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adecir das chagas gomes

AMOR EM SILÊNCIO

O amor perdeu a sua voz,


Na prepotência ressentida;
Magoada, entristecida, sem vida,
Fechada na casa não servida.
O amor enturveceu sua luz,
Não foi compreendido na cruz;
Em silêncio de calvário,
No sacrifício do suplício,

a ilha sinfônica
Entre o galho e as folhas,
Saboreio os frutos do lenho,
Adecir das Chagas Gomes, nasci-
do no dia dezesseis de setembro Na sombra das árvores,
de mil novecentos e oitenta e três, Refazendo-me no engenho.
(16/09/1983), na cidade de Pão No corpo do silêncio,
de Açúcar – AL. Filho de Maria
Sussurra a experiência;
Jose das Chagas Gomes e Jose adecir das chagas gomes
Vieira Gomes. É o sétimo filho de Do amor em audiência,
uma família de 15 irmãos. Publi- Entre a vida e o ofício. a ilha sinfônica
cou o seu primeiro livro “Sinfo-
nia no alvorecer” e em várias co-
letâneas, entre elas: Madrepérola
e Frequência Insólita da Editora
ANDROSS, Poesia Nova e Con-
ta Conto da Clipe; poetize 2019
e 2020 e Sarau Brasil da Vivara;
Poesia Verão, Inverno, Primavera
e Outono e Conto Brasil vols. 3,4 são paulo.sp

e 5 da Editora Trevo; Imortais IV poemas


978 65 58510 06 2
da Editora Alternativa.

9 786558 510062
a ilha sinfônica
adecir das chagas gomes

a ilha sinfônica

1ª edição
São Paulo
Dedico esta obra a minha cidade Pão de Açúcar- AL
PREFÁCIO

“A vida é o livro a ser lido!”

Em sua segunda obra solo, o autor Adecir das Chagas


Gomes apresenta o sentido da vida em várias facetas que
compreendem a amplitude do ser humano. Com destreza,
ele solta a mão, sendo conduzida pelo seu coração. Sentindo
a vida, ele a acolhe em sua totalidade e fragilidade, mas sabe
bem que nem tudo escolhe!
A Ilha Sinfônica é uma obra na qual expõe a vida como
sujeito em ação que contempla a bondade divina espelhando-
se na sua categoria de pessoa que se relaciona com o criador
num encontro de amor, ainda que, em alguns momentos,
seja vista como nada e solitária. Mas, bem a verdade, a Ilha
Sinfônica é rodeada por um imenso mar, que a banha com o
seu mistério. Agraciada com a beleza de uma montanha, esta
apresenta à Ilha Sinfônica os seus desafios para que, diante de
sua grandeza, se contemple uma Outra Beleza, que a todos
refaz!
Esta vida, quando em perigo, levanta o olhar para a
Árvore da Vida, da qual vem o seu socorro. Quando verde
e florida produz bons e saborosos frutos; mas, quando seca,
tornando-se madeiro, produz apenas um fruto: o amor. Este é
o socorro daquele que na Cruz é o Senhor!
Na leitura da Ilha Sinfônica se lê a sensibilidade do
autor, que vê a ciranda da vida, desde a inocência da infância, a
força criativa da juventude, a maturidade do adulto, a sabedoria
no envelhecer até a coragem de morrer! A ciranda da vida é
animada pelo ritmo da amizade, da fé, da educação, do trabalho,
da religião, da festa, dos sentimentos, da consciência, dos valores

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éticos... do bem viver! É verdade que há outro ritmo, que pode
desfazer essa ciranda da vida, mas, quando todos estão de mãos
dadas, a vida se torna mais forte, mantendo o ritmo da grata
memória, porque a “vida é um livro a ser lido!”
Desejo a todos leitores uma boa e agradável leitura da
sua própria Ilha Sinfônica, para que perceba o seu profundo
sentido de viver! Fique bem junto daquele que é o Sumo Bem!
Um abraço fraterno.

José Alexandre Mosqueli de Almeida, MIPK.

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POETA

O poeta é um conjunto de letras soltas no ar,


Que põe numa bandeja as forças do seu rimar;
Compondo poemas cheios de fonemas,
Bem-ensaiados, encenados e dublados nos cinemas.

O poeta é um chuveiro quebrado,


Molha uns, molha outros mais,
Respingando para todo lado;
Não sabe onde a sua água cai.

O chuveiro do poeta é uma boca a vapor,


Sopra primeiro o ar dos seus pulmões;
Refrescando o indivíduo no calor,
Pelas suas gotinhas, ensopando o chão e os porões.

O poeta se assemelha a um verdadeiro agricultor,


Um homem prendado no campo da semeadura;
Enquanto espera para a colheita da grande lavoura,
Fica contente pelos frutos da sua roça, pondo-se a festejar.

A semente do poeta germina poesia,


O seu fruto consiste em harmonia;
Alimentando os ouvidos e os olhos do leitor,
Que fica guardado no celeiro memorial do escritor.

O poeta compreende uma esponja jogada no mar,


Embebida, gotejando a experiência vinda de lá;
Vem derramando elementos para fazer um novo lar,
Deixando a casa aberta para quem anseia entrar.

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O poeta é um angustiado de dúvida,
Carrega a sua ansiedade para o meio da praça;
Entristecido, sentado no banco da ociosidade,
Relendo as letras caídas dentro do balde da vida.

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ERRO

O errado é uma atirada tentando acertar,


Por uma lança jogada no ar,
Tendo um alvo para alcançar;
Entre as pedras, em meio às veredas,
Chegando no caminho das verdades.

O erro traz sempre uma certa lição,


Provocando o consciente na consciência;
Que subordina o intelecto na linha das variedades,
Purificando-as nos filtros das universidades.

Errar é um princípio que provoca conhecimento,


Nele penso e refaço o meu pensamento;
Reformulado em ideias de ensinamentos,
Na escala da consciência dentro do silêncio da sabedoria.

Erro de concordância ou de composição de versos,


Dá-se uma impugnância na linguagem da norma culta;
Na dança dos verbos e dos pronomes fora do compasso,
Sem melodia na conjugação dos verbos, discordando dos seus pronomes.

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CRIANÇA FELIZ

Sou uma criança feliz,


Estou sempre a cantar;
Assoviando igual ao sabiá,
Em toda hora e em qualquer lugar,
Dedilhando a canção do coração,
Que faz o povo parar para me escutar.

O sorriso de uma criança é uma dança,


No seu gingado está a esperança;
Remexendo-se na solidariedade,
Onde alguém se compadeceu de verdade,
Abriu as mãos para lhe oferecer um abraço.

Eu sou uma criança indefesa, humilde e serena,


Necessito de um olhar amigável, com grande carinho;
Você é o meu melhor amigo, que me dá um abrigo,
Com sua disposição, me ajuda a ser mais feliz.

Quero sempre contar contigo na hora do perigo,


Entre as alegrias e as tristezas, na corrente da paz;
Tudo o que me faz sofrer passará,
Porque em você eu posso confiar.

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UMA VOZ GRITANTE

Tenho fome,
Tenho sede;
Prenderam-me na rede,
Tirem-me daqui;
Não me matem,
Tenha compaixão de mim,
Ajudem-me,
Tenho um caminho a seguir.

Destruíram as minhas aldeias,


Roubaram a minha liberdade;
Esconderam-me nas sombras alheias,
Tiraram toda a minha dignidade;
Expulsaram-me da minha moradia,
Não vejo mais a luz do dia,
Não expresso mais a minha alegria,
Tiraram o meu pão de cada dia.

Perdi o sossego,
Não tenho o enredo;
Tudo se tornou um segredo,
Amarrado nas cordas da rês;
Fatores da vida sumiram da lei,
Fizeram-me servidor de um rei,
Pequeno ser me fizeram parecer,
Sem direito a me defender.

Tenho frio,
Rasgaram os meus lençóis;
Mataram os meus caracóis,

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Acabaram com o verde das margens do rio,
Tenho saudade de passar naquele trilho.

Não vejo mais o brilho da lua,


Levaram-me para morar na rua,
Negando-me o direito de recomeçar.

A cultura já não posso mais cultivar,


Obrigaram-me a apreciar;
Tudo que é transportado do lado de lá,
Fizeram-me abandonar tudo do lado de cá;
Implantaram todo o seu modelo,
Carregando a marca de um governo,
Acorrentados os meus tornozelos.

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DESFIGURAÇÃO

A violência é a ferramenta da desfiguração,


Descaracterizando a fisionomia da humanidade;
Deixando o ser envergonhado pelas marcas de dor,
No banco da agressão, sem direitos e deveres,
Que explora o rosto indefeso do cidadão pelo desamor.

A violência traz ao mundo uma marca para a história,


Exigindo o caminho que conduz Jesus até a cruz;
No exercício do seu potencial, no rumo da moral,
Oferecendo uma ética que representa um memorial,
Trazendo para a vida oferecida o sinal do facho de luz.

A violência é o exercício do ódio exposto no cenário,


O quesito violador da moralidade, tirando-lhe a liberdade;
É a algema que deixa o inocente de mãos atadas,
Cabisbaixo, entristecido, chorando pelas marcas das feridas;
Carregando em sua memória a imagem de um espelho sem
reflexo.

Grande é o sofrimento de quem vive os traços da violência,


Corrompida e adoecida se encontra a sua consciência;
Vivendo dramas de monstros que tiraram grandes sonhos,
Surgindo sentimentos de medo que lhe causam abandono,
Psicologicamente a pessoa entra em desespero pelas sombras.

A fome é a violência do corpo e da memória,


Já o jejum e a oração são expressões do poder e da glória;
Quebrando o silêncio angustiante do mal da humanidade,
Vê-se o silêncio de Deus fechado no seu céu,
Porque o homem se afastou e se prendeu no seu quartel.

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A VOZ NO ECOAR

Na voz da minha amada,


Escuto sempre o seu ecoar;
Não sei se é um alento,
Ou o ressoar com um lindo olhar.

Quanto vento faz o seu movimento,


O barco se desvia da sua travessia;
Pelas ondas no corpo da maresia,
Onde se revela o seu roçar dentro de mim.

Vem do além uma voz que me chama de amigo,


De olhos abertos, fazendo-me enxergar o seu brilho;
No mover do seu olhar, uma expressão falou o que sente,
Espalhando alegria como bom humor na sinfonia da liberdade,
Personificando um corpo falante na vida de alguém.

Enquanto olho para mim, te vejo sorrindo dentro de mim,


Já até nem sei se sou eu que falo ou se é você que fala por mim;
Só sei que o teu rosto é o espelho que faz-me ver o teu
semblante,
Revigorantes são os teus olhos, que refletem a minha fisionomia
junto de ti.

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A NOITE É UMA CRIANÇA

A noite é uma criança,


Passa rápido a fase da sua infância;
Tem olhos que brilham como a face da esperança,
Prepara-se para ensaiar a cada dia uma nova dança,
E o seu corpo vive num balanço constante que nunca se cansa.

A noite se aproximou,
Pediu um beijo ao seu amor;
Ao chegar à luz do dia,
Em seus braços se jogou,
E logo descansou em seu grande ardor.

A noite é uma criança,


Escorre em horas e minutos;
Perde a sua pureza em alguns segundos,
Quando se depara com a maldade que há no mundo,
Nasce a juventude com o coração ferido e aguçado.

A noite é uma criança,


Chora na hora da despedida da vida;
Acordando o galo pela madrugada,
Dando ao novo dia um ar de saudade,
Para continuar vivendo à noite, dentro do dia.

Há uma constelação presente em seu coração,


Movido por uma simplicidade iluminando o universo;
Correndo na maratona nas linhas dos versos,
Quando conquistou o seu caráter com o ar dos pulmões,
Descendo do seu trono para abraçar-se com o seu mestre.

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A noite é uma criança,
Despede-se do Sol para recolher a sua própria vida;
No seu esconderijo encontra sua casa varrida,
Agradece ao amigo porque esclareceu a sua obscuridade,
Caminhando na trilha para encontrar-se com a chama da
verdade.

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OUTRO ECO EM MIM

No borbulhar das águas,


O amigo com o remo na mão;
Abrindo as ondas com o seu bastão,
Ouve uma voz vinda das areias.

Dentro do baluarte ressoa uma voz,


Inclino os ouvidos, ouço bem veloz;
No recanto da vida nasce uma brisa,
Tocando em frente no silêncio da vida.

De um bom amigo se espera confiança,


Tem o caráter cheio de boas lembranças;
Que carrega em seu coração grandes amizades,
Como um vaso precioso que esconde o verdadeiro tesouro.

Outro eco chega em mim num simples sussurrar,


Nasce na extremidade do meu ser um novo olhar;
Uma voz que ecoa sentimentos, afetos e talento,
No barulho do barco conduzido pelo vento.

21
MONTANHA

Vamos subir a montanha,


Caminho de ida e vinda;
Na luta dos percalços,
Andando com os pés descalços.

Aspirando às montanhas,
Subindo escadas estranhas;
Sonhando um mundo infantil,
Encantado por um doce olhar anil.

As asas que me ensinaram a voar,


São sonhos pendurados no ar;
Das entranhas de tanto varejo,
Realizando a vida no contrapeso.

Nas asas da montanha,


Preparo-me para voar;
Renovo as penas na manhã,
Revigorando o meu jeito de respirar.

Nas asas das montanhas,


Espalhando sorriso no ar;
No olho do horizonte além-mar,
Elevado ao infinito das entranhas.

Entre as asas e o corpo,


Na montanha do povo;
Penetrando a cultura e o esporte,
Revestindo o vigor no enfoque.

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Da montanha vejo o pássaro a voar,
Em tamanha liberdade, peneirando o ar;
Embutido de alegria, dançando no luar,
Sobrevoando as belas nuvens do Guarujá.

Da montanha ouve-se o violão tocar,


Em harmonia arranjada no bico do sabiá;
Serenando no palco a sinfonia do lá,
Divertindo a plateia na dança circular.

O mundo ganha o sono,


Na montanha do abandono;
Em distanciamento do Pai,
Fica ausente o Filho no aí.

Descendo da montanha,
No escorregar entranha,
Montado num burrinho
Segurando no Rubinho.

Na subida e na descida,
No rumo da vida;
Entre a dor e o trabalho,
Em progresso de atalho.

Derrapando na montanha,
Ralando-me entre manhas;
Nas pedras das entranhas,
Deixando no corpo as cicatrizes,
Com efeito dominó em suas raízes.

Em manifesto luminoso no monte,


Num cenário encantado da mente,

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Uma face revelou a brancura do amor,
Raiando os horizontes no sinal do Tabor.

Neblinou no topo das montanhas,


Doces sussurros de mantras;
Céus, nuvens em noite de luar,
Plantas e pássaros no samba do lar.

Em qualquer elemento,
Há uma montanha de fermento;
Adubando bem a semente,
Dentro do coração da gente.

Grande beleza passeia no céu,


Em cordilheiras estendendo o véu;
Nas rosas e lírios florindo no jardim,
Da montanha brilha uma pedra de marfim.

Ouço uma voz sorrindo dentro de mim.


Impulsionando-me para as montanhas;
No interior das minhas façanhas,
Revendo o caminho que aponta o fim.

Daqui ficou a escutar,


A melodia que me levou a chorar;
Entre os horizontes do meu inspirar,
Da montanha do meu belo olhar.

Estou sentado num banquinho,


Olhando os jovens num campinho;
Escorregando a bola na ladeira,
Em clima amigável de brincadeira.
Fico a pensar o mundo,

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Como incansável emaranhado;
De ritos, cores e danças,
Povo, culturas e plantas.

Na travessia da montanha,
Avistei uma estrada comprida;
Cheia de lama e buraco,
Preciso de alguém na partida,
Visando os passos da vida.

Em meio à floresta,
Andando na terra;
Sacudindo a poeira,
De cima da ladeira.

Entre os espinheiros,
Escorrega o bom vaqueiro;
Perdido na caatinga,
De madrugada, na cavalgada.

Enxugando o lençol,
Na brisa e no sol;
Trilhando a vereda,
Chega-se à eira.

Na montanha da vida,
Um carrossel de alegria;
Vitalidade cheia de energia,
Sorrindo dentro do dia.

Montanha aquecida pelo sol,


Derretida em óleo de girassol;
Amaciando o rosto da vida,
Banhado no perfume da hídrica.

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No meio da relva,
Varedo entre pedras;
Saliência da serra,
No verde das florestas.

Vamos seguir uma luz,


O seu nome é Jesus;
Uma doce morada,
No caminho da cruz.

Chegando no topo,
Refazendo o universo;
Sonhos que voam no tempo,
Cumprimentando o inverso.

Entre todas as montanhas,


Revoam os nossos sonhos;
Os quais gingam e dançam,
Pendurados no galho da vida.

No estender da montanha,
Contemplando a viagem das nuvens;
No sorriso felizardo das estrelas,
Onde estrondam vozes de muitas léguas.

Olhando para o monte,


Enxergando novos horizontes;
Num cenário de muitas cores,
Encobrindo a terra de vários sabores.

Brilhou uma luz no novo horizonte,


Encoberta por nuvens numa corrida veloz;
Entre cantos, rebombou das alturas uma voz,
Lendo as escrituras, abrindo as portas do monte.

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De lá da montanha avistei o florir das plantas,
Em sua folhagem, o canto dos pássaros,
Na longa jornada, o povo a sorrir,
Entre pedras e espinhos, a vida a seguir.

Ouvindo o canto do sabiá,


No embasbacado do lado de cá;
Esperando a dança do rouxinol,
Com os olhos enturvecidos pelo sol.

Releiamos a montanha,
No compasso das alturas;
Sincronizando as coisas vindas do alto,
E refazendo o interior, erguendo os braços.

A montanha é o lugar do encontro,


Enamorando o silêncio do vento;
Dando ouvido à voz da alma,
Acalentando o coração na calma.

No evento de descida de toalha na mão;


Segurando a bacia no lavabo dos pés,
Abaixando-se, lavou e enxugou os pés dos seus,
Que na misericórdia está a subida da montanha.

De longe se avista uma réstia,


Em cima da montanha, fazendo festa;
Dançando na circular do arco-íris,
No ritmo do tempo de uma lembrança,
Recordando a cultura e a fé num sinal de esperança.

Montanhas são simples assim,


A vida escondida no meio dos espinhos;
Entrelaçada entre a tristeza e a dor,
Dentro do sofrimento encontra-se o amor.

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FEL

O fel da trindade negativa,


Empregada no medo e na desconfiança;
Sem certeza, inseguro, em cima do muro,
Na contramão da construção do futuro.

Na escassez do terreno humano,


Brotam os dons da Trindade divina;
Amor, alegria, paz e misericórdia,
Enchendo o coração em concórdia.

Na contramão da negação,
Entrelaça-se a esperança,
Emendada na reconciliação,
Resulta na vida a confiança.

Na contramão do ódio,
Ultrapassa a beleza do lírio;
Em folhas charmosas de perdão,
Expulsando o ressentimento do coração.

Na contramão da cobiça,
Em direção à partilha;
Conduzindo o barco da ilha,
Reacendendo a chama da vida.

O amargo da vida,
Em noite não dormida;
Lida a dor da partida,
No fel embebida.

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LINGUAGENS

A filosofia é a arte da indagação,


Discorrendo das trevas para a luz;
Faz compreender as sementes do coração,
Teus mundos escondidos nas veias da cruz,
Tudo é um conceituar a verdade,
É o ponto de partida para chegar à felicidade.

Na arte se expressa a beleza,


Tirada da mãe natureza,
Questionada pela filosofia;
Dando origem ao mundo da imagiologia,
Fazendo o ser que aprecia o belo da harmonia,
Expressando-se como uma perfeita energia.

A religião é um fundamento do povo,


É a arte que ensina um mundo novo;
É sinal que move os segredos da fé,
É o caminho do Mistério do homem de Nazaré;
Um fenômeno que transmite a paz,
Tudo é a cultura quem faz.

Eis as artes da sabedoria,


Causando uma total hegemonia;
Cantando as alegorias,
Na casa das Ave-Marias;
Fazendo o Mistério reflorescer,
No mundo, dando a vida ao novo ser.

A beleza é o espelho da linguagem,


Na língua do povo visualizando uma imagem;

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Que a tonalidade de sua linhagem toma cor,
Em seu parentesco não há pretexto;
Todo o seu contexto harmônico tem o preço,
Da arte sinfônica dedilhada mostrando o seu esplendor.

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VIAGEM NÃO DESCARTA MEMÓRIA

Quando a velhice me chegar,


Quero me esconder das faces dessa fera;
Jamais me tornarei amigo de alguém que não conheço,
Serei sempre o seu inimigo por qualquer preço,
Mesmo que um dia seja obrigado a te encontrar;
E quando essa danada chegar, tento me desviar,
Pois, todo o meu desejo é de viver sem nunca me cansar.

A aventura dos cabelos brancos,


Símbolo da casa com portas de armaduras,
Torna-se semelhante a um jovem refletindo num espelho;
Pondo o diadema na cabeça da bela formosura repleta de agasalho,
Reformulando os sinais da juventude no olhar das novas ciências,
Quando a minha voz enrouquecer, sentar-me-ei no barco para
ouvir o canarinho cantar.

Fico muito feliz com meus cabelos enfraquecidos,


O rosto sem aquele encanto, sem o renovar do físico;
Sem ter direito à volta da viagem da minha infância,
Prefiro me ver mais velho e ver que a vida é algo muito sério,
Descansar tentando me rejuvenescer e não poder me reconhecer;
Não é coisa que vem dando muito certo,
Pois a beleza vai embora sem deixar detalhes em gravuras ou
escritura.

Há uma viagem que nunca gostaria de fazer,


Bem-arrumado, deitado e com os olhos fechados;
Ao canto das lamentações rumo ao abrigo desertado,
Multidão em marcha de procissão com o lenço na mão;
Acenando o caminho da habitação, sem teto e sem chão,
Desespero na caminhada aponta o fim de uma jornada.

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A viagem do vagão não dá emoções a ninguém,
Deixa o seu condutor amarelado na janela;
Descontraído, escorrendo da primavera,
Trancado e seco, coberto de flores,
Sem verde e abarrotado no engenho;
Descendo no trilho de alguém,
Termina o seu percurso na morada do além.

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EDUCAR É ENSINAR A PENSAR

A educação é o motor que possibilita a construção de um novo


mundo,
Uma brasa que invade sempre o coração, dando-lhe o poder
da invenção;
Passando no meio do povo, vê muita gente morando na rua,
sem teto e sem chão,
Numa total privação, que lhe causou um desejo de mudança,
Onde se acendeu um tição justamente no ensaio de uma dança;
Nascendo a luz no meio do povão, que partia com as mãos
vazias,
Querendo se estabelecer no quintal de alguma tia.

Educar é ascender o Espírito,


Fazer a lavareda se expressar;
Nunca se encurvar diante dos blablas,
Assinando uma escritura que encurrala verdadeiros tesouros;
Escondendo uma mina brocada de ouros,
Engaiolados, cantando choro,
Unindo as suas vozes em coro,
Tudo isso enganando o educando como filhote de papagaio,
Que nunca aprendeu a criticar aquilo que lhe foi ensinado a
decorar.

O que é mesmo a educação?


Não é arqueação de documentos em pensamentos;
Nem mesmo é motivar o aluno a repetir o que o mestre lhe
consente,
Faz-se o inocente imitar os seus gestos,
Feito um papagaio inconsciente, recitando os seus versos;
Não há em sua linguagem nem mais um acréscimo,

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Educar é ensinar o ser humano a ser diligente,
Não gavetas para guardar documentos.

Há muitos professores preocupados com a norma culta,


Construindo conhecimentos pautados na realidade;
Com discursos bem elaborados, cheios de linguagens,
Criticando a cultura arraigada de preconceitos,
Que exclui ou maltrata os cidadãos na sociedade,
Sentenciando formulações em volta das conjunções ligando as
orações;
E na sua relação estabelece o sentido da vida com a relevante
recriação,
Educar é apresentar as ferramentas para o educando aprender
a afofar a terra,
E plantar as sementes em campos férteis, que não pode haver
inseto no pomar.

Ensinar é inculcar uma consciência inacabada,


Raciocinando a vida toda no âmbito da sua franquia;
Desvendando as matas que escondem as suas energias,
Dando a disposição ao homem para desenvolver a sabedoria;
Levando o suporte no regaço da estimulação,
Não é o aviltamento na experiência permeando a humanidade;
É a ascendência refinando conhecimentos em amplos valores,
Olhando bem o ser humano, intervendo no suporte,
Abrindo as portas, dando acesso ao norte.

34
DANÇA DAS LETRAS

No fonfom da sanfona,
As letras se reúnem no salão;
Sambando, formando plateia,
Dando show a uma multidão.

As letras rebolam e dançam,


Pintam e se espalham no papel;
Tocam e cantam no som do berimbau,
Animadas, sacodem a bancada no luau.

Em jogo de brincadeiras,
Cada letra põe suas cadeiras;
Organizando os ambientes,
Esperando os dançantes.

Formando par na dança da idade,


Entre o A e O na brincadeira da amizade;
No conjunto do S e do G, nasce um novo gingado,
Palpitando, o I e o O gostariam de um intervalo.

O recado do F é o desejo por forró,


No ensaio do P, relampeja o pagode;
Acendendo a fogueira do R no reggae,
Fumaça o S cheirando a samba.

No princípio da festa,
O A é o senhor da abertura;
Entre o tom dos brincantes,
O Z investiga o barulho dos picantes.

35
O samba compõe seu enredo,
Bem equipado nas ruas da cidade;
Com carro alegórico enfeitado,
Blindado de fantasias no comando do mestre.

Chegando à noite de São João,


A banda harmoniza as vogais e consoantes;
Na linguagem do teclado e do tambor,
Os cantores gingam e dançam o refrão.

O alfabeto do São João arrasta o pé,


De chapéu no arraial, ganha tom de balé;
No movimento das músicas num estilo de época,
Alegrando a nossa gente com o clarão da fogueira;
Expondo a luz no casamento da moça solteira.

36
A BARCA

A barca flutuante ao longo mar,


Entre perigos, tempestades e ventania a assolar;
No tempo aloprado e sombrio,
Desponta o porvir sereno e frio.

Na barca deslizando entre os ventos,


Pescadores assustados espalhando sementes;
Lançam suas redes pescando alentos,
Na calada da noite ouvem-se sussurros intrigantes.

A barca da nova criação,


É um presente da evangelização;
Fertilizante do coração do povo,
Ressignificando um mundo novo.

A barca isolada no deserto,


Em que na certa não existe habitação;
Encontrada a sua carcaça no chão,
Onde ficou o sinal de uma história,
Documentando o tempo de uma memória.

37
A COLHEITA

Lançando a rede na vida,


No crepitar da escrita;
Colhendo os frutos na estiagem,
Em meio a árvores de linhagem.

Jogando a semente na terra,


Recolhendo o amor entre pedras;
Arrancando o joio de pragas,
Num movimento de treva.

Colhendo rosas no jardim,


Ensinando ao povo o pergaminho;
Cheio de pétalas perfumando o caminho,
No exalar do lindo jasmim.

Colho letras no meio do povo,


Escrevo as palavras de um jeito novo;
Sentado no terreno interno das ações,
Reformulando sentimentos e emoções.

Na colheita da seleção,
Jogando bola, montado a cavalo;
Bem protegido com o seu gibão,
Em clima de campeonato no gramado.

Espalhada a semente no meio da gente,


Nasce a cultura e a alegria em tom de repente;
Colhendo os frutos da boa semente,
Alimentando o coração e a mente.

38
Na colheita final,
Numa pedra de sal;
Bem-aventurado o aprisco,
Fora é queimado o rabisco.

No aguilhão forrado de palha,


Sofisticando a sua muralha,
Da fumaça do pavilhão,
Aquecendo o forno do pão.

39
AMOR EM SILÊNCIO

O amor perdeu a sua voz,


Na prepotência ressentida;
Magoada, entristecida, sem vida,
Fechada na casa não servida.

O amor enturveceu sua luz,


Não foi compreendido na cruz;
Em silêncio de calvário,
No sacrifício do suplício,

Entre o galho e as folhas,


Saboreio os frutos do lenho,
Na sombra das árvores,
Refazendo-me no engenho.

No corpo do silêncio,
Sussurra a experiência;
Do amor em audiência,
Entre a vida e o ofício.

40
RAZÃO INSÓLITA

Uma razão rígida e sem argumento,


É igual a um pão sem fermento;
Na relação do ser perdido na estrada,
Deixa-se entristecer por não permanecer em sua morada.

A razão absoluta do eu,


Não entende a subjetividade do tu;
Desdenhando o palco imaginativo,
Num enlace dialogal positivo.

A melodia da razão está gamada em raciocínio,


Instrumentalizada pelo toque da gama do conhecimento;
Manifestada na dança das teorias em movimento,
Adoçando as linguagens do universo, régio.

A razão integrada é um ramalhete de flores,


Bem ornamentada harmonicamente de vários saberes;
Compondo-se na filosofia, ciência, cultura e religião,
Num conjunto sinfônico ilustrado de sentimentos e paixão.

Dentro da cegueira da razão,


Brota uma verdade escurecendo o coração;
Enxergando apenas uma metade,
Onde não se vê a sua interioridade.

Uma razão cega é um caminho sem luz,


Segura a mão do outro, mas a vida não reluz;
Repetindo os mesmos passos dentro do fracasso,
Guiando-se na sua jornada agarrada pelo braço.

41
Uma razão sem sentimentos, sem emoções,
É comparável a um vaso sem flores;
Tem sua existência, porém não tem a sua beleza,
Tem a sua essência, mas não tem o seu encanto,
A essência da razão está na força da sua expressão.

42
REFAÇO-ME

Faço do meu choro um riso,


Do meu silêncio um grito;
Da tristeza uma prece,
E da alegria um grande louvor.

Faço da dúvida um argumento,


Na porta da sabedoria um testamento;
Que nos meus hábitos, faço-me o alimento,
Escondido dentro do meu aposento.

Faço do mundo o meu quarto,


Nas nuvens do céu está o meu teto;
Entre a água da vida escorrendo na biqueira,
Gotejando o chão, furando em ribanceira.

Refaço-me acordado,
Erguido, levanto os braços;
Embebido em cima do lenço,
Sonhando entre os meus laços.

Faço da minha vida uma história,


Cheia de conteúdo de minha memória;
Nas experiências de uma bela senhora,
Brotam dons imbuídos no som da viola.

Refaço-me a todo momento,


Às vezes sem ter nenhum talento;
Grito dentro das minhas entranhas,
Fazendo um jogo de manhas.

43
Leio a minha vida,
Refaço a minha ida;
Repenso uma síntese,
Em rascunho de uma antítese.

Quando quero ver minha beleza,


Penteio o cabelo olhando a natureza;
Bem perfumado, igual aos lírios,
Elegante e sereno, de braços macios

No meu ressentimento desaba uma pedra,


Que fecha a passagem do ressuscitado;
Expressando a dor no grito da verdade,
Ressurgindo no meio dos amigos a sua amizade.

Fui-me embora dos meus pais,


Gastei todos os bens em outro país;
Recordei que o mundo não me deixou feliz,
Ponho-me de joelhos suplicando por tudo que fiz.

Quero imitar meu pai,


De cabeça erguida eu não caio;
Curado das feridas do meu aí,
Dentro do amor da vida me apoio.

44
UMA LÁGRIMA

Uma lágrima fala milhões de palavras,


Queimando mais que uma fogueira em brasas;
Entre o grito da dor e a música do riso,
Esvoaçam fumaças das janelas dos olhos.

Uma lágrima retira o cobertor,


Na noite escura em silêncio;
Em que o galo cantou,
Bradando a voz do novo amor.

No caminho das lágrimas,


Pisando entre fogo e brasas;
Pedaços de mim respingam nos olhos,
Formulando o rosário das minhas dores.

Entre espinhos e flores,


Derramei-me nos amores;
Enfrentando trampos e barranco,
Recolhido nas lágrimas da vida.

Uma lágrima é uma expansão,


Desvendando o segredo do coração;
Embebida nos sentimentos, embargando a voz,
Em expressões labiais o rosto se refaz.

As lágrimas nas gavetas do peito,


São o letreiro em que se engasga o sujeito;
Deixando o ser amarrado no nó,
Organizando as letras, dando acento ao ó.

45
Uma lágrima faz barulho como badalo,
Na sua silhueta que desperta o galo;
Acorda o mundo, lamentando um refrão,
Tirando do ser um menino chorão.

Da árvore respinga orvalho,


Em seus olhos pinga a lágrima;
Num campo coberto de flores,
Refazendo um universo de várias cores.

46
A CASA SEM PAREDE

Na casa sem parede,


Não há lugar para a rede;
Nem existe privacidade,
Tudo foi revelado.

Casa sem paredes!


Na comunidade?
Isso tem fundo de verdade?
Será que isso não é sagacidade?

Não sei o que significa sagacidade,


Falas de mim ou da comunidade?
Na verdade, da casa sem paredes,
Tudo se tornou segredo de amizade.

A casa não tem preço,


Olhe bem o endereço;
Saiba onde você quer morar,
Mas é preciso se transformar.

Na casa sem parede,


A verdade não tem beco;
Revela sua beleza como lírio,
No amor perfumado do martírio.

Na casa sem paredes,


Músicas e danças nas vielas;
Luzes se acendem entre velas,
Alegria, liberdade e saudades.

47
Nas brincadeiras da cidade,
Numa alegria de verdade;
Todo o povo anima a cultura,
Mostrando a cidadania e a boa postura.

Uma casa de papel,


Tem o formato de mausoléu;
Encoberta nas nuvens, sobrevoando no céu,
Desfilando na passarela, erguendo o chapéu.

Na casa sem parede,


Enfrento o frio e o calor,
O dia e a noite,
A chuva e o sol,
Entre o medo e o amor.

Sem eira nem beira,


Nem mesmo a tribeira;
Casa sem paredes?
Na ribeira sem biqueira.

Tempestades e procelas,
Cruzes e espinhos;
Tristezas e alegrias,
Na casa sem teto,
Em um conjunto de afeto.

Permanecer no amor,
Como uma telha de valor,
No cumprimento do Senhor,
Diante da saudação do irmão,
Confraternizando-se ao partir o pão.

48
Uma casa de vidro,
Onde mora a fragilidade;
Tudo se expõe na varanda,
Nada se esconde entre drama,
A vida é o livro a ser lido.

Tudo se vê,
Nada se esconde;
Como quê?
Como a privacidade,
De verdade,
Quero aprender a viver.

A casa sem parede,


Um teatro sem enredo;
Numa cena sem ensaio,
Os personagens num chocalho,
Explanando a vida sem agasalho.

49
O AMOR É A DIGNIDADE DA FÉ

Só o amor sustenta a dignidade da fé,


É a fonte da esperança que deixa o homem em pé;
É o fogo que queima sem sentir dor,
Um verdadeiro amigo cheio de vigor.

O amor na sua inteireza,


Na contemplação revelando a luz;
Retirando o véu no desvelamento do Senhor,
Esvaziando a si mesmo, mostrando a sua face.

No caminho da verdade,
O homem se dirige na bondade;
Abrindo a porta das virtudes,
Dando oportunidades as suas atitudes.

O povo peregrino,
Guiado pelo divino;
Desata os seus nós,
Para enxergar a luz do sol.

Que amor é esse,


Mais forte que a morte;
Que desce até a sepultura?
Revelado na Escritura.

50
O QUASE NADA

O homem é o quase nada,


Um ilhado nas águas dos sonhos;
Decidido a abandonar-se na vocação,
Identificando-se com a sua missão.

O meu nada está cheio do tudo,


Embebido na mística divina;
Reservado nas entranhas do Téo,
Revelado no Mistério do neo.

O Sonho abraça o princípio,


Correndo em busca do prêmio;
Na corrida da fé em milênio,
Realizado no teatro do silêncio.

Eu sou o quase nada,


Amigo na corrida dos sentidos;
Em busca de uma resposta amada,
Revelado num abraço de abandono.

Entre tantos quase nada,


Sou um grão perdido no mar;
Debaixo do infinito do céu,
Na multiplicidade do mundo.

Na compreensão da Trindade,
O Filho é o coração do Pai,
No Espírito da Verdade,
O homem é a réstia da luz.

51
Diante da graça sou o quase nada,
Ouço o chamado da profundidade;
Na voz para conhecer sua morada,
E permanecer na sua intimidade.

O totalmente outro se doa ao quase nada,


Assume na sua imensidão a miséria do coitado;
Abrindo as entranhas para acolher o nômade;
Num abraço de amor estende sua majestade.

52
DIANTE DA CRUZ

Diante da cruz,
No sondar a voz
Só posso escutar,
O grito a ecoar,

Olhando para a cruz,


De braços abertos;
Num fascínio severo,
Sinto-me dentro do mistério.

Ao olhar a cruz,
Vejo o sinal da luz;
Desejo dar um abraço,
Nos pais, irmãos e amigos.

Contemplando a cruz,
Em meio ao devaneio,
Exponho tudo que passei,
Na vida de quem me conduz.

No olhar para a cruz,


Ao sentir minha dor;
Derramando-me em suor,
Em calor ardente de amor.

Um olhar para os lados,


Outro olhar para frente;
É sinal de quem sabe sonhar,
Doando-se em sacrifício do altar.

53
Diante do lenho seco,
Galho estendido sem folhas;
Em livres escolhas,
Na árvore da vida.

54
ENTRE CRUZ E ESPADA

Entre a espada e a cruz,


A sabedoria se refaz;
Em movimento de paz.

Com os braços estendidos,


No lenho, sussurros e gemidos;
Numa busca por alguém.

Entre pedras e espinhos,


No caminho se conduz;
Iluminado com o candeeiro de luz.

Entre a dor e o sacrifício,


Do edifício do amor;
Doando-se ao senhor.

Entre o ódio e o rancor,


Contrapõe-se o perdão;
Dando as mãos em união.

Entre a tristeza e a angústia,


Dispõe-se no palco da alegria;
Em suave misericórdia.

Entre a dúvida e o acerto,


No caminho do gueto;
Entrando no atalho.

Fico entre a espada e a cruz,


Entre o silêncio e a voz,
Exposto no drama da dúvida.

55
Entre o questionamento e o argumento;
Faço um jogo de cintura, criando cultura;
Estabelecendo o testamento da plateia.

Diante das incertezas,


Na correnteza discernida;
Respondendo ao dom da vida.

56
FAZER-SE NOVO

Eis que faço novas todas as coisas,


Trago o passado no presente;
O presente e o passado para o futuro,
O inconsciente ao consciente.

A verdade à chama acessa,


Na sarça ardente que não se apaga;
Queima o tempo todo sem brasa,
Voa para todo lado sem asa.

O fazer-se novo traz tudo no momento,


O fogo o tempo todo identifica a si mesmo,
Renovando as experiências vividas,
Em presentes cheios de vidas.

Fazendo-se novo o espírito,


Do cansaço no embalo;
Na rotina percorrida,
Revivescendo o rosto na ida.

57
A BÍBLIA

A Palavra da inspiração,
Num conjunto de textos;
Revelada na obra da ação,
Sem tom de quaisquer pretextos.

As palavras dos homens,


Profetas e mensageiros;
Anunciam o Rei que vem,
Trazendo uma boa imagem.

A voz da tradição,
No magistério da paixão;
Manifestada na sagrada escritura,
Restabelecendo o coração da criatura.

A Bíblia é a grande biblioteca,


Composta por autores e profetas;
Povos, pastores, reis e apóstolos,
Toda a espera por uma nova seta.

Narradores e copistas,
Evangelistas e cartistas;
Na pista da evangelização,
Transportando a semente do pão.

58
ILHA DO AMOR

Enamorados andando encantados,


De sandálias nas mãos num certo desfilar;
Entre olhares com brilhos magnéticos,
Manifestando-se pelas areias do mar.

Enaltecidos pelo olho da beleza,


Num fascínio gracioso da orla;
Em perplexo nas belas curvas,
Gingando um olhar extasiado.

Em sinfonias ressoa a bela ilha,


Assoviando nos trilhos da vila;
Entre rios, verdes, povos e prados,
Ouvindo as vozes dos serrados.

Na sinfonia do nascimento,
Uma criança rindo no jardim;
Olhando os pássaros nos galhos das flores,
Experienciando o requebrado dos beija-flores.

Dentro de um sorriso aficionado,


Perpetua a alegria do amado;
Ilhado de amor na paisagem da amizade,
Entre os laços da sabedoria-verdade.

De mãos dadas na vida,


Numa elegância bem-vinda;
Sutilmente de um jeito prudente,
Realizados em ilhas convenientes.

59
A ilha, em volta as águas,
Entre o jardim das lágrimas;
Na paixão de uma linda fala,
Por um olhar que não se instala.

Voando sobre o mover das asas,


Impulsionado pela força do ar;
Elevando-se nas colunas de aço,
No seu melhor modo de sambar.

No passeio da ilha do amor,


A grande aventura é o protetor;
Contentando os olhos e a mente,
Num coração aberto e contente.

No habitat da Ilha do amor,


Floresce um palpitar absoluto;
Infundindo o brilho da luz infinita,
Arrastando o homem mergulhado no ser.

Na ilha do amor,
O sonho se revelou;
Concretizou-se em paixão,
Num doce olhar ao estender a mão.

Em ilha sinfônica,
Misturam-se cores e sons;
Vozes e silêncio em todos os tons,
Rios e ventos numa ação sincrônica.

Numa ilha sinônima,


Arranjada no beira-mar;
Compondo a sinfonia do lar,
Em cima do palco no fonfom da sanfona.

60
Grande beleza passeia na ilha,
A natureza cantando na íntegra,
Na passarela, fermentando a vida,
Num fascinante encontro de acolhida.

No reflorescer dos sons e do silêncio,


Entre o universo e o céu em matrimônio;
Em orquestra harmoniosa no campo cultural,
Respingando a sua beleza nas cores do coral.

A face sincrônica do divino,


Escorre nas margens do rio;
Na interioridade do homem,
Infundindo no coração o amém.

Num banho de amor,


Reflete o rosto da ação;
Gotejando compaixão,
A um pobre sofredor.

No ilhado da paz,
Num olhar que refaz,
Respinga lágrimas do coração,
Revelando ao outro uma nova paixão.

Em uma natureza tão bela,


derramada no olhar de uma criança;
Na simplicidade surreal do beija-flor,
Encantado com a dança das flores.

A vida da senhora beleza,


Encontra-se na casa natural;
Composta por um belo enxoval,
Contendo água, plantas, sol e vento.

61
Na ilha memorial,
O homem está no mural;
Refletindo a grande harmonia,
Com que o mundo se extasia.

62
SONHOS

Sonho viver numa ilha encantada,


Ornamentada de paz e de felicidade;
Quero revoar nas nuvens, espalhando liberdade,
No caminho da vida em uma corrida.

Sonhando nos mistérios do mar,


No sorriso de uma criança a se expressar;
Entre o sondar das minhas profundezas.
Relampeja a luz da esperança nas fortalezas.

Voando igualzinho a um pássaro,


De asas erguidas balançando no ar;
Num pomar me ensinando a voar,
No sopro das nuvens entre os sonhos.

Queria tanto realizar meus desejos,


Sem medo de carregar os meus pesos,
Diante de uma conquista brilhante,
Na pele de um nobre gigante.

Esperava correr na estrada,


Dirigindo a minha sonhada;
Profissão de escrever aos corações,
Deparando-me com os elogios e as provações.

No cortejo das rainhas,


Com espadas sem bainhas;
Desfilando no pretório com flores,
Cantando melodias cheias de rumores.

63
Festejando as núpcias do cordeiro,
Entre amigos e vizinhos,
Numa entrada triunfal no santuário,
Com sons de flautas e de cítaras,
Ao degustar os melhores vinhos.

Morando em uma casa de ouro,


Paredes, piso e teto marmorizado,
Dormindo em cama estofada de couro
Relaxado, descansado e encantado.

Sonhos que se escondem na floresta,


Esvoaçando à natureza em festa;
Em gingados e cantoria dos pássaros,
Espalhando elegância em compassos.

64
MISTÉRIOS

Onde se escondem os mistérios,


Nas nuvens ou no magistério?
Em todas as manifestações,
Rebolando o gingado das ações.

O mistério compreende uma porta aberta,


Dirigida a um mundo de quarto fechado,
Com uma sala estreita, sem mesa e sem cadeira,
Forrada com um tapete no formato de esteira.

Em escavação de mistério,
Está a chave do verdadeiro tesouro,
Desnudando um mundo vestido de ouro,
No começo e no fim, num compromisso sério.

Cada conceito apresenta a face do ser,


Sobre a revelação que sinaliza o saber;
Num rosto esculpido de uma chaminé,
Na tocha inapagável do pavio da fé,

A incompreensão é uma janela fechada,


Na companhia da incredulidade armada;
Pelo cadeado enferrujado sem chave,
Proibindo os passantes na cruzada do vale.

No desvendar das entranhas,


Mergulhando nas profundezas;
Encharcado do imprevisível,
Gotejando a mística do invisível.

65
O POVO

O povo pede paz,


Amor e alegria,
Sabedoria para governar.

O povo busca honestidade,


Compromisso e lealdade;
Rumo à sociedade sem desigualdade.

O povo clama por justiça,


Pautada nos direitos e na igualdade;
No caminho da fraternidade sem cobiça.

O povo grita por proteção,


Não aceita dos outros a exclusão,
Deseja a todos um estender a mão.

O povo demonstra fé,


Abraçado nas ramas da cultura;
Exposta num terreno fértil.

O povo canta e dança,


No samba da esperança,
Arrepiando toda a plateia.

O povo chora, ri e implora,


Na luta por melhoras,
Dirigindo súplicas a Nossa Senhora.

66
A ESTÉTICA DA CRUZ

Diante da imagem desfigurada,


Não há beleza entrelaçada;
Nenhuma aparência representada,
Em olhos confusos sem experiência.

O amor divino revela a estética,


Ratificando a glória da cruz,
Manifesta em raios de luz,
Em doce harmonia ao refletir a palavra.

O amor é derramado,
No madeiro, sustenta o belo;
De braços abertos mostra sua majestade,
Uma rocha molhando o verdadeiro cajado.

A relação da paixão,
Revelada na encarnação;
Esvaziando a glória divina,
Redesenhando o coração da vida.

67
O NADIFICAR

O nada brota o “não”,


O seu fruto é a negação;
Do nada não se tira nada,
A não ser uma interrogação.

A matéria nasce do nada,


Tudo vem à tona na obra da criação;
A sua essência surge da boca de quem a criou,
Sua forma se modela na voz do criador.

Tudo depende do nada,


Nada existe do tudo;
Eis a harmonia dos contrários,
Refletindo o problema dos conteúdos.

Eis o grande absurdo,


Tudo nascendo do nada;
Nada vivendo dentro do tudo,
Só existe o nada na compreensão do tudo.

O “não” habita as alturas do “sim”,


O “sim” se abriga nas profundezas do “não”;
Os dois só se dividem na hora da satisfação,
Para aqueles que criam em si uma confusão.

O ser se realiza aniquilando o não-ser,


O não-ser sobrevive escondido no ser;
Como entender esse ser e deixar de ser?
Passando no ser e deixando o seu modo de proceder.

68
Tudo e nada são os pilares da criação,
Em toda a natureza há sempre uma indagação;
Como tudo vem do nada, se o nada é uma negação?
Tudo só é fruto do nada porque não havia matéria antes da
criação.

69
LOUCURA

A essência do amor em loucura,


Derramada em torrente de devaneio,
No lançar-se de uma mãe para defender o filho,
Fazendo o incrível, lançando-se no perigo.

Os efeitos do amor são transformação e conversão,


Já os seus frutos se entendem por perdão e doação,
Dentro do coração que penetra a dor do outro,
Numa atitude heroica, lutando pelo esquecido.

O amor verdadeiro esmaga as trevas,


Na noite escura do efêmero madeiro;
Assumindo as podridões vindas das cavernas,
Da escuridão, sentado no eixo do abandono.

Sem sono, o homem em delírio,


Abraçando a doçura do martírio;
No altar da cruz cantando vitória,
Sincronizado em hino de glória.

Lançar-se no labirinto dos outros,


Doando-se por amor sem retornos,
Com os tornozelos acorrentados,
Bradando o grito de culpa dos pecados.

70
SINAIS

Entre o céu e as nuvens,


Está a morada dos limites;
Em um lindo jardim florado,
E ao seu lado um ouro esfoliado.

No dia em que o pináculo desabou,


O pássaro estendeu suas asas e voou;
Na nuvem escura que um berro estremeceu,
Descendo o subterrâneo do liceu.

No contato das paredes do cenáculo,


Debaixo do teto em frente do tabernáculo;
Contemplando a luz que revigora,
Dizendo à sua mãe que ainda não é a sua hora.

As grandes colunas se estremeceram,


Esvoaçando do grande ninho;
Ensinando aos seus amigos o caminho;
Que os seus raminhos enverdeceram.

Um risco na varanda,
Um miado entre a grama;
Num sorriso extravagante,
Na aparência de um rosto brilhante.

E entre todas as misturas,


Do mundo, as muitas travessuras;
Deixando um esquisito recado,
Numa folha escrita em um embalo.

71
P oemas

7 Prefácio

11 Poeta
13 Erro
14 Criança feliz
15 Uma voz gritante
17 Desfiguração
18 A voz no ecoar
19 A noite é uma criança
21 Outro eco em mim
22 Montanha
28 Fel
29 Linguagens
31 Viagem não descarta memória
33 Educar é ensinar a pensar
35 Dança das letras
37 A barca
38 A colheita
40 Amor em silêncio
41 Razão insólita
43 Refaço-me
45 Uma lágrima
47 A casa sem parede
50 O amor é a dignidade da fé
51 O quase nada
53 Diante da cruz
55 Entre cruz e espada
57 Fazer-se novo
58 A bíblia
59 Ilha do amor
63 Sonhos
65 Mistérios
66 O povo
67 A estética da cruz
68 O nadificar
70 Loucura
71 Sinais
editor responsável
Wellington Souza
produção editorial
Kalyne Vieira
capa
Luyse Costa
projeto gráfico
Editora Trevo
diagramação © Adecir das Chagas Gomes
Editora Trevo © Editora Trevo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

G633i Gomes, Adecir das Chagas.

A Ilha Sinfônica / Adecir das Chagas Gomes. – 1. ed. – São


Paulo : Editora Trevo, 2021.
74 p.; 14x21 cm.

isbn 978 65 58510 06 2

1. Poemas. 2. Poesia Brasileira. 3. Versos.


I. Título. II. Assunto. III. Gomes, Adecir das Chagas.

cdd B869.91
21-30219055 cdu 82-1(81)

Índice para catálogo sistemático


1. Literatura Brasileira: poesia.
2. Literatura: poesia (Brasil).
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8 8846

são paulo.sp

Todos os direitos desta edição reservados à editora trevo


rua delmar soares, 65
são paulo – sp 02635-170

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Esta obra foi composta em adobe caslon e impressa sobre o papel polém bold no outono de 2021

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