Você está na página 1de 112

GEÓRGIA

A LENDA DO CALDEIRÃO DE FOGO

Debbie Yahgar
PROLOGO

Essa historia se passa num período em que os sonhos, as fantasias e a realidade se misturavam

de uma forma muito mais intensa entre os seres e todas as terras. Não existia apenas um

mundo, como hoje. Vários mundos se interligavam com seus habitantes diferentes e também

humanos. Não existiam regras e cada povo fazia suas próprias. Cada mundo tentava se manter

afastado de outros mundos. Receavam a invasão e a mistura de seus filhos com seres que não

consideravam totalmente humanos.

Os seres já sabiam fabricar armas de forma rústica, empunhavam espadas e cobriam o corpo

com couro para se proteger durante as lutas. Esse couro era retirado dos animais que criavam

para alimentação. Tudo tinha que ser aproveitado.

As famílias que descobriam pedras preciosas ou fabricavam ouro e outras químicas;

conheciam as formas de reproduzir a escrita e entender outros povos falando, eram

considerados abençoados e esses governavam as cidades que se formavam. O mais velho,

portanto mais sábio, era coroado Rei.

O povo também escolhia quem ia trabalhar com o Rei - todos os seus subordinados. Alguns

desses subordinados eram aliados de outros povos e conseguiam informações que enfraquecia

o poder do Rei. Nessa época era muito fácil um rei ser deposto de seu trono e tornar-se uma

pessoa comum.

Havia pouco tempo que os homens haviam tomado o poder das mulheres – alguns séculos na

verdade. Quando a Grande Mãe começou a produzir seus filhos, eles se pareciam com ela. Os

Fellows discordaram: ninguém no mundo humano pode saber a aparência que tem a

verdadeira Mãe. Houve uma grande luta em que os mundos se separaram para sempre. E os
filhos da Grande Mãe foram expulsos de sua redoma e caíram na terra. Todos com aparência

feminina e com a alma da grande mãe, formaram núcleos, e cuidavam para que todos se

mantivessem alimentados e aquecidos. Alguns dos seres caídos - de aparência diferente,

muito mais frágil, fez com que as Femininas se compadecessem: como alimento, ela os

amamentava e com seus longos fios de cabelo, teciam suas vestes. Eles se fortaleceram e

resolveram tomar às rédeas da situação.

Como uma mãe, que faz de conta que acredita em que tudo o que o filho faz, só para não

perde-lo, assim as Femininas resolveram fazer com os Másculos: dar-lhes corda para que

acreditassem que elas eram submissas e que “eles” é que haviam povoado a terra e cuidado de

tudo.

Quando a Grande Mãe viu o que estava acontecendo, tentou enviar uma mensagem, que foi

interceptada por um Fellow, seguidor dos Másculos. E quando já era tarde demais, as

Femininas não conseguiram mais tomar de volta seu lugar: os Fellows disseram aos Másculos

qual a única forma de se tornar líder, e eles desenvolveram a força física.

Quanto a isso, as Femininas nada podiam fazer. Elas eram fortes de pensamento e ação, mas

não haviam desenvolvido a força física. E a partir daí elas assistiram a lutas sangrentas entre

os homens, excesso de poder, destruição do ambiente em que viviam, degradação, e muita

falta de sentimento.

Quando algumas Femininas tentaram fazer os Másculos voltarem à razão, foram queimadas

na fogueira, tiraram seus filhos, acabavam com seus corpos, porque não podiam descobrir

suas mentes. E eles continuaram a subjuga-las e criaram leis e regras que afirmavam que as

Femininas eram seres inferiores, que não mereciam atenção quando diziam alguma coisa. E

isso se espalhou para outros povos. E todos os Másculos se achavam seres superiores, mesmo

nascendo de dentro de seres inferiores. (Quando se dava essa transformação mesmo?).


Criaram religiões para que elas não pudessem participar das leis e das decisões sobre os

núcleos. Criaram rótulos, denominando-as de “bruxas” ou “prostitutas”, para que não

tivessem credibilidade perante a religião e à família. Criaram seu novo papel: ser mãe e cuidar

da habitação, sem se envolver nas decisões religiosas ou políticas. Exigiram que elas lhes

dessem filhos “homens”, “para perpetuar a família”.

E elas foram se esquecendo quem realmente eram. Esquecidas que eram as verdadeiras

“criadoras do universo” e que não precisavam deles pra nada. Que a superioridade é feminina.

Esqueceram o princípio básico: ela é o primeiro ser e dele se desdobram todos os outros. E

tudo só foi piorando para as Femininas. Os Másculos já nasciam ouvindo essa versão de que

toda humanidade nasceu dele e acreditando nisso. Elas nasciam se reconhecendo como

inferiores, mas com um sentimento de superioridade que as vezes fazia questão de aparecer.

Isso trouxe muitos problemas durante o passar dos períodos.

Mas vamos a história de uma descendente da Grande Mãe, que resolveu mudar o destino. E

de um Rei que resolveu devolver a ela o comando de tudo.


CAPÍTULO UM - WILMERSTAH

“Presenciei a cena de olhos esbugalhados. Acho que fiquei em estado de choque. Não

conseguia fechar a boca nem sair dali. Queria correr, gritar, mas minhas pernas não

obedeciam. Olhei os muros altos com os olhos cheios de lágrimas. Eu vi. Jabon a matara,

porque ela queria liberdade. Eu também queria, mas estava ali. Aquilo era Wilmerstah.”

Rei George. Livro do Reino de Quesselfor

...

Zamit ria com uma estridente gargalhada. Como pode ser tão cruel com uma indefesa boneca?

Um brinquedo, apenas uma cópia da menina. Para a aldeia, o mal. Era o sonho da menina

entre as chamas alaranjadas da grande fogueira. Ela gritava com todas as forças. Alguém

pegou um pedaço de madeira e a tirou do fogo. O material havia derretido. O material do qual

era feito o cabelo encolheu e queimou a maior parte dos braços e pernas. O homem a pegou e

correu. Levou-a a um anjo-mãe, que deu-lhe roupa nova, ajeitou os olhos, fez um novo cabelo

com palha da cabana. Ficou ainda mais bonita aos olhos dos pequenos. Mas as marcas

daquele fogo ficou na alma de Abud. Ele queria poder voltar no tempo. Tudo o que podia

fazer era tentar levar Vendella pra longe dali.


CAPITULO II – A MENINA E A MARCA

O choro de uma menina. Ela nasceu. Uma Senhora da Vila, tinha vindo até a aldeia para ter

seu bebê aqui, com Lenôra. Era conhecida por saber cuidar dos doentes. E Por trazer crianças

ao mundo. Na vila quem fazia o parto ainda era o Mago. E as mulheres tinham medo dele.

Vendella ficou com a missão de limpar e vestir o bebê. Estava crescendo. Podia trabalhar

entre as mulheres, ouvir suas conversas.

Mas preferia conversar com seu avô. Ele era considerado um maluco entre os aldeões. Parecia

estar sempre bêbado quando os homens da cidade apareciam. Trazia pedaços de pano

pregados em suas vestes que pareciam escritos. À noite, quando todos estavam dormindo, ele

retirava as paginas e lia para Vendella, depois guardava. Eram histórias de um lugar distante,

diferente daqui, onde todos eram felizes.

_Esse lugar é na cidade, Vovô?

_Nããoo! Falava veemente – É um país além mar...

_Eu não vejo depois do mar...

E assim ela conhecia sobre palácios, reis e rainhas, comidas e festas, danças e perfumes. Ela

parecia sentir cada palavra que seu avô dizia. Ele descrevia detalhes e ela, como se tivesse

provado, sentia o gosto imaginário das frutas, o cheiro do almíscar, o som da harpa...

Lenôra passou o bebê para seus braços. Começou a limpá-la quando viu um sinal do lado

direito de seu pequeno quadril. Passando álcool, talvez...

De repente ela se lembra da lei. Absurda há séculos, dizia que nenhuma criança que nascesse

com uma marca em seu corpo poderia sobreviver. Deveria ser entregue para sacrifício.

Sacrifício à quem naquela terra pagã?!


Teria que esconder das outras parteiras. Enrolou-a em vários panos, verdadeiros trapos que

encontrou por ali e levou-a de volta à mãe, que ainda chorava. As mulheres da vila não eram

tão fortes quanto as mulheres da aldeia. Talvez porque não precisassem.

A mãe tomou-a nos braços e sorriu ao ver a pele branquinha de seu rostinho redondo com

uma penugem cobrindo a cabeça. Pena ser menina, pensou a mãe. Teria que separar um dote

para dá-la em casamento, seu marido ainda não poderia participar do conselho e nem teria

uma nora para cuidar dela na velhice. Suspirou.

“Agora eu conto” – pensou Vandella As parteiras se foram, queimar os trapos. Lenora

gostava de deixar a cabana, como se a doença não passasse por ali.

_Com sua permissão, Senhora, tenho que mostrar uma coisa.

_Alguma coisa errada com o neném?

_Não poderia deixar que as outras vissem. A senhora sabe...

E dizendo isso desenrolou a parte de baixo de seu corpinho e não acreditou na expressão que

viu na face da mãe que a empurrou para longe de seu colo.

_Senhora!! Gritou Vendella enrolando novamente a criança e aconchegando-a ao peito.

_Não... não...não... sussurrava chorando a pobre mãe.

_Nós devemos esconder isso, Senhora. Ninguém pode saber! Dizia a garota, esquecendo-se de

sua posição inferior.

_Porquê fez isto? Gritava a mãe de forma estridente.

_Não grite, Senhora - disse Vendella, já não acreditando que fizera a coisa certa. – Vai

chamar a atenção das outras para sua filha!

_Ela não é minha filha! com um som estridente, como que sufocando. Lenôra! Gritava cada

vez mais. Leve-a daqui! Leve-a ao conselho. Rápido!

_Mas, Senhora, eles irão matá-la e eu não posso obedecer...


_Pois que matem! Se descobrirem, morreremos nós! Todos nós! Lenôra!

Pela janela da tosca cabana de madeira e palha, pôde ver as três mulheres

correndo de volta atraídas pela gritaria. Tinha que pensar rápido. A Caixa! Colocou vários

panos e a criança dentro e fez menção de sair.

_O que está fazendo!! Perguntou a mãe apavorada.

_Vou tentar protegê-la. É loucura entregar uma criança ao conselho só porque... só porque

uma pedra disse! E saiu por um lado enquanto as parteiras entravam por outro sem entender o

que se passava.

A Pedra era a lei máxima que ditava as ordens. Eram pedaços circulares de uma pedra fria, em

tons de cinza e rosa, onde o Mago lia os códigos. Cada círculo desse era encaixado num

suporte tubular, numa cor bronze. Para ler todo o círculo, o Mago apoiava a mão no suporte

fazia o círculo girar sobre seu eixo, produzindo um som como de um sino. Quando parava de

girar, cada letra em cada círculo formava uma palavra ao lado da outra. Essa tábua era lida em

situações em que apenas a lei não decidia sobre a vida do homem.

_Ela está fugindo! Gritava a mãe tentando se levantar, não resistindo a fraqueza causada pelo

parto recente.

_é um rapto. A garota raptou a criança, disse uma parteira.

_Não! Ela.. é.. um... monstro...tem a ...mar...

_Não se mexa Senhora. Nós vamos trazer a criança de volta – Lenôra tentava acalmá-la

enquanto colocava compressas de água em sua testa.

_Ela vai... cuidar bem... dela... Leve-a ao... conselho...

E tossindo muito fechou os olhos respirando pela última vez.

As parteiras se entreolharam.

Myndoka olhou pra cima e viu Vendella descendo a colina com uma caixa na mão. Começou

a subir correndo para encontrá-la. “finalmente alguma coisa acontece para melhorar o dia”

pensou. Myndoka era 104 luas mais velha que Vendella. Era filha de um dos homens da

guarda real que tinha vindo morar em Wilmerstah para se curar de sua doença. “O ar fresco

lhe fará bem” disse o Mago. Mas ele morreu pouco depois, deixando sua mãe e seu irmão

mais velho. Ela era muito pequena para se lembrar dele, mas ouvia seu irmão dizer que

vingaria a morte de seu pai, quando a mãe soluçava à noite, na pequena tenda aonde dormiam.

Gostava da amizade com Vendella porque seus pais tinham sido grandes amigos. E também

porque Vendella era a única que não a achava maluca. As mulheres da aldeia viam nela toda a

rebeldia de um menino e não as graças de uma donzela, que apesar da grande beleza, não

tinha dote para achar um moço de alta posição na vila e se casar.

Vendella desistiu de carregar caixa tão pesada. Como acreditou que uma mãe pudesse passar

por cima de tudo por uma filha? Por que as regras são tão injustas com as meninas? Ser

mulher é um fardo numa aldeia que sobrevive do trabalho delas. Uma garota que já viveu 720

luas não poderia decidir sobre a vida de um bebê. Resolveu levá-la de volta ao seu destino.

_O que tem em mãos, Vê? Diga que faremos algo diferente hoje e eu já agradeço- disse

curvando o corpo e fazendo uma mesura com as mãos.

_ERA algo diferente, mas já cansei - disse Vendella sentando na relva e colocando a caixa de

lado. “Vou devolvê-la.”

_Acho melhor me contar tudo! Retrucou Myndoka sentando ao lado da caixa.

Enquanto Vendella contava a Myndoka seus planos de salvar a criança, elas se levantaram e

voltaram colina acima, revezando o carregamento da caixa. Ao chegarem perto da tenda que

servia de lugar para os enfermos, Myndoka disse:


_Não gosto de cuidar de crianças, mas ser contra alguma coisa já me faz ficar do seu lado. Só

concordo em entregar a criança, porque não conseguiríamos fugir longe o suficiente, nem

mudar a situação dessa menina. Talvez você possa fazer alguma coisa. Você é boa em falar!

Você pode convencer a mãe que ESSA mancha, não é A mancha proibida. Que tal?!

Não poderia mudar a situação, numa aldeia onde os meninos que nascem com marcas, se

tornam magos, não trabalham em serviços pesados, aprendem os hieróglifos e se tornam

sábios. Ela só conhecia um. Ele foi separado da família para morar com o velho e cego mago

e ganhou o nome de Abobdan.

O jovem Abobdam sempre ía à cidade para trazer ervas e medicamentos que Lenora pudesse

precisar. E ele fazia isso de quatro em quatro luas. Ele estudou com o velho mago e agora já

mostrava suas habilidades, sempre escolhendo o vidro certo e a quantidade exata para cada

necessidade. Ele gostava do aprendizado, do conhecimento. Era bem tratado quando ía à vila.

Mas às vezes preferia ficar jogando com os meninos ou vendo-os lutar. Alguns meninos

debochavam dele, dizendo:

_Vai nos lançar um feitiço pra ganhar dessa vez, Mago-menor?!

E saíam rindo, deixando Abobdan enfurecido. Porque era mais fácil tratar com as meninas?

Ou com o velho Mago? Ou com Abud? Sempre lhe dizia que um dia ele ía se orgulhar do que

fazia. O que ele sabia é que ía substituir o velho Mago quando esse se fosse.

Esse velho mago foi deposto da cidade e enviado para cuidar dos enfermos na vila. Ele não

aceitou alguns pedidos de Zamit e agora era o mago aqui da aldeia. Ele recebia meninos para

orientar sobre a preparação da cerimônia que acontecia quando eles completavam 676 luas e,
quando um deles nasceu com a marca, ele o tomou para ensinar-lhe como usar as ervas, as

plantas e recitar o livro sagrado.

_E aí Vê? Vai tentar?

_Tentar o quê, Mika? Talvez envie nós duas para o sacrifício junto com ela. Não! Talvez com

sua sorte, te dêem de presente para o Faxar!

_Aquele velho nunca vai me ver- cuspiu Myndoka – mas você taslvez seja enviada para o

calabouço de Zamit!

_ Vendella colocou a caixa no chão com raiva, juntou um torrão de terra na mão e acertou em

cheio o peito de Myndoka, que se esquivou e caiu na risada.

Vendella também riu ao levar uma chuva de terra em sua cabeça.

Vendella deixou o lenço escorregar de seus cabelos. Livres, o vento agitou-os embaralhando

os caracóis escuros em alguns fios na cor do mel. Quando estava seco e arrumado, grandes

caracóis finalizavam seus cabelos escorridos quando molhados nas águas do rio. Por andar

tanto na aldeia, sua pele tinha a mesma cor mel de seus cabelos. Quando ficava um tempo sem

ir ao sol, como no período de Altlang – a preparação para a festa das flores – sua pele parecia

desbotada, como as roupas que ficavam ao sol na beira do rio. Ela não era tão branca quanto

essa neném, pensou. E lembrou-se do bebê.

_Vamos enfrentar Lenôra. E fique quieta! Deixe que eu falo!

_Sim, minha Senhora do Vale! Árvore sagrada da Aldeia! Juíza...

_Cala a boca, Mika!


CAPÍTULO III – A ALDEIA E OS CICLOS

Um período na aldeia durava exatamente cinqüenta e duas luas. A cada treze luas havia uma

festa porque começava um novo ciclo. Alguns dos aldeões participavam das festas, mas não

acreditavam nas crendices que os moradores mais antigos dessas terras, traziam e passavam

de pai para filho. Abud veio de uma terra em que superstições não faziam parte da tradição de

sua família. Tudo devia ser explicado – o motivo da chuva, porque uma flor nasce, porque

alguém morre. Mas algumas pessoas foram enviadas da cidade, para morar aqui, contra sua

vontade. Já havia passado muito tempo. E para não ser encontrado, nada melhor do que se

misturar a essa gente, fazer o que eles faziam. Não fazia bem para Abud ver Vendella

participando disso, mas também não via mal nenhum em festas. Era a única forma de seus

amigos, que vieram junto com ele pra essa aldeia, esquecerem de tudo o que haviam passado.

Abud se remoía de culpa. Mas também aproveitava as festas para não enlouquecer.

O ciclo Vintre era pesaroso para o povo da aldeia. A chuva gelada impedia as mulheres de

sairem da cabana e os homens guardavam mantimentos para esse período. Todos usavam uma

capa a mais e enrolavam tecidos nos pés e nas mãos. As frestas da cabana eram cobertas com

cera, que era comprada dos navegadores. Essa cera só durava dois ciclos e depois com a

chegada do calor, ia derretendo aos poucos. Essa cera derretida era guardada para outra época

de geada. Na festa Vintre cantavam canções ao Superior Üvarma para que ele não congelasse

a aldeia.

Uma época, quando Abud veio com o povo para a aldeia, estava um vento muito gelado. Eles

ainda não recebiam cera pra selar as frestas das cabanas e muitos não sobreviveram aquele

ciclo, por isso os homens resolveram cavar um poço muito fundo para se esconderem quando

geasse novamente. As pessoas que já moravam naquela terra há muito tempo, duvidaram do
trabalho dos homens. Depois de vários dias cavando, a surpresa foi encontrar água quente, de

onde saía um vapor que aquecia todo um círculo ao redor. Então eles resolveram construir a

cabana principal ali, para todos dormirem juntos e se aquecerem no período de Vintre..

No ciclo Flutune, a chuva ia se despedindo, mas deixava um vento frio que soprava com

força, derrubando as folhas das arvores que haviam secado com a chuva. A aldeia ficava vazia

de vida e vegetação. E os aldeões cantavam a canção de Monto-supre, para que ele não

levasse as cabanas.

Era o período em que os homens não íam à caverna. Eles ficavam com as mulheres e

contavam histórias de suas terras e suas famílias. Ensinavam sobre as tradições e passavam

todo o conhecimento para as famílias. Também era o período em que o velho Mago e

Abobdan mais visitavam as cabanas levando seus ungüentos para os enfermos. A cabana de

Lenôra também tinha muito trabalho com as pessoas mais velhas.

O terceiro ciclo era planejado como um grande casamento. Era um período festivo. As flores

começavam a voltar, cada semente que se plantasse brotava quase instantaneamente, as folhas

apareciam muito verdes e até o rio, que nos dois ciclos tinha uma aparência suja e raivosa,

cantava e mostrava suas águas cristalinas de volta. O ciclo Kloratze trazia alegria e flores e

festa. Todos esperavam esse ciclo para ir à Vila. E cantavam para Yunuline, agradecendo a

beleza.

Os mais antigos, que haviam chegado antes da família de Abud, contavam uma lenda: numa

época nasceu uma linda árvore. Todos pensaram que seus frutos iriam ser deliciosos. Mas

passou muitos ciclos e os frutos não vinham. Então os aldeões tentaram cortar a árvore e usar

a madeira para aquecer o ciclo de Vintre. Então o céu se cobriu de nuvens espessas e ventou

forte. Todos correram pra se proteger. Pouco antes do amanhecer, antes dos primeiros clarões
do sol darem conta que já era dia, uma neblina fraca dificultava enxergar um passo. Ninguém

conseguia se movimentar pela aldeia, por mais que conhecesse cada canto dela. Um espessa

nuvem parecia ter descido do céu e encobria a tudo. Os aldeões saíam de suas cabanas e

esbarravam uns nos outros. E davam as mãos para verificar se todos estavam bem.

Ao se aproximarem da árvore, ela estava seca. Havia morrido. Era uma árvore que não dava

fruto, só flores da última cor do arco-iris. De repente a nuvem se dissipou e todos olharam a

nuvem subindo e se espalhando até ficar dia claro e então eles viram: a árvore havia

florescido novamente. Estava cheia de vivas florzinhas da última cor do arco-íris. E

resolveram que a festa de Kloratze seria sempre aos pés dessa árvore.

Essa árvore morria e secava durante todo o ano quando os aldeões pensavam em queimar a

madeira, ela renascia, e resplandecia com muito mais flores e tornou-se sagrada.

O último ciclo era de muito trabalho, para armazenar mantimentos e tecidos. Drax-somere o

ciclo do calor sobre a aldeia. A cera que cobria as frestas da cabana, já haviam derretido e

assim a brisa podia entrar. Cantavam a Spatze para não queima-los com a força do sol.

Os aldeões aproveitavam o calor do sol para fazer a colheita. E esse ano tinha sido farta. O

celeiro estava lotado de leguminosas, as tendas estavam coberta com tres camadas de tapetes,

e as ovelhas tinham tanto pelo para tosquiar, que ficava dificil andar e a lã seria de boa

qualidade. As frutas apareceram precocemente e as árvores tinham flores de diferentes cores

que alegravam a a aldeia. Quando chegasse as chuvas trazendo o frio e secando a terra, teriam

provisões suficientes.

As mulheres preferiam sentar-se do lado de fora da cabana e apreciar os homens se

preparando para as batalhas. Por causa do calor eles usavam apenas um calção e mostravam
os músculos em gestos de ataque e defesa. Havia muita troca de olhares sob a vigilância das

mulheres mais velhas, mas os jovens não podiam se aproximar uns dos outros, antes de se

casarem.

Os meninos aproveitavam para jogar Taifa.

_Trouxe o rolo, Vê – falou Myndoka empolgada.

_Eu li e continuo não entendendo nada desse jogo.

_Mas você vê a gente jogar sempre! E até torce por Myka que eu sei. Falou Derek.

_Eu vou ler e te explicar. Fica quieto Derek. Como uma ordem de comando sobre os dois

Myndoka começou a ler as regras do jogo de Taifa:

“Quatro triângulos serão unidos por suas pontas. Na união das pontas um encaixe para o

disco de pedra. Um cículo maior circunda os quatro triângulos unindo-os”

_Isso eu sei! Resmungou Vendella

_Shshsh! Myndoka continuou a ler:

“Serão dois times: um taifeiro – sua posição é à dois passos da união das pontas. Seu ofício é

receber o disco do arremessador que está na base do triângulo, retirar o disco menor, encaixá-

lo e erguer o disco maior.”

_Eu sei o que um taifeiro faz – resmungou Vendella de novo.

_Fica quieta, Vê e preta atenção! Falou Myndoka impaciente e voltou a leitura:

“Dois arremessadores que ficam na base do seu triângulo. Um dos dois joga o disco para o

taifeiro. Os dois pegadores, um em cada triângulo, pode passar para os triângulos adversários

sempre à sua direita e devem passar pelo círculo externo.”

_E devem ser bons corredores – falou Derek.

“Eles podem entregar o disco pequeno na mão do arremessador ou jogá-lo. Só podem andar

no triângulo e no círculo externo. Os dois bloqueadores, podem bloquear os pegadores,


podem bloquear os discos, mas não podem lançá-los, nem encostar no arremessador. Podem

circular pelo triângulo e fora dele pelo lado esquerdo, mas não pode pisar no círculo externo.”

_Já não estou entendendo nada. Fica todo mundo correndo e eu me confundo quem é de qual

time! Reclamou Vendella.

_Calma Vê. A gente te explica direitinho. Continua Myka!

“Cada time tem seu disco pequeno e o disco grande é sorteado. Para começar o jogo o

arremessador lança o disco para seu time do outro triângulo. O disco grande não pode ficar

parado no campo por muito tempo. Os disco pequenos já foram jogados para os pegadores

que correm pelo circulo externo para entregar ao arremessador. Os bloqueadores tentam

impedí-los. Eles também tentam pegar o disco grande para unir os dois e arremessálo para seu

time. Quando o arremessador recebe os dois discos grita “Alt!” o jog pára e ele lança para o

taifeiro. Se ele pegar, vale 50%. Se cair, apenas o outro taifeiro pode tentar pegá-lo e encaixar.

Aí vale 25%, porque o disco menor não é o do seu time.

Para ser taifero, o menino treinava força nos braços e direção de arremesso, porque ao

encaixar o disco um no outro, ele ficava pesado e não poderia errar o arremesso para o

receptador. Nenhum jogador podia encostar no taifero. Ao se levantar ele segurava o disco de

forma a encaixar na curva do antebraço, se curvava pra frente, inclinando um pouco e rodava,

dando impulso para lançar o disco até o receptador. O bloqueador tentava impedir o bloqueio

adversário e o pegador tentava impedir que o pegador adversário pegasse o disco, caso ele não

chegasse até o receptador. Aí ele tinha que correr até o taifero de seu próprio time, entregar o

disco de pedra adversário, colocar seu próprio disco e o taifero tentar o arremesso.

Isso valia 25%. Aí cada time voltava à sua posição e começava novamente. O time sem o

disco de pedra ainda tinha a missão de tentar recuperar seu disco, porque se ele jogasse com o

disco adversário, só valia 10%. O time que fizesse 100% primeiro, ganhava o jogo. Em

segundo lugar ficava o time que teve mais recepção.


O julgador sempre era Abud. Ele gostava de subir no estrado e observar o jogo. Assaz e Zorad

ficavam de treinadores. Eles marcavam as faltas. Se um dos taiferos se levantava antes de

receber o disco um dos treinadores gritava “alt” e todos voltavam as suas posições e o

julgador gritava “enter” e voltavam a jogar. Isso durava fração de segundos e o grupo perdia

10%. Se um dos bloqueadores se machucava o pegador tinha que fazer o trabalho por dois. Os

machucados se retiravam e não eram substituídos, mas o pegador adversário não podia mais

passar para o seu triângulo. Quando íam para outras cidades, eles levavam apenas um time e

jogavam contra os dois times daquela cidade. Aí a contagem mudava: o time que fizesse

100% primeiro saía de campo como vencedor. Três times continuavam o jogo e assim por

diante até estabelecer o primeiro, segundo e terceiro lugares.

Myndoka gostava de se vestir de menino e jogar com eles. Ela prendia seu longo cabelo em

volta da cabeça, amarrava um lenço e colocava um pequeno elmo de couro. Usava calções e

colocava a barra de sua túnica para dentro. Sua posição era de receptador. Todos os meninos a

queriam no seu time porque jogava bem. Sempre que acertava, Abud sorria. Ele gostaria que

Vendella tivesse essa força. Mas as duas eram muito diferentes. Myndoka não gostava de

obedecer as ordens de sua mãe e ficar longe dos meninos, nem cobrir a cabeça, nem ficar de

vestidos. Desde que seu irmão foi para o palácio na Vila e esqueceu da vingança que

prometeu, sua mãe não conseguia fazer com que Myndoka seguisse seus conselhos. Vendella

também não gostava de leis e ordens, mas seguia o que sua tia-avó e as outras mulheres lhe

diziam. Por isso gostava tanto de Myndoka. Porque ela era parecia ser livre. As vezes

Vendella gostaria de ter a coragem que ela tinha.


CAP. IV- A VILA

Vendella avistou a cabana e as parteiras correram a recebê-la. Estranhou.

_Porque fugiu Vendella? Disse Lenôra num tom de reprovação._tinha medo da morte da

Senhora acontecer na sua frente?

Olhou para Myndoka com as sobrancelhas levantadas em sinal de interrogação. Então ela

havia morrido? Será que havia tido tempo de dizer algo? Uma esperança surgiu.

_Não precisava correr! Era só chamar!continuava Tka, enquanto enfiava mais roupas na

criança sem prestar muita atenção a aflição de Vendella à uma mínima visão da marca de

nascença.

_ E enquanto ela deixava este mundo, ela confiou a você a guarda da menina, terminou Tka,

entregando-a já vestida. “Você deve ir ao Conselho junto com Lenôra na próxima lua.

Então ela não contou. Morreu sem dizer nada! Então o segredo desta criança

morreria junto. Vendella sentia seus pés presos ao chão. Myndoca empurrou-lhe e ela se

desequilibrou. Como se acordasse de um sonho, tomou a menina e afastou-se rapidamente.

_ Nós iremos, gritou Myndoka enquanto tentava seguir Vendella.

A cabana onde as pessoas iam receber ajuda, ficava em cima de uma montanha. Lá de cima

dava pra avistar toda a aldeia. A cabana era grande e redonda, com varias caixas, onde Lenôra

guardava frascos com líquidos que faziam arder o nariz, quando Vendella abria. Ninguém

estava autorizado a mexer nas caixas, sem a ordem de Lenôra. Ela tinha vindo de além-mar

para cuidar dos doentes. Era muito alta e muito magra. Vendella achava que Lenôra parecia

triste, as vezes parecia doente, mas quando perguntava se tudo estava bem, ela se tornava

enérgica e começava a bradar:

_ Vamos limpar isso tudo aqui! Não deixem essas caixas abertas! Coloquem as crianças na

rede! Será que ninguém pode me ajudar! Tenho que fazer tudo sozinha!
Ela usava uma roupa muito branca, mas parecia com as túnicas que todas as mulheres da

aldeia usavam. Seu cabelo era da cor dos girassóis e mais curto do que de seu avô, reparou

Vendella, quando o lenço caiu.

_ Você conseguiu! Gritou Myndoka quando elas já estavam descendo. A menina agora é sua!

Gritavam pulando em círculos em volta de Vendella que carregava o bebê nos braços.

_Pare com isso. Não vamos festejar ainda.

_Porque não, amiga?

_Ainda tenho que contar para o meu avô - respondeu Vendella com preocupação na voz.

Myndoka tomou-lhe a frente, segurou em seus ombros fazendo-a parar.

_Diga-me porque TÊM que contar pra alguém, hum? - Myndoka olhava dentro dos olhos de

Vendella como que propondo um desafio – Eu sou sua única testemunha, se lembra? E nem vi

essa tal marca!

_Tá bom, Mika. Tem certeza que pode dar certo?

_Já está dando certo, Vê. Vamos embora.

E desceram rindo, levando o pequeno pacotinho.

Toda a Vila ficava entre a floresta e o rio. A Vila se dividia entre a aldeia onde ficavam varias

cabanas para as pessoas dormirem e a cidade cercada por um muro. A distância entre elas era

de um dia de caminhada.

Na aldeia, cada cabana tinha várias redes penduradas e sacos para guardar as vestimentas e

esconder algum alimento. Também tinha uma grande tenda no meio de todas as outras, onde

se faziam as refeições. Uma pequena elevação, com duas aberturas: uma na superfície e outra

ao lado, serviam para preparar os alimentos. Os aldeões traziam a lenha tirada da floresta e a

caça. A lenha era colocada na fenda lateral onde o fogo ficava sempre aceso. As mulheres

colhiam raízes e preparavam junto com a caça em grandes caldeirões colocados sobre a
superfície. Depois de algumas horas a fumaça se elevava sobre a tenda e fazia as crianças se

aproximarem com fome.

Uma outra tenda menor ficava mais afastada, na beira do rio. Era onde as mulheres se

reuniam depois das refeições para costurar roupas, banhar-se, cuidar das crianças e

geralmente falar sobre coisas que os homens não podiam ouvir. Nessa tenda os homens não

entravam, então o uso do lenço era abolido. Aí aconteciam os olhares maldosos de quem

cortou os cabelos, daquelas meninas crescendo e ficando bonitas, da beleza das meninas que

algumas mães tentavam esconder.

_Odeio quando elas fazem isso, Vê!

_Mas você não gosta de ser bonita? Ter gente olhando pra você, Mika?

_Eu não sou você, Vê. Só vou me casar se eu puder escolher. E testar primeiro!

E riram juntas na rede.

Os homens também tinham seu lugar: era uma caverna que ficava depois do rio. Eles usavam

uma balsa, feita de troncos amarrados que boiava sobre as águas, para atravessar a pouca

correnteza. A caverna era imensa, com uma mesa de pedra esculpida pela própria natureza.

Ficava na altura dos joelhos dos homens, então eles se abaixavam e sentavam todos no chão.

Os meninos ficavam em turmas tentando imitar os homens, então brincavam de lutar, de

treinar e se preparavam para os rituais. Eles sempre se mantinham afastados das tendas das

mulheres. Eram proibidos de brincar com as meninas.

As conversas entre os homens sempre eram sobre a comida recebida do Faxar. Eles decidiam

quanto cada família ia receber e quanto precisavam guardar para os dias frios. Também

conversavam sobre os meninos da aldeia. O pai que possuía mais filhos no conselho, também
tinha maior voz dentro da aldeia. A comida que eles recebiam do Faxar, eram alimentos que

eles não conseguiam produzir, como arroz, trigo, sal.

Eles ansiavam pela paz entre o povo da aldeia e o povo da cidade. Não queriam nada além de

olhar os filhos crescerem, plantar as sementes e viver para ver a colheita, fazer as festas e ser

deixados em paz. Mas às vezes as vozes se elevavam nas reuniões. Isto acontecia sempre que

Abud se fazia presente. Ele parecia incitar os aldeões a uma guerra.

Mindoka, Vendella e Derek estavam no meio da colina, sentadas olhando os meninos lutarem.

O dia estava fresco e Mindoka retirou o véu e deixou o vento varrer seus cabelos, parecidos

com o trigo. Seus olhos da cor do céu, estavam fechados.

_As vezes não gosto que vovô fale de guerra – susssurou Vendella.

_Ele diz que vai nos libertar. Até lá eu quero estar preparado. Observou Derek.

Sentada com as pernas esticadas, se escorando nos braços esticados para trás, com a cabeça

elevada e os olhos fechados, Myndoka respondeu:

_Você nem tem ideia do quê ele quer nos libertar, treinante de cavaleiro.

_E você? O que sabe da conversa dos homens? Você nem sabe o que eles falam nas reuniões

na caverna! Respondeu Derek num tom ofendido.

_Pelo visto vocês dois já começaram a guerra- Disse Vendella- Eu estou falando sério: se todo

mundo quer a paz, pra começar lutando?

_Não é sobre a paz, Vê. É sobre liberdade!

_É – concordou Derek – poder atravessar o mar quando quiser e conhecer outros reinos.

_E decidir se quer participar de uma cerimônia boboca, ou não- falou Myndoka ainda de

olhos fechados

Derek arrancava pequenos gravetos com a mão e quebrava nos dentes.

-Você está ficando com a boca da cor da grama, senhor cavaleiro – brincou Vendella,

tentando desviar o assunto.


_Do jeito que corre no jgo, só serve pra cavalariço. Disse Myndoka levantando já esperando

ter despertado a ira de Derek.

_ Tente então fugir de mim, se conseguir, Lady Mika.

_Miiikkaaaa.... gritou Vendella enquanto acompanhava a fuga de Myndoka colina abaixo,

perseguida por Derek.

Era necessário fazer parte do conselho para ser cavaleiro ou manusear armas. Os

aparelhamentos de guerra- a espada, o escudo, o elmo, a armadura e o cavalo- custavam muito

caro e os aldeões não tinham recursos para se tornarem cavaleiros, nem mesmo tempo para o

treinamento.

Então Abud resolveu que se os rapazes não fossem escolhidos pelo conselho, iriam treinar

escondidos. Aprendia a consertar e a usar as armas, aprendia técnicas de combate, como

montar o cavalo e valorizar as atitudes de um cavaleiro.

Cada rapaz vestia um calção até o meio da perna, e outro maior por cima, que ía amarrado na

cintura. Também colocava um pano redondo, do dobro de seu tamanho, com um corte

exatamente no meio para passar a cabeça. Depois ele colocava uma malha feita de pequeninos

aros de aço. Nesses aros eram penduradas placas de ferro, uma a uma em todo o torso, os

braços e pescoço. Essa vestimenta toda dificultava que as espadas ou flechas penetrassem até

a pele, mas pesavam muito e só rapazes que treinavam a força, conseguiam lutar utilizando

todo esse aparato. Na cabeça ainda levavam um elmo, que servia não só para proteger, mas

também para identificar de que região era o guerreiro. Por dentro desse elmo existia um

revestimento de couro e pele de ovelha que amenizava o impacto dos golpes recebidos na

cabeça.

Mas nem todos se preparavam para as lutas. Os aldeões conseguiam cuidar de galinhas,

coelhos, porcos e cabras. Os animais viviam separados dos humanos, num grande cercado ao
pé da montanha. As vezes, em alguns períodos, apareciam patos selvagens voando e os

homens saiam para caçar. As mulheres cuidavam de algumas plantações que ficavam perto da

tenda de refeições. Eram tubérculos, raízes, folhas, cana e milho.

Durante o período de chuva, elas tinham bastante gordura com sal para guardar pedaços das

carnes até a chegada da festa das flores. Algumas árvores distantes, davam frutos que eram

trazidos pelos homens nos dias de caça. Cada família recebia uma porção. O mais comum, era

um fruto verde, com uma casca grossa e lisa, mas com um pouco de mel. Ao esmagar a fruta,

ela tinha a polpa da cor do sol, doce e macia, com um grande caroço. Todas as partes das

frutas que não serviam de alimento, eram postas para secar por dias e depois transformado em

adereços pelas mulheres. Elas não tinham as jóias brilhosas das mulheres do Faxar, mas

também gostavam de se enfeitar. As vezes os homens encontravam pedras no rio que tinham

algum valor. As mulheres guardavam essas pedras para o dote das filhas.

Em dias de festa na Vila, o povo da aldeia saia antes do sol nascer. Iam à pé, alguns a cavalos

e as pessoas com dificuldades para andar, usavam carroças. Toda a caminhada era um

caminho tortuoso cheio de pedregulhos acinzentados, que esfarelavam sob os pés e as rodas

das carroças, o que dificultava muito o trajeto. O grande muro de pedra com uma torre

começava a ser visto quando o sol já estava a caminho do ponto alto no céu. Do rio dava pra

ouvir ao longe o barulho do sino. O sino maior ficava na torre de entrada. Homens vigiavam a

torre durante todo o tempo, apesar da torre de vigia de toda Wilmerstah ficar atrás da Vila.

Era uma alta montanha, toda em tons de cinza, cheia de pedras. A meio caminho do topo, foi

construído um platô, onde guerreiros se revezavam vigiando toda a cidade. Dali dava pra ver

o caminho que ía até a aldeia, o porto onde os barcos entravam e saíam, e a Vila cercada pelo

alto muro de pedras.


Ali também ficava o cemitério. O Faxar exigia que todos os aldeões fossem enterrados ali. As

pessoas da cidade eram enterradas atras da igreja por ser um lugar sagrado. Esse cemitério

não tinha lápides ornamentadas como a dentro da vila. Ali moravam algumas pessoas que

haviam sido expulsas da Vila por sua doença não ter cura. Não havia limpeza no local, eles

viviam abandonados, mas recebiam uma pequena porção de alimento de Zamit. Eram cegos,

coxos, aleijados e esquecidos.

Ao entrar no grande muro, uma das laterais da Vila parecia uma feira: pessoas com

mercadorias e comidas diferentes daquelas da aldeia, gritando preços e trocas. Muitas pedras

que eram tiradas do rio, tinham valor de troca aqui na cidade. Uma peça de ferreiro também

tinha valor: havia poucos ferreiros que não estavam a serviço do Faxar.

À esquerda ficavam os estábulos e os lugares onde os homens iam para tomar bebidas feitas

de frutas fermentadas. As tavernas ofereciam carne, bebida feita de milho e mulheres.

Eram chamadas de nomes de flores: rosa, violeta, jasmin, orquídea. Eram obrigadas a usar

preto nas ruas. A ausencia de cor. E um guizo no pescoço, para que os homens de bem não

lhes dirigisse palavra. Este guizo também era uma forma do taverneiro marcar as flores de seu

jardim: Ele usava uma ferramenta que lacrava o cordão em seus pescoços - não havia como

retirar. Na aldeia não exisitia essas moças – elas eram produto da vida: algumas moças

recusadas pelo Faxar, não tinham família pra quem voltar e ficavam na cidade, perambulando

pelas vielas. Para conseguir comer, se ofereciam pra trabalhar na taverna. E aí recebiam o

nome de uma flor. Depois descobriam que estavam na prostituição. Quando chegava uma

moça nova o taverneiro bradava a seus clientes:

_Nasceu mais uma flor no jardim! É a Azaléia!

O taverneiro exigia que elas fossem tratadas como uma flor. Os homens não podiam bater,

machucar, e deviam trazer presentes. Então elas começavam a gostar de viver ali.
Colocar o cordão pela primeira vez, era como se fosse uma cerimônia para elas. As mais

antigas festejavam, para que as novatas se sentissem em casa. Havia muita comida, muita

dança, muitas bebiam pela primeira vez e marcavam pontos de desprendimento. Elas

cuidavam principalmente das mais tímidas: velhas atitudes deviam ser abandonadas e novas

deviam ser aceitas. Agora, a convivência com algumas pessoas devia ser deixada para trás e

homens passavam a fazer parte de seu grupo de relacionamento. Isso limitava o convívio com

as outras pessoas da cidade. Por isso que nessas cerimônias, a moça aceitava a troca de nome,

representando que aquela identidae que era sua até então, não mais existia – agora ela era

apenas uma flor.

Á direita da Vila ficava o tablado: um palco gigantesco onde aconteciam as apresentações nas

festas e também onde os traidores eram enforcados. Aqui também se liam as ordens dadas

pelo rei e que eram transmitidas pelo conselho. Atrás desse palco ficava um antigo estábulo,

transformado em albergue para que servisse as pessoas do circo da cidade. Duas pessoas que

trabalhavam nesse circo, ensinavam música e arte para os rapazes escolhidos pelo conselho.

Outros trabalhavam em peças, onde contavam histórias divertidas. As histórias tristes eram

proibidas pelo conselho. Diziam que um traidor que foi enforcado naquele tablado, contou na

peça que o rei havia roubado o trono de seu irmão.


CAPÍTULO V – O CONSELHO E AS TRADIÇÕES

O conselho era formado pelo Faxar – o governador de toda Wilmerstah – escolhido pelo rei

de Quesselfor para tomar conta do lugar; Feltzar, o Mago – homens de poderes ocultos, que

podia prever os pedidos do Faxar, escolher moças puras, descobrir traições – o único que

podia ler os hieróglifos da pedra. Os rapazes escolhidos aprendiam a ler, mas apenas outros

sinais; Zamit, homem cruel, que cumpria os mandados do Mago, em nome do Faxar. Era

temido na cidade e também na aldeia, onde ia para roubar mulheres desprezadas; Manton,

tomava conta do píer, onde aportavam os barcos e navios. Decidia quem podia descer na

cidade. Também era responsável pelo armazém, onde guardava todos os mantimentos

enviados pelo rei. Tinha sobre suas ordens alguns dos rapazes escolhidos pelo conselho;

Assaz, o responsável pela cavalaria e pela defesa de Wilmerstah, e por treinar os rapazes

escolhidos. Vigiava os ferreiros para que não forjassem armas que não fossem para o Faxar.

Era amigo do povo da aldeia; Mondrai, o grande gigante branco, que era neutro e cuidava de

todos os outros neutros e também das mulheres que viviam dentro do castelo na cidade. Eles

recebiam o nome de Zabudi antes de seus próprios nomes; Degas, o jardineiro do rei, que

preferia viver na aldeia após ser enviado a Willmerstah, e que trazia noticia da aldeia para o

conselho – mas também levava noticias para os aldeões, principalmente para Abud.

.............................................................................................................

Vendella chega a cabana e conta a história para seu avô, menos uma parte. Myndoka acena

com a cabeça concordando com cada palavra.

_Isto é uma honra! Ser escolhida para cuidar do feitio de uma criança – dizia seu avô. –

mesmo sendo uma menina...

E vendo sua cara de reprovação, completou:_Tão bonita quanto você ao nascer.


Ela estava feliz que nem se importava. Ela estava mudando as regras de um

jogo feito por homens, para que as mulheres nunca decidissem. Mas ela havia tomado uma

decisão e passado por cima das leis e nada mais conseguiria tirar esse sorriso de seu rosto

quando pensava no que fez.

_Que nome vai dar a ela, Vê? Perguntou Myndoka.

_Eu não sei...Pode me ajudar vovô?

_Seja bem vinda, Quinn. Que você seja o bem que estávamos esperando para mudar esse

lugar num outro mundo.- e beijou-lhe a testa, como faziam as damas de companhia.

_Quinn é um lindo nome.

144 luas se passaram desde que recebeu Quinn de presente, com ordem do conselho, o que era

uma proteção para a menina. Sim, era um presente ter uma garotinha tão linda como filha.

E agora chegara o momento de se apresentar ao conselho para a escolha do seu matrimônio.

Já estava costurando seu longo vestido há muito tempo. Era feito de partes de outras

vestimentas riquíssimas descartadas pelas mulheres dos poderosos. Mas para que não usassem

suas roupas, elas mandavam cortar em partes que eram distribuídas em várias aldeias, ficando

uma parte com cada um. Então ela tinha várias partes de vários tecidos de várias cores e tinha

que fazer milagre para completar seu vestido. E a capa, bem fina, quase transparente, feita de

pele de ovo, ficaria sobre o véu, bordado com pingentes claros e coloridos nas pontas.

Não iria se mover tanto ao vento como o de Iria, a filha do rico negociante de temperos, que

se apresentara um período antes dela. Mas ainda assim sentiu-se uma fada com tantas cores

sobre seu corpo. Geralmente os trajes femininos não podem chamar a atenção dos homens

nem inveja nas outras mulheres, então todos usavam cinza. Mas no dia do casamento, as cores

eram liberadas. Apenas os ricos traziam tecidos do outro lado do mar. Os cabelos das

mulheres eram cortados curtos, após o casamento. E usavam um véu como um grande lenço.
_Será que posso cortar meu cabelo sem me casar, Vê? O que você acha que as mulheres

fariam? Riu Myndoka.

_Você provaria que enlouqueceu e elas colariam o lenço com goma na sua cabeça. E um

lenço bem longo, pra incomodar mais do que o seu cabelo, falou Vendella.

_ Meu cabelo não me incomoda. Parecer bela, me incomoda. Então vou fazer uma cicatriz no

meu rosto, o que acha? Vou parecer filha do Fedegoso.Ha!Ha!Ha!

_Você me assusta, Mika. De onde você tira essas ideias?

_Mas você gosta de mim assim mesmo, não gosta Vê?

_Claro que gosto! Porque isso, Mika?

_Acho as moças daqui muito esquisitas. Já notou que não fazemos amigas por aqui? Quando

seu avô tomar a cidade, vamos morar juntas, promete?

_Eu vou me apresentar para o conselho, Mika. Falou Vendella em voz chorosa.

_Não faça isso, Vê. E se alguém te escolher e te levar embora? Eu não tenho mais ninguém!

_Você tem... Vendella achou melhor não mencionar a mãe nem o irmão de Myndoka.

_Viu? Nós só temos nós!

_ Tá bom, Mika

O conselho decidia sobre os casamentos: uma vez a cada noventa luas, todos iam até o

tablado. As moças iam com seus dotes – ou sem nada – para se oferecerem em casamento.

Neste dia elas podiam tirar suas roupas simples e os lenços. Demoravam luas e luas

costurando uma roupa bem colorida e escovando os longos cabelos. Para não precisar usar

lenço após o casamento, as mulheres tinham que cortar os cabelos. O conselho decidiu que os

longos cabelos, chamavam a atenção dos homens e aquilo fazia mal às outras mulheres.

As moças iam em filas e aos poucos subiam no tablado onde um dos integrantes do circo,

fazia sua descrição das qualidades da moça. As de menor qualidades, eram descritas de forma

jocosa e todos riam a valer.


-Venham! Vamos levar pra nossa tenda uma linda princesa, (mas que cheira a um porco)!

Vejam esta: pele lisa como de fruto doce...não sorria, minha filha! Assim a senhorinha

espanta os fregueses... Já esta é muito alta! Mas quem não gostaria de desfilar na cidade com

as ruas apinhadas de gente e conseguir encontrar sua mulher no meio da multidão! Muito

fácil! Esta moça aqui é uma pechincha: É o preço de uma com o tamanho de duas! Há!Ha!Ha!

As dotadas de grande beleza não chegavam a ir a praça, pois o Mago já havia separado para o

Faxar, mas se alguma havia ficado escondida, neste momento sua beleza era louvada e assim

era enviada aos aposentos no castelo. Myndoka conseguia se safar das investidas porque se

vestia de menino. Nem o Mago Feltzar conseguia descobrir a farsa.

_Eu não disse que ele não é Mago coisa nenhuma – debochou Myndoka uma vez.

_O dia que ele descobrir você vai para a forca e vai virar lenda. Respondeu Vendella.

_Eu proponho um desafio, Vê. Eu vou até lá e vou falar com ele. Se ele não me reconhecer,

você me ajuda a entrar no ritual dos meninos.

_ Você está louca, Mika? Quer que sua mãe chore sua desgraça?! Sussurrou Vendella por

entre dentes, puxando sua amiga vestida de menino para um canto.

_ Claro que eu não vou fazer isso, sua boba! Mas tá todo mundo olhando você falar sozinha

com um menino. Isso não é bom pra você, donzela.

E dizendo isso saiu correndo, deixando Vendella com um meio sorriso.

Os rapazes casadoiros ficavam observando e escolhiam as belezas que, ainda que menor,

tinham a pele fresca da juventude, a cintura fina, os cabelos longos e brilhantes, o sorriso

encantado da inocência. Todas queriam ser escolhidas pelos rapazes que moravam na cidade e

faziam parte do conselho. Eles eram os primeiros a sair com as moças escolhidas. Depois os

rapazes da aldeia podiam escolher entre as outras moças. Algumas voltavam pra aldeia e
durante muitas luas, esperavam a próxima festa para, quem sabe fazer um vestido mais bonito,

prender uma parte do cabelo com um novo adorno, arrumar um dote maior...

_Ninguém vai escolher você, filhote de lebre – desdenhou Derek, um dia quando voltavam de

uma festa.

_Está falando comigo, filhote de cavalinho? -respondeu Myndoka. Fique sabendo que eu não

vou ser escolhida! Porque EU vou escolher, quando eu quiser!

_ Até lá eu serei um cavaleiro e não vou nem olhar pra você-desafiou Derek, empurrando seu

ombro contra o dela enquanto andavam.

_Oh! Mas eu sou uma dama e vou dizer adeus quando te deixar nessa vila pra morar na

cidade, disse dando um empurrão mais forte que Derek desequilibrou e quase veio ao chão.

As meninas riram e sairam de braços dados.

Depois do Tablado, havia uma praça na cidade, onde um imenso chafariz jorrava água. Tinha

uma borda circular de pedra, onde as pessoas sentavam para conversar e ver outras pessoas

que passavam. Circulando o chafariz à direita, ficava a Igreja, com suas escadarias e uma

porta da altura de cinco homens. A igreja possuía um sino, menor que o da torre, mas que

tinha o som parecido com cristal. Só era tocado em ocasiões mais do que especiais, como em

um novo casamento do Faxar, ou nascimento de um filho homem. Também em celebração

religiosa para homenagear o rei, que nunca vinha à cidade. Aqui na Igreja, os rapazes

aprendiam sobre sinais. Como identificar o que estava escrito em pedaços de tecido muito

fino, presos à perna de um dos pássaros treinados pelos monges religiosos. Esses pássaros

podiam levar mensagens de uma vila à outra. Também aprendiam a usar o tecido comum para

produzir este tipo de tecido onde estavam escritos os sinais. Aprendiam a cantar a canção do

Rei e a calcular mantimentos, dotes, pedras e valor das mercadorias.


Circulando o chafariz pela esquerda ficava o castelo do Faxar. Parecia apenas mais um grande

muro de pedra com grandes janelas. Tinha a forma de seis lados, onde vivia cada uma de suas

esposas. No seu interior havia um pátio central com um lindo jardim, com muitos tipos de

flores e um lago com peixes e aves. Cada um dos lados era pintado de uma cor e cada janela

era coberta com tecidos coloridos e bordados com fios dourados. Internamente, cada um era

do mesmo formato: uma imensa sala com seis lados, que servia às refeições e às reuniões. No

porão destas salas, os aposentos dos que trabalhavam para essa esposa. Uma escada de ferro

batido levava à parte superior onde estavam os aposentos íntimos da esposa e filhos do Faxar.

Cada uma decorava seus aposentos com a cor escolhida e tecidos, penas, plumas e muitas

caixas de marfim. Todos os objetos preciosos, vinham do outro lado do mar. Uma não podia

usar a cor escolhida pela outra casa.

A primeira esposa não teve filhos, mas tinha direitos a escolher seus serviçais e dar suas

próprias festas. A segunda esposa lhe deu apenas uma filha mulher. A terceira esposa lhe deu

um filho homem quando ainda não era casada com o Faxar. Ele se casou com ela após o

nascimento do bebê, o que fez com que as outras esposas, não aceitasse a criança. Mas o

conselho decidiu que ele era o herdeiro do Faxar. A quarta esposa lhe deu duas filhas e um

filho, mas o conselho decidiu que eles não teriam direitos, porque a esposa enlouqueceu após

o último parto.

O quinto espaço era usado pelo Faxar para encontros com as moças escolhidas pelo

mensageiro. Eram trazidas para cá e cuidadas pelo Zabudi mais velho. Mondrai fazia com que

tomassem banho todos os dias, cuidassem dos cabelos e se enfeitassem com jóias. A maioria

das moças vinham da vila e não sabiam se portar na cidade. Então os Zabudi as ensinavam.

As vezes eram trazidas até seis moças. Elas demoravam a ficar prontas para o primeiro
encontro com o Faxar. Essa era uma decisão de Mondrai. Se elas demorassem a entender qual

papel da escolhida, ou chorasse querendo voltar pra aldeia, ela sofria castigos até aprender.

As moças aprendiam a cantar musicas doces e a dançar. Quando eram devolvidas a aldeia,

elas podiam ficar com toda a roupa e jóias usadas enquanto agradasse o Faxar. Mas se ele não

se agradasse da moça, ela era enviada ao porão para servir aos rapazes e depois devolvida a

aldeia sem receber nada. Eram essas moças que Zamit recolhia para si. Elas tinham muita

beleza, mas estavam aterrorizadas pelos acontecimentos e eram facilmente levadas para onde

ficava seu local de trabalhar e dormir. No porão do sexto aposento ficava os aposentos de

Zamit e o laboratório de Feltzar, o Mago. Zamit aprendia a preparar as poções e usava

algumas de adormecer em suas presas. Até chegar o momento de devolve-las para sua família.

O sexto lado eram os aposentos do Faxar. Era vigiado por homens armados, zabudis

circulavam trazendo frutas frescas, água e mulheres, para aquecer o velho corpo do Faxar. O

Mago trazia chás que faziam o efeito de ter um bom sono ou ficar alerta para uma reunião do

conselho.

_Dizem que o Faxar faz com as meninas o mesmo que os animais fazem no pasto antes de

nascerem os filhotes – começou muito solenemente Myndoka.

Vendella, Myndoka e Derek estavam na beira do rio sentados, molhando os pés.

_Que ninguém nos ouça. Não fale assim perto de um rapaz! Advertiu Vendella.

_Ele nem é um rapaz. É só um menino-verde que não sabe do que eu falei.

_Eu já sou um homem e pra te dar ciência, eu ajudo a cruzar os animais pra nascer filhotes,

então eu sei exatamente o que os animais fazem no pasto...

_Caaleem!! Gritou Vendella fingindo que tapava os ouvidos. Vocês vão se casar?

_Nãoo! Responderam em coro Derek e Myndoka se afastando um do outro.


_ Ah, bom. Então vamos conversar sobre coisas que amigos podem falar um com o outro,

porque esse assunto é pra o marido – olhou pra Derek – falar com uma esposa – olhou pra

Myndoka.

_Eu só ía contar o que ouvi. - foi dizendo Myndoka

_Depois você conta só pra mim, ouviu, Mika.

_Vamos subir na balsa? Derek gritou enquanto corria e pulavga sobre os troncos de madeira.

_Oba! Disseram as duas.

_Você vai mesmo se casar, Vê – perguntou Derek enquanto empurrava a balsa pra longe da

terra.

_Claro que ela não vai me abandonar, não é Vê?

_Nós duas vamos nos apresentar ao conselho, como sua mãe quer que você faça. Respondeu

Vendella, tentando esconder a tristeza nas suas palavras. Sabia que seus dias de aventura com

Derek e Myndoka ficariam para tras.

_ Eu não posso. Eu não tenho dote. Disse Myndoka com meio sorrizo.

_Como assim? O que você fez? -perguntou Vendella com curiosidade.

_Sem dote, você não consegue nem uma cabana pra cuidar. Talvez tenha que morar com o

taverneiro – riu Derek e instantaneamente foi chutado por Myndoka.

_Seu pai deixou o bastante pra você e seu irmão!

_Mas eu escondi e minha mãe acha que meu irmão levou tudo! Ela pensa que ele é um ladrão

e por isso não voltou mais para vê-la. Myndoka sorriu enquanto falava do seu plano perfeito.

_E se ele voltar e contar pra sua mãe, sua pena de ganso! Derek cantou.

_è, Mika. E se sua mãe descobrir que a ladra é você?

_Ladra, não! O dote é meu e eu faço com ele o que eu quiser! Resmungou.

_A palavra dote significa alguma coisa pra você ou o passarinho comeu seu cérebro? E dizem

que as mulheres já governaram o mundo! Aaii! E sentiu outro pontapé vindo de Myndoka.
_Continua remando e cale a boca se não vou amarra sua boca com meu lenço. Myndoka fez

um gesto de forca no pescoço de Derek.

_Vamos voltar,está escurecendo.

Enquanto mexia na sacola de couro na qual seu avô guardava seu dote,

Vendella escolhia umas joias para guardar para Quinn. Suas pedras e jóias não se pareciam

com as pedras pequenas e brilhantes recolhidas no rio pelos homens da aldeia - as grandes

eram entregues ao Faxar, dono da cidade e que também governava a aldeia. Eram pedras

maiores, mais bonitas e às vezes estavam cravejadas em algum ornamento. Sua tia-avó

também tinha umas jóias muito grandes e brilhantes. Uma vez perguntou a ela onde tinha

achado tais pedras e ela sempre dizia:

_Existia uma cidade onde o sol nunca morre. Cercada de bosques verdejantes com cheiro de

eucaliptos, e um palácio todo cor da flor de laranjeira...

E Vendella deixava ela falando, porque conhecia a história e ela não tinha um fim muito

bonito. Sua tia-avó misturava as lembranças com as histórias. Na aldeia as pessoas diziam que

sua cabeça já não era muito boa. E a história terminava com a morte dos pais de Vendella.

Cada vez ela contava de um jeito diferente.

Ela não gostava de se lembrar do rio, onde seus pais foram levados por uma enchente após

uma forte chuva. História que a aldeia contava, mas que sua tia-avó em noites de delírio, dizia

que era uma “falsa história”. Desde então, ela ficava com o seu avô. Gostava dele. Ele não

pensava como a maioria dos homens da aldeia. Ele morou na cidade além mar um tempo e

tinha umas idéias... “nascer mulher não é um fardo é uma diferença.” Dizia ele. E as tratava

como igual. Por isso foi enviado para a aldeia. Só podia voltar a cidade em festas ou à

trabalho: era o único que falava uma língua dos estranhos que moravam do outro lado do mar.

Ele não era livre e guardou aquele dote para que ela fosse.
_Eu acho que seu avô roubou isso em algum castelo – disse Myndoka certa vez, testando uma

pulseira pesada em seu pequeno braço.

_Claro que ele não faria isso! Alguém o pagou pelos seus serviços. Respondeu Vendella.

_Então porque ele não deixa você usar? Nem nas festas! - retrucou Myndoka

_Está com inveja do meu ouro, Mika? - instigou Vendella

_Só se eu nascer de novo e me tornar o Faxar dessa cidade.

Quando ia para o píer ver os barcos que chegaram, as vezes Abud levava Vendella e

Myndoka. Elas ouviam as conversas sobre o Rei, sobre coisas valiosas, sobre ouro, sobre

pessoas que elas nunca viram, e ouviam sons que não conheciam.

Isso há muito tempo, pois quando Vendella virou mocinha, sua tia-avó não deixou mais ela ir

– “aqueles homens vão levá-la embora”. Seu avô concordou que não era seguro.

Um dia ouviu as conversas de seu avô com homens da aldeia e os de além-mar:

_ Toda a vida segui o caminho da Paz, tendo escolha, e tive muitas escolhas, mas preferi

seguir meu povo até Wilmerstah. No entanto, nosso destino foi vir pra cá e ver nossos filhos

nascerem num tempo em que a violência nos governou. Hoje, prefiro desembainhar uma

espada a resolver uma discussão com palavras, porque é isso que um guerreiro faz, mas a

maioria dos Aldeões não é de guerreiros. Então vamos nos planejar – estratégia é o melhor

caminho para voltarmos a Quesselfor.

_ Podemos continuar treinando os homens! Disse Assaz. Agora temos 154 homens em idade

de luta. Além disso, já possuímos cota de malha para quase todos, a maioria possui elmos e

armas adequadas, espadas ou lanças.

– Alguns não querem voltar; preferem ficar aqui; estão acostumados-disse um dos aldeões.

_ Mas alguns não possuem nem armadura de couro descente e estarão armados com

machados, enxós, foices e enxadas afiadas. –retrucou Zaquoia.


_Ainda tenho medo do que possa acontecer... ía dizendo Abud.

_Acha que sobreviveríamos a seu irmão? Sobreviveríamos a outra guerra?! - gritou um dos

homens.

_O que houve, foi uma traição! Homens traiçoeiros que se aproveitaram da posição que

tinham, para subjulgar os mais fracos! Ameaçá-los! Eu sei que vocês não trairiam o Rei, se

não ameaçassem suas famílias!

_Não estaríamos aqui, se o “Rei” tivesse dado ouvidos aos que tentaram alertar que Torank

era um perigo! -Falou Gatway com ironia.- Acha que o Rei ouvia o povo, Abud? Acha que o

povo estava próximo ao seu Rei tanto quanto seu Rei está do seu povo agora?

Assaz pulou sobre ele, segurando pelo pescoço, caindo ao chão e jogando-o por sobre sua

cabeça, fazendo alguns ossos estalarem. Alguns homens correram e seguraram Assaz.

- Nunca mais fale assim do nosso Rei; falou Assaz entre dentes, olhando com ódio para

Gatway que se encolhia de dor no chão.

_Ele tem razão, Assaz, retrucou Abud, tocando em seu ombro e fazendo-o se afastar de

Gateway _ Nosso maior inimigo somos nós mesmos, que nos acostumamos com aquilo que

foi destinado a nós. Que estejam comigo aqueles que quiserem retomar o que é seu!

-Yeeaahh!!

Todos gritaram juntos.


CAP VI – A FESTA DO CONSELHO E O RITUAL DOS MENINOS

__Vê, Abud disse que nós da aldeia não precisamos participar das cerimônias da vila. Derek

falou como se estivesse questionando.

_Se todos fazem, acho que devemos seguir a tradição.

_São povos misturados -contrariou Myndoka – Então são muitas tradições. Vou criar minha

própria tradição: se chama liberdade. Eu acho que Abud tá certo e que Derek tá com medo.

_Eu to preparado. Mas preferia ser Mago. Aprender música. Outras coisas que não servir as

mulheres do Faxar.

_Ah! É isso que um cavaleiro faz? Brincou Myndoka. Que difícil!

_Em tempos de paz como estamos, Myka – interveio Vendella

-Myka não é como você Vê. Falta-lhe juizo...

_Talvez você tenha sobrando, filho de um jumento!

E saíram correndo deixando Vendella parada olhando os dois brincarem, se empurrarem.

Derek segurava na comprida trança de Myndoka e rodava em volta prendendo seus braços até

ela ficar vermelha de tanto gritar. Quando estavam só os tres, as meninas não usavam seus

lenços. A mãe de Myndoka não via essa amizade com bons olhos. Abud não se importava.

Gostava de Derek.

Vendella suspirou.

Estava chegando o dia em que iria se oferecer aos rapazes da cidade. Durante a reunião do

Conselho para os matrimônios, alguém ia se afeiçoar e a escolher; como num leilão. E a

levaria embora dali. Ela não se importava em ser escolhida. Preferia a companhia de seus

amigos. Mas as mulheres da aldeia diziam que elas estavam crescendo e passando da hora de

casar.
Até desejava o contrário – que o dote das outras garotas fossem maiores que o seu. E que

nenhum homem quisesse uma garota que afinal tinha que criar uma menina. Mas sabia que

não podia se enfear. As mulheres não deixariam, pois não ser escolhida era uma maldição. E

ouvia boatos das outras mães dizendo que perto dela, as outras não teriam chances. Será que

era bonita? Seu avô dizia que sim, mas não queria que ela participasse da decisão do

conselho.

_Tem algo muito melhor esperando por você. Vou dar um jeito para que você espere até a

próxima lua.

_Vamos chegar à festa de braços dados com Derek, assim nenhum rapaz irá olhar pra nós. E

vamos de véu. propôs Myndoka.

_Eu ouvi isso e gostei, disse Derek, mas Vendella já estva planejando.

Isso! Quem sabe depois da festa não voltaria pra casa com seu avô como

sempre? E aí teria que esperar mais 52 luas para que o conselho se reunisse em outra festa e o

povo da aldeia pudesse ir. E até lá, ela escolheria alguém. E mudaria de novo as regras dos

homens.

A cidade estava em polvorosa com a festa. Todos se reuniam em volta da praça central. As

mulheres traziam tubérculos para jogar no moinho que rodava durante todo o dia. As mais

velhas recolhiam a farinha que saia do moinho e levava para as tendas montadas.. Sentadas

em folhas trançadas, elas misturavam aquele pó com caldo de alguma carne, recolhida das

caçadas do período. Vendella veio junto com Naretta, sua velha tia-avó, trazendo carne de

javali. Seu avô era um bom caçador, mas ela preferia pescar e fazer caldo de polvo. Hoje

ficaria com as mulheres mais velhas, porque ela estava com Quinn. As muito jovens iam para

o pátio central da grande casa chamada de Castelo.


Hoje os portões estavam abertos e dava pra ver como era muito lindo com pedras de varias

cores e uma grande escadaria dava acesso aos aposentos do Faxar e das esposas que ele

escolhia.

Os rapazes tocavam instrumentos de corda para chamar atenção das moças – das bonitas e das

ricas - onde poderiam fazer a escolha e levar ao conselho até o final da tarde. Quando o sol se

punha, os casais já estavam formados para o grande matrimônio. O mensageiro do Faxar, o

Mago Feltzar e seu capacho Zamit andavam por entre as moças para escolher as mais bonitas

para o Faxar. Algumas já tinham seus pretendentes e se escondiam para não ser escolhidas.

Mas a escolha era muito difícil porque o mensageiro era muito cuidadoso e exigente. Diziam

ter um poder oculto para descobrir a pureza da menina. Mesmo sendo escolhida, não era

garantia de casamento com o Faxar. As vezes ela era devolvida à família uma semana depois.

E aí a família recebia umas cestas de alimento para ajudar no sustento da moça, que nunca

mais arrumava marido.

Zamit gostava das que eram desprezadas após as núpcias. Ele se sentia poderoso, escolhendo

a moça rejeitada, se deitando com ela até a próxima festa, onde ele a liberava e escolhia outra.

Elas fugiam mais dele do que do Fedegoso, um aleijado marcado com a “malha”, doença que

escurecia partes da pele como se estivesse queimado. Diziam que era filho do traidor que foi

enforcado, mas o Faxar não deixava ninguém fazer mal a ele.

Fedegoso vivia no cemitério do lado de fora dos muros. Comia o que lhe dessem e gostava de

olhar as mulheres na estalagem. As crianças corriam dele. Alguns diziam que não era

humano, mas deixavam-no andar por toda a vila e alguns homens lhe davam esmolas.

Os rapazes começavam a aprender as cordas muito cedo; passava muito tempo apenas com

uma corda –esta doada pela primeira mulher do Faxar em uma cerimônia de passagem. No
final da cerimônia devia fazer um juramento de lealdade ao Rei. Também podiam morar na

cidade.

A iniciação se dava no ciclo de Drax-somere, onde o rapaz recebia sua primeira corda. Com

ela, ele podia criar seu primeiro círculo, onde ficaria até a próxima estação. Nesse período ele

aprendia sobre a luz, só se alimentava de água e tinha que compor um poema para Spatze.

Isso durava do nascer ao por-do-sol quando podia se recolher na igreja e dormir.

No ciclo de Kloratze, o rapaz recebia sua segunda corda, fazia seu segundo círculo e escrevia

um poema para Yunuline. Nesse período podia comer flores e frutos e se recolher aos

estábulos à noite. Eles aprendiam a calcular a colheita e conhecer pedras preciosas. No ciclo

Flutune o rapaz recebia uma capa. Era para se proteger do frio que se aproximava. Com a

terceira corda ele formava o terceiro círculo aonde iria dormir à noite. Alguns rapazes não

passavam deste ciclo. Tinham que escrever um poema para Montre-Supre e não podiam se

alimentar. Era o Jejum para purificação.

No ciclo Vintre ele fazia seu quarto círculo com a quarta corda. Tinha que passar todo o ciclo

de pé dentro do círculo e se alimentar de uma sopa feita de folhas. Devia escrever um poema

para Uvarma e não podia dormir. Alguns aproveitavam para cantar o poema e assim se manter

acordados. As vezes chovia muito e ventava à noite. Eles recebiam mais uma capa, mas essa

também ficava encharcada. Quem conseguisse chegar ao final do ciclo podia unir as cordas e

formar um grande círculo. Era um círculo representando a Energia e os quatro círculos

menores dentro dele representando os símbolos dos quatro ciclos: flor, fogo, lua e agua.

Os movimentos que eles faziam durante cada ciclo, formavam quatro desenhos dentro do

círculo. O que estivesse mais próximo de um dos símbolos, se tornava Mago. Os outros
estavam prontos pra trabalhar pro Faxar – nas terras procurando pedras de grande valor, com

os cavalos, com as armas ou o melhor trabalho –ser Zabudí das esposas, uma espécie de

“neutro” que cuidava das mulheres na casa grande, atendendo todos os seus pedidos. Para os

homens, esses escolhidos não eram como eles, não poderiam fazer família ou criar força física

para trabalhos pesados. Para as mulheres da casa, eles eram só diversão e o grande segredo

comentado nas cozinhas das casas que faziam parte do Seis salões do Conselho.

Ao receber a quinta e a sexta corda, os rapazes passavam a aprender letras e freqüentar por

uma vez a cada 52 luas, a casa da primeira Dama, esta a mais recente escolhida do Faxar.

Nesse casamento o Faxar já estava com idade avançada e entre os serviçais diziam que os

rapazes vinham fazer o serviço do Faxar, para a esposa.

Da sétima corda em diante, os instrumentos se diferenciavam - apenas alguns chegavam ao

de doze cordas, feito de ébano e marfim e maior do que um homem. Esses participavam do

conselho e podiam morar na cidade central, nas casas em volta da praça.

_Olha! Seu irmão já faz parte do conselho, Mika! Mostrou Derek com um dedo e o braço

esticado na direção do tablado.

_Abaixa isso!, falou Myndoka entredentes, puxando a mão de Derek pra baixo. -Eu não quero

que ele me veja.

_Por que não, Mika? Talvez ele peça notícias de sua mãe. Perguntou Vendella.

_Você não sabe? Riu Derek enquanto respondia – Ela teme que ela tenha arranjado um

casamento de favores pra ela. Isso faria com que ele subisse no conceito do Faxar.

_Ele é tão idiota quanto você, se pensa que pode decidir por mim! Desdenhou Myndoka.

Mas quando virou o rosto seus olhos estavam úmidos e sua face preocupada.

_Ele não viu você, Mika. Vamos sair daqui. Disse Vendella puxando-a para longe.
Durante a festa do conselho, o Mago abria o rolo e lia uma lenda que dizia que “ se o ritual

das cordas não fosse cumprido, um caldeirão fumegante ía ser entornado sobre Wilmerstah e

tudo seria destruído pelo fogo”.

Abud dizia que o Mago dizia isso pra que o povo continuasse sob seu domínio: “ o medo

diminui a razão, aumenta a emoção e cega os olhos.”

Mas quase toda a população acreditava no Mago e forçava seus filhos a seguirem com o

ritual.

A praça principal, com um grande chafariz e o moinho, era ladeada por ruelas. Uma dessas

ruelas tinha várias pequenas casa de pedra. Aqui moravam as pessoas escolhidas pelo

conselho. Eram os rapazes em treinamento; alguma moça que se casou com o rapaz da cidade;

alguns Zabudi que tinham sua própria casa; algumas pensões que hospedavam os estrangeiros

de passagem com as mercadorias, os moradores de além-mar: pessoas do circo que vinham se

apresentar nas festas.

Vendella estava distraída e não percebeu sua chegada. As mulheres ficaram em silêncio e

Vendella, não percebendo que seu lenço havia escorregado, se virou e encarou Zamit, que

havia parado no centro da cabana e a observava. Seus olhos cor de folhas escureceram de

medo de ser escolhida para o Faxar. Naretta lentamente cobriu seu cabelo e fez um gemido ao

vê-lo se aproximar. Vendella retesou seu corpo e esperou de olhos fechados. Ouviu uma voz.

“essa não Zamit, ela tem uma criança pra cuidar.” Ao ver no mensageiro um tom de

reprovação ao se retirar, seguido por Zamit, , chorou em silêncio. As mulheres fizeram um

alvoroço e todas falavam ao mesmo tempo.

Ela não se importava. Só tinha medo por Quinn. Mas, por onde andaria Myndoka?!
Derepente ouviram berros, como de um animal. Correram para ver e todos olhavam Zamit

carregar e amarrar ao cavalo, uma menina linda, com longos cachos negros brilhantes, agora

escondidos pelo lenço, que chorava e se debatia, enquanto o mensageiro conversava com as

mulheres e negociava as cestas de alimento que a família receberia. Zamit parecia

desapontado. Gostaria que aquela não tivesse a pureza reconhecida pelo mensageiro, aí sim,

poderia ficar com ela! Mas o Faxar nunca duvidava das escolhidas pelo olhar do mensageiro.

O mensageiro se aproximou da menina que ainda berrava e aproximou de suas narinas um

pequeno vidro que tirara de seu alforje, e no mesmo instante ela dormiu. Houve um murmúrio

entre os presentes e então o mensageiro se afastou puxando o cavalo em direção ao pátio

central do conselho.

Vendella não sabia o motivo, mas ficou com pena da menina. Ela notava a tristeza das

meninas que retornavam do palácio, após serem dispensadas. Ela notava a alegria das que

ainda moravam lá como esposas ou camareiras. Suas roupas brilhavam e o perfume que

usavam se fazia sentir a um metro do palco onde ficavam para assistir a festa. Usavam

adereços que emitiam os raios do sol conforme andavam ou se moviam e tilintavam ao mover

os braços e pés.

As que saiam, para nunca mais voltar, não falavam sobre o palácio, nem sobre uma vida boa,

apenas pareciam aliviadas e tristes ao mesmo tempo. Se tornavam melancólicas, quase mudas.

Ela se lembrava de uma que pulou no mar. A família chorou sua perda, mas nunca colocaram

a culpa naquele matrimônio de duas semanas. Uma delas começou a contar que nunca saía da

sala de repouso do Faxar, nunca havia visto outras pessoas ou outras partes do palácio. A

mesma mulher que lhe arrumava os lençóis, também lhe trazia o alimento e o banho. Isso

todos os dias, até ser enviada de volta à família. Mas ela levou uma surra de seu tio e parou de

falar. As outras ficaram com mais medo ainda de serem escolhidas.


Vendella não queria pensar sozinha e perguntou para Myndoka:

_Porque o Faxar escolhe mais moças? O que as faz ficar - o que as faz sair? Porque algumas

têm o direito de ficar, mesmo sem dar um filho ao Faxar? E as que nunca voltam pra família,

mas também não aparecem mais?

_As más línguas dizem que elas ficaram prenhas e vão para a fogueira que aquece a cidade à

noite. Respondeu Myndoka fazendo gestos de terror com os dedos.

Esses mistérios deixavam Vendella triste. Não podia conversar com as mulheres de sua

cabana a respeito, porque nenhuma delas havia ido ao palácio. Seu avô havia trabalhado na

vila, mas quando ela começava a falar disso, ele ficava revoltado e só fazia repetir “tenho que

te mandar para além mar; um dia você sai daqui.”


CAPÍTULO VII – POMPONETA, O BOBO DA CORTE

Começou a festa. As cornetas e as gaitas tocavam a música sinuosa avisando que o Faxar e

sua comitiva se dirigiam ao palco.

A comitiva do Faxar ficava em uma arquibancada atrás do tablado – dali podia se ver toda a

festa. Algumas vezes a comitiva vinha andando pela rua de pedra até o tablado, em outras,

eles apareciam nas grandes janelas atrás da arquibancada e desciam por ali. Diziam que era

uma passagem secreta que ia dar no Castelo, um corredor de pedra, construido para dar fuga

no caso de uma rebelião.

As mulheres faziam muxoxo de inveja das moças que seguiam a comitiva, os homens

tentavam ver os filhos que já faziam parte do conselho. Aos olhos de Vendella, que trazia

Quinn pela mãozinha, o Faxar parecia mais velho que seu avô e com pouca saúde. Mas

quando ele levantava a mão para acenar o povo uivava e se curvava. Os cavalos se vestiam de

cores e estavam mais bonitos do que o povo da aldeia. Estes ficavam afastados olhando a festa

de longe, no lado da feira, onde montavam suas cabanas.

_Vamos assistir do lado do chafariz? Convidou Myndoka.

Derek saiu puxando-a pela mão antes que pudesse ouvir qualquer resposta. Vendella ficou

sozinha.”como sempre”, pensou.

Vendella procurou por seu avô com os olhos, mas não vendo-o em parte alguma, dirigiu seu

olhar para o palco. E derepente “o” viu. Ele estava parado na parte lateral do palco, montando

uma espécie de cavalete de madeira, e vários tecidos no chão em cima de um baú. Ele parecia

não ver a festa, mas olhava de vez em quando para o povo da aldeia e sua aparente felicidade.

Ele tinha o porte fino como dos fidalgos, que vinham do outro lado do mar. Tinha os cabelos

lisos e sobre os ombros, bailavam com o vento e as vezes encobria seu rosto. Quando
abaixava para pegar alguma ferramenta, sorria e seus dentes eram tão brancos, que parecia

que ele não colocava alimento algum ali.

Ela olhou seus lábios e se lembrou de uma fruta que havia visto na cesta que uma família

recebeu do conselho. Era um vermelho forte na extremidade e um rosa forte no centro. Essa

fruta tinha um cheiro de festa, de fartura - um cheiro doce sem ser enjoativo. Seu avô disse

que se chamava lichia. E que era branca por dentro. Era uma das frutas do paraíso. E que um

dia ela iria conhecer. A sua família nunca recebeu frutas. Ela conhecia de ver ali na feira que

acontecia na vila durante os festejos ou nas cestas de outras pessoas da aldeia. Conseguia

provar uma ou outra fruta, quando alguém lhe dava um pedacinho.

Vendella ficou rubra de vergonha quando notou que ele a olhava com um olhar divertido.

Esquecida em seus pensamentos, havia fixado seu olhar no estranho. Puxou mais o lenço

cobrindo boa parte de seu rosto e ele se levantou e continuou a montar as peças sem prestar

atenção nas honrarias que os músicos prestavam ao Faxar. Quem seria ele? Disfarçando o

olhar, qual não foi sua surpresa quando viu seu avô ao lado dele, entregando grandes pincéis e

potes coloridos. Vendella começou a tremer sem saber o motivo e quase desmaiou quando viu

que seu avô a procurava com o olhar e apontava naquela direção, fazendo o rapaz parecer

interessado. Ela puxou a mão de Quinn e saiu da frente das mulheres da aldeia e foi para traz

das baias onde ficavam os cavalos e charretes que transportava os pobres até a cidade. Quinn

reclamou, queria voltar e Vendella soltou sua mão no momento em que seu avô se

aproximava acompanhado do belo rapaz.

_Aqui está ela! Vendella, este é o pintor de quadros e veio do outro lado do mar para pintar o

Faxar e suas esposas. Eu o conheci quando estive...

Enquanto ouvia a voz de seu avô bem longe, sentiu uma mão, um toque diferente em seu

braço e o dia escureceu.


Quando acordou estava sentindo um odor maravilhoso, parecia aquilo que seu avô contava do

paraíso. Vendella sorriu de olhos fechados, com medo de voltar.

_Parece que você está bem.

Vendella teve um sobressalto. A voz rascante a tirou dos devaneios para deixá-la com mais

vergonha. Ela havia desmaiado na frente dele! E ele a via sem o lenço, que havia escorregado

de seus cabelos. Rapidamente cobriu-se.

_O..onde est..tá meu... perguntou Vendella olhando ao redor do aposento no qual nunca havia

entrado.

_ Ele foi se apresentar.

Então Vendella ouviu os tambores. Ela sabia: Pomponeta ia se apresentar. Era sempre assim

nas festas – os tambores rufavam e o bobo da corte aparecia e era o único que fazia o Faxar

sorrir. O que ela não sabia...

_Ele pediu que eu cuidasse de você. Ainda não me apresentei. Meu nome é Thassus. Meu pai

era amigo de seu Pai.

A cabeça de Vendella girava enquanto olhava a mão estendida do rapaz em sua direção. Será

que ele queria ajudá-la a levantar-se? Ela queria sair logo dali. Levantou-se e correu para a

pesada porta. Ele gargalhou:

_Não precisa ter medo Vendella. E se aproximou da porta e enquanto ela corria ele gritava:

Até mais...

Ela só parou ao chegar a cabana onde algumas moscas se misturavam às mulheres deitadas.

O cheiro de comida e sujeira se misturavam, mas ela se sentiu em casa. “Ele sabe meu nome!”

E dentro dela dois sentimentos se misturavam: a vontade de se esconder e a vontade de

voltar...
Agora ela retornava para o meio do povo da aldeia e de lá podia ver o palco com o bobo-da-

corte fazendo o povo cair às gargalhadas. E o Faxar parecia muito feliz e pedia para

Pomponeta repetir cada cambalhota, cada história engraçada. “Será que é mesmo o vovô?

Porque esconder isso? Porque nunca presto atenção no que ele diz?”

Vendella decidiu que não podia continuar com esse medo de criança, afinal de contas ela tem

responsabilidade sobre uma! Claro que as mulheres da aldeia a ajudam, assim como sua tia-

avó, mas Quinn era sua, já tinha mistérios suficientes na sua vida. Pediu a Naretta para cuidar

de Quinn e foi em direção ao pátio central.

Olhando as casas feitas de grandes blocos de pedras rosadas e lisas, com janelas em madeiras

cor de laranja e portas negras e imensas, com gárgulas presos nos puxadores, como querendo

afastar os não bem-vindos. Vendella virou à direita, aonde havia passado pouco antes ao fugir

do pintor, agora vendo um lindo chafariz de pedras, onde um cântaro recolhia a água que

vinha do chão e entornava dentro do entorno de pedra, fazendo uma música suave e

envolvente. Não aquele barulho terrível e raivoso que ela ouvia do mar, lá longe. Nem o

turbilhão que o rio fazia ao empurrar águas, árvores e lixos da aldeia. Vendella se aproximou

e molhou a mão. Sentiu um frio e uma fome da beleza daquele lugar!

Pessoas passavam por ela: mulheres com lenços coloridos, vestidos compridos, mas ajustados

ao corpo, fazendo com que andassem com passinhos curtos e quadris balançantes. As crianças

vinham andando da mesma forma e as cores!! Vendella tentava guardar tudo que via, quanta

vestimenta alegre! As casas pareciam sorrir, as pessoas falavam de modo cantado e ela

achando tudo lindo.

Passou pela igreja, uma imponente construção com detalhes em ouro. Sabia que era

freqüentada por pessoas do além-mar. As pessoas de lá eram pagãs, seu avô lhe dissera –

pessoas que não acreditam em nada além de si mesmas. Vendella tinha curiosidade de entrar
em uma igreja e ver o que acontecia lá dentro. Ouviu as risadas e palmas enquanto a música

voltava a tocar.

Olhou a esquerda e viu a porta de onde saíra. Foi até lá, empurrou a pesada porta e entrou.

Agora podia ver que era como um lugar onde várias pessoas que se “apresentavam” na festa,

como seu avô, se reuniam para trocas de roupas. Ela já vira em outras festas do conselho

pessoas vestindo esses trajes esquisitos, vestidos de bichos, de pássaros, lá uma mulher

vestida de borboleta, uns rapazotes pulando em uma espécie de roda de pano e dobrando a

altura de seus pulos, nesta sala algumas pessoas tocavam instrumentos, viu meninas da sua

idade, com o rosto coberto com tinta, carregando círculos, fitas e usando pouquíssima roupa!

Tudo era muito colorido; a aldeia era sombria, com vários tons de cinza. Até o verde das

árvores demorava a aparecer e quando era tempo de folhas, elas vinham em tons marrons.
CAP. VIII – A VERDADEIRA WILMERSTAH

Vendella olhou pra trás e derepente se sentiu perdida. Voltou alguns passos e já não via a

porta por onde entrou: pessoas com cavaletes como os do pintor desenhavam em grandes

papéis, olhando para... um homem de costas agachado sobre um tablado completamente nu!

Vendella sentiu que estava paralisada, não conseguia se mexer, estava ficando sem fôlego

quando alguém a segurou:

_Isso ainda não é pra você, menininha da aldeia! Falou Pomponeta.

_Vô...vô!

_Vamos ao meu local, foi dizendo Abud e arrastando Vendella, acho que chegou a hora de

você descobrir a verdade sobre Wilmerstah.

_Eu tenho que voltar pra aldeia junto...

_Quinn vai ficar bem, Vendella. Por enquanto. Quando deixarmos de ser prisioneiros, aí

vamos voltar a viver.

_Porque não sabemos que você faz...isso?! O que mais não me contou? É por isso que some

durante tanto tempo da nossa aldeia?

_Quanta pergunta? Mas a aldeia não é nossa, Vendella, Respondeu Abud com ar de tristeza.

_Modo de dizer, vovô. É que moramos lá.

_Nós não moramos nem lá, nem aqui, Vendella. Nós estamos presos. Wilmerstah é uma

prisão, Vendella. Somos prisioneiros do Rei.

_Para com essas histórias, vovô! Riu Vendella. –Nós somos livres pra ir aonde quiser e fazer

o que quiser! Pelo menos na aldeia.

_Não! Isto é uma ilha, pra onde foram enviados os que eram contra os novos mandantes do

nosso país! E desde então somos mantidos nesta miséria e não podemos voltar às nossas

vidas! E temos que seguir ordens...


A porta bateu com um grande barulho. Vendella virou-se e viu Tassus entrando.

_Dava pra ouvir você de lá de fora George. Tem que tomar cuidado, agora que estamos tão

perto.

_Vendella, este é Tassus, um dos representantes do povo que está lá na “nossa” terra e que

quer nos ver de volta.

_Não vai fugir de novo, vai? gracejou Thassus.

_Apenas não falo com estranhos. Respondeu Vendella apesar de sentir as mãos tremerem na

presença dele. Vovô e porque estamos presos? O que o povo da aldeia fez de errado? Esse

povo da cidade parece tão alegre! Eles também são prisioneiros?

_Vamos comer alguma coisa primeiro, George.

_Aprovo a cozinha como lugar de conversa, e você Vendella?

_Porque ele te chamou de George, vovô?

George ou melhor Abud , ou ainda Pomponetta, após retirar a tinta do rosto, retoma a palavra

na cozinha calorosa para contar a Vendella sobre o golpe no Palácio.

_Era o ciclo de Vintre. Você acabara de nascer. Sua mãe estava fraca. Alguns rebeldes

estavam revoltados, porque a lei não prendia os culpados de pequenos delitos. A nossa lei

punia de forma a mostrar que o errado não precisava mais errar pra conseguir o que queria. E

os rebeldes queriam construir uma prisão, para que todos que não fossem a favor do rei, no

caso meu pai...

_Vovô!

_Espere eu terminar, Vendella. E o rei ouviu seus conselheiros e concordou em construir

Wilmerstah. Construiu um Arqueón -a casa do Faxar- que seria a administração do lugar, e

casas pras pessoas morarem enquanto pagavam suas penas: as cinco casas que formam o

castelo. O que o rei não sabia é que os rebeldes enviariam os prisioneiros para o meio do mato
– a aldeia onde você mora - para que sobrevivessem e morariam nas casas vivendo à custa do

trabalho do povo e do ouro enviado pelo rei.

_Mas esse é o livro de histórias que você lia para eu dormir, vovô!

_É uma história real, Vê – disse Thassus. Vendella franziu os cenhos ao ouvi-lo pronunciar

apenas parte de seu nome. Só a família e seus amigos tinha permissão para tal intimidade!

Abud continuou:

“Não contentes com isso, começaram a colocar na cabeça do conselheiro do rei – o Faxar- que

ele devia tomar conta de tudo, com a ajuda de meu irmão. Meu irmão estava obcecado pelo

trono que ele nunca teria, porque nós pensamos em mudar a lei, para que as meninas

pudessem subir ao trono e serem ótimas rainhas. Em outros reinos, as mulheres ainda estão no

comando e por lá, não há guerra, todos cuidam do ambiente em que vivem.

Então com a ajuda de uns revoltosos, Torank, o atual rei, entrou no quarto e mandou prender

o rei. Então os ajudantes do rei entraram em luta com os revoltosos e causou a morte da

Rainha, que entrou na frente da espada que ia atingir o rei.”

_ Eu conheço a história, vovô – sussurrou com os olhos cheios de lágrimas.

Nesse momento Abud se emociona e Thassus resolve falar. Vendella havia esquecido dele.

_ Mas seu pai foi avisado da traição. Só que ele achou que morar no castelo, longe do palácio

já era uma punição muito justa! Disse de forma irônica.

Vendella não entendeu, mas continuou ouvindo.

_ Por isso me vesti de bobo-da-corte. Muito justo –ou Rei ou Bobo. Se eu soubesse como ser

realmente um rei eu teria ouvido aquele rapaz e a rainha...

Como se esperasse um sinal, ele finalmente entregou-se ao choro, um choro de desgosto de

desespero, de abandono , de raiva.

_Coma uns muffins. Seu pai precisa respirar um pouco.

_Avô.
_Não Vendella. Eu sou seu pai. Disse com a voz entrecortada pelas lágrimas. Mas na aldeia

quase ninguém sabe que eu sou George.

_Como não sabem? Disse, enxugando o rosto de Abud com seu lenço.

_Eles não freqüentavam o palácio, Vendella – explicou Tassus – Eles só viam o rei nas

festividades e vestido com o manto real. Então, quando George fugiu vestido como um

camponês, todos acreditaram nisso.

_ Você é a herdeira do trono. Eu me tornei Pomponetta para fugir junto com o povo. Com o

rosto pintado ninguém me reconheceria e poderia voltar à cidade, para tentar retomar o trono.

E depois de todos esses anos de luta, eu envelheci e mudei muito, mas mesmo assim, só me

aproximo do Faxar como o bobo da corte. Ainda não me apresentei a todos, porque... penso

que me acharão um covarde...

_Pare com isso, George. Não foi uma escolha sua. Você fez o que era certo para salvar sua

filha!

Vendella abraça o avô, agora pai. Ela se emociona e sente confusa com toda essa história.

Nesse momento Myndoka e Tassus entram na cozinha trazidos por um gigante branco:

_encontrei-os bisbilhotando por aí.

_Vimos você entrar e te seguimos, respondeu Derek.

_Pode deixá-los, Turko. São amigos da minha filha.

Myndoka fez uma cara de surpresa pra Vendella.

_Querem comer? Perguntou Tassus enquanto oferecia bolinhos aos dois.

_Você me surpreende quando resolve fazer alguma coisa sozinha, Vê, disse Myndoka

olhando pra Tassus com um olhar divertido.

_Estamos em reunião, Myka!

_Eles podem ouvir. Já está na hora dos amigos nos ajudar. Falou Abud e contou parte da

história para os dois novamente.


_Depois Vendella conta toda a verdade.

_Eu sabia! Falou Derek colocando um joelho no chão, disse:

_Rei George, eu me ofereço como seu cavaleiro.

Myndoka deu uma gargalhada, mas Abud agradeceu:

_Obrigado, Derek. Vamos precisar de todas as espadas que pudermos.

_Porque Vô...Pai...Porque o Faxar não gosta de crianças com marcas? Disse Vendella,

mudando o rumo da conversa tão rápido, que deixou Abud sem fôlego. Ele levantou as

sobrancelhas e disse:

_Porque ele tem uma marca de nascença, a marca do mal, então ele acha que todas essas

crianças são filhas dele, e portanto, não são anjos, entendeu?

_A Quinn tem uma marca, Vovô. E Vendella contou a história de como não deixou a lei ser

cumprida.

Seu avô olhou pra ela com muito orgulho ao dizer:

_Já tomou uma decisão de rainha! E nós vamos voltar ao palácio, onde você nasceu.

_Nós vamos voltar ao poder. Está chegando a hora, Vendella. Diz Thassus

_Posso continuar te chamando de Vê, princesa? Falou Myka.

_Você não leva nada a sério, não é?! Respondeu franzindo as sobrancelhas.

_Feliz de quem tem amigos, minha querida. Mas eu quero terminar. Você precisa saber a

verdade. Quando toda a revolta estava controlada pelo meu irmão, ele mandou prender todos

que ficaram do lado do rei. Aqui, em Wilmerstah. Todos os que trabalhavam no Palácio foram

trazidos amarrados e sua mãe...não resistiu...

Vendella abraçou-o novamente. Sentia a tristeza e o ódio em suas lágrimas.

_Torank subiu a varanda ao amanhecer e avisou ao povo que o Palácio havia sido invadido e a

família do rei estava morta. Agora era o novo rei. E o povo de luto, não prestou atenção nas

pessoas que estavam sendo levadas para a ilha.


_Aqui. Dizia Thassus.

_ E meu pai? Perguntou Myndoka, gostando de toda a aventura.

_Ele era da minha guarda pessoal, mas veio pra cá muito ferido. Lenôra ainda não era daqui e

o mago não dava conta de cuidar de todos os ferido e os que adoeceram na viagem. Ao chegar

aqui, fomos enviados para a aldeia onde já tinha um povo morando. Eles ainda procuram por

mim. Eu me misturei aos aldeões e com a “pele” de Pomponeta, me escondi. Sua tia-avó

entrou em choque. Não estava acostumada com os mosquitos, dormir em redes ou no chão,

comer quando tiver comida. Então os aldeões deram uns tipos de chá, que a deixaram calma,

mas alienada. Ela não se lembra de muita coisa. O único que sabem quem eu sou é Zephyr.

_O tapeceiro?!

_Ele me alertou da traição. Era um dos meninos que estava treinando para ser cavaleiro,

levado a força pelo seu pai. Quando Zaquoia foi levar comida ao castelo, ele fugiu do seu

círculo e se escondeu no navio, indo para Quesselfor. No navio ele tentou roubar comida e

ouviu toda a conversa sobre o que Torank estava tramando. Ele se escondeu e ao chegar na

cidade ele procurou o mago e contou pra ele. O poderoso mago na hora viu que era verdade e

o levou até a mim. Eu estava feliz com seu nascimento e achei que nada podia estragar isso.

Prometi conversar com meu irmão. E então você sabe o restante da história.
CAP. IX – A TRAIÇÃO E O CRIADOR DE OVELHAS

Vendella lembrou-se da história do tecelão.

Ele era um mercador de lã e suas filhas fiavam e teciam. Tinha um pedacinho de terra aonde

pastavam sua duzia de carneiros e uma ovelha. Não havia outras ovelhas para comprar, então

ele tentava aumentar sua prole, com uma única femêa. Precisava aumentar a quantidade de lã

uma vez ao ano, no ciclo de Flutune, para que todos pudessem se aquecer quando o frio

chegasse. Todo ano tosquiava saozinho seu rebanho. Depois ajudava a fiar e tingir a lã. Então

enquanto sua mulher e filhas teciam finos trajes, ele tecia grossos tapetes. Depois iria vender,

primeiro no porto, porque lá ganhava um bom dinheiro. Na cidade, o que sobrava, trocava por

comida e ervas.

Ele instalou as cinco cordas que recebera quando fez sua iniciação para cavaleiro, há muito

tempo, no tear. Então quando começava o movimento da roda, otear tocava uma música e ao

ouví-la de longe, ele se sentia bem – relembrava que tinha uma família que o ajudava. Muito

diferente de sua própria família. Aprendera tudo sozinho: a cuidar de animais, a tirar leite,

ajudava sua mãe a tecer tecidos para as tendas, enquanto seus irmãos mais velhos íam com o

pai. Ele sonhava em ser neutro e morar no castelo. Passava as tardes embaixo da frondoza

árvore sonhando. Ele tinha uma relação estreita com sua mãe e sua tia e não gostava das

brincadeiras dos meninos da cidade.

Quando seu pai chegava, ouvia ele brigando com sua mãe:

_esse menino não vai se tornar forte o suficiente!

Ela parecia que gostava dele, até ele dizer:

_Quero ser Neutro!


No outro dia, antes do sol nascer, seu pai já o arrastava até o castelo para iniciar seu suplicio –

a iniciação. Mas ele nem havia se preparado! Só lembrava dos soluços de sua mãe e isso doía-

lhe a alma. Nunca mais diria aquelas palavras! Prometia ser um cavaleiro quando estivesse

preparado! Mas seu pai nem o ouvia.

Chorou nos tres primeiros dias. No terceiro círculo, começou a transformar seu choro em

raiva. De tudo o que representava aquelas regras. De sua família que queria vê-lo longe.

Enquanto sentava naqueles círculos, ouvia pessoas passarem falando de uma cidade linda,

onde todo mundo é livre. E que todo começo de ciclo um navio parava no porto e depois

partia para essa cidade. E nos outros dois dias ele planejou. E qundo teve a chance de fugir no

meio da multidão, ele correu até o porto e se escondeu. A noite, ele tremia muito, com medo

do desconhecido, mas entrou no navio. Era tudo muito grande e esquisito, mas ele encontrou

um lugar para se esconder. E dormiu. Quando acordou, o navio balançava muito. Ele ouviu

muitas vozes e esperou até tudo estar quieto. Então saiu dali e olhou por um vidro

arredondado, viu que o dia estava se pondo, mas só via água. “Estou no mar!” pensou e foi

procurar alguma coisa para comer. Quase não conseguia andar, por causa do balanço do

navio, mas avriu uma porta e viu pedaços de pães em cima de um baú. Correu e pegou dois

pedaços. Quando ía voltar, ouviu as vozes dos homens que desciam. Ele se escondeu ali

mesmo. Foi aí que ele ouviu o que ia mudar toda sua vida.

Nunca pensou que ao contar ao Mago sobre a traição, seria ele mesmo considerado um

traidor. Torank mandou que ele fosse morto ao chegar ao castelo, de volta a Wilmerstah. Mas

Abud o agasalhou com roupas de mulher, cobriu sua cabeça e o levou para a aldeia.

_Como é seu nome, menino? Perfuntou Abud

_Eu não tenho nome senhor – querendo esquecer que não pertencia a nenhuma família.

_Então eu vou me chamar Abud – aquele que esconde –e vou te chamar Zaphyr – aquele que

foge.
Com a ajuda de algumas pedras que Abud lhe deu ele comprou ovelhas e começou a tecer.

Com ajuda de Abud escolheu uma esposa – feia, não escolhida por ninguém, mas que daria

uma boa esposa. E pra sua sorte teve duas filhas. Achou que nunca daria conta de criar um

menino.

Vendella continuou suas perguntas, que eram muitas:

_Mas, e o Faxar? Ele gosta de você!

_Esse não gosta de ninguém – disse Myndoka

_Só de mulheres, observou Derek.

_Ha! Há! Esse foi o que tramou tudo contra minha família! Ele se sente um rei aqui! Ele pede

cada vez mais dinheiro ao meu irmão para não contar ao povo e aos outros reinos o que ele

fez! E meu irmão tenta destruí-lo pra não ser delatado. Eu fui preso por ele. Eu o vi matar a

Rainha. E seu nome é Jabon.

Naquela noite Vendella não conseguiu dormir. Ela viu e ouviu muita coisa. Era muita

informação e descobertas. Como será “voltar” para um lugar que ela não se lembra? Como

dizer ao seu pai, que foi um avô durante tanto tempo –e que pensava ser maluco por causa da

idade – que ela gostava de morar nessa prisão e que não conhecia outra vida, para sentir

saudade?!

Enquanto isso, Tassus havia voltado para a cidade. Ao descer do navio, seus pensamentos

estavam nas duas últimas luas que passara em Wilmerstah.

As historias que se ouvia era de que Torank cobrava altos impostos do povo, não ajudava nas

festividades do Templo do Conhecimento, fazia prisioneiros e os colocava na parte mais baixa

do castelo, onde antes ficavam os animais em tratamento. Agora qualquer animal doente, era
sacrificado. Como Rei, era arrogante e dominador, não aceitando palavras do conselho, que

estava se desfazendo aos poucos. Quando roubara a coroa o seu irmão, o Rei George, custara

a ele o afastamento de grandes Reis e governadores de outras cidades. Ele contava com o

casamento do filho do Rei de Lorcas, para atraí-lo para seu lado, mas já estava desconfiando

que ele não gostava de moças.

Tassus era um Lorcasiano. Difícil dissuadi-lo da ideia de que as mulheres deviam governar o

mundo. Os Lorcasianos viviam para agradar as femininas. Mas ele havia fugido de sua cidade,

era um desertor do trono de Lorcas, não tinha uma irmã para herdar o trono. Torank contava

com isso para traze-lo para seu lado. Talvez devesse usar os poderes do Mago para dominá-lo.

Mesmo depois de derrotar seu próprio irmão, Torank não estava se sentindo forte no trono de

Quesselfor. Sentia uma fraqueza em reação à Lorcas. O acordo de paz entre os Reis acabou no

momento em que roubara o trono de seu irmão, o Rei George. Eles não haviam anunciado

uma guerra, mas sabia que uma cidade poderia tomar a outra a qualquer momento.

Torank sentiu uma súbita irritação – como podia conversar com o melhor amigo de seu irmão,

o governador do Reino de Lorcas e convencê-lo que era o único herdeiro do trono agora? Ao

enviar um mensageiro à Lorcas, a Rainha recusou-se a recebê-lo. Isso poderia ser um sinal de

invasão. Tinha que falar com Tassus.

Mandou chamá-lo.

-Soube que acabou de chegar do outro lado do mar. O que pode apetecer um herdeiro do trono

no meio de toda aquela barbárie?

Fazendo uma mesura, Tassus respondeu:

-Gosto de conhecer coisas que nunca seriam permitidas pela minha mãe. O Rei Torank sabe,

que se pudesse ela me manteria protegido do mundo!

-Isso é coisa de mulheres! Não querem que sejamos homens! Podemos governar mundos,

tomar navios, destronar reis...


-Desculpe, mas porque insistiu na minha presença, Rei? Interrompeu Tassus.

Torank franziu o cenho. Não gostava de ser interrompido.

-a pressa da juventude! Sempre tem algo importante pra fazer! É alguma moça?

Tassus não respondeu. Estava ficando irritado, mas não podia deixar que Torank desconfiasse.

− O que realmente eu quero saber...as intenções de sua família...porque o acordo não

existe até você escolher uma esposa em nossa cidade e...

− Rei, com mil desculpas, mas eu não fugi do meu mundo, para cumprir exatamente o

que meus pais queriam pra mim. Eu quero aprender sobre seu mundo. Eu sei que estou

sob sua proteção e isso já vale como um acordo pra minha família. Ninguém vai

invadir sua cidade...

− Mas eu ouço muitas histórias de que você está aqui como um espião e essa sua

insistência em se manter longe do poder...

− com sua licença, Senhor, eu não preciso ficar perto do poder para herdá-lo. O dia que

quiser voltar para minha mãe, ela vai me tornar o governante de Lorcas, casando ou

não. E qualquer um do seu próprio povo pode espioná-lo em troca de favorecimentos.

O povo reclama que não há mais festas, só cobranças de taxas e impostos...

− Nisso você tem razão. Vamos fazer uma festa!! Faremos o povo esquecer dos

problemas! ZABUDIIIIII!!!!!!

o grito de Torank ecoou pelo salão e enquanto alguns serviçais entravam para atender suas

ordens, Tassus se retirou sem ser percebido.


CAPÍTULO X– A RETOMADA DO PODER

Abud conseguiu interceptar todos os mantimentos que chegariam a Wilmestah e

principalmente à casa grande. Ele e seus amigos das artes armaram um golpe contra o Faxar e

seus conselheiros, mas que também derrubaria Torank – uma armadilha para colocar um

contra o outro: um envia todos os pedidos e o outro recebe, mas dessa vez não seria assim.

Abud e todos que trabalhavam no circo podiam ir à cidade de navio e voltar durante os

períodos de festa. Nessa última festa eles conseguiram fazer com que os pedidos do Faxar

fossem enviados no navio que levava o circo. Quando pararam no porto, os homens de Assaz

já esperavam e conseguiram esconder nas cavernas tudo o que chegou nos navios naquela

tarde. Nada seria enviado ao recebedor Manton.

Como previsto, Zamith enviou vários mensageiros ao outro lado do mar para cobrar do Rei

Torank, os mantimentos e todos os outros pedidos que sempre chegaram nas últimas mil,

quinhentos e cinqüenta e cinco luas! O rei decide não recebê-los:

_Que insulto! Não fomos recebidos e ainda vamos voltar sem os mantimentos! Isso não vai

ficar assim! Vamos informar ao Faxar que o rei se recusa a pagar os honorários devidos!

Enquanto isso, Abud fazia com que chegasse aos ouvidos do Faxar que o Rei cancelou a

amizade e que não mais financiaria os gastos do Faxar e sua comitiva. Quando Zamit chegou,

a guerra já estava formada. Assaz que era o capitão dos cavaleiros, já havia juntado todos os

homens para enviar ao outro lado do mar. As falas de Zamit aumentou os ânimos para uma

guerra. Abud via seu plano seguir conforme o planejado. E naquela noite distribui os

mantimentos para a aldeia enfraquecida. Foi um banquete, com festas e ao tomar a palavra,

Abud disse:
_O Rei descobriu que Zamit não estava distribuindo o alimento de forma correta, então

resolveu enviar diretamente para vocês toda essa comida!

_Viva o Rei!

_Abaixo Zamit!

_Mas é comida pra mais de quatro luas! Sussurrou Derek.

_Para onde nós vamos tem muito mais, seu bobo. Falou Myndoka

Então Vandella começou a entender o plano - seu avô colocaria as pessoas da aldeia do lado

dele - fariam qualquer coisa que dissesse.

_Mas a aldeia não tem condições de lutar contra o Faxar! Gritou um aldeão no meio da

multidão que retirava cestas de alimento da balsa.

Então Abud explicou seu plano:

“Também mandei uma mensagem ao Rei dizendo que o Faxar e seus homens, não receberiam

mais ordens e que iriam tomar a comida de todos as embarcações que passassem por essas

águas. Então o Rei esta enviando soldados para retomada da ordem. Nós vamos nos unir aos

soldados, ajudar a derrubar Zamit e depois tomaremos o poder.”

_ Como lutaremos com os soldados?

_ com as armas tomadas dos soldados de Zamit e com a retomada do navio. Sem ter como

voltar eles se renderão. E Assaz será nosso novo governante.

Ouviu-se um urro de aprovação às palavras de Abud. Todos se encorajaram a seguir seus

planos.

Enquanto os homens da aldeia se dirigiam para a caverna, para aquela que seria a última

reunião ali, Vendella correu para mexer na caixa de seu avô.

_Venham comigo!Quero mostrar uma coisa, disse chamando seus amigos.

_Prefiro ouvir a reunião que seu avô vai fazer- resmungou Derek
_Pai, Derek! Ele não é mais avô, é Pai! Corrigiu Myndoka.

Não estava acostumada a vê-lo como pai. Entraram na cabana. Vendella se dirigiu a pesada

caixa. E forçou para abrir. Ela abriu e viu vários livros feitos de tecido. Quinn sentou-se ao

seu lado. Sabia que aqueles livros significavam história. Começou a olhar as figuras de

Palácios, jóias – essa seu avô chamava de pérola – o desenho era muito lindo. Tinha moças

com vestidos que ela não vira nem nas esposas do Faxar. Havia pequenas peças brilhantes

coladas ao tecido. Todas tinham os cabelos longos e nenhuma usava o lenço. Ela ia falando

das figuras para Quinn. Não entendia metade dos sinais escritos ali. Tinha todo o desenho de

uma cidade onde a parte de cima das casas eram pontiagudas, e de uma cor avermelhada.

Meninos com cestos cheios de frutos gigantes, com cascas de várias cores. Em outro livro

mostrava o lado interno do Palácio. Parecia que o livro brilhava.

_Como alguém pode morar assim e deixar pessoas morando numa cabana? perguntou

Myndoka.

_A mesa é tão grande que cabe toda a aldeia aí. Falou Derek

Vendella achava tudo maravilhoso. E contou tudo para seus amigos. Seu avô lhe contara

sobre a posição de cada pessoa no palácio – as amas, as camareiras, os neutros, os

cozinheiros, os mestres, as fiadeiras, os coletores, os cavalariços – todos os que trabalhavam

para manter a cidade de Quesselfor funcionando para o bem do povo e de seu Rei. Havia

também os estudados. Pessoas de alta posição e que não trabalhavam em serviços pesados –

eram os sacerdotes, os herdeiros do Rei e de seus irmãos e irmãs, os escribas, os que

entendiam das ciências da cura, da escrita, da vida, do invisível, as ciências do futuro, as

ciências da guerra, as ciências dos elementos.

Em toda a cidade esses costumavam criar leis para confirmar a liberdade que não poderia ser

tomada por outra cidade, e se organizavam escrevendo seus costumes, numerando seus
animais e leis para o uso de trabalhadores conforme a especialidade de cada um: tecelão,

mercador, ferreiro, estalajadeiro e outros serviços feitos em troca de alimetação ou pousada.

O outro livro falava da hierarquia das pessoas que viviam sobre o comando do Rei. Havia um

desenho com de uma árvore e seus galhos – o Rei era a fruta acima de todas no mais alto

galho da árvore. Vendella viu que os filhos do rei vinham logo abaixo dele. E várias outras

pessoas iam descendo os galhos. De repente ela viu o nome do Faxar. Ele estava no meio da

árvore. E seus conselheiros formavam um galho para o lado que ia descendo.

_Então você está acima dele! Não precisa teme-lo! Sorriu Derek.

_Não precisa se casar! Bradou Myndoka. E pode me levar com você para o palácio!

Sua tia-avó entra na tenda e ao vê-la com os livros sussura numa voz trêmula:

_Não mexa nisso! É melhor o nada do que a dor!

Vendella viu o elmo dourado, com o desenho de uma mão aberta e o centro cravejado com

uma grande pedra vermelha: o elmo de seu pai – o Rei George.

Derepente um barulho ensurdecedor tomou conta da aldeia, mas parecia distante. Todos

correram para ver uma bola de fogo e fumaça que subia dos portões da cidade. Vendella

lembrou-se das mulheres passando gordura em todas as lanças e os homens vestindo seus

gibões. Então era a guerra.

_Vou me juntar aos homens, disse Derek enquanto corria na direção da grande tenda central.

_Venha Vendella! Vamos para a caverna! Gritou sua Tia.

_Eu quero ficar aqui! Retrucou, mas deixou-se levar junto com Myndoka e as outras

mulheres.

Os sons dos cavalos correndo, os gritos e das explosões, fizeram com que as mulheres

começassem a entoar cânticos. Vendella olhava para Quinn esperando que aquilo acabasse.
Na cidade os homens de Zamit tentavam lutar com os homens que o Rei havia mandado para

retomar o poder. Os homens de Abud juntaram-se aos homens do Rei e conseguiram dominar

todos os homens do Faxar. As lâminas se chocavam reluzindo; o barulho do choque entre os

escudos aumentava e, um a um, os melhores homens do Faxar morreram. Muitos homens da

Aldeia se feriram e dois morreram. Enquanto roubavam espadas e cavalos dos prisioneiros

feridos ou mortos, com as mãos e espadas sujas de sangue, os homens de Abud seguiram para

o porto para tomar o navio. Estava escuro e silencioso. Os homens do rei que guardavam o

navio, deviam ter ouvido toda a batalha, mas não estavam posicionados. Parecia uma

armadilha. Glook fez sinal para alguns homens entrarem na embarcação pela água.

Silenciosamente mergulharam. Então um dos guardas do navio apareceu e lançou uma flecha.

Os homens de Abud dominaram facilmente a situação formando uma parede de escudos e

indo em direção à embarcação. Os outros homens já haviam entrado na embarcação pelo mar

e dominaram os prisioneiros levando-os para a cidade, deixando alguns homens no navio.

A situação na cidade já estava sob as ordens de Zaquoia, o enviado do Rei. Ele subiu no

tablado com o Faxar, sua família e Zamit.

_Este homem traiu o Rei e todas as suas ordens!

Houve um murmúrio abafado entre as pessoas que saíam devagar de suas casas para ver o que

tinha acontecido.

O faxar estava sentado em uma caixa colocada às pressas porque estava muito velho e doente.

Todos os outros estavam ajoelhados. Os homens de Zaquoia traziam madeira e formaram

uma grande fogueira no centro da praça. No tablado alguns homens montavam uma estrutura

em madeira. Abud notou que era uma forca.

_Ele e seus conselheiros serão enforcados. Suas mulheres serão queimadas. O povo que nos

ajudou a terminar com esta rebelião, poderá escolher um representante entre vocês. Ele será o

novo Faxar.
Vozes e murmúrios eram ouvidos entre a multidão que já cercava a praça. As mulheres da

aldeia já estavam chegando e procurando por seus homens. Alguns estavam feridos, mas

nenhum havia morrido. Vendella viu a cidade cheirando a fumaça, partes das lindas

construções estavam destruídas, havia muita gente chorando por toda parte e homens

retirando corpos.

Abud, com a cabeça coberta, se aproximou de Zaquoia:

_A aldeia escolhe Assaz para que represente os aldeões.

Um homem da cidade apresentou seu filho, um cavaleiro, para o cargo.

_ Vocês devem gritar quando eu colocar a capa sobre o ombro de cada um deles. As vozes

que forem mais ouvidas escolherão seu novo governante.

Abud começou a juntar toda a gente da aldeia para que formassem um grupo como uma só

voz. As pessoas da cidade estavam espalhadas. E quando Zaquoia colocou a capa sobre o

ombro de Assaz, o que se ouviu foi um som tão alto que os vidros da igreja que ainda estavam

intactos, se partiram.

_Eu, Zaquoia, representante do Rei, nomeio Assaz como novo Faxar.

E a multidão aplaudiu.

Quando Abud viu seus homens chegarem trazendo os prisioneiros do navio e o manto da

cidade já estava sobre os ombros de Assaz, Abud deu o grito de ordem e seus homens

rapidamente capturaram todos os homens do Rei. A surpresa fez com que não tivessem tempo

de revidar ao ataque.

_O que está acontecendo aqui? O rei vai saber disto! Gritou Zaquoia.

_Como novo Faxar, quero lhe apresentar o Rei George, legítimo Rei de Quesselfor.

As pessoas cochichavam e se aproximaram mais.


_Não o reconheço, Senhor. Se está vivo ainda, porque deixou seu irmão no trono? Perguntou

Zaquoia.

_Podem soltá-lo- Abud pediu – Zaquoia, a sua família sempre foi amiga da minha família.

Gostaria de dizer que estamos tomando a cidade de volta.

_Nenhuma mulher será queimada nesta cidade. Todas deixarão o palácio e irão viver na

aldeia, com seu próprio sustento. Discursava Assaz.

Ouviu-se um lamento e um choro entre as mulheres do Faxar. Parecia que estavam

condenadas à morte de qualquer forma.

Então Mondrai, o gigante branco, se aproxima ajoelhando-se aos pés de Abud:

_Meu Senhor, vou servi-lo daqui por diante...

_ Os homens serão levados à prisão e Zamit será enforcado.

Dava pra ver o medo e o ódio misturado em seus olhos. A multidão zombava gritando

“forca!”. Alguns gritavam para que Assaz o matasse.

Ao ouvir isso, Zamit conseguiu se libertar, desceu o tablado correndo e se misturou à

multidão. Os homens tentaram persegui-lo e então ele apanhou uma moça pelos cabelos que

saíam de debaixo de seu lenço, e a coloca como escudo, com uma adaga em seu pescoço.

_Eu a matarei se alguém tentar se aproximar de mim!! Saía espuma de sua boca enquanto

gritava a plenos pulmões.

Abud cai de joelhos quando seu olhar se cruzou com o da moça – era Vendella.

Zamit andava para trás arrastando Vendella até os camarotes. Nisso o Mago falou umas

palavras e todos viram uma grande fumaça e eles sumiram.

De repente, Vendella achou que estava cega, mas quando seus olhos se acostumaram com a

escuridão, ela soube que estava dentro dos muros da vila. “Então é verdade que esse lugar
existe! Mas eu preciso tentar atrasá-los um pouco.” Pensando isto ela fez como se tropeçasse

e sentou no chão frio:

_Aaiii... não consigo andar...

Zamit que ía mais à frente, virou-se e olhou com olhos mortais. Quando ía retornar o Mago

disse:

_Eu posso resolver isto.

Então o mago aproximou o frasco do seu nariz, e derepente tudo ficou escuro.

Zamit olhou em volta. Daria tempo de leva-la até o porto e tentar atravessar para a cidade. Ele

tinha certeza que Torank agradeceria seus esforços. Afinal de contas, existia alguém que

poderia tirar-lhe o trono. O corredor escuro fazia com que eles andassem muito próximos e

devagar. Estava muito úmido e apesar de já haver passado por ali há muito tempo, ele tentava

se lembrar de onde havia uma passagem. Se caminhassem para

o lugar errado eles sairiam no cemitério, do outro lado de onde realmente ele queria sair- o

porto, a fuga. Enquanto andava fazia planos para reivindicar um cargo – quem sabe Torank o

colocasse como chefe dos Cavaleiros? Isso fez com que sorrisse. Os dois rapazes que

ajudavam a carregar o corpo, embrulhado em um tapete, pararam para descansar. O Mago que

ia atrás reclamou:

_ não podemos parar. Acho que estamos sendo seguidos.

Dito isto, retirou um circulo de um saco que trazia pendurado em seu cinto, e jogou ao chão,

provocando uma fumaça azulada.

_ Não faça isto! É como deixar uma marca no caminho.!

_Exatamente o contrário, isso irá confundi-los e levá-los em outra direção.

_Então faça-nos encontrar a direção certa! Talvez tenha algo nessa sua sacola...
Então o mago jogou um pó em seu rosto e Zamit segurou a garganta. Parecia que estava seca

e ao tentar falar, sentia areia em sua boca. Os homens voltaram a andar e ele seguiu-os,

puxando o Mago pela manga de seu manto.

_Não quero ouvir mais nem uma palavra, Zamit. Eu tenho meus próprios planos para a

menina.

Zamit concordou com um aceno de cabeça. “Quando for nomeado chefe dos cavaleiros, vou

pendurar esse mago numa forca” pensou.

Do lado de fora o velho mago da aldeia tentava ajudar Abud que estava desesperado. Ele

jogou um pó avermelhado nas duas saídas do muro: a que dava para o porto e a que saía no

cemitério.

_Isso irá confundí-los. Eles terão que sair exatamente por onde entraram.

Enquanto isso Abobdan tentava fazer com que Abud tomasse um chá com um forte cheiro

adocicado.

_Isso irá acalmá-lo.

_Eu não devia beber isso. Eu tenho que ser forte para protegê-la!

…..........................................................................................................................................…....

_Mexa-se Derek! Vamos fazer alguma coisa! Sussurou Myka.

_Eu sei onde vai dar essas passagens aí dentro: numa cabana perto do porto. Eles estão indo

pra lá. Informou Derek animado com a possibilidade de ajudar sua amiga.

_Então vamos!

_Não – retrucou Derek _ Isso é perigoso! Vamos informar aos guardas e...

_Então eu vou sozinha! E entrou pelo caminho atrás do cemitério.


Derek correu e a alcançou. Sabia que não devia ir, mas não podia deixá-la sozinha. Entraram

em um corredor escuro.

_Se corrermos podemos alcançá-los!

E correram até um ponto onde Derek mostrou uma marca e seguiram para a direita. Mais a

frente Derek mostrou outra marca e subiram alguns degraus e chegaram a um centro com

várias passagens.

_ Aonde vamos agora, falou Myka fazendo eco com sua voz.

_Shshsh. Derek fez um gesto de silêncio e entrou em uma das descidas puxando-a pela mão.

Mais à frente ouviram vozes. Derek levou-a até uma inclinação e sairam por uma abertura

acima da caverna. E viram os homens entrarem na cabana.

_Eles são quatro. O que faremos? Perguntou Derek. Os dois rapazes eu dou conta, mas o que

faremos com Zamit e o Mago?

_Posso distrair o Zamit, falou Myka fazendo beicinho.

_Nãão! Falou Derek forçando a voz para não gritar. Eles usam poderes daquela fumaça azul e

você não vai conseguir salvar Vendella.

_Mas também não posso ficar aqui sem saber o que vão fazer com ela! E desceu a colina

correndo em direção à cabana. Derek segui-a resmungando.

A casa era baixa e estava apoiada numa pedra. Aquele pequeno comodo era a casa toda e

tinha apenas uma abertura no telhado que servia para entrada de luz ou saída da fumaça. A

parte de trás da cabana dava pra uma gruta, servindo de quarto. Havia um brilho de fogo num

pequeno fogareiro, e um banco baixo a um canto. Havia uma vela feita dos restos de cera que

a igreja jogava fora ou que sobrava nos túmulos. Havia um fedor de umidade e sujeira.

Derek e Mika se aproximaram da janela e viram que colocaram o saco em que Vendella

estava em cima do banco. Apenas o Mago estava no comodo.

_ Onde eles estão, perguntou Myka


Derek virou rapidamente já sentindo adaga em seu quadril e retirando o corpo fora do ataque.

O outro rpaz avançou novamente e Derek esperou girou o corpo, colocando sua perna sob o

movimento da perna do outro rapaz que desequilibrou e caiu. Mais do que depressa Derek

colocou seu peso sobre as costas do rapaz prendendo-o com o joelho:

_Tire a adaga dele Myka.

Ele tentou rancar de seus dedos, mas não conseguiu, então pegou uma pedra e tentou esmagar

seus dedos. Ele soltou com um grito que chamou a atenção das pessoas na cabana.

_Vamos sair daqui, gritou Myka.

Nesse momento Zamit cercou a frente de Derek e apenas com uma das mãos apertou-lhe a

garganta. Derek batia em seus braços com o punho fechado tentando se soltar enquanto o

outro rapaz trazia Myka pelo braço.

_Solte ele! Gritou Myka sentindo lágrimas nos olhos ao ver que Derek estava sem ar.

A voz dela chamou atenção de Zamit que largou Derek tossindo no chão e se aproximou de

Myndoka.

_O que temos aqui! Disse levando seu rosto para olhá-la melhor.

Myka se debatia presa com os braços pra tras enquanto Zamit tocava em seu rosto. Derek

recuperando as forças tentou enfiar a adaga que estava caída no chão nas costas de Zamit, no

momento em que o mago, à porta da cabana, levantou os braços e falando apenas algumas

palavras, derrubou-o no chão. Derek sentiu como se alguém tivesse chutado seus ossos das

costas. Doía muito e ele não conseguia levantar. Viu Zamit levando Myka para dentro da

cabana e se deixou ser arrastado pelo rapaz.

Dentro da cabana Vendella começou a se mexer dentro do saco. Conseguiu sair e um dos

rapazes segurou-a e sentou-a no chão ao lado de Derek. Eles ouviram gritos vindo da gruta.

_Onde está Myka, gritou Vendella para o Mago que fazia uma fumaça azul subir da vela que

estava na janela. Novamente empurrou o rapaz, que não esperava reação, e saiu correndo pra
gruta. Derek aproveitou a reação dela e também correu pra adaga e golpeou o rapaz na mão,

que revidou e o golpeou com as costas da mão e ele caiu, enfiando a adaga no pé do rapaz que

urrou de dor. O mago virou-se e jogou uma fumaça amarela na direção deles. Derek

escondeu-se atras do rapaz, que inalou a fumaça e segurou a garganta sufocado. O mago

dirigiu-se para a gruta.

Vendella ao entrar na gruta, pulou nas costas de Zamit sem pensar duas vezes. Ele segurava a

garganta de Myka com as duas mãos e havia rasgado suas roupas. Myka deu um pontapé em

seu rosto e ele desequilibrou-se e caiu.

_Eu vou matar as duas!Ahah!

_Pare! Gritou o mago da entrada da gruta. Levantou a mão e fez uma fumaça vermelha em

forma de bola e jogou na direção de Vendella. Myka prevendo o pior jogou-se na frente no

exato momento que a chama bateu em seu peito e ela caiu nos braços de Vendella. DereK

chegou no momento em que o mago virou e jogou a vela no chão. Ele pisou na chama e a

apagou.

Então uma parte do muro começou a tremer e veio abaixo. Quando a poeira se dissipou, podia

ver o olhar espantado do Mago e dos dois cavaleiros e o olhar de ódio de Zamit diante de

vários homens com armaduras.

_Ponham suas armas abaixo e tragam a moça até a mim! Ordenou Assaz.

Os rapazes olharam pro Mago que fez um gesto com a mão para obedecer. Vendella estava

chorando abraçada a amiga, com Derek abaixado a seu lado.

_Chamem um curandeiro! Gritou Vendella entre lágrimas.

Zamit pulou agilmente e encostou a adaga em seu pescoço e agarrando-a pelos cabelos, o que

a fez reclamar, colocou-a de pé.

_Afastem-se! O Rei já está chegando e eu devo entregá-la a ele!


Nesse momento Tassus chegava seguido de vários soldados. Ao seu lado um imenso lobo

negro, com grandes dentes afiados brilhando na noite, provocou sussurros de medo na

multidão. Vendella não sabia se sentia mais medo de Zamit, que apenas encostava a adaga em

sua pele, ou do amigo de seu avô, que andava na companhia de um animal selvagem!

_Zamit! Ajoelhe-se ou darei ordens para que Focus comece sua refeição por você! Sibilou

Tassus.

Apesar de falar em tom normal, houve um eco de sua voz. Vendella pensou em como podia

isso acontecer. “ele está me assustando de novo”, pensou.

_Vocês pensam que eu não sei quem é ela?! Bradou Zamit, tremendo e andando para trás.

Vendella tentava dominar o medo. Fazia um tremendo esforço para controlar o fôlego e para

conseguir ficar em pé, forçava suas pernas tremulas a lhe obedecer. Com o olhar procurou por

seu avô. Viu-o abaixado e recostado no aprendiz do velho mago. Ele parecia ferido. Vendella

ficou preocupada com ele, mas tentava não chorar – faria Abud sofrer mais.

O mago tentando fugir, Derek segurou-lhe na mão e então sentiu seu braço começar a pegar

fogo e ele gritou caindo de joelhos. Os guardas se aproximaram e prenderam o Mago.

Derepente Tassus ergue um bastão prata que estava em sua mão e um clarão ofuscou a vista

de toda a multidão. “vou ficar cega” pensou Vendella. Nesse momento Focus pulou sobre

Zamit que ainda tentou ferir-lhe com a adaga, deixando Vendella livre para correr para os

braços de Abud. Eles se abraçaram felizes ouvindo gritos de terror da multidão que

presenciava a cena de Zamit ser despedaçado pelo lobo. Todos correram tentando se proteger.

_Absatz! Gritou Tassus e abaixou a lança. No mesmo momento o lobo deitou-se a seus pés e

começou a limpar-se do sangue de Zamit.

Abud se aproximou de Tassus, puxando Vendella pela mão.


_Não tenha medo, querida! Focus é como um cachorro! Obrigado por salva-la, Tassus – disse

abraçando-o.

_ É o meu dever, Senhor! Temos que seguir urgente para o navio. Queremos chegar à cidade

antes do amanhecer. Como está Vendella?

_Minha amiga... Eu quero ajuda...meu amigo...

Nesse momento Jabon tendo reconhecido o verdadeiro rei, apoderou-se da adaga caída no

chão e se jogou sobre George. Ele caiu sobre os braços de Tassus, sobre os gritos de Vendella.

Assaz puxou Jabon pelo pescoço jogando-o no chão e decepando-lhe a cabeça com sua

espada afiada.

Vendella segurava a cabeça de seu pai em seu colo e chorava baixinho. Tassus levantou

novamente seu bastão prateado e novamente um clarão foi visto em todo lugar. Ele retirou a

parte de cima de seu bastão. Os soldados viraram Abud de costas e retiraram a capa. A adaga

havia aberto uma grande ferida. Tassus se aproximou e derramou um líquido prata sobre o

ferimento, que se fechou num instante sob os urros de Abud.

_Calma, amigo. Você vai ficar bem.

_Obrigado, Assaz, mas eu preferia que ele tivesse um julgamento em Quesselfor.

_Não deu pra esperar. Ele já foi julgado e condenado, riu Assaz enquanto fazia movimentos

imitando o golpe.

_Você não pode curar minha amiga? Perguntou Vendella

_Eu sinto muito. Ela foi para o mundo dos sonhos. Respondeu Tassus.

Vendella soluçava e tentava respirar ao mesmo tempo. Abud colocou sua cabeça em seu

ombro e afagou seus cabelos.

_Ela … morreu...pra...me...proteger...Derek...

Trouxeram Derek até ela. Sua face transparecia muita dor.

_Acho que ele ainda precisa de cuidados, Vendella. Ele foi ferido gravemente.
_Você vai ficar bem, Derek? Me promete?

Ele apenas sorriu um sorriso triste e foi levado pelos homens de Abud.
CAPITULO XI – O OUTRO LADO DO MAR

Enquanto Assaz subia ao tablado para acalmar a multidão e dar novas ordens, Abud, Vendella

e Tassus seguiam junto com alguns aldeões e soldados para o navio.

_Chegaremos junto com o sol do amanhecer, Senhor – disse um dos soldados.

_ Não iremos no mesmo barco. Devemos nos separar e garantir chances de não sermos

parados ao descer no porto da cidade.

_Mas as mulheres irão comigo?! Duvidou Vendella

_Posso ir também se você quiser, disse Tassus aumentando ainda mais o seu sorriso.

_Não preciso mesmo. Obrigado, disse empinando o nariz sem notar o gesto.

_Claro que não, Princesa, respondeu Tassus fazendo uma curvatura – o que fez Vendella

abaixar a cabeça envergonhada. Ela não queria parecer mais que os outros, mas porque

sempre acontecia? Puxou Quinn pela mão e subiu as escadas de madeira e corda, junto com

sua tia e outras mulheres para o navio. Foram acomodadas nos alojamentos e então Quinn

dormiu e olhando-a, Vendela sentiu uma nuvem cobrir seus olhos...

Não tinha mais sua amiga. E Derek havia perdido um braço. Não podia mais jogar taifa nem

ser um cavaleiro. E havia perdido seu grande amor, nunca assumido. Para que ele vivesse uma

nova vida, Tassus ordenou que seus homens o levassem pra treinar com os gormogons. Em

Lorcas, ter apenas um braço não fazia diferença para um guerreiro. Isso o deixou mais

animado. Vendella não sabia se ficava feliz ou triste. Ia ficar distante do amigo, mas morar em

outra cidade, ía trazer de volta a vontade nele a vontade de viver. E ela não queria perder mais

ninguém. E dormindo, sonhou.

Estava numa floresta escura. Ouviu o pio da coruja muito forte. Sentia muito medo. Começou

a andar e as folhas compridas que ladeavam um quase-caminho, cortava-lhe a pele, fazendo


arder. Tinha muita névoa, mas viu ao longe um castelo no que parecia ser um formato de

caveira. Havia muitas casas velhas de madeira próximo ao castelo e dava pra ouvir a madeira

rangendo. Começou a tremer. Pensou que poderia aparecer monstros horripilantes se olhasse

para trás. Talvez tivesse homens armados no castelo para protegê-la. Bateu na porta e sem

esperar empurrou-a. Era muito pesada, precisava fazer um enorme esforço. Deixou a vista se

acostumar com a escuridão. Compreendeu que estava em um tipo de templo. Sentiu o chão de

pedras irregulares. Havia luz e movimento à frente. Se encostou na parede para não tropeçar e

foi seguindo em direção à luz. Viu que havia um homem caído no chão de terra batida. Ele

estava com uma roupa diferente, mas parecia com a dos homens em pé a sua volta. As

beiradas das mangas era de couro ,mas o restante era de tecido fino. E a camisa terminava em

um capuz de couro sob sua cabeça. Ele estava caído com a cabeça virada para o outro lado,

não dava pra ver seu rosto. A única diferença entre suas roupas e botas e a dos outros era que

na sua um fio prata fazia o desenho de um caminho em toda a extensão. Podia ouvir a

respiração ofegante dos homens. Havia sido um luta inglória – um contra vários. Pensou que

os homens pudessem ouvi-la respirar e colocou as mãos sobre a boca. Estava atras de uma

grande pilastra e não podia ser vista. Dois homens o seguraram por baixo dos braços e o

levaram, arrastando os pés. Todos estavam usando um helmo com chifres. Nunca havia visto

aqueles uniformes. Alguns homens estavam com lanças, outros com espadas. Não conseguia

ver quantos eram. Eles viraram em uma parede curva. Seguiu encostada na parede e foi atrás

deles. Sentia que devia sair dali, mas seus pés a levaram para perto do perigo. Eles o soltaram

no chão e conversaram entre si numa língua que não podia entender. Ela não viu quando

aconteceu, mas foi rápido quando ele segurou em uma das lanças e usando-a como um

impulso para jogar os dois pés no peito do outro guarda que bateu contra a parede. Rolou por

sobre as costas do que estava abaixado e enfiou no terceiro a própria flecha que estava

posicionando no arco. Segurou a espada do guarda pelo punho girando por debaixo de seu
braço e atacando com ela um outro guarda na barriga, girando e acertando outro nas costas.

Não conseguia tirar os olhos dele quando ele a viu. Não podia ver seu olhar, mas ele parou a

cabeça na sua direção e isso distraiu-o, fazendo com que um guarda acertasse o bastão em sua

nuca e o derrubasse. Olharam diretamente na direção dela. Queria correr, mas seus pés

pareciam fincados no chão como uma árvore. Foram levados para uma sala na torre, depois

de subirem várias escadas em círculo, sempre subindo. Torank os aguardava ao lado da janela.

Sua cabeça raspada brilhava com os primeiros raios do sol. Ele tentou se libertar novamente e

a guarda pessoal levantou cinco espadas para ferí-lo, mas Torank levantou a mão como um

comando para esperar. “Deixe-a ir” pensou ouví-lo dizer. Eles foram levados para a janela.

Havia uma ponte muito fina que sumia no nevoeiro. Ele foi empurrado para a passagem.

Estava com as mãos amarradas à sua frente. Sentiu vertigem ao colocar o primeiro pé. Ele

virou-se e olhou-a, mas não conseguiu ver seu olhar – o capuz cobria a maior parte de seu

rosto. Ele começa a andar mais rapidamente na ponte, emite um assobio. Uma grande águia,

num vôo rasante, segura com os pés as mãos que ele havia levantado e mergulha na névoa.

Alguns homens correm escada abaixo. Torank se aproxima e a empurra. Ela sente a queda. E

acorda caída no chão do navio.

Ao acordar, Vendella ouviu as mulheres conversando sobre os tecidos e muitas roupas

bonitas que haviam pilhado na cidade.

_Venha se vestir, Vendella. Não vai querer chegar ao palácio parecendo uma serviçal!

Resmungou Naretta.

Ela deixou escolherem um vestido, retirar o lenço que nunca mais colocaria, pentear seus

cabelos e exclamarem várias vezes de admiração. Ao olhar Quinn tão linda vestida como uma

rosa, seus olhos encheram de lágrimas.


Todas as mulheres estavam muito bem vestidas quando chegaram ao porto e murmuravam

sobre a grandiosidade da cidade de Quesselfor. “Bem que minha tia disse – uma mulher adora

jóias e se vestir bem. Mesmo que nunca tenha usado, basta uma única vez, para sentir como se

fosse sempre assim.” Ela se sentia assim. Era como se sempre houvesse usado belos vestidos.

Se sentia muito confortável em estar linda.

Várias charretes se aproximaram para levar as damas. Um cocheiro se aproximou e fazendo

uma curvatura disse: “a sua charrete é aquela, Princesa” e qual surpresa ao ver uma linda

charrete toda em veludo vermelho e cavalos brancos se aproximar!

“Acho que vou gostar desta vida” pensou Vendella, sorrindo.

Ao chegar em Quesselfor, passaram pela rua principal que levava até o palácio. Toda a cidade

parecia luzir. O sol batendo nas construções incomodava a vista. Nunca achou que o sol

brilhasse tanto!

_São os espelhos, princesa- falou o cocheiro.

_ O quê?

_que incomodam seus olhos, continuou ele. Os piratas trouxeram um mágico que transforma

vidro comum em espelhos. Eles refletem toda imagem que está na frente.

_Posso me ver como numa panela?

_Muito melhor e mais perfeito, por isso eles refletem a luz do sol muito mais forte do que

uma panela, princesa.

_ E onde estão esses espelhos que não estão na sombra?

_Lá estão eles.

E então Vendella avistou o palácio de Quesselfor todo coberto por placas de espelhos. Era

uma visão assustadora. O sol jogava sua luz dourada sobre ele, parecendo que era o próprio

sol. Viraram à esquerda e a visão sumiu.


Vendella notou que havia construções como a da igreja de Willmerstah. Mas não via o

símbolo religioso da cruz.

_ Isto são igrejas? Perguntou a Türgap, o cocheiro que estava esperando no porto, para leva-

las ao Palácio Georgiano.

_Não, Senhorita. Isto são templos. Lugares de aprendizado.

_O que eles aprendem aí? Perguntou ao ver várias pessoas entrando e saindo do lugar.

_Os ensinamentos do Uníssono. Toda ciência e todo conhecimento é uma forma de se unir ao

elo principal da Origem – respondeu ele.

_Preciso conversar sobre isso com meu avô. Quer dizer, meu pai, sei lá...Tenho tanta coisa pra

aprender...

_Já deste o primeiro passo, Senhorita – sorriu Türgap.

_Quero descer aqui. Quero olhar este templo.

O cocheiro parou a charrete. Ao entrar Vendella teve a mais bela visão do conhecimento.

Paredes do teto ao chão repleta de livros de todos os formatos e tamanhos estavam dispostos

em tres divisões que convergiam para um pátio central com várias mesas e em algumas,

pessoas sentadas liam e anotavam. Desceram para o pátio central e enquanto o Bibliotecário

apresentava as coleções, os grandes estudos, passeavam entre iluminuras e telas de artistas,

esculturas em cobre e pedra, artefatos religiosos e militares, entalhados em madeira.

_Aqui está toda a sabedoria e conhecimento.

_Porque está dividida em tres partes?

_Essa é a parte dos alimentos. O prato principal, aquilo que você precisa comer para continuar

sobrevivendo. Nesses livros as crianças aprendem a ler, a fazer cálculos, a conhecer a

natureza e a respeitar o próximo.


_O que ele está fazendo? Apontou para um rapaz sentado no chão e com muitas folhas em

branco.

_ está aprendendo a caligrafia de outras culturas. Vamos a segunda parte: são como as

vitaminas das frutas e a essência das flores. Você pode passar sem elas, mas é sempre bom

conhecer seu sabor e seu aroma.

_ As cores me chamam a atenção. O que está guardado aqui?

_ São instruções de cura dos males, cálculos de construções dos castelos, mapas para navegar

os grandes mares, criação de instrumentos, animais e alimentação. Aqui você pode aprender a

governar uma nação.

Andaram até uma parte escura.

_Está parte é o melhor e o pior do conhecimento.

_Porque é tão escura?

_ Porque apenas os iniciados devem chegar até aqui.

_é só colocar uma porta e deixar trancada!

_Não, nós não proibimos o conhecimento, apenas indicamos a forma segurá de adquirí-lo.

Nem todos estão preparados para saber a verdade a respeito da vida.

_E como pode ser ruim saber sobre tudo?

_É como o vinho, que um pequeno gole pode adocicar seus lábios, mas em excesso pode

embebedá-la. É como o aniz, que deixa um toque marcante no doce, mas que amarga no final.

Apenas os que passaram no primeiro e segundo estudos devem se aproximar deste

conhecimento.

Sairam para o pátio central no instante em que Tassus se aproximava:

_ Olá. Seja bemvinda, Princesa Geórgia. Não devia descer aqui! Está sendo esperada no

Palácio para a cerimônia oficial de posse da coroa. O Rei a aguarda – sorriu curvando-se

perante Vendella.
_Eu queria conhecer o Templo... Como vou aprender isto tudo? E para de se curvar! As

pessoas estão olhando pra você!

_Não é pra mim que estão olhando, é pra você Princesa Geórgia! Eles estão curiosos pra ver a

mais bela princesa que Quesselfor já teve...

_Eu vou voltar... vamos para o palácio então Türgap. – Vendella ficou rubra ao ver pessoas se

aproximando – ainda não se acostumara a andar sem o lenço e a usar uma roupa de festa tão

linda e tão colorida! Uma camareira que veio apanha-la no porto, trouxe um baú com vários

vestidos para que ela escolhesse um e usasse imediatamente. Não tinha vindo no mesmo navio

que seu pai, porque os cavalariços acharam arriscado os dois descendentes do trono seguirem

no mesmo navio. Para que não acontecesse uma fatalidade a um dos navios, Quesselfor ainda

teria um regente para o trono. Ela apenas pegou o primeiro vestido, de um amarelo tão

brilhante, que pensou que iria cegar. Entrou em uma das tendas e a ama veio ajuda-la a vestir-

se.

-Não se incomode; posso me vestir.

_Estou aqui para servi-la, Senhora. –e fez uma mesura.

Vendella ouvia histórias de princesas, contadas por seu anterior avô e agora Pai, era como se

conhecesse cada tecido que nunca vira, cada gesto de reverência que o povo fazia quando

passava, o perfume que sentia nessa nova terra. Estava um pouco assustada, mas resolveu que

nada podia ser pior do que o castelo de Willmerstah...

Quando os portões do Palácio se abriram para ela entrar, Vendella teve um súbito ataque de

pânico – era tudo muito maior e muito mais lindo do que os desenhos de seu avô! O palácio

era todo coberto com pedras como aquelas que ela guardava pro dote! “Como conseguiram

encontrar tanta pedra!” E o palácio reluzia.

Tassus desceu logo atrás de Vendella e começou a lhe apresentar as pessoas do palácio – os

ministros, os sábios, e todos se curvavam. Ela se sentia perdida sem seu avô
_Onde está Abud?

_O Rei George está se preparando para recebe-la na sala do trono. Vamos!

Ao entrar nessa grandiosíssima sala, um coral de várias vozes começou a entoar uma linda

canção, numa língua que vendella não conhecia.

Então viu o Rei. Ele vinha acompanhado de Zaphyr. Seu pai havia tirado a barba grizalha,

cortado os cabelos e vestido seu uniforme real – uma capa de veludo branco, onde estavam

costuradas várias pedras preciosas, e em sua cabeça brilhava uma pequena coroa. Zaphyr o

seguia logo atrás e trajava um a capa de veludo azul Royal – a capa dos Duques.

O Rei se sentou. Sua cadeira era banhada a ouro e maior do que a cadeira do lado.

_Venha sentar-se Vendella. Chamou o Rei estendendo-lhe a mão.

Nesse momento um dos escribas começou a cerimônia, lendo páginas de um grande livro:

_”Na era 3 do Grande Conhecimento, no ano do Rei George II, apresentando a Princesa

Geórgia, para Quesselfor, a cidade da Lua. O grande Conhecimento, que é a onda sonora, não

audível ou visual, mas que rege todo o saber, agita-se nesses milhares de pensamentos

voltados todos à mesma ordem – da retomada do trono e coroação da Princesa – que ao

receber essa onda, receberá também o conhecimento da Grande Mãe, voltando à origem de

toda a criação e toda sabedoria.”

Tassus se aproxima com um manto branco e coloca sobre os ombros de Vendella. Ela nota o

quão próximo eles estão e enrubesce. O Rei se aproxima e coloca uma tiara em sua cabeça,

tão linda quanto seu sorriso está agora. Então o rei toma o cajado da mão de Tassus, ergue e

um imenso clarão cobre todo o salão e coloca sobre o ombro de Vendella. Vendella fecha os

olhos e sente uma força, uma fraqueza, muito frio e muito calor, sente como se estivesse se

elevando acima de todos os presentes, mas sente seus pés no chão. Fica com medo de abrir os

olhos e perder esse sentido.


Ouve a voz do Rei

_Te ordeno Princesa de Quesselfor, serás acima de todos os homens, escolherás teu próprio

destino, e retomarás o reino da Grande mãe.

Nesse momento ela sente como se estivesse caindo numa velocidade alucinante e abre os

olhos cambaleando e sendo amparada por seu pai.

_ Toma a espada Real do Grande Conhecimento, Princesa Geórgia. E seja feliz, minha filha.

Vendella sentiu lágrimas quentes escorrerem em sua face, mas sentiu feliz por ser abraçada

por seu pai.

_Obrigado, Pai!
CAPÍTULO XII – UM DESERTOR E UM CASAMENTO

Vendella estava num intenso treinamento para se tornar rainha de Quesselfor. Com ajuda do

bastão e de Tassus, ela teve muitos progressos nas duas últimas luas.

_Poderia me explicar como as moças escolhem se casar aqui? Perguntou Vendella sem olhar

para o lado .

_Está querendo escolher um pretendente, Princesa?, perguntou Tassus com um sorriso na voz.

_Só quero saber a diferença! Falou forçando naturalidade.

_Bem, você sendo uma Princesa não precisa seguir regras, pode simplesmente escolher...

_Não! Eu quero saber sobre as moças! É verdade que elas que decidem se querem se casar ou

não e que isso não é uma maldição?

_Pretende não escolher um marido?...

_Você não está respondendo as minhas perguntas!!

_ Tudo bem! Há duas festas por ano, em que as pessoas mostram numa grande feira todo o

conhecimento adquirido e o que aprendeu. Nessa feira há uma tenda em que os jovens podem

conversar e se conhecer. No final dos três dias, as moças escrevem o nome do escolhido e

entregam ao Mago e ele se reúne com as famílias para decidir sobre o matrimônio. Quando

um nome é escolhido por mais de uma moça, a que tiver o maior dote, leva! –Isso fez ele

sorrir de forma irônica.

_Você parece se divertir com essas regras...

_ é que eu já fui escolhido tantas vezes que...

_O QUÊ!? Vendella falou mais alto do que gostaria.

_Mas eu não me decidi ainda. Riu Tassus.

_Continue, disse Vendella, visivelmente embaraçada.


_Então, quando alguém é escolhido por mais de uma, ele também pode escolher com qual

família quer se unir, porque para os homens aqui, o mais vantajoso é se unir a uma rica

família para poder continuar seus estudos sobre o Grande Conhecimento.

_ Não existem uma bonita o suficiente? Ironizou Vendella

_Acho que prefiro me casar com uma Princesa. Brincou ele deixando os aposentos.

_“ como ele é arrogante!” pensou Vendella feliz, mas não sabia o que seu pai ia dizer sobre

esse assunto. Então perguntou a uma camareira que estava sempre por perto:

_O que meu pai vai achar se eu disser que já escolhi um marido?

_ Princesa! Acho que ele vai dizer que primeiro precisa conhecer todos os rapazes do reino!

Acho que um Príncipe desertor do reino vizinho não é uma boa escolha.

_Desertor?! Príncipe?!

_Sim, Princesa. O Príncipe Tassus fugiu de seu reino para não se casar obrigado e foi

resgatado no mar aqui perto. Então o Mago cuidou dele e escondeu ele de Torank, que

gostaria muito de fazer uma aliança com o reino vizinho. Ele conheceu seu pai, quando ele

vinha escondido até o porto e também conheceu toda a história de sua família. Acho que seu

Pai não veria com bons olhos um rapaz que abandona a própria família, mesmo que tenha um

bom coração.

Vendella sentiu uma tristeza doce invadir-lhe a alma.

.............................................................................................................

Chegou o grande dia da feira do conhecimento. Vendella andava por entre as mesas olhando

as esculturas, os quadros, as pinturas. Como estava tudo tão bonito! Em uma das tendas

alguém lia um poema. Nenhum dos rapazes ousou se aproximar dela na tenda dos jovens, já

as moças se aproximaram para tocar seu cabelo, perguntar sobre sua vida. “realmente tem
muitos rapazes bonitos aqui” pensou ela e olhou em volta como se estivesse procurando

alguém.

“Já que vou mudar as regras, vou me aproximar de algum deles.” E escolheu um que tocava

uma harpa. Ele possuía um aro de metal circular sobre os olhos que o deixava muito

interessante.

_Olá, iniciou Vendella. Ele parou de tocar e fez uma curvatura._ Como é seu nome e o que

está tocando? – Ele não respondeu, apenas sorriu e voltou a tocar. Nesse momento Tassus a

puxa pela cintura provocando um ligeiro sobressalto.

_Ele não fala e também não pode ouvi-la Princesa. Nasceu assim. Mas toca muito bem e é um

dos instrutores de harpa do templo.

Ao olhar em volta ela percebe o alvoroço que a presença de Tassus causou nas meninas da

tenda.

_Acho que dessa vez vão dividi-lo em pequenos pedaços e repartir com cada uma. Riu

Vendella.

_Não se você me escolher primeiro. Falou de um modo bem sério.

Isso assustou Vendella. Era como se fosse uma ordem!

_Acho que seus pais tem outros planos para você. Rebateu com sarcasmo.

_ Já andou se preocupando com minha vida, ãh?! Eu não pretendo voltar, já que seria preso

numa torre e não poderia jamais sair de lá. Falou de forma distante, enquanto andavam para

fora da tenda.

_Ela era tão feia assim?! Brincou tentando aliviar a tensão.

_Além de linda, é muito corajosa. Eu nunca a tinha visto, por isso vim conhecê-la.

_Como assim?!!

_Você não entendeu ainda? Era você, Georgia, a moça para quem fui prometido.
Ao ouvir isso, seus joelhos fraquejaram e ela teve que se apoiar em Tassus, que a puxou para

um canto e a beijou suavemente.

_Quer casar comigo, Princesa Geórgia?

_Não sou eu que tenho que fazer o pedido, Príncipe Tassus?

_Na minha terra os homens não são livres pra escolher. As mulheres decidem e ele tem que

obedecer. Minha mãe escolheu meu pai e ele estava encantado por outra moça. Ele é Rei, mas

não é feliz. Acho que tem alguma coisa dentro de mim que me faz querer conduzir isso. Você

não respondeu minha pergunta, Princesa.

_Como posso ser livre pra escolher entre tantos rapazes, se meu coração está aprisionado por

um estrangeiro, desconhecido...

_Não gosta de ser livre?

_Sempre me senti como uma planta que precisa de outra pra crescer. Me sentia livre lá,

quando era prisioneira. Me sinto presa aqui, agora que sou livre. Isso é esquisito, não?

Tassus sorria encantado.

_Aonde poderia encontrar alguém que fala a verdade de forma tão confusa?

_Quero.

_O que?

_Já mudou de idéia antes de me dar o anel...

E ele a beijou docemente.

Nesse momento um grupo de rapazes começou a tocar uma música.

_Venha! Vamos assistir o jogo!

Subiram para o estrado no meio do povo. Vendella viu de longe que sua tia a procurava com o

olhar lá no espaço reservado para o Palácio, e reprovou sua escolha de não se sentar junto

com os nobres.
O arauto anunciou o começo do jogo:

“Os jogadores de Netônia tiveram problemas em sua viagem e não jogarão. As equipes de

Quesselfor jogarão contra as equipes de Wilmerstah.” Um murmúrio ouviu-se em todo o

campo. O arauto continuou:

“Os ganhadores farão parte do banquete no Palácio real”. A multidão aplaudiu.

“Que venham os jogadores! Às suas marcas!”

_Eu não sabia que íamos jogar! Falou Vendella.

_Você fala do time real, não é? Brincou Tassus sentado a seu lado.

_Não. Ainda penso em mim fazendo parte dos estrangeiros nessa cidade.

_Mas essa cidade sempre foi sua, mesmo quando você não estava aqui.

O time de Quesselfor vestia um uniforme branco e dourado, sapatilhas de couro nos pés e

entraram como se estivessem dançando, todos no mesmo passo. Se organizaram em dois

triângulos, um em frente ao outro. Os rapazes de Wilmerstah entraram como um bando e

estavam usando apenas calções e nada nos pés, como costumavam jogar. Todos tomaram suas

posições. O arauto recomeçou:

“Para o campo um e dois será designado o julgador Tnante e para os campos três e quatro o

julgador Zephyr. Cada treinador ocupe o seu lugar. Essa partida será decidida pelo Juiz

Senhor Máximo das Duas Terras, Rei George de Quesselfor.”

George se levantou e acenou para todos que o aplaudiam de pé e dirigiu-se ao pequeno

tablado onde marcaria o jogo. Sabia que não podia ser tendencioso, mas no seu coração torcia

para os rapazes da aldeia, por isso evitou olhá-los naquele momento. Olhou para frente e

levantou a mão com a bandeira e bradou:

_Discos ao ar!

E começaram as apostas.
Os discos pareciam dançar entre três triângulos. Iam e voltavam para as mãos dos

arremessadores de cada time. Eles prestavam atenção na bandeira, porque na hora em que ela

fosse abaixada, o jogo começaria a valer pontos. Ao sinal de um instrumento soprado por um

músico, George baixou a haste e a sorte foi lançada.

Parkis sabia que era tão alto quanto os bloqueadores da cidade. Ele se preocupava com Zaglid,

que só jogava bem junto com Derek. Preferia jogar com Myka do que com Perfal. Eles

olharam um para o outro e Parkis fez sinal de força. Nesse momento ele viu o disco se

aproximando da mão do arremessador do triângulo à sua direita. Correu até a ponta do seu

triângulo, entrou no campo adversário e barrou o disco no momento em que o arremessador

sorria. Eles deram um encontro tão forte que cada um caiu para um lado e o disco caiu fora do

campo.

“Alt” gritou Tenante.

“Preciso prestar atenção no arremessador e não no bloqueio deles” pensou Parkis voltando

rapidamente à sua posição já bloqueando o pegador do campo à esquerda. Nesse momento viu

Zaglid correr e entregar o disco à Perfal que levantou girou e lançou o dico para o receptador

Exon, que o encaixou exatamente na união das quatro pontas e ergueu os dois braços em sinal

de vitória.

“Fox” gritou Zaphyr.

O Rei falou:

“50%”

Parkis sorriu enquanto retornavam às suas posições. Agora senti-a mais forte com seu grupo.

Os pegadores do grupo esquerdo conversaram entre si. Parkis viu seus olhares de reprovação

por sua falta de uniforme e falta de modos. Para provocar, cuspiu no chão. O jogo recomeçou.

Quando Zaglid tocou no disco o bloqueador adversário correndo se jogou no chão e derrubou-

o com as pernas. Parkis correu para bloquear o dico caído no chão enquanto o pegador do
time adversário tentava alcançá-lo. Parkis gritava para Zaglid levantar, enquanto bloqueava a

passagem, mas o bloqueador adversário também era grande e bloqueava Zaglid. Parkis teve

que desviar do pegador para bloquear o bloqueador de Zaglid e não conseguiu evitar que o

pegador apanhasse o disco e lançasse para o arremessador do campo esquerdo. Foi rápido

para Parkis ouvir Tenante gritar “Fox” e Abud falar 50%.

A multidão parecia torcer por seu time uniformizado. Perfal gritou pra ele:

_Podemos não ganhar. Não importa. Mas eles vão sair daqui da cor do chão.

Parkis viu a roupa do bloqueador – ao cair ela havia rasgado e estava da cor do chão. Ele

sorriu e assobiou para Zaglid fazendo um sinal de bom.

Ao ver o sinal Zaglid respirou fundo e se sentiu melhor. Não queria decepcionar seu amigo.

Ele não conseguia ser bloqueador por ser muito magro, mas tinha Parkis como exemplo de

jogador. Nesse momento Exon derrubou o pegador do triângulo direito e lanço o disco para

Perfal. Zaglid correu para ajudá-lo a recuperar o dico e sentiu o baque do bloqueador.

Desequilibrou-se ,mas não caiu e correu para Perfal que encaixou a peça, girou e lançou o

disco de volta para Exon, que passou pelo pegador da esquerda e encaixou na junção das

quatro pontas.

“Fox”

%50%

“Alt” gritou Tenante no momento em começava uma briga entre Parkis e o bloqueador do

time da esquerda. Exon correu para separá-los ajudado por parte do seu time que estava no

campo três.

Cada um foi empurrado de volta aos seus lugares.

“O Juiz vai dar a decisão” bradou o arauto. Depois de Olhar o gesto de George continuou:

“100% para Wilmerstah”


Vendella sentia seu coração pular duas vezes mais. Tassus falou alto para que pudesse ser

ouvido acima da multidão que lotava o campo.

_Não demonstre tanta felicidade, Princesa. Afinal de contas, todos eles, são sua gente.

.......................................................................................................................................................

Começa o ritual de preparação para o casamento real. Toda a cidade da lua enche-se de

enfeites e danças e comidas. O casamento é realizado em dez luas, porque a noiva é a Princesa

da Cidade das luas e dez sóis porque o Príncipe é da Cidade do Sol. Todas as moças que

escolheram seus noivos tem o direito de aproveitar os festejos e se casar no mesmo dia da

Princesa.

Vendella está empolgadíssima com os preparativos para o casamento. Seu Pai também ficou

muito feliz com sua escolha.

A sua tia Naretta, que está muito melhor agora que parou de tomar os chás, lhe explica o

ritual:

_No primeiro dia o sacerdote lhe colocará o anel no dedo mínimo direito. Significa que você

não precisa ter medo das suas fraquezas. No segundo dia, será colocado o anel no dedo anular

direito, significando que você está noiva. No terceiro dia o terceiro dedo é que você faz um

juramento de ser apenas sincera. No quarto dia o anel é colocado no dedo indicador,

significando que você indicou seu marido. No quinto dia o anel é colocado pelo sacerdote pra

selar a união e te entregar a seu marido. Aí você vai com ele pra onde ele for morar. No seu

caso, você traz ele pro Palácio. No primeiro dia após o casamento se realizar o ritual é

invertido – Seu marido vai retirar um a um o anel da mão direita e colocá-los na esquerda: o

primeiro dia e primeiro anel significa que vocês juntaram suas fraquezas e transformaram em

força. O segundo dia e o dedo anular, significa que ele te aceitou como esposa. O terceiro que

vocês vão crescer como uma família. O quarto dedo e quarto anel, ele faz o juramento em que
promete ser sempre sincero. O quinto anel é a confirmação de todo o ritual e aí vocês estão

casados pra sempre.

Vendella achou aquilo muito bonito. Na aldeia, as moças que voltavam escolhidas pelos

rapazes da aldeia, apenas ficavam dentro da cabana por tres dias e saiam da mesma forma que

entravam. Ela achava aquilo tão sem graça que pensava em não se casar. Mas agora estava

adorando a idéia...

Foram colocados guardas e soldados com armas e roupas oficiais, sacerdotes com tridentes e

roupas de gala para seguir o cortejo do casamento. Vendella esta vestida com a mais fina

seda branca, com enfeites coloridos em sua saia como pequeninas florzinhas, e cercada por

belas damas de companhia. Em sua cabeça, sobre os longos cabelos soltos, brilhava uma tiara

de diamantes – pedra que ela só veio a conhecer aqui na cidade.

Agora ela olhava o noivo vestido com roupa de gala como os sacerdotes e sorria se lembrando

de toda a cerimônia. Tinha sido mais bonita do que sua tia lhe contara.

Um jantar real foi oferecido pelo rei ao jovem casal. Grande multidão apareceu para ver a

carruagem que os levaria ao palácio. A carruagem era precedida por jovens tocando harpas e

flautas e uma escolta de soldados.

Ele a segurou pela mão ao descer nas escadarias do palácio. Ao chegar ao grande portão eles

acenaram para a multidão que bradava “vida nova à Rainha”. Então ele segurou seu rosto

forte e suavemente e a beijou. O barulho de palmas e assobios foi ouvido no porto.

Ao final de dez dias de festas, Vendella estava mais feliz e pensou:

_”Agora vou fazer de Quinn minha herdeira. Finalmente as mulheres voltam ao poder”.Ela

nem imaginava como aquilo era verdade...


CAPÍTULO XIII – A FUGA DE TORANK

Ao entrar no antigo palácio, Abud e Tassus vasculharam todos os andares e não encontraram

nem sinal de Torank. Entre os homens que ficaram a seu lado, foram enviados a Wilmerstah

para cumprirem pena e, sob a adaga de Assaz, eles que eram tão infiéis a Torank, logo

denunciaram sua fuga. Assaz enviou uma pomba com a mensagem para Abud. Ao receber a

nota, selada com um símbolo de uma mão fechada, Abud franziu o cenho. Quebrou o lacre e

leu a mensagem.

_Tassus- eles disseram que sua família aceitou abrigar o traidor do meu irmão. Você sabe o

que significa isso? - sua voz tremia entre decepção e dúvida.

_Rei George, creio que há algum mal entendido nessa mensagem. Meu país e o seu selaram

união. Agora mais do que nunca, que este acordo foi cumprido com o meu casamento!

_Se os homens mentiram, algum Rei o está escondendo. Gostaria que enviasse uma

mensagem a seus pais dizendo que vamos decidir sobre a quebra do acordo.

E sem esperar resposta de Tassus, Abud saiu.

Ao chegar a Lorcas, Torank se espantou com a rusticidade do reino. Desceu do grande barco

com seus homens em uma praia onde não havia nem uma sentinela.

_Vamos ficar aqui com os cavalos e você Siônix, vai avisar de nossa chegada. Como assim

não tem uma comitiva pra me receber? Falou Torank sentindo-se afrontado. Não! Vamos

formar a nossa comitiva e chegar ao palácio real. Devem estar preparando uma bela recepção!

Deixem apenas as mulheres no barco. Aos cavalos!


Todos os homens de Torank subiram em seus cavalos e formaram uma comitiva com Torank

ao meio e dois cavalos de cada lado, e os homens carregando uma cobertura, para cobrí-lo do

sol. Os homens íam conversando:

_Disseram que aqui as mulheres são livres.

_Ótimo! Então eu vou ficar com três!

_Eu quero testar essas selvagens!

E riam de suas fantasias quando se depararam com uma estranha cerca. Alguns homens

tentaram avançar com seus cavalos, mas eles recuavam.

_Como vamos passar aqui?

_Dá pra ver algumas tendas lá em cima. Deve ser o começo da cidade.

_Teremos que descer dos cavalos.

Torank pensou e ficava cada vez mais irado com aquela terra selvagem.

_Vamos à pé! Vou pedir a cabeça do sentinela que não esperou na praia pra noticiar nossa

chegada!

A cerca por ser colocada em formato de S e cada um desencontrado do outro, os cavalos não

entravam nos espaços. Os homens tiveram que passar a pé. E muitas de suas caixas com

armas tiveram que ficar para trás.

_Não estou gostando de deixar apenas dois homens tomando conta das armas, senhor.

_Fique com eles então, Siônix, bradou Torank. O sol já está no meio do céu e não

conhecemos nada dessa cidade. Eu tenho a promessa do Príncipe de ser bem recebido aqui.

Será uma honra pra essa cidadezinha miserável receber um Rei de verdade!

Já estavam se aproximando da aldeia, quando uma multidão de crianças vieram recebê-los.

_Melhor que ser recebido por guardas, falou Nokte.

_Ou por lobos. E todos riram


Todos na aldeia viviam em tendas cobertas com tecidos adamascados. Umas tendas maiores

outras menores iam formando um labirinto que levava até a grande tenda. Apesar de diferente,

Torank notou ser aquela a tenda da Rainha-Mãe. Possuia a altura de vários homens de pé. Era

coberta com pelo menos dez camadas de tecidos e dois homens muito altos guardavam a porta

da tenda. A seus pés, grandes lobos estavam deitados. Por dentro a tenda parecia ainda maior,

vários biombos a dividia em partes e ele não conseguia ver o que se passava por trás de cada

um.

Ao chegarem ao final do terceiro biombo os homens o levaram para a direita depois à

esquerda e finamente levantaram um tecido fino para o lado para deixá-lo entrar. A Rainha

sentava-se em grandes almofadas e servia-se de chás e pão com ervas. O Rei sentado a seus

pés bebia hidromel e comia tâmaras. Ao vê-lo entrar a Rainha bateu palmas e cinco de seus

homens da guarda real, com seus lobos fizeram um meio círculo ao redor de Torank.

_ Seja bem-vindo, Príncipe Torank!

Ao ver o Rei sentado numa posição inferior à mulher, parecendo um dos lobos à seus pés e ser

chamado de príncipe, Torank disfarçou seu nervoso:

_Minha Rainha a quem devo agradecer essa hospitalidade, mas minha fam´lia ficou no porto e

só eu fui trazido até aqui para participar desta ceia magnífica! Onde está a carne?!

_Nós, os senhores dos lobos, por razões óbvias, somos vegetarianos- respondeu o Rei sem se

mover de sua almofada.

_ Realmente. Não queremos que esses bichinhos aprendam a comer e a gostar de carne. -e riu

nervosamente e sentou-se ao lado do Rei. - Poderia me perder nessa sua cidade das tendas!

Não saberia voltar para buscar minha família. Poderia pedir que alguns de seus homens o

fizesse?

_A Rainha se pôs de pé a sua frente e disse:


_ Príncipe Torank, sua família não vai descer do barco, porque nós vamos levá-lo de volta e

entregá-lo como prisioneiro e traidor do trono da Princesa Geórgia.

_Mas vocês disseram que eu podia vir!! Gritou Torank enquanto se levantava.

_ Exatamente o que queríamos que fizesse. Que viesse até aqui para ser preso.

Torank riu e ao olhar para trás imaginando uma fuga talvez, todos os biombos foram abaixo e

atras de cada um dezenas de gormogons o encaravam.

Os gormogons eram homens que treinavam lobos para a luta.

Eles tinham a cabeça raspada em forma circular, deixando um feixe de cabelos no alto da

cabeça que ia até a cintura. Também não deixavam pêlos sobre os olhos. Sua face era

totalmente lisa, assim como todo o seu corpo.

Usavam um bastão com uma ponta afiada, que fixavam no o chão para demarcar o lugar para

o lobo. Na outra ponta do bastão, cada um escolhia um símbolo, o mesmo que ele e o lobo

carregavam no pescoço.

Eles andavam em grupos de duzia de homens e seus lobos. Ao caminharem e se apresentarem

eles batiam o bastão no chão e gritavam “Hey!”. Todas as ordens para os lobos eram faladas

em uma linguagem que só eles entendiam. Os lobos eram de cores variadas: alguns totalmente

negros , outros cinza e branco ou todo branco, mas todos tinham os olhos azuis e a aparência

selvagem. Os lobos entendiam os gritos e movimentos com bastão para atacarem o inimigo.

Torank caiu de joelhos ao ver que fora traído. Os homens se aproximaram, fizeram um círculo

ao seu redor, bateram o bastão no chão ao mesmo tempo e gritaram “Hey!”. Nesse momento

os lobos começaram a uivar.


CAP XIV – MAIS UM CASAMENTO

Vendella estranha os modos da aia que a ajuda a se vestir para começar o dia, na antecâmara

real. Os baús espalhados pelos cantos guardavam pesados e finos vestidos de uma dama.

Vendella achava uma desperdício tanto espaço para dormir.

_O que foi? Está chorando?

_Não gosto de fazer intrigas, Senhora -disse a aia assoando o nariz. Perdão fazê-la notar. O

Senhor de Quesselfor, anterior à Senhora, mandava chicotear...

Ninguém vai te fazer mal! Não estou acostumada a isso. É só me contar! As moças da cidade

estão falando mal de mim?É isso? As pessoas falam que eu ainda não sei me portar como uma

princesa? Eu fui criada numa vila, aia. E era muito bom...

_Não é isso, Senhora. Todo mundo te adora. São os pombos.

_O que tem os pombos?...

_Eu não gosto desse povo dos lobos. Não confio neles.

_ Eu sou casada com um deles, aia. Ele será o seu Príncipe...

_Todos eles ficavam por aqui e ajudaram o Principe a fugir. Agora eles recebem pombos e

queimam as mensagens.

_Eles ajudaram Torank? Porque meu Pai não me disse isso? Vendella sentiu o sangue subir na

sua face. Não de raiva, apenas se sentia em segundo plano, não como uma Princesa que vai

governar a cidade um dia.

_Pede a ele pra ler os escritos, Senhora.

_Não acho isso necessário, aia. Vamos descer.

Naquela noite durante o jantar o consorte do Príncipe lhe entrega um papel. Tassus fica

inquieto e olha para George. O Rei continua suas observações acerca do jantar.

_Leia as notícias de sua família, Tassus.


_As vezes minha mãe escreve como se eu ainda fosse um menino. Eu prefiro ser o único a

passar por isso- disse já se levantando para sair.

_Posso ver então? Insistiu Vendella.

_Podemos falar sobre isso depois? Sussurou.

_Se é tão importante vamos falar agora.

O Rei vendo a situação, chamou a atenção:

_Vamos todos comer em paz. Sente-se rapaz. Temos coisas para resolver aqui.

Enquanto George falava, Tassus se aproximou da vela sobre a mesa e queimou o papel.

Vendella sentiu que faltava ar em seu peito. Não conseguia respirar. Precisava saber a verdade

a respeito do povo de seu marido.

_Está se sentindo bem, Vê. Tassus se aproximou tomando-lhe a mão.

O Rei se aproximou rapidamente.

_O que foi filha?

Vendella puxou todo o ar disponível na sala. Respirou fundo olhando nos olhos de cada um

que já rodeavam sua cadeira.

_Por que ninguém me disse que o tio Torank está escondido nas terras da família de Tassus?

O silêncio pesou por apenas um segundo e um murmurio se elevou até uma pequena

discussão entre as pessoas presentes. Tassus apenas abaixou a cabeça.

_Escutem todos. George bradou acima do burburinho. Os Locasianos estão com Torank.

Estamos nos preparando para buscá-lo sem causar um incidente entre nossos povos. Ele será

trazido para cá e julgado.

_Então você sabia, Pai? Vendella estava surpresa. _E o que você tem a dizer sobre isso?

Tassus olhou pra George.

_Minha filha – falou George docemente – Nós vamos cuidar disso.

Vendella levantou-se:
_ Se querem que eu comece a ser uma Princesa de verdade, exijo que me digam sobre todas as

coisas do reino, principalmente sobre aquelas que me dizem respeito!

Apesar de ter causado o interesse que esperava, suas mão tremiam e achou que precisava de

um pouco de água. Todos esperavam que ela continuasse, então disse:

_O que os Locasianos disseram sobre isso?

_ Os nossos recados estão sendo interceptados pelos homens de Torank. Eles enviam algumas

notas, mas eu não reconheço como sendo da minha família, por isso vamos até lá.

_ E quando pretendiam me contar? Quando ele chegasse com uma guarda para colocar uma

adaga no meu pescoço e reclamar o trono?

_Isso não vai acontecer, Vendella. Eu ainda estou vivo. George tentava acalmá-la.

_Mas ele já fez isso antes e sozinho. Agora com os Locasianos do seu lado, imagine o que ele

não poderá fazer...

_Nós não estamos do lado dele! Tassus repreendeu-a. _ E eu vou provar isso! E retirou-se do

salão.

_Minha filha -falou George aproximando-se e segurando seus braços. - Eu confio nele e você

devia fazer a mesma coisa. Vá falar com ele.

_Eu confio nele, Papai. Mas não conheço o povo dele.

_São melhores que o nosso povo, Vendella. Eles são incorruptíveis. Sabe o que é isso? Eles

dão valor a família, à amizade e não precisam de nosso povo pra nada. Eles não acumulam

ouro, ou jóias ou qualquer coisa que Torank dê em troca de proteção.

_Desculpe, Papai. Eu vou falar comele.

_Não é a mim que deve desculpas, querida.


Ao chegar ao seu palácio, Vendella vem correndo ao encontro de Tassus:

_Chegou uma mensagem de seu país. Parece ser um presente de casamento... -mas ao ver a

expressão do rosto de Tassus, Vendella calou-se.

_Meus pais traíram a confiança de seu Pai, Geórgia. Eles estão abrigando Torank.

_Me desculpe por duvidar de seu povo, Tassus. Mas eu não os conheço como você. Porque

duvida da lealdade deles? Alguma vez fizeram algo de que não devia se orgulhar? Tassus

meneou a cabeça. _ Leia a mensagem então! Talvez eles digam porque fizeram isso!

Tassus começa a ler muito sério, mas vai abrindo um grande sorriso, puxa Vendella pela mão

e ao correr anuncia:

_Minha guarda real está trazendo Torank preso. Vamos contar a George!

Quando chegaram ao grande salão, George estava acompanhado de Zaphyr, o mercador de Lã

e da pequena princesa Quinn.

_Os jovens sempre apressados! Brincou George.

_George, olhe isso! Disse Tassus entregando-lhe a nota.

De cenhos franzidos George leu. Não fez nenhum movimento.

_Precisamos comemorar, Papai! Falou Vendella.

_O que foi George. Tassus previu uma inquietação.

_Significa que temos um traidor entre nós e que tentou nos colocar contra seu povo.

_Qualquer um poderia fazer isso, George. O povo dos lobos não é muito bem-vindo.

_Mas isso significa que não me aceitam totalmente como Rei, já que não aceitam minhas

alianças.

_Tenho certeza que o julgamento de Torank pode mudar um pouco isso, Papai. Temos que

comemorar!

_Tem razão, filha. Vamos comemorar no jantar hoje à noite.


Vendella nunca se aprontou com tanta felicidade. Escolheu seu melhor vestido. O corpete era

todo bordado com correntes de ouro e a saia de um tecido fino coberto de flores brancas feitas

do mesmo tecido. Colocou em seu cabelo uma flor do mesmo tecido para prender o lado de

seu cabelo.

_Está linda, Senhora! Falou a aia batendo palmas.

_Ainda bem que inventaram o espelho, assim ninguém precisa me dizer isso. Falou Vendella

rodando a saia. Derepente sentiu uma tristeza.

_O que foi?

_Apenas saudade de Myka. Gostaria que ela estivesse aqui.

_Ela está dentro de você. Parte dos nossos amigos vivem em nós. Para sempre. E as boas

lembranças é que trazem eles para perto de nós. Lembre-se apenas da parte boa, Senhora.

_É isso mesmo, aia. A Myka representa a parte boa. E talvez o Derek venha com os

gormogons.

Georgia foi para o balcão e olhou o pequeno rio, abaixo da colina. Ao longe, pequenas casas e

alguma fumaça, indicavam famílias reunidas para comer a refeição do pôr-do-sol. Sentia falta

da aldeia. Esta hora estaria sentindo o cheiro de pão e do caldo de carne, o barulho das

crianças e a conversa dos homens. Voltou ao aposento onde dormia. Aqui tudo era lindo, mas

era frio e vazio. Vazio de vida, de sons e de aromas. O único barulho que ouvia era de seus

sapatos novos, ao descer a escadaria de mármore até o salão de refeição.

Passou pela sala das harpas, sentiu o perfume das flores que entravam pelas grandes janelas

abertas. Caminhou sobre um tapete bordado com as histórias de reino até a saleta de repouso

do Rei. Foi aí que encontrou George segurando as mãos de Archtriclina, conhecida como

Archia, a mãe de Myndoka. Vendella se aproximou e a abraçou muito forte.

_É bom vê-la sempre aqui. Gosto de vê-la cuidando de Quinn.

_Ela é uma benção na minha dor, Princesa.


Vendella notou que seu pai esta desconfortável.

_Quer me dizer alguma coisa, Senhor George? Brincou.

_Estou pensando em pedir sua benção para formar uma família, quer dizer, você e Quinn são

minha família, mas não quero passar meus anos sozinhos e...eu sei que você vai me dar

netos...

_Tem a minha benção. Seja bem-vinda à nossa família Archia.

O jantar foi de comemoração pelo novo casamento real. Tassus foi o primeiro a erguer um

brinde:

_Ao Rei George! Que possa fazer esta família crescer tanto quanto eu!

Archia ficou corada e abaixou a cabeça. Todos riram e brindaram.

_Eu sei que é um jantar de casamento, mas...

_Pode falar, Zaphir. Respondeu George.

_Chegaram as plantas de Wilmerstah e gostaria de criar uma estufa para elas aqui no palácio.

_Você acha que uma estufa para as plantas vai resolver o problema dos ungüentos?

Vendella sorriu. A vida estava tomando seu curso novamente.


FINAL – O JULGAMENTO E O CALDEIRÃO DE FOGO

Ao entrar em Quesselfor com os aldeões vestidos com as armaduras dos soldados de Torank,

foi muito fácil para Abud e seus homens invadirem o Palácio e prender o capitão da guarda do

trono. Ele esbravejou, mas foi rendido e levado até o porto. Então Abud se aproximou e falou

a todos os presentes.

_Olá, povo de Quesselfor. Eu sou George. Estive escondido todo esse tempo, para que Meu

Irmão, um Rei tirano e traidor pagasse pelo que fez à minha família. Ele será deportado para

Wilmerstah.

A multidão fez um barulho ensurdecedor e muitas palmas foram ouvidas. Eles receberam o rei

de braços abertos.

_Lembro-me quando meu pai colocou-me sobre os ombros todo o peso de dar continuidade a

uma dinastia que, há muito, lutava pela independência de outros povos. Eu tive apenas uma

filha e de agora em diante, todo o ser feminino terá direito ao trono de Quesselfor!

A multidão bradava”viva a princesa Georgia”.

Vendella se aproximou e foi como se sentisse um calor subir-lhe ao rosto e pensou:”eu posso

gostar disso”.

Vendella se lembrava dessa cena quando ouviu a guarda real tocando um sinal de alarme. Ela

tremia só de se lembrar do sonho com o Príncipe Torank a empurrando no vazio. Queria ver

se ele se parecia com o mesmo homem de seu sonho.

Atravessou o pátio e ao chegar as escadas do palácio viu a multidão que já acompanhva a

comitiva de Lorcas até a Tenda do Conhecimento, aonde se daria o julgamento de Torank.

Pediu ao serviçal para levá-la até lá. Ele foi buscar a charrete e ela esperou impaciente.

_Vamos logo! - gritou sem querer para o serviçal.


Quando chegou à Tenda, todos já estavam posicionados em seus lugares, ela sentou-se entre

seu pai e Tassus, ouvindo a descrição de um dos guardas lorcasianos, sobre a prisão de

Torank.

_...eles não puderam atravessar com os cavalos, então não puderam levar todos os homens e

nós os tratamos como prisioneiros até trazê-los aqui. Gostaríamos de sua permissão para que

seja julgado segundo as regras dos lorcasianos: a vingança.

Todos em voltados gritavam palavras ora de apoio, ora de desaprovação.

Torank, que estava ajoelhado de cabeça baixa, tentou levanta-se no que foi impedido por um

dos gormogons. O Rei George falou:

_Porque a sua regra em meu reino? Porque não houve vingança quando ele estava em Lorcas?

_Porque ele fez com que o nosso Príncipe achasse que nós quebramos nossa fidelidade e

palavra com o povo de Quesselfor.

_Quem vai reclamar a vingança? Perguntou Tassus.

Nesse momento um dos gormogons, vestido com a capa de pele de lobo, com um capuz se

aproximou de Torank.

Vendella sentiu sua pele gelar. Torank realmente se parecia com seu sonho, mas estava mais

abatido. Mas esse guarda, era realmente o homem que ela viu na torre. Quer dizer, sonhou.

Ela já não sabia se o sonho era real ou se estava sonhando agora. Sentiu-se confusa, mas ao

olhar para Tassus seu coração aquietou-se.

_Este rapaz vai lutar com ele. Sem regras.

_Então vou pedir que um dos meus guardas lute por mim, pois não fui treinado para lutas.

_Se todos concordam, levantam a mão- Falou o Mago e escreveu o feito.

_Como todos concordaram, pode chamar o seu homem.

O irmão de Myndoka entrou com o escudo e a espada na mão e ficou na frente do gormogon.

A mãe dele sentada ao lado do rei começou a chorar baixinho. Seu nome era Mikaya.
Quando avançou para o outro homem com a espada em seu peito, o outro girou sob a lança

fincada no chão e meteu os pés em seu peito jogando-o no chão. Os gormogons que estavam

assistindo, bateram a lança no chão e gritaram “Hey!”. Mikaya levantou-se rapidamente,

jogou o escudo longe e correndo jogou-se no chão e meteu os pés nas pernas do homen

fazendo-o cair, como num jogo de Taifa. Os dois levantaram e se afastaram.

Vendella apertava a mão de Tassus, demonstrando nervoso com a luta.

_Se fosse por pontos, eles estavam empatados – falou Vendella.

_Isso não é um jogo, Vê. Ele vai matar Mikaya. Falou Tassus.

Nesse instante Mikaya acertava com a espada no braço do homem, por mais de uma vez. Ele,

como se não sentisse nada no braço, girou, jogou a lança no ar, fazendo-a cair na posição de

encaixe na sua mão direita e cravou-lhe no ombro esquerdo. Mikaya urrou de dor caindo de

joelhos.

_Pronto. Ele venceu. Agora é só prender Mikaya. Falou Vendella.

_Um gormogon nunca deixa seus inimigos com vida. Mesmo se ele não matá-lo, o seu lobo

fará isso por ele. Explicou Tassus.

O gormogon se aproximou de Mikaya arrancou a lança e bateu-a no chão. Imediatamente seu

lobo se aproximou. Mikaya gritava de dor e tentava se colocar de pé. O lobo mordeu-lhe o

calcanhar, fazendo-o cair e gritar mais. O gormogon novamente jogou a lança contra Mikaya

e dessa vez acertou-o na testa fazendo-o cair a alguns passos dos pés de Torank. Ele começou

a andar em direção à Torank e retirou o capuz. Nesse momento, Vendella gemeu:

_Nãão. É o Derek!

_Ele agora é um dos gormogons. E me disseram que se tornou da guarda pessoal da minha

família, Vê.

_Mas como ele se tornou tão frio e cruel!


_Isso é uma batalha, Vê. É por isso que as mulheres não participam de batalhas. Seu coração é

muito doce apesar de seu espírito ser muito forte. Quer falar com ele?

_ Não! Não sei! Acho que eu mudei, ele é outra pessoa, é melhor voltar para o palácio.

Georgia sentiu uma tristeza doce ao vê-lo acenar quando entrou na charrete. Esperou ele se

aproximar.

_Olá Princesa Georgia.

_Olá Derek. Como você mudou!

_Agora eu me chamo Daron e graças a Tassus eu faço parte da guarda real. Acho que ele quis

me afastar de você.

_Porque ele faria isso? Ele sabe que você gostava da Myka. Ele fez isso pra te ajudar no fato

que você...

_Perdi parte do braço, eu sei. Mas acho que ele não gosta de nossa amizade. Disse isso e riu.

_Gosto de saber que você está tão bem.

_Melhor do que antes. Vou me casar com a irmã da rainha.

_Nossa! Rápido, hein?! Vendella não conseguiu esconder a surpresa.

_Vocês estão convidados, falou Derek ao ver que Tassus se aproximava.

_Nós vamos ao seu casamento e aproveito para mostrar o meu povo para Georgia. Respondeu

Tassus.

_Adeus, Princesa.

_Até breve.

Torank é levado de volta para o barco que já estava sob o domínio dos gormogons. O seu

julgamento ia acontecer na ilha. Torank usava a cabeça totalmente despida de fios. Nem

cabelos nem barba. Os gormogons faziam isso a todos que capturavam. Apenas as grossas
sobrancelhas unidas lhe davam um ar raivoso constante. Todos os homens que ficaram a seu

lado, junto com suas famílias foram enviados para Wilmerstah.

Ao chegarem à ilha, todos os prisioneiros foram levados à casa principal que serviu de

moradia para o Faxar e suas esposas. Agora totalmente despidas de adorno, parecia-se com

uma prisão. A última festa já tinha acontecido há muito tempo, mas as ruas ainda traziam

sinais das barracas, das comidas, a grama ainda estava pisoteada, a água chafariz estava

turva. Os aldeões eram tapeados em suas taxas de limpeza e ninguém providenciava para que

não fossem roubados. Os comerciantes que vieram de além-mar, já tinham realizado suas

vendas e retornaram a suas terras. Os aldeões voltaram à aldeia como se nem Rei nem Faxar

existissem e como se nada disso pudesse afetar-lhes a calma vida que levavam.

O pátio principal já estava organizado para o julgamento: bancos haviam sido colocados para

os julgadores – pessoas da vila que quiseram permanecer na aldeia. Sobre um estrado foi

colocado um tronco de árvore cortado em forma quadrada, para que os prisioneiros ficassem

presos pelos pés. Assaz ia decidir o julgamento – o que já estava decidido para um traidor da

própria família, era a prisão em Wilmerstah- mas no caso de Torank era traição contra o seu

Rei. Todos queriam que ele fosse condenado à forca. Zaphyr, agora enviado do Rei, ía ler o

acontecido para todo o povo saber da decisão. Alguns homens importantes da cidade vieram

no navio para acompanhar o julgamento. Junto com eles, dois escribas e o Mago da aldeia

também fariam parte dos letrados, que iam escrever a história. Zaphyr tomou a palavra:

_Os quatro acusados eram pessoas da confiança do Rei. Com a ajuda do instrutor de cavalaria,

Zamit, do chefe da guarda real, Jabon, e do Mago Feltzar, o Príncipe Torank se aproveitou

dessa confiança para trair não só o Rei, como todo o povo de Quesselfor. E para tomar o trono

do próprio irmão, ele ordenou a morte da Rainha e de todos os descendentes. Zamit já foi

julgado e o próprio destino se encarregou de sua pena. Os outros homens que aqui se
encontram, foram denunciados por ajudar no plano contra o Rei George e sua família, sendo

comprovada sua culpa. Nenhum desses homens terão direito a defensor de sua causa. Suas

famílias viverão na aldeia e terão direito a prover seu próprio sustento. Pedimos aos

julgadores que manifestem sua concordância com tal procedimento.

Todos os julgadores sussurraram entre sí e menearam a cabeça concordando com os termos.

Zephyr continuou:

_O Rei decidiu que os acusados devem ser lembrados pelo assassinato da Rainha. Isso ficará

escrito no livro da Casa Real. Dois dos assassinos que morreram, não terão direito a nenhum

enterro ou comemoração. O Príncipe Torank será enforcado e o Mago Feltzar irá para a

fogueira, para que seus feitiços não o sigam para a terra dos Magos.

Feltzar começa a murmurar e grita:

_Vocês vão pagar! Dentro de dois dias o caldeirão de fogo vai entornar e não sobrará nada

dessa vila! Fujam para a aldeia! Se quiserem ver os seus filhos crescerem!

Enquanto ele continuava a gritar o novo conselho de julgadores se levantou, acendeu uma

tocha cada um e acendeu a fogueira sob os pés do Mago. Ele continuou a gritar, mas suas

palavras já não eram entendidas.

A corda foi colocada ao redor do pescoço de Torank. O banco que ele estava de pé foi

empurrado e ele se debateu e depois parou.

As mulheres voltavam o rosto para não ver a cena. Tentavam levar as crianças dali,

retornando para a aldeia.

Assaz disse:

_Vocês que decidiram viver aqui, vivam em paz, e sempre que quiserem, podem participar

das festividades em Quesselfor. Vamos nos retirar para o navio e deixo para os julgadores o

cumprimento da sentença de Torank, agora não mais príncipe.


O povo aplaude e segue em comitiva junto com Zaphyr para o porto. Todos entram no navio e

enquanto ele se afasta o pequeno grupo acena.

Após alguns dias o navio estava de volta e George foi ao porto esperar a volta. Ao olhar na

direção da ilha, notou o céu avermelhado e cinza. Os homens aportaram assustados.

_ o que aconteceu lá?!

_ Nós já estávamos voltando, quando o morro mais alto da ilha começou a cuspir fogo. Acho

que nem a ilha queria receber Torank! Disse um dos homens.

_O caldeirão realmente entornou, disse um dos homens. O Mago ao morrer praguejou contra

a vila.

_Não acredito! Falou George. A ilha entrou em erupção!

_Quer dizer que Wilmerstah era um vulcão adormecido todo esse tempo em que estivemos lá?

Riu Assaz.

_E o povo que resolveu viver lá?! Falou amargamente George.

_ O Mago disse que a aldeia não será atingida. Enviaremos homens para contar o que

aconteceu.

E de longe ouviram as explosões tingirem o céu de vermelho.


EPÍLOGO

Os homens ainda não devolveram o controle do mundo às mulheres e continuam vivendo

como numa guerra eterna. A lenda do caldeirão de fogo é uma história escrita em um livro de

leis trazida em partes pelos povos antigos, os pratempes. Para não ser destruído o livro foi

dividido entre vários povos (os prapatres – povos dos antigos pais; prawaves -povos dos

antigos avós; praarbope – povo da floresta antiga; pranepes - os netos de antigos avós).

Cada povo ficou com uma parte. Se tornou uma lenda porque cada povo contava a parte que

estava escrita e criava um final para a verdadeira história. Ninguém sabe exatamente a história

verdadeira. A única lenda que conseguiu chegar aos tempos de hoje é essa - a lenda do

caldeirão de fogo. Vou contar de forma resumida, porque são receitas, leis e fórmulas para

que o povo que recebeu essa parte do mundo, aprenda a cuidar dele e de si mesmo. Se nada

disso for cumprido, esse povo sofrerá consequências. Vamos à lenda:

“Um novo ser nasce da energia de outros seres. Toda energia colocada em volta desse ser,

fará com que ele circule com boas ou más energias. Exale apenas boas energias até a oitava

lua, para que o ser possa ser um Oray (pessoa com moral, decência, preocupação com o

próximo e com o meio ambiente. Um bom cidadão nos dias de hoje). Quando a energia

estiver ruim, as pessoas devem se reunir em grupos e exalar boas energias para que circule o

ar como ondas e leve boas energias para o local da panneen (problema, defeito, doença,

catástrofe). Devem cumprir o círculo do conhecimento (os antigos chamavam de rituais) para

que o Uníssono possa respirar (lugar onde se concentra toda a energia do mundo). Se não for

cumprida essa ordem, o povo do mundo terá três avisos: o caldeirão de fogo vai entornar a

primeira leva de fogo, que destruirá, um ponto do mundo (referia-se ao vulcão de

Wilmerstah), a segunda que será jorrada do caldeirão e cairá do céu (dizem que foi a bomba

de Hiroshima, cumprindo a segunda parte da lenda) e a terceira o caldeirão entornará toda a


sua fúria e porá fim ao mundo, retornando toda sua energia para o Uníssono.(dizem que é o

fim do mundo, como nos filmes).Siga as leis do Uníssono e a água do pluvade (chuva,

conhecimento) descerá sobre o caldeirão e o apagará para sempre.”

Essa é a lenda. Apenas uma história que foi passando de geração a geração como num

telefone sem fio, em que cada povo acrescentou sua colaboração.

Você também pode gostar