João, seguiam Jesus. Entretanto, o medo de Pedro de ser preso também era muito maior do que a amizade que anteriormente demonstrara. João entra no pátio para ter notícias e acompanhar de perto o desenrolar daquela história, por ter contatos ali, mas Pedro fica do lado de fora. Aguardando. Nesse período ele é interpelado por pessoa/pessoas que questionam ser ele um seguidor daquele que naquele momento estava sendo julgado. Ele nega três vezes. Mateus 26 mostra que da primeira vez ele apenas nega com veemência, na segunda ele jura para ganhar mais crédito diante de seu interlocutor e na terceira ele fica tão nervoso que xinga (pragueja). Nesse momento o galo canta pela terceira vez. Lucas 22 nos diz que neste exato instante, Jesus olhou para Pedro. Isso faz com que Pedro se lembre do que o Mestre havia lhe avisado horas antes de irem para o Getsemani. Marcos 14 diz que ele caiu em si. Então se retirou, chorando amargamente. O choque diante da realidade do que fizera deixou Pedro muito mal. Proporcionalmente nem se compara ao que Judas fez, entretanto, o efeito psicoemocional foi muito forte, porque Pedro de fato se importava com Jesus. Ele entende que, não importa o que aconteça, terá de conviver com a lembrança do que fez e daquele olhar para sempre. Desorientado, ele tenta encontrar um lugar para recomeçar e volta a pescar. Mas ele não de afasta daqueles que antes eram seus companheiros porque, em João 21, quando Jesus aparece a sete discípulos, Pedro estava com eles. Ali, interrogado, precisa agora reafirmar seu amor pelo Mestre três vezes, as três mesmas vezes em que o negara anteriormente. Ao contrário de Judas, Pedro não tentou fugir da situação terrível que causou a si mesmo. Buscou formas de lidar com aquilo. Mesmo que seus amigos não soubessem o que ele fizera (o que é pouco provável), sempre é possível notar quando alguém próximo a nós esta passando por algum problema, por mais que ele não comente nada. Pedro passou pelo estágio de remorso e dor na consciência, mas foi além. Ele estava enfrentando o processo de metanoia. Depois deste triste episódio Pedro passa por uma intensa e verdadeira transformação. Ele muda, ele cresce, ele amadurece. E tendo negado a Cristo com grande intensidade e exasperação, muito mais intensamente pregou em Seu nome, suportando todo tipo de afronta por Aquele nome, há quem lhe importava obedecer. Se tornou um dos grandes expoentes do evangelho, sendo martirizado da mesma forma que o Salvador, como diz a tradição, a seu pedido, crucificado de cabeça para baixo, por não ser digno de passar pelo mesmo tipo de morte que Cristo. Se isso não é verdadeira mudança de caráter, o que será?
E qual a diferença que essa análise faz para a nossa vida?
Qual é o nosso posicionamento diante do Senhor, como testemunhas ou apenas como curiosos seguidores? Temos buscado nos render a Ele ou apenas aproveitar das bênçãos e da segurança que Ele proporciona? Qual tem sido nossa postura, como pecadores perdidos? Simples remorso (com a brecha aberta para fazermos tudo de novo, se assim nos agradar) ou arrependimento sincero? Já pararam para pensar que muitas vezes a dificuldade em abandonar nossos pecados de modo permanente é a falta de arrependimento sincero e a simples vergonha em imaginar que podemos ser descobertos? Remorso revela nossa postura diante dos homens e a necessidade de aprovação. Arrependimento revela nossa postura diante de Deus e nossa necessidade de perdão. A resposta a essa pergunta diz exatamente sobre quem somos diante de Deus e qual nosso destino futuro.