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EU POR EU MESMO (ou Uma Carta)

Por Vagner Cardoso

Mais um dia que passa e as expectativas desaparecem enquanto o mundo continua cinza.

Há na tevê um programa, que não presto atenção, e que ouço alguém falar sobre um lampião
aceso numa noite densa. De repente vem lá minha esperança, que há tempos não anda verde,
de uma luz no final do túnel. Mas é só outra expectativa solta em meus pensamentos.

Começo a buscar algumas respostas em meio às coisas que aprendi e que guardo em minha
memória, aprendizados que nunca tive e que apenas sinto, são alguns sentimentos esquecidos
entre os que insistem em permanecer evidentes.

Surpreendo-me com imagens do passado, do presente e alguma ideia de um futuro que se


passa na minha mente, como em um cinema de alta resolução.
Tantas histórias que vivi desde aquele mês de novembro de 1980 quando resolvi sair de casa,
carregando apenas uma muda de roupa, a que eu mais gostava, e o único documento que me
era permitido o acesso, a carteirinha estudantil. Deixei para trás tantas possibilidades e me
lancei em caronas pela BR116 rumo ao desconhecido sul brasileiro. Muitas experiências boas e
outras nem tanto. Sinto pelo sofrimento que causei a quem realmente me amou, minha
querida tia, mas eu tinha a necessidade deste aprendizado por algum motivo que ainda não sei
qual. E as tantas outras histórias que por si só já seria tema de estudo antropológico e que
ficou entre dezembro de 1967 e aquele novembro de 1980.

Sempre tive esta fome de descobrir, de entender, de vivenciar e não sei como explicar, embora
desconfie que seja esta inquietude que tenha me trazido até aqui, até este momento.

Há também alguns sentimentos que não entendi e outros que não conheci, alguns que tenho
certeza não aprendi e outros que invejei.

Que eu lembre agora, já que minha memória não anda tão eficiente como antes, também
nunca fui um bom cristão, sempre participei mais do pecado do que da benção.
Para um bocado de gente eu não fui bom, alguns por vontade declarada e outros por não ter a
capacidade de perceber o quanto era mau. Este talvez seja meu maior defeito.
É verdade que sempre fui orgulhoso demasiadamente e egoísta demais para, antes, admitir
isso.

Agora é noite alta e me pego aqui pensando coisas que jamais tive coragem de dizer a meu
respeito. Talvez seja culpa desta tragicomédia em que me meti ao longo destes anos. Eu tenho
esta capacidade, grudada na pele, de meter os pés pelas mãos tão rápido quanto um piscar de
olhos.

Desejei tanta coisa desde cedo, algumas consegui e outras... Bom, o tempo agora esta mais
que nublado.

Devaneio 1: Porque a vida não é como as novelas, onde o final é sempre lindo apesar de o
começo nunca ser um solilóquio maldito.

Nestes últimos trinta e cinco anos de caminhada tive fases profissionais que me orgulhei, em
ordem temporal, fui lavador de carros, bombeiro em posto de gasolina, aprendi o oficio de
borracheiro e aos treze anos era capaz de desmontar, consertar e montar sozinho pneus de
carretas, segurança de bar, também fui garçom, porteiro de boate, organizador de eventos,
vendedor de cartões com poemas na Rua Treze de Maio, corretor de planos de saúde
promotor de representação turística, atendente em agência de viagens e depois emissor de
passagens nacional e internacional, operador viagens em empresa de turismo, repórter
fotográfico, gerente de marketing e depois gerente comercial em empresa de turismo. Mas
sempre, sempre me achei poeta. Sempre acreditei que era este o meu destino, escrever a alma
do mundo.

Tomei gosto pela poesia aos sete anos, eu lia Drummond e meu coração festava, com Oswald
quase aprendi a sonhar e com Cecilia a vida tinha cor, havia tanto amor naquelas letras escuras
em papel amarelado de livros antigos de biblioteca pública. Quando completei oito anos
ganhei de presente do meu tio, uma velha Olivetti e isto foi justamente quando meu coração
disparava ao ver a menina mais linda da rua e, claro ela era bem mais velha e nem tinha ideia
da minha existência. Lembro-me que assistia a Cabocla com minha tia e em seguida corria para
minha amiga máquina de escrever para elaborar cartas-poemas anônimos que eu iria colocar,
pela manhãzinha, na caixa de correio daquela musa recém-chegada do interior de São Paulo.
Aquela época a trilha sonora da novela era do Nelson Gonçalves e é engraçado como ainda me
lembro da canção.

Devaneio 2: Considerava-me um digno candidato a Academia Brasileira de Letras, com aqueles


textos.

Cheguei a fazer um livro, escrito com caneta esferográfica e que me foi roubado por alguma
menina maluca daquela época de colégio, que se encantou com aqueles inúmeros erros
ortográficos, que ainda me perseguem.

Sempre fui meio maluco, algumas das coisas que eu gostava nos anos noventa eram
singulares, eu trabalhava em uma empresa na Avenida São Luiz e era o auge da moda dos
ternos jaquetão em risca de giz ou os de linho no verão, era obrigado a trabalhar de roupa
social e eu gostava daquele glamour, eu ia todos os dias de metrô para o trabalho com terno
alinhado, camisa bem passada, gravata borboleta combinando com o lenço do paletó, pasta
executiva de couro e sapatos reluzentes. Não me lembro de ninguém mais usando gravata
borboleta naquela época

Nunca tive muita competência com o amor, mas penso que aprendi a escrevê-lo e acho que é
desta maneira que o irei carregar, em forma de poema. Cada relacionamento uma nova musa,
até que surgia algo além do encantamento, da paixão... Ganhei muito mais do que perdi,
quando o assunto é relacionamento. Tive muita sorte, muita mesmo. Conheci mulheres
fantásticas, guerreiras valorosas, amantes incendiárias. Infelizmente nenhuma está aqui agora,
embora eu desconfie que alguma delas gostaria de ter permanecido. E eu me cansei da busca
pela utópica pelo “até que a morte os separe”, algumas pessoas como eu, nunca terão esta
sorte.

Em 1992, no dia do lançamento do meu primeiro livro, tive uma pequena amostra deste que
foi e é meu destino, a solidão. Lá no antigo Bar Paulicéia, uma noite cheia de glória já que era o
lançamento de um livro, do meu livro de poemas, afinal o parto se concluíra e, apesar de haver
ali tanta gente amiga, sorrindo e brindando comigo eu estava só. Assim cheguei e assim fui
embora.

São muitas as coisas que descobri nesta caminhada, como o perfume da tinta da esferográfica
e do papel antigo, como apreciar o cachimbo e o conhaque, o charuto e o uísque, o romance e
o vinho, a noite e a música, a estrada e a motocicleta, e tantas outros pequenos e grandes
prazeres.

A música assim como a poesia sempre ao meu lado, posso mesmo afirmar que a minha vida
tem trilha sonora e da melhor qualidade. Dá época de mameluco o MPB, depois na época de
maluco beleza o rock progressivo, a época punk, a do jazz que ainda ouço muito, a do pop
rock, do indie rock, o blues, as sinfonias, a ópera...

Devaneio 3: a vida passa em segundos, e eu descobri isso muito tarde.

Tive pequenas vitórias, que para mim foram gigantescas, as pessoas que conheci e das risadas
que dei como a compra da minha primeira motocicleta que me defumava com seu motor dois
tempos, todos os dias quando montava e partia rumo ao trabalho ou quando passei na prova
para Repórter Fotográfico do Sindicado dos Jornalistas Profissionais, registro profissional que
tenho e que me orgulho até hoje. Do dia da minha formatura na faculdade, da primeira viagem
internacional que paguei em parcelas por longo tempo.

Eu tive uma vida feliz até aqui e apesar dos dias ruins de fome e de desemprego, da iminência
de não ter onde morar, da distância da família e de não ter construído a minha, não posso
reclamar de absolutamente nada. Estas incertezas formam minhas reticências.

A vida é construída de escolhas e eu fiz as minhas bem ou mal, são minhas. Este momento é
uma escolha que apesar de escrito e compartilhado é só minha.

PS.: Isto que aqui escrevi são memórias que nunca contei a ninguém, que vivi e que resolvi
compartilhar.

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