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UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR

CURSO DE BACHARELADO EM TEOLOGIA

DOUGLAS ANTUNES LISBOA

“APASCENTA AS MINHAS OVELHAS”: A PATERNIDADE


ESPIRITUAL NO MINISTÉRIO PRESBITERAL SECULAR

Salvador
2020
DOUGLAS ANTUNES LISBOA

“APASCENTA AS MINHAS OVELHAS”: A PATERNIDADE


ESPIRITUAL NO MINISTÉRIO PRESBITERAL SECULAR

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Universidade Católica do
Salvador como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em
Teologia.

Orientador: Prof. Dr. José Carlos


Barboza Filho
Coorientador: Pe José Franklin Silveira
Costa

Salvador
2020
AGRADECIMENTOS

No final deste percurso quero deixar a minha gratidão a todos aqueles cujo
contributo foi decisivo para concluir esta monografia.

Agradeço primeiramente a Deus pelo dom da vida, pela vocação e por ter me dado
forças, coragem e ânimo durante toda esta longa caminhada para não desistir diante
das adversidades e parar no meio do caminho, mas que guiado pela Sua santíssima
vontade e querer benevolente, me capacitou para enfrentar com hombridade a todo
e qualquer desafio. É Ele quem começa a obra em nós e também será Ele quem a
concluirá. Sou apenas mais uma de suas ovelhas, Ele, todavia, é o Chefe, Guia e
Mestre, o Pastor do rebanho.

O meu agradecimento dirige-se ao meu orientador, o Prof. José Carlos Barboza


Filho, que me permitiu caminhar sem atropelos para que chegássemos até aqui. Ao
meu coorientador, o Reverendíssimo Pe. José Franklin Silveira Costa, ao qual
agradeço por toda a paciência, disponibilidade, conselhos e correções. À
Universidade Católica do Salvador e aos seus doutores, mestres, professores e
funcionários pelo tempo que crescemos e contribuímos uns para com os outros.

O meu agradecimento estende-se à Profª. Srª. Marize Marques Pitta que, em


amizade, dedicação e oração muito contribuiu com suas correções para que eu
estivesse aqui agora. Ao Chrisler Saúde, pela sua amizade e que, em abnegado
esforço, reviu os textos e com muita presteza fazia algumas sinalizações.

Agradeço à minha Diocese de Teixeira de Freitas/Caravelas, em especial ao Exmo.


Revmo. D. Jailton de Oliveira Lino por toda a paternidade espiritual, acolhida,
amizade e carinho. Por me acompanhar em tantos momentos quando precisei e, na
sua pessoa, agradeço a todo o Clero Diocesano.

Agradeço ao meu formador desde o início do itinerário formativo até aqui, o


Reverendíssimo Pe. Isael Santana, a todos os padres que passaram pela minha
caminhada vocacional, aos padres diretores espirituais e aos responsáveis pelas
paróquias onde fiz estágio pastoral.

Agradeço aos amigos de sempre e aos irmãos do Seminário Maria Mater Ecclesiae
do Brasil, minha primeira casa do início do curso de Teologia e ao Seminário Maior
São João Paulo II, esta onde pude passar com meus irmãos diocesanos os três
últimos anos de intensa fraternidade e companheirismo. Com vocês aprendi o que é
a caridade fraterna que logo a viveremos no presbitério.

E por último, porém não menos importante, agradeço à minha família, em especial
aos meus pais, ao meu avô Francisco (in memoriam) que sempre acreditou que eu
conseguiria, agora, me vê de onde está e por ele faço minha oração pela sua alma.
Aos meus irmãos que muito os amo. A todos que nunca deixaram de acreditar e
foram incentivadores para que esse dia pudesse chegar. Minha gratidão!
À

Santíssima Mãe de Deus e minha, a Bem-Aventurada


Virgem Maria; a minha mãe e avó Flora Andrade, por ser
minha sustentação em todos esses sete anos de estudo e
dedicação; ao meu pai Gil Andrade, exemplo de
paternidade para mim aqui na Terra; aos meus irmãos,
amigos e a todos aqueles que logo em breve poderei
chamá-los filhos espirituais.
Cristo precisa de sacerdotes que sejam
maduros, vigorosos, capazes de cultivar
verdadeira paternidade espiritual.

Bento XVI ( 2010, p. 32)


RESUMO

O presente trabalho tem como finalidade apresentar o papel do presbítero, aquele


que deve seguir o exemplo de Jesus Cristo, o Bom Pastor, e com isso dia após dia
aprender a se compadecer das dores e dos sofrimentos humanos à sua volta. Sendo
assim, o sacerdote, à luz da figura do pastor, é aquele que busca sempre cuidar do
seu rebanho que por vezes sofrem de necessidades físicas ou espirituais. Apresenta
o presbítero como um “Alter Christus” e reafirma a importância de se ter uma vida
totalmente configurada à Cristo. Sendo assim, a paternidade espiritual exercida pelo
ministro ordenado deve ser fruto da rica, intensa e madura relação de afeto com
Nosso Senhor. Dessa forma é possível afirmar que seguir o exemplo do Bom Pastor
deve ser o objetivo de todo presbítero que almeja ser um sinal, uma pessoa
sagrada, um servo para todos, com a finalidade de conduzir o rebanho de acordo
com os mandamentos do verdadeiro Pastor, Jesus Cristo.

Palavras-chave: Bom-Pastor. Ministério. Presbítero. Paternidade Espiritual.


ABSTRACT

This paper aims to present the role of the presbyter, as the one who must follow
Jesus Christ´s example, the Good Shepherd, and learn with this, day by day, to be
compassionate to the sorrows and human suffering around him. So, the priest is,
under the light of the shepherd figure, who seeks to take care of his flock that suffer
physical or spiritual needs. It presents the presbyter like the “Alter Christus”
and reaffirms the importance of having a totaly life configured to Christ. Also, the
spiritual fatherhood lived by the ordained minister must be the fruit of a rich, deep,
and mature relationship of affection to Our Lord. It is possible, then, to affirm that
following the example of the Good Shepherd must be the objective of every presbyter
who aims to be a sign, a sacred person and a servant to all, whose the goal of
leading the herd according to the commandments of the true Shepherd, Jesus Christ.

Keywords: Good Shepherd. Ministry. Presbyter. Spiritual Fatherhood.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

1Cor Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios

1Pd Primeira Carta de São Pedro

At Atos dos Apóstolos

CELAM Conselho Episcopal Latino-Americano

CIgC Catecismo da Igreja Católica

Cl Carta de São Paulo aos Colossenses

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

DAp Documento de Aparecida

DMVP Diretório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros

Ef Carta de São Paulo aos Efésios

Ed Edição

Fl Carta de São Paulo aos Filipenses

Gl Carta de São Paulo aos Gálatas

Hb Carta aos Hebreus

Is Livro do Profeta Isaías

Jo Evangelho de São João

Lc Evangelho de São Lucas

Mt Evangelho de São Mateus

PDV Exortação Pós Sinodal Pastores Dabo Vobis

RFIS Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis

Rm Carta de São Paulo aos Romanos

SD Carta Apostólica Salvifici Doloris

Sl Salmos

Tg Carta de São Tiago


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................10

1 O PRESBÍTERO, AQUELE QUE, À IMAGEM DE CRISTO BOM PASTOR, SE


COMPADECE DAS DORES E DOS SOFRIMENTOS
HUMANOS.................................................................................................................12
1.1 O PRESBÍTERO, UMA PRESENÇA AMOROSA, PATERNA E
SOLIDÁRIA................................................................................................................13

1.2 A MISSÃO DO PRESBÍTERO A PARTIR DA CARTA APOSTÓLICA SALVIFICI


DOLORIS ..................................................................................................................18

1.3 A DINÂMICA DO CUIDADO COMO PARTE ESSENCIAL DO COTIDIANO NO


MINISTÉRIO DE
APASCENTAR...........................................................................................................21

2 UM “ALTER CHRISTUS”: A IMPORTÂNCIA DE SE TER UMA VIDA PAUTADA


NA CONFIGURAÇÃO TOTAL COM
CRISTO......................................................................................................................26

2.1 CRISTO, MODELO DE PATERNIDADE EM TUDO SEMELHANTE AO


PAI..............................................................................................................................26

2.2 O PRESBÍTERO, UM HOMEM EM COMUNHÃO COM DEUS E UM OLHAR À


PROCURA DE
CRISTO................................................................................................................. ....30

3 APASCENTA AS MINHAS OVELHAS: A PATERNIDADE ESPIRITUAL NO


MINISTÉRIO PRESBITERAL SECULAR COMUMENTE CHAMADO
DIOCESANO..............................................................................................................34

3.1 A PATERNIDADE ESPIRITUAL DO PRESBÍTERO À IMAGEM DE CRISTO


BOM PASTOR DIFERENTE DE UM MERO
ASSISTENCIALISMO.................................................................................................34

3.2 O PRESBÍTERO COMO AQUELE QUE COMUNGA DA CARIDADE DE CRISTO


BOM PASTOR............................................................................................................38

CONCLUSÃO............................................................................................................43

REFERÊNCIA............................................................................................................46
10

INTRODUÇÃO

Do sacerdote o que se espera? Que ele seja santo, dirão algumas pessoas.
Outras ainda, que seja um homem que apresente Deus aos outros. Embora, tudo
isso possa ser de fato necessário, é preciso que seja um homem de todo dedicado a
Deus a falar de Deus e a viver a partir Dele. O ministério lhe cobra isso e ainda muito
mais, no entanto, muitos padres deixam passar uma característica importante, senão
uma séria característica própria do ministério presbiteral, depois da santidade, que é
a de ser um pai espiritual para as pessoas.
A escolha do presente tema, que versa sobre a Paternidade Espiritual, como
objeto de estudo deste trabalho, justifica-se por ser uma grande riqueza, porém, que
pouco ou pouquíssimo se vê ou escuta falar. É como se o encontrasse oculto num
vaso de argila onde coubesse ao presbítero descobrir gradualmente no seu
ministério e dar-lhe a cada momento de sua vida o seu devido sentido e significado,
o seu lugar e sua urgente importância que, consequentemente, o acompanhará até
o fim da sua vida. De igual modo, a mesma paternidade do sacerdote se identifica
ao caráter que conduz o ofício do diretor espiritual, daquele sacerdote que
acompanha as pessoas nas horas mais difíceis, como se poderá ver neste trabalho
em seu primeiro capítulo.
Conforme cresce o amor a Deus, paralelamente o sacerdote vai aumentando
também o amor a seus irmãos e irmãs através do ministério que exerce. Assim deve
ser, pois isso é o que as pessoas esperam: que o amor vá crescendo, como de um
pai por seus filhos e filhas, numa relação de verdadeira entrega, de amizade fraterna
e de autêntica paternidade sobrenatural. À medida que o presbítero vai se
configurando a ser um Outro Cristo, Alter Christus, como veremos no segundo
capítulo, ele irá se encontrando inserido na vida de Cristo que também é a sua vida,
portanto.
A cultura pós-modernista, cotidianamente, segue com o propósito de
desacreditar de uma verdadeira relação entre o homem e Deus, buscando reduzir e
repudiar a Igreja pelos erros e os pecados dos homens, pelas misérias humanas. A
maneira que encontrou para fazer isto é atacando os sacerdotes, que, na sua
essência, são homens configurados ao seu sagrado ministério, que embora
possuam suas fraquezas, sejam homens também passíveis de suas fraquezas,
11

agem na pessoa do próprio Cristo Jesus, seja o padre quem ele for, o Cristo age por
meio dele.
O apelo de Bento XVI deve ressoar para cada um de nós como uma grande
valorização do ministério presbiteral e de certo modo, chama a devida atenção a
formação do presbítero. Escreve o papa: “Cristo precisa de sacerdotes que sejam
maduros, vigorosos, capazes de cultivar verdadeira paternidade espiritual. Para que
isso aconteça, servem a honestidade consigo mesmos, a abertura ao diretor
espiritual e a confiança na divina misericórdia. ” (Bento XVI, 2006)
Por isso, cada leitor perceberá seja ele presbítero, seminarista ou apenas um
fiel cristão ou não, que cada etapa desta pesquisa trata-se obviamente de um olhar
sério sobre a excelência do exercício ministerial prestado pelo presbítero a Igreja e
ao povo de Deus, assim como numa teologia ministerial ancorada pelo viés da
espiritualidade presbiteral, sem tampouco se descuidar de um ponto um tanto
quanto importante para a formação dos presbíteros, assim como dos candidatos às
Sagradas Ordens que é a identificação do presbítero à nosso Senhor Jesus Cristo, e
neste trabalho, poderá perceber isso muito claramente quando trata da caridade que
emana de Cristo, de que são homens chamados a apascentar o rebanho do Senhor
como apresenta o terceiro e último capítulo.
Enfim, é Ele quem fala diretamente ao coração dos que foram chamados a ser
pastores de almas e único responsável por fazer de seus candidatos alcançarem o
grau da verdadeira paternidade que está enraizada no ato mesmo de ser pastor,
abrindo espaço, permitindo que pela ordenação presbiteral o padre se torne,
conforme o Cristo, também um bom pastor para apascentar o pequeno rebanho que
lhe é confiado.
12

1 O PRESBÍTERO, AQUELE QUE, À IMAGEM DE CRISTO BOM PASTOR,


SE COMPADECE DAS DORES E DOS SOFRIMENTOS HUMANOS

Convém olhar para o sofrimento que perpassa a vida humana e deixa intensos
sinais, muitas vezes marcados pelo vazio e desolação de um coração que se
encontra um tanto atribulado. É como uma parte integrante da vida do homem sobre
a terra, não existe, certamente, um modo de escapar às suas garras, o que é
possível, sim, é suportá-lo, como soube fazer tão íntimo a Jesus Cristo o apóstolo
São Paulo ao escrever às comunidades cristãs. À vista disso, o papa João Paulo II,
hoje santo da Igreja Católica, ao escrever aos cristãos, no tempo preparatório para o
Ano da Redenção, a sua Carta Apostólica sobre o sentido cristão do sofrimento
humano – Salvifici Doloris - destaca
Trata-se de um tema universal, que acompanha o homem em todos
os quadrantes da longitude e latitude terrestre; que num certo
sentido, coexiste com ele no mundo; e, por isso, exige ser
constantemente retomado [...] aquilo que nós exprimimos com a
palavra „sofrimento‟ parece entender particularmente algo essencial à
natureza humana. É algo tão profundo como o homem, precisamente
porque manifesta, a seu modo, aquela profundidade que é própria do
homem e, a seu modo, a supera. (SD, 1984, n. 2).

Por isso, ao pensar nessas duas existências: homem e sofrimento, elas


tornam-se termos quase que inseparáveis. São múltiplas as facetas com as quais
esse flagelo existencial se apresenta no cotidiano, mostrando que o homem, no
decorrer de sua vida, trilha, de um modo ou de outro, um caminho de dor, de cruz,
de incompreensão, porém sozinho não o poderá suportar, pois logo perece por não
ter onde apoiar-se. O Papa, vendo-se nessa mesma linha, chegará a dizer: “o
sofrimento parece pertencer à transcendência do homem; é um daqueles pontos em
que o homem está, em certo sentido, „destinado‟ a superar-se a si mesmo; e é
chamado de modo misterioso a fazê-lo.” (SD, 1984, n. 2). É esta, pois, para o ser
humano, uma tarefa para ser empreendida ao longo de toda a vida.
Queira ou não, a frase do papa São João Paulo II “o homem está, em certo
sentido, „destinado‟ a superar-se a si mesmo” interpela o ser humano de todos os
tempos a buscar a si mesmo e inquieta-o profundamente. Trata-se de uma realidade
que, em certa altura da vida, estará face a face com o ser humano. Todos irão
passar ou já passaram por isto em algum momento, mas, de fato, pode-se dizer que
o sofrer humano é quase inseparável da existência terrena do homem.
13

1.1 O PRESBÍTERO, UMA PRESENÇA AMOROSA, PATERNA E SOLIDÁRIA


A perspectiva dessa reflexão faz com que se perceba uma grande necessidade
de um alguém que seja capaz de ir até o outro, ou seja, ir aos perdidos, aos feridos,
desconsolados, àqueles que sofrem imersos num oceano de sentimentos negativos;
que já não se amam e não se permitem ser amados; que acreditam viver somente
para sofrer; que só pensam e falam em morte, senão até na própria morte como
solução e remédio para suas dores. Estes são homens e mulheres que já não
conseguem mais perceber o valor e o dom de suas vidas, que, em meio aos
fracassos, não são mais capazes de sozinhos se reerguerem do chão, são pessoas,
muitas vezes frustradas, que se veem derrotadas, prisioneiras de uma profunda
angústia, que vivem atribuladas em todo tempo, e, não obstante a tudo isto, sentem
o desejo de dar um desfecho à própria vida. Uma descrição um tanto triste e que
pode até se comparar à realidade de inúmeros homens e mulheres, idosos, e tantos
jovens que, ainda hoje, quando não neste momento, podem estar com as mãos
como que em súplica, na expectativa de alguém que possa socorrê-las ou segurá-
las numa hora dura e cruel ou até mesmo crucial da vida: a hora da morte.
Assim, desde a Tradição recebida dos Apóstolos, consolar os aflitos é
primordial atitude de um cristão, é uma obra de misericórdia deixada por Jesus. Mas,
de uma forma muito particular, como se vê descrito na carta de São Tiago 1, a Igreja
já orientava outra singular prática, a saber, a de rezar pelos doentes. Era preciso
que, para que o enfermo pudesse recobrar a saúde, retornar à vitalidade corporal,
erguer-se de suas enfermidades e sofrimentos, necessitasse de que o presbítero lhe
impusesse as mãos e orasse, prosseguido da unção, que, baseada na Sagrada
Escritura, como descreve o autor sagrado, chamou-se de Unção dos Enfermos.
A Unção dos Enfermos é o sacramento da compaixão, e que associa à paixão
e à morte de Cristo os sofrimentos do ser humano, sejam eles espirituais ou
corporais. É um reconforto, um bálsamo para os que se encontram curvados ao
peso de seus sofrimentos. O presbítero, então, surge como ministro e o transmissor
dessa benção, pois será ele quem fará a unção do enfermo, quem será uma ponte
entre Deus e o homem, afinal, o é para isto, como vemos: ser pontífice de Deus
entre os homens2 como apresenta o autor sagrado do livro dos Hebreus.

1
Cf. Tg 5, 14-15.
2
Cf. Hb 5, 1.
14

O que faz que seja tão importante a função do padre? O santo patrono dos
padres, São João Batista Maria Vianney, muito mais conhecido por Santo Cura
d‟Ars, pároco por toda a vida no pequeno vilarejo de Ars, no interior da França, tinha
o costume de expressar o seu amor ao próprio sacerdócio que exercia e a grande
importância da pessoa do padre quando de forma eloquente dizia,
Se não tivéssemos o sacramento da Ordem, não teríamos Nosso
Senhor. Quem o colocou no tabernáculo? O padre. Quem foi que
recebeu nossa alma à entrada da vida? O padre. Quem a alimenta
para lhe dar força de fazer sua peregrinação? O padre.
Quem a preparará para comparecer perante Deus, lavando a alma
pela última vez no sangue de Jesus Cristo? O padre, sempre o
padre. E se alma vier a morrer, quem a ressuscitará, quem lhe dará a
calma e a paz? Ainda o padre.
O Sacerdote não é para si, mas para vós. (CURA D‟ARS, 1859)

Partindo do pensamento do Cura d‟Ars, fica clara a grandeza da importância do


ministério presbiteral, este que o padre exerce segundo a vontade do Cristo. É ele
quem irá impor as mãos sobre os agonizantes e suplicará à infinita Misericórdia para
recobrar a saúde ao enfermo. É o padre quem irá preparar a alma do fiel para
comparecer diante da visão beatífica do Pai no fim de sua vida terrena. É, pois, o
padre quem recebe a nova vida renascida através das águas do santo batismo.
Talvez aos presbíteros não seja tão claro poder perceber que a compaixão do
sacerdote para com os doentes é um sinal evidente de que é o próprio Deus mesmo
quem se compadece do sofrimento, tal como se viu Jesus nos relatos dos
evangelhos sentir compaixão da multidão, de cegos, de coxos, de mudos e de
mortos. Quando se percebe o teor dessa riqueza que expressa o autor sagrado,
perceberemos assim, o que é realmente ser padre nessas difíceis horas.
Extraído da Carta aos Hebreus lemos,
De fato, todo sumo sacerdote3 é tomado do meio do povo e
representa o povo nas suas relações com Deus, para oferecer dons
e sacrifícios pelos pecados. Ele é capaz de ter compaixão dos que
estão na ignorância e no erro, pois ele mesmo está cercado de
fraquezas. Por isso, deve oferecer, tanto em favor de si mesmo como
do povo, sacrifícios pelos pecados. Ninguém deve atribuir-se esta

3
No Antigo Testamento, o sumo-sacerdote era o ministro de mais alto cargo que podia fazer a oferta
do sacrifício e as imolações de animais como oferenda a Deus. O antigo sacerdócio, portanto,
encontra em Cristo o seu pleno cumprimento. O sacerdote “hiereus” que é Cristo descrito na Carta
aos Hebreus passa a “archiereus”, sumo sacerdote, a partir de Cristo o sacerdócio assume uma nova
configuração, é capaz de uma relação com Deus, digno de fé, é misericordioso, somente ele pode
oferecer um sacrifício perfeito. Deixado para trás os esquemas antigos, se abre profundamente a uma
riqueza do mistério de Cristo, observa-se uma plenitude de sentido do sacerdócio e a sua nova
concepção sacerdotal que culmina na ação e na vida sacerdotal de Cristo.
15

honra, senão aquele que foi chamado por Deus, como Aarão. (Hb 5,
1-5)

O padre é pois uma presença amorosa e paterna da infinita misericórdia de


Deus que toca a alma do ser humano no seu mais íntimo quando esta, marcada por
debilidades, acha-se que não possui mais jeito e então se depara com a diligência
de um homem, um que foi tirado dentre a comunidade, um homem que possui
fraquezas e limitações, que tornou-se um consagrado, um escolhido por Deus para
ter compaixão de todos aqueles que sofrem e se encontram excluídos e esquecidos
à margem da sociedade. Esse canal por onde tramita a misericórdia divina converte-
se no ombro em que os fiéis podem apoiar, em cima do qual se pode chorar, torna-
se, nesse momento, perdão, descanso, alívio, torna-se pai acolhedor, torna-se
sacerdote misericordioso que se converte no próprio Cristo Pastor.
Atualmente, não raro, muitos dos sofrimentos e das enfermidades da vida
humana fazem com que o enfermo se veja necessitado de Deus e disposto a um
retorno a Ele, pois parece reconhecer que somente Deus o poderá, de fato, curá-lo e
reconfortá-lo. O padre distingue-se claramente de um profissional da saúde, de um
médico ou um enfermeiro. Enquanto o médico se vê preocupado em sua função de
curar a matéria humana4, isto é, o corpo fragilizado pela enfermidade e debilitado do
enfermo, o padre, pelo contrário, vê-se com a responsabilidade de implorar a Deus
que possa conceder a quem sofre o retorno da saúde, de suas forças corporais,
porém, não o faz somente para o corpo fragilizado e marcado por dores, mas
também o faz, decerto, para a cura da alma.
Pois bem, é preciso que se entenda que não é pela vontade do padre, mas a
de Deus mesmo, se assim convier à salvação do enfermo, que poderá alcançar a
cura e restabelecer a saúde. O sacerdote pede ao Bom Deus e espera que Ele no
seu tempo aja como lhe convém. A graça do sacramento da Unção dos Enfermos,
para isto, se vê de forma particular como um dom confortante do próprio Espírito
Santo, o Divino Consolador conforme dirá o Catecismo da Igreja,

O principal dom deste sacramento é uma graça de reconforto, de paz


e de coragem para vencer as dificuldades próprias do estado de

4
Não é pretensão nossa apresentar uma superioridade do corpo sobre a alma e vice-versa. O que
pretendemos fazer é tão somente mostrar que um corpo fragilizado, é, de certo, como ensina a
Antropologia Teológica, uma realidade que está em unidade com o princípio vital, a alma. Não há
inferioridade nem muito menos superioridade de um princípio pelo outro, como ensinou alguns
filósofos. O ser humano é uma unidade não-monista e uma dualidade não-dualista. É uma unidade
dual um ser constituído por princípios distintos.
16

enfermidade grave ou da fragilidade da velhice. Esta graça é um dom


do Espírito Santo que renova a confiança e a fé em Deus e fortalece
contra as tentações do maligno, tentação de desânimo e de angústia
diante da morte. Esta assistência do Senhor pela força de seu
Espírito quer levar o enfermo à cura da alma, mas também à do
corpo, se for esta a vontade de Deus. (CIgC, 2000, n. 1520).

O padre, a exemplo de Cristo, deve ser esse pastor que sente compaixão das
dores de um e de outro, e por isso se aproxima para tratá-las, tocá-las, por fim, para
fazer com que cada pessoa possa, de fato, experimentar a cura das suas
enfermidades. É parte crucial da vida do padre a entrega de si, doar-se por inteiro
em corresponder com amor ao seu ministério para que dessa forma possa mostrar
zelo pelas pessoas que lhes foram confiadas, e, quando uma pessoa que encontra-
se sofrendo o for procurar, ele é chamado a se lembrar que o seu sacerdócio não é
para si, senão para aqueles que mais precisam, como diria o Santo Cura d‟Ars.
Cristo, ao se comover com o sofrimento da humanidade, não apenas se
permitiu ser tocado pelos enfermos, mas ele mesmo quis se tornar um na sua
própria carne. O Filho de Deus, ao assumir a condição humana a assumiu em tudo,
exceto no pecado. Todas as nossas misérias ele as levou em sua cruz, como
noutros tempos escreveu o profeta Isaías, fazendo já uma prefiguração do
sofrimento do Filho de Deus, que passaria por uma morte ignominiosa, cruel,
dolorosa ao seu extremo, pela vergonhosa e sofrida morte de cruz. 5
É mediante os sacramentos que Cristo continua a tocar as enfermidades do
homem6 e permanece sempre atento a ouvir os lamentos do seu povo sofredor para
curá-lo quando este o invoca. 7 Ora, não é também mediante o sacerdote que Cristo
está e continua sendo mais uma e outra vez aquele mesmo Bom Pastor, que
permanece agindo compassivo, misericordioso, solidário para com os que sofrem?
“Dar-se é sacrificar-se pelos outros” exclama Dom Rafael Llano Cifuente (2009, p.
219), e o sacerdote atento a esta recomendação do bispo é chamado a fazê-lo e sê-
lo assim de modo constante.
O sofrimento, de fato, é sempre um mistério que coexiste na vida humana.
Todavia, é preciso vivê-lo tendo os olhos fixos em Nosso Senhor e no mistério
Pascal da sua Cruz e sua Ressurreição. O Apóstolo já nos consola quando em certa
altura de seu apostolado exclamou não buscar viver se gloriando nas coisas deste

5
Cf. Is 53, 4.
6
Cf. CIgC, 1504.
7
Cf. Sl 30, 2.
17

mundo passageiro, mas sim, gloriar-se somente da cruz de nosso Senhor, Jesus
Cristo (Cf. Gl 6, 14). Distanciá-lo da Cruz deve fazê-lo ainda mais doloroso. O padre,
ao ter contato com um enfermo, apresenta a fraqueza corporal daquela pessoa à
graça restauradora e misericordiosa de Cristo, e observa tudo isto com um coração
de pai, agindo com caridade e na caridade, não assustando a pessoa que se
encontra enferma, mas a exortando a viver esse tempo buscando se confiar
inteiramente aos cuidados de Deus.
A Ressurreição de Cristo revelou ao homem a glória que estará para sempre
contida no seu próprio sofrimento que se realizou em sua cruz. 8 É isto para a Igreja e
seus presbíteros como a expressão da sua grandeza espiritual, isto é, como uma
fonte donde continuamente verte todo sentido do incomparável amor de Cristo, Filho
de Deus, pelos homens que teve como ápice dar a própria vida em prol de todos.
O papa São João Paulo II, pensando nas diversas formas como o sofrimento
pode penetrar na vida humana, mostra ao homem contemporâneo, em sua Carta
Apostólica, o exemplo do Apóstolo dos gentios, que de nada adianta sofrer se não
for para participar da vida em Cristo.9 Todavia, a participação nos sofrimentos de
Cristo só se dá, de fato, ao passo que o próprio Senhor a possibilitar, isto é, permitir
ao homem de experimentá-lo. Assim, diz-nos, com palavras vivas o Santo Apóstolo
que sentiu no seu próprio corpo os sofrimentos do Senhor “Com Cristo estou
cravado na Cruz; e já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim.” 10
À luz destas palavras, a Salvifici Doloris, quer, precisamente, que o ser humano
perceba como deve relacionar, ou melhor, como conformar a sua vida e seus
sofrimentos aos de Cristo crucificado para que seja capaz de apontar a direção certa
aos muitos que estão desorientados em seus sofrimentos.
Enfim, as palavras do Santo Padre acerca do sentido do sofrimento humano,
desperta-nos, a perceber que o presbítero é sim aquela pessoa que à imagem do
Bom Pastor se compadece das dores e dos sofrimentos humanos nas suas múltiplas
facetas. Desta noção surge-nos agora uma seguinte questão: qual é afinal a missão
do presbítero após tomar conhecimento da importante Carta Apostólica e que
ensinamentos se poderá obter a partir dela?

8
Cf. SD, 22.
9
Cf. Cl 1, 24.
10
Cf. Gl 2, 19-20.
18

Buscaremos, portanto, prosseguir na subsequente reflexão quanto à missão do


presbítero, fazendo com que as ideias apresentadas pelo Papa sirvam para fazer
enxergar a importante missão do sacerdote como aquela que está constantemente
designada a conduzir o rebanho de Deus, sobretudo, quando se trata desta função
de operar a conformação da vida do homem à cruz de Cristo, de fazer o ser humano
se redirecionar ao significado real de seus sofrimentos, mas sob ulterior olhar. Tendo
esta compreensão, se poderá superar toda a dor tendo em vista a consolação que
nos virá do Senhor tão somente, e de sua ressurreição gloriosa que nos trouxe à
nova vida com Ele.

1.2 A MISSÃO DO PRESBÍTERO A PARTIR DA CARTA APOSTÓLICA


SALVIFICI DOLORIS
A missão do presbítero é ininterruptamente marcada de cruz e pela cruz, pois,
sendo também ele, um homem crucificado com Cristo, por Cristo e em Cristo, deve
suportar os muitos e aparentes sofrimentos que lhe surgirem ao longo do caminho.
Para o padre, como também para todo o povo de Deus, torna-se um grande consolo
as palavras do Romano Pontífice, o Papa João Paulo II, quando, ao falar da
participação dos sofrimentos na Santíssima Cruz do Senhor, lembra-nos:
Se um homem se torna participante dos sofrimentos de Cristo, isso
acontece porque Cristo abriu o seu sofrimento ao homem, porque ele
próprio, no seu sofrimento redentor, se tornou, num certo sentido,
participante de todos os sofrimentos humanos. (SD, 1984, n. 20)

É o padre quem deverá ser misericordioso com os seus fiéis e todos os que
lhe procurarem quando tudo parecer “calvário” e eles, com suas dificuldades já não
forem mais capazes de conduzir sozinhos a própria cruz no seu caminho diário. Não
será possível ao padre encontrar uma resposta válida para o problema do sentido do
sofrimento quando lhe fizerem este questionamento cruel, senão tendo presente a
vida de Jesus e todo o seu sofrimento. Quanto a isto, nota-se que a Carta Apostólica
já referenciada é e deve ser, para o padre, como um livro de sua cabeceira, a dirigir
seus pensamentos e sua vida no ministério da caridade e do serviço para com
outrem, de forma que saiba ser compassivo e misericordioso como o bondoso e
terno Pastor, modelo para todo sacerdote: Jesus Cristo, nosso Senhor.
O Papa, mostrando-se conhecedor da temática, apresenta reflexões
riquíssimas que são úteis para gerar maior consciência acerca do sentido do
sofrimento humano e deste profundo mistério, que é, e que se mostra
19

particularmente, impenetrável ao homem mesmo. Embora se faça grandes reflexões,


tratados acerca do sofrimento, jamais o poderemos esgotá-lo em seu significado, é
antes, preciso, que nos debrucemos sobre esta realidade que une amor e sofrimento
para se compreender tamanho mistério que envolve a nossa salvação e de que se
trata, de fato.
A Cruz de Cristo projeta a luz salvífica de um modo assim tão
penetrante sobre a vida do homem e, em particular, sobre o seu
sofrimento, porque, mediante a fé, chega até ele juntamente com a
Ressurreição: o mistério da paixão está contido no mistério pascal.
As testemunhas da paixão de Cristo, são, ao mesmo tempo,
testemunhas da sua Ressurreição. (SD, 1984, n. 21)

É somente sob a ótica do inseparável amor de Cristo, amor este, que é capaz
de superar todo e qualquer obstáculo, que poder-se-à exclamar segundo o Apóstolo,
na certeza de que nada obstaculiza no relacionamento daquele que
verdadeiramente ama o Senhor, e, pode, assim, enfrentar tudo o que vier, conforme
se lê em suas expressivas palavras:
Quem nos separará do amor de Cristo? Tribulação, angústia,
perseguição, fome, nudez, perigo, espada? Com efeito, está escrito:
„Por tua causa somos entregues à morte, o dia todo; fomos
considerados como ovelhas de matadouro‟.
Em tudo isso, porém, somos mais que vencedores, graças àquele
que nos amou. Tenho certeza de que nem a morte, nem a vida, nem
anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as
potestades, nem a altura, nem a profundeza, nem outra criatura
qualquer será capaz de nos separar do amor de Deus, que está em
Cristo Jesus, nosso Senhor. (Rm 8, 35-39).

Por isso, que tão somente no amor do padre em Jesus Cristo que se poderá
encontrar a força necessária para suportar com a caridade os sofrimentos tais como
se apresentam hoje à vida humana. Porém, não será em qualquer amor, mas tão
exclusivamente no amor oblativo do Deus que se encarnou feito homem e que se
fez sacrifício pela humanidade é que então Nele encontraremos essa força. Este
mesmo amor que se encontra escondido através das dores e dos sofrimentos do
homem, é unido, mais uma vez, aos do Senhor e da sua Cruz, e que se encontra,
portanto, de forma suprema no doloroso calvário dos acontecimentos diários e
corriqueiros, cujo sacerdote, muitas vezes, é o responsável por conduzir o ser
humano neste pesado caminho.
Outrossim, a missão do padre parece-nos, aqui, ser a de conduzir os seus
filhos espirituais, os seus paroquianos, rumo à verdadeira contemplação dos
sofrimentos e da Cruz do Senhor, buscando essa assimilação em conformá-los à ela
20

de forma total e plena. Indispensáveis a este caminho no qual fazemos nossa


reflexão são as palavras já quase últimas da carta do Papa:
O sofrimento está presente no mundo para desencadear o amor,
para fazer nascer obras de amor para com o próximo, para
transformar toda a civilização humana na “civilização do amor”. Com
este amor é que o significado salvífico do sofrimento se realiza
totalmente e atinge a sua dimensão definitiva. [...] (SD, 1984, 30).

São inúmeras as ocasiões em que vemos o Cristo agindo no sacerdote, em


favor do próximo, e mostrando o seu cuidado de pastor, por exemplo, quando unido
ao altar, celebra os divinos mistérios da Eucaristia, ao estar na igreja, atendendo
confissão, aconselhando uma pessoa, ou, até mesmo, nos momentos em que é
chamado para conferir a Unção dos Enfermos ou numa bênção especial, ou, ainda,
para fazer a celebração exequial da alma de um fiel. Ali, então, o vemos não mais
como um homem simples de uma função trivial, mas enxergamos através dele tal
qual o próprio Jesus, cuidando de suas ovelhas, ouvindo e tocando com o coração a
cada coração as misérias e as fraquezas dos homens, lhes consolando em seus
sofrimentos, ensinando-lhes o verdadeiro caminho para seguir a vontade de Deus.
Conscientes disto, notamos a expressão do cuidado presente em cada gesto
sacerdotal.
Em suma, o padre estará, de modo orgânico e indissolúvel, sendo sempre um
alter Christus (outro Cristo) e nisto se concatena a verdadeira missão do sacerdote,
pois só a partir dela se compreende todo o seu agir, e é todavia nesta ideia que está
assentada a sua legítima razão de existir: ser para todo cristão um outro Cristo.
É ele quem vai ao encontro dos necessitados e dos sofrimentos dos outros
para lhes oferecer seu amor e misericórdia e, quando abraçar o que sofre, perceberá
ainda de forma mais palpável e autêntica as palavras do Cristo Sofredor que lhe dirá
“a mim o fizestes”11. O padre é um homem, não há dúvidas disso. Mas é preciso que
se tenha consciência de que ele é um pastor, um homem e pastor que se dá pelo
rebanho. Um ser que tem como missão fazer tudo de si pelos outros. Por fim,
conclui o Papa
Estas palavras sobre o amor, sobre os atos de caridade relacionados
com o sofrimento humano, permitem-nos descobrir, uma vez mais,
por detrás de todos os sofrimentos humanos, o próprio sofrimento
redentor de Cristo. O mesmo Cristo diz: “a mim o fizestes”. É ele
próprio quem, em cada um, experimenta o amor; é ele próprio quem
recebe ajuda, quando ela é prestada a quem quer que sofra, sem

11
Cf. Mt 25.
21

exceção. [...] todos os que sofrem foram chamados, de uma vez para
sempre, a tornarem-se participantes “dos sofrimentos de Cristo”12.
Cristo ensinou o homem a fazer o bem com o sofrimento, e ao
mesmo tempo, a fazer o bem a quem sofre. Sobre este duplo
aspecto, revelou cabalmente o sentido do sofrimento. (SD, 1984, n.
30)

A demonstração do cuidado pelas almas, é de forma muito clara, a excelência


do serviço sacerdotal. Essa tarefa, vai permeando a vida do ministro ao ponto dele
se perceber vivendo não mais para outra coisa, senão para cuidar e zelar das almas.
Esta prática tão exigida a partir do próprio Jesus, faz-nos refletir sobre o cuidado
pastoral quando se lê no Evangelho de São Marcos “Jesus, ao desembarcar, viu
uma grande multidão e encheu-se de compaixão por eles, porque eram como
ovelhas sem pastor; e começou a ensinar-lhes muitas coisas” (Mc 6, 34).
Por isso, a seguir, buscaremos trazer à compreensão a práxis do cuidado como
parte essencial na vida e no ministério daquele que se fez pastor de almas e que
justamente por elas deve zelar com muita atenção e dedicação. É na forma como o
presbítero expressa o seu zelo pastoral que se perceberá a importância que o
mesmo dá às almas que lhes foram confiadas mediante sua configuração ao Cristo,
Bom Pastor.

1.3 A DINÂMICA DO CUIDADO COMO PARTE ESSENCIAL DO COTIDIANO


NO MINISTÉRIO DE APASCENTAR
Uma passagem bíblica que poderá contribuir com essa posterior reflexão
acerca do cuidado se encontra, não somente na tão conhecida parábola do Bom
Pastor, narrada em João capítulo 10, mas, do mesmo modo, encontra-se numa
similar noção a partir do apóstolo São Pedro
Apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado, cuidando dele,
não por coação, mas de livre vontade, como Deus o quer, nem por
torpe ganância, mas por devoção, nem como senhores daqueles que
vos couberam por sorte, mas antes, como modelo do rebanho. (1Pd
5, 2)

O presbítero, à luz da figura do pastor, é aquele que busca sempre cuidar das
ovelhas do seu rebanho e que vai ao encontro daquelas que sofrem seja de uma
necessidade física ou espiritual para lhes dar atenção necessária.
É esse mesmo exemplo de Cristo para com seu rebanho que deverá, de igual
modo, pautar o ministério sacerdotal exercido pelo presbítero em favor dos homens.

12
Cf. Cl 1, 24.
22

O padre é, também, chamado a dar a vida, se preciso for, por uma ou por todas as
almas que lhe forem confiadas. É sua obrigação de pastor conhecê-las, reunir
aquelas que se dispersaram, chamá-las pelo nome e apascentá-las novamente ao
seu redio. Por essa razão, muitas vezes será preciso ir à procura das que se
perderam e não conseguem mais retornar sozinhas, das que estão cansadas, que
se entregaram ao desânimo e que precisam do cuidado e da atenção do pastor.
Cuidar de almas deve significar, para o padre, o imperativo do Apóstolo: “Para
todos eu me fiz tudo, para certamente salvar alguns” (1 Cor 9, 22). Mas isso não faz
qualquer espécie de pastor, senão aquele que o faz dando-se por amor, por uma
total entrega, que o faz com o próprio ser sem medir as próprias consequências. O
pastor de ovelhas que sabe dar a vida por elas, como fez nosso Senhor ao afirmar
“Eu dou minha vida pelas ovelhas” (Jo 10, 15) é figura real de Cristo que na cruz deu
a vida pelo seu povo, que se entregou pelo próximo como uma vítima a fim de lograr
a liberdade aos que se encontravam oprimidos pelo jugo pesado do pecado.
O papa Bento XVI, emérito como Pontífice Romano desde o ano dois mil e
treze e que possui belíssimos, profundos e teológicos escritos a respeito do
sacerdócio, expressa, de forma um tanto significativa, a seriedade da entrega e da
missão do presbítero, que nos revela a centralidade do cuidado pastoral:
Se eu anuncio o Evangelho, não é para mim motivo de glória, é antes
uma obrigação [...]: ai de mim se eu não evangelizar!... De fato,
embora livre em relação a todos, fiz-me servo de todos, para ganhar
o maior número [...]. Fiz-me tudo para todos, para salvar alguns a
qualquer custo” (1Cor 9,16-22). Estas palavras, que são o
autorretrato do apóstolo, dão-nos também o retrato de cada
sacerdote. Este “fazer-se tudo para todos” exprime-se na
proximidade cotidiana, na atenção prestada a cada pessoa e [cada]
família. (BENTO XVI. 2010, p. 52)

Deve-se reconhecer que cada sacerdote é chamado a prolongar a presença


de Cristo e ser em toda a sua vida tal como a imagem do Bom Pastor. Que tenha
uma vida transparente no meio das pessoas de seu cotidiano para que esse
“autorretrato” do sacerdócio não seja banalizado pelas pessoas e até por ele
mesmo. Porém, que seja valorizado e santificado em toda sua realidade. Que seja
solícito em seus afazeres, para que, em tudo quanto realizar, possa transparecer o
próprio Senhor em suas palavras e ações, em busca da edificação da Igreja em
nome e na pessoa de Jesus, realizando, como já visto, a imagem de um Outro
Cristo.
23

O cuidado para com as almas é a grande e cara responsabilidade do padre,


pois, receber esta incumbência de supervisionar e gerir o rebanho de Deus
apascentando com solicitude e amor as pessoas que lhes foram confiadas é, desde
já, prepará-las única e somente para uma meta: a do retorno à casa do Pai. Os
presbíteros protegem, com a própria vida, o seu rebanho, sua paróquia, seus
paroquianos, ainda que eles não sejam seus, e sim do Cristo que lhes confiou esta
missão. É preciso, portanto, estar preparado para esta árdua missão.
Não obstante, percebemos que é preciso estar atento às artimanhas
enganadoras e sedutoras dos falsos profetas dos tempos atuais, dos mercenários
que hoje, no mundo contemporâneo, ainda fazem tanto mal às pessoas de boa fé,
que são induzidas ao erro mediante os interesses pessoais, individualistas e
excludentes de outrem, e, que vão de encontro aos princípios da vocação
sacerdotal.
Quanto mais zeloso o sacerdote for no seu ministério, quando, tratar-se do
cuidado pastoral, mais fiéis irá atrair para Cristo. Na verdade, Cristo, que está
refletido no pobre sacerdote, é quem começa, então, a atrair as almas para Si.
Semelhante aplicação vemos quando Jesus, ao anunciar a sua entrega definitiva na
cruz aos seus apóstolos, disse-lhes: “assim que for elevado da Terra, atrairei todos
os homens para Mim” (Jo 12, 32). O sacerdote é continuador dessa expressão
utilizada pelo Senhor, “atrair” e o faz sempre que em Seu nome realizar a sua função
sacerdotal.
Esta atração operada pelo Cristo revela muitas almas, muitos corações,
segundo o arcebispo Fulton J. Sheen, em O Sacerdote não se pertence,
Quantas almas dizem desse grande exército de santos sacerdotes:
“Ele me mostrou meu coração”, ou “Ele me mostrou a beleza de
Cristo”, ou “Foi como conversar com Nosso Senhor”. Para o
sacerdote, não é possível, ao mesmo tempo, ser esperto e mostrar
que Nosso Senhor tem o poder de salvar. [...] O sacerdote sempre
dirige os outros à sombra da Cruz e à luz do Espírito. (SHEEN,
Fulton. 2020, p. 220).

Além do mais, persistindo nesta nossa reflexão, perceberemos como são


verdadeiras e profundas as palavras do Cardeal Francis Arinze, antigo prefeito da
Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, que, ao refletir
sobre o zelo pastoral do sacerdote nos dirá:
Falando de zelo no ministério sacerdotal, merece destacar de modo
todo especial a tarefa de administrar o sacramento da reconciliação.
O sacramento da misericórdia de Deus é uma grande consolação
24

para nós pecadores. Ele nos oferece a oportunidade de uma


segunda conversão após o batismo; traz ao pecador paz, libertação e
reconciliação. E nos dá a força para continuarmos a batalha da vida
cristã e para não nos entregarmos ante nossas fraquezas e erros,
ainda que não sejam pecados mortais. Para muitos fiéis leigos, é
quase a única oportunidade de encontrar um sacerdote para uma
conversa pessoal e de receber não apenas a absolvição, mas
também um conselho e uma direção espiritual. (ARINZE, Francis.
2012, p. 60)

A dinâmica do cuidado no ministério, que o presbítero realiza enquanto alguém


responsável por apascentar um rebanho, torna-se sensível e real quando observado,
segundo o Cardeal, alguns destaques que podem fazer a diferença no cotidiano do
sacerdote
Que tipo de catequese o sacerdote oferece ao seu povo, sobretudo
aos domingos, ou antes do Rosário e da Bênção Eucarística? Será
que as homilias bebem na fonte a riqueza da palavra de Deus, da
liturgia, de uma sólida teologia, ao invés de degenerar em exame
sociológico ou até mesmo em puras hipóteses teológicas? Nutre o
povo também através de programas televisivos e radiofônicos, de
acordo com as possibilidades locais de que dispõe? Que passos tem
dado para enriquecer os fiéis mediante o conhecimento dos
documentos do papa? É o sacerdote um conselheiro espiritual
confiável para quem deve enfrentar escolhas difíceis? Sai à procura
de ovelhas perdidas e mostra alegria quando retornam, sem reprova-
las e fazê-las cair em desgraça? Que aproximação mantém com os
cristãos que não estão em plena comunhão com Roma? E com os
seguidores de outras religiões, os indiferentes, os secularizados ou
com os ateus declarados? Será que o sacerdote esquece o próprio
dever de se aproximar deles, em nome de Cristo, pelo menos
mostrando respeito, abertura para o diálogo e desejo de maior
partilha, quando vê disponibilidade na liberdade? E com os
familiares, os colegas, as associações e as comunidades que sofrem
relacionamentos tensos: considera como ministério seu tornar-se
para eles, nas mãos de Cristo, instrumento de diálogo, reconciliação,
perdão e paz? (Ibidem, p. 58)

Decerto, a dinâmica do cuidado, do amor e do zelo pastoral pelos fiéis é já o


verdadeiro reflexo daquilo que o padre pode ter de mais valioso em sua vida: Jesus
Cristo. Como bem apresenta o papa João Paulo II, “Sendo Jesus Cristo, cabeça e
pastor da comunidade, o presbítero deve refletir em si mesmo, na medida do
possível, aquela perfeição humana que brilha no Filho de Deus feito homem.” (PDV.
1992, n. 43). A ação de apascentar é estreitamente ligada a ação ministerial fruto da
configuração com Cristo.
Cristo confiou sua obra de salvação a homens. Cada sacerdote é responsável,
portanto, pela porção do Povo de Deus a ele designada e deve desempenhar
tamanha tarefa com muita dedicação e responsabilidade em prol dessa obra
25

salvífica. O cuidado exercido pelo presbítero no ministério de apascentar se tornará


eficaz toda vez que ele, ao agir, não se colocar anterior a Cristo, mas permitir que,
usando de sua voz, suas mãos, do seu ministério, seja o próprio Jesus a conduzir
aquele seu rebanho. O próprio Senhor é quem continuará a atuar através dele.
26

2 UM “ALTER CHRISTUS”: A IMPORTÂNCIA DE SE TER UMA VIDA PAUTADA


NA CONFIGURAÇÃO TOTAL COM CRISTO

De que vale tudo o que foi visto até então, se antes, primeiramente, a vida do
presbítero não estivesse unida essencialmente a Cristo? Esse questionamento nos
conduz a uma reflexão sobre as palavras da Exortação Pós-Sinodal de 1990: “a vida
e o ministério do sacerdote são a continuação da vida e da ação do próprio Cristo.
Esta é a nossa identidade, a nossa verdadeira dignidade, a fonte da nossa alegria, a
certeza da nossa vida” (PDV, 1992, n. 18). O sacerdote é aquele que procura dar
continuidade à vida de Cristo, ou, ainda, como vemos, o sacerdote é aquele que
procura ser completamente um e o mesmo com Ele, fazendo desse modo que possa
ser modelo a expressão paulina “eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim”(Gl
2, 20).
Ao reconhecer a grandeza do ministério sacerdotal, percebe-se o quanto o
Apóstolo, em sua fala, demonstra estar completo e totalmente entregue a uma vida
segundo o ideal de Nosso Senhor. Assemelhar-se, portanto, a Cristo é missão
sobretudo de todo cristão, não importa em qual hierarquia se esteja inserido “é
Cristo que vive em mim [nós]”. O sacerdote, esse homem que se consagrou a Deus,
é chamado constantemente a ser uma imagem viva de Jesus Cristo no meio do
povo ao qual está a serviço, não obstante as suas muitas fraquezas humanas,
Cristo, ele mesmo é que há de realizar na vida sacerdotal a sua vontade e a sua
graça.
É preciso, contanto, que sejamos capazes de fazer refletir em nossa vida a vida
mesma Dele, desse modo, efetivamente, não somente o sacerdote enquanto
ministro configurado a Cristo pelo Sacramento da Ordem, enquanto aquele que é
como um Alter Christus, mas, de igual maneira, todo o Povo de Deus, que antes,
todos eleitos segundo a presciência divina são também vocacionados a essa mesma
identificação com o próprio Senhor, e, fazem, assim, parte do sacerdócio comum
dos fiéis instaurado a partir Dele pelo batismo em favor de seu Corpo Místico: a
Igreja.

2.1 CRISTO, MODELO DE PATERNIDADE EM TUDO SEMELHANTE AO PAI


Constituindo-se de tal forma a espiritualidade sacerdotal na profunda relação
de amizade com Cristo, vimos o quanto é importante na vida do ministro ordenado a
27

capacidade de abnegar-se e ao longo da vida fazer renúncias, de levar uma vida


mortificada, que, de fato, faça de sua entrega total uma perfeita doação de si mesmo
a Deus, e, nisso para buscar ter sempre pulsante em sua vida, como dirá o próprio
Apóstolo, tendo diante de seus olhos a consequência desse ir se tornando
semelhante ao Senhor cuja finalidade é ter “o mesmo sentimento de Cristo” 13,
expressa ele.
O Novo Testamento refere-se mais à paternidade divina do que à humana.
Aqui a palavra πατhvρ (pai) ocorre 414 vezes no Novo Testamento, reportando-se
mais de 250 vezes a Deus e 150 aos homens 177. Esta realidade ilustra a alteração
paradigmática face à Antiga Aliança, mostrando que um dos centros do Novo
Testamento é precisamente a revelação da paternidade de Deus Pai em Jesus
Cristo. Não obstante esta constatação, o Novo Testamento, em especial os escritos
paulinos, contém importantes referências ao exercício da paternidade humana que
excedem o uso estritamente familiar.14
De acordo com a epístola aos Efésios, toda a paternidade humana toma o seu
nome na Paternidade divina (cf. Ef 3, 14-15), da qual procede toda a capacidade de
gerar. Deus é a fonte (Pai) de quem brotam outras fontes (pais), de onde se gera
toda a vida. Nesta realidade fundamental alicerça-se toda a espiritualidade (Padres
do Deserto) e teologia (Padres da Igreja). O Catecismo da Igreja Católica refere que
“a paternidade divina é a fonte da paternidade humana” (CIgC, 2214). A revelação
da relação Pai – Filho feita por Jesus Cristo alicerça o dinamismo da filiação humana
em Deus. É no Espírito da filiação divina que podemos clamar “Abba, Pai!” (Gl 4, 6),
como recorda o Apóstolo na carta aos Gálatas. Esta novidade é descrita por Hilário
de Poitiers de forma magistral: “Lembra-te que não nos foi mostrado que o Pai é
Deus, mas que Deus é Pai”.15
Ademais, não se poderá reconhecer o trato do sacerdote para com o Mestre se
primeiramente não tomarmos como ponto central para este a própria relação de
Jesus com o seu Pai Celeste. Em nível existencial, a vivência da filiação divina é

13
Cf. Fl 2, 5
14
SANTOS, João Marques Ferreira dos. A paternidade dos Padres da Igreja segundo o
Commonitorium de Vicente de Lérins. 2014. 127 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Teologia,
Faculdade de Teologia, Universidade Católica de Portugal, Lisboa, 2014. p. 29. Disponível em:
https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/14723/1/A%20paternidade%20dos%20Padres%20da%2
0Igreja%20segundo%20o%20Commonitorium.pdf. Acesso em: 24 nov. 2020.
15
“Memento non tibi Patrem manifestatum esse quod Deus est, sed Deum manifestatum esse quod
Pater est” HILÁRIO DE POITIERS, De Trinitate, III, 22 (ed. J. DOIGNON), SCh 443, Cerf, Paris 1999,
376.
28

fortemente influenciada pela paternidade humana, ainda que não decisivamente, em


virtude da graça de Deus. A paternidade de Deus para com todos os homens não se
dá de forma imediata, mas unicamente mediada em Cristo. O acesso, portanto, ao
Pai faz-se por Cristo (Ef 2, 14-18), como visto acima, que no mesmo Espírito, se
concretiza na unidade da comunidade eclesial.
Sabemos que, num relacionamento paterno-filial, isto é, de pai para filho,
encontra-se aí uma entrega de amor de um para com o outro. Agora, o que vemos é
o filho que tão livremente se lança sem reservas nos braços de seu pai, confiante,
pois sabe e reconhece aquele que o sustenta. Desse modo, reconhecemos Cristo,
esse Filho, que abrindo os braços e suspenso num madeiro, abre também mão de
sua vontade, abnega-se, rebaixa-se em prol de ser obediente, obediência que o leva
ao sacrifício de sua própria vida, porque quer fazer unicamente a vontade do Pai.
Se o pai é chamado pela sua condição paterna a dar a vida pelo filho, assim
também como a figura da mãe que é tanto quanto o pai capaz de sacrificar-se,
percebemos além do mais, que Jesus Cristo, revela-nos a profunda relação filial
entre Ele mesmo e o Pai. O Filho Eterno de Deus, contudo, se faz então paterno
assumindo esse atributo, e não o faz tão somente no madeiro, mas sobretudo, com
a própria vida naqueles momentos em que operava os milagres, as curas, os muitos
prodígios realizados entre o povo, para que cressem que Ele era enviado do Pai, e,
faz-se aqui importante ressaltar que nesse aspecto da vida de Cristo, é muito
enraizada uma vida de oração. O Cristo tudo pode e consegue do Pai através da
sua intensa e profunda vida de oração. Não podemos imaginar um Alter Christus
que não seja dado à oração e que tenha entre seus principais alimentos salutares a
própria oração e a Sagrada Eucaristia.
A importância da oração na vida sacerdotal faz refletir o Cristo mesmo. Em
todos os seus atos sacerdotais a oração é presente, no entanto, não precisamos ir
muito longe para perceber que Jesus sempre se recolhe em oração para louvar e
falar com Deus, como dirá o papa emérito Bento XVI “o nosso ser sacerdotes nada
mais é que um novo e radical modo de unificação com Cristo” 16, e então, saindo
desse encontro face a face com o Pai, desse momento em que torna uma só a vida
humana e divina, onde não se pode mais separar uma da outra, ele nos revela a

16
Homilia, 9 de abril de 2009.
29

eficácia desse encontro por meio dos milagres e as muitas graças que o Senhor
realiza pelas pessoas.
Exprime-se, assim, cada vez mais claro que Jesus buscou absolutamente ser
de forma plena a imagem do Pai Criador, e nisto consiste sua atenção às pessoas
mais necessitadas de cuidado àquelas que, na sua época, viviam à margem da
sociedade, esquecidas; as crianças, os idosos, as viúvas, os cegos, os coxos, os
mudos e surdos, os possessos, enfim. O amor que outrora Ele dedicara aos
discípulos e a esses, constata-se, ativa e compassivamente no ato da cruz, dando a
própria vida como expressão máxima da sua existência em favor de todos esses
aqui citados.
A paternidade espiritual do sacerdote é fruto da rica, intensa e madura relação
de afeto com o Senhor, senão não faria sentido algum chamar um sacerdote de pai
se antes a fonte dessa paternidade não emanasse da sua configuração plasmada no
seu próprio ser ao ser mesmo de Cristo após a ordenação presbiteral. O sacerdócio
de Cristo foi e é orientado e também vinculado em todo tempo a uma enraizada vida
de oração, não diferente será a do presbítero, chamado a uma intensa e profunda
vida espiritual para levar adiante o seu exercício ministerial, agora um Alter Christus.
Note-se bem que, nesta união com Cristo, o quanto é importante a rendição do
presbítero a ser e fazer aquilo que é não a sua própria vontade, ainda que muitas
vezes ela seja provada pelo crivo da dor e do sofrimento, e com o Senhor não foi
muito diferente, contanto que lhe seja fiel como foi o Verbo Encarnado em toda a
vida terrena: “Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice; contudo, não seja feita a
minha vontade, mas a tua!” (Lc 22, 42)
A vida de Cristo, ainda assim, é um reflexo fiel da paternidade de Deus, a do
sacerdote, seu ministro, todavia, não dista também de sê-lo. Observemos quando o
Senhor diz a Filipe: “quem me viu, viu o Pai” 17, afirmação esta, fruto de uma
necessidade do apóstolo de conhecer afinal quem é Deus, mas surpreendido pela
resposta do Senhor sendo que Ele é no Pai e o Pai se revela a partir do Filho,
descobre assim que o Filho era ele mesmo, a imagem plasmada do Eterno Pai.
A maior alegria do sacerdote é poder plasmar a imagem de Jesus
Cristo em seu corpo, em sua vida, em sua forma de se relacionar, de
comunicar-se e em toda sua realidade humana e integral. E, assim
mesmo refletir a paternidade de Deus manifesta em Jesus Cristo, a

17
Cf. Jo, 14,9
30

qual é uma paternidade espiritual: “apascenta minhas ovelhas” (Jo


21,15). (CNBB - Coleção Ministérios, 2018, p. 359)

Isto consiste que Jesus, em toda sua existência, não fez outra coisa senão
revelar o Pai, visto que toda a sua vida encarnada fora uma autêntica revelação da
paternidade Divina. Assim, pois, o sacerdote, pelo mistério de sua vocação, mostra-
nos a imagem do Verbo Encarnado, Jesus Cristo, e, portanto, fruto dessa sua
relação com Deus, aponta-nos, dessa forma, o Filho Eterno como modelo autêntico
de paternidade em tudo semelhante ao Pai.

2.2 O PRESBÍTERO, UM HOMEM EM COMUNHÃO COM DEUS E UM OLHAR À


PROCURA DE CRISTO
Partindo da premissa que o sacerdote é um outro Cristo, isto é, o Alter
Christus, ao qual estamos dedicando estas linhas para explicitá-lo, vimos, há pouco,
que o sacerdote, ao assumir o seu ser sacerdotal de Cristo, ele o faz tendo como
modelo os traços da paternidade divina que o irá conduzir em seu exercício pastoral
até o último dia de sua vida.
Ademais, destaca-se este profundo aspecto da espiritualidade presbiteral, que
é o ofício do padre em ajudar as pessoas a se reencontrar com o sentido divino de
suas vidas, no que diz respeito, sobretudo, à direção espiritual, exercício esse que o
presbítero o exerce muitas vezes sem que se dê conta, e que, ainda em outras, o
percebe fazendo quando direciona pelo caminho da Igreja as muitas pessoas que o
vão procurar para se aconselharem e reorientarem a sua história como cristão e
católico.
Trata-se de que o Filho, Jesus Cristo, buscou em toda a sua vida terrena
assemelhar-se, tornar-se um com Ele na relação Pai e Filho. Contanto, não
podemos deixar de reconhecer que o padre, seja ele quem for, será sempre um
homem em busca de ser o rosto paterno de Nosso Senhor presente na comunidade,
auxiliando as pessoas a caminharem em direção de fazer a vontade de Deus. Ajuda-
nos a fala do papa emérito quando diz “é esta a tarefa principal do sacerdote: levar
Deus aos homens. Certamente só pode fazê-lo se ele mesmo provém de Deus, se
vive com e por Deus”18. Estar com Deus, viver para Deus é, desde já, também, uma
das muitas características, ou melhor, um dos aspectos centrais que podemos
perceber na vida sacerdotal.

18
Bento XVI em seu discurso, 22 de dezembro de 2006.
31

Através da oração, seja o padre, seja o fiel leigo, ambos são chamados a uma
vida de oração e de identificação com Aquele com quem fala. Somos todos
convidados a entrar num diálogo com Deus, e esse se torna tão verdadeiro quando
o fazemos por nossa própria iniciativa, ou seja, de forma livre, sem nenhuma
censura ou opressão por parte de outrem.
O presbítero que aqui estamos vendo é uma pessoa, um homem, alguém que
foi consagrado ao Senhor para servir naquilo que lhe compete, e é em todo instante
visto como aquele que fez sua adesão com todo o seu ser a uma identidade divina.
Decerto, não nos enganamos ou estamos num caminho contrário se pensamos
assim, pois as pessoas necessitam de Deus, e esperam encontrar no padre o rosto
do próprio Deus, presente o amor, a misericórdia a atenção que poderá se perceber
no rosto humano do presbítero. Os Padres Sinodais, em 1990, expressaram isso
muito claramente ao compreenderem que trazer em si a imagem do Cristo
Sacerdote, implica, todavia, também entender o aspecto relacional da identidade do
presbítero que é donde nasce esse estar em comunhão com Deus:
O presbítero, de fato, em virtude da consagração que recebe pelo
sacramento da Ordem, é enviado pelo Pai, através de Jesus Cristo,
ao qual como Cabeça e Pastor do seu povo é configurado, de modo
especial, para viver e atuar, na força do Espírito Santo, ao serviço da
Igreja e para a salvação do mundo. (PDV, 1992, n. 12)

O padre é esse homem que está sempre em busca de ser o rosto de Cristo
presente no mundo mediante o seu ministério sagrado. O apostolado do presbítero
se realiza no ato de viver e atuar como aquela pessoa que foi destinada a ser em
toda sua vida um serviço, a ser alguém que se pôs a serviço de todos,
principalmente daqueles que mais precisam. Ainda assim, essa comunhão com
Deus se expressa no sentido profundo do dom da vocação sacerdotal que é: ser
homem de Deus, a serviço do Reino em comunhão com Cristo. 19 É preciso,
sobretudo, uma vida constante em busca de uma relação de proximidade com
Cristo, que se baseia justamente na escuta de sua Palavra, até o ponto da
unificação da própria vida ministerial em Cristo Jesus. Diz-nos o papa emérito, “do
presbítero, os fiéis esperam somente uma coisa: que seja especialista na promoção
do encontro com Deus. [...] Dele espera-se que seja perito em vida
espiritual.”(BENTO XVI, 2010, p. 31)20

19
Cf. CARRARA, 2019, p. 57.
20
Discurso, 25 de maio de 2006, Pensamentos sobre o sacerdócio.
32

Para o sacerdote, viver inteiramente a comunhão com Deus é perder-se e


encontrar-se somente em Cristo e através de Cristo, um constante colocar-se à
disposição como um verdadeiro dom de si para Deus e daí consequentemente, para
todos os irmãos. Lembra-nos, pois a Pastores dabo vobis
Por isso, o presbítero encontra a verdade plena no fato de ser uma
derivação, uma continuação do próprio Cristo, sumo e único
Sacerdote da nova e eterna Aliança: ele é uma imagem viva e
transparente de Cristo Sacerdote. [...] A referência a Cristo é, então,
a chave absolutamente necessária para a compreensão das
realidades sacerdotais. (PDV, 1992, n. 12)

O presbítero é chamado a sempre recordar que a sua única referência é Cristo,


e que só a partir dEle é que poderá obter as graças e os generosos frutos para sua
vida, como para o seu ministério, e, consequentemente, não menos importante, para
povo fiel, cujo ministério ordenado está para também apascentar essa porção do
rebanho do Senhor que lhe foi confiado.
De grande importância, para nós, surgem então as figuras do diretor espiritual
e do confessor e ambas precisam estar estreitamente ligadas ao próprio Senhor ao
ponto de que as pessoas possam se admirar com a forma de expressar do seu
presbítero, com as suas palavras nas homilias e pregações, com o seu testemunho
diário fundamentado na concretização das pequenas coisas, dos menores afazeres
até os maiores, dos lampejos divinos que o padre expressa muitas vezes nas
celebrações litúrgicas.
Certamente, a vida ministerial do presbítero se vê estreitamente ligada às
expressões sensíveis da paternidade espiritual, e, não podemos deixar que passem
essas linhas sem que aqui mencionemos, ainda que brevemente, a direção
espiritual. “Cabe aos sacerdotes, como educadores da fé, cuidar por si ou por outros
que cada fiel seja levado, no Espírito Santo, a cultivar a própria vocação segundo o
Evangelho, a uma caridade sincera e operosa.”21 É função primordial que o
presbítero possa conduzir seus fiéis a uma maturidade cristã.
Diz Manoel Augusto Santos (2019, p.196) que o presbítero, nesse caso, “o
diretor espiritual é um dirigente de almas”. Também mais, sua função é cooperar
com o Espírito Santo para ajudar que as pessoas cheguem, livremente, sem
nenhuma pressão ao conhecimento de Cristo e que com Ele possa estabelecer uma

21
Cf. Curso sobre Direção Espiritual, p. 226.
33

contínua amizade, fundada em colóquios sinceros e permeados da caridade, da


esperança e do perdão dirá o autor.
Portanto, por sua índole, o presbítero possui função importante e necessária
como diretor espiritual quando o vemos tal como um instrumento de Deus pela ação
e força do Espírito Santo. Aproximamo-nos do término desta nossa exposição e, a
seguir, acompanhemos, no seguinte capítulo desta monografia, o desenvolvimento
do tema da paternidade e a sua distinção. Veremos como, de fato o sacerdote se
apresenta em seu ofício como alguém que exerce uma paternidade espiritual,
principalmente quando tratando-se da relação paterna do diretor espiritual para com
seu dirigido. Disso, nos dirá o autor:
Por mais importante e necessária que seja, só tem forças, enquanto
Deus se digna assoprar no íntimo das almas; e só as pode dirigir
para Ele, enquanto o Espírito Santo as dirige interiormente. Sendo
assim, loucura é prenderem-se os dirigidos ao seu diretor e olhá-lo
como coisa grande, pelo Espírito Santo a impressionar os seus
ouvidos interiores por meio do seu eco. Embora o diretor nada seja, é
importante para uma alma eleger um bom diretor, que seja
verdadeiro eco da voz de Deus, da voz do Espírito Santo. (SANTOS,
2019, p. 210)

Não é somente naquilo que o padre faz que manifesta sua paternidade, mas,
também, no que ele é, no dom de si mesmo por amor ao seu rebanho. Ele torna
presente para a comunidade o Cristo Esposo, Cabeça e Pastor da Igreja. É, pois, ele
também pastor, esposo e servo da Igreja. Como pais, como diretores espirituais, os
padres são reflexo da paternidade divina e, portanto, traduzem em sua vida o amor
criador e misericordioso de Deus Pai. Afinal, deve ser o “cuidador” do seu povo e
sobretudo, deve estar em comunhão com Deus.
34

3 “APASCENTA AS MINHAS OVELHAS”: A PATERNIDADE ESPIRITUAL NO


MINISTÉRIO PRESBITERAL SECULAR COMUMENTE CHAMADO DIOCESANO

No contexto do presente estudo, importa não somente compreender a


paternidade do presbítero como um ofício célebre, fruto da sua ordenação
presbiteral, mas igualmente perceber que o homem, esse que outrora foi chamado
ao ministério sagrado, é posto a desempenhar uma característica que é
essencialmente do homem mesmo, que é ser pai. Como tal, possibilita a
compreensão aqui exposta desde o início, que só poderá exercer a paternidade
espiritual quando estiver amadurecido, seja pela dimensão humano-afetiva, seja
pela via espiritual, para levar a termo em sua vida consagrada o nome tão comum
que nos habituamos no passar dos tempos a chamá-lo: padre22. O padre, todavia, é
um pai e entendamos aqui que não se trata de um pai biológico, mas sim espiritual.
Jesus Cristo apresenta-nos Deus como Pai, a quem cada um, na força do
Espírito Santo, pode também clamar “Abba23”. É à luz da paternidade divina, sem
dúvida, que se poderá compreender a paternidade humana, e, em especial, a
paternidade espiritual do presbítero, que, de igual modo, nos ajudará, com um olhar
penetrado na espiritualidade, a enxergar o presbítero diocesano enquanto uma
identificação com Cristo, a olhá-lo como um pai espiritual que deverá nos
acompanhar por toda a vida, até o feliz encontro, dia que haveremos de ter na visão
beatífica junto ao Pai.

3.1 A PATERNIDADE ESPIRITUAL DO PRESBÍTERO À IMAGEM DE CRISTO


BOM PASTOR DIFERENTE DE UM MERO ASSISTENCIALISMO
O despertar para o novo rosto da Paternidade divina imprime uma nova noção
do que seja a paternidade humana. Esta consciência configura não só um novo
sentido da paternidade humana, mas influencia, por sua vez, todas as relações

22
A palavra mais usual para designar o ministério presbiteral é “padre”, e comumente a utilizamos
dessa forma que, literalmente significa “pai”. O padre é o pai espiritual de uma comunidade paroquial
onde ele está inserido para exercer o seu pastoreio a pedido do Bispo diocesano, responsável por
dirigir pastoralmente uma porção do Rebanho do Senhor, sua grei.
23
É uma expressão bíblica derivada do termo com origem no aramaico, que significa “pai”, “pai
querido”, uma relação íntima entre pai e filho.
35

designadas de paternidade, as quais excedem o âmbito biológico e familiar fazendo


ressoar, portanto, na espiritualidade24.
O trabalho do presbítero na Igreja está marcado pelo serviço ao povo de Deus
e à Igreja. São muitos os testemunhos que se pode colher como frutos dessa grande
experiência, dessa dedicação sincera ao anúncio e vivência do Evangelho de Jesus
Cristo. E hoje, ainda são igualmente numerosos os presbíteros que, imbuídos do
verdadeiro sentido do seu ministério, dedicam-se arduamente à construção do Reino
de Deus, no compromisso sincero com as pessoas, sobretudo aquelas mais
necessitadas da atenção do seu pastor.
O Diretório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros chega a dizer do
sacerdote, fazendo menção das palavras de Bento XVI que,
Ele é mediador, a ponte, isto é, aquele que deve recordar sempre
que o Senhor e Mestre „não veio para ser servido, mas para servir‟
(Mc 10,45) [...] Assim, o presbítero, ocupado no cuidado do rebanho
que pertence ao Senhor, procurará proteger a grei, alimentando-a e
conduzindo-a para ele, o Bom Pastor, que deseja a salvação de
todos. Por conseguinte, alimentar o rebanho do Senhor é um
ministério de amor vigilante, que exige a dedicação total, até esgotar
as próprias forças e, se for necessário até ao sacrifício da vida.
(DMVP, 2013, n. 25)

A paternidade espiritual do presbítero, por sua vez, se encontra inserida nesse


processo gradual, que é a contínua configuração a Jesus, no seu ser, e no seu agir,
mas que também está em relação à formação humana convicta e madura que
constitui um permanente desafio ao crescimento interior da pessoa, diz a Ratio
Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis25, de 2016.
Seguir o exemplo do Bom Pastor é a finalidade de todo presbítero que almeja
ser, em todo tempo, um sinal, uma pessoa sagrada, um servo para todos, a fim de
conduzir seu pastoreio segundo os ensinamentos do verdadeiro Pastor, Jesus
Cristo. Aqueles que são chamados a exercer uma verdadeira paternidade espiritual,
elemento esse tão caro e precioso para o presbítero, assim como para a Igreja,
devem dar-se conta de que não são servos de si mesmo, nem para si, mas de
todos. Por isso, dirá o Documento de Aparecida quando analisa algumas imagens
24
Cf. SANTOS, João Marques Ferreira dos. A paternidade dos Padres da Igreja segundo o
Commonitorium de Vicente de Lérins. 2014. 127 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Teologia,
Faculdade de Teologia, Universidade Católica de Portugal, Lisboa, 2014. p. 29. Disponível em:
https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/14723/1/A%20paternidade%20dos%20Padres%20da%2
0Igreja%20segundo%20o%20Commonitorium.pdf. Acesso em: 24 nov. 2020.
25
Cf. RFIS, n. 80.
36

que auxiliam na compreensão da natureza íntima da identidade do presbítero, “que


[ele] é chamado a ser homem de misericórdia e compaixão, próximo a seu povo e
servidor de todos, particularmente dos que sofrem grandes necessidades” 26.
À vista disso, podemos perceber que a imagem do Bom Pastor, que participa
essencialmente da vida sacerdotal do presbítero, recebe o dom da paternidade
espiritual, com a missão de gerar, nutrir, educar, organizar e levar à plenitude a
comunidade do povo de Deus27. Entretanto, não o fará solitariamente, mas sob
auxílio da graça divina que o mantém e sustenta em seu sagrado ministério do
serviço.
Observemos que, a exemplo de Jesus, o presbítero exerce seu ministério com
cuidado para com as almas que lhes foram confiadas, com zelo pelo serviço, amor e
diligência para com o rebanho. São essas as verdadeiras atitudes de um sacerdote
que se fez um bom pastor. Em virtude desse ofício, o padre é efetivamente na Igreja
um pai, ele é, portanto, pastor.
A exemplo de Jesus, ele será o primeiro responsável por conduzir seus fiéis ao
conhecimento do Bem, da Verdade, do caminho que os levará à prática do
Evangelho. É, também, o sacerdote, o motivador que irá reunir a comunidade para o
momento mais alto, importante e central de sua existência, a celebração da Santa
Eucaristia. A Congregação para o Clero, em um pequeno documento, exorta aos
presbíteros,
Existe, com efeito, uma conexão íntima entre a centralidade da
Eucaristia, a caridade pastoral e a unidade de vida do presbítero (...)
Se o presbítero empresta a Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, a
inteligência, a vontade, a voz e as mãos para, mediante o seu
ministério, poder oferecer ao Pai o sacrifício sacramental da
redenção, deverá fazer próprias as disposições do Mestre e viver,
como ele, sendo “dom” para seus irmãos. (CONGREGAÇÃO PARA
O CLERO, 1999, p. 53)

Vimos, no capítulo passado, que o padre é essencialmente um homem de


Deus. Por isso, tudo deve tornar-se, na vida do presbítero, “sacerdotalizado”, disse
certa vez numa homilia de Ordenação Presbiteral o papa São João Paulo II quando
esteve no Rio de Janeiro28. Certamente, se podemos reconhecer a importância que

26
Cf. DAp, 2007, n. 198.
27
Cf. Diretrizes para a formação dos presbíteros da Igreja no Brasil - Documento da CNBB - 110,
2019, n. 41.
28
CNBB - Doc 110, 2019, n. 41.
37

o presbítero tem pelo ministério e como desempenha seus ofícios, olhemos como
ele manifesta seu amor à Eucaristia e o seu inestimável valor. Assim nos diz a
Congregação para o Clero:
Deverá, por isso, aprender a unir-se intimamente à oferta, colocando
sobre o altar do sacrifício (...) No dom permanente do Sacrifício
eucarístico, memorial da morte e da ressurreição de Jesus, os
sacerdotes receberam sacramentalmente a capacidade única e
singular de levar aos homens, como ministros, o testemunho do amor
inexaurível de Deus. (CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, 1999, p.
53)

Com efeito, é importante que, para prosseguirmos nessa reflexão, façamos


uma diferenciação do que é precisamente o assistencialismo, e a maneira pela qual
o presbítero assiste às pessoas em suas necessidades fazendo as vezes do Bom
Pastor. Para essa demonstração, precisaremos ir ao conceito. Para o Dicionário
Priberam, assistencialismo é uma doutrina ou prática política que defende a
assistência aos mais carenciados da sociedade (por vezes usado em sentido
depreciativo, referindo-se a medidas ou promessas demagógicas)29. Já o Aurélio, diz
que é um sistema ou prática de ação social que organiza e oferece assistência às
comunidades desfavorecidas e excluídas de uma sociedade, auxiliando e apoiando
momentaneamente seus membros, ao invés de combater as causas que os
deixaram em estado de carência ou de pobreza 30.
Quanto ao presbítero, por outro lado, é chamado a ser pai, pastor, profeta,
servo, missionário, padre, sacerdote, esposo, perito em humanidade, homem da
proximidade, homem da misericórdia, homem de oração, homem de sacrifício, um
irmão universal31. A vida, a missão e a identidade do presbítero são permeadas
desses e ainda tantos outros adjetivos, e justamente são estes que distinguem um
padre em seu ministério de cura de almas, pastor de pessoas, de uma pessoa que
presta meramente um serviço assistencialista, que presta ajuda a alguma
necessidade da pessoa, ou grupo social, porém, não a acolhe, não forma, não
insere, não promove, não capacita aqueles que recebem esse tipo de atenção.
Notamos, a partir disso, um perceptível vazio no relacionamento humano, que põe

29
"Assistencialismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020,
https://dicionario.priberam.org/assistencialismo Acesso em 23-11-2020.
30
ASSISTENCIALISMO. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2020. Disponível
em: https://www.dicio.com.br/assistencialismo/ Acesso em: 23/11/2020.
31
CNBB - Doc 110, 2019, n. 42.
38

em contraste e evidencia o para quê do sacerdote quanto à forma de conduzir e


saber lidar com a realidade plural, onde exerce o seu pastoreio.
Por meio do ministério de Cristo, então, os presbíteros pastores, segundo o
estilo de Jesus ferido, morto e ressuscitado, são capazes de prestar a devida e
solidária assistência aos mais carentes, os excluídos pela sociedade, àqueles que
ninguém quer tocar, se aproximar, os que são tratados de forma negligente pelas
nossas autoridades locais, isto é, os pobres, que, em sua condição existencial, são
muitas vezes tratados de forma miserável, humanamente indigna, e que passam por
nossos estabelecimentos, pelas residências, que recebem uma coisa ou outra e
ficam por isso mesmo. Contudo, é na igreja, na maioria das vezes, que essas
pessoas irão encontrar muito mais que uma ajuda, acharão um pastor, um pai
misericordioso, um conselheiro amigo, uma palavra de ânimo, uma mão solidária,
um ser humano que será identificado com o Bom Pastor, Jesus Cristo.
Diferente de um mero assistencialismo, o padre, por sua vez, é um pastor de
pessoas, um importante e zeloso cuidador de almas. Estar junto das pessoas e dar-
lhes assistência é sua função de fato, porém, ele o faz não por merecer alguma
honra ou para ser visto, ou ainda, aplaudido pelos homens, mas o faz doutro modo,
pois é a sua missão assistir a comunidade dos fiéis, e dar, se preciso for, além do
alimento, de uma roupa, da palavra, a própria vida.
Deste modo, se olhamos para a vida do Cristo vemos em todo o tempo os
acenos de um pastor, um legítimo bom pastor, que soube reconhecer uma pessoa
quando necessitava de ajuda. Assim sendo, o padre possui como indispensável
exercício do munus pascendi, uma concepção longe de ser meramente sociológica,
mas que, antes, brota do seu sacerdócio ministerial: apascentar o rebanho do
Senhor, sobretudo, buscando seguir o exemplo Daquele que exerceu toda a sua
vida para apascentar e reunir aqueles que são seus, Jesus Cristo, Bom Pastor.

3.2 O PRESBÍTERO COMO AQUELE QUE COMUNGA DA CARIDADE DE


CRISTO, BOM PASTOR
Ao lado do Cristo Senhor, o presbítero, encontrará especial ânimo, coragem e
força para reaproximar homens, mulheres, idosos, jovens e crianças, reacender
neles a chama da fé, suscitar em todos o amor divino, e realizar, sobretudo, a sua
entrega de corpo e alma pelo serviço ministerial, assistindo principalmente os mais
pobres, levando a todos o amor e a misericórdia do único Bom Pastor. Os pastores,
39

todavia, desempenham um papel absolutamente insubstituível, pois trata-se


justamente de fazer presente, em tempos hodiernos, a presença do Cristo em nosso
meio de uma forma muito real, de uma maneira um tanto sensível.
Por esse seu empenho, eles constituem atualmente um anúncio vivo daquela
graça divina que, conferida no momento da ordenação, continua a dar força
renovada para o trabalho ministerial (DMVP, 2013, n. 48). Das palavras de Jesus:
“sem mim nada podeis fazer” (Jo 15, 5), percebemos, mais uma vez, que o
presbítero se não for por sua presença e conformidade a Cristo, se não for pela sua
confiança ao Bom Mestre, se não estiver com raízes firmes Naquele que é a certeza,
o seu sustento, a base, o principal alimento, não poderá ir muito longe, pois aos
poucos esmorece, cai, enfraquece, definha e logo morre. De fato, nada fará o padre
se não tomar consciência de que não se trata de ser ele quem faz, mas antes, é
Cristo quem age através dele. O ministro é instrumento pelo qual o Senhor utiliza
para transmitir a sua graça, os seus sacramentos. É preciso, portanto, que tanto a
vida interior quanto a exterior do sacerdote esteja inserida na dinâmica da vivência
da caridade que deriva do Cristo, o modelo inigualável de pastor.
O papa emérito Bento XVI num discurso em 13 de maio de 2005, pouco tempo
após ser elevado a Pontífice Romano, disse:
[...] como tem em Cristo a sua raiz, o sacerdócio é, por sua natureza,
na Igreja e para a Igreja. Com efeito, a fé cristã não é algo de
meramente espiritual e interior, e a nossa própria relação com Cristo
não é apenas subjetiva e privada. Ao contrário, é uma relação
totalmente concreta e eclesial.(BENTO XVI, 2010, p. 16)

O Pontífice emérito, diz ainda, noutra ocasião, “a raiz mesmo, do nosso


sacerdócio, essa raiz, como bem sabemos, é uma só: Jesus Cristo Senhor.”
(BENTO XVI, 2010). Se podemos acrescentar alguma coisa a essa fala do papa,
deveria ser que a única raiz de todo o exposto é uma só, Jesus Cristo Senhor, sem
dúvida, porém, dizemos ainda mais, é o próprio Senhor e com mais um adjetivo
importante para nós: Bom Pastor, modelo para todo presbítero.
Assim, a identidade mesma do sacerdote está por completa inserida totalmente
na caridade do Mestre, Senhor e Pastor do rebanho. Para realizá-la frutuosamente
na vida aos modos do Bom Pastor, o homem sacerdote deve em toda circunstância
“conformar a sua vida a do Cristo”, expressão esta que, em muitos períodos dessa
nossa exposição, ao longo de toda essa monografia, apareceu múltiplas vezes.
40

Contudo, o objetivo para esta nossa colocação é tão unicamente reafirmá-la ainda
mais como verdadeira, tanto quanto real.
A Pastores Dabo Vobis, por sua vez, quando se refere à formação dos
candidatos ao sacerdócio ministerial de Nosso Senhor Jesus Cristo, mestre,
sacerdote e pastor, recorda-nos o cuidado de defender e valorizar a mesma
caridade que possui o Mestre e Pastor, para que a partir do presbítero, ou, nos seus
candidatos, possamos encontrar essa mesma e rica fonte donde nasce a
configuração ao Cristo,
É a comunhão cada vez mais profunda com a caridade pastoral de
Jesus, a qual, como constituiu o princípio e a força do seu agir
salvífico, assim, graças à efusão do Espírito Santo no sacramento da
Ordem, deve constituir o princípio e a força do ministério do
presbítero. Trata-se, efetivamente, de uma formação destinada não
apenas a assegurar uma competência pastoral científica e uma
habilitação operativa, mas e sobretudo a garantir o crescimento de
um modo de ser em comunhão com os mesmos sentimentos e
comportamentos de Cristo, Bom Pastor: “tende entre vós os mesmos
sentimentos que existiram em Jesus Cristo” (Fl 2,5). (PDV, 1992, n.
57)

O presbítero como pastor não se coloca em atitude de superioridade perante a


sua comunidade, todavia, por sua natureza, bebendo da caridade do próprio Cristo,
deve fazer-se servo de todos, levar uma vida de “serviço”. É esta uma consciência
que não somente o presbítero ordenado precisa reavivar, mas sobretudo aqueles
que ainda são candidatos, os que estão trilhando o caminho da etapa da
configuração com o Senhor dentro das casas de formação, que precisam ter muito
claro que será preciso chegar a essa exigência essencial.
Ademais, revela-nos o magistério eclesial, tendo em vista a Pastores Dabo
Vobis que “é necessário que o presbítero seja testemunha da caridade do próprio
Cristo que „passou a vida fazendo o bem‟ (At 10, 38)” (PDV, 1992). 32
É o presbítero diocesano aquele que pertence a uma Igreja particular e nela se
incardina, para, em comunhão com o bispo, o presbitério, os diáconos e os
conselhos diocesanos, pastorear uma porção do povo de Deus.33 Assim apresenta o
documento com expoente e fundamental importância para a formação dos
presbíteros do Brasil com as seguintes palavras:
Não poderia ser ministro de Cristo se não fosse testemunha e
dispensador de uma vida diferente da terrena, nem poderia servir aos

32
Pastores Dabo Vobis n. 58.
33
CNBB - Doc 110, 2018, n.42.
41

seres humanos se permanecesse alheio à sua vida e às suas


situações. O seu próprio ministério exige, por um título especial, que
não se conforme a este mundo; mas exige também que viva neste
mundo entre os seres humanos e, como bom pastor, conheça as
suas ovelhas e procure trazer aquelas que não pertencem a este
redil. (CNBB, 2018, n. 45)

Essa caridade que se percebe na vida do sacerdote é parte especialmente


identitária da sua oferta pelo serviço ao povo de Deus. O “fazer-se tudo para todos”
irá acompanhar o presbítero ao longo de toda a sua vida, pois, somente numa
relação sincera e profunda com Cristo é que chegará o sacerdote a se aproximar
cada vez mais Daquele que o chamou, que o tirou de sua casa, que o arrastou por
seus caminhos, que o conduz até o presente momento, que o fortalece, que
personaliza uma vida inteira a ser unicamente uma só coisa: a vida do próprio Bom
Pastor.
O sacerdócio, para a Igreja, e também do mesmo modo para nós, é algo
indispensável. O lugar que ele possui é justamente aquele de ser o Cristo no meio
do povo, ou ainda, como vimos anteriormente, no capítulo segundo, o de ser um
Alter Christus presente entre a comunidade, preferencialmente, e jamais se
esquecendo destes, entre os mais pobres.
A caridade, portanto, que brota sobretudo da vocação do presbítero, encontra
no coração sacerdotal o terreno necessário para fazer crescer e enraizar-se
plenamente na vida do Cristo mesmo ao ponto de que um esteja completamente
perdido no outro, que já não se possa distinguir um do outro, porém, que se saiba
que “aquilo que anima, forma e motiva a vida do padre diocesano, enquanto
discípulo missionário, é a caridade pastoral como participação na própria caridade
de Cristo Jesus.”34
Dito isto, podemos perceber que a paternidade espiritual do sacerdote será
sempre perceptível à medida que Cristo vai crescendo em sua alma de pastor, que
vai se tornando facilmente um homem plasmado conforme a vontade divina, que se
dispõe e aceita livremente a carregar no cotidiano do seu ministério presbiteral a
cruz, não somente a sua, muito embora seja ela também pesada, mas a de todo o
rebanho que lhe foi confiado. O verdadeiro pastor leva aos ombros a sua ovelha,
vemos no IV Evangelho.35

34
CNBB - Doc 110, 2018, n. 51.
35
Jo 10, 1-21.
42

Por alguma razão, pode ser que o caminho seja difícil, repleto de obstáculos,
pois, na verdade, a cruz irá pesar e fazer com o que o padre se canse. Contudo,
cada presbítero é chamado a estar sempre atento à voz do Supremo Pastor, do
Chefe e Guia do rebanho, Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele mesmo é quem irá tornar
cada presbítero, cada padre diocesano, em suas muitas situações, solícito em
atender às necessidades do seu rebanho e ser para eles um verdadeiro pastor,
senão um bom pastor.
43

CONCLUSÃO

Ao encerrar esta monografia podemos fazer um resumo do todo que aqui foi
exposto e concluir que, o presbítero, seja ele quem for, será sempre um pastor que é
colocado no meio de uma parte do rebanho do Senhor para apascentar conforme a
sua divina vontade e ser um “outro Cristo”. Contudo, observemos que fazer agora
uma retrospectiva das nossas ideias aqui apresentadas, será, uma vez mais, para
reafirmar o mais importante, a saber, que à luz de Cristo Jesus o sacerdote é
também um amigo, um pai, um pastor que irá acompanhar-nos por toda a vida.
Certamente ele irá acompanhar-nos desde o nosso nascer até o morrer, como
vimos o que foi explanado no primeiro capítulo desta monografia, que sempre será
uma presença misericordiosa, paterna e acolhedora, amorosa e solidária para com
os mais necessitados. O padre é, por isso, homem inteiramente dedicado a Deus e
às coisas d‟Ele, e não será de outra forma, senão alguém que foi capaz de abrir
mãos de suas próprias vontades para apascentar o pequeno rebanho do Senhor.
Vimos ainda que, o sinal externo e tão perceptível do pastor preocupado com o
rebanho, como nos apresentou alguns fragmentos se mostra através da assistência
pelos sacramentos. Estes são os sinais da presença sagrada de Cristo na Igreja,
como já o sabemos, mas será o presbítero aquele que transmitirá essa graça às
pessoas. Na hora de conferir a escuta dos pecados mediante o sacramento da
reconciliação ou penitência, ao dar a absolvição, o aconselhamento, ali não vemos
mais o padre, homem, comum como todos, mas com algo um tanto essencial para
poder realizar aquilo que a nós, que a um leigo comum não foi concedido, o
sacramento da Ordem, o padre, por sua vez, o fará perdoando, sendo
misericordioso.
O sofrimento é essa via de mão dupla pela qual o ser humano ao se deparar
pode chegar ao conhecimento de si mesmo ou até mesmo se perder em busca do
sentido da vida. No entanto, o padre, ser humano que também passa pelo
sofrimento, será em todo tempo para nós como o bom samaritano assim como foi
para aquele corpo jogado ao chão, ferido e marcado pela dor e o sofrer um alento,
um bálsamo, um sinal da misericórdia paterna de Deus. Por isso, o presbítero,
homem consagrado a Deus para o serviço, a Igreja e a seu povo, será transmissor
da graça, do amor, da misericórdia do Pai que nos alcança quando feridos pelos
males, pelo pecado e as chagas da nossa natureza humana.
44

É um tanto interessante notarmos agora como a apresentação do segundo


capítulo fez com que refletisse não apenas o padre como um ser dotado da
misericórdia, de um espírito solidário, mas que também, e sobretudo, o sacerdote é
um outro Cristo. Aquela expressão latina que nos acompanhou neste percurso, alter
Christus é agora compreendida à luz da própria ação, do ser e agir do sacerdote
mesmo.
Assim como ensinou-nos a Salvifici Doloris, é função desse “outro Cristo”
mostrar-nos o caminho, a direção certa para alcançarmos o degrau do assimilarmos
nossa vida à vida e à cruz do Cristo. Tal conformação, é também o processo pelo
qual passa o candidato ao sacerdócio, que em alguns anos de formação irá
aprender a desenvolver, ou, a aprimorar na própria vida os mesmos sentimentos do
Senhor, como nos mostra o apóstolo São Paulo. À luz do Bom Pastor, o padre será
esse responsável por nos conduzir no dia a dia a uma identidade com a vida do
Mestre.
Ademais, será pelo cuidado, atenção e misericórdia que o presbítero irá
alcançar os corações e vidas, as ovelhas machucadas, dispersas e arredias do
rebanho. O cuidado do pastor pelo rebanho que lhe foi confiado se torna algo
perceptível a partir do instante em que a vida das pessoas se torna algo primordial
do ato de pastorear. É imprescindível ao presbítero que este saiba e perceba ser
muitas vezes necessário sacrificar-se para dar a vida aos seus, sendo assim,
exemplo vivo, personificado do próprio Bom Pastor, Jesus Cristo, que deu a sua vida
em entrega total para resgatar as ovelhas perdidas.
O cuidado para com as almas, como ainda apresentou esta monografia, é a
grande e cara responsabilidade do padre, pois, receber esta incumbência de
supervisionar e gerir o rebanho de Deus apascentando com solicitude e amor as
pessoas que lhes foram confiadas é, desde já, prepará-las única e somente para
uma meta: a do retorno à casa do Pai. É missão, portanto, de cada presbítero, que
recebendo essa responsabilidade possa apontar e conduzir os seus fiéis ao
conhecimento de Cristo e à sua configuração de vida.
O presbítero diocesano, este que fizemos questão de explicitar no terceiro
capítulo deste trabalho monográfico, mostra-nos que diferente de um mero
assistencialismo, o padre é um pastor de pessoas, um importante e zeloso cuidador
de almas, que é à luz de Cristo Jesus, segundo seu único exemplo, tal como um
bom pastor. E ainda mais, pois estar junto das pessoas e dar-lhes assistência é
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também sua função, porém, ele não o faz em busca de honras, de troféus, ou de
reconhecimento humano senão porque é a sua missão assistir a comunidade dos
fiéis, e dar, se preciso for, além do alimento, de uma roupa, da palavra, de uma
atenção, a própria vida, como fez Nosso Senhor oferecendo-se como Bom Pastor.
A paternidade, não a biológica, mas sim a paternidade espiritual, é a forma pela
qual o sacerdote exerce o seu múnus de pastor entre a humanidade em suas muitas
e diversas circunstâncias da vida. É mediante esse belo e árduo ministério que ele
apascenta o rebanho, que administra, que conduz, orienta as pessoas quer seja pela
confissão, pela direção espiritual, ou ainda pela preocupação cotidiana de pastor de
vidas.
Assim sendo, o presbítero, conforme exemplo do Sumo e Eterno Pastor, será
sempre pai, não a um modo tão convencional como vemos, senão agora de outra
forma, segundo o exemplo de Cristo, pelo empenho da vida sacerdotal, o
testemunho ao qual o presbítero é identificado, o de ser sinal da presença do Pai em
meio aos homens pela pessoa do seu Filho Eterno, Jesus Cristo, Nosso Senhor.
Apascenta as minhas ovelhas, eis o pedido que nos faz o próprio Senhor, Chefe,
Guia e Pastor do rebanho.
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REFERÊNCIAS

Fonte:

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