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EL DE LIMA COUTINHO

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tiea Hi.rd,iea - 7~ ediçfo. revi•••

FIM DA SILVA NETO


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~. MATTOSO CAMARA. Jr.


do Prol. Roaetvo do Valia) - ~ ed~. _Is ••
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IIntroduçfo do Prol. Roulvo do Vali.) - ~ edIçIo._1-

~ONE CHAVES DE MELO


Ittic;,.çlo ~ FiloIOflÍ4 • ~ Lingül.ta Portugu_ - 6!' ediçfo. int.ira ••••nte _Isuo - A •• Ir em 1979.

MONOGRÁFICOS
RAIMUNOO BARBADINHO NETO
a Norma Litm,ie do Modernismo - Sub.ldio. ".,. uma R..,;,60 ,. G.-NItiu fIo,tugu-.

,TTOSO CAMARA. Jr•


••••io. Machadienos- 2~ ediç60. revista

LV SILVA

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ontcifncia • Af.tividade na Llngua Portugu_
979
NE LEITE
I.", •• d. FonolOfliePonugu_. Perspectivas da T.oria Gerativa - A sair.m 1979

. ROBINS
.na Histdria da Lingulstica - Tredução do Prol. Luiz Manins Monteiro d. Barros
NNE MARTINET
TfIO,ill Lingulstica 80 En.ino ,. Lrngua - Traduçfo da Prol!' Vara Pinto Oa""trio de Souza
sair em 1979
IlENIO COSERIU
IJes d. Lingéilstica G.,., - Tredução do Prol: Evenildo Becha" - A sair em 1979

IDCRVSTAL -
~ Lingiil.tiea? - Tradução do Prol. Eduardo êampm - A sair am 1979

RO TÉCNICO S.A. •..


E COMÉRCIO·
Apresentação
No prefácio da primeira edição das Orientações da Lingüística Moder-
lia (1955), Serafim da Silva Neto, com palavras cheias de ciência e cons-
ciência, que lhe sobejavam, diz que Sílvio Elia é um "estudioso bem
conhecido e apreciado; não necessitava nem de prefácio, nem de prefa-
ciador".
No caso desta segunda edição da Preparação à Lingüística Românica
têm redobrado cabimento as palavras de Mestre Serafim. Com efeito, :}
primeira edição (Livraria Acadêmica, 1974), esgotou-se em tempo bastante
razoável num país em que os estudos romanísticos no ensino superior
seguem o mesmo triste destino dos estudos clássicos, reduzidos ao mínimo
indispensável ao cumprimento dos currículos oficiais. Nesse ambiente não
muito propício, o bom acolhimento do livro é um atestado seguro de seu
alto nível científico. Quanto ao autor, se em 55 Serafim da Silva Neto já
lhe reconhecera a "exposição clara" e o "conhecimento de primeira mão",
hoje não há dúvidas de que os especialistas daqui e do exterior reconhecem
_...
.1
em Sílvio Elia um mestre, respeitado pelo valor de sua intensa (e já extensa)

.. '>. produção científica no campo dos estudos lingüísticos e filológicos. Tanto


que alguns estudiosos já se vêem tentados a examinar-lhe o conjunto da
obra para avaliar sua contribuição lingüístico-filológica, como fez Carlos
Eduardo Falcão Uchôa na Apresentação da segunda edição de Orientações
da Lingüística Moderna (Ao Livro Técnico, 1978), à qual remeto especial-
mente os nossos alunos de Letras, nem sempre bem informados sobre certos
autores - e não só por sua culpa, reconheçarno-lo.
A Preparação à Lingüística Românica é fruto da fcrmação basicamente
filológica do Autor, excelente latinista, enriquecída de posteriores leituras
lingüísticas que lhe deram sólida base teorética a cuja luz pode avaliar com
serenidade as orientações por que vem passando a Filologia (Lingüística)
~ ~ Românica desde o advento do método histórico-comparativo: a escola dos
" neogramáticos,
neolingüistas,
a direção dialetológica, o idealismo Iingüístico, a escola dos
até o estruturalismo, de aplicação ainda recente nesse campo.
De posse. desses dois P9derosos mananciais - digamos, o tradicional e o
f. '.:
•... moderno -, Silvio Elia pode analisar com segurança os problemas e os
x APRESENTAÇAO

resultados que continuamente se formulam e reformulam nessa área riquíssi-


ma de pesquisas. Veja-se, por exemplo, este trecho antológico: "a Filologia
não se exaure na atualidade efêrnera dos coloquialismos. Ela é presente,
sem dúvida, mas presente vinculado ao passado, presente que aflora como
ponta de lança do passado a varar um futuro que já bosqueja ... A Filologia
não arremete, pois, contra a Lingüística Moderna, que não tem como adver-
sária e sim corno colaboradora. Nem haveria o menor sentido de fazê-lo.
Apenas cada uma ara o seuterreno, que, mesmo quando comum, é passível
de tratamentos diferentes" (pág. XX).
Aí estão o filólogo e o lingüista coexistentes em Sílvio Elia, espírito Prefácio da 2.a Edição
especulativo especialmente afeito à história e crítica das idéias lingüísticas,
em quem podem conviver o tradicional e o moderno - atitude de equilíbrio
que percorre toda a obra, desde a controvertida distinção entre Filologia e Graças ao bom acolhimento dos colegas, alunos e professores, esgo-
Lingüística, que ele discute, com novas luzes, logo no prefácio. tou-se a 1~ edição deste livro. A 2~ deeorre de grato convite de Ao Livro
A primeira edição mereceu referências elogiosas de especialistas e estu- Técnico S/A,cuja coleção "Lingüística e Filologia", em boa hora en-
diosos, brasileiros e estrangeiros, que aplaudir-am a seriedade do trabalho, tregue à competência de Carlos Eduardo Falcão Uchôa, vem sendo de
a escrupulosa atualização, a informação crítica, a experiência científica e notável utilidade para os estudantes de Letras do país.
didática do Autor, opiniões que se podem ler, fragmentariamente embora, A feliz oportunidade que me foi concedida permitiu-me fazer atenta
a páginas XI, XII e XIII. Mais talvez que os elogios, deve ter o Autor revisão do texto anterior, juntar alguns acrescentos, introduzir certas cor-
considerado a crítica pertinente. reções. De novo, particularmente, temos o capítulo sobre O latim vulgar
Esta segunda edição realmente está revista e aumentada de um capítulo hispânico e o lndice Onomástico.
("O Latim Vulgar Hispânico") e um índice onomástico, de óbvia utilidade.
Reiteramos aqui os nossos agradecimentos a quantos permitiram pu-
Tratando-se de livro destinado principalmente aes nossos estudantes de.
desse eu voltar, ainda que modestamente, às estantes das livrarias onde se
Letras (Graduação e Pós-gradução) , até se impunha esse novo capítulo,
difunde a cultura superior no Brasil.
pelo interesse particular que tem para nós. a Península Ibérica. Não estarão
todos de acordo-quanto à validade dos elementos histórico-lingüísticos arrola- Dois agradecimentos especiais: ao Prof. Adriano da Gama Kury,
dos em favor da diferenciação regional do latim vulgar da Hispânia. Mas que tão prestimoso foi no auxílio dado à revisão das provas e a cujas
.•.. 't!) para essa tese realmente sedutora
era necessário abrir um maior eSp'açõ observações de conteúdo muito devem os melhoramentos desta edição
do latim provincial, "diferenciado regionalmente em virtude de causas histó- E à Profê Maria Sílvia Elia Galvão, que tomou a si o encargo da orga-
ricas, geográficas e sociais" (pág. 42). nização do lndice Onomástico. .
No mais, o livro é o mesm"õ e terá sua indicaçã9 obrigatória em várias A todos, amigos e colegas, muito obrigado.
disciplinas de nossos cursos superiores de Letras em que se focalize a história
e a diacronia das línguas românicas.
Rio de Janeiro, 30 de março de 1979.
Rio dê Janeiro, 5 de junho de 1979

~
Sílvio EIi
ROSALVO DO VALLE
(Universidade Federal Fluminense e
Universidade Santa Orsula)
~. t
•...
OPINIOES SOBRE A PRIMEIRA EDIÇAO DESTE LIVRO XIII

As seguintes opiniões foram colhidas em correspondência ao A.


"Important travail de conscieuse documentation.·

(Gerhard Rohlfs, Universidade de Tübingen, Alemanha Federal)

"Gostei muito e vamos recomendá-Ia para os nossos alunos que bem


precisam do seu livro cheio de ciência e de boa ciência."

[Roymond Cantei, Universidade de Paris 111,Sorbonne)

Opiniões sobre. a Primeira Edição deste Livro " ... apreciei com os olhos do coração, como diria Vieira, as novidades
de seu livro excelente, cheio de ensinamentos e tão bem documentado."

"Se deixarmos de lado alguns erros tipográficos, principalmente em (Albino de Bem Veiga, Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

citações de língua eatranqelra e uma atualização na bibliografia, final, eis


aí alguns pontos que ofereço à consideração do Prof. Sílvio Ella. a quem " ... estudo que faltava e que muito auxiliará os professores e alunos."
os estudos lingüísticas no Brasil ficam a dever- mais essa notável contri-
buição, fruto que é da sua tenacidade, da perseverança e amor à ciência, [Casado Gomes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

num país em que a expansão física das Universidades ainda contrasta com
o pouco estímulo a um magistério estudioso, sacrificado pelo acúmulo de "Quero transmitir ao amigo minha admiração pela extraordinária obra
aulas e que se vê a braços com a pobreza bibliográfica dos centros de que escreveu e principalmente os meus agradecimentos pelo auxílio que
cultura ." proporcionou a todos os professores de Filologia Românica pela obra de
[Evanildo Bechara. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Littera 13. Ano V - 1975. uma orientação segura e pelo valor do conteúdo."
janetro/lunho, p. 169)
[I\~ário Guagliotto, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Imaculada Conceição, Santa
Maria, Rio Grande do Sul)
"Mas O que se pretende salientar neste livro altamente sério é a
qualidade superior do ensino universitário de letras atualmente ministra-
do no Rio de Janeiro, onde o autor exerce o magistério, em nível de • Acaba de chegar a sua Preparação à Lingüística Românica: livro vál ido,
graduação e pós-graduação. A aridez de vários temas se transforma no limpo, honesto. Vou saboreá-Io lentamente.·
prazer de uma leitura de grande interesse. graças a visão da lingüística
Gera1. sempre presente e superposta à visão limitada da Filologia orto- (Luciana Slegagno Picchio, Universidade de Roma)
doxa.· - -"
.
[Leodegário A. de Azev~do Filho, Universida'&e Federal do Rio de Janeiro, artigo Universidade,
..Agradeço-lhe a excelente Preparação à Lingüística Românica, obra que
lingüística e filologia românicas: pub~ado no suplemento Livro do • Jornal do Brasil", do resulta de um longo e sério trabalho e de uma escrupulosa atualização,
Rio de Janeiro. em 10 de maio de 1975) como se vê no repensar de conceitos tais os de Lingüística e Filologia. Dia-
cronia e História. Decerto se tornará obra indispensável nas' Faculdades
"A Preparação à Lingüística Românica é o primeiro manual brasileiro de Letras - e por isso espero que saia sem demora uma 2.· edição, com
da matéria e revela cabalmente o saber e erudição do autor, que não se
o índice onomástico prometido."
prende a nenhuma escola, e assim nos dá a Informação crítica a respeito ~
do desenvolvimento dos estudos românicos: a direção dialectológica, a (Jacinto do Prado Coelho, Universidade de Lisboa)
Geografia lingüística, o Idealismo lingüística e outras tendências."

[Adriano da Gama Kury, Chefe do Setor de Filo:ogia da Casa de Rui Barbosa. artigo Linqíii s- "Foi com o maior interesse que tomei conhecimento desse livro, que
tica versus Filologia?, publicado .no Suplemento Livro do - Jornal do Brasil', de 10 de janeiro vai prestar grandes. serviços não só aos estudantes como também aos cha-
de 1976) j'" mados especialistas. Faço votos para que esse valioso trabalho tenha o
"Mais que uma Preparação à Lingüística Românica, o Prof. Sílvio Elia êxito que merece."
deu-nos um valioso Marillal lIe Filologia Românica, escrito com muita infor-
mação e com sólido critério na dt,scussão dos pontos controversos,'
[José Geraldes Freire, in Revista Portuguesa de Filologia, vol. XVII, tomos I e li, 1975·77,
I [Paul Teyssier. Universidade de Paris - Sorborvre l

Coírnbra. p.: 8841. • .

.. e
~

..
OPINIOES SOBRE A PRIMEIRA EDiÇÃO OESTE LIVRO
XIV

• AI tempo stesso voglio anche congratularmi con Lei per un manuale in


cui Ia sinteticità dell'esposizione si accompagna costantemente all'esaus-
tívità della trattazione e alia chlarezza: risultati cui solo Ia sua ben nota
competenza e I'esperienza scientifica e didattica che tutti Le conosclamo
potevano pervenlre."
(Giuseppe Tavani, Universidade de Roma)
Prefácio da 1.a Edição
• Agradeço muito a oferta da sua Preparação à Lingüística Românica - Este l.vro resultou de cursos que ministrei, em nível de graduação,
uma obra exemplar, no plano dos estudos universitários, pela segurança quando lecionava Filologia Românica aos alunos de Letras da Pcntificia
e pela amplitude da informação científica, pelo espírito crítico que a anima, Universidade Católica do Rio de Janeiro, em substituição ao Catedrático
pela clareza 'da exposição. Está-lhe decerto reservado um belo futuro."
(como então se dizia) Fundador Serafim da Silva Neto, de cuja perda
(Vltor Manuel de Agular e Silva, Universidade de CoimbraJ dolorosa e extemporânea ainda hoje se ressente a Filologia Brasileira.
Coube-me íazê-Io não só por ser também Fundador da Pontifícia (hoje
Titular), mas principalmente em virtude da natureza afim dos estudos a
que me dedicava (e dedico) _ Depois estive em Portugal e em Brasília,
na UnB.
Convém relernbrar esses antecedentes, porque, em razão de circuns-
tâncias várias, decorreu um lapso de tempo maior do que o razoável
entre a composição da obra e a sua definitiva impressão, Se, a meu ver,
o essencial ~ão foi comprometido, e, por isso, sai ela agora em letra de
fôrma, por outro lado as' inovações metodológicas que sofrem atualmente
as ciências, conseqüências de novas posições epistemológicas, ter-me-iam
levado a algumas alterações, quando mais não fosse para atender ao
consuetudinário preceito de non nova, sed nove. Mesmo assim, nas sucessi-
vas revisões de provas a que procedi, procurei introduzir informações
-" colhidas no material bibliográfico que ia sendo liberado pelo prelo nacio-
nal ou estrangeiro, como se pode ver facilmente do texto do trabalho.
'"'-

II
Num ponto, porém, julgo necessário aduzir novas reflexões e novos
"" elementos: refiro-me ao capítulo primeiro, onde se trata exatamente dos
conceitos básicos de Filologia e Lingüística.
Essa retomada tornou-se mais' imperiosa, vistos os resultados notáveis
do Congresso Internacional de Filologia Portuguesa realizado no Brasil
em novembro de 1973 sob o patrocínio de duas entidades culturais de
superior prestígio, a Universidade Federal Fluminense (Niterói ) e a Funda-

:t
, I ção Casa de Rui Barbosa (Rio de Janeiro). Dessa reunião partic.par am
também nomes dos mais representativos da cultura filológica internacional
e, graças ao conhecimento de causa com que foi organizado o temário,
discutiram-se proveitosamente problemas filológicos de eminente atuali-
dade. Em relação à questão que nos ocupa, manifestaram-se, com a
segurança que seria de esperar, os Profs. Luciana Stegagno Picchio, da
Universidade de Roma; .Celso Cunha, da Universidade Federal do Rio de
-"..:,
Janeiro e Gladstone Chaves de Meio, da Universidade Federal Fluminensc
f. ~
...
XVI PREFÁCIO DA t.' EDIÇAO PREFÁCIO DA t' EDIÇÃO XVII

Do que disseram e debateram jorrou nova luz sobre alguns aspectos Aceitando provisoriamente que o próprio do filólogo seja o tratamento
do controvertido problema e por isso julgamos útil valer-nos de tais ensina- do texto escrito, desde logo fazemos nossa esta reivindicação da Profê
mentos nestas linhas introdutórias. Luciana S. Picchio: "o filólogo sabe hoje não ser ele um mero preparador
A primeira observação que faço é a do grande abalo sofrido pela de textos a serem entregues. depois, prontos para a interpretação, a um
Filologia em conseqüência dos novos rumos tomados pelos estudos Iingüís- pesquisador de grau superior, identificável com o crítico literário" (p. 1).
ticos na Europa, a partir do término da 1~ Grande Guerra, e nos Estados Cumpre, porém, distinguir entre uma "leitura filológica" e uma "leitura
Unidos, com início na década de 30. Não era a primeira vez que a validade literária" do mesmo texto escrito. A distinção, parece-nos, está no seguinte:
dos estudos filológicos era posta em litígio, pois o mesmo se dera em o filólogo toma o texto na sua materialidade e, corno, tal, entendemos o
meados do século passado em relação à Filologia Clássica. O fato foi aparato lingüístico e todos os elementos históricos que lhe alimentam a
assinalado pelo Prof. Celso Cunha, ao declarar que já se estava habituando substância do conteúdo. lt obra preponderantemente de erudição. Já o
ao "crescente desprestígio das denominações filologia e fil61ogo no País" crítico literário busca a unidade interna da obra, a sua arquitetura poética,
e isso em virtude da influência avassaladora da Lingüística monocrônica construída com palavras que, além do sentido lingüístico, possuem outro
americana, de técnica descritiva e' não explicativa (p. 1). que se situa dentro do discurso, agora convertido em objeto estético. Já
No estudo intitulado Crítica Filológica e" Compreensão Poética que não é o erudito que' trabalha e sim o exegeta, que aplica aos textos os
o Departamento de Assuntos Culturais do MEC tão inspiradamente reedi- seus modelos hermenêuticos talhados na semântica dos valores criativos.
tou, o Prof. Herculano de Carvalho, Catedrático da Faculdade de Letras No decorrer de sua conscienciosa comunicação, Luciana Stegagno
da Universidade de Coimbra, fez análoga observação, ao escrever que a Picchio enfoca a tarefa do filólogo de diferentes ângulos, embora procure
Filologia "não é hoje em dia das mais bem cotadas atividades do homem sempre uma constante que lhe sirva de parâmetro, Pareceu-nos, contudo,
de letras" e atribuiu o .lamentável descaso a estarmos na era "dos jatos que, esquematicamente, a sua posição decorre de uma visão triâdica do
e (a) da extrema especialização", na qual, diz, "a paciência e a erudição trabalho filológico, que se situaria entre o momento quantitativo e o momen-
se acham tão profundamente desacreditadas" (p. 9). Igualmente o Prof. to . qualitativo (que se complementam mas não se opõem), o primeiro
Gladstone Chaves de MeIo tocou no problema: "Nada mais natural nem confiado aos computadores e o último aos críticos literários (p, 2). LSP
mais previsível do que a perda de prestígio dct Filologia, como conseqüên- desembaraça-se com aisance do primeiro momento, pois, por uma espécie
cia do culto e dos progressos materiais da Lingüística descritivista" (p. 5). de "delegação", o filólogo outorgaria aos computadores as funções de
Não se pense, porém, que o Congresso tomou o caráter de uma ordenação e classificação do material (p. 5). Mas, quanto ao momento
"defesa da "Filologia". Nem muito menos tentou absurdamente arremeter da crítica literária, a destrinça se torna bem mais difícil, atendendo-se
contra a Lingüística Moderna, {Wnto que, nem de longe, foi ferido no principalmente ao fato de que a eminente Mestra italiana jamais abdica
temário. O seu objetivo, plenamente alcançado, foi o de uma afirmação, do caráter "crítico" do mister filológico (V. p. ex., p. 2 in fine). Nesse
in actu exercito, da presença da Filologia, para a qual, contudo, se buscou caso surgirá uma "questão de fronteiras", como surgiu,· entre a missão do
uma redefinição. filólogo e a do crítico literário. E LSP não se mostra disposta a um acordo
Nesse particular, a substanciosa comunicação da Profê Luciana Picchio de limites, em que cada parte, pelo menos operativa ou funcionalmente,
é rica de sugestões e orientações. Começou por acentuar que o seu traba- demarque o seu trato de terra no solo da crítica de textos. Na p. 11,
lho visava a "propor uma reconsideração do estatuto do filólogo" e "nos P ex., reitera a sua "confiança de reconstruir a competência poético-
qualificarmos diferencialmente em relação aos lingüísticos, aos críticos lingüística do emissor e de revíver nele o seu p~ocesso criativo". Não
literários, aos históricos". esqueçamos que LSP foi colaboradora do consagrado lingüista Roman
Como se sabe, tradicionalmente tem sido reconhecido ao filólogo, Jakobson, "doublé" de crítico literário, o qual, in concreto, funde as duas
como objeto material de suas pesquisas, o tratamento do texto escrito. atitudes críticas. No entanto, para voltarmos à velha advertência, a César
O Prof. Herculano de"Catvalho fala, p. ex., no "tratamento, pela correção o que é de César,
e pela interpretação, do texto'" escrito" (p. 9). E também a eminente Conforme já assinalamos, embora a crítica fllológica e a crítica literá-
Catedrática italiana' refere-se à "técnica, capaz de dirigir novas luzes sobre ria possam ter o mesmo objeto material, digamos o texto literário, o
os textos que pretendemos restituir e interpretar". seu objeto formal difere. Para o filólogo, trata-se do texto propriamente
\ t'
•..
XVIII PREFÁCIO DA I' EDIÇAO PREFÁCIO DA I' EDIÇAO XIX

dito, nas suas implicações lingüísticas e históricas. Já o crítico o investiga Se a boa Filologia não deve ser atomística, com Q que estamos de
sub altera specie: aqui o sentido de "texto" é outro; trata-se antes. do acordo, então esperaríamos que se lbe aconselhasse seguir. o rumo estrutu-
contexto do que do texto, do texto como discurso, isto é, como forma de ral, que é o que se lhe opõe. Assim, porém, não procedeu o Prof. Ce1s
ex.pressão de um pensamento poético estruturado ao nível da paro/e. Não Cunha, talvez porque tivesse particularmente no espírito um certo tipo de
sei se me fiz bem entender; mas a d.stinção se impõe. estruturalismo, logo a seguir designado como descritivismo americano.
1:: claro que uma comunicação tão rica quanto a de LSP não se Tal suposição se robustece com a distinção, apadrinhada pelo A., que
restringe a esse aspecto do problema. Reivindica, p. ex., e a nosso modesto vem na pág. 10. Trata-se de nova dicotomia, trazida à baila pelo lingüista
ver com toda a razão, o direito que assiste ao filólogo de concentrar sobre italiano Giuseppe Francescato, entre monocronia e sincronia.
o emissor o ato de interpretação, ao contrário do que faz a teoria da Seria a primeira o corte saussuriano perpendicular ao eixo do Tempo,
informação (p. 8). Cabe também ao filólogo uma abordagem sincrônica quando dele se procura abstrair qualquer referência histórica, ainda que
do texto (p. 5, p, ex.), mas - e isso é muito importante - sem olvido bastante próxima. Trata-se de um artifício científico,. que leva a uma análi-
dos subsídios diacrônicos. Pois, como está nas conclusões: "a leitura se puramente "descritiva" (jamais explicativa) do fenômeno. 1:: o tipo do
filológica . .. dirige-se por definição a reconstruir a mensagem segundo a estruturalismo descritivista, hoje combatido nos próprios Estados Unidos,
intenção do emitente" (p. 17). E ainda: "a posição do filólogo em como simplesmente "taxionômico" ou classificatório.
relação ao seu objeto de estudo é a posição daquele que chega a uma Por outro lado, seria a sincronia uma espécie de convergência de
visão sincrônica através de um processo de aquisição de cultura diacrôni- planos monocrônicos, dentro de uma mesma faixa temporal. Haveria aqui,
ca". Ou então: "o seu interesse (do filólogo) ao estudar a poesia se . portanto, possibilidade de movimentação dos sistemas, que se ínterpene-
concentrará automaticamente sobre o texto, reconduzindo a uma explora- trariam numa unidade menos rígida e, por conseguinte, mais "real".
ção final sincrônica interesses herrnenêuticos que ele distribuiu ao longo Cumpre observar que outros lingüistas já se haviam insurgido contra
de todo o arco da indagação diacrônica" (p. 7).
o excessivo imobilismo da sincronia descritivista.
Há, porém, um outro aspecto caracterizado r do ofício do filólogo, Um dos primeiros a se manifestar (não sei se o primeiro) foi Roman
.apontado igualmente por LSP, que desejarnçs recolher, porque dele nos Jakobson. No artigo "Principes de Phonologie Historique", que vem em
iremos valer adiante: o seu "historicismo" (v. p. 4 e 12, p. ex.). apêndice' à tradução Cantineau dos Grundziige, diz-se claramente: "Ce
Voltemo-nos agora para a comunicação do Prof. Celso Cunha. serait une faute grave de considérer Ia statique et Ia synchronie comme des
Recomece o catedrático brasileiro o que poderíamos chamar "a crise synonymes" (p. 333). Para o fato já também Mattoso Câmara Jr. chamara
da Filologia". Mas não a atrib~i à natureza-dessa disciplina, que julga a atenção, em seus Princípios de Lingüística Geral (v. p. ex., a nota 2 da
intocada, e sim ao mau us<4 que dela fizeram (ou ainda fazem) certos p. 40 da 4!!- ed.). No' artigo "Remarques sur l'Evolution Phonologique du
filólogos. Daí dizer: "Com isso, não queremos negar a existência de uma Russe Comparée à celle des autres Langues Slaves"- (in Selected Writings,
filologia mesquinha: assisternática, atomística, historicista. Essa, porém, I, 19) a tônica jakobsoniana é a mesma: "Nous avons souligrré que les
foram os filólogos os pri;;;eiros a criticá-Ia" (p, 6). Seria talvez o caso changements linguistiques ne peuvent pas se comprendre détachés du
de se fazer uma distinção entre Filologia e Filolegismo (mesma página). systême, mais le systême ne peut pas lui non plus être considéré abstraction
No entanto, depois da condenação da Filologia "atornistica, histori- faite 'des changements".
cista", continua o .Prof. Celso Cunha na página seguinte: Cabe aqui relembrar a posição do lingüista russo S. K.' Saumjan em
seus Principies of Structural Linguistics (tradução' inglesa da Mouton,
o admitirmos sem rodeiçs a limitação teórica de certos filólogos, 1971). Saurnjan vê precisamente dois aspectos na sincronia: um estático
o despreparo lin'güístico da maioria dos editores de textos suposta- e outro dinâmico. Ao estudo do primeiro chama lingüística taxionômica e
mente críticosâ . nada disso impede que nos insurjamos contra a ao do segundo, lingüística estrutural (p. 17). Na página anterior havia feito
crítica à atividade filold'gica em geral, feita por lingüistas que inge- as seguintes observações:
nuamente acreditaram que com 'os métodos estruturalistas, principal-
.mente--~s descr1tivistas ámericanos, poderiam abarcar a totalidade dos Até agora os estudos sincrônicos têm sido identificados como
fatos de uma língua, • " . estáticos' e os diacrônicos como dinâmicos na linguagem. Mas o
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xx PREFÁCIO DA I' EDiÇÃO PREFÁCIO DA l' EDiÇÃO 'XXI

próprio estudo sincrônico deve incluir tanto o aspecto estático como .A linguagem pode ser estudada de uma destas duas maneiras:
o dinâmico. A estática e a dinâmica sincrônicas formam, por assim como um sistema de sinais adaptado às regras que 'constituem .a sua.
dizer, dois níveis na linguagem: o estático inclui a rede de relações gramática, ou como um conjunto de padrões de. comportamento
taxionôrnicas da linguagem (por "taxionôrnico" eu entendo as rela- próprios de um grupo de indivíduos, culturalmente transmítídos,
ções entre os elementos da língua que podem ser investigados por (Essays in Ltngulsttcs, 1957, p. 1)
métodos taxionôrnicos, isto é, classificatórios); e o dinâmico a rede
de relações internas da linguagem conectadas com as leis que geram A língua como sistema, a língua acrônica encarada como um objeto
as unidades lingüísticas de todas as ordens, desde o mais simples formal em sentido matemático, é o alvo da Lingüística Estrutural (mesmo
elemento primitivo da linguagem. na sua fase mais sofisticada, dita gramática gerativo-transformacional),
aqui a já mais de uma vez referida Lingüística Moderna. A Lingüística
Observa ainda o Prof. Celso Cunha que "para Francescato, diacrônico Tradicional (passe a expressão) vê nas línguas objetos culturais, inseridos
e histórico não são adjetivos sinônimos, quando aplicados à lingüística" num contexto histórico, que lhe dá contornos e substância. Creio que a
(p. 10). Diria que não só para Franscescato. No livro Sincronia, Diacro- esse segundo tipo de abordagem se pode atribuir o nome de Filologia.
nia e Historia, reeditado em 1973, pela Gredos, o Prof. Eugenio Coseriu Alargar-se-á assim o conceito de Filologia, mas isso é conseqüência natural
defende precisamente essa tese. do progresso das técnicas de pesquisa. Não se prende a Filologia ao
texto escrito; o texto pode ser também oral. Destarte os estudos da língua
Em relação mais restrita ao tema que vimos desenvolvendo,. assim
oral, como os de cunho dialectológico, quando submetidos a um enfoque
opina o Prof. Celso Cunha: "As principais tarefas de Filologia se identi-
culturalista, pertencem também ao âmbito da Filologia. Entender-se-á, pois,
ficariam assim às da Lingüística Histórica." Afirmação que vamos reter.'
a Fílologia como o estudo dos fatos lingüísticos constituídos em textos
Nas suas considerações, como as chamou, o Prof. Gladstone Chaves
escritos ou orais que visa a explicá-los do ponto de vista de sua estrutura-
de MeIo vê na perda do prestígio da Filologia conseqüência do "culto
ção histórica e cultural.
e dos progressos materiais da Lingüística descrjtivista" (p. 5). E alinha
Reencontramos assim uma posição que já, de certo modo, assumíra-
as suas razões: "O atual predomina sobre o passado, o itinerante sobre
mos em livro de 1955 (Orientações da Lingüística Moderna). V., p. ex.,
o assentado, o revolto sobre o tranqüilo, o coloquial sobre o escrito, a
p. 3l.
fala ocasional sobre a, habitual". Çomo resultado dessa atitude, o Prof.
G. C. de MeIo aponta o seguinte: "a gente nova, inclusive a universitária Portanto, pertencem à Filologia a crítica textual, a Dialectologia, a
•••
e a voltada para as letras, ficou reduzida a uma espécie de basic portu- Lingüística Histórico-Comparativa. Note-se, porém, que a Filologia tem ..
•• um sentido pragmático, pois, se recorre a vários campos de estudo, fá-lo
guese, basic [rench, fortemente pigmentado com a chamada gíria dos teen
agers' (p. 6). com objetivo de aclarar o entendimento dos textos, quer do ponto de vista
lexicológico ou gramatical, quer do ângulo de suas implicações culturais.
Nessas quatro posições, parece-me, encontra-se um denominador
Este livro poderia, por conseguinte, manter no título a expressão
comum: a Filologia não se exaure na atualidade efêrnera dos coloquialis-
"FiloIogia Românica". No entanto, não apenas para acompanhar a voga
mos. Ela é presente, sem dúvida, mas presente vinculado ao passado,
(ou a vaga ... ), mas por motívos outros, resolvemos denorninâ-lo Prepa-
presente que aflora como ponta de lança do passado a varar um futuro
ração à Lingüística Românica. É que, como se sabe, os métodos estrutura-
que já bosqueja. Como ~iz Gladstone Chaves de MeIo, é preciso "reatar
listas (e, por conseguinte, estritamente lingüístícos) vêm sendo aplicados
o fio partido da tradiçãç, no seu sentido próprio e etimológico" (p. 7).
igualmente ao domínio diacrônico. E a diacronia (aspecto "interno" e
A Filologia não '(remete, pois, contra a Lingüística Moderna; que não "externo" do processo lingüística) pertence à Lingüística. Embora
fi •
não tem como adversária e sim ,orno colaboradora. Nem haveria o menor diacronia e História não se confundam (a primeira pertence à Lingüística,
sentido em fazê-lo . .Apenas cada lima ara o seu terreno, que, mesmo a segunda à FiloIogia), muitas vezes se interpenetram. Numa perspectiva
quando comum, é passível de tratamentos diferentes. Já Greenberg havia histórica, ou antes, evolutiva, a Lingüística tem também o que dizer (penso
advertido: nas causas estruturais 'que condicionam o sentido das evoluções lingüísti-
i. f
•..
XXII PREFÁCIO DA 1" EDiÇÃO

cas). Como é neste rumo que caminham os estudos diacrônicos, optamos


pela designação de Lingüística.
Uma observação final. Era nosso intento dotar o presente volume de
um índice remissivo e outro onomástico. A carência de tempo (não
convém dilatar mais a publicação do volume) obrigou-nos a limitar-nos
ao "índice geral". Os 011tr0S dois ficarão P~!E! a próxima edição, se houver.
Capíiulo 1

Rio, 7 de maio de 1974

S.E. Fi/o/agia, Fi/alagia e Lingüística,


Filologia Românica

1.1 - Filologia

Do grego r,oL),ÓÀOyos, através do latim philologus, isto é, "amigo das


letras", das obras literárias, da linguagem.
D. Carolina Michaêlis de Vasconcelos (Lições de Filologia Portugue-
sa) estudou detidamente a palavra. Depois de tratar dos radicais gregos
que a compõem, acrescenta: "Filologia é, portanto, etimologicamente:
amor da ciência; o culto da erudição ou da sabedoria em geral: e em
especial, o amor e culto das ciências do espírito (Geisteswissenschaften),
sobretudo da ciência da linguagem, do verbo ou do logos que é distintivo
10.. do homem - expressão do pensamento, manifestação da alma nacional,
órgão de literatura e instrumento de nós todos, mas principalmente e su-
blimadamente dos letrados que; apesar de tudo quanto contra eles se te-
nha dito e se possa dizer, são poderosos obreiros de Deus."
Pouco adiante ensina: "E, com efeito, os dois maiores pensadores da
Antiguidade, Platão e. Aristóteles , .. são os que nos ministraram os passos
mais antigos relativos à Filologia, são os primeiros. que documentam a
palavra." Quanto a quem teria cunhado o termo, diz: "Ignoro se Platão,
o mais velho dos dois, discípulo genial de Sócrates, o criou, ou se já lhe
fora transmitida pelo mestre, cuja doutrina e cujos processos ele expõe ... "
No séc. II a. C. houve um grego erudito que aplicou a si próprio,
com orgulho, o epíteto "filólogo": foi Eratóstenes, famoso também por-
que inventou o conhecido crivo. para a identificação dos números primos.
Em Roma, o primeir.o escritor que recebeu o nome de philologus foi um
certo Ateius Praetextatus (séc. I a.C.).
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2 PREPARAÇAO À LlNGÜrSTlCA ROMÃNICA CAPo 1 - FILOLOGIA, FILOLOGIA E LINGüíSTICA, F1LOLOGIA ROMÂNICA 3

A introdução da Filologia em Roma tem uma origem 'anedótíca. particularizações da ciência da linguagem: a Filologia Românica, por ex.
Segundo Suetônio, quando, em 172 a.c., o rei de Pérgamo, Átalo II, O propósito de formular também, dentro de cada um desses domínios,
designou embaixador junto ao Senado Romano a Crates de Maios, este, princípios gerais de explicação trouxe maior aproximação entre a Filologia
já no fim de sua missão, ao passar junto ao Palatino, tropeçou e caiu e a Lingüística, e .alguns julgaram até que poderiam trocar, sem alteração
num fosso aberto da cloaca máxima, quebrando uma perna. Teve assim de sentido, as denominações. Bourciez, por exemplo, intitulou o seu notá-
de permanecer mais algum tempo. em Roma e aproveitou os dias para vel manual de estudos românicos Eléments de Linguistique Romane.
dissertar sobre questões de linguagem, atraindo a atenção de muitos roma-
Todavia, a antiga denominação de Filologia se tem mantido pelos
nos ilustres.' Ao partir, deixou na velha capital itálica vários discípulos
seguintes motivos: a) no domínio românico há grande quantidade de
de boa vontade, que se propuseram a aplicar aos grandes nomes das letras
textos, que não podem ser transcurados; b) a comparação parte dos textos
latinas o método de pesquisas e explicação que Crates lhes ensinara. Desde
e volta a eles finalmente, como é próprio dos estudos filo lógicos, conforme
então até hoje, a Filologia não deixou de ter adeptos, cada vez mais
ficou dito. No âmbito do indo-europeu, onde não existem textos, já não
ardorosos.
cabe a designação Filologia. De resto sempre se disse Lingüística Indo-
Européia. Em resumo: A Lingüística é a ciência dos fatos da linguagem,
estudados em todos os seus aspectos. Logo, todo filólogo é ipso facto
1.2 - Relação entre a Filologia e a Lingüística
lingüista, em sentido lato. Mas há outros domínios da ciência da lingua-
gem que escapam ao ofício do filólogo. Aqueles, por exemplo, em que se
A relação entre a Filologia e a Lingüística é a da parte para o todo.
traçam as causas gerais dos fenômenos lingüísticos, abstraídas as determi-
- A Lingüística - Sprachwissenchait dos alemães - é o estudo das
nações específicas de tempo e lugar. :E. a chamada Lingüística Geral. Terre-
línguas em todos os seus aspectos, inclusive o filológico. Historicamente,
no comum é o constituído pela Filologia Comparada: pelo seu desiderato
a Filologia precedeu a Lingüística, mas hoje deve situar-se modestamente
de elevar-se a princípios gerais de explicação, aproxima-se esta da Lingüís-
no quadro geral dos estudos lingüísticos. Os estudos filológicos têm caráter
tica; mas a existência de textos em que se fundamentam essas explicações
"histórico". Partem de línguas determinadas, documentadas. através de
traz-lhe parentesco com a F;\lologia. Quando o comparatismo não pode
textos e, depois de percorrerem um itinerário cultural, onde entram a
apoiar-se em textos, não cabe falar em Filologia. Daí, como já se disse,
História, a Epigrafia, a Literatura, voltam para o"- texto de onde saíram.
o ramo de estudos chamado "Lingüística Indo-Européia".
Os estudos lingüísticos também se alçam de fatos rigorosamente
coligidos e determinados. Mas a lin~ da pesquisa "lingüística" stricto sensu
não descreve " aquele movimento circular a que nos acabamos de referir 1.3 - Filologia Românico
aludindo à Filologia. Partindo dos "'fatos, não volta a eles; seu intento é
procurar "princípios gerais de ;Xplicação" que possam dar conta da com- A Filologia Românica é, como acabamos de ver, um dos setores da
plexidade dos fenômenos lingüísticos. Estabelecer as causas psicológicas, Filologia Comparada. O seu objetivo é o estudo comparado das línguas
sociológicas ou estruturais dôs fenômenos lingüísticos é fazer Lingüística; românicas. Chamam-se línguas românicas aquelas que são diferenciações
iluminar um texto por meio de comentários da- mais variada natureza no tempo e no espaço de uma língua comum primitiva, o latim vulgar.
é tarefa da Filologia. A distinção entre os dois campos se obscureceu, Costuma-se dizer que a Filologia Românica é a menina dos olhos da
porém, com o advento da chamada Filologia Comparada (Comparative Filologia Comparada, porque não só as línguas neolatinas são bem conhe-
Philology). A comparação de línguas, que sempre se fizera esporadica- cidas, mas também o é o ponto de origem de que todas provêm, ou seja,
mente e um tanto ao acaso, encontrou no método histórico-comparativo o latim.
(princípios do séc.· XIX) uma base' racional de pesquisas. A Filologia As coisas não são bem essas, entretanto. :E. que as línguas neolatinas
enveredou com entusia~o por esses novos domínios e empreendeu igual-
mente a busca de princíp!os ~rais de explicação (leis fonéticas). As
explicações filológicas deixaram assim de se restringir a uma língua determi-
não continuam o latim que se ensina nas escolas, o chamado Latim Clássi-
co, de natureza literária, e sim uma variante desse latim, falado e não
escrito, que se costuma dénominar Latim Vulgar. Ora, o latim vulgar,
j
nada (grego, latim, ·p'artuguês),. para abranger um campo largo de investi-
gações (línguas neolatinas, fetm~nicas, eslavas etc.). Daí surgirem novas
exatamente por ser falado, somente pode ser conhecido indiretamente e é
na verdade um produto: do método histórico-comparativo, da mesma forma
1
•..

J~
4 PREPARAÇAO À LINGUCSTICA ROMÂNICA

que O eslavo comum ou o gerrnânico comum. O método histórico-compara-


tivo é um só, quer no domínio indo-europeu, onde surgiu, quer no domínio
românico. Por isso os romanistas começaram por imitar os indo-europeís-
tas. Atualmente se faz uma revisão no conceito de latim vulgar, que se
vai libertando parcialmente do método histórico-comparativo.
Recenseando (B.S.L., XXI) a Fonologia Romanza de Guarnerio, A.
Capítulo 2
Meillet queixava-se: "Les romanistes imitent trop souvent Ia grammaire
comparée des langues indo-européennes par ses mauvais côtés ", Referia-
se ao uso exclusivo ou predominante do comparativismo para a restituição
da língua-mãe num domínio como o românico, onde abundam outras fontes
de informação. E urna distorção metodológica que hoje vai sendo corrigida. A Constituição da Filologia
Românica

2.1 - Como já ficou dito, foi a Filologia Românica uma conseqüência


do advento do método histórico-comparativo. Em 1816, o lingüista alemão
Franz Bopp publicava o seu famoso livro Sobre o Sistema de Conjugação
do Sânscrito em comparação com o do Grego, Latim, Persa e Germânico,
com o qual foi realmente inaugurado o método histórico-comparativo no
meio científico europeu. Fazendo incidir a comparação lingüística não
sobre palavras, como até então esporadicamente ocorrera, mas sobre fatos
da estrutura gramatical (no caso, a conjugação), Bopp lograra lançar as
bases para uma identificação do "parentesco das línguas". Um dos mais
importantes resultados do método foi a classificação genealógica das línguas,
segundo a qual um grupo de línguas é reconduzido ao antepassado comum
"'. (eslavo comum, germânico comum, latim comum ... ) do qual aquelas são
fases ou diferenciações no tempo.
A aplicação do método ao domínio neolatino foi levada a efeito, de
maneira magistral, por Frederico Diez, também nascido na Alemanha.
De 1836 a 1843 publica Diez os três volumes da sua Gramática das
Línguas Românicas, e em 1854 sai do prelo o Dicionário Etimolágico das
Línguas Românicas. São duas obras capitais na história da Filologia, que
marcam o início de uma nova era de estudos e pesquisas.
Como precursor de Diez é costume citar o francês François Ray-
nouard. Grande conhecedor do antigo provençal - do qual publicou um
léxico em seis volumes, trabalho ainda hoje indispensável ao lingüista -
defendeu uma teoria que nãose pôde sustentar, pela qual as línguas neola-
tinas se explicariam corno derivações não diretas do latim e sim de uma
,. ~ "língua romana", que, no seu entender, era o provençal falado do séc. VII
•..

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lI IIIIIIIIIIIIIJ 111111111111111 11 I I I I " I " I I """ ,.,. " I
6 PREPARAÇAO À LINGUISTICA ROMÂNICA CAPo 2 _ A CONSTITUiÇÃO DA FILOLOGIA ROMÂNICA 7

ao IX. Embora tivesse algumas intuições justas, como a do parentesco de Verdadeira enciclopédia dos estudos românicos é o famoso Grundriss
línguas, não conseguiu sistematizar num corpo de doutrina homogêneo e der Romanischen Philologie (Conspecto da Filologia Românica) de Grõber,
sólido as suas investigações, o que foi a glória de Diez. Estrasburgo, 1888, em duas partes: a primeira dedicada às línguas români-
cas e a segunda, à sua literatura. Da 1a parte saiu 2~ edição.
A Filologia Românica, hoje ensinada em várias faculdades do mundo,
Desenvolvimento dos estudos românicos
tornou-se disciplina universitária, para a qual se fizeram manuais. Data
de 1910 a 1~ edição do conhecido livro de Eduardo Bourciez, Eléments de
2.2 - A Lingüística Histórica encontrou os seus mais bem travados linea-
Linguistique Romane (5~ ed. Paris, 1956), trabalho bem ordenado, que
mentos teóricos com a "escola dos neogramáticos", lançada por Karl Brug- compendiou, de maneira feliz, os resultados dos estudos românicos até a
mann e Hermann Osthoff em 1878, graças à publicação da primeira parte data da publicação. Com o mesmo caráter saiu em dois pequenos volumes
da obra Morphologische Untersuchungen (Investigações Morfológicas). da Coleção Gõschen uma iniciação românica de Adolfu Zauner intitulada
No prefácio, verdadeiro manifesto da escola, prega-se o princípio de Romanische Sprachwissenschaft, de grande utilidade para os estudantes.
que as leis fonéticas não sofrem exceção e sim "desvios" devidos à Com o mesmo título nessa coleção, Henrique Lausberg começou a publicar
interferência de outros fatores "naturais". Esses fatores, de ordem psicoló- (1956) novo manual, que sucedeu ao veterano livrinho de Zauner. Já
gica, são denominados genericamente "analogia". A crença no caráter saíram, em alemão, quatro pequenos volumes: o 19 (1956) Introdução e
"naturalista" da lingüística levara um dos seguidores do biologismo, Vocalismo; o 29 (1956) Consonantismo; o 39 (1962) Morfologia (1~
Augusto Schleicher, autor também de um trabalho sobre a teoria de parte) e o 49 (1962) Moriologia (2~ parte).
Darwin, a compor em indo-europeu toda uma fábula: Avis Akavasaska A Editorial Gredos (Madrid ) traduziu essa obra para o espanhol,
(a ovelha e os cavalos). com o título de Lingüística Románica, 19 volume Fonética (1965), 29
Dentro do espírito neogramático fora escrito a Etude sur le rôle de volume Morfología (1966) . A tradução é de J. Pérez Riesco e E. Pascual
l'accent latin dans ia langue française, Paris, 1862, por Gastão Paris, o Rodríguez.
mais distinto discípulo de Diez, de origem francesa. Com Paul Meyer funda De grande importância, principalmente pelas conclusões de ordem
em 1872' um periódico de estudos românicos: ainda hoje em curso de geral e pelo aspecto crítico da exposição dos métodos, é o trabalho de
publicação, denominado Romania, Iorgu Iordan, primitivamente publicado em romeno, mas depois mais
Coube ao suíço alemão W. Meyer-Lübke ser o continuador da obra divulgado na tradução inglesa de John Orr (Londres, 1937) AI! Introdu c-
de Diez, ao ~esmo tempo em qu~ se convertia no mais ortodoxo dos tion to Romance Linguistics (de que há hoje versão alemã, sob o título
romanistas neogramáticos. A sua "~onumental "Gramática das Línguas Einiúhrung in die Geschichte und Methoden der Romanischen Sprach-
Românicas, em quatro volumes= começou a ser publicada em 1890 e só wissenschait, Berlim, 1962).
chegou ao término em 1902. Outro trabalho seu de caráter geral é o Recentemente (1967), as Ediciones Alcalá, de Madrid, publicaram sob
"Dicionário Etimológico das -Línguas Românicas" (Rornanisches Etyniolo- o título de Lingiilstica Românica, uma reelaboração parcial da obra de
gisches W orterbuch, REW); F ed. 1911-1920; 2~ $!d. estereotipada (ou Iorgu Iordan, com notas de Manuel Alvar.
antes, reimpressão) 1924; 3a ed. revista - .1935. Do rornanista B. E. Vidos, saiu em 1956, em holandês, um Manual
Meyer-Lübke trabalhou com intransigente rigor de método. coligiu de Lingiiís..-ica Românica, que Tagliavini denominou "poderoso volume".
material muito mais farto do que Diez, utilizou-se também dos fatos diale- Fez-se a seguir edição italiana (Florença, 1959) e depois edição espanho-
tais, o que Diez não fizera, conseguindo assim superar a obra do seu la, esta vertida do texto italiano por Fr. de B. Moll (Madrid, 1963). Há
antecessor. Publicou ainda muitos outros livros e artigos, dentre os quais também tradução alemã (1968).
podemos salientar uma~Gramática da Língua Francesa, outra da Língua Outras obras de subido valor são Die Ausgliederung der Romanisclicn
. Italiana e uma Introdução a~ Est~do da Lingüística Românica, Heidelberg, Spracliritutne, artigo originariamente publicado na Zeitschlrit [iir Roma-
1901. da qual há boa tradução espanhola de Arnérico Castro, Madrid, nisclie Philologie, hoje ampliado em livro, de que há tradução espanhola
1914. Apesar do título, este último trabalho não é de fácil leitura para sob o título La Fragmentacián. Lingiiística de la Roniania (Madrid, Gre-
iniciantes. dos, 1952); e Die Enlstchung der Romanischen Võtker (Halle. 1939),
.. ~ •...
8 PREPARAÇAO À lINGUfSTICA ROMÂNICA CAPo 2 - A CONSTITUIÇAO DA FILOLOGIA ROMÂNICA 9

ambos de Walther von Wartburg, de que há tradução francesa: Les Origines 3 - Revue de Linguisiique Romane, Paris-Lyon (desde 1925) .
des Peuples Romans, Paris, 1941. Dedica-se, principalmente, à Geografia Lingüística. Publicada pela "Socié-
Em oposição a certas teses de Wartburg, principalmente no que diz tê de Linguistique Romane". Essa revista é, de certo modo, continuação
respeito à questão dos substratos, escreveu Harri Meier Die Entstehung da antiga Revue de Dialectologie Romane, editada em Bruxelas pela
der Romanischen Sprachen und Nationen, Frankfurt a. M., 1941. "Société de Dialectolog.e Romane", de 1909 a 1914, quando teve interrom-
Trabalho apreciável, sobretudo no que diz respeito à parte histórico- pida a sua publicação, em virtude da Primeira Grande Guerra.
literária, é o livro de, Erich Auerbach Imroduction aux Etudes de Philolo- 4 - Archivum Romanicum, Genebra, depois Florença (de 1917 a
gie Romane, Frankfurt a. M., 1949. De caráter didático, claro e moderno 1942). Compreende estudos de literatura românica, particularmente medie-
é o Manuale di A vviamento agli Studi Romanzi de Angelo Monteverdi, val, e de hist6ria da língua.
Milão, 1952. Obra particularmente importante pela erudição, apresentação 5 - Cultura Neolaiina, publicação do Instituto de Filologia Români-
da matéria e rigor científico é o volume de Carlo Tagliavini, Le Origini ca da Universidade de Roma, M6dena (desde 1940). Dirigiu-a primeiro
delle Lirtgue Neolatine, curso introdutivo de Filologia Românica, Bolonha,
Bertoni e depois Monteverdi.
Ia ed. s/d, mas posterior a 1950 (do qual já existe 6~ ed, 1971). Ótimo
6 - Archivio Glottologico Italiano, fundada por Ascoli, Turim (des-
manual" de que já temos três volumes (o primeiro sobre a Romanística
de 1873). Dedica-se, atualmente, não só a questões de lingüística români-
em geral e a Filologia Francesa, o segundo sobre a Filologia Italiana e o
39 sobre a Filologia Hispânica, Bogotá, 1957) a Romanische Philologie
é
ca, mas também a problemas de lingüística geral e indo-européia.
de Gerhard Rohlfs, 19 vol, Heidelberg, 1950, 29, 1952. Já há 2~ ed. do Na Itália também se editam: Fllolagia Romanza, Turim, desde 1954
19 volume, Heidelberg, 1966. Suprimiu-se a parte referente à Literatura e Studi Romanzi, desde 1903.
francesa e, em parte, à provençal, mas foi acrescentado um Suplemento 7 - Vox Romonica, Zurique (desde 1936). Publicação cardeal da
(1950-5) sobre Romanística em geral, Filologia Francesa e Provençal. Romanística suíça.
O volume de Alwin Kuhn, que Tagliavini chama "poderoso", Die 8 - Revista de Filologia Espaiiola, Madrid (desde 1914). Fundada
Romanischen. Sprachen, primeiro de uma s;rie de dois (o segundo se por Menéndez Pidal. Publica anualmente uma completa bibliografia dos
ocupará com a literatura das línguas românicas), dá segura e abundante trabalhos de Filologia Espanhola.
informação crítico-bibliogrãfica a respeito de todas as línguas rornân.cas
Na Argentina, Amado Alonso dirigiu de 1939 a 1946 a Revista de
(abrange os anos de 1939 a 4?).
Fiioiogia Hispânica. Tendo-se depois passado ao México, lá continuou
Para a Península Ibérica, começou em 196.0 a ser publicada em vários com o peri6dico sob o nome de Nueva Revista de Filología Hispânica
-.
volumes uma Enciclopedia Lingü'l'stica Hispânica, de que já temos o tomo I
e respectivo Suplemento (este a cargo de Dámaso Alonso). O tomo II _
desde 1947, até que veio a falecer (1952).
9 ~ Revista Portuguesa de Filologia, Coimbra (desde 1947). Tem
-
Elementos Constitutivos e Fontes - é de 1967.
Mais outras obras caberia ainda mencionar aqui. Limitamo-nos, neste
acentuado interesse por estudos dialectológicos e apresenta também grande
número de recensões. Dirige-a o Prof. Manuel de Paiva Boléo.
parágrafo, às mais importantes que tratam, de forma geral; dos estudos
românicos. Teremos oportunidade, no decorrer destas lições, de nos re- 10 - Revista Brasileira de Filologia, fundada e dirigida por Seraíirn
ferirmos a trabalhos mais especializados. da Silva Neto até o ano de sua morte (1960). Publicaram-se 6 volumes
num total de 11 tomos; não saiu o 29 tomo referente a 1960.'
2.3 - As principais ,tevistas da ~specialidade são as seguintes: 11 - Literaturblatt für germanische ' und romanische Philologie (de
1880 a 1944). Consta apenas de recensões, resenhas de publicações Iiloló-
1 - Revue de.1f:LarvJues Romanes, Montpellier (desde 1870). Ocupa- gicas e informações sobre o movimenta editorial.
se em grande parte com es~dos dos dialetos galo-românicos, especial- 12 - Zeitschriit fürJomanische Phüologle (desde 1877). Um dos
mente provençais. - Publicada pela "Société des Langues Romanes". mais importantes órgãos da Filologia Românica. Dedica-se às línguas c
2 - Romania, Paris ,'(de~de 1872). Fundada por Gastão Paris e literaturas medievais e traz numerosas e amplas recensões críticas. Publica
Paulo Meyer. Ocupa-se, çrefeJrentementt:, com o francês antigo. periodicamente copiosos suplementos bibliográficos.
~

...•.
10 PREPARAÇÃO À LINGüíSTICA ROMÂNICA

13 - Romanische Forschungen, Erlangen (desde 1882). Ocupa-se


com questões de lingüística românica e história da língua, em especial no
que diz respeito à cultura popular. O Seminário de Hamburgo iniciou em
1947 uma nova publicação periódica com o título Romanistisches Iahrbuch,
14 - The Modern Language Review, publicada na Inglaterra, Cam-
bridge (desde 1906). Dedica uma parte à Filologia Românica.
Capítulo :3
Da Norte América são dignas de menção as seguintes publicações:
Modern Philology , Chicago (desde 1903); The Romanic Review, Nova
lorque (desde 1910), órgão central da Romanística estadunidense; outra
revista norte-americana é a Romance Philology; que se publica a expensas
da Universidade da Califórnia desde 1948. Language (desde 1925) e A Evolução dos Estudos
Word (desde 1945), embora mais dedicadas a problemas de ordem lingiiís-
ta de maneira geral, também têm publicado valiosas colaborações respei- Românicos
tantes à Filologia Românica. Todavia, Word' ultimamente deixou de
aparecer.
15 - Recentemente (a partir de 1969) está a ser publicada em
Munique uma revista dedicada especialmente a estudos de filologia hispâni- A direção dialectológica
ca. Intitula-se Ibero-Romania e os seus editores responsáveis são os Profs.
Hans Rheinfelder, Dietrich Briesemeister e Klaus Põrtl. Relativamente à 3.1 - Segundo Tagliavini, "uma nova era se abre para a Lingüística Ro-
língua portuguesa, o único nome que aparece na capa é o do Dr. Manuel mânica com a contribuição trazida pela Dialectologia; e esta contribuição
de Paiva Boléo, de Coimbra. Até junho de 70 tinham sido publicados
vem principalmente da Itália e já não da Alemanha ou da França" (Le Ori-
quatro fascículos.
16 -
.
Finalmente acrescente-se que, no Brasil, sob a direção do
gini, p. 11). O grande. mestre desses estudos é Graziadio Isaia Ascoli
( 1829-1907) com seus excelentes Saggi Ladini (1873).
Prof'. Celso Ferreira da Cunha, foram publicados seis números da revista
A Filologia Românica, como vimos, se afirmou ao bafejo das doutri-
I bérida (de 1259 a 1961), de finalidade similar à anterior em que colabo-
raram filólogos brasileiros e estrangeiros (o n<? 1 teve a direção de Celso . nas neogramáticas, e encontrou em W. Meyer-Liibke o seu "scholar"
Cunha e Antônio Houaiss). ". ' típico. Dominavam idéias como a de que as línguas são organismos que
"" nascem, crescem e morrem, ou a de que as leis fonéticas não têm exceção,
ou ainda a de que os fatos lingüísticos se devem explicar por leis pura-
mente naturais. Os próprios neogramáticos, que admitiram a intervenção
de fator psíquico (analogia), pareciam desconhecê-Io na prática. A obser-
vação ainda é de Tagliavini: "Na prática, porém, enquanto no programa
da escola, traçado por Karl Brugmann (1849-1919), por Hermann Ostoff
( 1847-1909) em 1878, se insiste DO fator psicológico, "Os neogramáticos
agem na esteira de Schleicher e a analogia é o último refúgio" (op. cito
p. 15).'

~ ,.
1 Igualmente em Iorgu Ib"rdan (I9J7): "Para eles. também, a regra, ou seja,
o elemento que predomina. na vida da linguagem, é o mecânico, a lei [onética, ao
passo que o psíquico, para eles' trila/agia, é excepcional. A função da última é .I
f' apenas explicar as migalhas que caem da mesa das leis fonéticas" (p. 17).
" •... i
I:

~
12 PREPARAÇAO À LlNGUrSTlCA ROMÂNICA
CAP. 3 - A EVOLUÇAO OOS ESTUDOS ROMÂNICOS 13

o primeiros protestos contra o evidente exagero de tal posção parti- O trabalho iria trazer salutar renovação nos métodos de pesquisas
ram precisamente de Ascoli e de Hugo Schuchardt, este professor em dos falares românicos, e, em conseqüência, provocar algumas revisões em
Graz, na Áus-tria, igualmente perito na Lingüística Geral e na Histórica. teses dominantes na Lingüística Geral.
Ascoli, em duas "cartas glotológicas", se opõe a algumas das teses dos O Atlas de Gilliéron não fora o primeiro. Em 1881, o lingüista alemão
neogramáticos, como a do puro esquema tis mo das chamadas "leis fonéti- Georg Wenker editara em fascículo seis cartas, com o objetivo de fixar
cas", e reivindica uma posição de honra para os estudos dialectológicos, foneticamente os limites dos falares alemães. A sua intenção era alargar o
uma vez que, conforme salientou, do estudo das línguas vivas se podem âmbito dos princípios da escola neogramática, a que pertencia. Organizou
colher melhores ensinamentos sobre as línguas do passado, enquanto os um inquérito por correspondência, mas não obteve os resultados esperados.
partidários do método histórico-comparativo pensavam o contrário. Não tendo podido prosseguir no trabalho, o seu Atlas ficou interrompido.
Schuchardt, em célebre opúsculo Uber die Lautgesetze (sobre as leis. Todavia em 1926 foi iniciada a publicação do Atlas de Wenker por F.
fonéticas), a que apôs o subtítulo Gegen die Junggrammatiker (contra os Wrede e hoje continua sob a direção de W. Mitzka e B. Martin. O próprio
neogramáticos), combate a equiparação das leis fonéticas às leis naturais, Gillléron publicara, antes do atlas francês, uma pesquisa de caráter geográ-
valendo-se preferentemente de exemplos tirados ao domínio românico. fico-lingüístico, o Petit atlas phonétique du Valais roman (sud du Rhône) ,
Outro ponto em que desenvolveu idéias pessoais, hoje vitoriosas, foi o Paris, Champion, 1880. Nenhum desses trabalhos, porém, teve o caráter
relativo ao conceito de "dialeto". Schuchardt atribuía grande importância desbravador de novos rumos que iria assumir o Atlas Lingidstico da França.
ao contato de língua e não reconhecia limites dialetais definidos. Em O ALF foi inovador no método que presidiu à sua organização e na
1870, numa lição memorável Uber die Klassiiikation der Romanischen interpretação dos resultados obt.dos, graças ao poder criador da mente
Mundarten (Sobre a classificação dos d.aletos românicos), defende a tese de Gilliéron. Em vez do inquérito por correspondência, à maneira de
da propagação dos fenômenos lingüísticos à maneira de ondas que se Wenker, Gilliéron preferiu o sistema de perguntas feitas in loco por um
expandem e se entrecruzam. Nessa liÇ30 se encontrava o germe do que inquiridcr. Escolheu para esse mister a Edmond Edmont, comerciante de
.viria a ser a teoria das ondas (Wellentheorie) exposta por J ohannes Sch- S.iint-Pol, na Picardia, mas interessado em estudos dialetais, pois escrevera
midt em 1872 no livro Die Verwandtshajtsverhãltnisse der Indogermanis- um léxico do falar de seu torrão natal. Dotado de excelente ouvido, foi
chen Sprachen (As relações de parentesco das línguas indo-européias), em uin inquiridor fiel, que muito contribuiu para o êxito do empreendimento.
contraposição à doutrina, até então dominante, da árvore genealógica Gilliéron organizou um questionário de cerca de 1.900 perguntas (que
(Stammbaumtheorie) de A. Schleicher. não publicou) e distribuiu o trabalho de inquirição por 639 pontos do
Infelizmente a lição de ~<t,uchardt só foi publicada por volta de mapa francês. Excluiu os falares bretões, a zona flamenga do noroeste da
1900; no entanto, no terceir,p volume de seu Voka'ismus (1866-68), já França e a área basca do sudoeste, pois o seu objetivo eram os dialetos
manifestara idéia semelhante. galo-românicos. Em compensação incluiu localidades de fala francesa da
Os estudos dialectoló.gicos, a determinação do cruzamento e entre- Bélgica, da Suíça e da Itália.
cruzamento de falares, as "descobertas" das viagens de palavras encontra- Quatro anos e meio gastou Edmond para levar a cabo a sua taref
ram o método ideal de pesquisa na organizaçãô das cartas geográficas. (1897 a 1901); à proporção que ia concluindo o inquérito, remetia os
que permitiram a localização rigorosa dos fenômenos lingüísticas, a delimi- resultados a Gilliéron em Paris. De posse da respostas, Gilliéron ia distri-
tação dos focos de irradiação, a hierarquização cronológica das áreas. Em buindo-as em cartas geográficas, onde estavam assinalados os vários pontos
suma, o advento da Geografia Lingüística abriu novo e
fecundo capítulo do inquérito. A carta consigna, por exemplo, as diferentes designações
DOS estudos de Filologla. Românica.
para a mesma coisa nos diferentes pontos do mapa. Assim, na carta
"abeille" 1 do ALF ocorrem as seguintes denominações para abelha:
A Geografia Ling&ísti(a abeille, ao Sul; mouche à miei ao Norte; aveille e mouchette a Leste. As
linhas verticais indicam formas conservadas do lat. apis: aps, é, a ...
3.2 - De 1902 a 1912 foram publicados, em ordem alfabética, os
Qualquer região pela .qual se estenda um fenômeno lingüístico chama-
fascículos do Atlas Linguistique de Ia. France. Era seu autor o suíço Júlio
se área. As linhas' que traçam os limites dos fenômenos são as isoglossas.
Gilliéron, professor na Bcole Pratique des Hautes-Etudes,
...
de Paris.
Se o fenômeno é fonético, chamam-se isôionas .
14 PREPARAÇÃO À LINGOISTICA ROMÃNIC~ CAP. 3 • A EVOLUÇÃO DOS ESTUDOS ROMÃNICOS 15

A sociologia da linguagem estuda a interpenetração da história interna


com a história externa das línguas, condicionando-as a fatores históricos
e culturais .
. A Geografia Lingüística ainda trouxe contribuição preciosa para o
esclarecimento de certos problemas fundamentais da Lingüística, como o
dos limites dialetais e o das leis fonéticas. A não-coincidência das isoglos-
sas mostra que os fenômenos lingüísticos, reflexo da mobilidade histórico-
social, se cruzam e entre cruzam, não havendo, portanto, fronteiras diale-
tais rígidas, a não ser em casos excepcionais.
Quanto às leis fonéticas, demonstrou .a Geografia Lingüística que,
em concreto, cada palavra tem a sua evolução, pois não somente a per-
turba a analogia, como ensinaram os neogramáticos, mas toda uma gama
de fatores psicológicos e sociais. A mutação fonética não é simultânea em
toda a língua, mas se difunde com a palavra, de indivíduo a indivíduo.
A observação é de Eugênio Coseriu, que acrescenta: "... Ia geografía
lingüíst.ca no contribuye a destruirIo (o princípio neogramático da regula-
ridade das leis fonéticas) como a veces se cree, sino, justamente, a trans-
formarIo de físico en histórico" (La Geografia Lingüística, Montevidéu,
3 .3 - Interpretando as cartas, Gilliéron escreveu sozinho ou de cola- 1956, p. 31). Era, aliás, o ponto de vista de .Menéndez Pidal.
boração com discípulos e colegas alguns trabalhos da maior importância.
Com J. Mongin - antes mesmo de completada a publicação do
Os Atlas Lingüísticos
Atlas - escreveu "Scier dans Ia Gaule Romane du Sud et l'Est' Paris,
1905. Com Mário Roques Etudes de Géographie Linguistique d'aprês l'Atlas
3.4 - Como já ficou dito, o primeiro grande atlas geográfico publicado
Linguistique de Ia France, Paris, 1912. De sua exclusiva autoria L'Aire
se deve a Júlio Gilliéron, que organizou o questionário e dirigiu o inquérito.
Clavellus d'aprês l'Atlas Linguistique de Ia France, Neuveville, 1912. Tam-
Para inquiridor escolheu a Edmond Edmont que, não sendo lingüista
bém de ~a autoria Généalogiê das mots qui désignent l'abeille, Paris,
profissional, estaria, na sua opinião, a coberto <te preconceitos de escola.
1918. ".'
Marcou Gilliéron, com critério predominantemente geométrico, 639 pontos
Desses estudos decorrêram novas maneiras de compreender os fenô- para o inquérito, dois dos quais em território italiano. O trabalho de
menos lingüísticos, principalmente no domínio românico. Tais interpreta- recolha do material previsto para cinco anos foi reduzido a quatro e meio,
ções podem ser colocadas-em dois planos: o da biologia da linguagem e o graças à dedicação de Edmont. Consta o Atlas de 36 fascículos (o primeiro
da sociologia da linguagem. publicado em 1902) e 1.920 mapas. Em 1910 saiu o último fascículo,
A biologia da linguagem se ocupa com os fenômenos ditos de colisão mas em 1912 Gillíéron acrescentou à obra um grosso índice. Dois anos
homonimica e de etimologia popular, dois tipos de explicação que a Geogra- depois foi .publicado um suplemento para a Córsega, obra igualmente de
, inteiramente novas.
fia Lingüística: reinterpretou em bases Gillíéron e Edmont: 799 mapas e 44 localidades.
Conhecido exemplo de colisão homonímica é o que diz respeito aos Os resultados obtidos excederam a expectativa. A mobilidade do
.. ~
léxico revelou a heterogeneidade da composição lingüística dos diversos
nomes do galo (galíus) e do gato (cattus) no Sudoeste da França.
De acordo com a l(onc;tica regional da Gasconha, ambas essas palavras falares. Ganhou assim a Filologia novas dimensões culturais e históricas,
convergiriam para gato
-Tratar.do-se de animais domésticos tão vulgares, a que lhe restituíram o encanto desfeito pelo mecanicismo positivista.
colisão de denominações haveria de gerar insuportável mal-estar, de onde
a eliminação de um dos concorrentes, no caso gat < gallu, substituído por 3.5 - Não faltaram pesquis •.,d, Ires entusiastas a seguirem a trilha aberta
hazã (fr. "faisan") ou ,p~r higey (fr. "vicaire"}. por Gilliéron. O Atlas Lingiiistico e Etnogrâjico da Itália e da Suíça Meri-
."
16 PREPARAÇÃO À LINGUISTICA ROMÃNICA CAPo 3 • A EVOLUÇÃO DOS ESTUDOS ROMÃNICOS 17

dional (Sprach-und Sachatlas Italiens und der Südschweiz) ma converter- res Sever Pop e Emil Petrovici, que foram também os redatores dos respec-
se no mais completo instrumento de trabalho dos rornanistas. Dirigiram tivos atlas. Sever Pop percorreu 301 pontos, usando um questionário de
as pesquisas os romanistas suíços Jakob Jud e Karl Jaberg, professores 2.160 perguntas. Petrovici empregou um questionário muito mas amplo,
respectivamente em Zurique e' Berna. Os organizadores não mantiveram mas, em compensação, percorreu menor número de localidades (87).
o princípio do inquiridor não-lingüista, pois convidaram para levar a efeito Desses inquéritos saíram na verdade dois atlas: O ALR I de Sever Pop
o inquérito três notáveis vultos da Filologia Românica: P. Scheuermeier, e o ALR II de E. Petrovici. Além disso cada um dos dois inquu idorcs
que teve a seu cargo o centro-norte da Itália e a parte sul da Suíça; elaborou atlas menores, a cores, onde se trata mais particularmente de
Gerhard Rohlfs, que investigou a Itália meridional e a Sicília; e Max certos problemas de fonética, de rnorfologia, de vocabulário. Esta é a ino-
Leopold Wagner, que se incumbiu da Sardenha. O fato de não ter sido o vação mais útil trazida pelos romenos, comenta Tagliavini, São esses o
mesmo o inquiridor para todos os pontos não prejudicou a unidade da Micul Atlas I e o Micul Atlas ll. Infelizmente a obra ficou incompleta.
obra. Dos 407 pontos do território estudado, 306 ficaram entregues a Do .ALR I e ALRM I publicaram-se dois tomos e do ALR 11 e ALRM II
P. Scheuermeier. A duração .do inquérito variou de 5 meses a 6 anos. semente um, A morte de Puscariu e a irrupção da Segunda Grande Guerra,
Empregaram-se três tipos de questionário; o reduzido (800 perguntas), o que separou os dois inquir.dores (Petrovici permaneceu na Romênia e
norma] (2.000 perguntas) e o ampliado (4.000 perguntas). Quanto aos Sever Pop emigrou) e destruiu parte do material, impediu o prosseguimen-
pontos estudados, ao contrário do ALF, incluíram-se algumas cidades.' to de tão notável trabalho. A partir de 1956, a Academia da R.P.R.
Onde o AIS inovou princi.palmente foi no associar o estudo das palavras passou a publicar nova série, sob a d.reção de E. Petrovici, com o título
ao das coisas, pois o atlas é não só lingüístico, mas também etnográfico. Atlas Linguistic Romin, vols. I, 11 e III e Micul Atlas Linguistic Romin,
Reuniram-se, pois, não somente 1.705 mapas, mas ainda 1.900 desenhos vo1. I.
e 4.000 fotografias.
A ordem das cartas também não foi alfabética, como rio ALF, mas 3.8 - Também obra de um só lingüista é o Atlas Lingiiistico da Cata-
obedeceu ao princípio das esferas semânticas. Para se ter uma idéia do lanha. Dirigiu-o e publicou-o Monsenhor Antonio Gr.era. Trabalhou com
gigantesco trabalho - trabalho forçado, no dizer de Jaberg - lembremos um questionário de 2.886 perguntas. e percorreu 101 localidades. De
que as primeiras pesquisas começaram em 19,19, o primeiro volume veio 1923 a 1939 publicaram-se cinco volumes, que compreendem 858 cartas
à luz em 1928 e o oitavo e último em 1940. Isto, como observa Jaberg, dispostas em ordem alfabética. Todavia a guerra civil espanhola, d'sper-
sem tomar em consideração os trabalhos preparatórios, as primeiras son- sando o material recolhido, interrompeu, quiçá defin.tivarnente, a publica-
dagens, a erganização do questioaãrío . ção do ALC, para cuja integração faltavam ainda quatro volumes.

3. . 6 - Para .a Córsega o ~Prof. Gino Bottiglioni elaborou o A tlante 3.9 - O Atlas Lingüístico Italiano (ALI, Atlante Linguistico Italiano)
linguistico-etnograiico italiano della Corsica (ALEIC), nos mesmos mol- foi planejado por M. Bartoli desde antes de 1914 e entrou em preparação
des do AIS. Bottiglioni organizou o questionário, fez o inquérito e dese- em 1924 Começou sob a direção de Bartoli e Bertoni, servindo Ugo
Pcllis de inquiridor. Por motivo de saúde, afastou-se Bertoni da comissão
nhou os mapas. Percorre~ 55 localidades (das quais duas na Sarde-
organizadora, tendo sido substituído por Ugo Pellis. Como secretário.
nha, 1 em Elba e 3 na Toscana), empregou um questionário de. 1.950
entrou Giuseppe Vidossi. O questionário do ALI é o mais rico de todos
frases e levou 4 anos (1948 a 1952) nos trabalhos de inquirição. O atlas
tem 10 tomos e contém 2001 mapas. ~ elaborados até agora. Há um questionário geral de 3.63'J perguntas e outro
reJuzido de 2.500. Pretendia Bartoli manter o princípio do inquiridor
3.7 - O Atlas Lingüístico Romeno (ALR, Atlasul Linguistic Român) único. Tendo. porém. Pellis Falecido em 1943, o inquérito interrompeu-se;
já haviam sido percorridas 727 local.dades (o atlas comp·reende ao todo
teve a dirigi-Ia o 'granéÍe Iingü.sta Sextil Puscariu. Serviram de inquirido-
cerca de 1.000 pontos) e recolhido farto material folclórico e fotográfico.
A morte de Bartoli (1946) ve.o dificultar o prosseguimento da empresa.
~ .
2Milão, Veneza, Gênova, Florença, Roma e outras de menor importância.
3. 10 - Em Portugal o Prof. Paiva BoÍéo organizou úm inquérito por
O ALF não eliminara totalmente as c.dades da rede de pontos escolhidos: Limoges,
por exemplo, foi incluída. correspondência como' preliminar .para o futuro Atlas Lingiilstico de Portu-
~
18 PREPARAÇAO À LlNGOfSTICA RoMANICA CAP. l . A EVOLUÇAO DOS ESTUDOS ROMÂNICOS 19

galo Para as línguas hispânicas, já está em andamento o Atlas Lingidstico France (NALF) , por regiões. Desse empreendimento participaram, ou
da Península Ibérica (ALPI) , que vem sendo preparado desde 1928.' vêm participando, numerosos lingüistas franceses, em grande parte da
A princípio o Atlas esteve sob a direção de T. Navarro Tomás. Inclui, geração mais nova. Alguns dos atlas planejados já foram publicados, outros
além do espanhol, o português, o catalão e o valenciano. Foram escolhi- estão em vias de sê-lo,
das 525 localidades, das quais 90 em territ6rio português. Empregaram-se
Já foram publicados (no todo ou em parte) os seguintes:
dois questionários: um fonético-gramatical e outro lexical, com 834 per-
guntas. Os inquiridores foram seis. Para Portugal, o trabalho do inquérito I - Atlas Linguistique et Ethnographique du Lyortnais, por P. Gar-
começou com A. Nobre de Gusmão; mas o primeiro inquiridor foi substi- dette e uma equipe de colaboradores. Saíram três volumes, respectivamente
tuído pelo atual catedrático da Universidade de Lisboa Luís Filipe Lindley em 1950, 1952 e 1956.
Cintra. U - Atlas Linguistique de Ia Wallo",ie, iniciado por Jean Haust e
A Guerra Civil interrompeu os trabalhos, retomados em 1947 sob o consumado por seus discípulos. Dele temos os seguintes volumes: I -
patrocínio do Conselho Superior das Investigações Científicas. Os traba- lntroduction Générale, redigido ,por Luís Remacle, Liêge, 1953; lU, 1955
lhos in loco podem ser considerados conclusos. (Les phénomênes atmosphériques et les divisions du temps'[, redig.do por
Esses os principais atlas românicos (integralmente publicados, parcial- Elysée Legros,
mente publicados, em vias de publicação) que cumpria assinalar.
Hl - Atlas Linguistique et Ethnographique de Ia Gascogné, por Jean
Séguy e colaboradores: voI. I, Paris, 1954; vol. Il, 1956; vol. Ifl, 1958.
3.11 - Para o Brasil o primeiro atlas publicado deve-se ao Professor
Nelson Rossi, da Universidade da Bahia. Intitula-se Atlas prévio dos fala- IV - Atlas Linguistique et Ethnographique du Massi] Central, por
res baianos e foi por ele organizado e por uma equipe de antigos alunos Pierre Nauton, voI. I, Paris 1957 (Nature inanimée, flore, faune).
sob sua direção. Consta de uma coleção de 154 mapas em transcrição V - Atlas Linguistique et Ethnographique de Ia Champagne et de la
fonética, acompanhada de outros' 44 complementares, de sinais coloridos, Brie, por H. Bourcelot."
que esclarecem os anteriores. A publicação é do Instituto Nacional do
Livro, Rio, 1963.3a 3.13 - Para a Espanha, tem sido incansável a atividade de dialectó-
logo e filólogo de Manuel Alvar. A ele se deve o Atlas Lingidstico de.
3.12 - Os atlas a que nos acabamos de referir (com exceção dos traba-
Andalucla (ALCA), planejado pelo modelo do NALF.
lhos relativos, aos falares brasileirçs) incluem-se (ou podem-se incluir)
dentro da orientação que presidiu aos chamados atlas nacionais. Tal como Foram escolhidos na Andaluzia (Sul de Espanha) 230 pontos, tendo
aconteceu com o método hist6ricJ":Comparativo, que iniciado no âmbito sido o inquérito realizado ao longo .de seis anos. Utilizou-se ma.s de um
••
largo das línguas indo-européias, foi-se aos poucos restringindo às famílias inquirido r. Já foram publicados cinco tomos, a saber:
que. as compõem (lingüística germânica, eslava, céltica ... ), também o
I - Agricultura, agro-indústria (1961); U - Vegetais, animais,
método geográfico-comparativo caminhou dos atlas nacionais, mais amplos,
apicultura (1963); lU - Casa, atividades domésticas, alimentação (1964);
para os atlas regionais, mais limitado. O que se perde- em extensão ganha-se IV - O tempo, o terreno, o mar (1965); V - O corpo humano, trajes,
em precisão. Foi ainda da França que par;tiu o movimento particularizante.
doenças, crendices (1967).
Em 1942, Alberto Dauzat planejou o Nouvel Atlas Linguistique de la
Como se vê, esses tomos são de caráter lexical e a matéria foi distri-
buída por esferas semânticas. O tomo VI, de caráter gramatical, conterá:
3 O 19 vol., respeitante à Fonéticar foi publicado em 1962. fonética, morfologia e sintaxe do dialeto.
aa Em 1978, com dl\la de 1977, foi editado pela Casa de Rui Barbosa Esboço O mesmo filólogo tem em preparação um Atlas Lingiâstico y Etno-
de um Atlas Lingüística tG M/fias Gerais (19 vol.), elaborado por equipe da Univer- gráfico de A ragón (ALEAr), para o qual já foi escolhido o material.
sidade Federal de Juiz de Fora, dirig\:ta pelo Prof. Mário Roberto Zágari. A mesma
O Atlas Lingiiistico y Etnogrâiico de Navarra y Rioia (ALENR) foi
Casa de Rui Barbosa anuncia a publicação dos demais volumes e do A tias Lingiiis-
tico de Sergipe, já concluído há vários anos, elaboração do Prof. Nelson Rossi e
projetado por Manuel Alvar e Antônio Llorente. O material (126 pontos
seu grupo. em Navarra e 21 em Logrofio ) já foi recolhido.
,. " ...
20 PREPARAÇAO À lINGUrSTICA ROMANICA CAP. 3 - A EVOlUÇÃO DOS ESTUDOS ROMÂNICOS
21

Para o Atlas Linguistico y Emográiico de Ias /slas Canarias alemão Leo Spitzer, cuja Estilística diverge em alguns pontos da ensinada
(ALEICan) já foi preparado o questionário. As ilhas Canár.as não tinham por Vossler. Spitzer não se prende exclusivamente ao principio estético,
sido incluídas no ALPI. 4 como fazia Vossler; a sua Estilíst.ca é uma interpretação da alma do escritor
através de certos "desvios" da norma lingüística praticados de maneira
o Idealismo Lingüístico mais ou menos constante na obra estudada. Trabalho fundamental para o
conhecimento da técnica de análise estilíst.ca de Spitzer são os seus Stils-
3. 14 - Chamou-se assim à escola fundada por Karl Vossler (1872-1949). tudien: voI. I, Sprachstile, vol. H, Stilsprachen, Munique. 1928.
Em 1904, Vossler publicava Positivimus UM Idealismus in der Sprach- Spitzer também se dedicou a pesquisas etimológicas, espalhadas em
wisscnschait (Positivismo e Idealismo na Ciência da Linguagern ), livro com várias revistas da especialidade.
que se opunha ao espírito então dominante nas pesquisas lingüísticas.
O idealismo é uma afirmação de princípios que renovam, de dentro,
Vossler distingue entre o .posítivismo metodológico e o positivismo
todas as 'atividades lingüísticas. Na Etirnologia, na Geografia Lingüística,
doutrinário: aceita o primeiro e rejeita o segundo. Por positivismo meto-
na Lingüística Geral, na própria Estilística haverá um modus operandi idea-
dológico compreende o sistema de estudo apoiado em fatos, rigorosamente
lista e outro positivista. Como questão de fato, pode-se observar que.
coligidos. Por positivismo doutrinário entende à atitude espiritual que
atualmente, as tendências idealistas predominam sobre as positivistas, consi-
procura encontrar a explicação dos fenômenos estudados nos próprios deradas rançon do século dezenove.
fatos, em vez de ir buscá-Ia na causa que verdadeiramente os cria, isto é,
o espírito humano.
Para Vossler, como para Croce, seu mestre, o ato de criação da fala Outros tendências
é uma arte, entendida esta como a expressão de uma intuição. Estudar a
expressão sem atingir a intuição, que é a sua própria alma, por assim dizer, é 3.15 - Também como reação contra o esquematismo dos neogramáticos,
mutilar uma pesquisa, desfigurando-a e falseando-a. A esse estudo da cau- surgiu na Itália a escola dos "neolingüistas". Trata-se de uma espécie de
salidade estética dos fenômenos lingüísticos Vossler denomina "Estilística". fUSlO dos princípios idealistas de Croce e Vossler com o método de pesquisa

Mas, ao lado da Estilística ou Lingüística da Criação, existe a Lingüística geográfica de Gilliéron.


estético-histórica ou Lingüística da Evolução. Em 1928, em Módena, foi publ.cado pequeno livro sob o título de
Vossler Q.rocurou concretizar os seus estudos num trabalho famoso Breviario di Neolinguistica. Eram seus autores Júlio Bertoni, que escreveu
Frankreichs Kultur im Spiegel seinelSprachentwicklung", Heidelberg, 1913, a parte I - Principi Generali - e Mateus Bartoli, que na Parte lI, se
já traduzido para o italiano (Civiltà. e Lingua di' Francia, Paris, Laterza, ocu.pa com Criteri Tecnici.
1948) para o francês (Langue tt Culture de la France, Paris, Payot, 1953) Nos Principi Generali, Bertoni critica o materialismo das doutrinas
e para o esp. como Cultura y Lingua de Francia, Buenos Aires, 1955. lingüísticas do século passado e, distinguindo entre linguagem e língua,
Na Itália encontrou o Idealismo distinto seguidor na pessoa de Júlio afirma que a segunda não é senão urna concretização histórica da primeira
Bertoni. Mas o mais vigoroso continuador do idealismo de Vossler é o e que, sem uma referência constante à linguagem, não se podem explicar
cientificamente as línguas. No seu entender, o método que, na explanação
As informacôcs acima foram colhidas na edição espanhola do veterano livro dos fatos lingüísticos, se dá conta sempre dessa energia infusa do pensa-
de Iorgu Iordan l mroduçáo à Lingúistica Rornànica. mento na palavra é a Geografia Lingüística, tal como a praticou Gilliéron.
Note-se que a versão espanhola (1967). que se deve :J Manuel Alvar, é verda- Onde adoutrina de Bertoni se toma menos clara é no que diz respeito à
deira reelaboração da obra úq·!ordan. Por isso disse este no Prefácio: "De este medo. el
maneira corno entende o recurso às explicações de ordem histórica para
prof'csor cspaüol dcbe ser considerado (y tal es para mí) un verdadero colaborador;
es decir, en bueria parte. C~lItCJt" de esta versión espafiola que, gracias a él. es superior esclarecimento dos fatos lingüísticos. Se um lingüista, diz (p, 127 do Bre-
a rodas Ias ctcrnás." ~ '\ viario'[, quiser alçar-se da catalogação dos fatos ao estudo da ativ.dade
Desse' livro houve ~eelâborilcãÓ em 1929 eom o título Frankrcichs Kultur humana que os gera, terá fatilmente de recorrer à História, "que, expulsa
und Sorachc. Gcscli 'chtc der FrRt~~.~. t:.~ Schriitspraclic \'on d cn A njiingen bis zur da porta, volta pela janela". E acrescenta: "Não se conhece, realmente,
Gcg cnwart. As traduções it3Iiáií'!?~'~:U/~a são desta reelabcraçâo.
pesquisa lingüística que leve à solução de qualquer problema, sem o lume
.•.
22 PREPARAÇAO À LINGUISTICA ROMÂNICA CAP. 3 - A EVOLUÇAO DOS ESTUDOS ROMÂNICOS
23

vital da História. Esta se apresentará, ao menos, sob a forma de reações Expansão da Filologici Românica
étnicas, ou de Etnologia, ou de analogia etc. etc., mas não faltará nunca."
A Lingüística Histórica não é, porém, o campo predileto da Lingüís- 3.16 .- Os estudos de Filologia Românica constituem atualmente a
tica Idealista, que busca ora os' fatores estéticos, ora os fatores psicológicos preocupação de numerosos sábios no mundo inteiro. Seguindo Tagliavini
dos fatos da linguagem. Nenhum dos dois é, em sentido próprio, histórico. (Le Origini deite Lingue Neolatine), vamos dar uma notícia da expansão
Daí decorre que, depois de críticas tão certeiras e pertinentes ao "espírito" desses estudos em várias partes do mundo.
da Lingüística novecentista, Bertoni passe a reabilitar com entusiasmo Na Alemanha, berço da Filologia' Românica, criaram-se as primeiras
Bopp, Schlegel, Schleicher, Grimm, Diez, Gastão Paris e tutti quanti, Ine- cátedras universitárias, precedendo a todas a 'de Bonn - 1830 -, ocupa-
gavelmente o método histórico-comparativo tem caráter científico e àqueles da por Diez. A de Berlim só foi criada em 1870, tendo sido chamado
eminentes sábios muito deve a Lingüística. Mas não poderão ser louva- para regê-Ia l) romanista suíço Adoljo Tobler. Outros grandes nomes são:
dos em nome de um princípio cardeal de uma escola renovadora (como Gustavo Grõber, Gustavo Korting, Henrique Morj, Hermann Suchier. Entre
querem ser os neolingüistas) exatamente naquilo que constituiu uma das os mais recentes: Fritz Krüger, Ernst Gamillscheg, Gerhard Rohljs, Max
Leopoldo Wagner.
suas limitações, que os métodos de hoje pretendem suprir. 6
Em Criteri Tecnici, desenvolve Bartoli a sua teoria das áreas, a qual Na Áustria há que citar Adolio Mussaiia, professor na Universidade
é um método de alto valor para interpretação de cartas geográfico-lin- de Viena; Guilherme Meyer-Lãbke, suíço de origem, que foi catedrático na
güísticas. Podemos assim resumi-Ias: 1 - as áreas isoladas são mais con- mesma Universidade de 1891 a 1915; Hugo -Schuchardt, alemão de origem
que assumiu a cátedra de Lingüística na Universidade de Graz; Adoljo '
servadoras; 2 - as áreas laterais são também mais conservadoras; 3 - a
Zauner, que foi catedrático de Filologia Românica também em Graz, pre-
área maior é a mais conservadora; 4 - a área posterior é a mais conser-
cedido, aliás, de Júlio Cornu francês de origem. Depois que Meyer-Lübke
vadora.
deixou Viena pela cátedra de Bonn, sucedeu-lhe Karl von Ettmayer. Em
Por área conservadora se considera a região que manteve as formas Viena ensinou também Josei Brüch. .
mais próximas do latim. Assim o ptg. comer e o esp. comer (Latim
A Suíça tem sido pátria de eméritos romanistas. No culto país alpino
comedere) são mais conservadores do que o fr. manger, o it. mangiare
nasceram J. Gilliéron, Meyer-Lãbke, A. Tobler 'e H. Mori, já citados. Karl
ou, o cato menjar « lato vlg. manducare) forma que representa uma
Jaberg e Jakob Jud, que organizaram o Atlas Italo-Suíço, são da mesma
inovação. - _...
nacionalidade. Outro suíço e consagrado romanista é Walther von Wart-
Bartoli ainda estuda os centros de irradiação e as causas das inova- burg, autor da FEW, o maior e melhor dicionário etimológico da língua
ções lingüísticas. francesa. Da Suíça são também Luís Gauchat, já falecido, Júlio Ieanjaquet,
A Neolingüística corporificou as novas tendências da Lingüística do Carlos Salvioni e Paulo Scheuermeier, que foi inquiridor do AIS.
séc. 'XX em território italiano e foi obra de uma geração de ardorosos e A França muito se distinguiu nos estudos românicos. Gastão Paris,
competentes romanistas. discípulo de Diez, foi igualmente douto na língua e na literatura francesas
Outras doutrinas, como o "estruturalismo", interessam mais à Lingüís- e com Paulo Meyer fundou a revista Romania. Outros franceses: Oscar
tica Geral do que à Filologia Românica, à qual só recentemente se tenta Bloch, dialetólogo; Eduardo Bourciez, lingüista e filólogo, autor de exce-
aplicar. lente manual de Filologia Românica; Miguel Bréal,. indo-europeísta e autor
de um livro que fez época, o Essai de Sémantique; Ferdinando Brunot,
renovador dos estudos gramaticais com sua célebre obra La Pensée et Ia
Langue e autor de alentada história da língua francesa; Arsênio Darmes-
6 Na verdade cumpre \Iistinguir entre uma Lingüística Diacrônica, baseada Da
comparação das sincronias, e uma'Lingüística Histórica. que estuda os fatos Iingüís- teter, lingüista e semanticista; Mauricio Grammont, especialista em ques-
ticos em correlação sistemática com os fatores de ordem histórico-cultural. Foi. tões de Fonética Geral; Júlio Antônio Ronjat, que se dedicou a estudos
p. ex., o que sempre procurou' fazer, entre outros eminentes scholars; o sábio de dialetos provençaísmodernos; Pedro Rousselot, dialetólogo e criador da
espanhol D. Ramón Menendez 'Pid,l. Fonética Experimental; Antônio Thomas, filólogo e etimologista; Alberto
t.
~
24 PREPARAÇAO À LINGUrSTlCA ROMANICA CAPo 3 • A EVOLUÇAO DOS ESTUDOS ROMÂNICOS 2S

Dauzat, divulgador de problemas atinentes à Filologia Francesa e organ'za- ca'; José Pedro Machado, .autor do mais recente Dicionário Etimológico da
dor de um novo atlas lingüístico francês, por regiões. Cabe ainda citar Carlos Língua Portuguesa; José Gonçalo Herculano de Carvalho, cujo substancioso
Bruneau, Jorge Millardet e Mário Roques. livro Coisas e Palavras é um dos mais acabados da moderna Filologia;' Re-
Da Itália são: Ernesto Monaci, de Roma; Napoleão Caix, de Milão; belo Gonçalves, helenista e ortógrafo; Jacinto do Prado Coelho, com segu-
Francisco d'Ovidio, de Nápoles; Vicente Crescini, de Pádua; Egidio Gorra, ros estudos de interpretação literária; Rodrigues Lapa, valoroso conhecedor
de Pavia; Paulo Savi-Lopez, de Catânia; Júlio. Bertoni, de Turim e Roma; da Literatura Medieval. Na França há um grupo de especialistas que se
Ernesto Giacorno Parodi, titular de Lingüística em Florença, além de vultos vêm dedicando, com singular distinção, ao estudo da língua e das letras
eminentes já citados, como Asco/i e Clemente Merlo. portuguesas: I. S. Révah, Robert Ricard, P. Teyssier. Na Itália muito se
vem distinguindo o Prof. G. Tavani e a Profê Luciana Stegagno Picchio.
Dentre os mais recentes são de notar Angelo Monteverdi, em Roma;
Mário Case lla, em Florença; Silvio Pellegrlni, em Pisa; Salvador Battaglia, Da Dinamarca convém citar Kristoiier Nyrop, autor da melhor gra-
em Nápoles; Carlos Tagliavini, em Pádua. mática histórica da língua francesa; Kristian Sandjeld, balcanólogo e ro-
-r menista; Viggo Brõndal, mais dado à Lingüística Geral.
A Espanha pertencem: Marcelino Menéndez; y Pelayo, poIígrafo de
subida erudição; Ramán Menéndez Pidal, o mais completo dos romanistas Nos Estados Unidos da América do Norte, quase todas as universi-
hispânicos; Amado Alonso, autor de sínteses magistrais sobre problemas dades têm o seu departamento de línguas e literaturas românicas. Alguns
de Filologia Românica, particularmente ibéricos; Vicente Garcla de Diego, dos seus lingüistas adquiriram renome universal: Charles HaU Grandgent,
estudioso de Lingüística geral e espanhola; Dâmaso Alonso, a quem se cujo- trabalho sobre latim vulgar se tomou uma obra clássica; Roberto
devem magníficas interpretações estilisticas de poetas e prosadores espanhóis. A. Hall Ir, (n. 1911), especialista em língua italiana; Yakov Malkiel, espe-
cialista en;t línguas da Península Ibérica. Muitos lingüistas estrangeiros
Da Romênia são os seguintes filólogos: Ovldio Densusianu, autor de
ensinaram ou ainda ensinam em universidades americanas: Leo Spitzer
conhecida e "louvada Histoire de Ia Langue Roumaine; Sextil Puscariu, a
(Baltimore), Erich Auerbach (Pensilvânia); Amado Alonso, Navarro
quem coube a direção do Atlas Lingüístico da Romênia; Iorgu Iordan,
Tomás, Joan Corominas, espanhóis; Juliano Bonjante e Mário Pei, italianos.
professor em Iaxe e depois em Bucareste, autqr da melhor exposição crí-
Da América Latina são dignos de citação o colombiano Rujino José
tica dosprciblemas e resultados' da Filologia Românica; Sever Pop, que
Cuervo, o venezuelano Andrés Bello, autor da melhor gramática espanhola,
ficou encarregado de uma parte do Atlas Lingüístico da Romênia e que de-
apesar dos seus cem anos a. que mais próxima se acha do critério atual;
pois ensinou-em Lovânia, para on4e emigrou; Alexandre Rosetti, professor
e o dominicano Pedra Henrique: Urdia, um dos mais completos scholars
em Bucareste. •••.
hispano-americanos. .
Em Portugal, os novos raétodôs de indagação lingüística foram íntro-
No Brasil, aplicando-se ao domínio da Etimologia, estenderam-se ao
d~zidos por AdoIfo Coelho. Na constituição da Filologia Portuguesa so-
âmbito românico Antenor Nascentes, autor do primeiro grande dicionário
bressaíram: D. Carolina Michaélis de Vasconcelos, de origem alemã e
etimológico da língua portuguesa e Augusto Magne , cujos estudos de lin-
profunda conhecedora da literatura medieval port.uguesa; José Leite de güística histórica revelam notável erudição. Entre os novos distinguiu-se
Vasconcelos, pioneiro da dialectologia portuguesa, que aplicou rigorosa- Seraiim da Silva Neto, cuja obra foi verdadeiro monumento erguido aos
mente o método hist6rico-comparativo, numa perspectiva românica, à estudos filo lógicos no Brasil.
língua portuguesa; Gonçalves Viana, ortógrafo e lexicógrafo; Epijânio
, .
Dias, cultor das línguas. clássicas, gramático e sintaticista; Júlio More ira,
sintaticista e pesquisador de particularidades da fala popular.
Atualmente em ~ortvgal há uma geração de valorosos estudiosos e
lingüistas, principalmente nos ,seus dois grandes. centros universitários,
Goimbra e Lisboa: Manuel de Paiva Boléo, de Coimbra, diretor e fundador
da "Revista Portuguesa de Filologia"; Luís Filipe Lindley Cintra, de Lis- T O Prof. Herculano- de Carvalho, a partir da Fonologia Mirandesa (1958),

•..
boa. nue fez a parte portuguesa-do "Atlas Lingüístico da Península Ibéri- imprimiu orientação estruturalista aos seus estudos fi!o!ógicos .
CAPo 4 - o LhTliV\ VULGAR E FONTES PARA o SEU F.STCiDO
27

As inscriptioncs orbis Romani foram reunidas no Cor pus Inscriptio-


num Latinarum, obra monumental editada pela Academia das Ciências de
Berlim, iniciada em 1863 e atualmente ainda incompleta, apesar dos de-
.zesseis volumes já publicados. O segundo volume é, para nós, de especial
relevância, porque nele se contêm as inscrições da Hispânia. No quarto
volume encontram-se as inscrições de Pornpéia, os famosos graiiiü.
Ca pítulo (4) Foi Pompéia sepultada por uma erupção do Vesúvio no ano 79 d. C.
Em paredes e muros foram rabiscadas frases de propaganda, expressões
gravadas por mãos ociosas, anúncios de espetáculos circenses e outras

o Latim Vulgar e Fontes


manifestações da~a burguesa. De todas essas inscrições, as mais inte-

para. o seu Estudo -


ressantes são os~·:gid;fiti""~sc;itos
_'__ _ __

~- ---
a carvão.
--_..

p~.rtenc~r a _~e?i~ ~e 79,. data da e~çã<0..-não


A vantagem desses
_1.......-_. . _textos é o
seu caráter d05.!!mt:.I)talf! o fato de estarem limitados no tempo; ajo podem
pod~Il). ser anteriore,:; a
60 d. c., pois em contato com o ar, as letras a carvão n Io resistem mais
de dez anos. São uma fonte preciosa para o conhecimento do latim vulgar.
Dessa mania zombavam os próprios pompeianos, como se pode ver
4 . 1 - Era o latim vulgar língua falada, não escrita. Língua da conver-
do famoso dístico:
sação diária, praticada por pessoas pertencentes a várias classes sociais,
mas sem qualquer intenção que não fosse a de intercâmbio de indivíduo
Admiror, paries, te non cecidisse ruínis
a indivíduo, por sua natureza refugia à fixação pela escrita, indispensável
apenas quando se trata da perpetuação de obras literárias ou da preserva- qui tot scriptorum taedia sustineas.
ção de textos, como os das leis, que se impõem ao conhecimento de uma
coletividade. " As inscrições de Pornpéia foram estudadas por Vãanãncn, Le Latin
Vulgaire des lnscriptions Pompéiennes, Hclsinki, 1937 (2~ edição, 1958).
Destarte é natural que se diga não existirem textos em latim vulgar.
Aquilo que-do latim dito vulgar ~ recolhe na tradição escrita são formas Do C. I. L. não com ta nenhuma inscrição cristã. Foram elas reuni-
não encontradas nos autores considerados "melhores" da fase clássica, v. g., das por E. Diehl, lnscriptiones Latinae Christianae Veteres, 3 vols., Ber-
lim 1925-31. Do mesmo autor são as Vulgiirlateinlsche 1nschrijten, Bonn,
-.
Cícero ou César, e assim mesmo ~L a ressalva se aplica ao primeiro -
nas obras destinadas ao paladar da população culta. 1910, dispostas numa ordem de importância lingüística que permite re-
colher com facilidade os testemunhos das alterações fonéticas, morfológicas
~ dessa tradição escrita que saem as fontes que testemunham algumas
c sintáticas do chamado latim vulgar.
das fãces da língua viva a Umgangssprache dos alemães. Enumeraremos
as principais. Eis algumas dessas inscrições, que extratamos de Manuel C. Díaz y
Diaz, Arn ologlu dei Laiiii Vulgar, G rcdos, Maclrid, 1950; 2(1 ed., 1962.

4.2 - As inscrições Hic ciscucd (= quicscit ) Faustina filia Faustíni Pat. .. que (=
quac ) ... - atis grande (= grandem) dolurern (= dolorem) fecet
4.2. 1 - Devemos distinguir entre as inscrições oficiais, redigidas por
Iccit ) parcnicbus (= parentibus) et lagremas (= lacrimas)
funcionários cultos, ~ qUlis pertencem ao latim escrito, e as particulares,
cibitati (= civitati) .
freqüentemente gravadas por lflpicidas de pouca instrução. Estas as que
interessam ao rornanista. Particularmente importantes são as. inscrições
cristãs,' dadas as origens populares da religião proveniente dos pescadores An,h;;:~ia ct Luurcntia, pucllas dei, quas (= quac) nos precesserun
(= pra2c~;"C!'llOt)· in sonurn pacis.
da Galiléia, e os graffiti d't Pompéia.
28 PREPARAÇÃO À LlNGUISTICA ROH.ÃNICA CAPo 4 • o LATIM VULGAR E FONTES PARA o SEU E!.TUDO 29

Inscrição cristã de Cartagena: 4.3 - Os autores

hic iacet Saturina, qui (= quae) vixit annos sex et redivit in pace. 4.3.1 - Outra fonte de importância para o conhecimento do latim vul-
Siquis temtaverit isto monumento. abeat (= habeat) parte (= par- gar são os autores. Trata-se de autores de mediana cultura, por vezes até
tem) com (= cum) Iuda Iscariota. abaixo da média, que deixam transparecer nos seus escritos traços da
língua falada.

Inscrição de Pompéia: N os próprios autores literários, por vezes se encontram elementos


que nos levam ao latim vulgar. Isto pode acontecer em virtude do gênero
praticado, ou em conseqüência da natureza de certas personagens. Cícero,
quisquis ama (= arnat ) valia (= valeat), peria (= pereat) qui
por ex., em carta a Peto (Ad Fam., IX, 21) diz: "Ouid tibi ego videor in
noscit (= nescit) amare. epistulis? Nonne plebeio sermone agere tecum? .. Epistulas vero cotidianis
" verbis texere solernus". (Que te pareço nas cartas? Pois não pratico con-
4.2.2 - Tipo especial de inscrições são as Tabellae Defixi~m ou tigo a língua popular ... Na verdade costu!Jlo .,redigir cartas com as pala-
tábuas execratórias.· Trata-se de textos de magia, escritos em lâminas de vras de todo o dia.) / ~I<;. ,
chumbo ou ainda de bronze, estanho, mármore; terracota. São maldições E m certos
• , .
generos poéticos, como ~i!"A~-.9c..9ue
\ r\:)
9 emprego _ e
d
que devem recair sobre desafetos, contra os quais se invocam os poderes palavras_e e~p..!:essõ~.!da f~a coloquial. Particularmente importante aqui é
infernais. oráclo, que já deu lugar a um importante estudo: Los elementos popu-
Colocavam-se em tumbas, poços, lugares onde pudessem ser trans- la;es en Ia leng';la de Horacio, publicado in Emerita, tomo IV, 1Q Semes-
mitidas às entidades maléficas de quase todas as partes do império, diz tre, Madrid, 1936 e tomo V, 19 Semestre, Madrid, 1937, por G. Bonfante.
Niedermann, e parecem pertencer na maior parte aos séculos segundo e Estudos semelhantes se poderiam' fazer em relação a Catulo, Propércío,:
terceiro de nossa era. Desaparecem por completo no quinto século. Juvenal, Pérsio. Quanto a Catulo, podemos citar H. Heusch, Archaisches
A primeira coletânea é de Audollent, Dejixiohum tabellae, Paris, 1904. und Volksprachliches bei Catull, Bonn, 1944 e, em português, Aída
São 103 tabuinhas. A respeito do tema, M. J eanneret escreveu uma tese: Costa, Elementos Populares em Catulo, São Paulo, 1952.
La Langue , des Tablettes d'Exécration Latines, Paris-Ncuchâtel, 1911\. Nos cômicos; quejrnit<UI1_aJinguagem popular através de certas per-
Entre nós, o Prof. Serafirn da Silvà' Neto editou mais três sob o nome sonagens em céna-;- também se documenta a língua vulgar. Particularmente
Três Inscrições do Latim Vulgar, inViumanitas, Cóimbra, lI, 1948-9. i-~põrtante aqui é Plauto, não sÓ pelo uso de expressões vizinhas da língua
falada, como observa Tagliavini, mas. também porque na época arcaica
Jeanneret dividiu-as em: a"matoriae - o despeito amoroso provoca
ainda não se tinham fixado certos modelos do bem dizer.
o desejo· de votar aos infernos o rival afortunado; iudlciariac - o temor
de perder uma demanda ou o aespeito de a ter per~ido leva o litigante ven-
cido a desejar desgraças ao competidor; in fures - e desejo de vingança 4.3.2 - Em prosa o texto mais famoso é a Cena Trimalchionis (Festim
causa apelos à magia para a destruição dos amigos do alheio; ludicrae - de TrimaIcião) de Petrônio .. Trata-se de um fragmento da conhecida nar-
a paixão dos jogos levava os torcedores a pedir a morte de um gladiadcr rativa intitulada Satiricon, que nos chegou incompleta. Nesse episódio,
'1 I
TrimaIcião, antigo liberto e novo rico, dá um banquete em que figuram
ou de um cocheiro. !
vários personagens, dentre os quais escravos e libertos, pessoas de con-
Eis um exemplo tirado a Vossler-Schrneck, Einjiihrung ins Vulgar- i
dição humilde. Pondo-os a falar, Petrônio, possivelmente o mesmo arbiter
latein, Munique, 1953, p. 63.
:t> elegantiarum do tempo de Nero, imita-lhes, com grande propriedade estio
Dii iferi (= inferi)' voôis comedo (= comendo) si quicua (= quid- lística, o falar plebeu, transmitindo-nos assim mais uma fonte preciosa
quam) sactitates (= sanctitatis) habetes ,= habetis) ac (= hac) tadro I
I para o conhecimento do latim vulgar. Do estudo de Paul Perrochat, L:
(= trado) Ticene Carisi (= Tychen Carisi) quodquid (= quidquíd ) Festin de Trimalcion, Paris,.·,1952, extraímos, a título de exemplo, os se-
agat; quod incidat (= incidant) omnia in adversa. guintes vulgarismos:
! .,..
30 PREPARAÇÃO A LINGOISTICA ROMÃNICA CAPo 4 . o LATIM VULGAR E FONTES PARA O SEU ESTUDO 31

caldus por calidus, intestinos por intestina, balneus por balneum, de vulgarisrnos. Outro resumo, este do séc. VI, é do godo Vinicius, mais
pauperorum por pauperum, bovis por bos, lactem por lac, amplexo grosseiramente redigido.
por amplexor, plovebat por pluebat, Ajricarn ire por in Ajricam ire, quod De um médico bizantino que viveu entre os godos no séc, vr, Anthi-
e quia como integrantes em vez de acusativo com infinitivo, quomodo por mus na forma latina, ficou-nos um tratado sobre as propriedades dietéticas
ut de comparação, emprego de diminutivos etc. dos alimentos: De Obsen:atione Ciborum, no qual se surpreendem vários
popularismos.
Os grandes historiadores são notavelmente imunes a vulgarismos. Catão, Colurnela, Paládio e outros scriptores rei rusticae, em razão
Mas o Bellum Hispanlense e o Bellum Ajricanurn, ao que se presume da do tema dos seus trabalhos, tiveram de recorrer a termos e expressões
autoria de oficiais subalternos de Júlio César, caem freqiíenternente em populares e rústicas. Sobre o último desses autores é de especial impor-
usos vulgares. tância o trabalho de Svennung Untersuchungen zu Palladius, Upsala, 1936.
O gênero epistolar, pelo tom da conversa com que normalmente se
redigem as cartas, também se presta à inclusão de vulgarismos, -O próprio 4.3.4 - Uma fonte particularmente relevante para o conhecimento do
Cícero, nas cartas a Atice, usou de um tom coloquial, próximo da língua latim falado são os autores cristãos. Dado o caráter altamente popular
falada. Todavia, como salientam Vossler-Schrnéck, trata-se somente de dos primeiros círculos cristãos. não é de se admirar a pregação num"
vu!garismos de construção de frases c de formação de palavras, quase linguagem intencionalmente acessível à massa. Santo Agostinho chegou
nada de Morfologia ou Fonética. a escrever: Melius est reprehendant nos grarnmaticl quam non intelligans
populi. •
4.3.3 - Outro tipo de escrito em que se podem colher formas vulgares Cabe aqui citar em primeiro lugar as traduções da Bíblia, que per-
são os livros técnicos, redigidos muitas vezes por práticos de medíocre tcncem ao século segundo. Elaboradas por pessoas de pouca instrução.
cultura. Vitrúvio, p. ex., que escreveu De Architectura, dedicado a Augus- procedem de todas as partes do império e dão-nos excelentes pontos de:
to, escusava-se dizendo: "non enim architectus potest esse grammaticus";. referência para o estudo das diferenciações regionais do latim falado. São
no entanto, os vulgarismos de sua obra são pouco numerosos. conhecidas pelo nome de Itala, ou melhor, Vetus Latina. A pedido do
De muito maior importância é o tratadd' de veterinária intitulado papa Dârnaso, preparou S. Jcrônimo no séc. IV a unificação dos textos,
Mulomedicina Chironis, atribuído a um tal Quíron ou, segundo outros, a tirando-lhos grande parte do sabor ....
.E0pular. Chama-se Vulguta esse tra-
Cláudio Hêrnero. O texto pertence ao séc. IV d.C. e é uma tradução balho de fixação dos textos bíblíc&;:-r::rõ texto da Vulgata, a maior pane
~ grego feiiã por alguém de multo poucas letras. Vegécio Renato, que do A. T. foi traduzida diretamente do hebraico, ao passo que nas versões
viveu nos fins do séc. IX, resolveu.compor novó trabalho com o mesmo da Itala serviu de base a tradução grega dos Setenta. Quanto ao N. T ..
material de Quíron e outros traeadístas, do que resultou uma redação mais São Jerônimo apenas retocou as antigas traduções. O nome Vulgata foi
apurada. Do confronto das duas,' melhor ressaltam as particularidades da Ieliz inspiração de Rogério Bacon.
língua vulgar da primeira redação. A Vetus Latina é uma das mais ricas fontes para o conhecimento da
Da mesma época é o De Medicameruis de Marcelo Empírico. fala vulgar. Eis um exemplo:

Ainda mais importantes, salienta Serafim Neto, são as traduções la- Et veniens in patria sua (por in patriam suam) docebat eos in syna-
tinas do grego Oribásio, médico do imperador Juliano, textos que ascen- gogas (por synagoga) eorurn, ita ut rnirarentur et dícerent:
dem ao sexto século. Nas Mélanges Havet, A. Thomas escreveu umas Unde huic omnis sapicntia haec et virtutes?
Notes léxicographiques sI;lr Ia plus ancienne traduction latine des oeuvres
d'Oribase. Depois tless~i trabalho se' intensificaram os estudos sobre as <1 .3.5 - De especial importância, mormente para o latim vulgar da Pe-
traduções de Oribásio .ié a tese de Svennung Wortstudien zu' den. Spãtla- nínsula Ibérica, é a conhecida narra tiva Percgrinatio Aetlieriae (Egeriae)
teinischen Oribosius Rezen'sione~, Upsala, 1933. ad loca sancta. Trata-se de u_m livro de viagens, destinado pela monja
De Apicius, personagem romana famosa pelos seus requintes gastro- Egéria a suas sororcs ou companheiras de mosteiro. Durante muito tempo
nôrnicos, temos um tratado de -culinária De re coquinaria. De um trnt ado se atribuiu a autoria da Peregrinatio a Silvia de Aquitânia, parenta de
de receitas de cozinha de Apício se fez um resumo nos sécs. IV-V cheio Tccdósio. Todavia, estudos (I:: Férotin provaram que a autora desse livro
" 'f
32
PREPARAÇAO A LINGUrSTICA ROMÂNICA
CAPo 4 • O LATIM VULGAR E FONTES PARA O SEU ESTUDO 33

de viagens à Palestina fora uma freira da Galiza, Etéria ou Egéria. Mas


conhecimento da língua falada, embora seja desigual o valor dessas infor-
Manuel Díaz y Díaz (Antologia del Latin Vulgar, Editorial Gredos, Ma-
nHlçõ~0ãO possuindo atécnica da ciência filológica e muito influenciados
drid (1950, p. 81) declara que a localização galega "não parece ao abrigo
pela doutrina gramatical dos gregos, é claro que as explicações que dão
de ulterior discussão". Egéria era mulher de certa cultura, e o texto da
de muitos fatos lingüísticos não podem ser aceitas e merecem retificações
Peregrinatio não se acha isento de reminiscências literárias. O texto per-
críticas.
tence ao princípio do séc. V, já que se pode determinar a sua estada em
Os fatos em si mesmos, porém, ainda que imperfeitamente observa-
Belém no ano 417. (Ver o que dizem a respeito Vossler-Schmeck, Einjiih-
rung ins Vulgarlatein, Munique, 1953, p. 60.)* dos, nos são de grande utilidade.
De todos os gramáticos latinos, o mais importante é Consêncio, natu-
As particularidades sintáticas da Peregrinatio estão muito bem estu-
ral da Gália Narbonense e pertencente ao séc. V de nossa era. De sua
dadas por Lõfstedt, Philologischer Kommentar zur Peregrinatio Aetheriae,
Ars Grammatica chegaram até nós dois capítulos, o mais importante dos
UpsaIa, Leipzíg, 1911 (nova impressão 1936). .Para o vocabulário con-
quais é o denominado De barbarismis et rnetaplasmis. Nesse capítulo, Con-
vém ler A. Emout, Le Vocabulaire de Ia Peregrina rio Egeriae (vel Aethe-
sêncio assinala vícios de pronúncia não só individuais, mas também gerais
rioe) in Aspects du Vocabulaire Latin, Paris, Klincksieck, 1954, p. 199-
219). Desse estudo de Emout retiramos as seguintes particularidades léxi- em certas partes do Império. Eis alguns exemplos:
cas ~a Peregrinatio;
tottum por totum. A forma tottu está na base do it. tutto, do francês
emprego de quod, quid, quoniam para introduzir uma oração com- tout, do logd. tottu;
pletiva, em vez de acusativo com infinitivo; triginta por triginta. Forma de que se tem querido tirar o numeral
uso da preposição grega cata com valor distributivo: ut cata mansio- correspondente nas línguas românicas, inclusive o ptg. trinta e o esp.
nes monas teria sint (de forma que em cada estação haja mosteiros); treinta, o que tem sido contestado (V. Silva Neto, História da Língua
confusão de demonstrativos: is por hic; iste, ille por ipse; Portuguesa, págs. 233-4).
idem por ipse ou vice-versa; uilam por uiilam. A redução das geminadas se verificou na Lusitânia,
emprego de ille freqüentemente com valor de artigo ou de pronome Gália e Itália Setentrional.
pessoal reto da 3' pessoa; bobis por uobis. Em ptg. há exemplos dessa permuta: boda (vota),
uso de habere com" valor impessoal (habebat autem de eo loco ad bexiga (de vessica por vesiea), bainha « vagina).
montem- dei [orsitan quattuor» milia totum); [ontis, dentis em vez das formas de nom. [ons, denso A tendência para
emprego de plicare no sentida de chegar: áproximar-se (iter sic fuit a supressão do imparissilabismo estendeu-se praticamente a toda a
ut per medium transversttre~~ caput ipsius vallis ac sie plecaremus România.
ad montem dei);
Os lexicógrafos, particularmente, trazem indicações apreciáveis. De
uso de habere mais infinitivo para indicar ação necess-ária (seâ- non Vérrio Flaco (l::t metade do séc. I dvC,') perdeu-se por completo o De
ipsa parte exire habebamus qua iruraveramus'[, Verborum Signijicatu. Dessa obra Pompeu Festo (séc. lI) fez um resumo,
de que só temos fragmentos, e, no séc, XIII, Paulo Diácono, por sua vez,
4.4 - Os gramáticas resumiu o resumo de Festo, resumo que nos. chegou por inteiro.
Eis, de Festo, uma nota bastante informativa:
4.4 . 1 - As informações dos grarnátícos latinos, de Varrão (séc. I a. C.')
a Prisciano (séc. VI a.c.i, também trazem esclarecimentos para melhor "Orata genus piscis appellatur a ..,Çolore auri, quod rustici orum dice-
bant, ut auriculas oriculas:"

• O Prof. José Geraldes Freire, apoiando-se em Paul Devos, diz que a nar- Está âl documentada a redução de au a o, (jue se deu em muitas
rativa de' Etéria deve ter sido escrita entre 384-400 (V. R.P.F., vol. XVII, 1975-77, línguas românicas. Em português, como se sabe, a passagem foi para ou
p. 882).
~ louro), mas temos. alguns exemplos dá citada transformação que Festo
...
34 PREPARAÇAO À LINGOISTICA ROMANICA CAPo 4 • o LATIM VULGAR E FONTES PARA o SEU ESTUDO 35

atribui aos rústicos: orelha (oricla), foz (de [oce por fauce), pobre (de non Vico caput Ajricae - sugere uma rua de Roma com esse nome, o
popere por paupere). qual decorria de um busto, por certo colossal, que a ornava e representa-
Embora não se inclua, propriamente, entre os gramáticos latinos, va a África. As alusões a nomes africanos na Appendix poder-se-iam .ex-
Santo Isidoro de Sevilha (sécs. VI-VII), nas suas Etymologiae, faz comen- plicar, atribuindo origem africana. ao seu autor. Nota-se ainda que, no
tários onde transparecem formas usadas na língua falada. referido vicus havia um paedagogium destinado à instrução de jovens escra-
vos que deveriam servir no palácio imperial. A conclusão talvez seja, pois,
A melhor edição dos gramáticos latinos é a de- Keil, Grammatici
aquela de Jarecki, esposada por Serafim da Silva Neto: "O precioso elenco
Latini, sete volumes, 1857/80, publicada em Leipzig.
foi elaborado em Roma, nopaedagogium do vicus capitis Ajricae, por um
4.4.2 - Mas de todas as fontes de natureza gramatical, a mais impor- gramático de origem africana" (Fontes, p. 40).
tante é a Appendix Probi. No referido livro do Prof, Serafim Neto estão abundantemente estu-
~ dadas as derivações românicas, em especial portuguesas, dos vulgarismos
o Trata-se de u~co de Iormas..íncorretas acompanhadas da respec-
tiV!I~ ansa non asq), de .autor anônimo e pertencente, ao da Appendix. Daremos alguns 'exemplos:
que tudo indica, ao séc. lU d-;-C:-OCõmplemeDtõ D:ominal Probi decorre
do fato deestar-ã Appendix anexada a um texto gramatical. de Valéria 5 - Vetulus non veclus.
Probo, que viveu no séc. I d. C. e daí terem' alguns preferido a expressão Corno se sabe, o ptg. velho vem de vetlu através de veclu (cl > lh).
A ppendix ad Probum. O manuscrito é originário da abadia de Bóbio, mas Cfr. rotula > rotla > rocla > rolha
hoje é códice vienense n'? 17. Embora a designação Appendix Probi se 42 - pauper mulier non paupera mulier,
aplique a vários opúsculos anônimos apensos aos Instituta Artium de Confusão entre adjetivos de H· e de 2~ classe (em it povero, fem.
Probo, o uso restringiu-a à citada lista de formas corretas e incorretas,
povera'[,
ao todo 227 correções:
83 - Auris non oricla.
Sobre a Appendix Probi pode-se e deve-se ler o excelente livro. de
Serafim da Silva Neto Fontes do Latim Vulgar, ora em 3~ edição (Livraria Temos aqui documentação para o uso do diminutivo pelo positivo,
Acadêmica, Rio, 1956). para a redução do ditongo au a o, para a queda da postônica, pois oricla
Aí o saudoso mestre diz que a Appendix suscita três importantes pressupõe oricula, atestada em cartas de Cícero e em PIínio, N. H. 11,
problemas: a) o-da autoria; b) o da .época; c) o da localização. 276 (V. Silva Neto, Fontes, 121).
O autor há de ter sido um pae~gus, .um professor, que organizou Cfr. nas línguas românicas o ptg. orelha, o esp, oreia, o fr. oreitte,
a lista de formas erradas para advertência a seus discípulos. O texto, como o it. orecchia, o rom. ureche.
já dissemos, pertence ao séc. III el. c., e Baehrens, em seu conhecido 169 - Nurus non nura.
Sprachlicher Kommentar zur Vulgãrlateinischen Appendix Probi, Halle, Nome feminino da 4~ dedo em -us transformado em fem. da 1J!. (Cfr.
1922, põe, em virtude de particularidades Iingüísticas do texto, o ano 320
ptg. nora, esp. nuera, it. nuora).
como terminus ad quem. Finalmente, quanto à localização, Sittl e Gastão
220 - Nobiscum non noscum.
Paris têm-na como escrita na África, na cidade de Cartago. Baseava-se G.
Vacilação entre preposições de ablativo e de acusativo. A analogia
Paris numa das correções da Appendix:
com mecum, tecum, secum, também há de ter influído para a troca de
Vico tabuli proconsulis non vico tabuiu proconsulis.
nobiscum por noscum. Em ptg. nosco, conosco; em it. nosco.
Ora, argumenta o mestre francês, em Roma não podia haver procôn-
sul. Demais, referências a ~omes de lugar como Syrtes, Byzacenus e Cap-
sensis, todos pertencentes à mesma ~região, vinham reforçar a hipótese da 4.5 - As glosas
localização africana.
Baehrens, Jarecki, Jakob Jud e Serafim da Silva Neto preferem a 4.5 . 1 - Embora os glossários não pertençam propriamente à fase lati-
localização em Roma. Com efeito, outra correção - Vico capitis Ajricae na, como observa o Prof. Silva Neto (História do Latim Vulgar, p. 121),
4.
•..
.1j
36 PREPARAÇÃO À lINGOISTlCA ROMÂNICA CAPo 4 • o LATIM VULGAR E FONTES PARA o SEU ESTUDO 37

entretanto prestam informações inestimáveis relativas à fase do romance. 4.6 - Formulários e outras fontes menores
São uma espécie de léxico em que se dão formas vulgares ou românicas
que explicam palavras latinas, já. então de difícil entendimento. 4.6.1 -Os formulários e outros tipos congêneres de documentos (Di-
Deve-se distinguir entre glosas interlineares, que trazem o esclareci- À plomata, Chartae, Documenta) são ~~~~ ~e_p~r~~e.m aos sécs. VI,
VII, VIII e IX. Compostos quase todos na França (alguns também na
mento entre as linhas, e glosas marginais, que ficam ao lado das linhas.
Espanha) são modelos de documentos notariais. Com a invasão dos bár-
As mais importantes glosas medievais são as de Reichenau e as de
baros, caiu muito o nível cu!tu!~l dos galo-romanos, e os tabeliães escre-
Cássel.
viam num latim crivado de vulgarismos, o que lhe empresta particular
As glosas de Reichenau são do séc. VIII e originam-se do noroeste da valor lingüístico.
Gália. Constam de duas partes: a 11}. um glossário da Bíblia e a 2~ um As Notas Tironianas são a mais antiga forma de estenografia. Foram
glossário alfabético, que coincide em grande parte com o primeiro. A língua idealizadas por M. Túlio Tirão, liberto de Cícero, e especialmente usadas
que serve de explicação é um compromisso entre o latim escrito e o estado para estenografar discursos pronunciados de improviso. Freqüentemente
lingüístico anterior ao francês. apresentam as notas tironianas caráter popular e por isso podem contribuir
As glosas de Cássel interessam menos aos romanístas, porque tradu- também para o melhor conhecimento do latim vulgar.
zem as palavras latinas em alto alemão. Contudo, a explicação define os Os erros de copistas nos manuscritos que se situam entre os sécs. IV
termos românicos, o que auxilia os romanistas. São dos fins do séc. VIII e X também concorrem para nosso melhor conhecimento do latim vulgar,
e princípios do séc. IX. embora essa fonte deva ser usada com muita cautela e conhecimento de
Para o espanhol são importantes as Glosas Emilianenses e as Glosas causa. Por desconhecimento da matéria lingüística, incidiam em falta os
Silenses, ambas editadas por Menéndez Pidal in Origenes dei Espaiiol, as copis tas e às vezes em correções descabidas (ultracorreções). Sch uchardt,
primeiras até então inéditas. em sua obra capital Der V okalismus des Vulgiirtateins usou uma série
As Glosas Emilianenses são dos sécs. IX e X e as Silenses da segunda de códices dessa natureza. Encontram-se em tais manuscritos formas como
metade do séc. X. São ambas glosas interlineares. onor, abere, aurire, e, ao contrário, hoctober, hornare, habiit tudo prova de
que era mudo o h inicial.
Seguem-se alguns exemplos das glosas de Reichenau:
Também uma forma verbal como vixit ora aparece escrita corretamen-
dare - danare (Ir. donrur+; r.f;.rum- causarum (fr. chose); pulchra
te ora com SS, ora com se, ora com cs. Logo, já então a pronúncia era
- bella (fr. belle); liberos --.:. intantes (afr. enjes, enfant); pueros -
vissit (cfr. it. visse). A grafia octimae indica uma pronúncia ottime (cfr,
infantes; - emere - comparare (it. comprare, ptg. comprar); canere it. falto de factum). A escrita agustus (que igualmente ocorre em inscri-
"-
- cantare (ptg. cantar, Ir. chanter, it. cantare); iecur - [icatum (ptg.
fígado); regere - guvernare çit, gouverner); vulnera - plaga (ptg. chaga,
ções) nos dá a palavra que está na base de quase todas as línguas româ-
nicas, como o ptg. agosto. O latim de certos autores tardios, como Gre-
Ir. plaie); rupem - petram. (ptg. pedra, fr. pierre t ; oves - berbices (fr. gário de Tours ou Gregório Turonense, a respeito do qual existe impor-
hrebis), etc. tante estudo de Max Bonnet (Le Latin de Grégorie de Tours, tese, Paris,
Exemplos de glosas Emihanenses: 1890) aparece naturalmente salpicado de formas e expressões já aceitas
pela maneira de falar da época. As obras de Gregório de Tours, como a
suscitabi - lebantai; pudor - verecundia; sicut - quomodo; diuersis
Historia Francorum ou a Vita Patrurn têm particular importância, porque
multas; repente - lueco; incolomes - sanos et salbos.
" o seu autor, bispo francês da segunda metade do séc. VI, declarava escre-
Exemplos de Glosas Silenses: ver como um homem do povo do seu tempo (o que, sem dúvida, se deve
comb~ratur - ~:matu sie(at:· limpha - agua; abluit - =:
pre.-
bent - mirustrent, sierbent; interiicere - matare;' esse - sedere; intulerir
entender no sentido de língua corrente e não no de língua popular). A po-
siçêo de Gregório de Tours ê importante no que diz respeito à cronologia
- leuaret; hi .,.-- estas; securi - liueratos; liceat - conbienet; habeat - do latim vulgar, porque em torno de sua pessoa se centralizam as discussões
ajat . relativas ao problema do início da fase românica.
'. ~
38 PREPARAÇAO À lINGUrSTICA ROMÂNICA CAPo 4 • o LATIM VULGAR E FONTES PARA o SEU ESTUDO
39

Sob O nome de Fredegarius conhecem-se vários escritos históricos in- Savj-Lopez, por exemplo, diz:
titulados: Chronicarum libri IX, todos pertencentes ao séc. VII. Hoje,
La fonte principal e della conoscenza del latino volgare, non va
supõe-se que essas crônicas anônimas tenham tido mais de um autor,
ricercata in nessuno dei quatro avanzi sopra enumerati, ma bensi
pelo menos três.
nelle lingue neolatine, che continua no il latino; in cui .gli elementi
Em Gregório de Tours encontramos non incedamus por ne incedamus;
venutigli da altre parti sono proporzionalmente una .quantità infima
propriam por SlUIm; in universis civitatibus (lugar para onde) por in uni-
di fronte alia latina. (P. 126-7 na edição anastática.)
versas civitates; horreae (nom. plural) por horrea; ambulare por ire (efr.
fr. aller através de ambler). . C. H. Grandgent Untroducciõny, ao enumerar as fontes de informa-
Em Fredegário temos: [orciam (ptg. força, esp. fuerza) .do nom. pl. ções relativas ao latim falado, conclui " ... y, 10 más importante de todo,
n. de [ortis: recus (ptg. rico, esp. rico, fr. riche, al. reich) germanismo; los subsiguientes desarrolIos de Ias lenguas romances" (p. 23).
inter Francos et Brittanis por Brittanos. Carlo Tagliavini (Le Origini) também no capítulo respeitante às fon-
Todas essas fontes visam ao conhecimento do latim vulgar como tes do latim falado, escreve:
língua realmente falada, latim corrente, meio de' intercomunicação verbal Last not least, Ia grarnmatica comparata e il lessico delle lingue
para satisfação das necessidades da vida social de cada dia. romanze, i quali sono i coefficienti maggiori che ci permettono Ia
ricostruzione di molte particolaritàe di molte voei del Latino vol-
gare o comune non attestate dalle fonti precedentemente elencate.
4.7 - O estudo comparado das línguas românicas (p. 172.)

4.7. 1 - Há porém o latim vulgar encarado precipuamente como base Karl Vossler (Einführung ins Vulgiirlatein), ensina: "Die letzte und
comum das línguas românicas, como o lugar geométrico a que são recon- wichtigste Hilfe aber zur Kenntnis des VIt. bieten uns die rom. Sprachen'
duzidas as chamadas leis fonéticas que descrevem a evolução do latim em (o último e mais importante meio para o conhecimento do latim vulgar
neolatim. l!: o latim vulgar entendido como Urspeache, oferecem-nos as línguas românicas), p. 72.
Para este a fonte mais importante é o estudo comparado das línguas Outros, porém, como o Prof. Serafim Neto, pensam que "as línguas
romãaícas, funcionando os meios anteriores enumerados ora para com- românicas são de inapreciável valor para o. conhecimento do latim falado,
pletar, ora pára retificar, ora para ternar mais precisos os resultados do mé- . mas não para reconstruí-lo e sim para confirmá-Io; constituem apenas ele-
todo histórico-comparativo, ora pata confirmâ-Ios . mentos de verificação" (História do Latim Vulgar, p. 41-2).
Sabido é que, na 1~ edição do Grundriss der romanischen Philologie, Cremos que se pode resolver a contradição distinguindo entre Um-
Meyer-Lübke afirmara que a história do latim vulgar devia ser inteiramente gangssprache e Ursprache, como fizemos. Para a primeira, a comparação
feita com material das línguas românicas, já que os escassos elementos das línguas românicas só tem valor probativo a posteriori; mas para a
colhidos na Antiguidade não atestados nessas lírrgua~ podiam ser postos de segunda, é fundamental.
lado como inúteis. Criticado, afirma Serafirn da S'Iva Neto (História do La-
A maioria das formas latinas que servem de base à Filologia Româ-
tim Vulgar, p. 41-2), o grande romanista, na 2~ edição retirou aquele texto
nica estão documentadas, e isso é um caráter importante dessa ciência,
comprometedor. Já na Einjiihrung in ' das. Studium der Romanischen
Sprachwissenschajt, I ~ edição, 1901, assevera que "ais eine Hauptquel1e pois protogermânico ou proto-eslavo são línguas inteiramente reconstruí-
für die Kenntnis des ~olkslateins gelten nun von jeher die romanischen das. Todavia, também há formas proto-rornânicas restituídas. Vossler-
Sprachen". Vê-se, poi~ que de fonte "única" as línguas românicas passam Schrneck dão duas regras práticas para a reconstrução do latim vulgar.:
a constituir "uma" das ptinci~ais fontes para o conhecimento do latim 1\1 - a reconstrução deve basear-se em dados válidos para o con-
vulgar. senso geral das línguas românicas (ou aproximar-se disso);
A importância da comparação românica para a restituição do chama- 2\1 - a reconstrução deve ser justificada por uma área geográfica
do "latim vulgar", tem sidç, àli4s, reiteradamente proclamada. relativamente grande, dentro da qual ocorra a forma hipotética .
...
40 PREPARAÇAO À lINGUrSTlCA ROMÂNICA CAPo 4 . o LATIM VULGAR E FONTES PARA o SEU ESTUDO
41

o mais, dizem, é questão de tato, de prática, de intuição, de gemo. tonetiche di ogni língua, di ogni dialetto sono ben lontane dal rapre-
As formas reconstituídas - ou hipotéticas - devem ser indicadas sentare una tradizione locale ininterrota; e che gli influssi reciproci
por asterisco. tra lingua e lingua, tra língua e dialetti, non che l'azione dei 'Iatino
sulle diverse Iingue litterarie romanze, sono continue cause di turba-
Daremos exemplos:
mento. (Manuale di Avviamento agli Studi Romanzi, p. 46-7.)
O ptg. avançar, o esp. avanzar, o cato e o provo avansar, o fr. avancer,
o it. avanzare postulam um latim vulgar *abanti~re, que não é documen-
tado mas é exigido pelas leis fonéticas próprias de todos esses idiomas.
Da mesma forma o português rédea, O esp. rienda, o cato regna, o
provo renha, o fr. rêne, o it. redina pressupõem uma forma latino-vulgar
"retina em lugar do. clássico habena, desaparecido talvez por colisão horno-
nímica com avena.
Ao lado de abissus deve ter existido uma forma abismus, que satisfaça
ao ptg. abismo, esp. abismo, provo abisme, fr. ablme, sardo abismu, Talvez
se trate de uma espécie de superlativo (abissimus > abismus) como supôs
Brüch.
Pode suceder que- a forma dada por hipotética venha depois a ser
documentada. Bom exemplo disso, diz o Prof. Silva Neto, é o verbo
perdonare, base do ptg. perdoar, do esp. perdonar, do fr. pardonner, do it.
perdonare, ainda com asterisco na 3~ edição do REW. No entanto, desde
1911, o verbo se achava documentado numa tradução latina das fábulas
de Esopo.
Às vezes-a reconstrução não leva-.~
a supor uma palavra inteiramente
nova, mas simples alterações de palavras perfeitamente documentadas,
...
dentro, aliás, de tendências conhecidâs através das fontes indiretas. Assim
c ptg. fincar e ficar, o esp. hincar, o provo ficar, o fr. [icher, o it. [iccare,
1150 podem remontar ao cláss. [igere e sim a um popular *figicare. Ora,
é um processo comum no latim vulgar o alongamento de palavras com
sufixos, principalmente quando se trata de verbos que passam de outras
para a 1t:t conjugação.
Enfim, a ninguém ocorreu negar legitimidade a esse meio de alarga-
mento de nosso conhecimento do latim vulgar. Mas tem de ser usado
com cautela e dentro das exigências 'do rigor científico. Como diz Mon-
teverdi: ~
Ma si tratta di un rríezzo estremamente delicato; e dobbiamo
scrvirccne COll, cautela senza maí dímentícare le cornplessità dei fatti
linguisticí, c sopra tutto senza considerare Ic leggi fonetichc come
qualcosa
. . di riuido •..
~. e úr- assofuto. Dobbíamo ricordare ehe le rcazioni
CAPo 5 • O LATIM VULGAR HISPÂNICO 43

Tal divisão perdurou até o tempo de Augusto, que redistribuiu o


território em três zonas: Província Hispania Citerior Tarraconensis (Tar-
raconense), capital Tarraco; Província Hispania Ulterior Baetica (Bética),
capital Corduba; Província Hispania Ulterior Lusitania, capital Emerita.
Na reforma de Diocleciano, foi a Citerior subdividida em duas novas pro-
víncias, a Tarraconensis e a Carthaginensis, passando a Hispania Nova
Capítulo 5 Citerior Antoniniana, de Caracala, a denominar-se Gallaecia (Galécia,
Galiza"),

o Latim Vulgar Hispânico 5.2 - Conhecida é a teoria do romanista alemão Gustavo Grôber, se-
gundo a qual a causa da diferenciação das línguas românicas deveria en-
contrar-se nas diferentes épocas de colonização. Destarte, entre o sarda
(aSardenha já se acha ocupada desde o séc. III a iC.') e o italiano, língua
que representa a transformação de um latim mais recente, deveriam situar-
se as demais línguas românicas. O português e o espanhol basear-se-iam
5 . 1 - Como Se sabe, a teoria de um latim vulgar homogêneo já não se num latim ainda do 'tempo da República.
sustenta. Em livro de 1957,1 Serafim da Silva Neto defendia a tese de
um "latim provincial", diferenciado regionalmente em virtude de causas Conquanto bastante criticada, a teoria de Grõber teve os seus defen-
históricas, geográficas e sociais. Surgia, assim, em amplas regiões do Impé- sores. Entre nós, o Prof. Serafim da Silva Neto viu-a com certa benevo-
rio Romano um espírito novo, de fundo autonomista, a nova provincialis lência e, em História do Latim Vulgar, fez estas reflexões:
superbia, a que se referia Jud.
A Hispania foi uma das mais antigas conquistas dos romanos. Nos Na verdade os povoadores da primeira camada é que formam
últimos anos do séc. Hl a. C., por ocasião da Segunda Guerra Púnica, as a base do latim provincial; as emigrações sucessivas têm de acomo-
legiões desembarcam em Ampurias, no litoral mediterrâneo (218), e, em dar-se-lhe. Os novos colonizadores eram logo sentidos como aliení-
pouco mais de dez anos, põem fim~ao domínio cartaginês. O séc. II será gerias e os seus filhos tinham por força que acomodar-se à lingua-
o da consolidação da conquista ..•• : • gem do meio em que viviam (p. 73).

Do ponto de vista administrativo foi a Península dividida em duas


Com essa teoria procurou-se explicar alguns aspectos arcaizantes do
províncias: a Citerior (vista de Roma, a província do lado de cá do estreito
português e do espanhol. Na História da Língua Portuguesa (p. 116-7)
de Gibraltar) e a Ulterior. k primeira compreendia as terras que tinham
deu o Prof, Serafirn da Silva Neto alguns exemplos colhidos nesse latim
por litoral o lado oriental da Península; as que se' estendiam para o litoral
que Diego Catalán chama "fundacional":
sul (a Andaluzia de hoje) constituíam a Ulterior. 2
O advérbio demagis, que só se encontra no esp, demás; o verbo tabu-
lari, comum no séc. II a. C., desaparece no latim literário, mas persiste
1 História do Latim Vulgar. no lat. vulgar ibérico, como o comprovam o ptg. falar e o esp. hablar;
2 Essa divisão gerou a~ teoria de du'~s correntes de romanização: a do Sul, estão praticamente no mesmo caso os verbos latino' quaerere (ptg. e esp.
partindo da Baetica, com ~a florescente cultura citad.na e ativa vida cultural, e a querer) e percontari (ptg. e esp. preguntar, ptg. do Br. perguntar); cam-
do Leste, com centro na Tarraco""ellsis, de caráter militar e um tanto vulgar. A teoria psare ocorre em Enio, Anais (séc. lU a. C.), depois cai em desuso na
foi lançada por Griera e mais tarde "retomada por Harri Meier, que a modificou
habilmente: as duas correntes se teriam .encontrado na área castelhana, que, assim,
.apresentaria traços con:uns a arnbas. 'Posteriormente, a Reconquista teria levado para
o Sul as duas correntes já castelha'niz~das (V. Baldinger, La Formacián»: 104-6). 3 Não confundir com Galicia, região da Rússia e da Polônia.
'. . ~
44 PREPARAÇAO A LINGOrSTICA ROMANICA CAP. 5 • O LATIM VULGAR HISpANICO 45

língua literária, mas sobrevive no ptg. cansar (cfr. na Peregrinatio: ut de ocupação da Hispânia, segundo testemunhos de historiadores romanos,
via cansemus'[, como Tito Lívio, confirmados e reafirmados por estudiosos de nossa época.
Também EntwistIe, em The Spanish Language (p. 63) aponta alguns A Onomâstica tem sido chamada a depor, entre outros, por A. Tovar.
desses arcaísmos, que passamos a transcrever: Diego CataIán (op. cit.: 160-1) refere-se à origem itálica dos nomes dos
senadores hispanos durante o principado, à existência de nomes itálicos
o pron. cuius, a, um (ptg. cujo, esp. cuyo) não ocorre em nenhuma entre os primeiros empresários chegados ao Levante espanhol para reorga-
outra língua românicas, cova (cfr. o gr. kóoi) conserva-se no ptg. cova
nizar a mineração e ao enraizamento e difusão dos nomes de procedência
e no esp. cueva (a forma clãss, era cava, de onde, p. ex., caverna); vocare
itálica na tradição onomástica da Hispânia" .
(não confundir com vocare "chamar"), está mantido no ptg. vogar e no
csp. bogar (o cláss. era vacare; Plauto, Caso faz um jogo semântico com Ao alegado testemunho onomástico veio juntar-se o toponímico, par-
o verbo vocare). EntwistIe cita ainda eras (documentado, ao lado de ma- ticularmente aduzido por Bertoldi e Pidal. Recordemos, de início, o de-
tiana, no Cantar de mio Cid), sempre' (ptg. sempre, esp. siempre, mas fr. batido topônimo Osca (hoje Huescay.' centro cultural fundado por Ser-
toujours; todavia it. sempre), res (ptg. arco ren}. Contudo, como pon- tôrio, na Hispânia, no séc, I .a. C. A quantidade breve do o (ômicron
dera S. Mariner Bigorra, eras, semper e res não são temos arcaicos. em grego) favorece esse étimo para Huesca, em virtude da ditongação,
Informa Diego Catalãns que A. Tovar, em discurso de 1968, enri- mas, para outros, o h inicial constitui um problema não resolvido. ~ que,
queceu a relação de arcaísmos ibéricos trazidos por Serafim da Silva Neto, ao lado de Osca, existia um tipo de moeda chamada bolscan, cunhada
os quais foi respígar em Catão, Lucílio, Varrão, :E.nio, Plauto, Névio; in- na própria Osca. Não teria saído o nome da cidade do nome que batizou
felizmente não os enumera. Na sua opinião, "Essas preciosas relíquias do a moeda e, nesse caso, nada teria que ver com o itálico osco? Para
latim arcaico ilustram, sem dúvida, .um curioso aspecto da coloração diale- Hübner Osca seria de proveniência ibérica; Pokomy pensou numa pala-
tal que teria o latim hispânico, em certas camadas do léxico, durante a vra ilirica; Rohlfs julgou-a céltica. Menéndez Pidal, porém, fiel às suas
época clássica" (p. 159). primeiras pesquisas, continua defendendo o étimo itálico. 8 E o seu prin-
Contudo, S. Mariner Bigorra pondera que não se deve exagerar a cipal argumento é o de que se trata da hipótese mais simples, contra a
importância desses traços dialetais arcaizantes, pois "o seu escasso núme- . qual ainda não surgiu nenhum dado decisivo. Outros topôoimos hispâ-
.
ro aconselha antes a considerá-los ,,. ilhotas escapadas à nivelação idio-
como nicos, presumiveImente de origem sul-itâlíca, que recolhemos. da lista
mática que indeficientemente foram provocando ~agas lingüísticas suces- de Pidal: Lavemia, Abella, Benaente (Beneventum), Suessa, Vinuesa (Ve-
sivas produzidas por quatro séculos~\pelo menos, de contínuos trânsitos nusia), Caracena, Bochoma (Vultumum).
dentro de um império unificado;--do que como testemunhos de uma inde-
Este último também serve de nome para um vento que sopra do
pendência de todo um caudal de elementos entrados numa primitiva irn-
monte Vultur, na Apúlia, território OSCO, de onde o ptg. e o esp. bochorno.
portação".» Conclusão com à qual Diego Catalán põe-se de acordo. De
Certos fenômenos de alteração fonética também têm sido reconduzi-
qualquer forma, confirmam o alegado conservadorismo do latiÍn vulgar
dos à influência desses povoadores bilíngües, originários da Itália do
hispânico. i Sul. Estão nesse caso as evoluções mb > mm, nd > nn, ld > li.
-:
5.3 - Outra característica que tem sido apontada para o latim provin-
i·!
cial hispânico é o da possível influência dos falares da Itália do Sul. Dever-
se-ia isso a uma certa predominância-: de soldados e colonos itálicos na
i 7 V. a respeito a nota 105 da pág. 111 do Importante estudo de Kurt Baldinger
La Fornurción de los Domínios Lingüísticos en 111 Península lbériaz,% nota bastante
~
rica e informativa. Na mesma página observa Baldinger que a tese de Pidal foi
impugnada por RobHs, Kuhn, Elcock e von Wartburg, mas a ela aderiram Gamillscheg,
4 Meyer-Lübke, REW.3 cita o logudorês kuyu, Knen e Dámaso Alonso. Posteriormente a estes se juntaram Bcrtoldi, Lapesa e Silva
" Lingüística Ibero-Românica, p. 159. Neto.
6 E~ Latia de Ia Península lbéricl. ELH. I: 205. ... s V. págs. LIX-LXll da EIB 1.

, 'i i' i i "+"+'""+"'+ i F9.....,.........-,.T--rI~T~líl~nlrn-' 1111111111 rr 11111 T 11111111 ft 111 I 111 11 I 11 111111 fi I I 11 I I 11 111 11111 111 I I I I I I I I I 11 I I I I I 11 i 111111 I 1111111111I 11111111111 1 1 1 11111111'1 IITITITnrlf,TIT,Il·fr
CAP. 5 • O LATIM VULGAR HISPÂNICO 47
46 PREPARAÇÃO À LINGüíSTICA ~OMÃNICA

Mestre espanhol: muito menos agora quando as teorias estruturalista,


A assimilação mb > mm teve por berço a bacia do Ebro, diz Pidal. tendem a reconduzir ao interior do sistema os estímulos que provoquem
Como se sabe, esse tratamento é o próprio do catalão, do aragonês e do qualquer modificação do próprio sistema.
castelhano. No csp. temos, p. ex., paloma e lomo, respectivamente do lat.
palumba e lombu, Quanto a ambos é rclatinização da forma arcaica amos, E acrescenta:
A assimilação nd > nn é geral em catalão e gascão e abundante no E, como quer que seja, certo é que a qualquer explicação "subs-
antigo aragonês, Cfr. em cato demandare > demanar, rotonda > rodo na, tratista" se pode opor a serripre válida objeção de nosso escasso co-
]espondebat > responia. Salientemos que tal evolução era própria do an- nhecimento das línguas pré-latinas, sejam elas itálicas ou ibéricas, "
tigo osco-umbro (sakrannas "sacrandas"),
A passagem de ld a li é mais rara. Pidal, entre outros poucos exem- 5 .4 - Outra caracterização do latim hispânico, que acentua também o
plos, registra Bcsalú, do nome céltico Bisaldunum, e !lerda, forma latina
seu conservadorismo, tem sido feita através da "doutrina das áreas" ou
da cidade ibérica lldirda. das "normas espaciais", que se deve ao italiano M. Bartoli. De acordo
Serafirn da Silva Neto (Hl.P>: 117), manifestando-se favorável ao com essa teoria, as áreas marginais são mais conservadoras, o C;ll'! é o
influxo itálico, escreve isto: caso da Hispânia e da Dácia dentro da România (a Gália e a Itália são
áreas centrais). Daí certas concordâncias entre a Dãcia (romeno) e a
Não surpreende, pois, que se houvessem fixado no latim hispânico Hispânia (português e espanhol).
formas como octuber (por october), nudu (por nodu), elex (por
Alguns exemplos:
ilex) , * peca (por pica), steva (por stiva) , pomex (por pumex),
"sober (por suber) , oricla (por auricIa), cerciu (por circiu:
Português Espanhol Francês Italiano Romeno
cf. M. L. Wagner, in Romanische Forschungen, XLI. 1948, 9),
além de traços fonéticos (-nd- > -Iln-, -mb- > -mm-, > ld > li-), Latim: AFFLARB *TROPARE AFFLARE
que se ligam, claramente, ao mosaico da Qialetologia itálica. achar hallar trouver trovare a afia

Latim: AUDIRE INTENDERE AUDIRE


Contudo, estamos longe da unanimidade a respeito de tal influência.
ouvir oír entendre (udire ) a auzi
Entwistle pondera que. "até agora yã6 há evidência direta de tal coloni-
zação e um desenvolvimento espontâneo não é de forma alguma impos- Latim: FERVERE BUlLlRE FERVERE
sível". Depois de longa. e benl. fu~êlada exposição e discussão do pro- ferver hervir bouillir bollire a fierbe
blema, Kurt Baldinger (La Formacián: 122-3) assim conclui:
Latim: FORMOSUS BElLUS FORMOSUS
formoso hermoso beau bello frumos
A discussão em torno dos influxos italianos na rornanização da
Península Ibérica está, pois, ainda aberta. Opinamos com Rohlfs que Latim: EQUA lUMENTUM EQUA
é possível supor uma forte participação de colonos procedentes da égua ycgua jument giumenta iap«
Itália do Sul, contudo as conseqüências deste fato ainda não estão ,
Latim: PLlCARE *ARRIPARE PLlCARE
provadas. Os elementos de léxico; aduzidos não coincidem geografi- a rri vare a plcca
chegar lIegar arrivcr
camente com os fonéticos; nunc.f se insistirá bastante em que a his-
tória de seu desenvolvimento é individual e que, por isso, necessita Latim: MAGIS PLUS· MAGIS

de investigações "part.iculares. Inclusive aos argumentos fonético •• mais nuis plus piu mai
opõem-se não poucos de iihportância essencial.

Quanto a Tavani, a questão "é ainda objeto de debate e não parece 11 Preisloria e Protostoi ia dcllc Linguc lspanichc : 1:!6.
nada próximo o acordo dos 'est~drbSOS a respeito 'da solução proposta pelo

. f
VULGAR
••• PREPARAÇAO A LlNGUrsTICA ROMANICA
CAP. 5 • O LATIM HISPANICO ••
9

Todavia, em outros. casos (irmão. ptg.; hermano, esp., mas fr. jrêre, retóricas da Bética; era um latim pinguis "derramado", na opinião de alguns
it. jratello, rom. frate), o romeno acompanha o fr. e o it. e se distancia italianos. Os cântabros foram pacificados somente sob Augusto, mas não
do ptg. e do esp. se deixaram submeter nem pelos romanos, nem pelos visigodos; puderam
Por outro lado, como lembra Iud, a Hispânia nem sempre conserva; assim ter preservado também a sua independência lingüística. Quando, mais
às vezes também inova. Nos exemplos abaixo indicamos com in. os casos tarde, as populações hispânicas foram romanizadas, conclui EntwistIe, o
de inovação e com con. os de conservação (as formas entre parênteses latim por elas aprendido conservaria ainda a estrutura gramatical e o an-
são as origens latinas): tigo vocabulário de seus mestres-escolas.
pt. irmão. esp. hermano (germanu), fr. jrêre (fratre), it. fratello Contudo, havia sempre particularidades regionais, especialmente de
(*fratellu) - in.; pronúncia. Esparciano, historiador do séc. m, diz-nos que Adriano, ainda
ptg. cama. esp. cama (or. incerta), fr. tu, it. letto (lectu) - in. ou questor, provocou o riso no Senado, por sua pronúncia imperfeita ("agres-
arcaísmo; tius pronuntians"). E, talvez, o próprio tom arcaizante da linguagem pu-
ptg. pássaro, esp. pájaro (*pasSeru), fr. oiseau, it. ucello (*aucellu) desse contribuir para identificar o provinciano.
- con.; Serafim da Silva Neto (HLP: 117) vê possível influência da escola
ptg. comer. esp. comer (comedere), fr. manger, it. mangiore (mandu- nos seguintes fatos:
care) - con.; manutenção dos três demonstrativos: iste, ipse, ille (ptg.: este, esse,
ptg. cego, esp. ciego (caecu), fr. aveugle (*ab oculis), it. cieco _ aquele; esp.: este, ese, aquel);
con.; conservação do mais-que-perfeito em -ra.;
ptg. queijo, esp. queso (caseu), fr. jromage, it. formaggio (formaticu) conservação do preto imperf. do subj. (-sse-).
-con.
M. C. D'Arrigo Bona (Storia de lia Lingua: 27) inclui a acentuação
clássica na terminação -aginta nas dezenas dos numerais=,
5.5 - Mas a explicação geográfica para o coflservadorismo do latim his-
pânico (área marginal) não é a única. Outro fator que se tem apregoado
5 . 6 - O latim vulgar, da Península Ibérica tem sido estudado à base
é de ordem cultural: a escola. Famosas foram as escolas de Sertório e
de material epigráfico, tal como se vê no opúsculo clássico de A. Carnoy,
Estrabão, dê que nôs fala Plutarêo, Gramáti~os ensinavam em dilatados
Le Latin d'Espagne d'aprês les inscriptions, 1~ ed. 1902, 2a. 1906
espaços da província. Escritores. áIlmo Sêneca, Lucano, Quintiliano, Mar-
cial viram a luz do dia na Hispânia. Os imperadores Trajano e Adriano (onde Espagne equivale a Hispanie, como adverte Leite de Vascon-
também eram hispânicos. Tratava-se, portanto, de uma das mais prósperas celos, pois o estudo tanto se refere à Espanha como a Portugal). S. Ma-
províncias do Império. .... riner Bigorra, porém, alude à insignificância dos resultados obtidos, pelo
menos no que diz respeito ao léxico. Ainda com material epigráfico, H.
A romanização aí começou cedo e foi intensa, Leite de Vasconcelos
Martin publicou Notes on the Syntax oi the Latin Inscriptions [ound in Spain,
lembra que o geógrafo grego Estrabão, do séc. I de nossa, era, já obser-
Baltimore, 1909. Como texto de natureza literária (narrativa de viagem),
vara que "os turdetanos e mormente os ribeirinhos do Bét~ adotaram de
têm sido colhidos prestimosos elementos na Peregrinatio Aetheriae, escrita
todo os costumes romanos e até já nefD se lembram da própria Iínguav.=
por uma religiosa que se supõe natural da Galiza.P
Entwístle= díz qu~ o latim ~ue os habitantes da antiga Híspânia
aprenderam pode ter sté:Iuadquirido sob a influência das grandes escolas
~
1: Na verdade, Consêncio, grarnático da Gália Narbonense do séc. V, condenava
o barbarismo de acentuação trígíllta por triginta.
10 Lições de Filologia Portuguesas: 13. O rio .Bétis, hoje Guadalquívir, banhava
Bética, hoje Andaluzia. 13 Em português, o trabalho mais completo sobre a Peregrinaria é a tese do
Prof. Rosalvo do VaIle, Considerações sobre a Peregrinaria Aetheriae, Niterói, 1975.
Tire Spanisli LanC/lac(: 75."
11

•..
\. ... e
50 PREPARAÇÃO À LINGUfSTlCA ROMÂNICA CAPo 5 • O LATIM VULGAR HISPÂNICO 5l

A linguagem do texto, que deve pertencer aos fins do séc. IV, não Curioso que a monja, presumivelmente de origem hispânica, use sem-
permite uma indiscutível opção a favor da naturalidade hispânica ou gau-
I pre manducare (fr. manger) e nunca comedere (ptg. e esp. comer). Tratar-
lesa da monja. Todavia, como observa Tavani: I se-á, como pensa Tavani (op. cit.: 100) de termo próprio do latim cristão.
já que, na Vulgata de São Jerônimo (séc. IV), é sensível a predominância
I
Que os elementos lexicais e sintáticos pelos quais se torne pos- de manducare?
sível o confronto com correspondentes elementos hispânicos, toma- '1 Caso interessante é o emprego do verbo plicaref plecare, Ocorre esse
dos singularmente, sejam ao revés comuns a zonas diversas do Im- i verbo três vezes, das quais duas pronominalmente. Algunsautores querem
pério, é de modo geral um dado realmente irrefutável; mas que ver nesses passos o sentido de "aproximar-se", que encontram no piegare
muitos vocábulos, muitas expressões presentes na Peregrinatio res- de Dante, o que lhe tiraria o caráter de hispanismo. Contudo, no exemplo
soem hoje mais familiares às orelhas hispânicas do que às orelhas não pronominal ("cum iam prope plicarent civitati"), Tavani afirma:
francesas, italianas ou romenas, é também esse um dado inegável
(op. cit.: 97). il verbo in questo luogo appare usato nell'accezione di "arriva-
re", e in tale accezione corrisponde allo sp. [legar e al pg. chegar.
No artigo que escreveu para o F) vol. da Enciclopedia Lingüística che ne sono probabilmente Ia continuazione ispanorornanza (op :
Hispánica.: de que já nos valemos mais de uma vez, S. Mariner Bigorra cit.: 98).
apresenta-nos os seguintes elementos de caráter lexical: canto, em vez
Opinião que nos parece acertada.
de cano (ptg, e esp. canto); clvitas, em vez de urbs ou oppidum (ptg.
cidade, esp. ciudad); porta, em vez de ianua (ptg. poria, esp. puerta); A esse respeito, aliás, julgamos muito oportuna a transcrição, na
septimana substituindo hebdomada (ptg. e esp. semana); grandis ou ingens, íntegra, da seguinte nota, substanciosa e original, do Prof. Serafim da Silva
mais freqüentes que magnus (ptg. e esp. grande); cata com valor Neto, em sua História da Língua Portuguesa:
distributivo (ptg. e esp. cada); fui ad por ivi ad (ptg. e esp. fui a); diri-
gere se, a que correspondem o ptg. dirigir-se e o êsp. dirigirse; [abula, .no O verbo applicare já possuía no emprego escrito e mesmo lite-
sentido de "conversação", o que, está na base do derivado [abulare, ptg. rário, o sentido náutico de .aproximar, arribar: "navirn ad naufragum
falar; esp, hablqj; mensa, distinto de tabula (só usado para as da Lei), applicarunt" (Cíc. lnv. 2, 51, 153); "ad Heraeum naves applicuit"
como o ptg. e, esp. mesa; mansio, nb sentido de "pousada" e nunca de (Lív. 33,17); "applicatis nostris ad terram navibus" (Cés. B.C. 3.
"casa"; superare em vez de superesse.'(ptg. e esp. ;obrar); subire concor- 101) - estes e outros exemplos podem ver-se em qualquer bom
rendo com ascendere, este contudo ainda mais abundante. dicionário, v. g. o de Freund, S. v. Desse applicare se deduziu 'plicare.
Acrescente-se ainda o uso de proprlus com o valor de "mesmo", o que na Peregrinatio Aetheriae, texto plausivelmente hispânico, apa-
emprego de quia, quoniam ou quod para introduzir: orações integrantes,':' rece com o sentido de appropuinquare: " ... et sic plecaremus nos
habeo mais infinitivo, prenunciando o futuro românico-s, habere com valor ad montem Dei" (2, 4); "plicavimus nos ad rnare (6, 3; " ... plica-
impessoal. 10 rent civitati" (19,9). Cf. M. Niedermann, in Neue Jahrbücher, XXIX.
1912, p. 315-6; Cornu, obro cit., § 134; Jud, in ZRPh. 38, p. 28-9;
Tagliavini, Le origini delle lingue neolatine", 1952, p. 180. Parece-
" Como observa Rosalvo do Valle, citando Christine Mohrmann (op. cit., nos, assim, inexato partir 'do lat. plicare "dobrar"; e desnecessário o
IIS). quonuun é vulgar e bíblico; quiu, rMis popular, quod, mais refinado.
liame semântico plicare (velas), porque sempre que chegavam aos
1', Roxalvo do Vaf lc (ilitid.: ,112) documenta com traversare habcbamus, exire
portos os marinheiros dobravam as velas. 11
//(/1>('''011/1''' c tliccrc habct .

'" V. a C",; respeito Juan Bastardas Pareru, Particularidades sintáticas dei latin
mcdicva! (Barcelona - Mad,'id, eSle). 1953, p. 109·112 e Bassols de Climent,
Sinuixis histárícarl»
.
lu {(,I/S;II11 latina (Barcelona,
~ 1945), torno II, l § 19 (p. 82-85). 11 HLP":' 261, nota 5.
r.
52 PREPARAÇAO A LlNGOfsTICA RoMANICA

Note-se que essa tese (a dedução semântica de plicare de applicare)


foi sustentada recentemente por Eric Dahlén, em suas Remarques S,'/IIa-
xiques sur certains verbes pronominaux en Latin et en langues rUI !c/IT,.\
("11 est apparent que le composé a influencé le sens du verbe simple",
diz - p. 4).
Quanto a sedere, étimo do ptg. e esp. ser, 18 não se podem esquecer
as 27 ocorrências da Peregrinatio, das quais 6 já possuem o sentido que CapítuIo~
vai concretizar-se no ptg. e espanhol."
Convém salientar pertencer a Peregrinatio à coleção de textos incor-
porados ao latim cristão. Razão por que nessa narrativa se encontram os
dias da semana designados pela forma prescrita pelas autoridades eclesiás- o Latim Cristão
ticas: secunda feria, tertia feria, quarta feria, quinta feria, sexta feria.
Diz a tradição que o Papa Silvestre (séc. IV) a tomara obrigatória. "0
Mas foi em Portugal que a ação veemente de S. Martinho, bispo de Braga,
fê-Ia vitoriosa. Mais um argumento a militar em favor da origem hispânica
da monja Etéria (ou Egéria). 6.1 - Uma das conseqüências da deposição da idéia do latim vulgar
como Ursprache para, em seu lugar, introduzir-se a de Umgangssprache,
Sempre haveria a possibilidade de alinhar outros elementos histórico-
foi a maior atenção que os fatos históricos passaram a merecer dos lin-
Iingüísticos que concorressem para melhor acentuar a diferenciação regio-
güistas. O grande fato. histórico-social do Cristianismo que, praticamente,
nal do latim vulgar da Península Ibérica. Mesmo porque é impossível negar
inexistira para os filólogos positivistas, foi-se aos poucos insinuando na
que o latim falado no vasto território da România não possuía aquela unifor-
trama dos estudos romanísticos e hoje a presença do latim cristão é fator
midade acariciada pelos estritos seguidores do método histórico-compa-
rativo. O "Received Standard Imperial", a que sê' referia Lõfstedt -'e o impreterível
--.::::::
para r----"'-
a correta compreensãOdos
-
fenômenos ~.que -conduziram
nome standard é expressivo a esse respeito - era um tipo de latim lite- ----
à formação âiSIíõguas românicas.
.

Acompanhando Cristina Mohrmann (Latin Vulgaire Latin des Chré-


rário e, portan~, escrito. Teria, assim, de refugir às impertinentes rupturas
da realidade da língua viva, que longe estava de obedecer a padrões este- tiens, Paris; Klíncksieck, 1952, p. 17), diremos que ~ primeiros
°
reotipados.
..
".... fiábios CUle_p!'opugnaram estudo sistemático do l~tim cristão foi Frede-
rico ~l!Jll, a quem se deve notável artigo intitulado Comment lalanglle
latine devint chrétienne. E~ !879 aI!.areceu em ~.:esla~ um opúsculo da
lavra <!eM. G. Koffmane intitulado Entstehung und Entwicklung des Kir-
chenlateins (Origem e evolução do Latim Eclesiástico), de onde se parte da
idéia justa de que a língua dos povos cristãos deve refletir a vida dos
povos cristãos. Ainda que se tenha colocado em plano capaz de permitir
uma visão profunda do problema, Koffmane não apreendeu o fenômeno
do latim cristão como um todo sistemático. Seguiram-se os estudos de
Max Bonnet sobre a língua de Gregório Turonense (1890), o de H. Goelzer
sobre ° latim de São Jerônimo (1884), o de Lõfstedt e sua escola inte-
ressados em textos de autores tardios, como Tertuliano, Amôbio, a Pere-
18 O fr. être e o it. csscrc pro.)êm, como se sabe, de um lat. vgl. *essere.
grinatio Aetheriae. Mas, cornoobserva C. Mohrmann, coube a Jos. Schrij-
Ia S. Mariner Bigorra, in ELH.l, 226. n~ e~tudaL~la primeira.rvez (fj<!ioma dos pristãos ~ u,!Ú-~~tema,
V. a respeito Serafim da Silva Neto, HLP', p. 326 e segs.
------ --- - --
2(t

.. " como um fenômeno autônomo no quadro do latim em geral. Surge assim


..
54 PREPARAÇÃO À L1NGUfSTICA ROMÂNICA
<:AP. 6 • o LATIM CRISTÃO ss
a escola holandesa, que encontrou em Jos. Schrijnen e em sua admirável
-6.3 - A princípio a língua da pregação cristã foi o grego. "A koiné
discípula Cristina Mohrmann os seus nomes mais eminentes. Para Schrij-
nen e seus discípulos é o latim cristão uma língua especial, Sondersprache ,
I ----
grega", escreveCristina
- .-
Mohrmann, '~foi a primeira língua ecumênica que

no dizer dos alemães. A conceituação do latim da Igreja como língua es-


pecial não angariou, porém, até agora a unanimidade de aprovação dos.
I serviu de intérprete ao pensamento cristão através do mundo antigo". E,
na mesma página (27, op. cit.), dá o motivo: "As primeiras comunidades
cristãs do Ocidente foram, pois, de língua grega: fato que não nos deverá
lingüistas, alguns dos quais procuraram contraditá-la. Como quer que
seja, já não, é mais possível querer traçar os lineamentos dos idiomas neo- f causar espanto, se não nos esquecermos de que no começo o Cristianismo
ICCrutOUseus adeptos principalmente no proletariado oriental das grandes
latinos sem colocar, na base de tais pesquisas, a contribuição vigorosa
trazida pelo Cristianismo. cidades. Era este constituído em grande parte de déracinés de língua grega;
prisioneiros de guerra, libertos, pequenos comerciantes, marinheiros e tan-
tos outros que, originários do Oriente, mas expulsos de seus países, encon-
\ 6.2 - Não se deve, entretanto, i~~~o latim cristão
com o latim vulgar. O latim vulgar desenvolve tendências ancestrais, que -travam certa unidade na comunidade da língua."
~ ,

remontam ao indo-europeu e com as quais pouco tem a ver o latim cristão. Paulo escreveu em grego' a sua epístola aos romanos. E o povo
Mas a "deriva" está longe de explicar todos os fatos que influem positiva- cristão das cidades usava uma espécie de língua técnica religiosa, toda
mente na .caracterização das línguas que se formaram ao longo da Rornâ-. calcada na koiné grega. Todavia, a propagação do Cristianismo fazia com
nia, grande parte das 'quais encontra no latim da Igreja fonte preciosa que, cada vez mais, se incorporassem à comunidade novos conversos. Daí
para e"lücidação de vários de seus problemas. Todavia, mesmo no sentido, a necessidade de textos bíblicos em latim. Surgiram assim as primeiras
de língua do povo ou língua de teor popularizante, não é lícito confundir ve~~íblia _eIIL1atjm, conhecidas com _o nome de /tala, ou melhor,
aquelas duas espécies de latim. Desde os mais antigos tempos a Igreja teve ~i!!9 Jpara o território europeu) e Ajra (para o norte da Africa).
os seus doutores, de forma que há um aspecto culto e outro vulgar no "Essas antigas versões são' éaIacteruadas ~eralismo extremo que
latim da Igreja. Aliás, é do próprio Schrijnen a distinção entre latim levou os seus autores a darem preferência às construções que melhor
cristão (Christ Lateín), popularizante e' latim ecl~siástico (Kirschlatein) ~ guardassem a feição grega do original, muitas vezes, aliás, resultado da
literário e técnico. E o próprio latim cristão popularizante, como nota fidelidade ao modelo hebraico. 1

Devoto (Storiad,ella Lingua di Roma')J' 526) não é ao pé da letra "popu-


Durante muito tempo Se acreditou que a Iatinização tivesse começado
larizanté" e sim um sistema onde abundam as construções '''simples, rea-
na Igreja Africana, onde, pela primeira vez, o pensamento cristão fora
listas, adaptadas a quem, tendo uma'~ J'õnvicção, deve atentar primeiro nas:
, formulado em latim. Para Cristina Mohrmann, já não se pode sustentar
coisas, depois nas palavras".
essa tese. Pelos meados do séc. H, conforme pensa, o processo de latini-
Para C.Mohrmann, as fases popular e culta são sucessivas. Trans- zação da igreja de Roma estava em curso; teria havido, pois, evolução
crevarnos: contemporânea na África e em Roma. Para gerar a opinião de que o
berço do latim cristão fora a província romana da Africa, muito concorreu
Depois do período revolucionário dos dois primeiros séculos. o fato de que o§....mai!!:antigos documentos cristãos errLlati!n pertencem õ

no decurso do qual o latim dos cristãos se formou e estabilizou, ve- Africª---º-º.-N.orte: os Acta Martyrum Scillitanorum :«. a Passio Felicitatis
rifica-se certo enfraquecimento no ritmo da evolução, o que repre-
.a Eerpetuae.
.
senta ao mesmo tenÍpo uma consolidação. Depois, pela segunda
"

metade do séc. IV,~após a paz constantiniana, pode-se observar de


novo uma atividade críalíora bastante viva, mas agora de um caráter
antes eru diito. O quarto e o qumto
' . , Ios se caractenzam
secu . por certa ], Como se sabe, S. Jerônimo, nos fins do séc. IV, retocou essas versões anô-
aproximação entre o latim cristão e a língua' comum, por certo re- nimas, ao tempo do Papa Dâmaso, O texto de S. Jerônimo tornou-se oficial da
torno às- tradições da línpâ e~da cultura. (op. cit., p. 32.) Igreja e foi chamado Vulgata por Rogério Bacon (séc, XIII). As versões da Bíblia
•.. anteriores à Vulgata começam a aparecer no séc. II (Tagliavini) .
56 PREPARAÇÃO l L1NGOISTlCA ROMÂNICA CAP. 6 • O LATIM CRISTÃO
57

6.4 - Os aspectos mais caracteristicos do latim cristão se encontram, Na Sintaxe, observa C. Mohrmann, o uso do adjetivo pelo genitivo
naturalmente, no vocabulário; mas alguma coisa se poderá dizer em re- adnominal, tipo divina gratia, passio dominica, apostolica verba.
lação quer à formação de palavras, quer à sintaxe.
Palmer (op. cit., p, 188) acrescenta a confusão da circunstância ubi
No que toca ao vocabulário, ensina C. Mohrmann que três processos com a circunstância unde, o emprego das preposições de e in com o abla-
foram utilizados para traduzir as idéias novas: empréstimo puro e simples tivo instrumental, a utilização de UlUlS como artigo indefinido, a substi-
ao grego, formação de neologismos latinos, transferência de significado. tuição do acusativo com infinito por cláusulas introduzidas por quod, quia
Quanto aos do primeiro grupo (empréstimos}, podemos citar: após- e quoniam, o emprego do modo índicativo no discurso indireto, o uso do
tata, apostolus, baptisma, baptizo, catechumenus, charisma, diaconus, gerúndio ablativo pelo particípio presente, traços esses todos, aliás, que
ecclesia, elemosyna, episcopus, evangelium, martyr, neophytus, presbyter •. caracterizam o latim dito vulgar de maneira geral.
anathema, angelus etc.
São palavras do vocabulário técnico, referentes a coisas concretas. 6.5 - Uma distinção importante que faz a escola do latim cristão é a
O neologismo foi processo usado principalmente para cunhagem de que se estabelece entre "cristianismos diretos" e "cristianismos indiretos".
termos abstratos: sarkikôs foi traduzido por carnalis; pneumatikâs por ~gS---Cfuetos sã~ as fOfID..Ações.-vocabularesq!!e--º~gnam
spiritalis, sotér por salvator; megaléia por magna/ia; polingenesla por re- '~JlS cristãs~~,-em-sentido-lat<r.-idéias, -1lS0S, instituiçõ.es~._
generatio; apokâlypsis por revelatio; ·lógos por verbum, entre outros. A esse grupo pertencem todas as palavras ou expressões que mani-
Os desvios de significação se processaram ora por influxo grego, festam idéias especificamente cristãs, as quais podem ser neologismos,
ora autonomamente. São exemplos: lides (fé .e não lealdade), lavacrum empréstimos (cristianismos léxicos) ou consistir em novas significações
(batismo e não banJw), spiritus (espírito e não sopro), peccare (pecar (cristianismos, semânticos).
e não errar), virtus, utis (virtude e' não valor) ~tc." Assim, se para a idéia de "revelação", os cristãos aproveitaram o termo
No que conceme à formação de palavras, extraímos de L. R. Palmer, grego apokálypsis, o exemplo será de cristianismo direto léxico, na cate-
"Special Languages - Christian Latin", ÍI!. TherLatin. Language, p. 188, goria de "empréstimo". Mas, se para a mesma idéia outros cristãos prefe-
as seguintes observações: Tiram cunhar o termo revelatio, nesse caso teremos um cristianismo direto
léxico, na categoria de "neologismo".
predileção- por palavras extensas: aeramentum, coronamentum, gau- Como exemplo de cristianismo direto semântico, sirva o termo "con-
dimenium; fiteri''', que no lato c1áss. quer dizer "reconhecer', mas que, para os cristãos.
abstratos em -tudo: -grossitudo, rêctitudo, poenitudo; significava "confessar a fé" e também "confessar os pecados'",
diminutivos: oviculus, agniculus, umerulus, auricula, domuncula;
Eis, segundo C. Mohrmann,s a gênese desses cristianismos diretos:
adjetivos em -bilis: acceptabilis, odibilis, reprehensibilis;
adjetivos ~m -osus: linguosus, meticulosus, staturosus; Quando o Cristianismo fazia sua entrada na sociedade romana,
adjeÚv"'O~lí~undus: biliabundus, famulabundrls; a doutrina nova devia ser formulada em latim. A língua, interme-
verbos denominativos da li!]. conj.: custodiare, potionare, amaricare, diária do pensamento humano, devia adaptar-se a essa função nova.
cibare. E aqui que constatamos uma influência direta exercida pelo Cris-
tianismo sobre a língua; e nós chamamos as transformações lin-
Na Morfologia, encontra-se o pI. neutro pelo singular (retia por rete),
güísticas que resultam da necessidade de exprimir as idéias cristãs
eliminação de neutros (iignus, verbJs, vinus), mudança de conjugação
em latim por um termo, forjado por Mgr. Schrijnen, cristianismos di-
nos verbos (fugire, ex~cer.e, lugêre, florire), indecisão no emprego de
retos.
formas depoentes (admirare, e~ortare, paeniteri, taederi).

2 V. C. Mohrmann, "Theorie der Altchristlichcn Sondersprache", in Etudes SUT


• Outros exemplos: gentes "pagãos" c não "estrangeiros"; pagani "pagãos" e le Latin des Chrêtiens, I, p ... 11-12.
não mais "campônios"; orare ••rezar ••••e não "pedir solenemente".
" . """ li "Traits Caractéristiques du Latin Chrétien". in Btudes, I, 22.

ffj-'fi í.i Ii li" I i xaJ:n:rn ~rixp:ríTfrtIftf-.ütmnntti"':.l~.-l •.r:u----n:rrc.J..Jjlr.:J~IlThr.lllfftfITTiT.tiJ·.riTiTfTLfuli I LrrrrrrTITTTITf II rfl I.ll' IIII i L1-4Jl
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58 PREPARAÇÃO À L1NGUISTlCA ROMÂNICA CAPo 6 - O LATIM CRISTÃO S9

A esse grupo pertencem os nomes das instituições eclesiásticas, da problema de uso: maior freqüência na língua dos cristãos, onde assumem
hierarquia e das coisas mais ou menos concretas, que foram trazidas para um matiz diferencial característico. *
Q Ocidente pelo Cristianismo, os 'quais são em grande parte de origem Vamos, ainda com apoio em C. Mohnnann, citar alguns exemplos.
grega (empréstimos). Cabe inicialmente distinguir entre cristianismos indiretos morfológi-
A preferência por um tipo ou outro de criação não está bem escla- cos e cristianismos indiretos sintáticos.
recida. Mas parecem-nos justas as seguintes observações de C. Mohr- Os do primeiro grupo são quase sempre palavras derivadas. Há pre-
mann: dileção por certos sufixos. Para os substantivos: -tor, como em: cooperator,
exterminador, operator, transgressor; -tio, como em: [ornicatio, incorruptio,
Uma palavra estrangeira bastava para designar coisas mais ou tribulatio, Para os adjetivos: -bilis: ruptibilis, investigabilis, possibilis. Para
menos concretas, mas, desde o momento que se trata de verdades os verbos: -iiicares mortificare, sanctijicare, glorificare, beatificare.
da fé, da doutrina cristã e de coisas que tocam o coração, a língua Entre os cristianismos indiretos sintáticos, temos: a) ~-
estrangeira se torna falha e é a língua materna que entra em cena .•
- -----
tivo em vez de um genitivo,possessivo:
- ~---
misericordia divina e não miseri-
cordia Dei, passio dominica e não passio Domini, disciplina ecclesiastica
Entre os cristianismos semânticos podemos ainda citar: salus, "bem- e não disciplina Ecclesiae, evangelica pax e não pax Evangelii; b) em-
estar", mas no lat. eristão "a salvação da alma" (e daí Salvator "salvador", p~~o _genit~o com ~m sentido de finali~de, destinação, que nãõ=é
correspondente ao gr. sotér); spiritus, correspondente ao gr. pneuma p~rio do latim culto: dies iudicii "o dia do Juízo", isto é, o dia destinado
"sopro", mas no lat. er. com sentido imaterial; caro "a carne", mas agora em ao JuÍZo Final; panis laetitiae "o pão da alegria", isto é, o pão cuja finali-
oposição a spiritus; peccarc, não no sentido profano de "cometer erro" e sim dade é provocar alegria ao ser comido; c) emprego da sintaxe_dicere ad
no religioso dc "ofender a Deus"; pax, não a paz dos pagãos, que se opu-
~.J_dicere + dativo, como em dixit ergo ad Joseph.
nha a bellum, e sim a. dos cristãos, que tinha seu antônirno na "persc-
cutio" . S Conforme observa C. Mohnnann, esse emprego, que já foi imputado
ao influxo grego, dever-se-á mais propriamente ao fato de que muitos
Não menos importantes (a escola holandesa até os julga de maior

-
nomes bíblicos são indeclináveis em latim.
relevância) são os "cristianismos indiretos", ou seja, aqueles qtle, por
No latim tardio fazia-se até a elipse do verbo: et Dominus ad discí-
sua natureza, não estão associados ao Cristianismo, e que, portanto, não
estão em ~relação direta com a doutrina cristã. Duma pesquisa que empre- pulos (Sto. Agostinho, Serm.).
endeu sobre o vocabulário cristão des três primeirós séculos da nossa era, A incorporação do estudo do latim cristão ou latim dos cristãos às
concluiu C. Mohrrnann que ~tianismos indiretos são quase todos de pesquisas que se têm feito para melhor elucidação da base lingüística sobre
formação latina. que se apóiam as conclusões da Filologia Românica é um dos ganhos mais
positivos que recentemente a Lingüística Histórica trouxe para o campo
Para a escola de Nimega'iesses cristianismos têm especial significação.
Porque, como diz C. Mohrmann: "São principalmente esses fatos lingüís- da ciência da linguagem.
t.cos que nos dão o direito de falar de uma língua especial dos cristãos,
já que são os testemunhos irrefutáveis de uma diferenciação social a operar
lima diferenciação lingüística" (in Etudes, I, p. 33).
Trata-se de inovações' que não são especificamente cristãs. Surgira,.
também ou poderiam ter ~surgido na lfugua comum. Talvez se trate de um

• "Entretanto muitas particularidades morfológicas, lexicológicas, sintáticas etc.,


• Idem, ibidem, p.. 23. desse gênero não se encontram senão em autores cristãos ou nas inscrições cristãs
Pax adquiriu ainda outros seutidos entre os cristãos; V. Mohrmann, in Etud es, exclusivamente" (J. Schrijnen, Le latin chrétien devenu langue commune. Revue
I, p. 28·30. t des Etudes Latines, t. 12, 1934).

..
'
CAP, 7 • ROMANIZAÇAO 61

7,2 - Mas os inimigos de Roma eram numerosos,

Na sua descida para o Sul, os gauleses haviam de chocar-se com os


romanos. E foi o que se deu. O exército romano viu-se destroçado às
margens do Alia (390). Roma foi ocupada, os senadores passados a fio de
espada. O restante das tropas resistiu bravamente, no Capitólio, a um
assédio de Sete meses, só não tendo sido esrnagadas certa noite, graças ao
Capítulo 7 alarme dado pelos gansos sagrados. A retirada dos invasores Se realizou
mediante pesado resgate, que o chefe dos gauleses (Breno) tornou mais
opressivo, ao lançar a sua espada num dos pratos da balança, enquanto
Romanização exclamava orgulhoso: Vae victisl (Ai dos vencidos!).
Os romanos, contudo, refizeram-se da derrota, e o séc. IV, que se
iniciara tão desastrosamente, iria tornar-se, militarmente, um dos mais bri-
lhantes da sua história.
Livres dos gauleses, submetidos os etruscos e os volscos, tiveram os
7.1 - A história da difusão da língua latina corre paralelamente ao romanos de enfrentar os samnitas, da Campânia, Foi uma luta dura, em
relato das conquistas que fizeram de Roma o centro político da bacia que a vitória ora pendeu para um lado, ora para outro. O prêmio era a
mediterrânea. hegemonia da Península e, para consegui-lo, travou-se luta decisiva "entre
o touro samnita e a loba romana". 'Foi na segunda guerra samnita que
De pequena povoação à margem esquerda do Tibre, colocada em
ocorreu o humilhante episódio das forcas caudinas: surpreendido no des-
colinas que permitiram escapar à insalubridade dos vales pantanosos, foi
filadeiro de Cáudio, foi um exército romano inteiramente batido, e os
Roma progressivamente crescendo de importância- graças à posição geo-
guerreiros tiveram de passar desarmados sob o jugo - um galho susten-
gráfica de lugar de passagem entre as correntes de comerciantes que cir-
tado por duas lanças -, sinal de escravidão.
culavam da Etrúria para a Campânia e vice-versa, e não tardou a converter-
se, pelo gênio dô seu povo, numa verdadeira cidade próspera e poderosa. A situação de Roma parecia periclitar. Todos os povos não rornani-
Rômulo, herói lendário, foi o fúndador de

Roma
(753 a.C.}. Seu
zados da península se uniram contra Roma: etruscos, urnbros, hérnicos
- aliados da véspera' -, os próprios gregos. Contudo, o valor militar
sucessor, Numa Pompílio, era sabíno, assim como Anco Márcio, quarto
dos romanos e a sua melhor organização acabaram por impor-se, c Roma
rei de Roma. Tulo Hostílio, antecessor de Anca Márcia, era romano de
triunfou contra todos. Em 312 os samnitas viram-se obrigados a pedir a paz.
nascimento. São três reinados que pertencem quase por completo à lenda.
Certo é, porém, que os primeiros povoadores de Romoa foram latino-sabinos. Vencidos os samnitas, restaram face a face, dentro da Península,
gregos e romanos. A princípio contidos por um tratado, não tardou que
Os etruscos vieram depois, com Tarqüínio Prisco, quinto rei de Roma.
os primeiros choques ocorressem. Tarento, a principal cidade da Magna
Deve-se a esse povo não indo-europeu o que se pode chamar ~a segunda
Grécia, pediu auxílio a Pirro, rei do Epiro. Graças à experiência estraté-
fundação de Roma, porquanto foi graças aos etruscos que Roma, de pe-
gica da falange e à surpresa do emprego de elefantes, conseguiu Pirro
quena aldeia, se converteu "verdadeiramente em Urbs. Sérvio Túlio e Tar-
custoso triunfo, mas, afinal, teve de retroceder para a Sicília e negociar a
qüínio Soberbo eram ta~ém~ etruscos.
paz. Desde então passam a denominar-se "vitórias de Pirro" aquelas que
Foi Tarqüínio Soberbo quem,firmou a supremacia romana em todo trazem mais desastres que sucessos.
o Lácio, derrotando os volscos, Com Tarqüínio Soberbo também se ex-
i Conta-se que, ao retomar à Grécia, Pirro teria exclamado: "Que belo
tingue a dominação etrusca sobr~' Roma: expulsos os Tarqüínios, fundou- I
! campo de batalha deixo aos romanos e aos cartagineses!". E, de fato, não
se a República (509). ,~

I
I
,I
62 PREPARAÇAO À LlNGUiSTICA ROMÂNICA
CAPo 7 • ROMANIZAÇAO 63

demorou muito que a formosa ilha do Mediterrâneo se convertesse no riência e superioridade de cavalaria, conseguiram, finalmente, os romanos
pomo de discórdia entre a poderosa Urbs peninsular e a próspera metró- derrotar Aníbal; para não cair-lhes nas mãos, o chefe cartaginês envene-
pole do norte da África. nou-se (202). O tratado de paz foi ruinoso para os cartagineses.
A 31;l guerra púnica durou três anos (149-146) e não passou de uma
7.3 - Foram três, sucessivamente, as guerras entre Roma e Cartago
destruição premeditada dos cartagineses pelos romanos. Catão, o Censor,
(guerras púnicas). A IIl). (264-241) terminou com a vitória dos romanos,
impressionado com a recuperação econômica da metrópole africana, repe-
que, apesar de até então unicamente potência continental, bateram os car-
tia célebre frase no final de seus discursos: Delenda est Carthago. E foi
tagineses em duas memoráveis vitórias navais: a de Milas e a das ilhas
Egates. A Sicílía foi incorporada ao império. Pouco depois (238), apro- o que se deu poucos anos depois. De nada valeu a resistência heróica dos
veitando-se das dificuldades de Cartago, Roma se apossava da Sardenha homens, mulheres, jovens e anciãos. Cartago foi não só destruída, mas
e da Córsega. varrida do próprio mapa.
N a 2~ guerra púnica (218-201), distinguiu-se Aníbal, filho de Amíl-
7.4 - Após o término da 2'? guerra púnica, os romanos se haviam con-
car Barca, que havia conquistado a Hispânia até .o Ebro e aí fundado
vertido em verdadeiros senhores da bacia do Mediterrâneo (mare nostrum'[,
verdadeiro reino, que tinha por capital Nova Cartago, hoje Cartagena.
Foi conquistada a Gália Cisalpina e abatido o império macedônieo
Uma pendência em torno de Sagunto, no litoral hispânico, levou de
na batalha de Pidna (168). Pouco depois (146), toda a Grécia era redu-
novo à guerra as duas cidades. Aníbal, que se havia preparado cuidadosa-
zida a província romana com o nome de Acaia. Entre os anos de 125 e
mente para a desforra com que tanto sonhava, atravessou os Pireneus,
118, ocuparam os romanos a faixa de terra banhada pelo Mediterrâneo
cruzou o Ródano e transpôs os Alpes. Invernou na Gália Cisalpina e, na
que fica entre a Espanha e a Itália. Chamaram-lhe Provincia Narbonensis,
primavera, passou-se para a Etrúria. Contra' ele foi enviado o cônsul Fla-
mas ficou mais conhecida restritamente como Provincia, de onde o nome
mínio que, encurralado em estreito desfiladeiro perto do lago Trasimeno,
de Provença, que ainda conserva uma de suas partes. Os povos que os
viu a morte e a chacina de seus soldados. "Um: grande batalha havia
romanos aí encontraram eram ceItilígures.
sido perdida", comunicava laconicamente o Senado ao povo romano, e novo
exército passou a ser organizado. Puseram-lhe à frente um patrício, Paulo Foi da Narbonense que César partiu para a rápida conquista das
Emílio, e um plebeu, Terêncio Varrãg. Aníbal, habilmente, atraiu-os para Gálias (59-51). Diz César que a Gália se dividia então em três partes,
a planície de Canas, onde os romanos tinham o sçl, o vento e a poeira habitadas por belgas, aquitanos e celtas, os quais diferiam entre si lingua
pela frente, e conseguiu infligir aos ~egionários terrível derrota, que se institutis legibus,
converteu em verdadeira matanç;- (216). César chegou a desembarcar nas .Ilhas Britânicas, mas renunciou a
Aníbal estava às portas de, Roma. Mas o ânimo viril dos peninsulares conquistá-Ias. Foi somente a partir do fim do séc. I d.C. que a Britânia
não se abateu; por outro lado, as tropas cansadas- de Aníbal precisavam entrou a fazer parte da império, com exclusão da Caledônia, a 'região mais
ser refrescadas, e os dirigentes de Cartago, temerosos do poder e do pres- setentrional da ilha. Também escapou a Hibernia, atual Irlanda. Nessa
tígio que cercavam o já lendário capitão, nada faziam de realmente posí- ilha, o latim não conseguiu suplantar o céltico, língua dos povos vencidos.
tivo para ajudá-lo. Seu innão Asdrúbal, que pa~ira da Hispânia para re- A Récia, a Vinderícia, o Nórico e a Panônia foram submetidos no
forçar-lhe as hostes, foi derrotado e morto. O genial cartaginês não pôde, início da nossa era.
desde logo, lançar-se ao assalto final contra Roma. Foi a sua perda. Man- A penetração na Ilíria (de que a Dalmácia seria mais tarde uma
tendo-o distante da capital, mediante uma tática de contemporização, pre- parte) se fez no decorrer do séc. II a. C., completando-se no seguinte.
~I

pararam entrementes os "om'ànos uma expedição contra Cartago. Aníbal Falavam os ilírios um idioma indo-europeu, de que o albanês, com influxo f'l
foi chamado às pressas e atendeJ ao chamado. Em Zama, no norte da latino, é uma continuação.
África, mediram-se mais uma vez romanos e cartagirieses, comandados, A Dácia foi conquistada tardiamente por Trajano no séc. II d. C.
respectivamente, por Públio Cornélio Cipião e Aníbal. Com mais expe- (l 07); cedo os romanos tiveram de abandoná-Ia (271 - Aureliano) .
f
I1
------------------~
64 PREPARAÇÁO À LINGUISTlco\ ROMÂNICA CAPo 7 - ROMANIZAÇIl.O 65

7.5 - A ocupação da Hispânia, para falar com Vidos, foi uma No séc. VII a.C. foi a península invadida pelos celtas, povo de ori-
empresa difícil e durou cerca de duzentos anos. A conquista começou com gem indo-européia. Os celtas ocuparam a parte ocidental e central da re-
o desembarque dos Cipiões em Emporium (Ampurias) em 218 a.C., no gião. Já desde os tempos dos romanos fala-se num amálgama celtibérico,
resultado da fusão de celtas e iberos no centro da península.
ângulo nordeste da península. Seguiram-se cronologicamente as ocupações
de Tarragona, Sagunto e Cartagena. Em 197 a.C. a península é incorpo- O norte da África conheceu uma latinização florescente que, contu-
rada administrativamente ao Império Romano, sendo dividida em duas do, em virtude da avalanche arábica, se perdeu.
províncias: a Cite rio r, capital Cartagena e a Ulterior, capital Hispalis, Na
segunda metade desse século, tiveram os romanos de enfrentar terrível 7.7 - Mas, como observa Vidos, "a romanização não foi igualmen-
te profunda nos diversos territórios" e "enquanto certos territórios, como
resistência de lusitanos e celtiberos. Na Lusitânia, Viriato, pastor dos
o dos Alpes a partir do S. Gotardo até o Oriente do Brêner eram ro-
montes Hermínios, lutou até a morte, tendo infligido pesadas perdas ao
manizados superficialmente, outros, como a Gália e a Hispânia forne-
conquistador. Em 133 a.c., P. Cornélio Cipião Emiliano destruiu Nu-
ceram a Roma uma elite intelectual e podem gabar-se de homens como P.
mância. Mas só depois da submissão' dos cântabros (19 a.C,') foi que
Terêncio Varrão Aticino, Comélio Galo, os dois Sênecas, Lucano, Quin-
Augusto conseguiu condições de estabilidade para uma definitiva rornani-
tiliano etc.",
zação.
As seguintes datas de romanização devem, por conseguinte, ser to-
Em 27 a.C, a península passa a conter três províncias: Bética, Lusi-
madas com as supraditas cautelas:
tânia (na antiga Ulterior) e Tarraconense (a antiga Citerior). Dioclecia-
no (séc. lU d.C.) ordena nova divisão: Bética, Lusitânia, Cartaginense, Por volta de 272 a.C. toda a península apeníníca a sul dos
Tarraconense e Galécia (essas três últimas na antiga Citerior). rios Macra e Rubicão cai sob o domínio de Roma; em 241, a Sicí-
Depois da guerra cantábrica, Augusto incorporou administrativamen- lia, entre a primeira e a segunda guerra púnica; em 238, a Sarde-
te à Citerior a Galiza, as Astúrias e a Cantábria. Mas, como observa Har- nha e a Córsega; em 215, a Venécia; a partir de 197, a Hispânia;
ri Meier, apesar de terem pertencido administrativamente à Citerior, os em 191, a Gália Cisalpina; por volta de 167, a Dalmácia; depois
Gallaeci, Astures e Cantabri devem ter participado da onda romanizante da queda de Cartago, em 146, a África; em 120, a Gália meridio-
da Ulterior. Desde o séc. III, aliás, a Gallaecia e a Asturica formavam nal; em 50, a Gália setentrional; em 15, a Récia; enfim em 107
urna província. separada, com o nome de Hispania Citcrior Nova. d.C., sob Trajano, a Dácia. *

7.6 - Os povos pré-rornanos da" Península Ibérica eram muito va- Mas o maior adversário do latim foi o grego. No próprio Ocidente,
riados. A parte meridional era 'Ocupada pelos iberos e a norte-pirenaica houve focos de resistência como Marselha e a Magna Grécia. No Oriente,
pelos bascos. Todos esses povos falavam idiomas não indo- europeus . como diz A. Monteverdi, a luta foi sem esperança. A tentativa de Cons-
t mtino (324) de latinizar Bizâncio, para onde fez afluir um exército de
Durante muito tempo, devido principalment<: 'a estudos de W. von
empregados latinos, fracassou. B que a tradição grega se sentia superior.
Humboldt e Schuchardt, julgou-se que a língua basca fosse um rernanes-
à latina. A divisão política do Império, delineada por Diocleciano (292)
cente do falar dos antigos iberos. Hoje, pelo contrário, procuram-se afi-
e completada depois da morte de Teodósio (395) sancionou, por assim
nidades para o basco fora da Península Ibérica, e A. Tovar chegou a es-
dizer, uma bipartição entre mundo latino e mundo helênico.
crever, em monografia intitulada La Lcngua Vasca, enlaticamcnte, o que
se segue: "Hoy podemos afirmar, y ello cs ya una verdad del domínio São de todo pertinentes aqui as seguintes palavras de A. Monteverdi,
común, que en su íntima estructura, y en caractcrcs vcrdaderarncnte típi- A vviamento, p. 15:
cos, el vasco se parece ~ la~ lenguas del Cáucaso, 10 cual supoue un pa-
O império ocidental era um império latino, onde as partes ain-
rentesco remotíssimo en el ticrnpc, que nos traslada a varies rnilcnios an-
tes de Cristo." I
I
da não latinizadas, como a Britânia e o país basco, teriam acabado

Todavia ainda não se decifrou de todo o enigma hispânico, V. a esse


respeito W. D. Elcock, The» Romance Languages, p. 197 e segs.
•..
I • Vidos, Manu al : 171,

I •• _••••.•••• , , •••• , , I • , 'I I I I I I I I I I I I 11 Til rrTl i i , i i i i i i l-I fi"


-:,
66 PREPARAÇAO A LINGUrSTICA ROMÂNICA

por sofrer um destino comum, se a autoridade do império tivesse


continuado a regê-Ias e a defendê-Ias de forças estranhas. Gregas
tinham permanecido, às margens do J ônio, na Itália meridional e
na Sicília, algumas cidades com o seu território. Quanto ao impé-
rio oriental, era um império grego; e latina tinha apenas uma faixa
setentrional, constituída pela Mésia. Na orla adriática, ao Norte do
Epiro, um resistente núcleo ilírico não se tinha nem latinizado, Capítulo@)
nem, mesmo, helenizado. Mas ao meio-dia, na Europa, na Ásia,
no Egito, tudo era grego, ou dominado pelo grego.

A fragmentação da România
~
~~J-

l' 8.1 - As relações entre romanos e germanos, que demoravam


fronteiras do Rena e do Danúbio, nunca foram pacíficas.
além das

Durante o reinado de Marco Aurélio, a tribo dos marco manos irrorn-


peu na província romana da Panônia (parte ocidental da moderna Hun-
"'G" .~
.s. :li
gria) e ameaçou introduzir a primeira cunha estrangeira na integridade
do império (167). A luta para expulsá-los durou quatorze anos.
Mas o primeiro revés contra os germanos deu-se em 260, quando os
alamanos assaltaram as guarnições dos agri decumates, posto avançado dos
romanos entre o Rena e o Danúbio. A perda desse baluarte, observa W.

.~
W ~
..J. " .
.'
D. Elcock, representou o começo do isolamento do latim vulgar da Gália
relativamente a influências vindas do Leste.
De 257 a 271 são os godos que invadem a Dácia e obrigam as forças
~ (Aureliano) de Roma a se retirarem para atrás do Danúbio. "Este acon-
Y.a
e.
~ j ~
:(J . Ar""
tecimento faz época na história do império: foi com ele que começou a
destruição da România", são palavras de W. von Wartburg (Les Origi-

&W
nes, p. 77).

O~-.~ l .~
) ';
Concorrentemente com essa penetração armada no território confiado
~ l à guarda das legiões, vinha-se processando a "invasão pacífica", pois cada
c>'" ti o
'"u
8..~ vez mais se permitia, por diversos motivos, o alistamento de germanos nos i
B~ exércitos de Roma. Significava isso que a vocação militar dos romanos ,~
~ o u
c::;:
se exauria. Roma, segundo Elcock, se encontrava ante a clássica: situação
.~
g o

ê 'S' de um centro fraco e uma periferia ameaçada.


c {e
Mas o maior perigo provinha realmente de dentro, com a progressiva I:li
25 .§
o mercenarização do exército. Reinava nos quartéis a indisciplina, e a púr- \
f pura chegou a ser posta em leilão. É o período vergonhoso da história de I11

~
68 PREPARAÇAO À LlNGUfSTlCA ROMÂNICA
CAPo B - A FRAGMENTAÇAO DA ROMÃNIA 69

Roma conhecido por "anarquia militar". A rebelião grassava nas provín- S . 2 - A corrosão interna precedeu, portanto, a avalanche externa. Cos-
cias, as fronteiras do império cediam ante o assédio dos bárbaros. tuma-se apontar o sée. III como o da grande crise: econômica, política, so-
Nessa trágica emergência, os romanos se voltaram para os sol- cial. Até então Roma, bem ou mal, crescera e estruturara o império. As pro-
dados da Ilíria (Dalmácia), onde ainda existiam chefes não corrompidos víncias conquistadas se deixavam afeiçoar ao gênio latino e iam alargan-
e animados de ideal patriótico. Foi entre eles que surgiram um Aureliano, do pelo mundo o nome e a cultura romana. A guerra social, observa
um Probo e, acima de todos, um Dioc1eciano. Wartburg, fizera de todos os italianos cidadãos romanos (90 a.C.). E
em 212, Caracala estendera a todos os homens livres do império o título
Díocleciano se associou a Maximiano, seu companheiro de armas.
de civis romanus. Estabelecera-se a unidade, mas não a uniformidade do
Tomaram ambos o título de augustos: Dioc1eciano ficou no Oriente, ca-
orbe latino.
pital Nicomédia; a Maximiano coube o Ocidente, capital Milão. Como se
não bastasse, por lhes parecerem os encargos muito pesados, ainda cha- Se tomarmos a língua como a pedra de toque, ainda na esteira de
maram a auxiliá-los no governo a duas espécies de herdeiros, denomina- von Wartburg, veremos que.a língua do velho Lácio teve de adquirir ma-
dos césares: Constâncio Cloro, que se fixou em Tréveris, às margens do tizes diferenciadores, segundo os hábitos lingüísticos dos povos que preci-
Mosela, e Galério, que residiu em Sirmio, próximo da atual Belgrado saram aprendê-Ia. ~ aqui que se situa o debatido problema dos substra-
(284). Pela primeira vez deixa Roma de ser a capital do império. tos: itálico (osco-umbro-sabélico) na Itália central e meridional; grego
A tetrarquia ainda funcionou enquanto pôde contar com o prestí- na antiga Magna Grécia; etrusco na Toscana; ibérico na parte norte-
gio e a capacidade administrativa de Dioc1eciano. Tendo renunciado os oriental da Península Ibérica; céltico na Gália, parte da Península Ibé-
rica, Alta Itália.
eugustos, os césares assumiram a direção do império; mas a escolha dos
novos césares reacendeu as dissensões. A luta se travou realmente entre Simultaneamente com a diferenciação lingüística regional, ocor-
Constantino e Maxêncio, respectivamente filhos de Constâncio Cloro e reu também a social. De acordo ainda com von Wartburg, podemos apon-
Maximiano, os quais, de acordo com a natureza do regime ideado por tar as seguintes modalidades de penetração do latim nas províncias: na
Dioc\eciano, não poderiam ter sido escolhidos césares. Derrotado Maxên- Sardenha um grupo de funcionãrios administrativos conscientes da orgu-
cio, não tardou que Constantino se convertesse ~m novo senhor de todo lhosa tradição romana serve de intermediário entre a língua e o povo;
o império, e a monarquia eliminou a tetrarquia. na Gáliae na Ibéria firma-se uma burguesia solidamente constituída, atra-
Constantino fundou uma nova capital em Bizâncio, que tomou o nome vés da qual se filtrava o sermo latinus; na Dácia, uma população de sol-
de Constantinopla. A. ele deveu Q. Cristianismo o seu triunfo oficial, dados e campônios, isto é de gente rude, foi o veículo da transmissão
,.~
após as terríveis perseguições de Dioc!eciano.
O intento de Constantino ag transportar a capital para o Oriente era
idiomática (V. Les Origines, p. 54).
Havia, pois, sementes de diferenciação plantadas aqui e ali no vasto
transformá-ia numa verdadeira cidade latina e para isso, levou consigo solo geográfico e social do império romano, as quais germinaram quando
grande número de funcionárjos. Todavia o coeficiente grego era muito cessou o prestígio da autoridade centralizadora, processo de dissolução
maior e, após algumas gerações, absorveu por completo o escasso elemen- longo e penoso, cujo início, como vimos, pode ser datado dos fins do
to latino levado a Bizâncio. séc. nr.
Ao morrer, deixcu Constantino o império a seus três filhos e a con-
seqüência foi o recrudescimento das guerras civis. O império veio a cair 8 . 3 - O golpe irreparável que a unidade da România sofreu foi desfe-
I
nas mãos de Juliano, o Apóstata, sobrinho de Constantino, que tentou, chado pelos bárbaros invasores.
ern vão, restaurar o. paganismo. Pel~ sua morte.. pôde assumir o trono A movimentação armada começou após a derrota do imperador Va-
Teodósio, soldado da Espanha, que consolidou definitivamente o Cristia- lente em -Andrinopla (378). Pressionados pelos hunos, os visigodos em
nisrru;:já
--~~_.então -_reconh&id~
.. - -
oficialmente pelo
'.' _.
Estad,'o.
- - ,- - Antes de morrer, 376 retiraram-se da Dácia; que haviam ocupado durante um século, e 10-
dividiu Teodósio o império e~tre\seus dois filhos, Honório e Arcádio, fi- comoveram-se para o sul do, Danúbio. Tendo partido para detê-Ias, foi
caudo Honório com o Ocidente, capital Ravena, e Areádio com o Ori- desastrosamente vencido o imperador Valente. Essa batalha, comenta von
. e-nte, capital Constantinopla. A" partir desse momento (395), deixou de Wartburg, abriu aos germanos as portas do império e foi um vórtice da
existir o império romano. f,
História, para falar com Gibbon .
CAPo 8 • A FRAGMENTAÇAO DA ROMANIA
71
70 PREPARAÇÃO À lINGUISTICA ROMÂNICA

8,4 - Sabe-se que os godos dividiam-se em duas grandes e importantes


Pouco depois eram os vândalos, aos quais, de caminho se juntaram tribos: a dos visigodos e a dos ostrogodos; mas não se conhece a data
os alanos (povo, aliás, não germano; como os hunos, deviam ser prove- da separação. O desmembramento parece ter-se dado quando Teodósio I
nientes de algum ponto da Ásia), que penetravam no império. Tendo cru- deu aos visigodos por habitat a Mésia e aos ostrogodos a Frígia (Elcock).
zado o Reno (406), entraram na Gália e depois passaram-se à Hispânia.
A princípio os ostrogodos estiveram submetidos aos hunos, mas após
Os alanos fixam-se na Lusitânia e na Cartaginense; os suevos ocuparam,
a derrota dos Campos Cataláunicos, sacudiam o jugo dos sequazes de
com parte dos vândalos, a Gallaecia (Galiza) ; os vândalos localizaram-se
Átila e buscaram uma composição com Valentiniano lU, que Ihes permi-
na Bética (que, logo depois, se chamaria "Vandaluzia" e finalmente "An-
tiu a ocupação da Panônia, talvez como [oederati. Contudo, os turbulen-
daluzia", se é certa essa etimologia).
tos ostrogodos não se dedicaram ao amanho pacífico da terra; preferiram a
Após a derrota de Andrinopla, seguira-se um período de lutas e ne- pilhagem e o saque, e o Ilírico e a Trácia sofreram-lhe as terríveis in-
gociações, que terminou por um tratado de paz. Atanarico, chefe dos cursões.
godos do Ocidente, é recebido com festas em Constantinopla, onde fixa re-
Desejoso de recuperar o domínio do Ocidente, o imperador Zeno
sidência e vem a morrer. Com o nome de "Iederados", os gados conser- concertou um pacto com os ostrogodos: derrubassem eles a Odoacro e
varam seus costumes, suas leis, sua língua. Para lutar contra os bárbaros Ihes seria permitido governar a Itália, até que pudesse restabelecer a sua
era preciso recorrer aos próprios bárbaros e, nessas lutas de chefes roma- autoridade imperial. Teodorico, como já se disse, foi vitorioso e, tendo
nos contra chefe romanos, se confundiam no campo de batalha francos, alcançado Odoacro em Ravena, matou-o com as próprias mãos. Teodo-
alamanos, alanos, iberos, godos e até hunos. rico estabeleceu então um reino ostrogodo na Itália, escolheu Ravena
O mais notável dos imperadores romanos dessa época, Teodósio, por capital a anexou aos seus domínios o território da atual Provença.
como vimos, faleceu em 395, deixando o império a seus dois filhos Não foi grande, porém, a miscigenação racial e cultural de godos
menores. A decadência da outrora potente cidade romana se acelera. e romanos. De um modo geral, os godos fiearam instalados na planície
No Ocidente surge um grande general, o semibárbaro Estilicão. do PÓ e Norte da Toscana, provavelmente para proteger-se do ataque de
Foi ele que deteve por algum tempo o transbordamento bárbaro sobre outros gerrnanos, como sugere von Wartburg. A futura linha La Spezia-
o império e desviou de Roma o perigo que," em conseqüência, veio a Rimini manteve-se por assim dizer intata na époea gótica, para falar com
abater-se sobre a Península Ibérica (vândalos, alanos, sue vos). esse mesmo autor. Demais, os invasores eram arianos, e os romanos pro-
Pouco ~ pouco a corrosão b~rbara ia desgastando todo o império. fessavam a ortodoxia cristã. Separavam-nos ainda as leis e o direito. Toda-
Pelos meados do séc. V, a invasão já era um ,fato consumado e, como via, Teodorico foi benevolente, não inaugurou perseguições e até cumulou
observa von Wartburg, o império "via-se restringido à Itália, à Récia, ao de favores a aristocracia romana.
Nórico, à Ilíria, à Tarraconensê; à Provença, à bacia do Sena. No Ocidente, Sob o governo de Teodorico, o Grande, a dominação ostrogótica com-
após a divisão do império em 395, os imperadores não passavam de joguetes preendia a Itália, a Sicília, a Provença, a Dalrnácia, a Récia e a região si-
nas mãos dos chefes militares e um deles, Odoacro, oficial do exército ro- tuada a nordeste dessas províncias até o Danúbio (von Wartburg).
mano e da tribo germânica dos hérulos, depôs' o .rmberbe Rômulo Au- O predomínio ostrogótico na Itália durou cerca de cinqüenta anos.
gústulo, de que se apiedou, por ser jovem e bonito, permitindo-lhe viver
Mono Teodorico, não encontrou sucessor à altura, ao passo que, no
na Camânia com os pais (476). Odoacro proclamou-se rei, mas colocou-
Oriente, ascendia ao poder um dos maiores imperadores do império bi-
se sob a proteção de Zeno, imperador do Oriente. -Corno ~s outras pro-
zantino, Justiniano. Em 535, Belisário, que havia obtido notável triunfo
víncias do Ocidente se recusassem a aceitar a supremacia de Odoacro,
sobre os vândalos, foi enviado à Itália. Ocupou Nápoles e Rornc, mas
pela primeira vez na História constituiu-se um organismo político que co-
sofreu na cidade eterna tremendo sítio dos ostrogodos, que chegaram a
incidia mais ou men~-? com o que seria mais tarde o espaço vital da
destruir-lhe o udrni rúvel sistema de suprimento de, água. Ainda no séc,
nação italiana (von Wartburg ),
XVI, a reparação de tamanhos estragos não tinha sido completada. Com
O reinado de Odoacro foi de curta duração. Treze anos depois, a chegada de reforços de Bizâncio, Belisário levantou o cerco c expulsou
Teodorico, rei dos ostrogodos, após uma campanha de quatro anos, in- de vez os ostrogodos 'da Itália.
fligia-lhe a derrota e a morte.
i'

72 PREPARAÇAO À LINGOISTlCA ROMÂNICA CAP. 8 • A FRAGMENTAÇAO DA ROMÂNIA 73

Duas observações da maior importância lingüística faz W. D. Elcock 8 . 6 - Viriam os francos a desempenhar na Gália o papel que, por
à margem dos sucessos históricos relativos à dominação ostrogótica na um momento, pareceu reservado aos godos: o de constituírem o maior
Itália. A primeira diz respeito à Sardenha que, ocupada durante breve império germânico do mundo ocidental.
espaço de tempo por vândalos e ostrogodos e apenas ameaçada por lon-
gobardos e francos, "é a única área geográfica da România ocidental que .,I Dividiam-se eles em duas tribos principais: a dos sâlios e a dos ri-
puários.
logrou escapar de uma longa ocupação germânica e cujo romance nativo No reinado de Honório começaram os movimentos das tribos fran-
está quase inteiramente desprovido de elementos germânicos que se pos- cas, no sentido de se passarem para a margem esquerda do Rena. Fize-
sam atribuir diretamente a um superestrato". ram-no, com êxito, os ripuários, que se apossaram de Colônia Agrippina
A outra se refere à criação do mosteiro de Monte Cassino por São (Colônia), importante cidade romana de fronteira (460). Daí tomaram
Bento (543), cuja regra se espalhou por toda a Europa, acontecimento I o rumo do oeste e do sul, avançando até o Eifel, o vale do Mosela e
"de incalculável significação para a futura criação de padrões literários
em romance" (V. The Romance Languqges, p. 229).
I apoderando-se de Coblença, na província da Germânia. Na direção do sul,
entraram em choque com os alamanos, que, ao cabo, foram vencidos
I
I (496).
R. 5 - Em 411 os romanos, absorvidos pela repressão às incursões dos I Pela mesma época, os francos sálios, abandonando a Toxândria (Sul
!I
bárbaros no continente, retiraram as suas legiões da Britânia. Os celtas da I da Holanda e Norte da Bélgica) caminharam para o sul. Detidos a prin-
ilha ainda gozaram de relativa paz e prosperidade, até que tiveram de en- i cípio por Aécio, sob o rei Clódio estenderam-se até ao Soma e instala-
ram-se em Cambraia. Estabeleceu-se então um modus vivendi entre os
frentar os pictos, originários da atual Escócia (antiga Caledônia) e os
escotos, uma tribo proveniente da Irlanda (antiga Scotia, nome que depois II francos e os romanos. Ao lado dos romanos, combateram contra Atila,
passou à Caledônia, nomeada oficialmente no séc. XIII Scotland). nos Campi Mauriaci. Também, com os romanos, opõem-se aos assaltos
Ao que parece, foi para combater esses agressores, que, a chamado
I dos saxões. Estava então a Gália repartida entre os francos, os aguerridos
dos celtas, desembarcaram na ilha os saxões. Os recém-vindos acabaram alarnanos (que já haviam sido repelidos pelos francos para além do Rena),
os oorguinhões, senhores de vasta extensão territorial mas militarmente
por fixar-se na Bretanha, onde fundaram um reino.( Wessex). Entrementes
sem grande expre-ssão, os visigo dos - o povo eleito dos germanos, na
os anglos, provindos do Schleswig, na Prússia, desembarcaram em vários
expressão de F. Lot - que se espalhavam dos Pireneus ao Líger (Loire)
pontos da costa oriental da Britânia e aí fundaram novos reinos. Os celtas
e pareciam destinados a submeter a Gália assim como os ostrogodos ti-
resistiram muito-tempo aos ínvasores.srnas com eles tiveram de conviver
nham subjugado a Itália, e os romanos, comandados por Siágrio, que,
durante certo período. "Dos contatos\t.subseqüentes -não se tem nenhuma
após a queda do imperador do Ocidente, concentrara as suas trorpas em
certeza; fica somente o fato ób'4.o· dê que a língua céltica retrocedeu,
Suessião (Soissons), ainda em nome do poder de Roma.
até que pelo séc. X confinou-se ao címbrico, ao galês e ao córnico" (EI-
O advento em 481 de um jovem regulus franco, então com apenas
cock, The Romance Languages, p. 230).
quinze anos de idade, vai imprimir novos e decisivos rumos aos aconteci-
Mesmo depois do desembarque na Inglaterra, continuaram os saxões mentos. Em 486 atacou o general Siágrio e infligiu-lhe completa derrota.
a prática da pirataria, em que eram useiros e vezeiros, e, como os fran- Com esse triunfo assegurou seu prestígio perante os germanos da Gália,
cos à época se interessassem pela defesa da terra firme, o litoral da Man- inclusive os até então considerados mais poderosos, os visigodos.
cha esteve a ponto de tornar-se litus saxonicum, Afastados os romanos da competição pelo comando do Gália, voltou-
O predomínio anglo-saxônico levou à' desaparição do latim vulgar das se Clóvis para os rivais do mesmo sangue.
Ilhas Britânicas, mas o qu~ ficou nos falares célticos é bastante para tes- Os primeiros a serem vencidos foram os alamanos, que disputavam
temunhar o quanto foi pj,l,dcroso o influxo de Roma. aos ripuários o vale médio do Rena. Indo em auxílio dos seus irmãos de
. ~
Pressionados pelos saxões, a~uns bretõcs do sudo:ste atravessaram sangue, Clóvis desbaratou os alamanos, que tiveram de pedir socorro aos
o canal e ocuparam, na Gália, a península da Armórica, hoje denominada ostrogodos, aos quais passaram a servir.
Bretanha, Também nesse pequeno território o romanço teve de retroceder. Em 496, a instâncias de sua mulher Clotilde, Clóvis recebeu o ba-
desta vez em face do céltico., tismo das mãos do bispo de Remos (Reims). Esse acontecimento teve
•..
PREPARAÇÃO À LlNGUISTlCA ROMÂNICA CAPo 3 - A FRAGMENTAÇÃO DA ROMÂNIA
4 75

enormes conseqüências políticas. "1:, a virada decisiva da história do reino A dinastia fundada por Clóvis, a dos merovíngios, foi a primeira
c inclusive da hegemonia franca", diz F. Lot. E continua: "Clóvis tor- grande dinastia da Europa .. É verdade que muitos dos seus sucessores não
nou-se, no fim do séc. V, o único. chefe de Estado em todo o Ocidente souberam preservar a autoridade do cargo - rois [ainéants -, mas, pela
católico. O clero romano compreendeu toda a extensão do acontecimen- primeira vez, se estabelecia no Velho Mundo uma forte e respeitada mo-
to que havia preparado de tão boa vontade e viu no pagão de ontem um narquia, independente de qualquer sujeição real ou simbólica ao definiti-
novo Constantino". (La Fin du Monde Antique, 367.) varnente ultrapassado império romano.
Do ponto 'de vista lingüístico, podemos acentuar, com Elcock, que o
8,7 - Muito se tem discutido a respeito da gerrnanização da Gália pelos
latim foi adotado pelos francos como a língua da religião e ficou também
Irancos; isto é, da profundidade da penetração cultural dos invasores no
corno a língua da administração e da codificação jurídica, corporificada
velho solo galo-românico.
na Lex Salica.
Nesse particular costuma-se opor a tese dos historiadores à dos lin-
Não tardou muito que, a pretexto de intervir numa disputa entre
güistas. Para os primeiros, os francos invasores formavam uma casta mi-
irmãos, Clóvis tenha atacado os borguinhões. Embora levando a melhor,
litar que se impusera pela torça à massa da população galo-romana, sem
não conseguiu forçar a rendição do rei sitiado e. retirou suas tropas.
maiores repercussões de ordem étnica ou social. Para os lingüistas, pelo
A campanha seguinte de Clóvis foi desfechada contra o poderoso contrário, o contingente humano .dos povos sálios deve de ter sido muito
reino dos visigodos. Já então contava o astuto rei dos francos com o gr.ande, tendo em vista a apreciável infiltração de elementos germânicos
apoio velado ou ostensivo do clero e dos galo-romanos ortodoxos em nos falares neolatinos da Gália. Para W. D. Elcock, "durante o sexto e o
Iace do arianismo dos visigodos. Contando com a simpatia do imperador sétimo séculos os dois falares (o dos francos e o dos galo-romanos) fo-
Anastácio e com a aliança militar dos francos ripuários e dos borguinhões, ram gradualmente fundindo-se num só, com o galo-românico, escorado
Clóvis dobrou a resistência de Alarico II em Vouillé (507) e dispersou- no uso do latim literário, assumindo a ascendência. Pelo oitavo século,
lhe as tropas. Tolosa, capital do reino visigótico, foi capturada e incendiada; antes do advento do reforço germânico com a nova dinastia carolíngia da
Alarico II pereceu às mãos, dizem, do próprio Clóvis. A Gália foi ocu- Custódia, o processo estava provavelmente completo" (The Romance
pada até os Pireneus, mas a intervenção de Tecderico, rei dos ostrogodos, Languages, p. 232)_
impediu que os francos ocupassem a Provença, o baixo Ródano e a Sep- Walther von Wartburg diz que, antes de qualquer pronunciamento, é
rimânia, isto é, alcançassem o Mediterrâneo. Tendo unido sob a mesma preciso "procurar adquirir ... uma vista de conjunto dos documentos exis-
coroa sálios e "ripuários, Clóvis estabeleceu-se em Paris, onde governou tentes para somente depois chegar a um esforço de coordenação e de in-
até 5 l l , q uando faleceu na força df: idade, aos <!uarenta e cinco anos. terpretação" (Les Origines, p. 119).
Compreendia então o reino de c;:,róvis'a Turíngia, a Austrásia, a Nêustria, E, pouco adiante (p. 122) acrescenta: "O caráter da ocupação fran-
a Aquitânia e a Alemânia. ca não se pode inferir inequivocamente de fontes históricas diretas, por
Morto Clóvis, foi o império dividido entre seus cluatro filhos, Em exemplo, de Gregório de Tours, Nele a atenção se volta particularmen-
breve eram os borguinhões novamente atacados e a sua resistência ces- te para a chegada ao poder político dos conquistadores de raça franca, a
sou em 534. Dois anos depois, Bizâncio empreendia' a sua grande carn- respeito da qual nenhuma dúvida pode subsistir. Cumpre-nos tentar obter
pun ha contra os ostrogodos da Itália e os reis francos comprometeram-se uma imagem segundo os vestígios que a ocupação deixou no fim do
'~ não intervir. O preço do acordo foi a cessão da Provença, o' que permi- séc. V e início do VI. Vestígios dessa natureza nós os encontramos antes
tiu finalmente aos francos o acesso ao Mediterrâneo. de tudo nos achados arqueológicos, nos nomes de lugar e nas palavras
A gcrrnan ização da Provença [cz!se lentamente. Até os funcionários francas que passaram à língua francesa."

'.
para aí mandados cran», de língua românica. Os próprios habitantes da
Provcnça chcgururn a recorrer ao\ árabes
S;1ü dura da revolta
, contra os francos, mas a repres-
equivaleu para a Provença à perda da autonomia po-
Após o estudo de certos nomes
estas palavras peremptórias: "Essas
de lugar mostram muito claramente
de lugar, conclui von Wartburg com
constatações que impõem os nomes
que os francos, em número bastante
lítica. Pouco depois Pepino completava a segunda conquista da Gália, ex- grande, atravessaram o Soma e que seus estabelecimentos até a linha do
pulsando os mouros da Septirnânia (759). Líger são 05 de todo um povo. A opinião dos historiadores deve, por-
, '."
76 PREPARAÇÃO À LINGüíSTICA ROMÃNICA CAPo 8 • A FRAGMENTAÇÃO DA ROMÃNIA 77

tanto, ser revista por completo. Esse erro em que caiu a pesquisa hisió- jovem força germânica e uma velha tradição românica de cultura
rica, a Lingüística jamais o cometeu. O romanista que estuda os elcrncn- se uniram afirmando-se reciprocamente, irradiou-se então sobre os
tos francos do vocabulário francês jamais duvidou de uma forte eoloni- dois mundos, tanto o mundo românico como O mundo germânico.
zação franca. A terminologia rural está fortemente impregnada de ex- Esses dois mundos deviam receber ações que durante séculos influ-
pressões francas, como só os homens que delas se servem diariamente, a enciaram a consciência ocidental de modo o mais persistente.
população campônia, podem levá-Ia consigo e de tal forma que o Icnô-
rneno seria impensável se acaso se imaginasse apenas lima camada de se- 8.8 - Constantino UI, que ocupava a Bretanha, passou-se para a Gália
nhores francos" (p. 130). c a Espanha, deixando a ilha livre para a ocupação dos pictos (Caledô-
t com base na desigual proporção com que se combinam, nas di- nia) dos escotos (Irlanda), e finalmente os anglos e saxões. Uma parte
Ierentes regiões, francos e galo-romanos que von Wartburg explica a nova dos primtivos habitantes célticos refugiou-se na península da Arrnórica,
divisão da Gália em três partes. na Gália, denominada depois e por isso (pequena) Bretanha.
Tomando em consideração as migrações de povos que se deram no
decorrer do séc. V, assim vê o grande lingüista suíço a situação nos mea- S.9 - Entrementes Alarico e os visigodos ameaçam a Itália, mas são
dos do séc. VI: 19) O Norte, até as margens doLoire, era habitado por repelidos por Estilicão. O grande general cai, porém, assassinado, vít irna
dois povos: os galo-romanos, numericamente mais fortes, e os francos; de intrigas, e Alarico tem abertas diante de si as portas de Roma. Já
29) Na região em volta de Genebra, Lião e Grenoble, mais esparsos que convertido ao Cristianismo, embora sob a feição herética do arianismo,
os francos, encontravam-se os borguinhões; 3<» Em face desse Norte im- Alarico mostrou-se relativamente benigno para com os romarias e somen-
pregnado de germanismo situa-se o Sul, onde uma tênue camada superior te na terceira ocupação (410) permitiu o saque da velha capital por seus
de visigodos já de há muito estava romanizada e para onde os francos soldados _
haviam enviado apenas escassos funcionários reais e alguns nobres, clue Vencida Roma, Alarico, cognominado "o Moisés dos visigodos",
se tornaram grandes proprietários rurais. dirigiu-se para o Sul, na aparente intenção de desembarcar na África. A
Com o decorrer do tempo, ainda segundo von Wartburg, as duas morte, porém, colheu-o na empreitada.
primeiras regiões tenderam a apagar as diferenças que as separavam e, Ataulfo, seu cunhado e sucessor, mudou o rumo da marcha de seus
ao contrário, foi-se tornando mais nítida a oposição Norte-Sul (touiours comandados e passou-se para as Gálias. Em 415 penetrou na Hispânia,
te Sud apparait conunc un pôle hostile aux forces culturelles et politiques mas não tardou a ser assassinado. Coube a Valia, um de seus sucessores,
du Nord, diz I;-'apág. 145). r- •
que se pusera a serviço dos romanos, a tarefa de atacar os bárbaros in-
É assim que a Gália se separa~- na Idade Média, em dois grandes vasores da Península Ibérica. Os alanos foram derrotados e dispersados,
dornín ios Iingüísticos,
o Francês, "'ao norte, e o Provençal, ao sul, a languc e os vândalos silingos, destroçados.
doil e a lan gu c d'oc , expressões que traduzem a diferente maneira de Temendo que se tornassem muito poderosos, o imperador Constân-
dizer sim. cio reconduziu os visigodos às Gálias, onde Ihes deu por habita! a Agui-
Quanto à parte 2, de influência borgúndia, constitui o domínio hí- tânia do Sul. Seis anos depois proclamaram-se em reino independente,
brido do franco-provençal, ora destacado do conjunto, ora incorporado, com Tolosa por capital.
como variante menor, ao grupo J, do francês do Norte. Foi durante a permanência dos visigodos na Aquitânia que os roma-
Podemos, pois, concluir esta breve análise do grau de penetração nos tiveram de enfrentar Átila, chefe dos hunos. Por ocasião do assédio
franca no mundo romano, com estas palavras de von Wartburg: de Orléans, contou Aécio com o apoio do chefe visigodo Teodorico e os
invasores foram rechaçados na batalha dos Campos Cataláunicos (451).
Foi assim que ita Gália a colaboração dos dois povos formou um Mas o reino visigóticoria Gália durou apenas oitenta anos. No decor-
Estado e um povo novos, jôvens, em forte contraste com o resto rer da segunda metade do séc. V, viram-se os visigodos ameaçados pelo
da Rornânia, um'Estado_e um povo em que podia também desen- poderio crescente dos francos. Na batalha de Vouillé (507) foi selada a
volver-se uma nova consciência cultural. Essa região, onde uma sorte dos visigodos, que recuaram para atrás dos Pirencus .
....

~rT!11'mIT' ,~_:_""-il""'_. Wl'i_ri_=_l;..tlJ:I· ••. lJUnrr ••••.• I n •.•••.•·~ ,>r:.*_-"' __


78 PREPARAÇÃO À LINGUrSTICA ROMÂNICA CAPo li • A FRAGMENTAÇÃO DA ROMÂN1A
79

Na Hispânia, os visigodos fundaram um reino, capital a princípio camada dirigente conviviam romanos e germanos, estes em maior número.
Barcelona, posteriormente Toledo. Durante o reinado de Lcovigildo, foram O casamento foi permitido, as alianças se consolidaram e até a barreira
submetidos os suevos, os bascos e a aristocracia romana. Os restos do da religião - os borguinhões haviam abraçado o arianismo - foi sendo
império bizantino, que costeavam o litoral do Sul, também não tardaram aluída, com a progressiva conversão dos recém-vindos ao Cristianismo or-
:J. ser conquistados. Em pouco tempo, a península se converteu nUIlI todoxo. Não se limitaram, porém, os borguinhões ao território que lhes
grande reino hispano-godo . tinha sido outorgado pelos romanos: estenderam-se pela maior parte da
A completa romanização dos visigodos não encontrou óbices de rnon- atual Suíça francesa, ocuparam Lião, para onde transferiram a capital, e
ta. Separava ainda godos de romanos a situação social, a religião, o sangue. daí se irradiaram em várias direções. Por volta de 480 já tinham incor-
Constituíam os invasores uma casta militar e uma classe de proprie- porado também o Franco-Condado. Só se detiveram, na direção do oeste,
tários rurais. Professavam o arianismo e sobre eles pesava a interdição quando encontraram a resistência dos visigodos, que lhes barraram o acesso
de contrair casamento com a população nativa. ao Mediterrâneo.

Em 589 o rei Recáredo abjurou o arianismo e converteu-se ao Cris- Em 500 começaram os ataques dos francos. Após· três décadas de
tianismo ortodoxo, com o que conseguiu o apoio da Igreja de Roma. Mais lutas, os borguinhões tiveram de render-se. Em 534 todo o reino passou
tarde foi suspensa a interdição que proibia os intercasamentos. De grande ao domínio dos francos.
importância também foi a elaboração de .um só código jurídico que regu- Do ponto de vista lingüística, a conseqüência da constituição do reino
lasse as relações entre visigodos ·e romanos. Com posteriores revisões, burgúndio foi a formação de uma. área dialetal característica em territó-
acentua Elcock, tornou-se este o Forum Judicum, base dos hispânicos rio francês, denominada "franco-provençal". "O território que os borgo-
dos séc. XII e XIII. Quanto à língua, somente o latim possuía suficiente nheses ocuparam na Gália", salienta Elcock, "corresponde rigorosamente
prestígio para passar à escrita e era a língua oficial da Igreja e do Estado. à área do moderno dialeto franco-provençal, assim chamado porque os
Os romanos jamais a haviam abandonado e agora ia tomar traços novos falai:es de que se compõe assemelham-se em alguns aspectos ao francês
com os novos contatos com os invasores. do Norte e em outros ao- provençal" (The Romance Languages, p. 224).
Foi sobre essa unidade cultural e política que, no séc. VIII, vieram
precipitar-se os árabes. ~ 8. 11 - Uma tribo germânica, a dos alam anos, jamais se romanizou.
Situados entre o Reno e o lago Constança, atravessaram o Reno em
meados do séc. V, ocuparam em massa a Alsácia e também grande parte
8.10 - Na época em que os visigodos ocupavam o Sudoeste da Gália,
da atual Suíça. Interpondo-se entre o leste da Gália e a Récia, provoca-
três povos gerinânicos se estendiam" ao longo das margens do Reno: os
ram a separação lingüística entre os falares românicos da Gálía e da Ré-
francos ao norte, os borguinhões nê, curso médio' do rio e os alamanos
cia. Ajunte-se que, fugindo ao avanço dos alamanos, os réticos buscaram
na cunha entre o Reno e o Danúbio. Os borguinhões vinham impelindo
as regiões menos acessíveis dos Alpes, onde então floresceram as varian-
os alamanos para novos territórios e uns e outros sempre foram inimigos
antes neolatinas reto-românicas.
implacáveis.
"Do ponto de vista da Rornânia", comenta von Wartburg, "os ala-
Em virtude de terem os borguinhões dado apoio político e militar
manos contribuíram bastante para o desmembramento do território ani-
a um usurpador fantoche, atacaram-nos com violência os romanos, em
mado pela civilização e língua romanas. Não somente subtraíram-lhe vas-
cujas fileiras pululavam mercenários hunos, e, sob o comando de Aécio,
tas regiões, mas ainda levaram a sua ofensiva até o mais delicado ponto
destroçaram-nos quase ao extermínio. Foi essa catástrofe que gerou a fa- de contato e por isso mesmo disjungiram violentamente uma região que
mosa epopéia germânica dos Nibelungen. tendia a elaborar uma língua comum em duas áreas lingüísticas e simul-
Os sobreviventes 'foram removidos 'pelos romanos para o território da taneamente étnicas, inteiramente separadas". (Les Origines, 108 . .)
Sapaudia, entre o lago ~ Genebra e Grenoble, região que inclui a atual Os alamanos timbravam em manter seus usos e costumes, não acei-
Savóia. '\ tavam a condição de foederati e sim a de conquistadores. Mesmo à con-
Em seu novo habitar, os borguinhões prosperaram e, na condição de versão ao catolicismo resistiram tenazmente, apegando-se por demais
foederati, entretiveram as melhores relações com os galo-romanos. Na aos seus ídolos pagãos. "Foram necessárias várias gerações", acentua
,.
CAPo 8 • A FRAGMENTAÇÃO DA ROMÂNJA 81
80 PREPARAÇÃO À LlNGUíSTICA ROMÂNICA

ainda von Wartburg, "e o apoio consciente da missão pelos reis francos então suprimida a realeza e dividido o território em trinta e cinco du-
para que essa região se incorporasse finalmente ao império inclusive do cados .
ponto de vista religioso". Seria talvez a oportunidade de Bizâncio recuperar os seus estados
na Itália, mas as preocupações no Oriente já eram bastantes para man-
8 .12 - Nos fins do séc. V os bárbaros atravessaram o Danúbio, pene- ter-lhe em vigília as forças. Coube aos francos da Austrásia a tentativa
traram nos Alpes ocidentais, o moderno Tirol, e contribuíram também de submeter os lombardos. O perigo uniu outra vez os novos senhores
para a segmentação da área reto-românica. Ao norte dos Alpes, houve da península, que elegeram outro rei. Concertaram então um acordo com
uma germanização relativamente rápida; nas montanhas, a progressão foi os francos, aos quais passaram a pagar tributo. Consolidava-se a domina-
mais lenta. Em mãos dos romanos continuava, na região das províncias ção lombarda na Itália setentrional; mas a faixa territorial de Roma a
do Danúbio, apenas a Dalmácia. Ravena e a costa lígure continuavam sob o governo de Bizâncio. A cx-
pansão dos invasores prossegue, mas muito lentamente.
8 . 13 - Eram os lombardos originários da parte inferior do Elba, na Vem depois uma luta constante entre lombardos e romanos do Ori-
Germânia ocidental. Desencadeadas as grandes invasões, vemo-I os na Pa- ente, em razão de choques inevitáveis no corredor bizantino. Perúsia,
nônia, na Europa central. Aí, com o auxílio dos ávàros, povo aparentado na interseção das linhas, muda continuamente de mãos.
aos turcos, que os vinham pressionando desde o seu antigo habitat no A fundação do ducado de Espoleto corta a passagem entre Roma e
médio Danúbio até fazê-los entrar Da Panônia, derrotaram os gépidas. A Ravena. Os ducados de Benevento e de Salerno na Itália do Sul, de Es-
seguir, a pressão dos ávaros voltou-se contra os próprios lombardos e poleto na parte central, do Friul ao nordeste vivem praticamente inde-
entre eles, diz Elcock, estabeleceu-se curioso "acordo de cavalheiros": os pendentes. Grimoaldo, duque de Benevento, foi o primeiro a reinar de nor-
lombardos procurariam fixar-se na Itália e deixariam a Panônia livre para te a sul, com exceção das costas. Com sua morte voltou-se à antiga sepa-
os ávaros. ração.
Em 568, comandados pelo rei Albuíno, os lombardos atravessaram Quando os lombardos penetraram na Itália, já se haviam cristianizado,
os Alpes orientais e, pela lstria, penetraram na Itália. Milão (Mediola- embora adotassem o arianisrno. Mas o cristianismo romano pouco a pc il-
num) caiu-lhes facilmente nas mãos. Em breve ;m toda a região que, co foi substituindo a condenada heresia. A esposa do rei Autári era ca-
de seu nome, se iria chamar "Lornbardia", cessava qualquer resistência. tólica e no catolicismo educou seu filho Adaloaldo. Houve, é verdade.
Apenas a cidade, de Ticinum, depois Pavia, opôs-se com maior tenaci- uma reação arianista,.mas, por fim, como diz Lot, "o catolicismo firmou-
dade aos invasores, mas foi capturada após duro sítip de três anos. Con- se como senhor na própria cidade de Pavia".
..
quistada a cidade, tornou-se ela a capital do reino lombardo.
A Itália era então parte do império romano do Oriente, chefiado
Foi nos fins do séc. VII, segundo observa von Wartburg, que, deses-
pc rançados de obter sobre o adversário uma vitória decisiva, louibardos
por Bizâncio. Morto Justiniano (565), seus sucessores não souberam, c romanos começaram a aproximar-se. Para isso muito contribuiu o desa-
ou não puderam, manter a integridade do território, e, por isso, os 10m- parecimento das divergências religiosas. Por volta de 680, porém, recru-
bardos não encontraram resistência séria por parte das tropas a serviço desce o ímpeto de expansão dos lombardos. Já então se haviam afrouxa-
de Bizâncio. do os laços que uniam romanos e bizantinos. Bizâncio, de língua grep
C costumes orientais, parecia cada vez mais aos i ornanos uma cidade es-
Prosseguindo na descida rumo ao sul, os lornbardos fundaram os
ducados de Espoleto e Benevento. Bizâncio conseguiu reter urna faixa de trangeira.
terra, onde ficavam Roma ye Ravena, "entre o reino da Lombardia ao Era esta, então, a situação da Itália, conforme a descreve von
norte e os ducados de Espoleto e Benevento, ao sul. O extremo sul (Apú- Wartburg:
iia, Calábria, Sicília) contâruava bizantino. O Sul da Itália, com a Sicília, estava submetido ao patriarcado de
Em 573, Albuíno foi assassina~o por instigação de sua mulher Ro- Constantinopla, fora da influência de Roma e voltado inteiramente para o
sarnunda, conforme nos relata Paulo Diácono na Historia Longobardo- mundo grego. No Lácio, apesar da presença de um funcionário bizantino,
rum. A mesma sorte recaiu sobre o regicida, dezoito meses depois. Foi crescia o poder temporal do Papa e da sua administração. Ravena e ()
82 PREPARAÇÃO À LINGüíSTICA ROMÂNicA CAPo 8 • A FRAGMENTAÇÃO DA ROMÂNIA
83:

Exarcado (que tinha esse nome porque aí residia o exarca, espécie de vi- assumiu o título de rei dos lombardos. Com a coroação de Carlos Magno
ce-rei bizantino) continuavam sob o governo de Bizâncio. A população como imperador do Oriente, em 800, encerrava-se definitivamente a his-
lombarda permanecia dividida em duas partes: ao norte a planície da tória da dominação lombarda na Itália.
Lombardia, com a Ligúria e a Túscia, ao sul os dois ducados indepen-
dentes de Espoleto e Benevento. 8.14 - As relações entre lombardos e romanos, não só políticas
Foi nessa ocasião que ascendeu ao trono o rei Liutprando (712-744). mas também sociais, só a muito custo se harmonizaram. Logo que pene-
Sonhou unificar a Itália sob um só governo lombardo e conseguiu subme- traram na Itália, os lombardos agiram com ferocidade, matando e saque-
ter os ducados do Sul. Mas os lombardos haviam deixado passar o mo- ando cruelmente. A sua fúria voltava-se contra os proprietários territoriais,
mento histórico para a constituição de um estado político semelhante ao aos quais massacravam antes de se apossarem de seus bens e suas ter-
que os francos estabeleceram na Gália. Com a morte de Liutprando, o ras. O relato está em Paulo Diácono: "Ris diebus multi nobilium Roma-
Benevento recuperou a independência. Elevado ao trono, o usurpador norum ob cupiditatem interfecti sunt. Reliqui vero per hospites divisi,
Astolfo retoma a política expansionista, de Liutprando. Ravena capitula, a ut partem suarum frugum Longobardis persolverent, tributarii efficiuntur."
Pentápole (Romanha e as. Marcas) é arrebatada. ao domínio de Cons- Não agiram, pois, nem como os godos, nem como os francos. Eli-
tantinopla. Fora do poderio lombardo, resta apenas o ducado de Roma, minaram a elite romana e superpuseram-s~ à massa do povo conquistado.
que o Papa administra em nome do antigo império. Os duques de Espo- O Estado Lombardo, diz von Wartburg, repousava no completo aniqui-
leto e Benevento não lhe puderam resistir. Apenas Veneza e a Sicília ain- lamento do direito romano. Todavia os casamentos com as mulheres de
da lhe escapam. língua romana não eram proibidos, também ao 'Contrário do que sucedera
com os outros germanos. Outra característica da colonização lombarda
Ante o perigo, o Papa Estêvão II voltou-se para o imperador, mas
é o florescimento de "cidades" em toda a Itália. A vida urbana continuou
não logrou auxílio. A situação era de desespero, embora certos historia-
ativa e os homens livres lombardos, os arimanni, procuram a cidade para
dores - como F. Lot - não compreendam a repugnância do Papa em
instalar-se.
rornar-se um lombardo, uma vez que, desde os meados do séc. VIII, já
haviam estes abjurado o arianismo. Somente com a progressiva conversão dos lombardos ao catolicismo
foi que as relações entre conquistadores e conquistados entraram a me-
Estêvão II ainda tentou conseguir de Astolfo a restituição do Exar-
lhorar. Mas jamais foram boas, como prova a aliança do papado com
cado e da Pentápole. Em vão. Foi nesse momento que, em vez de retor-
a monarquia franca, no momento em que a unificação dos povos lom-
nar de Pavia ã Roma, prosseguiu para Paris. Consigo levava os destinos
bardos ameaçou a independência de Roma. A uma submissão aos lom-
da Itália, comenta F. Lot. ".
bardos, que poderia evoluir para um acordo entre os dois poderes, pre-
Em Paris, Estêvão II avistoü-se com Pepino, então "rnaire du pai ais" feriram os romanos a proteção dos francos. A dinastia dos carolíngios
(prcfci to do palácio), mas que detinha funções de verdadeiro primei ro- surge assim como a ruptura final entre o Ocidente e o Oriente e coloca
ministro. Pepino tomou urna decisão ambiciosa e histórica. Depôs Childe- o Cristianismo na posição de centro espiritual do mundo europeu, com
rico, que seria o último rei merovíngio, e proclamou-se rei. Começava sede em Roma.
ai a dinastia dos carolíngios.
Com o auxílio dos francos, os lombardos foram batidos e tiveram de
ceder ao Papa os territórios recentemente conquistados. aos bizantinos:
Ravena, Rornanha.. as Marcas. Criou-se, assim, o Estado Pontifical, que
mantinha descontínuó o território naêlonal da Itália, embora sob outro
espírito. Os lombardos ~via.m pagar tributo aos francos.
O sucessor de Astolfo, Desidério, recomeçou a luta contra o pa-
pado. De novo o Papa - agora Adriano :I - recorreu à ajuda da mo-
narquia franca. O filho de Pepino, Carlos Magno, derrotou Desidério e

...
tomou Pavia, capital dos lombardes. Confirmou a autoridade do Papa e
CAPo 9 - OS ÁRABES
85

do século seguinte), mas a eles resistiu com denodo, tendo afastado de


suas portas o perigo muçulmano.
Voltaram-se, portanto, os árabes novamente para o Oeste e, em 711,
com apenas doze mil homens, o general árabe Tárique atravessou as
Colunas de Hércules (que, de seu nome, se iria chamar Gibraltar, Geb-
al-Tarik, "montanha de Tárique") e, na batalha de Xérez de Ia Fron-
Capítulo 9 tera, derrotou o rei visigodo Rodrigo, que foi morto no campo de batalha.
As dissensões internas facilitaram os desígnios dos invasores e em
cerca de dois anos toda a Península, praticamente, caía em mãos dos
,
mouros. Os restos dos exércitos cristãos, sob o comando de Pelágio, re-
/ Os Arabes fugiaram-se nas montanhas do norte.

9.2 - O ímpeto e a embriaguez da vitória levaram os árabes além-


Pireneus, onde ocuparam a Septimânia, no atual Languedoque. Daí atra-
vessaram a Aquitânia e tomaram o rumo do norte. Mas foram batidos
9 . 1 - A irrupção dos árabes no mundo românico resultou de· cau- em Poitiers (732), por Carlos Martelo, avô de CarIos Magno. Coube a
sas primacialmente religiosas. seu filho, Pepino, fundador da dinastia carolíngia, expulsar os mouros
da Septimânia. CarIos Magno, finalmente, .levou a guerra. à Espanha e
Foi Maomé, comerciante de Meca, quem, sob a influência de dou-
incorporou a seu império a "Marca da Espanha" em cuja conquista so-
trinas judaicas e cristãs, começou a difundir um novo monoteísmo nas
frera o seu exército, na primeira tentativa, terrível derrota, no desfila-
vizinhanças do Mar Vermelho. Hostilizado em Meca, fugiu para a ci-
deiro de Roncesvalles. É esse épico-trágico o tema da famosa Chanson
dade que se chamaria Medina, e a data dessa fl!ga (Héjira - 622) marca
de Roland.
o início da era islâmica. Em Medina encontrou adeptos em número su-
ficiente para voltar a Meca e reduzi-Ia nova fé, de que era o profeta.

9.3 - Nos dois primeiros séculos, houve maior tolerância do vencedor


Começou assim a "guerra santa" ~que iria levar os árabes a contracenar
para com os vencidos. Mas a dominação arábica diferiu bastante da
no palco dos grandes acontecimentos que. forjavam o mundo ocidental.

.
Os primeiros choques vi~am "" contra os bizantinos. Sucessivamente
arrebataram os árabes aos bizantinos a Judéia, a Jordânia, a Palestina
,
conquista germânica.
Monteverdi aponta várias dessas distinções.
e a Síria. Depois da queda de Alexandria (642), era o Egito que lhe Enquanto germanos e eslavos eram indo-europeus, como os latinos,
caía nas mãos. os árabes eram semitas. Culturalmente, os gerrnanos vinham de secular
convivência com os romanos, ao passo que os árabes eram portadores
Nessa época, ocupavam os bizantinos o norte "da' África. No afã de
de um estilo de vida radicalmente diverso. Os germanos eram pagãos
verdadeira "reconquista" do antigo império, tinham ido à Espanha, onde
ou cristãos, ainda que arianos, ao passo que os árabes viviam com
chegaram a dominar uma faixa costeira que se estendia de Gibraltar às
exaltação um novo credo religioso, que apelava fanaticamente para a
cercanias de Valença, passando por Cartagena, Málaga e parte' de An-
espada e a guerra santa. Também as línguas, acrescentemos, eram estru-
,
daluzia, com Granada e' Córdova. Mas os hispano-godos acabaram por
turalmente diferentes, quer fônica, quer morficamente. Tiveram, pois,
expulsá-los e, ao terminar o primeiro quarto do séc. VII, já não havia
árabes e cristãos de conviver, mas cada um com a sua língua e sua rc
,
dominadores gregos n~ península.
ligião.
Na avançada para o Ocicfente, os árabes ocuparam todo o norte
da África, de onde' acabaram, de . expulsar os bizantinos. A própria Bi- 9.4 - Dividiam-se as populações românicas subjugadas em dois gru
zâncio sofreu dois assédios (11m nos fins do séc. VII e outro no começo pos: o dos rnoçârabes, que, sob a dominação arábica, conservaram "
t • ...

•• r
86
PREPARAÇÃO À LINGOISTICA ROMÂNICA CAP 9 - OS ÁRABES 87

fé cristã; e o dos muladies, que haviam renegado a fé dos antepassados. Ilha. Restava-lhes o califado de Granada, que após uma guerra que
Uns e outros, porém, usavam do rornanço peninsular. durou dez anos teve, finalmente, de render-se aos cristãos (1492). Via-se
Que houve sempre continuidade de falares românicos na Península a Península livre do invasor muçulmano.
Ibérica vieram confirrná-Io os recentes estudos sobre as muaxas árabes.
São as muaxas composições poéticas em caracteres arábicos ou he-. 9.6 - O movimento de Reconquista é fundamental para a compreensão
braicos, que terminam por breves versos em aljamia, isto é, em vulgar da atual situação lingüística da Ibero-România. Tal movimento encontrou
hispânico, mantidos, porém, os alfabetos árabe ou judeu. Esses fechos três linhas de progresso: uma proveniente de Aragão e de Barcelona
curtos das muaxas chamam-se xárias (ou carias y, Na Espanha ocorria _. este um condado criado por Carlos Magno - que desceu. até Va-
lência e alcançou a Múrcia; outra ocidental, teve como ponto de partida
uma variedade das muaxas, zéjel, que era composta em árabe dialetal,
o Norte da Península (condado portucalense) e concluiu a Reconquista
ao passo que a muaxa era escrita ,em árabe clássico.
até ao Algarve (D. Afonso III, de Portugal - 1250); finalmente, a
O fato de haver muaxas em caracteres hebraicos mostra que os terceira ponta de lança, central, originária dos reinos de Leão e Cas-
judeus da Espanha, particularmente da Bética, prosperaram sob a do- teia, a mais completa, caminhou para o mar, de Toledo a Córdova e Jc
minação árabe, tendo chegado a desenvolver apreciável literatura. To-. Córdova a Sevilha, na Andaluzia. Esse triplice movimento explica a
davia a muaxa foi uma criação arábica, que os poetas hebreus da Es- constituição das três grandes línguas de cultura da Península Ibéricas o
panha imitaram. Deve ter surgido no séc. X, mas as mais antigas que catalão (na Catalunha, antiga Gothalania), o português e o castelhano
se conhecem pertencem ao séc XI. Como nas cantigas de amigo, nelas. (ou simplesmente espanhol).
é sempre a mulher que fala. Todavia para o castelhano, o filólogo espanhol Manuel Criado dei
VaI propõe uma revisão do ponto de vista clássico. No seu entender não
9.5' - Nos primeiros séculos, como já se disse, foram razoáveis as. havia uma só Castela, mas duas, e o idioma espanhol. não teria resul-
relações entre os mouros e os cristãos. Houve episódios isolados de in- tado da progressiva expansão do dialeto de Castela-a-Velha, mas de uma
tolerância, como a resistência de Santo Eulógio e dos mártires cordove- fusão com o de Castela-a-Nova; "nem o castelhano' vulgar", diz, "nem
ses, impiedosamente esmagada (sec. IX). "Mas novas invasões (a dos al- o literário têm uma origem tão simplista. Sua base principal não é in-
morávidas no séc. XI e a dos almoadas no sée. XII) fizeram inconfortá- vasão do dialeto cantábrico, mas o encontro e a fusão deste com o mo-
vel a vida dos moçárabes e provocaram emigrações em massa para o norte. çárabe toledano e o andaluz".'
Ao ~orte haviam-se recoÍhido os cristãçs, refugiando-se nas Astúrias Note-se que o Prof. Serafim da Silva Neto já havia defendido para
para escapar à fúria conquistãdora dos cruéis maometanos. Entre eles e o português tese semelhante em sua magistral História da Língua Portu-
os árabes, diz von WartbÜrg, colocou-se no séc. VIII um grande deserto, guesa, onde se lê: "Lisboa é uma frágua de onde sai, depois de dois
que ia do Ebro superior à foz do Douro. Pouco a pouco, foram os séculos (XIII e XIV) de contato e interação, uma média entre os fa-
cristãos recolonizando 'esse território e já nos princípios do séc. X a lares do norte e os falares do sul. De modo que o português não repre-
capital pôde ser transferida de Oviedo, nas' Astúrias, para Leão. Depois senta propriamente o dialeto de Lisboa, mas foi lá forjado, graças ao
de Astúrias e Leão, vão surgindo, sempre ao norte, mas também cada seu prestígio de grande centro urbano, grande centro comercial, polí-
vez com maior penetração para o sul, outros reinos cristãos. Navarra,
tico e universitário" (p. 395).
mais ao centro; Aragão, a leste; Castela, ao centro,- que iria capitanear
o movimento ir resistjve] da Reconquista, em solo espanhol. Em 1085,. 9.7 - Os árabes também estiveram na Sicília, onde desembarcaram
Afonso VI, de Castela, apodera-se de Toledo, no coração da Península, nos primórdios do séc. IX. Para conquistá-Ia tiveram de lutar durante
e, após a vitóri'\t como recompensa, dá ao seu aliado Henrique de quase sessenta anos; perderam-na em trinta. As datas extremas são
Borgonha o condado Je Pqrtus Cale entre o Minho e o Tejo. Em 1236, 827 e 1089'. Na ilha a resistência militar bizantina foi ao cabo silenciada
Córdova é capturada; em 1248, Sevilha. Em 1264, Afonso X alcança o
mar, em Cádíz. Com as decisivas vitórias de Navas de Tolosa (1212)
e do Rio Salado (1340),' a ~sorte dos mouros estava decidida em Espa-.
f
•.. 1 Teoria de Castilla Ia Nuev d, p. 11.
88 PREPARAÇAO À lINGUiSTlCA ROMÃNICA

e Taorrnina destruída. Os árabes fizeram de Palerma a sua capital e per-


seguiram tenazmente o falar românico local. "O árabe e o grego", co-
menta von Wartburg, "eram nessa época as duas línguas predominan-
tes na Sicília".

Os árabes, é claro, não conseguiram extirpar, mas simplesmente


reduzir bastante o elemento românico. Mas, com a chegada dos nor-
mandos,. puseram-se em fuga. Posteriormente, a população da Sicília foi Capítulo 10
reforçada com afluxo de imigrantes italianos, na maior parte do sul. Daí,
segundo alguns, escreve Monteverdi, "o caráter especial do sicitiano em
confronto com outros dialetos italianos: de preferência unitário, confor-
me pensam, e pobre de idiotismos locais e arcaísmos". Influências de Substrato

10. I - O problema do substrato é conexo do problema do bilin-


güismo.
É o bilingüismo uma situação lingüística das mais freqüentes. Ca-
racteriza o Prof. Mattoso Câmara Júnior três situações sociais de bilin-
güismo: a) de núcleos migratórios que praticam língua diferente da-
quela do país que os acolheu; b) a de populações conquistadas por in-
vasores de língua diversa da do povo vencido; c) a de população de,
fronteira.
Na hipótese b ou acaba por impor-se a língua do povo vencedor,
ou a do povo vencido (se esta possuir maior prestígio cultural). Se se
impuser a língua do povo vencedor (caso do latim no processo da roma-
nização ) , a língua do povo vencido geralmente não desaparece de todo,
pois sempre deixa marcas de seus hábitos na língua do povo vencedor.
E a tal tipo de interferência que se costuma denominar "influências de
substrato .
Mas também pode acabar por impor-se a língua do povo subju-
gado (caso do latim em relação à língua dos bárbaros germânicos).
Nessa hipótese, a língua desaparecida do povo invasor pode deixar
marcas de seus hábitos na língua triunfante do povo vencido; temos,
então, a chamada "influêp~ia de supcrestrato".
I Foi o notável Iinaiista j(al~ladio Isaía Ascoli, no século pas-
I'
J
sado, o primeiro a ver o fenômeno
-
das influências de substrato e também
I o primeiro a usar tal denominação. Quanto ao fenômeno inverso de
supcrestrato, coube ao lingüista suíço Walter von Wartburg achar-lhe o
nome (ZRPIr, 1933). O professor de Amesterdão, Marius Valkhoff ,
90 PREPARAÇÃO À LINGüíSTICA ROMÂNICA CAPo 10 • INFLUENCIAS DE SUBSTRATO 91

quis completar a terminologia e propôs o termo de adstrato para designar Meillet, todavia, admite "tendances existant chez des sujets dont
a influência entre duas línguas que convivem em territórios vizinhos (caso les ancêtres ont changé de langue". E acrescenta:
do basco e do espanhol atuais; caso também da hipótese c de Mattoso Hypothêse hardie qui tend à faire croire que certaines habi-
Câmara Jr.).
tudes acquises auraient pu être transmises par l'hérédité. Il ne s'agi-
No presente capítulo iremos considerar apenas alguns casos de 111- rait pas de l'hérédité de caractêres anatomiques acquis, mais d'une
fluências de substrato no domínio românico. chose bien différente, d'hérédité d'habitudes acquises.'

10.2 - A influência do substrato no léxico e na Toponornástica é pon- No entanto, não há sequer necessidade de admitir" essa hereditarie-
to pacífico; todos a aceitam sem discrepância. Quando se trata, porém, dade de hábitos adquiridos. A explicação de Pidal parece-nos melhor.
de Fonética (e a situação se agrava se, em vez da Fonética, considera- Tenha-se em conta que as 'charnadas gerações não se sucedem descon-
mos a Morfologia ou a Sintaxe), começam a surgir as objeções. tinuamente, mas crianças, jovens, homens adultos, velhos, anciãos coe-
xistem numa só época, recebendo o legado da tradição uns, modificando
Uma das mais freqüentes é a que diz respeito ao nosso mais que
esse legado outros.
deficiente conhecimento das chamadas línguas de substrato. P. ex: Que
As leis fonéticas se inserem nesse tecido social e histórico e resul-
conhecimentos seguros temos nós do ibérico, ·havido por língua de subs-
tam de lenta e prolongada elaboração através das idades, A seguinte ci-
trato do latim hispânico, ou do celta, que se aponta como substrato do
tação de Menéndez Pidal, embora extensa, se impõe para melhor en-
latim das Gálias? De fato, muito pouco e sempre indiretamente. No en-
tendimento do assunto:
tanto, não se pode negar que os aloglotas, ao mudarem de língua, dei-
xam marcas da antiga língua no novo idioma que passam a adotar. Bas- Esta enorme lentitud en el desarrollo y propagaci6n de um cam-
ta ver o fenômeno nas línguas românicas do Novo Mundo. Os imigran- bio lingiiístico es noción esenciaI para compreender rectamente como
tes (italianos, alemães, sírios), ao aprenderem a língua do país que os se realiza una ley fonética. Por no contar con esta noci6n, se ha
acolheu, • nela introduzem hábitos próprios de sua língua materna. O expresado a menudo Ia opinión de que un cambio lingüística data
mesmo fato terá acontecido, p. ex., com os celtas da Gália ao aprende- de Ia época en que primeiro Ia manifiestan los documentos u otros
rem o latim; muitas das alterações introduzidas na língua de Cícero de- testimonios; y, por ejemplo, se ha argumentado muy fuertemente con-
sapareceram, mas outras" sobreviveram e constituem atualmente iniludí- tra el origen céltico de ii, o ibérico de Ia h- por 1-, o árabe de i
veis influências de substrato. castellana, calificando estas sonidos de tardíos, posteriores a Ia extin-
Uma ;egunda objeção refere-se à longa distância que separa os dois ción dei galo en Francia o dei ibero y el árabe en Espana. No es que
fenômenos: o do ponto de partjda da língua "de substrato e a sua con- yo iguale estas casos; creo en el celtismo de Ia Ü, como en el iberismo
seqüência na língua atingida, Assim o celta já estava praticamente ex-
tinto no séc. IV de nossa era, ao passo que os fenômenos fonéticos que
I
1
de Ia I, pero no creo por ahora en el arabismo de Ia j; s610 digo que
el referido argumento no tiene validez alguna. EI filólogo hace a
se lhe podem atribuir no-francês - como a tendência da passagem de
li a Ü - não nos são manifestados antes do s~c. VII.
i
(
I
menudo sus razoriamientos sin darse cuenta de ese estado latente
multisecular en que 'puede vivir un impulso lingüística, y así se aparta
A essa objeção se poderá responder com a natureza histórica das mucho de Ia realidad deI hecho fonético. 2
chamadas leis fonéticas, as quais exigem séculos e séculos de lenta e O problema, portanto, como diz Vidos, não está em discutir se existe
obscura elaboração para finalmente emergirem à plena luz. Não s;
trata por certo de herança biológica ou anatômica. Não há relação ne- I substrato ou não, "perchê tale influenza esiste senza dubbio", mas em
determinar-lhe o processo de realização.
cessária entre sistema Jingüístico e=caracteres raciais. Qualquer indivíduo,
seja qual for a sua "raça, é uma falante potencial de qualquer língua.
Como ainda uma vez r~lemb.(a Vidas, um negro africano, transportado
I 1 v.
"Sur les effets des changements de langue", in Linguistique hlstorique
et linguistique
générale, 11. 110.
para a França, ainda recérn-nascido, irá falar o francês tão bem quanto
qualquer natural dá pátria de Racine. O problema não é, pois, biológico, I 2 "Las leyes fonéticas, su esen.cia histórica", do livro Origines dei Espaiiol,
transcrito em Mis Páginas Preferidas, Estudios Lingüísticos e Históricos, Madrid,
,
de cunho naturalista, mas sim- sociológico, de caráter culturalista. i Gredos, 1957, p. 90-91.
•.
~
I
I
(I
92
PREPARAÇAO À LINGUISTICA ROMANICA
CAPo 10 • INFLUENCIAS DE SUBSTRATO
93

Veremos a seguir as principais alterações fonéticas que se verificaram


Vê-se, pois, que não se pode simplistamente identificar o basco
na evolução das línguas românicas atribuíveis a influências de substrato.
com o ibero, nem considerar o primeiro um remanescente do segundo.
10.3 - F- > H-
No entanto, assim pareceu a princípio. Guilherme de Humboldt
Como diz Jungemann: "Sobre Ia posibilidad dei orígen de sustrato tentou, com apreciável sucesso, explicar alguns nomes de lugares e de
de F > H espaiíol se ha escrito más que de todos los demás proble-' pessoas da antiga Ibéria por meio do basc~. Hugo Schuchardt, que che-
~. mas análogos de Ia fonología espaí'íola y gascona juntos."> gou a reconstituir a declinação ibérica (que, entretanto, para outros, seria
'lrata-se de uma evolução especial do F inicial latino, o qual pro- uma língua aglutinante), e E. Hübner, compilador dos Monumenta Lin- "
duziu uma aspiração (representada por H) em gascão e castelhano (que guae lbericae, supuseram que o basco, língua aparentada com o ibérico,
a levou depois vitoriosamente para o Sul e se constituiu em evolução fora o primitivo idioma da Península. Daí falar-se em "substrato ibérico",
pura e simplesmente do espanhol); essa aspiração depois se perdeu, expressão que pode ser mantida, pois, se, a princípio, a língua dos iberos
tendo-se apenas conservado dialetalmente na Espanha e em alguns fa-
lares gascões. diferia da dos bascos, é lícito supor com M. Pidal (ZRPh, LIX, 1939)
que os bascos adotaram a língua dosiberos.
Em gascão todo F inicial passa para H: Mas o mesmo não se dá
em castelhano, pois nesta língua o F se conserva antes de ue, de r e de I Ora, o basco desconhecia o fonema lU, que substituía, por equi-
e em mais algumas poucas palavras. Ex.: hablar (Iat. fabulare), hacer valência acústica, corno queria Pidal, por h (o qual podia cair), p
(lat. facere), hilo (Iat. filu) etc., mas [uerte (Iat. forte), frio (lat. frigidu) ou até b.
flaco (lat. flaccu), jiesta (lat. festa).
Não podemos entrar em detalhes sobre o processo que gerou esse
Essa evolução é um traço característico do fonetismo castelhano- traço fonético distintivo dos falares castelhanos e gascões. Mas a influ-
gascão, pois não se encontra em outras regiões da Rornânia. Cfr. Iat. folia,
ência ibérica é provável, não só pela razão de ordem lingüística, que
esp. hoia, mas ptg. folha, cat. [ulla, fr. jeuille, it. [oglia, rom. [oaie.
vem de ser apontada, mas também por urna outra de ordem geográfica,
Não se pode, portanto, inserir o câmbio F > H naquela série de
que é a seguinte: somente se encontra tal transformação nas línguas con-
transformações que Meillet apropriadamente atribui a tendências das
finantes com o basco, isto é, castelhano e gascão, línguas de povos
línguas indo-européias. • Procura-se uma explicação local, e essa expli-
cação os romanistas têm ido buscar à língua basca, ainda hoje falada que têm urna base étnico-histórica comum, respectivamente ibérico-hispâni-
nos Pirinetis , .' ca e ibérico-aquitânica. 5
E o basco a única língua psé-romana ainda hoje conhecida; não per- Todavia, essa evolução F > H foi muito lenta. Os primeiros do-
tence à família das línguas- indo-européias e é certamente pré-indo-eu- cumentos ocorrem numa zona ao norte de Burgos, a partir do séc. IX. No
ropéia.
Cid (séc, XII) aparece sempre j-, Na língua literária h- começa a ser
Estudos modernos, corno os de René Lafon e Karl Bouda, fazem aceito no séc. XV. No séc. XVI tal uso é predominante.
do basco uma língua caucásica e não autóctone da península Ibérica.
O motivo de tal lentidão teve provavelmente, corno aceita Vidos,
Por seu turno, os iberos também não são autóctones; migraram da
razões histórico-sociais. Enquanto as classes populares ou provincianas
Africa do Norte. Eram os iberos povos de cultura almeriense, ao passo
que os bascos eram de cultura pirenaica, pois os seus antepassados de- (os castelhanos) usam h-, as classes cultas, enfartadas de latim, tim-
vem identificar-se com os antigos vascones, afins dos aquitanos. A lín- bravam na persistência do i-. Mas, à proporção que as armas de
gua que falavam denominavam euscara. Castela desciam vitoriosas para o Sul e faziam do seu povo a elite do-
minadora, a área de resistência do f- se ia reduzindo e acabou pratica-
~ mente por desaparecer.
: La Teoria dei Substrato ~ los Dialectos Hispano-Ronulnces y Gascones,
Madrid, Gredos, 1955, p. 383.
• A. Me ilIe t, "Les langues romanes et les tendances des langues indo-
européennes", in Lingui,rtique Historlque et Linguistique Générale, H, p. 113-122.
• • 5 B. E. Vidos, Manuale di Linguistica Romanza, p. 224.
94
PREPARAÇAO À LINGUISTICA ROMANICA
CAPo 10 - INFLUENCIAS DE SUBSTRATO 95

Alguns autores, como W. Meyer-Lübke e John Orr, rechaçarn a


visão mais exata do território emiliano, até há pouco havido Como área
hipótese substratista. Mas a maioria dos romanistas (Pidal, von Wart-
exclusivamente de /u/.g
burg, MeilIet, Vidos, Tagliavín}, Jungemann) a aceitam .•
b) Se não se pode assegurar que tivesse o gaulês o fonema /ü/,
pelo menos é certo que o céltico medieval e moderno possui a tendência
10.4 - U:» V
para transformar lu/ em li! (p. ex.: ir!. rún "secreto", címbr. rhin) ,
o que pressupõe um intermediário /ü/.
Trata-se de um fonerna característico do francês, do provençal, de c) A evolução fonética no francês oriental de maturu para mevür,
parte do reto-românico e dos dialetos galo-itálicos (com exceção dos da observa von Wartburg, pressupõe um grau intermediário "mevur, pois
Emília e da Romanha)! Como nesse território habitaram os antigos gau- somente uma vogal labiovelar poderia ter produzido um v para
leses, vários romanistas não hesitaram em atribuir tal alteração ao substra- desmanchar o hiato (a vogal palatal teria produzido um iod).
to gálico.
Mas, como o fonema ii não é inteiramente palatal, pode-se admitir que,
Entretanto, Meyer-Lübke e alguns outros contestaram a hipótese nesse caso, o elemento anti-hiático tanto pudesse ser v como y. Note-se
substratista, alegando, entre outras, as seguintes razões: a) não existe também que, antes de um antigo u latino, não se produziu a palatalização
perfeita coincidência geográfica entre a área de evolução U > O e o do K, como se dava antes de vogal palatal (cfr. cera > cire); assim, do
território habitado pelos antigos gauleses; b) nada indica que os antigos lat. cura temos em fr., p. ex., cure (e não sure).
gauleses tivessem possuído o fonema /ü/ ou algo parecido; c) a passa- Mas essa evolução tardia para /ü/ pressupõe a tendência de u para
gem de U para U é tardia, como o demonstram certas evoluções foné- ii, que se processou lentamente. Como diz Tagliavini: "a ausência de
ticas, em qualquer caso muito posterior ao desaparecimento do gaulês palatalização do c antes de ü não significa muito, porque não se diz
(séc, IV, no máximo, de nossa era); d) a explicação pode ser encon- que no momento da palatalização do c, deveria ter o ü um valor palatal
trada em outras causas, lingüísticas e não étnicas. idêntico ao i e de e; poderia tratar-se de um fone ma intermediário entre
u e i, mas ainda mais vizinho de u, como admitem certos estudiosos"
A essas objeções se pode responder: ,
(op. cit., p. 98).
a) Não há necessidade de perfeita coincidência geográfica, pois os d) A explicação, que se deseja puramente lingüística, para o fenô-
fenômenos lingüísticos podem expandir-se ou retrair-se. Acresce que es- meno se encontra no livro de A. G. Haudricourt e A. G. J uilland
tudos mais detidos e minuciosos têm demonstrado ultimamente coin- Essai pour une Histoire Structurale du Phonétisme Français. Aí se obser-
.c
cidência maior do que se SUPUnha. Von Wartburg,8 p. ex., lembra que o va que °
espaço articulatório destinado às vogais velares ou posteriores
atual fonema /u/ do vale. do Ticino representa uma regressão de um (o, u) é bem menor do aquele em que se articulam as vogais anteriores
antigo /ü/. Por outro lado, com a ajuda do AIS pôde-se obter uma (e, i). Num esforço para alargar o espaço articulatório, a vogal u teria
avançado na direção do palato, produzindo-se assim som Ü. Em conse- °
qüência, abriu-se no sistema uma "casa vazia", que passou a ser ocupada
6 Em seus Escudos diacrõnicos, p. [35-48 (Vozes, 1973), o prof. Anthony J.
pelo o fechado em sílaba travada (o qual, como se sabe, em fr. passa a u).
Naro afasta a explicação substratista e, situando-se no quadro geral da [ono[ogia H. Lausberg apresenta uma explicação semelhante à de Haudri-
gerativa, vê nessa evolução um caso particular de palatalização (-f->-ç-, em posi- court-Juilland.
ção intervocãlica, onde ç represente o ich-Laut alemão). Depois a evolução teria
atingido o 1- inicial quando seguido de vogal. Um dos defeitos dessa explicação está em que não admite graus in-
termediários. f: que a mutação fonética, de base fonológica, tem de se
7 Para o portuguê~, L. da Vasconcelos, na Esquisse (p. 95-6) assinala uma
fazer "por saltos" e nunca progressivarnente.!"
zona - que contém ,tPOnt~os na Beira-Baixa, ao Alto-Alentejo, na Estremadura e
no Algarve - onde se Ouve o ,ü. Também se ouve nas ilhas de São Miguel, do
Corvo (Açores) e da Madeira.
g C. Tagliavini, Le Origini deite Lingue Neolatine, 1964, p. 97.
S W. von Wartburg; La Fragmentaci6n Lingüistica de Ia Romania, p. 52
e segs. 10 V,. a crítica a essa explicação em W. von Wartburg, La Fragmentaciôn,
p. 58 e segs. e Vidos, Manual, p. 137 e seg!.
96
PREPARAÇAO À LINGUfSTICA ROMJ.NICA
CAPo 10 • INFLU~NCIAS DE SUBSTRATO 97

o problema foi colocado pela primeira vez por G. I. Ascoli, numa


de suas "Iettere glottologiche", quando apelou para a "reação étnica" de NulIe part dans Ia Romania, les consonnes plaeées entre voyel-
base céltica. Depois, vem sendo muito debatido, revelando-se alguns les n'ont été altérées aussi profondément qu'elles l'ont été sur le
(Meyer-Lübke, p. ex.) contrários ao substrato céltico, manifestando_se domaine gallo-roman, et surtout en français du Nord ; or, les lan-
favoravelmente a maioria dos romanistas. gues eeltiques, dont le gaulois est l'une des branehes, se distin-
guent par Ia singuliêre intensité avec laquelle elles ont altéré les
Cremos que a conclusão pode ser esta de Tagliavini (op cit., p. 99):
eonsonnes intervocaliques; les parlers gallo-romans apparaissent
Tudo somado, poder-se-ia' admitir, ainda que COm reserva, que done, à cet égard, comme du latin altéré en vertu de tendances qui
a presença de ü nos territórios românicos de substrato céltico seja caractérisent éminemment les parlers celtiques.
devida a uma tendência de origem gaulesa, a qual se manifesta no
Quanto à Península Ibérica, o assunto foi muito bem tratado por
campo neotaríno, COmo no germânico de substrato gálico (holan-
Pidal nos Orígenes. Na Península, aliás, o fenômeno foi precoce, pois a
dês), conquanto não se possa excluir a possibilidade de desenvol-
vimentos independentes; as condições da passagem u > ü não terão mais antiga documentação que dele temos, embora contestada por alguns,
como Meyer-Lübke, - imudavit por imutavit - pertence, ao séc. 11, Mé-
sido em toda parte as mesmas e tal passagem não terá ocorrido
em todo o território na mesma época .. rida."
Observou Pidal que a sonorização foi mais forte a Noroeste, vindo
progressivamente reduzindo-se (Castela, p. ex.) , até extinguir-se a Leste
Sonorização das surdas intervocálicas
(Aragão). Ora, o Noroeste ibérico é zona de forte substrato céltico, ao
passo que o Leste é área não indo-européia (substrato ibérico ou euscaro).
10.5 - Em grandes áreas da Rornânía _ Hispânia,
Quando ao Sul, área também de estrato não indo-europeu, há que con-
Norte, Récia - as consoantes surdas intervocálicas se Gália, Itália do
vita, ptg., esp., cat., provo vida fr. vie). sonorizam (Iat. lar ainda com o espírito conservador dos moçárabes. Contudo, Pidal
admite a sonorização na linguagem coloquial dos moçárabes, ao passo que
Pode-se-ia facilmente explicar o fenômeno COmo uma espécie de as- os escritores prefeririam usar formas cultas. '
similação parcial (a Sonoridade das vogais contíguas teria levado à so-
norização da consoante intermédia); mas em outras regiões da România
o fato não se deu: Dácia, Itália central e meridional, Sul da Córsega, 13 Veja-se, no entanto, o que a respeito diz Vaananen:
Norte (galurês) e Centro (nuorês) da Sardenha. Daí que se tivesse ne- "Quanto a imudavit = imrnutavit, que seria do séc. lI, eis um belo exem-
cessitado apelar para outra caus: concorrente, .que no caso seria o subs- plo de erro consagrado: Alberto Carnoy, que estudou a língua das inscrições
trato céltico , ". da Espanha, tinha simplesmente lido mal o comentário de E. Hübner, editor do
CIL, lI, e essa distração foi perpetuada pelos manuais do romanismo. Na realidade
De fato, no celta antigo, as consoantes intervocálicas sofreram um não parece existir outro meio de datar a inscrição em apreço que o ser ela pagã
processo de debilitação. E o fenômeno conhecido como "lenição" ou e por conseguinte anterior, sem dúvida, ao séc. V." ("Autour du problême de
"mutação". Resta, portantÕ; saber se houve con.exão entre a lenição céltica Ia division du latin" in Travaux de Linguistique et de Literature, V I; I. Estrasburgo,
e a sonorização românica. I 1968, p. 144).

Nota-se, em primeiro lugar, que, de fato, as áreas de lenição româ-


nica são de substrato céltico. As poucas exceções trazidas por von Wart-
I Na página seguinte
formação
Burnaga,
pondera Vaananen: "Hipótese por hipótese,
mais completa, eu proporei EMU (n) DAVlT. Com efeito, M. Sáenz de
l.c., manda observar que as linhas transversais
e até in-

dos E dessa inscrição


burg" (Venécia e África do Norte) não infirmam a observação. Para a
França, p. ex., COmo já observara MeilIet na Esquisse d'úne Histoire de
~
Ia Langue Latine,12 o fenômeno é transparente. Eis palavras suas:
I
I

I,
são tênues ou apagadas:
"furtar" de emundare,

lato mundare, emundare


a letra inicial poderia, portanto, ser um E. Para o sentido
podemos aproximar

não são conhecidos


as acepções familiares do esp. mondar,
Iimpiar (cfr. em ptg, limpar. Nota do A,) e do fr. nettoyer, ~ verdade que o
com esse sentido. Mas conheceremos
I todos os usos populares do latim, mesmo tardio? Em todo caso, é preciso riscar
1) imudavit como prova de sonorização desde o séc. lI."

I
ln Les Origines des Peuptes Romans, p. 64.
Relernbre-se que, para esse famoso dado epigráfico, houve as seguintes inter-
12 V. p. 233 da 3~ 'ed.
pretações: immutavit (Hübner ) e immundavit (Meyer-Lüke) , Some-se agora o
emundavit, de Vaananen.
,I

I
I
I
I
98
PREPARAÇAO À LINGUCSTlCA ROMÃNICA
CAPo 10 • INFLUtNCIAS DE SUBSTRATO
99

Quanto à antigüidáde do fenômeno em românico, já vimos o exem-


teses substratistas, aceita para o câmbio ct > it influxo céltico. Contudo ,
plo imudavu, no qual, sem razão, como ponderou Leite de Vasconcelos,
Vidos pondera: "non ê ancora necessario ammettere in questo caso un
Meyer-Lübke quis ler immundavit.i- Bourciez cita exemplos em inscrições
influsso de sostrato celtico per le lingue romanze, dato che il muta-
de Pompéia e de Roma ainda na época latina, mas adverte que a trans-
mento ct > cht > it indipendentemente dalle lingue romanze compare
rorrnação só se generaliza a partir dos fins do séc. V. Nas Gálias a so-
nei piü diversi territori linguistici".
norização deve de ter-se iniciado no séc. V. Para o provençal, Grand-.
gent põe o fenômeno do séc. IV ao VI. "Seja como for", pondera Silva
i'l/eto, "os exemplos tornam-se mais numerosos a partir do séc. V d. c., 10.7 - ND > NN, MB > MM, N/M + PTK > N/M + BDG.
o que, aliás, indica uma data muito anterior, porque, como se sabe, antes
de aparecer na escrita, os fatos fonéticos longa e largamente existem na Essas transformações, com maior ou menor variação, se verificam
língua falada" (op. cito p. 148). nas seguintes áreas: catalão, aragonês, castelhano e leonês oriental, todas
na Península Ibérica; gascão, no Sudoeste da França; dialetos da Itália
Da mesma forma H. Weinrich: "Se se reúnem todas as indicações,
pode-se aceitar que a sonorização na România Ocidental foi introduzida central e meridional, com exceção da parte extremo-sul da Calábria, a
o mais tarde no início do séc. V, talvez até mais cedo, em regiões iso- partir de uma linha que vai de Ancona a Grosseto, passando por Perú-
ladas possivelmente mais tarde" (Phonologische Studien, p. 17). sia (ab Ancona Gallica ora incipit, dizia Plínio).
Logo não há nenhum obstáculo cronológico para a interferência Ora, esses fenômenos também se verificam no osco e no umbro: OSC.
céltica nesse importantíssimo fenômeno do consonantismo românico, pois sakrannas, upsannam, lat. sacrandae .operandam; umb. anjerener, lat. [e-
o celta só desaparece no séc. IV. O fato pode explicar-se, certamente, rendus; umb. pihaner, lat. piandus; umb. iuenga, iuenger, lat. iuvenca;
por causas internas, mas não se deve excluir, de plano, o influxo céltico umb. tursiandu, lat. terreantur etc.
no sentido da aceleração da deriva.
A assimilação já se surpreende em latim: dispennite, distennite (Plau-
São favoráveis, entre outros, à explicação substratista: Menéndez Pi- to), tennitur (Terêncic) , "grundio non grunnio" (App. Pr.).
dai, Meillet, Bartoli (a lenição românica "ê Ia eco di una simile lenizione
Para as citadas línguas românicas, eis alguns exemplos:
céltica"), Terracini, Tovar. Combatem a" hipótese: Meyer-Lübke, von
Wartburg. Ocupam posição intermediária Martinet e Jungemann. palumba > paloma (cast.); columba > coloma (cat.); manda-
re >
manar (cat.); rotunda > arduno (gasc.); blanca > blango (gasc.) ;
10. 6 -~A PALATALIZAÇÁO DO-tRUPO CT é um dos traços fonéticos próprios campu > cambo (arag.).
da România Ocidental. Cfr.. ~t. nocte, ptg.' noite, esp. noche, cat. nit, Em dialetos da Itália centro-meridionais, temos, p. ex., paloma
provo nuech, fr. nuit, O it, (ao sul de Spezia-Rimini) assimila (notte); (Iat. palumba) em Sora (Caserta). Em Nápoles, ouve-se sando, cambo,
o romeno forma o grupo pt (noapte); o sardo acompanha o it. (notte). angora, respectivamente, por santo, campo, ancora. Nos Abruzos, trenda
Ora, no gaulês antigo o grupo ct mostra uma evolução no sentido de por trenta.
cht, isto é, a implosiva se transformou em fricativa . As línguas célticas Esses dialetos são limitados ao Norte por uma linha que vai de An-
modernas apresentam idêntica transformação (irl. nocht). cona a Grosseto, passando por Perúsia, como já foi dito. Tal linha,
Já que o fenômeno se verificava no gálico e hoje o~orre em regiões como acentua Vidos, distingue ainda hoje, muito precisamente, os diale-
(Península Ibérica, França, Itália do Norte, com exceção do vêneto) tos, ao Sul, de substrato osco-umbro, dos dialetos, ao Norte, de substra-
de substrato céltico, é natural estabelecer uma conexão de causa e efeito to céltico.
entre os fatos célticos e os românicos. Nesse particular há concordância
Quando à Península Ibérica, M. Pidal defende, nos Origenes, a tese
quase unânime, pois inclusive Meyer-Lübke, geralmente infenso a hipó-
de que tais fenômenos fonéticos verificados no Nordeste e Centro-Norte,
são devidos à colonização por parte de emigrantes da Itália Meridional,
cuja fala estaria enxertada de osquismos. Realça a importância de
14
anterior.
V. Silva Neto, História da Língua Portuguesa, p. 147. Ler também a nota
Huesca « Osca), onde Sertório, natural de N úrsia, região de dialeto
osco-sabélico, havia instituído escolas de romanização ,
100 PREPARAÇÃO A LINGUlsTICA ROMANICA
CAPo 10 . INFLU~NCIAS DE SUBSTRATO 101

Observe-se, no entanto, quanto à origem do topônimo Huesca, que


O problema é conlroverso, mas os que aceitam sem reservas a pos-
a etimologia de Pidal tem sido contestada. Outros, como von Wartburg,
sibilidade de influências de substrato podem encontrar solução para ele
Elcock, Rohlfs, vêem na referida designação geográfica origem pré-ro- nos velhos hábitos articulatórios da misteriosa Etrúria.
mana (Osca ou Oscua seria aparentado com euska, euskua, uska, radi-
cal de origem basca).
10.9 - Convém aqui esboçar, ainda que ligeiramente, a teoria de H.
No entanto, estudando o assunto o romanista Vidos= conclui que Weinrich sobre a sonorização românica.'!
"o substrato osco na Espanha norte-oriental baseia-se em sólido funda- Parte Weinrich do ponto de vista de que a sonorizaçãq é um fe-
mento". A fortiori, na Península Itálica.
nômeno_em cujo estudo deve necessariamente ---at'ender-se'- às condições
~onética. -E~ conseqüência, as consoantes i~iais de paí~Vi-as não
~ 10.8 - Em toscano, dialeto da Itália Centro-Norte, nota-se uma se acham em situação privilegiada e devem ter sido submetidas ao mes-
•.••.... tendência para aspirar as consoantes surdas intervocálicas. E: a chamada mo processo que levou ao abrandamento das consoantes intervocálicas .
"gorgía toscana".
-- . Do assunto também se ocupou Robert A. Hall, Jr.19
Segundo Tagliavini: "A área que aspira o -c- (tipo: [iho "fico", Em vez de duas partes da România, uma com sonqrjzação outra
põho "peco", miha "rnica", Ia hasa "Ia casà etc.) é maior do que sem ela, vê Weinr~ch três: a) com sonorização das surdas intervocálicas
aquela que aspira o -t- (tipo: ditho "dito", statho "stato" etc.), ao (Ibero-Rornânia, Galo-România, Reto-Rornânia, Alta Itália); b) ~l-
passo que assaz reduzida é a área da aspiração do -p-: cúphola "cupola", teração Jia_s!,lrd~Lnã<?_~ó em posição intervocálica, mas inicial (Toscana,
scopha 'scopa", lupho "lupo" etc.)." 16 Itália Central, Norte da Córsega; Sardenha exceção dos dialetos cen-
Ora, é sabido que, grosso modo, a atual Toscana correspondente à an- trais); c) co~ manute'.!.çã~da ~urda (Rornênia, Itália do Sul, Sícília,
tiga Etrúria. O~ról:2rios I}9rQeLde....E.lrúrja e .Toscana (de tuscus) ~ dialetos centrais da Sardenha, Sul da Córsega) .
!ili!!!ologicame~arentados . Weinrich vai procurar uma causa unitária para essas evoluções. E,
em 1.0 lugar, busca uma denominação comum para o fenômeno do en-
Demais, a princípio, foi muito grande a influência dos etruscos na
fraquecimento da surda (que se pode realizar foneticamente como so-
mesma Roma. ~ da cidade eterna - Roma - e_doJio que a
norização, aspiração ou espirantização). Sugere então O. termo variação,
corja -- Tibre - são provavelmente etruscos.- Segundo Lívio, no tempo
que assim define (embora provisoriamente): "altera1ão ~_sofre uma
~~s, lWsinava-se publicamente em Roma o etrusco, I~a, entre-
consoante~ob determinadas condições fonético-sintáticas, de modo tal
tanto, que, de origem não indo-européia, nos é praticamente desconhe-
cida." -- ~ .- - -
.,
No etrusco extsttarn surdas. aspiradas; natural, portanto, que se qui-
que se desenvolva uma variante combinatória ora fraca, ora forte" . ..Qual-
q.!ler das. duas variantes deve SPr considerada "normal", isto é, uma nã
t~~ predominância fonética sobre a outra. Via de regra, a variante forte
sesse ver nessa estranha língua a causa do desvio acima aludido. Foi ocupa a posição inicial do grupo fônico (depois de pausa) ~ ocorre
o rumo que tomou, p. ex., Clemente Medo. Contestaram-no, contudo, depois de consoante; a variante fraca aparece depois de vogal.
G. Rohlfs e o norte-americano Robert A. Hall Ii., este alegando o Às vezes esse princípio é aparentemente contraditado. Assim, em
caráter recen te do fenômeno, com base em dados do AIS.
toscano, se diz tre kkani (três cães), com um redobro (que é um retere
e não um enfraquecimento) da consoante inicial. Aqui é preciso apelar
para condições diacrô~icas; trata-se de um "alongamento compensatório".
15 B. E. Vidos, Manua/e, p. 231. Quer dizer, de um latim vulgar tres canes chegou-se ao raddopplamento
16 Tagliavini, Originis , p. 74. atual em virtude da queda da consoante final, o que levou a um reforço
17 As inscrições erruscas, geralmente funerárias, contêm muitas repetições e
não permitem um conhed~nenlO seguro da estrutura dessa problemática língua,
embora 90% do léxico transmitido" tenha sido decifrado. As "descobenar'' do 18 Phonologische Sludiell, cap llI, p. 43 e segs.
professor búlgaro V. Gheorghiev, como observou o conhecido etruscólogn Mas-
sirno PalIottino, não podem ser levadas a sério. 19 V. Language (1964), vol 40, artigo intitulado "lnitial Consonants and
Syntactic Doubling in West Romance".
'<,

102 PREPARAÇAO À LINGUISTICA ROMANICA CAPo 10 • INFLUENCIAS DE SUBSTRATO 103

da consoante inicial da palavra seguinte. Trata-se, pois, ainda de um tanto a fraca quanto a forte. Quando, pois, os alofones fracos passa-
fato de fonética sintática. ram a fonernas, isto é, se tornaram francamente consoantes son~s ou
Outro fenômeno de fonética sintática para o qual Weinrich chama então desapareceram (fonema zero), por outras palavras, ..quando os
a atenção é a liaison do francês. ~liaison francesa opõe-se ao raddop- alofones intervocálicos sofreram o processo chamado da "fonernatiza-
piamento toscano, no sentido de que este leva à perda da' ~on~~final ção", tornou-se imperativo, por assim dizer, escolher o caminho que
an-t~sdeVogãl, ;;';as"''õãõ-a-nte's de consoante (pois a consoante final de teriam de seguir as consoantes iniciais. Neste ponto, Weinrich apela
certo modo sobrevive no alongamento da consoante inicial), ao contrá- para o Verstiindigungsprinzip der Sprache, ou "princípio da intelegibi-
rio do que se dá na liaison. Cfr. les enjants eles femmes. Para Weinrich, lidade da linguagem", que estaria em perigo com a fonematização tam-
a liaison é típica da România Ocidental e o redobro da România Ori- bém das consoantes iniciais. A colisão fonemática produzida pela so-
ental. Todavia, o romeno não possui nem liaison, nem redobro ... norização das surdas intervocálicas teria respondido o sistema com a
Distingue, portanto, Weinrich, três casos de fonética sintática con- nítida delimitação do início da palavra ...
sonântica: variação, i~ redobro. Observa, porém, que a v~o A explicação de Weinrich tenta, como já assinalamos, dar uma
~epende da natureza fonética do fonerna do grupo anterior (posição explicação unitária a fenômenos que geralmente têm sido estudados
. final), ao pasro que a liais()~~I9-~~a função da natureza separadamente (conservação da consoante inicial, sonorização das sur-
fonética do fonema do gru22-Posterior (posiÇão-früCiãT~----- das intervocálicas, simplificação das geminadas - ou, ao contrário,
-O--Proorêrn;-da~~~~rização -;:;;ânica inclui-se no caso da variação conservação das geminadas -, aspiração da surda inicial), e é assim
e não no do redobro, nem no da liaison. que o Prof. Herculano de Carvalho, de Coimbra a considera em suas

- --
A variante forte é normalmente a oclusiva surda. A variante fraca
pode ser uma fricativa surda,uma
.----- -"" -
fricãtívã sonora, uma aSQirada,_uma
- lições (policopiadas) de Lingüística Românica.
curar "a' título de hipótese (sublinhado
Por isso fala em pro-
no original), uma explicação
s~ (0l! ~Jª, sufãã' a cª--minho-º-ª ~~noriza.ç~~).-Aqui~ó nos histórica inicialmente comum para todos esses fenômenos diversos".
vai interessar a variante deste último tipo.
No entanto, reconheçamos que essa explicação ambiciosa tem in-
Weinrich admite que as oclusivas surdas iniciais geraram uma va- convenientes. Primeiro é preciso admitir uma regressão, ou seja, uma
riante fraca, homorgânica sonora (ou quase-sonora) quando precedidas restituição do fonema inicial à sua condição primitiva (passar do alofo-
de palavra terminada em vogal, tal como se deu com as surdas inter-
ne ao fonema anterior). Depois é preciso justificar porque' essa resti-
vocãlicas- Portanto, illa terra'> ia derra, como pratu > prado. Note-se
tuição se deu precisamente na posição inicial e temos, por conseguinte,
ainda que fenômeno análogoçse deu com 'a variante (= alofone) da
de restituir também à consoante inicial a sua condição privilegiada que,
oclusiva sonora. Portanto, também illa domina > Ia .dom'na, como
nudu > nudu. de início, lhe quisemos recusar (sem esquecer que fora uma das causas
que levaram à busca de outro tipo de explicação). Demais, parece
Todavia, o que se-nota na România Ocidental é que, em posição
claro que não se pode equiparar a posição intervocálica à inicial. Na-
intervocálica, as surdas seguiram o seu destil!0' isto é, sonorizararn-se
quela a oclusiva surda está sempre em posição fraca, ou seja, entre
ou, então, após a sonorização, desapareceram (caso do fr., p. ex).
duas vogais. Isso não se dá obviamente na posição inicial, mesmo
Quanto às sonoras, fricatizarn-se e depois, em geral, desaparecem.
Contudo, b mais comunente convergiu para o fonema v, que foi tam- dentro do sintagma fônico. O alofone inicial há de ser, portanto, sem-
bém o termo da evolução de um 'prirnitivo u consoante. Mas em posi- pre sentido como variante e não como outro [onema. O mesmo não se
ção inicial, os. antigos alofones, fracos tornaram-se fortes, isto é, dei- dá em posição intervocálica, onde, dentro do sistema, não se encontra
varam de ser variantes e voltaram a representar os antigos fonemas obstáculo a que uma evolução fonética venha a adquirir caráter Iono-
iniciais latinos. E: "preeiso, pois, aceitar com Martinet (e é essa a po- lógico. Veja-se, p. ex., o caso do espanhol atual. A variante inicial d
sição de Weinrich) uma Posterior restituição da consoante inicial. em mi dedo há de conservar-se como alofone do fonema / di, pois tem a
Na verdade,' as condições não eram as mesmas em posição inicial ampará-Ia casos como mis dedos. Mas o mesmo já não se poderá dizer de
e em posição intervocálica. Nesta só. ocorria a variante fraca, naquela casos como de prado, p. ex.
, ~
104 PREPARAÇAO À LlNGUISTlC!\ ROMÂNICA

A explicação é a título de hipótese, como salientou o Prof. Her-


culano de Carvalho. Vejamos se resistirá aos fatos e à crítica dos es-
pecialistas.

10.10 - As teses substratistas, apoiadas, de maneira geral, pelos glo-


tólogos italianos, como G. I. Ascoli e C. Merlo, tiveram algum im-
pulso. Modernamente, os filólogos de formação estruturalista procuram Capítulo 11
substituir tais explicações por outras, de caráter formalmente lingüís- .-
tico, mas não falta quem (Jungemann, p. ex.) procure uma composi-
ção entre ambas as correntes. ,
Outros fenômenos de substrato (como as cacuminais do sieilia-
no, atribuíveis talvez a um substrato mediterrâneo, não claramente
A Contribuição dos Arabes
identificado) são ainda mais discutíveis, razão por que os omitimos.
Trata-se de matéria em plena elaboração científica, cujos resulta-
dos apresentam modificações várias, observáveis nas edições sucessivas
de obras especializadas.
11 . 1 - Penetraram os árabes na Península Ibérica em 711, onde
permaneceram até 1492, quando foi destruído o califado de Granada.
No sul da Península foi maior o influxo cultural dos invasores, que ali
se demoraram durante oito séculos. Na parte norte - Galiza, Astúrias,
Cantábria - refugiaram-se os cristãos e, defendidos pelas altas mon-
tanhas, puderam mais facilmente rechaçar os islamitas. Os árabes que
conseguiram passar à França meridional também aí não puderam ficar,
graças às derrotas que sofreram ante a reação de Carlos Martelo, pri-
meiro, e Pepino, o Breve, depois. Na Sicília, dominaram os árabes
durante mais de dois séculos (de 827 até a chegada dos cavaleiros
normandos, em 1061 e progressiva 'expulsão dos infiéis para o final
do século). Na ilha de Malta o senhorio dos muçulmanos teve maior
profundidade, a ponto de, ao se retirarem, terem deixado na ilha
um dialeto semítico. Foi esse dialeto, sobre o qual atuou poderosamen-
te o italiano, a língua de cultura da ilha (o inglês é a língua da admi-
nistração), que gerou o falar típico da região ou maltês. Os árabes
ainda incursionaram sobre outras porções da bacia do Mediterrâneo,
como as ilhas Baleares, a Sardenha, a própria Itália, mas aí não s
detiveram.

11.2 - De todas essas regiões, aquela em que o influxo arábico teve


mai,or repercussão cultural foi a antiga Hispânia. Aí, como vimos,
permaneceram durante oito séculos, organizaram uma vida política e in-
telectual estável, conviveram longamente com os cristãos. Dividiram-se
estes em dois grupos: o menor, que não foi subjugado, por se haver
encastelado na região montanhosa do Norte, onde lançaram as semen-
107
CAP. 11 .. A CONTRIBUIÇÁO DOS ÁRABES
106 PREPARAÇÃO À LINGOISTICA ROMÂNICA

A título de curiosidade, apresentamos o mais' antigo arabismo do


tes da Reconquista, a princípio em Oviedo, mais tarde em Leão; o
.português, o único que o lexicógrafo Pedra Machado recolheu no
maior, que teve de suportar o domínio dos invasores e que, por seu
séc. IX (870): alvendeoU: albende, "bandeira, flâmula militar".
turno, se subdividia em duas categorias: o dos renegados, ou muladies,
que, em número reduzido, se' haviam convertido ao islamismo; e o dos Elcock estima em cerca de 4.000 o número de arabismos no ibero-
moçárabes, a grande maioria, ou cristãos arabizados, isto é, população românico; mas ressalva que muitos deles caíram em desuso.
r,
que, tendo permanecido fiel à doutrina de Cristo, convivia com os Grande número de palavras de origem arábica apresentam o artigo
invasores, . submetendo-se à sua lei e, em boa parte, aos seus costumes. al aglutinado ao substantivo, quer por mera justaposição (alfândega,
Eram ~árabes -bilíngiies ..>-l~ºlLptaticaYam-o-árab.e~ seus alfinete, alcorãb, aljarrâbio, alfaiate ... ), quer com assimilação do I à
senhores e, entre. si, ..!!savam do rO~i>_ hispJlnico. Durante algum consoante inicial do nome (assimilação solar: açougue,. açucena, arro-
tempo se acreditou que, pelo menos a partir do séc. IX, o árabe era ba, ataúde, azêmola ... ).
língua geral e o latim havia deixado de ser entendido. Essa doutrina Diz 'Elcock que o fato de serem "mouros", isto é, berberes ara-
logrou muita voga e até eminentes filólogos, como F. Hanssen, a ti- bizado, grande parte dos arábes invasores pode explicar a aglutinação
nham por boa. Contudo, Menéndez Pidal demonstrou que os rnoçára- do artigo, uma vez que em berbere não havia artigo definido o que Os le-
bes souberam conservar o falar românico tradicional e de que modo o vava a confundir o artigo árabe com a. primeira sílaba do substantivo. As
fizeram. palavras, em menor número, sem artigo aglutinado, acrescenta, podem ser
atribuídas a terem sido recebidas diretamente do árabe genuíno das clas-
11 . 3 ~ A influência arábica no romanço hispânico limitou-se prati- ses dominantes.
--
camente ao _.
_.- léxico. Contudo, como observa Elcock, os---IDQçá[ab~sreve-
laram apreciável capacidade para assimil~ .. o _.!i1m.2 ... ~.lli-ª.~ín- 11 .4 _ Quando os árabes chegaram à Península Ibérica, já eram
gua dos _collquistl!dores, ao contrário dõ que se deu -com. .as palavras portadores de apreciável grau de cultura. Em contato com povos do
de origem germâni;;". Dar "ter sido grande mente aumentado 'ó número Oriente, de onde procediam, os árabes haviam participado do esplen-
de oxítonos (algodão, açafrão, marfim, javali ... ), haverem surgido dor das cortes do Levante e tinham até aprendido muitas coisas nas
paroxítonos em consoante (aliôiar, açúcar," arrátel ... ), vulgarizarem- escolas gregas, partícularmentê .na de Alexandria. '
se os proparoxítonos (álcool, álgebra, azêmola, câiila, héiira, sâjaro,
Na exploração e irrigação do solo, introduziram técnicas avança-
xácara ... ).
das. Várias palavras no-lá atestam: acéquia (regueira), açude, alberca
A conftibuição do árabe pata o léxico hispânico foi grande, com- (pequeno reservatório); nora (aparelho para tirar água de poço)..
parável qu.ase com a do frâncico no galo-românico. Na Introdução ao
Produtos, do solo são: alcachofra, cenoura, acelga, arroz, alfafa,
seu Dicionário Etimolágico .r, o ' Prof. A. Nascentes alinha 609 vocá-
açafrão, açúcar, algodão (também cotão, talvez através do fr.), al-
bulos de origem arábica. Em trabalho intitulado Os Mais Antigos Ara- bricoque (com muitas variantes em Portugal, e mais a brasileira abricó),
bismos da Língua Portuguesa, seu autor, o distinto luso-arabista por-
laranja, limão, a que se pode acrescentar azeite (óleo de oliveira).
tuguês José Pedro Machado, salienta que "o .elemento concreto supera
Em' vários desses casos, o árabe foi apenas intermediário (limão e la-
de longe o conjunto de todos os restantes: a quantidade dos adjetivos
ranja vêm do persa; arroz tem' origem grega; albricoque prende-se ao
de origem arábica é reduzidíssima, mais ainda a dos advérbios, ao
lato praecoquus) ..
passo que os verbos nem sequer podem ser consider~dos.,." (Sepa-
No que diz respeito à casa e às ruas, podemos lembrar aldeia, arra-
rata do Boletim "Escolas Técnicas", dez. 61, p. 1).
balde, bairro, alarije (mestre-de-obras), açotéia (terraço), azulejo, al-
Examinada a. lista que apresentou (referente aos sécs. IX-XII),
cova. Na ornamentação da casa, a alfombra, a almofada, a jarra, a taça
verifica-se "a total ausência de termos relativos a assuntos espirituais,
(originariamente persa) .
mais especialmente: \ religião, ensino, artes, letras. e ciências, o que
Como peças do vestuário ou termos a ele referentes: aljuba (cfr.
nos mostra o caráter utilitário 'e popular da influência arábica em por-
.Q fr. jupe), jibão (melhor que, gibão; cfr. o are. jubão, de(al) iubão,
tuguês". Contudo, nos vocábulos entrados posteriormente, há vários
termos de cunho científico. .aum. de aljuba), albornoz, babucha (chinelo) alfaiate,' o verbo recamar.
li
•...
109
CAPo 11 • A CONTRIBUiÇÃO DOS ÁRABES
108 PREPARAÇÃO À LlNGUfSTlCA ROMÂNICA

Adjetivos são os mesmos que vimos na Península Ibérica: mes-


Termos referentes à vida comercial: tarifa, aduana, armazém. chillo, arzurro, scarlatto. Além dessas, ternos de acrescentar as palavras
tarefa, arsenal (através do it.), maravedi, quintal (medida de peso), "eruditas" de Elcock, difundidas na Europa durante a Idade Média. Esse
arroba, almude (medida de capacidade) [ânega (medida de peso). mesmo A,. a quem, nesta parte, estamos seguindo de perto, conclui o seu
São também de introdução arábica vários termos referentes à estudo sobre o elemento arábico nas línguas românicas dizendo que está
música (alaúde, adufe), ao jogo (xadrez, xeque, mate, azar), à vida aberto aos romanistas um novo e amplo campo de estudos: o da Romania
administrati va (alcaide, aguazil, califa).
Arabica ,
Várias' palavras se referem às artes da guerra ou à vida militar:
almirante, arsenal, atalaia, adail, alcáçar (que é o lat. castra, arabiza-
do), aljanje, aliava, anajil (trombeta), adarga (escudo), alferes, gi-
nete, acicate.
Substantivo abstrato, Elcock cita apenas um: alvoroço. Entre os
adjetivos, baldio e mesquinho; como nomes de cores: azul (originalmen-
te persa), carmesim e escarlate.
Poucos foram os verbos: açacalar, recamar.
Temos um advérbio em debalde (de +
balde); um pronome em
Fulano; uma preposição em até (cruzamento de hatta, que aparece em
esp. como hasta e no ptg. era ataa, com o lat. tenus); uma interjeição
em oxalá.
Quanto aos termos que dizem respeito às atividades científicas,
Elcock os põe à parte, por considerá-los "eruditos", tendo-se difundido
com roupagem latina durante a Idade Média jatravés da Europa: alga-
rismo, álgebra, zero, cifra; alquimia, alambique, elixir, álcool, álcali,
zênite, nadá, azimute, nuca (termo de origem médica) .
.'
11 .5 - Também há alguma coisa que dizer da presença de elementos
árabes em italiano, principalmente" na Sicília. É claro que essa influên- lI'

cia foi muito menor que na Hispânia, pois, fora da Península Ibérica,

....,
não se encontram populações "moçarábicas".
Nas línguas da Ibero-Rornânia, como vimos, muitos substantivos de
f
I
origem árabe, a quase totalidade, apresentam o artigo aglutinado. Isso I
não se dá com as palavras de origem árabeique passaram pela Península
Itálica. Um termo, portanto, como aljiere; que apresenta aglutinação,
mostra proveniência hispânica.
Os arabismos da Itália referem-se quase sempre ou à navegação ou
ao comércio. Estão nesse caso cassero ou cassaro, "castelo da proa";
darsena "dique seco"~ internacionalizado através de forma veneziana
arsenal; magasenu (sicil.) ou ~aga1:Zino (ital.), que se transmitiu ao
ir. magasin. E ainda' zucchero; limone, cotone, sciroppo, dogana (reen-
trada mais tarde, através dos, turcos: com a forma divano, ptg. divã).
f.
CAP.12 • CONSEQUltNCIAS LINGUISTICAS DAS INVASOES. SUPERESTRATOS 111

nínsula Ibérica, agiu à maneira de superestrato. Uma vez, porém, for-


mada a língua portuguesa, passou à categoria de adstrato.
A natureza do influxo do adstrato se opõe quer à do substrato,
quer à do superes!~ato, porque, como observa Vidos, "substrato e su-
perestrato supõem sempre o bilingüismo, o adstrato ao revés, não".
Capítulo 12
A diferença, como se sabe, está ,em que, ·no bilingüismo, o mesmo
indivíduo fala duas línguas, ao passo que, no contato de línguas, cada
cidadão usa exclusivamente do seu idioma matemo.
Conseqüências Lingüísticas das Invasões. Dos superestratos o mais importante, já foi dito, é o germaruco.
Mas a sua influência variou bastante de região para região., Isso 'explica
Su perestratos a diferente proporção do elemento germânico nas diversas línguas, ro-
mânicas: "escassíssimo no sardo, escasso em provençal; catalão, espanhol,
português, menos escasso no italiano, particularmente nos dialetos seten-
trionais, considerável no francês" (Monteverdi, A vviamento: 69).
12 . 1 - As língu_~_º~_P_QVOS conquistaGG.fes-que-infl.ueneia~ngua
de povos -.E0nguistados sem <:o~tudo absorvê-Ia deno~-se superes-
tratos. 12.2 - Influxo de superestrato na Morfologia é algo bastante difí-
cil. Como adverte Tagliavini, "influxos na Morfologia ocorrem apenas
. " o influxo das línguas que formam os adstratos e os superes-
nas línguas mais e~postas a forte pressão de superestratos" (Le Origini",
tratos se limita;' no mais das vezes, ao léxico e muito escassamente
p. 219, nota 6),
atinge a fonética e a morfologia (Tagliavini, Le Origini: 218-9).
~ Nessas condições, entre as línguas românicas poderemos citar so-
'No que diz respeito à contribuição do superes trato para a ori- mente o romeno, que cedo perdeu contato com a romanidade ocidental
gem das línguas românicas, deve-se principalmente tomar em con- e ficou sitiado de elementos eslavos.

.
sideração o superestrato gerinânico. Ao passo que o influxo direto
do superestrato árabe nas línguas ibero-românicas e no siciliano, e
No idioma, daco-rorneno, os nomes referentes a pessoas apresen-,
tam, no masc., um voe. em -e e, no fem., em -o: Petre (de Petru), Mario
do eslavo .no romeno fiearam limitados e são de data tardia, o in- (de Maria). Como não há conservação de voc. nas outras línguas neo-
'fluxo do superes trato germânico teve desde o inicio e tem uma im- latinas, não é sem propósito supor que o voe. em -e, semelhante ao voe ..
portância muito maior-e geral. (Vidas, Manuale: 239-4.) latino, manteve-se por influência eslava, pois o eslavo conhece um voe.
masco em -e. A hipótese se reforça com a consideração de que, nessa
Com o conceito de "superes trato" associam-se o de substrato (v, mesma língua, o voe, fem. é em -o.
p. 91) e o de adstrato, Adstrato chama-se a língua que coexiste com ou-
Monteverdi lembra também a numeração de 11 a 19 e a formação
tra no mesmo espaço territorial, influenciando-a 'e dela recebendo influ-
das dezenas de 20 a 90, que se fazem pelo tipo eslavo. Assim, 11 se diz
ência.
, "- un-spre-zece (um sobre dez) e 20, douazeci (duas vezes dez), o que
A classificação de 'uina língua como de substrato, de superestrato é a maneira eslava de contar e não a latina.'
ou de adstrato depenêe das condições históricas que a emolduram, de
Acrescente-se que em romeno são numerosos os prefixos e sufixos
maneira que a mesma língua, sêgundo as relações que mantém com outra
de origem eslava .
em determinado momento d~ seu vir-a-ser, pode ser enquadrada ora
numa ora noutra categoria. Assim, o árabe, quando irrompeu na Pe- De origem germânica em outras línguas românicas, há também
'I, ~

- alguns prefixos e sufixos, todos irradiados através do francês.


m r

112 PREPARAÇAO À lINGOiSTlCA ROh'ÃNICA CAPo 12 • CONSEClO~NCIAS LlNGOISTlCAS DAS INVASÕES. SUPERESTRATOS 113

Um deles é o sufixo -ISK, que passou ao provençal com a forma -esc Pertencem a esse ramo germânico: o ptg. elmo; o ptg. aleive e o
e daí ao it., que o transmitiu a outras línguas sob a forma -esco . 1 esp. ant. aleve; o ptg. e o esp. ganso; o ptg. aia e o esp. aya; o ptg.
roupa e o esp. ropa; o ptg. e esp. ant. luva; o ptg. ganhar e o esp. ganar.
Outro é o sufixo -arde, -ardo, por intermédio do francês: covarde,
galhardo, bastardo, [elizardo. Comuns à Península Ibérica e à França do Sul (Provença) são as
seguintes palavras: brotar (ptg. esp. cal. prov.); estaca (ptg. esp. cat.
Também é gerrnânico -ingo (raro), -engo : gardingo, [Iamengo, rea-
lengo, solarengo , avoengo . prov.); agasalhar (ptg. e prov.), agasajar (esp.).
Todavia, corno lembra von Wartburg (Les Origines: 101), a orien-
12.3 - Na sintaxe, as marcas foram tenuíssirnas. Lembre-se, no fran-
tação em sentido visigótico da Gália do Sul "n'a eu aucune suite pour
cês antigo, a posição do determinante antes do determinado. Assim, nos
le développement' de Ia langue romane qu'on y parlait. Dans tout son
Juramentos de Estrasburgo (séc. IX) Pro Deo Amur (pour l'amour de:
habitus phonétique elle est restée gallo-rornane. Un certain nombre de
Dieu); Li Deo inimi (Ies ennemis de Dieu) na Cantilena de Santa Eu-
mots gothiques dans le Midi de Ia France comme en Ibérie, voilà tout
lália (fins do séc. IX). No séc, XII tal construção já é um arcaísmo.
ce qui s'est conservé; aucune tendance évolutive pénétrant dans Ia langue
Em certos topônimos, que traduzem a i~éia de propriedade, termi- romane mêrne n'est partie du langage des Goths, unissant Ia Septimanie
nados em -court, -ville, também se encontra a construção germânica: à l'Ibérie".
Popin-court, Romain-ville. Mas tais construções perdem a vitalidade no
Quanto a topônimos, de que há exemplos na Gália do Sul (for-
decorrer do séc. IX. "Pour les noms accornpagnés d'une épithête, c'est
mações em -ingôs, p. ex.), no dizer do mesmo Wartburg, são muito ra-
dans les régions les plus pénétrées par les Francs que l'adjectif occupe
ros na Península Ibérica. Garnillscheg havia apontado vários no Noro-
de préférence Ia prerniêre place: ainsi les Neuchâteau-Neuchâtel se
este da Península, mas Piel demonstrou que não se trata de superestra-
trouvent au nord-est d'une ligne tirée, grosso modo, de Rouen à Lausan-
to gótico.
11l:, les Châteauneuj (Midi: Castelnau) au sud-ouest" (A. Dauzat, Ta-
bleau, p. 48).

BORGUINHÕES
12.4 - A contribuição do léxico poderá ;er mais bem apreciada fa-
zendo-se a enumeração segundo os povos que para ela concorreram.
12.4.2 - Ocuparam na Gália um território que corresponde à moderna
área franco-provençal. Foram de todos os povoadores gerrnânicos os que
VISIGODOS mais rapidamente se aculturaram. Encontram-se vestígios dessa língua
•. ••

12.4. 1 - Os visigodos estiveram noventa anos na Gália do Sul e dois


em nomes de lugares; fora daí a presença de elementos burgúndios é
mínima. Elcock lembra a palavra [ata, no sentido de "bolso", que tem
séculos e meio na Ibéria ..~Mesmo antes da ocupação da Espanha já ti- o mesmo radical do al. Fetzen "trapo". Cfr. em ptg. fato "roupa", termo
nham sido um tanto romanizados e, no transcurso do séc. VII, haviam presumivelmente de origem visigótica.
abandonado amplamente a prática dos falares germânícos. Por isso não Monteverdi inclui o tranco-provençal recundi "ríecheggiare", ou
foi muito grande a contribuição visigótica na constituição do léxico seja, em ptg. "ressoar".
ibero-rornânico .

OSTROGOD05
1 Essa explicação é i melhor do qu: a que vê em tal sufixo o gr. iskás, através
do lat. -iscu . Convém, ltIiás,. distinguir. Há um sufixo -isco, de origem grega, com 12.4.3 - Os ostrogodos ocuparam, durante sessenta anos, a Itália e ex-
valor diminutivo. Aparece em m~isco, asterisco, p. ex. Daí estendeu-se a outras pandiram-se ainda pela Sicília, Dalmácia, Récia e Provença. Poucos vestígios
palavras rorno cliuvisco, pcdrisco. Mas, com a idéia de relação, o suf. é germânico: deixaram de sua passagem. A presença de um termo germânico na Itá-
Francisco (nome próprio}, ou com a forma -esco; burlesco, pitoresco, grotesco.
lia, com exclusão de outras áreas, identifica-o como de origem ostrogó-
Foi por analogia com :esê'o, lembra Lima Coutinho (Gramática Históricas5, 202),
que, provavelmente, se formaram em ptg. -asco, -IISCO: ver'!::sco, velhusco . tica ou lombarda. O it. tasca, bolso, deve ser de origem ostrogótica.
CAPo 12 • CONSEQOIlNCIAS LINGOISTICAS DAS INVASOES. SUPERESTRATOS 115
114 PREPARAÇAO À LINGOISTICA ROMÂNICA

Tinha o mesmo sentido halle, hoje empregado como "praça, mercado".


Mas a semelhança" entre a língua dos visigodos e a dos lombardos não
Quanto a salle "sala, compartimento, casa" (cfr. salle de bains) sua
permite uma distinção segura. As vezes, porém, certas transformações
origem é o frâncico HALLA, que também ocorre no it. sala (ou lombar-
fonéticas permitem 'fazer" a distinção, porque as palavras de origem lom-
barda sofreram evoluções próprias do alto-alemão, ao passo que as gó- do?), no ptg. sala, no esp. sala (ou gótico?). Cfr. o al. Saal.
ticas se situam no âmbito do baixo-alernão . Do frânc. GAROO tivemos o fr. jardin, de onde o ptg. jardim, o esp.
jardín. o it. giardino.
A "sebe" em fr. é haie, do frânc. HAGA.
FRANCOS
a fr. gâcher, cujo sentido próprio é o de "misturar a massa" e só
, 12.4.4 - A influência da língua dos francos no vocabulário galo-româ- secundariamente "estragar", provém do frânc. WASKON, que significa "la-
nico foi tão extensa, diz Elcock, que se pode tomar ao acaso qualquer texto var". Também de origem frâncica é touaille (TW AHLJ A), que passou ao
medieval francês e um' lote de germanismos desfilará ante nossos olhos. provo toalha, ao ptg. toalha, ao esp r- toalla, ao it. tovaglia.
as exemplos, mesmo no francês hodierno, não faltam. Remonta ao frânc. o ír. fauteil (de FALOESTOL), que aparece na
Para, a "mata" o termo franco era busk (aI. Busch, ing. bush). a Chanson de Rolanâ, com' a forma, faldestoed. Ainda do frânc. BERA pro-
vocábulo francês correspondente é bois e, rio francês do Sul, bosc. Do vém o fr. biêre, "cerveja".
provençal, através da poesia lírica, passou ao it. bosco e ao ptg. ant. No domínio do vestuário, a importação mais relevante é o fr. robe
bosco, modo bosque. "veste", do frânc. RAUBA, de onde o ptg. roupa, o esp. ropa (ou gótico).
a nome da "faia" no francês é hêtre, com h aspirado, de origem Da mesma origem é o verbo roubar, esp. robar. it rubare, porque o
franca. Em provo e [au, do lato [agus; deste provêm ainda o it. faggio, substantivo designava a princípio "mercadoria, despojos" e, só" depois,
o rum. [ag, o esp. haya, o ptg. faia (de fagea, na expressão materia "roupa" .
fagea). No fr. are., [agus deu [ou, que sobrevive no derivado [ouet, No que tange a nomes de parentesco, lembre-se °
fr. bru, "nora", do
No sentido de "pântano", o fr. marais.(arc. mareis) remonta ao frânc. BRUTIS (cfr. aI. Braut, ing. bride). No sentido de "rapaz", o fr. foi
franco marisk, mais visível no fr. mod. marécage (are. marescage). buscar o germânico gars, do frânc. WURKJO "trabalhador", do qual se
a "caniço" é em fr. roseau, que provém do franco raus com um formou o acuso garçon, pelo modelo latino latro, onis:
sufixo rornâaico . ,.. Também germânico é o fr. danser (de DANSON)/ de onde o it. dan- n
Igualmente franco é o nome •.do "gavião":' épervier, que se origina zare, o esp. âanrar, o ptg. dançar e ainda o ing. to dance e o al. tanzen.
de sparwari. Cfr. o aI. Sperber. Na hierarquia cortês tem origem o termo atualmente militar marechal.
Do germ. waidanjan, de origem agrícola (reunir a colheita), pro- 'Provém p fr. marechal do frânc. MARI-SKALK [literalmente "tratado r (skalk)
vém o fr. gagner, it. guadagnare, prov, guadanhar, ptg. ganhar. de cavalo" (marah. Cfr. o ingl. mare)]. A palavra é bom exemplo de eno-
a trigo é em Ir. blé, do franco biat, Também franco é o fr. gabe, brecimento de sentido. Significou a princípio cavalariça do rei (cír. o fr.
"feixe de cereal", proveniente de GARBA. maréchal ferrant), depois oiiclal encarregado do alojamento da cavalaria,
Relativamente a animais temos o fr. troupeau, cujo radical vem finalmente oficial de elevada hierarquia. Cfr., para a evolução do sentido,
do frn. TROPP. Certas partes o corP9 do animal são também da mes- o lato comes stabuli (condestável). a esp. tem mariscal, o it maresciallo
ma origem: assim croupe, "garupa" (franco KRUPPA); hanche, "anca" (no sentido genérico de oficial), cat. menescal (veterinário).
(franco HANKA); échine "'espinha dorsal" (franco SKINA). São também germânicos os nomes da alta hierarquia da corte: mar-
Para indicar a ""ora,pia" dispunha o' franco de mais de uma pa- quês e barão.
lavra. De HAIM (al Heim, ing. ~ome), deriva-se o fr. hameau "vilarejo";
de" BORO, "prancha" .provérn o fr., borde "quinta", a princípio "cabana".
De borde formou-se °
dim. bp'rdel, que passou ao ptg., ao esp. (burdel), 2 A etimologia de danser não' está devidamente esclarecida, ,embora os filô-
ao it. (bordello). A mesma origem têm os subst. borf!.a e bordo. logos tendam a assinalar·lhe origem gennãnica.
117
116 PREPARAÇÃO À LINGüíSTICA ROMÂNICA CAPo 12 • CONSEQÜÊNCIAS LlNGülSTICAS DAS INVASOES. SUPERESTRATOS

a primeiro era o defensor da "marca", isto é, do território da fron- um campo do qual foi ceifado o feno". a mesmo rad. ban se encontra
teira. Do fr. marche formou-se o Ir. are. marchis. A mesma palavra no fr. banlieue. A forma bando, passando ao catalão, "tomou uma con-
(MARKA) deu o esp. marquês, o ptg. marquês, o it. marchese, e acabou, soante final parasitária (bàndol), como é comum nos castelhanismos e
através do it., por transformar o ant. marchis no modo marquis, Quanto italianismos desse idioma" (Coro minas). De bàndol formou-se bando-
a "barão", provém do nome BARO "homem livre", que deu no fr. are. lero, "salteador", de onde o ptg. bandoleiro. A forma feminina bandoleira,
ber, nom., e baron, acuso De baron proveio o ptg. barão e também "correia que cruza o peito e as costas desde o ombro esquerdo até a cin-
varão (ainda no séc. XVI "barão"). tura direita e serve para levar arma de fogo", deriva de bandoleiro.
a adj. franco, do frânc, FRANK, significava o "homem livre". "To- Como termos militares podemos citar WERRA (ptg. guerra) ao mesmo
mou depois o significado de não dissimulado porque só os homens livres rempo gótico e frâncico. A cota (d'armas), "espécie de casaco que cobre
tinham hombridade de dizer o que pensavam" (Nascentes, DELP. Tam- a malha" prende-se ao frânc. KOTTA. Cfr. esp. cota, fr. eotte, it. cotta e
bém a moeda tem a mesma origem, mas o nome nos veio atráves do o ing. coat. A luva de guerra era no fr. are. guant. modo gant (de WANT) ,
francês. As moedas antigas tinham os dizeres I'eX Francorum, de onde it. guanlO, esp. e ptg. guante. Outro termo de origem germânica é
As palavras aládio (atestada na Lex Salica como alodis) e [eudo elmo (cfr. a glosa galea, helmus no Glossário de Reichenau). Do gót.
pertencem ao vocabulário sócio-econômico do Médio Evo. Do frânc. HILMS provém o it elmo, com e fechado. As formas ibero-românicas e galo-
F.EHU (de onde o fr. fie!) mais 00 (propriedade) deve provir o lat. medo românicas provêm de uma forma germânica HELM, diz Corominas (DCLC),
[eudum, .que "tanto em protogermânico como em germânico ocidental tinha E bre-
a radical frânc. BANN foi bastante fecundo. a sentido primitivo é o ve, correspondente ao E aberto do romanço". Em ptg. é elmo (com e aber-
de "proclamação" e, logo depois, o de "interdição publicamente procla- ro, pronúncia normal do Rio de Janeiro), em cast. yelmo, em fr. heaume.
mada". Da primeira acepção temos em ptg. banho (banhos de casamento Portanto, "é errônea a posição de M-L (REW 4130), e de Gamillscheg
por ex.); a segunda está no verbo banir, que vem do fr. bannir (are. banir). (RGI, p. 367) de partir do gótico para todas as formas ibero-români-
a fr. ant. que significava "proclamação", veio a ter o sentido de "convoca- cas e italianas e supor que o cast. yelmo proceda em data posterior ao
ção militar, recrutamento", de onde a expressão "arriêre ban", reserva rni-
influxo do francês, onde seria empréstimo tardio do frâncico". A sen-
Iitar. Depois o vocábulo adquiriu o sentido de "insígnia própria de um des-
tinela era gaite no fr. ant. (do frânc. WAHTA; cír. íng. watch, wake], de onde
tacamento de soldados", e daí o derivado banniêre, bandeira, flâmula. Em
'o verbo gaitier, modo guetter. a pagamento em dinheiro era WADI, que
-
ptg. bandeira deve o d provavelmente a uma confusão entre o frânc. BAN-
NJAN "proscrever"
. ~
e o gót. BANOWJAN "fazer u,m sinal". A palavra bando
latinizado em WAOIUS aparece nas Glosas de Reichenau como equiva-
lente de pignus, Dessa forma germânica procede em fr. gage e o verbo
1150 é frâncica e sim gótica; provêm de BANOWO, "sinal". Vê-se que houve
confusão entre os dois radicats em mais de uma língua românica e que os derivado gager, do qual engager é um composto.
empréstimos de uma língua a outra tornaram mais difícil a identificação Do fundo germânico comum procedem vários verbos, todos eles
de um só radical para explicar essa família semântica, Assim, já em presentes em francês, onde foram enriquecidos com novas contribuições
esp., em vez de banir, o que se tem é bandir. 'Dessa forma verbal é que Irâncicas. Eis os mais conhecidos: BASTJAN, fr. bãtir; BRIKAN (cír. al.
deve originar-se o subst. bandido, a princípio o "proscrito, o foragido". brechen, ing. to break), fr. broyer; SPARANJAN (cfr. al, sparen, ing.
No entanto, como a atestação mais antiga é a do italiano, parte-se geral- to spare), fr. épargner, it. ant. sparagnare, modo risparmiare; WARDON,
men te do it. bandi to (part. de bandire). Do mesmo radical é bando. fr. garder, ptg. esp. guardar, ·it. guardare; WARNJAN (cfr. al warnen, ing.
que, a princípio, devia significar "dest~camento militar". Cfr. o fr. arriêre- to warn), fr. garnir, pt. esp. guarnir, it. guarnire; WARJAN (cfr.
ban. Do it. contrabando (de contra bannum, contra o edito, a lei) pro- al. wehren, ing. ware, beware), fr. arco garir, modo guérir, port. arco
vém o ptg. contrabando, o fr. contrebande, o esp. contrabando. a d é guarir, ita!. guarire (da forma francesa arco persistiram gare e gara-
próprio de palavras !esse' radical, de origem italiana. Da mesma origem ge); KRATTON (cí. al. kratzen, ing. to scratch), fr. gratter; LlKKON, fr.
é banda, tanto no sentido de l'parte" quanto no de "grupo" (banda de Jécher; FRONJAN, fr. [ournir, it. [ornire, ptg. ant. [ornir; RAUBON (dr.
música, p. ex.). a fr. abandonner, segundo Elcock, provém do arco met- a!. rauben ), fr. arco rober (cfr. o comp. ainda vivo dérober; é o mesmo
tre à bandon, em que bandon significa "converter num pasto comum radical de robe), provo ant. roubar, esp. robar, it rubare, ptg ..roubar.
\ r •
118 I"Kt:I'ARAÇAO À LINGU[STICA ROMANICA CAPo 12 - CONSEQUlôNCIAS LINGOfSTICAS DAS INVASOES. SUPI\:RESTRATOS 119

De origem especificamente frâncica são: (Corominas prefere tirar a forma castelhana do catalão orgull por cau-
sa da passagem o , > u).
KAUSJAN, fr. choisir, que a princípio significou "olhar com atenção",
Há um advérbio francês de origem germânica; guêre, que tem
sentido em que foi deslocado por regarder, composto de garder (houve
origem no frânc. WAIGARO, que significava "muito". O sentido atual re-
também esgarder, de que resta o subst. égard); SPANN'JAN, fr. arco espa-
sultou do contato freqüente com a negativa. O adv. naguêre formou-se
nir, modo épanouir; HAUNAN, fr. honnir; SAZJA, fr. saisir; SKIRMJAN, fr.
da expressão il n'y a guêre (de temps).
arco escremir (no fr. atual apenas escrime); BLETTJAN (cfr. ing. to bleed),
fr. blesser; SPEHON, fr. arco espier, modo épier; WALKJAN (cfr. ing. to
12 . 5 - Vimos, com Tagliavini, que a ação do superestrato é escassa-
walk), ir. gauchir "virar de lado", de onde o adj. gauche,
mente fonética. Nesse setor alguns fatos podem ser aduzidos.
Vários nomes de cores também pertencem ao fundo germânico co-
Um deles é a conhecida "aspiração" do h inicial em francês.
mum. Assim BLANK substituiu albus e deu ptg. branco, esp. blanco, fr.
blanc, it bianco (no rom. todavia alb). O fem. do adj. lato passou como Na .Idade Média, realmente esse h era aspirado, o que se dava em
subst. designando a "aurora": ptg: alva, esp. alba, fr. aube, it. alba, rom. palavras de origem germânica. Hoje de tal aspiração apenas resta o es-
alba. ' forço das elites para evitar, na escrita e na pronúncia, a elisão da vogal
Do germ. BRUN (cfr. al braun, ing. brown) provém o fr. e o prov. final do artigo antes de palavras com h dito aspirado: ia haie (e não Zé).
brun, o it. bruno; de GRISI saíram o fr. prov, e cato gris; de FALWA, o fr. O mesmo se dirá da liaison: il est hai (e não ilétaí).
[auve, o provo ant. [alp, o it. [albo (mas o ptg. fulvo se prende ao lat. O adjetivo haut, embora de origem latina (altus'; tem h aspirado
fulvus); o fr. blond, ant. provo blon e it. biondo têm sido filiados a um em virtude de um cruzamento com o frâncico hoh. Quanto ao grego,
hipotético germânico *BI.UND, sem apoio, aliás, nas Iínguas germânicas. difundido através do latim, héros, também não admite a elisão; mas o
Especificamente frâncico é o rad. BLAW (cfr. aI. blau, ing. blue) , pois motivo aqui' é outro: evitar, no plural, a cômica interpretação de um
tem caráter restritamente galo-românico: fr. bleu provo blau; na Península les zéros.
Ibérica (ptg. e esp. azul) e na Itália (azzurro'y, termo de origem persa Outro exemplo de influxo fonético de origem germânica é o reforço
através do árabe. • por meio de uma consoante velar, de certas palavras latinas iniciadas com
Outros adjetivos devem acrescentar-se a esse rol de nomes de cores. u consonantal. É o caso de uastare, p. ex., que dá o ptg. e esp. gastar,
o fr. gâter, o it. guastare. O modelo foram palavras germânicas do tipo
Do frâac. WARI ou GARI deve provir o fr. gai, o esp. gayo, o ptg.
werra, de que tivemos o porto e esp. guerra, o it. guerra, o fr. guerre.
gaio (Corominas,
.-
porém, propende a filiar o adj. no subst. lato gaudium,
"gozo, alegria"). Do verbo frtnc. HARDJ AN criou-se o fr. hardir, cujo part. 12.6 - Cabem aqui duas palavras sobre a discutida teoria de von
passo hardi se adjetivou e. passou ao it. ardito, ao ptg. e esp. ardido. Do Wartburg a respeito da ditongação românica.
frânc. RIKI, propriamente' :~poderoso", provém o fr. riche (cfr. aI. reich,
Como se sabe, o francês, o franco-provençal e o italiano ditongam
ing. rich); quanto ao ptg. e esp. rico e ao it. -ricco, talvez se trate antes as vogais breves latinas em sílaba aberta. O francês, em sílaba aberta,
de formas devidas ao gótico ou ao lombardo que a um empréstimo ao ditonga também as vogais longas.
termo frâncico. Do frânc. LAID decorre o fr. laid (cfr. o al. Leid, "50
A explicação do fato começa com o desenvolvimento de um novo
frimento") ,
tipo de quantidade no latim vulgar, que assim se pode resumir: as vogais
Dois substantivos abstratos deverb ser incluídos: honte e orguell: O tônicas em sílaba aberta se alongaram, em sílaba travada mantiveram-se
primeiro é especificamepte frâncico ~HAUNITHA) e, por, intermédio do provo breves. Esse fenômeno deve ter ocorrido no transcurso do séc. V. Com-
passou ao it. onta. Mas do lato verecunnia (por verecundiay, subsistiram preende um leve alargamento da vogal tônica em sílaba livre, fato que
o ptg. vergonha, o es~, vêrguenza, o it. vergogna e o próprio fr. vergogne, se deu em diversas partes do .Império. A segunda fase consiste em que o
popularmente suplantado por 'h'mte. leve alargamento se intensificou a ponto de gerar forte oposição entre
Orgueil remonta ao frânc: lJRPO LI , que deu em provo orgolh, Do vogais longas (sílabas abertas) e vogais breves (sílabas fechadas).
Wartburg chama a essa fase germânica, porque a explica como decor-
,
prov, deve ter passado ao if o;gogliÓ; ao" esp. orgulho, ao ptg, orgulho
~

~
120 PREPARAÇÃO À lINGOfSTlCA ROMÂNICA

rente do hábito dos povos gerrnânicos de marcarem fortemente a oposi-


ção longo-breve em todas as vogais. Entra, pois, aqui o superes trato
gerrnânico : franco, na Gália do Norte; burgúndio, na França norte-ori-
ental; lombardo na Itália. Na terceira fase, românica, as vogais muito
longas, com exceção das extremas, entram finalmente a ditongar-se . .É

a fase do prato-francês e também do prato-italiano, com a ressalva aqui


de que se vai debilitando na direção do Sul. Capítulo 13
A teoria de von Wartburg sofreu várias contestações, inclusive, na
Itália, do próprio Merlo, Tagliavini considera-a "teoria aIlettante, ma
che non puó dirsi provara". Do assunto voltaremos a ocupar-nos no ca-
pítulo sobre as características dos idiomas neolatinos.
As Línguas Românicas

13. 1 - Frederico Diez, na 1'!- pág. do 1Q vol, da sua Grammatik der


Romanischen Sprachen, H ed., 1938, diz:
"Seis línguas românicas despertam a nossa atenção, quer em virtude
de sua originalidade gramatical, quer por motivo da importância lite-
rária que alcançaram: duas orientais, o italiano e o valáquio; duas sul-
ocidentais, o espanhol e o português; duas norte-ocidentais, o provençal
e o francês."
Nessa linhas se percebe: a) o critério predominantemente "literá-
rio" da classificação, que leva a excluir, p. ex., o sardo do elenco das
línguas neolatinas; b) a repartição de base geográfica, que distribui os
idiomas românicos em dois grandes grupos, o oriental e o ocidental, e
~. subagrupa este em dois ramos, um norte-ocidental e outro sul-ocidental.
Estudos posteriores ampliaram essa classificação. O famoso lin-
güista e dialectólogo G. I. Ascoli, reivindicou para o ladino (ou rético)
as honras de língua (Saggi Ladini, 1873), tendo feito o m-smo para
outro grupo de falares a que denominou [ranco-provençal (Sclli::::.i Fran
co-Provc nzali, 1878).
Clássica se tornou a enumeração de Meyer-Lübke (Ei/lfiillru/lg,
190 I), que assim apresentou as línguas românicas, vindo de leste para
oeste: romeno, dalmático reta-romano (= rético = ladino), italiano .
.sardo , provcnçal, francês (que inclui O [ranco-provençal, ou, na sua no-
menclatura, o francês sul-oriental), espanhol e português.
~
Na verdade, como pondera Monteverdi,' não se trata, propriamente,
de nove línguas e sim de nove sistemas de dialetos . E que cada uma

1 Mal/lia/e, p. 79.

~;»
-.
122 PREPARAÇAO A LINGOfsTICA RoMANICA
CAPo 13 ~ AS LfNGUAS ROMANICAS 123

das línguas acima elencadas representa na verdade um conjunto de dia-


bras, esp. cabras, fr. chêvres etc. Já o it.. e oram., desaparelhados do
letos, e um desses, por motivos políticos ou literários, se tomou a língua
recurso ao -s, tiveram de apelar para outro tipo de formação. Daí o se
nacional. O romeno, p. ex., compreende três dialetos principais: o daco-
romeno, o mâcedo-romeno e
o istro-romeno, o primeiro dos quais serviu terem valido do nom. pI. da 1<1 decl. (ae > e) e da 2(1. decl. (i). Temos,
de base para a língua literária nacional. pois, em it. capra e rom. caprã sg.; e capre, pl. nos dois idiomas; it. ca-
k nove línguas de Meyer-Lübke é preciso hoje acrescentar mais uma: vallo, rom. cal, sg.; it. cavalli, rom. cai, pl.
o catalão. Como exemplo de sonorização, podemos tomar o adj. securus. Te-
Já não se discute entre os especialistas se cabe ao catalão status de mos, então:
língua ou dialeto. Trata-se, sem dúvida, de uma língua românica .. Dis- securu > ptg. seguro, esp. seguro, cát. e provo segur, fr. iúr ( < are.
cute-se, porém, se a sua colocação deve ser entre os falares galo-romã- seür), logo seguru (sonorização tardia).
nicos ou ibero-rornânicos, E não falta quem o inclua num conjunto à parte,
o grupo pirenaico. A respeito desse controvertido problema dir-se-à algu- Para inclúir o rom., acrescentemos outro exemplo: _
ma coisa adiante. ' lato mutare > ptg. mudar, esp. mudar, provo mudar, fr. muer (estar
na muda).
13 .2 - A distinção de Diez entre uma România Ocidental e outra
Mas rom. a muta.
Oriental foi retomada e precisada posteriormente por Walther von Wart-
burg (Ausgliederung, 1936). Observe-se que, em fr., após a sonorização, deu-se a queda da conso-
Como traços fonéticos importantes, que separam a România Oco da ante (cfr. em ptg. -atis > -ades > -ais.) Observe-se ainda que, em fr. e it.,
Or.ç temos os seguintes: a) perda do -s a Leste (Itália, Dácia) e sua o primitivo s~ntido de mutare transferiu-se para cambiare, de onde o fr.
conservação a Oeste (Récia, Gália, Ibéria); b) sonorização das surdas changer e o it. cambiare.
intervocálicas no Ocidente e conservação no Oriente; c) fricatização do Em relação ao 'tratamento do grupo ~ct-, eis um exemplo:
c no grupo ~ct- a Ocidente - e posterior palatalização -; não fricati-
zação a Oriente. lato octo > ptg. oito, esp. ocho, cato vuit, provo uech, fr. huit.
A linha que divide a România Ocidental da Oriental corta a' Itália Mas it. otto, rom. opt, logo otto.
ao Norte (separando uma Itália Setentrional de outra Central e Meri-
.
dional), ligando Lã Spezia, no \'Tirreno, a Rimini, no Adriático.
O sarda ocupa uma posição intermediária, pois embora conserve o
13 . 4 - Distingue-se, portanto, uma România Ocidental de outra Orien-
tal. Mas, dentro de cada uma delas, há lugar para subdivisões.
-s final, não sonoriza as surdas intervocálicas (a não ser tardiamente em Se começarmos pela Gália, cumpre repartir desde logo entre um
dialetos do SuF.)
francês do Norte (ou langue d'oii) e um francês do Sul (ou langue d'oc).
Como caracteres comuns a ambos (pois se trata de falares galo-ro-
13,3 - Quanto ao tratamento do -s final, 'sirva de exemplo a palavra
designativa do cardinal 2: mânicos), temos, além dos traços próprios da România Ocidental (con-
servação do -s, sonorização das surdas intervocálicas, palatalização do
Lat. duos > ptg. dois, esp. dos, provo e cato dos, fr. deux (are.
grupo -ct-) , a tão característica passagem de u a ii e, no campo da Mor-
o deus), logo duos t (para 'a România Ocidental)
fologia, a conservação de uma declinação de dois casos até o séc, XIII.
> it.,due, rom. l{oi (para a România Oriental)
Vejamos, agora, os traços fonéticos distintivos mais importantes en-
Esse processo &onético trouxe repercussões à Morfologia. As línguas tre essas duas línguas:
que não perderam ~ -s: ma~tiveram-no como flexão de plural: ptg. ca-
1 - Tratamento do a tônico em sílaba aberta: passa para E em
fr., mas conserva-se em provençal. Ex.:
Von Wartbug, Fragmentaciõn, p. 47, nQ 2.
'2
I
.,.. lato amare > fr. aimer, mas provo amar.

•.
'1

124 PREPARAÇÃO À LINGUfST!CA ROMÂNICA CAPo 13 - AS LfNGUAS ROMÂNICAS 125

2 - Conservação de c e g antes de a em provençal (exceto em dia- Norte, rompe a antiga unidade de certos caracteres comuns românicos
letos do Norte, mais próximos do francês), ao passo que, nessa posição, antes estendidos pela Península, e penetra até Andaluzia, cindindo qual-
em fr. há palatalização. Ex.: - quer originária uniformidade dialetal, desmanchando (descuajando) os
lat. cantare > Ir. chanter, provo cantar. primitivos caracteres Iingüísticos do Douro a Gibraltar, isto é,' eliminando
gallina > fr. ant. geline, provo galina. (borrando) os dialetos moçárabes e em grande parte também os leoneses
e aragoneses, e dilatando cada vez mais sua ação de Norte a Sul para
3 - Ditongação de E e O em fr., em sílaba aberta, e conservação
implantar a modalidade especial lingüística nascida no rincão cântabro"
em provo do vocalismo do latim vulgar. Ex.:
(p. 513).
lato teta > fr. ant. teile > fr. modo toile; provo tela
Destarte, é a variedade castelhana empurrada para o Sul e, com a
[lõre > fr. ant. [luar > fr. modo fleur; provo flor. supremacia política e literária de Castela, torna-se simplesmente o "es-
4 - Queda em fr. da consoante intervocálica resultante da sono- panhol", ou seja, a. língua nacional da Espanha.
rização de uma surda; manutenção da sonora em provo Ex.: Em face dos demais dialetos da Península, apresenta-se o castelha-
lat. maturu > fr. arco meür > fr. modo mur; provo maduro no como audaciosamente inovador. Ainda aqui mestre Pidal: "O dialeto
castelhano representa em todas essas características uma nota diferencial
5 - Conservação em prov. do ditongo au e passagem desse ditongo
a o ern fr. Ex.: em face dos demais dialetos de Espanha, como uma força rebelde e dis-
cordante que surge na Cantábria e regiões circunvizinhas" (p. 487).
lato auru > Ir. or, provo aur.
Distinguem-se, pois, na Galo-România, dois grandes domínios lin- J 3 .6 - Entre as características fonéticas específicas do castelhano, ci-
güísticos: o do francês, ao Norte (que é a língua nacional de toda a lemos as seguintes (ainda acompanhando D. Ramón Menéndez Pidal):
França) e o do provençal-, ao Sul.
. a) Passagem do inicial a uma aspiração - representada
Í: na es-
crita por um h- a qual se manteve até fins do séc. XVI. O f se conser-
13.5 - Quanto à Ibero-Rornânia, nela se lalam três línguas. românicas:
','ou na escrita até fins do séc. XV, mas a aspiração lhe é muito anterior,
o português, O espanhol (antigo castelhano) e o catalão.
pois já começa a documentar-se a partir do séc. IX (ou seja, começa
A formação desse três domínios lingüísticos ibéricos foi obra da
então a ser graíada h, no princípio de certas palavras). Ó

Reconquista. Deve-se essa demonstração ao gênio filológico de Menén-


dez Pidal. 4 ..'
No entanto, nos escritos dos sécs. X ao XII, ainda é corrente a
grafia com 1-. "O Poema do Cid", p. ex., esclarece Pidal (Origenes,
A princípio, como ensifia Pidal "o catalão e o galego-português de-
228) "escrito na região de Medinaceli por volta de 1140, não usa nunca
veriam formar parte. .. de uma área contínua, estando unidos ao Sul
a aspiração, e quando esta é etimológica troca-a por um f, o mesmo acon-
pelos dialetos moçárabes" (op. cit., p. 493). Com a independência de
tecendo quer se trate vozes indígenas como O nome Alvar Faiiez, quer
Castela e posterior luta pela hegemonia do
novo reino, introduziu-se
de vozes francesas eu árabes [onta, [ardido, junto a ardido, Maiomat,
nesse primitivo espaço lingüístico homogêneo aquilo que mestre Pidal
almoialla",
chamou "a cunha castelhana". Ou, nas palavras do sábio espanhol: "a
nota diferencial castelhana :opera _como uma cunha que, cravada ao Foi em 1492 que o andaluz Antônio de Ncbrija adotou o 11- como
forma geral c corrente na língua escrita.
Essa passagem t- > h-, porém, é .dcsconhecida do português e do
" A respeito da significação da palavra "provençal", convém observar que catalão. Eis um exemplo:
pode ser ela emprega~a cõm quatro sentidos diferentes: a) conjunto de dialetos
do sul da França; b) língua d~ trovadores; c) dialetos da antiga Provence; d)
lat. folia > ptg. folha, cat. [ulla, mas esp. haja.
língua literária dos poetas provençais modernos, os [elibres, V. a nota 2, na p. 328,
de Vidos, Manual:
• V. principalmente Origenes, §§ 98-106.
•.. Pidal, Orlgencs, p. 208 .
CAPo 13 • AS LrNGUAS ROMÂNICAS 127
PREPARAÇÃO A LINGOrSTlCA ROMANICA
126

Em relação ao corisonantismo, assinale-se um traço düerenciador


b) Os grupos -cl-, -gl-, -li- produziram em castelhano um fonema -z, importante (aqui foi o português que não conservou): a queda do -1- e
que hoje é pronunciado X (escrito j). Mas a Leste e Oeste esses grupos do -n- intervocálicos. A síncope do -1- em porto deve ter-se dado no de-
produziram o fonema r (escrito Ih em ptg.) Ex.: correr do séc. X8 e a do -n- um pouco depois. Ex.:
lato vlg. muliére (por muIíere) > muger (g = z) > mujer (j = X) lato colore > ptg. cor, esp. coior, cat. color
_ esp."; > molher > mulher (ptg.); > mulIer (lI = l') - cato luna > ptg. lúa > lua, esp. luna, cat. lluna
c) Os fonemas latinos representados pelas letras g e i (também
manu > ptg. mão, esp. mano, cato mà.
grafado j) quando iniciais perderam-se em castelhano quando seguidos
Obs.: Neste último exemplo caiu o n por se ter tornado final, uma
de e. Se o e era tônico, formou-se o ditongo ie; mas, se era átono, o
vez que em catalão a norma é o desaparecimento de vogal final româ-
resultado foi simplesmente e. Ex.:
nica, conforme diz F. de B. Moll.
ienuariu (por ianuariu; cfr. o it. gennaio ou provo - genier) > enero O contato com uma consoante nasal.nasalizou também a vogal con-
(esp. ) tactante em português. A existência de nasais em nossa língua é um de
gelu > hielo. Mas gelare. > helar (O h- é meramente gráfico). seus caracteres fonéticos mais típicos.
O ptg. e o cat. conservam a consoante inicial. Ex.: Referindo-se à "nasal trabante", assim se exprime Amado Alonso:"
"em gascão, provençal, catalão, castelhano, leonês e dialetos ( ... ) a
ienuariu > cat. gener: ianuariu > ptg. janeiro.
nasal se conserva e a vogal não se nasaliza".
d) O castelhano taz o grupo -ct- evoluir para l, ao passo que o
Em port., como se sabe, a nasal intervocálíca não se conserva e na-
ptg. e o cato conservam o t. Ex.: .
saliza a vogal anterior (ou, quando fecha sílaba, comunica a sua resso-
lat. octo > cast. ocho, ptg. oito, cat. vuit. nância à vogal anterior). Nesse ponto, há coincidências entre o port.
Nesses traços encontramos, mais que propriamente semelhanças en- e o gascãó.
tre o português e o catalão, o caráter diferencial do castelhano. Ou, como . Note-se, quanto ao -zn-, que se conservou, ter ele nasalizado também
diz Pidal: "Esses traços são hoje princípaljssimas características da lín- a vogal precedente; mas essa nasalização em Portugal cedo desapareceu,
gua espanhola em face dos outros romances." exceto em dialetos (Williams, From Latin.' 77 A.). No Brasil man-
tém-se essa nasalidade (ãmigo e não àmigo).
Mais _especificamente distingue o espanhol (= castelhano) do porto
Emptg. o ditongo au evoluiu para ou (hoje normalmente pronun-
cat., p. ex., a ditongação de e e' tônicos em. cast., a sua não ditongação
õ

ciado ô tanto em Portugal como no Brasil); em' esp. e cat. o resultado


em ptg. e cat. Ex.:
foi O. Ex.:
lato pétra > esp. piedra, ptg. pedra, cat. pedra
lat. causa > ptg. cousa, mas esp. e cato cosa.
[õcu > esp. [uego, ptg. fogo, cato foco
Quanto às consoantes agrupadas, o port. não palataliza as gerninadas
. -U e -nn-, ao contrário do esp. e do cato Ex.:
13 . 7 - Mas, em relação ao espanhol e ao catalão, apresenta também
lato caballu > ptg. cavalo, mas esp. caballo e cato cavall.
o português caracteres préprios muito nítidos. Dos três idiomas da Pe-
nínsula Ibérica é ele, aliás, o mais conservador! lato annu, ptg. ano, esp. ano, cato any (ny = nh).
Quanto ao vocalismo, p. ex., note-se que todas as vogais latinas se No campo da Morfologia são traços distintivos e conservadores do
mantiveram como tais em português (que não as ditongou). port.: a) a existência de um infinitivo tlexionado (se é que remonta ao

":
Leite de Vasconcelos, Liçõess, p. 266.
• A evolução de z
para X começou no séc. XVI e se completou nos primór-
8

9 A. Alonso, "Partición de Ias Lenguas Românicas' in Estudios Linguisticos,


<tios do séc. XVII (V. Pidal, Gram. Hist., p. '113).
temas espaãoles, p. 112.
T Vidos, Manual, p. 361. ,
128 PREPARAÇÃO À LIr,!GUrSTICA ROMÂNICA CAPo 13 • AS LlNGUAS ROMÂNICAS 129

preto imperf. do subj. latino); b)a persistência de um preto perf. simples Meyer-Lübke, in Einjiihrung (1~ ed. 1901, 3\\ revista, 1920), como
'do indíc cantei (cfr. o esp. he cantando e C3t. he cantat y , vimos, não enumerou o catalão entre as "línguas românicas". E, ao elen-
Como fato sintático de importância, iembremos a possibilidade de car os dialetos do provençal, incluiu o catalão, ao lado do gascão e do
. intercalação de um pronome átono nas formas dos futuros do indicativo languedociano. Portanto, para Meyer-Lübke, desde o início, o catalão
(tmese), como em amar-te-ei [amarei + (te), perdê-to-ia [perderia + não passava de um dialeto do provençal.
(l)oJ. . O grande mestre suíço sentiu, porém, que necessitava de melhor
Como se sabe, o esp. conheceu a tmese até o séc. XVII. precisar a sua posição. Daí o livro de 1925: Das Katalanische. Seine
Stellung zum Spanischen und Provenzalischen Sprachwissenschaitlich: und
13.8 - Para o catalão, podem-se apontar, como típicas, as seguintes Historisch dargestellt (."0 Catalão. Sua posição em face do espanhol e
características fonéticas: a) palatalização do 1- inicial. Ex.: Iat. luna > do provençal exposta lingüística e historicamente").
ptg. lua e esp. luna, mas cato lluna; b) a passagem de -b e -v, finais ro- Do ponto de vista histórico, Meyer-Lübke via o catalão como um
mânicas, para -u. Ex.: lato clave > ptg. chave e esp. llave, mas cato cla- dialeto provençal que, em virtude da retirada dos árabes que, no séc.
ve > clau. VIII, haviam invadido o Sul da França, tinha sido trazido à Espanha
desde a antiga Septimânia dos visigodos. Lingüisticamente, alinhou
Quanto à Morfologia, saliente-se que o catalão, ao contrário do port.
Meyer-Lübke uma série de fenômenos fonéticos (na maioria), morto-
e do esp., conserva a 3~ conj. latina. Ex.: ptg. conhecer, esp. conocer
lógicos, sintáticos e vocabulares que, na sua opinião, revelavam maior
« lato vlg. * cognoscére), mas cato conéixer « cognoscére ) .10
afinidade do catalão com o provençal do que com o castelhano, o que
Em sua La Formacián de los Dominios Lingüísticos en Ia Peninsulla seria demonstração cabal do galo-rornanismo desse idioma da Ibéria
Ibérica, o hispanista Kurt Baldinger dá três versões (uma portuguesa, oriental.
outra espanhola e a última catalã) da mesma frase, para confronto das
Também mons. A. Griera optou pelo galo-rornanismo do catalão.
semelhanças e diferenças dsses três idiomas. A título de curiosidade, ire-
Mas os seus argumentos foram de outra ordem. Num trabalho intitulado
mos transcrevê-Ias:
Ajro-romànic o Ibero-romànic? (1922) desenvolveu a tese de que a
Ptg.: No dia oito de janeiro o filho cego chegou à horta com um cultura latina penetrara na Península Ibérica através de duas cor-
cesto cheio de pedras e uma pomba de cor branca. rentes opostas: uma, que viera do Sul, de origem africana, e teria
Esp.;.. El ocho de enero el, hijo ciego llegó a Ia huerta con un cesto gerado o português e o espanhol, com os respectivos dialetos; outra, pro-
Ileno de piedras y' una paloma de color blanco , veniente do Norte - e, portanto, galo-românica - que teria produzido

Cat.: EI vuit de gener el fil! cec arribà a l'horta amb un cistcll
o catalão. O português e o espanhol formariam grupo com os falares
ple de pedres. i una colo;-a de color blanc. do Sul da Itália e o romeno; por seu turno, o catalão se ligaria ao pro-
vençal, francês e falares alpinos. t1
13.9 - Problema dos 'mai3 debatidos no campo da Filologia Românica Em sua Die Lexicalische Dijjerenrierung der Romanisclien Sprachen
.é o da colocação do catalão no conjunto das "línguas neolatinas. O nó (1954), vertido ao espanhol por M. Alvar como Dlierenciacián Léxica
da questão tem sido decidir se a sua posição deve ser entre os (alares
ibero-românicos ou galo-românicos. Hoje a tendência é para uma solu-
t i Com isso, observa A. Alonso, se cbega a uma partição das línguas ro-
ção intermediária, com meia vitória para cada um dos lados: o catalão mânicas em meridionais e setentrionais e não em orientais e ocidentais (como
seria um idioma de transição, urna espécie de "língua-ponte" entre o do- está em Diez e von Wartburg). Já o filólogo italiano M. Bartoli havia dividido
mínio lingüístico galo-românico e o ibero-românico. o território românico num setor apenino-balcânico (italiano, dálmata e romeno)
e noutro pirenaico-alpino (dialetos réticos, francês, provençal, catalão, espanhol,
Cabem aqui bttveS' palavras sobre o status quaestionis.
português). também um tipo de divisão Oriente x Ocidente.
'" É

Para A. Alonso ("La Subagrupación" in Estudios, I, 58) "a Rornânia, melhor


do que uma larga franja orientada de Norte a Sul ou de Oeste a Leste, teria sua
~o V. Kurt Baldiuger, La Formacián, nota 5 (p. 13) e nota 7 (p, 14). representação gráfica nos quatro braços de uma cruz" .
•..
PREPARAÇAO A LINGOfSTICA ROMÂNICA CAPo 13 - AS LINGUAS ROMANICAS 13l
130

de Ias 4ngULlS Românicas, G. Rohlfs, com base numa enumeração léxica cês,.nascido em território gálico nunca bem latinizado e logo germa-
comparativa entre o espanhol, o catalão e o provençal, chega à seguinte nizado mais intensamente 'do que qualquer outra região do império.
conclusão: ."Isto é uma incontestável argumentação em favor do estreito é um idioma de mestiçagem" (p. 118-9).
parentesco lingüístico do catalão com a Galo-România: o catalão é, no
essericial, uma dépendance do provençal" (p. 150). Esse critério tem conseqüências interessantes, como a de desvincular
o italiano do romeno (reunidos pela divisão geográfico-lingüística em Ro-
Mas, se o galo-romanismo do catalão pareceu a exata perspectiva
mânia Oriental), ao passo, que junta o francês com o romeno (que o cri-
para um Diez, um Meyer-Lübke, um Bourciez, um Griera, um Rohlfs,
outros não menos ilustres, como Pidal e Harri Meier, inclinaram-se para tério geográfico-lingüístico separa) .
Nasce assim a visão de uma Romãnia Contínua, a que, todavia, se-
o ibero-romanísmo daquele idioma.
gundo A. Aloriso, não pertenceriam nem o francês nem o romeno.
Amado Alonso, que, às vezes, se inclui entre os partidários do ibero-
romanismo, na verdade, a nosso ver, propugnou por uma solução interme- 13.10 - Não é essa, porém, a opinião de Vidos: "não podemos ex-
diária. Se criticou com vivacidade a Meyer-Lübke _e Griera, fê-lo para cluir. .. o romeno e o francês da Romãnia Contínua, e sem interrupção
contestar a argumentação de ambos em prol da solução galo-românica. da continuidade originária podemos caminhar, a partir do período em
A sua opinião é a de que "as línguas de ambos os lados dos Pireneus, que surgiram as línguas românicas, desde o românico oriental até o ro-
gascão, provençal, aragonês e catalão, mostram Um parentesco especial ... mânico ocidental.P
na fonética, na gramática, no léxico" ("Partición de. Ias Lenguas Romá- Vidos dá particular relevo a falares de transição que servem de elos
nicas" in Estudios, I, p. 107-8). Sugere então que se estenda ao proven- entre determinados dialetos românicos, impedindo, destarte, a quebra da
çal o grupo. pirenaico de Rohlfs, que incluía o gasêão, o aragonês e o continuidade lingüística da România. Já vimos, p. ex., a posição do
catalão. catalão, "língua-ponte" entre a, Galo-România e a Ibero-România.
Partindo desse processo de subagrupação, chegou A. Alonso a um Vejamos outros elos que Vidos aponta no leque dos falares românicos.
critério de classificação, que é "o grau de romanização inicial e o grau . O romance da Penírisula de Istria forma o elo entre a România Oci-
de fidelidade posterior à tradição latiria". "Com esse critério", diz A. dental e a Oriental. A base do dialeto que aí se fala é o dalmático; logo:
Alonso, "o provençal, sem deixar por isso de ser galo-românico, forma romanço oriental. Mas, sobre essa base, veio colocar-se posteriormente o
grupo com o catalão, que não deixa por isso de ser' ibero-românico, e friulano, mais ou menos contaminado de dialeto veneziano. Acrescente-se
com o caslelhano e' com o português". E acrescenta: "Todos eles formam a sobreposição de um estrato eslavo recente e ter-se-á uma idéia da
com o italiano. o grupo de líaguas fiéis (comparação com o francês) miscigenação lingüística dessa pequena península e, portanto, do caráter
ao tipo latino."> de transição de sua língua.
A referência ao francês decorre do fato de que A. Alonso o conside- O elo seguinte é °
que se coloca entre o I1talo-Românico e o Galo-
ra, juntamente com o romeno, a língua neolatina menos fiel às origens ro- Românico. E ele constituído pelo italiano da Alta Itália, pois nessa região:
manas. Eis um trecho seu, bastante esclarecedor; há um substrato céltico, ausente no restante da Península, o qual o apro-
xima dos falares de Galo-România.
Assim como o romeno, por seu isolamento geográfico desde o- Outro elo lingüístico românico, ainda segundo Vidos, é representado,
, até faz bem pouco, e pela inva-
séc. Hl, por sua existência dialetal pelo franco-provençal, que faz a transição entre o francês e o provençal.
sora vizinhança de línguas estranhas, se formou com uma complei- Tem-se destarte uma România Continua na qual, embora se mantenha
ção mestiça, e entre as língUas derivadas do latim é um idioma à li distinção entre Rornânia Ocidental e România Oriental, se atenuam as
parte, assim té}P1bém, no resto mais coerente da România, o fran- fronteiras lingüísticas. O italiano, p. ex., pertence à România Oriental,.
• mas não se pode tomar essa afirmação muito ao pé da letra, pois, como

1.2 "Flartición de Ias Lenguas Románícas" in Estudios Lingiiisticos; temas-


espafioles, p. 119-10', 13 Vidos, Manual,. 297 .
•...
.II
'32 PREPARAÇAO À LlNGUfSTlCII ROMÂNICA
CAPo 13 . AS lfNGUAS ROMÂNICAS
133
observa com justeza Vidos, "se não se faz nenhuma áiferença entre o
grau de romanização inicial e a adesão ulterior à tradição latina, o ita- recera pela primeira vez sob Constantino, englobava, face aos germano5,
liano, sem dúvida, seria posto com o dalmático e o romeno no mesmo todas as partes do império em que se falava o latim. Como disse Gastão
grupo oriental; dito de outro modo, o italiano ficaria colocado mais Paris: "Romanus est l'habitant, parlant latin, d'une partie quelconque de
próximo do romeno que do provençal, do catalão, do espanhol ou do por- I'empire."
tuguês, por exemplo, coisa que, naturalmente, está menos de acordo com O nome, porém, foi-se restringindo politicamente. No tempo de ato
a realidade Iíngüístíca''.«
aplicou-se a uma só parte do império: a Itália. Dentro da Itália, especiali-
zando-se cada vez mais, acabou por designar apenas o Exarcado de Ra-
13. 11 - A classiíicação dos falares rornanícos subentende a noção de
vena, A região que corresponde ao antigo Exarcado tem hoje a denomi-
România. Trata-se de termo de evolução bastante complexa.
nação de Romagna e os. seus habitantes são os "pequenos romanos" (Ro-
A denominação Romanin foi construída pelo modelo de Gallia, Bri- rnagn-u-oli ) .
tannia, Germania. Veio para substituir a noção política de imperium ro-
Em duas outras regiões também se conservou o nome glorioso de Ro-
manum ou geográfica de orbis romanus. Romania estava para Romani
como Gallia para Galli ou Rritannia para Britanni, mani : uma no Ocidente e outra no Oriente.

A princípio Romani era designação exclusiva dos pertencentes à clas- No Ocidente, terno-lo como designação de pequC:'na população alpina,
se dominante, isto é, eram assim havidos os que tinham direito à cidada- no cantão dos Grisões, na Suíça. (romantsc!L
Trata-se do falar romanclic
nia romana (cives romani y , Distinguia-se, p. ex., entre romanos e gaule- ou rumantscli, do lat. romanice, que são as formas mais usadas atual men-
ses, romanos e iberos, romanos e gregos e assim por diante. Mas, com a te) ou reto-românico, na classificação de Meyer-Lübke. No Oriente, tor-
extensão da cidad<:nia romana a todos os habitantes livres do império nou-se o nome nacional do único povo dessa região que conservou um
(Caracala-212), o termo passou a opor-se a Barbari, isto é, aos habitante. falar latino: os romenos da Rornênia.
das regiões que confinavam Com o império romano.
Alargava-se, então, o império do Atlântico ao Reno e ao Danúbio e, 13 .12 - Quando o latim falado ou coloquial se afastou de tal modo do
de certo modo, o orbis romanus identificavn-se com o orbis terrarum, latim escrito, que essas duas variedades passaram a ser sentidas como l ín-
pois o mundo romano era simplesmente o mundo. Tinha portanto, razão ~!uas distintas, duas expressões então surgiram para designar eS~3S moda
Rutílio Namaciano:
lidadcs: latine loqui, para a língua dos doutos; romanice loqui, para a rei
ção popular do latim.
F~cisti patriam diversis .genríbus unam;
U rbern fecisti q uae prhls orbis erat. Desse advérbio romanlce provém o nome que se deu ú língua
o. .
falada pelo povo em cada uma das partes da România: o Ir. romani, ()
Na pró)J(ia parte oriental do império, em que o grego continuava do- ptg, romance. ou romanço , o esp. romance, o it. romanro .
minando, se encontra a df:llominação Ron~ania (Rornanía). Româioi era
Em francês, no séc, XII, ensinam B1och-Wartburg, o termo significa
como os gregos denominavam os rornanosj mas a si próprios aplicaram o
qualquer narrativa na língua do povo; no séc. XCV o sentido se cSpCCi.1
termo quando Constantinopla se tornou a lcapital 'do império do Oriente.
liza para romances de aventuras em verso;'> no séc. XV o sentido se es
Do povo a denominação passou à língua e, ainda hoje, ronl{likós (ro-
maico) designa o grego moderno na sua feição popular.» tende aos romances de cavalaria, crn prosa; só do séc. XVIT em diante
foi q uc tomou sentido moderno de romance.
No Ocidente, graças à invasão gerrnâníca, o nome Romania adquiriu
nova oposição, simultaneamente política e lingüística. O termo, que apa- No sentido de "língua vernácula", ainda SI'! lê em Carnôcs :
--- O Rapto rio nota, que o romance
11 Vidos,ob. cit., p. 296.
Da terra chama Obi; entra em Quilrnance (Lus. X, 96).
1:; Sobre România, romance, romanço, v. verbete "romanço" no "glossário"
de Magne à edição da Demanda do Santo Graal.

16 Por etímología popular (confusão com "rima") surgiu a variante rimance.


PREPARAÇÁO À LINGUISTICA ROMANKA . CAPo 13 - AS LINGUAS ROMÂNICAS \35
13'"

Do ir. antigo romanz, considerado substantivo, se criou analogica- Norte da África, é falado também em Marrocos e na Argélia. Aproxima-
mente um caso oblíquo romantF' tal como se tinha, p. ex., amanz, amant damente 200.000.000 de pessoas falam espanhol em todo o globo.
(V. L. de Vasconcelos. Lições, p. 15, nota). De romant proveio roman- c) o CATALÃO,falado na Catalunha, Espanha norte-oriental, por cer-
tique, que passou para o ing. romantic. Romantique está documentado no
ca de 4.500.000 de pessoas, Compreende ainda a Catalunha francesa, a
séc.' XVII. Começava a germinar a semente do Romantismo.
província de Valência, as ilhas Baleares e a colônia catalã de Alguero
Do sen~~.o apontado de narrativas em verso (sécs. XIV XV) deri-e na Sardenha.
vou a palavra romanceiro (séc. XVI), coletânea de composições em verso.
d) o PROVENÇAL,que se estende por quase todo o sul da França e
Desde a. Idade Média, apesar das diferenciações regionais do falar
não apenas pela Provença (razão por que W. von Wartburg opina que
românico, persiste o sentimento de uma comunidade lingüística e cultural.
melhor fora denominá-Ia "occitânico"), no Languedoque, na Alvérnia,
Um trovador de 1200, Raimbaut de Vaqueiras, escreveu uma poesia em
no Lirnosino. Abrange aproximadamente 10.000.000 de pessoas.
cinco estrofes compostas alternadamente em provençal, .italiano, francês
e) o FRANds é a língua oficial daFrança (60.000.000 de falantes).
do norte. gascão e português. Ocasionalmente se encontra essa alternação
na Espanha, como artifício, em sonetos de Gôngora e Lope de Vega (V. O francês propriamente dito é o francês do Norte. A Sudeste temos o fran-
a respeito E. R. Curtius, Literatura Européia e I dade Média Latina, p. 34.) .co-provençal, que estabelece transição para o falar do Sul, o provençal.
Na literatura brasileifa são conhecidos os casos, também artificiais, Na ilha da Córsega fala-se o italiano; na maior parte da Alsácia-Lo-
de Manuel Botelho de Oliveira (séc. XVII) e Cláudio Manuel da Costa rena, o flamengo; na Bretanha, o bretão, que é uma língua céltica.
(séc. XVIII), que compuseram, respectivamente: Música do Parnasso, Mas o francês ainda se fala nas ilhas normandas pertencentes à

divididas em quatro coros de rimas portuguesas, castelhanas, italianas e Inglaterra, em grande parte da Bélgica e em vários cantões suíços, onde
latinas e Rimas nas línguas latina, italiana, portuguesa, castelhana e fran- é uma das línguas oficialmente reconhecidas pelo Estado. Fora da Eu-
cesa em poesia heróica e lírica. ropa, é falado em parte do Canadá (3.000.000 de pessoas), no Haiti, na
Desses variados romances regionais foi que provieram as línguas ro- África do Norte (Marrocos, Argélia) e um pouco por todas as antigas
mânicas acima mencionadas. .colônias francesas da África, da Ásia, da América (Guiana Francesa).
B língua de cultura em quase todo o Ocidente, hoje, entretanto, perdendo
13 . 13 - É a seguinte a distribuição geográfica das línguas românicas: terreno para o inglês.
f) RETO-ROMÂNICO,.LADINOou simplesmente RÉTICO, falado apenas
a) o "PORTUGUÊS,falado em Portugal (10.000.00 de falantes, com
os Açores e Madeira) e no Bnasil (120.000.UOO de habitantes). Se in- por cerca de meio milhão de pessoas, na Suíça e na Itália. Compre-
cluirmos a Galiza, cujo idioma é um 'codialeto do português, temos mais ende um grupo ocidental, nos Grisões, onde tem o nome especial de ro-
2.000.000 de falantes. Além disso, ainda é o português falado nas an- manche (desde 1938 quarta língua naclonal'" da Confederação Helvética);
tigas colônias portuguesas de Ultramar (Angola, Guiné, Moçambique, Ma- um grupo central, o tirolês, Tirol (Itália), e um grupo oriental, o íriulano,
cau, Timor) . no Friul (Itália), o mais denso.
b) o ESPANHOL, falado na Espanha (35.000.000 falantes). E a lín- g) O ITALIANO,língua oficial da Itália (60.000.000 de falantes), tam-
gua oficial dos países da América do Sul (com exceção do Brasil); da bém falado na Córsega, na República de São Marinho, no cantão : suíço
América Central, com as Antilhas; do México, na América do Norte. No do Ticino e nos vales dos ·GrisÕes que se inclinam para o rio Pó. Era

17 Magne explica de outro modo: "do francês romanz; de onde, por evo- 18 O ronianche ou romanclio foi reconhecido, em virtude de um plebiscito
lução regre-siva, elimiI!tdo.o -z final, apreendido como característica do plural; (1938), como quarta língua nacional (Nationalsprache) da Suíça, mas não como
se deduziu· a forma roman, que~ por influência das terminações -and e -ant, de língua oficial (Amtssprache). Quer isso dizer que, no âmbito federal, continuam
palavras como nor';'and, savant, admitiu a 'variante romand na expressão Suisse a ser admitidos apenas o francês, italiano e alemão. Mas com as autoridades can-
romande, Suíça românica; e romant, origem do adjetivo romantique, 1694, em. tonais dos Grisões é válido o uso do romanche. V. Tagliavini, Le Origini, nota
português romântico" (Graal, GI~ário, 3/V "romanço").
50 na p. 320.
to-
137
CAPo 13 . AS LfNGUAS ROMÂNICAS
PREPARAÇAO A LlNGOISTICA ROMÂNICA
136

São caracteres fonéticos distintivos: a perda do s final (România Ori-


também a língua oficial das antigas colônias italianas da África (Líbia, ental) ou sua conservação (România Ocidental). Cír. ptg. os muros, esp.
Eritréia e Somália) . los muros, fr. les murs em oposição ao it. i muri; ou então, tu jettes do fr.
h) o SARDO,falado na Sardenha, com exceção de parte do litoral e contra getti do it.; a conservação das surdas intervocálicas (România Ori-
. da cidade de Alguero (1.000.000 de falantes). Apresenta aspecto bastan- ental) ou a sua sonorização (România Ocidental). Cír. o ptg. seguro, o
te arcaico, o que o valoriza no âmbito dos estudos românicos. esp. seguro, o fr. súr em face do it. sicuro; ou então o ptg. e esp. vida,
i) O DALMÁTICO,a única das línguas românicas morta. Falou-se em o fr. vie, em face do it. vita.
território da antiga Dalmácia, nas costas do Adriático, da ilha de Velha São estes os dois traços fonéticos fundamentais que distinguem a Ro-
até Ragusa, hoje território iugoslavo. Em 1898 faleceu na ilha de Velha rnânia Ocidental da Oriental; como limite geográfico, von Wartburg apon-
o mineiro Udina Burbur, vítima de uma explosão de dinamite, e com ele tou a linha La Spezia-Rimini.
morreu o último representante do dalmático, sob a forma do velhote. A esses dois traços básicos, pode-se acrescentar outro menor: o tra-
j) O ROMENO é falado na República Romena (cerca de 20.000.000 tamento do grupo et. A Oeste, palatização (ptg. feito, o esp. hecho , fr.
de falantes). A base da língua literária é o valáquio, variante meridio- fait); a Leste, assimilação (it. fatto), ou mutação (rom. fapt).
nal do daco-rorneno. Ainda é falado na Albânia (cuja língua nacional é, Todavia, essas oposições não são absolutas. A sonorização, p. ex.,
porém, o albanês), na Tessália e na Macedônia, em volta de Monastir, pe- não atingiu certos territórios da Gália (bearnês) e da lbéria (alto arago-
los aro menos. Também ocorre na Península da lstria, não longe de Fiume, nês). Mas o quadro geral é exato.
e a noroeste de Salonica. Dentro dessa ampla bipartição, ainda é possível reunir as línguas ro-
Os mais antigos monumentos do romeno são obras hagiográficas da mânicas em alguns grupos. Foi o que fez A. Monteverdi, acompanhando
2.a metade do séc. XVI, escritas em alfabeto cirílico. de perto o íilólogo Tagliavini (Manuale, p. 80). l? a seguinte a distribuição

A Bessarábia, parte oriental da Romênia, foi, depois da última guer- de Monteverdi:


ra mundial, destacada da Romênia e elevada à categoria de república so-
cialista autônoma. :E: a atual República Socialista Soviética da Moldá- 1 - romeno
via. A lingüística soviética pretende fazer do moldavo a l l ." língua ro-
Daco-România { 2 - dalmático
mânica e a 4.a da România Oriental. No entanto, essa pretensa língua ro- 3 - ladino

l)
mânica não passa de romeno literário, escrito com alfabeto russo' ligeira- 4 - alto-italiano
mente modificado, com algumas leves concessões a formas dialetais mol- ltalo-România 5 - italiano
davas (V. Tagliavini, Le grigini, nota 4 que começa na p. 300). 6 - sardo
A aceitar o critério que dá status de língua ao moldavo, teríamos 7 - francês
de fazer o mesmo com o- gascão e o Iranco-provençal, p. ex., no domínio Galo-România 8 ~ franco-provcnçal
galo-românico. Convém, portanto, superpor as razões de ordem lingüística { 9 - provençal
às de ordem política.
10 catalão
Ibero-România 11- espanhol
13.14 - Essas línguas românicas .podem ser agrupadas em duas grau- { 12 - português
des divisões: línguas da Rornânia Ocidental e línguas da România Ori-
ental. Trata-se, como já vimos, de velha idéia de Diez retomada moder-
na mente, em especijl, por von Wartburg .
À
• ~rtencem Portugal, Espanha, França e Norte
România Ocidental
da Itália. A Itália Peninsular, Romênia e o antigo dalmâtico se incluem
na România Oriental. O sardo ocupa uma posição intermediária, como
vimos.
•..

~'
139
CAPo 14 • DIALETOS ROMANICOS

ducal, que começa onde se estendia outrora o ducado de Savóia; e b) a


que separa o catalão do provençal, a qual não coincide com a cadeia
dos Pirineus e sim com a antiga fronteira entre as dioceses de Narbona· e
do Elne, entre os condados de Narbona e do Rossilhão. Isto para ficar-
mos nestes dois exemplos.

14.2 - PORTUGAL
Capítulo 14 Segundo o Dr. Leite de Vasconcelos (Esquisse, 1901, p. 28-34), são
os seguintes os dialetos portugueses:
A - Dialetos continentais:
Dialetos Românicos 1- Interamnense (entre o Douro e o Minho). Compreen-
de os seguintes subdialetos:
alto-minhoto, baixo-minhoto, baixo-duriense.
Trasmontano (de Trás-os-Montes). Compreende os
11-
seguintes subdialetos:
14.1 - Muito se tem discutido a respeito das fronteiras dos dialetos ro- raiano (na fronteira com a Espanha), alto-duriense,
mânicos. A questão é importante, porque atinge em seu cem e a própria ocidental e central.
existência da realidade dialetal. Gastão Paris chegou a dizer que, se se
fizesse uma cadeia de camponeses de mãos dadas desde o golfo de Mar-
selha até o canal da Mancha, cada um deles falando o idioma do seu
torrão natal, certamente os vizinhos se entenderiam perfeitamente, mas,
depois de considerável distância, já haveria díficuldade para a intercom- MAPA DlALE.C'fO.
LóGICOdo Conu-ntl
preensão, e finalmente os dois ocupantes das extremidades não se enten- Portul\lÜ (c:akw.o em.
Lei~ de VuconCClOl,
deriam de forma alguma. Posteriormente imaginou-se estender a cadeia OpúcultN. IV, 796)

da Calábriã' a Portugal.
Os estudos da Geografia Lingüística confir~aram de certo modo essa
maneira de ver, pois aposentaram a idéia de falares locais que continua-
riam de maneira praticamente ininterrupta a variedade local do latim
vulgar. Ao contrário, as inovações lingüísticas partem de focos dispersos
geograficamente e se propagam à maneira dê ondas, que se cruzam e
cntrecruzam numa trama complexa de isoglossas.
Embora o debate científico prossiga, há necessidade prática, como já
advertira Meyer-Lübke in Einführung"de apresentar uma 'classificação des-
ses dialetos, a qual sempre pode recorrer a razões de ordem histórica ou
geográfica. Os Pireneus centrais, p," ex., separam distintamente os dialetos
provcnçais dos dialetçs espanhóis. Na Itália, os Apeninos tosco-emilianos
se erguem como uma barreira• ~tre os dialetos toscanos e emilianos. Exem-
plos de fronteira histórica (colhidos como os anteriores em Monteverdi,
Manuale) são: a) a que existe na Suíça entre o vales ano episcopal, cujos
limites se confundem cOI~ 6 antigo episcopado de Sion, e o vales ano
"'"
n

140· PREPARAÇAO À LINGOISTlCA ROMANICA


CAPo 14 • DIALETOS ROMÂNICOS
141

lU - Beirão, com os seguintes subdialetos:


Parece, pois, melhor considerar apenas o galego como co-dialeto do
alto-beirão, baixo-beirão e ocidental (distritos de Co- português.
imbra e Aveiro).
14.3 - Entretanto, o Dr. Manuel de Paiva Boléo, catedrático da
IV - Meridional, com os seguintes subdialetos:
Universidade de Coimbra, que, desde 1942, vem reunindo farto material
estremenho (Estremadura), alentejano (Alentejo), al- dialectológico sobre o Portugal continental, apresentou ao IX Congresso
garvio (Algarves). Internacional de Lingüística Românica, realizado em Lisboa (1959) de
B - Dialetos insulares; colaboração com a Prof.ê Maria Helena Santos Silva, um estudo intitu-
lado O Mapa dos Dialetos e Falares de Portugal Continental:» Aí se faz
I - açoriano (Açores); uma revisão da classificação do Dr. Leite de Vasconcelos que acabamos
II - madeirense (Madeira). de apresentar.
C - Dialetos ultramarinos: O material em que se baseou o Dr. Paiva Boléo e sua antiga discí-
pula é o constante do "Inquérito Lingüístico Boléo" (ILB), fruto de
1- Dialeto brasileiro; numerosas pesquisas a princípio por correspondência, posteriormente in
II loco, levadas a efeito pelo Prof. Boléo e, em parte também, por alunos
Indo-português (português de Goa, crioulo de Diu,
Damão, Mangalor etc.); seus (sempre sob sua direção). Estudando esse material, sentiu o Dr.
lU - Crioulo de Ceilão; Paiva Boléo a necessidade de atualizar e retificar o Mapa Dialectológico
IV - Dialeto macaista ou de Macau; do Continente Português de Leite Vasconcelos, publicado, pela 1~ vez, em
1893 e pela segunda, com alterações, nos Opúsculos, IV. Foi assim que
V - Malaio-português (crioulo de Java, Malaca, Singapura);
surgiu o Mapa dos Dialectos e Falares de Portugal Continental (publicado
VI - Português de Timor;
na 2a. ed. do Atlas de Portugal, de Amorim Girão), elaborado pela proí.s
VII - Crioulo de Cabo Verde;. Maria Helena Santos Silva, sob a orientação do Dr. Boléo. Na altura em
VIU - Crioulo Guineense ou da Guiné; que foi elaborado o novo Mapa, puderam contar os autores com mais de
IX - Dialetos crioulos do Golfo da Guiné (ilhas de São To- 2.000 respostas a um questionário com 550 perguntas. Com apoio prin-
mé, Príncipe .e Ano Bom); cipalmente em fenômenos fonéticos, traçaram os AA. novas fronteiras
X - Português das•.. costas d'Africa, dos falares portugueses .

Como co-dialetos do português, apresentava o galego, o riodonorês, o 14.4 - Estabeleceram-se três variedades de traços língüísticos caracte-
guadramilês e o mirandês, rizadores: traços gerais ou regionais (próprios de uma região), traços
limitados ou sub-regionais e traços específicos ou de zonas limítrofes. Che-
Todavia, como já observara Pidal, El Dialectp Leonés, o mirandês é
um falar espanhol intimamente aparentado com o leonês. Voltando ao gou-se assim a uma delimitação de seis grandes falares" do continente por-
assunto, Leite de Vasconcelos (Opúsculos, IV, p. 685 e segs.) concorda tuguês, a saber: falar minhoto, f. trasmontano, f. beirão, f. do Baixo
com Pidal, alegando que jamais pretendera fazer do mirándês um diale- Vouga e Mondego , f. de CasteLo Branco e Portalegre e f. Meridional.
to da língua portuguesa. E diz (p. 683) "ser muito natural que o dialeto No falar minhoto consideraram-se as seguintes sub-regiões: minhot
mirandês pertença ao domínio espanhol, como próximo do leonês". Leite central, alto-minhoto, baixo-minhoto e minhoto oriental.
de Vasconcelos, poré.m, vai mais longe e rejeita a classificação da Esquisse Compreende o falar beirão um beirão ocidental e outro oriental.
supracitada, escrevendo:" "Se, em alguma coisa dissinto agora do que
primeiro escrevi, é em não considerar o mirandês co-dialeto do portu- .
1 Publicado nas Actas do IX Congresso Internacional de Lingüística Româ-
guês. Já supra, p. 121, pus as coisas no seu devido lugar. A expressão co-
nica, tomo lU do Boletim de Filologia, de Lisboa, tomo XX (1961). Há separata.
dialeto convém melhor ao galego" (ibidem, p .. 88).
•... 2 O Doutor Paiva Boléo distingue entre dialetos, falares e variedades.
142 PREPARAÇAO À LINGOfSTlCA ROMÃNICA CAPo 14 - DIALETOS ROMANICOS
143

No falar do Baixo Vouga e Mondego podem-se distinguir duas re- e) CASTELO BRANCOe PORTALEGRE.1 - passagem de a tônico a e.
giões principais: a que fica entre Coimbra e Figueira da Foz e a de Aveiro. Ex.: zieda, kuiél como pronúncias de "geada", "curral". 2 - redução
O falar de Castelo Branco e Portalegre é formado, obviamente, de do ditongo ei a Ex.: azetona como pron. de "azeitona". 3 - pronún-
ê,

dois subfalares: o de Castelo Branco e o de Portalegre. cia de i pretônico como ê, isto é, rebera, pron. de "ribeira". 4 - pro-
Finalmente o falar meridional se bifurca em alentejano (alto alente- núncia do -ã final como -ãi e do ditongo -ão como êu. Ex.: "manhã"
jano e baixo-a/entejano) e algarvio, 3 pronunciado maiiãi: "escuridão" pronunciado iskuridêu.
f) MERIDIONAL. 1 - redução do ditongo ei, tônico ou átono, a ê.

14.5 - Daremos a seguir, ainda acompanhando a comunicação dos Ex.: amexa e não ameixa. 2 - monotongação do ditongo ou, isto é,
Profs. Boléo-Santos Silva, os traços gerais que nos pareceram mais típicos "ouro" pronunciado como oru,: 3 - passagem freqüente do e final a i.
de cada um dos falares:
Portanto, "sete" pronunciado seti. 4 - Síncope do i na terminação ia;
a) MINHOTO. 1 - timbre aberto da vogal tônica nasal (só o a?). daí a pronúncia de "matéria", p. ex.: como matera.
Ex.: branca pronunciado bránca e não brânca. 2 - pronúncia do di- Como se vê, há na pronúncia meridional portuguesa vários traços
tongo ão como om, isto é, põ em vez de pão,. 3 - ditongação de vogais que a aproximam da brasileira, até na nossa feição popular. Assim é que,
tônica: puartu como pronúncia do topônimo Porto. 4 - passagem de a no alentejano, p. ex., também se verifica a desnasalação da terminação
tônico a e: bureco e não buraco (traço de grande extensão, mas não -om (como em "foram" pronunciado foru). Até num traço sintático co-
geral) . incidem: emprego do gerúndio em vez do infinitivo regido pela preposi-
'Para a delimitação da zona do falar minhoto, não se tomou em conta ção a (estava comendo por estava a comer, como se 'Ouve no subfalar
a troca do v por b (baca por vaca), por ser esse traço comum também algarvio) .
ao trasmontano.
14.6 - A maior semelhança entre a nossa maneira de falar e a do
b) TRASMONT ANO. 1 - existência de s e z reversos, isto é, pronun-
Sul de Portugal já tem sido assinalada pelos estudiosos do assunto. Se-
ciados aproximadamente como xê e jê, respectivamente. Ex.: "vasilha"
rafim da Silva Neto cita um testemunho de 1911. 5 Deve isto ter causado
pronunciado como baéila. 2 - emprego de e.,paragógico em palavras ter-
a suposição de que a maioria dos colonizadores portugueses fosse provinda
minadas com -z: narize c<;?mopronúncia de "nariz". 3 _ timbre aberto
do Sul de Portugal (Nascentes, Entwistle). A tal suposição opôs-se Sera-
das vogais e e o em casos em que aparece como fechada na forma pa-
fim da Silva Neto, com base em argumentos estatísticos." Na sua opinião
drão: "cabeça" pronunciado como kabésa, "estrela" pronunciado' como
iitréia. o que torna parecidos o português do Brasil e o algarvio-alentejano são
fatores de ordem negativa; a ausência em ambos os falares de fonemas tí-
c) BElRÃO. 1 - .•. ~de s e z reversos, como no trasmontano.
existência picos do Norte de Portugal: final -om por -ão; pronúncia de v como b;
2 - ditongação de e fechado como eu: "treze" pronunciado como treuze. pronúncia de ch como é, isto é, tx; existência de s e z reversos, cujo efeito
3 - pronúncia da paJavrá""manhã" como man~e ou manhê, .
acústico S. da Silva Neto aproxima das representações gráficas sx e sj
(op. cit., p. 13). Para o sábio e saudoso filólogo brasileiro, trata-se, nos /.
.
"
d) BAIXO VOUGAe MONDEGO.E a região caracterizada negativamen- dois casos, do fenômeno de nivelação lingüística próprio das zonas de
te, ou seja, pobre de traços fônicos distintivos. Note-se porém, na região
de Aveiro o ditongo ei pronunciado como êi e não como di, isto é, peito • Note-se, contudo, que a redução ou > ô pode ser tida corno própria
e não paito. Perto de Figueira da Foz os AA. surpreendéram a pronúncia da pronúncia padrão portuguesa (e brasileira também). Gonçalves Viana, p. ex.,
de u como ü.
na "Exposição da Pronúncia Normal Portuguesa" que precede o Canto I de Os
Lusiadas em edição anotada por F. de Salles Lencastre (Lisboa 1892), depois
... de dizer que há "no centro do reino, entre Coimbra e Lisboa, um padrão médio,
do qual procuraram aproximar-se os que sabem ler e escrever", assim se mani-
festa, a propósito do ditongo ou (p. X): "ou, escrito 011, como dou, sou, que
s Observa Lindley Cintra (BF, tomo XXII, 1971) que o Doutor Paiva no centro do. reino (o grifo é meu) vale por ô" etc.
Boléo se esqueceu de incluir o eSlremenho, falar a que pertence a variedade de
Lisboa. 5 in A. Língua Portuguesa no Brasil, Liv. Acadêmica, Rio 1960, p. 5.

•.. 6 op. cit., p , 6-10 .


.~

PREPARAÇAO À LINGUISTICA ROMÂNICA CAPo 14 - DIALETOS ROMÂNICOS


145

colonização, tese já desenvolvida por Schuchardt, fato que se teria dado De todos os falares, o minhoto é o de características mais vinca-
tanto no Brasil corno no Sul de Portugal. Ou nas palavras de Serafim das. A denominação "interamnense", de Leite de Vasconcelos, foi subs-
Neto: "Pode dizer-se, pois, que a constituição da fonética brasileira, isto tituída pela de "rninhoto", porque, entre outras razões, esse falar se es-
é, aquela dos primeiros focos da colonização, deve-se ao contato entre ós tende para o sul do Douro. A Beira Baixa aparece corno zona de transi-
falares do Norte e do Sul de Portugal: foi ele que levou à eliminação de ção entre a parte norte e a parte sul do país. A diferença mais impor-
fonemas menos evoluídos do que os do Sul (ou que também aí existiam, tante entre o novo Mapa e o de L. de V. está em que, para este íilólogo,
mas já em franca desagregação). B que o contato não só tende a planifi- as Beiras constituíam uma mancha uniforme, ao passo que no novo
car e a simplificar, corno também apressa a deriva, isto é, as mudanças Mapa apresentam caracteres distintos.
latentes no sistema" (p. 15). O fenômeno tem semelhanças com o cha-
A p. 144 mostra adaptação, em seus traços mais gerais, do Mapa dos
mado andal uzismo do espanhol americano.'
Dialetos e Falares de Portugal Continental.
14. 7 - Agora algumas observações gerais, para terminar essa apresen-
tação do "Mapa dos Dialetos e Falares" Boléo-Santos Silva. 14.8 - No tomo XXII do Boletim de Filologia, publicação do "Centro
de Estudos Filológicos" de Lisboa (1971), o Prof, Lindley Cintra, da
Universidade de Lisboa, apresenta "Nova Proposta de Classificação dos
Dialetos Galego-Portugueses" (p. 81-116), acompanhada de dois mapas.
Depois de expor e criticar as classificações anteriores (Leite de Vas-
concelos, Paiva Boléo-Santos Silva, Vázquez Cuesta-Mendes da Luz), de-
senvolve e justifica a "nova proposta".
Na sua 'opinião, convém de início simplificar o critério classificatório,
selecionando entre os vários traços distintivos uns poucos mais representa-
tivos; Adiante, aliás, apoiando-se em Antônio Badía Margarit, lembrará
que "é melhor adotar um só traço distintivo porém bastante significativo".
Preferiu ainda Lindley Cintra não isolar a Galiza, que é uma continuação
geográfica e lingüística da terra portuguesa. Surgiu daí uma classificaçã
tripartida nas seguintes grandes zonas: dialetos galegos; dialetos portu-
gueses setentrionais; dialetos portugueses centro-meridionais.
Nesta exposição-resumo vamos deixar de parte os dialetos galegos,
não só pelos motivos da separação política, mas também porque, como
vimos, outros autores (à frente o Dr. Leite de Vasconcelos) consideram
o galego não um dialeto e sim um co-dialeto do português.
Com a supressão dos falares galegos, verifica-se que o Prof. Lindley
Cintra distingue basicamente entre um falar do Norte e outro do Sul
(divisão geográfico-lingüística) distinção, que, diz, está na consciência
de todos os falantes portugueses mediana mente cultos e mesmo na
7 A tese anti-andaluzisla, quase unanimemente aceita após os trabalhos de de muitos não cultos. Na busca dos traços fonéticos diferenciado-
Henriquez Ureíia, c~as conclusões A. Alonso aceitou, foi basicamente rejeitada res, constata o Prof. L. Cintra que as fronteiras entre o Norte e o
em virtude da revisão crítica ~ que a submeteram Guilherme Guitarte ("Cuervo, Sul não são rígidas; as isófonas cruzam-se dentro de uma região que ge-
Henríquez Ureíia y Ia polémica sobre el andalucismo de América", in Boletin ralmente se deixa limitar pelo Douro, ao norte, e Tejo, ao sul. Isso leva
dei Instituto Caro y Cuervo, 1964) e estudiosos espanhóis e norte-americanos.
a pensar na distribuição Vázquez Cuesta-Mendes da Luz, onde, entre um
V. Coseriu, Current Trends in Linguistics, n9 4, dedicado à Lingüística Ibero-
Norte arcaizante (Minho, Douro e Trás-os-Montes) e um Sul mais ino-
-Americana e Caribe, p. 53-54 ~
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'''6 PREPARAÇAO A. LlNGUfSTICA ROMANICA CAPo 14 • DIALETOS ROMÂNICOS '47

vador (Estremaduracom Lisboa, Ribatejo, Alentejo e Algarve), se situa de sibilantes se reduz a duas, com prevalência das ápico-alveolares sobre
uma zona de transição, o Centro, formada pelas Beiras. as pré-dorsodentais. Neste 2.° grupo, o Prof. L. Cintra ainda individua-
E:, os traços fonéticos diferenciadores que o A. selecionou para opor liza o que chama variedade do Baixo-Minho e Douro Litoral - que tem
o Norte ao Sul (dialetos centro-meridionais): como centro urbano de maior importância a cidade do Porto -. e, carac-
1.0 - A troca do b pelo v, ou seja, o desaparecimento da oposição terizada pela ditongação das vogais tônicas fechadas, ou seja, ê em ie e
fonológica entre os fonemas /bl e /v/, confundidos num único fonema, ô em uo.
semi-oclusivo (traço característico do falar do Norte). Essa confusão não No português centro-meridional, também a clássica distinção entre
se dá nos falares do Sul. falares estremenhos, alentejanos e algarvios não pareceu satisfatória ao
29 - A pronúncia do s como x e do z como i. ou seja, a realiza- Prof. L. Cíntra, pelas mesmas razões que o fizeram rejeitar a antiga
ção do fone ma /sl como ápico-alveolar surda e do fonema Iz! como subdivisão dos falares do Norte, ou seja, o seu caráter predominante-
ápico-alveolar sonora (s beirão). Também é um traço do Norte. No Sul mente administrativo e não lingüístico. Propõe, então, uma separação
as sibilantes são pré-dorsodentais (uma surda outra sonora) . igualmente em dois grupos: 19 - dialetos do centro-litoral (estreme-
nhos-beirões) e dialetos ribateiano-baixo beirão-alentejano-algarvios (cen-
3.° - A pronúncia do ch como tch, ou seja, a existência também
tro-interior e sul). O traço fônico que os distingue é a monotongação do
ao Norte, de um fonerna africado lU. Note-se que o x é pronunciado
ditongo ei em ê, praticada ao sul do Tejo, Neste 29 grupo, distingue o
como Is! ( = xê ). No Sul o ch soa como lU isto é, xê.
Prof. L. Cintra uma variedade de Beira-Baixa e do Alto-Alente]o, cor-
4.° - A pronúncia do grafema ou como ditongo (o-u, â-u) e não
respondente a uma região que tem como principais núcleos urbanos Cas-
como ôfechado.
telo Branco e Portalegre, caracterizada foneticamente por uma profunda
A esses quatro traços característicos do falar nortenho, o Prof. L. alteração do sistema vocálico (palatalização da vogal tônica u em a, la-
Cintra opõe apenas um do falar do Sul - mas exclusivamente dialetal, bialização do é e do ê Outra variedade é a do ocidente algarvio ou
••• ).

pois não ocorre na língua padrão: a monotongação do ditongo ei em ê Barlavento do Algarve. Aqui se dá uma reorganização de todo o sistema
(realizado como âi na língua-padrão). das vogais tônicas, da qual o traço mais característico é a palatalização
De todos esses traços o Prof. L. Cintrâ ainda se.ecíonou um como do u em Ü.
primus inter pares: a realização da sibilante correspondente aos grafemas Essa, em largos traços, a proposta do Prof. Lindley Cintra. Como se
s e ss como ápico-alveolar ao Norte e como pré-dorsodental ao Sul. Traça vê, nas três classificações há divergências e concordâncias, talvez
então uma-isófona que parte da- Ria de Aveiro, próximo da foz do rio mais concordâncias que divergências. Cremos que novos estudos dialecto-
Vouga, desce aí em direção ao Mondego, de ónde caminha no rumo do lógicos, principalmente cartográficos, trarão em breve a síntese a que aspi-
Zêzere, contorna os maciços.mais altos da Serra da Estrela, até atingir a ram os filólogos portugueses e, com eles, os romanistas de modo geral.
fronteira política. Essa a linha mais importante que separa os dialetos
setentrionais dos centro-mlê.ridionais.
14.9 - Espanhol
Dentro desses dois grandes grupos, vê o Prof. L. Cintra· subdivisões,
que passamos a apresentar. Meyer-Lübke (Einiuhrung, p. 24) apresenta os seguintes dialetos para
o espanhol: ásturo-leonês, castelhano, aragonês e andaluz:
Em relação aos dialetos setentrionais, diz não aceitar a divisão tra-
dicional entre subdialetos trasmontanos, interamnenses e beirões (estes Os dialetos do espanhol (Meillet-Cohen, Les Langues du Monde,
parcialmente), porque as julga mais apoiadas em critérios adminisrativos p. 50) se repartem em três grupos que corresponem às três fases da Re-
do que lingüísticos. Propõe então 'Uma distinção entre dialetos do Alto- conquista do território aos árabes: ao norte, o asturiano, o aragonês, o
Minha e de Trás-as-Montes e dialetos do Baixo-Minha, do Douro e da Ieonês; ao centro, o castelhano; ao sul o andaluz:
Beira-Alta. Os dialeras do 1.0 grupo possuem em comum, como traços O castelhano serviu de base para o idioma nacional dos espanhóis
fônicos distintivos, um sistema' de quatro sibilantes: S e Z ápico-alveola- e hoje é simplesmente o espanhol.
res, correspondentes aos grafemas s e ss; e S e Z pré-dorsodentais, corres- A fala andaluza reúne todos os meridionalismos e se opõe à caste-
pondentes aos grafernas ce, ci, ç: e z. Nos dialetos do 2.0 grupo, o sistema lhana por ·uma série de caracteres que compreendem a entoação (mais
•..
148 PREPARAÇAO À lINGOISTlCA ROMÂNICA
CAPo 14 - DIALETOS ROMÂNICOS
149

variada), o ritmo (mais rápido), a força expiratória (menor), a arti-


J uan Manuel, séc. XIV; Jorge Manrique e a Celestina, séc. XV). O espa-
culação (mais relaxada) e a posição fundamental dos órgãos mais ele-
nhol dos sécs. XVI e XVII é o do siglo de oro: Garcilaso de Ia Vega,
vada para a parte dianteira da boca. A impressão palatal do andaluz,
Santa Teresa de Jesus, São João da Cruz, Luiz de Léon, Cervantes,
conclui Rafael Lapesa, contrasta com a gravidade do sotaque castelhano.
Gôngora, Lope de Vega, Quevedo, Calderón, Gracián. O período se-
Ainda há que considerar os falares da Estremadura e de Múrcia guinte é o do espanhol moderno.
(estremenho e murciano), que apresentam algumas peculiaridades dignas
Demos atrás o quadro lingüístico-geográfico da Península Ibérica,
de nota. O .estrernenho oferece uma linguagem em que se mesclam
inspirado no de W.J. Entwistle, The Spanisb Language, fronstispício.
traços leoneses e castelhanos; no murciano se cruzam influências. ara-
gonesas e valencianas.
Menção especial cabe ao judeo-espanhol falado pelos judeus sefar- 14.10 - Francês
dins expulsos da Espanha em 1442 e ainda vivo em várias localidades
da bacia do Mediterrâneo, particularmente em Monastir e Salonica nos Devemos distinguir entre os dialetos do francês do Norte e os do
Balcãs. Também é conhecido pelo nome de ladino (que não se deve con- francês do sudoeste (franco-provençal).
fundir com O rético). Trata-se de uma forma' arcaica do espanhol, onde São dialetos do francês do norte: o [ranciano, o normando, o pi-
se notam caracteres da linguagem do séc. XV: conservação do f inicial, cardo, o valão, o loreno, o champanhês, o borgonhês, o pictavino,
pronúncia do j como jê, sintaxe não evoluída. São dialetos do franco-provençal: o lionês, o [ranco-condês, o sa-
O espanhol da Idade Média é o espanhol arcaico (Cantar de Mio voiano .
Cid, séc. XII; Gonçalo de Berceo e Afonso o Sábio, séc. XIII; Juan Ruiz e O normando foi em 1066 levado para a Inglaterra, onde se desen-
volveu a variedade anglo-normanda, praticada nos meios aristocráticos
da Inglaterra e da Normandia. Misturados a elementos ingleses, o anglo-
normando se tornou um idioma compósito, principalmente depois que a
Normandia se separou da Inglaterra. Na Inglaterra dominou até o prin-
cípio do séc. XII. Depois seu prestígio começou a diminuir, mantendo-se
apenas na linguagem dos tribunais e da administração até o séc. XV.
Ainda hoje a língua inglesa possui grande quantidade de vocábulos
franceses.
O francês-padrão saiu do "francien", particularmente do francês fa-
lado na "Ilha-de-França", região circundada pelos rios Sena, Mame e
Oise. Aí ficava a cidade de Paris, que, em 987, se tornou a capital da
França, com a instalação da corte de Hugo Capeto. Paris era o centro
geográfico da França do Norte, onde se falava a langue d'oil; abaixo
do Loire, dominava a langue d'oc ou provençal. Essa causa e a política
se congregaram para dar ao francês da Ilha-de-França o primado sobre
Mdalu:z.\a os demais dialetos da Gália. Ainda no séc. XII o normando e no séc.
XIII o picardo ameaçaram a supremacia do francês de Paris. Mas, como
diz von Wartburg, a fala dessas regiões tinha qualquer coisa de extrava-
.. gante, de rebarbativo para os naturais de outras regiões. Foi principal-
mente evitando particularidades dialetais que a variedade do centro, da
I1ha-de-França e de Paris (portanto, por uma escolha negativa) reali-
zou a unidade lingüística (Evolution et Structure de Ia Langue Française,
p. 90). "Nos fins do séc. XV o francês suplanta na França do Norte
•..
150 PREPARAÇAO À LINGUISTICA ROMÂNICA CAPo 14 • DIALETOS ROMÂNICOS
1St

os dialetos no terreno da literatura e se difunde por todo o território passava mais ao Norte, indo da foz do Loire até os Vosges meridionais,
francês setentrional" (Vidos, Manual, p. 299). abrangendo também os falares de Poitou e Saintonge.
Hoje, com a expansão do francês de Paris, o provençal cada vez
14.11 - Provençal mais perde terreno. No séc. XIX, o Romantismo, fomentando a busca
de regionalismo, permitiu novo florescimento da literatura provençal,
Provençal é originariamente o nome da língua escrita dos poetas do que é mais alto exemplo o nome do poeta Frederico Mistral.
trovadorescos da Idade Média (sécs. XII e. XIII), pertencentes ao Sul São dialetos do provençal: o languedociano, o limosino, o alver-
da França (Arnaut Daniel, Bernart de Ventadorn, Bertran de Bom, niano e, numa posição singular, o gascão,
Giraut de Bornelh, Marcabru, Peire Vidal, Raimbaut de Vaqueiras e
outros) . 14.12 - Reto-românico

As línguas réticas se dividem em três grupos: o ocidental, o central


e o oriental.
O grupo ocidental se acha a sudeste da Suíça, no cantão dos Grisões.
A esse grupo se filiam cerca de 40.000 falantes. Apresenta o grupo
ocidental duas variedades essenciais: o sobresselvano e o engadino. O
romanche, nome que também se dá ao reto-românico ocidental, em
1939 foi declarado quarta língua nacional da Suíça.
O grupo central se encontra nas montanhas do Tirol, chamada
Alpes Dolomíticos. Rodeado de falares alemães ou italianos, o tirolês é
utilizado apenas por 12.000 pessoas.
Enfim, o grupo oriental está no Friul e se estende sobre ambas
as faldas do Tagliamento até o Adriático. Constitui hoje a província
italiana de Udine; no século passado, ainda se falava em Trieste. Hoje se
servem do friulano cerca de 400.000 pessoas.

14.13 - Italiano

Júlio Bertoni (Profilo Linguistico d' Itália, Modena, 1940) assim di-
vide os dialetos da Itália: I - Dialetos Setentrionais. II - Dialetos
Centrais e Meridionais. III - Dialetos Toscanos.
Essas três partições da Itália neolatina, diz, correspondem às gran-
des partições da Itália antiga. Constituem arrumação a que se atribui base
étnica. e
A linha que atualmente separa o provençal (langue d'oc, occitâ-
ico ) do francês começa na e-mbocadura do Gironda, descreve depois
JJ Na mesma obra (p. 11 e segs.) dá o mapa étnico da Itália antiga.
uma curva que passa
~ mais ou menos ao norte do Maciço Central, atra- Ao norte e oeste da península, localizaram-se os lígures, de origem
vessa o Ródano entrê Valência e Viena, para perder-se finalmente nos indo-européia; os celtas, no centro, de tronco indo-europeu, e os vênetos
Alpes (W. von Wartburg, hp
cito p. 60. V. também Paul Porteau, Deux a leste.
Etudes d'Histoire de Ia Langue, Paris PUF, 1962, nota 17). Mas ouus.
Na parte central e meridional ficaram os itálicos, de ramo indo-eu-
TOn, Gamillscheg e outros ~emonstraram gue, anteriormente, essa linha ropeu.
~
PREPARAÇAO À LINGOISTICA ROMANICA CAPo 14 - DIALETOS ROMÂNICOS
152 153

Os dialetos da Alta Itália são: a) os galo-itálicos que assim se língua escrita e literária. Todavia as discussões continuam e o prestígio
subdividem: lombardo, piemontês, ligure e emiliano-romanholo; b) os literário não foi suficiente para eliminar a vitalidade dos numerosos fa-
do grupo vêneto (com o veneziana, o paduano , o veronês e o ístrio). lares que ainda hoje cobrem o solo italiano.
Os dialetos do Centro e do Sul se falam no vasto domínio outrora A língua italiana literária é a língua do Trecento, que encontra em
ocupado pelos paleoitálicos. Nesse território distingue Bertoni três zo- Dante, Petrarca e Boccaccio os seus definitivos sustentáculos. Fixada
nas: uma zona extrema, que compreende a Sicília, a Calábria e a Pe- gramatical e ortograficamente, resta a questão da pronúncia, em que são
nínsula da Apúlia, na parte meridional; uma outra zona abraça a Apúlia magnae partes Roma e Florença. A partir dos últimos anos do Cinque-
setentrional, a Lucânia, a Campânia, a Molissa e os Abruzos; a terceira cento surgiu um aforismo conciliador: "língua toscana em boca romana".
zona é constituída pelo Lácio, pela Úmbria e pelas Marcas.
A seguir uma apresentação geográfica dos dialetos italianos:
São dialetos da Itália Central e Meridional: o umbro-romano, o
marquesano, o abruzo-molissano, o lucano, o campânio, o apuliano, o
siciliano e o sardo do Norte. Istria
e LOlTlbardia
o~••.
.
Ao grupo dos dialetos toscanos pertencem: o dialeto florentino; os
dialetos pisanos, luqueses e pistoieses o dialeto senês e os dialetos aretinos.
A preeminência do que hoje se denomina "língua italiana" se deve
~·e~
Ligúria
V
a causas literárias. Quando Dante, em busca do volgare illustre, optou
pelo toscano- (florentino), lançava o idioma literário que se iria tornar,
graças ao prestígio do seu gênio, a língua-padrão do povo italiano.
Pouco depois Petrarca (1304-1374), nascido em Arezo, mas de família
florentina, com as suas Rimas, e Boccaccio, nascido por acaso em Paris, ~
mas de pai toscano (cedo, aliás, voltou a Florença), com o Decameron,
consolidavam, utilizando-a magistralmente, "a língua literária criada por
Dante. Na prosa, coube ao famoso cardeal Bembo fixá-Ia, embora num
sentido um tanto arcaizante, e mais tarde (1587) a célebre Academia
della Criisca se converteu na guardiã e defensora da integridade da

8 Essa opção foi mais prática do que teórica. Eis o que diz, a respeito Ta-
gliavini (Le Origini, p. 312):
"A língua literária itali;na, que se vem formando nos séc. XIII e XIV, tem
por base o toscano, particularmente o f1orentino. 'Causas de caráter geográfico e
histórico fizeram com que o "volgare tosca no" prevàIecesse sobre os outros vul-
gares da Península, os quais já começavam a afirmar-se em diversas regiões, mas
foram principalmente razões de caráter literário, e especialmente o prestígio dos
três grandes toscanos do Trecento (Dante, Petrarca, Boccaccio) que decidiram o
seu absoluto predomínio. 1':: sabido que: Dante· tinha, pelo m-enos para a poesia, 14.14 - Sardo
um ideal lingüístico bem diverso; ele buscava a formação de uma koinê italiana
que tomasse de cada vulgar o que de melhor possuísse; sonhava com uma língua
da corte para o italianb do tipo do provençal, um idioma que não fosse nenhum o sardo não possui língua escrita. Lingüisticamente está a Sardenha
dos "volgari" da Itál:if, os quais, por uma razão ou outra, conforme lhe parecia, dividida em três zonas: a meridional a central e a setentrional.
não estavam aptos pata ::Issumir a honra de língua literária, e muito menos o tos-
cano (o capo XII do livro pripleiro do DI' Vulgar! Eloquentia tem, nos códices Ao sul fala-se o campidanês e, no centro, o grupo de dialetos arcai-
Vaticano e Trivulziano, o título Quod in quolibet idiomate sunt aliqua turpia, sed
pro ceteris tuscurn eSI turpissimumy . Mas da teoria à prática a diferença é muitas
zantes conhecido pelo nome de logudorês. Os dialetos do norte muito
vezes assaz grande e Dante, contrário em teoria ao uso do tosca no, escreveu num se aproximam do falar da Córsega e por isso se devem capitular como
florentino temperado e contribuiu desse modo mais do que qualquer outro italiano
para fazer tal dialeto toráar-se "a língua literária de toda a Itália." dialetos italianos: são o sassarês a oeste e o galurês a leste.
CAPo 14 • DIALETOS ROMANICOS 155
154 PREPARAÇAO À LINGOrSTlCA ROMANICA

Subdivide-se o catalão oriental em: catalão central (ou barcelonês),


14.15 Romeno
balear, rossilhonês e alguerês,
o domínio lingüístico romeno se divide em três regiões territorial- Por sua parte o catalão ocidental compreende o leridano e o va-
mente afastadas. A i.a constitui o daco-romeno, a mais importante das tenciano,
três. Consta do daco-romeno ou valâquio, que serviu de base para a lín- Dois traços fonéticos importantes separam o catalão oriental do
gua literária, ao sul; a leste, o moldava, também falado na Bessarábia e ocidental. O primeiro diz respeito ao tratamento de a, e átonos de um
na" Bucovina; a oeste, o transilvano. lado e de outro ao de o, u, também átonos. No cat. or. a e e átonos se
A 2.a tem o nome de mácedo-romeno (300.000 falantes), fala de confundem em e, e o e u átonos se unificam em u; ao passo que, no
sabor arcaico que não desenvolveu quase uma literatura. Estende-se pela cat. oc., a se distingue de e átono e o de u átono.
Albânia e, principalmente pela Grécia (Macedônia, Tessália, Epiro). O segundo traço fônico refere-se ao tratamento do e tônico e fecha-
A 3.a e menos importante
o istro-romeno (3.000 falantes), forte- do do lat. vlg. (e e í do lat. c\áss.) ,que evolui para e aberto no cato or.,
mente eslavizado. Perto de Salonica, ainda há que registrar o meglenita. mas se mantém de timbre fechado no cat. ocidental.
O romeno só começou a desenvolver uma literatura na segunda me- As diferenças dialetais no domínio catalão não são, porém, gran-
tade do séc. XVI. Com o nome do diácono Cores i, temos dessa época des; daí a notável unidade do catalão literário, em que, apesar de tudo,
uma tradução dos Quatro Evangelhos e em 1577 um Saltério, obras es- predomina a variante barcelonesa.
critas no dialeto da Valáquia.

14.16 - Oalmático

O dalmático é o romanço da antiga província da Dalmácia. Começa


a ser documentado a partir do séc. X e desaparece em 1898, na sua va-
riedade dita velhoto (ilha de Velha). •..
Outro dialeto, o ragusano, extinguiu-se no séc. XV.
Hoje permanece apenas em topônimos e" como substrato de dialetos
croatas. -
...
li
I~
14.17 - Catalão

O catalão é a língua da Catalunha. Por ocasião da Reconquista, es-


tendeu-se até Valência e às Baleares. Durante a Idade Média desenvol-
veu uma língua escrita (sécs. XIII, XIV e XV), que se impôs ao Sul
da Itália, quando foi do domínio sobre Nápoles, e a Sicília. Dessa ex-
pansão o último vestígio é a cidade de Alguero, na Sardenha. O catalão
começou no séc. XV a sofrer concorrência do castelhano, como Iíngu-
escrita. No séc. XDÇ, mercê dasxtendências regionalistas do Romantismo,
houve um reflorescimento do catalão como língua literária.
Agrupam-se 0\
dialetos catalães em duas subunidades: 9 dialetos ori-
entais (ou catalão oriental) "e dialetos ocidentais (ou catalão ocidental).

9 V. Badía Margarit, Gram . Hist . Cat.,


•..
1>. 65 e segs.
CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROM.lNICAS
157

De acordo com a duração, as vogais (tanto as tônicas quanto as


átonas) podiam ser longas ou breves; as longas valiam por duas breves
(unidade de duração: a mora). Pela quantidade os romanos distinguiam
as significações lingüísticas, quer dos radicais (lexemas), quer dos su-
fixos ou f1exões (morfemas). Assim, pela quantidade, ás, osso, diferia de
õs, boca; mãlum, maçã, de mêlum, desgraça; põpulus, álamo, de pôpulus,
Capítulo 15
povo etc. Gramaticalmente também não se confundiam, p. ex., rosã, nom.
"a rosa" e rosê, abl. "com a rosa"; lêgit, preso "lê" e lêgit, preto perf.
"teu" .

Caracteres 'Gerais das Línguas Romanicas. Não se tratava de distinções mantidas artificialmente por gramáticos.
Cícero nos diz que, no teatro, a platéia vaiava os atores que errassem
na quantidade: "At in iis si paulum modo offensum est, ut aut contractio-
1- Fonologia De breuius fieret aut productione longius, theatra tota reclamant" (De
Ora/ore, m, 196).
No entanto, é certo que essa oposição quantitativa se perdeu no
15.1 - Assentadas todas no latim vulgar, mas divergentes na sua evo- latim vulgar, primeiro nas átonas, depois nas tônicas. Tem-se atribuído
lução, quer em decorrência da distância cronológica na fase da romaniza- tal perda ao fato de não possuírem os povos de várias das regiões con-
ção, quer por influência de substratos ou de superestratos, as línguas ro- quistadas esse fino recurso de ordem fonológica. Para o Norte da África
mânicas se constituíram ao longo do tempo sob pressões várias de ordem ficou-nos o testemunho de Santo Agostinho (354-430), para quem "as
política ou econômica e assumiram a feição literária e nacional que hoje orelhas africanas não distinguiam entre vogais longas e breves": "Cur
conhecemos. Depreender os traços gerais que cada uma adquiriu em píetatis doctorem pigeat imperitis loquentem, ossum potius quam os di-
oposição às suas irmãs, já que a base comum latina as identifica em cere, ne ista syllaba non ab eo quod sunt ossa, sed ab eo quod sunt ora
pontos essenciais, é o objetivo do presente e do último capítulo. Seguire- intelligatur, ubi Afrae aures de correptione vocalium uel productione non
mos a disposição tradicional da matéria: fonética, mo rfologia, sintaxe e iudicant" (En. in Psalm., 138, 20).
vocabulário.
Para Lausberg, a desaparição da correlação de quantidadde seria
devida ao substrato osco-umbro (v. Jorgu-Manoliu, I, 130, nota 9).
- Convém distinguir o tratamento das vogais do das consoantes, Grandgent dá o séc. Hl como aquele em que teria ocorrido a perda
isto é, estudar à parte vocalisliu» e consonantismo.
da quantidade nas átonas; nas tônicas o fenômeno só se consumaria no
decorrer do séc. VI. Mas o processo foi longo, e há exemplos' epigráficos
15.2 - Vocalismo
de confusão quantitativa anteriores a esses séculos (em Pérnpéia, p. ex.).
A quantidade foi substituída pela qualidade ou timbre. Segundo
Ocupar-nos-emos primeiro com as vogais tônicas e depois com as
átonas. Meyer-Lübke, durante o séc. I de nossa era, as vogais longas (com
exceção de a) pronunciavam-se como fechadas e as breves, como abertas.
15.2.1 - VOGAIS TÔNICAS Já se lembrou que essa era a situação fonética normal no antigo osco-
umbro (Centro e Sul da Itália), mas Vidos pondera que há uma espécie de
Eram cinco as vogais latinas, cuja articulação muito devia tendência geral em várias línguas, pertencentes a famílias genealogica-
aproximar-se das corlesp<,nden;es em língua portuguesa: a, e, i, o, u. mente diversas, que leva a pronunciar abertas as vogais breves e fechadas
as longas.'
Essas vogais possuíam, porém, uma qualidade fonológica, irrelevante
em nossa língua, mas; em latim, importante: a duração (também chama-
da quantidade).
•.. 1 Manual, p. 179 .

I
CAPo IS . CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROM.lN1CAS 159
158 PREPARAÇAO À LINGUISTICA ROMANICA

Exemplifiquemos com a língua portuguesa (as formas latino-vulgares


Deve-se, porém, notar que, no latim vulgar, se criou uma nova quan-
são dadas em acuso sing. já sem o -m final):
tidade: nas síladas abertas (isto é, não travadas por consoante ou semi-
vogal), as vogais eram pronunciadas como longas e nas síladas fechadas pãce > paz, rnãre > mar, téla > teia, déce > dez, tttu >
(isto é, travadas por consoante ou semivogal) eram breves. Essa hipó- > fio, tõtu > todo, rõta > roda (ó ), lüna > lua, síccu >
tese é necessária para explicar o fenômeno da ditongação românica: 'as > seco, lüpu > lobo (ô) ,
vogais longas decompuseram-se, gerando ditongos, o que, em geral, não Como se vê, o português conserva bastante bem as vogais latinas.
aconteceu com as breves. No entanto, observe-se que, em espanhol, vo- Não se verificou, p. ex., o fenômeno da ditongação, tão comum em ou-
gais em sílaba fechada (portanto, breves) também se ditongaram. Para o tras línguas românicas."
filólogo Ten Brink, quando a sílaba era' fechada, a vogal longa tendeu As línguas do Sistema I que ditongam são o espanhol, o francês e o
a abreviar-se (caso, p. ex., de têctum > têctum'[, o que teria impedido italiano. As vogais passíveis de ditongação são oE « ê, é, i) e o O «
a ditongação. (ó, õ, i). O português, o catalão e o provençal não ditongam.

- A pronúncia das breves como abertas e das longas como fe- O italiano só ditonga E e O originariamente breves e exclusivamente
em sílaba aberta. O espanhol também só ditonga E e O originariamente
chadas (associado o fenômeno ao do desaparecimento da quantidade)
breves, mas tanto em sílaba aberta quanto fechada. O francês ditonga
levou a uma aproximação entre i (isto é, i aberto) e é (isto é, e fecha-
E e O originariamente breves ou longos, mas apenas em sílaba aberta.
do), no domínio das vogais palatais; entre ti, (isto é, u aberto) e (isto é. õ

Segue-se exemplificação:
o fechado), no domínio das vogais velares. Quer dizer que essas vogais,
distintas no latim clássico, passaram a confundir-se num só valor no la- a) italiano: pêtra > pietra; [õcu > fuoco.
tim vulgar, ou seja i e é convergiram para um som e fechado e, paralela- b) espanhol: pêtra > piedra; festa > [iesta; [õcu > [uego
mente, ti, e õ confluíram no mesmo latim vulgar para o fechado. [õrte > [uerte.

Todavia, essa situação, ainda que bastante ampla, não foi geral. Hou- c} francês: pêtra > pierre; têla > toile; [õcu > teu; jlõre >
ve regiões da România em que tal não se deu. Daí a distinção necessária jleur ..•

entre mais de um sistema vocálico no latim vulgar. Em francês, o a se conserva como tal em sílaba fechada, mas, em
sílaba aberta, passa para e. Ex.: parte > part, mare > mero
15.2, 1 . 1 - Seguindo a orientação de Lausberg, distinguiremos tam- Esse tratamento não se dá em provençal, língua de certas regiões do
bém quatro sistemas vocálicos
.•. \m toda a România. Sul da França, hoje bastante decadente. Daí que em provo mare > mar,
como parte > parto
Nesse particular, o provo (e com ele o catalão ) mais se aproxima
SISTEMA I
das línguas da Ibero-Rornânia (português, espanhol) do que das da
Galo-Rornânia, em especial 'do francês do Norte, ou francês propria-
o sistema a que nos acabamos de referir. O mais extenso de todos.
mente dito.
É

Compreende a Ibero-Rornânia (português, espanhol, catalão ), a Galo-


Em francês moderno, nem sempre o timbre da vogal tônica corres-
România (Irancês.. provençal), a Reto-Rornânia (dialetos réticos), a ponde à primitiva quantidade do latim clássico. Houve uma reestrutura-
ltalo-Rornânia (com' exceção da.Sardenha e do Sul e Leste da Lucânia)
~
c a antiga Dalmácia.
~ ,2 "No que diz respeito ao caráter conservador do português em relação ao
Caracteriza o Sistema.} (também chamado "itálico" ou "do latim espanhol e também a outras línguas românicas, todas as vogais latinas perma-
vulgar"), a confusão entre i breve e e longo, de um lado, entre u breve necem sem mudança em português" (Vidos, Manuale, p ." 385.)
e o longo, de outro. As demais vogais breves foram tratadas como aberta! s V. no fim da parte referente à Fonologia um apêndice sobre a dítongação
e as longas, como fechadas. D a, longo ou breve, deu sempre a aberto. românica.
~ 1I

160 PREPARAÇAO À LINGOISTICA ROMÀNICA


CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LINGUAS ROMÃNICAS 161

ção das qualidades vocálicas.' Assim é que um e em sílaba fe- Na verdade não se sabe sequer se o gaulês possuía o fonema ü; ape-
chada no fr. atual se pronuncia com timbre aberto, qualquer que tenha nas "supõe-se", porque se nota em falares célticos atuais (como o irlan-
sido a primitiva qualidade vocálica. Ex.: mer « mare), [ête (ant. [este
dês) uma tendência para alterar u em i. A opinião de Elcock (The Ro-
<testa), elle «illa), [er «flrru), vert «viride).
mance Languages, 192-3) é a de que: "Não há, todavia, evidência di-
Como vogal final (pode estar seguida de consoarite atualmente muda), . reta que suporte a hipótese de uma pronúncia gaulesa intermediária [y];
é geralmente fechada: pied, -are ;» -er, -atu > -é (ou seja, ê). o som é de fato mais característico do germânico do que do céltico.
Nas mesmas condições, o o é sempre fechado: mot, dos. Várias outras objeções têm sido levantadas contra a atribuição dessa mu-
No interior das palavras, o é fechado antes de -z (chose, p. ex.) e dança à influência de um substrato céltico; nada obstante, considerando-
aberto antes de -r (mort, p. ex.). Note-se ainda que, quando é breve, se a coincidência de sua extensão geográfica com a do primitivo falar
é aberto tpomme, p. ex.) e, quando é longo, é fechado (côte), céltico, é essa talvez de todas as atribuições a menos improvável."
A queda de um s interno, quando seguido de outra consoante, levou Há outra explicação, de caráter estrutural, que se pode ler em Hau-
ao alongamento da vogal anterior: [êsta > *feete, cõsta > "coote. Esse dricourt-Juilland, Essai pour une Histoire Structurale du Phonétisme Fran-
alongamento produziu uma vogal aberta, no caso da palatal (e), e uma çais (1949), p. 108 e segs.
vogal fechada, no caso da velar (o). Daí [ête (é), mas côte (ô). O acen-
Observam esses autores que o espaço articulatório ocupado pelas
to circunflexo na grafia francesa indica o alongamento e não o timbre
quatro vogais palatais (a, é, ê, i) é bem mais amplo que o reservado às
da vogal (alongamento, aliás, em vias de desaparecimento).
vogais velares (a, 6, ô, u). Há, pois, uma tendência de avançarem as vo-
gais velares sobre o espaço articulatório das palatais e esse avanço teria
15.2.J. L - O domínio galo-românico (francês, franco-provençal,
sido levado a efeito pelo u, ou seja, pela extrema vogal velar. Palatizan-
provençal e outras áreas menos importantes) apresenta um fenômeno
fonético bastante característico: a passagem de ü a ü. do-se, isto é, caminhando na direção do i, a velar u teria adquirido par-
cialmente a articulação do i, de onde tornar-se Ü. Adiantando-se porém,
"Como a grafia, desde os tempos latinos até os nossos dias, foi sem-
na sua articulação, o ü deixou vazia a casa anteriormente ocupada, a qual
pre u, fica difícil determinar a época da transformação ou em que se
teria sido preenchida pelo o, que passou a articular-se como u. Deve-se
veio a ter consciência dela. Todavia, a passagem de ft a ü não deve ser
anterior ao séc. VII".' notar que essa passagem de o fechado para u, deu-se em francês somen-
te em sílaba travada (cõrtem > cour). Em normando, porém, como
Tendo-se em vista a forte influência do substrato céltico sobre os fa-
se sabe, essa passagem para u, tanto se deu em sílaba livre como travada.
lares galo-românicos, o lingi\!sta italiano G. I. Ascoli, numa de suas fa-
Cfr. 'flõre > fleur (fr.), flur (norm.).
mosas "lettere glottologiche" (1881), aventou a possibilidade de um
influxo étnico ou de substrato para explicação do fenômeno. Vários lin- E aqui reside a primeira dificuldade para a explicação estrutural ex-
güistas, porém, se opuseram e se vêm opondo à hipótese substratista, um posta acima: "Por que o teria ocupado o posto de u apenas em sílaba
dos primeiros Meyer-Lübke. Um dos pontos mais debatidos é a cronolo- travada?"
gia do fenômeno. Já Meyer Lübke observarã que a fonema /k/ (gra- (Para outros aspectos do problema, Vidos, Manual, p. 141-2).
fado c) se comportara antes de u da mesma forma que antes de o (vogais E as conclusões dos autores divergem bastante. Von Wartburg, p. ex.,
velares; cfr. collu > col), o que mostra que a passagem para ü foi muito assim se expressa:
posterior à época do influxo gaulês. Tódavia, esse argumento não é tão A questão da origem gaulesade ü < ü há de resolver-se da se-
forte como poderia parecer, pojs, embora velar, poderia o u já se achar a
guinte maneira: os gauleses pronunciaram o ü com um matiz pa-
caminho da sua palatalização.
latal, da mesma forma que no ramo britânico do celta insular o u
se tinha palatalizado em ü bastante cedo, segundo Pedersen, I,
• A esse respeito, v. Lausberg, lingüística Românica, I, § 186. 49, 207, já antes da introdução dos empréstimos latinos (portanto,
5 V., p, ex., Vidos, Manual. p. 203; Von Wartburg, Evolution et Structure, quiçá antes dos sécs. I e 11, pouco ou menos). A palavra apa-
p, 22. rentada desde cedo com o lat. cülus soa também em címbrico
162 PREPARAÇÁO À LINGOISTICA ROMÂNICA CAPo IS • CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMANICAS 163

cil, em córnico chil, em bretão kil; ao passo que os empréstimos Do fem., provavelmente por analogia com o tipo porco/porca/porcos, o
tomados do lat. murus pronunciam-se mur em todas as partes. o aberto passou para o pl. É somente a analogia que poderá explicar a
Não é necessário que esta tendência palatalizante na formação do perturbação da regularidade no tratamento fonético (Lausberg, Ling.
u se tenha realizado com igual intensidade em todo o território Rom., I, § 195).
habitado pelos gauleses, seria estranha tal coincidência num terri-
tório tão extenso e tão pouco coerente. A isso acrescente-se que as SISTEMA II
consoantes vizinhas, em parte impediram a mudança ou em parte
a estimularam. Por isso a tendência não se realizou com iguais 15.2.1.4 - E também chamado "sistema arcaico", porque conserva
conseqüências em todas as partes. Porém é inegável ali onde os gau- um estado de coisas mais antigo. O sistema arcaico é próprio do sardo,
leses residiram em grandes massas (La Fragmentación, 67.) do Sul da Lucânia na Itália e deve ter sido o do antigo latim africano.
Tagliavini também se inclina, embora moderamente, por um subs- Também as palavras latinas que penetraram no basco (furca > urka)
trato céltico: "Tudo somado, poder-se-ia admitir, ainda que _com reser- revelam vocalismo sardo-africano.
va, que a presença de ü nos territórios românicos de substrato céltico se
deva a uma tendência de origem gaulesa a -qu'al se manifesta no campo 15.2.1.5 . Caracteriza-se o SistemaII por dar preeminência à quan-
neolatino da mesma forma que o campo germânico de substrato gaulês tidade sobre o timbre. Isto é, o timbre aberto do i breve, p. ex., não o
(holandês), conquanto não se possa excluir a possibilidade de desenvol- aproxima do timbre fechado do e longo, como se dá no Sistema L O i se
vimentos independentes" (Le Origini, 99). mantém como i, continuando-se provavelmente a distinguir entre i longo
e i breve, o que levaria a crer tivesse a Sardenha se conservado fiel du-
15.2.1.3 - Em português também às vezes não ocorre exata cor- rante um espaço maior de tempo ao sistema quantitativo latino. Toda-
respondência entre a quantidade da vogal latina e o timbre atual. Deve-se via, não é essa a doutrina corrente. Em Iorgu-Manoliu, p. ex., lê-se: "Na
isso a um fenômeno de harmonização a distância chamado metaionia, Sardenha, a quantidade perdeu-se muito cedo"." Neste particular, de
muito importante em nossa língua materna." Em conseqüência desse grande importância, aliás, o sardo, ao contrário da doutrina vigorante,
fenômeno, primitivos e e tônicos passaram, a e e o fechados (e n~o aber-
õ
ter-se-ia mostrado inovador e não conservador. Observação que já fi-
tos, como seria foneticamente normal), quando na sílaba final existe um zeram Haudricourt-J uilland:
- U. Ex.: pôrcu > pôrco, mêtu > mêdo.
Todavia no fem. (final em -a) e no pI. (final em -os), o timbre do Nossa teoria da gênese dos sistemas vocálicos românicos su-
e do o se apresenta normalm:nte aberto: porca, porcos, corvos, fogos, gere, de outra parte, que a doutrina corrente que opõe o sarda,
cadela' « catêüa ; . como o mais conservador dos idiomas românicos, ao franciano,
No entanto, ferru > ferro (é). como o mais inovador, deveria ser invertida num ponto assaz
fundamental. Com efeito, essas caracterizações não são válidas se-
Um iod postônico também fecha o timbre de um e breve. Ex.: super-
não na medida em que o desaparecimento precoce da quantidade
bia > soberba (ê), ceresia > cereja (ê ), nêruiu > nervo (ê ), sêdeam
fixou em românico insular um estágio mais antigo do vocalismo
> * sedia > seja (ê).
latino-vulgar, ao passo que seu desaparecimento tardio fixou em
Um { sob a influência de um i final passou a i. Ex.: uêni > vim, românico ocidental um estágio mais recente. Mas, considerando-se
f{ci > fiz. os sistemas vocálicos do ângulo evolutivo, do ponto de vista do fe-
.o o longo do suf. -õsus passou' regularmente a -oso (ô). No fem., po- nômeno que cristalizou sua estrutura, o
contrário é antes verdadei-
rém, o o se abriu, talvez por ação do -a final, como pensa Williarns." ro. Com efeito,. é sem dúvida o franciano (e, com mais forte razão,
o franco-provençal) que deveria ser caracterizado como '0 idioma
n Consulte-se, p. ex., Seráfim da Silva Neto, História da Língua Portuguesa. mais "conservador" na medida em que foi ele que conservou du-
p, 190 e segs ,
7 Do Latim ao Português, 38,7. WiIliams também inclui jõrma > forma
(ó). Mas [ôrma deu fôrma; forma é um cultismo. 8 Manual, I. pág. 132.
!, •
164 PREPARAÇAO À LINGUISTICA RoMANICA CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LINGUAS ROtAANICAS 165

rante mais tempo a quantidade vocálica, ao passo que o sardo Os exemplos que acabamos de dar para o romeno mostram certa
aparece como o mais "inovador" na medida em que foi o primeiro discordância, quanto ao timbre vocálico, relativamente à correspondência
a abandonar a quantidade. apresentada no número anterior. que houve uma reorganização se- É

cundária de algumas qualidades vocálicas, como passaremos a mostrar:


Não houve, pois, no sistema "arcaico" confusão de qualidades vocá-
Iicas em virtude da perda da oposição quantitativa. Decorreu daí a se- O õ seguido de i ou u na sílaba final passou a ter timbre fechado.
guinte situação:
Ex.: põrcu > "porcu > pore (ô), põrci > porei (ô).
ã, ã> A; e, e > E; '1:,í > I; O, õ> O; U, ü > U. Ex.:
Todavia, o O proveniente de o longo ou breve quando seguido d
pugnare> punnare, > hêrba > erva (é), catenã > katena (é), pIra >pira, sílaba final com a ou e gerou o ditongo oâ. Ex.: [ormõso > [rumoasã
f'ilu > filu, r õta ;» rota (6), sõle > sole (ó), nuce > nughe, müru > muru. grossa > çroasã, pôroa > poarcã, sole> soare, rota > roatã, nostrae >
noastre,
Pelo quadro acima se pode verificar que não há exata correspon-
dência entre a quantidade da vogal latina e o respectivo timbre, aberto Quanto ao E proveniente de e ou l, o tratamento é o seguinte: con-
ou fechado, como se dá no Sistema I. .B que existe em sardo uma ação serva-se como e fechado, se na sílaba final houver i ou u; abre-se no di-
metafônica semelhante à já vista para o português: i e u em sílaba final tongo ed, se na mesma sílaba ocorrer e ou a. Ex.: dirêctu > drept, n'lgru >
fecham o timbre de um e ou o tônicos. Ou, nas palavras de Max Leopold neçru, n'ígri > negri; mas: dirêcta > dreaptã, nigra > neagrã.
Wagner: "O timbre das vogais tônicas e e o depende em sardo das vogais
seguintes. Pronunciam-se fechadas antes de i e 11 originários e abertas Em relação a~ provindo de e ou ae, deu-se a ditongação. Se a sí-
antes de outras vogais.'? laba final continha i, ou u, gerou-se o ditongo ie; mas, se continha as
vogais a ou e, formou-se o ditongo iá. Este ditongo evoluiu posterior-
Ex.: caelu > kelu (ê), uêni > veni (ê), dêcem > deke (é), SOCTU > mente para ie em caso de e na sílaba final. Ex.:
> sokrú (ô), nOuu > novu (Õ), nouem > nove (6).
[êrru > [ier , pêctu > piept, hêri > ieri
SISTEMA lU
pêira > piatrã, terra > *tiara > lsara
15.2.1.6 - .f:. também conhecido como o "sistema de compromisso". petrae > piatre > pietre; [ele, mele, > [iere, miere.
Vem-me o nome do fato de "'adotar para a~ vogais palatais o "sistema
itálico" ou "Sistema I", nõ qual, como vimos, i breve e e longo se fun-
dem num só valor vocálico, o e fechado; ao passo que, nas vogais vela- SISTEMA IV
res, prevalece o sistema arcaico, quer dizer, u breve mantém-se como
u e não se confunde com o longo. O sistema ~e compromisso é próprio I 5. ~. I .7 - f: também chamado "Sistema do Siciliano", Pertencem a
da Lucânia oriental e do romanço balcânico, em particular do romeno.
esse sistema a Sicília, a Calábria (com exceção da faixa norte, que se
Temos, pois, neste sistema: prende ao sistema do sardo) e o Sul da Apúlia. Caracteriza tal sistema
forte tendência para o fechamento de e e o longos, que acabaram
ã, ã > a; e > é; ê, 1: > ê; í > i; õ, o > 6; ü, U > u. por se confundirem, respectivamente, com i e u. Temos, assim, nesse sis-
Ex. (para o romeno): tema o seguinte resultado:

,
aqua > apã, [êle ~ jt"'ere, siêllae > stele, fiíride > verde, [ilú
> pore, [ormôsu > [rumos, crãce > cruce, lüna > lunã.
> [ir , p õrcú
Ex.: e, i, í > i; ã, ã > a; s, U, a > u; e > é; o > ó:

stêlla > stilla, viride > virde, fílu > filu, [êle > fele (é), nepõte > nipute,
• IA Língua Sarda".p. 31Q. crüce > cruce, miiru > muru, õcto > ottu (6).
<-

--------- ••• ---- __ ••••• ,..; •••••• : ••••••••.;;s••--.:;fí*'õffi.:;:;o;,~ L I~LürUl·i_i--I:i1_i·ti.dfi '"iii,t-,fi'-(fi"(:(i-, ii ii i i i i' i i i i i ri nn ii rrfi i "' 11' i i i-i' H-f-i i-I '-i i jSff'i i I i i I i i i 1 i I iffT11 f '"'iM'rn I
PREPARAÇAO À LINGOISTICA R9MANlCA CAPo 1 S • CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMÂNICAS 167
166

Como nessas regiões foi acentuada a influência de um adstrato Nas outras línguas, o i final, longo ou breve, tem o mesmo destino
e mesmo de um substrato grego, tem-se atribuído essa maior tendência do e final.
para o fechamento das longas à presença desse elemento estrangeiro. O O final conserva-se em sardo, italiano, português e espanhol.
No romeno sofre apócope. Cai sistematicamente em francês, catalão e
15.3 - Vogais átonas provençal. Em português também há casos de apócope de o. final. Em
francês pode conservar-se como e, para servir de vogal de apoio.
15.3.1' - Têm, nesse particular, maior relevo o tratamento das áto- O U final, longo ou breve, conserva-se em sardo; nas demais lín-
mas postônicas e o das átonas finais. guas tem o mesmo destino do o final. Ex.:
ROTA > rom. roatã, it. ruota, sd. roda, fr. roue, cat. roda, ptg.
15.3.2 - As átonas postônicas estão sujeitas a síncopes fre-
roda, esp. rueda.
qüentes. No entanto, nesse particular, há línguas em que elas resistem
LEVARE > rom. luare, it. levare, sd. leare, fr. lever, provo levar, cato
mais do que em outras: quanto mais intenso o acento espiratório (caso
do francês), tanto mais débeis as vozes postônicas. O italiano, o sardo llevar, ptg. levar, esp. llevar.
VIGINTI > it venti, sd. vinti, fr. vingt (fr. ant. vint), cat. e provo
e o romeno conservam-nas quase sempre; o francês, o provençal e o
catalão tendem a eliminá-Ias; o português e o espanhol ocupam, por as- vint, ptg. vinte, esp. veinte.
CABALLU > it. cavallo, sd. caddu, rom cal, fr. cheval, provo caval,
sim dizer, posição intermediária. A queda da postônica leva à supressão
dos proparoxítonos. Ex.: cat. cavall, ptg. cavalo, esp. caballo.
Para o ptg. cfr. LlNTEOLU > *lentyolo > lençol.
DUODECL\-l > it. dodici, fr. douze, provo e cato âotze, ptg. doze, esp.
DITONGOS
doce; HEDERA > rom. iedera, it. edera, fr. lierre (Ia hedera), provo elra,
cat. eura, ptg. hera, esp. hiedra; ARBORE > rom. arbore, it. albero, fr. . 15.3.4 - Havia no latim três ditongos: ae, oe e au.
arbre, cato e provo arbre, ptg. drvore, esp. dr./Jol; FRAXINU > rom. frasin,
it. frassino, fr. [rêne, provo fraise, ptg. freixo, esp. [resno. O ditongo ae cedo se reduziu a e, que deve ter sido pronunciado
aberto. Criou-se assim um fonema e longo e aberto, o que destoava do
15.3.3 - Quanto às vogais finais, a língua que melhor as conserva sistema vocálico do latim vulgar, como observa Lausberg. Esporadica-
é o italiano. Segue-se o sardo e logo depois p romeno, com alguns casos mente ae passou a e (e fechado). Cfr. em ptg. saeta > seda. O mesmo
de apócope. O francês (e também o provençal e o catalão) é a língua em it. (seta) e em fr. (soie).
que menos conserva as võgais finais. O português e o espanhol estão, O tratamento normal do ditongo ae, porém, é igual ao de e (como
novamente, em posição intermédia. em dêcem, p. ex.). Ex.: caelu > ptg. céu, esp. cielo, fr. ciel, it. cielo,
O A final conserva-se em todas as línguas românicas, menos no fr., rom, cer.
onde passa para e (o chamado e mudo). E~ catalão escreve-se a, mas a O ditongo oe também se reduziu a e, mas com timbre fechado. O
pronúncia é semelhante ao do e mudo francês. Em romeno, produziu- seu destino foi, portanto, o mesmo de e longo e fechado. Ex.:
se um fonema ú, menos nítido que o a. poena > ptg. pêa (arc.), esp. pena, fr. peine, it. pena.
O E final conserva-se em sardo, italiano e romeno; cai em francês,
O ditongo au tendia, desde o latim vulgar, a confundir-se com o
provençal e catalão. ·Em português e espanhol conserva-se parcialmente,
. ~ longo. No próprio latim de Roma havia divergências: cauda e coda,
pois cai quando preêedido de consoante que possa fechar sílaba (R, S,
plaustrum e plostrum, applaudo mas explodo, Claudius e Clodius. Mas
Z, L, N). Em espanhol cai também na terminação -ate (ciuitate >
a pronúncia culta era au; o soava como popular e rústico. Plautus, para
ciudad) .
.os seus conterrâneos, era Plotus; a amante de Catulo se fazia chamar
O i final breve conser:va-se em sardo. Clodia, na intimidade. O imperador Vespasiano, de origem burguesa,
O i final longo conserva-se em sardo, italiano e romeno. confundia, ao falar, au com o, conforme nos conta Suetônio.
/.
CAPo lS • CARACTERES GERAIS DAS LINGUAS RoMANICAS 169
168 PREPARAÇAO A lINGOlsTICA ROMANICA

Todavia, a passagem au > o não foi geral no latim vulgar. Em Desse ponto de vista, as linguas da Rornânia podem ser divididas
romeno-s e provençal manteve-se como au. Em ptg. a evolução ficou a, em dois grupos: a) linguas que ditongam; b) línguas que não diton-
meio caminho: ou. Em sardo reduziu-se a a. gamo Pertencem ao 1Q grupo o espanhol, o francês, o italiano e o ro-
meno. O português, o catalão, o provençal e o sardo não ditongam. Aqui
Em ptg., a partir do séc. XV," ou entra a alternar com ai. Como
só vão interessar as línguas do lQ grupo.
já foi observado (J. J. Nunes, p. ex), nas suas farsas, Gil Vicente faz
dessa confusão uma característica da fala dos judeus. Contudo, a ori-
gem da altemância não deve ter nascido na boca dos judeus, que pro-
o italiano ditonga as vogais e e o primitivamente breves, em si-
·Ifl~ laba aberta. Ex.: pêtra > pietra, [õcú > fuoco.
vavelmente divulgaram um fenômeno preexistente.
O espanhol ditonga essas mesmas vogais, mas tanto em sílaba aberta
~~ Como ou tendesse a monotongar-se em o, houve um esforço de
como fechada. Ex.: petra > piedra, terra > tierra, focu > fuego, põrta
diferenciação para manutenção do ditongo, em virtude do qual deve
ter surgido a forma ai. Realmente, desde o séc. XVII pelo menos, ou
> puerta.
.f se reduz a o, em Portugal. No Brasil se deu fenômeno análogo, e atual- O francês ditonga somente em sílaba aberta, como em it., mas, em
'f
mente, entre nós, a pronúncia corrente é loca (louca), poco (pouco), compensação, a ditongação atinge não s6 e e o breves, mas também lon-
dorar, (dourar) ete. Ou então se diz coisa, dois, foice etc. Um verbo gos. Ex.: para > pierre, têla > toüe, f ocu > [eu, sõlu > seul.
como roubar, p. ex., é conjugado coloquialmente rabo, robas, roba (como
tocar, p. ex.) e não roubo, roubas, rouba. Essas evoluções não dependem do condicionamento dos fonemas vi-
..• Exemplos românicos:
zinhos e por isso são chamadas livres ou espontâneas. Em outros casos
" é o inverso que se dá. e então temos as transformações ditas condicio-
PAUCU > ptg. pouco, esp. poco, cato poc, provo pauc, it. poco, nadas. E o caso normal do romeno, que, em conseqüência,' será estu-
AURU > ptg. ouro (oiro), esp. oro, provo aur, fr. or, it. oro, rom. aur. dado à parte.
O processo da ditongação tem como ponto de partida um alon-
Em sardo au > a. Ex.: pau peru (por paupere) > pabaru. gamento da vogal tônica. Como se sabe, a antiga quantidade do latim
clássico se perdeu no vulgar. Mas outra surgiu. A diferença essencial
Quando seguido de u na sílaba tônica: o ditongo au se reduz a a.
entre ambas é que. no latim clássico, a quantidade tinha valor fonoló-
Dai auçustu« > *agustu8, no lato vlg.
gico, isto é, servia para diferençar significações, o que não se dava
:f; de *agilstus que provém o ptg. agosto. o esp. agosto, o cato agost, no latim popular. "Na maior parte do Império", diz Grandgent (Lat.
.
provo aost, fr. aoút (fr. ant. tÍoust), it: agosto, rom. agust.
Em it., em posição protônica, encontra-se au > u. Ex.: audire >
V ulg: § 176), "as vogais acentuadas não em posição (isto é, esclarerce-
mos nós, em sílaba aberta) pronunciavam-se longas e todas as outras
udire, raubare > rubare, vogais pronunciavam-se breves". Grandgent acrescenta que na Bspa-
nha todas as vogais acentuadas (portanto, tanto em sílaba aberta como
15.3.5 - DITONGAÇÃO ROMANICA fechada) eram longas. Essa nova quantidade (que não era fonológica,
pois se confundia com a tonicidade ) Grandgent a situa "nos fins do
Tem esse nome o fenômeno que consiste na passagem a ditongo período latino". Meyer-Lübke (Einführung, § 116) diz que esse alon-
de certas vogais tônicas do latim vulgar em sua evolução para as lín- gamento não deve ser colocado antes do séc. VI.
guas neolatinas. B provável, como diz Grandgent, que estas novas vogais longas
fossem pronunciadas com certa ondulação, isto é, que durante a sua
emissão houvesse certa variação de timbre. Daí teria resultado a frag-
~o "O rom. áu se pronuncia em duas sílabas; portanto, já não é um fo- mentação da vogal e, pois, a sua ditongação.
nema e sim uma combinação de fonemas" (Lausberg, Lingiilstica Románica, I.
§ 243). .' Essa doutrina da bimatização da vogal tônica foi exposta e defen-
Todavia, Williams (Do Latim ao Português,
11 92, 7 C) cita noute por noite dida por Pidal (Orígenes, § 24). Disse então o grande mestre espanhol:
em documento de 1385. {
170 PREPARAÇÃO À LINGOlsTI.CA RoMANICA CAPo 1S • CARACTERES GERAIS DAS LINGUAS ROMÂNICAS 171

o ditongo é uma bimatização do som vocálico, produzida por Em esp. o ditongo atualmente é ue; mas passou pela fase uo. Pidal
uma exageração articulatória da vogal que leva o acento da palavra traz-nos exemplos de foros, cartulários, crônicas medievais (de Leão,
ou da frase; essa bimatização consiste fundamentalmente em fechar Aragão, Castela) em que o ditongo se escrevia u6 (Cid, I, 142 e passim.)
uma das partes da vogal. (p. 125.) No Cantar de Mio Cid, como se sabe,' Pero Abade (Per Abbat) , o co-
O alongamento da vogal tônica gera, portanto, um esforço de di- pista, escreveu sempre ue (e o Cantar, relembremos, é do séc. XII). No
ferenciação, de natureza psicológica. Essa tendência para não entender entanto, as rimas toantes do Poema nos levam a pensar numa pronúncia
a linguagem como simples jogo mecânico de forças fisiológicas foi, aliás, mais próxima de uo do que de ue. Veja-se o seguinte exemplo:
um dos traços marcantes da personalidade lingüística de Menéndez· Pidal. Fallaron un vergel con una linpia fuent;
E aqui ela se manifesta mais uma vez: mandan fincar Ia tienda infantes de Carriôn
Os ditongos de origem românica foram em grande parte nas- Na edição paleográfica lê-se "fuent"; mas na edição crítica, Pidal
cidos de uma força de expressividade que anima a vogal acentuada· prefere "fuont" (por 'causa da assonância). Contudo, não sendo em final
c a decompõe em dois elementos diferenciados. A explicação sim- de verso, Pidal, mesmo na ed. crítica, transcreve o ditongo como ue (fuer-
plesmente mecânica, de inércia, que é costume trazer-se, não satis- te, puerta), o que, confessemos; quebra a uniformidade do critério no
faz ao maior esforço articulatório que pressupõe a diferenciação que diz respeito à pronúncia do ditongo no poema. Eis, contudo, a con-
ditongante. Preciso é que em Fonética demos maior relevância (ca- clusão do grande mestre espanhol:
bida) aos motivos psicológicos e não nos atenhamos apenas aos
Creio, pois, que o ditongo u6 era usual ainda em meados do
fisiológicos. (p. 127.)
séc. XII; a forma ué já existia havia muito e era geral na fala
Foi, de fato, o que se deu em românico. vulgar e corrente, nos diplomas, onde aparece na segunda metade
Vejamos o processo evolutivo; em 1.0 lugar, para as vogais primi- do séc, XI, ao passo que os clérigos e letrados continuavam a
tivamente breves., . preferir uá. (Cid, I, p. 145.)
O alongamento do e breve e aberto (e) produziu uma ondulação A passagem de u6 a ué representa um esforço maior de diferencia-
(éé) e depois uma diferenciação, que consistiu no fechamento do tim- ção, que agora atinge o 2.° elemento do ditongo. Uma vez constituído
bre do 1Q elemento (êé); por um maior esforço de diferenciação, o este, a semivogal passa a ser estável. Dos dois elementos, o mais aberto
19 elemento passou à vogal extrema da série palatal (ie) e finalmente é o mais instável, ensina Pidal nos Orlgenes (p. 126). A diferenciação,
a semivogal da mesma série. (ye). Eis, pois, a seqüência cronológica: que até então fora de timbre, passa a ser também de natureza, isto é, o 29
é > éé > éé >' iê > yé. elemento converte-se de velar em palatal.· Atinge-se, pois, maior grau de
diferenciação e, portanto, maior nitidez do ditongo. É a situação atual do
Foi realmente esse õ' resultado a que chegaram as várias línguas ro- esp. Ex.: [õcu > fuego, rôta > rueda, põrta > puerta, costa >
mânicas que ditongaram. Ex.
cuesta etc.
* MÉLE (por mel;-V. Lausberg, § 189): esp. miel, fr. miel, it. miele,
Em fr. as coisas foram mais complexas. A fase uo deve de ter sido
rom, miere.
alcançada já no séc. VI (Bourciez, § 154). Na Seqüência de Santa Eulá-
Nos últimos tempos do moyen irançais (sécs. XIV a XVI), o e do lia (fins do séc. IX) ainda se encontra buona, de bõna ("Buona pulcella
2.° elemento do ditongo passou de aberto a fechado" quando em final Iut Eulalia") e ruovet, de rõgat ("si ruovet Krist").
absoluta (não seguido de consoante ou· seguido de' consoante meramente
A dissimilação uo > ue se deu no séc. XI (Rohlfs), mas é preciso
gráfica). Ex.: pied (pede), pronúncia pyê.
observar que aqui houve duas etapas: lat. LÍo > úe, 2.a - úe > ué. Por
O tratamento da vogal bre"ve e tônica O, de timbre aberto, foi basica-
sua vez, é provável que esse u passasse a ser pronunciado como ü (Fou-
mente o mesmo.e Apenas, como é lógico, a diferenciação se faz na série
ché, Rohlfs ); de onde uma I.a etapa ué > üé.
velar e não na palatal. T~mos, pois:
Na Idade Média, os escribas, segundo as regiões .1 que pertenciam,
ó > óó > ôó > uó > wÓ. grafavam esse ditongo ora com ue ora com oe, oscilações que se perpe-
Esse ditongo uá encontramo-Io,
, r
p. ex., em it.: [õcu > [uoco, tuararn na grafia francesa (boeui, cueille, [eu ... de bõue, cõlligo, [õcu},
172 PREPARAÇAO À LINGUfSTlCA ROMÂNICA CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LiNGUAS ROMÂNiCAS 173

Deve-se observar que, a partir do séc. XIIl2 se dá em fr. um movi- o resultado dessa luta de pronúncias foi que ué desapareceu, dei-
mento regressivo, no sentido da monotongação, e o ditongo üe tende a xando dois herdeiros: uá, o mais bem aquinhoado, e é. Hoje a pronúncia
contrair-se num monotongo 0, cuja grafia, como vimos, oscila no fr. mod., normal é uá, conquanto se mantenha a grafia oi; abstemo-nos de exem-
mas é geralmente eu. Esse monotongo no fr. atual pode ser pronunciado plificar. Mas a pronúncia é (grafia ai) ficou nos seguintes casos: a) na
"'
,.:~.
com o timbre aberto ou fechado: se está em final absoluta é fechado; se terminação do pret. imperf. do indo (avait < habêbaty e do condicional

está em sílaba final travada 'por consoante é aberto. Cfr. [eu e coeur. (chanterait < cantare +
êbatv; b) em certos nomes gentílicos formados
Todavia, é sempre fechado antes de s. Ex.: Meuse « Mósa). com o suf. -ênse (anglais, [rançais, polonais, portugais etc.); c) em pa-
A ditongação das vogais e e o longas é evolução específica do francês. lavras avulsas: monnaie « monéta), craie « crêtav, [aible « fliJbile).
Aqui a vogal era primitivamente longa, portanto Ao contrário êê, A grafia ai foi proposta em 1675 por Nicolas Berain, adotou-a mais
do que se verificou com a vogal primitivamente breve, a diferenciação tarde Voltaire (séc. XVIII), mas só se tornou oficial por decisão da
deu-se no' 2.° elemento, que se fechou mais ainda, de onde ei. Uma nova Academia Francesa em 1835 (Evert, The Frencli Language, p. 62).
diferenciação levou à abertura do 1.0 elemento e daí nova fase: éi, Esse Todavia, em poucos casos, venceu a grafia com e: verre «Ultru),
abrimento deve ter ocorrido durante o séc. VI. De fato no ancien [ran- tonnerre « tonitrú) .
çais, encontramos formas tais como: treis « três), mei « me), aveir Ainda hoje há os divergentes [rançais (patronímico), e François (an-
« habêrey, veit « uidet), rei « rege) etc. Mas a diferenciação tropônimo). Roideur e harnois, em face de raideur e harnais (formas
prosseguiu e tornou a atingir o 19 elemento, que se dissimilou passando de
atuais), são considerados arcaísmos. Também de -ênse ainda há hoje
palatal a velar. Produziu-se, pois, o ditongo oi, pronunciado ái, com o
muitas formas em -ois: suédois, chinois, danois, p. ex.
aberto. Essa alteração se deu nos meados do séc. XII. Era assim que
se pronunciavam, na fase tardia do ancien [rançais, formas como moi, Quanto à ditongação da vogal tônica o primitivamente longa, o pro-
.toi/e. Esse ditongo evoluiu no fr. modo para uâ. Entre ói e uâ coloca-se, cesso apresenta pontos de contato com o da vogal e, como seria de es-
porém, um grau intermediário ué, que já é documentado nos fins do séc. perar,
XIII. Trata-se, pois, de uma pronúncia que já pertence propriamente ao Também aqui a diferenciação se deu pelo 2.° elemento, que se fe-
moyen [rançais. A tendência natural da "evolução desse ditongo (real- chou mais, passando à vogal extrema da série. Tivemos, pois, a > > ôô

mente, a partir do séc. XII, há em França, uma tendência regressiva ou. o termo dessa cadeia evolutiva, Bourciez situa-o nos fins do séc.
.,. para a monotongação) foi para a monotongação, com a perda do ele- VIII. De fato, já no séc. IX (Cantilena de Santa Eulâlia, p. ex.) o en-
mento labial, ou seja, ué > é. Tal-pronúncia, porém, foi considerada vulgar contramos documentado: "Buona pulcella fut Eulalia, bel auret corps,
e muito combatida pelas classes cultas e pelos gramáticos, principalmente bellezour anima", ou seja "Bela rapariga foi Eulália, belo tinha o corpo,
dos sécs. XVI e XVII. A boa sociedade timbrava em pronunciar ué. mais bela a alma." Bellezour é, pois, um comparativo sintético e continua
Entretanto, a pronúncia popular é passou a encontrar forte concor- um hipotético: * bellatiOre. Esse ditongo, porém, nem sempre era grata-
rente na pronúncia uâ 'do povo dos arredores de Paris (ao passo que é, do ou; também ocorre o, em manuscrito dos sécs. XI e XII (em verdade,
p. ex., era também a pronúncia dos normandos), já bem difundida no mais freqüentemente), ou II (na Normandia) .
séc, XV. Foi igualmente tal pronúncia bastante combatida pela boa so- No séc. XII, quando éi se dissimulou em ái, paralelamente ou passou
ciedade da corte, mas era assaz freqüente nas classes menos cultas e na a eu. No decorrer do séc. XIII houve a conhecida tendência regressiva
própria burguesia. Com a queda da monarquia no séc. XVIII, a pronúncia para a monotongação, do onde o resultado O. Durante o período do
uá tornou-se a dominante e até hoje persiste. Em 1814,'salienta von Wart- moyen [rançais (sécs. XIV a XVI), essa vogal tornou-se aberta quando
burg (Evolution et ,5tructure, p •. 248), Luís XVIII voltou à França e ex- em final seguida de consoante (fIeL/r) e fechada quando em final absolu-
clamou: "Ce'st mué le rué!". Comenta ironicamente o lingüista: "Deviam ta (voeu). Todavia, se estiver seguida de s, a vogal mantém-se fechada;
ter-lhe observado'Íque o último rué tinha sido Luís XVI e que ele não foi o que se deu no suí. -õsu, -osa: otiõsu > oiseux (por oiseus) e fem.
podia ser outra coisa senã~ ruá." . analógico oiseuse.
A ditongação romena é condicionada, isto é, depende da natureza
12 Von Wartburg, EvôllltiRn et Structure, p. 127. da vogal final de palavra. Eis os casos mais importantes:
t,
174 PREPARAÇAO À LlNGUfSTlCA ROMÂNICA
CAPo IS • CARACTERES GERAIS DAS LíNGUAS ROMÂNICAS 175

o e aberto proveniente de e ou ac ditongou-se em ie quando a síla- ferenciação que levou à ditongação; ao Sul não. Essa diferenciação con-
ba final terminava em i ou u. Ex.: [êrru > [ier , tiéctu. > piept, hêri > ieri.
sistiu num intenso alongamento da vogal livre. O fenômeno se deu a
Mas com e ou a na sílaba final, o resultado foi um ditongo mais difr-ren-
partir da 2.a metade do séc. V e completou-se no séc. VI.
ciado iá, que se converteu em ie, por harmonização vocálica, no caso de
Para von Wartburg, salta aos olhos que essa linha fIanqueia o ter-
haver e na sílaba final. Ex.: pêira > piatrã; petrae > piatrc > pietre;
terra > *tiara, tsara. ritório em que os francos (para o francês) e os borguinhões (para fran-
co-provençal ou francês do Sudeste), invasores germânicos, se estabele-
O e fechado proveniente de ê ou e manteve-se quando a sílabn final ceram primitivamente. Ao Sul dessa linha, assentaram-se os visigodos que,
terminava em i ou u (ou em -o > -u > 0). Ex.: dirêcii: > drepi; n'ígru depois da derrota de Vouillé (507), passaram os Pireneus e vieram fi-
> ncçru; n'ígri > negri; cr êsco > cresc. Mas, havendo e ou a na sílaba xar-se na Peninsula Ibérica. Aqui, diz von Wartburg, a dominação fran-
final, o resultado foi eá (que passou para e ante -e. final). Ex.: dirêcla ca teve apenas caráter político e não influiu na cultura popular' da região.
> dreaptã; n'ígra > neaçrã; vide; > veade > vede. Por outro lado, continua von Wartburg (Les Origines, p. 100), a
O o abertoproveniente de o ou õ passou a uo, quando havia i ou diferenciação das vogais tônicas se intensifica a partir da época da do-
u na sílaba final,' ditongo que depois se . reduziu a o fechado. Ex.: minação franca e dentro dos limites assinalados. Isso, prossegue, não
çrôssu:» *gl'UOSSU > çros; çrõsei > "çruossi > çroei; ossu > "uossu > pode ser obra do acaso. Ê que, sublinha, os germanos distinguiam forte-
os .. O mesmo com a final -o. Ex.:· õctõ > *uoctu > opto mente as vogais longas das breves. "Assim, pois", conclui, "pode dedu-
Havendo, porém, e ou a na sílaba final, o resultado foi oá. Ex.: zir-se que o alongamento especialmente intenso das vogais em sílabas
çr õssa > çroasã; põrca > poarcã; pôrcae > p õrce > poarce; sõle > soare; livres deve ser atribuído ao influxo franco".
õssa > oase. Uma objeção que von Wartburg pretende desde logo aparar é a de
que em valão, dialeto do extremo nordeste da Galo-Rornânia, já entra-
15.3 ..6 ~ Vistos- os processos pelos quais se deu a ditongação ro- do' em território belga, a ditongação se dá também em sílaba travada.
mânica, cabe agora examinar-lhe as causas. Mas para o lingüista suíço se trata de "uma propagação posterior do
Já conhecemos a opinião de Pidal, pâra quem o fenômeno seria de ditongo", ou seja, uma extensão analógica do fenômeno.
natureza psicológica, ou seja, teria sido provocado por um' desejo de real- Quanto ao franco-provençal, falar da região centro-oriental do domí-
çamento articulatório da vogal acentuada, o que teria levado à bimatiza- nio galo-românico (dialetos em torno de Genebra, Lião, Grenoble), a
cão do som vocálico. Sem negàr essa intenção de expressividade, cumpre, evolução das vogais tônicas é a mesma do fr., com exceção do a. O tra-
no entanto, indagar dos elementos históricó-culturais que poderiam ter tamento das demais vogais segue uma evolução parecida com a do
concorrido para favorecer- tal tendência enfatizante, sem excluir mesmo francês. Portanto, quanto à ditongação, '0 fr.sprov. acompanha o fr.
os de outra ordem, como os fatores de natureza lingüística. Também aqui von Wartburg atribui o fenômeno a influxo germânico,
Em outro parágrafo (12.6), tivemos oportunidade de aludir à dou- desta vez aos burgúndios.
trina que a respeito expendeu 'Walther voá Wartburg em seu trabalho Quanto à propagação do fenômeno, von Wartburg atribui-a decisi-
A Fragmentação Lingidstica -da- R.ânia. Vamos agora desenvolvê-Ia vamente aos comites, isto é, a uma classe de altos funcionários em que se
um pouco mais. mesclavam germanos e galo-romanos, ambos a falarem ou procurando
falar latim. O nobre franco aprendia o latim imprimindo-lhe os seus há-
Von Wartburg limitou a sua explicação à Galo-Rómânia e à Itália
bitos articulatórios, dentre os quais o maior alongamento da vogal tônica
do Norte. Considerou ta~bém o problema somente quando se tratou da
em sílaba aberta, e assim o teria transmitido a seus ·descendentes. Das
ditongação dita espontânea, em=sílaba aberta ou livre.

'''-.
Quanto à Gat.:-.-România, o fenômeno se teria verificado ao Norte de
uma linha que vai da foz fio Loire e caminha na direção do leste, daí
classes dirigentes a nova pronúncia se teria estendido ao povo.
Relativamente à Itália, baseando-se em Meyer-Lübke, diz von Wart-
burg que hoje não se pode duvidar de que e o o se ditongaram em toda
inflectindo-se um pouco para o sul até a altura de Saint-Etienne. Prati-
a Alta Itália em posição livre. Foi o que se deu na Toscana (apesar de
camente abaixo dessa linha temos o provençal e acima o franco-provençal
Rohlfs pretender que a evolução toscana normal do e foi no sentido
e o francês propriamente' diJo. Ao Norte da referida linha deu-se a di-
•... de e aberto e não ·dé ei, opinião que von Wartburg combate com bons
CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LíNGUAS ROMÂNICAS 177
176 PREPARAÇAO À LINGüíSTICA ROMÂNICA

argumentos). Quanto ao õ, é certo que hoje é pronunciado com o aberto do chegaram à Penísula Ibérica, já estavam os visigodos muito rornaniza-
na Toscana, na maioria dos casos. Por isso Schürr opinou que se trata dos (Baldinger, La Formaciôn, 78). Por outro lado, a proibição de ca-
de ditongação condicionada proveniente da Úmbria e de Roma. Para von samentos entre gados e cristãos (que se manteve até a metade do séc.
Wartburg, porém, a Toscana teria ditongado em uo (em posição tônica
õ VII), impediu maiores contatos entre os dois povos. Nesse mesmo séc.
e sílaba aberta); a pronúncia atual o seria, pois, urna regressão. a língua dos godos já se achava em completa degenerescência (in Vidos,
Colocando-se numa perspectiva histórica, diz o mesmo lingüista suíço Manual, 233). Daí dizer Gamillscheg: "Não se pode falar, no que diz
que os lombardos desempenharam na Itália um papel semelhante ao dos respeito à evolução fonética, de urna influência do gótico sobre o ibero-
francos na Gália. Em 568 irrompem na Itália. Foram corno os francos românico" (apud Baldinger, op cit., 77, n. 64). E não esqueçamos que o
numerosos e, corno estes, não se limitaram a administrar, mas também a romeno, língua a respeito da qual não se pode falar em superes trato ger-
colonizar. A penetração lombarda se fez na direção Norte-Sul e é nesse rnânico, apresenta numerosos (e normais) fenômenos de ditongação.
sentido que o seu influxo vai. esmorecendo. Para o Sul, criaram os du- Vidos (Manual, p. 228 e segs.) também apresenta objeções ponde-
cados de Espoleta e Benevento, mas aí a influência lombarda foi fraca. ráveis à teoria de von Wartburg. Em primeiro lugar observa que "preci-
No entanto os lombardos atravessaram a linha La Spezia-Rimini e desse samente onde na Itália a colonização lombarda foi mais intensa, a diton-
modo impediram 'que se formasse um limite lingüístico entre Bolonha e gação é mais débil do que nunca, ao passo que os territórios italianos
Florença, ao contrário do que se deu na França, onde tivemos a langue onde nunca estiveram os lombardos ditongam com a máxima intensidade".
d'oil ao Norte e a langue d'oc ao Sul. Todavia, não se pode esquecer que a ditongação ao Sul da Itália (onde
Daí, conclui von Wartburg: "Estabelecendo um paralelo com o pro- não estiveram os lombardos) é condicionada por metafonia e não espon-
cesso havido na bilingüe Gália do Norte, pode-se também admitir perfei- tânea. Ora, von Wartburg afastou deliberadamente de sua explicação os
tamente para o espaço do reino dos lombardos que estes pronunciaram casos de ditongação condicionada. Fora da Itália, Vidos argumenta com
as vogais em sílaba aberta muito prolongadamente e que propagaram o espanhol, onde, apesar do superes trato gótico, também se ditongaram
esse hábito aos .românicos, porém que a ditongação disso resultante foi e e o tônicos em sílaba fechada. No entanto, o próprio Vidas reconhece
levada a cabo em boca de românicos." .
Em relação à forma de propagação, Dâmaso Alonso observa que, no
que, na Península Ibérica, o superestrato gótico carece de importância ...
Apesar disso, traz de novo à baila o caso do valão, onde o superestrato
reino lombardo, não se formou a classe intermediária de nobres români- germânico foi intenso e onde do mesmo modo há difongação em sílaba
cos, pois os invasores germânicos exterminaram os proprietários români- travada. Mas, corno vimos, von Wartburg apara a objeção com o argu-
cos e se apossaram de suas terras. A isso retruca von Wartburg com o mento de que, no valão, a ditongação propagou-se analogicarnente da sí-
argumento, pouco convincente.l'aliás, de que o direito lombardo favorecia laba aberta para a fechada. .. Mais peso, parece-nos, tem esta objeção
a fusão de ambos os povoo, inclusive pelo casamento. de Vidos: "e não há corno pretender que os romanos, que conviviam
. A verdade é que ~_tese de von Wartburg tem sido muito criticada. com os germanos, teriam imitado somente o hábito germânico de alon-
Monteverdi, p. ex. (A vviamento, p. 65;6), julga sedutora a tese do gar muito as vogais em sílaba aberta e nenhum outro dos hábitos de pro-
filólogo suíço, mas a ela não adere. O seu principal argumento é o de núncia dos germanos. Finalmente é 'da mesma. forma inversossímil que
na convivência romano-germânica os germanos (p. ex., os francos) não
que a ditongação das vogais tônicas se encontra dispersa por toda a Ro-
tenham procurado pronunciar o latim o mais corretamente possível, e é
mânia (não esquecer que o romeno ditonga intensamente) e, em conse-
ainda improvável que os romanos tenham imitado e adotado a má pro-
qüência, o problema exclui soluções pardais (corno a' de von Wartburg);
núncia latina dos germanos".
.,
convida ao contrário a uma solução integral, que vá encontrar funda-
Também Dârnaso Alonso (ELH, I, Supl., p. 29 e segs.) faz várias
mento em tempos anteriores às invasões bárbaras (e, pois, no próprio
latim vulgar). Saljenta, p. ex., que a explicação de von Wartburg deixa restrições à teoria de von Wartburg. De início observa que essa teoria
de lado a ditongação castelhana, tão semelhante à francesa e à italiana. opera negativamente quanto ao espanhol: deixa a ditongação espanhola
E verdade que o espanhol ditonga também em sílaba fechada, mas o fe- e a romena numa "espantosa soledad". E acrescenta o mestre espanhol:
nômeno, como já vimos, ocorre igualmente em valão. E não se pode "Minha perplexidade maior se apresentava quando tinha que admitir
110 Norte da França, no território burgúndio. e no Norte da Itália, em
responsabilizar o superestrato visigótico pela ditongação espanhola. Quan-
t..

..•
PREPARAÇAO À LINGUfSTICA ROMÂNICA CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LfNGUAS ROMÂNICAS 179
178

em três lugares diferentes, efeitos iguais produzidos por forças distintas, Em princípio a teoria também é sedutora e tem a vantagem sobre: a
em épocas distintas e segundo modos distintos, sobre povos distintos." de Wartburg de não isolar certas partes da România. Mas para a sua
Três elementos distintos: a língua dos francos, a dos borguinhões e cabal aceitação não faltam dificuldades.
a dos lombardos . .tpocas diferentes: os francos chegam ao Somme em Por exemplo, o italiano-padrão, língua nada sensível à metafonia
455, em 490 ao Loire e logo se sucede a rápida progressão até os Pire- (cfr. petto , pl. petti, sem metafonia), apresenta ditongação em sílaba
neus. Os borguinhões têm apenas 90 anos de domínio e em 534 caem aberta. Ora, o italiano-padrão, como se sabe, tem por base o toscano,
sob o poder dos francos. Por seu turno, a conquista lombarda é muito que, como acabamos de ver, não é sensível à metafonia. Schürr então
mais tardia: começa em 538, quando já havia desaparecido o poderio imaginou que a metafonia tivesse sido introduzida em toscano, na Idade
borguinhão no SE da Gália e quando já fazia um século que os francos Média, desde o Sul, ou seja, do Lácio e da Campânia. Aebischer, porém,
ocupavam o Norte da Gália. A dominação lombarda cessa em 774; com provou que, já no séc. X, existiam ditongos em toscano e não os havia
Carlos Magno. A dos francos continuou pela história da França adentro. nem no Lácio, nem na .Campânia. Schürr retificou então a sua teoria,
Os modos de dominação também são diferentes. Francos e borgui- supondo que os ditongos tivessem vindo do Norte, da Lunigiana. No en-
nhões associam os vencidos na política e na administração; mas os francos tanto, na Lunigiana o que há são ditongos de e e o fechados e não de
eram muitos e os borgúndios, poucos. Já os 'lombardos assassinavam os e e o abertos, como se dá na Toscana.
vencidos. Nem se deve esquecer que o latim vulgar sobre que deviam Quanto ao português, dá-se o contrário. Língua sensível à metafonia,
atuar esses fatores carecia de homogeneidade, pois fora levado para esses não apresenta ditongação. Contudo, corno já vimos, para a nossa língua
territórios em épocas diferentes. Tudo somado, conclui Dâmaso Alonso, Schürr admite que tivesse havido posterior monotongação, fenômeno an-
parece muito mais sensato admitir que esse resultado idêntico esteja ba- terior a qualquer documentação escrita. Lembra Schürr que ainda há
seado em algo que se originou em época muito mais antiga, quando as em certas zonas do Norte de Portugal (Porto, Póvoa de Varzim, Gui-
três zonas românicas ainda não se haviam separado. Opinião que muito marães, Barcelos) ligeira ditongação. Seriam relíquias de um antigo es-
se assemelha à de Monteverdi, de que já se falou. tado de coisas. Mas, conforme observa Dârnaso Alonso, para compre-
Outra teoria que procura explicar a dítongação românica é a do ender esse tipo de ditongação portuguesa, é preciso abandonar todo cri-
alemão F. Schürr. tério etimológico. Em vez de restos de uma velha pronúncia, parece antes
Elaborada ao longo de mais de 20 anos (Der Umlaut und Diph- estarmos em frente de um ditongo em estado nascente. Essa opinião se
thongierung in der Romania, ii-I Romanische Forschungen, 1936; La reforça, aliás, com elementos hauridos na pronúncia brasileira, onde,
Diphiongaison Romane, in Revue de Linguistique Romane, XX, 1956), até hoje, não se documentou qualquer espécie de ditongação. Para o cas-
o seu trabalho é um esforço"para dar uma explicação global ao fenômeno. telhano, Dâmaso Alonso ainda julga menos convincente a exposição de
Schürr distingue duas espécies de ditongação: a de e e o abertos e a Schiírr. E um grande romanista, como Joseph M. PieI, que em Consi-
de e «e,i) e o «o,tí) fechados. A primeira seria mais antiga; a se- derações sobre a Metajonia Portuguesa (Biblos, XVIII, 1942) havia da-
gunda, praticamente restrita ao francês, rnuiio mais moderna. A ditou- do certa guarida às doutrinas de Schürr, já assim não pensa, segundo in-
gação "românica", portanto, propriamente dita, é apenas a do primeiro forma o mesmo Dâmaso Alonso.
tipo.
De tudo isso se conclui que ainda não estão satisfatoriamente conhe-
A ditongação das vogais primitivamente breves, que se encontra no cidadas as (;ausas da ditongaçãc românica. Poder-se-ia supor, p. ex., tlue a
espanhol, francês, italiano e romeno, teria decorrido do fenômeno da princípio, só as vogais das sílabas abertas fossem longas. Mas não é
metaíonia (Umlaut) 1 e encontrada o seu protótipo no que ocorre hoje difícil aceitar (dada a fusão da tonicidade com a intensidade e, pois,
nos dialetos da Itália .do Sul, onde a um sing. pede corresponde um com a quantidade) que, progressivamente, também as vogais em sílabas
pl. piedi. Quer dizer, sob a ação de um i ou u finais, a vogal tônica di- fechadas tendessem a alongar-se. Esse o estado de coisas mais antigo, que
tonga-se. Essa ditongação poderia mais tarde ter regredido (caso do línguas marginais, como o espanhol e o romeno, conservaram. A partir
português), em outras regiões poderia ter-se estendido às sílabas fechadas de certa época (primitiva fase românica), teria havido um movimento
(caso do espanhol e do romeno) . de regressão, que obteve vitória total no português, e parcial no francês
•...
180 t'/(Et'A/(A":AO A LlNGUíSTICA ROMÂNICA CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LíNGUAS ROMÂNICAS 181

e no. italiano (línguas em que a ditongação em sílaba fechada nunca como vimos, as longas fecharam-se e as breves abriram-se. Mas a evolu-
provavelmente chegou a termo). ção dos ditongos ae e au trouxe' perturbações ao sistema.
Outra solução é buscar uma posição eclética, como faz Dâmaso O ditongo ae evoluiu para um e longo e aberto (quando, normalmen-
Alonso. E é com palavras desse grande mestre espanhol que finalizaremos te, as longas passaram a ter timbre fechado) e o ditongo au para um
estas considerações. o longo e aberto (mesma dificuldade para o sistema).

A natureza é multíplice, variada e nela tudo se enlaça e en- Segundo Haudricourt-Juilland,v a nova oposição entre dois ee aber-
trelaça; tudo é possível e provavelmente em alguns lugares foram tos, um longo e outro breve, criou uma nova correlação entre um e breve
muitas as forças diversas que colaboraram: metafonia por -i e -u, aberto e um e longo aberto. Ficou, portanto o e longo fechado sem par
ditongação antes de iod, ditongação favorecida pela precedência de opositivo, e esse claro foi preenchido pelo i breve que evoluiu no sentido
certas consoantes, ditongação quando travam a sílaba outras conso- de um e breve fechado. Temos, agora, também dois ee fechados, um
antes, ditongação provocada ou favorecida ou regularizada por subs- longo e outro breve. Ficou assim o i longo e fechado sem termo opositivo.
trato ou superestrato e, enfim, também ditongação espontânea, origi- Quando desapareceu a quantidade, restou o timbre e as oposições passa-
nada apenas por ênfase ou uma prolongação generalizada por efeito ram a ser na base aberto e fechado. Destarte teríamos no latim vulgar as
de moda etc. Em umas regiões atuou com mais atividade ou quiçá seguintes séries vocálicas: a) palatais: é, ê, i; b) velares: ô, u; c) médio-
exclusividade alguma dessas causas. Cremos, além disso, na ten- palatal: a. Na série velar não se criou uma vogal ó porque a assimetria
dência para a generalização dos fenômenos condicionados e em dos órgãos da fala teria dificultado a evolução ou > ó.
sua homogeneização. Assim se pode explicar a quase perfeita re- Ainda para Haudricourt-Juilland, foi esse estado de coisas que esteve
gularidade das línguas de cultura. Há, porém, situações confusas, na base no vocalismo romeno, que identificou u breve com u longo e
em muitos dialetos. nos quais não se chegou a uma homogeneidadc não com o longo (que, no Ocidente, deu o fechado). Mas a existência
generalizadora . de um e longo e aberto desequilibrou o sistema vocálico do "proto-ro-
meno", uma vez que faltava o seu correlativo o longo e aberto (o di-
NOTA: Suprimimos as observações entre .parênteses no texto original.
tongo au passou em romeno como au). O remédio foi eliminar o e aberto,
que se ditongou em ie.
ADITAMENTO
Na România Ocidental, a passagem de au a o longo e aberto teria
O que acabamos de expor' relativamente à evolução das vogais lati- levado à evolução do u breve para o fechado, que se teria tomado a breve

nas mereceu de Iorgu-Manoliur em seu Manual de Lingüística Românica, da vogal resultante de au > (note-se que, para Haudricourt-Juilland,
õ

um enfoque diacrônico de"caráter mais estrutural, que procuraremos re- a quantidade no Ocidente se teria conservado até tarde, lá para o séc,
sumir. VI, conforme opinião de Meyer-Lübke) . Contudo, como observam Ior-
dan-Manoliu, a hipótese Haudricourt-Juilland é contrariada por fatos
A perda da oposição quantitativa, de que já tratamos, levou ao desa-
diacrônicos de línguas como o português, catalão ou provençal, nas quais
parecimento da "correlação de quantidade", no latim vulgar. Portanto,
o au não passou o, não obstante o u breve ter evoluído no sentido do O.
no latim vulgar, a quantidade "desfonologizou-se". Para isso concorreu
a influência do acento tônico que ou de musical passou o dinâmico, ou, Para Haudricourt-Juilland, o latim vulgar do Oriente (romeno) apre-
se já era dinâmico, tornou-se ainda mais intenso. Em conseqüência, as sentava quatro graus de abrimento na série palatal e três na velar. O ro-
vogais átonas tomaram-se breves; em relação às tônicas, a tendência meno teria obviado a essa dissimetria ditongando o e aberto. No Ociden-
era alongarem-se, mas houve tônicas breves. Meyer-Lübke, p. ex. (Ein- te, porém, os graus de abrimento foram quatro, tanto n,: série velar como
[iihrung, §§ 113-1~6), desenvolve a teoria de que as sílabas abertas pas- na palatal (porque aqui se criou a oposição entre o aberto e o fechado).
saram a ter vogais lOI\gas .(fides) e as sílabas fechadas, vogais breves Dizem esses autores que é esse sistema de quatro graus que se encontra
(scriptu) .
O desaparecimento da "correlação de quantidade" foi compensado
com o surgimento da "côrrelação de timbre" (ou "fechamento"), pois, 13 V. Essai pour une histoire structurale du phonétisme [rançais, Haia-Paris,
•.. Mouton, 1970, p. 31 e segs .
CAPo 15 - CAllACTERE5 GERAIS DAS Lir'!ülJA~ ROIv.ÃNICAS 183
PREPARAÇAO À LINGOISTICA ROMÂNICA
182

rendimento da oposição de abrirnento nas vogais médias, a observação de


na base dos sistemas vocálícos do francês, provençal, italiano setentrional
Leite de Vasconcelos em relação a fenômenos dialetais portugueses não
e espanhol (por que excluir o português?). O espanhol, para voltar a um
tem nenhum alcance probatório. Essa oposição é muito viva e de alto
sistema de três graus de abrirnento, teria ditongado as vogais e e o primi-
rendimento tanto na fala de Portugal, quanto na do Brasil. O fenômeno
tivamente breves no latim vulgar.v' E o português, por que conservou os
atinge não somente o sistema, mas também a norma (a metafonia nos
quatro graus de abrimento? verbos, p. ex.). Tal distinção é tão pertinente que, mais de uma vez, j::í
A teoria de Haudricourt-Juilland tem muitos pontos obscuros. O ita- se quis levá-Ia para o campo das regras ortográficas.
liano, p. ex., também apresenta problemas. Os próprios autores o re-
Além da correlação de quantidade e de abrimento, Iordan-Manoliu
conhecem: ainda se referem às seguintes correlações no vocalismo preto-românico:
labialidade e nasalidade.
Situando-se na zona oriental, onde o desaparecimento da quan-
tidade se produziu antes da monotongação, os falares da Itália me- A labialidade gerou as vogais romenas ã e í e a francesa a.
ridional deveriam conservar law/. A Itália setentrional, ao contrá-
rio, que pertence à zona ocidental, deveria normalmente simplificar o a romeno em sílabu átona procede de um a átono latinc, como
o ditongo, porque a quantidade vocálica conservou-se durante um em mensa > masa, casa > casá. Também pode provir de um o átono,
tempo mais longo no Oeste. Mas o caráter mais "cuidado" da pro- como em contra> cãire, foras> [ãrã. 03 lingüistas romenos consideram
núncia ocidental impediu a monotongação, como nos outros idiomas tal fenômeno como balcânico, pois também ocorre em albanês e búlgaro
dessa zona. 15. Em sílaba tônica, o a provém de um e precedido de p ou V. Ex.:
p'ínls > par, vu.leo > oõd,
Em relação ao português e provençal, Iordan-Manoliu observam que
Quanto à vogal i, provém de um a ou e seguidos de consoante nasal
essas línguas mantêm um sistema voeálico de quatro graus de abrimento
e não têm ditongação. Acrescentam, porém, que, no português contempo- (como em campus > cimp), ou de i precedido de r (como rideo > rtâ},
porâneo, se manifesta a tendência românica para reduzir as oposições
Da passagem de u a ü no domínio galo-românico já tratamos.
de abrimento mesmo em sílaba acentuada" E exemplificam:
A oposição a X â, p. ex., tem um rendimento funcional extre- O contato de uma vogal oral com uma consoante nasal gerou, nas
mamente baixo: reduz-se à diferenciação dos morfernas verbais do línguas românicas, uma série de vogais nasais, que nem sempre se con-
perfeito e cio presente (amámos em face de amamos). Em alguns servaram. Na maioria das línguas românicas a nasalidade não atua com
falares (Minho e Trás-ds-Montes) a distinção ê X é e ô X ó já se valor distintivo. E o que se dá em espanhol, provençal, italiano, sard~ e
romeno. Em francês e português, a nasalidade criou nas vogais um tipo
perdeu.".
característico de correlação. Cfr. para o fr. champ / chat, e, para o port.,
O fraco rendimento da oposição a X á é um fato, mas cremos que lã / lá, tanto I talo, monto I moto, mundo / mudo etc. Não nos parece,
sempre foi assim, isto é, não se tem acentuado através dos tempos. No portanto, que se possa dizer que a nasalidade só tenha função distintiva
Brasil não se dá (a não ser artificialmente), porque a nasalização pro- em francês. Pelo menos no português do Brasil, a correlação de nasalida-
vocada pela consoante Iml impede o timbre aberto na vogal tônica. de é bastante vivaz.
Acrescente-se que uma oposição de timbre ou abrimento nas vogais extre-
mas (/a/, li!, lu!) não havia' nem em latim clássico, nem em latim 15.4 - Consonontismo
vulgar e são muito difíceis de encontrar no domínio românico. Quanto ao
I 5 .4 . 1 - Nessa caracterização genérica que vimos fazendo das lín-
guas românicas, convém, quanto ao destino das consoantes, separar as
1-1 No entanto, Iordan-Manoliu ensaiam outra explicação: "Para acentuar as
diferenças de substãnca fônica entre as vogais médias, o é ditoriga-se em ic e o ó simples das agrupadas. Quanto às simples (às quais limitaremos as nossas
em UO, e depois, por dissirnilaçâo, em ue" (Ma7\ual, I, 148). observações), os nossos comentários seguirão a rota tradicional: iniciais,
15 Essai? p , 40, medi ais e finais.
lG Manual, I, 150. •..
---------------------------------- .......• ~

184 PREPARAÇAO À LINGUISTICA ROMÃNICA CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LlNGUA5 ROMÂNICAS 185

15.4.2 - As consoantes simples iniciais do latim vulgar de regra nantes com a língua basca para os demais falares da Península. Ainda
mantêm-se nas diferentes línguas rornânicas . uma vez se deveria à Reconquista a difusão dessa alteração.
O h- inicial era ligeiramente aspirado nas classes cultas de Roma, O apelo ao basco para justificativa de um substrato ibérico decorre
talvez por imitação de grego. Nas classes populares devia ser inteiramen- do fato de que se julga ser essa língua pirenaica, genealogicamente não
te mudo, pois dele não há vestígios nas línguas românicas. A sua conser- indo-européia, remanescente de falares pré-rornanos da Península."
vação na escrita é fruto do espírito tradicionalista das escolas. Ex.: No entanto, contra a hipótese substratista, não se pode deixar de
HABERE > ptg. haver, esp. haber, cat. haver, provo ave!', fr. avoir, it avere, manifestar a estranheza de que a tendência própria da língua de substra-
rom. a avea. to só se tenha efetivado vários séculos após o desaparecimento dessa
No próprio latim clássico, o h- não impedia a elisão no verso. O língua. Realmente, a documentação mais antiga da passagem t- > h- re-
caráter artificial dessa aspiração nas classes cultas se depreende. p. ex., monta ao séc IX: Hortiço «Forticius), em 863. Desde então a pro-
da aparição de hiperurbanismos. Assim o poeta Catulo escarnece de um núncia com h- aspirado se foi cada vez mais impondo em território his-
pânico. Todavia, ainda no séc. XII (Cantar de Mio Cid) a língua lite-
certo Arrio que, no afã de pronunciar corretamente o latim, dizia hinsi-
dias, com aspiração inicial, quando, como se sabe, a palavra latina é rária não registra a mutação f- > h-o No séc. XIV o uso do h- aspirado
cresceu muito; no séc. XV tornou-se predominante; no séc. XVI veio
insidiae, arum. A partir do seco lU há grandes confusões nas inscrições
a ser, praticamente, a única forma literária aceita; no séc. XVII, final-
entre palavras com h e sem h inicial. Assim, de um lado abeo por habeo;
de outro heius por eius. mente, desapareceu a aspiração, mas a grafia conservou o h inicial, como
faz até hoje.
Por influência do superestrato germânico, desenvolveu-se em fr. um
Não se julgue, porém, que a tendência, de possível origem ibérica,
h- inicial aspirado: honte, hache. Mas essa aspiração desapareceu no de-
para a eliminação do t- latino haja permanecido latente por vários séculos.
correr do séc. XVII. Todavia, até hoje, na língua escrita e na pronúncia
O mais provável, como supôs Pidal e o aceitou Vidos, é que a passagem
douta, evita-se a elisão e, portanto, não se faz a liaison. Portanto, ia + de para h- tenha começado no Norte e Nordeste da Península entre
heure > l'heure; mas ia +
honte > ia honte.
Í:

as classes incultas da população. Por isso durante largas centúrias não


. ficou documentada na escrita, própria dos doutos, que refugavam tal
15.4.3 - Caso diferente é o do aparecimento de um h- inicial em
pronúncia. Venceu, finalmente e penosamente, a pronúncia com h inicial
castelhano, que não remota a um h- latino e sim a um t- como em *facêre
> hacer." aspirado, mas não de modo completo, pois, ainda hoje, existem zonas
. ~. onde se pronuncia o f-, como Astúrias e Alto Aragão. Daí dizer Vidos:
Muito se tem debatido sobre a origem. do fenômeno. Menéndez "Uma alteração fonética, neste caso a de f > h, conseguiu dessa ma-
Pidal (ver principalmente Oríge~es) admitiu, como base para explicação neira abrir-se caminho com incrível lentidão e somente depois da coe-
dessa mudança fonética, típica do castelhano, a possibilidade de um in- xistência e luta de formas duplas através de séculos e, mesmo assim,
fluxo de substrato ibérico. Como é sabido, a passagem f > h se deu não não de modo definitivo.v-v
só no castelhano, mas também no gascão, isto é, em dois idiomas con-
vizinhos do território basco (nos Pireneus), -língua em que não existe
,. A primitiva tese de Humboldt e Schuchardt era de que representava o basco
a consoante f. E mais: nas palavras tomadas de empréstimo ao latim e de nossos dias evolução de importante língua pré-romana da Península, o ibero, To-
iniciadas por f (filum, p. ex.), a língua basca o substitui por outra con- davia, não são muitas as afinidades entre o basco e o que sabemos do antigo ibé rico.
soante (p-, b-), sendo uma das mais freqüentes o h~ aspirado (filwn Por outro lado, arqueologicamente, bascos e iberos constituem culturas diferentes.
> liirun'y , Também, etnicamente, os bascos não lembram tipos africanos, já que da África
procedem os iberos. Tudo isso levou a outra hipótese: a de que seriam os bascos
Outro argumento ;favorável à hipótese substratista é o de que o câm- de orgern caucásica (K. Bouda, René Lafon, A. Tovar), ao passo que os ibcros
bio i- > h- se propagoq do norte para o sul, isto é, dos dialetos confi- teriam emigrado do Norte da África. Nada impede, porém, que se admita uma
~ posterior influência cultural (e, portanto, também lingüística) do ibero sobre o
basco. Deve-se ainda acrescentar que os antigos gregos chamavam Iberes a um
povo do Cáucaso. Por que então excluir a poss.bilidade de um parentesco distante
H Para um enfoque do problema dentro do quadro geral da fonologia gerativa,
v. o capo VII "Sobre o F >
H no castelhano e no romance ocidental", do Prof, entre bascos e iberos? pergunta acertadamente EIcock.
Anthony J. Naro, in Estudos Dincrônicos, Vozes, Petrópolis, 1973, p. 135-148. 19 Manual, [1, 212.
t.-
PREPARAÇÃO À LlNGUiSTICA ROMÂNICA CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMÂNICAS 187
186

Ainda hoje, em castelhano, o f- se mantém antes de ue, ie, i, r: [uego, Sto. Agostinho observava que, na sua época (2~ metade do séc. IV), a
jiesta, ilaco, frente. pronúncia do latim lege se confundia com a do gr. ÀeyE. "Cum dico lege
Cabe ainda observar que a passagem f > h não é exclusiva da re- in his duabus syllabis aliud Graecus, aliud Latinus intellegit" (Doctr.
gião' pirenaica; encontra-se em dialetos românicos do Sul da Itália e dia- Christ. 2, 24, 37).
letalmente no próprio latim (haba por [aba, no falisco; [edus por haedus, Esse intacco palatale levou à criação de um fonema africado, que
forma sabina). conforme a região da România, ora tomou a forma ti, ora a forma ts
Por esses e outros motivos, vários romanistas se têm pronunciado (assibilação). Essa fricatização se deve ter verificado por volta do séc. V
contrariamente à tese substratista, O primeiro e mais importante foi o da nossa era.
próprio Meyer-Lübke, Einiührung, § 242. Mais recentemente (1936) fê-lo Quanto à distribuição geográfica do fenômeno, observe-se o seguinte:.
o romanista inglês 1911n Orr (cuja perda tanto lamentamos) no trabalho: A passagem para ts se dá nos Balcãs (romeno), no Centro e Sul
f > h, phénomêne ibêre ou roman? da Itália (italiano-padrão), em dialetos réticos. Na Galo-România (fran-
Para Orr trata-se de um fenômeno espontâneo. O F latino, como cês, provençal), em dialetos da Itália do Norte e na Ibero-România (por-
se sabe! era bilabial, e, no seu' entender, te~ia evoluído, conforme a re- tuguês, espanhol, catalão antigos) a evolução foi para ts. No sardo, a
gião, ora para a aspirada h, ora para a labiodental f. W. D. Elcock (De mais conservadora das línguas românicas, manteve-se a articulação velar
Quelques Affinités Phonétiques entre l'Aragonais et te Béarnais) deu k (logudorês).
sua adesão à tese de Orr. Mas a tese de Orr foi contraditada por Fernan- Da fase arcaica para a moderna, as línguas em que se deu a frica-
do Lázaro Carreter na comunicação f > h fenómeno ibérico o romance? tização para ts simplificaram esse fonema em s (português, catalão, pro-
(in "Actas de Ia Primera Reunión de Toponimia Pirenaica", 1949). Fa- vençal, francês). Todavia, no espanhol, o ts evoluiu para um fonema
vorável também à tese substratista pela influência euscara é A. Martinet. fricativo apical interdental surdo, semelhante ao th do inglês thing. Ex.:
Como se vê, a velha tese substratista, já magistralmente apresentada por CAELU (keiu) > sd. keiu; it. cielo (ts), rom. cer (ts), ptg. céu,
Pidal, continua a merecer a adesão da maioria dos romanistas. cat.-prov. cel, fr. ciel (todos com s); esp. cielo (th).
A bibliografia da questão é muito vasta. Um status quaestionis (1955)
15 . 4 . 5 - Em francês (e franco-provençal) o c também se palatalizou
pode ler-se em F. H. 1ungemann, La Teoria. dei Sustrato y los Dialectos
quando seguido de a. Portanto, uma palavra como carru passou a pro-
Hispano-Romances y Gascones. Acréscimos bibliográficos mais recentes, ",.:
nunciar-se kyarru. Se, porém, o a estava em sílaba aberta (não travada
em Kurt Baldinger., La Formaciôn de los Dominios Lingidsticos en ia
por consoante ou semivogal), evoluiu para e, como é normal no fr. (cfr.
Penlnsula Ibérica, Madrid, 1972. 2.a ed .. fata > fée).
15.4.4 - Em latim, a letra c representava sempre o mesmo fone- A palatalização de c + a é posterior à c + e, i (fins do séc. VII
ou princípios do VIII).
ma /k/, isto é, ao contrário do português, soava do mesmo modo
quer antes de a, o, u, q~er antes de e, i. Por certo, precedendo vogal
As fases da evolução foram, pois: ky (séc, VII) > ty > ts >s> (séc.
palatal (e, i), a articulação do fonema se devia adiantar para a zona do XIII). Ex.: .
palato; mas esses fatos pertenciam ao domínio da Fonética, não da Fo-
nologia.
CARRU > *kyarru > *tyarru > ikar > sar (char).

Com o decorrer do tempo, porém, os fatos fonéticos iriam adquiri.


CARU > *k!Jcru > *tyeru ? iêer > ser (eher).

valor fonológico, ou jeja, os [ones iriam converter-se em fonemas. A antiga pronúncia ts ainda ocorre em palavras inglesas importadas
Em contato com as palatais e e i, o c (=k) entrou também a palata- do francês por ocasião da conquista normanda, como em chiei (em lat.
lizar-se, É o que os naliânos chamam intacco palatale. Daí dever ter surgido caput), hoje chej, em fr.
uma articulação que se pode !\representar por ky. Isto é, cera, p. ex., pas- Essa palatalização não se deu em provençal, o que é um caracterís-
sou a ser pronunciado * kyera (e não kera). Tal fenômeno se situa pouco tico fonético diferencial importante entre essas duas línguas. Assim, do
depois do séc. Hl de nossa era, pois, para o latim do Norte da Africa, lato carru temos em provo car ou carre .
...,
188 PREPARAÇAO À LINGUfSTlCA ROMÂNICA CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMÂNICAS 189

15.4 . 6 ---'- Há certo paralelismo entre a evolução de c + e, i e a de Pompéia são de leitura insegura, pelo que não se pode remontar o fenô-
g + e, i. meno até o ano 79." W. D. Elcock;" porém, que citara Vâãnânen, con-
Também a letra g, em latim, representava um fonema único, estivesse testa-o: "Os exemplos que citei são de Veikko Vããnãnen e não vejo
ela seguida de a, o, u ou de e, i, ao contrário do português. Esse fonema razão que me leve a crer tenham sido eles fruto de má leitura."
era /g/, valor que tem em ptg. quando seguido de o, p. ex. (gola). Por- Do séc. II é o exemplo imudavitP em Mérida, Espanha. Meyer-
tanto, em latim, gelare (ghelare ); gingiua (ghinghiua). Lübke sugeriu a leitura inmundavit, refugada, aliás por Leite de Vas-
Sofreu igualmente g + e, i "l'intacco palatale", De onde a pronúncia concelos. W. von Wartburg, que aceita o imudavit, ajunta, para o séc. lU,
gy, isto é, *gyelare. A fase seguinte foi a redução a um iod, de onde a os exemplos pudore (por putore), lebra (por lepra), migat (por micat). 23
coincidência com o resultado da evolução de y. Passou depois a uma Todavia, como pondera Bourciez, a sonorização só se generaliza a partir
africada di, de onde a coincidência com a evolução de dy, Paralelamente do séc. V.
ao que aconteceu com ce, ci, também se criou, ao lado de di. outra afri-
Quanto à extensão da mudança, podemos assim delimitá-Ia, seguindo
cada, agora dz (assibilação).
a von Wartburg: "São as Gálias, os países alpinos, a Alta Itália até a
A distribuição geográfica foi a seguinte:
linha Spezia-Rirnini, e a Península Ibérica (que sonorizam). Toda a região
A pronúncia di é a do italiano-padrão e a do romeno. Foi também balcano-rornânica, assim como a Itália Central e Meridional desconhe-
a do português, catalão e francês antigos. Nessas línguas a antiga africada cem a sonorização. Com elas se agrupam também a Sardenha e a Córsega."
di se reduziu à fricativa i. Em espanhol, quando g- era seguido de li
No entanto, a verdade é que o sardo fica em posição intermediária:
tônico, este passou regularmente a ie, de onde uma forma gie, que se redu-
nem România Ocidental, nem Rornânia Oriental. Não há sonorização nem
ziu a ie (gelu > hielo, generu > yerno); quando seguido de e átono,
no nuorês, nem no galurês, nem no Sul da Córsega; ao contrário, sono-
a simplificação foi para e (germanu > hermano, gelare > helar). No
rizarn e espirantizam o logudorês, o campidanês, o sassarês e o Norte da
sardo, a mais conservadora das línguas românicas, o g se manteve como
Córsega.
/g/ (= gh), mas, secundariamente, se converteu em b-, Ex.:
GENERU > sd. ghenerú ou benneru, it., genero (di), rom. ginere Note-se que no italiano há exemplos de conservação da surda' intervo-
(di), ptg. genro, fr. gendre (i). cálica (havidos por regulares) e de sonorização. Assim uita >, vtta, mas
strata > strada. Geralmente se aceita que as formas com sonorização
15.4.7 - Em francês o g- seguido de a também se palatalizou, tal procedem da Itália ao norte da Linha Spezia-Rimini (Galo-Itália), onde
como vimos para c a. +~ a sonorização foi normal. Mesmo na România Ocidental há ilhotas de
Também o a se conserva como tal em sílaba fechada; em sílaba aber- não sonorização. O fato se passa em bearnês (falar gascão meridional)
ta passa para e. Ex.: e em aragonês, no Nordeste da Península Ibérica. igualmente região pire-
gamba > jambe, *galina (por gallina) > geline. naica. Em bearnês, p. ex., temos de plicare a forma pleká (cfr. o rom. a
plécã); em aragonês de sapere temos saper.
15 .4.8 - Em referência às consoantés simples. mediais, o caso mais A situação é, pois, em resumo a seguinte: sonorização no português,
notável é o da sonorização das surdas intervocálicas. espanhol, catalão, provençal, francês, dialetos reto-românicos, Norte da
Essa mudança é tão importante, que von Wartburg a considerou um Itália; conservação da surda: romeno, italiano, parte da Sardenha, Sul
dos traços fônicos decisivos para distinguir a Rornânia Ocidental (que da Córsega.
sonoriza) da România Oriental (que não sonoriza) .
Deve-se ainda observar que, na România Ocidental, há que fazer
Não se sabe com segurança em que época teve início a sonorização.
uma subdivisão. Numa área, que fica ao sul, a surda passa simplesmente
Veikko Vãânanen (Le Latin Vulgaire des Inscriptions Pompéiennes) cita
paga to, logus , tridicu~ por pacato, locus, triticum. No entanto, W. von
Wartburg= diz: "Dados mais '*antigos (isto é, anteriores ao séc. lI) de
21 The Romance Languages, p. 49, n. 1.
22 Von Wartburg, Les Origines, p. 63.
20 La Frugmentaciân, p. 47. 23 Veja-se o que a respeito desse famoso exemplo se diz na p. 99, n. 14.
•...

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CAPo IS • CARACTERES GERAIS DAS LINGUAS ROMÂNICAS 191
PREPARAÇAO À LINGUíSTlCA ROMÂNICA
190

a sonora (português, espanhol, catalão, provençal); noutra área, norte- da língua basca, falada em território limítrofe ao daquelas línguas, língua
oriental, a sonora ainda se fricatiza (se erá oclusiva) e, em certos casos, em que as oclusivas tendem a ser pronunciadas com aspiração, o que
vai até o desaparecimento (francês, franco-provençal, reto-românico). poderia ter impedido a sonorização. a opinião de Saroíhandy, que
É

Rohlfs e Wartburg adotaram.


Seguem-se exemplos:
O mais provável, portanto, é que a sonorízação românica não seja
Latim vulgar: SAPERE MATURU SECURU RIPA !l[UTARE uma decorrência do substrato céltico.
România Oriental
15.4.10 - Para W. von Wartburg a evolução do grupo interno -ct-
sapere, maturo, sicuro, ripa, muiare.
italiano: é também um traço fônico decisivo para distinguir a România Ocidental
romeno: - matur, - , ripã, a muta.
da România Oriental.
România Ocidental Na sua opinião, a evolução do grupo -ct- na România Ocidental foi
determinada por influências longínquas de um antigo substrato ceIta. Essa
a)
evolução teria tido uma base comum: a fricatização do c, que se teria
português: saber, maduro, seguro, riba, . mudar.
convertido numa fricativa dorsal surda, semelhante ao ich-Laut alemão,
espanhol: saber, maduro, seguro, riba, mudar.
e que os antigos procuravam representar pelo khi grego (X). Ora, observa
catalão: saber, -, seçur, riba, -
riba, mudar. von Wartburg, os antigos gauleses fizeram alteração semelhante; em moe-
provençal: saber, madur, seçur,
das e inscrições desse povo se encontra, p. ex., LuXterios por Lucterios,
(b) Pi Xtilos junto a Pictilos. Mesmo em outras línguas célticas, como o irlan-
francês: savoir, mur « mel/r), * s·ur « sêur), * riue, muer « mu- dês, pode-se rastrear o fenômeno: nocht, p. ex., equivalente ao lat. nocte,
der). ambos de uma raiz indo-européia *noqt.
A fase posterior à fricatização foi a vocalização na palatal i, a qual
15.4.9 - Em relação à causa do fenômeno, também bastante se tem
explicaria as diferentes transformações do grupo na România Ocidental:
especulado.
português, espanhol, catalão, provençal, francês, dialetos galo-itálicos,
Há uma teoria substratista que procura ligar o fenômeno a ances-
reto-românico ocidental. Ex.:
trais tendências célticas. Argumenta-se que no proto-celta houve um fe-
FACTU > ptg. feito, esp. hecho (o i, palatalizou o t), cat. [et, provo
...
nômeno de ordem geral denominado "lenição céltica", que consistia num
[ait (ditongo), fr. [ait (monotongo).
debilitamento das consoagtes, principalmente quando intervocálicas. Por
outro lado, a sonorização românica se verifica em regiões onde se pode Na România Oriental não houve palatalização. Em italiano se deu
assinalar um substrato céltico (p. ex., cessa junto à linha La Spezia-Rirni-
-.. assimilação (oeto > otto); no romeno a evolução foi para -pt- (octo >
ni, que separa a Galo-Itália, ao norte da Itália central e meridional). opt) .
Favoráveis à hipótese do substrato céltico foram, entre outros, Bar-
Meyer-Lübke assinala que os grupos internos ct- e -pt- tiveram evo-
toli (a sonorização é "Ia eco di una simile lenizione celtica"), Menéndez
lução divergente na România Ocidental e evolução convergente na Ro-
Pidal, A. Tovar. Não a aceitaram Meyer-Liibke, W. on Wartburg ("falta
mânia Oriental.
em céltico totalmente fundamento para isso"), A. Martinet.
Na realidade, ~a
sonorização não passa de uma assimilação parcial. 15.4. 11 - A suposição de uma influência do velho celta sobre a
Colocada entre vogais, fonemas sonoros, é natural que a consoante surda
.evolução do grupo -ct- é antiga. Já a haviam levantado Schuchardt e
tenda a ser artic~lada também com a vibração das cordas vocais. Tería-
Ascoli, e, mais tarde, Bourciez, Dauzat, von Wartburg, Terracini, inter
mos aqui um caso partichlar da lei do menor esforço. Mas a "lei do
alios.
menor esforço" não é o fator exclusivo das alterações fonéticas. Por isso
Mas há também os que contestam a hipótese. Para Vendryes, a evo-
nem sempre se verifica. Assim, no caso especial do bearnês e do arago-
lução -c(- > -it- em francês é um "detalhe de pronúncia" e chama a
nês, a conservação da surda intervocálica tem sido atribuída à influência
192 PREP;'õlAÇÃO A LlNGOisTlCA ROMÁNICA CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMÂNICAS 193

atenção para o fato de que se devem, principalmente, considerar em bloeo seguinte começava por consoante com a qual o s formava grupo capa
as tendências de cada sistema Ionológico.>' de iniciarpalavra, e ainda ss. Portanto, s-e, s-p, s-t, Eiidia-se antes de outras
\V. J. Entwistle mostra-se um tanto cético a respeito da influência consoantes; daí, p. ex., a escansão plenüs lidei, com a sílaba ús, breve,
céltica e sustenta que na Espanha (quer dizer, na Península Ibérica), só quando todos conhecemos que a faria longa a posição.
se hão de buscar conscqiiéncias do influxo céltico sobre o latim da Gália, Esse estado de coisas durou até o tempo de Catulo e. dos chamados
Para Vidos, "não é necessário admitir neste caso uma influência do subs- "poetas novos" (séc. I a. C.). A reação culta restabeleceu, pelo menos
trato céltico para as línguas românicas, dado que a transformação ct > nas classes mais elevadas, a pronúncia do -s final. A esse respeito é
cht > it aparece, independentemente delas, nos mais diversos territórios muito instrutivo o seguinte' comentário de Cícero no Orator: "Quin etiarn,
lingíiísticos". ~,
quod iam subrusticum uidetur, olim autem politius, eorum uerborurn,
E cita exemplos do berbcre e do húngaro. Recorde-se que também em quorum eaedem erant postremae duae litterae quae sunt in optimus, pos-
osco-urnbro ouve urna evolução semelhante: Ühtavis correspondente ao tremam litteram detrahebant, nisi uocalis insequebatur. Ita non erat offen-
latim Octauius.
sio in uersibus quam nune fugiunt poetae noui" (46. 161). Portanto, na
Em suma, embora militem a favor da hipótese substratista razões sua época, a supressão do s- final já era vista como subrusticum, isto é,
ponderáveis e a ela se alie a maioria dos rornanistas, não se pode consi- coisa de campônios.
derá-Ia solidamente constituída. Com os dados de que dispomos, é igual-
Partindo daí, W. von Wartburg admite que, nas regiões da România
mente válida a hipótese contrária, dos que vêm em tal evolução conse-
onde o -s final se conservou (Ibéria, Gâlia) , triunfou a reação das esco-
qüência de fenômenos gerais de ordem fonológica.
las. Já o contrário se teria dado na Itália e' na Dácia.
Para a Dácia, a última das grandes províncias conquistadas pelos
15.4. 12 - Fenômeno fonético da maior importância é o do destino.
romanos, obra de, Trajano (primórdios do séc. II d.C.), temos o teste-
do -s final na România. Para von Wartburg "a mudança fonética mais
diferenciadora e importante, e de maiores conseqüências entre todas as munho de Eutrópio: "Traianus, uicta Dacia, ex toto orbe Romano infi-
que ocorrem no interior da România, é .sem dúvida a que oferece o nitas eo copias hominum transtulerat ad agros et urbes colendas" (VIII,
tratamento do -s final".2. 6) . 28 Portanto, a colonização da Dácia se fez com imigrantes das mais
baixas camadas da população.
Corno se sabe, com base na evolução dessa sibilante final, se pode
fortalecer a distinção entre a România Ocidental, que conserva o -s final, No que diz respeito à Sardenha, porém, o problema é mais delicado.
e a Rornânia Oriental, que o perde . Por que se teria conservado' aí o -5 final, quando se sabe que a cultura

Na busca para a expljcação do fenômeno, os romanistas considera- romana penetrou fracamente na ilha? Von Wartburg supôs que o latim
ram em primeiro lugar os fatos latinos. tivesse sido introduzido na ilha por intermédio de funcionários, dos quais
os nativos teriam aprendido a língua -, A esse respeito assim se manifesta
Na época arcaica, ~s inscrições apresentam numerosos exemplos de
Max Leopoldo Wagner:
perda do -s final. No entanto, urna das mais antigas, a famosa fíbula
prenestina (600 a.C.) mantém o -s: Manios med [hejhaked Numasioi.
A teoria de von Wartburg não me convence; de qualquer
Segundo se pode deduzir da prosódia latina, até a época republicana
forma ela não se pode aplicar à Sardenha, país rural por exce-
(Plauto, Terêncio, Lucrécio ),21 a queda ou manutenção do -s -final de-
lência, com um desenvolvimento mínimo de centros urbanos. Não
pendia de condições fonético-sintáticas. Seguido de palavra começada por
temos o domínio romano; pode-se presumir que tenham existido
vogal, o -s se articulava: dis est., Também se articulava quando a palavra
em Cagliari e talvez também em centros menores, mas que tarn-

2> Para essa parte v. Jungernann, op, cit., p. 210 e segs,


2, Manuale, p. 216. 28 "Vencida a Oácia, Trajano trouxera para a colonização dos campos e das
cidades, de todas as partes do Irnprio Romano inumeráveis contingentes humanos."
'0 La Fragmentaci6n, p. 34.
Isso fora necessário, porque as guerras de' conquistas haviam exaurido a Dácia de
<1 V. Lausberg, Ling, Rom., I, 427. homens.
,,~
194 PREPARAÇAO À LINGUISTlCA ROMÂNICA CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LINGUAS ROMÂNICAS 195

bém tivessem existido nas aglomerações rurais é mais que duvi- Note-se que essa alteração fonética teve repercussão na Morfologia.
doso.29 Nas línguas da România Ocidental a manutenção do -s permitiu que se
usasse o acuso pI. como forma de plural, quer para substantivos quer
A contestação de von Wartburg pode ler-se em La Fragmentación, para adjetivos: capra > cabra, capras > cabras.
p. 38-40.
Nas línguas em que o -s se perdeu, porém, o acuso pI. se igualou ao
Para Vidos!? essa tese (da origem social do fenômeno conservação
acuso sing. Tornou-se necessário então apelar no plural par" outro caso,
ou perda do s final) "é dificilmente sustentável, porque o -s, segundo as
que foi o nominativo. Daí os plurais, em italiano e romeno, em -i e
inscrições de Pompéia (latim popular), era estável".
em -e. Ex.:
Estudando o problema, são estas as considerações finais de Elcock:
cavallo (it.) , pI. cavalli; cal (rom.), pI. cai.
Em conclusão, deve-se observar que o relacionamento entre a capra (it.), pI. capre; caprã (rom.), pI. capre,
perda do s final em latim vulgar e sua ausência nas línguas româ-
nicas orientais é discutida por alguns especialistas, embora por
motivos que não me parecem muito convincentes. ,É um tanto arbi- ADITAMENTO
trário admitir a continuidade de um fenômeno e negar a de outro,
quando em ambos os casos as condições essenciais para a admissão Em relação ao consonantismo, as correlações que Iordan-Manoliu
de tal continuidade, isto é, atestação não só em latim vulgar mas apontam são as seguintes: de quantidade, de plosão, de sonoridade.
também nas línguas românicas estão inteiramente preenchidas.s-
Em latim havia a oposição consoante simples cons. geminada,
r-:

Contudo, não há indisputável evidência em tal sentido. É possível tipo annus "ano't r-' anus "velha". Nas línguas românicas, com exceção
que o s final tenha sido restabelecido em toda a România (daí o s em do italiano (cfr. fato e falto), onde têm valor fonológico, as gemi nadas
sardo, p. ex.) e que a sua perda na România Oriental decorra de causas desapareceram por simplificação.
especiais. Nesse sentido adverte Lausberg i= A correlação de plosão decorre do aparecimento no latim tardio de
O tratamento românico oriental do -s não é, portanto, uma uma série de africadas, por assibilação ou palatalização das respectivas
continuação direta da antiga desaparição no latim do -s, mas cons- plosivas. Essas africadas são as seguintes: ts, ti, dz, di.
titui um fenômeno que pressupõe a existência do -s (ainda que com Em port. e em fr. as africadas se perderam com o correr do tempo:
uma diferente realização fonético-sintática). ts reduziu-se a s, ti a s, dz a z e di a i. A existência em Portugal de
um fonema ts em falares do Norte é hoje fenômeno relegado ao plano
Para Rohlfs, "a queda do -s na área lingüística italiana não dialetal. No Brasil, o dialeto caipira apresenta um fonema ti, talvez re-
remonta, portanto, absolutamente à época do latim vulgar, mas
sultante de um substrato indígena, como pensava Serafim da Silva Neto.
deve ter-se generalizado somente nó decorrer da Idade Média".
(Grammatica Storica, Fonética, p. 431.) A fala culta carioca e de outras regiões do país tende a fricatizar as
dentais It/ e Idj quando seguidas de i ou y (iod).
Seguem-se exemplos: A correlação de sonoridade resultou da sonorização das surdas in-
Duas > ptg. dois, esp. dos, cat. dos, provo dos, fr. deux (fr. ant. tervocálicas, fenômeno bastante difundido na România, de que também
deus), mas: rom. doi. já tratamos. Quanto a esse ponto, a tendência hoje é não privilegiar a
consoante inicial, sujeita então ao mesmo tratamento da consoante medial. I
Quando intervocálica (por estar precedida de palavra terminada em vogal).
29 La Língua Sarda, p, 64.
30 Manuale. p. 287. n. 3
a tendência da consoante inici'al era também sonorizar-se, de onde duas '1
31 The Romance Languages, p. 52. variantes nessa posição, uma surda e outra serni-sonora, Prevaleceu a I
3~ Op; cit .• I. 433.
•... surda, por ser mais freqüente, como pensa Robert A. HaU Jr . 1
'TI

196, PREPARAÇAO À LINGUISTlCA RoMANICA CAPo 15 - CARACTERES GERAIS DAS LíNGUAS ROMÂNICAS 197

15.5.1 - REDUÇÃO DAS DECLINAÇOES


11- Morfologia
Esta rápida caracterização lingüística dos idiomas neolatinos, no A 4.a declinação latina era relativamente pobre: alguns masculinos
campo da Morfologia, será vista primeiro no ela Mórfologia Nominal, de- e neutros, raros femininos. O seu destino foi ser absorvida, no latim
pois 110 da Verbal vulgar, pela declinação a que mais se assemelhava, a 2'\ muito mais rica.
A confusão data do próprio lato literário, onde se encontra, p. ex.,
MORFOLOGIA tv'OMlNA L senatus, i a par de senatus, us; tumultus, i (are.) ao lado de tumultus,
us; pinus, i e pinus, us, etc. Domus apresentava conjuntamente flexões
15.5 -. As categorias gramaticais a que se subordinavam os nomes latinos de 2.a e de 4.a. Neutros, como cornu e ueru, também apresentavam no-
(substantivos, adjetivos, pronomes) eram três: gênero, número e caso, minativos comum e uerum. Demais, a 4.a declinação não possuía adje-
normalmente reunidas numa só f1exão. Ex.: amicos, flexão -os (acus. tivos, ao contrário da 2.a. Nada de admirar, portanto, que o povo pas-
masc., pl.). sasse a flexionar pela 2.a todos os nomes em -us.
Os gêneros eram três: masculino, feminino e neutro. Se a 4.a era uma declinação pobre, a 5.a era paupérrima. Na ver-
Os números, dois: singular e plural. dade, só possuía duas palavras vivazes: dies e res. A declinação a que
Os casos, seis: nominativo, vocativo, acusativo, genitivo, dativo e mais se assemelhava era a l.a, mas várias de suas terminações coinci-
ablativo. diam com as da 3.a e não com as da l.a. Daí que a 5.a declinação se
repartiu, no lat. vlg., entre a l.a e a 3.a.
Os casos agrupavam-se em declinações. As declinações estão para
o nome como a conjugação para o verbo. São as declinações exposição A confusão com a l.a também data do lato cláss.: luxuries, ei e
sistemática das desinências casuais. Elas se organizam de maneira tal, luxuria, ae; -materies, ei e materia, ae. Essa duplicidade de formas era
que, partindo de um caso típico (geralmente o gen. sing.), pode-se, co- freqüente nos nomes com o suf. -ies; depois estendeu-se a outras palavras.
nhecido o sistema, predizer os outros. Assim dies (onde não havia suf. -ies) converte-se em * dia, ae, de onde
-o ptg, dia e o esp. dia. Os nomes da 5.a que em ptg. terminam em -e
Havia em latim cinco sistemas de Ilexões casuais, vale dizer, cinco
(e não em -a) consideram-se como tendo passado para a 3.a. ::B o caso
declinações.
de face (mas it. faccia, rom. fatsã), rem, are. (terminado em -m, por
Na passagem do latim às línguas neolatinas, a tendência foi no sen- se tratar de monossílabo).
tido da redução do número de' flexões. A essa tendência se dá o nome
Dois subst. fern. da 4.a declinação transferiram-se para a l .": socrus
de "analitismo". Quer dizer, em vez de ser ~sar uma flexão para forma-
(a sogra) e nurus (a nora). Por se tratar de palavras referentes a pes-
lizar uma categoria grarnatlcal, preferiu-se lançar mão de uma palavrinha
soas do s~xo feminino, não puderam, mantendo a terminação, assumir
auxiliar. Assim, para a manifestação do grau comparativo, em lugar de
o gênero masco Já a App, Pr. corrigia: nurus non nura (ptg. nora, esp.
altior, como ocorria no -Iat. cláss. o lat. vlg. recorreu a uma perífrase
do tipo magis altus ou plus altus, de onde o pt.g. mais alto ou o it. piú nuera, it. nuora), socrus non sacra (ptg. sogra, esp. suegra, it. suocera,
rom. soacrã).
alto.
Em virtude _dessa tendência, comum, aliás, às línguas indo-européias,
houve redução das flexões. Os gêneros passaram a dóis (perdeu-se o 15.5.2 - REDUÇÃO DOS CASOS
neutro); os números, mantiveram-se como dois (mas o latim já havia
perdido o dual, que ainda se encontra no grego clássico); os casos pas- Os casos latinos podiam ser reduzidos a dois grupos: a) caso reto
saram de seis a tr~s, em seguida a dois e finalmente a um (quer isso (nominativo; a que se pode juntar o vocativo); b) casos oblíquos (geni-
dizer: desapareceu a declinação nas línguas neolatinas); as declinações tivo, dativo, acusativo, ablativo).
limitaram-se a três. ' O vocativo era praticamente igual ao nominativo; no plural não havia
Veremos, a seguir, os traços mais característicos desse processo sim- exceção, no singular havia uma: os nomes em -us da 2.a (como lupus)
plificador. faziam o voe. em -e (lupe) ,
•..
CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMÂNICAS 199
198 PREPARAÇÃO À LlNGUISTlCA ROMÂNICA

No lat. vgl. deixa de haver exceção: o nominativo absorve por oblíquos: um genitivo-dativo e outro acusativo-ablatívo.» A confusão entre
completo o vocativo. o acusativo e o ablativo deve ter começado no singular, pois o acuso sem
Quanto aos casos oblíquos, venceu a tendência analítica, ou seja, o -m final tendia a identificar-se, no latim vulgar, com o ablativo. De-
substituição da flexão casual por uma preposição cujo sentido se adap- mais, só .ablativo e acusativo podiam ser regidos de preposição. Uma
tava ao da flexão perdida. vez que a relação sintática ia passando aos poucos da flexão casual para
Assim, em vez da desinência de genitivo, o que se encontra é a preposição, já deixava de ter importância a forma da flexão. Daí a
de + abl. confusão no emprego de casos regidos por preposição, tão comum, aliás,
A preferência por esta ou aquela preposição decorre de equivalentes em inscrições, geralmente, em proveito do acuso Destarte, encontra-se,
sintáticos existentes no próprio latim clássico. p. ex., cum discentes suos quando a gramática do lat. cláss. exigiria cum
áiscentibus suis (cum, prep. de abI.).
Assim, o gen. partitivo podia, em certos casos, ser substituído pelo
abl. com de. É costume citar-se de Plauto dimidium de praeda, de César O dativo, p. ex., conservou-se em romeno (também com função de
pauci de nostris, de Cícero partem de istius impudentia. O gen. adverbal genitivo), embora só no singular de nomes femininos. Trata-se do dat.
com recordar também encontra equivalente em de + abl.: De te recor- sing. em -ae: caprae > capre.w Nessa mesma língua, quanto aos nomes
dari (Cícero). Em Plauto de palla memento. Em Virgílio aparece tem- da 2.a declinação, a queda de -o e -u finais igualou nom.-acus., e gen.-dat.
plum de marmore. Destarte o sing. apresenta uma só forma: domn, senhor, em oposição ao
Foi esse o germe que se desenvolveu em lat. vlg. levando ao triunfo pl. que também possui uma só forma: domni, senhores. Todavia, na
da construção com de sobre a flexão de genitivo. declinação articulada (com artigo enclítico, como é próprio do romeno)
reaparece a diferença bicasual: Ex.: 1.a decI.: sing.: nom.-acus.: capra,
O dativo, que designava o termo de um movimento mental, encon-
gen.-dat. caprei; pl.: nom.-acus.: caprele, gen.-dat. caprelor. 2'!- decl.:
trou equivalente sintático na construção ad + acus., que exprimia
sing.: nom.-acus.: domnul, gen.-dat.: domnului; pI.: nom.-acus.: domnii,
o termo de um movimento espacial. Mas também no lat. cláss. havia o
geo-dat.: domnilor.
germe dessa confusão. De Plauto cita-se hunc ad carniiicem dabo (dati-
vo de atribuição). Com os verbos de mandar, enviar pode-se encontrar, O romeno possui também um vocativo em -e, de origem latina= para
em vez de dativo, acuso com ad. Pode-se dizer Tibi plura scribam ou nomes masculinos: cumnate! Ó cunhado! Em nomes femininos, encontra-
Plura ad te scribam, como fez Cícero numa de suas cartas a Atice. São se um vocativo em -o, de origem eslava: cumnato! Ó cunhada!
construções alternativas: litteras .•alicui mittere ou ad aliquem. Adjetivos Em .francês e provençal antigos ficaram dois casos (chamados o
como utilis, aptus, idoneus estão no mesmo caso: utilis plebi Romanae, "caso sujeito", do nom. latino, e o "caso' regime", do acuso latino) até
ao lado de homo ad nulla'!} rem ". utilis, exemplos ambos ciceronianos; o séc. XIII.
locus castris idoneus (César) , mas locus ad insidias aptus (Cícero). Pode- Como a Gália é zona de conservação do -s, a declinação no francês
se, ao contrário, encontrar o dativo quando seria de espera~ o acuso com antigo apresentava-se assim:
ad; é o que se dá, p. ex., com o it clamor caelo, de Virgílio, pois aí
a direção tem sentido espacial. O resultado Ioi, no latim vulgar, a subs- 1.a decl. 2.a decl. .'3.a decl.
tituição do dat. pelo giro ad + acuso S. Pl. S. Pl. Pl.
S.
Quanto ao ablativo, caso da circunstância, foi sendo substituído pro-. CS chievre chievres I murs mur I monz mont
gressivamente por vários sintagmas preposicionais, variando a preposição CR chievre chievres I mur murs I mont monz
de acordo com o sentido adverbial da expressão. Assim, em vez de
gladio occidere, passa-se a dizer cum gladio occidere; em lugar de Romam
Obs.: u = ü, z = ts.
ire ocorre ire ad Raman;t; a monte decurrere prefere-se de monte decur-
rere; por abutêre patientia nestra dir-se-á abutêre de patientia nostra. E 33V. a respeito, Th. Maurer Jr., Gramática do Latim Vulgar, p. 92 e segs.
assim em muitos outros casos. 31Em nomes femininos provenientes da 3~ declinação, o gen.-dat. é em i.
Ex.: vulpi « vulpi). .
O resultado de tudo isso foi a chamada "redução dos casos". A 3;; "Este vocativo se manteve também porque, no curso da História, encon-
princípio devem ter sido três: um reto (nominativo-vocativo) e dois: trou apoio num vocativo eslavo em -e" (Tagliavini, Le Origini, p. 207).
~
PREPARAÇAO Á LlNGOfSTlCA ROMÂNICA CAPo 15 - CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMÂNICAS 201
200

Vê-se, pois, que uma forma murs tanto podia ser nom. sing. como 15.5.3.2 - Foi esse processo de esvaziamento semântico da noção de
acuso pI. Naturalmente que a construção da frase indicava a função que gênero que veio a triunfar no latim vulgar. Dominou o "gênero pela
se devia atribuir a tal forma. O artigo, p. ex., podia servir de identificador: terminação" e não o "gênero pela significação".
li murs « illi murus), nom. sing.; les murs « illos muros), acuso pI. Já se disse que, no latim vulgar, havia somente três declinações: a
Como nas demais línguas românicas, o acusativo acabou por suplan- l.a, a 2.a e a 3.a do latim clássico. Dessas três apenas a 2.a e a 3.a
tar o nominativo. Daí a redução final a uma forma sem -s no sing. (mil/') tinham neutros. Vejamos o destino deles.
e a outra sigmática no pI. (murs). Na 2.a dec!. os masco (e alguns fem.) faziam o nom. sing. em -us,
ao passo que os neutros, com exceções negligenciáveis, o tinham em -um.
15.5.3 - O G~NERO No acuso sing., porém (que foi, como se sabe, o caso de onde provieram
os substantivos e adjetivos românicos), ambos convergiram para -um, ou
15.5.3.1 - Em relação ao gênero, o fato mais importante é o chamado
antes, para -u, dado que o -m caiu sistematicamente no latim vulgar. Em
"desaparecimento do neutro".
conseqüência, os neutros foram absorvidos pelo masculino. Essa confu-
Esse desaparecimento teve a sua lógica, uma vez que tal gênero já são está documentada no próprio latim literário. Em Petrônio, p. ex., en-
não possuía valor semântico, como é de supor ocorresse no indo-euro- contra-se balneus, tatus, uasus, uinus, como nom. sing., por balneum,
peu, língua-mãe da família a que pertence o latim. Um exemplo: fatum etc. Destarte, uma palavra como uinum, neutro em lato cláss., é
Para designar um "curso d'água mais ou menos caudaloso", encon- encontrada como. masco nas línguas românicas: ptg. vinho, esp. vino,
tram-se em latim três palavras: amnis, iluuius e flumen. cato vi, provo vin. fr. vin it. vino, rom. vin.
Tratando-se de nome designativo de coisa, dever-se-ia esperar logi- Os neutros da 3.a passaram a ter o ac. sing. em -m, como os
camente o gênero neutro para o vocábulo. Era o que se dava realmente masco e fem. Tenderam, também, para o gên. masc., mas nada impedia
com ilumen. Parece que aqui se via objetivamente o curso d'água, sem que assumissem igualmente o fem. Mar, p. ex. « mare) foi fem. no
nenhuma conotação de ordem subjetiva: simplesmente "aquilo que cor- ant. ptg. (cfr. as expressões preamar, baixamar y e em esp. (ia mar). É

re, flui". " fem. ainda em fr.: Ia mero Leite « lactey é masco em ptg., fr. (ie tait'y,
Amnis na época arcaica era palavra feminina." Teria passado a em it. (il latte) , mas fem. em esp.: Ia leche. No mesmo caso estão
masculina por influência de [luuius , .. Quanto ao sentido, o que a dis- sal e mel, masc em ptg., fr. (te sei, le miei), it. (il sale, il miele), mas
tingue das outras duas é o seu .valor estilístico. "Mot surtout poétique et fem. em esp. (Ia sal, Ia miei) e em romeno (rnierea. sarea).
<lu style noble", esclarecem Ernout-Meillet, .não empregada por César,

mas freqüente em Tito Lívio "en raison du caractêre poétique de son 15.5.3 .3 - Particular atenção merece o destino dos plurais neutros.
style". Fluuius, termo bastante usado, foi, desde o princípio, do gênero
mascuiino. Os mesmos autores supracitados procuram assim justificar o Em latim, como se sabe, esse plural fazia-se em -a. Em razão do
gênero: "Fluuius designou a princípio o rio, personificado e divinizado". desaparecimento do neutro, tais plurais foram tomados freqüentemente
E por que amnis era feminino? - como femininos singulares. Daí surgiram conseqüências várias para as
línguas românicas.
Temos, pois, para a designação da mesma coisa (mas, provável-
mente, não da mesma idéia) três gêneros diferentes (admitindo-se o gé- Em ptg., p. ex., deu-se a duplieidade de formas no sing.: uma em
nero inicialmente feminino de amnis). A razão que levara amnls ao fem. -o, do acuso sing., masculina; outra em -a, do acuso pl., feminina. Toda-
se obnubilou dentro da própria língua latina. Quanto a [luuius e [lumen, via, as formas em -a conservaram muitas vez~s um sentido de plurali-
continuaram respectivamente rnasc. e neutro por causa das terminações zação ou coletivização. Para exemplo: [olho « foliu) e folha « folia);
(-lIS e -men). Dá-se, portanto, progressivamente a substituição do gênero lenho « trgnu) e lenha « ligna'y ; 01'0 « OUll) e ova « olla);
natural (gênero pelo sentido) pelo gênero gramatical (gênero pela ter- braço « bracchiu y e braça « bracchia) .
minação). Em italiano há exemplo de nomes masco que formam o pI. em -a
à maneira latina, tomando então o artigo a forma de. fem. pl. Ex.: il
"" Y. Ernout-Mcillct , DELL, S.V. labbro, le labbra; l'uovo, le uova; i! ciglio, le ciglia; il bracclo, le braccia.
202 PREPARAÇAO À LINGUISTlCA ROMÂNICA CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LINGUAS ROMÂNICAS 203

o caráter anômalo desses plurais levou em certos casos na Tal situação, por motivos de ordem fonética, não poderia perdurar
língua moderna à criação de formas analógicas de masco pI., e. g. no latim vulgar. Vindo ambas as palavras nas línguas românicas do
i dia, i labbri, i lenzuoli, mas as formas etimológicas continuam a acus., coincidiriam elas, no sing., numa só forma: malu. Deu-se, pois,
ser empregadas sempre que os objetos assim designados são toma- a fatal colisão homonímica já apontada por Gilliéron, cujo resultado é o
dos coletivamente. 31 desaparecimento de um dos termos em conflito, senão de ambos.
No caso presente, foi mais atingido o vocábulo denotativo do fruto.
Observação a que podemos acrescentar esta de Lausberg:
E isso pela razão de ser, dentro da conjuntura latino-vulgar, mais facil-
As vezes, em italiano, ao plural antigo em -a se opõe outro mais mente substituíveI. E que, sendo neutro o nome do fruto, a sua forma
recente (analógico) em -i e precisamente com uma clara diferen-
de plural em -a podia resolver o problema, transferindo-se o nome para
ciação semântica: ao passo que o plural antigo comporta a signi-
a 1.a decI. e dando-se-lhe o gênero feminino, a exemplo do que já
ficação própria do neutro, o plural em -i implica plural idade de
acontecera com outras palavras, como já foi visto. E, de fato, isso suce-
coisas individuais: le ossa 'todos os ossos do corpo, ossatura', gli
deu: pêra, p. ex., não vem do lato cláss. pirum e sim do vlg. pira, acuso
ossi 'os ossos de uin assado"."
pI. n. tomado como feminino sing. da 1.a decI. Em conseqüência, já
E .0' que se pode ver também neste exemplo: -le braccia "os bràços
seria viável manter o nome de árvore em -us, o qual, porém, se tomou
do corpo humano", i bracci "os braços de um rio".
masculino, por motivos de ordem analógica.
Essa situação, excepcional em italiano, é normal do romeno. Nas
Esse estado de coisas perdura no italiano e no romeno.w
gramáticas da língua da velha Dácia, fala-se correntemente em nomes
ambigenos, isto é, que são masco no sing. e fem. no plural. Assim, brato Ex. (a 1.a palavra designa a árvore, a segunda o fruto):
«bracchiu), lemn « lignu) , scaun « scamnu) são, no sg.,· masc.: PERSICU: rom. piersic, piersicã; it. pesco, pesca; PIRU: rom. pãr,
bratsul, lemnul, scaunul, mas aparecem tratados no pl. como femininos: pará; it, pero, pera; POMU: rom. pom, poamã (em it. só dialetalmente).
bratsele, lemnele, scaunele.
Mesmo em esp. esse tipo não é desconhecido: manzano (macieira),
Em rorn. também se conservam plu,.rais neutros em -ora (tipo manzana (maçã).
tempus, -oris, da 3.a decI. latina). Esses plurais são no rom. atual em
Mais comum, porém, é o nome de árvore ser também substituído,
-iiri. Assim de corpus, -oris; tempus, -oris; pectus, -oris temos, em rome-
em geral por um derivado do nome do fruto, tipo arbor piraria. :e o que
no, no sing. corp, timp e piept e no pl. corpuri, timpuri, piepturi conside-
rados femininos, em oposição ao sing., masculinos. se dá em português, espanhol, catalão, provençal e francês, com a res-
salva de que o esp. preferiu o sufixo -alis. Assim, temos para o nome
Esse pl, em -uri estendeu-se, analogicarnente, a nomes pertencentes
da árvore que produz peras: ptg. pereira, cal. perera, provo perier; fr.
à 2. a decI. latina: prat .-: pratu), praturi; [oc « focu), [ocuri; cimp
poirier; mas esp. peral.
« campu), ctmpuri.
E, o que é curioso, até nomes femininos, originariamente da 1.a decI. Observa Lausberg que, em certos dialetos do Sul da Itália, também
latina, foram assimilados, no pl., a esse tipo: Ex.: iarbã « herba), pl. se usa uma perífrase formada com a palavra pede, pede de pere por
ierburi. pereira. Deve-se acrescentar que isso é igualmente muito comum em por-
tuguês, em especial na língua popular. Ex.: pé de abacate por abacateiro,
15.5.3.4 - Especial referência merecem os nomes que designam árvores pé de carambola, pé de cambucâ. As vezes há criações regionais, como
e frutos. esta, que encontro num romance de Odylo Costa Filho, escrito em
Em latim, como se sabe, os nomes de árvores eram femininos e os estilo que imita a fala de gente interiorana: "o rosto sangrava mas
dos respectivos frutos, neutros, Ex.: malus, macieira; malum, maçã. era preciso ficar imóvel, parado como um pé de pau" (A Faca e o Rio,
p. 26).

31 Elcock, Til" Romance Languagcs, p. 58.


'" Lingiiistica Ronuinica, Ir, 40 (§ 606). 39 V. Lausberg, Lingüística Românica, lI, 35 (§ 601).
PREPARAÇÃO À LINGüíSTICA ROMÂNICA CAPo 15 - CARACTERES GERAIS DAS lÍNGUAS ROMÂNiCAS 205
204

A mesma perífrase também se aplica a arbustos de flores: pé de Todavia, não deixa de ser estranho que, na Península Ibérica, o
manacá." latim vulgar apresente a Ocidente (Portugal) e a Oriente (Catalunha) a
Quanto ao gênero do nome da árvore, a regra em português é forma nomen mas, no centro (Castela), haja preferido a forma nomine.
acompanhar ele o gênero do nome do fruto: abacate (m.), abacateiro; O paralelismo como homine > homem levar-nas-ia a admitir uma evo-
manga (f.) mangueira; caju (rn.) cajueiro; jaca (f.) [aqueira etc. lução nomine > *nomem; mas nomem não se documenta. Isto é um
argumento em favor do étimo nomen. Lembre-se, contudo, que os nomes
Há pouquíssimas exceções: figo, figueira; castanha, castanheiro (ou
em -ine faziam regularmente o pl. com ee (V. Williams, Do Latim ao
castanheira); pinha, pinheiro.
Português, § 124, 4 B), o que, documentado "nomêes, exigiria, no lato
A própria palavra "árvore" era fem. em latim: arbor, -õris. E assim vlg., "nomines. Então seria mais natural sing. nomine, pl. nomines. Como
continuou em português e sardo, línguas conservadoras. Mas o esp. ârbol, se vê, o problema ainda não encontrou solução satisfatória.
o fr. arbre, o it. àlbero e oram. arbor são masculinos.
No sing. os neutros não se conservaram. "Nas línguas românicas",
como observa Th. Maurer Jr., "não há traços do neutro singular, a não
15.6 - Adjetivos
ser em algumas formas pronominais"." ;f: o caso do ptg. tudo, isto, isso,
15.6.1 - No lato cláss. havia duas "classes" de adjetivos, que se dis-
aquilo, algo, ai. Em esp., a forma lo do artigo (o masco é el) provém
tinguiam segundo a declinação que seguiam. Na l.a classe os masco e neut.
do neutro illud: "10 bueno". E ainda esto, eso, aquello.
acompanhavam a 2.a decl. e os femininos a l;a. São adj. de 3 formas no
Quanto aos subst., os neutros em -us, õris (corpus, tempus ... ) man-
nom. sing.: -us, -a, -um, (tipo altus, a, um) ou -er, -a, -um (tipo macer,
tiveram-se no sing. Daí o fr. temps (are. tems) , o provo temps, o sardo
-ra, -rum). Como o acus. é o caso lexiogênico, essas três formas se redu-
tempus. No esp. antigo dizia-se pechos, tiempos. Pidal (Gram., p. 215)
zem no sing. a duas: altuml altam, macrum/macram e no pl. também a
iembra do Arcipreste de Hita "cató contra sus pechos el águila ferida".
duas: altos/altas, macros/macras.
Depois essas formas foram tomadas como plurais, formando-se, por ana-
logia, o singular tiempo , pecho .. Em ptg. <leve ter-se dado fato similar. Quanto aos adj. de 2_a cl., seguiam eles a 3.a decl. em qualquer gê-
Cfr. a expressão adverbial "de tempos em tempos". nero. Podiam ser triformes (tipo acer, -ris, -re) , biformes (tipo breuis,
e-) ou uniformes (tipo [elix, -icis),
Quanto aos neutros em -men, Lausberg (Ling. Rom., I, § 531) tira
o ptg. nome, o cato nom, o provo nom, o fr. nom, o it. nome, oram. No lato vlg. os da l.a classe conservaram-se como biformes (m. em
-um, tem. em -am) e os da 2.a ficaram todos uniformes (terminação
num e, o sd. námen (ou nómen.::) do acuso sing. neutro nomen. Williams,
-em para os 2 gên.). Daí em ptg_ os adjetivos biformes em -0/ -a (como
para o ptg., também parte ríe nomen (Do Latim ao Português, § 97, 4).
alto, alta) e .os adjetivos uniformes, em -e ou em cons. (p. ex.: breve; fe-
Para o esp., porém, é preciso partir de um acusativo nomine (m), ana-
liz). A situação é a mesma em esp. e italiano= (p. ex.; buena/buena,
lógico dos subst. masc. "(Cfr. Pidal, Gram., § 59, 1.)
buono / buona; verde) _.
A razão é que, em esp. a terminação a/u./ o -mine evolui regular-
Em fr. a passagem do -a final a -e e a queda do -o final alteraram
mente para a/u/o/ -mbre: "nomine > nombre, lumine > lumbre, ho-
a situação. Daí bon/bonne, cher/chêre, blanclblanche (1.a classe). Os
mine, > hotnbre, * [aniine > hambre. Logo, não seria possível nomen
adj. de 2.a cl., que deviam ser uniformes (e assim o eram no fr. are.),
> nombre.
tomaram, por analogia, um -e no fem, Ex.: fort (m.), forte (f.).
Em rom. (adj. de l.a classe), caíram -u, -o, finais e o -a final se
transformou em (som semelhante ao do e mudo francês); o pl. assu-
"0 r:
mais corre>o, em português, formar o nome de árvore com sufixo, em

\CZ de apelar para a perífrase I,é de. Assim, dir-sc-á laranjeira e não pé de laranja. miu as terminações do nominativo. Daí as formas: sing.: bun, bunã, pl.:
Todavia. se o nome do fruto c~tivcr acompanhado de um determinante, é de rigor buni, bune.
o uso da locução p<; de. Cfr. o nome do livro de José Mauro de Vasconcelos:
Meu Pé de Laranja Lima .
•, J GramlÍtica do Latim Vulgar, p. 79. 42 Em italiano, todavia, os adjetivos uniformes são apenas em -e: [elice.
CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS l[NGUAS ROMÂNICAS 207
PREPARAÇÃO À LlNGUISTICA ROMÂNICA
206

em -er tanto podiam pertencer à 1.a classe (liber, p. ex.) como à 2. a


Quanto aos adj. de 2.a c1., apresentavam uma só forma no sing. (em
t pauper, p. ex.). 41
-e) e outra no pl. (em -i). Ex.: verde, verzi,
A [irmus, -a -um corresponde o ptg. firme (mas cfr. eniêrmo <in-
Houve algumas trocas de classe. Ex. da 2.a para ala.:
firmu), o esp. também firme. No latim tardio ocorre iniirmis (Ernout-
Acer, -ris, -re passou no lat. vlg. a acru (cfr. App, n.? 41 acre non Meillet), de onde se deve ter deduzido um primitivo *firmis.
acrum)., de onde ptg. e esp. agro, it. agro, rom. acru. Mas em composi- Também em nossa língua temos contente, quando em latim o que
sição temos em ptg. -agre. Ex.: vinagre « uinu acre). existe é contentus, -a, -um. A passagem de contentus a contente deve-se,
Pauper, -eris também passa a pauper, -era, -erum (cfr. - A pp Pr. provavelmente, à contaminação com os particípios em -ente (temente, pa-
n9 42 pauper mulier non paupera mulier), de onde it. povero, -a; sd. tente, corrente etc.) Cfr. o esp. contento.
pabaru. Todavia, o ptg. e o esp. conservaram a decl. lat.: pobre.
Tristus por tristis é erro que a App. Pr. também condena (n? 56). 15 .6 . 2 - O fenômeno da analogia levou à criação de femininos em -a
Daí procedem o it. tristo, o sd. tristu. em adjetivos que, por serem provenientes da 2.a classe, eram uniformes
No ptg.· ant. documenta-se rudo em voz de rude (Iat. rudis, -e). As- na língua antiga, tanto portuguesa como espanhola. Isso se dá principal-
sim nos Lus., I, 5: "E não de agreste avena ou flauta ruda." mente com os adjetivos em -ore e -ense. No ptg. arc., p. ex., dizia-se
"rnolher português" e em esp. "província cartaginês". Hoje essas formas
Essa troca de declinações pode encontrar explicações satisfatórias
são, respectivamente, portuguesa, cartaginesa. Todavia, ainda .dizemos
nestas palavras de Lausberg:
mulher cortês, cabra montês, galinha pedrês.
Aos adjetivos da 3.a decl. latina falta (já que os adj. de três ter- Também os nomes em -or (subst. e adj.) eram invariáveis. Dizia-se,
minações também se convertem em adj. de duas terminações) uma p. ex., mia senhor e não minha senhora. Hoje os nomes em -or fazem o
formação característica feminina. Por isso pode-se comprovar já no fem. ou -com acréscimo de -a, ou mudando or- em -eira, ou mudando
lat. vlg. a tendência para remediar tal situação mediante a formação -dor I-tor em -triz. Ex.: encantador, encantadora; lavador, lavadeira; ge-
de um novo feminino em -a, e este, por- sua vez, podia ser o pon- rador, geratriz (a fração); diretor, diretriz (a linha).
to de partida para refazer um masco em -us, de sorte que o objetivo Os adjetivos em -or, na origem comparativos, mantêm-se invariáveis:
(nem sempre conseguido) dessa tendência desemboca na transfe- maior, menor, melhor, pior, anterior, posterior, superior (superiora é subs-
rência dos adj.· de três terminações em geral para os adj. da decl. tantivo), inferior, exterior, interior.
em -O e -a: latim vulgar tri~tus, acrus «.
tristis, acer). 43
15.6.3 - Quanto à formação dos graus, note-se a substituição, no latim
o adj. uetus, -eris, "velho", normalmente não passou para as línguas vulgar, do processo sintético (altior, p. ex.) pelo analítico (magis altus/
românicas; foi substituído pelo diminutivo uetulus, que, através da forma plus altus), O processo analítico já existia no latim clássico. Empregava-se
sincopada uet'lus veio a dar no latim vlg. ueclus. A App, Pr. corrige uetu- quando, por qualquer motivo, o adj. não aceitava flexão de grau. Usava-se
lus non ueclus . .É a base do ptg. velho, do esp. vieio, do fr. vieil, do it. então o adv. magis. Ex.: magis mirus (não se podia dizer mirior). O adv.
vecchio, plus era menos freqüente, mas não desconhecido, com esse valor, no
Mas de uma forma ueteru, -a proveio o ant. porto vedro, -a que ain- próprio latim (plus miser, em Enio ). A preferência por plus se acentuou
da ocorre em composições: Pontevedra, Torres Vedras, Alhos Vedros. na Itália, de onde irradiou para °
Norte da França. Temos, pois, atual-
Por outro lado, pode-se comprovar a tendência inversa: passagem mente a seguinte distribuição: magis, para o ptg. esp. rom.; plus para o
de adj. da P para a 2.a classe. Assim, no lato temos liber, -era, -erum, ital. fr. provo sd. O catalão antigo preferia pus « plus); hoje (prova-
:.r
mas o ptg, apresenta livrê e o esp, libre, o que pressupõe no lato vlg. his-
pânico *liber, -ris, o que é razoável, uma vez que os adj, de Dom. sing.
•.• Th. °Maurer Ir. (Gram. do Lat. V/g. p. 101, nQ 290) admite que o ptg. livre
e o esp. livre sejam formas galo- românicas ("se é que não foram importados atra-
vés da Gália").
oU Ling, Rom., li, § 676.
PREPARAÇAO À LINGUISTICA ROMÂNICA CAPo IS • CARACTEnES GERAIS DAS LlNGUAS ROMÂNICAS 209
208

velmente influência espanhola) o corrente é"mês « magis). Ex.: ptg. mais gern brasileira valor particularmente intensivo e quiçá pejorativo. Ex.: in-
alto, esp. más alto, cato més alt, provo plus- alt, fr. plus haut, it. .piü alto, [amérrimo, chiquérrimo, bacanérrimo.
sd. plus altu, rom. mai tnalt. O que se deu no latim vulgar, porém, foi a substituição das formações
O comparativo sintético ou orgânico sobrevive nas línguas românicas sintéticas pelas analíticas, como seria de esperar. O processo analítico já
(exceto em romeno), particularmente, como observa Lausberg, naquelas . era conhecido do latim clássico. Aplicava-se naqueles casos em .que, por
formações de caráter "supletivo", isto é, que não derivam o comparativo qualquer motivo, o adjetivo não admitia gradação orgânica. Usava-se
do radical do positivo. Assim, como comparativo de "bom" temos, p. ex.: então, como palavra intensiva, um advérbio como valde, multum, maxime,
ptg. melhor, esp. mejor, cato mil/ar, provo melhor, fr. meilleur, it. migliore. summe. Foi esse processo que se generalizou na língua popular. Mas o
Mas a tendência analítica continua a atuar: em esp. se diz más grande, ponto de partida está na construção literária. Maurer Júnior cita de Horá-
em fr. plus grand; em ptg. se pode dizer mais pequeno, usualíssimo em cio "multum celer ataque fidelis" (Sat., lI, 3, 147), onde deve haver
uma concessão coloquial.
Portugal.
O adv. multum foi o que passou para o ptg. (muito alto), para o esp.
Das línguas românicas aquelas em que as formas sintéticas de com-
(muy hermoso), para o ital. (molto bello), cat." molt, fr. ant. mout,
parativo sobreviveram duran"te mais longo tempo foram o francês e" o
provençal: graignour « grandiore), no fr. medieval; alzor « altiore), Em fr. generalizou-se com esse valor a prep. trans, com certeza atra-
no antigo provençal. .vés do prefixo trans-, que podia ter valor intensivo. Cfr. no porto pop. do
Brasil a expressão intensiva pra lá de: "ele é pra lá de rico" (não esque-
No ptg .. are. existiu chus « plus) ao lado de mais « magis). Ex.:
cer que o sentido de trans- é "além de"). Em fr. trans > três ("il est
"chus mol é que manteiga".
Ires riche"). "
A forma chus, cedo desaparecida, é talvez de proveniência galega,
Relernbre-se que em lato havia prefixos com valor intensivo, princi-
como pensava Huber.
palmente prae e pre. Ex.: praecommodus "muito vantajoso", prege/idus
15.6.4 - Em latim, o chamado superlativo absoluto formava-se com "muito gelado". Daí em rom. empregos como prea inalt "muito alto".
vários sufixos: -issimus, -rimus, -limus (altissimus, nigerrimus, [acillimusy, No rom. o normal é o uso do adv. [oarte « forte). Ex.: [oarte
Essas formações, principalmente os derivados de -issimus (o mais usual), jrumos "muito belo". Cfr. o fr. fort gentil.
podemos encontrá-Ias nas línguas românicas, como o ptg.: altissimo, ni- O advérbio que reforça a ,ignificação do adjetivo tem via de regra
gérrimo (ou negríssimo), facílimo. ' valor afetivo. Daí a variedade dO)advérbio que tal processo permite. Cfr.
Não se pense, porém; em continuação direta do latim vulgar. No em ptg.: excessivamente, extraordinariamente, profundamente, desmedida-
latim vulgar, como é natural, predominaram as formas analíticas em lugar
mente, enormente, [antasticamente etc. adjetivo. +
das sintéticas, as quais 'ocorriam, contudo, no, latim medieval. Foi como
15.7 - Artigo
cultismo que os superlativos penetraram .nas línguas românicas. Para o
. porto costuma-se datá-Ias do séc. XV. Da língua culta passaram à popular. 15.7. 1 - Em latim não havia artigo. A sua existência nas línguas neo-
Hoje, p. ex., são correntes em nossa língua formas como altissimo, belis- latinas é, pois, uma criação românica. Para Lausberg a generalização dessa
simo, riquissimo, [eliclssimo etc. Existem àté derivados tipicamente popu- partícula no românico comum "deve-se explicar provavelmente por influ-
lares, como grandississimo.w A propaganda comercial criou um satisieitis- ência do adstrato grego" :16
sissimo, O artigo teve origem no demonstrativo latino. Por intermédio de
Como se vê, a preferência foi pelo sufixo -issimo, Mas a terminação certos demonstrativos, aludia-se a um ser já real ou supostamente conhe-
-érrimo não é desconhecida- e, por s~' mais rara, vem tomando na lingua- cido do interlocutor.

• 5 Said Ali (Gram. Hist .• p. 81) registra a forma arcaica grandcssissimo, ,c, Ling, Rom .. l I, § 743.
211
CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMÂNICAS
210 PREPARAÇAO A LINGOISTICA ROMÂNICA

Temos, pois, para o port., as formas io « illu) , ia « illa), tos


Sousa da Silveira'" assim distingue o artigo definido do indefinido:
« illos) , las « illas), que cedo se reduziram a o, a, os, as, por moti-
"O artigo indefinido propõe indivíduos desconhecidos ou que ainda
vos de fonética sintática (de los livros> de os livros> dos livros) .
não foram mencionados; o artigo definido executa o contrário: mostra in-
divíduos conhecidos ou já mencionados". Em catalão, as formas antigas seriam fo, la, los, les, ainda hoje "dia-
letais". Em virtude de fenômenos de fonética sintática (de ia home >
E excmplifica com o famoso Apálogo de Machado de Assis, que tem
de l'home > del home) surgiu a forma el que, com seu pl. eis, é hoje a
este começo: "Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha."
mais usada em cidades como Barcelona e Valência,4s talvez por influência
E, logo, prossegue a narrativa: "Chegou a costureira, pegou do pano,
pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a castelhana .
coser." No francês, a conservação de uma declinação bicasual, modificou um
:E. a essa transferência
do valor propriamente demonstrativo do pro- pouco esse estado de coisas na língua arcaica. A situação era então a
nome para um sentido 'alusivo que se tem chamado "esvaziamento" do seguinte:
conteúdo significativo do pronome. Esse esvaziamento tem sido apontado
como a causa da passagem do pronome demonstrativo latino à função in- Singular Plural
dividualizante de artigo.
* illi49 ;> li {Nom. illi > li
Os demonstrativos atingidos por esse processo de esvaziamento foram {Nom.
masco
Acus. illu > lo, lc Acus. illos > lcs
dois: ille (quase sempre) e ipse. Ille - que se traduz como "aquele" _'
é um demonstrativo da 3.a pess., isto é, não se refere nem a quem se
illa > Ia {Nom. (não passou)
encontra perto da pessoa que fala nem da pessoa com que se fala. Tra- {Nom.
ta-se, pois, de um ausente do diálogo. Ipse é um demonstrativo de iden- fem.
Acus. illa > la Acus. illas > les
tidade: enfatiza o indivíduo a que faz referência (Caesar ipse, "o próprio
César, ele e não outro"). •
No fr. modo só ficaram as formas provenientes do acuso le, ia, leso
No latim vulgar, ille ocorria em nom. (ille, illa) ou em acuso (illum,
Em provençal temos as formas lo, ia, los, tas. Para o masco também
illam). Podia preceder ou seguir o substantivo.
O uso freqüente .de ille e ipse, com um valor que o iria aproximando se encontram as formas le e el.
do artigo definido, pode-se acompanhar em textos em latim tardio, parti- O italiano é língua que derivou o ar\tigo do pron. demo com acento
cularmente na Peregrinatio Aetheriae. primitivamente na l.a sílaba, como em latim. Daí a forma do masco sing.
O esvaziamento semântico do demonstrativo conferiu-lhe o caráter de il. Também existe a forma lo, que se usa antes de s impuro (to studio),
partícula e, como tal, foi perdendo a tonicidade. Daí o seu emprego quer ou de vogal (com elisão l'): l'articolo. No pl. se empregam respectivamen-
como proclítico, 'quer como enclítico. DeU-SI! então) por motivos de foné- te i e gli: i pronomi, gli articoli.
tica sintática, a redução das formas illu(m), illa(m), illos, illas ou à No fem. emprega-se, no sing., ia (que se elide antes de vogal) e, no
primeira, ou à segunda sílaba. pl., le, que não se elide: Ia lingua, le lingue, le idee.
Nas Gálias e Nordeste e Noroeste da Península Ibérica (não ao Cen-
O sardo e o romeno estão em posição especial no que diz respeito
tro), 'de onde se estendeu para o Sul, predominou a forma reduzida à
ao art. definido: o sardo porque o deriva de ipse e o romeno porque c
sílaba final, provavelmente através "de uma acentuação illúm, illám. No
Centro da Península lPérica (Castela) e Itália, venceram as formas redu- usa encliticamente-
zidas à primeira sílaba. •

48 Fr. de B. Moll, Gramática Histórica Catalana, § 277.

41 Lições de Português." p. 183.


4" 'A forma illi, em lugar de ille, deve (Por surgido por analogia com qui.
CAi'. 15 • CARACTEnES GERAIS DAS L1NGUAS ROMÂNICAS 2i3
PREPARAÇAO À LlNGOiSTlCA ROMÂNICA
212

Em vez da forma-(u)l para o artigo enclítico masco sing., também


Em sarda o artigo assume as formas su, sa, sos, sas. São formas
ocorre le, que se aglutina aos nomes terminados em -e. Ex.: num e (nome),
provenientes do acuso (ipsu, ipsa, ipsos, ipsas), com deslocamento inicial
numele (o nome). Aglutina-se -l quando o nome termina em -u: lucru
do acento da 1a para a 2i!- sílaba."
(trabal ho ), lucrul (o trabalho). A forma -ul é para os demais casos, como
O romeno recebeu o art. defino de ille, com acento deslocado para a
domn, domnul, já visto.
2.a sílaba, tendo-o aglutinado ao final do subst., ao contrário do que
fazem as demais línguas românicas. Criou-se, assim, o que pareceu a Le é forma proveniente do nom. (ille) , ao passo que -I derivà do
Elcock "talvez a mais,.ostensiva diferença entre o romeno e as outras lín- acuso(illu). 50 O plural -I filia-se no nom. pl. latino illi.
guas românicas". 01 Para o fem. o art. tem as formas -a « illa) no sing. e le « illae)
Como em albanês e em búlgaro também ocorre a ênclise do artigo, no pl. Ex.: caprã (cabra), capra (a cabra); capre (cabras), caprele (as
já se supôs influxo de um substrato traco-ilírio na posição do artigo em cabras) .
romeno. O artigo em rom. ainda conservou formas de dat.-gen., tanto no sing.
Declina-se o artigo em romeno. Sendo ele enclítico, isso leva a uma como no pl., quer no masco quer no fem:. Essas formas são: -lui « illúi) ,
declinação do substantivo, chamada "declinação articulada". no sing. e -lor « illorum'y, no pl., para o masco e -ei « illáei), no sing.
Por analogia, pode-se falar numa "declinação não articulada", tendo- e -Ior « illorum, por illarum), no pl., para o fem. Acima essas formas
se em vista ainda que os nomes femininos, no sing., apresentam uma aparecem exemplificadas.
flexão de dat.-gen. A situação é, pois, a seguinte:
15.8 - Nume(ois
a) Declinação não articulada

Singular Femininos Plural


"Dos quatro tipos clássicos (cardinais, ordinais, distributivos e
Nom-Acus. caprã (cabra) capre (forma única) multiplica tivos ) a língua vulgar só manteve os cardinais, ficando
Dat.-Gen. capre apenas traços dos outros, p. ex., dos. dois ou três ordinais mais sim-
ples e de alguns distributivos e nada dos multíplícatívos.'?"
Masculinos
domn (forma única): (senhor) dornni (forma única): (senhores) Por isso diremos alguma coisa somente dos cardinais.
Em latim, das unidades, apenas as três primeiras se declinavam:
b) Declinação articulada unus, una, unum; duo, duae, duo; tres, tria.
Femininos Unus em todas as línguas românicas é biforrne, isto é, apresenta
caprele uma forma para o masco e outra para o fem. Ex.:
Nom.-Acus. capra
Dat.-Gen. caprei caprelor ptg.: um, uma; esp. uno, una; cat. un, una; provo un, una; fr. un, une;
it. uno, una; sd. unu, una; rom. un, o.
Masculinos
O rom. o, ainda que pareça surpreendente, é contração de *ua, que
Norn.vAcus. .dornnul domnii provém de una, onde houve queda inexplicada (cfr, [una> lunã) do -n.
Dat.-Gen. , domnului domnilor
O numeral unus ampliou no lat. vlg. o valor indefinido que também
possuía no lat. cláss. A idéia primitiva era de "único, só". Com valor
00 Encontra-se o artigo proveniente de ipse também no catalão das Baleares
e, alguns pontos da Gasconha e da Catalunha. Para Lausberg (Ling. Rom., II, §
743) "o latim ipsc representa o estrato mais antigo da forma do artigo em românico". '" Lausbcrg, op. cit., II, § 745, p. 216.
~J Maurer Jr., Gram. Lat. VIg., p. 119.
'" Elcock, op. cit.,' p. 89.
214 PREPARAÇAO À LINGÜfSTlCA ROMÂNICA <AP. 1S • CARACTERES GERAIS DAS L(NGUAS ROMÂNICAS 215

indefinido, p. ex., em Cíc. A tt, 9, 10, 2: lamquam unus rnanipularis "tal' Quanto a 16, dividem-se as línguas românicas. O port. e o esp. pre-
como um qualquer soldado".« feriram o tipo analítico decem et sex;: dezesseis, dieciseis. As demais lín-
Com esse' valor indefinido, unus passou a ter, pl. no latim vulgar, o .guas românicas (com exceção do romeno) apoiaram-se em sedêcim: fr.
qual sobrevive nas línguas românicas: uns (ptg.), unos (esp.), uns (fr, seize, prov. setzs, cato setze, it. sedici, sd. seighi.
arc.) . No ptg. e esp. antigos documenta-se a forma seze.
Duo conservou-se geralmente através da forma de acuso duos, duas, No ptg. europeu é hoje normal pronunciar-se dezasseis, dezassete,
*dua. *Dua, formado provavelmente por analogia com tria, substituiu no- dezoito, dezanove (formas dialetais e populares no Brasil).
lato vlg. o cláss. duo. Temos, então, o seguinte resultado nas línguas ro- Diz Williams que: "As formas do português moderno, que aparece-
mânicas: ram pelos meados do séc. XV, resultaram da substituição da conjunção
ptg.: dousjdois « duos) , duas « duas); esp. dos (a forma fem. e pela preposição a com força aditiva.r" Apóia-se em Nunes e Epifânio
dues reduziu-se desde o séc. XIII também a dos); cat. dos, dues; prov, Dias. A doutrina do a preposição foi também defendida pelo Dr. Leite de
dos, doas; fr. deux « deus fr. ant.); it. due, para os 2 gên.; rom. doi, Vasconcelos" (V. Opúsculos, IV, p. 956 e 1.115).
douã. Em sardo mantiveram-se duos e duas; "um resto de neutro é o logo O próprio Williams, porém, deixa uma porta aberta para a hipótese
e campo dua," 55 de que as formas com a podem ter provindo 'da composição analítica
Quanto a tres, tendo perdido a forma neutra tria, ficou invariável nas, decem ac sex, aparecida já no lat. vulgar. Se esse a é preposição (e, por-
línguas românicas: ptg. tres, esp. tres, cat. tres, provo tres, fr. trois, it. tanto, de formação mais moderna), ou se provém da conjunção ac do
tre, sd. tres, rom. trei. !at. vulgar, eis o que para Elcock é difícil de dizer: "Em português uma
Os outros cardinais até 10 já eram invariáveis em latim. forma dezassete deslocou a antiga dez e sete, mas se essa forma sempre
De 11 a 19 conservou-se parcialmente o tipo latino: undecim, duode- existiu como uma alternativa derivada de DECEM AC ... , ou se é mais
cim, tredecim etc. Pelo menos até 15 é o que se encontra nas línguas ro-· recente formação, parece impossível decidir.?"
mânicas. Ex.: Em romeno se emprega, a partir de 11. um tipo novo, estruturado
com palavras latinas, mas calcado em modelo alienígena: unus super
latim porto esp. provo fr. ital. decem. Como esse processo se encontra igualmente no albanês e no
búlgaro, é lícito falar aqui em influência eslava." Daí as formas romenas:
undêcim ;> onze once
.
onze onze undici
unsprezece, doisprezece, treisprezece, patrusprezece, cincisprezece, sases-
duodécim
tredécim >
> doze
.. 'doce dotze douze
treize
dod ici
prezece, saptesprezece, optsprezece, nouãprezece .
treze trece tretze tredici
As dezenas seguiram o modelo latino. Assim, para 20 (viginti) e 30
quattuordécirn > catorze catorce catorze quatorzc quattordici triginta) temos os seguintes resultados românicos: ptg. vinte e trinta; esp.
quindécim > quinze quince quinze quinze quindici véinte (ant. veínte) e tréinta (ant. treínta); cat. vint e tranta; provo vint e
trenta; fr. vingt « vint) e trente; it. venti e trenta; sd. binti e trinta.
De 16 a 19 desenvolveu-se no lat. vlg. uma formação analítica tipo
decem et sex, que, aliás, o lat. c1áss. já conhecia. Do tipo decem et sex Para as dezenas de 40 a 90, umas línguas românicas (português, es-
provêm o porto (dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove) e o esp. (dieciseis; panhol) têm a terminação -enta; outras (as demais, com exceção do rome-
diecisiete, dieciocho, diecinueve). Da forma decem ac + .,.
é originário no) apresentam a terminação -anta. Admite-se que isso decorra da posição
o it.: diciasette, diciotto, diciannove. Do tipo assindético decem septem do acento tônico em tais numerais. Assim as formas paroxítonas, à ma-
provêm o sardo (cJegh~sette, degheotto, deghenóe), o Ir. modo (dix-sept; neira clássica, gerariam as formas em -enta (p. ex.: sexaginta > * sexaen-
dix-huit, dix-neui y e o cat.« (disset, divúit, dinóu).
56 E. B. Williams, Do Latim ao Português, § 132, l.
5< Ex. in Hofmann, Lateinische Umgangsspr aclie, 97. 57 The Romance Languages, p. 73.
O~ Wagner, La Lin gua Sarda, p. 327. 58 "Com matéria latina, mas com espírito eslavo" T diz Vidas (Manual, p. 369),
PREPARAÇAO À LINGOISTlCA ROMÃNICA CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMÃNICAS 21-7
216

ta > sessaenta > sesseenta > sessenta), ao passo que as formas propa-
roxítonas estariam na origem da terminação -anta (portanto, sexáginta >
Morfologia Verbal
'"sexáinta > "scxanta > sessanta, it.). 15.9 - CONJUGAÇÃO.É costume dividir os verbos latinos em quatro
Essas formas proparoxítonas teriam surgido por analogia com a pro- c.:onjugações, tomando-se em consideração a terminação do infinitivo pre-
núncia trlginta, documentada em Consêncio, gramático do séc. V: "ut si sente e o tema do infectum.
quis dicens triginta priorem syllabam acuat". Na primeira conjugação, o inf. preso termina em -are e o tema do
Ex.: lat. QUADRAGINTA infectum em -ã. Ex.: amare, tema amã-o •
ptg. quarenta, esp. cuarenta, cato quaranta (coranta), provo quaranta, fr. Na 2.a conj., o inf. ·pres. termina em -ére e o terna em -ê. Ex.: delere,

quarante, it. quaranta, sd. baranta. tema dele-o


Em francês, um sistema vigesimal, que se supõe de origem céltica, se Na 3.a conj. inf. preso termina em -êre e o tema do infectum em
ó

insinuou entre os nomes das dezenas, acabando por se substituir aos cons. -ü ou -i. Ex.: legêre, tema leg-; acuére, tema acií-; capêre, tema
antigos settante, huitarue.inonante (ainda sobreviventes em dialetos belgas capi-,
e suíços), de onde as formas modernas soixante-dix (analógica), quatre- Na 4.a conj. o inf. preso termina em -ire e o tema do infectum em i.
vingts, quatre-vingt-dix (analógica). Ex.: audire, tema audi-,
Em romeno as dezenas se formam pela multiplicação de 10 (zece, 15.9.1 - A conjugação que apresentou maior vitalidade no lato vlg.
no pl. zeci, tomado como nome feminino): douãzeci, treizeci, patruzeci foi a 1'.1. Dificilmente perde um verbo, mas recebe outros, além de ser
etc. Também aqui o romeno coincide com o albanês e o búlgaro. fértil em novas formações. Assim, torrêre passou a *torrare (ptg. torrar, esp.
turrar, cato torrar); minuêre a *minuare (ptg. minguar, esp. menguar. cato
Para 100 predominou o lato CENTUM: ptg. cem e cento, esp. cien e
minuari ; meiêre a meiare - que ocorre na Mulomedicina Chironis (ptg.
ciento, fr. provo e cat. cent, it. cento, sd. kentu.
mijar, esp. mear, logo meare); mollire a *molliare (ptg. molhar, esp. mojar,
O rom. emprega uma palavra de origem. eslava: o sutã (pI. sute).
fr. mouiller, rom. a muia); jidêre" a *fidare (ptg. fiar, esp. fiar, fr. (con)
Para 1000 o latim apresentava no sing. mil/e e no pI. milia. Mille
fiel', it. fidare).
era adj. e milia, subst. Ambas as formas ocorrem nas línguas românicas.
Através do tema do parto passado, enriqueceu-se a l.a com novas
Mille está no ptg. mil, no esp. mil, no cato mil, no provo mil, no fr.
formações. Assim, em vez de canêre, preferiu-se cantare (que já existia no
mille (fr. ant. mil), no it. mille, "no sd. milli (assimilação da vogal final
lat. cláss.), de onde o ptg. e esp. cantar, fr. chanter, it. cantare, rom. a
à vogal tônica). cinta. Analogarnente, de audêre, através de ausus, se criou ausare: ptg.
O rom. o mie provém do pl. milia transferido para o sing. ousar, esp. osar, fr. oser, it. osare.
De milia temos: ptg. milha (subst.), provo milia.i ú, mila « "mila < Mais tarde os verbos germânicos em -an e -on incorporaram-se à l.U
milia), sd. midza, rom. mie. con.: witan passa a guidare (dr. o ptg. guiar), raubon passa a "raubore
2000 diz-se assim nas várias línguas românicas: ptg. dois mil, esp. (cfr. o ptg. roubar, o esp. robar, o cato robar, o provo raubar, o it. rubare).
dos mil, cato dos mil, prov, dos milia, fr. deux mille, it.: due mila, sd. dua Verbos modernamente formados vão em português para a l.a conjug.:
midza, rom. douã mii, teleionar, chutar, esquiar etc. ---
Os numerais cardinais têm, nas línguas românicas, valor de adjetivos:
trezentos homens, trescientos hombres, trecento uomini etc.
~~ "
09 "Na realidade, como revelam esses exemplos, não temos propriamente trans-
Em romeno, porém, esse .yalor de adjetivo só atinge os cardinais até
fcrência de verbos para a 1~ conj. O que se verifica é o aparecimento de verbos
l 9; de 20 em diante são eles tratados como substantivos e por isso se denominatlvos novos em substituição a verbos radicais antigos" (Maurer Júnior,
constroem com a preposição de. Ex.: unsprez.eci oameni (lI homens), Gram. do Lat. Vulgar, p. 136). Opinião que concorda com a de Garcia de Diego
mas trci sute de oameni ,(trezentoshomens) . (V. Lima Coutinho, Gram, Hist.», p. 320, nota).
PREPARAÇAO À LINGUfSTlCA ROMÂNICA CAPo 15 • CARACTERES GERAIS UAS LINGUAS ROMANICAS 219
118

15.9.2- Depois da 1.a, a conjugação que mais resistiu foi a 4.a, isto No lato vlg. esse sufixo se estendeu a numerosos verbos da conjuga-
é, a dos verbos em -ire. Dentre os que se conservaram podemos citar ção em -ire, mas não a todos os tempos do infectum.
audire, servire, partire, venire, dormire, ferire, vestire, aperire, tussire, men- A razão de ser da passagem, no lato vlg., dos incoativos da 3.a em
tire (por mentiri). -ere para a 4.a em -ire não está satisfatoriamente esc\arecida.
A essa conjugação juntaram-se vários dos chamados verbos em -io, A explicação de Bourciez partia de uma confusão entre formas em
-êre (como capio, -ére) , cujo tema em -i os aproximava dos verbos de -eo e em -io. Assim, floreo teria passado a *florio, fase em que se encon-
4.a, com tema em -t. traria com audio de audire. Isso teria gerado um florio, -ire. Daí, por
Estão nesse caso fugire por [ugere (ptg. fugir, esp. huir, cat. fugir, cruzamento entre iloresco, -ere e florio, -ire, um tipo misto jloresco, -ire .
Depois o processo se teria estendido analogicamente a novas formações.
provo fugir, fr. [uir, it. fuggire, sd. iuire, rorn. a fugi); +morirew por mori
(esp. morir, fr. mourir, it. madre, rorn, a muri); parire por parêre (ptg. Th. Maurer Júnior vê a causa da confusão em "certa analogia de sen-
parir, esp. parir). tido" entre verbos de 3~ e 4l1- conj., como, p. ex., mollescêre e mollire=
Normalmente o verbo em -êre era intransitivo e o verbo em -ire, transitivo;
Para *eapire por capere, cfr. o it. capire.
mas ambos indicavam "mudança de estado". Assim, mollescere significa
Exceção notável é [acio, [acére (também *facere no Iat. vlg.): ptg. "amolecer, ficar mole" e molire, "amolecer, tornar mole" (sentido causa-
fazer, esp. hacer, cato [er, provo [aire, fr. [aire, it. [are, sd. [âgere, rom. a tivo). O paralelismo entre mollescere e mol/ire teria levado a novas cria-
face. ções, como o já apontado florescere/florire.
Alguns verbos da z.a conj. (provavelmente através de uma pronúncia Lausberg, (Ling, Rom., 11, p. 365) mantém-se fiel à explicação de
-ia por -eo na l.a pess. do sing. do preso do ind.) passaram para a conj. Bourciez.
em -ire: *lucire por lucere (ptg. luzir, esp. lucir); florire por florere (ptg. Relembre-se que, já no próprio lat. cláss., o sufixo podia ser também
florir, fr. jleurir, fr , ant. ilourir, it iiorire, rom. a tnflori); impli- -sc (em vez da forma corrente -esc). Isso era muito comum com verbos
re por implere (ptg. arco emprir - cfr. *complire > cumprir -, esp. hen- depoentes, como paciscor -i "pactuar", que se decompõe em pac, radical
chir, fr. ant. emplir - cfr. o modo remplir "-, it. empire, Mas ptg. da mesma raiz de pax, +
i, incremento sufixal, + se, suf. incoativo or, +
modo encher, rom. a implea. desinência verbal.
Em outros verbos, a mudança de conjugação .não atingiu todas as Formas como paciscor (no Iat. vlg. *pacisco, pois não havia depo-
línguas românicas.
.
Assim, ridêre deu em ptg. rir e·em esp. reir, através de ridire (mas fr.
entes) podiam levar a um *florisco (por floresco) e este a um florire .
Mas nem em todas as regiões da România os incoativos foram incor-
rire e it. ridere). Tenêre postuia *tenire para o latim da Gália (fr. provo porados à 4.a conj. Na Península Ibérica (com exceção do catalão ) e na
e cat. tenir), mas continuou no ptg. ter, no esp. tener e no it. tenêre, Gau- Sardenha conservou-se o infin. -escêre (que na Hispânia passa a -escêre y,
dcre só pelo intermediário *gaudire poderá justificar o fr. iouir, o prov. Daí ptg. jtorescer= esp. florecer, sd. albéskere « albescere).
gauzlr, o ptg. arco gouvir (mas em it. godêre):
Nas chamadas zonas inovadoras da România (rom., ita\., rét., fr.
í prov. e cat.) foi que o infinitivo dos incoativos passou a -ire. Na zona
15.9.3 - A 4. a conj. enriqueceu-se também com a inclusão em seu
elenco de verbos primitivamente incoativos, isto é, formados com o su- f inovadora, air:da há que fazer uma distinção: regiões em que o sufixo
tem a forma -esc, mais antiga (romeno, catalão e dialetos réticos) e re-
fixo -sco.
giões que apresentam a forma -isc, mais recente (ital, e fr.). Esse sufixo
Em latim esses verbos pertenciam à 3.a conj., como, p. CX., cresco, não se incorpora a todas 8.S formas do radical do presente, mas somente
-ere ou calesco, -ere. Mas o.suf. -sco só ocorria no tema do presente, como
comprovam os perfeitos creui e calui. 1
61 o». cit., p. 134.
62 A forma vernácula desse sufixo em ptg. é -ecer. Cfr. padecer, merecer,
CO O infinitivo moriri é arcaico; aparece, p. ex .• em Plauto. envelhecer, amanhecer etc .

.,.
220 PREPARAÇAO À LINGUISTICA ROMANICA CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMANICAS 221

àquelas que, em ptg., costumamos chamar rizotônicas. Em conseqüência, cribir (escrever), combatir (combater), rendir (render), recibir (receber),
nas próprias formas rizotônicas, o acento deixa de recair no radical para concebir (conceber), suirir (sofrer).
incidir na terminação. Como diz Lausberg: "Deste modo surge um para- Quanto a este último, note-se que corresponde em lat. c\áss. a um
digrna em que o tema não está nunca acentuado.t'<' composto de ferre: suf/erre. Mas os verbos compostos de ferre, de con-
Tomemos para exemplo, em romeno, o preso do indo do verbo a pati jugação anômala, não sobreviveram no lat. vlg.; passaram a *ferire: *offe-
"sofrer", da 4~ conj.: pãtesc, pãtesti, pêteste, põtim, põtiti, pãiesc.»- rire, *sufferire, * referire, *transferire etc.
Agora, para o francês e italiano (zonas de suf. -isc): Em ptg. os antigos compostos de -fero (com exceção de of/ero e suj-
fero) estão representados por formações em -jerir, talvez de origem semi-
FRANds erudita: conferir, deferir, proferir, transferir etc.
Suijerre, porém, deve ter passado a *sufferere, depois a *sufferêre
iinis, [inis, [init , iinissons, iinissez, iinissent: (mudança de conjugação), origem do nosso .sojrer. Mas, para as outras
línguas românicas, a base é *sufferire: esp. sujrir, fr. soujjrir, it. soiirire,
ITALIANO rom. a suieri.
Offerre tornou-se incoativo: ojierescere. Daí o ptg. oferecer. Mas a
iinisco, [inisci, iinisce, [iniamo, tinire, iiniscono. base *offerire é necessária para o fr. ojirir, it. offrire.
Também pertenceram a esta conjugação, no português arcaico, os
Note-se que o fr. estendeu o suf. às l.a e 2.a pess. do pI. e também verbos em -ian de origem germânica, como fronjan. Daí o are. [ornir, hoje
ao imperf. do indo (finissait) e ao part. preso (finissant). fornecer, com suf. incoativo. Cfr. o fr. [ournir, o it. [ornire.
Finalmente, há um grupo de verbos em -ere que em português também
15.9.4 - Outros verbos da conj. em -ere passaram a -ire por motivos se incorporaram à conj. em -ire. A respeito desses diz Lima Coutinho:
especiais.
"Convém assinalar que os verbos latinos em -êre, de introdução mais
p. ex., por causa do perf. e do supino (petiui, peatum)
Petere, passou
recente no pórtuguês, passaram à conjugação em ir: affluere > afluir, con-
a *peÚre (ptg. pedir, esp. pedir, rom. a peti). Da mesma forma muitos
tribuere > contribuir, discernere > discernir, instituere > instituir, im-
verbos em -uere passaram a -uire, como (ex) conspuere: ptg. cuspir, esp.
buere > imbuir, illudere > iludir, obstruere > obstruir, retribuere >
escupir, De sequi tivemos não a for~a ativa de 3.a, conj. sequêre > *se-
retribuir?"
guêre (que daria *seguer) e sim ..•*sequire > ptg. e esp. seguir.
Houve na língua portuguesa uma certa tendência para transferir 15.9.5 - Quanto aos verbos da 2.a conj., houve tendência para confun-
verbos da 2.a conj. para a 3.a. Destarte as formas arcaicas aduzer, caer, di-Ias com os da 3.a. Em port. e esp. os verbos da 3.a conj. que não se
cinger, traer, correger, p. ex., passaram às atuais aduzir, cair, cingir, trair, transferiram para a 4.a incorporaram-se à 2.a conj. e esses foram maioria.
corrigir. Ex.: currêre > *currére > ptg. e esp. correr; vendere> "vendêre
Essa tendência foi mais pronunciad~ no"c~re)fiãno, onde a vanos ver- > ptg. esp. vender; legêre > * legêre > ptg. ler, esp. leer etc.
bos em -ir correspondem outros tantos em port. em -er: decir (dizer), es- Destarte o port. e o esp. reduziram a três as quatro conjugações lati-
nas. O mesmo fenômeno se deu em sardo, mas com a diferença de que
na língua insular foi a 3.a latina que absorveu a 2.a. Assim de uidere,
61 Op . cit-, p. 365, § t1,2. mouere, tenere temos no sardo de hoje biere, móere, ténnere=
.,. Em romeno há outro sufixo, <idiare ou -zare, de origem grega, que se
juntou ao preso do indo de certos verbbs da'~l~ ~nj. Criou-se, assim, uma espécie
de infixo -ez-, que ocorre nas formas rizotônicas do referido tempo. Pode servir
de exemplo o preso do indo do verbo a lucra "trabalhar"; lucret., lucrezi, lucreazã, 6. Gram. st«» p. 322, § 523.
lncrúm , lucra/si, lucreatã. 66 Lausberg, Ling, Rom., H, § 789; Wagner, La Língua Sarda, p. 334.
CAPo 1 S • CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMANICAS 223
PREPARAÇAO À LINGUISTlCA ROMANICA
222

(ficaram apenas as formas de part. perf. passivo). Essa perda deve ter
A confusão entre a 2.a e a 3.a atingiu também outras línguas româ-
começado cedo na língua popular, mas só se consumou lá pelo séc. V.e8
nicas .•7 Respondere, p. ex., passou a respondere, de onde o it. rispondere,
o Ir. répondre, o provo e o cat. respondre, o rom. a rãspunde. Mordere A situação no lat. cláss era a seguinte: nos tempos do infectum a
converteu-se em mordere: it. e sd. mórdere, fr. e provo mordre. De "tor- passiva era sintética (laudor "sou louvado"), nos tempos do perfectum
cére (por iorquêre) foi que tivemos o cat. tárcer, o provo társer, o fr. era analítica, funcionando como auxiliar o verbo esse e indo o verbo prin-
tordre, o it. torcere, o sd. tórkere, o rom. a toarce. cipal para o part. passado (laudatus sum "fui louvado").
Da 3.a para a 2.a devem remontar à fase do latim vulgar as seguin- As desinências pessoais passivas, por complicadas, deviam de ser
tes transferências: * sapêre (por sapêre) > cato saber, fr. savoir, it. sapere; evitadas na linguagem corrente. Por outro lado uma forma como laudatus
=cadêre (por cadêre) > provo cazer, fr. choir « cheior'i ; it. cadêre, sum com certeza levaria a ambigüidades semânticas: significava "fui lou-
rom. a cadea. vado", mas a tendência seria interpretá-Ia como "sou louvado". Como
Também os anômalos posse e uelle passaram a potêre e uolêre, de observa Maurer Júnior (Gram. Lat. Vulgar, p. 122): "Sendo, o particípio
onde fr. pouvoir, vouloir; it. potêre, volêre; rom. a putea, a vrea. um adjetivo verbal, a distinção entre laudatus sum e carus sum seria uma
sutileza dificilmente conservada no falar do povo" (Cfr. Grandgent, Latin
15.9.6 _ Todavia, essas confusões entre a 2~ e a 3~ nem sempre leva- Vulgar, § 122). Mesmo no lat. cláss. as formas com auxiliar no perfectum
ram à supressão de uma das duas, como se deu no port., no esp. ou no já concorriam com as formas com auxiliar no infectum. Em Plauto há
sardo. Em conseqüência houve línguas (catalão, provençal, francês, ita- mais de um exemplo em que o aux. fui equivale a sum (em Amph., 183,
liano, romeno) que mantiveram as quatro conjugações. Ex.: p. ex.: opinatus fui).

CANTARE > cat. cantar, provo cantar, fr. chanter, it. cantare, rom. a .Em conseqüência, no lat. vlg., com a perda das flexões passivas, as
formas passivas analíticas com o auxiliar sum conjugado nos tempos do pre-
cinta;
sente substituíram as desinências perdidas e o vazio que deixaram no tempo
HAB[RE > cat. haver, provo aver, fr. av?ir, it. avere, rom. a avea;
do perfectum foi 10gQpreenchido peJas formàs com o aux. sum nos mesmos
PERDERE > cat. perdre, provo perdre, fr. perdre, it. perdere. tempos. Criou-se, assim, para o infectum um tipo analítico laudatus sum,
Para o prov. podemos lembrar rendre « reddere) e para o rom. a que predominou nas línguas românicas. Cfr. o ptg. sou louvado, o esp.
crede « credere). soy aLabado, o fr. je suis loué, o it. sono lodato, o rom. sunt 'lêudat.
PARTIRE > cat. partir, prov .•partir, fr. partir, it. partire. Outros verbos auxiliares surgiram para a formação da passiva ana-
~ lítica, mas com menos êxito, como ire e venire. Ex.: vengo lodato (ital.)
Para o rom. sirva de ex. a dormi « dormire).
"Em engadino e sobresselvano o único verbo auxiliar na formação da
Como se pode ter percebido, em rom. o infinitivo perde a sílaba final passiva é o verbo venire.?" Ex.: eu vegn lodà, em baixo engadino (o
-re dos infinitivos latinos; não sem' que, na 2.a conj., e passe a eà (uidêre engadino e o sobresselvano são dialetos réticos).
> uedea). Todavia, existe o infinitivo pleno, mas com valor de substan- ,I
tivo. Assim, cintare significa "o canto", mas a cinta (em rom. o inf. é
precedido da partícula a, como em inglês de to) é simplesmente "cantar". 68 Nyrop, no vol, I[ da sua Grammaire Historique de Ia Langue Française,
tomando por base o latim de Gregório Turonense, diz que "a nova passiva analítica
data provavelmente do séc. VI ou VII". Elcock não vê critério seguro no latim
15.9.7 _ Conjugação passiva. No latim vulgar desapareceram as ílexões semiliterário de Gregório de Tours e, por isso, prefere situar a nova passiva pelos
passivas, de modo que deixou de existir a chamada "passiva sintética" meados do séc. V, o mais tardar (The Romance Languages, p. 104). Para Maurer
Jr. "pelo menos desde o fim da República ou desde o começo do período imperial
a passiva sintética estava marcada de morte no uso popular" (Gram. Lat, Vulgar,
p. 122).
67 A passagem da 2~ à 3~, não pode ocorrer nem em esp. nem em port. porque,
69 Lausberg, Ling, Rom., lI, § 866.
como vimos. nessas duas línguas ibéricas desapareceu a 3~ conj. latina.
,-

CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMÂNICAS 225


t24 PREPARAÇAO A LINGUISTICA ROMÂNICA

Plauto, os autores arcaicos e, em geral, todos aqueles cuja


Em rom., no inf., como auxiliar da passiva, usa-se a fi, que provém
língua se aproxima da linguagem falada, conjugam como ativos ur.t
do verbo [ieri. Mas a fi é o verbo ser em romeno, de modo que as demais
grande número de verbos que, na época clássica, são havidos por
formas provêm quase todas de esse.
depoentes. Ao revés, acontece que tomem por depoentes verbos que
Quanto ao agente da passiva (que em latim apresentava a prep. ab),
a língua clássica conjuga como ativos."
é regido nas línguas românicas por preposições de outra origem: de, per
ou pro. Dos depoentes não ficaram vestígios nas línguas românicas."
Em ptg. e esp. predominou pro > por: 70 SOu louvado por todos, soy
alabado por todos. Em ptg. na combinação com o artigo vingou per (pelo,
15.9.9 - Tempos compostos. Não existiam no lat. c1áss., mas, como
pela, pelos, pela). ocorrem nas diferentes línguas românicas, isso mostra terem sido uma
Em Ir. se usa p'ar; em provo e cat., per: je suis loué par tous. criação do latim vulgar.
Em italiano o que ocorre é da « de + ab): io sono lodato da tutti. No entanto, o ponto de partida dessa inovação mais uma vez se en-
Em rom. aparece sempre de: elevii sunt lãudàti de lnvatatorul lor "os contra no próprio latim clássico. Neste distinguia-se entre um occupaui
alunos são louvados por seu professor". e um habeo occupatum (forma esta, aliás, de raro emprego na língua
Outra alternativa que as línguas românicas encontraram para a subs- literária) .
tituição da passiva sintética foi o emprego da forma reflexiva. "f: claro que Occupaui era um pretérito, denota uma ação inteiramente passada;
o reflexivo, no seu verdadeiro sentido, s6 podia ser empregado com su- habeo occupatum exprimia uma ação realizada e, portanto, passada, mas
jeito animado. Mas, por extensão, havendo personificação do sujeito, en- cuj?S efeitos - e isso é o que se pretende sublinhar - se prolongavam
contrava-se também com nomes de coisas. Elcook cita de Virgílio Clamor no presente. Cfr. em ptg.: "Ocupei os postos-chave" como "Tenho ocupa-
se tollit in auras (En. lI, 455). Obviamente tal processo devia circunscre- dos os postos-chave".
ver-se à 3.a pess. Grandgent imagina no lat. vlg. um tipo littera se scribit Dito por outras palavras: occupaui é um tempo verbal; habeo occupa-
por scribitur. tum, um aspecto verbal. O tempo relaciona o sentido do verbo com urna
.1:: esse tipo que está na base de construções românicas tais como as tase do acontecer abstratamente considerado (presente, passado, futuro);
seguintes, lembradas por Lausberg (acrescentei o ptg.): ptg. mói-se o grão, o aspecto vê o processo verbal em si mesmo, no seu acabamento (aspecto
esp. el grano se muele, fr. le grain se moud, it. il grano si macina, rom. punctual) ou desenrolar (aspecto durativo). Assim uma forma verbal em
griul se macinâ. ptg. como estou lendo é, simultaneamente, presente (pelo tempo) e dura-
tiva (pelo aspecto).
15.9. 8 ~ Os verbos depoentes acompanharam o destino dos verbos pas-
sivos. Perdida a conjugação passiva, os depoentes que sobreviveram as- Quando se lê em César (B. Gall., I, 15), por conseguinte, equitatum ...
sumiram as flexões da voz ativa. Daí nascere, por nasci; morire por mori; quem ex omni prouincia... coactum habebat, o sentido não é simples-
sequire por sequi; mentire por mentiri; testare por testari etc. mente "que reunira (= coegerat) de todas as partes da província", mas
No próprio latim clássico havia oscilações no emprego de certos de- "a cavalaria trazida de todas as partes da província tinha então reunida
poentes, que também podiam apresentar forma ativa. Mais 'tarde aparecem (sentido mais de adj. que-de verbo) ao seu dispor".
como depoentes verbos realmente ativos. Não havia, pois, muita segurança A tendência analítica que predominou no latim vulgar levou progres-
no emprego dessa forma verbal, o que demonstra já não corresponder o sivamente à preferência de, digamos, habeo scriptum em desfavor do clás-
verbo depoente a ufla necessidade lingüística, principalmente na língua-
gcm popular. Como diz 'Emout:
11 Morphologie Historique du Latins , § 169, p. 115.

12Para alguns autores, há vestígios de depoentes em particípios passados que


70 Mas também ocorre de, que era comum no ptg. arco Exemplo atual:. sou
conservaram valor ativo em port. (jantado, viajado e outros no estilo),
querido de todos.
PREPARAÇAO À LINGUrSTICA ROMANICA CAPo 15 - CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMANICA'S 227
226

sico scripsi. Daí o esp. he escrito, o fr. j'ai écrit, o it. ho scritto, o rom. correspondern O fr. je suis mar! e o it. sono morto. Daí o processo deve
am scris. O catalão moderno, principalmente na língua falada, usa um ter-se estendido aos outros verbos intransitivos: je suis venu, sono venuto!5
perfeito perifrástico formado com o preso do indo do verbo anar "ir" e o Na Península Ibérica (port. esp. cat.) predominou o auxiliar habere
infinitivo do V. principal: vaig cantar "cantei". (ou tenere, em ptg.) ainda para os verbos intransitivos: ptg. tinha vin-
Assinale-se a exceção notável do português= que, à maneira latina, do.": esp. había venida, cat. havia vingut.
continua a utilizar-se da forma simples: escrevi, o que é mais um dos Em rom. também se afirmou habere: am venit.
traços conservadores da nossa língua. Já o fr. provo it. e sd. preferiram esse: fr. je suis venu, prov. sai ven-
gutz, it. sono venuto, sd. bénnidu so.
O que se deu foi, portanto, o seguinte: a forma analítica, que indi-
cava o aspecto, acabou por substituir a forma sintética, que exprimia o Com o parto de stare (status), contudo, essas línguas divergem. O
fr. usa habere (j' ai été), o it. esse" (sono stata). Em provo encontra-se
tempo. Então o que era "aspecto" passou a ser "tempo"."
ora uma ora outra forma (ai estât, sai estatz).
Esse processo estendeu-se aos demais tempos do perfectum. Daí habe-
bam scriptum, por scripseram (fr. j'avais écrit), habeam scriptum, por 15.9.11 - O futuro do indicativo, O futuro latino não se conservou
scribam (fr. que raie écrit) etc. em nenhuma das línguas românicas." Para isso concorreram causas de
Na Península Ibérica cedo o verbo tenere passou a concorrer com ordem morfolúgica, fonética e psicológica.
habere na formação desses perfeitos compostos. Em esp. predominou ha- Em primeiro lugar, do ponto de vista da formação do tempo, a
bere; em português, depois de uma fase de hesitação (ainda no período posição do futuro dentro do quadro da conjugação latina. era um tanto
clássico de nossa língua é muito freqüente o emprego de "haver" com tal assistemática: havia um processo de formação para os verbos da l.a e 2.a
função), acabou por impor-se o verbo ter (sem, contudo, chegar-se à eli- conj. e outro para.os da 3.a e 4.a, sem que se percebesse qualquer conexão
minação de haver). entre ambos. Tinha-se, p. ex., de um lado amabo, -is; habebo, -is, de
outro: legam, es; audiam, -es.
Quanto à colocação do auxiliar, note-se que, a princípio, em latim, o
Com a passagem, no lato vlg., de -b- a -v-, certas formas do fut. da
normal era pospô-Io ao principal: coactum habêo. Essa colocação foi a
1.a conj. entraram a confundir-se com as correspondentes do pret. perf.
que ficou em sardo, a mais conservadora das línguas neolatinas. Em ro-
do ind.; isto é, amabit > amavit = amavit (perf.).
meno, como nas demais línguas românicas, o normal é o auxiliar vir antes
Também com a passagem de i no lat. vlg. a e surgiram confusões com
do verbo principal; todavia, na Iíng~a da velha Dácia, motivos de ritmo
o preso do indo na 3.a conj., ou seja, legis > leges = leges (fut.). Demais,
frasal podem levar a uma posposiçãe do auxiliar. '

75 Para Maurer Júnior (op. cit., 124. V. tb. a nota 352 da mesma pág.) "o
15.9.10 - Em relação aos verbos intransitivos, cabe salientar o uso do emprego de sum por habeo, especialmente em verbos de movimento (fr. ie suis
auxiliar esse por habere, nos tempos ~ompostos. O ponto de partida deve parti, il est venu, etc.) é uma criação posterior, que deve pertencer ao período ro-
ter estado nos verbos depoentes. De fato, a mortuus sum (ptg. morri) mance, ocorrendo apenas no Ocidente". Todavia, a provável origem dessa perífrase
e a existência do aux. em sardo (bénnidu so) levam a crer que se trate de inova-
ção latino-vulgar. Quanto à latinidade balcânica, sabe-se quão precário é o co-
nhecimento que dela possuímos.
13 V. a respeito M. de Paiva Boléo, O Perleuo e o Pretérito em Português
76 Mas o ptg., principalmente na sua feição clássica, não desconhece o aux.
em confronto com as outras Línguas Românicas, in "Cursos e Conferências da
ser. Ex.: "Eu ainda não era (= tinha) nascido".
Biblioteca da Universidade", .VI, Coimbra,· 1936.
77 Citam-se alguns vestígios do verbo esse no fr. antigo (ier < ero) e no
Essa particularidade da língua portuguesa faz com que até especialistas se velho provençal (er < era). No esp. subsistiu eris, como 2'1- pess, do sing. do
enganem. Foi o que acontfceu' com Elcock, The Romance Languages , 109, onde preso do ind.: eres. Par? o ital., ainda em Dante e Boccaccio, encontra-se fia «
se diz que ao ing. "1 have bought á' knife" correspondem o esp. he comprado un
fiam, [iat} , com o valor de futuro de "ser".
cuchillo e o ptg. tenho comprado um cutelo.
78 V. Eugenio Coseriu, Sobre el Futuro Romance, in RBF, vol, 3, tomo I,
H O que levou à criação de novos processos para designar o aspecto. Ex.: junho, 1957. Agora incorporado a Estudios de Lingüística Românica, Madrid,
acabei de ler. Gredos, 1977.

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228 PREPARAÇAo À lINGUfSTICi\ ROMÂNICA
CAPo 15 - CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMÂNICAS 229

a a
na 3. e 4. conj., a l.a pess. do sing. era idêntica à do preso do subj.:
legam, audiam. 326). Em porto - o que é mais um traço do caráter arcaizante de nossa
língua - ainda hoje se pode praticar a interposição: dar-me-ás."
Essas causas fonéticas e morfológicas abalaram a presença do futuro
Em romeno, talvez por influxo do grego onde se criou um futuro com
na conjugação latina. Mas a esses motivos juntaram-se outros de natu-
reza psicológica. thelõ, empregava-se o aux. uelle, ou antes, volere, no preso do ind., ante-
posto ao inf. Portanto, voleo cantare > voiu cinta, volemus cantare >
O futuro não é um tempo como um outro qualquer; não exprime vom cinta; voletis cantare > vetsi cinta; volunt cantare > vor cinta.
lima realidade (como o presente e o passado) e sim uma possibilidade.
Ora, as coisas possíveis tem raízes subjetivas. São havidas por desejáveis,
Em sardo logudorês predominou debeo: deppo cantare « debeo
cantare).
necessárias ou mesmo inevitáveis; mas não como certas. Uma vez que
o futuro passa pela subjetividade do sujeito falante, adquire caráter "modal", 15_9.12 - Para a formação do futuro do pretérito (condicional), as
pois o modo representa a interferência do sujeito no processo verbal. O línguas que se valeram do aux. habere criaram, analogamente, uma 'perífra-
não ser puramente um tempo verbal leva-o a um refazimento constante na se com esse verbo no pret. imperf. do ind.: cantare habebam. Excetua-se
língua viva, isto é, ali mesmo onde as línguas se elaboram." o italiano, que se valeu do preto perf.: cantare habui. O resultado -foi o
Surgem assim perífrases verbais, com valor potencial, optativo ou seguinte:
necessitativo. São constituídas com o infinitivo do verbo principal e os ptg.: cantaria; esp. cantada; cat. e provo cantaria; fr. ant. chanteroie,
auxiliares habeo, uolo ou debeo. modo chanterais.
O auxiliar de emprego mais geral foi habeo. Construções de habeo + O it. apresenta canterei. As outras pessoas são: canteresti, cante-
infinitivo, especialmente em "verba dicendi", diz Tagliavini (Le Originu«, rebbe, conteremmo, cantereste, canterebbero.
p. 213, nota 84), já se encontram em Cícero, para exprimir uma possibili- A desinência da l.a pess. ainda não foi explicada satisfatoriamente.
dade, como em Pro S. Roscio (habeo ... dicere) e em ad Au. (habeo ... Um cantare +hebui daria canterebbi, que é, aliás, dialetal. Tem-se pro-
scribere). Tais construções desenvolveram-se no latim pós-clássico, prin- curado explicar -ei por analogia com o pret. perf. do ind."
cipalmente entre os autores cristãos, talvez por ínfluxo grego. Em romeno forma-se o condicional com a anteposição ou posposi-
O auxiliar habeo podia ser colocado antes ou depois do infinitivo. "No ção do auxiliar. Temos, pois, as cinta ou cintare-as; ai cinta ou cinta-
último período do latim vulgar, ou talvez na primeira fase do romance, re-ai etc.
passou ele (o infinitivo ) regularmente ao primeiro lugar da construção" Vê-se que, no caso da posposição do auxiliar, emprega-se a forma
(Lima Coutinho). Todavia, ainda no Poema dei' Cid (séc. XII) ocorre plena do infinitivo.
a posposição do infinitivo: haii lidiar por lidiar han (Elcock, op. cit.,
Não se pode ainda determinar se a origem de tal tempo se encontra
p. 106).
num volebam cantare ou cantare volebam (análogo ao uolo cantare, que
Com o auxiliar habere posposto, no preso do ind., formou-se o futuro serviu de base ao futuro) ou - o que parece mais provável - num sub-
do ptg. esp. cato provo fr. e ita!. Ex.: juntivo de habere; habuissem, habueris, habuerit etc.8'
cantarei (ptg.), cantaré (esp.), cantaré (cat.), cantarai (prov.) , chan-
terai (fr.), canterõ (it.). 15.9.13 - O IMPERATIVO. No período clássico existiam dois tempos no
modo imperativo: o presente e o futuro. O imper. futuro não se conservou
A consciência da composição perdurou ainda durante algum tempo,
principalmente em porto e esp. Em esp., até o séc. XVII, admitia-se a
interposição (tmese) do pronome complemento entre o infinitivo e o 80 Por lapso, ensina Elcock (op. cit., 106) que, "em português pode-se ainda
auxiliar: venir vos edes por' os vendréis (Pidal, Man. de Gram. Hists, p. dizer dará-me ou dar-me-â, sendo que a última forma é considerada mais literária".
Está claro que a opção I: entre "me dará" e "dar-me-à".
81 V. Tagliavini, Le Origini+, p. 354.
T9 Coseriu, loc. cito 82 Densusianu (HLR 11:232) considerava a origem dessas f'lexões ·"um
enigma" (V. Pierre Bec, Manuel Pr\lique de Philologie Romane, lI: 195).
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230 PREPARAÇÃO À LINGUrSTlCA ROMÂNICA CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LrNGUAS ROMÂNICAS 231

nas línguas românicas; do presente ficaram algumas formas, e as que se aproveitado na língua clássica para as proibições. Mas que ocorria com
perderam foram supridas pelas formas correspondentes ou do preso do esse valor na língua coloquial disso temos exemplos em textos latinos, até
indo ou do subjuntivo. de bons autores. A esse respeito observa O. Riemann r" "O emprego de
O imperativo presente tinha apenas duas formas: a 2.a pess. do sing. non em lugar de ne é familiar ou poético; todavia, por exceção, podemos
e a 2~ do pl. Eram essas formas as seguintes, nas 4 conj. latinas: encontrá-Ia até na prosa literária."

1.a E cita o seguinte exemplo de estilo familiar: non contempseris hanc


2.a 3.a 4.a [amiliam (Cíc., Ad Att., 14, 13 A, 3).
canta tene lege dormi
cantate Pois foi esse emprego familiar que se generalizou, tornou-se popular
tenete legíte dormite
c passou às línguas românicas.
Sobre esse quadro, a primeira observação a fazer é que, no lat. vlg., A partícula non substituiu, portanto, ne junto ao pret. pert, do subj.
desapareceram as formas proparoxítonas em -ite, de modo que o pl, apre- Daí que, em vez de ne cantaris « ne cantaveris), se usará non cantaris.
sentará apenas três terminações: -ate (canta te), -ete (tenete, Iegete) e Com a perda do -s final (normal em it. e rom.) e em provo (talvez por
-ite (dormite). analogia com a 2.a do sing. do preso do imper.), cantaris passou a cantare
Mas essa 2.a pess. assim constituída não passará para todas as línguas e daí por diante entrou a ser sentido como verdadeiro infinitivo, de onde
românicas: a 2.a do pl. ficará apenas no ptg., esp., ital. e sardo. Ex.: o it. non cantare, o rom. nu cinta, provo no cantar.
cantai (ptg.), cantad (esp.), cantate (it) kantade (sd.). Para o ptg. esp. e cato a negativa non juntou-se, à 2.a pess. sing. preso
O rom., o fr. e o provo apelaram para a 2.a pl. preso indo (cantatis). subj.
Ex.: cintati (rom.), chante; (fr.), cantatz (prov.). O preso do subj. também era usado em proibições. Tinha então, porém,
Em cal. a antiga terminação -ats passou .\'ara -au (desde o séc. XIII) valor genérico. Ex.: tua quod nihil rejert, ne cures (Plauto) "não cuides
e, modernamente (Barcelona, Valência), para -eu, provavelmente por daquilo que não te diz respeito".
analogia com verbos de tema em -e. Daí a forma. atual canteu. Perdido o valor genérico, o giro: "non cantes" passou a ser empre-
A 2.a pess. sing. conservou-se em todas as línguas românicas: ptg. gado como imperativo em ptg. (não cantes), esp. (no cantes) e cal. (no
canta, esp. canta, cal. canta, provo canta, fr. chame, it. canta, rom. cintã, cantis) .
sd. kanta.
Finalmente, há um 3.° tipo, próprio do fr., o qual consiste simples-
Em ptg. e esp. os verbos em -ire•.passaram a ter o impero em -e em mente em antepor non ao imperativo: non canta> ne chante (pas), non
vez de -i. "dorme > ptg, dorme, .esp. duerme.
tradite (Cat. 66, 80-1).
15.9.14 - O Imperativo negativo formava-se na língua culta indepen- O uso do próprio imper. em frases negativas às vezes se encontra em
dentemente do impero afirmativo. Como partícula negativa empregava-se latim, mas não na prosa clássica. Eis ':1m exemplo de Virg., Ne saevi,
ne. Para a 3.a pess. do sing. usava-se o preso do subj.: ne [aciat "não faça magna sacerdos "não te encolerizes, grande sacerdotisa" (En., VI, 544).
ele". Para a 2~ do sing., apelava-se para o prelo perf. do subj.: ne [acêris Para a 2.a pess. pl., o ptg., o esp., o cat. e o provo usam a perífrase
"não faças tu". Outro processo, que se generalizou na fase clássica, con- non + preso do subj.; o fr., it. e rom. preferiram non + preso do impe-
sistia em usar o imper. do verbo no "não querer" seguido do infinitivo rat. Ex.:
do verbo principaL Ex.: no/i me tangere "não me toques' (ex. da VuIgata).
l\ON CANTETIS > ptg. não canteis, esp. no cantéis, cato no canteu, prov
Nenhum desses processos passou integralmente para a língua popular.
110n cantetz,
Em primeiro lugar, a negativa deixou de ser ne: substituiu-a non em
toda a parte. 1'\ON CANTATE > fr. ne chantez (pas), it. non cantate, rom. nu cintatsi

Non, que em latim se empregava para a negação da realidade (daí


o seu emprego com o modo indicativo "cerebrum non habet"), não era 83 O. Riemann, Synlaxe Latine, 7~ ed., p. :144·5.

"
11
---------------------------------------- ..,.
232 PREPARAÇAO ~ LINGOISTICA ROMÂNICA CAPo 1 S • CARACTERES GERAIS DAS LINGUAS ROMÂNICAS 233

Na linguagem popular do Brasil há tendência para serem empregadas Embora houvesse tendência no lat. vlg. para a substituição de part.
com valor de imperativo formas do preso do indo Ex. não empurra por fortes por fracos, vários desses particípios se conservaram nas línguas
não empurre. românicas. Ex.:

15.9. 15 - O particípio passado. Em latim o part. passado forma-se FACTU > ptg. feito, esp. hecho, cal. fet, provo [ait, fr. iait, it. falto,
com o suf, -tus. Esse sufixo podia juntar-se a um tema verbal terminado sd. fattu.
em a) vogal 'longa, b) vogal breve ou consoante. No 1.0 caso tinha-se O rom. [apt funciona como subst.; como part. se usa [ãcut.
um particípio fraco, no 2.0 um particípio forte. DICTU > ptg. dito, esp. dicho, cat. dit, provo dit., fr. dit, it. detto,
Na l.a conj., o tema verbal terminava esmagadoramente em -ã, de rom. zis « *dixus).
onde o part. em -ãtus, que se generalizou no lat. vulgar (amatus, canta- SCRlPTU > ptg. escrito, esp. escrito, cat. escrit, provo escrit, fr. écrit,
tus), s< Ex.: CANTATU(M) > ptg. cantado, esp. cantado, cato cantat, provo it. scritto, sd. iscrittu, rom. scris (> scripsu).
cantat, fr. chanté, it. cantato, sd. kantau, rom. ctntat. MORTU (por mortuu) > ptg. morto, esp. muerto, cat. provo mort,
Na 2.a conj., eram raros os verbos de raiz em -e, como defere, parto fr. mort, it. morto, sd. mortu, rom. morto
passo deletus. Esses particípios não passaram ao lat. vlg.s5 Em it., e mais ainda em rom., criaram-se analogicamente particípios
Na 3.a conj. predominavam os part. fortes. Quando o tema do verbo em -sus, Ex.: mossa « *mossu por motu), perso « "persu por perdi-
terminava em vogal breve, criaram-se os parts. em -itus, que, aliás, não tu), ascoso « absconsu por absconditu) no it. e em rom.: scris «
eram muito numerosos nessa conjugação. Ex.: molitus, parto passo de ~scripsu por scriptu), tras « *traxu por tractu), zis « *dixu por
molêre, "moer". Tinham part. em -itus os compostos de dãre, como ven- dictu), pus « "possu por positu).
dere, reddêre, perdere (venditus, redditus, perditus). Os verbos da 3.a em -uo tinham o part. em -ãtus. Este part. teve
Os parto em -itus, eram mais freqüentes nos verbos de perf. em -ui, grande fortuna em latim vulgar. Com ele criou-se um part. fraco para os
da 2.a conj., como habeo, -ui, itus. verbos em -êre, uma vez que, como vimos, os verbos de raiz em eram -ê

Somente o sardo apresenta part. em -itus, como appidu, deppidu, muito raros no latim, e por outro lado, os part. em -itus, com exceção do
crettidu, de, respectivamente, habitu, debitu, creditu, sardo, não vingaram no latim popular.

N as outras línguas românicas, quando ocorrem, funcionam como Esses part. estenderam-se regularmente aos verbos de perf. em -ui já
subst.: Ex.: vendita > fr. vente, it. vêndita; debita > tr ~dette, esp. deuda. .no lat. c1áss. ou que passaram a tê-Ia no lat. vlg. Daí, no lat. vlg., forma-
ções como: *habutu (por habitu), *debutu (por debitu), *parutu (por
O fr. chegou a estender essa terminação a verbos que, originariamen-
paritu), *tenutu (por tentu), *cadutu (por casu) , vincutu (por uictu).SG
te, tinham outra formação no part. passo Ex.: meu te, de "movitu (quando
o c1áss. era motus). Daí formas românicas tais como: avuto (it.), avut (rom.), agut (prov.
e cat.), eu (fr.), todas de *habutu;
Se o tema terminava em cons., davam-se alterações fonéticas que
levavam a formações em -tus e -sus. Ex.: ago, -êre: actus; findo, êre: paruto (it.), pãrut (rom.), paru (fr.), todas de "parutu;
jissus; scribo, -ere: scriptus; dica, êre: dictus; cada, êre: casus; mergo , tinut (rom.), tenuto (it.), tenu (fr.), tengut (prov.), tingut (cat.),
ire : mersus e muitos outros. todas de *tenutu.
caduto (it.), cãzut (rom.), cheü (fr. arc.), de *cadutu.

S< Os part. passados datus (cfr. os part. dos compostos, como condltusy e Essas formações em -1'i.tUS foram particularmente fecundas em rom.,
s/a/us (de dare e s/are) tinham a breve: dãtus, stõtus. Mas, com a perda da Opo-
fr. e it. Lausberg (op. cit., p. 359) diz que constituem o part. regular
sição quantitativa, passaram a' ser- sentidos como fracos, isto é, análogos a outros
como amatus, cantauu etc. nessas línguas, e ainda em prov. e cat. Em sardo, onde se conservou o
ss Quie/us, usados como part. passo de quiesco, é na verdade, um adj. corres-
pondente ao subst. quies, -êtis "repouso". De quietus, através de quetus, tivemos 86 Desses verbos, passaram a ter pret. em -ui no lat. vlg. "cadui (por cecidi)
o ptg. quedo e o fr. coi.
e "vincui (por vici) .

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234 PREPARAÇAO ,\ LINGUrSTICA ROMANICA CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS L!NGUAS ROMÂNICAS 235

part. em itus, não vingaram. Em ptg. e esp. existiram na época arcaica, outros idiomas. Assim é que se rastreia no leonês do séc. XII9! e se do-
mas hoje em ptg. só temos vestígios (teúdo, conteúdo, temudo). Todavia, cumenta no napolitano do séc. XV.92 Há uma língua não indo-européia,
formas como sabudo, conhoçudo, perdudo, cresçudo eram freqüentes no o húngaro .(pertence à fanulia fino-húngara) que possui também o infinito
ptg. are." Para o esp. podemos citar metudo, tenudo, temudo, sabuâo. conjugado.
Tais part. em -udo, tanto do ptg. como do esp., não sobreviveram por Convém distinguir entre infinitivo flexionado e infinitivo pessoal. Este
terem sofrido a concorrência dos part. em -ido, provenientes da 4.a conj, último possui sujeito próprio, isto é, uma forma que, a exemplo das línguas
Por isso hoje se diz sabido, crescido, contido, perdido etc. Os part. em -ido 'J que têm declinação, Th. Maurer Jr. chama "sujeito no caso nominativo".
tornaram-se, portanto, em ptg. e esp. a formação regular dos verbos em -er. Em latim, p. ex., o infinitivo podia ter sujeito; mas ia para o caso
Em esp. os part. em -udo desapareceram pelo séc, XIV e em ptg. pelo acusativo (acusativo com infinito). Ex.: "Video Caesarem prafectum esse":
séc. XV.S8
Vejo que César partiu (Cíc. Ad Att., 8, 14, 1).
a
Na 4. conj., finalmente, havia part. fracos em -itus e parto fortes. A generalização do infinitivo pessoal pode ser considerada um fato
Os part. fracos conservaram-se bem e acabamos de ver que, no ptg. e românico."
esp., estenderam-se à conj. em -er. Ex.:
Em ptg. poderíamos abster-nos de exemplíficar, mas ajuntaremos um
DORMITU >
ptg. e esp. dormido, cato e provo dormit, fr. dormi, it. exemplo: Eu compreendo que um homem goste de ver galos brigar (Ma-
dormito, sd. dormidu, rom. dormito chado de Assis) .
Quanto às formas fortes, observa Maurer 1r.:89 "As formas irregula- Para o esp. Pues que sol en él consiste / EI dejar tú de ser mala
res são raras e mantêm-se apenas no Ocidente." Podemos citar: (Romancero deI Cid).
APERTU > ptg. aberto, esp. abierto, cat. obert, provo ubert, fr. ouvert, Para o fr. medieval: Por le vilain crever d'envie, / Chanterai de cuer
it. aperto.
liement (La Chastelaine de Saint Gille).
De venire desaparece no lat. vlg. o part. clãss, ventus. Em seu lugar Para o it.: 10 mi rallegro veramente dell'aver voi presa moglie (Ma-
surgem outras formações: "venitu, part. forte, que se conserva no sarda quiavel) .9~
vennidu; venuu, part. fraco em -itu, que se conserva no ptg. vindo, esp. O que é característico da língua portuguesa é o flexionamento desse
venido, rom. venit; venutu, part. fraco em ãtu, que ficou no it. venuto, no infinitivo pessoal na 2.a pess. do sing. e em todas do plural.
tr. venu, no provo vengut, no cat. vingut.
A' respeito da origem dessas flexões muito se tem debatido."
Note-se, para concluir estas observações sobre o part. passado, o seu
A primeira tentativa foi feita em 1885 pelo alemão H. Wernecke (se
emprego como subst. neutro invariável em romeno, em construções que,
abandonarmos a explicação de Diez in Grammatik por demaSiado concisa),
nas demais línguas românicas, pedem o infinitivo. Aparece, então, regido
de preposição. Ex.: apà de bõut "água de beber", usor de iõcut "fácil de em seu trabalho Zur Syntax des Portugiesischen Verbs. Defendia então a
Iazer", "Não está claro até que ponto esse emprego do particípio pode teoria de que o nosso infinitivo pessoal provinha do imperfeito do sub-
estar relacionado etimologicamente com o supino.vw juntivo latino o qual, como sabemos, coincide praticamente como o inf.
preso mais as desinências pessoais (amare, inf.: amarem, amares, amaret
15.9. 16 - O infinitivo ilexionado. Trata-se de uma forma verbal pe-
culiar à língua portuguesa, embora no passado possa ser assinalada em
91 E. Staaf, Etude sur l'Ancien Dialecte Léonais d'aprés des Chartes du XllI
Siêcle. Citado por Vidos, Manual, 355.
87 Por isso é de estranhar que Lausberg (op. cit., p. 359, n. 13) as consi-
dere "galicismos literários". 92 V. G. Rohlfs, Historische Grammatik der l talienischen Sprache, II, § 709
e Savj.Lopez, in Zeitschjrit [iir Romanische Philologie, vol. XXIV (citações em
88Elcock, The Rom, Languages, p. 118. A respeito, Williams (Do Lat . ao
Ptg., 159, 2) escreve: "Pelo séc. XVI, -ido (de l/um da 4~ conj. do lat. class.) Maurer, O Infinito Flexionado em Português, p. 80, nota 64).
havia inteiramente substituído -udo," E manda ver Meyer-Lübke. 93 Th. Maurer Jr., idem, ibidem, .p. 70. •
89 Gram. Lú;. Vt«: p. 1'54.
94 Exemplos in Maurer, op, cit., p. 71 e passim.
so V. Lausberg, op, cit., § 832.
95 V. Maurer, op, cit., Capo I: Retrospecto Histórico.

~
236 PREPARAÇAO Ã lINGUISTlCA ROMÂNICA CAI'. 15 • CARACTERES GERAl! DAS LlNGUAS ROMÂNICAS 237

etc. irnpf. subj.). \Vernecke, porém, foi por demais sucinto na explicação Languages, 144: "Esta idiossincrasía lingüística deve ter-se desenvolvido
scrnân tico-sintática do fenômeno (a decisiva). Mais tarde (1899), Mohl em conseqüência da identidade de forma, depois da queda das vogais pos-
(Intraduction à Ia Chronologie du Latin Vulgaire) aceitaria o ponto de tônicas, entre o pees. do infinitivo e a l.a pess. sing. do futuro perfeito lati-
vista de Wernecke, 110 (ou passivelmente imperfeito do subjuntivo)."
Em 1891, D. Carolina Michaélis de Vasconcelos no estudo Der Que o irnperf. do subj. se conservou no ptg. até o séc. XVI se pode
l'ortugiesisclie lniinitiv publicado in Romanische Forschungen, VII, de- ver inclusive em Fernão Lopes: "seis capelães, que cantassem por el e
fendia a tese chamada "criadora", de acordo com a qual o pronome dia- lhe dissessem cada dia uma missa oficiada e saírem sobreI com cruz e
·Ietal mos (por nos), quando usado como infinitivo (louvarmos por lou- augua becnta".'?' Onde saírem = saíssem.
\"ar-fiOS, p. ex.), fora sentido corno flexão verbal, tendo servido de ponto
A passagem do sentido de irnperf. do subj. ao de infinitivo presente
de partida para outras formações.
SI! daria através de construções com elipse da conjunção. Assim, de frases
Essa teoria, anteriormente esboçada por Otto (Romanische Forschun- latinas como placuit ut [aceremus "aprouve que fizéssemos", se teria pas-
gen, VI), era bastante artificial e foi depois abandonada pela sábia filó- sado a outras como placuit [aceremus, isto. é, "aprouve fazermos". Dai
Ioga teuto-portuguesa. construções pré-portuguesas como plaguit nobis. .. in [azeremus. Consi-
Em 1900, o Dr. Leite de Vasconcelos em seus Estudos de Filologia dere-se que o mais-que-perfeito do subj. latino havia assumido as funções
Mirandesa (I, 374) desenvolveu, com grande simplicidade, a chamada de pret. irnperf. do subj., o que teria de levar o pret. imperf. do subj. a
"teoria analógica". Para o sábio filólogo lusitano, o ponto de partida fora transformar-se ou morrer. Prevaleceu a primeira alternativa,
precisamente o emprego pessoal do infinitivo. Assim frases como "ter eu Estavam nesse pé os debates sobre a questão quando surgiu, em 1951,
saúde", "ter ele saúde", levariam por analogia a uma construção flexio- substancioso estudo do Prof. Th. Maurer Jr., da Universidade de São
nada "termos nós saúde". Demais, como lembrou Meyer-Lübke em sua Paulo, no Boletim n." 128 da Faculdade de Filosofia da referida Uni-
Grammatik der Romanischen Sprachen, é preciso contar também com a versidade.
influência analógica do futuro do subjuntivo, idêntico ao infinitivo flexio- Nesse estudo, o Prof. Maurer Jr. volta à tese analógica do Dr. Leite
nado, se excetuarmos os verbos irregulares fortes. de Vasconcelos. Pesquisas posteriores suas corroboraram a posição inicial.
O que faltava à teoria de Leite de Vasconcelos era a base histórica, Todos esses seus trabalhos estão agora enfeixados no livro O Infinito
tão ao gosto da época. Daí a tentativa de Ernst Gamillscheg, no sentido Flexionado Português, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1968. No
de lastrear documental mente a origem do nosso infinitivo conjugado. Fê-Io Prefácio, declara o Prof. Maurer Jr. que o ilustre catedrático da Univer-
no trabalho Studien zur Vorgeschichte einer Romanischen Tempuslehre sidade de Lisboa, Prof. Luís Filipe L. Cintra, em carta, deu franca adesão
( 1913), onde retomou a doutrina de Wernecke que, como vimos, procura à sua teoria.
filiar o inf. flexionado no pret. impf. do subj. latino. No entanto, apesar da seriedade e do indiscutível valor das investiga-
Da mesma época é o trabalho do Dr. José Maria Rodrigues O Imper- ções do Prof. Maurer Jr., não se pode dizer que a questão tenha sido
jeito do Conjuntivo e o Infinito Pessoal no Português, publicado no "Bo- encerrada. A teoria Gamillscheg-José Maria Rodrigues continua forte e
letim de Segunda Classe da Academia das Ciências de Lisboa", voI. III. com muitos adeptos. 01
As teses de Gamillscheg e José Maria Rodrigues convergiam para a
mesma solução c exerceram grande influência sobre os romanistas. D. Ca- 96 Citado por Williams, Do Latim ao Português, p. 186.
rolina Michaélis, que havia aplaudido a teoria "criadora", agora se decla- a,; Importantes estudos sobre o. problema de que aqui se trata são ainda os
seguintes: Harri Meier, A Gênese do Infinito Flexionado Português e Holger
rava adepta do ponto de vista de ·Gamillscheg . e J. Maria Rodrigues. A
Sten, L'Ln [initívo Impessoal et l'lnfinitivo Pessoal en Portugais Moderne, ambos
mesma doutrina abraçaram o norte-americano E. B. Williams, no seu co- aparecidos no Boletim de Filologia, de Lisboa, respectivamente nos nQs XI (1950)
nhecido From Latin (O Portuguese e, o nosso Ismael de Lima Coutinho c XIII (1953). H. Flasche, "Der Persõnliche Infinitiv im klassischen Portugiesisch",
em sua afortunada Gramática Histórica. No recente manual de H. Laus- in Rornanische Forscliungen, LX (1947); K. Togeby, "L'Enigmatique Infinitif Person-
berg intitulado Lingüística Românica (cito a tradução espanhola), se nel en Portugais", in St, Neophil, XXVll (1955). O trabalho do prof. Mário A.
Perini, Gramática do lnjinitivo Português (Vozes, 1977) é um estudo de sintaxe de
apadrinha a mesma doutrina (lI, § 812). Também Elcock, The Romance
concordância dessa forma verbal sob o ângulo gerativista.
238 PREPARAÇAO A LINGOISTICA ROMÂNICA
CAPo 15 - CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMÂNICAS 239

111- Sintaxe espanhol fez reger o seu objeto direto animado pela prep, ad (> a) eo
romeno pela prep. per (> pe). O português e o catalão recorreram tam-
15.10 - SELECIONAREMOS ALGUMAS PARTICULARIDADES QUE bém à prep. a « ad), mas de forma menos sistemática. Notem-se os
NOS PARECERAM MAIS RELEVANTES. seguintes exemplos:

15.10.1- OBJETO DIRETO PREPOSICIONADO ptg. Vi tua casa Vi (a) teu pai
esp. He visto tu casa He visto a tu padre
Em latim o complemento sobre que incidia a ação expressa pelo cat. He vist Ia teva casa He vistal ou el teu pare ,~!til
"j'l'
verbo transitivo ia para o acusativo, sem preposição. Ex.: "Si uis pacem, fr. J'ai vu ta maison, J'ai vu ton pêre ,Iijj,:
para bellum." it. Ho veduto Ia tua casa. Ho veduto il padre tuo iii
rl;~
Essa situação se conservou em parte nas línguas românicas; perdeu-se ram, Am vãzut casa ta - Am vãzut pe tatãl tãu
a flexão casual do acusativo, é certo, e o complemento de verbos transi- li, i
r4'l "1; l'

tivos continuou a dispensar a preposição." Cfr. ptg. vejo o problema, fr. O espanhol-usa, pois, normalmente a prep. a junto a obj. diretos ani-
[c vois le problême, it. vedo il problema. mados e o mesmo faz o romeno com a\prep. pe.'01 Em ptg. só em determi-
No entanto, ao lado dessa construção, criou-se uma outra que admite nados casos, que as boas gramáticas enumeram, se deve recorrer à prepo-
a regência preposicional. Quanto a essa sintaxe, dividem-se as línguas ro- sição. Para o catalão diz Fr. de B. MaU: "No catalão falado moderno é
freqüente o uso da preposição a para introduzir o complemento direto de I
mânicas: o francês e o it. não a praticam (a não ser dialetalmente); o
espanhol e o romeno a têm como regular em determinadas situações; o pessoa; este uso é de influência castelhana, pouco conhecido entre a gente
português e o catalão ocupam uma posição intermediária (há certo valor menos ilustrada e evitado cuidadosamente na língua literária."'02 I; t;
I
estilístico no emprego da preposição). Vidas (Manual, 356) diz que "porque o fenômeno em causa aparece
O uso da preposição se tomou necessário quando o sujeito e ó com- em diversas outras línguas românicas, não é provável que em português e
plemento, ambos nomes de seres animados, vieram a coincidir na mesma em catalão seja de procedência espanhola".
forma .léxica. Sem dúvida que a chamada ordem' direta (suj.-verbo-compl.) De acordo quanto ao português; em relação ao catalão, porém, por se
contribuía muito para a clareza da frase. Mas nem sempre foi assim. O ter intensificado esse uso recentemente, é aceitável a influência castelhana.
francês, p. ex., tão gabado por sua ordem "lógica", admitia muitas inver- Para o uso de pe em romeno, também já se quis ver influxo eslavo
sões na fase anteclássica. "No francês antigo a inversão do sujeito é co- (búlgaro) /03 mas aqui parece proceder inteiramente a objeção de Vidas,
mum. Não há página do francês antigo em que não encontremos uma in- A causa do fenômeno está, pois, na identidade formal entre o caso
versão.''99 Por exemplo: na Canti/ena de Santa Eulália: "Buona pulcella sujeito e o caso regime nas línguas românicas, em virtude de alterações
fut Eulalia.' fonéticas. O nom. [ilius e o acuso [ilium, p. ex., convergiram em romeno
Cada língua procurou resolver o problema à sua maneira. 100 O francês para a forma única iiul, uma vez que o -m já caía sistematicamente no lat.
enrijeceu a ordem das palavras e criou também o artigo partitivo. O ita- vlg. e o -s se perdeu na România Oriental. Semelhantemente na Península
liano apelou igualmente para o partitivo, devendo-se notar que o recurso Ibérica nem. e acuso vieram a coincidir, porque o caso. regime absorveu
de fixar a ordem dos termos da oração foi uma tendência românica. O o caso sujeito. Daí o mesmo problema e a necessidade de para ele encon-
trar solução. Não é preciso, aliás, apelar para a "ardente" fantasia es-
98 Por exemplo, em E. Bechara, Lições de Português pela Análise Sintática panhola.
(10 ed., 1976, p. 44): "Dizem-se transitivos diretos os (verbos) que pedem com-
plemento não introduzido por preposição necessária."
101 V. Harri Meier, Sobre as Origens do Acusativo Preposicional nas Lin-
99 Vidos, Manual, p. 378.
guas Românicas, in Ensaios de Filologia Românica (1948).
100 "É possível que desde o período latino tivesse aparecido a curiosa inova-
102 Gramática Histórica Catalana, p. 337-8.
ção (ob]. dir. preposiclonado) , mas seria certamente um fenômeno de extensão Iimi-
103 G. Nandris, Sur I'Accusati] Pré positionnel en Roumain (un calque slave) ,
tada 'e não um processo geral da língua vulgar," (Th. M. Jr., Gram. do Lat Vlg.,
in Mélanges de Linguistique et Littérature Romanes Offertes à Mário Roques,
p. 200). '
Paris, 1952.
,,-:
240 PREPARAÇAO À LINGUfSTlCA ROMÂNICA CAPo 15 - CARACTERES GERAIS DAS LfNGUAS ROMÂNICAS 241

15.10.2 o PARTITIVO estaria no fato de que o it. só se vale do obj. direto partitivo com substan-
tivos que não distinguem formalmente o sing. do pl, Ex.: conquisterõ delle
A noção partitiva era, em latim, expressa pelo caso genitivo: corum città, porque città tem uma só forma para sing. e pI.; mas conquisterõ
una pars "uma parte deles". ESSla construção possuía um divergente villaggi, porque há villaggio no sing.
estilístico do tipo de + abI. Assim, também em César, paliei de nostris
Por certo Vossler não desconhecia tal explicação. Di-lo mesmo expli-
cadunt (B. Gall., L, 15).
citamente:
Foi essa construção analítica que predominou no lat. vlg. Inovação'
do mesmo lat. vlg. foi o emprego de tal regência para introduzir certo "Pode-se, bem o sei, considerar a forma partitiva como um aconteci-
tipo de obj. direto: bibere de aqua por bibere aquam.v" mento puramente lingüística, que se desdobra a partir da época mais
antiga e até os sécs. XVI e XVII, acontecimento que não seria condicio-
Esse emprego é do latim cristão e se documenta na Vulgata. Ex.
Sede et comede de venatione mea. 10~ nado senão por fatores formais, fazendo-se totalmente abstração dos bur-
gueses e comerciantes dos sécs, XIV e XV e de sua mentalidade prática
Nos dialetos centrais do sarda ainda se encontra tal uso, ou seja,
e materialista." Mas, observa Vossler, ainda fica faltando explicar o prin-
prep. de com valor partitivo: de âbba vrlska "água fresca". Todavia, esse
cipal: por que trouxeram os sécs. XIV e XV a contribuição decisiva para
emprego limita-se a líquido e comestíveis. :f:. o que se dá também na Pe-
o emprego da forma partitiva com um Jalor funcional gramatical.
nínsula Ibérica, como observou Wagner: dar de ia fruta (Sta. Teresa).
desta água não beberei (provérbio português). Parece-nos que esse problema ilustra bem a insuficiência do método
Mas foi na língua francesa que o complemento verbal partitivo se positivista. Vossler tem razão quando observa que as condições formais
generalizou, onde é. normal. com obj. direto referente a coisas: boire de são necessárias mas não suficientes para dar conta do sentido das evolu-
l'eau, manger du pain, avoir de l'argent. ções lingüísticas. Pode ser que a explicação que apresentou não seja satis-
Esse emprego do partitivo tornou-se uma característica da língua fran- Iatória, Fica, porém, um saldo positivo na sua atitude: descrever não é
cesa. Que o teria provocado? explicar. Torna-se necessário aprofundar o conhecimento das causas. das
Para Vosstert= foi a mentalidade burguesa 'e capitalista, que irrompeu mudanças lingüísticas.
a partir do séc. XIV, a responsável pela difusão de um uso que refletia
um espírito mercantilista que tudo contava, dividia, quantificava. Isso ex- 15.10.3 - ORAÇOES COMPLETIVAS
plicaria porque "l'ancien français' (até o séc. XIII) praticamente o des-
conhecia. As orações completivas (as nossas subordinadas substantivas objeti-
Vidos, porém, prefere voltar à explicação de Tobler (1908), para vas diretas) podiam em latim ser introduzidas sem conectivo, e eram as
quem o surgimento do partitivo se deve à necessidade de suprir a falta do chamadas orações de acusativo com infinito; ou por meio de conjunção,
-s final (que começou a deixar de ser pronunciado no sée. XIII) como que, de acordo com a natureza do verbo regente, era ut, ou ne (para as
sinal distintivo de pluralidade: Em Le Pélerinage de Charlemagne. p. ex., completivas negativas), quod ou mesmo quia.
se lê Encore conquerrai citez, onde citez, no pI., se distinguia, na pronún- Com os verbos declarandi et sentiendi (verbos de afirmação ou julga-
cia, de citét, no sing. Quando, porém, deixou de haver distinção formal mente, como dico, nego, aiiirmo, fateor; censeo, duco, credo, existimo) o
entre sing. e pI. (villes pronunciado do mesmo modo que ville) foi pre- normal é a oração completiva ser do tipo acuso com inj, Ex.: Democritus
ciso recorrer a outro meio e este foi encontrado no artigo partitivo, cuja
dicit innumerabiles esse mundos (Cíc., Ac., 2, 55) "Diz Demócrito que
gênese, como vimos, data do lat. vlg. Daí a oposição entre o moderno [e
há mundos incontáveis."
conquerrai des villes e o antigo conquerrai citez, A contraprova do alegado
Todavia, no latim familiar (e, com maior razão, no lat. pop.), aparece
uma conjunção. Assim em Petrônio: seis enim quod epulum dedi "sabes
104 ViJos, Manual, p. 91.
bem que dei um banquete".
105 Esse e outros exemplos in Wagner, La Lingua Sarda, p. 372.
106 Langue et Culture de Ia France, p. 150-53. Esse uso também ocorre em Plauto e no Bellum Hispaniense.

l -Jio..'C' , l-ITTTl f'T1'TTTTI


PREPARAÇÃO À LINGUfSTlCA ROMÂNICA CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LfNGUAS ROMÂNICAS 243
242

Em Plauto: Equidem seio iam jilius quod amet meus instanc mere- tido nas respostas. Quer dizer, a um quid credis? poderia corresponder, na
tricem (Asin, 52).1°1 "Certamente que sei que meu filho gosta dessa resposta, um credo quid ..
cortesã". No estudo que fez sobre as particularidades sintáticas do latim me-
No B. Hisp.: Renuntiauerunt quod Pompeium in potestate haberent dieval, com base em cartulários espanhóis dos sécs. VIU e XI, Juan Bas-
"Anunciaram que tinham Pompeu em seu poder". tardas Parrera':" constatou que a integrante mais usada era quia (ut desa-
pareceu em toda a România), depois quod e finalmente outras menos em-
Em Plauto também ocorre quia: dixi quia mustella comedit "disse
pregadas, como quoniam e quomodo.
que a doninha (os) comeu".
Com os verba uoluntatis (que exprimem manifestação da vontade,
A conjunção integrante, porém, que dominou em toda a România foi ~:
"

que. Que deve provir de quia, com apócope do -a final, a qual devia ocor-
. como cupio, desidero, impero, iubeo, sino, uolo, nolo, maIo) também é rer quando a palavra seguinte começava por vogal. Provavelmente fundiu-
normal o acuso com inf.: Ex.: Saguntini parentes suos liberos emori quam se também com que de quid. Em romeno é di, que se tira de quod. Em
seruos uiuere maluerunt (Cíc., Par., 24) "Os saguntinos preferiram que it. escreve-se che.
os pais morressem livres a que vivessem como escravos". Ex.: Lat.: Seio te esse pulchram.
Todavia, os uerba uoluntatis possuem um divergente estilístico, a cons-
Sei que és bela. (ptg.)
trução com o nexo conjuncional ut, à maneira grega. Mas, como observa
Blatt,"?" há verbos que preferem uma construção e verbos que preferem
outra: "impero e permitto, p. ex., pedem ut, ao passo que iubeo, patior,
ueto exigem a proposição infinitiva.
No baixo latim, em vez de ut já se usa quod. Assim na Regra de São
I Sé que eres hermosa. (esp.)
Je sais que tu es belle. (fr.)
Stiu cã tu esti frumoasã. (rom.) \

Note-se, contudo, que a construção justaposta com oração completiva


Bento: lege ... constitutum quod ei ... non liceat egredi "foi estabelecido de verbo no infinitivo não desapareceu de todo. Assim em porto Julgo
por lei que não lhe era permitido ausentar-se". .\eres tu sabedor (ou que és sabedor). Mesmo o tipo de construção cha-
mada "acusativo com infinito" não nos é desconhecido. Ex.: Viu-os cair
Igualmente pedem acuso com inf. os verbos que exprimem sentimen-
" mortos. No Brasil, onde se emprega, na linguagem coloquial, os prono-
tos ou uerba aiiectuum, tais como: doleo, gaudeo, laetor, miror, uereor,
mes pessoais na forma reta cóm função de objeto direto (como' em "vi
queror. Ex.: suos ab se liberos abstractos dolebant (Cés. B. Gall., nr, 2)
ele" por "eu o vi"), o comum é ouvir-se Vi eles caírem.
"doía-lhes que seus filhos lhe fossem arrebatados",
Mas com os verbos de sentimento há normalmente um divergente
estilístico consistente em subordinada introduzida por quod ou quia. Ex.: IV - Léxico
sane gaudeo, quod te interpellaui· (Cíc., Leg., 3, 1) "sem dúvida alegra-
15.11 - A diferenciação léxica das línguas românicas está muito bem
me ter-te interrompido".
estudada num trabalho, hoje, clássico, de Rohlfs, publicado originalmente
No latim tardio, particularmente cristão, se amiúdam os exemplos
em alemão, mas de que há excelente tradução espanhola de Manuel
de completiva introduzi da por quia ou quod. Na Vulgata, p. ex., Novi
Alvar. 110 É. dessa contribuição que, iremos extrair os elementos básicos
quod pulchra sis "sei que és bela". E em Tertuliano (sessenta exemplos
desta seção.
segundo Maurer Jr.): Scimus ex dominico praecepto quod caro iniirma
sit "sabemos por ensinamento do Senhor que a carne é fraca". 15.11.1 - MA GIS/PLUS
Também ocorre quid, na origem pron. interrogativo, mas que pôde
insinuar-se entre as conjunções, como lembra Bourciez, por ter sido repe- Para formar o comparativo valia-se o latim do sufixo -ior: altior
"mais alto", [ortior "mais forte". No próprio lat. cláss., porém, já ocorria

101 Todavia, esse exemplo, como observa Maurer Jr. (Gram., 217, nota 571), 109 Particularidades Sintácticas dei Latin Medieval, p. 183 e segs.
não é muito seguro. 110 Dijerenciacián Léxica de ias Lenguas Românicas, tradución y notas de Ma-
108 Franz Blatt, Précis de Syntaxe Latine, p. 256. nuel Alvar, Madrid, 1960.
-
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lima formação perifrástica normal com adjetivos terminados em -eus, -ius, gordo e gostoso. Em Horácio (Satirae, lI, '8, 88), lê-se: [icis pastum iecur
Usava-se, então, o adv. magis, Ex.: -magis idoneus, magis arduus.
-IIIIS. anseris albae, isto é, "fígado de pata branca engordado com figos".
Foi esse processo analítico que dominou no lato vlg. Os gregos chamavam a essa iguaria hépar sykotân, que é como se
Ao lado de magis desde cedo também devia empregar-se plus, embo- dissessem "fígado enfigado", isto é, cevado a figos. Em latim a expressão
ra não seja este advérbio típico da fase clássica. Em Enio, p. ex., documen- correspondente deveria ser iecur jicatum; mas o que se encontra é sim-
ta-se plus miser sim (Scen. 308). Não é, pois, muito segura a opinião de plesmente [icatum. Assim, p. ex., no De Re Coquinaria, de Apício (séc lII
que a forma vulgar mais antiga seja mdgis, "A existência de plus no extremo d. C.), que nos dá o mais antigo exemplo.
ocidental da Ibéria em uma forma vernácula, os vestígios do mesmo advér- Todavia, como o termo só aparece em textos em prosa, não se pode
bio em outros pontos da Península, a sua ocorrência constante na Récia e saber se a primitiva pronúncia era fícatum ou jicâtum.
sobretudo na Sardenha, que não conhece magis, nem mesmo nos dialetos Para von Wartburg a forma jicâtum seria a mais antiga, como era de
mais arcaizantes, abalam a hipótese.t'v" esperar, em virtude de ser paroxítona a terminação participial -atum em
As línguas românicas dividiram-se entre magis e plus. latim. Todavia, a opinião contrária parece mais bem fundamentada. Como
As zonas laterais (Ibéria, Dácia) conservaram magis; as regiões cen- observa Rohlfs, os oxítonos gregos eram geralmente adaptados em latim
trais (Gália, Récia, Itália, Sardenha) preferiram plus. Temos, pois, de um como proparoxítonos. Entre outros exemplos cita Rohlfs orphanás > ór-
lado ptg. mais forte, esp. más fuerte, rom. mai tare. phanus, monachás > mánachus, pontikós > pónticus. Acrescente-se que
No catalão antigo usou-se correntemente pus; hoje o que se emprega a forma proparoxítona é a mais difundida na România (M. L. Wagner) e
é més: mês 'fort. que no dialeto mais conservador da Sardenha, o logudorês, foi o esdrúxulo
No galego-português antigo ocorria chus: chus creedes a esta donzela que ficou.
ca a mi'lv? Lê-se em Magne, Graal, Gloss.: "chus aparece até o princípio De fícatu temos, na România: ptg. fígado, esp. hlgado, cato [etge, fr.
do séc. XIV, sendo raríssimo já de 1300 a 1330". [oie, it. [égato, sd. logo fígàdu.

Observa Alvar, in Rohlfs (31) 113 que "plus se documenta nos antigos Derivam de jicátum rom. jicât, friul, [iát, eng. iiô, dialetos sardos
textos espanhóis, mantendo-se, porém, o grupo' pl- inalterado", E, em meridionais [igâu.
nota, manda ver as Glosas emilianenses, Berceo e Alexandre. Note-se que os derivados de fícatum ainda se desdobram em dois
grupos, conforme o i da sílaba inicial seja longo (ptg., esp.) ou breve
15.11.2 -IECUR/FlCATUM (cat., fr., it.).
Observe-se também que -ern rom. a forma [icát é do Sul (Valáquia);
Em latim, a palavra que designava a víscera glandular denominada ao Norte se diz maiu, voz de origem húngara.
"fígado" era iecur.v+ Essa palavra, que tinha um gen. sing. irregular (ieci-
11 o ris ), não passou às línguas românicas. Em seu lugar apareceu nova 15.11.3 - NULLAM REM/REM NATAM
formação, ideativamente um grecismo, surgida, ao que tudo leva a crer,
na linguagem culinária. A idéia de "nada" correspondia em latim a palavra nihil, que não
Tinham os gregos o hábito de cevar certos animais, particularmente passou às línguas românicas.
porcos e gansos, com figos. Diz-se que então o fígado do animal tornava-se Expressão dotada de valor aíetivo.v= em latim vulgar aparece sob
outras formas, principalmente nos dois sintagmas acima enunciados.
111 Maurer, Gram, do Lat. Vlg., p. 104. Nullam rem significa "coisa alguma". De um modo geral, a expres-
112 Ex. in Magne, Graal, Gloss., S. V. chus, onde se dão mais exemplos.
são se reduziu ao adj. na Itália (nulla), ao passo que a Gália preferiu o
113 Quando, neste capítulo, se fizer referência a Rohlfs, sem indicação de
obra, entenda-se que se trata de Diferenciação Léxica. O número entre parênteses
subst.: fr. rien, proVo ren, O cato conservou o nom.: res.
diz respeito à página.
114 Ler as substanciosas informações de Serafim da Silva Neto, in História da
115 Cf'r, no port. pop. do Brasil expressões como neca, néris, nerusca, néris de
Língua Portuguesa, 170-173 e Língua, Cultura, Civilização, p. 5 e segs. pitibiriba, manga de colete e outras.
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osintagma rem natam vulgarizou-se na Península Ibérica, onde se re- Plangere continuou nas línguas que mantiveram a 3.a conjugação: it.
duziu ao adj. (na origem um part. passado). Daí ptg. e esp. nada. piangere, sd. pranghere, rom. plênge.
Mas ocorriam também outras formações, como ne gente+" (de onde o- Rohlfs vê na distribuição entre plorare e plangere mais um elemento
it. niente e o fr. néant) e ne mica "nem uma migalha", de onde o rom. caracterizador da divisão da România em ocidental e oriental.
nimic.
No ptg. are, também existiu nemigalha. igualmente forma do ptg. are
É 15.11.5 - COMEDERE/MANDUCARE
o pron. adj. nulho, fem. nulha, freqüentemente unido ao subst. homem
(grafado ome), com o sentido de "ninguém": nulho ome. Era igualmente A idéia de "comer" era expressa em latim pelo verbo edere/ esse. t
bastante comum, mormente nos Cancioneiros, a expressão nulha rem; Tratava-se, aliás, de um verbo de conjugação anômala, que, de um lado,
no sentido de "nada". Possivelmente se trata de locução provinda do pro- podia confundir-se com esse (no latim vulgar perdeu-se a oposição quan-
vençal. titativa), de outro c~m edere (composto de dare). No latim vulgar, edere/

Costuma-se fazer derivar nulha de uma forma *nullia, criada por ana- esse desapareceu.
logia com omnia (Meyer-Lübke, REW). De nulha é que se teria dedu- "A irregularidade da flexão e a falta de corpo das formas, em parte
zido nulho. Todavia, há quem pense num tratamento castelhano para o -li. monossilábícas, condenavam edo a desaparecer" (Ernout-Meillet DELL,
s.v.).
15.11.4 - PLORARE, PLANGERE Em seu lugar apareceram mandere e principalmente manducare, que
significavam propriamente "devorar, mastigar". Era, pois, manducare ver-
A idéia de "chorar" era representada em latim pelo verbo flere. To- bo de significado um tanto grosseiro, como salienta Rohlfs., Todavia, a pa-
davia, esse verbo não se conservou nas línguas românicas, provavelmente lavra, usada a princípio somente entre os cômicos e os satíricos, como
devido ao monossilabismo de certas formas. A prova está em que as for- observam Ernout-Meillet, acabou ~or penetrar na boa sociedade; Augusto
mas dissilábicas se conservaram durante mais tempo. Rohlfs, p. ex. (59) a empregava. \
diz que, no séc. V, assim era conjugado no preso do ind.: ploro, ploras, De manducare temos o cato menjar. o provo manjá, o .fr. manger, o sd,
plorat, [lemus, iletis, plorant. , mandicare, o rom minca. Admite-se que o it. mangiare seja um galicismo.
Do modelo dado se vê que já então o verbo flere encontrara em Da mesma forma o subst. manjar. tanto em ptg. como em esp., deve ser
piorare um substituto, ainda que parcial. um galicismo.
Plorare significava, propriamente "chorar soltando gritos de dor" e o- Outro substituto de edere .foi o seu composto comedere, que tinha um
seu sentido se aproximava antes de "lacrimare" que de "flere". Não sen- valor mais expressivo e vulgar (comedere queria dizer "comer tudo, co-
do monossilábico e pertencendo à l.a conj., além de possuidor de marca- mer todos os lados"; Rohlfs compara esse verbo ao aI. aufessen). Come-
do tônus afetivo, era, sem dúvida, o, verbo destinado popularmente a subs- <lere é forma usada pelos convivas de Trimalcião, no Satiricon, de Petrô-
tituir flere. nio. Ernout-Meillet dizem ser forma freqüente no latim da Igreja e até no
Nas línguas românicas é atestado em ptg. chorar, em esp. llorar, em baixo-latim.
cato plurá, em provo plourâ, em fr. pleurer. De comedére (por comédere) tivemos o ptg. e esp. comer.
Na România Oriental, porém, teve mais êxito um outro verbo, plan- Como se vê, aqui há uma área mais conservadora - a da Península
gere, cujo sentido em latim era o de "chorar golpeando o peito como de- Ibérica - e outra inovadora - o restante da România.
monstração de dor muito profunda". Tinha, pois, também valor afetivo. No sul da Sardenha, passou da linguagem infantil para o uso geral a
voz pappai « pappare},
116 Essa etimologia está em Rohlfs e (45), que a reforça com observações con- Também na Península Ibérica ocorre papar, tanto na linguagem in-
tidas na nota 1 da pág. 46. Pelo REW, 5882, vê-se que a etimologia é de .Kõrting. fantil, como na familiar. Nesse sentido, também é conhecido no Brasil. E,
Meyer-Lübke, porém, a considera "begrifflich, syntaktisch und formelI schwierig".
figuradamente, pode ter o sentido de "ganhar". Ex.: "Papou o grande
Diez propôs nec entem, que Herzog supôs proveniente da linguagem filosófica.
Nec entem é a etimologia que Bloch-Wartburg aceitam. prêmio."
248 PREPARAÇAO À LINGUISTlCA ROMÂNICA
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CAPo 15 • CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMÂNICAS 249
.....• ~

15.11.6 PLlCAREIADRIPARE De oblitare é que procedem o esp. olvidar, o cat. oblidar, o provo
oublidà (ant. oblidar), o fr. oublier. Oblítare estendeu-se até o Oriente
Em latim os vocábulos que traduziam a idéia de "chegar" eram venire
(rom uita), o que demonstra a sua maior antigüidade.
ou advenire. Venire restringiu o sentido a "vir", antônimo de "ir". A idéia
Na Lusitânia surgiu uma inovação *excadescere ou *excadiscere (Car.
de "chegar" opõe-se à de "partir".
Michaélis, no Gloss. Canc. Aj.), cuja base é o verbo cadere (cadére, na
O étimo de "chegar" é um latim plicare, cujo sentido próprio é "do-
Península Ibérica), "cair", "porque esquecer é como que caírem da me-
brar" (cfr. o fr. plier).
mória as idéias pouco a pouco" (L. de Vasc., Lições? 151). D. Caroli-
A evolução de sentido teria decorrido do emprego do verbo na lin- na manda comparar com o a!. es entfiillt miro
guagem náutica e estaria na expressão plicare vela, isto é, dobrar as velas
De "excadescére tivemos o arco escaecer (também em esp. ant.), modo
da nau quando a embarcação chega ao porto.
('squecer. Em Portugal pronuncia-se esquecer, em virtude da crase.
Na Peregrinatio Aetheriae, narrativa de viagem de uma monja presumi-
Na Itália, ao Norte, com base no subst. mens "a mente, o espírito",
damente espanhola, encontra-se plicare ou plecare, com o sentido de
criaram-se os neologismos *exmenticare e *dementicare. A forma toscana
"chegar" em mais de um passo como este: "et (ut) sic plecaremus nos ad
montem Dei" . dimenticare passou à língua literária.
Plecare é a base do ptg. chegar e do esp. llegar. No Centro e no Sul surgiu uma formação 'com base em cor "o cora-
ção": "excordare. Daí foi que proveio scordare.
Plecare também deixou descendência em romeno no verbo a -pleca,
mas com sentido exatamente oposto ao que tem na Península Ibérica, Com a base cor já havia em la( recordari, lat. vlg. "recordare (ptg.
pois, no Oriente significa "partir". Aqui se vai buscar explicação à lin- recordar, it ricordare). Recordare teria levado a um "excordare. Cfr.
guagem militar: plicare tentoria, isto é, dobrar as tendas do acampamento ainda a expressão "de cor", de onde surgiu o verbo decorar no sentido de
para pôr-se em marcha. "memorizar",
Outro substituto léxico de advenire foi adripare, termo também da lin-
guagem marinheira, pois significa propriamente "aproximar-se do litoral". 15.11. 8 - INVENIRE/ REPERIRE
E a significação que o termo tem em esp., de onde passou ao ptg. (arri-
bar ao. porto) . Para a idéia de "achar" tinha o lat. dois verbos: invenire e reperire.
De adripare, através de arripare, chegou-se ao fr. arriver, e do fr. o Como observa Rohlfs, invenire era mais popular que reperire. Como quer
vocábulo transitou para o it. arrivare ~ o cato arribar. que seja, nenhum dos dois passou às línguas românicas. O primeiro subs-
Como lembrar Rohlfs, em it. também ocorre giungere, mas em estilo tituto que encontramos é um verbo da l.a conj.: aiilare.
guindado: e giunto il prejetto, Afflare significava "soprar". De aitlare temos, de maneira fonetica-
Para Serafirn da Silva Neto (Hist. Ling, Port., 261, nota 4) deve-se mente regular, o ptg. achar, o esp. hallar, o rom. a afia.
partir de applicare, o que, pensa, dispensaria um plicare vela. II 7 A.existência de afflare nos dois extremos da România mostra que se
trat., LÍa substituto mais antigo de invenire .

15.11. 7 - LAT. CLÁSS. OBLIVISCI E preciso, porém, dar conta da evolução semântica de afflare "so-
prar" a ptg. achar, p, ex.
A idéia de "esquecer" era expressa em lat. pelo depoente oblivisci. Aiilare - a explicação é de Schuchardt - deve, quanto ao sentido,
Esse depoente foi substituído na latinidade tardia pelo verbo ativo provir da linguagem da caça. Provavelmente significou "farejar, farejar a
oblitare, calcado sobre o tema do parto passo obliius. caça e, portanto, achá-Ia". Essa evolução deve ter-se dado antes do séc.
V, isto é, antes do isolamento do romeno.
111 Tagliavini (Le origini, p. 179) também se refere a applicare, no sentido Na Alta Idade Média, observa Rohlfs, a antiga unidade de aiitare foi
de "aproximar-se". Serafim Neto, recorrendo ao dicionarista Freund, lembra de quebrada. Um dos seus concorrentes foi captare, que, em latim, significa-
Cícero. I nv, 2. 51. 153): navim ad naujragum applicarunt. va "agarrar". Depois passou ao sentido de "ver, olhar", tanto em esp.

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CAPo 1S • CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMANICAS 251
PREPARAÇÃO À LINGUISTlCA ROMANICA
250

(Cantar de Mio Cid), quanto em ptg. (assim, na Demanda: "começaram-


o suf. agem também nos veio da França. A forma erudita é -âtico:
viático, p. ex. A forma arcaica, serni-erudita, era -ádigo ou -âdego: pa-
se a catar uüs aos outros"). Do sentido de "buscar com os olhos" passou
droâdigo, montádego.
simplesmente ao de "buscar" (em galego-português, em esp. medieval)
e, daí, ao de "encontrar" (dialetos norte-italianos, falares réticos).
Outro substituto de invenire temos na palavra que deu o provo e cato 15.11.10 - CAPUT /*CAPlTTIA
trobar, o fr. trouver , o it. trovare.
Dessa palavra, para uns (Gastão Paris, Antônio Thomas) a base se- Em latim a palavra que designava a parte superior do corpo dizia-se
caput, Caput, nome neutro, passou no lato vlg. a masco da 2.a decl.: capus 1:
ria um verbo *tropare, calcado 110 grego trápos, uma figura de retórica.
(Grandgent, §§285, 356, 369). Do acuso capu tivemos oram cap, o it.
Tropare seria, pois, "compor trapos", "criar imagens" e daí "inventar".
central e meridional capo, o cato cap, o rético chiau ou cheu.
Para outros (Schuchardt) a base seria o lato turbare, na expressão turba-
Em port. e esp. existe cabo, mas em sentido translato. Por exemplo
re aquam, isto é, turvar a água com varas, como fazem os pescadores ~~ ip I
cabo, na hierarquia militar; cabo de vassoura; e em locuções como a cabo
para apanhar (= achar ) o peixe.
de (= ao fim de), de cabo a rabo, ir às do cabo (= ir às palavras do fi-
Nenhuma das duas etimologias ainda conseguiu reunir a unanimida- nal, da conclusão; falar sem ambages; ir às últimas).
de dos romanistas. Mas a tendência moderna é para o *tropare. Coromi-
A palavra cabo também significa "corda grossa", termo muito usado
nas, p. ex., diz (DCELC), a propósito de turbare: "Uma etimologia que
na linguagem náutica. Nessa acepção ocorre ainda em ptg. calabre, caabre
semanticamente não se impõe e que está contraditada no aspecto foné-
(are) e cabre. O fr. possui câble e o esp. cable, que Corominas deriva do
tico por um bom número de falares românicos (que em relação a uma
fr. Meyer-Líibke, nesse sentido, tira a palavra de capulu, que prende ao
evolução normal coincidiriam em postular uma base *tropare) é o caso
verbo capere: "parte por onde se segura alguma coisa". Corominas aceita,
típico, se é que o há, de uma etimologia falsa, por mais especiosa que
com relutância, essa etimologia para o fr. câble. Fala-se numa forma arco
seja." portuguesa (V. Magne, Gloss., s. v. cabory caboo; mas caboo é forma
Outro substituto se encontra no porto e no esp. coloquial encontrar, hipotética.
derivado de um latim tardio incontrare.
O mais provável é que de capu- procedam as palavras que signifi-
cam "cabeça, extremidade", com as acepções afins. No sentido náutico
15.11.9 - CASEUS FORMATICUS (calabre, câble) a palavra tem outra origem, ainda incerta (mas não razoa"
velmente de capulo-) . Em ptg. cabo, no sentido de "corda grossa", é pro-
O "queijo" dizia-se em latim caseus ou caseum. O pl. era sempre vavelmente alteração de cabre. De capu/pI-O.Cede também o fr. chef « •
casei. chie!). O ptg. chefe e o esp. jefe são galicismos arcaicos.
De caseu- temos regulamente o ptg. queijo, o esp. queso, o sd. casu, O ptg. cabeça e o esp. cabeza provêm de um latim vulgar hispânico
o rom. caso *capittia. * Capittia tem ares de neutro pl., o que é estranho numa parte
Na. Gália criou-se a expressão "caseus formaticus", ou seja, "queijo do corpo não formada de partes simétricas (cír. as costas, os narizes ou a~
posto em fôrma". Por braquilogia muito comum em expressões desse teor ventas, as nádegas). Em lat. havia capitium "abertura das túnicas por
(subst. +adj.), o sintagma reduziu-se ao adj.: formaticus. Daí é que pro- onde se enfiava a cabeça". Nesse sentido em esp. diz-se cabezán e· em
cedem o fr. fromage, o provo [romatge, o cato formatge. ptg. cabeção (cabeção da camisa: "a parte dela que veste da cintura para
cima", diz Morais) .
Quanto ao it. [ormaggio deve ser "um empréstimo francês devido à
influência da época carolíngia" (Rohlfs, 88). Segundo Corominas, "poderia admitir-se que cabeça significou primi-
tivamente capucho, parte do manto que cobre a cabeça ... e que daí se
O caráter não hereditário da palavra formaggio se deduz pela forma
passou à parte do corpo coberta pelo capucho", o que é hipótese bastante
do sufixo. :É que o suf. lato -aticu dá normalmente em it. (tosc.) -atico e
não -aggio. Portanto, em it., selvatico é forma patrimonial, ao passo que
selvaggio é um empréstimo.
• V. Pidal, eu, lI: 521.
252 PREPARAÇAO À LINGUfSTlCA ROMÂNICA CAP. 15 • CARACTERES GERAIS DAS LlNGUAS ROMÂNICAS 2.53

razoável (cfr, cadeiras e, depois, parte do corpo). Todavia, fica por ex- Quanto ao ptg. bode, a origem é incerta. Nascestes (DER) aventa,
plicar o plural, uma vez que o ponto de partida "cabeças de gado", tam- com dúvida, origem pré-rornana. Meyer-Lübke (REW) não. registra a
bém lembrado por Corominas, nãc parece muito feliz. Talvez seja mais palavra. Corominas (DCELC) admite origem pré-rornana, o que, já vi-
prudente aceitar apenas a acepção coletiva do tipo per capita, passando-se mos, Nascentes aceitou. Parece-nos que a sílaba inicial da palavra (cfr,
daí a capita > "cappitia, um pl. analógico (do tipo animalia). provo bochi, cat. boch, fr. bouc, it. becco) aponta também para a origem
Em catalão há cabeça e capo germânica supracitada.
Na França do Norte surgiu uma inovação: testa. A acepção própria Em esp., empregam-se segundo as regiões, vários termos, mas, na
língua comum, o que ocorre é a expressão "macho cabrío",
f'
de testa é 'vasilha de barro". Usou-se, naturalmente, a princípio como ex- I

pressâo jocosa na designação de uma pane do corpo tão sujeita a essas Em sardo, a forma crabu deriva de um acuso capru-, de caper. Foi a
denonúnações caricaturais. Rohlfs (89) lembra para o fr. pomme, poire, única língua românica que conservou caper.
melon, citron, baule; para o it eucca, cucuzza, borella; para o rom. diblã No latim da Península Ibérica deve ter-se formado um "capro, -onis,
"violino", tidvé "abóbora". Além de calabaza "abóbora", Alvar acrescen- responsável por cabrán, do esp., termo altamente grosseiro.
ta para o esp., entre outros, pelota, melán, coco, mollera, cholla "cachola",
O rom. tap (em albanês zap), de acordo com Rohlfs, é "indubita-.
Para o ptg. do Brasil poderemos aduzir coco, cuca, cachola, moleira, alto
velmente relíquia de algum dialeto trácio ou ilírico".
da sinagoga.
Quanto ao "cabrito", ocorrem as seguintes designações românicas:
Testa, com a forma teste, entrou a concorrer com chei no séc. XII,
ptg. cabrito e chibo, esp. cabrito e chivo, cat e prov. cabrit, fr. chevreau,
desalojando-o por completo já no séc. XVI (von Wartburg, FEW). Da
it. capreto. Em esp. ainda existe choto, de origem onornatopéica.
França testa (> teste > tête) passou à Itália do Norte, tendo ocupado o
lugar de capo. Na Toscana, porém, manteve-se capo. O ptg. esp. cato provo e it. provêm de um diminutivo caprittus. O fr.
vem de outro dimin. caprellus. Chibo e chivo parecem palavras derivadas
Na Sardenha ocorre conca "concha", termo de caráter afetivo.
da maneira campônia de chamar o animal.
De haedus através de um dim. haediolus, ficaram vestígios na franja
f5.11.11 - CAPRA/CAPER/HAEDUS
alpina da Itália e nos Grisões (Rohlfs, 112).
Em latim a palavra designativa do animal que chamamos "cabra" era Em.latim.caper sofria a concorrência de hircus. Hircus conservou-se
.capra. Esse vocábulo manteve-se, com as alterações fonéticas respectivas, somente no calabrês irku (M-L, REW, 4140) .
em todas as línguas românicas, a saber: ptg. cabra, esp. cabra, cat. e provo
cabra, fr. chêvre, rét. chavra, it. capra, rom. caprã, sd. craba. 15.11.12 - CABALLUS/EQUA
Essa impressionante uniformidade fez Rohlfs (115) dizer que a de-
nominação capra (no domínio românico, entenda-se) "é tão imutável
i Em latim "cavalo" dizia-se equus : o fem. era equa. No lat. vIg., porém
como os nomes de sol e lua, terra e água, leite e mel". a forma eqllus foi cedo substituída por caballus.

I
O macho da cabra dizia-se em latim caper. Curioso é que já não hou- Caballus não designava o animal usado para passeios, combates ou
ve quanto. a caper ..a. mesma geral aceitação. A razão no-Ia dá Rohlfs: competições e sim, mais modestamente, o animal de trabalho, geralmente
capra é :J termo genérico, ao passo que "o macho está escassamente re- castrado. Mas como o povo não possuía equus e sim caballus, foi esta a
presentado no meio campesino, e nas cidades se vê raras vezes; por outro palavra que passou às línguas românicas: ptg. cavalo, esp. caballo, cat.
lado é mais pernicioso que a cabra e o cabritinho", caval!, provo cavall, fr. cheval, it. cavallo, sd, caddu, rom cal.
Eis as denominações para caper nas supracitadas línguas românicas: Como se vê, o termo é bastante geral e lembra a conservação do
ptg. bode, esp. macho cabrio, cat. boch, provo bochi, fr. bouc, rét. boc, fem. capra.
it. becco, rom. tap, sd. crabu. Para o fem., equa manteve-se parcialmente. Ficou no ptg. (égua), no
O fr. bouc é uma voz germânica (do franco), da mesma forma que esp. (yegua), no cato (egua ou euga), no provo ant. (egoa ou ega), no
o it becco (Iombarda ). Do fr. a palavra passou ao provo bochi e cat. boch. sardo (ebba), no romeno (iapã).
254 PREPARAÇAO À L1NGUISTICA ROMÂNICA

Pela extensão do termo, da Península Ibérica aos Ba1cãs, verifica-se


ter sido equa a camada mais antiga. No Norte da França, desde a Alta
Idade Média, jumentum entrou a fazer concorrência a equa. Lumentum,
em latim, era a besta de carga e o nome passou a ser aplicado à égua,
por ser a fêmea animal mais dócil. Daí o fem. fr. [ument, que substituiu o
antigo ive. Na Córsega se diz jumenta, por influxo do francês. Em ptg.
existe jumento (fem. jumenta), como sinônimo de "burro, asno". Capítulo 16
Na Itália, criou-se o fem. analógico cavala. 118 t

Os Dias da Semana

16.1 - A medição do tempo tem origem cósmica. Foi em função do


retomo cíclico do Sol e da Lua que os antigos astrólogos chegaram' à
noção de dia, mês, ano. O nascer e o pôr-do-sol, o ciclo lunar, a reeor-
rência periódica das quatro estações davam aos homens pontos de refe-
rência para medir a passagem do tempo. Entretanto, .entre o mês e o dia
se interpunha um espaço de tempo muito grande, que exigia uma unidade
intermediária. Os gregos apelaram para as décadas; os romanos para as
calendas e os idos. Todavia, como pondera von Wartburg,l esses termos
ainda dependiam da idéia de mês. A grande inovação consistiu em criar r

uma unidade de tempo independente dos fatos cósmicos.


Essa inovação veio do Oriente, provavelmente dos babilônios.

Entre os bábilônios o número 7 já tem importância muito grande.


Esta se manifesta particularmente na língua suméria, na qual o núme-
ro 7 exprime também a noção de ·universo. Sete são os ventos, e
sua reunião forma o que se chama hoje a rosa-das-ventos. Num ciclo
de poemas eles são chamados os 7 deuses do universo. E mais tarde,
quando são substituídos por outros, seu número continua fixado
em 7.'

118Sobre os nomes "égua" no Galo-Rornânia, V. o estudo de A. Dauzat, in


1

Sprache
"Les Noms des Jours
und Mensch, p. 45.
de Ia s,m?, do", Ies Langues Rornanes", in Von

Essais de Géographie Linguistique, Paris, Champion, 1906, 1917 e 1921. 2 Idem, ibidem,p. 46.
JI-

t
257
CAPo 16 - OS DIAS DA SEMANA
256 PREPARAÇÃO À LINGUlsTICA ROMANICA

rnur et ore proferre, et nunquam dicamus diem Martis, diem Mercurii,


Foi dos babilônios e assírios que os judeus receberam o sistema de
diern Iovis, sed primam et secundam vel tertiam feriam, secundum quod
medir o tempo independentemente dos Iatores cósmicos e instituíram no
séc. V a.C., o que até hoje chamamos "semana", ou período de sete dias. scriptum est nominernus"."
Para a Península Ibérica tem importância especial São Martinho (séc.
Dos judeus a inovação passou aos gregos e aos romanos.
VI), bispo de Braga, pois a ele se tem atribuido papel decisivo na intro-
Para os judeus o dia referencial da semana era o do repouso (como,
dução da semana eclesiástica em Portugal. São palavras do santo monge
para nós, é o domingo). E a palavra para "repouso" em hebraico é sabbat,
Os outros dias da semana eram designados em função do 3abbat. Assim, no De Correctione Rusticorum:
em termos gregos, encontramos: próte sabbâtou (o 1.0 dia depois do sá-
bado, ou seja, o domingo), deutéra sabbâtou (o 2.0 dia depois do sábado, Qualis ergo amentia est, ut homo baptizatus in fide Christi diem
ou seja, a segunda-feira) e assim por diante. dominicum, in quo Christus resurrexit, non colat et dicat se diern
Esse sistema conservou-se até hoje em grego, com pequenas altera- Iovis colere et Mercurii et Veneris et Saturni, qui nullum diem ha-
ções, traz idas pelo Cristianismo. Assim o domingo é também em grego ben~, sed Iuerunt. adulteri et magi et iniqui et male mortui in pro-
o dia do Senhor: do séc. 11 de nossa era procede a designação kyriakê vincia sua!'
heméra, ou simplesmente kyriaké, para () domingo.
Também a sexta-feira recebeu v nome de paraskevé, que quer dizer E com a sua pregação conseguiu erradicar da faixa ocidental da Pe-
"o dia da preparação". nínsula Ibérica a superstição dos dias da semana dedicados a deuses
Em Roma foi a semana introduzida pelos astrólogos caldeus. Esses, pagãos. "Não que a sua censura, por si só, fosse capaz de impor a desig-
ao que parece, associavam cada um dos dias da semana a um planeta ou nação cristã", comenta Serafim da Silva Neto, "mas a pregáção de Marti-
a um deus com ele relacionado. Em Tibulo (20 a. C.) ocorre a mais anti- nho, seguida pelos sucessores, estava na linha das recomendações da Igre-
5
ga documentação em latim: Saturni dies, por "sábado", informa von Wart- ja e acabou por impor-se na faixa ocidental da Península".
burg. Os deuses aparecem sempre nesta ordem: Saturnus, Sol, Luna, Mars,
Mercurius, Iupiter, Venus. 16.3 _ A semana românica, portanto, já se vai delineando. Em um lado
Tal como se deu com a semana grega, o Cristianismo também intro- bastante reduzido (Portugal), triunfa a semana cristã; em outro, o maior,
duziu inovações na semana romana. O Saturni dies passou, desde Tertuliano, impõe-se, com algumas alterações (para o sábado e o domingo), a se-
a ser chamado sabbatum. mana pagã.
A forma sabbatum é, como disse mós, de origem hebraica, mas passou Existe, a esse respeito, um texto muito citado de Santo Isidoro (início
ao latim através do grego. O êabbat judaico foi adaptado em gr. como do séc. VII), nas Etymologiae, que vamos transcrever:
sábbata. Essa forma pareceu um neutro plural (o nomes de festas se dizem
em geral no plural) e daí se originou um "singular" sábbaton. Foi dessa
forma que os latinos retiraram o seu sabbatum. Em lat. ainda ocorre sab- 3 "Mas também evitemos com desdém proferir com os lábios esses nomes sor-
bata como fem. sing. (em haec sabbata, p. ex.) e sabbata, -orum, didíssimos e jamais digamos dies Martis, dies Mercurii, dies Jovis; chamêrno-tos.
Quanto ao Solis dies, a substituição foi por dies dominicus ou dies ao revés, prima, secunda ou tertia feria, de acordo com o que foi escrito."

dominica, de onde o "domingo" ou "dorninga" na língua portuguesa (esta • "Que loucura é, pois, que um hOl1lem batizado na fé de Cristo não venere
o dia do Senhor (domingo) em que Crfsto ressuscitou e diga que guarda o dia
2.a forma restrita à linguagem litúrgica).
de Júpiter e o de Mercúrio e o de Vênus e o de Saturno, que não têm dia ne-
nhum, antes foram adúlteros e magos e iníquos e vítimas de má morte em sua
16.2 - No séc. IV da nossa era começa uma luta contra os nomes de
deuses pagãos nos dias da semana. Prisciliano, de Córdova; Filástrito de província' "
Aproveitamos a tradução de lsaac Salum, in A Problemática da Nomenclatura
Bréscia, na Gália Cisalpina; Santo Agostinho, São Cesário, entre outros,
Semanal Romímica, São Paulo, 1968, p. 67 (tese de concurso).
manifestaram-se, por vezes energicamente, contra a semana pagã. São Ce-
sário, p. ex., admoestou: "sed etiam ipsa sordidissima nomina dedigne- • ln HILP, 326.
258 PREPARAÇ'AO À LlNGUISTICA ROMANICA CAPo 16 - OS DIAS DA SEMANA 259

Apud Hebraeos autem dies prima una sabbati dicitur, qui apud Seja, porém, como for, as quatro formas subsistem nas línguas ro-
nos dies dominicus est, quem gentiles Soli dicaverunt. Secunda sab- mânicas.
bati secunda feria, quem saeculares diem Lunae vocant. Tertia sabbati
tertia feria, quem diem illi Martis vocant. Quarta sabbati quarta feria,
16.4 - Menção especial merece o português, porque das línguas romã-
qui Mercurii dies dicitur a paganis. Quinta sabbati quinta feria, est
id est quintus dies adie dominico, qui apud gentiles Iovis vocatur. nicas foi a única que deixou de lado totalmente a semana pagã.
Sexta sabbati sexta feria dicitur, quid apud eosdem paganos Veneris Segundo a tradição, foi o papa Silvestre (séc. IV) que "oficializou"
nuncupatur. Sabbatum autem septimus a dominica dies est, quem como cristã a semana do tipo ordinal + feria e tentou impô-Ia à Cristan-
t
gentiles Saturno dicaverunt et Saturni nominaverunt. Sabbatum autem dade. Podemos citar a respeito um texto do Venerável Beda no seu De
ex Hebraeo in Latinum requies interpretatur, eo quod Deus in eo
Temporum Ratione: •
requievisset ab omnibus operibus suis."

Nesse texto, observa von Wartburg (op. cit., p. 50), aparecem quatro Ferias vero habere clerum primus papa Sylvester edocuit, cui
fórmulas distintas para designação dos dias da semana: I, tertia feria: Deo solo vacanti nunquam militiam vel negotiationem liceat exercere
H, dies Martis; lU, Martis dies; IV, Martis. mundanam.
Do texto isidoriano não se pode, a rigor, concluir que o santo pre-
tendesse distinguir "sistemas" no processo de designação dos dias da se-
mana. O que há são processos estilísticos diversos para caracterizar a No entanto, os esforços de São Silvestre tiveram escasso êxito. Mas em
maneira como, entre os .pagãos, se denominavam os dias da semana. Por Portugal o triunfo foi completo; do galego há alguns exemplos medievais.
isso, cremos, há procedência nas seguintes palavras de Isaac Salum:
Para a vitória da semana eclesiástica em Portugal muito deve ter contribuí-
do o bispo de, Dúmio, S. Martinho, cuja ação não foi isolada, como
Apenas observo que, se Santo Isidoro estivesse pretendendo pre-
pareceu a Menéndez y Pelayo.
cisar variantes, o normal seria dies Lunae vel Lunae dies vel Lunae
etc. e não como ele disse. Querer ver entre diem Lunae, e Mercurii A semana portuguesa tem clara origem judaica. Como vimos, o~
dies e lovis e Veneris e Saturni a apresentação de três formas este- judeus partiam do "sábado", dia do repouso. O domingo era prima sabbati,
reotipadas, ou a caminho disso" num texto como esse .de Santo Isi- a segunda secunda sabbati, a terça tertia sabbati e assim por diante. Os
doro, parece, como observou Baehr, concluir demais.'
cristãos aceitaram essa ordenação dos judeus, mas transferiram o dia do
repouso para o prima sabbati, que chamaram dies âominicus/ a. Não tendo
o Ou, na tradução de Isaac Salum: para os cristãos o "sábado" a mesma significação que possuía para os
"Entre os hebreus o primeiro dia se chama una sabbati, o qual entre nós é judeus, já não havia sentido em referir ao sábado os outros dias da semana.
dies dominicus, que os gentios consagraram ao Sol. Secunda sabbati é secun-
Utilizaram-se então da palavra feria (atribuindo-lhe uma acepção ainda
da feria, que os do mundo chamam dies Lunae. Tertia sabbati é tertia leria, dia
que eles chamam Martis (em Salurn: "que eles chamam dies Martis"). Quar- não bem esclarecida) e criaram os seguintes sintagmas: secunda feria, ter-
ta sabbati é quarta feria, que é chamada Mercurii dies pelos, pagãos (Em Salum: tia feria, quarta feria, quinta feria, sexta feria.
"dies Mercuri"). Quinta sabbati é quinta feria, isto é, quinto dia a partir do dies
dominicus , que entre os gentios se chama Iovis (em Salum: "dies Iovis"). Sexta
feria, que entre os mesmos pagãos se chama Veneris (em Salum: "dies Veneris").
Sabbatum é o sétimo dia a partir do dominica dies (em Salum: "do domingo"),
que os gentios dedicaram a Saturno e denominaram Saturni (ern Salum: "(dia) de 8 O texto supra e a Vaduç~o que se segue são apud Salum, op. cit., 87: "Foi
Saturno"). Sabbatum traduzido do hebraico em latim é requies, porque nele Deus l) papa Silvestre o primeiro (falta "o primeiro" na tradução de Salurn) que ensinou
descansou de todas as suas obras." o clero a ter ferias, o qual (clero) deve ficar' livre só para Deus, não lhe sendo
7 1. Salurn, op, cit., p. 84. permitido exercer cargo ou negócio mundano."
260 PREPARAÇAO À LlNCUfsTICA ROMÂNICA CAPo 16 • os DIAS DA SEMANA 261

Eis, pois, a origem da semana portuguesa: Todavia, o ponto de vista do Prof. Paiva Boléo tem conseguido reunir
maior número de adesões, como as de Rohlfs, Serafim da Silva Neto,
Latim medieval Português Manuel AIvaro

(dies) dominicus domingo l6.5 - Quanto à semântica, o subst. feria continua mal explicado.
secunda feria segunda-feira Segundo informa I. Salum, "a fórmula com feria aparece pela pri-
iertia feria terça-feira meira vez em Tertuliano, em 213 a D".9
quarta feria Tertuliano era africano e também africanos eram outros autores em
quarta-feira
que ocorre a fórmula. Recordemos que ela se documenta numerosas vezes
quinta feria quinta-feira em Sto. Agostinho. Daí a hipótese perfilhada por I. Salum da origem afri-
sexta feria sexta-feira cana da fórmula ord. feria (p. 171). +
sabbatum sábado São Jerônimo, que não era africano, num texto de 407 d.e., alude
à semana cristã, mas emprega a fórmula secunda sabbati etc. e não se-
Vê-se, também, que o sabbatum judaico conservou-se, o que se dá cunda feria etc. Desconheceria o termo feria ou tê-lo-ia evitado por haver
em todas as línguas românicas. começado a enumeração com o ordinal primam?
Assim, pois, tem a semana portuguesa origem na semana israelita. Na Peregrinatio Egeriae (supõe-se que Egéria era monja da Galiza,
Contudo, o Prof. Wilhelm Giese, em artigo publicado no "Boletim de Fi- e é provável que o seu relato de viagem à Terra Santa seja de princípios
lologia", de Lisboa, tomo VI (1939) quis ver influência arábica na ma- do séc. V) documenta-se várias vezes o sintagma ordinal + feria.
neira portuguesa de estruturar os dias da semana, uma vez que os mouros Em Roma havia as nundinae (se. feriae), que Ernout-Meillet assim
usam também a palavra correspondente a dia precedida de um numeral. definem: "jour de marché, et "marché", proprement "chornage" (feriae)
Recenseando o artigo de Giese, o Prof. Paiva Boléo, de Coimbra, no du ge. jour".
tomo 15 da Biblos (1939), entre outras restrições feitas ao professor ale- Partindo das nundinae,' I. Salum crê poder explicar a nova acepção
mão, observou que o sistema numerativo árabe emprega o cardinal e não o de [eriae. Diz então (op. cit., p. 173):
ordinal, ao contrário do português.
Num segundo artigo, aparecido também na Biblos (tomo 16), o Prof. Como, porém, as feriae Nundinae coincidiam com o dies Solis
Giese atenuou a sua afirmação, concedendo que os mouros tivessem tra- depois do famoso decreto Constantiniano, os dies Solis, depois dies
zido apenas um "reforço" ao sistema eclesiástico. Mas também esse se- Dominici, eram [eriae, não pelo seu conteúdo religioso, mas pela
~undo artigo foi contestado por Boléo, in Biblos, tomo 1"6, no qual se coincidência com as feria e Nundinae. E, como estas e os âies Solis
alega que a pretensa influência arábica não se exerceu na Espanha meri- > dies Dominici se repetiam toda semana, o plural passou de plu-
dional. O Prof. Paiva Boléo reuniu os seus artigos e os de Giese numa rale tantum a plural normal: cada nundina era uma feria; cada
brochura a que intitulou Os Dias da Semana em Português, Coimbra, 1941, Dominicus era uma feria, como dia semanal que era, e não como dia
religioso. Os outros dias também eram semanais: por isso [cria pas-
A tese arábica obteve a adesão do Prof. José Pedra Machado, em
sou a ser "dia-da-semana", não "dia-de-semana".
artigo do Boletim de Filologia, VI, 1940, sob o título genérico de "Curio-
sidadcs filo lógicas" . Sobre o mesmo assunto escreveu ainda n~ "Revista
Parece-nos que se deu Um salto um tanto exagerado. Senão, vejamos.
de Portugal" dois artigos: o 1.0 no voI. I, 2 (1942) e o 2.° no vol. I,
Primeiro se identificam as nundinae com os dies Solis. Mas como as nun-
4 (1943).
dinae eram feria e, os dies Solis passariam' também a ser [eriae. Depois os
Informa o Prof. Serafim da Silva Neto (HLP, p. 328, n. 18) que
W. Giese manteve o seu ponto de vista na Literaturblatt für Germanische
und Romanische Philologie, L VI V, 1943 e Biblos, XXIII, 1947. , Salum, op . cit., p. 166.
.i
CAPo 16 - 05 DIAS DA SEMANA 263

262 PREPARAÇAO À LINGUISTICA ROMANICA

La raison du passage (do nome feria da sentido de "jour de


dies Solis viriam a ser chamados dies dominici e então se estabeleceu a fê te" ao de "jour férial") est três bien expliquée par Du Cange,
equivalência feriae ~ dies dominici. Glossarium, S. V. feriae: "Singuli dies hebdornadis dicti, ut est apud
Como, porém, os dies dominici se repetiam todas as semanas, [eriae, Hieronymum non quod in iis feriandi necessitas incumbat, sed a
ql\e era um plurale tantum, passaria a ser simplesmente "plural", quer -I septimana Paschatis, quae erat immunis ab opere faciundo et Ie-
dizer, dominici = [eriae, então dominicus = feria. E, se dominicus = 1 riata."?
dia-da-semana = feria, então, por generalização (que me parece forçada),
dia-da-semana = feria. Du Cange refere-se ainda a uma lei de Constantino que ordena sejam I::
feriadas a semana que segue e a que precede a Páscoa. Teria havido
Apesar de tê-Ia rejeitado o Prof. Isaac Sal um, inclino-me antes para
lima generalização de sentido, isto é, as feriae da semana seguinte à Pás-
a explicação de Gundermann.w coa - por ser esta a primeira semana do ano eclesiástico - se teriam
Gundermann parte da equivalência entre o sabbatum judaico, dia do estendido a todas as semanas do ano. '11i i
repouso, e o seu correspondente românico (ou cristão) feriae. Temos, por- Todavia, como pondera o Prof. Sal um, "a fórmula com feria já
tanto, [eriae (nundinae) = dies SoU = (dies) dominici. Ora, a adapta- ocorre -ern Tertuliano, em um contexto que a faz supor entendida, no
ção da semana judaica à cristã consistiu na transferência do dia do repouso início do séc. llI, talvez um século e meio antes da conversão de Cons-
do sábado para o domingo. Então, em vez de se fazer a referência ao iantino" .
sábado (prima sabbati, secunda sabbati etc.), passou-se a fazê-Ia em re- A explicação mais antiga é a que se encontra no Venerável Beda
lação ao domingo. Como o domingo equivalia a jeriae, era natural que a (séc. VIII) e no Breviarium Romanum. Beda assim se exprime (de Tem-
contagem se fizesse em função do novo sabbatum, ou seja, das feriae. porurn Ratione):

Poder-se-ia objetar: 1.0) o uso do singular - feria - pelo pl, "Feria vero habere clerum primus papa Sylvester edocuit, cui ' deo
[eriae; 2.°) o uso do nom. - feria - pelo gen. - feriae. solo vacanti nunquam militiam vel negotiationem liceat exercere rnunda-
narn ." 13
Quanto ao 1.° ponto, pode-se responder que a referência deveria a
Seria uma espécie de doutrina - aliás pouco convincente - <!o
ser a um dia da semana, ao passo que o plurale tantum iria, naturalmen-
otium curn religiositate. Cremos que uma volta ao Gundermann ainda é
te, sugerir mais de um. Acrescente-se que a analogia com sabbatum estava
a melhor solução.
a pedir um singular.
A semana portuguesa ainda apresenta o domingo, dominicus dies,
Quanto ao 2.° ponto, parece-me que, numa época em CIue a declina-
o dia do Senhor", outra vitória do Cristianismo. Mas aqui o triunfo foi
ção já valia pouco psicologicamente, feria passou a designar simplesmente
mais amplo.
o elemento comum de uma seqüência. O elemento distintivo, e por conse-
guinte o mais importante, era o ordinal, tal como se vê no uso corrente 16.6 - Depara-se-nos neste ponto um pequeno problema: o do gênero
do português atual: "Embarco na terça e volto na quinta." Para uma ex- de dies. Em umas regiões da România, vingou a expressão dies dominicus,
pressão que teria de ser empregada a toda hora pelo povo, a exigência de em outras dies dominica . .f: certo que em latim dies possuía os dois gê-
um genitivo realmente não continha muito sentido. neros; mas, como observou Jud, não há relação necessária entre o gênero
Mas aqui a explicação do fato ainda é uma questão de preferência.
Rohlfs," p. ex., diz: 10 A tradução do texto de Du Cange ~ a seguinte: "Cada um dos dias da
semana assim chamados, como está em S. Jerõnimo, não porque a eles se impo-
nha a obrigação de não trabalhar, mas (porque derivam) da semana da Páscoa,
a qual era vedada ao trabalho e (portanto) feriada".
10 Apud Salum, op, cit., 177-8.
13 "O papa Silvestre foi o primeiro qu ensinou o clero a ter ferias, na qual,
11 Artigo "Ls Norns de jours de Ia Semaine dans les Langues Rornanes", para estar disponível somente a Deus, não é permitido ocupar-sé com trabalho
publicado primeiro na Miscelânea Adoljo Coelho, Lisboa 1949, e depois inserto no grosseiro ou negócios do mundo."
volume An der Quellen der Romanischen Sprachen, Halle, 1952.
CAP, 16 • OS DIAS DA SEMANA
265
264 PREPARAÇÃO À LlNGUrSTlCA ROMÂNICA

correspondente a dies e o gênero de "domingo". Assim, em italiano, di 16.7 - Em outros países românicos venceu a semana híbrida, ou seja,
( ant.: cfr. lunedi etc.) era masculino, mas em toda a Península o que a semana astrológica modificada por inovações cristãs, quase sempre as
ocorre é Ia domenica. referentes ao sábado e ao domingo.

Do ponto de vista geográfico, podemos observar com Rohlfs que a Na semana híbrida, os nomes que indicam deuses ou planetas ora
Rornânia Ocidental prefere o masco e a Oriental o fem. Temos, assim: precedem ora seguem o determinado dies. Isto é, podem encontrar-se os
ptg. o domingo, esp. el domingo, cat. el diumenge, provo lou dêmenche, tipos Martis dies ou dies Martis.
fr. te dimanche. E, na România Oriental: it. Ia domenica e rom. durninicã Para von Wartburg (art. cit., p. 50), "conformément à l'ordre des
Talvez o gên. fem. de dies na Rornânia Oriental se deva à influência mots du latin classique, les deux éléments du composé devaient être Ull is
do gr. heméra, como pensa Rohlfs e aceita Sal um. Observe-se que em de telle rnaniêre que le mot dies Iút le premier, com me, par exemple,
romeno há zi, m. e ziuã, L, mais freqüente. Em geral as línguas românicas dans praejectus urbis",
conservaram o gên. masco de dies (inclusive o it., como vimos) . Na sua opinião, a ordem inversa, ou seja, Martis dies traduziria in-
tenção de enfatizar o 1. 0 elemento.
Na semana astrológica, o domingo era o dies Sôlis. Na Rornânia foi,
graças ao Cristianismo, suplantado pelo dies dominicus f a, Todavia, em Rohlfs (50) admite que a ordem Veneris dies, p. cx., seja fruto do
países de língua gerrnânica, como a Inglaterra e a Alemanha, manteve-se influxo latinizante, devido à Igreja ou às classes dirigentes. Mas von
a primitiva designação: Sunday, Sonntag. Wartburg, para escorar a ordem dies Veneris, recorrera ao latim clássico ...

Outra vitória do Cristianismo foi a consagração pelo uso do "sábado". No entanto, a coisa, cremos, não era bem assim no lar. cláss. Ernout-
-Thornas, p. ex. (Syntaxe Latine, p. 163), dizem: "dans l'usage courant
Na semana astrológica, o sábado era o dies Saturni. Foi substituído
à l'époque historique, le génitif complément suit le nom qu'il determine
pelo termo de origem hebraica .~abbat. Todavia, ainda hoje em ing. temos
saturday, (orbis terrarum), aussi bien qu'il le précêde (terrae motus)",
Logo,' 'luestão de preferência. Tanto seria lógico, p. ex., esperar dies
Esse termo hebraico aparece vertido para o gr. como sábbaton. Daí
passou para o lat. sabbatum. Em lat. ainda se encontra sabbata (n. pl.) e
Martis como Martis dies,
sabbata (f. sing.). Todavia, pode-se observar, de acordo com artigo de Gilliéron e Roques
de 1908, que há certa solidariedade entre o tipo Martis dies e a substi-
Ao lado dessas formas, exisnrarn outras, com nasal ação do a: "sarn-
tuição desse apelativo por diurnum (Gália, Itália). Grarnaticalizando-se,
bata e * sambaturn, Para von 'vVartburg, I, "a origem (dessa forma nasala-
dies passou à condição de mero sufixo -di. A palavra plena continuou em
da) está numa pronúncia popular da palavra em sli io, onde -bb- é repre-
diurnum (jour, giorno). Mas ali onde dies manteve o seu valor lexical,
sentado por -mb-", Do sírio essa forma teria passado ao grego, em cuja
ou se eneontra a anteposição (cat. dimarts t, ou permanece apenas o gen.
língua popular seria usual. Do grego foi transmitida aos Balcãs (de onde
(cast. Martes). Apesar da cerrada argumentação de 1. Salurn, não no-
o romeno shnbiitti) e aos povos cslavos. Também a receberam os godos,
parece necessário aceitar, na esteira de Baher, "que não há outra explica-
como o atesta o alemão Sarnstag.r- Finalmente a palavra chegou à Gália
ção para a inversão senão a influência franca na França e franco-lornbarda
setentrional, de onde o fr. saniediw
na Récia e na Itália" (op. cit., p. 161).
Da forma não nasalada provieram o ptg. sábado, o esp. sábado, o
No caso da permanência das fórmulas pagãs, houve, portanto, três
cat. e provo dlssapte, o it. sabato, o logo sápatu.
realizações das possibilidades do sistema: a) anteposição de dics (cal.

dimarts); b) posposição de dies (Ir. mardi, it. mart edi i , c) omissão de


dies (esp. Martes, rom. martsi).
U "Les Norns dcs Jours de Ia Sernaine", in VaI/ Sprache und Mensch, p. 54.
l~ Outra forma Jo alemão é Sonnabeud (a véspera do domingo). Ainda quanto à presença ou ausência de dies, cabe observar que,
na expressão dies dominicus/ a, o subst. perdeu-se em ptg. esp, it., sardo
lU 'r ouavin, pondera von Wartburg: "Ie Ir. sametli pourrait dériver aussi bien
de sabbat a (ou "sambam) que de sabbotu", e rom. Conservou-se anteposto em cal. t diumenge) , prov. (dimcnguc) ,
269

PREPARAÇÁO À LINGOfSTICA ROMÂNICA CAP. 16 • OS DIAS DA SEMANA


268

No texto supra de Sto. Agostinho aparece outra palavra grega: pa- quinta-feira
rasceve. Essa palavra significa "preparativos" e é o nome da sexta-feira sexta-feira
em neogrego. A origem também é judaica porque era na sexta-feira que sábado
os hebreus ortodoxos "preparavam" os alimentos para o dia seguinte, o
sábado santo. b) Semana híbrida:

Quanto à acentuação da palavra, nota Wagner ser kenápura a pro- I tipo Veneris âies
núncia do sarda antigo e kenâbura ou êenábura a do sarda moderno.
Wagner diz que se deve partir do ablativo, cujo -a .longo teria mais força Francês
de acento que o -a breve e teria assim atraído o adjetivo posposto, expli- dimanche
cação que nos parece basta1!-te insatisfatória .. lundi
Para a quarta-feira existem "formas dialetais em recuo que designam mardi
esse dia como "o meio da semana". Temos assim mezzédima, outrora muito mercredi
espathado na Toscana, mesalêdema entre os reto-romanos dos .Dolomitas, jeudi
mesênda no~ Grisões.« A origem da expressão seria a expressão greco-la- vendredi
tina média hebdomas ("attesté nullepart, que je sache", observa Rohlfs), saroedi
explicação de Jud,
RoWfs sugere, com verossimilhança, que a expressão poderia ter nas- Italiano
cido como um decalque latino do termo germânico empregado pelos ostro- domenica
godos 'para designar a quarta-feira (cfr. o alo Mittwoch). lunedl
roartedi
16.9 - Para concluir, iremos apresentar os nomes da semana nas prin- mercole<1l
cipais línguas românicas, distribuindo-os da seguinte maneira: giovedl
venerdi
a) semana cristã ou portuguesa; sabato
b) s~ana híbrida, predominantemente pagã:
II - tipo Veneris

I - tipo Veneris dies;


II - tipo Veneris; Espanhol
domingo
lU - tipo dies Veneris.
lunes
martes
Temos, pois:
miércoles
jueves
a) Semana cristã ou portuguesa:
viemes
sábado
Domingo
segunda-feira Romeno
terça-feira duminicá
quarta-feira luni
martsi
22 V. Rohlfs, ant. cito in An der Quellen, p. 43-4.
roiercuri
270
PREPARAÇAO ). lINGOISTICA ROMÂNICA

joi
vineri
simbãtã

LU - tipo dies Veneris


Provençal
dimengue
diluns
dimartz
dimercres
dijous
divenres
Repertório Bibliográfico
dissapte

Catalão
diumenge
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Mit einem Anhang: Die Riitoromanische Literatur, von J. Pult, Heildelberg, SUCHIER, H. Die Franzõsische und Provenzalische Sprache und ihre Mundarten,
C. Winter, 1952. O 19 vol. teve nova ed. sob o título Einlührung in das in Grundriss, de Grõber.
Studium der Romanischen Philologie; Heildelberg, C. Winter, 1966. Nesse novo
TAGLIAVINI, Carlo. Le origini delle lingue neolatine, 4" ed., Bolonha, Casa
volume, em vez de reelaborar a parte já publicada, optou o A. pela juntada
Editora R. Pàtron, 1964.
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278 PREPARAÇAO À LlNGUfSTICA ROMÂNICA

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BAEHRENS, W. 34
BRIESEMEISTER, Dietrich. \O
BALDlNGER, Kurt. 42, 45, 46, 128,
177, 186 BRINK, Ten. 158
BARTOLI,
1~ 1~
M. 17, u._. 22,' 47, 98, BRõNDAL, Viggo, 25
BRÜCH, Joseph. 23, 40
BASTARDAS PARRERA, Juan. 50~ BRUNEAU, Carlos, 24
243 BRUNOT, Ferdinando. 23
BATTAGLIA, Salvador. 24 BURBUR: Udina. 136
BEC, Pierre. 229 BURNAGA, M. Sáenz de. 97

~ -;s.,..;;;,;....~:'"----_ .•...•.
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----..c- ~-~ ''tf.-~-;;;,-~,''~- "-;'_. _r_. _. _. _. _~_. -_~-
_ •.
2S() INOICE ONOMÁSTICO I"IOICE ONOMÂSTICO 281

c DANIEL, Arnaut. 150 G HUMBOLDT, Guilherme de. 64, 93,


185
DANTE. 51, 152, 153
CAIX, Napoleão. 24
DARMESTETER, Arsênio. 23 GALO, Cornélio. 65
CALDERÓN. 149
DARWIN, 6 GAMILLSCHEG. 23, 45, 113, 117,
CÂMARA IR., Mattoso. xr, 89, 90 150, 236, 237 IS100RO (Santo). 258
CANTINEAU. XI DAUZAT, Alberto. 18, 24, 191, 254
GARCIA DE DIEGO, Vicente. 24
CARNOY, A. 49, 97 DENSUSIANU, Ovídio. 24, 229
GAUCHAT, Luís. 23 J
CARVALHO, Herculano de. VIII, 25, DIÁCONO, Paulo. 33, 80, 83
G~LIO, Aulo. 267
103, 104 DIAS, Epifânio, 24, 215 JABERG, Karl. 16, 23
GIBBON. 69
CASELLA, Mario. 24 DIAZ Y DIAZ, Manuel. 27, 32 JAKOBSON, Roman. IX, XL
GHEORGHIEV, V. 100
CÁSSEL. 36 JARECK1. 34, 35
DIEGO. Garcia de. 217 GIESE, Wilhelm. 260
CASTRO, Américo. 6 JEANJAQUET, Júlio. 23
DIEHL, E. 27 GILLI~RON, Júlio. 12, 13, 14, 15,
CATALÁN, Diego. 43, 44, 45 JEANNERET, M. 28
DIEZ, Frederico. 5, 6, 22, 23, 121, 21, 23, 150, 203, 265
CATAO. 31, 44 JERONIMO (São). 31, 53, 55, 261,
122, 129, 130, 246 GIRAO, Amorim. 141
263
CATULO. 29, 184, 193 DU CANGE. 263 GOELZER, H. 53 JOAO DA CRUZ (São). 149
CER V ANTES. 149 GONÇALVES, Rebelo. 25 JORDAN, Jorgu. 7, li, 20, 24
C~SAR. 26, 30, 63, 198, 200, 210, 225, GONGORA. 134, 149 JORDAN-MANOLIU. 157, 163, 180,
240, 242 E
GORRA, Egídio. 24 181, 182, 183, 195
CESÁRIO (São). 256 JUD, Jakob. 16, 23, 34, 42, 48, 51, 268
GRACIAN. 149
CtCERO. 26, 29, 30, 37, 90, 157, 193, EDMONT, Edmond. 13, 15
GRAMMONT, Maurício. 23 JUILLAND, A. G. 95
198, 228, 235, 241, 242, 248 ELCOCK, W. D. 45, 64, 67, 72, 74,
GRANDGENT, Charles Hall. 25, 39, JUNGEMANN, F. H. 92, 94, 98, 104,
CINTRA, Luís Filipe Lindley. 18, 24, 75. 78, 79, 80, 100, 106, 107, 108,
98, 157, 1~9, 223, 224, 251 186
142, 145, 146, 147, 237 109, 113, 114, 116, 161, 185, 186,
189, 194, 212, 215, 223, 224, 226, GREENBERG, XII
CLIMENT, Bassols de. 50 K
228, 229, 234, 236 GRIERA, Antônio. 17, 42, 129, 130
COELHO, Adolfo. 24, 262
EMPtRICO, Marcelo. 30 GRIMM. 22
COELHO, Jacinto do Prado. 25 KEIL. 34
J::NIO. 43, 44, 207, 244 GRÚBER, Gustavo. 7, 23, 43
COLUMELA. 31 KOFFMANE, M. G. 53
ENTWISTLE, W. J. 44, 46, 48, 49, GUITARTE, Guilherme. 144
CONSJ::~CIO. 33, 49 KúRTING, Gustavo. 23, 246
143, 149, 192 GUNDERMANN. 262, 263
CORESI. 154 KRÜGER, Fritz. 23
ERNOUT, A. 32, 224 GUSMAO, A. Nobre de. 18 KUEN. 45
CORNU, J. 51 ERNOUT-MEILLET. 200, 207, 247,
KUHN, Alwin. 8, 45
COROMINAS, Joan. 25, 117, 119, 250, 261
251, 252, 253, 266, 267 ERNOUT-THOMAS. 265 H
L
COSERIU, Eugênio. XII, 15, 144, ESPARCIANO. 49
227, 228 HALL IR. Roberto A. 25, 100, tOl,
ETÉRIA (ou Egéria). 32 .LAEON, René. 92, 185
COSTA, Aída. 29 195
ETTMA YER, Kár1 von. 23 LAP A, Rodrigues. 25
COSTA, Cláudio Manuel da. 134 HANSSEN, F. 106
HAUDRICOURT, A. G. 95 LAPESA, Rafael. 45, 148
COUTINHO, I. de Lima. 112, 217,
228, 236 F HAUDRlCOURT-JUILLAND. 161, LAUSBERG, Henrique. 7, 95, 157,
163, 181, 182 158, 160, 163, 167, 168, l70, 192,
CRESCINI, Vicente. 24
194, 202, 203, 204, 206, 208, 209,
CRIADO DEL VAL, Manuel. 87 FARIA, Ernesto. 266, 267 HAUST, Jean. 19 212, 213, 219, 220, 221, 223, 224,
CROCE. 20, 21 FÉROTIN. 32 HENRIQUEZ-URENA, P. 25, 144 234, 236
ÇUER VO, Rufino José. 25 FESTO, Pompeu. 33 HJ::RMERO, Cláudio. 30 LÁZARO CARRETER, Femando. 186
CUNHA, Celso. VII, VIII, X, XI, FILÁSTRITO DE. BR~SCIA. 256 HEUSCH, H. 29 LEGROS, Elysée. 19
XII, 10 FLACO, Vérrio. 33 HOFMANN. 214 LENCAS~E, F. de Salles. 143
CURT IUS , E. R. 134 FLASCHE, H. 237 HORÁCIO. 29, 209, 245 LÉON, Luiz de. 149
FOUCH~. 171 HERZOG. 246 LiVIO, Tito. 45, 100, 200
D
FRANCESCATO, XII HOUAISS, Antônio. 10 LúFSTEDT. 32, 52, 53
DAHLÉN, Eric. 52 FREDEGÁRIO. 38 HUBER. 208 LOPES, Femão. 237
DAMASO (papa). 31 FREUNI). 51, 248 HÜBNER, E. 45, 93, 97 LOT, F. 73, 74, 81, 82
282 INDICE ONOMÃSTICO INDICE ONOMÃSTlCO 283

LUCANO. 48, 65 MONTEVERDI, Angelo. 8, 9, 24, 40, PETROVICI, Emil. 17 SALVIONI, CarIos. 23
LUC1LIO. 44 65, 85, 88, 111, 113, 121, 137, 138,
PICCHIO, Luciana Stegagno. VII, SANDFELD, Kristian -: 25
176, 178
LUCRÉCIO. 192 VIII, IX, X, 25 .
MORAIS. 251 SAROIHANDY. 191
LLORENTE, Antônio. 19 PIEL, Joseph M. 113, 179
MOREIRA, Júlio. 24 êAUMJAN, S. H. XI
PLATAO. 1
MORF, Henrique. 23 SA VJ-LOPEZ, Paulo. 24, 39, 235
M PLAUTO. 44, 99, 192, 198, 218, 223,
MUSSAFIA, Adolfo. 23 225, 231, 241, 242 SCHEUERMEIER, Paulo. 16, 23
PLUT ARCO. 48 SCHLEGEL. 22
MACHADO, José Pedro, 25, 106,
107,. 260 'N POKORNY. 45 SCHLEICHER, Augusto. 6, li, 12,22
POP, Severo 17, 24 SCHMIOT, Johannes. 12
MAGNE, Augusto. 25, 134, 244, 251
NAMACIANO, Rutílio. 132 SCHRIJNEN, Jos. 53, 54
MALKIEL, Yakov. 25 PORTEAU, Paul. 150
NANDRIS, G. 239 POR TL, Klaus. 10 SCHUCHARDT, Hugo. 12, 64, 93,
MANUEL, Jean. 149
NARO, Anthony J. 94, 184 PRAETEXT A TUS, Ateius, 144, 185, 191, 250
MAQUIAVEL, 235
NASCENTES, Antenor. 25, 106, 116, PRISCIANO. 32 SCHORR, F. 176, 178, 179
MARCABRU. 150 143, 253 PRISCILIANO. 256 .SJô:GUY, Jean. 19
MARCIAL. 48 NAUTON, Pierre. 19 PROBO, Valério. 34 SE:NECA. 48, 65
MARINER BIGORRA, S. 44, 49, NAVARRO, Tomás. 18, 25 PU~CARIU, Sextil. 16, 17, 24 SEVIu-IA, Santo Isidoro de, 34
50, 52
NEBRIJA s . Antônio de. 125 SILVA, Maria Helena Santos. 141
MARTIN, B. 13
NÉVIO. 44 Q SILVA NETO, Serafim da. VII, 9,
MARTIN, H. 49
NIEDERMANN. 51 25, 28, 30, 33, 34, 35, 38, 39, 40,
MARTINET, A. 98, 102, 186, 190 QUINTILIANO. 48, 65 42, 43, 44, 45, 46, 49, 51, 52, 87,
NIGiDIO, Fígulo. 267
MARTINHO (São). 257, 259 QU1RON. 30 98, 143, 144, 162, 244, 248, 260, 261
NUNES, J. J. 168, 215
MAURER JR., Th.- 199, 204, 207, QUEVEDO. 149 SILVEIRA, Sousa da. 210
NYROP, Kristoffer. 25, 223
209, 213~ 217, 219, 223, 227, 234, SILVESTRE (Papa): 259, 26.3
235, 237, 238, 242, 244 R SOCRATES. 1
MEIER, Harri. 8, 42, 64, 130, 237, 239 O
SPITZER, Leo. 21, 25
MEILLET, A. 4, 91, 92, 94, 96, 98 RA YNOUARD, François. 6 STAAF,E. 235
OLIVEIRA, Manuel Botelho de. 134
MELO, Gladstone Chaves de. VII, REICHENAU. 36, 117 STEN, Holger. 237
ORIBÁSIO. 30
VIII, XII REMACLE, Luís. 19 STILL. 34
ORR, John. 7, 94, 186
MENÉNDEZ PIOAL, Ramón. 9, 15, OSTHOFF, Hermann. 6, 11 RÉV AH, 1. S. 25 SUCHIER, Hermann. 23
22, 24, 36, 45, 46, 91, 93, 94, 97, RHEINFELDÉR, Hans. 10
OTTO. 236 SUETONIO. 2, 167
98, 99, 100, 106, 124, 125, 126, 130,
OViDIO, Francisco d'. 24 RICARD, Robert. 25
140, 169, 170, 171, 174, 184, 185,
186, 190, 204, 228 RfEMANN, O. 231
T
MENJô:NDEZ Y PELA YO, Marcelino, P RIESCO, J. Pérez. 7
24, 259 RODRIGUES, José Maria. 236, 237 TAGLIAVINI, Carlo. 7, 8, 11, 17,23,
PALÁDIO. 31 24, 29, 39, 51, 55, 94, 95, 100, 110,
MERLO, Clemente. 24, 100, 104, 120 ROHLFS, Gerhard. 8, 16, 23, 45, 46,
PALLOTTINO, Massimo. 100 100, 130, 171, 175, 191, 194, 235, 111, 119, 120, 135, 136, 137, 152,
MEYER, Paul. 6, 8, 23
PALMER, L. R. 56, 57 243, 244, 245, 246, 247, 248, 249, 162, 199, 228, 229, 248
MEYER-LÜBKE, W. 6, 11, 23, 38, TAVANI, G. 25, 46, 50, 51
PÁRIS, Gastão. 6, 8, 22, 23, 34, 133, 250, 252, 253, 261, 262, 264, 268
44. 94, 96, 97, 98, 121, 122, 129,
130, 133, 138, 147, 157, 160, 169, 138, 250 RONJAT, Júlio Antônio. 23 TERE:NCIO. 99, 192
175, 180, 181, 186, 189, 190, 191, PARODI, Ernesto Giacomo. 24 ROQUES, Mário. 14, 239, 265 TERESA DE JESUS (Santa). 149
234, 236, 246, 251, 253 PASCUAL RODRIGUEZ, E. 7 ROSETTI, Alexandre. 24 TERRACINI, B. 98, 191
MISTRAL, Frederico. 151 PEI, Mário. 25 ROSSI, Nelson. 18 TERTúLIANO. 242, 256, 261, 263
M1TZKA, W. 13 PERROCHAT, Paul. 29 ROUSSELOT, Pedro. 23 TEYSSIER, P. 25
MOHL. 236 PELLEGRINI, Sílvio. 24 RUIZ, Juan, 148
THOMAS, Antônio. 23, 30, 250
MOHRMANN, Cristina. 50, 53, 54, PELLIS, Hugo. 17 TIBULO. 256
55, 56,' 57, 58, 59 PEDERSEN, H. 161 S
TIRAO, M. Tulio. 37
MOLL, Fr. de B. 7, 127, 211, 239 PERINI, . Mário A. 237
SAIO-ALI. 208 TOBLER, Adolfo. 23, 240
MONACI, Ernesto. 24 PETRARCA. 152, 153
SALUM, Isaae Nicolau. 257, 258, 261, TOGEBY, K. 237
MONGIN, J. 14 PETRONIO. 29, 201, 247 262,. 263, 264, 265, 266, 267 TOVAR, A. 44, 45, 64, 98, 185, 190
214 INDICE ONOMAsTICO

TRAJANO. 193 150, 159, 160, 161, 177, 185, 192,


TURONENSE, Gregório. 37, 38, 53, 194, 215, 235, 238, 239, 240
75, 223 VIDOSSI, Giuseppe. 17
VIRG1LIO. 198, 224, 231
v VITRÜVIO. 30
VOLTAIRE. 173
VÃÃ NÃNEN, 27, 97, 188, 189 VOSSLER, Karl. 20, 21, 39, 240, 241
VALKHOFF, Marius. 89 VOSSLER-SCHMECK. 28, 30, 32
VALE, Rosalvo do. 49, 50
W
VARRAO. 32, 44
VAQUEIRAS, Raimbaut de. 134, 150 WAGNER, Max Leopold. 16, i3, 46,
VASCONCELOS, José Mauro. 204 164, 193, 214, 221, 240, 245, 267,
VASCONCELOS, Leite de. 24, 48, 49, 268
94, 98, 127, 134, 139, 140, 145, 183, WARTBURG, Walther von. 8, 23, 45,
215, 236, 237, 249 67, 69, 70, 71, 75, 76, 79, 80, 81,
VASCONCELOS, D. Carolina Mi- 83, 86, 88, 89, 94, 95, 96, 98, 100,
chaêlis de. 1, 24, 236, 249 113, 119, 120, 122, 129, 135, 136,
137, 149, 150, 160, 161, 171, 172,
VÁSQUEZ CUESTA-MENDES DA 174, 175, 176, 177, 179; 188, 189,
LUZ. 145 190, 191, 192, 193, 194, 245, 252,
VEGA, Garcilaso de Ia. 149 255, 256, 258, 264, 265, 266
VEGA, Lope de. 134, 149 WEINRICH, H. 98, 101, 102, 103
VEGÉCIO. 30 WFNKER, Georg. 13
VENDRYES. 191 WERNECKE, H. 235, 236
VENTADORN, Bernart de. 150 WILLIAMS, E. B. 127, 162, 168, 204,
VIANA, Gonçalves, 24, 143 205, 215, 234, 236, 237
VICENTE, Gil. 168 WREDE, F. 13
VIDAL, Peire, 150
Z
VIDOS, B. E. 7, 64, 65, 90, 91, 93, 94,
95, 99, 100, 110, 111, 126, 131, 132, ZAUNER, Adolf. 7

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