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17 ficções

AVASSALA
DORAS
sobre a sua
vida
Marcio Akio
Todos os direitos reservados | Copyright 2021®
Marcio Akio
São Paulo, 24 de janeiro de 2021
Dedicado aos meus pais e irmãos, que me deram tudo.
Prólogo
Reuni aqui alguns textos meus muito aplaudidos pelo público em
mídias on e offline. Tratam-se de pensamentos fictícios baseados
na vida real. Não em fatos específicos, não em pessoas específicas,
mas na observação do cotidiano. No geral são conteúdos solares,
cheios de esperança e ingenuidade, mas também há aqueles
carregados de ironias. Como a vida. Você provavelmente vai amar
ou odiar o texto 9 que, por mais que você não ache justo, foi
imensamente compartilhado quando publiquei pela primeira vez,
em 2013.
Outra coisa: não há padrão entre um e outro. Há crônicas fictícias e
contos semi-reais. Revisei tudo mas mantive a forma, e você vai
perceber.
Escrevi isto com muito carinho, com muita raiva, com muito amor,
com muita mágoa, com muito tudo. Enfim, foi de coração.
Espero que goste ;-)
1
Você importa

A propósito da vida predominantemente idiota, eu


estou farto. Farto de futilidades. Farto de gente que adiciona
pessoas no Facebook só pra ter um número a mais no
contador, pretendendo ser o Roberto Carlos e ter um milhão
de amigos, quando na verdade não tem meia dúzia daquelas
amizades em que não apenas colocamos a mão no fogo, mas
nos jogamos nele se preciso for. Estou farto de gente que bebe
demais pra fugir de problemas, no lugar de enfrentá-los e
poder olhar pra trás e dizer “venci, superei, aprendi”. Cansei
de pessoas que falam demais para preencher o vazio que têm
não no cérebro, mas na alma. Não agüento mais gente que dá
muito valor em badalações e em ser popular, quando não se
conta uma pessoa confiável na sua lista de conquistas. Chega
de pessoas que gostam de jogar com o coração alheio para
manterem-se superiores, quando na verdade mascaram um
vazio tão imenso quanto seus complexos de inferioridade,
além da covardia de se entregar. Estou farto de pessoas que
têm medo de serem felizes e vivem a cada dia como se fosse o
último, “aproveitando a vida”, quando na verdade estão
correndo atrás do perigo, uma futura dor gigantesca chamada
‘tempo perdido que não volta mais’. Cansei de pessoas
geniais, amorosas e verdadeiras que não falam o que pensam
por medo, medo de serem oprimidas pela grande massa
hipócrita e inepta. Cansei de tudo que não tenha um grande e
perene valor.
Não cansei de ser sincero, principalmente para aquela
pessoa que está sempre na desconfiança. Não cansei de falar
que amo àquela pessoa que me ama, mas tem medo e
vergonha de dizer. Não cansei das pequenas atitudes de afeto
nas amizades, que fazem com que lembrem de você pela vida
inteira. Não cansei de aproveitar a vida a cada dia como se
fosse o último, com consciência, atitude, sem pisar em
ninguém. Não cansei de ser fiel aos meus amigos e às
mulheres que tive, por mais anti-senso-comum isto seja. Não
cansei de ser estúpido quando a verdade precisa ser dita de
forma enérgica, me perdoem. Não cansei de investir naquela
pessoa que tem um grande futuro, e naquela que nem futuro
deseja mas tem grande coração. Não cansei do desconhecido,
pois aprender é uma tarefa interminável e diária. Não cansei
de muita coisa, não cansei de viver.
E, principalmente, não cansei de você.

2
Se
Ela fosse linda, não seria inteligente. Se fosse rica,
não seria dinâmica. Se fosse flexível, não teria atitude.
Se fosse transparente, não teria amigos, se fosse
cerebral, não teria amor, se fosse culta, não seria jovem, se
fosse trabalhadora, não teria tempo, se fosse equilibrada, não
teria vigor.
Se aquela roupa, aquela casa, aquele carro, aquele
perfume, aquele nariz, aquele sorriso, aqueles dentes, aqueles
cabelos, aquela boca, aqueles olhos, aquele talento, aquela
pessoa, aquele amor e aquela vida fossem dela, ela seria, de
uma vez por todas, feliz.
Se todos os “se's” de cada pessoa acontecessem como
cada uma deseja, todo mundo seria diferente.
E cada uma seria ninguém.

3
Antes x Depois
Nathália não abria mão de, uma vez por semana,
procurar no Google fotos de famosos sexagenários,
homens ou mulheres, para analisar o rosto, a cara, o
focinho de cada um. Não que fosse tarada por idosos, o lance
dela sempre foi comparar o jovem com o velho. Colocava
“Harrison Ford”, e aparecia o gatinho e o ancião. Com Robert
Redford e Robert De Niro, a mesmíssima coisa. Descobriu
que a Renata Sorrah tinha sido bonita. E, incrédula, viu a
Meryl Streep mocinha. Linda, aliás. Num espasmo, refletiu
sobre como a beleza resistia ao tempo e, injustamente, a feiúra
se agravava com ele.
- Mas Nathy, que neura é essa?! Esquece isso, hoje é
seu aniversário!
- É estimulante olhar pra essas pessoas, e eu já te
expliquei o porquê…
Em sua filosofia mais íntima, aquelas imagens
representavam um choque de realidade. Pois não importava o
quão inteligente, bela, sábia, grande, influente, carismática,
rica, cheirosa ou famosa fosse uma pessoa, ela sempre
sucumbiria ao tempo, esse inconveniente acusador de
verdades. Se a imagem do rosto do idoso mostrava uma
pessoa toda botocada, plastificada, maquiada, emperequetada,
era óbvio que tratava-se de uma biografia motivada por
valores extrínsecos, ou seja, pelo o que os outros disseram. O
contrário também: se o semblante era de alguém altivo,
mesmo apoiado em seis ou mais décadas de vida, aquele era
notadamente alguém que viveu bem consigo mesmo,
inspirado muito mais por suas verdadeiras paixões, em
detrimento dos haters, invejosos e comezinhos cínicos.
Acostumada a ouvir “você é linda” em todas as suas
variações, Nathália estava cansada.
- Nossa vida tá cheia de ordens camufladas de elogios,
já percebeu Dani?
- Do quê você tá falando?
- Quando alguém fala da sua beleza, por exemplo.
- Não entendi ainda…
- Se for alguém da família dizendo, é um elogio e uma
ordem. Se for outra pessoa, pode ser a expressão de um desejo
e uma ordem. Mas é sempre uma ordem.
- Como assim?
- “Você é bonita.”, “Que linda você está!”…
- Significa “continue assim”, “seja sempre” bonita?
- Exato! Percebeu? Vale pra outras coisas, mas pra
beleza é muito mais massacrante!
- Vale pra inteligência.
- Mas a inteligência dura muito mais tempo! E a ordem
de beleza que essas pessoas nos dão é a da juventude absoluta,
como se fosse possível paralisar o tempo.
- A incrível história de Adaline.
- O curioso caso de Benjamin Button.
- Hahahaha!
- Mulher bonita, além de tudo, não pode ser gente.
Tem que ser boneca.
- Quanto mais bonita, pior.
- Imagina se a gente solta um peidinho em público sem
querer, fazendo barulho?
- É um choque.
- Total… E fazer cocô?

- Fazer o quê? Nunca. Você faz?


- Jamais.
- Ouvi falar que tem mulher que faz.
- Mulher feia, só pode.
Riram. Gargalharam ironizando a tristeza das pessoas
que sucumbem aos anseios do senso comum, flagelando seus
egos ao ouvir e obedecer a todos, vivendo nesse infindável
dualismo que é o certo e o errado, o social e o anti-social, o
belo e o feio, o inteligente e o inepto, o hábil e o bisonho, o
carismático e o nerd, minha religião e a dos outros, assentindo
para estes e outros maniqueísmos excêntrico-extremos, que
sempre existiram muito mais para se esconder uma
incapacidade de conviver do que como forma de expressar
opinião bem fundamentada.
Mas a preocupação de Nathália era válida. Em mais
um aniversário ela, agora, definitivamente considerava não
ser mais jovem. Precisava refletir sobre a vida, sobre como
tinham sido as suas escolhas até então. Não queria se tornar
uma velha toda botocada, não ela. Segundo Nathy, uma idosa
deformada pelas plásticas, além de tudo, emitia uma
mensagem bem clara: de uma pessoa com a autoestima
mutilada, que buscou muito mais vezes prazeres imediatos
que relações profundas, mais ou menos como naquele Teste
do Marshmallow. Não, não e não. Nathália Herrera Nerval
não cederia à opressão da juventude e da beleza, fazendo
escolhas que qualquer uma e todo mundo faria, se estivessem
no lugar dela. Ela não era qualquer uma, tampouco todo
mundo. Além do mais, havia lido em um livro que as
melhores e mais originais biografias tinham sido vividas por
pessoas que escolheram opções além das que a vida lhes tinha
dado.
- Mas como assim, Nathy?
- É isso mesmo, e não tem como escapar. Todo mundo
se acha único, especial, melhor que os outros em algum ou
vários pontos, mas a verdade é que a maioria de nós faz as
mesmas escolhas, comuns, resultando em personas iguais,
irrelevantes…
- Hum.
- Não acha? Rs
- Acho.
- E eu acho que só 1% das pessoas no mundo são
relevantes perante a história da humanidade ou a história da
natureza.
- Que pessimista!
- Desculpa. Menos de 1%. Muito menos.
Para a conversa não desandar justo em seu aniversário,
Nathália se despediu brevemente de Daniela para voltar à sua
atividade de buscar rostos de velhinhos no Google.
Esperançosa, lembrou de uma atriz maravilhosa, cujo
semblante, aparentemente, mostrava uma personalidade
genuinamente sweetheart, sincera, que valorizava seus mais
íntimos valores pessoais: Meg Ryan. De súbito, foi tomada
por uma ansiedade extrema, abrindo uma nova aba no
navegador e digitando o nome da atriz, na busca de imagens.
Clicou direto no link “antes e depois”. Assim, seu desejo por
encontrar uma pessoa “altiva” foi sumariamente exterminado:
puro Botox. Quem vê cara, não vê coração, filosofou sobre a
imagem da atriz jovem, num raro acesso de
pensamento chavonístico.
- Tá na hora de cantar parabéns. Vamos?
- Vamos! Cadê o bolo?
- Bem ali.
- Você contou as velinhas?
- Contei.
- Quantas são?
- 73 vó…
- Não me chame de vó! Achei que fossem 72.
4
Ela tinha um incrível pleno
emprego de seu talento

- Você não vai acreditar!


- Ih… Lá vem…
- Estou eufórica, nunca me senti tão realizada!
- Então parabéns. Quer me contar ou é segredo?
- Estou no melhor hospital em demência mental do
mundo, aqui nos Estados Unidos!
- Sabia que não era uma coisa normal…
- As mentes mais problemáticas do planeta estão aqui,
pertinho de mim!
- Nossa, que legal, deve ser um lugar bastante

animado. Você tá em férias?


- Sossega, vai. Além de tudo, estou tratando do
paciente mais difícil de todos… Pensa num desafio grande…
Mariana é uma neurologista. Dessas puro sangue.
Dessas médicas de verdade. Ou melhor, profissional de
verdade. Você provavelmente conhece alguém assim, mas,
convenhamos, não é a maioria. O texto das nossas conversas é
geralmente divertido, mas nada pode ser mais revelador do
que o subtexto.
O talento, quando fundido ao exercício constante e em
meio a um ambiente propício, é o que Aristóteles chamou
de eudaimonia, um conceito enviesadamente compreendido
como felicidade. Para o pupilo de Platão, somente com a
tríade virtude, hábito e contexto, uma pessoa poderia chegar a
esse estado de plenitude do ser, de pleno desabrochar de suas
aptidões, da presença de sua própria “genialidade”.
Não tenho a pretensão de tratar sobre os buracos dessa
linha de pensamento, refilosofados muito tempo depois por
Kant. Mas Mariana, essa neuro, tem a “sorte” de viver uma
biografia com as três características. Coisa que a minoria da
população tem, segundo o próprio Aristóteles.
Quantos jogadores de futebol que têm aptidão pra tocar
violoncelo, ou qualquer outro talento, exceto jogar bola, você
conhece? Provavelmente a maioria. Quantos nasceram pra
isso (jogar bola), mas não se desenvolveram por falta de
disciplina? Muitos. E quantos reúnem virtuosismo e treino,
tornando-se geniais por muito tempo? Poucos. Fora os que
têm um insuspeito talento, mas que nunca foram — e nunca
serão — apresentados a uma bola. Ou a um violoncelo, para
nossa infelicidade aos domingos e quartas no Brasil.
Na nossa vida é mesma coisa — e aqui vai uma lev-
íssima digressão: não diferencio vida pessoal de vida
profissional, afinal, nossas escolhas profissionais foram feitas
quando só tínhamos “vida pessoal” e, portanto, elas são parte
de toda a biografia. O nosso dia a dia é cheio de indivíduos
que, semiconscientes de si, ou inconscientes totais, culpam o
ambiente pelas frustrações de suas insípidas vidas. Mas muita
gente tem a oportunidade de viver intensamente sob a luz do
que vieram fazer por aqui. E é sobre estas que falo.
Não há uma, mas inúmeras vantagens de se exercer
constantemente aquilo que se tem talento. Falando em
demência mental, até o mal de Alzheimer uma pessoa pode
minimizar, segundo pesquisas que descobriram atividade de
memória muito além do hipocampo, em gente que sofria
desse mal. Daí foram verificar a biografia delas: a maioria era
referência em suas atividades outrora, quando sãs. Elas
tinham, enquanto doentes, incríveis lapsos de lucidez, pois
desenvolveram o que chamam de memória relacional.
Os benefícios não param por aí. E não é preciso ser
um expert para pensar sobre o quão diferente, pra melhor,
cada atividade nossa poderia ser. E como o futuro, em uma
visão ainda maior, poderá ser.
Outro dia, caminhando com a Mari no parque, ouvimos
uma criança dizer pra mãe:
- Não quero estudar! Quem gosta de estudar?! Não
conheço uma pessoa que gosta!
Eu e ela nos olhamos, estarrecidos. Não sei ela, mas o
primeiro pensamento que tive foi: não quero um médico que
comumente teve essa atitude na infância, cuidando de mim no
futuro.

5
Ainda dá tempo de voltar atrás
Ainda há tempo para construir tudo de novo.
Ainda dá para acreditar com força genuína, mesmo que
o ambiente externo seja o de um filme que você já viu cem
vezes.
Ainda há espaço para saciar a sede de quem nunca teve
uma oportunidade verdadeira de beber da coragem.
Ainda dá para ser ridiculamente piegas, sentimental-
idiota por excelência, pois ainda não inventaram o remédio
que cure uma velhice amarga e cheias de recordações do que
poderia ter sido e não foi; o que é óbvio, mas nem por isso
fácil.
Ainda há tempo para reconhecer que a inteligência, a
habilidade, a técnica, destreza, a astúcia, a rapidez, a forma, a
criatividade, o refinamento, o conhecimento e a beleza nunca
foram os protagonistas nas melhores biografias da história,
como jamais serão.
Ainda dá tempo de valorizar o que definitivamente faz
diferença na vida, de mudar o propósito, a atitude, a visão, o
julgamento, a realidade. Ainda há tempo para produzir uma
nova realidade.
E sempre dá tempo para tentar outra vez.
6
Sobre aquela pessoa

Sem motivo algum ontem, dirigindo, lembrei de


uma cena de Batman Begins (acho), na qual a mansão
pegava fogo enquanto Alfred, descendo pelo elevador,
resgatava Bruce na caverna, puxando-o pelo braço. A casa
pegava fogo por um ato bravo, porém impensado, de Wayne.
Quando o velhinho chega lá embaixo, pega o patrão
pelo braço e Bruce diz:
- Você não desiste de mim?!
No que Michael Caine (Alfred) responde:
- Nunca.

Eu não sei se todo mundo tem, mas todo mundo
merece. Eu tenho. Uma pessoa que não desiste de você
independentemente do que esteja acontecendo. Alguém que já
deveria ter jogado a toalha há tempos de tanto trabalho que
você dá. Um ser humano que enxerga o seu potencial e
compra suas ambições até quando nem você mais quase
acredita nelas. Alguém que absorve o tempo em doses
homeopáticas, com uma paciência que faria de Jó um mero
juvenil.
A ironia é que você, sem perceber, ri dela. Muitas
vezes rejeita, despreza, não dá valor.
Só que o tempo, esse justiceiro implacável, faz, um
belo dia, você perceber. Enxergar a grandeza desse alguém.
Daí você só tem uma coisa a fazer: agradecer, talvez
pedir perdão.
Se tiver coragem.

7
Pudores matam mais vida que
ímpetos

- Você escreve muito difícil.


- Quer dizer prolixo ou erudito?
- Tá vendo?! Vamos fazer assim: sempre que estiver
comigo, cada palavrão que você falar, você me paga 10 reais,
pode ser?
- Dá alguns exemplos de palavrões que esta criança
aqui não vai poder falar…
- Zeitgeist. Epistemologia. Hermética. Idiossincrasia.
Preconizava.
- Hum.
- Topa ou não?
- Topo. Se bem que é mais fácil o João Gordo sofrer de
anorexia ou o Mar Morto ressuscitar.
- Tá cheirando o que aí nesse livro?
- Acabei de ler. É um pensamento básico sobre a ética
da ação.
- Sei… Me conta…
- Diz que nossas ações podem ser pensadas de duas
formas: absolutista ou consequencialista.
- E qual é a certa?
- Aí é que tá. Não existe uma resposta.
- Tenta explicar, sem me pagar nada, a diferença entre
essas duas coisas.
- Absolutista é alguém movido apenas por suas
convicções, seus princípios, não importando as
transformações/reações que suas atitudes fazem ao seu redor.
- Alguém que tá cagando pros outros, é isso?
- Exato, isso também. E consequencialista é alguém
preocupado apenas com o resultado do que faz, não
importando o ato em si, mas o que acontece depois.
- Você disse "apenas". Tem como ser “apenas” uma
coisa?
- Acho que não, né? É por isso que não existe certo ou
errado.
- Lembrei daquela frase do Pequeno Príncipe.
- “Você é eternamente responsável por aquilo que…”
- Essa! Ele não queria ser responsável, pois não tinha
feito “nada” para cativar, estava sendo ele mesmo…
Absolutista.
- É… Acho que não dá pra ser uma coisa ou outra, mas
as pessoas — e as empresas, têm tendências. Se não se
preocupam com o que vai acontecer, acabam tendo graves
transtornos sociais. Se só se preocupam com os resultados,
acabam por reprimir seus desejos, e propósito, de uma forma
muito forte.
- E qual a minha tendência?
- Inconsequencialista.
- Ha-ha-ha.
- Uma empresa preocupada apenas com as metas
financeiras, pode perder seus valores essenciais.
- Consequencialista.
- E uma organização focada apenas em seus princípios,
sem considerar o ambiente…
- Absolutista, pode falir.
- Isso… Mesma coisa com pessoas.
- O absolutista sempre tem razão. Tipo àquela gente
que vai pra outro Estado do Brasil e acha que lá existe
sotaque, mas que ela mesma não tem um.
- Ou o consequencialista, que prefere ser aquela
metamorfose ambulante, sem opinião própria.
- Podemos dizer então que a maioria das pessoas e
empresas estão na tendência de focar em metas, resultados, no
que os outros vão pensar, como vão reagir, sendo guiadas
muito mais pelas consequências que querem gerar?
- Mas que bela explicação, querida! Eu acho que sim,
mas não tenho certeza.
- Tampouco seria legal se todos seguissem seus
próprios valores, sem considerar os outros, pois nossas
crenças não são universais…
- Caramba, estou tendo uma aula aqui…
- Digamos que você fosse um cara equilibrado, bem
imaginativamente falando, e tivesse que escolher tender pra
um lado? Que lado seria?
- Acho que o das crenças, absolutista. Mas, na minha
opinião, o mundo é um constante exercício de empatia, um
infinito movimento de acordos, onde fazemos a intersecção
entre os nossos valores, o ambiente e os valores dos outros.
- Concordo. Eu também tenderia, acho que mais
fortemente que você, pra um modelo mais passional.
- Como assim?
- Sou mais impulsiva. Cairia pro lado de ser as minhas
crenças, por mais distorcidas que sejam. Se eu for relativizar
tudo, acabo por não viver a minha história pessoal, mas a
biografia de alguém genérica.
- Gostei… Acho que este texto já dá um caldo. Vou
publicar.
- Que texto? Você não tá escrevendo nada…
- Esta conversa, vou transcrever.
- Eita! Me dá os créditos, ok?
- Tá.
- Que título você vai colocar?
- Tava pensando em algo como “A dialética da ação”.
- Tá de brincadeira, né?
- Não… Rs… Mas então me dá uma ideia…
- Sei lá… Algo como “o medinho de agir que nos mata

devagarzinho”… Afinal, esse livro não é sobre agir, ação? Vo

cê tem talento pra escrever algo que dê pra entender, faz uma
força, vai…
- Tá, e quanto eu te devo pelos palavrões?
- Até que não deve tanto, mas depois te passo a conta.
- Vê lá, quando voltar, se aprova o texto.
- Tá. Beijos.
- Beijos.
8
Até no susto a vida ensina

Eram 4h da madruga de uma terça quando o


interfone de casa tocou.
- Tem uma pessoa aqui dizendo que só você pode
ajudar.
- Tá, to indo.
Quando cheguei à portaria vi uma cena deprimente:
uma menina semiconsciente de álcool, vomitando. Ela me
olhou e, não sei como, reuniu forças para pular em cima mim,
me abraçando e vomitando pelas minhas costas. Me senti de
volta à adolescência.
- Você é a única pessoa que posso confiar — ela
balbuciou, trêbada.
Peguei-a no colo e caminhei até minha casa. A menina
estava piorando.
- Você precisa se limpar e talvez tomar soro.
- É… Me limpa você.
- Ok, mas não dorme, continua falando comigo.
Ela estava completamente fora de si. Sinceramente,
tive pena. Era muito desperdício de juventude, de saúde, de
inteligência e de beleza.
Peguei-a no colo de novo e fui até o banheiro. Tirei os
brincos, o relógio, as pulseiras, o colar e os sapatos dela.
Ainda de roupa, coloquei-a debaixo do chuveiro com água
morna. Ela, praticamente inconsciente, começou a tirar o
vestido.
- Me ajuda. Me dá banho. Cuida de mim.
Dei banho. Fiz o meu melhor. Fiquei de roupa mas tirei
a dela, passei xampu, sabonete e tudo o mais. Depois a
enxuguei e coloquei minha camiseta, cueca e bermuda nela —
e um casaco.
Como ainda estava muito mal, fomos para o hospital.
Depois de quase uma hora esperando e meia hora de soro,
voltamos.
Estava esfriando. Coloquei-a na cama, cobri com
edredom e fiquei ali com ela, esperando que dormisse.
Deitamos de lado no colchão, mas de frente um pro outro.
Nessa hora parei de ter dó e fiquei observando a sua-dela
beleza.
Depois que ela adormeceu, fui dormir no quarto de
hóspedes.

- Bom dia…
- Oi.
- Bom dia… (ela tentando me abraçar)
- Calma…
- Não?
- Claro que não. Não me procure mais nessas
condições.
- Pisei na bola, eu sei. Mas é sério que você não quer,
hein…
- É bem sério. Eu não sei o que você aprontou ontem.
Não sei se você lembra, mas chegou vomitando… E
chorando.
- Humm… Imagino, mas não lembro também. Na
verdade lembro um pouco, mas não importa.
- Tudo bem. Quando estiver 100%, me fala que eu
chamo um Uber pra você.
- E estas roupas?
- Pode levar. Quando puder você me devolve, sem
pressa.
- Por quê não me procurou?
- Por isso.
- Isso o quê?
- Essa sua fase emocional.
- E…
- Você me daria muito trabalho. Olha só isso. Só
ficamos uma vez e você já me deu uma baita dor de cabeça.
- Desculpa. Mas o tempo não importa, né? O
importante é a intensidade. Foi uma vez que me marcou.
Tenho certeza que pra você também.
- Eu errei em ter investido em você.
- Eu que investi.
- Eu.
- Eu.
- Tá.
- Você tá me julgando com esse papo?
- Claro que não. Só pedi pra não me procurar mais
nestas condições.
- Hum.
- Não posso te julgar porque também já tive amnésia
alcoólica. Mas uma só vez. E soro nunca tomei.
- Você acha que é a minha idade, ou melhor,
imaturidade?
- Não… Essas vibes vão e voltam em qualquer idade.
- Mas na minha fase é pior.
- Porque você ainda acha que é eterna e vive a vida
como se não houvesse amanhã… Uma puta contradição! Fez
18 quando, em abril?
- Maio.
- Aproveita… Mas com mais inteligência. Seja mais
egoísta, por mais estranho que pareça. Respeite a Bruna de 30
anos… Respeite quem você será no futuro.
- Difícil pensar assim a longo prazo.
- Você é muito assediada, isso te atrapalha. Você não
consegue distinguir o que é melhor pra você. É como ir
comprar um perfume e ficar cheirando todos… Perde-se a
referência, por isso precisamos cheirar café, dar um tempo.
- É, mas você cagou pra mim.
- Sério que você tá me falando isso? Por quê veio aqui
então, dizendo que eu era o único que você podia confiar? Por
acaso te tratei feito xavequeiro profissional, do tipo “vem cá

pro meu camarote gata, com open bar de Blue Label”? Você
tem 18 anos e nem por isso eu fiquei de brincadeira.
- Não mesmo… Desculpa… Mas todo mundo dá
trabalho, porra.
- Sim, mas há vários tipos de trabalho, né? E alguns
são ótimos.
- Quê?
- Gastei cinco horas e meia só cuidando de você,
“salvando” você. Poderia ter investido o mesmo tempo
planejando uma viagem a dois, por exemplo.
- Hum…
- Não estou dizendo que queria viajar com você ou
com qualquer outra mulher, apenas que há “gastos” e
“investimentos”…
- Tô entendendo, fica sussa.
- ”Gastos” são as energias daquelas relações de
insegurança onde ambos ou um tem que ficar cuidado do
outro, ou controlando por ciúmes, por exemplo.
“Investimentos” acontecem quando nos esforçamos pra

construir uma realidade melhor… Não é óbvio?

- Então você me salvou, é isso?


- Hahahahaha, é!
- Tonto. Idiota. Você tá se achando.
- Não. Você tá em casa, eu te recebi. Poderia ter
chamado o SAMU e tchau. E eu quase fiz isso, pois quase não
te reconheci aquela hora.
- Ok, então vou ficar aqui até melhorar… Mas tem
certeza que você não quer…
- Tenho. E pode ficar. Mas, voltando, se quiser salvar
alguém eu faço caridade, ok?
- To ficando boa só de raiva…
- Ótimo, mas eu não vou brigar.
- Nem eu… Vem cá, fica aqui perto de mim pelo
menos… Vamos nos olhar nos olhos por um tempo sem falar
nada.
- Ok.

- Posso publicar essa conversa?
- Como?
- Isto que aconteceu hoje, posso escrever e publicar?
- Onde? Internet?
- É.
- Pode, mas troca meu nome.
- Valeu. É só pra registrar. Talvez eu apague depois.
- Eu não ligo, não vai ter minha foto e meu nome…
Mas tenho outra condição.
- Diga.
- Faz massagem?
- Tá bom.
9
Nenhuma outra pessoa do mundo
tinha esse dom. Não como ele

Ele tinha o peculiar dom de futurizar jeitos que,


num começo de namoro em meio à paixão avassaladora,
pareciam fofos, mas que na verdade preconizavam
idiossincrasias, isso mesmo, idiossincrasias,
horripilantemente repugnantes para o amanhã.
No começo de uma relação, ela era sempre obstinada. Após
três meses ou dez anos, dependendo do grau de ingenuidade que
ele depositava, teimosa. Mesma coisa para carinhosa e pegajosa,
alegre e espaçosa, disciplinada e obsessiva, compreensiva e
passiva, trabalhadora e neurótica, inteligente e presunçosa,
parecida com a mãe e parecida com a sogra-gorda. Nada passava
em branco aos olhos dele. Era como aquele gráfico do ciclo de vida
de um produto: lançamento, crescimento, maturidade, declínio e
extinção. Ele era especialista em enxergar o declínio antes de
qualquer outra pessoa. Para ele, tudo ficaria obsoleto, tudo era
transitório e, por isso mesmo, nada valeria a pena, o esforço, o
investimento.
Com o tempo, passou a usar o livre-arbítrio para desescolher
em absolutamente todas as ocasiões. Escolhia só que não.
Começava terminando. Fez, sem concluir, pós-graduação em
todas as ciências e paródias de ciências que tinham como
premissas catalogar o passado para prever o futuro. Tornou-se
Master Coach Trainner Honoris Causa em futurizar qualquer
tipo de coisa. Aquele dom, que havia começado nas relações
interpessoais, expandiu-se para a mais ampla variedade do
conhecimento humano, de economia à medicina.
Muito mais que um profissional altamente capacitado,
que garantia qualidade irrefutável de seus prognósticos, seu
network, sua fama e sua credibilidade cresciam em progressão
geométrica. Em poucos anos, sua figura tornou-se mítica.
Guru era uma palavra insuficiente para designar um ser
humano com tamanho talento para ajudar tanta gente a
melhorar suas vidas, evitando que seres comuns fizessem
escolhas erradas.
- Essa pessoa vai te causar momentos de insegurança.
- Como assim?
- Não vejo certezas absolutas nesse relacionamento,
olhando de uma perspectiva maior.
- Então o que eu faço?
- Melhor esperar.
Era sempre melhor esperar. Para ele, o não-ato de
esperar provava quanto uma pessoa era superior, sendo capaz
de sobrepujar seus sentimentos e ambições através da crítica
de uma razão pura, parafraseando, não por acaso, Kant. Crise?
Era melhor esperar. Afinal, alguém totalmente desprovido de
racionalidade iria fazer algo e, muito quiçá, algo talvez
poderia melhorar. Daí você começaria seu movimento na
total, plena e hermética segurança.
Assim, sua epistemologia do amanhã desmovimentou
toda uma nação. E através de milhares, senão milhões, de
desescolhas, viu-se um país inteiro de melhores esperando,
confiantes irredutíveis em um futuro melhor, que aconteceria
independentemente de cada um deles. Formaram-se então os
melhores expectadores da vida, críticos eruditíssimos do
teatro da existência humana, torcedores frenéticos do amanhã.
Que torciam para o tempo passar mais rápido. Que ansiavam
desesperadamente pelo o que estaria por vir. Que, sem
perceber, aceleravam suas vidas para o que toda vida leva.
Ele, enfim, em seu leito derradeiro, o médico pergunta:
- Cremado ou enterrado?
- Posso desescolher passar desta pra uma melhor?
- Não.
- Então tanto faz.

10
Você diz PARABÉNS e não sabe
o porquê

Ontem fiz uma coisa totalmente vergonhosa, mas


vou contar aqui em rede mundial. Trata-se de algo que
raramente faço para não me enganar: stalkeei uma pessoa.
Sério. E foi através de uma ferramenta muito antiga,
praticamente em desuso, chamada Facebook. Logo eu, que
me orgulhava de não fazer isso com ninguém.
Escolhi uma pessoa que não era do meu interesse, mas
que apresentava um comportamento absolutamente
“imaculado” nas redes sociais. Meu objetivo era encontrar um
deslize. Acabei encontrando vários. Mas isso foi o de menos,
pois era previsível: mesmo que alguém só queira mostrar o
que quer, inconscientemente acaba por expor o que não quer.
Especialmente carências. E quanto mais profunda é a
carência, mais evidente ela é (exceto pra quem está a
compartilhar — mais ou menos como mau hálito: todo mundo
sabe, exceto a pessoa).
O fato é que, uma hora, fui na sessão
“Acontecimentos”. Nessa parte aparecem coisas como
nascimento, trabalho/emprego e, obviamente,
relacionamentos. Cliquei nesta última parte. Cliquei no item
sobre o início do último deles, dos 3 relacionamentos que ela
havia assumido na rede social.
“Parabéns.” De todas as formas, com todos
os emoticons possíveis, em várias línguas. Foi isso que li.
Cliquei em outro relacionamento, mesma coisa.
Depois, na busca de um padrão de comportamento e de
uma reflexão, procurei outra pessoa parecida, daquelas que
mandam muito bem no assunto “fazer sucesso com quem não
se conhece” online.
Refleti.

Hoje de manhã me ligou uma amiga com um ultimato


para almoçar.
- Filhote, vamos almoçar?
- Claro, quando?
- Hoje. Cheguei ao Brasil hoje e vou embora amanhã.
Tenho pouco tempo! Encontros pessoais só com pessoas
especiais, você não tem como negar!
- Putz, calma. Vou cancelar um compromisso… Jajá te
ligo.

No trânsito, indo almoçar com ela.


- Ontem stalkeei uma pessoa. Uma não, várias.
- Sério?! O Senhor do “estoicismo” — é isso? —
sucumbiu aos vícios mundanos???
- Não enche o saco… Descobri uma coisa legal.
- Contaí. Foi pelo Face?
- É… Uma merda. Muita informação inútil.
- Falaaa… Senão vou começar a cantar Marisa Monte!
- Tá, tá, tá… Canta depois… Primeiro me responde:
por quê as pessoas dizem “parabéns” quando alguém começa
um relacionamento?
- Ué, porque a pessoa está feliz, ou ficou mais feliz
ainda? Porque encontrou a alma-gêmea? Porque ela queria
muito aquilo?
- Conscientemente deve ser isso mesmo, tudo isso.
- Ih… Lá vem…
- Quer tentar mais?
- Não… Tô com fome! “Há um Vilarejo ali… Onde
areja um vento bom, na varanda, quem descansa…”
- Taaa! Elas estão dizendo,
inconscientemente, PARABÉNS POR TER ENCONTRADO
ALGUÉM QUE COMPROU AS SUAS IMPERFEIÇÕES!
- Nossa, adorei! “QUEM NÃO TE CONHECE QUE
TE COMPRE”!
- Isso! A pessoa arrumou alguém que a “comprou”,
MESMO A CONHECENDO BEM!
- Ou até POR CAUSA das imperfeições, não?
- Acho que não… Essa coisa de se apaixonar pelas
imperfeições é enfeite de comédia romântica barata, ou algo
relacionado à memória… Tipo se apaixonar por uma pessoa
que lembra as feições dos pais, ou de uma pessoa querida.
- Ok, então me explica.
- Se você tem uma qualidade, e todo mundo tem pelo
menos uma, alguém vai querer te provar. Ficar com você.
Obter sexo.
- Que tipo de qualidade?
- Todas! Riqueza, beleza, inteligência, carisma, peito
grande, bunda grande, pau grande, corpo violão, casa de praia,
dentes brancos, cartão de crédito platinum black…
- Hahahaha!
- É! Muita gente vai querer provar dos recursos do
nosso “ESFORÇO DE PRIMEIRO ENCONTRO”.
- Mas a rotina ninguém quer comprar. Provam mas não
compram.
- ISSO!
- Tá parecendo Bauman.
- Sim, mas não cita esse polonês porque ele ficou
muito POP! Todo mundo fala sem saber.
- Na rotina aparecem os defeitos, né?!
- Exato. Rotina não tem fundo musical, meia-luz,
maquiagem e humor inabalável.
- Isso pra começar.
- Primeiros encontros geralmente são mentiras
insustentáveis.
- Então quando a pessoa consegue namorar, das duas
uma: ou ela conseguiu sustentar a mentira na rotina, ou ela foi
sincera logo no primeiro encontro…
- Excelente reflexão.
-”Pra acalmar o coração, lá o mundo tem razão… Terra
de heróis, lares de mãe…”
-”Paraíso se mudou para lá…”
- E nós?

- Nós o quê?!
- Por quê a gente não deu certo?
- Porque você é uma chata…
- E você é ausente!
- Não sou! Nunca fui… Cê tá me testando?
- Tô… Ufa… Não fiquei com a mínima raiva agora. O
dia que sentir algo de novo, mesmo raiva, é porque voltei a
gostar de você.
- Também não senti nada, graças a Deus.
- Onde a gente vai mesmo?
- Galleria.
- Eu sei, mas onde? Outback ou Madero?
- Outback.
- Costelinha?
- Eu fecho.
11
Sobre dar conselhos

Eu dando conselhos pra uma amiga que tinha


acabado de terminar com o namoradinho.
- Me fala uma coisa só, tipo uma ideia.
- Mas pra quê? O que você quer?
- Namorar.
- Tá, uma só, ok? Eu poderia falar trezentas e vinte e
nove coisas, mas hoje não vai dar.
- Fala.
- Escolha um cara que fez uma faculdade difícil. Tipo
medicina na USP. Se ele passou direto do segundo grau, aos
17/18 anos, melhor.
- Tá, um nerd, mas porquê?
- Porque ele está completamente treinado para resistir
às tentações. As vontades superficiais dele não o dominam,
ele está apto a construir objetivos maiores.
- Como uma relação?
- Isso. O cara da balada pegador vai te trocar muito
antes de você envelhecer ou engordar, ele não resiste à menor
tentação.
- E o outro resiste?
- Pode resistir se quiser, mas, claro, pode não querer.
Aí vai depender de você também. Mas o nerd está preparado
pra correr uma maratona completa com ótimo desempenho, o
baladeiro vai morrer nos cem primeiros metros —
metaforicamente falando.
- Mas ele pode não querer correr. Ou correr 100 metros
muito bem várias vezes.
- Sim, claro, todos estamos suscetíveis. Mas no
histórico o nerd resistiu, no auge da vitalidade e da
testosterona, à muitas tentações para passar em um vestibular
tão concorrido. Não é nada fácil, mesmo sendo inteligente.
“Automaticamente” ele treinou o cérebro para ser resistente.
- Verdade. Mais uma dica?
- Tá… O histórico da pessoa é muito mais importante
do que o que ela faz atualmente pra te conquistar. E
geralmente a gente se engana pelo o que vê agora.
- Como assim?
- Não deixe seu ego te sabotar.
- Explica.
- Depois, preciso ir.
12
Uma incrível experiência privada
em NYC

The High Line é um dos lugares que mais gosto em


Nova Iorque. Aliás, não importa a sua idade, posição social
ou tribo, é praticamente impossível não gostar dali. Se o
Minhocão (uma aberração urbanística e humanística) um dia
em São Paulo se transformar em 1% do que é aquele lugar
sensacional sobre trilhos abandonados na Big Apple, eu
ficarei muito feliz. Meu sonho é levar meus pais pra caminhar
a apreciar tudo o que acontece por lá.
Em outubro de 2016 estava eu e a Stephanie
caminhando em um local onde tinha uma arte do Banksy,
gigante. Paramos para apreciar e começamos a filosofar.
Era domingo de manhã. Já havíamos passado
por aquela feirinha fixa que tem lá, e por uma exposição
itinerante de “Lego” (incrível, aliás). Começamos falando
sobre a criatividade das pessoas ali, depois sobre as vidas que
passaram naqueles trilhos e, pra finalizar, sobre o Central
Park.
Foi quando paramos num daqueles locais onde pode-se
ver o trânsito, no cruzamento de uma avenida com uma rua
(há uma parede de vidro e uma espécie de arena, para que
você aprecie a paisagem, que é de ruas de NYC). Estávamos
conversando sobre como o Central Park, há pouco mais de
150 anos, tinha sido uma favela gigante. E sob o comando de
um plano diretor da prefeitura da época, as famílias de lá
foram praticamente expulsas para lugares como a periferia do
Queens, Brooklyn, Bronx e Harlem em Manhattan. O papo
era profundo, mas falávamos empolgadamente e ríamos
muitas vezes. De repente, um senhor de aproximadamente 60
anos nos interpelou, entrando na conversa dizendo sobre
como aquilo ali era diferente há 40 anos. Pelo sotaque, ele
percebeu que éramos de fora (a Stephanie é alemã).
Começamos a conversar em três e, na sequência, chegaram
mais duas pessoas, um casal. Não entendo até hoje qual foi
a vibe que se criou ali. Ficamos “amigos”, amigos de viagem.
O senhor era antropólogo e o casal estava em lua de mel. A
interação desenrolou para todos os assuntos, de culinária à
física nuclear. Decidimos jantar juntos (na verdade era mais
um happy hour — 15h da tarde aproximadamente). Fomos
no Flora Bar.
A certa altura (umas 20h) Mads (o senhor antropólogo)
disse que precisava ir embora para a festa de aniversário dele
mesmo. Ficamos espantados, nos entreolhamos. Mads olhava
pra gente com cara de dúvida, acho que estava pensando se
deveria nos convidar (uma ofensa àquela altura, ainda mais
com umas doses de álcool). Até que, após dez segundos, nos
convidou. Antes de sairmos, brindamos ao seu-dele
aniversário.
Não estávamos (ninguém ali estava) vestidos para uma
festa (lembra que era um passeio matutino na The High Line).
Nem Mads estava. De qualquer forma, quando chegamos,
ficamos ainda mais “fora de contexto”: a festa era num
apartamento na Quinta Avenida, numa cobertura milionária
que, depois, fiquei sabendo que era a casa do aniversariante.
Ao chegar, apesar das vestimentas, fomos
extremamente bem recebidos pelos amigos e familiares do
anfitrião. Contamos as histórias do acaso dos nossos
encontros. Rimos. Bebemos. Até que fui ao banheiro social.
Eu nunca havia visto nada parecido. De alguma forma
que eu não sei como, todas as paredes, chão e teto eram
revestidos de espelho. Isso mesmo, espelho, no singular.
Imagino que deveriam ser vários, mas não dava pra saber
onde começava um e terminava o outro. Parecia um espelho
uniforme que cobria tudo o que era possível. Em outras
palavras: você “se via” por todos os ângulos, de todas as
formas, em todos os momentos ali dentro, independentemente
do que fazia. Não tinha como fugir da sua própria imagem.
Saí e, claro, fui conversar com Mads.
- Os espelhos significam algo, não?
- Sim, meu caro.
- Só nos banheiros?
- Só, em todos eles. Todos são assim.
- E o motivo?
- Simples: eu recebo aqui em casa muita gente que se
acha, no mínimo, semi-Deus.
- O resto se acha o Próprio.
- É! Rs
- Então é um teste.
- Eu chamo de afronta. Num espelho grande comum de
banheiro você se vê muito, mas ainda assim escolhe o que vê.
Nos meus banheiros você não escolhe, você tem que se
enfrentar.
- E saber que é uma pessoa comum?
- Isso… Até fazendo cocô.
- Fora que nuas as pessoas são muito mais comuns do
que se imaginam.
- Ou do que são com roupas caras.
- E os defeitos são gritantes.
- Exatamente, e no meu espelho não tem como fugir da
velhice, das coisas na pele, das desproporções.
- Sentiu diferença depois que instalou eles?
- Muita, especialmente quando as pessoas ficam aqui
por alguns dias.
- Elas refletem?
- Não diria isso, diria que ficam incomodadas!
- E comentam?
- Não, mas saem com cara de preocupadas com algo,
sempre!
- Essa ideia veio da antropologia?
- Não, pensei nisso depois do meu décimo divórcio.

Nada como um domingo qualquer na The High Line.


Como eu adoro aquele lugar.
13
Não deixe que pessoas comuns a
façam perder o viço da sua vida

- Como assim?
- Não falam que você é ingênua?
- Ingênua, inocente, várias coisas… Sou uma tonta
mesmo!
- Não é! Pense!
- Não dá, só sinto vontade de chorar!
- Pode chorar… Faz bem. Chore sempre que quiser
perto de mim.
- Você não sabe como fui humilhada… Ela não têm
noção, fala coisas terríveis pra me inferiorizar, pra me
ridicularizar, e ainda grita pra todo mundo ouvir!
- Que mais?
- Precisa?!
- Não… Só tô querendo que você desabafe pra eu
começar…
- Pode começar então… Tô me sentindo MUITO
mal…
- Olha pra mim Camila. Mas olha firme.
- Hum.
- Primeira coisa: num mundo onde todos podem
confiar um no outro, podem ser o que quiserem, podem
acreditar, podem dizer a verdade… Nesse mundo hipotético
você seria considerada normal?
- Sim… Acho que sim.
- Portanto, neste mundo, onde todos têm segundas
intenções, sistemas de defesas, agressividades e ironias, ser
considerada diferente não seria um elogio?
- Pode ser…
- Claro que é! Você é diferente porque você
PERTENCE A OUTRO PATAMAR, um degrau ACIMA!
- Sou de outro mundo, é isso?!
- Hahaha! Seu bom humor voltando, ótimo… Mas é
isso mesmo.
- Segunda coisa: porque alguém sente vontade de te
colocar pra baixo?
- Por que é sem noção de convivência!
- NÃO! Porque ela se sente inferiorizada por você estar
muito ACIMA!
- Tá…
- Você “agride” as pessoas, mesmo sendo muito legal
(ou até por isso), apenas por existir! E as pessoas te “agridem
de volta” porque isso é um sistema automático de defesa do
ego delas… Acionado pelos seus complexos de
INFERIORIDADE.
- Será?
- Vamos analisar?
- Vamos.
- É sobre sua ex-chefe, né?
- É.
- Aquela que eu conheço?
- Sim…
- Você é mais bonita que ela, o que já é um tapa na
cara suficiente. Como se não bastasse, seu currículo é melhor
que o dela, sua experiência internacional é melhor que a dela,
seu inglês é melhor que o dela, seu network é melhor que o
dela. Das pessoas que eu conheci, todos gostam de você e não

dela. Será coincidência?


- Hum…
- Calma, não acabei. Você se veste melhor, você está
mais em forma, seu vocabulário é mais rico, seu nível de
empatia é superior, seu nível de ansiedade é inferior, você é
mais espontânea, você é mais viajada, sua família tem mais
dinheiro… E com uma vantagem: seus pais têm princípios
sólidos e o dinheiro que eles acumularam é self-made, o que
faz toda a diferença…
- Tô me achando agora… Continua.
- Pra fechar com chave de ouro, você e sua família têm
conhecimentos alternativos extremamente positivos e
transformadores… E você também já realizou, por livre e
espontânea vontade, trabalhos voluntários vários, e alguns
muito radicais…
- Agora vou chorar de emoção… Ganhei o dia.
- E pra completar com a cereja do bolo, você é minha
amiga.
- Tonto…
- O mundo PRECISA de mais gente como você. Então
sempre que esse tipo de coisa acontecer, e eu espero que não
aconteça muito, me chame sem pensar duas vezes.
- Chamo sim. Você é um mala mas eu te adoro.
- Eu já disse mas vou repetir: nunca deixe que pessoas
comuns a façam perder o viço da sua vida.
- Mas o que eu faço?
- Não brigue. Afaste-se e me chame. Ou chame outra
pessoa que vá levantar o seu astral dizendo a verdade.

14
Não é pra qualquer pessoa
Chegando ao médico.
- É muito grave doutor?
- Não, mas pode piorar. Você fuma?
- Sim, 3 maços por dia.
- Ok, os remédios são estes. A prescrição está aqui.
- Tudo bem, até quando tenho que tomar isto?
- Quinze dias.
- Tá ok.
- Consegue fumar menos nesses dias?
- Tipo quanto?
- Um maço por dia.
- Vou tentar não fumar nenhum.
- Não faça isso. Conheço gente que ficou louca por
tentar parar de vez. Você vai sentir muita falta e pode voltar a
fumar ainda mais.
- Hum.
- Parar de uma vez não é pra qualquer um, de verdade.
Saindo do consultório ele, puto da vida, para na
calçada. Devagar, pega um cigarro. Acende. Dá uma tragada
gostosa muito lentamente. Fuma com um prazer que jamais
havia sentido antes. Nicotina. A saideira. Ao terminar,
resmunga:
- Filho de uma puta. Agora vou ter que provar que não
sou qualquer um.

… 15 dias depois…

- Você me parece muito bem! Seguiu o tratamento?


- Claro, à risca.
- Maneirou no cigarro?
- Não fumo mais.
- O quê?!
- Fumei pela última vez logo após nossa consulta.
- EU SABIA! EU SABIA QUE VOCÊ NÃO ERA
QUALQUER UM! ISSO É PARA POUCOS! PARABÉNS!
Eu te provoquei sem querer, mas PARABÉNS!

20 anos depois ele voltou a fumar, apenas um cigarro,


uma vez por semana.
15
Você sabe que nós geralmente
não valorizamos as pequenas

escolhas, pois as consideramos tão banais quanto


respirar. Só que respirar não é nada banal. Imagine que, para
entrar em regressão profunda, ou sono profundo, bastam
pequenas alterações no ritmo respiratório. Com as nossas
escolhas ínfimas do dia a dia acontece a mesmíssima coisa. É
o cuidado nas pequenas decisões que constrói cada realidade.
E o detalhe do cuidar não apenas faz diferença, mas é tudo o
que importa. Em absolutamente qualquer coisa. De projetos
arquitetônicos a relacionamentos duradouros. Tente se
lembrar de algo simples do seu passado, que hoje significa
muito, mas que no momento que ocorreu foi quase que
imperceptível. Houve cuidado. Houve detalhe. Houve uma
pequena escolha. A vida é cheia dessas ocasiões. E a graça
dela, da vida, é que a gente vai continuar errando nas
decisões. E que, ironicamente, no final, até esses erros serão
lembrados com carinho. Mas só pelas pessoas que erraram
tentando acertar.
16
Com o requinte da petulância em
me fazer um bem

Sempre tive medo de mulheres que conseguem tudo


o que querem. Dessas que, com apenas meia dúzia de elogios
e uma mexida nos cabelos, ganham qualquer um. Ainda
criança percebi, com certo pavor, a imensa superioridade
feminina no assunto habilidade social. E não importa quanto o
tempo passe, eu ainda me sinto uma criança perto de algumas
delas.
- Oi.
- Oi… Que surpresa, eu…
- Vim com mala pra 3 dias, que é o que você precisa.
- Ok, mas preciso do quê exatamente? Tô de saíd…
- De uma overdose de mulher. Já ouviu falar em
tratamento com dose única? Vou te dar uma overdose única.
Tudo o que você quiser, eu vou fazer. Isto só no primeiro dia.
- Olha, eu…
- O que é que você vai dizer? Que a gente nem se
conhece? Que só ficamos uma vez?
- Na verdad…
- Aliás, fiquei feliz de você não ter ligado no dia

seguinte. Faz o quê, um mês?


- Acho que mais…
- Não importa. Vai me convidar pra entrar ou quer que
eu tire a roupa aqui mesmo?
- Entra, entra.
Sinceramente, nunca tinha visto um ser humano de 19
anos com tamanha coragem em toda a minha vida. Se fosse há
1 ano, eu a dispensaria sumariamente alegando loucura
desenfreada — da parte dela. Mas minhas últimas leituras
sobre coragem disseram para eu não envergonhar alguém num
momento tão digno, tão vulnerável, tão corajoso e tão fora de
sua zona de conforto como aquele, em que ela buscava, com o
requinte da petulância em me fazer um bem, prazer próprio.
Impetuosa e sofisticada em tão tenra idade. Quem seria eu
para negar?
- Caramba, que solidão…
- Quê?
- Você traz poucas mulheres aqui e todas ficam pouco
tempo. Aliás, você fica pouco tempo e, quando fica, está
geralmente só. Seus melhores amigos são homens hetero.
Você é prático ao extremo e tem preguiça de receber gente.
Talvez tenha preguiça de gente.
- Será? Como sabe sua adivinhona sexy?

- Simples. Você é estudante universitário?


- Não mais…
- A decoração parece a de um. Ridícula. Olha esse
sofá…
- O que é que tem ele?
- É bizarro… Deve ter 10 anos de uso, totalmente fora
de moda, mas parece novo! E está afundado só de um lado, o
que significa que só uma pessoa usou durante esse tempo
todo…
- Posso ter comprado numa loja de móveis usados…
- Hã-rãm, você?
- Eu.
- Este sofá indica que ou você tem poucos amigos, ou
os recebe muito raramente. E como são homens hetero, eles
nem ligam pra decoração. Se fossem mulheres ou gays, sua
casa seria totalmente diferente… Se uma mulher passar uma
semana aqui, vai vender metade no enjoei.com
- Hum…
- Sua casa está totalmente organizada, mas também
empoeirada.
- O que significa…
- Que você não gosta de perder tempo em casa, quer
tudo à mão.
- E a poeira?
- Parece que ninguém inédita entra aqui há semanas!
Só veio gente que você conhece há séculos…
- E se eu soubesse que você viria…
- Este apê estaria um brinco!
- Ok, vamos deixar a sua mala no quarto de hóspedes.
- Não precisa. Eu trouxe só uma necessaire.
- Como assim? Isto aqui parece uma mala.
- Isso… Aqui tem comida, óleos aromáticos, incensos
e outras coisas que você nem deve conhecer. Ainda.
- Cadê suas roupas?
- Na necessaire. É o suficiente.
- Achei que você tinha dito mala pra 3 dias.
- E disse. Mala, não roupas.
- Vai usar as minhas?
- Ou não usar nada.
Era terça-feira e eu realmente não tinha muito o que
fazer fora de casa. Naquela semana, todo o meu trabalho
poderia ser feito no modo home office. E, como você deve
imaginar, perdi todos os prazos de entrega nessa tentativa de
arranjar espaço físico e mental para alguma coisa que não
fosse ela. E sim, ela tinha acertado quase tudo, pois sempre
preferi sair de casa à trazer gente aqui. Pura preguiça.
- Overdose… De onde você tirou isso?
- Intuição.
- Eu também tive uma… Dedução, quando fui na sua
casa aquele dia.
- Ih… Duvido.
- Aquele quadro-álbum de fotos da sua família…
- Diga…
- Aquilo é mais ridículo que o meu sofá.
- Porquê?
- Nas laterais tinham fotos reais da sua família, e isso
foi fácil de perceber pois não eram produzidas. E no centro,
uma foto da Angelina Jolie com o Brad Pitt!
- Hahaha!
- O que significa que você recentemente terminou com
alguém, e tanto deixar sem nada como deixar uma foto do ex
te incomoda. Aquela foto sem contexto é pra substituir a foto
principal!
- Acertou. Algo mais?
- Nunca vi apê tão limpo. Fazendo uma teoria reversa
sobre o seu pensamento, indica que você está sempre pronta
pra caça, sempre disposta a levar alguém “inédito” pra
dentro…
- Ih… Tenho cara disso?
- Não.
Os três dias passaram, apesar de todo o meu ceticismo
inicial de costume, voando. Confesso que aprendi bastante
não a conviver, pois aquilo ali não foi convívio, foi realmente
uma overdose de gente, mesmo sendo só mais uma. Aprendi
que intuição feminina não é algo mental, mas material, que
está presente em todos os lugares onde a mulher não está
fisicamente. Elas não adivinham nada, elas sabem tudo.
- Bom dia meu amor…
- Bom dia…
- Preparei um maravilhoso café da manhã pra você.
- Obrigado… Pra mim? Ou pra nós?
- Espertinho… Pra você. Tô indo embora.
- Achei que você pudesse… Ou quisesse…
- Foi maravilhoso, mas eu disse que era uma overdose
única.
- Mas…
- Vamos deixar assim, na lembrança. Eu sabia que ia
ser bom, e sei que qualquer coisa que aconteça a partir daqui
vai ser pior.
- Concordo… Não dá pra manter esse nível. Você deve
ser chata pra caramba no dia a dia.
- Hahaha! Será?! Mesmo assim você quer…
- Vamos deletar os contatos um do outro?
- Tudo?
- Tudo. A vida que nos diga se vamos nos ver de novo
ou não…
- Feito.
- Que bolo é esse na mesa de café?
- É seu. Hoje é quinta.
- E?
- Feliz aniversário…
- Ahh, é o meu! Esqueci completamente… Nem
acredito… Obrigado.
- Natural você ter esquecido… A gente se vê.
- Então tchau… Até…
- Quem sabe?
- Que bom que ninguém.
17
/Ainda tenho chance com você?

- Você entendeu.
- Posso te contar uma coisa?
- Pode.
- É um coisa que descobri por experiência própria.
- Tá, fala. Mas não foge da pergunta.
- É sobre isso… Mas tá, a resposta é: CLARO QUE
SIM. Só que existem 3 fases quando temos o interesse em
alguém…
- Hum…
- A primeira é a atração inicial, o tesão à primeira
vista… Que acontece quando olhamos pra alguém bonita e a
desejamos, mas ainda não há interesse, apenas desejo…
- A segunda é o interesse real?
- Sim, exato. Que rola quando conversamos com a
pessoa uma vez ou algumas vezes, confirmando ou não a
primeira impressão do “desejo inicial”.
- Claro, às vezes olhamos pra alguém bonito e, quando
conversamos, a pessoa tem mau hálito e já era o desejo.
- Isso… Ou ela é banguela, ou fanha, etc, etc, etc…
- Que mais?
- Você sabe que o desejo inicial pode durar muito
tempo, anos, até que a pessoa envelheça ou engorde, ou
morra, caso você nunca a conheça pessoalmente… Tipo um
ídolo ou herói que você nunca encontrou…
- E o interesse real?
- Calma… Sabemos também quanto tempo dura, em
média, a paixão, que são 18 meses para um casal normal
neuro-quimicamente falando…. Após isso é amor ou
comodismo.
- Sim, concordo. Isso quando você fica com a pessoa.
- Exato… Se não fica é amor platônico, paixão
platônica, que pode durar uma vida.
- Mas o que você descobriu?
- Vamos lá… A fase um é o desejo inicial, a fase dois é
o interesse real e a fase três é a paixão…
- Você descobriu quanto tempo dura a fase 2?!
- Isso!
- Quanto?!
- No máximo 3 meses para uma pessoa desejada com
menos de 28 anos de idade.
- Como assim?
- Se tenho interesse real em uma mulher com menos de
28, e fico com ela apenas uma vez, e depois a vejo somente
após 3 meses, ela mudou tanto que é praticamente outra
pessoa. Quanto mais jovem, maiores e mais rápidas as
mudanças… E geralmente traumáticas…
- Entendi…
- O interesse real, a fase 2, é o interesse na fotografia
da pessoa. Não estamos interessados no filme, apenas na
fotografia daquela vida, que dura até 3 meses. Queremos
aquela versão da pessoa, aquele peso, aquela idade, aquelas
escolhas, aquele humor, aquela índole, aquela pele, aquelas
vestimentas, aquele sorriso, aquela “virgindade de relação”.
Após esse “período fotográfico” tudo muda e é preciso
recomeçar do zero.
- Mas não dá pra recomeçar do zero. Elas já se
conhecem.
- Aí que tá. Não mesmo. Ambas estão diferentes e
ambas criaram preconceitos uma para com a outra. Mas
voltando, se a gente não resolve bem as coisas com a pessoa
dentro dessa janela de 3 meses, fica difícil voltar sem criar
expectativas completamente erradas… E no nosso casso a
gente não resolveu bem…
- Agora entendi a resposta…
- Eu já respondi literalmente.
- Ok…
- Você é muito jovem e quando nos conhecemos você
era muito mais… Mais jovem, mais espontânea, mais
carinhosa… Hoje você está mais calejada, desconfiada, um
pouco arrogante… Não considere isso uma crítica, é a fase da
mulher quando ela descobre, e testa, a sua beleza… Que no
seu caso é evidente.
- É preciso esperar muito… É isso?
- Hoje em dia o período imaturo da vida dura muito
mais tempo… As pessoas demoram pra refletir com
consciência… Mulheres bonitas ainda mais… Me desculpe
por não ser agora…
- Mas eu preciso de você perto de mim, pra me ajudar
a passar essa fase turbulenta… Mano, você não sabe o que eu
passo…
- Mas imagino. E conte comigo. Tome cuidado pra não
pegar nenhuma doença, ok? Nenhuma DST. Cuide da parte
emocional. Faça boas escolhas. Segure a ansiedade.
- Tô triste, ok? Na verdade to meio puta com você.
Mas to sem energia pra discutir. E mais: não é NADA fácil
fazer boas escolhas! Até porquê não existem boas opções
verdadeiras disponíveis!
- Não é verdade. Você não pesquisou direito ou não
selecionou bem a amostra. Mas relaxa. E quanto a mim, um
dia, logo menos, você me esquece. E afinal, se passar alguns
anos e você estiver saudável física e emocionalmente, quem
vai implorar chance pra ficar contigo talvez seja eu.
- Mas e hoje, tá procurando uma acima de 28 então?
- Nem abaixo, nem acima.
Se você gostou deste livro, por gentileza avalie-o na
Amazon.
Espero que goste das minhas outras publicações.
Forte abraço.

Marcio Akio
Sobre o Autor

Marcio Akio é empresário e redator publicitário premiado,


especialista em crônicas, contos e textos persuasivos de alto
impacto que já geraram recordes em vendas a clientes no
Brasil e no exterior.

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