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O DISCURSO POLÍTICO-PARTIDÁRIO

SUL-RIO-GRANDENSE SOB O PRISMA


DA IMPRENSA RIO-GRANDINA
(1868-1895)
Livros Grátis
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

O DISCURSO POLÍTICO-PARTIDÁRIO
SUL-RIO-GRANDENSE SOB O PRISMA DA
IMPRENSA RIO-GRANDINA (1868-1895)

Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em


História da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, como requisito parcial à
obtenção do título de Doutor em História.
Área de concentração: História do Brasil

PROF. DR. BRAZ


Orientador:
AUGUSTO AQUINO BRANCATO

FRANCISCO DAS NEVES ALVES

Porto Alegre, dezembro de 1998


AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Braz Augusto Aquino Brancato, pela orientação segura e plena em
liberdade de escolhas, pela amizade e pelo constante encorajamento na elaboração desta
Tese e nos planos futuros de minha carreira acadêmica.

Ao Prof. Dr. Earle Diniz Macarthy Moreira, pelo constante apoio, desde o início desta
caminhada na realização de minha Pós-Graduação.

À Bolsista Nalde Jaqueline Corrêa Pereira, pelo auxílio na coleta de dados.

Às Direções e funcionários das instituições nas quais foram realizadas as pesquisas, em


especial aos da Biblioteca Rio-Grandense e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Sul.

À Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul que, através do Curso de Pós-
Graduação em História, ofereceu excelente estrutura de ensino para a realização do
Mestrado e do presente Doutoramento.

À CAPES, órgão de fomento que viabilizou a sustentação financeira deste trabalho


através da Bolsa do Programa Institucional de Capacitação Docente e Técnica.

Todos imprescindíveis à elaboração desta Tese.

In memorian do Prof. Hugo Alberto Pereira Neves.


Nunca é demais relembrar ao povo
os fatos culminantes de sua vida
política, que hão de um dia figurar
em todas as suas minudências no
grande livro da História Pátria. É
preciso citá-los, esmerilhá-los e
neles insistir, até que, perfeitamen-
te conhecidos, possam ser devi-
damente avaliados e a verdade
brilhe inteira e cintilante como
raios de sol num lago de cristal.
Echo do Sul
SUMÁRIO

UMA INTRODUÇÃO: IMPRENSA, HISTÓRIA E POLÍTICA ................................... 7

UNIDADE I – CONTEXTUALIZAÇÃO ..................................................................... 18

1. A produção historiográfica acerca da imprensa sul-rio-grandense: o espaço da


política ....................................................................................................................... 19

1.1. Catálogos, estatísticas, arrolamentos e levantamentos descritivos ......................... 21


1.2. As limitações do diletantismo ................................................................................. 30
1.3. O partidarismo como forma de abordagem política ............................................... 34
1.4. A supressão dos temas políticos ............................................................................. 39
1.5. Os primórdios de uma renovação metodológica .................................................... 43
1.6. A permanência da abordagem tradicional .............................................................. 48

2. O controle do discurso: imprensa e legislação brasileira no século XIX -


liberdade X cerceamento .......................................................................................... 55

2.1. A gênese da legislação brasileira de imprensa ...................................................... 56


2.2. A legislação de imprensa durante o Brasil Monárquico ......................................... 59
2.3. A legislação de imprensa nos primórdios do Brasil Republicano .......................... 70

3. O processo político-partidário brasileiro à época da transição Monarquia -


República e as especificidades sul-rio-grandenses ................................................... 80

4. A imprensa rio-grandina: um breve histórico ............................................................ 99

4.1. A evolução do jornalismo brasileiro no século XIX e uma inserção da


imprensa rio-grandina no contexto nacional e regional ....................................... 105
4.2. O discurso político-partidário na imprensa rio-grandina: antecedentes
históricos ............................................................................................................... 118

UNIDADE II – A UNIVOCIDADE DISCURSIVA: OS JORNAIS DIÁRIOS ......... 125

1. Diario do Rio Grande: o “ primado da notícia” como estratégia discursiva ........... 126

1.1. Da fundação à virada liberal (1848-1878) ............................................................ 126


1.2. A postura liberal e a “neutralidade” partidária (1878-1889) ................................ 136
1.3. O advento da República: a “imparcialidade” como alternativa viável, crise e
desaparecimento (1889-1910) .............................................................................. 149

2. O Commercial: uma folha mercantil ....................................................................... 168

3. O Artista: um doutrinário liberal ............................................................................. 185

3.1. De semanário dos artistas a diário noticioso, comercial e político (1862-


1889) .................................................................................................................... 185
3.2. A República: as primeiras reações, “neutralidade”, indefinição editorial e cri-
se (1889-1912) ..................................................................................................... 201

4. Echo do Sul: o partidarismo por opção discursiva .................................................. 218

4.1. De “pasquim” a órgão partidário (1858-1889) ..................................................... 218


4.2. A República: da manutenção do partidarismo à postura “independente”
(1889-1934) ......................................................................................................... 247
4.2.1. Da aceitação da nova forma de governo à oposição e resistência
(1889-1908) ....................................................................................................... 248
4.2.2. Adaptação e sobrevivência (1908-1934) ........................................................... 280

UNIDADE III – O PARADOXO DISCURSIVO: A PEQUENA IMPRENSA .......... 297

1. A pequena imprensa político-partidária ao final do século XIX ............................. 298

1.1. Os liberais ............................................................................................................. 298


1.2. O positivismo ........................................................................................................ 300
1.3. O castilhismo ........................................................................................................ 302
1.4. O monarquismo .................................................................................................... 306
1.5. A dissidência republicana ..................................................................................... 310

2. A imprensa caricata: discurso, imagem e símbolo .................................................. 316

2.1. O discurso político como crítica à política ........................................................... 317


2.2. O discurso político-partidário ............................................................................... 329

CONCLUSÃO ............................................................................................................. 386

FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 404

ANEXO ....................................................................................................................... 428

UMA INTRODUÇÃO: IMPRENSA, HISTÓRIA E POLÍTICA


A evolução histórica da imprensa esteve ligada à constante busca por
informação inerente à grande parte das sociedades, de modo que a curiosidade pública, a
narração dos acontecimentos e as necessidades burocrático-administrativas dos Estados, entre
outros, consistiram-se em elementos motores para a criação de sistemas de coleta e propagação
de informações. Ainda que alguns dos “antepassados”, que constituíram certa equivalência da
imprensa, possam ser encontrados mesmo antes da difusão das atividades tipográficas, estes
longínqüos antecedentes e vagas semelhanças não chegam a ser suficientes para a explicar a
gênese das práticas jornalísticas. Para estas origens, as transformações do mundo moderno,
como o crescimento da curiosidade científica e da necessidade de dados informativos, com o
Renascimento; as polêmicas religiosas advindas da Reforma e da Contra-Reforma; as trocas de
informações, com o incremento das atividades bancárias e comerciais; os progressos
burocráticos e de comunicação que acompanharam a afirmação dos Estados Nacionais; e os
avanços tecnológicos, mormente com a invenção da tipografia, desempenharam significativo
papel. Surgiam, desta maneira, ainda nos séculos XVI e XVII, uma série de folhas volantes
impressas como os libelos, os pasquins, os almanaques, além das occasionnels francesas, dos
zeitungen alemães e das gazetas italianas, atividades que tiveram uma longa sobrevivência1.
Estavam, assim, reunidas as condições para o aparecimento de uma imprensa
periódica, ocorrendo numerosas tentativas de levar em frente este tipo de publicação. Porém, foi
só ao final do século XVIII e durante a centúria seguinte que o jornalismo veio a desenvolver-se
e atingir sua fundamental importância na formação da opinião pública, acompanhando as ondas
revolucionárias que demarcaram a história européia e mundial desse período. Neste sentido, a
evolução da imprensa acompanhou os avanços das revoluções liberais, desenvolvendo-se mais
acentuadamente nos países onde estas primeiro fizeram sentir seus efeitos, notadamente na
Inglaterra, na França e nos Estados Unidos. Esta fase revolucionária serviu para dar
extraordinário impulso às atividades jornalísticas em diversas partes do mundo ocidental, como
na América Latina, onde tiveram importante participação nos processos de emancipação
nacional, primeiramente na de colonização espanhola, onde as tipografias já se faziam presentes
há um maior tempo e, mais tarde, na América Portuguesa. Deste modo, mesmo com notáveis
diferenças de país para país, o jornalismo fez progressos consideráveis nessa época e, a partir
daí, aperfeiçoando-se constantemente, esteve cada vez mais presente em todos os setores das
sociedades nas quais foi praticado2 .
Neste quadro, “a mensagem jornalística vem experimentando mutações
significativas, em decorrência das transformações tecnológicas que determinam as suas formas
de expressão, mas sobretudo em função das alterações culturais com que se defronta” e das
adaptações por que passa “a instituição jornalística em cada país ou em cada universo
geocultural”3. Apesar destas diferenças na disseminação das atividades ligadas ao jornalismo
através de diversas regiões onde a imprensa se fez presente, ela “ajudou a dar forma aos
eventos que registrava”, constituindo-se numa “força ativa na história” ainda mais nos
momentos em que “a luta pelo poder foi uma luta pelo domínio da opinião pública”4. No Brasil,

1
ALBERT, P. & TERROU, F. História da imprensa. São Paulo: Martins Fontes, 1990. p. 3-6.
2
ALBERT & TERROU. p. 7, 11-2, 21 e 29.
3
MELO, José Marques de. A opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1985. p.32.
4
DARNTON, Robert & ROCHE, Daniel. Revolução impressa (1775-1800). São Paulo: EDUSP, 1996. p.
15.
desde a sua gênese como Estado Nacional, o jornalismo desempenhou uma importante função
não só na divulgação/informação dos fatos, como também na discussão/opinião sobre os
mesmos, atuando decisivamente ao longo das várias transformações político-institucionais pelas
quais o país passou.
O significado da imprensa passou a ser tão fundamental que alguns autores
chegaram a compará-la a um “quarto poder” nos Estados. No caso brasileiro, a exemplo da
maioria dos locais onde se desenvolveu, ao atuar na orientação, formação e/ou manipulação da
opinião pública, o jornalismo, ao longo de suas diversas etapas de evolução, transformou-se em
verdadeiro elemento constitutivo da sociedade e refletiu, através das páginas dos jornais, os
diferentes momentos históricos do Estado Nacional Brasileiro, bem como influiu
direta/indiretamente em cada um deles. Desta maneira, a imprensa tornou-se um fator essencial
nas interpretações históricas a respeito da formação brasileira, nos seus mais diversos
fundamentos, como o político, o econômico, o social, ou o ideológico.
Superando certos preconceitos iniciais que descartavam a imprensa como fonte
histórica, tendo em vista sua natureza “tendenciosa”, nas últimas décadas, uma quantidade cada
vez mais crescente de trabalhos históricos vem utilizando-se das informações e/ou opiniões
expressas nos periódicos para promover reconstruções históricas acerca dos mais variados
setores da vida brasileira5. Estes preconceitos contra os possíveis engajamentos dos jornais
foram sobrepujados graças ao aprofundamento do conhecimento a respeito do processo
histórico, da época e da região sobre os quais se está investigando, bem como da utilização de
critérios teórico-metodológicos que, através de uma seleção judiciosa, podem permitir
excelentes resultados ao historiador que entabula suas análises a partir da imprensa6.
Como meio de comunicação mais eficaz na difusão de informações e opiniões,
ao longo do século XIX, a imprensa escrita teve um papel significativo na formação dos hábitos,
dos gostos, das atitudes, dos desejos e, enfim da opinião pública7, de modo a constituir-se num
“instrumento de manipulação de interesses e intervenção na vida social”, proporcionando
estudos nos quais ela pode atuar “como agente da história”, permitindo “captar o movimento
vivo das idéias e personagens que circulam pelas páginas dos jornais”8. Esta valorização do
jornalismo como instrumento para as pesquisas históricas levou os historiadores a enfrentar e
sobrepujar uma série de obstáculos intrínsecos à utilização desse tipo de documentação, como a
falta de coleções completas, mormente quando se trata da pequena imprensa da qual os
exemplares remanescentes são de número extremamente reduzidos; os problemas de
conservação material das fontes9; a carência de informações complementares nos documentos
oficiais e “uma mediocridade geral dos arquivos de empresas que permitiriam descrever a
5
A respeito dos preconceitos do jornalismo como fonte histórica, ver: ABREU, Alzira Alves de. et alii. A
imprensa em transição: o jornalismo brasileiro nos anos 50. Rio de Janeiro: Ed. da Fundação Getúlio
Vargas, 1996. p. 7-8. Já sobre as pesquisas promovidas a partir de estudos da imprensa, observar: MELO,
José Marques de. Estudos de jornalismo comparado. São Paulo: Pioneira, 1972. p. 31-4. e CAMARGO,
Ana Maria de Almeida. A imprensa como fonte para a História do Brasil. In: Anais do V Simpósio dos
Professores Universitários de História. São Paulo: USP, 1971. v.2. p. 226-32.
6
Conforme: BECKER, Jean-Jacques. A opinião pública. In: RÉMOND, René (org.). Por uma história
política. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1996. p.196.; e TOPOLSKY,
Jerzy. Metodologia de la historia. Madri: Catedra, 1985. p. 175 e 471-2.
7
BESSA, Pedro Parafita. Uma análise do conteúdo dos jornais. Revista do Arquivo Municipal. São
Paulo: v. 149, jul. 1952. p. 23.
8
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Contexto, EDUSP, 1988.
p. 21.
9
Ver: RODRIGUES, José Honório. A pesquisa histórica no Brasil. 4.ed. São Paulo: Cia. Ed. Nacional,
1982. p. 170.
instituição do jornal, suas finanças, seus métodos de recrutamento e suas ligações cotidianas
com os diferentes poderes”10.
Em se tratando de pesquisas abordando a história política, o papel da imprensa
avulta em importância, tendo em vista o caráter em geral lacônico que caracteriza muitos dos
documentos oficiais no que tange às disputas e aos confrontos de natureza político-partidária.
Nos jornais, ao contrário, esses conflitos encontram seu espaço de propagação, chegando o
jornalismo a servir como elo de ligação ou agente de combate entre diferentes tendências
político-ideológicas. Nos estudos voltados à política, podem ser distingüidas várias formas de
utilização documentária da imprensa, ou seja, as atividades jornalísticas como fontes de
documentação geral (documentação sobre os fatos e sobre a opinião pública); o jornalismo
como fonte de documentação sobre os grupos e categorias sociais; e a imprensa como fonte de
documentação sobre a própria imprensa (estudos do conteúdo, da difusão e da dependência da
imprensa e a análise da imprensa como centro de um grupo de pressão)11. Deste modo, em
linhas gerais, os trabalhos cujo instrumento primordial de análise é o jornalismo, orientam-se
em direção a duas vertentes básicas: uma história através da imprensa, ou seja, os jornais
servem como fonte de informações para a reconstrução de um determinado elemento
constitutivo de uma dada sociedade; ou ainda, uma história da imprensa, na qual o historiador
visa estudar o jornalismo em si mesmo, sua evolução, suas manifestações e as formas pelas
quais ele retrata os acontecimentos.
O presente trabalho, ao estudar o discurso político-partidário sul-rio-grandense
sob o prisma da imprensa rio-grandina, intenta realizar um estudo no qual estas duas vertentes
de pesquisa acerca do jornalismo intercomplementam-se dialeticamente entre si, de modo que a
imprensa aparece tanto como fonte, quanto como objeto de análise. Os estudos de cunho
político têm seguido, em geral, duas orientações conceituais, numa delas, a política aparece
como “a ciência do Estado, poder organizado na comunidade nacional”, na outra, ela é
interpretada como “a ciência do poder organizado em todas as comunidades”12. Nesta Tese, a
política, analisada em seu viés partidário, é “entendida como forma de atividade ou de práxis
humana” que “está estreitamente ligada ao poder”13, e como uma “forma de conduta humana
livre e polêmica que se projeta como poder sobre a ordem vinculadora de uma comunidade”14,
sendo abordada, enfim, no sentido da práxis dos homens no e pelo poder.
Ao alicerçar-se predominantemente na história política, este estudo trilha por
uma seara que, até há alguns anos, enfrentava uma série de preconceitos, tendo “muitas vezes
parecido a seus detratores como muito menos original e brilhante”15. Isto deveu-se ao
verdadeiro “descrédito em que foi lançado durante algum tempo o estudo dos fatos políticos
pela afirmação de um interesse por outras dimensões da história”, de modo que a abordagem da

10
JEANNENEY, Jean-Noël. A mídia. In: RÉMOND, René (org). Por uma história política. Rio de
Janeiro: Ed. da UFRJ, Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 214.
11
DUVERGER, Maurice. Ciência política: teoria e método. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. p.88-92.
12
DUVERGER, Maurice. Introdução à política. Lisboa: Estúdios Cor, 1964. p. 11.
13
SILVA, Benedito (coord.). Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
1987. p. 922.
14
BOBBIO, Norberto et alii. Dicionário de política. Brasília: Ed. da UnB, 1992. v. 2. p. 954. A respeito
da política no seu conteúdo partidário, ver também: BERSTEIN, Serge. Os partidos. In: RÉMOND, René
(org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1996. p.
64-8.
15
TUCK, Richard. História do pensamento político. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história:
novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992. p. 287-8.
história política acabaria por representar “o próprio símbolo de uma história fora de moda”16.
Este desprezo adveio do fato de que a análise de natureza política acabou sendo confundida com
a tendência historiográfica tradicional, de maneira que passou a ser encarada como sinônimo da
história “factual”, “episódica”, “dos acontecimentos”, ou de uma série de outras denominações
atribuídas aquela vertente historiográfica17. Porém, se a historiografia tradicional esteve em
significativa parte ligada à história política, a recíproca não é obrigatoriamente verdadeira,
constituindo-se a confusão entre elas numa “certa inexatidão”, uma vez que “a história política
não é necessariamente episódica, nem está condenada a sê-lo”18. Este descarte sofrido pela
história política revela os limites que as tendências reducionistas impuseram à história, ao eleger
um fator, seja o social, o econômico ou o próprio político, como apanágio único e exclusivo de
toda a construção histórica de uma determinada época19.
Neste sentido, a história política vem passando por um processo de
revalorização e renovação, e “está tomando o sentido inverso o movimento de desapreço dos
pesquisadores com relação ao campo político”, pois, ao invés de ser arrostado “com
desconfiança ou desprezo, esse campo toma novamente seus direitos”, a partir do momento em
que os historiadores adquirem “consciência de sua importância e de sua autonomia” e se
esforçam “no sentido de relacionar fragmentos de explicação no interior de uma interpretação
total”. Deste modo, “dissipou-se a ilusão de que se pode fazer desaparecer o universo político,
colocando em seu lugar aquilo que ele esconderia”20 e a história política passou a contar com
adeptos até mesmo dentre alguns dos seguidores de seus mais incansáveis críticos21.
Deste modo, nas últimas décadas, “esboçaram-se os sinais anunciadores, e
depois multiplicaram-se as manifestações de um retorno com força total”, no qual “os trabalhos
de história política pululam, numerosas teses lhe são consagradas” e “o ensino, após ter
obedecido à convicção de que se devia descartar a política em benefício da economia e das
relações sociais, tende hoje a reintroduzir a dimensão política dos fatos coletivos”. Esta
revalorização advém de fatores externos, ou seja, a crescente importância que o aspecto político
16
RÉMOND, René. As eleições. In: RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro:
Ed. da UFRJ, Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 44.
17
Uma síntese da evolução da história política ao longo das diversas correntes historiográficas pode ser
observada em: FALCON, Francisco. História e poder. In: CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS,
Ronaldo (orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p.
62-81.
18
BRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais. 5.ed. Lisboa: Presença, 1986. p. 11.
19
Conforme: RÉMOND, René. Do político. In: RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Rio
de Janeiro: Ed. da UFRJ, Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 445-7.
20
JULLIARD, Jacques. A política. In: LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre. (dir.). História: novas
abordagens. 3.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. p. 182 e 184. Ainda acerca desta escamoteação
sofrida pela história política, François Dossê, afirma que “essa diluição-dissolução do aspecto político”
deve-se ao fato de que, “na falta de capacidade para abatê-lo, ele é contornado” e, “para evitar toda
recuperação por contaminação, todos lhe negam a existência”. DOSSÊ, François. A história em migalhas:
dos Annales à Nova História. São Paulo: Ensaio; Campinas: Ed. da UNICAMP, 1992. p. 227. Na mesma
linha, René Rémond explica e questiona: “Quem sabe se uma razão oculta, talvez inconsciente, em
função da qual os historiadores mantiveram a história política sob suspeita não é o fato de que ela
incomoda? Ela desorienta os esforços de explicação por uma causalidade algo mecânica. A política não
segue um desenvolvimento linear: é feita de rupturas que parecem acidentes para a inteligência
organizadora do real”. RÉMOND. Do político. p. 448-9.
vem adquirindo nas sociedades contemporâneas, e internos, ligados à “reflexão crítica” e à
renovação pelas quais as abordagens de natureza política vêm passando. Esta história política
renovada é resultado do contato com outras ciências num processo de “pluridisciplinariedade”,
pelo qual a história política “pediu emprestadas” a algumas disciplinas “técnicas de pesquisa ou
de tratamento, a outras, conceitos, um vocabulário”, e, “às vezes, pediu uma e outra coisa às
mesmas disciplinas, já que os métodos e as técnicas estão geralmente ligados ao tipo de
interrogação formulada e a uma forma de abordagem intelectual”22. Surgia, assim, uma história
política “renovada pelo diálogo com as Ciências Sociais, com novos paradigmas” e procurando
“um discurso global da sociedade sem a pretensão de ser a chave da explicação do sentido da
história”23.
Uma reconstrução histórica que visa empreender uma análise da imprensa
fundamentada numa abordagem política deve levar em conta que o jornal “é quase sempre uma
mistura do imparcial e do tendencioso, do certo e do falso”24, de maneira que seu texto deve ser
interpretado além do sentido literal, pois as informações nele contidas constituem-se em
verdadeiro “magma que tende a ser por vezes complexo, heterogêneo, acontecível e vivo”25.
Desta forma o periódico representa o “construtor e organizador de uma verdade”, uma vez que
“seus redatores acreditam na palavra no sentido de ‘poder’ e de obtenção de efeitos através da
mesma”26, criando aquela verdade a partir de suas visões de mundo. Assim, torna-se necessário
“trazer à luz os centros de interesse do jornal e a evolução desses centros de interesse”,
buscando revelar os “valores explícita ou implicitamente expressos” no mesmo27, pois, “a
sinceridade dos jornais mede-se, a priori, tanto pelas omissões quanto pelo destaque
deliberadamente concedido às notícias escolhidas”28. Nesta linha, as próprias tendências,
distorções, distinções e/ou omissões marcantes nos pronunciamentos de grande parte dos jornais
também se constituem em elementos para a análise histórica, uma vez que demonstram as
formas pelas quais os responsáveis pelos periódicos buscam estruturar (ou desestruturar) os
acontecimentos de uma dada realidade, atuando assim na elaboração de uma construção
discursiva.
Ao atuar como meio de comunicação, informação e divulgação/emissão de
opinião, os jornais agiram como propagadores dos princípios que nortearam as transformações
e/ou a manutenção do status quo de determinadas sociedades. Ao levar ao público a discussão
desses princípios, divulgando, defendendo e/ou criticando determinadas idéias, cada periódico
gerou sua própria construção discursiva sobre as mesmas, numa manifestação do poder através
da palavra29. O discurso pode ser definido como uma prática “resultante de um conjunto de

21
Ver: BURKE, Peter. A Revolução Francesa da historiografia: a Escola dos Annales (1929-1989). São
Paulo: Ed. da UNESP, 1991. p. 100-3.
22
RÉMOND, René. Uma história presente. In: RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de
Janeiro: Ed. da UFRJ, Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 21-9.
23
DOSSÊ, François. A mania da fragmentação. Folha de São Paulo. São Paulo: 6 ago. 1995. p.12.
24
RODRIGUES, José Honório. Teoria da História do Brasil (introdução metodológica). São Paulo: Cia.
Ed. Nacional, 1978. p. 198.
25
MORIN, Violette. Aplicação de um método de análise da imprensa. São Paulo: USP, 1970. p.7-8.
26
FÉLIX, Loiva Otero. Imprensa, revolução e discurso: a construção de categorias. In: RAMBO, Arthur
Blásio & FÉLIX, Loiva Otero (orgs.). A Revolução Federalista e os teuto-brasileiros. São Leopoldo: Ed.
da UNISINOS; Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1995. p. 185.
27
ROBIN, Régine. História e lingüística. São Paulo: Cultrix, 1977. p. 63.
28
GLÉNISSON, Jean. Iniciação aos estudos históricos. São Paulo: DIFEL, 1977. p. 177.
29
A respeito das idéias nas sociedades, Jouvenel afirma que “nós nos comunicamos por meio das
palavras (...), vemos as coisas através das idéias” e influenciamos os outros (e somos influenciados) por
meio do discurso, que encerra várias espécies de idéias”. JOUVENEL, Bertrand de. As origens do Estado
determinações reguladas em um momento dado por um feixe complexo de relações com outras
práticas, discursivas e não-discursivas”30, orientadas por um processo histórico. Deste modo, o
discurso é considerado histórico à medida que “se produz em condições determinadas e projeta-
se no ‘futuro’, mas também (...) porque cria tradição, passado, e influencia novos
acontecimentos”31.
Neste sentido, o discurso tende a constituir-se num elemento que reflete as
diversas características de uma dada sociedade, pois, mesmo que não se pretenda que todo
discurso seja “como um aerólito miraculoso, independente das redes de memórias e dos trajetos
sociais nos quais ele irrompe”, é necessário “sublinhar que, só por sua existência, todo discurso
marca a possibilidade de uma desestruturação-reestruturação dessas redes e trajetos”, ou seja,
“todo discurso é o índice potencial de uma agitação nas filiações sócio-históricas de
identificação, na medida em que ele constitui ao mesmo tempo um efeito dessas filiações e um
trabalho (...) de deslocamento no seu espaço”32. No entanto, o discurso emitido pelos jornais,
por si só, não é histórico, e, “pelo contrário, trata-se, antes, de relacionar texto e contexto”,
buscando-se “os nexos entre as idéias contidas nos discursos, as formas pelas quais elas se
exprimem e o conjunto de determinações extratextuais que presidem a produção, a circulação e
o consumo dos discursos”33.
Para a interpretação da construção discursiva jornalística, torna-se necessário,
assim, o estudo da “dimensão da exterioridade” na elaboração deste discurso34, colocando-se
“em evidência o problema das condições de produção como quadro de informação prévio e
necessário a uma observação interna de cada realidade discursiva”35. Esta preocupação com o
ambiente no qual foi produzido o discurso deve-se ao fato que a prática discursiva por parte da
imprensa não é “um objeto concreto oferecido à instituição e sim o resultado de uma
construção”36, condicionada pelo contexto histórico no qual foi elaborada, de modo que a leitura
de um determinado jornal “não é possível e/ou razoável em si, mas em relação às suas
histórias”, não se constituindo seu texto em algo “fechado em si mesmo e auto-suficiente”37.
Desta maneira, as condições de produção de um discurso jornalístico remetem à análise do
global de uma sociedade, permitindo entender o mesmo como “fruto de uma ideologia e um
instrumento de ideologização - como criador de seus próprios destinatários, como realizador de

Moderno: uma história das idéias políticas no século XIX. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 23. Barthes,
por sua vez, considera que “a palavra pode economizar uma situação ou uma seqüência de ações”,
favorecendo a estruturação de um pensamento, “na medida em que, projetada em conteúdo, ela própria é
uma pequena estrutura”. BARTHES, Roland. O rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 151.
30
ROBIN, Régine et alii. Discurso e ideologia: bases para uma pesquisa. In: ORLANDI, Eni P. (org.).
Gestos de leitura da história no discurso. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1994. p. 82.
31
ORLANDI, Eni P. Terra à vista - discurso do confronto: Velho e Novo Mundo. São Paulo: Cortez,
1990. p. 35.
32
PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas: Pontes, 1990. p. 56.
33
CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo. História e análise de textos. In: CARDOSO, Ciro
Flamarion & VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de
Janeiro: Campus, 1997. p. 378.
34
Conforme FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das Ciências Humanas.
4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987. p. 354.; e FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo:
Loyola, 1996. p. 53-5.
35
OSAKABE, Haquira. Argumentação e discurso político. São Paulo: Kairós, 1979. p. 46.
36
MAINGUENEAU, Dominique. Introducción a los métodos de análisis del discurso: problemas y
perspectivas. Buenos Aires: Hachette, 1980. p. 21.
37
ORLANDI, Eni P. Discurso & leitura. São Paulo: Cortez; Campinas: Ed. da UNICAMP, 1988. p. 44.
um trabalho de constituição de uma nova realidade aos agentes sociais”38. A partir deste
cuidadoso estudo da inter-relação entre a produção discursiva e o meio histórico no qual ela foi
entabulada e da manifesta historicidade do discurso da imprensa, pode-se proceder à
reconstrução de uma realidade a respeito dos mais variados elementos constitutivos de uma
determinada sociedade, num dado momento histórico39.
As construções discursivas de cunho político estão intimamente vinculadas à
luta pelo poder, uma vez que a política consiste-se num dos lugares onde o discurso exerce, “de
modo privilegiado, alguns de seus mais temíveis poderes”, pois “o discurso não é simplesmente
aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que e pelo que se luta, o
poder do qual nos queremos apoderar”40. Deste modo, o objetivo do discurso político “é vencer
a luta através do jogo da desconstrução e reconstrução de significados, interpelando através da
construção articulada de uma visão de mundo”, refletindo-se assim, por meio das palavras, as
idéias e atitudes41. Neste contexto, a imprensa tem “um papel fundamental em redimensionar o
discurso político, criando inclusive novos pólos de polêmica, pautando temas e
comportamentos”42.
No Brasil, o discurso político-partidário emitido através da imprensa exerceu
um papel essencial ao longo dos diversos momentos que caracterizaram o seu cenário político,
seja em âmbito nacional, regional ou local, servindo os jornais como veículos de propagação
dos mais diferentes ideais. No caso gaúcho, esta característica adquiriu uma significância
efetiva, já que a formação histórica sul-rio-grandense foi profundamente marcada pelas disputas
político-ideológicas que, várias vezes, redundaram em confrontos bélicos, numa constante
bipolarização partidária e verdadeira dicotomia política quanto às ações e idéias dos grupos
divergentes. Estes enfrentamentos traduziram-se também na formação de um “conflito
discursivo” expresso em grande parte através do jornalismo, ou seja, na existência de “dois
contextos discursivos antagônicos”, no qual “os interlocutores se constituem como dois lugares
sociais com igual poder de palavra, mas adversários”, de maneira que esses dois contextos se

38
DEBERT, Guita Grin. Ideologia e populismo (“Problemas envolvidos em uma análise do discurso”).
São Paulo: T.A. Queiroz, 1979. p. 40. Também sobre o inter-relacionamento entre a construção discursiva
e o contexto histórico de sua produção, ver: ORLANDI, Eni P. A linguagem e seu funcionamento: as
formas do discurso. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 149-50.; MAINGUENEAU, Dominique. Novas
tendências em análise do discurso. Campinas: Pontes, Ed. da UNICAMP, 1989. p. 32-4.; e MOIRAND,
Sophie. Situação da escrita, imprensa escrita e pedagogia. In: GALVES, Charlotte et alii. O texto: escrita e
leitura. Campinas: Pontes, 1988. p.90.
39
Para Corrêa Mariani, a interpretação do discurso jornalístico “se faz importante e necessária já que
este, enquanto prática social, funciona em várias dimensões temporais simultaneamente: ‘capta,
transforma e divulga’ acontecimentos, opiniões e idéias da atualidade - ou seja, lê o pre-sente - ao mesmo
tempo em que ‘organiza’ um futuro - as possíveis conseqüências desses fatos do presente - e, assim,
‘legitima’, enquanto passado - memória - a leitura desses mesmos fatos do presente, no futuro”.
MARIANI, Bethania Sampaio Corrêa. Os primórdios da imprensa no Brasil (ou: de como o discurso
jornalístico constrói memória). In: ORLANDI, Eni P. (org.). Discurso fundador: a formação do país e a
construção da identidade nacional. Campinas: Pontes, 1993. p. 33.
40
FOUCAULT, 1996. p. 9-10.
41
PINTO, Céli Regina. Com a palavra o senhor Presidente José Sarney (“A sociedade e seus discursos”).
São Paulo: Hucitec, 1989. p. 51-2.
42
PINTO, Céli Regina. Ao eleitor a verdade: o discurso político da imprensa em tempos eleitorais. In:
BAQUERO, Marcello (org.). Brasil: transição, eleições e opinião pública. Porto Alegre: Ed. da UFRGS,
1995. p. 67-8.
“remetem a discursos em algum sentido em conflito e, nessas circunstâncias, a relação
enunciativa se desenvolve como uma luta pela hegemonia de um deles”43.
O discurso político está intimamente relacionado “com o caráter de luta que a
construção desse tipo de discurso envolve”. Esta “luta é o jogo do significado, é o jogo da
construção do antagonismo”, ou seja, “cada discurso busca construir a sua visão de mundo em
oposição à visão de mundo do inimigo” e “o antagonismo se constrói (...) pelo esvaziamento do
significado do discurso do outro”44. No Rio Grande do Sul, o discurso político-partidário
caracterizou-se pela formulação de duas visões distintas e divergentes, uma, a do
aliado/partidário e, outra, a do inimigo/adversário, numa constante luta entre o “nosso” e o “do
outro”. A imprensa rio-grandina, uma das mais destacadas nos quadros nacional e
provincial/estadual, ao longo do século XIX, traduziu através das páginas de seus jornais este
conflito discursivo, quando, desde farroupilhas X legalistas, passando por liberais X
conservadores e chegando a castilhistas X federalistas, entre outros, se digladiaram, utilizando o
poder da palavra expressa por meio do jornalismo.
A presente Tese tem por objetivo analisar o pensamento, as práticas, as idéias,
bem como os diversos elementos constitutivos intrínsecos/extrínsecos que marcaram o discurso
político-partidário sul-rio-grandense à época da transição Monarquia-República, tomando por
base o estudo da imprensa rio-grandina. O marco referencial de espaço é a cidade do Rio
Grande, comunidade de significativa importância político-econômica no contexto brasileiro e
rio-grandense ao longo do século XIX, mormente no que tange às atividades jornalísticas, uma
vez que na mesma praticou-se um jornalismo significativamente desenvolvido, correspondendo
ao nível de evolução da imprensa existente nas maiores cidades do país durante aquela centúria.
Já o balizamento cronológico toma por base o ano de 1868 - cujos acontecimentos político-
partidários demarcam os primórdios do processo que redundaria na desintegração da forma
monárquica - até o de 1895, marcado pelo final da Revolução Federalista, inaugurando-se uma
fase caracterizada por relativa estabilidade que levaria à consolidação da chamada República
Velha45.
O estudo dos diversos periódicos rio-grandinos permite a identificação de
diferentes padrões editoriais, posturas político-partidárias e modos de pronunciar-se diante dos
acontecimentos, de maneira que cada um deles desenvolveu uma determinada “formação
discursiva”, ou seja, em cada caso se pode “descrever, entre um certo número de enunciados,
semelhante sistema de dispersão” e, “entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as
escolhas temáticas”, é possível definir-se “uma regularidade (uma ordem, correlações, posições,
funcionamentos e transformações)” do discurso. À formação discursiva são pertinentes a forma

43
MARTINS, Eleni J. Enunciação & diálogo. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1990. p. 180-1.
44
PINTO, 1989. p. 55. Para Antoine Prost, o estudo dos textos deve levar em conta que eles “revelam
estruturas mentais, maneiras de perceber e de organizar a realidade dominando-a” e um dos mais típicos
exemplos “desse tipo de análise é o estudo da autodesignação dos parceiros e dos adversários nos textos
políticos. Como um partido designa a si mesmo? Como designa seus aliados e seus inimigos?”. PROST,
Antoine. As palavras. In: RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ,
Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 312-3. Sobre a importância da imprensa para os partidos
políticos ver também BERSTEIN. p. 61 e 69.
45
Apesar destas bases cronológicas, que levam em conta o desencadear do processo que levou à mudança
na forma de governo brasileira, constituírem-se no núcleo desta análise, o trabalho não deixa de buscar as
raízes do discurso político-partidário da imprensa rio-grandina, em períodos anteriores, assim como
estabelece breves considerações a respeito da circulação dos jornais mais perenes em fases anteriores e
posteriores a 1868-1895, de modo a analisar o conjunto da construção discursiva entabulada por estas
mesmas folhas.
pela qual “a disposição das descrições ou das narrações está ligada às técnicas de reescrita”; o
modo pelo qual “o campo da memória está ligado às formas de hierarquia e de subordinação que
regem os enunciados de um texto”; e “a maneira pela qual estão ligados os modos de
aproximação e de desenvolvimento dos enunciados e os modos de crítica, de comentários, de
interpretação de enunciados já formulados”; consistindo-se, enfim, num “feixe de relações que
constitui um sistema de formação conceitual”46.
Junto à imprensa rio-grandina se fizeram presentes publicações com as mais
variadas formações discursivas, as quais adotaram diversos tipos de estratégias na orientação de
seus pronunciamentos, do modo que o jornalismo manifestou-se através de modalidades
discursivas diferenciadas, de acordo com a natureza de cada jornal ou grupo de jornais. Em
linhas gerais, o discurso jornalístico na cidade Rio Grande esteve de acordo com a proposição
de que aos periódicos mais poderosos (ou pelo menos mais perenes e estáveis) coube “o uso das
linguagens ‘sérias’, unívocas, os discursos consistentes e monolíticos”, enquanto às pequenas
folhas restaram “as equivocidades de todo o gênero, a piada, o trocadilho, o humor, a poesia
(...), os discursos ambíguos e até paradoxais”47. Desta maneira, as longevas publicações diárias,
com diferenças entre si, e os jornais pouco perenes e de circulação irregular entabularam suas
construções discursivas de acordo com seus respectivos interesses editoriais e financeiros e
condicionados por elementos externos às edições, mormente os ligados às condições históricas
de maior ou menor cerceamento à liberdade de imprensa. Gerava-se, assim, um discurso
político-partidário com características próprias em cada periódico, variando desde as polêmicas
e discussões calorosas e apaixonadas; passando pelo debate propalado como doutrinário; pela
suavização dos pronunciamentos; até o silêncio parcial ou absoluto das declarações de natureza
política48.
Diante disto, os grandes diários rio-grandinos estiveram ligados ao primeiro
grupo, geralmente buscando a construção de discursos sérios e unívocos. Neste caso, as disputas
políticas manifestaram-se através dos jornais, porém, às vezes de forma mais velada e implícita,
e, quando mais abertas, foram limitadas no cronológico, respondendo a uma dada circunstância
política momentânea, ou ainda foram típicas de determinadas fases pelas quais cada periódico
viesse a passar. Ocorria, assim, uma tendência destas folhas a buscarem um certo equilíbrio
entre as suas manifestações de cunho partidário e os seus interesses comerciais e de sustentação
financeira, tendo em vista a necessidade da manutenção da venda das assinaturas e da
publicação de material publicitário49. Deste modo, além do controle legal, as folhas diárias
chegavam, muitas vezes, a impor a si mesmas verdadeira autocensura, com base na disciplina, a
qual não deixa de ser “um princípio de controle da produção do discurso”, que “lhe fixa os

46
FOUCALT, Michel. A arqueologia do saber. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p. 43 e
66.
47
EPSTEIN, Isaac. Gramática do poder. São Paulo: Ática, 1993. p. 125.
48
O silêncio político constituiu-se numa estratégia discursiva, muitas vezes a única viável, adotada até
pelos jornais mais combativos, notadamente nos períodos de maior controle e perseguição às atividades
jornalísticas. Desta forma, até mesmo o silêncio traduz uma significância discursiva, refletindo uma
reação à determinada circunstância histórica. Sobre este aspecto, observar: ORLANDI, Eni P. As formas
do silêncio: no movimento dos sentidos. 2.ed., Campinas: Ed. da UNICAMP, 1993. p. 70-94.
49
Ver DUVERGER, 1976. p. 86.; MARIANI. p. 35; e ORLANDI, Eni P. et alii. Vozes e contrastes:
discurso na cidade e no campo. São Paulo: Cortez, 1989. p. 73. Segundo Gramsci, na elaboração de um
jornal devem ser levados em conta os “elementos ideológicos” e os “econômicos”, de modo que “é
necessário - quando se constrói um plano editorial - manter a distinção entre os dois aspectos, a fim de que
os cálculos sejam realistas”. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. 9.ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. p. 163.
limites pelo jogo de uma identidade que tem a forma de uma reatualização permanente das
regras”50, de acordo com as contingências históricas reinantes.
Já a pequena imprensa, de modo geral, caracterizou-se pelos discursos
ambíguos e paradoxais. Mesmo que em detrimento da manutenção de suas bases comerciais, os
pequenos jornais estiveram na maioria dos casos ligados às várias formas de contestação,
lançando mão de pronunciamentos marcados pelo debate, pela polêmica, pelo humor, pela
sátira, e, fundamentalmente, pela crítica. Assim, “opinativa por excelência, esta imprensa
interpretava os fatos, criando una nova noção de factualidade, tirava conclusões e fazia
julgamentos, com o objetivo de provocar ação por parte daqueles aos quais se dirigia”51. Não
chegando a ter uma “disciplina interna” como orientação básica de suas páginas, estes jornais
sentiam diretamente a censura externa advinda das autoridades públicas sobre a emissão de seu
discurso, na busca “de determinar as condições de seu funcionamento, de impor aos indivíduos
que o pronunciavam certo número de regras e assim de não permitir que todo mundo tivesse
acesso a eles”52.
Inserida no quadro de desenvolvimento da pequena imprensa esteve a prática da
caricatura que associava ao discurso crítico um elemento de apelo popular inegável - a imagem.
Através de um inter-relacionamento com o contexto histórico na qual se fez presente53, de uma
descrição iconográfica e de uma interpretação iconológica da imprensa caricata54, bem como de
uma incursão ao mundo de seus valores simbólicos, torna-se possível a análise do universo
retratado pela caricatura, uma vez que “o simbolismo se crava no natural e se crava no
histórico” e “participa, enfim, do racional”. Desta maneira, “o simbolismo determina aspectos
da vida da sociedade, estando ao mesmo tempo cheio de interstícios e de graus de liberdade”,
refletindo direta ou indiretamente características do modus vivendi de um determinado grupo
humano55. Nesta linha, para o caricaturista, “o sentido mágico das coisas impera”,
predominando a subjetividade na “visão que tem dos indivíduos”, à medida em que ele “idealiza
o panorama e, depois, vagarosamente, constrói o seu mundo, (...) todo seu, simbolicamente
seu”56. Assim, associando imagem e discurso, os semanários caricatos construíram
caricaturalmente uma dada realidade, constituindo-se em significativo manancial de análise
histórica57, mormente no que tange aos assuntos de natureza política constantemente abordados
em seus desenhos e textos.

50
FOUCAULT, 1996. p. 36.
51
CARDOSO, Alcina Maria de Lara & ARAUJO, Silvia Maria Pereira de . Jornalismo e ideologia.
Ciência e cultura - Revista da SBPC. v. 42. out. - dez. 1990. p. 1083.
52
FOUCAULT, 1996. p. 36-7.
53
Conforme: GASKEL, Ivan. História das imagens. In: BURKE, Peter. A escrita da história: novas
perspectivas. São Paulo: Ed. da UNESP, 1992. p. 259.
54
Ver: PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 1979. p. 47-9,
53-4 e 62-4.
55
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
p. 152-3.
56
SOUZA, José Antônio Soares de. Um caricaturista brasileiro no Rio da Prata. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. v. 227. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1955. p.4-5.
57
Sobre a importância da caricatura nos trabalhos de reconstrução histórica, observar: LIMA, Herman.
História da caricatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1963. p. 5-9.; TÁVORA, Araken. D.
Pedro II e seu mundo através da caricatura. 2.ed. Rio de Janeiro: Ed. Documentário, 1976. 5-7.;
SOUZA, Jonas Soares de. A vitrine do imaginário: periódicos ilustrados no século XIX. Documentos. v.
3. n. 6. Campinas: B.C.M.V., jul/dez. 1991. p. 33.; e SILVEIRA, Mauro César. A batalha de papel: a
Guerra do Paraguai através da caricatura. Porto Alegre: L&PM, 1996. p. 23 e 43-9.
Neste quadro de diferenciadas modalidades discursivas, esta Tese encontra-se
divida em três unidades de estudo. A primeira aborda a contextura que envolve o objeto de
trabalho: realizando uma análise historiográfica a respeito dos trabalhos que se dedicaram à
imprensa sul-rio-grandense, com destaque para o espaço que esses escritos destinaram à
abordagem política; estudando a legislação de imprensa vigente durante o século XIX, a qual
serviu como elemento de controle do discurso jornalístico; analisando a conjuntura histórico-
político-partidária brasileira ao longo do processo de mudança de forma de governo, bem como
as particularidades que marcaram o cenário partidário gaúcho; e promovendo uma breve
explicação acerca do contexto histórico do próprio desenvolvimento da imprensa rio-grandina,
situando-a no ambiente sócio-econômico no qual prosperou e descrevendo a gênese do discurso
político-partidário no alvorecer do jornalismo local, regional e nacional. A segunda unidade
trata dos jornais Diario do Rio Grande, O Commercial, Artista e Echo do Sul58, folhas diárias
que, apesar de diferentes estratégias discursivas, buscaram manter linhas editoriais alicerçadas
num discurso sério, unívoco e monolítico. Finalmente, a última unidade analisa a pequena
imprensa que, através das folhas político-partidárias e dos semanários caricatos, com seu
conteúdo essencialmente crítico, fundamentou verdadeiro paradoxo discursivo.
Assim, o presente trabalho busca descrever e interpretar as diversas construções
discursivas emitidas por meio dos jornais da cidade do Rio Grande, tendo por intentos a
identificação das várias relações de oposição que sustentaram os conflitos discursivos
característicos do discurso partidário gaúcho; das mais variadas formações e estratégias
discursivas que, através de padrões editoriais e pronunciamentos partidários e políticos de maior
ou menor intensidade, marcaram as páginas das publicações rio-grandinas; e das diferentes
modalidades discursivas empregadas pelos periódicos, tendo em vista seus ideais político-
partidários inter-relacionados com os seus interesses comerciais e financeiros de sustentação,
mormente no que tange à publicação de matéria publicitária e manutenção das assinaturas59.
Neste sentido, esta Tese visa promover uma reconstrução histórica do discurso político-
partidário sul-rio-grandense à época da transição Monarquia-República expresso através da
imprensa rio-grandina, analisando a evolução desse jornalismo como um dos mais destacados
do Brasil do século XIX.

58
A grafia dos títulos de cada um dos periódicos abordados neste trabalho foram mantidas na sua forma
original.
59
Para um parâmetro acerca das diversas referências feitas ao longo do trabalho sobre valores em mil-réis
(como em multas e custo de assinaturas, por exemplo), relacionando-os com preços e salários praticados
na cidade do Rio Grande do século XIX, ver ALVES, Francisco das Neves & TORRES, Luiz Henrique.
A cidade do Rio Grande: uma abordagem histórico-historiográfica. Rio Grande: Universidade do Rio
Grande, 1997. p. 51-3.
UNIDADE I – CONTEXTUALIZAÇÃO

Nos trabalhos de reconstrução histórica que têm na imprensa a sua fonte e o seu
objeto de investigação, o conhecimento do ambiente no qual os periódicos se desenvolveram é
fundamental e constitui-se em elemento indissociável do conjunto da pesquisa. Assim, “se faz
preciso especial disposição de espírito para ler um artigo de jornal do passado e julgá-lo
corretamente”, uma vez que “só um historiador impregnado da atmosfera do tempo em que o
artigo foi escrito, tendo presentes as circunstâncias históricas em que se produziu, é que pode
captar o eco das intensas vibrações sociais que porventura tenha provocado”60. Neste sentido, a
realização de uma contextualização historiográfica, jurídico-legal, político-partidária e das
condições intrínsecas locais da evolução do jornalismo, buscando identificá-las com as
regionais e as nacionais torna-se um elemento inerente aquele tipo de reconstrução
Analisar a produção historiográfica a respeito da imprensa gaúcha permite
identificar as diferentes tendências e a forma pela qual foi escrita uma história geral do
jornalismo rio-grandense, detectando-se os enfoques e o estilo de interpretação dos diversos
autores, bem como destacando o espaço destinado aos assuntos de natureza política em cada um
destes escritos. Já um estudo da legislação brasileira de imprensa, ao longo do século XIX,
possibilita um conhecimento dos diversos dispositivos que serviram para controlar o discurso
jornalístico, através das fases de alternância entre a maior liberdade e mais intenso cerceamento
que marcaram a evolução da imprensa brasileira. O conhecimento do processo político-
partidário brasileiro, demarcando as especificidades sul-rio-grandenses neste campo, durante o
processo de transição à forma de governo republicana leva a uma melhor compreensão do
conjunto das construções discursivas entabuladas pelos jornais em estudo, identificando e inter-
relacionando os elementos constitutivos intra e extradiscursivos das páginas destas publicações.
Finalmente, uma breve explicação histórica sobre o desenvolvimento da imprensa rio-grandina,
inserindo-a na conjuntura da evolução do jornalismo brasileiro e gaúcho e buscando as raízes do
discurso político-partidário, permite destacar a importância das atividades jornalísticas
praticadas na cidade do Rio Grande, nos quadros nacional e regional, e conhecer as diversas
fases, bem como o contexto político, ideológico, econômico e social, no qual desenvolveu-se a
referida imprensa.

60
JOBIM, Danton. Espírito do jornalismo. São Paulo, EDUSP, COM-ARTE, 1992. p. 26.
1. A PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA ACERCA DA IMPRENSA
SUL-RIO-GRANDENSE: O ESPAÇO DA POLÍTICA

A partir do final do século XIX, os estudos de caráter histórico a respeito da


imprensa no Rio Grande do Sul passaram a ser mais freqüentes, levando ao reconhecimento do
valor dos jornais como fonte histórica e à incorporação da história da imprensa como mais um
dos elementos constitutivos da produção historiográfica sul-rio-grandense. Deste modo, a
imprensa passou a ser historiada através de pequenos artigos, ensaios ou trabalhos
monográficos publicados em anuários, almanaques ou nos próprios jornais, bem como em anais
de congressos e simpósios e em edições comemorativas de certas datas, ou elucidativas a
respeito da formação da Província/Estado, também foram escritos, em menor escala, livros
tratando especificamente do tema.
Significativa parte dos trabalhos ligados a uma história geral da imprensa
gaúcha foram produzidos num momento em que começava a dar-se uma “definição do
significado dos estudos históricos, de seu objeto, de sua função, bem como a delimitação das
tarefas do ‘historiador’, realizada por intelectuais vinculados às ‘instituições da cultura’”, na
busca de um “aprofundamento do processo de ‘institucionalização’ da historiografia rio-
grandense”; mesmo assim, em grande parte, “naquela conjuntura, ainda não havia uma
definição sequer” da atividade de historiador, “o que estava ocorrendo era exatamente esse
processo de institucionalização da disciplina e do próprio intelectual a ela dedicado”61. Assim, a
imprensa foi, na maioria das vezes, estudada por elementos sem uma formação acadêmica em
História, predominando os trabalhos de jornalistas, advogados, funcionários públicos e
militares.
Neste quadro, a construção historiográfica a respeito da imprensa sul-rio-
grandense, empreendida predominantemente desde o final do século XIX até a década de
setenta do século seguinte, pode ser melhor compreendida na forma de estudos de caso a partir
da análise dos escritos de João José Cezar, João de Oliveira, Alfredo Ferreira Rodrigues,
Tancredo Fernandes de Mello, Alfredo Guimarães, João Pio de Almeida, Inocêncio Roméro,
Agostinho José Lourenço, Augusto Porto Alegre, Walter Spalding, Aurélio Porto, Nestor
Ericksen, Scylla Soares da Silva e Souza, Carlos Reverbel, Athos Damasceno Ferreira, Edgar
Luiz Schneider, Lothar Hessel, Gabriel Borges Fortes e Lourival Vianna, buscando investigar a
produção histórico-intelectual de cada um deles sobre aquele assunto, em suas características
intrínsecas como “a escolha de técnicas de expressão e a coloração inconsciente da narrativa, o
hábito do historiador em pesquisar e apresentar provas - seu estilo profissional”62, a relação
sujeito-objeto, as distinções/omissões diante dos fatos e/ou assuntos e o lugar destinado à
abordagem da política ao historiar o jornalismo.
A maior parte da história sobre a imprensa no Rio Grande do Sul se inseriu num
contexto historiográfico mais amplo, predominante por longo período na produção histórica rio-

61
ALMEIDA, Marlene Medaglia. Introdução ao estudo da historiografia sul-rio-grandense. Porto
Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Pós-Graduação em Antropologia, Ciência Política e
Sociologia, 1983 (Dissertação de Mestrado). mimeo. p.167 e 333.
62
GAY, Peter. O estilo na história. São Paulo: Cia. das Letras, 1990. p.22.
grandense, tratando-se de uma tendência historiográfica “tradicional”63, cujas principais
características foram: a abordagem do particular pelo particular; uma atitude de contemplação
do passado; a supervalorização do papel do indivíduo como agente transformador da história; a
busca de um estudo neutro dos fatos, com a negação completa de qualquer relacionamento entre
o sujeito/observador e o objeto observado; a não aplicação de preceitos teórico-metodológicos
ou de recursos inovadores e nem do inter-relacionamento com as demais Ciências Sociais; a
vital preocupação com as fontes e a apresentação dos documentos para comprovar suas
asserções; e a narração linear dos acontecimentos64.
A inserção da história da imprensa neste contexto historiográfico determinou o
predomínio de uma “historiografia informativa”, na qual a “sua unidade reside no tratamento da
matéria marcada pela chamada ‘história acontecimental’ que, às vezes, chega ao anedótico”, ou
ainda “a um estilo próximo da reportagem”. Nesta linha, na maioria das vezes, são
característicos os “procedimentos descritivos, ritmados pelos ‘antes e depois’, recheados de
episódios, nomes e datas”, além disto, “o aparecimento e o desenvolvimento da imprensa são
tratados como eventos desconectados de qualquer processualidade empírica”65. Em alguns dos
trabalhos sobre o jornalismo rio-grandense pode-se também observar um “gosto pelo
simplesmente ‘folclórico’, a investigação pelo simples prazer de investigar, a produção
intelectual ‘decorativa’”66.
Assim, os textos que tratam da história da imprensa rio-grandense limitam-se,
muitas vezes, a realizar um arrolamento de periódicos, onde o objeto estudado - os jornais -
aparecem isolados em relação ao contexto histórico no qual se desenvolveram, de modo que
“dificilmente o tratamento da história da imprensa é ligado aos horizontes ideológicos do
período estudado”, bem como não promovem uma articulação entre “os seus temas de análise e
a sociedade e os contextos sociais particulares em que foram produzidos e sobre os quais
tiveram efeitos” estes mesmos jornais67. Estas obras, na maior parte, privilegiam o estudo das
características formais de cada um dos periódicos (como tipografia, preço, formato e número de
páginas), considerados elementos fundamentais, em detrimento de uma análise mais profunda
dos valores explícitos/implícitos dos jornais. A grande “discussão” historiográfica se dá em
torno do surgimento da imprensa no Rio Grande do Sul68, daí o aparecimento de uma série de

63
Sobre esta historiografia “tradicional”, no contexto gaúcho, observar: TORRES, Luiz Henrique.
Historiografia sul-rio-grandense. Utopia ou barbárie. n.1. Rio Grande: APROFURG/Palmarinca, 1992. p.
97-8.
64
Segundo Sandra Pesavento, este tipo de abordagem histórica não realiza “a análise do processo
subjacente ao simples arrolamento dos fatos. Escapa à interpretação o contexto sócio-econômico no qual
se movem os atores. Estes, por sua vez, não aparecem como elementos pertencentes a um grupo social
determinado, mas como indivíduos”. PESAVENTO, Sandra Jatahy. Historiografia e ideologia. In:
DACANAL, José Hildebrando & GONZAGA, Sergius (orgs.). RS: cultura & ideologia. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1980. p.83.
65
RÜDIGER, Francisco Ricardo. História da imprensa e da comunicação social no Rio Grande do Sul
(bibliografia e notas para uma avaliação crítica). Porto Alegre: Museu de Comunicação Social Hipólito
José da Costa, 1983. p. 5.
66
GERTZ, René E. Intelectuais gaúchos pensam o Rio Grande do Sul. Estudos Ibero-Americanos. v.10,
n.1. Porto Alegre: PUCRS, 1984. p. 87.
67
RÜDIGER, 1983. p. 6-7.
68
Sobre a constante abordagem das “origens” na produção histórica a respeito da imprensa rio-
grandense, Francisco Rüdiger afirma: “A história da imprensa não é a sucessão compulsória de títulos e
padrões editoriais de uma origem, que se localiza na fundação de um primeiro jornal num espaço-tempo
da história. Pode-se admitir como hipótese de investigação, que o aparecimento da imprensa deve ser
relacionado com as exigências da vida política; com a captação pelas classes e frações de classes sociais,
por intermédio de categorias específicas, da dimensão política de seu destino e de sua vontade ativa na
títulos envolvendo a “gênese”, as “origens”, a “fundação”, ou os “primórdios” da mesma69.
Este “debate” restringe-se, porém, a responder e discordar no que se refere a questões como o
nome do responsável pela implantação de uma tipografia no sul, assim como o local e a data da
mesma, sem elucidar outros elementos explicativos.
Neste contexto, à exceção dos escritos de Carlos Reverbel promovidos por
ocasião do encontro Fundamentos da Cultura Rio-Grandense, a produção intelectual
concernente à história geral da imprensa no Rio Grande do Sul, entabulada da década de oitenta
do século dezenove, até os anos setenta do século vinte, esteve inserida nas características de
uma tendência historiográfica tradicional. Esta produção historiográfica foi marcada por um
caráter predominantemente descritivo, na qual, apesar de certas nuanças entre as formas de
abordagem, história, imprensa e política aparecem dissociadas entre si e na conjuntura da
sociedade, sendo tratadas de modo estanque na maior parte de cada uma destas obras.

1.1. Catálogos, estatísticas, arrolamentos e levantamentos descritivos

A elaboração de catálogos, listas estatísticas, arrolamentos e levantamentos


descritivos foram uma das formas mais comuns na abordagem a respeito da história do
jornalismo gaúcho, de modo que este tipo de trabalho foi desenvolvido desde as origens da
produção historiográfica acerca da imprensa rio-grandense, ao final do século XIX,
prolongando-se ao longo da centúria seguinte. Dentre estes, pode-se destacar os escritos de João
José Cezar, João de Oliveira, Alfredo Ferreira Rodrigues, Tancredo Fernandes de Mello, João
Pio de Almeida, Agostinho José Lourenço, Augusto Porto Alegre, Walter Spalding e Nestor
Ericksen.
Um dos primeiros trabalhos acerca da imprensa rio-grandense surgiu em 1884,
com as “Notas sobre a imprensa no Rio Grande do Sul de João José Cezar70. Neste pequeno
ensaio, devido às próprias características de ter sido publicado em um “Anuário”, o autor tem
por objetivo destacar os periódicos existentes na Província durante o ano de 1884. Assim, na
forma de introdução, ele aponta o número total de periódicos, buscando classificá-los quanto à
periodicidade (diários ou não), à tendência política (“declaradamente” conservadores, liberais
ou republicanos), à religião (religiosos ou não) e à posição frente à abolição da escravatura.
A seguir, João José Cezar passa a arrolar os jornais, destacando seu período de
existência e suas características formais, como preço, tipografia, formato, responsáveis e
colaboradores; classificando-os por cidade, e, dentre estas, em diários, bi-semanários e
semanários. Dessa maneira, o autor cataloga doze jornais em Porto Alegre; sete, no Rio Grande;
seis, em Pelotas; quatro, em Jaguarão; três, em Santa Vitória do Palmar e Santana do

vida política. O desenvolvimento da imprensa resultaria do desdobramento do campo político e, em


particular, da necessidade das classes e frações de classes sociais fazerem-se representar e valer seu
arbitrário político-cultural no campo social”. RÜDIGER, Francisco Ricardo. O nascimento da imprensa
no Rio Grande do Sul. Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS. v.13. Porto
Alegre: Ed. da UFRGS, 1985. p. 116.
69
A respeito do surgimento da imprensa no Rio Grande do Sul, observar: RÜDIGER, 1985. p. 116-35.
70
CEZAR, João José. Notas sobre a imprensa no Rio Grande do Sul. In: Anuário da Província do Rio
Grande do Sul para o ano de 1885. Porto Alegre: Editores Gundlach & Cia. Livreiros, 1884. p. 188-200.
O jornalista rio-grandino João José Cezar, nascido em 1849, desde cedo ligou-se às atividades
jornalísticas, iniciando em 1862, como aprendiz, no jornal Echo do Sul de sua cidade natal. Além de
redator no próprio Echo do Sul, trabalhou na Folha da Tarde (Porto Alegre) e foi co-proprietário e redator
da Chronica, no Rio de Janeiro. Dados obtidos a partir do jornal Echo do Sul (19/4/1890 e 7/9/1893).
Livramento; dois, em São Leopoldo, Santa Cruz, Cruz Alta, Bagé, Dom Pedrito, São Gabriel,
Alegrete, Quaraí e Uruguaiana; e um, em Cachoeira, Itaqui e São Borja. Cezar aponta o objeto e
os limites do seu trabalho, declarando aceitar possíveis contribuições que viessem a completar o
mesmo:
“Como o único interesse que tenho nestas notas é apresentar um trabalho o mais
completo possível, peço aos diretores de todos os jornais da Província que se dignem
enviar-me quaisquer informações a respeito, retificando pontos que forem inexatos.” 71

Diante disto, o autor encerra o ensaio agradecendo as possíveis colaborações e


determinando que sua intenção, ao escrevê-lo, era a de realizar um trabalho predominantemente
estatístico:
“Muito grato ficarei aos colegas que me honrarem com suas notícias, a fim de
habilitarem-me a melhorar este simples ensaio estatístico”.72

Outro trabalho, também de natureza estatística, publicado no final do século


XIX, foi “Estatística dos jornais que se têm publicado no Rio Grande do Sul” de João de
Oliveira73. O autor procura realizar um levantamento dos periódicos rio-grandenses, desde as
origens da imprensa até o ano de 1896, catalogando-os por cidade, com o título do jornal e o
período da respectiva existência. Aponta, assim, a presença de jornais em: Porto Alegre, Rio
Grande, Pelotas, Jaguarão, Santana do Livramento, Uruguaiana, Bagé, Cruz Alta, Santa Maria,
São Gabriel, Quaraí, Santa Vitória do Palmar, Cachoeira, Itaqui, Alegrete e Dom Pedrito, entre
outras localidades.
Deste modo, João de Oliveira faz o levantamento de seiscentas e vinte e nove
folhas que circularam no Rio Grande do Sul, destacando-lhes apenas os títulos e períodos, não
tecendo nenhuma consideração sobre as mesmas. Apesar de ter por objetivo realizar um
levantamento completo dos jornais rio-grandenses, o autor reconhece as dificuldades e limites
nesse tipo de trabalho, calculando que “para o completo estudo da estatística faltavam ainda
cerca de 200 jornais”74.
Um dos autores que, na virada do século XIX para o XX, mais se dedicou ao
estudo da imprensa no Rio Grande do Sul foi Alfredo Ferreira Rodrigues75. Seu trabalho inicial

71
CEZAR. p. 200.
72
CEZAR. p. 200.
73
OLIVEIRA, João de. Estatística dos jornais que se têm publicado no Rio Grande do Sul. In:
Almanaque Popular Brasileiro para 1897. Pelotas: Echenique & Irmão - Livraria Universal, 1896. p.
231-9. É importante destacar o papel desempenhado pelos “almanaques” como elemento de propagação
cultural durante a virada do século XIX, período no qual boa parte dos trabalhos sobre a imprensa foi
realizada nesse tipo de publicação.
74
OLIVEIRA. p. 231.
75
O escritor rio-grandino Alfredo Ferreira Rodrigues (1865-1942) foi pesquisador, ensaísta, historiador,
cronista, literato¸ jonalista, biógrafo, tradutor, folclorista, charadista, poeta, professor, comerciante,
industrialista e viajante comercial. Ferreira Rodrigues foi redator de jornais pelotenses, funcionário e
gerente da Livraria Americana, fundador do Almanaque Literário e Estatístico do Rio Grande do Sul, co-
fundador da Academia Rio-Grandense de Letras, sócio do Centro Rio-Grandense de Estudos Históricos,
na cidade do Rio Grande e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Foi
também membro do Clube Literário Apolinário Porto Alegre (Pelotas), do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano, dos Institutos Históricos e
Geográficos da Bahia, Ceará e São Paulo e da Sociedade de Geografia de Lisboa. Dentre seus escritos
pode-se destacar: “Homens e fatos do passado”, “Revolução de 1835”, “Estado do Rio Grande do Sul”,
“Primeiros fortes do Rio Grande”, “A fronteira do Rio Grande” e “A Revolução e a República”, além de
uma série de biografias, notadamente sobre os participantes da Revolução Farroupilha. Dados obtidos a
partir de: MARIANTE, Hélio Moro. Alfredo Ferreira Rodrigues. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1982. p.
sobre este assunto foi publicado em 1898, por ocasião das comemorações do cinqüentenário do
jornal rio-grandino Diario do Rio Grande, surgindo as primeiras de uma série de “Notas para a
história da imprensa no Rio Grande do Sul”76. Neste artigo, o autor destaca que escrevera “uma
notícia histórica” da imprensa rio-grandense, desde o “primeiro jornal” até 1845, ano que
fechava o “ciclo revolucionário”, descrevendo um total de quarenta e três jornais. Diante desse
objeto de estudo, Rodrigues explica os limites na realização de seu intento, assim como a
intenção de ampliar o trabalho:

“... comecei a tomar apontamentos de tudo que se relacionava com a imprensa, na


esperança de que, dentro em pouco, teria material para um estudo detalhado. Infelizmente
os dados colhidos foram muito poucos, deficientes sobre a vida de alguns jornais e quase
nulos no tocante a outros (...).
Em todo caso, para não deixar de associar-me à comemoração do jubileu do Diario do Rio
Grande, venho trazer os poucos dados que reuni, que serão, quando muito, o esboço de
trabalho mais completo, que com vagar hei de escrever.”77

No artigo de 1898, Ferreira Rodrigues faz considerações sobre as características


gerais da imprensa durante o período estudado, quanto à periodicidade e ao formato dos jornais,
destaca a qualidade e a “feição moderna” daqueles periódicos, bem como a importância dos
mesmos no desenrolar dos acontecimentos daquele momento78. A partir daí, o autor passa a
arrolar uma série de jornais, com breve abordagem das características formais de cada um.
No ano seguinte, Rodrigues reedita suas “Notas”79, complementando-as com
relação às anteriores, passando a catalogar cinqüenta jornais, e ratificando o seu objetivo de
trabalho:

“... revendo nas horas vagas os meus alfarrábios, que são muitos, e os meus jornais
velhos, que são muitíssimos, veio-me a idéia de escrever uma notícia histórica da imprensa
no Rio Grande do Sul, desde que se começou a publicar o primeiro jornal na Província, até
mais ou menos o ano de 1845, em que terminou a Revolução, período da nossa história que
eu tenho mais seriamente estudado.”80

7-19.; MARIANTE, Hélio Moro. Perfil de Alfredo Ferreira Rodrigues. In: RODRIGUES, Alfredo
Ferreira. Vultos e fatos da Revolução Farroupilha. Brasília: Imprensa Nacional, 1990. p. 14.; MARTINS,
Ari. Escritores do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed. da UFRGS/Instituto Estadual do Livro, 1978. p.
495-7.; e VILLAS-BÔAS, Pedro. Notas de bibliografia sul-rio-grandense: autores. Porto Alegre: “A
Nação”/Instituto Estadual do Livro, 1974. p. 432-6.
76
RODRIGUES, Alfredo Ferreira. Notas para a história da imprensa no Rio Grande do Sul. Diario do
Rio Grande. Rio Grande: 16/21 out. 1898. p. 1-2.
77
RODRIGUES, 1898. p. 2.
78
Para Alfredo Ferreira Rodrigues, era notável “que uma imprensa, publicando-se tão poucas vezes e
dispondo de tão acanhado espaço pudesse influir no espírito público de modo tão decisivo como influiu
no período que vai de 7 de abril de 1831 a 20 de setembro de 1835. Pode-se dizer que o movimento
revolucionário de 1835, ainda que obedecendo a causas múltiplas (...) foi preparado por essa imprensa
liliputiana. Ela pesou muito seriamente na opinião e é inegável que alguns de seus órgãos tinham boa
orientação e eram inteligentemente redigidos”. RODRIGUES, 1898. p. 2.
79
RODRIGUES, Alfredo Ferreira. Notas para a história da imprensa no Rio Grande do Sul. In:
Almanaque Literário e Estatístico do Rio Grande do Sul para 1900. Rio Grande: Editores Carlos Pinto &
Comp. - Livraria Americana, 1899. p. 231-57.
80
RODRIGUES, 1899. p. 231.
Apesar de organizar seus escritos “nas horas vagas”, Ferreira Rodrigues
sustenta a exatidão de suas pesquisas, legitimada a partir do contato direto com as fontes,
afirmando, sobre os jornais, que:

“De quase todos eles possuo ou tive à consulta coleções mais ou menos completas, de
muitos li apenas alguns números, mas não há um só deles de que não encontrasse referência
em outros jornais ou em documentos da época, ou de que tivesse informações precisas.
A relação que apresento é, portanto, digna de confiança; poderá não ser completa, mas
é, em todo o caso, exata.”81

As outras “Notas” de Alfredo Ferreira Rodrigues foram publicadas em 190182,


tratando-se da biografia do jornalista Cândido Augusto de Mello, que atuou em Pelotas, Rio
Grande e Porto Alegre, nas quais o autor também estabelece explicações sobre a imprensa
naquela primeira cidade. Finalmente, em 1902, o autor publicou um “Catálogo dos jornais
publicados no Rio Grande do Sul (1827-1864)”83, no qual ele realiza uma listagem de cento e
oitenta e cinco jornais, catalogando-os quanto ao título, a localidade, o início e o fim da
publicação. São apontados os periódicos das localidades de Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas,
Jaguarão, Alegrete, São Gabriel, Bagé, Piratini e Caçapava. Neste último trabalho, o autor vai
ainda mais diretamente ao encontro de adotar como método descritivo o simples arrolamento,
pois não realiza nenhum tipo de introdução explicativa quanto a seus objetivos, bem como não
faz considerações sobre as características dos jornais citados.
Ainda no início do século XX, Tancredo Fernandes de Mello84 escreve dois
trabalhos sobre a imprensa rio-grandense. Em 1904, publica “Os primeiros jornais do Rio
Grande do Sul”85, tratando das “origens” da imprensa gaúcha e fazendo uma afirmação sobre
esse assunto que geraria grande polêmica entre os autores posteriores:

“A mais antiga tipografia rio-grandense, de que conheço documentos incontestáveis, foi


a estabelecida em Porto Alegre (1827), pelos cuidados do Marquês de Barbacena.”86

Apesar de sua intenção de legitimar seus escritos a partir de “documentos


incontestáveis”, esta consideração de Mello seria contestada, posteriormente, pelos historiadores
da imprensa rio-grandense. Também este ensaio caracteriza-se por uma narração descritiva de
alguns dos primitivos jornais do Rio Grande do Sul, com destaque para os porto-alegrenses

81
RODRIGUES, 1899. p. 257.
82
RODRIGUES, Alfredo Ferreira. Notas para a história da imprensa no Rio Grande do Sul: Cândido
Augusto de Mello. In: Almanaque Popular Brasileiro para o ano de 1902. Pelotas: Echenique, Irmãos &
Cia. - Livraria Universal, 1901. p. 151-4.
83
RODRIGUES, Alfredo Ferreira. Catálogo dos jornais publicados no Rio Grande do Sul (1827-1864).
In: Almanaque Popular Brasileiro para o ano de 1903. Pelotas: Echenique, Irmãos & Cia. - Livraria
Universal, 1902. p. 221-5.
84
O porto-alegrense Tancredo Fernandes de Mello (nascido em 1870) era diplomado em Engenharia
Militar, tendo sido também jornalista, historiador, pesquisador e membro do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro. Dentre seus trabalhos pode-se destacar: “Almanaques do Rio Grande do Sul”,
“Imprensa em Santa Vitória do Palmar”, “Santa Vitória do Palmar”, “Pelotas: a sua fundação” e “O
manifesto do príncipe”. Dados obtidos a partir de: MARTINS, A. p. 362. e VILLAS-BÔAS. p. 314.
85
MELLO, Tancredo Fernandes de. Os primeiros jornais do Rio Grande do Sul. In: Almanaque Popular
Brasileiro para o ano de 1905. Pelotas: Echenique, Irmãos & Cia. - Livraria Universal, 1904. p. 129-37.
86
MELLO, 1904. p. 129.
Diário de Porto Alegre, O Constitucional Rio-Grandense, O Amigo do Homem e da Pátria, O
Vigilante e o Sentinela da Liberdade e para o rio-grandino O Noticiador.
No outro trabalho de Trancredo Fernandes de Mello, “A imprensa do Rio
Grande do Sul”87, ele prossegue descrevendo os periódicos, referindo-se a este ensaio de 1906,
como uma continuação do anterior, assim como anuncia a intenção de prosseguir o mesmo em
outra edição:

“Iniciei pela edição de 1905 do Almanaque um sucinto histórico-bibliográfico dos


jornais rio-grandenses, de que é este continuação. Seguir-se-á o catálogo cronológico de
todas as publicações periódicas. (...)
É provável que eu tenha concluído no próximo ano um trabalho mais completo sobre o
mesmo assunto (...).
[De modo que] no próximo Almanaque concluirei estas notas sobre o jornalismo rio-
grandense.”88

O autor não chega, porém, a publicar esta terceira parte anunciada, mas deixa
bem claro o tipo de abordagem que pretende apresentar, ou seja, um “sucinto histórico-
bibliográfico”, um “catálogo cronológico”, ou ainda algumas “notas sobre o jornalismo”. Nesta
linha, ele arrola vinte e nove jornais (na maioria porto-alegrenses), destacando formato, preço,
proprietários e, às vezes, o grupo político que o jornal declaradamente representava, mas sem
qualquer aprofundamento explicativo. No ensaio não há nenhum critério metodológico para
definir a inclusão deste ou daquele periódico em especial, ou ainda para delimitar
cronologicamente o trabalho.
Um novo fluxo sobre a história da imprensa rio-grandense deu-se por ocasião
das comemorações do Centenário da Independência do Brasil. Neste quadro, foi publicado o
artigo “Gênese da imprensa no Rio Grande”, de João Pio de Almeida89, o qual se preocupa com
o estudo das origens da imprensa na Província. Após rápidas apreciações sobre as tentativas de
implantação da imprensa no Brasil Colonial e os conseqüentes fracassos devido aos
impedimentos metropolitanos, Pio de Almeida localiza os primórdios da imprensa rio-grandense
junto às Missões Jesuíticas90.
Neste artigo revela-se uma certa indefinição quanto ao objeto de estudo, não
ficando evidenciado se o autor pretende localizar o primeiro prelo a realizar trabalhos
tipográficos, o primeiro jornal a circular no Rio Grande do Sul, ou ambos. Mesmo assim, ele
prossegue descrevendo as tentativas de implantação de uma tipografia por parte do Presidente

87
MELLO, Tancredo Fernandes de. A imprensa do Rio Grande do Sul. In: Almanaque Popular
Brasileiro para o ano de 1907. Pelotas: Echenique, Irmãos & Cia. - Livraria Universal, 1906. p. 161-76.
88
MELLO, 1906. p. 161 e 176.
89
ALMEIDA, João Pio de. Gênese da imprensa no Rio Grande. A Federação. Porto Alegre: 7 set. 1922.
p. 11-2. João Pio de Almeida (1896-1966) era natural de Uruguaiana, bacharel em Direito, foi promotor
público, advogado, redator de A Federação, Procurador Fiscal do Estado, Diretor Geral da Secretaria do
Interior do Estado, Secretário da Fazenda do Estado e dirigiu a Livraria e Editora do Globo. Escreveu
também “Borges de Medeiros: subsídios para o estudo de sua vida e sua obra”. Dados obtidos a partir de:
MARTINS, A. p. 27 e VILLAS-BÔAS. p. 22.
90
Segundo o autor, os fatos que as dimensões de seu “trabalho não permitem estudar nos seus detalhes,
levam à crença não só que existiu em terra do Rio Grande, em época anterior a qualquer tentativa
nacional, a arte da impressão, como de que a matéria empregada pelos indígenas, na criação dos seus
prelos, foi extraída do nosso próprio solo”. ALMEIDA, J.P. de. p. 11. Sobre a imprensa no território
missioneiro sul-rio-grandense, observar: TORRES, Luiz Henrique. Imprensa nas Missões Jesuítico-
Guaranis. In: ALVES, Francisco das Neves & TORRES, Luiz Henrique (orgs.). Imprensa & história.
Porto Alegre: APGH-PUCRS, 1997. p. 9-14.
João Carlos de Saldanha Oliveira e Daun, não levada a bom termo devido ao afastamento do
mesmo de seu cargo; bem como outra, realizada pelo Visconde de Barbacena, Comandante-em-
Chefe das forças imperiais no Rio Grande, que teria encomendado um prelo para expedir os
boletins militares, sendo o mesmo perdido na Guerra contra as Províncias Unidas do Rio da
Prata. Finalmente, aponta para a atuação do Brigadeiro Salvador José Maciel e a criação do
primeiro jornal gaúcho, o Diário de Porto Alegre e revela um dos objetivos de seu texto -
identificar o “fundador” da imprensa rio-grandense:

“Não se pode considerar Barbacena nem como o fundador, nem como o introdutor da
imprensa no Rio Grande do Sul, porquanto o seu prelo de campanha, de breve existência,
passou apenas pelo Estado sem deixar qualquer sinal de sua passagem.
Investigando as origens da nossa imprensa, na tentativa de esboçar a história do
jornalismo rio-grandense, de que destacamos estas notas, não encontramos documento que
individualizasse, com segurança o verdadeiro fundador da arte tipográfica entre nós. Não
será injusto, porém, atribuir ao Brigadeiro Salvador José Maciel a honra da fundação da
imprensa no Rio Grande do Sul.”91

Após esta identificação, o jornalista passa a descrever algumas das


características do primeiro jornal, assim como a atuação dos tipógrafos e o surgimento de outro
periódico, O Amigo do Homem e da Pátria. Sobre a formação da imprensa periódica no sul, Pio
de Almeida defende a atuação dos governantes em dotar a Província de um jornal, como
também apoia a idéia de que o Diário de Porto Alegre não era um “jornal oficial”, não servindo
para defender o governo, discordando, nesse aspecto, com a maioria dos historiadores. Assim,
para ele, nada mais natural que o governo se armasse “de um órgão de publicidade”, como
“único meio hábil para corrigir e controlar os excessos da opinião pública”92. Esta postura
revelava a própria contingência da vida política e profissional do autor, funcionário público
estadual e ligado ao jornal A Federação, sustentáculo ideológico e um dos meios utilizados para
defender a manutenção do Partido Republicano Rio-Grandense no poder desde os primórdios da
República. Deste modo, o escritor considera totalmente aceitável um jornal vinculado aos
governantes para combater os “excessos” através da imprensa, ainda mais naquele momento de
profunda contestação ao modelo castilhista-borgista, como foi o início dos anos vinte.
Ainda por ocasião da passagem do Centenário da Independência, embora de
forma um pouco tardia, Agostinho José Lourenço publica, em 1923, o artigo “Imprensa rio-
grandense”93, no qual o autor concentra seu estudo na cidade de Porto Alegre. Inicia o texto
descrevendo o Diário de Porto Alegre, tendo em vista que, com o mesmo, se “fundava” a
imprensa no Rio Grande do Sul, e, em seguida, destaca algumas características tipográficas e
editoriais deste e de alguns dos outros primitivos jornais gaúchos, bem como cita dados
biográficos sobre alguns dos responsáveis ou funcionários dos periódicos.
O autor estabelece um rol de títulos dos jornais, catalogando-os por anos ou
períodos, entre 1834 e 1889, fazendo breves comentários sobre alguns deles. Dedica especial
atenção aos progressos tipográficos do jornalismo porto-alegrense, a partir de 1840 e aos jornais
91
ALMEIDA, J.P. de. p. 12.
92
ALMEIDA, J.P. de. p. 12.
93
LOURENÇO, Agostinho José. Imprensa rio-grandense A Federação. Porto Alegre: 1o jan. 1923. O
porto-alegrense Agostinho José Lourenço (1861-1945) realizou apenas estudos do “curso primário”, foi
aprendiz de ourives e tipógrafo, chegando a ser gerente de A Federação, além de guarda-livros da Casa de
Correção de Porto Alegre e membro-benemérito da Biblioteca Rio-Grandense da cidade do Rio Grande.
Dados obtidos a partir de: MARTINS, A. p. 321. e VILLAS-BÔAS. p. 283.
A Reforma e A Federação. A única referência que faz com relação a imprensa fora de Porto
Alegre é apontar as “localidades que primeiro tiveram jornais” depois daquela, citando alguns
poucos periódicos das cidades do Rio Grande e de Piratini, Caçapava, Alegrete, Pelotas,
Jaguarão, São Gabriel, Rio Pardo, Uruguaiana e Cruz Alta.
Lourenço finaliza o artigo explicando que o mesmo limitava-se a descrever os
jornais até o advento da República, não tendo sido possível completá-lo, atingindo o ano do
centenário da Independência. Também revela o seu objetivo ao escrever sobre aquele assunto,
ou seja, além de homenagear o Centenário, o de enaltecer o crescimento do Estado, uma vez que
aponta o progressivo estágio pelo qual passava a imprensa naquele ano de 1923, como reflexo
do “adiantamento” do Rio Grande do Sul como um todo.
No mesmo ano de 1923, Augusto Porto Alegre leva a público o pequeno ensaio
“A imprensa jornalística do Rio Grande do Sul”94. Apesar do título amplo, o trabalho se resume
a tratar do jornal Diário de Porto Alegre, apresentando questões sobre a sua fundação, algumas
características tipográficas e o caráter oficial do periódico. O autor busca demonstrar certo
ineditismo a respeito do objeto que estuda:

“A existência do Diário de Porto Alegre passou até bem pouco tempo, quase
completamente ignorada do mundo ledor de antigualhas e até mesmo de investigadores
competentes da nossa história.”95

Ao citar os “investigadores competentes”, Augusto Porto Alegre está se


referindo às “Notas” de Alfredo Ferreira Rodrigues, nas quais não consta aquela folha, porém,
as novidades sobre o assunto enfocado, limitam-se a este aspecto, uma vez que o Diário de
Porto Alegre vinha sendo apresentado ao “mundo ledor de antigualhas” por uma série de outros
autores, em escritos anteriores a este de 1923.
Por ocasião das comemorações dos cem anos da Revolução Farroupilha, Walter
Spalding publica, em 1935, um trabalho sobre a imprensa e o livro no Pavilhão Cultural da
Exposição do Centenário Farroupilha96. Trata-se de um catálogo sobre o material exposto

94
PORTO ALEGRE, Augusto. A imprensa jornalística do Rio Grande do Sul. In: Anuário Indicador do
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1923 (quarta série). p. 184-7. O porto-alegrense Augusto
Guerreiro Porto Alegre (1871-1947) cursou Filosofia e foi funcionário do Ministério da Viação,
organizou e dirigiu o Almanaque Enciclopédico Rio-Grandense; jornalista, pesquisador e memorialista,
foi redator de diversos jornais em Porto Alegre e São Paulo, pertenceu à Academia de Letras do Rio
Grande do Sul e ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Entre seus escritos, pode-se
destacar: “A fundação de Porto Alegre”, “Biblioteca Restauradora do Rio Grande do Sul”, “A defesa da
Alemanha e dos alemães do sul do Brasil”, “Dom João VI no Brasil” e “Fases da literatura sul-rio-
grandense”. Dados obtidos a partir de : MARTINS, A. p. 455-6. e VILLAS-BÔAS. p. 395-6.
95
PORTO ALEGRE. p. 187.
96
SPALDING, Walter. Exposição do Centenário Farroupilha: a imprensa e o livro no pavilhão cultural
(1835-1935). Porto Alegre: Tipografia do Centro, 1935. Walter Spalding (1901-1976) foi professor,
bibliotecário, Diretor do Arquivo e Biblioteca Municipal de Porto Alegre, poeta, historiador, contista,
genealogista, biógrafo, crítico literário, cronista e teatrólogo; além de membro da Academia Rio-
Grandense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e do Instituto Brasileiro
de Genealogia. Foi o organizador do Pavilhão Cultural da Exposição Comemorativa do Centenário
Farroupilha. Dentre seus mais de duzentos títulos, pode-se destacar: “Farrapos”, “À luz da história”,
“Comércio, indústria e agricultura do Rio Grande do Sul”, “A Revolta dos Dragões do Rio Grande do
Sul”, “A Revolução Farroupilha”, “A invasão paraguaia nas fronteiras do Brasil”, “O Rio Grande do Sul
da independência aos nossos dias”, “Bibliografia da Revolução Farroupilha”, “A epopéia farroupilha” e
“Construtores do Rio Grande do Sul”. Dados obtidos a partir de: LAYTANO, Dante de. Manual de fontes
bibliográficas para o estudo da História Geral do Rio Grande do Sul: levantamento crítico. Porto Alegre:
durante as festividades, estando dividido em duas partes, a “seção de imprensa” e a “seção de
livros”. A parte sobre os jornais é apresentada como uma “contribuição” para a história da
imprensa:

“Esta seção é (...) um simples catálogo dos jornais que foram expostos, Apesar da
informação mais ou menos minuciosa de cada jornal, não houve intenção do organizador
(...) de fazer a história da imprensa gaúcha, mas unicamente contribuir para ela.”97

Deste modo, Spalding cataloga os jornais por cidades, com destaque para Porto
Alegre, Rio Grande, Pelotas, Bagé, Cachoeira, Cruz Alta, Itaqui, Jaguarão, Santana do
Livramento, Rio Pardo, Santa Maria, São Gabriel e Uruguaiana, destacando os responsáveis
pelos periódicos, o formato, o número de páginas, a data, o preço, a tipografia e o nome do
expositor.
Mesmo não buscando “fazer história” sobre a imprensa, Walter Spalding presta
a pretendida “contribuição” para a elaboração da mesma, identificando alguns dos
“fragmentos”, ou seja, alguns dos exemplares de jornais remanescentes da imprensa rio-
grandense, ainda existentes em 1935.
No ano de 1940, Nestor Ericksen publicou dois novos trabalhos,
“Apontamentos para a história da imprensa no Rio Grande do Sul” e “A imprensa do Rio
Grande do Sul da abolição à República”, nos “Anais do III Congresso Sul-Rio-Grandense de
História e Geografia”98, nos quais segue a tradicional abordagem na forma de arrolamento dos
periódicos. Nos “Apontamentos”, Ericksen refere-se às restrições à imprensa no período
colonial, aos “pioneiros” da imprensa brasileira e às diversas tentativas de implantar a imprensa
no Rio Grande do Sul até a fundação do Diário de Porto Alegre, sobre o qual tece
considerações, assim como a respeito de alguns dos primeiros jornais gaúchos. O autor refere-se
também às querelas entre os periódicos rebeldes e legalistas, à época da Revolução de 183599,
bem como a uma série de dísticos que os jornais ostentavam naquele tempo. A partir daí, os

Gabinete de Pesquisa de História do Rio Grande do Sul, IFCH-UFRGRS, 1979. p. 115-6.; MARTINS, A.
p. 566-9.; e VILLAS-BÔAS. p. 495-502.
97
SPALDING. p.3.
98
ERICKSEN, Nestor. Apontamentos para a história da imprensa no Rio Grande do Sul. In: Anais do III
Congresso Sul-Rio-Grandense de História e Geografia. v.4. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 1940. p.
2165-86. e ERICKSEN, Nestor. A imprensa do Rio Grande do Sul da abolição à República. In: Anais do
III Congresso Sul-Rio-Grandense de História e Geografia. v.4. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 1940.
p. 2187-99. O paranaense Nestor Guimarães Ericksen (1907-1979) foi jornalista, historiador e poeta,
residiu no Rio Grande do Sul, sendo redator-secretário do Correio do Povo, membro da Associação Rio-
Grandense de Imprensa e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Dentre suas
publicações pode-se destacar: “O negro no Rio Grande do Sul” e “Síntese da evolução econômica do
Paraná”. Dados obtidos a partir de: MARTINS, A. p. 197-8. e VILLAS-BÔAS. p. 177. O III Congresso
Sul-Rio-Grandense de História e Geografia foi realizado pelo Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Sul em comemoração ao bicentenário da fundação de Porto Alegre, a publicação das
comunicações originaria os anais da mesma: “Com o propósito de perpetuar a obra realizada pelo
Terceiro Congresso, são agora organizados os Anais, que irão enriquecer o arquivo de serviços do
Instituto e constituirão um novo manancial posto à disposição dos estudiosos do nosso passado e das
coisas de interesse para a nossa terra e para a nossa gente”. Anais do III Congresso... p. VIII.
99
Quanto aos confrontos entre os diferentes jornais, o escritor limita-se a citar as folhas que se dividiam
“em duas grandes correntes: a que batalhava em defesa do governo constituído, pugnando pela
restauração do Trono, e a que, tendo as principais figuras do oposicionismo à frente, pregava a
independência da Província do imperialismo da Coroa”. ERICKSEN. Apontamentos para a história...,
1940. p. 2175.
jornais são citados e catalogados em “jornais da República Rio-Grandense”; “jornais que
circulavam de 1840 a 1884” e “de 1885 à Proclamação da República”; identificando a filiação
partidária de algumas da folhas citadas, e encerra o trabalho destacando “o ciclo da imprensa
independente”, fazendo referências ao Correio do Povo.
No artigo “A imprensa do Rio Grande do Sul da abolição à República”, o autor
descreve algumas das etapas do processo de abolição e refere-se à “imprensa e o
abolicionismo”; à “Convenção da Paz de 1835 e os escravos”; aos “recenseamentos de 1872 e
1883 e os escravos”; à posição do “Partenon Literário”; à postura “dos partidos políticos e da
imprensa” diante da abolição; ao jornalista Carlos von Koseritz; à “imprensa na República”,
com destaque especial para A Federação; e à “última fase”, abordando a imprensa após 1895.
Neste texto, Ericksen não chega a definir seu objeto de estudo, uma vez que escreve tópicos
isolados, envolvendo abolição, imprensa e República, como se fossem diminutos artigos
independentes. Ao referir-se aos pequenos jornais, o autor define seu intento com aquela
publicação:

“Não quisemos deixar de incluir neste trabalho, para facilitar, é claro, futuras
investigações a que nos dedicaremos, despretenciosamente, com o único objetivo de
contribuirmos para a história da imprensa rio-grandense, a relação dos periódicos dessa
fase.
A lista, como é simples observar, está longe de ser completa, pois nem é a finalidade
visada organizar um catálogo cronológico de jornais, tarefa que de bom gosto deixamos a
outros estudiosos, e nela incluímos apenas algumas folhas, a título meramente
informativo.”100

No ano seguinte, Ericksen publicou “A origem da imprensa no Rio Grande do


Sul”101, artigo no qual buscava desvendar a gênese da imprensa gaúcha e colocar termo às
discussões sobre o tema:

“Qual a origem da imprensa no Rio Grande do Sul?


Essa interrogação prendeu, sem dúvida, durante muitos anos, o interesse de todos os
estudiosos que procuraram, através de laboriosas pesquisas, com critério superior de servir
exclusivamente aos imperativos da cultura, cooperar no sentido de contribuir para a
organização da história do jornalismo brasileiro, e ficou, no entanto, até agora, sem
resposta, dadas as dificuldades que se apresentavam. (...)
Numa análise aprofundada, porém, de todos os elementos estudados, quer pelos
historiógrafos antigos, quer pelos observadores contemporâneos (...) verifica-se de imediato
a predominância de contradições e de dúvidas motivadas (...) pela carência de documentos
esclarecedores nos arquivos e museus.”102

Neste trabalho, o autor faz uma revisão bibliográfica, discutindo a opinião de


diversos dos seus predecessores na história da imprensa rio-grandense, com destaque para
Augusto Porto Alegre, Aurélio Porto, Tancredo de Mello e Alfredo Ferreira Rodrigues. Deste
modo, após descrever as diversas tentativas de implantação da imprensa no Rio Grande do Sul,
o autor estabelece algumas conclusões como: nega que tenha sido a Tipografia do Exército,

100
ERICKSEN. A imprensa do Rio Grande do Sul..., 1940. p. 2197.
101
ERICKSEN, Nestor. A origem da imprensa no Rio Grande do Sul. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Sul. n.81. Porto Alegre: 1941. p. 15-26.
102
ERICKSEN, 1941. p. 15.
trazida por Barbacena que dera origem à imprensa gaúcha; não aceita Salvador José Maciel
como o “fundador” dessa imprensa; explica a forma pela qual foi adquirida a tipografia do
Diário de Porto Alegre; nega que este jornal fosse oficial ou expressasse a opinião dos
governantes; além de apontar o local e o redator do primeiro jornal gaúcho. Mesmo
contradizendo as asserções de alguns dos autores anteriores em assunto tão polêmico, Ericksen
considera que as suas conclusões consistiam-se na palavra final, e que encerrariam as
discussões sobre o tema:

“Poderíamos, como é evidente, alongar ainda mais este trabalho, de vez que a seara da
história é inesgotável, mas não é esse o nosso primacial objetivo, e preferimos encerrar por
aqui as nossas observações. (...)
Fica, assim, perfeitamente esclarecida a origem da imprensa no Rio Grande do Sul,
afastando-se todas as dúvidas que, anteriormente, povoavam de sombras este belo capítulo
da nossa história.”103

Assim, através de “catálogos”, “notas”, “estatísticas”, “sucintos histórico-


bibliográficos”, ou levantamentos, estes autores empreenderam uma reconstrução histórica
baseada num caráter descritivo, legando um representativo manancial de informações a respeito
da imprensa no Rio Grande do Sul. Quanto à política, alguns destes escritos chegam a
reconhecer a importância da imprensa no desencadear do processo político-partidário à época da
formação do Estado Nacional Brasileiro, caso de Alfredo Ferreira Rodrigues; e outros justificam
o caráter oficialista de setores do jornalismo, traduzindo suas próprias convicções pessoais,
profissionais e políticas, como João Pio de Almeida. Já a maioria destes autores, de acordo com
o objetivo de apenas descrever os diversos títulos que compunham a imprensa gaúcha, limita-se
a somente classificar os periódicos quanto à sua posição abertamente “declarada”, caso de João
José Cezar, Tancredo Fernandes de Mello e Nestor Ericksen; enquanto outros, como João de
Oliveira, Agostinho José Lourenço, Augusto Porto Alegre e Walter Spalding não chegam a
fazer qualquer referência ao conteúdo político das folhas catalogadas, arroladas ou levantadas.

1.2. As limitações do diletantismo

Os estudos históricos acerca da imprensa gaúcha desenvolvidos entre o final do


século XIX e as primeiras décadas do XX foram, em geral, entabulados por intelectuais que,
mesmo sem formação histórica, tiveram consideráveis preocupações com o levantamento de
fontes e documentos a respeito de seu tema de estudo. No entanto, alguns destes trabalhos
revelaram os limites do diletantismo104, com a publicação de escritos não tão preocupados com a
pesquisa, os quais chegavam a apresentar graves erros nas informações prestadas. Neste caso
estiveram dois ensaios publicados por ocasião de obras divulgadoras e comemorativas do
Estado do Rio Grande do Sul, de autoria de Alfredo Guimarães e Inocêncio Roméro.

103
ERICKSEN, 1941. p. 26.
104
O termo “diletantismo” é utilizado no mesmo sentido empregado por José Honório Rodrigues ao
referir-se às limitações do “autodidatismo” nas pesquisas históricas. RODRIGUES, José Honório. Teoria
da História do Brasil (introdução metodológica). 5.ed. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1978. p. 229.
Na publicação O Estado do Rio Grande do Sul, editada em 1916, aparece um
sucinto trabalho sobre a imprensa gaúcha escrito por Alfredo Guimarães105. O autor pretendia
estabelecer “em rápidas palavras ditas ao correr da pena, um ligeiro resumo crítico da
desenvolvida imprensa rio-grandense”106, incluindo-a entre os outros fatores que demarcavam as
“potencialidades” gaúchas de então:

“O Rio Grande do Sul, não só no que respeita à indústria e ao comércio, como também
no que respeita à imprensa é um dos mais adiantados Estados da União. Além de possuir
um número verdadeiramente superior de periodistas notáveis, homens de incontestável
valor e competência nas lides do publicismo nacional, os seus jornais são ainda dirigidos
dentro das normas estabelecidas da melhor moral e do mais sólido e inalterável critério.”107

Num momento em que as discussões a respeito do surgimento da imprensa rio-


grandense já estavam sendo entabuladas, o autor comete um erro crasso ao afirmar que a “ação
civilizadora” da imprensa no Rio Grande do Sul, “data de 1846 e, por conseguinte, há setenta
anos de distância” espalha-se “através do vasto território rio-grandense”108. Deste modo,
Guimarães simplesmente não leva em conta uma das fases mais importantes da imprensa
gaúcha, a qual marcou suas origens, durante a preparação e desenvolvimento da Revolução
Farroupilha.
Ao referir-se à imprensa das pequenas localidades, Guimarães destaca que a
mesma estava num caminho evolutivo rumo ao progresso, revelando o ideário positivista que
permeou a própria obra O Estado do Rio Grande do Sul, a qual contou com o amplo apoio
institucional do governo gaúcho, inclusive dedicando-se a publicação a Borges de Medeiros.
Nesta linha de pensamento, o autor explica que aquele “jornalismo” era:

“...um ensaio de periodismo ainda em botão, fechado ainda e sem beleza alguma de
progresso, e que só a poder de um aperfeiçoamento constante e superior, talvez do tempo,
poderá um dia desabrochar e florir, logrando assim mais decidido alcance de sua tarefa
educadora e concluindo finalmente pela conquista brilhante e deveras aplaudível do
verdadeiro fim a que faz jus.”109

Alfredo Guimarães dá destaque aos jornais das “três principais cidades”


gaúchas - Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas -, os quais, segundo ele, “rivalizavam” com os
melhores periódicos estrangeiros ou nacionais; e aborda algumas das características das folhas
destas localidades, publicadas no ano da edição do trabalho. O autor aponta também para a

105
GUIMARÃES, Alfredo. A imprensa do Rio Grande do Sul. In: O Estado do Rio Grande do Sul.
Barcelona: Estabelecimento Gráfico Thomaz, 1916. p. 94-6. Essa obra sobre o Rio Grande do Sul visava
divulgar o Estado, por considerar que o mesmo estava “esquecido” e era “ignorado”, apresentando-se,
desse modo, como um estudo que “abrange as manifestações mais tangíveis da atividade local (...).
Àqueles que o folhearem, mostrará a potência desconhecida deste estado, (...) àqueles que o estudarem,
revelará uma força poderosa que pretende exteriorizar-se”; pretendia, enfim, uma “intensa divulgação das
riquezas deste maravilhoso torrão gaúcho”. p.5. Alfredo Mendes Guimarães era português de
nascimento, atuando por muito tempo como jornalista em Porto Alegre, tendo dirigido a Última Hora, foi
também teatrólogo. Dados obtidos a partir de: MARTINS, A. p. 263.
106
GUIMARÃES. p. 96.
107
GUIMARÃES. p. 94.
108
GUIMARÃES. p. 94.
109
GUIMARÃES. p. 94.
importância dos homens de imprensa de então, considerando-os como “talentos jornalísticos de
primeira grandeza” e “vocações periodísticas verdadeiramente admiráveis”; buscando
comprovar isto através da listagem de uma série de nomes, encabeçada por Júlio de Castilhos,
que eram “queridos e respeitados do povo rio-grandense que, pelo muito que lhes deve, muito
os admira e aplaude”110, revelando, mais uma vez, o ideário castilhista-positivista que orientou a
obra.
Deste modo, os escritos de Alfredo Guimarães foram mais ao encontro da idéia
de um trabalho divulgador da imprensa, como mais uma das “riquezas” gaúchas, do que
realmente o pretendido “resumo crítico”, ficando a sua abordagem histórica bastante limitada,
notadamente acerca da falta de uma pesquisa mais apurada, ao menos com relação aos trabalhos
já desenvolvidos com respeito à imprensa gaúcha. Servia, assim, este ensaio como mais uma
forma de propaganda dos “feitos” e “realizações” do castilhismo-borgismo na construção de um
“estado modelo”.
Em 1922, por ocasião das comemorações do Centenário da Independência,
Inocêncio Roméro publica o ensaio “A imprensa rio-grandense (breve resumo histórico)”, na
obra coletiva O Rio Grande do Sul: completo estudo sobre o Estado111. Em princípio, o autor
destaca seu intento com aquele artigo:

“Confiou-me o organizador deste trabalho a tarefa, por sem dúvida superior às minhas
forças, de elaborar breve resumo histórico da imprensa sul-rio-grandense, desde os tempos
em que se possam ter notícias de suas primeiras manifestações. Desejando corresponder a
essa confiança, fiz de tudo o que de mim cabia no sentido de coligir, sobre esse assunto, a
maior soma possível de detalhes, dados e informações de modo a trazer a lume uma síntese
mais ou menos completa do que foi, e do que é, no Rio Grande, o chamado quarto poder do
Estado.”112

Ao contrário da maior parte dos autores daquele período, que enalteciam os seus
afanosos trabalhos de pesquisa, Roméro afirma que não se demorou “muito a esquadrinhar
arquivos, à cata de informações (...), exceção feita de uma coleção preciosa, mas resumida para
o caso, de antigüíssimos periódicos, retida pelo organizador deste trabalho”; utilizando por
fontes as obras anteriores, como as “copiosas notas ministradas pelo erudito colecionador (...)
Tancredo Fernandes de Mello”, além de informações de “historiadores” e “literatos”. Assim,
ele destaca que sua função tinha sido a “de reunir detalhes (...), dispondo-os com a harmonia

110
GUIMARÃES. p. 96.
111
ROMÉRO, Inocêncio. A imprensa rio-grandense (breve resumo histórico). In: COSTA, Alfredo R.
da. O Rio Grande do Sul: completo estudo sobre o Estado. Porto Alegre, Globo, 1922. v.1. p. 135-48.
Inocêncio Roméro (1887-1933) era natural de Santa Vitória do Palmar, foi advogado, jornalista e
teatrólogo, sendo também o secretário da publicação da obra na qual estava seu trabalho sobre a
imprensa. Dados obtidos a partir de: MARTINS. p. 500-1. e VILLAS-BÔAS. p. 439. Alfredo Costa
explica no “Prefácio”, os objetivos da publicação de um completo estudo sobre o Estado: “organizando e
publicando esta obra, tive como principal intuito mostrar o que é, na realidade, o Estado do Rio Grande
do Sul, sob todos os aspectos, sendo levado a isso pelo justo orgulho de filhos desta valorosa pátria
farroupilha (...), cooperei, de certo modo, para que o nosso amado Estado se apresentasse condignamente,
no ano que assinala a emancipação política do Brasil (...); querendo dar maior realce e desenvolvimento à
obra, recorri à colaboração de consagrados escritores, historiadores profissionais e técnicos que, com seus
talentos e belas produções, abrilhantam as páginas desta obra. COSTA, A. R. da. p. 5.
112
ROMÉRO. p. 135.
relativa”, num conjunto que lhe foi possível apresentar113, desta maneira, já anunciava que seu
objetivo não era muito diferente do que organizar um listagem de jornais.
Em seguida, Roméro explica que aceitara a incumbência de escrever sobre a
imprensa, tendo em vista o seu “conhecimento” do meio, devido à sua “condição” de jornalista,
profissão a qual, segundo o próprio, se dedicava com “devotamento”, encarando-a como um
“sacerdócio”. O autor, que demonstra afeiçoamento ao modelo castilhista-borgista, não perde
oportunidade de saudar os “ilustres” colegas de jornalismo falecidos, de acordo com o preceito
positivista de que os vivos cada vez mais seriam governados pelos mortos:

“Aludindo aos sepulcros da Via Appia”, disse historiador ilustre que o viandante que
(...) se dirigia para Roma, tinha, antes de chegar a esta, de lhe saudar os mortos ilustres,
guardados naquela via (...). Eu, como aqueles viageiros, quero, antes de mais nada, render
um preito de veneração à memória dos grandes paladinos da imprensa sul-rio-grandense
arrebatados pela mão da morte. (...) É a legião varonil dos precursores que passa rumo da
imortalidade! Saudemo-la, com o respeito que merece e procuremos - pela glória e prestígio
do Rio Grande - continuar a sua imperecível tradição.”114

O autor tece considerações sobre as origens da imprensa gaúcha, seguindo a


linha de destacar os primeiros jornais rio-grandenses. Ele faz o arrolamento dos periódicos por
cidade, como Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas, Jaguarão, Rio Pardo, Santana do Livramento e
Bagé, entre outras, escolhendo alguns, sem referir-se ao motivo da escolha, para descrever
algumas caracterísitcas. Da mesma forma, apresenta outra lista, com os jornais em circulação
naquele ano de 1922, com referências especiais aos porto-alegrenses A Federação e Correio do
Povo, aos rio-grandinos O Tempo e Echo do Sul e aos pelotenses Diário Popular e Opinião
Pública.
Roméro reconhece certos limites no seu trabalho, representados por algumas
“omissões”, porém, considera-as involuntárias, de acordo com o seu “compromisso” com a
informação:

“Eis, em resumidas notas, o que foi e o que é, desde os primórdios de nossa existência,
como elemento integrante da cultura brasileira, a vida do jornalismo rio-grandense.
Possível é que muita coisa tenha ficado por descrever no ligeiro resumo (...) feito.
Posso, entretanto, afirmar que não tive, em absoluto, intenção de omitir fatos, tendo sido
meu maior interesse dizer tudo aquilo de que conseguisse informações a respeito do nosso
jornalismo, desde os mais remotos tempos. As omissões que possam ter havido serão de
pequenos fatos, sem muita repercussão ou importância na vida do jornalismo rio-
grandense.”115

Segundo o autor, as grandes dificuldades na realização daquele escrito


advinham da carência de bibliotecas e arquivos, afirmava, porém, defendendo a ação dos
governantes republicanos, que aquela situação vinha sendo resolvida graças às atitudes
tomadas a partir da nova forma de governo, quando o Rio Grande do Sul teria recebido “em seu
pulmão o sopro novo de vida que lhe imprimiu a República”116. Assim, ao buscar enaltecer a

113
ROMÉRO. p. 135. O autor assim resume sua intenção ao escrever: “Coligi, metodizei, com rápidos
comentários e eis tudo”.
114
ROMÉRO. p. 135-6.
115
ROMÉRO. p. 148.
116
ROMÉRO. p. 148.
forma instalada a 15 de novembro de 1889, Roméro se contradiz, uma vez que aponta a falta de
centros de pesquisa e, ao mesmo tempo, diz que o problema fora resolvido pela República, que,
aquela época, já vigorava há mais de trinta anos.
O culto ao herói, às heranças da tradição e a idéia positivista de progresso
também se fazem presentes na obra de Roméro:

“O Rio Grande não vive ensimesmado, senão no culto que rende às imortais tradições
de seus heróis, cujas ossadas por aí repousam, ao sol radioso do Pampa, como um acúleo e
um ensinamento às modernas gerações. (...)
Seu jornalismo, suas artes, suas ciências, suas belas letras, tudo, em suma, o que
contende com as forças criadoras e mesmo assimiladoras da alma humana, acompanha o
movimento evolutivo que se observa no mundo, formando ele, desse modo, ao lado dos que
caminham, dos que avançam, na senda do mais intenso progredir.”117

Inocêncio Roméro finaliza seus escritos enaltecendo a importância da imprensa


naquele momento e a liberdade que a mesma vinha tendo com a República, revelando mais uma
de suas contradições, tendo em vista o cerceamento que aquela atividade sofrera durante os
primeiros governos republicanos. O escritor busca também exaltar o estágio de progresso
adquirido pelo Rio Grande do Sul republicano, servindo a imprensa como argumento para
provar esta asseveração, afirmando que aquela era a “idade de ouro do jornalismo gaúcho” e que
o “porvir se anunciava” “esplendoroso, como um céu desanuviado, no qual a estrela dos
destinos brilhava firme”118. Assim, refletindo a própria forma pela qual o autor é apresentado
no livro, como “fluente orador”, o que realmente Roméro faz é pronunciar, por escrito, uma
declaração solene, com linguagem pomposa e frases de efeito, adotando uma abordagem que se
aproxima muito mais do gênero “reportagem” do que realmente do “resumo histórico”, por ele
pretendido.
Deste modo, os escritos de Alfredo de Guimarães e Inocêncio Roméro
demonstram as limitações do diletantismo na abordagem sobre a imprensa rio-grandense. Pouco
preocupado com a pesquisa, como Roméro, ou cometendo erro grosseiro sobre a gênese do
jornalismo gaúcho, caso de Guimarães, estes autores não seguiram o exemplo de boa parte dos
estudiosos, daquele tema, seus contemporâneos. Apresentando textos eivados de chavões
positivistas, como evolução e progresso e propondo o culto aos mortos, aos heróis e às tradições
do passado, estas obras revelam a sua íntima ligação com o governo republicano rio-grandense-
do-sul, responsável direto ou indireto pelas suas edições. Identificando a imprensa como mais
uma das “potencialidades” que demonstrariam a pujança gaúcha, e não como atividade que
servia à propagação de idéias sociais e econômicas e mormente do debate político-partidário, os
ensaios de Guimarães e Roméro serviram mais à divulgação e propaganda do Rio Grande do
Sul castilhista-borgista do que realmente como um estudo de caráter histórico.

1.3. O partidarismo como forma de abordagem política

Dentre os trabalhos a respeito do jornalismo no Rio Grande do Sul que melhor


se enquadraram dentro das características da historiografia tradicional estiveram os escritos de
Aurélio Porto sobre as origens da imprensa gaúcha. Estas obras, no entanto, apresentam uma

117
ROMÉRO. p. 148.
118
ROMÉRO. p. 148.
significativa diferença quanto às demais, uma vez que, nelas, o autor não se limita a descrever a
postura política de cada um dos jornais abordados, optando por assumir uma posição diante das
partes em conflito, à época da Revolução Farroupilha, manifestando-se de modo favorável aos
rebeldes.
Num destes estudos, publicado em 1934, tratando dos jornais gaúchos editados
entre 1827 e 1837119, o autor definia seu objetivo de trabalho, afirmando que “o fito principal
deste esboço é mais estudar os homens da imprensa, suas ligações pessoais, sua origens, etc.”.
Neste artigo, Porto pretende realizar um estudo acerca dos “estabelecimentos gráficos e dos
jornalistas rio-grandenses”120 daquele período, citando trinta e cinco jornais porto-alegrenses,
cinco rio-grandinos e três da República Rio-Grandense, descrevendo as atividades das diversas
tipografias que atuaram durante a primeira década do jornalismo gaúcho.
Segundo Aurélio Porto faltava ainda uma obra “definitiva” que descrevesse as
atividades jornalísticas praticadas no Rio Grande do Sul :

“Não existe ainda um trabalho definitivo sobre a imprensa rio-grandense. Vários


estudiosos das nossas cousas procuraram coligir elementos nos arquivos nacionais,
conseguindo publicar notas esparsas, mas deficientes devido à falta de notícias e coleções
dos nossos primeiros jornais.”121

Parte do conteúdo deste artigo de 1934 seria reproduzido e ampliado, mormente


quanto às primeiras tipografias gaúchas, em outro trabalho de Aurélio Porto, “Fundação da
imprensa rio-grandense”, publicado na edição especial Terra Farroupilha, de 1937122. Neste
escrito, o autor preocupa-se com os primeiros tempos da imprensa do Rio Grande do Sul,
organizando o texto por tipografias, descrevendo as atividades, os responsáveis e os jornais
elaborados na “Tipografia Imperial do Exército”, na “Rio-Grandense”, na “de Silveira &
Dubreuil”, na “de Manuel dos Passos Figueirôa”, na “de Fonseca & Comp.”, na “de V.F. de
Andrade” e na “de J. Girard”, além de dois tópicos sobre os “jornais sem designação de
origem” e a “imprensa no Rio Grande”. Em princípio, Aurélio Porto dedica-se à controvertida
discussão dos acontecimentos que cercaram a introdução do primeiro prelo na Província,

119
PORTO, Aurélio. Jornais publicados no Rio Grande do Sul de 1827 a 1837. In: CAVALCANTI, João
Alcides Bezerra (dir.). Publicações do Arquivo Nacional. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1934. v. 30.
p. 319-67. O historiador gaúcho Aurélio Afonso Porto (1879-1945), nascido em Cachoeira do Sul era
funcionário público federal. Foi diretor e redator de diversos jornais, co-fundador do Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Sul, membro da Academia Rio-Grandense de Letras, do Instituto Rio-
Grandense de Estudos Genealógicos e da Academia Nacional de História¸ romancista, poeta, historiador,
genealogista, teatrólogo, ensaísta e jornalista. Foi Diretor do Tesouro do Estado, Intendente Municipal de
Montenegro e Garibaldi e Diretor dos Anais do Ministério das Relações Exteriores. Dentre seus trabalhos
pode-se destacar: “A conquista das Missões”, “Real Feitoria do Linho-Cânhamo”, “O Regimento dos
Dragões do Rio Pardo”, “Notas ao Processo dos Farrapos”, “O trabalho alemão no Rio Grande do Sul”,
“Documentos do Itamarati sobre a Revolução de 1835”, “Getúlio Vargas à luz da genealogia”, “História
das Missões Orientais e seus antigos domínios” e “Processo dos Farrapos: reabilitação de Bento
Gonçalves”. Dados obtidos a partir de: LAYTANO. p. 74-6.; MARTINS, A. p. 447-8.; e VILLAS-
BÔAS. p. 388-91. Quanto à obra Terra Farroupilha, ela foi publicada no intento de comemorar o
“segundo centenário da fundação do Rio Grande do Sul (1737-1937)”, tendo sido coordenada pelo
próprio Aurélio Porto, que também escreveu boa parte dos artigos; os diretores visavam com aquela
edição cumprir o “compromisso assumido de dotar as nossas letras de um trabalho digno da cultura do
nosso povo e das nossas tradições inigualáveis”.
120
PORTO, 1934. p. 320.
121
PORTO, 1934. p. 319.
122
PORTO, Aurélio. Fundação da imprensa rio-grandense. In: Terra farroupilha. Porto Alegre:
s/editora¸1937. p. 216-36.
buscando apontar o responsável por esta atitude e, após expor os prós e contras, quanto à
realização desta tarefa, toma posição:

“Pode ser (...) que as pesquisas que ainda estamos fazendo no Arquivo Nacional
venham esclarecer esse enigma. Enquanto não tivermos documentos mais precisos,
preferimos, com Trancredo de Mello e Augusto Porto Alegre, incorrer no mesmo engano,
afirmando que a Tipografia do Diário de Porto Alegre é a mesma do Exército do Sul,
confiada a Barbacena.”123

Desta forma, o autor demonstra a grande preocupação com os documentos, com


os quais, pela sua própria função profissional à época, ele teve amplo contato, além disso, ao
aceitar a postura de Tancredo de Mello e Augusto Porto Alegre, utiliza a expressão “incorrer no
mesmo engano”, fazendo referência indireta ao trabalho de João Pio de Almeida, discordando
do mesmo. Já quanto à origem da imprensa periódica propriamente dita, Aurélio Porto refuta a
possibilidade da mesma ter sido iniciada pelo Visconde de São Leopoldo, faz referência à
tentativa de João Carlos de Saldanha e Oliveira Daun, mas aponta o Presidente da Província,
Salvador José Maciel, como o “fundador” da imprensa no Rio Grande do Sul, através do Diário
de Porto Alegre, jornal considerado como de cunho oficial, manifestando os interesses daquele
governante. A partir daí, o autor passa a descrever cada um dos jornais publicados nas
respectivas tipografias que constituem as subdivisões de seu texto.
Com exceção da última parte do trabalho, Aurélio Porto restringe sua
abordagem aos jornais porto-alegrenses e, além de descrevê-los em suas características formais
e destacar dados biográficos de seus responsáveis, ele busca apontar, também a posição
partidária de cada um, classificando-os, de modo geral, em rebeldes ou legalistas. Neste aspecto,
o autor revela algumas de suas convicções pessoais, adotando uma postura amplamente
favorável aos farroupilhas; para ele, os conflitos platinos nos quais os gaúchos haviam tomado
parte, e, notadamente, a Revolução Farroupilha haviam servido para formar a “consciência
coletiva”, os valores e o “civismo” dos rio-grandenses:

“Formava-se já, no extremo sul, essa consciência coletiva de um povo que, criado aos
embates seculares da luta, compreendia o valor das reivindicações liberais, e se ia, aos
poucos singularizando pela força incoercível das suas convicções, alicerçadas no apego ao
pago, cujas fronteiras gizara à ponta de lança e a traços do generoso sangue. (...)
Foi esse um período intenso de agitação partidária e jornalística. Formou profundas
convicções que solidificaram as raízes do liberalismo rio-grandense, atuando fortemente
nos espíritos. (...)
Forjaram-se nessa hora, que ainda não foi estudada com a detença precisa, os destinos
predeterminantes do civismo gaúcho.”124

De acordo com estes preceitos, Aurélio Porto dá uma forma de tratamento


diferenciada a cada uma das vertentes partidárias que marcavam o seu objeto de estudo,
defendendo e elogiando os periódicos ligados ao “liberalismo” dos rebeldes e hostilizando os
demais, vinculados aos legalistas. É assim que ele utiliza expressões como “formidável espírito
de combatitividade nacionalista”, “valente jornalista”, “soberbo e magistral artigo” e utilização
de linguagem que “caía como uma clava sobre a cabeça dos caramurus”, para qualificar a

123
PORTO, 1937. p. 217.
124
PORTO, 1937. p. 218 e 235.
atuação de jornais e jornalistas pró-farroupilhas; bem como, enaltece os jornais que pregavam a
“redenção do Brasil” através da Revolução. Em contrapartida, “francamente retrógrado”,
“caramuru violento e ferrenho”, “intrigante¸ valendo-se do jornal para dividir os homens”, “só
procurava cizânia entre todos, sem defender princípios”, “linguagem violenta, desabrida,
atirando aos adversários os maiores doestos” e “causava profunda indignação nos meios
políticos” são algumas das expressões usadas pelo autor para referir-se aos inimigos da
Revolução125.
Outro princípio defendido por Aurélio Porto em diversas de suas obras, também
manifesto nesta sobre a imprensa, refere-se ao predomínio de uma brasilidade tanto no processo
de formação histórica do Rio Grande do Sul, quanto na preparação e deflagração do movimento
de 1835126. Assim, ele relega a um plano inferior a influência estrangeira na “construção” do
Rio Grande do Sul e aproveita sua abordagem da imprensa para corroborar sua tese, destacando
o trabalho realizado pelos primeiros jornalistas rio-grandenses em favor da Revolução, como
um dos mais importantes nascedouros nacionais do ideário rebelde:

“Tem-se dito e repetido, sem focar com precisão devida, o fenômeno sociológico da
Grande Revolução, que esta tem por agentes a cultura¸ os ideais e a pregação prática de
alguns estrangeiros (...). Erro crassíssimo de apreciação. Os pregadores da República, ideal
latente na alma coletiva do Rio Grande, são esses que precedem qualquer influência
estranha, espalhando o fogo sagrado que se tornará incêndio no decênio memorável. E, à
frente deles, rompendo preconceitos, lutando, sofrendo, inspirados por uma superior
destinação histórica, [os jornalistas rio-grandenses] são os rasteadores desse espírito, já
formado, quando os estrangeiros vêm prestar ao Rio Grande tonificantes estímulos para a
luta. (...)
Convém frisar, mais uma vez, que a idéia republicana [estava] latente, há muito, na
consciência dos continentinos, muito antes da influência de estrangeiros.127

Um outro aspecto do ensaio “Fundação da imprensa rio-grandense” é que o


autor centra sua narração no papel do indivíduo, de modo que, muitas vezes, a história de um
jornal, como objeto de análise, se confunde com a história da vida do responsável pelo mesmo;
nesse enfoque, torna-se preponderante a ação do homem como indivíduo e não como elemento
de uma sociedade. Como exemplo, pode-se observar a forma pela qual o escritor se refere a um
determinado jornalista:

“Interessante e merecedora de estudo mais detido a vida desse lutador que funda, depois
de várias vicissitudes como profissional, a imprensa rio-grandense e, durante um quarto de
século, já jornalista, agitado e violento, na sua combatividade extraordinária, projeta-se na

125
PORTO, 1937. p. 221, 222, 224, 226, 227, 229, 233 e 234.
126
Sobre este aspecto, Ieda Gutfreind, referindo-se a Aurélio Porto, afirma que “suas atividades no
campo da história representaram o lançamento do processo de construção do discurso histórico que
criava uma identidade lusitana para o Rio Grande do Sul e insistia na existência de sentimentos brasileiros
no Estado. Ao discurso político da década de vinte, que depositava esperanças no futuro do Estado no
comando nacional, agregava-se o discurso histórico que patenteava a nacionalidade brasileira dos
gaúchos”. Na mesma linha, a autora prossegue: “enfim, o mais longo movimento revolucionário do
Império, deflagrado na Província sulina, emergia para a história como nacional, brasileiro, defensor da
República e da Federação. Seus líderes (...) foram reabilitados perante a história. Desfazia-se a imagem
que os aproximava dos interesses do Prata. O sentimento de nacionalidade prevaleceu, e o momento mais
significativo foi o da aceitação da paz, segundo Aurélio Porto, pois comprovava os sentimentos de
brasilidade dos rio-grandenses”. GUTFREIND, Ieda. A historiografia rio-grandense. Porto Alegre: Ed.
da UFRGS, 1992. p. 37 e 45.
127
PORTO, 1937. p. 221 e 231.
história do Rio Grande, como veiculador das paixões políticas da época, tomando parte nos
acontecimentos mais notáveis que determinam o deflagrar da Grande Revolução.”128

Vindo ao encontro desta tendência de privilegiar o papel do indivíduo na


construção histórica, o autor preocupa-se, em certos casos, com a elaboração de estudos
genealógicos sobre alguns dos “jornalistas” enfocados, como ao afirmar sobre um deles: “vinha
desses troncos heróicos que defenderam com o próprio sangue a integridade territorial do Brasil
na sua extremadura meridional”, descrevendo a “linhagem” do mesmo129. Não se pode negar a
importância desses estudos, porém, num trabalho sobre a imprensa, eles podem ter um caráter
complementar, mas, em algumas partes do texto de Aurélio Porto, a genealogia deixa de ser um
meio para se tornar a finalidade da pesquisa.
Finalmente, é o próprio autor quem admite a primazia do papel do indivíduo no
seu estudo, definindo assim o propósito do seu trabalho:

“Bastam essas citações. Elas dão uma precisa idéia dos homens e pensamento daquela
idade. Guiados pelos princípios que vinham alvorecendo no mundo, eles foram os
plasmadores da consciência nova. (...) É o que desejamos acentuar nesse ligeiro bosquejo
histórico em que estudamos os homens que fundaram a imprensa no Rio Grande.”130

Aurélio Porto entabulou, assim, um trabalho predominantemente descritivo,


coerentemente com a tendência historiográfica de então, e, ao descrever os jornais, o autor
apresenta um estudo minucioso e rico em informações sobre os mesmos. Centrando sua
narração no papel dos indivíduos, o escritor expressa neste artigo em particular algumas das
idéias que permearam o conjunto de suas obras, como a defesa da brasilidade na formação
histórica rio-grandense, mormente a respeito da Revolução Farroupilha. Ao identificar os

128
PORTO, 1937. p. 230.
129
PORTO, 1937. p. 232. A genealogia era uma das especialidades de Aurélio Porto e ele busca
demonstrar isto também neste trabalho sobre a imprensa, às vezes longamente. O exemplo seguinte
demonstra o quanto o autor deixa de lado seu objeto primordial de estudo, quando descreve a linhagem
ascendente e descendente de Manuel dos Passos Figueirôa: “Temos como provável que Passos Figueirôa
venha do tronco Souza Fernando, de que procedem também os Marques de Souza, povoadores primitivos
da Colônia do Sacramento. Uma filha de Antônio de Souza Fernando e Apolinária de Oliveira - Tereza
Antônia de Souza, foi casada com Francisco Manuel da Costa Souza e Távora, filho do fidalgo João de
Távora, desbravador do Continente com Cristóvão Pereira. Teve o casal, entre outros filhos, a Maria
Joaquina de Souza, casada com o tenente dos dragões Antônio Borges Figueirôa, que, em 1768, estava
preso na cadeia do Limoeiro, em Lisboa, pela entrega de Santa Tereza quando servia às ordens do coronel
Tomaz Luis Osório. Outro filho de Francisco Manuel, Tomaz José da Costa e Souza, cavaleiro fidalgo da
Casa Real¸foi casado com Ana Joaquina da Costa e Souza, de origem açoriana e foram pais de: a) Joana
Matilde de Figueiredo que casou com o general Francisco Chagas Santos, sendo pais de Francisca
Cândida, que casou com o conselheiro Manuel Felizardo de Souza e Mello e de Ana Matilde, casada com
seu primo conselheiro Cândido Batista de Oliveira, do mesmo tronco Souza Fernando. Outro filho de
Tomaz José, o major Sebastião José de Figueiredo, casou com Maria Angélica Barbosa, sendo pais de
Lisbela, casada com Tomaz Hipólito Fernandes Passos. Manuel dos Passos Figueirôa, que adotou o nome
do tio-avô materno, deve ser filho desse casal. Teve Manuel dos Passos três filhos: Manuel dos Passos
Figueirôa, que faleceu em Porto Alegre, 1/1/1871, de que foi filho um oficial do Exército do mesmo
nome José dos Passos Figueirôa, engenheiro, residente no Rio, que foi lente da Escola Politécnica e
Amália dos Passos Figueirôa, notável poetisa rio-grandense que publicou no Rio, onde viveu algum
tempo, um livro de versos, Crepúsculos, recebido com aplausos por toda a imprensa do Brasil, Amália
que nasceu em Porto Alegre¸ em 31/8/1848, faleceu na mesma cidade, em 24/9/1878”. PORTO, 1937. p.
230.
130
PORTO, 1937. p. 226.
grupos políticos em disputa à época do movimento de 1835, a abordagem de Porto caracteriza-
se por um partidarismo pró-farroupilhas e contrário aos legalistas. Esta tomada de posição
distingue o trabalho de Aurélio Porto com relação aos demais historiadores da imprensa sul-rio-
grandense, porém, não invalida o significado, como produção intelectual, de seu “ligeiro
bosquejo histórico”.

1.4. A supressão dos temas políticos

Alguns dos escritos sobre a imprensa sul-rio-grandense caracterizaram-se por


uma omissão praticamente completa para com os assuntos de natureza política. Nestes
trabalhos, o conteúdo político-partidário dos jornais é suprimido ou reduzido a uma escala de
menor importância na abordagem do jornalismo. Inseriram-se neste quadro um ensaio de Scylla
Soares da Silva e Souza sobre a evolução da imprensa gaúcha e os escritos de Athos
Damasceno Ferreira a respeito das folhas caricatas rio-grandenses.
Em 1942, Scylla Soares da Silva e Souza elabora o ensaio “A evolução da
imprensa no Rio Grande do Sul”, publicado na obra coletiva Rio Grande do Sul: imagem da
Terra Gaúcha131. Neste trabalho, a autora segue a mesma linha de um artigo anterior, no qual
organizara um verdadeiro catálogo de jornais, só que restrito à cidade de Porto Alegre132, e
dedica praticamente metade do texto para descrever as origens da imprensa gaúcha, referindo-se
ao Diário de Porto Alegre - citando, inclusive, a lista com o nome de todos os subscritores do
primeiro número do jornal -, e a Tipografia Rio-Grandense.
A autora comenta que, entre 1827 e 1889, a imprensa passara por duas fases de
maior “incremento” e “evidência”, durante o período da Revolução Farroupilha e na transição
da Monarquia à República. Ela deixa seus objetivos evidentes, ao destacar a importância de uma
listagem de nomes de jornais:

131
SOUZA, Scylla Soares da Silva e. A evolução da imprensa no Rio Grande do Sul. In: Rio Grande do
Sul: imagem da terra gaúcha. Porto Alegre: Editora Kosmos, 1942. p. 299-302. A autora era porto-
alegrense e foi funcionária pública na Prefeitura de sua cidade natal, arquivista e pesquisadora, publicou
também o ensaio “Algumas instituições de caráter cultural do Rio Grande do Sul”. Dados obtidos a partir
de: MARTINS, A. p. 547-8. e VILLAS-BÔAS. p. 494. Sobre a obra coletiva na qual o ensaio foi escrito,
ela estava inserida num projeto mais amplo que visava dotar cada um dos estados brasileiros de uma
publicação que divulgasse “sua história e evolução, seu trabalho criador e sua paisagem e seus homens”,
tendo, assim, por objetivos: “apresentar (...) um monumento verdadeiramente condigno das belezas, do
espírito, da riqueza e das possibilidades quase infinitas de todo o Brasil”, “aprofundar, em cada brasileiro,
o conhecimento das particularidades específicas da paisagem, da capacidade intelectual e espiritual e da
estrutura econômica de cada unidade federada”; e “proporcionar a todas as nações amigas do globo (...)
uma imagem fiel e completa da essência, da capacidade, das tendências, bem como da beleza, da riqueza
e das peculiaridades específicas de cada um dos Estados brasileiros”. - “À guisa de prefácio”. p. 7.
132
SOUZA, Scylla Soares da Silva e. A imprensa em Porto Alegre (1827-1889). In: Anais do III
Congresso Sul-Rio-Grandense de História e Geografia. v.3. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 1940. p.
1181-201. Neste escrito, a autora apresenta seus objetivos ao historiar a imprensa: “Apresentando este
pequeno trabalho não desejamos falar no quanto se poderia escrever e o que já se tem escrito sobre a
imprensa e seus múltiplos aspectos. Ele se resumirá, tão somente, em comentar à época de seu
aparecimento no Brasil, no Rio Grande do Sul e, finalmente, - e este é o nosso objetivo - sua instalação e
desenvolvimento na cidade de Porto Alegre. SOUZA, 1940. p. 1181.
“Os títulos dos jornais da época, especialmente da primeira metade do século XIX, por
si só valem para um estudo comparativo da evolução da intelectualidade passada e atual.”133

De acordo com os próprios marcos cronológicos por ela traçados, a autora


destaca os títulos, períodos e cidades em que circularam os jornais rio-grandenses, ao longo da
Revolução de 1835 e durante o processo de mudança na forma de governo do país, além disso,
faz uma breve relação dos periódicos que circulavam no ano daquela publicação (1942). Um
dos aspectos marcantes da obra de Scylla Souza é uma crítica aos confrontos político-partidários
que marcaram a história rio-grandense, considerando-os como “exageros” e afirmando que a
“politiquice partidária” muitas vezes “desmoralizara” a imprensa. Este aspecto é explicável pelo
contexto histórico no qual se inseria aquele ensaio, ou seja, a ditadura estado-novista. Ao final
do texto também percebe-se a influência da conjuntura de então, quanto a autora conclui
enaltecendo a figura do chefe de Estado, em verdadeiro culto ao líder, e aponta a imprensa
gaúcha como motivo de orgulho nacionalista:

“Com o advento do Estado Novo (...) a situação da imprensa modificou-se grandemente,


graças ao apoio eficiente do chefe do governo brasileiro.
E a imprensa do Rio Grande do Sul é hoje orgulho da terra dos pampas, tendo sido
considerada por ilustres visitantes, uma das melhores do Brasil.”134

Athos Damasceno Ferreira foi outro autor que escreveu sobre a imprensa do Rio
Grande do Sul, dedicando sua abordagem a setores específicos do jornalismo ligados aos
periódicos humorísticos e literários em Porto Alegre, e à imprensa caricata da Província/Estado.
Assim, em 1962, publicou “Imprensa caricata no Rio Grande do Sul no século XIX”, uma
edição ampliada e revisada de outra, de 1944, “Jornais críticos e humorísticos de Porto Alegre
no século XIX; além disso, elaborou outro escrito sobre a imprensa literária porto-alegrense,
editado de forma póstuma135.
Ao estudar a imprensa caricata rio-grandense (fazendo estudos de caso, através
das cidades de Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas), Athos Damasceno torna-se pioneiro na
pesquisa específica de um setor ligado à pequena imprensa gaúcha. A inovação limita-se,
porém, ao tema abordado, pois o autor mantém a tradicional característica de historiar o
jornalismo através do linear arrolamento de periódicos, sem buscar uma relação com os

133
SOUZA, 1942. p. 301.
134
SOUZA, 1942. p. 302.
135
FERREIRA, Athos Damasceno. Jornais críticos e humorísticos de Porto Alegre no século XIX. Porto
Alegre: Globo, 1944.; FERREIRA, Athos Damasceno. Imprensa caricata no Rio Grande do Sul no
século XIX. Porto Alegre: Globo, 1962.; e FERREIRA, Athos Damasceno. Imprensa literária de Porto
Alegre no século XIX. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1975. O porto-alegrense Athos Damasceno Ferreira
(1902-1975) era escritor, poeta, novelista, historiador e jornalista; foi funcionário público, tendo
trabalhado no Gabinete da Presidência do Estado e nas Secretarias da Educação e do Interior do Rio
Grande do Sul; diretor do Instituto Estadual do Livro e membro do Instituto Histórico e Geográfico do
Rio Grande do Sul; escreveu para diversos jornais e revistas e, além de suas obras literárias, publicou
vários trabalhos, nos quais buscou apresentar as mais diversas manifestações culturais do Rio Grande do
Sul no século XIX. Dentre seus escritos pode-se destacar: “O teatro em Porto Alegre no século XIX”,
“Palco, salão e picadeiro em Porto Alegre no século XIX”, “Apontamentos para o estudo da
indumentária no Rio Grande do Sul”, “Sociedades literárias em Porto Alegre no século XIX”, “O
carnaval porto-alegrense no século XIX”, “Artes plásticas no Rio Grande do Sul” e “Gabinetes de leitura
e bibliotecas do Rio Grande do Sul no século XIX”. Dados obtidos a partir de: MARTINS, A. p. 175-6 e
VILLAS-BÔAS. p. 159-60.
contextos nos quais se desenvolveram ou dedicar maior atenção às posturas político-ideológicas
dos jornais. Os periódicos destacados por Damasceno aparecem como unidades autônomas,
sendo estudados de forma particularizada. Até mesmo um dos elementos básicos do seu objeto
de estudo - a caricatura - não era contextualizada no todo do trabalho, fazendo questão de
explicar, ainda na capa do livro, que o mesmo possuía “quarenta e duas ilustrações fora do
texto”, de modo que as mesmas são apresentadas apenas como ilustração ou complementação
visual, sem referências ou conexões diretas com o texto escrito.
Uma das notórias características do autor é a preocupação com as
fontes/documentos escritos, sendo, para ele, fundamental a obtenção de fontes “merecedoras de
crédito” e prestadoras de “informações seguras”, ele auto-limitava-se a “narrar os fatos” como
eles estavam nas fontes, considerando-se impossibilitado de escrever sobre um jornal sem que
houvesse “fontes seguras”, evitando utilizar-se de “fontes verbais”.
Athos Damasceno não chegou a estabelecer uma análise do conteúdo intrínseco
dos jornais nas suas relações com a realidade na qual se desenvolveram, embora chegasse a
reconhecer, apenas em parte e com ressalvas, estas relações:

“Talvez não seja exagero observar que a essa altura o periódico era, até certo ponto, o
reflexo da opinião e dos sentimentos da maioria e quase a tradução literal, digamos assim,
do meio onde circulava.”136

Os jornalistas ou responsáveis pelos jornais não são encarados por Damasceno


como atores sociais ou políticos, ficando desvinculados de seu meio. Eles aparecem, em geral,
descritos por seus hábitos ou aparência pessoal, como nos seguintes casos:

a) “... homem inteligente e brilhante que andou por São Paulo, visando um canudo de
bacharel. Caiu na boemia, porém, e parece que nem chegou a entrar para a Faculdade de
Direito.”
b) “O agradável aspecto fisionômico do moço (...), de cabeleira negra, anelada e vasta,
como a pera e o bigode.”
c) “Homem voluntarioso, inteligência viva, cultura variada, fez aqui um prestígio que o
punha sempre em evidência.”
d) “Graúdo e bonitão, usava roupas justas e gravatas espalhafatosas e passeava,
arrogantemente, a sua proa de moço aristocrata pelas ruas ensolaradas do burgo.”137

Damasceno só aborda uma forma de relação entre os periódicos estudados,


tratando das querelas ocasionais entre uns e outros, aproveitando a oportunidade para registrar
esses conflitos, considerados por ele como um “bate-boca”, e reforçar sua opinião sobre a
conduta “desabrida” daqueles jornais. Mesmo assim, estes confrontos não são encarados como
políticos, sociais ou econômicos, mas apenas como desavenças de cunho pessoal.
Outro aspecto fundamental na obra de Athos Damasceno sobre a imprensa
crítico-caricata é uma omissão praticamente completa dos eventos relacionados com a política,
incorrendo numa verdadeira negação dos assuntos de cunho político-partidário como elementos
constitutivos do jornalismo. Assim, apesar de propor-se a trabalhar a imprensa “crítica”, é o

136
FERREIRA, 1962. p. 119.
137
FERREIRA, 1944. p. 10, 11, 25 e 30.
autor quem critica os jornais quando os mesmos adotavam essa conduta, acusando-os de fazer
com que fatos simples (“fatinhos”) crescessem demasiadamente. Deste modo, em seus escritos,
as condutas políticas dos jornais praticamente não aparecem e, nas poucas vezes em que há
referência aos fenômenos políticos, isso se dá de maneira velada, onde a política aparece
isolada, descontextualizada e relegada a um plano inferior.
Este modelo de relação sujeito/objeto, predominando a supressão dos temas de
natureza política, revela certas convicções e o contexto histórico no qual o autor estava inserido.
Assim, a obra de Damasceno teve, mesmo que variáveis, certos vínculos com o Estado: pelo
controle direto num período de exceção (o livro de 1944 foi escrito em meio à ditadura estado-
novista e sob os “auspícios” do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda, órgão
responsável, regionalmente, pela censura às diversas formas de produção cultural); pela posição
profissional do autor e, a partir dela, a possibilidade de desenvolvimento de suas pesquisas, ou
ainda pelo apoio institucional direto na publicação dos livros. A partir destes vínculos e tendo
em vista os históricos conflitos partidários que caracterizaram a formação republicana rio-
grandense, bem com as “heranças” que os mesmos deixaram e que perduraram por longo
tempo, marcando a vida política do Rio Grande do Sul, Damasceno optou pela omissão
praticamente completa das posturas político-partidárias dos periódicos, procurando, desta
maneira, obter alguns dos elementos inerentes à linha historiográfica na qual se inclui a sua
obra, ou seja, a busca da neutralidade, da isenção e da imparcialidade.
Esta abordagem (ou ausência de abordagem), de Athos Damasceno para com a
política pode ser exemplificada através de suas asserções/omissões a respeito de um jornal rio-
grandino - o Bisturi -, a mais importante e crítica folha caricata rio-grandina. Sobre este
periódico, o autor estabelece severo julgamento ao que considera “excessos” por parte do
redator, acusando-o de nem sempre manter a racionalidade, envolvendo-se em discussões
pessoais e fazendo caricaturas sem nenhum “pudor”. Assim, uma das poucas asseverações de
Damasceno sobre a postura política de um jornal, foi no sentido de criticar o alegado “exagero”
da mesma. Ele também atacou o Bisturi devido às suas posições diante do processo de
afirmação da forma de governo republicana:

“Ao tempo da Coroa propendia para o Barrete Frígio. E, instaurado o novo regime,
recebe-o de braços abertos (...). Transcorridos, porém, alguns meses do advento
republicano, fecha a cara para a situação criada, de cujo ventre vê nascer uma geração de
pulhas incapazes de dar ao Estado a fecunda forma de governo que todos esperavam. (...)
[De modo que o redator] transfere os badulaques para o setor dos descontentes,
colocando suas armas a serviço de Gaspar da Silveira Martins (...). Teria feito
precisamente o contrário, isto é, teria oferecido seus préstimos ao presidencialista Júlio de
Castilhos, se este, e não o fogoso timoneiro do extinto Partido Liberal, se encontrasse na
oposição.”138

Neste caso, Damasceno critica o jornal por mudar de posição diante da


República, na verdade, o estudo do periódico como um todo, ao longo de sua existência, e de
suas relações com a conjuntura partidária do momento, permite afirmar que o jornal manteve
uma coerência histórica com a postura liberal-gasparista, demarcada desde a sua criação. Assim,
as duas maneiras distintas de encarar a nova forma de governo não se prenderam “ao estilo da
crítica pela crítica, ou de oposição permanente à ordem estabelecida”, como Athos Damasceno

138
FERREIRA, 1962. p. 190-1.
tenta deixar transparecer, e sim, ao fato que o hebdomadário caricato “passou a entrar em
desacordo com as estratégias adotadas para promover a consolidação republicana,
especialmente no tocante às medidas autoritárias, as quais causavam verdadeira aversão à folha
semanal rio-grandina”139. Deste modo, ao renunciar à abordagem política, o autor considera
estes fatores ligados às convicções e práticas político-partidárias de seu objeto de estudo como
de menor importância, apontando os mesmos como elementos excrescentes, ou ainda, nas
poucas vezes em que a eles faz referência, exagerados.
A produção histórica de Athos Damasceno Ferreira preocupa-se exclusivamente
com o resgate das fontes documentais, não apresentando nenhum referencial teórico ou
preocupações com os avanços metodológicos ou estudos interdisciplinares. Busca, desta forma,
na obra de 1962, historiar através da listagem de doze jornais porto-alegrenses, cinco rio-
grandinos e dois pelotenses, indo, assim ao encontro da própria versão que dá ao seu trabalho,
auto-definindo-se como “o noticiarista - simples almoxarife da história -”, que cumpre “sua
missão, recolhendo, ordenando e distribuindo o precioso material”, que comporia “o fenômeno
cultural da Província, no curso do século do fraque, da prestidigitação e da tosse”140.
Deste modo, tanto no breve ensaio de Scylla Soares da Silva e Souza, quanto no
bem mais amplo trabalho de Athos Damasceno Ferreira, a abordagem dos temas políticos é
suprimida ou relegada a um segundo plano. Para a autora, os “exageros” da “politiquice
partidária” representavam um elemento nocivo ao desenvolvimento da imprensa e, no mesmo
sentido, para Damasceno, a conduta política “desabrida” dos jornalistas e suas “exageradas”
manifestações político-partidárias levavam à prejuízos para o progresso do jornalismo. Esta
supressão dos assuntos políticos está relacionada ao controle e/ou vínculo direto/indireto dos
respectivos autores para com o aparelho do Estado, levando a que a busca da neutralidade,
isenção e imparcialidade, como elementos constitutivos do ato de historiar, fosse ainda mais
marcante nestas obras. Apesar de suprimir a abordagem política, chegando a criticar os
posicionamentos políticos mais veementes dos jornais estudados, estes trabalhos têm a
significativa virtude de levantarem uma série de informações, mormente o de Athos Damasceno
ao pesquisar sobre um setor da imprensa até então escassamente abordado.

1.5. Os primórdios de uma renovação metodológica

Na década de 50, Carlos Reverbel publica dois novos trabalhos sobre a


imprensa gaúcha, um na Enciclopédia Rio-Grandense, em 1956, intitulado “Evolução da
imprensa rio-grandense (1827-1845)” e outro, na obra Fundamentos da Cultura Rio-Grandense,

139
ALVES, Francisco das Neves. O Bisturi: imprensa oposicionista na cidade do Rio Grande (1888-
1893). In: ALVES, Francisco das Neves & TORRES, Luiz Henrique (orgs.). Pensar a Revolução
Federalista. Rio Grande: Ed. da FURG, 1993. p. 56.
140
FERREIRA, 1962. p. 221. Na mesma linha, na obra sobre o jornalismo literário, Athos Damasceno
destaca que um de seus objetivos ao estudar a imprensa era “o de ampliar a bibliografia referente à
história e à dinâmica do jornalismo rio-grandense, em setor ainda praticamente inexplorado e mediante o
levantamento e ordenação das publicações (...) em seus aspectos puramente formais, isto é, data de
surgimento, feições particulares, transcrição de programas e indicação dos nomes daqueles que lhe foram
responsáveis pela edição ou para esse fim concorreram na qualidade de colaboradores”. FERREIRA,
1975. p. 11.
em 1957, denominado “Tendências do jornalismo gaúcho”141. Neste segundo escrito, Reverbel
lança alguns dos pressupostos que viriam a contribuir significativamente com as transformações
pelas quais a historiografia da imprensa sul-rio-grandense viria a passar nos anos futuros. Neste
sentido, o autor empreende uma abordagem diferenciada com relação a seus antecessores e
coetâneos na pesquisa sobre o jornalismo gaúcho, promovendo algumas idéias que
representariam os primórdios de uma renovação metodológica nas análises acerca da imprensa
no Rio Grande do Sul.
No ensaio Evolução da imprensa rio-grandense, o escritor argumenta que “na
impossibilidade de fazer a história do jornalismo rio-grandense, tarefa necessária e sedutora,
mas que consumiria anos de pesquisas”, limitar-se-ia “a esboçar (...) apenas a primeira fase de
sua evolução”. Explica que seu estudo era “tudo quanto se pode levar a cabo (sem maiores
pesquisas pessoais), mas não deixando de recorrer, evidentemente, senão a todos, pelo menos
aos principais elementos bibliográficos sobre a matéria”; considerando esta como uma empresa
“das mais espinhosas, dadas as deficiências da respectiva bibliografia (quase sempre de caráter
fragmentário) e, sobretudo, por causa de sua inacessibilidade, pois consta de publicações em
geral esgotadas, quando não desaparecidas”142.
Neste artigo, o autor não chega a apresentar maiores novidades quanto a
fundamentos teórico-metodológicos, limitando-se a explanar sobre o que considera a primeira
fase da imprensa rio-grandense que vai do surgimento da mesma até o fim da Revolução
Farroupilha. Destaca as discussões acerca do “primeiro jornal” e do “primeiro prelo”, aceitando
Salvador José Maciel como o “fundador” da imprensa na Província e descrevendo “vida e
características” do Diário de Porto Alegre, além de fazer uma referência ao Constitucional Rio-
Grandense. Para Reverbel, durante a “primeira fase”, havia dois tipos de jornais, os

141
REVERBEL, Carlos. Evolução da imprensa rio-grandense (1827-1845). In: Enciclopédia Rio-
Grandense: o Rio Grande Antigo. v.2. Canoas: Editora Regional, 1956. p. 241-64. A Enciclopédia Rio-
Grandense, nas suas “apresentações” tinha destacados os seus objetivos: abordar “a pesquisa
sistematizada e a divulgação objetiva de elementos sobre a formação histórica do Rio Grande do Sul, sua
gente, sua cultura e seu progresso”, e focalizar “os mais variados prismas da vivência humana,
espelhando o período de formação histórica, cultural e econômica do nosso interior, retratando com
variedade de aspectos tudo quanto diga respeito à vida humana no Rio Grande do Sul”. E REVERBEL,
Carlos. Tendências do jornalismo gaúcho. In: Fundamentos da cultura rio-grandense. Porto Alegre:
Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul, 1957 (segunda série). p. 101-24.
Fundamentos da Cultura Rio-Grandense foi o título de um curso realizado pela Universidade do Rio
Grande do Sul em cinco fases (séries), nos anos de 1954, 57, 58, 60 e 62, e, em cada um deles, foram
publicadas as palestras correspondentes, tornando-se um marco referencial na historiografia sul-rio-
grandense. Com o curso, a Faculdade pretendia prestar uma contribuição “ao aprimoramento dos (...)
professores de nível secundário e aos estudos que procuram conhecer e dar a conhecer a todos o que é o
Rio Grande do Sul”, visava também “fornecer ao homem e ao povo de seu Estado o auxílio e os
conhecimentos de que ele necessita para saber de onde veio, onde está e como deve agir para se por
realmente em ligação com a terra e com os seus semelhantes”. PILLA, Luís. Prefácio. In: Fundamentos...,
1954 (primeira série). Carlos Macedo Reverbel (1912-1997), gaúcho de Quaraí, foi jornalista desde
1933, tendo trabalhado em Santa Catarina, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, onde foi redator-
secretário da revista Província de São Pedro e redator do Correio do Povo; historiador e pesquisador,
membro da Associação Rio-Grandense de Imprensa e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande
do Sul; entre outros trabalhos, escreveu: “Bibliografia sul-rio-grandense” (série de 66 artigos comentados
no Correio do Povo), “Classes políticas”, “Um capitão da Guarda Nacional”, “O gaúcho: aspectos de sua
formação no Rio Grande do Sul e no Rio da Prata”, “Assis Brasil” e “Maragatos e pica-paus: guerra civil
e degola no Rio Grande”. Dados obtidos a partir de: MARTINS, A. p. 481 e VILLAS-BÔAS. p. 422.
142
REVERBEL, 1956. p. 243.
“difamadores” e “irresponsáveis”, com a primazia das agressões pessoais e os político-
partidários, que teriam predominado sobre os primeiros. Segundo o escritor, durante a
Revolução de 1835, a imprensa tinha um caráter partidário e ideológico, considerando os
periódicos como “precursores” do movimento rebelde. O autor faz ainda uma lista de alguns
dos jornais que serviram à Revolução, além de alguns legalistas, destacando também a “feição e
estilo” desses primeiros periódicos. Ao final do texto, Reverbel cita as “principais” referências
bibliográficas que existiam, até aquela época, sobre a imprensa no Rio Grande do Sul.
O outro artigo, “Tendências do jornalismo gaúcho”, inseriu-se na série de
estudos denominada Fundamentos da Cultura Rio-Grandense, evento que corporificou “a
preocupação de um encontro com o Rio Grande, por outros caminhos que não os da
historiografia tradicional”143. Neste contexto, o trabalho representa verdadeira exceção, quando
relacionado com os demais estudos sobre a imprensa, realizados até então, pois, nele, Reverbel
organiza o texto a partir de um arcabouço metodológico, revelando preocupações até então não
abordadas por seus antecessores. Ao definir seu objeto de trabalho, ele também aponta as
dificuldades na realização do mesmo, notadamente por causa das limitações e do caráter
fragmentário da bibliografia disponível:

“Este trabalho não vai além de notas, através das quais, sem fazer história, procurei
apenas caracterizar as três principais fases do jornalismo no Rio Grande do Sul, em relação
aos acontecimentos sociais e políticos que lhe serviram de panorama e campo de ação.
Detive-me particularmente nas duas primeiras, cuja história já foi esboçada, pois maior
exame da terceira fase do nosso jornalismo implicaria em pesquisas demoradas, cujos
resultados não seria possível obter-se de uma hora para outra. (...) A bibliografia alusiva,
além de escassa e de difícil acesso, pois se encontra em publicações na totalidade
esgotadas, é, em geral, fragmentária, não existindo, nestas condições, nenhuma obra sobre o
jornalismo rio-grandense que possa ser apontada como definitiva.”144

Mesmo que apresente seu artigo como simples “notas”, sem pretender “fazer
história”, Reverbel apresenta um texto histórico, rico em informações, como é a tradição da
bibliografia sobre a imprensa gaúcha, mas acrescenta a isso o esboço de algumas inovações
metológicas. Segundo o autor, significativo trabalho era ainda necessário para promover a
construção da história da imprensa rio-grandense, tarefa que não mais poderia ser executada de
forma individual e “amadora” e sim, em equipe e com uma renovação na metodologia da
pesquisa:

“Para que se consiga escrever, como se torna necessário, a história do jornalismo rio-
grandense, lacuna que demora a ser preenchida, é preciso que se empreenda,
preliminarmente, amplo trabalho de documentação, pois grande parte do que se tem escrito
sobre o assunto, no Rio Grande do Sul, escapa aos interessados, por falta de indicação e,
conseqüentemente, de conhecimento das fontes. Ainda não se fez, entre nós, nem sequer o
levantamento das coleções de jornais antigos existentes nas bibliotecas e arquivos públicos
e particulares do Estado. Não dispomos, também, nem mesmo de um catálogo da imprensa
rio-grandense. (...)
Como se vê, a história da imprensa no Rio Grande do Sul dificilmente poderá ser obra
de um só pesquisador, pela enorme soma de material que falta reunir. Chegamos a uma

143
MOREIRA, Earle Diniz Macarthy. Linhas de pesquisa histórica no Rio Grande do Sul. In: Anais da VI
Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica. São Paulo: SBPH, 1987. p. 49.
144
REVERBEL, 1957. p. 101-2.
situação em que, individual e amadoristicamente, não mais se conseguem resultados
satisfatórios, no campo dos estudos sociais. Seria necessário um trabalho de equipe, com
recursos materiais e moderna orientação metodológica (...) para que se consiga, o quanto
antes, como é preciso, reunir o fundo de documentação necessário ao completo estudo da
evolução do jornalismo gaúcho.”145

Carlos Reverbel refere-se às diferenciações regionais características do Brasil


como fundamentais para um melhor entendimento do jornalismo brasileiro, afirmando que este
“fenômeno” cultural, sociológico e geográfico também se fez sentir na evolução da imprensa,
levando à inexistência de um jornal nacional e à formação de verdadeiras “ilhas” regionalizadas.
Para ele, o estudo da imprensa deveria ser feito “ilha a ilha”, ou seja, propunha a organização de
estudos de caso regionais, como forma de construir a história da imprensa brasileira no seu
conjunto, mesmo considerando esta como uma difícil tarefa; exemplifica isto apontando o certo
desprezo, principalmente por parte do centro do país, dedicado à produção histórica realizada no
Rio Grande do Sul. Destaca, assim, que o estudioso que quisesse “conhecer a evolução da
imprensa no Brasil” teria de “estudá-la segundo as diferentes regiões em que ela se afirmou”, ou
seja, “ilha por ilha, e não apenas nas suas manifestações de Rio e São Paulo, ilhas também, do
ponto de vista jornalístico, em relação ao resto do país”146.
De acordo com esta convicção, na perspectiva do escritor, para realizar-se a
construção da história da imprensa brasileira, não haveria “outra alternativa senão proceder-se
como nos trabalhos de geografia humana, empreendendo-se primeiramente levantamentos e
estudos de âmbito regional”, de modo que, sem este procedimento, jamais se obteria a história
do jornalismo no país, “onde não circula e nunca circulou um órgão que possa ser apresentado
como expressão absoluta e muito menos como símbolo do jornalismo nacional”, bem como
“jornal algum jamais desfrutou e, possivelmente, nunca desfrutará dessa situação, só podendo o
mesmo papel ser desempenhado dentro dos limites das diversas ilhas em que vive circunscrito
o jornalismo brasileiro, isto é, em caráter regional”. A isto o autor acrescentava a afirmação de
“que a contribuição rio-grandense, em geral, não é sequer levada em conta pelos que têm
estudado o assunto fora daqui”147.
Na mesma linha, a respeito da história da imprensa gaúcha, Carlos Reverbel
censura a tendência que limita o horizonte de estudo à Porto Alegre, “omitindo a contribuição
representada por alguns centros do interior do Estado”. O autor aponta para a necessidade de
ampliar a pesquisa a outras cidades onde a imprensa teve grande desenvolvimento, explicando
que “não é possível traçar a evolução da imprensa no Rio Grande do Sul”, limitando-se “o
campo de observação apenas ao que se passou na capital do Estado”, uma vez que “outros
centros, notadamente Rio Grande e Pelotas, terão de ser da mesma forma estudados, pois estão
em condições de apresentar relevante contribuição”148.
Ainda com referência à elaboração de uma história da imprensa, o autor destaca
a necessidade de conservação das fontes em bibliotecas, arquivos e museus, com referência
especial à situação da Biblioteca Nacional. Para o escritor, as grandes dificuldades que então
cercavam a preservação dos acervos jornalísticos representavam um grave obstáculo ao
aprimoramento das pesquisas concernentes às Ciências Humanas como um todo, considerando

145
REVERBEL, 1957. p. 102.
146
REVERBEL, 1957. p. 102-3.
147
REVERBEL, 1957. p. 104-5.
148
REVERBEL, 1957. p. 105 e 107.
que, “aparentemente, tal deficiência poderia constituir percalços apenas aos que pretendem
estudar a evolução” do jornalismo, “na realidade, porém, os prejuízos são maiores, pois
envolvem quase todos os estudos sociais, por se tratar de fontes de primeira grandeza e capazes,
portanto, de fornecer aos pesquisadores elementos da maior valia”149.
Sobre cada um dos assuntos abordados, Reverbel remete a referências
bibliográficas que podem permitir a identificação da fonte ou a ampliação do conhecimento
sobre determinado aspecto. A parte mais completa do trabalho refere-se à “primeira fase”,
acerca da preparação e desenvolvimento do conflito farroupilha, discutindo as origens da
imprensa e as características dos primeiros periódicos rio-grandenses. Diferentemente de outros
autores, Reverbel promove uma revisão bibliográfica, bem como contrapõe as diferentes visões
e argumenta sobre as mesmas; apontando que diante da “divergência entre os autores”, não
restava “outra alternativa senão voltar-se ao tema, para tirá-lo a limpo”, promovendo um
reexame do mesmo, o qual poderia ser realizado a partir das “atividades universitárias”, onde
deveriam “ser realizadas as pesquisas fundamentais sobre a evolução da cultura rio-
grandense”150. Além disto, o autor explica o contexto histórico da formação do Rio Grande do
Sul e do surgimento da imprensa, nesta “primeira fase”. As apreciações sobre a “segunda fase”,
durante a transição Monarquia-República, são mais sucintas, com destaque às atuações de Júlio
de Castilhos e Carlos von Koseritz e às folhas A Federação e A Reforma. A referência à
“terceira fase”, a partir de 1895, é, como o próprio autor anunciara, ainda mais restrita, falando
sobre a “eqüidistância” e o “primado da notíca” do jornal Correio do Povo.
Inter-relacionando o jornalismo no âmbito universal e regional, o escritor busca
esclarecer que “se na sua expressão material”, ou seja, quanto levados em conta “os engenhos
mecânicos, os processos técnicos e as formas de aplicá-los”, o jornalismo rio-grandense
aparecia “como resultado de um sistema universal de elaboração industrial”, o qual “não tem
características absolutamente próprias e não se reveste de verdadeira originalidade, o mesmo
não se poderia dizer do seu espírito e da sua ação, com raízes que se confundem” com as da
própria formação gaúcha. Associando a conjuntura histórico-social sul-rio-grandense com a
evolução das atividades jornalísticas, o autor explica que se formou “um jornalismo tipicamente
rio-grandense, que vem subsistindo na medida em que se tornou capaz de conservar-se autêntico
e representativo”, apontando que deveria ser “em função desta integração na (...) vida social que
terá de ser estudada” aquela evolução151.
Também com referência a este aspecto, Carlos Reverbel inovou na forma de
tratar a imprensa, empreendendo um modo de historiar diferenciado com relação aos trabalhos
anteriores. Esta inovação pode ser percebida na maneira pela qual ele encara a imprensa, não
como um elemento histórico isolado e sim como algo que interage com a sociedade na qual está
inserida:

“O panorama ético em que se situa a imprensa rio-grandense não é, evidentemente,


resultado de um fenômeno de geração espontânea, que tenha vindo a furo de uma hora para
outra. É resultado de todo um processo evolutivo, cujas raízes remotas e profundas se
confundem com as de nossa própria formação social, pois se é verdade que a imprensa
influi sobre a sociedade, não é menos exato que a sociedade também influi sobre a
imprensa, numa escala talvez mais determinante, já que os jornais, em última análise, são
tanto um produto dos leitores e anunciantes, que os compram e sustentam, como dos

149
REVERBEL, 1957. p. 108.
150
REVERBEL, 1957. p. 109.
151
REVERBEL, 1957. p. 109.
proprietários que os administram e orientam, e dos profissionais que os elaboram
tecnicamente.”152

Assim, Carlos Reverbel prestou uma contribuição inestimável para uma melhor
compreensão histórica da imprensa gaúcha, lançando alguns dos preceitos que viriam a ser
aprimorados a partir das décadas seguintes. Floresceria sua idéia de estabelecer uma
intercomplementação mútua entre os estudos promovidos sob o prisma da historiografia
tradicional e aqueles a serem desenvolvidos a partir das atividades universitárias, e sua obra
passaria a constituir um elemento chave nos trabalhos de graduação e pós-graduação que viriam
a versar sobre a imprensa no Rio Grande do Sul. Na sua obra, história, imprensa e política são
elementos que interagem entre si, inter-relacionando-se com o meio no qual se desenvolveu a
imprensa, de modo que as posições político-partidárias dos jornais aparecem contextualizadas
no todo da sociedade na qual eles circularam.
Mesmo que o “fazer história” do escritor ainda estivesse marcado por alguns
dos elementos constitutivos da historiografia tradicional, mormente no texto de 1956, seus
estudos representaram um avanço quanto a esta, à medida em que o autor busca realizar uma
revisão e até uma crítica bibliográfica; aponta também para a necessidade de uma modernização
na orientação metodológica, bem como para uma proveitosa aproximação entre as Ciências
Sociais para, em conjunto, estabelecer mais completas explicações acerca da formação histórica
da imprensa; além disso, apresenta como fundamental o inter-relacionamento entre a evolução
das práticas jornalísticas com o meio sócio-histórico no qual elas desenvolveram-se, de modo
que os jornais, assim, não aparecem como elementos isolados, com vida própria e pairando
acima do contexto político, econômico, social e ideológico. Deste modo, no intento de
estabelecer uma explicação histórica a respeito de mais uma das “ilhas” que compõem o
jornalismo brasileiro, Carlos Reverbel empreendeu um passo significativo para a construção
historiográfica da imprensa sul-rio-grandense.

1.6. A permanência da abordagem tradicional

Apesar de certas propostas de uma renovação metodológica já terem sido


apresentadas na década de cinqüenta, diversos dos trabalhos a respeito da história geral da
imprensa rio-grandense continuaram inseridos nos pressupostos da historiografia tradicional,
embasando-se os escritos numa abordagem predominantemente descritiva. Dentre estas obras
podem ser destacadas as de diversos autores já vinculados à docência superior e secundária,
como Edgar Luiz Schneider, Lothar Hessel, Gabriel Borges Fortes e Lourival Vianna.
No mesmo conjunto de palestras no qual Carlos Reverbel apresentara suas
idéias de renovação na abordagem da história da imprensa, os Fundamentos da Cultura Rio-
Grandense, Edgar Luiz Schneider publica o artigo “Imprensa sul-rio-grandense nos séculos XIX
e XX”153, escrito nos moldes tradicionais até então amplamente difundidos na historiografia

152
REVERBEL, 1957. p. 114.
153
SCHNEIDER, Edgar Luiz. Imprensa sul-rio-grandense nos séculos XIX e XX. In: Fundamentos da
cultura rio-grandense. Porto Alegre: Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul, 1964
(quinta série). O porto-alegrense Edgar Luiz Schneider (1893-1963) era diplomado pela Escola Superior
de Comércio e bacharel em Direito; foi advogado, jornalista, político e pesquisador; atuou como redator
do Correio do Povo; professor e reitor da Universidade do Rio Grande do Sul; deputado estadual e
federal; membro da Academia de Letras do Rio Grande do Sul, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
acerca do jornalismo gaúcho. Na abertura do trabalho, o autor destaca a importância da
imprensa dentro de um país “civilizado”, com a função de prestar informações, esclarecimentos,
instrução e orientação à sociedade. O texto encontra-se dividido em seis partes, sem subtítulos,
levando em conta parâmetros cronológicos.
Na primeira parte, Schneider refere-se aos impedimentos à imprensa, durante o
período colonial, bem como ao surgimento desta e dos passos iniciais da legislação sobre o
tema; caracteriza, também, os interesses predominantemente políticos dos jornais desta época. A
segunda parte trata do período entre o aparecimento do primitivo jornal rio-grandense (1827) e a
eclosão da Revolução Farroupilha, descrevendo algumas características dos primeiros
periódicos gaúchos, apontando a importância da imprensa para a preparação do conflito de
1835. No terceiro segmento, demarcado pelo desenrolar da Revolução, de 1835 a 1845, o autor
prossegue destacando os jornais e tecendo breves considerações sobre os mesmos. Já na parte
seguinte, que vai de 1845 até aproximadamente a virada do século, o autor passa a arrolar os
periódicos, catalogando-os por anos, praticamente sem caracterizar cada um deles, à exceção
dos destaques dados para A Reforma e A Federação. O quinto segmento trata dos jornais do
século XX, da fundação da Associação Rio-Grandense de Imprensa e da profissionalização do
jornalismo. Na última parte, Schneider aborda os avanços da imprensa, que se adaptava à
realidade da época e conclui, explicando a importância do estudo dos jornais para a história:

“O jornal é um testemunho redivivo, sobranceiro às gerações que se sucedem e, à roda


dele, gravitam os acontecimentos remotos, ao sabor da época. É através do periódico, fiel a
si mesmo, que se faz a história, sem preconceitos e com a realidade à vista.”154

Ao descrever a imprensa, Edgar Luiz Schneider trabalha com as informações


de autores anteriores, destacando as fontes, porém, isso nem sempre ocorre, como ao reproduzir
uma afirmação, de modo praticamente literal de uma passagem de João José Cezar, sem
referenciá-lo. Ao historiar a imprensa dos séculos XIX e XX, o autor, na maior parte do texto,
segue a tradição de estabelecer uma listagem de jornais, não havendo, porém, qualquer
referencial para justificar a escolha dos periódicos abordados.
Em 1964, Lothar Hessel publica o artigo “Imprensa gaúcha”, no Correio do
Povo155, em homenagem à “Semana da Imprensa”, comemorada àquela época pela Secretaria de
Educação e Cultura do Estado e pela Associação Rio-Grandense de Imprensa. No texto, o autor
busca destacar os jornais a partir de uma peculiaridade, os títulos dos mesmos, citando,

Grande do Sul e da Academia Sul-Rio-Grandense de Letras. Entre outros trabalhos, publicou: “Osório: o
cidadão, o soldado e o político”, “Em torno da Independência”, “Panteão rio-grandense”, “Afirmação
nacional da Guerra dos Farrapos” e “Maragatos e libertadores”. Dados obtidos a partir de: MARTINS, A.
p. 534 e VILLAS-BÔAS. p. 468. Sobre o curso Fundamentos da cultura rio-grandense, observar a
NOTA 81 deste capítulo.
154
SCHNEIDER. p. 101.
155
HESSEL, Lothar. Imprensa gaúcha. Correio do Povo. Porto Alegre: 10 set. 1964. p. 4. O gaúcho
Lothar Francisco Hessel nasceu em Estrela (1915) e formou-se bacharel em Letras Neolatinas; foi
professor na Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul; redator, ensaísta, poeta,
romancista, cronista e pesquisador; membro da Academia Sul-Rio-Grandense de Letras; fundador do
Círculo de Pesquisas Literárias; e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.
Dentre suas obras pode-se destacar: “Antenor de Morais: escritor regionalista do Rio Grande do Sul”,
“Aspectos sociais e literários do gaúcho”, “Gênese, apogeu e declínio do tipo gaúcho”, “O tipo social do
gaúcho”, “Portugueses que ajudaram a construir o Rio Grande” e “Três características da atuação do
Parternon Literário”. Dados obtidos a partir de: MARTINS, A. p. 273-4. e VILLAS-BÔAS. p. 235-6.
basicamente, o nome do periódico, por vezes acompanhado da respectiva cidade, além do ano
de circulação e dos seus responsáveis. Hessel, assim, descreve jornais com nomes de insetos,
flores, pássaros, fenômenos meteorológicos, ou ainda ligados à profissão de jornalista; bem
como, destaca a presença da mulher na imprensa; os jornais sérios e “respeitáveis” e os
periódicos “irreverentes”; os jornais manuscritos e os políticos. Cita uma série de “Correios”,
“Diários”, “Vozes”, “Ecos”, “Gazetas”, “Folhas”, “Jornais”, “Notícias e “Opiniões”, como
alguns dos títulos mais comuns.
Lothar Hessel, deste modo, tem por objeto a abordagem de um aspecto em
particular na história da imprensa rio-grandense, optando por selecionar alguns periódicos no
intento de homenagear os jornalistas gaúchos:

“De um fichário em que constam acima de 500 periódicos do interior do Estado, retiro
algumas fichas cujo exame permitirá ao leitor avaliar, se bem que palidamente, o mourejar
teimoso dos bravos jornalistas de outrora. (...) Longa seria a enumeração e o estudo das
centenas de jornais que (...) viram a luz da publicidade nos vários quadrantes do Estado
(...). Sirva, porém, este breve escorço para uma cordial comemoração da Semana da
Imprensa de 1964 e uma homenagem a todos quantos, célebres ou humildes, nela
continuam labutando, olhos postos na elevação cultural e moral do povo sul-rio-
grandense.”156

As comemorações em torno do sesquicentenário do surgimento da imprensa no


Rio Grande do Sul (1827-1977), propiciaram a publicação de novas obras a respeito da história
da imprensa rio-grandense. Um destes trabalhos foi “Imprensa gaúcha: 150 anos” de Gabriel
Borges Fortes157, no qual o autor emprega uma abordagem descritiva, destacando o histórico de
alguns jornais como forma de “homenagem” à data em comemoração. Assim, ele segue o
tradicional modelo de historiar as origens da imprensa gaúcha, a primeira tipografia e o primeiro
jornal, a localização e os responsáveis pelo mesmo. Partindo do Diário de Porto Alegre,
descreve as características formais dos primeiros periódicos da Província, existentes durante o
período que antecedeu a Revolução Farroupilha.
Sem apontar um referencial explicativo à seleção dos jornais, a narração de
Borges Fortes dá um “salto” cronológico, passando da descrição dos primitivos periódicos rio-
grandenses para aqueles do final do século XIX. O autor refere-se também às folhas mais
antigas, ainda circulando no Estado, à importância de A Federação e do Correio do Povo, além
de duas revistas, a Revista do Globo e a Província de São Pedro.

156
HESSEL. p. 4.
157
FORTES, Gabriel Pereira Borges. Imprensa gaúcha: 150 anos. Porto Alegre: SAMRIG, 1977. p. 4-
17. Essa publicação foi feita pela S.A. Moinhos Rio-Grandenses, que inaugurara, desde 1971, a prática de
publicar junto a seus relatórios, uma obra que servisse à divulgação de manifestações artístico-culturais
rio-grandenses; assim, em 1977, repetia a atitude, explicando seus propósitos: “Este ano, em que se
comemora o sesquicentenário da imprensa gaúcha, nada mais lógico e justo do que a Samrig valer-se
deste seu já tradicional elo de comunicação com os mais diversos e representativos setores da
comunidade rio-grandense para prestar uma pequena homenagem a esta bela e comovente história da
afirmação e consolidação de nossa imprensa”. O gaúcho Gabriel Pereira Borges Fortes nasceu em
Venâncio Aires, tornando-se bacharel em Direito, atuou como advogado e juiz em diversas cidades do
Rio Grande do Sul; lecionou no Curso de Jornalismo da Faculdade de Filosofia e na Faculdade de
Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; membro do Círculo de
Pesquisas Literárias; teve projetos mais amplos de escrever a história da imprensa no Rio Grande do Sul.
Dados obtidos a partir de: Relatório Samrig, 1977. p. 22.
Gabriel Borges Fortes destaca o valor histórico da imprensa e se contradiz, ao
considerar inconveniente o simples arrolamento de jornais, atitude que toma na maior parte do
texto; além disso, reafirma seus objetivos “comemorativos”, com aquele trabalho:

“Ressalte-se (...) a grande valia do jornal para os estudos históricos, como o da política e
de variados fins culturais. (...)
Não haveria espaço, é claro, para mencionar todos os periódicos e as revistas, infelizmente,
mesmo por ser inconveniente apenas enumerá-los. Mas este trabalho é um homenagem a
toda a imprensa do Rio Grande do Sul pelo transcurso do sesquicentenário da fundação do
seu primeiro jornal.”158

Outro trabalho publicado em 1977, por ocasião do sesquicentenário do Diário


de Porto Alegre, foi um livro sobre a imprensa rio-grandense entre 1827 e 1852, escrito por
Lourival Vianna159. No “Prefácio”, o autor define seu objetivo e chega a expressar sua idéia a
respeito de um método de pesquisa:

“O objetivo pretendido, com este trabalho, é o de traçar um esboço dos primeiros 25


anos da imprensa rio-grandense, definindo-lhe tendências, características e história, com
ênfase especial para o Diário de Porto Alegre (...).
O critério adotado para o levantamento de material foi, em essência, a consulta às fontes
(os próprios periódicos, sempre que possível) e aos trabalhos de pesquisa nessa área já
publicados. O passo inicial (...) foi o manuseio dos originais disponíveis em nosso meio,
com o registro, então de todos os dados que dali pudessem ser retirados no interesse da
perfeita identificação do periódico em exame. Ao mesmo tempo, procedemos, nessa mesma
etapa, ao inventário de toda e qualquer referência que se fizesse a outra publicação da época
que se editava no Estado. Vencido esse estágio do trabalho, passamos, aí sim, à coleta das
informações contidas nas monografias, artigos e demais publicações sobre a história da
imprensa no Rio Grande do Sul.”160

Com base nestas atitudes, Vianna pretende comparar os dados “diretos” com os
“indiretos” no intento de realizar uma revisão de algumas das asserções até então realizadas
sobre a imprensa, de modo a prestar mais uma “contribuição” às comemorações daquela data.
Assim, ele realiza uma série de observações a respeito do Diário de Porto Alegre, notadamente
quanto ao seu caráter oficial, à origem, ao redator, à localização e às características tipográficas.
A partir daí, o texto é dividido em segmentos independentes, sendo destacados: a
“periodicidade” dos jornais, com o predomínio dos bi e tri-semanais; o “formato”, prevalecendo
os de tamanho diminuto; o “conteúdo”, com o predomínio da opinião e das discussões políticas;
o “processo da notícia”, abordando as barreiras enfrentadas pelos jornais gaúchos na obtenção
das informações; e os “meios de subsistência”, descrevendo as amplas dificuldades dos
responsáveis pelos periódicos em manterem os mesmos circulando. Finalmente, o autor
organiza um “catálogo” dos jornais rio-grandenses publicados entre 1827 e 1852, no qual ele

158
FORTES. p. 14-5.
159
VIANNA, Lourival. Imprensa gaúcha (1827-1852). Porto Alegre: Museu de Comunicação Social
Hipólito José da Costa, 1977. Lourival Vianna, gaúcho de Taquari (1931), tornou-se bacharel em Letras
Clássicas; professor de Português e jornalista, atuou muitos anos no Correio do Povo; jornalista
concursado do Estado, trabalhou como pesquisador no Museu de Comunicação Social Hipólito José da
Costa. Dados obtidos a partir de: FELIZARDO, Joaquim José. Imprensa gaúcha (1827-1852). Correio do
Povo. Porto Alegre: 8 out. 1977. p. 4.
160
VIANNA, L. p. 13.
busca oferecer os elementos que considera como “dados essenciais”, como a periodicidade, o
formato, o tempo de existência, a linha editorial e a redação.
Ao abordar a produção histórica a respeito da imprensa rio-grandense, Lourival
Vianna considera-a ainda pouco elucidativa:

“A história do primeiro quarto de século da imprensa no Rio Grande do Sul, a despeito


do esforço de uns poucos mas denodados pesquisadores, continua ainda marcada de pontos
nebulosos ou absolutamente obscuros. A falta de documentação, o desencontro de
informações dos primeiros estudiosos, a dificuldade de acesso ao material pertencente a
particulares, importante para a elucidação de alguns problemas, eis algumas das causas a
contribuir para que, chegados ao sesquicentenário de aparecimento da imprensa no Estado,
não tenhamos, ainda, uma visão cabal, definitiva e perfeitamente clara de sua trajetória ao
longo desses 150 anos.161

Deste modo, a abordagem tradicional permaneceu caracterizando a produção


intelectual-historiográfica acerca da imprensa gaúcha em geral, aparecendo, ao longo das
décadas de sessenta e setenta, trabalhos essencialmente descritivos. À exceção de Lothar Hessel
cujo objetivo foi basicamente trabalhar com os títulos dos jornais, quanto à política, estes
autores limitaram-se a identificar e citar a posição político- partidária dos periódicos destacados.
Edgar Luiz Schneider chega a destacar a importância da imprensa na preparação da Revolução
Farroupilha e Lourival Vianna explica a preponderância do caráter opinativo sobre o
informativo nos primeiros jornais gaúchos. Nestes trabalhos, porém, na abordagem de natureza
histórico-política, os autores não chegam a buscar um maior aprofundamento do assunto ou uma
correlação com o contexto histórico da sociedade na qual se desenvolveram as folhas citadas.

♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦

A história da imprensa do Rio Grande do Sul apresenta-se, desde os seus


primórdios, ao final do século XIX, num constante processo de construção, como o reconhecem
os próprios historiadores do jornalismo gaúcho. Neste sentido, Lourival Vianna, citando as
palavras de Carlos Reverbel (que, por sua vez, lembrara as de Aurélio Porto), considera, já na
década de setenta do século XX, que ainda não existia um trabalho definitivo sobre a imprensa
gaúcha. Assim, passados mais de noventa anos desde os trabalhos pioneiros até o ano da
comemoração do sesquicentenário do primeiro jornal rio-grandense, a história da imprensa sul-
rio-grandense estava vivendo mais uma das etapas de seu processo de edificação162.

161
VIANNA, L. p. 25.
162
Este processo, que continua em construção, não restringiu-se apenas a essas obras citadas e nem
mesmo ao ano de 1977, perpassando através das décadas seguintes, com o desenvolvimento de uma série
de pesquisas e publicações relacionadas com a imprensa rio-grandense. Os marcos cronológicos
utilizados nestes estudos de caso tomam por base o surgimento dos primeiros trabalhos sobre o
jornalismo gaúcho, na década de oitenta do século XIX, até os anos setenta do XX, por ser este o período
no qual as abordagens dedicadas a uma história geral da imprensa gaúcha mais se desenvolveram.
Alguns destes trabalhos empreendidos nas duas últimas décadas ainda tentam a reconstrução histórica da
imprensa gaúcha como um todo, fazendo a história “da” imprensa, mas, na maioria dos casos, está se
realizando a história “através” da imprensa, com destaque para os trabalhos desenvolvidos nos cursos de
pós-graduação em História, que têm estudado, com renovado arcabouço teórico-metodológico a formação
histórica do Rio Grande do Sul, utilizando a imprensa como fonte essencial. Estes estudos da história
“através” da imprensa vêm apresentando uma tendência de não mais se dedicarem a pesquisa da história
do jornalismo gaúcho em geral, realizando-se pesquisas particularizadas versando sobre certas cidades, ou
Na sua ampla maioria, a reconstrução histórica da imprensa gaúcha
desenvolveu-se de acordo com os pressupostos da historiografia tradicional, acompanhando
uma tendência que marcou a produção histórico-intelectual sul-rio-grandense como um todo,
durante a mesma época. Surgiram, desta maneira, uma série de trabalhos embasados numa
abordagem descritiva, promovidos por escritores das mais variadas profissões que, mesmo
assim, na maior parte dos casos, entabularam esmeradas pesquisas, proporcionando copiosos
dados para os futuros trabalhos sobre o jornalismo, prestando significativa colaboração para a
reedificação da história da imprensa no Rio Grande do Sul.
Nestes trabalhos, o espaço destinado ao inter-relacionamento entre história,
imprensa e política foi em geral restrito. Os primeiros escritos sobre o jornalismo gaúcho,
apresentados na forma de catálogos, listagens estatísticas, arrolamentos ou levantamentos
descritivos, de acordo com seus próprios objetivos, não fizeram referências ao conteúdo político
dos jornais, ou ainda, quando o realizaram, limitaram-se a citar a postura política da folha,
quando esta era identificada explicitamente. Já os escritos que revelaram os limites do
diletantismo na produção histórica acerca da imprensa gaúcha também não levaram em conta o
caráter político-partidário dos periódicos, tendo em vista seus vínculos à administração
castilhista-borgista e os seus intentos de promoverem mais um trabalho de divulgação do que de
aprofundamento histórico.
Outras das obras que versaram sobre a imprensa rio-grandense, optaram por
silenciar quanto aos temas de natureza política, considerando que as discussões político-
partidárias eram elementos nocivos ao jornalismo, e, portanto, excludentes na abordagem do
historiador. Aurélio Porto, por sua vez, entabulou uma história da imprensa também seguindo os
ditames da historiografia tradicional, porém assumiu uma postura de partidarismo diante de seu
objeto de trabalho, defendendo os jornais ligados aos rebeldes farroupilhas. Já Carlos Reverbel,
num de seus escritos sobre a imprensa gaúcha, lançou uma série de propostas em direção a uma
renovação nos métodos de pesquisa a respeito do jornalismo e, na sua análise, história, imprensa
e política encontram-se articuladas e contextualizadas no conjunto da sociedade. Apesar destas
idéias renovadoras, a história geral da imprensa sul-rio-grandense continuou sendo estabelecida
a partir do modelo tradicional e, mesmo nas obras escritas nas décadas de sessenta e setenta, a
abordagem do conteúdo político dos jornais continuou restrita a uma simples identificação da
posição política da folha, sem maiores preocupações explicativas.
Assim, cada um destes trabalhos representa, a sua maneira, uma parcela na
estruturação do conhecimento histórico sobre a imprensa gaúcha. Os alcances e limites dos

ainda a respeito de determinado tema ou segmento dentro da sociedade. Como exemplos de história “da”
imprensa podem ser citados: a republicação dos ensaios de Nestor Ericksen, também por ocasião do
sesquicentenário da imprensa, em ERICKSEN, Nestor. O sesquicentenário da imprensa rio-grandense.
Porto Alegre: Sulina, 1977. (nessa obra os três artigos do autor já referenciados são reproduzidos na
íntegra); a edição póstuma de Abeillard Barreto, reunindo suas pesquisas sobre os anos iniciais da
imprensa gaúcha, num dos mais completos levantamentos sobre o assunto, em BARRETO, Abeillard.
Primórdios da imprensa no Rio Grande do Sul (1827-1850). Porto Alegre: Comissão Executiva do
Sesquicentenário da Revolução Farroupilha, Subcomissão de Publicações e Concursos, 1986.; e o
catálogo elaborado em SILVA, Jandira M.M. et alii. Breve histórico da imprensa sul-rio-grandense.
Porto Alegre: CORAG, 1986. Quanto aos trabalhos desenvolvidos nos cursos de pós-graduação em
História, que inter-relacionaram história, imprensa e política, pode-se destacar, exemplificativamente,
alguns dos realizados no Curso de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul: GUTFREIND, Ieda. Rio Grande do Sul (1889-1896): a Proclamação da República e
a reação liberal através de sua imprensa, 1979; BAKOS, Margaret Marchiori. O positivismo, o
republicanismo e a imprensa político-partidária do Rio Grande do Sul (1878-1888), 1981; e ISAIA,
Artur Cesar. A imprensa liberal rio-grandense e o regime eleitoral do Império (1878-1889), 1988.
mesmos, passíveis de uma crítica historiográfica, estão intimamente ligados à visão dos
respectivos autores de como fazer história, peculiar à tendência e ao momento histórico-
historiográfico nos quais eles escreveram163. Nesta linha, a importância destes estudos não pode
ser diminuída ou desprezada, uma vez que “as gerações de historiadores que se sucedem não se
parecem”, pois, “o historiador é sempre de um tempo, aquele em que o acaso o fez nascer e do
qual ele abraça, às vezes sem o saber, as curiosidades, as inclinações, os pressupostos, em suma,
a ‘ideologia dominante’, e, mesmo quando se opõe, ele ainda se determina por referências aos
postulados de sua época”164.
Desta maneira, com relação a estas obras sobre o jornalismo rio-grandense,
“nunca será demais ressaltar o mérito desse trabalho, quase sempre desamparado de recursos,
mas valentemente continuado”165. O predomínio do caráter descritivo em detrimento do
interpretativo na maioria destes escritos não serve como justificativa para relegá-los ao
esquecimento, constituindo-se, isto sim, em representativas fontes bibliográficas,
complementares às análises históricas acerca do jornalismo gaúcho166. Como “o pensamento
histórico é acumulativo e não se pode ignorar a contribuição de historiadores de diversas
correntes”167, neste caso “a contribuição que se encontra não é pequena, principalmente no
tocante ao levantamento de fontes e à sistematização de dados”168, ainda mais ao tratar-se da
história da imprensa sul-rio-grandense, assunto no qual mesmo a menor das informações
significa a recuperação de mais um fragmento para promover a sua reconstrução.

163
Sobre esse aspecto, Helga Piccolo afirma: “Trabalhos que se incluem na chamada história tradicional
ou factual (...), sendo enfatizados fatos, datas, personagens e não sendo contemplada a desmitificação do
passado foram e continuam a ser produzidos. Devem ser in limine, descartados? Não nos parece ser esta
uma solução, porque nenhuma obra analítica pode prescindir de informações. E o mérito (...) desta
história tradicional ou factual está na profusão de informes que sua leitura propicia”. PICCOLO, Helga
Iracema Landgraf. A Revolução Fedralista no Rio Grande do Sul: considerações historiográficas. In:
ALVES, Francisco das Neves & TORRES, Luiz Henrique (orgs.). Pensar a Revolução Federalista. Rio
Grande: Ed. da FURG, 1993. p. 66.
164
RÉMOND, René. Uma história presente. In: RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de
Janeiro: Ed. da UFRJ, Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 13.
165
MOREIRA. p. 49.
166
Nesta linha, Arno Wehling, quanto “ao divórcio entre uma abordagem que privilegia o sistema
estrutural (...) e outra que privilegia a interpretação, geralmente pela via da perscrutação das intenções do
agente, individual ou coletivo”, explica que esta “dicotomia não tem razão de ser”, uma vez que “a
prática da pesquisa e da conseqüente resolução de problemas nos ensina que não existem procedimentos
puramente analíticos ou hermenêuticos”, de modo que “não existe incompatibilidade, antes
complementariedade, entre ambos os procedimentos”. WEHLING, Arno. O advento do III Milênio:
reflexões de historiadores. Revista da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica. n. 13. Curitiba: SBPH,
1997. p.77.
167
FLORES, Moacyr. Historiografia: estudos. Porto Alegre: Nova Dimensão, 1989. p. 90.
168
RÜDIGER, Francisco Ricardo. Tendências do jornalismo. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1993. p. 7.
2. O CONTROLE DO DISCURSO: IMPRENSA E LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA NO SÉCULO XIX - LIBERDADE X CERCEAMENTO

A afirmação da imprensa escrita como elemento formador de opinião suscitou a


origem de uma série de mecanismos que se desenvolveram num processo simultâneo ao da
evolução do jornalismo, visando fiscalizá-lo e determinando-lhe seus limites. Este fenômeno
deveu-se ao fato de que, nas mais diversas sociedades, a produção do discurso é “controlada,
selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos” de modo a
“conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e
temível materialidade”169.
Neste quadro, engendraram-se profundas polêmicas quanto ao estabelecimento
ou não de limites para a ação da imprensa. As discussões nesse sentido se estabelecem em torno
de dois argumentos básicos: a imprensa deve ter liberdade plena, sem nenhum tipo de restrição,
ou deve permanecer a denominada imprensa com responsabilidade, onde os “abusos” por ela,
eventualmente praticados, venham a ser coibidos.
Dentre os argumentos em defesa da liberdade total da imprensa estão os que se
embasam na justificativa de que as leis as quais regem o jornalismo se constituem em
verdadeiros “corpos estranhos”, pois “a liberdade é a sua seiva”, não sendo “possível o exercício
da informação sem liberdade, do mesmo modo como não é possível democracia sem livre
manifestação do pensamento”170; considerando que, “de todas as liberdades, é a de imprensa a
mais necessária e a mais conspícua”, cabendo-lhe, “por sua natureza, a dignidade inestimável de
representar todas as outras”171; e que, “na falta de liberdade de imprensa, todas as outras
liberdades são ilusórias”, pois, “quando uma faceta da liberdade é negada, a própria liberdade é
negada, a própria liberdade é repudiada”172.
Já dentre as opiniões contrárias à liberdade absoluta para a imprensa, aparecem
as que argumentam que é exatamente na “liberdade com responsabilidade”, que se encontra “um
dos esteios do regime democrático”173; e que “sem responsabilidade, a liberdade de imprensa é
um mito ridicularizado”, sem a qual “estão postos os veículos e os profissionais no
descrédito”174; de modo que, “a liberdade de expressão nunca poderia ser uma imunidade
irrestrita”, contrapondo àqueles que definem liberdade de imprensa “como significando a
ausência de dor ou opróbrio ao emissor, qualquer que seja a sua opinião” e considerando que
esse ideal só seria realizável como tal, “em uma sociedade para a qual todas as idéias tenham se
tornado impotentes ou indiferentes”175.
Uma terceira via, intermediária entre as duas anteriores, seria aquela que não
considera necessária a utilização de leis para regulamentar a imprensa, uma vez que o próprio

169
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996. p. 8-9.
170
BAHIA, Juarez. Jornalismo, informação e comunicação. São Paulo: Ed. Martins, s/data. p. 40.
171
BARBOSA, Rui. Obras completas: a imprensa. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde,
1947. v.25. t.1. p. 14-5.
172
MARX, Karl. A liberdade de imprensa. Porto Alegre: L&PM, 1980. p. 58.
173
FERRI, Antônio Guimarães. Liberdade com responsabilidade. In: MELO, José Marques de (org.).
Censura e liberdade de imprensa. São Paulo: COM-ARTE, 1984. p. 17.
174
MORAES FILHO, Benjamim. A imprensa e o direito. In: Anais do I Congresso Nacional de
Comunicação. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Imprensa, 1971. p. 28.
175
HOCKING, William Ernest. Freedom of the press: summary statement of principle. In: A free and
responsible press. Chicago: The Comission on Freedom of the Press, University of Chicago, 1966.
p.113.
público leitor selecionaria o “bom” ou “mau” material a ser lido, de modo que “só o apoio desse
público poderia ser aceito como critério seguro; as publicações desprestigiadas encontrariam
poucos leitores que delas tirassem proveito, e cedo cessariam de existir”176.
No Brasil, desde os primórdios da formação do Estado Nacional, prevaleceu,
em termos governamentais, a visão da liberdade com responsabilidade, elaborando-se, a cada
fase de sua organização político-administrativa, diferentes dispositivos destinados a regular a
imprensa. Os diversos arcabouços legais (leis, decretos, decisões governamentais, constituições)
montados para disciplinar a imprensa, desde o Período Joanino, quando se inicia o processo de
institucionalização brasileiro, passando pela fase monárquica, momento de consolidação
daquele processo, e chegando aos primeiros anos da República, com uma nova reforma
institucional, refletem as transformações da legislação brasileira de imprensa no século XIX e as
diferentes formas de entabular mecanismos de controle do discurso, num processo marcado por
um constante alternar entre a liberdade e o cerceamento.

2.1. A gênese da legislação brasileira de imprensa

O período colonial brasileiro foi marcado pela ausência da imprensa, tendo em


vista os próprios ditames que regulavam as relações colônia-metrópole, os quais determinavam
a proibição daquela no Brasil. Nesta linha, o Governo Metropolitano considerava inconveniente
a impressão de quaisquer papéis na sua colônia americana, ordenando o seqüestro das “letras de
imprensa” encontradas, as quais deveriam ser remetidas para o Reino, ao passo que, “aos donos
das mesmas letras e aos oficiais da imprensa” deveria ser notificada a proibição da impressão de
“livros, obras, ou papéis alguns avulsos”, sob pena de serem remetidos presos para Portugal,
onde seriam julgados de acordo com as leis metropolitanas177.
Esta ausência da imprensa tem sido explicada por meio dos mais diversos
motivos, como os político-ideológicos, ou seja o receio português de que as atividades
jornalísticas viessem a contribuir para o avanço dos princípios emancipacionistas178;
econômico-administrativos, pois “o Governo Colonial não achava conveniente a existência de
prelos no Brasil, uma vez que os livros e os papéis poderiam vir do Reino, por um preço menor
e com maiores facilidades na execução”179; ou até pela própria precariedade metropolitana e/ou
colonial, argumentando-se que se na metrópole as atividades jornalísticas já eram limitadas,
tornava-se conseqüência que este fator se refletisse na colônia que apresentava condições sócio-
culturais ainda inferiores180, não se manifestando, assim, maior interesse na implantação do

176
BOND, F. Fraser. Introdução ao jornalismo: uma análise do quarto poder em todas as suas formas.
2.ed. Rio de Janeiro: Agir, 1962. p. 16.
177
PROHIBIÇÃO do uso da imprensa no Brazil nos tempos coloniaes. Rio Grande: Biblioteca Rio-
Grandense, s/data. p. 167-8.
178
Conforme: ERICKSEN, Nestor. Apontamentos para a história da imprensa brasileira. Curitiba:
Edição “Prata da Casa”, 1952. p. 5.; COSTA, Licurgo & VIDAL, Barros. História e evolução da
imprensa brasileira. Rio de Janeiro: Comissão Organizadora da Representação Brasileira à exposição dos
Centenários de Portugal, 1940. p. 15.; CARVALHO, Alfredo de. Gênese e progressos da imprensa
periódica no Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo Especial. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1908. p. 17.; e IPANEMA, Marcello. A censura no Brasil (1808-1821). Rio
de Janeiro: Aurora, 1949. p. 15.
179
LIMA SOBRINHO, Barbosa. A ação da imprensa em torno da Constituinte. In: A Constituinte de
1823. Brasília: Senado Federal, 1973. p. 9.
180
MELO, José Marques de. Fatores sócio-culturais que retardaram a implantação da imprensa no
Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1972. (Tese de Doutorado). mimeo. p. 252.; e MELO, José
Marques de. Sociologia da imprensa brasileira: a implantação. Petrópolis: Vozes, 1973. p. 141.
jornalismo181. Deste modo, as poucas tentativas de implantação de atividades tipográficas na
colônia não frutificaram, e, somente com a transmigração da Família Real Portuguesa para o
território brasileiro, foram dados os primeiros passos em direção ao estabelecimento da
imprensa no Brasil.
Assim, foi durante o Período Joanino que nasceu a imprensa brasileira, junto a
qual surgiram também os primeiros dispositivos limitadores às práticas jornalísticas182. Foi o
caso da Carta Régia de 5 de fevereiro de 1811, a qual permitia o estabelecimento de tipografias,
uma vez que era de “vantajosa utilidade” ao “bem público”, possibilitando que se difundissem
os “conhecimentos humanos”, tornando os cidadãos “mais dignos e úteis à pátria (...) e mais
capazes de concorrer para a pública felicidade”; porém, o mesmo documento, tendo em vista
evitar que “a liberdade ilimitada de pensar e de escrever” pudesse “perverter o espírito público
e corromper a moral e os costumes”, perturbando a “pública tranqüilidade”, determinava que
nenhum manuscrito poderia ser impresso ou livro reimpresso sem o aval do Reverendo
Arcebispo da Diocese e de Censores nomeados pelo Governador da Capitania183.
Neste quadro, o Governo Português, para fazer frente a uma provável
proliferação de jornais que o criticassem e combatessem, passou a aperfeiçoar o aparelho
institucional coercitivo à imprensa. A 2 de março de 1821, tendo em vista os princípios
“liberais” da Revolução de 1820, em Portugal, D. João VI promulgou um decreto “abolindo a
censura prévia e regulando a liberdade de imprensa”, esse ato, porém, “não acabou de fato com
a censura, mas apenas modificou o modo de fazê-la: em vez de recair sobre os manuscritos,
passou a ser exercida nas provas impressas”184. Esta medida serviria como base para a futura
legislação brasileira de imprensa no que se refere ao sistema de responsabilidade sucessiva dos
promotores de uma publicação. O decreto de 2/3/1821 determinava:

“Todo o impressor será obrigado a remeter ao Diretor de Estudos, ou quem suas vezes
fizer, dois exemplares das provas que tirarem de cada folha na imprensa, sem suspensão
dos ulteriores trabalhos, a fim de que o Diretor de Estudos, distribuindo uma delas a algum
dos Censores Régios e ouvindo seu parecer deixe prosseguir na impressão, não se
encontrando nada digno de censura, ou a faça suspender, até que se façam as necessárias
correções no caso unicamente de se achar que contém alguma coisa contra a religião, a
moral e bons costumes, contra a Constituição e pessoa do soberano, ou contra a pública
tranqüilidade.”185

181
Para Nelson Werneck Sodré, a ausência do jornalismo, consistia-se num fator ligado à própria colônia,
considerando que os primeiros esforços para o aparecimento da imprensa “carecem de significado”, pois
foram “isolados e inócuos, vencidos pela resistência ou pela refratariedade do meio muito mais do que
pela vigilância ou proibição metropolitanas”; de acordo com o autor, “ainda que a metrópole tivesse sido
tolerante, o estabelecimento da imprensa teria sido impossível ou extremamente difícil e qualquer órgão
informativo teria existência vegetativa, sem encontrar ressonância no meio ou papel efetivo”. SODRÉ,
Nelson Werneck. O que se deve ler para conhecer o Brasil. 4.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1973. p. 338-9.
182
Segundo Carlos Rizzini: “introduzindo no Brasil a tipografia, introduziu também o governo os meios
de escravizá-la aos seus interesses públicos e privados”. RIZZINI, Carlos. O livro, o jornal e a tipografia
no Brasil (1500-1822). Rio de Janeiro: Kosmos, 1945. p. 327.
183
Citada por: IPANEMA, Marcello de. Legislação de imprensa. Rio de Janeiro: Aurora, 1949. v.1. p.
160.
184
LEITE FILHO, Solidônio. Comentários à lei de imprensa. Rio de Janeiro: J. Leite & Cia., 1925. p.
18.
185
Citado por: IPANEMA, Marcello de. Evolução do direito de comunicação. Brasília: Faculdade de
Comunicação da Universidade de Brasília, 1967. p. 8.
Já em 12 de julho de 1821, as “Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da
Nação Portuguesa”, em nome do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, legislavam sobre
os princípios que regeriam a “Liberdade de Imprensa”, determinando que toda pessoa poderia
“imprimir, publicar, comprar e vender nos Estados Portugueses quaisquer livros ou escritos,
sem prévia censura”. Esta lei estipulava que todo o escrito deveria “ter estampado o lugar, o ano
da impressão e o nome do impressor”, prevendo punições aos infratores. Ao mesmo tempo,
ficavam convencionados os “abusos da Liberdade de Imprensa”, especificando os delitos contra
“a Religião Católica Romana”, “o Estado”, “os bons costumes” e “os particulares”186. Essa lei
de 12/7/1821 não chegou a ser aplicada direta e imediatamente no Brasil, porém, exerceria
marcante influência em alguns pontos da legislação de imprensa brasileira pós-independência187.
O intrincado momento político que caracterizou o processo de emancipação
brasileiro no início dos anos 20, com praticamente uma dualidade de poder entre o Príncipe
Regente D. Pedro e as Cortes Portuguesas, iria também se refletir na aplicação das leis,
ocorrendo o mesmo quanto à legislação que regulava a imprensa. A situação tornava-se
complexa à medida em que se publicavam leis que chegavam a contradizer-se entre si, como a
de 28 de agosto de 1821, “que liberou totalmente a imprensa”, ou portarias como as de 15 e 19
de janeiro de 1822, “reparatórias” àquela, criando limites para a imprensa188.
Esta circunstância só viria a ser esclarecida através do Decreto de 18 de junho
189
de 1822 , promulgado por D. Pedro, pelo qual, apesar de confirmar o direito à liberdade de
imprensa, limitava-o, em nome da “suprema lei da salvação pública”, decretando que, “ou pela
imprensa, ou verbalmente, ou de outra qualquer maneira”, não fossem propagados ou
publicados “os inimigos da ordem e da tranqüilidade e da união”, bem como as “doutrinas
incendiárias e subversivas” e os “princípios desorganizadores e dissociáveis”, que promovessem
“a anarquia e a licença” ou destruíssem o “sistema” escolhido pela vontade dos “povos”.
Assim, esta nova legislação previa que os “crimes” de imprensa passariam a ser julgados por
um júri, que as tipografias eram obrigadas a mandar um exemplar de todos os impressos a um
Procurador da Coroa, que todo o material escrito deveria ser assinado e os textos que a isso não
respeitassem teriam os editores ou impressores responsabilizados criminalmente, já os autores
que atentassem contra a “tranqüilidade pública” seriam julgados e punidos.
Nesta linha, as leis que regeram o jornalismo estabelecidas durante o Período
Joanino representaram a gênese da legislação brasileira de imprensa, servindo muitos daqueles

186
Citada por IPANEMA. Legislação de imprensa.1949. v. 1. p. 135-7. A lei explicava cada um dos
casos de “abuso da Liberdade de Imprensa”, segundo ela, abusava-se contra a religião: “quando se nega a
verdade de todos ou de algum dos dogmas definidos pela Igreja”, “quando se estabelecem ou defendem
dogmas falsos”, “quando se blasfema ou zomba de Deus, dos seus santos, ou do culto religioso aprovado
pela Igreja”; contra o Estado: “excitando-se os povos diretamente à rebelião”, “provocando-os
diretamente a desobedecer às leis ou às autoridades constituídas”, “atacando a forma do governo
representativo adotado pela Nação”, “infamando ou injuriando o Congresso Nacional ou o chefe do Poder
Executivo”; contra os bons costumes: “publicando escritos que ataquem diretamente a moral cristã
recebida pela Igreja Universal”, “publicando escritos ou estampas obscenas”; e contra os particulares:
“imputando a alguma pessoa ou corporação qualquer fato criminoso, que daria lugar a procedimento
judicial contra ela”, “imputando-lhe vícios ou defeitos que a exporiam ao ódio ou desprezo público”,
“insultando com termos de desprezo ou ignomínia”.
187
Conforme: IPANEMA, Marcello de. Da aplicação da Lei Portuguesa de Imprensa de 12 de julho de
1821 no Brasil. Rio de Janeiro: Aurora, 1949.
188
Observar: COSTELLA Antônio F. O controle da informação no Brasil: evolução histórica da
legislação brasileira de imprensa. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 41-3.
189
Decreto de 18 de Junho de 1822. In: COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1822.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887. p. 23-4. Ver também: IPANEMA, 1967. p. 9.
dispositivos como pressupostos para a regulamentação da liberdade de imprensa à época do
Brasil Independente.

2.2. A legislação de imprensa durante o Brasil Monárquico

Com a independência e os conflitos políticos a partir dela advindos,


desencadeou-se um avanço das atividades jornalísticas no país, mormente com relação ao
jornalismo político-partidário. Neste momento, a própria legitimação do Estado Nacional
Brasileiro passava por uma fase de remodelação institucional com a montagem de uma nova
estrutura jurídica que, por sua vez, também alteraria o quadro de regulamentação da
imprensa190.
O processo de institucionalização do emancipado Brasil passava
necessariamente, segundo os ditames liberais, pela adoção de uma constituição, para isso foi
formada uma Assembléia Constituinte que, dentro da nova organização jurídica do país,
reservou lugar à discussão sobre a liberdade de imprensa. Segundo o projeto constitucional
elaborado por essa Assembléia, no seu artigo 23, ficava garantido que os escritos não seriam
“sujeitos à censura, nem antes nem depois de impressos”, e ninguém seria “responsável pelo
que tiver escrito ou publicado, salvo nos casos e pelo modo que a lei apontar”. No artigo 24,
porém, ficava criada uma exceção, reservando aos bispos “a censura dos escritos publicados
sobre dogma e moral”191. As previsíveis polêmicas na Assembléia a partir da oposição entre
liberdade total ou restrita de imprensa não foram levadas em frente, devido à dissolução dessa
Constituinte promovida por D. Pedro I.
Ainda assim, a questão dos “abusos” praticados pelos jornais continuava a ser
uma das preocupações governamentais192. e, apesar do fechamento da Constituinte, o Imperador
mandou “executar, provisoriamente, o projeto de lei da Assembléia Constituinte sobre a
liberdade de imprensa”, através do Decreto de 22 de Novembro de 1823193, justificado pelos
seguintes argumentos:

“Considerando que, assim como a liberdade de imprensa é um dos mais firmes


sustentáculos dos governos constitucionais, também o abuso dela os leva ao abismo da
guerra civil e da anarquia (...); e sendo de absoluta necessidade empregar já um pronto e
eficaz remédio que tire aos inimigos da independência deste Império toda a esperança de
verem revogadas as cenas que quase o levaram à borda do precipício, marcando justas
barreiras a essa liberdade de imprensa, que longe de ofenderem o direito, que tem todo

190
A primeira medida adotada no Brasil Independente, quanto à imprensa, foi a dispensa do Procurador
da Coroa das funções de Promotor Fiscal nos delitos de imprensa, nomeando-se para esta função o
Desembargador Promotor das Justiças da Casa de Suplicação. Decreto de 5 de Junho de 1823. In:
COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1823. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887.
p. 67.
191
Citado por LEITE FILHO. p. 20-1.
192
Visando uma fiscalização mais direta e eficaz do jornalismo da capital do país, o Imperador
determinou, a 19/11/1823, que todas as tipografias do Rio de Janeiro remetessem um exemplar de todos
os seus impressos, exceto os volumosos, “a S.M. Imperial e outro a cada um dos dez membros de que se
compõe o Conselho de Estado”. Decisão do Governo N. 161 - 19 de Novembro de 1823. In: COLEÇÃO
DAS DECISÕES DO GOVERNO DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1823. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1887. p. 113.
193
Decreto de 22 de Novembro de 1823. In: COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL DE
1823. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887. p. 89-94.
cidadão, de comunicar livremente suas opiniões e idéias, sirvam somente de dirigi-lo para o
bem e interesse geral do Estado, único fim das sociedades políticas”.

O Decreto de 22/11/1823 garantia que nenhum escrito seria sujeito à censura,


nem antes, nem depois de impresso, ficando “portanto livre a qualquer pessoa imprimir,
publicar, vender e comprar os livros e escritos de toda a qualidade, sem responsabilidade
alguma, fora dos casos declarados nesta lei”. Ficavam assim determinados os possíveis delitos
praticáveis pela imprensa, cujas penas, aplicadas em conjunto, podem ser observadas através do
próximo quadro:

QUADRO 1: Crimes de imprensa segundo o Decreto de 22/11/1823

CRIME DE IMPRENSA PRISÃO DEGREDO* MULTA

publicar sem identificação do lugar, ano


de impressão e nome do impressor ou _____ _____ 50$000
falsificar estes dados

falsificar os dados anteriores atribuindo- _____ _____ 100$000


lhes a outrem

abusar da liberdade de imprensa contra a 1 ano _____ 100$000


Religião Católica Romana

blasfemar ou zombar de Deus, dos seus


santos ou do culto religioso da Igreja 6 meses _____ 50$000
Católica

excitar “os povos” diretamente à rebelião _____ 10 anos 800$000

excitar “os povos” por meios indiretos


(fazendo alegorias, espalhando descon- _____ 5 anos 400$000
fianças ou atos semelhantes)

atacar a “forma de Governo-Represen- _____ 5 anos 600$000


tativo-Monárquico-Constitucional”

infamar ou injuriar a Assembléia Nacional


ou o chefe do Poder Executivo _____ 3 anos 400$000

provocar “os povos” à desobediência às _____ 2 anos 200$000


leis ou às autoridades constituídas
abusar da liberdade de imprensa contra a
moral cristã ou os bons costumes 6 meses _____ 50$000
200$000 até
calúnia contra empregados públicos 6 meses _____ 1:000$000

calúnia contra “pessoas particulares” 3 meses _____ 50$000 até


400$000

injúria contra qualquer pessoa _____ _____ 50$000

* para uma das Províncias mais remotas

Esta legislação de 22/11/1823 adotava o sistema de responsabilidade sucessiva


para a apuração dos possíveis implicados em crimes de imprensa, bem como definia cada um
dos passos do processo de julgamento dos mesmos, sendo que a qualificação destes delitos
pertenceria aos Conselhos de Juízes de Fato, de modo que, em cada legislatura, os eleitores
escolhiam “sessenta homens bons”, da mesma forma que era feita a eleição para Deputados,
elegendo, assim, aqueles Juízes de Fato. Este decreto constituiria-se em “diploma básico” para
a imprensa no período entre sua promulgação até o ano de 1830194.
A 25 de março de 1824, era outorgada a primeira Constituição Brasileira e, no
seu artigo 179, era feita uma referência à imprensa:

“Todos podem comunicar os seus pensamentos por palavras, escritos, e publicá-los pela
imprensa, sem dependência de censura, contanto que hajam de responder pelos abusos que
cometerem no exercício deste direito, nos casos e pela forma que a lei determinar.”195

De acordo com o preceito estabelecido na Constituição, a liberdade de imprensa


deveria ser regulada por uma lei complementar, cuja elaboração foi objeto de diversas tentativas
infrutíferas. Muitas das novas determinações limitaram-se a reforçar alguns dos pressupostos já
estabelecidos como as medidas adotadas em 21 de julho de 1825, uma exigindo a remessa ao
“Promotor Fiscal dos excessos de liberdade de imprensa” de um exemplar de todo o material
impresso nas tipografias da Corte, e a outra, determinando que o Juiz da Alfândega remetesse
aquele mesmo Promotor uma relação de todos os livros ou quaisquer impressos despachados
pela Alfândega do Rio de Janeiro196. Buscou-se também esclarecer as dúvidas e aprimorar
certos detalhes quanto às formas de proceder o julgamento dos implicados em crimes de

194
Conforme: IPANEMA, Marcello de. O Decreto de 22 de Novembro de 1823. Rio de Janeiro: Aurora,
1949. p. 5.
195
Citado por ROCHA, Geraldo Octávio Brochado da. Júri de imprensa. Porto Alegre: Globo, 1957. p.
174.
196
Decisões do Governo N. 160 e N. 161 - 21/7/1825. In: COLEÇÃO DAS DECISÕES DO GOVERNO
DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1825. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1885. p. 100-1.
imprensa, através das legislações de 27/8/1825, 12/9/1828 e 18/2/1829197. Os limites à liberdade
de imprensa ainda representavam, no entanto, uma questão em aberto198.
A falta de legislação regulamentar, somada ao tenso clima político do país,
levava a uma série de desacertos, e o próprio Imperador passou a exigir providências. Em 1829,
D. Pedro I acusava que “o abuso da liberdade de imprensa” reclamava “a mais séria atenção”,
considerando “urgente reprimir um mal” que poderia trazer “resultados fatais”. Diante disso, no
mesmo ano, os deputados corroboravam aquela afirmação, argumentando que a imprensa vinha
merecendo “os mais sérios cuidados”, tendo em vista a “sua transcendente importância na moral
e na política”, fazendo-se necessário “oferecer ao cidadão honrado, na sábia imparcialidade da
lei, segura égide para repelir as setas da calúnia”. Apesar disto, novamente, na “Fala do Trono”
de 1830, o Imperador insistia na “necessidade de reprimir por meios legais o abuso” que,
segundo ele, “continuava a fazer-se da liberdade de imprensa em todo o Império”199.
Diante disto, foi promulgada a “Lei da Liberdade de Imprensa” (20/9/1830),
que descia “às minúcias”, destacando “as transgressões possíveis” e prescrevendo “as penas
pecuniárias e de prisão, em cada caso”200. Esta legislação mantinha o sistema de
responsabilidade sucessiva e descrevia passo a passo os diversos atos do julgamento daqueles
envolvidos com delitos de imprensa, prevendo a criação de um Conselho de Jurados em cada
cidade e vila para apuração dos possíveis culpados. Segundo a Lei de 20 de Setembro de
1830201, abusavam “do direito de comunicar os seus pensamentos os que por impresso de
qualquer natureza” cometessem os delitos observados no quadro seguinte:

Quadro 2: Crimes de imprensa segundo a Lei de 20/9/1830

CRIME DE IMPRENSA PRISÃO MULTA

promover ataques dirigidos a destruir o 3 a 9 anos 1:000$000 a 3:000$000


sistema monárquico representativo

197
Decisão do Governo N. 190 - 27 de Agosto de 1825. In: COLEÇÃO DAS DECISÕES DO
GOVERNO DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1825. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1885. p. 127.;
Decreto de 12 de Setembro de 1828. In: COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1828.
Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1878. p. 35-6.; e Decisão do Governo N. 36 - 18 de Fevereiro de
1829. In: COLEÇÃO DAS DECISÕES DO GOVERNO DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1829. Rio de
Janeiro: Typographia Nacional, 1877. p. 31-2.
198
Significativas para comprovar estas incertezas quanto aos limites da liberdade de imprensa são as
medidas governamentais adotadas em setembro de 1825 e setembro de 1827. Na primeira, o Governo
reprovava o procedimento do Presidente do Maranhão que, “atropelando direitos garantidos pela
Constituição”, fizera com que o redator de um periódico embarcasse violentamente para Lisboa, sem
chance de defesa. Decisão do Governo N. 196 - 3 de Setembro de 1825. In: COLEÇÃO DAS DECISÕES
DO GOVERNO DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1825. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1885. p.
130. Já na segunda, o Imperador reforçava as determinações que visavam coibir os abusos da liberdade de
imprensa dirigidos a infamar ou injuriar as autoridades públicas. Decreto de 13 de Setembro de 1827. In:
COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1827. Rio de Janeiro: Typographia Nacional,
1878. p. 40.
199
BRASIL, Imperador do. Falas do Trono. São Paulo: Melhoramentos, 1977. p. 119, 121 e 128.
200
BARRETO, Abeillard. Primórdios da imprensa no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Comissão
Executiva do Sesquicentenário da Revolução Farroupilha. 1986. p. 11.
201
Lei de 20 de Setembro de 1830. In: COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1830.
Parte Primeira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1876. p. 35-49.
estabelecer provocações dirigidas a
excitar a rebelião contra a pessoa do 3 a 9 anos 1:000$000 a 3:000$000
Imperador e seus direitos ao Trono

estabelecer provocações dirigidas à


desobediência às leis e às autoridades 2 a 6 anos 800$000 a 2:400$000
constituídas
publicar doutrinas dirigidas a destruir as
verdades fundamentais da existência de
Deus e da imortalidade da alma e a 2 a 6 anos 800$000 a 2:400$000
espalhar blasfêmias contra Deus

promover calúnias, injúrias e zombarias


contra a religião do Império e os seus 2 a 6 anos 800$000 a 2:400$000
dogmas

ofender os cultos da religião do Império e 6 meses a 1 ano 50$000 a 150$000


a moral pública

promover calúnias, injúrias e zombarias


aos diferentes cultos praticados no país, 3 a 9 meses 30$000 a 90$000
com permissão e garantia da Constituição

imputar ofensas e injúrias ao Imperador 3 a 9 anos 1:000$000 a 3:000$000

imputar ofensas e injúrias à esposa do 1 a 3 anos 300$000 a 900$000


Imperador ou ao Príncipe Herdeiro

injuriar a Regência ou o Regente 1 a 3 anos 300$000 a 900$000

injuriar as pessoas da Família Real 6 a 18 meses 150$000 a 450$000

injuriar a Assembléia Geral Legislativa ou 1 a 3 anos 300$000 a 900$000


cada uma das Câmaras

injuriar cada um dos membros da


Assembléia Geral ou das Câmaras pelas 6 a 18 meses 200$000 a 600$000
opiniões que emitirem no exercício de
suas funções

cometer injúrias não comprovadas,


contendo imputações de crimes públicos, 6 a 18 meses 200$000 a 600$000
em que há lugar à ação popular, contra
corporações públicas

cometer injúrias não comprovadas,


contendo imputações de crimes públicos, 4 meses a 1 ano 100$000 a 300$000
em que há lugar à ação popular, contra os
empregados públicos

cometer injúrias não comprovadas,


contendo imputações de crimes públicos, 1 a 3 meses 40$000 a 120$000
em que há lugar à ação popular, contra
quaisquer pessoas
cometer injúrias não comprovadas contra
corporações públicas, imputando-lhes
infrações de leis no desempenho de seus
ofícios, ou abusos de autoridade onde não 2 a 6 meses 40$000 a 120$000
cabe ação popular

cometer injúrias não comprovadas contra


empregados públicos, imputando-lhes
infrações de leis no desempenho de seus 1 a 3 meses 30$000 a 90$000
ofícios, ou abusos de autoridade, onde não
cabe ação popular

cometer injúrias contendo fatos da vida


privada ou expressões afrontosas, 1 a 3 meses 20$000 a 200$000
dirigidas a deprimir a fama ou o crédito
do cidadão, seja ou não empregado
público

imprimir ou publicar qualquer escrito sem


identificar a tipografia, o lugar e o ano da _____ 50$000
impressão

falsificar a denominação da tipografia, o _____ 100$000


lugar e o ano da impressão

Apesar da promulgação da Lei de 20/9/1830, ainda naquele ano, o Governo


cobrava da autoridade responsável - o Promotor do Júri - providências contra jornais que,
animados pela impunidade advinda da omissão daquele funcionário, estariam avançando “no
excesso de atacarem os princípios fundamentais da Constituição, emitindo doutrinas subversivas
das bases do sistema jurado, provocando a anarquia e excitando a rebelião” contra a pessoa do
Imperador e seus direitos ao Trono202. A “Lei sobre o abuso da Liberdade de Imprensa” de
setembro de 1830 acabaria sendo em grande parte incorporada ao Código Criminal do
Império203, publicado a 16 de dezembro de 1830.
O Código Criminal do Império também adotou o sistema de responsabilidade
sucessiva e exclusiva, considerando criminoso, nos delitos de abuso da liberdade de comunicar
os pensamentos: a) o impressor, o gravador ou o litógrafo, que ficariam isentos mediante
apresentação por escrito da responsabilidade do editor; b) o editor, cuja isenção dava-se caso o
autor assumisse a responsabilidade; c) o autor que se responsabilizou pelo impresso; d) o
vendedor e o que fizesse distribuir os impressos, quando não constasse quem era o impressor.
Esta lei determinava que nos delitos de imprensa não haveria julgamento por cumplicidade e os
escritos julgados seriam interpretados de acordo com as regras da “boa hermenêutica” e não por
frases isoladas e deslocadas.
O Código de 1830 previa os crimes de imprensa contra: a existência política do
Império, o livre exercício dos poderes públicos, a segurança interna do Império e a pública
tranqüilidade, os direitos autorais, a religião e a moral pública; além de condenar as diversas
formas de calúnia e injúria e do uso indevido da imprensa; determinando a penalização
correspondente, executada através de multas, apreensão dos exemplares ou ainda prisão do
responsável, conforme o quadro que segue:

Quadro 3: Crimes de imprensa segundo a Lei de 16/12/1830


(Código Criminal do Império do Brasil)

CRIMES DE IMPRENSA PRISÃO MULTA

provocar diretamente por escritos impressos,


litografados ou gravados, distribuídos por mais de 15
pessoas, crimes contra a existência política do Império,
ou seja:
a) crimes contra a independência, integridade e
dignidade da Nação;
b) crimes contra a Constituição do Império e a forma
de seu Governo;
c) crimes contra o Chefe do Governo, como: tentar
destronizar o Imperador; privá-lo em todo ou em parte
da sua autoridade constitucional; alterar a ordem
legítima da sucessão; apontar uma falsa justificação de 6 meses a 2 anos correspondente à
impossibilidade física ou moral do Imperador; atentar metade do tempo *
contra a Regência ou o Regente para privá-los em todo
ou em parte de sua autoridade constitucional.

202
Decisão do Governo N. 225 - 11 de Dezembro de 1830. In: COLEÇÃO DAS DECISÕES DO
GOVERNO DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1830. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1876. p. 168-9.
203
Lei de 16 de Dezembro de 1830. In: COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1830.
Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1876. p. 142-200. Ver também: FILGUEIRAS JÚNIOR, Araújo.
Código Criminal do Império do Brasil (anotado). 2.ed. Rio de Janeiro: Eduardo & Henrique Laemmert,
1876. p. 9-10, 276, 299-300 e 311-3.
provocar diretamente por escritos impressos,
litografados ou gravados, distribuídos entre mais de 15
pessoas, crimes contra o livre exercício dos poderes
públicos, ou seja:
a) opor-se à pronta execução dos Decretos ou Cartas de
convocação da Assembléia Geral, expedidas pelo
Imperador ou pelo Senado;
b) opor-se às reuniões da Assembléia Geral Legislativa
ou do Senado;
c) obrigar cada uma das Câmaras Legislativas, por
força ou por ameaças de violência, a propor ou a deixar
de propor, fazer ou deixar de fazer alguma lei,
resolução ou qualquer outro ato; obrigar a dissolver-se
inconstitucionalmente ou a levantar, prorrogar ou adiar
a sessão;
d) opor-se ao livre exercício dos Poderes Moderador, 3 meses a 1 ano correspondente à
Executivo e Judiciário; metade do tempo
e) obstar ou impedir de qualquer maneira o efeito das
determinações dos Poderes Moderador e Executivo que
forem conformes à Constituição e às leis.

provocar diretamente por escritos impressos,


litografados ou gravados, distribuídos entre mais de 15 2 a 16 meses “
pessoas, os crimes de sedição, insurreição e resistência,
e “bem assim, a desobedecer as leis”

calúnia contra corporações que exerçam autoridade 8 meses a 2 anos “


pública

calúnia contra qualquer depositário ou agente de 6 a 18 meses “


autoridade pública, em razão do seu ofício

calúnia contra qualquer pessoa particular ou 4 meses a 1 ano “


empregado público sem ser em razão do seu ofício

injúria contra corporações que exerçam autoridade 4 meses a 1 ano “


pública

injúria contra qualquer depositário ou agente de 3 a 9 meses “


autoridade pública, em razão do seu ofício

injúria contra pessoas particulares ou empregados 2 a 6 meses “


públicos, sem ser em razão do seu ofício

calúnia e injúria contra o Imperador ou contra a 16 meses a 4 anos “


Assembléia Geral Legislativa

calúnia contra o Regente ou a Regência, o Príncipe


Imperial, a Imperatriz ou cada uma das Câmaras 1 a 3 anos “
Legislativas
injúria contra o Regente ou a Regência, o Príncipe
Imperial, a Imperatriz, ou cada uma das Câmaras correspondente à
Legislativas 6 a 18 meses metade do tempo

calúnia contra alguma das pessoas da Família Imperial


ou contra algum dos membros das Câmaras 8 meses a 2 anos “
Legislativas, em razão do exercício das suas
atribuições

injúria contra alguma das pessoas da Família Imperial


ou contra algum dos membros das Câmaras 4 meses a 1 ano “
Legislativas, em razão do exercício das suas
atribuições

imprimir, gravar, litografar ou introduzir quaisquer


escritos ou estampas que tiverem sido feitos, _____ igual ao tresdobro
compostos ou traduzidos por cidadãos brasileiros, do valor dos
enquanto estes viverem, e dez anos depois de sua exemplares
morte se deixarem herdeiros **

abusar ou zombar de qualquer culto estabelecido no 1 a 6 meses correspondente à


Império metade do tempo

propagar doutrinas que diretamente destruam as


verdades fundamentais da existência de Deus e da 4 meses a 1 ano “
imortalidade da alma

ofender evidentemente a moral pública ** 2 a 6 meses “

estabelecer oficina de impressão, litografia ou gravura


sem declarar perante a Câmara da cidade ou vila, o seu _____ 12$000 a 60$000
nome, lugar, rua e casa, em que pretende estabelecer, e
deixar de participar a mudança de casa, sempre que ela
aconteça

imprimir, litografar ou gravar qualquer escrito ou


estampa, sem nele se declarar o nome do impressor ou
gravador, a terra em que está a oficina em que for _____ 25$000 a 100$000
impresso, litografado ou gravado, e o ano da
impressão, litografia ou gravura, faltando-se a todas ou
a cada uma destas declarações **

imprimir, litografar ou gravar com falsidade todas ou _____ 50$000 a 200$000


qualquer das declarações antecedentes **
se a falsidade nas declarações antecedentes consistir
em atribuir o escrito ou estampa a impressor, gravador, _____ 100$000 a
autor ou editor que esteja vivo ** 400$000

deixar de remeter ao Promotor um exemplar do escrito _____ 10$000 a 30$000


ou obra impressa, no dia da sua publicação ou
distribuição
* Segundo as leis de imprensa à época, ficava previsto que um dia de prisão equivalia a 2$000.
** Além das penas citadas, ficava estabelecido que o infrator perderia todos os exemplares publicados.

As questões concernentes ao julgamento dos crimes de imprensa, não previstas


no Código Criminal do Império, seriam regulamentadas através do Código do Processo
Criminal, expresso na Lei de 29/11/1832 que estabeleceu as diversas modalidades dos processos
criminais de primeira instância, inclusive as referentes aos delitos de imprensa, integrando-os
inteiramente ao direito comum, sendo substituída, nestes casos, a figura do júri especial e
eletivo (previsto na Lei de 20/9/1830) pela do júri comum na apreciação das infrações
praticadas pelos jornais204.
O tenso clima político do Período Regencial levou a uma fase de ampla
proliferação da imprensa, tanto na Corte quanto através das Províncias. Diante da tão íntima
aproximação entre a imprensa e as paixões políticas e os conflitos partidários e até
revolucionários205, nem mesmo a recente legislação conseguiria um controle mais eficaz sobre
os jornais, na grande maioria engajados politicamente, por vezes com feições anti-governistas,
ou ainda quando o próprio governo utilizava-se da imprensa como arma ideológica no combate
às forças que a ele se opunham.

204
Lei de 29 de Novembro de 1832. In: COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1832.
Parte Primeira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1874. p. 186-242.; ver também: ROCHA. p. 179-
80. As formas de julgamento dos crimes de imprensa ainda seria abordada em uma série de legislações,
durante o Brasil Monárquico. Nesta linha, a Lei de 3/12/1841 passou para a alçada dos delegados de
polícia o julgamento dos pequenos crimes, dentre os quais estariam os de imprensa; já a Lei de 20/9/1871,
remeteria novamente o julgamento dos abusos de expressão para os juízes de direito. Lei N. 261 de 3 de
Dezembro de 1841. In: COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1841. Tomo IV, Parte I.
Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1864. p. 75-96.; e Lei N. 2033 de 20 de Setembro de 1871. In:
COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1871. Tomo XXXI, Parte I. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1871. p. 126-139.; ver também: COSTELLA. p. 66-7. Ainda com relação ao
processo criminal, o Aviso de 15/1/1851 buscou eliminar possíveis discrepâncias entre os atos
legislativos até então promulgados, revogando definitivamente a Lei de 20/9/1830. Aviso de 15 de
Janeiro de 1851. In: COLEÇÃO DAS DECISÕES DO GOVERNO DO IMPÉRIO DO BRASIL DE
1851. Tomo XIV. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1852. p. 314-28.
205
Observar: IPANEMA. Legislação de imprensa. 1949. v.2. p. 16.; IPANEMA, Marcello de. Estudos
de história da legislação de imprensa. Rio de Janeiro: Aurora, 1949. p.121.; IPANEMA, Marcello de.
Síntese de história da legislação luso-brasileira de imprensa. Rio de Janeiro: Aurora, 1949. p. 72-3.;
MAIA, J. Gonçalves. Liberdade de imprensa (o jornalismo e as leis brasileiras). Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1923. p. 23.; e ABRANCHES, Clóvis Dunshee de. A boa imprensa. São Paulo:
s/editora, 1919. p. 10.
No sentido de complementar a legislação vigente, em março de 1837, tendo em
vista acontecer “que em muitos casos diversamente fossem processados os criminosos, segundo
a inteligência e vontade dos juízes, resultando deste procedimento, conflitos e a impunidade dos
réus”, o Regente, no intento de “estabelecer uniformidade em todos os processos”, fazia valer o
Decreto de 18 de Março de 1837 que regularizava a questão do local da realização e o da
apuração do crime de imprensa; apontava que o “corpo de delito” seria “o impresso escrito,
litografado ou gravado” nos quais se fizesse menção das passagens que contivessem a
criminalidade; e reforçava o critério da responsabilidade sucessiva para as infrações cometidas
através da imprensa206.
Neste quadro de agitações políticas, o Governo Regencial chegou a agir direta e
objetivamente no intuito de coibir os “excessos” pela imprensa praticados, como em abril de
1837, quando o Regente, considerando-se “atrozmente injuriado” por um determinado jornal,
em vista das “injuriosas alusões claramente dirigidas” ao governante, e, em nome da “atenção à
moral pública e ao respeito e consideração (...) devidos a todas as autoridades públicas”,
mormente, aquela que regia “o Estado na menoridade e em nome do Imperador”, cobrava
urgentes providências de parte das autoridades locais, especificamente do Promotor Público, no
sentido de chamar à responsabilidade o pretenso infrator, evitando assim que o réu zombasse
“das leis, habilitando-se para iguais ou maiores atentados”207.
Passada a crise da fase regencial e o contexto de instabilidades dela advindo, a
pacificação política também se faria sentir nas práticas jornalísticas, de modo que a
regulamentação para a imprensa expressa no Código Criminal de 1830, afora as alterações na
área processual, perduraria por todo Período Monárquico, quando foram estabelecidas apenas
algumas poucas leis complementares208. A longevidade da legislação de imprensa no Brasil
Imperial deveu-se, em boa parte, à estabilidade política que vigorou a partir do final das

206
Decreto de 18 de Março de 1837. In: COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1837.
Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1861. p. 11-3. Segundo Antônio Costella, este decreto
admitiu “flagrante prejuízo para a liberdade de expressão”, pois determinava “que os juízes de paz fossem
competentes para julgar injúrias assacadas por subalternos a seus superiores, assim como as ofensas feitas
aos inspetores de quarteirão, oficiais de justiça e patrulha”. COSTELLA. p. 66. Aquela legislação acabou
por ser revogada ainda no mesmo ano, pelo Decreto de 24/9/1837. Decreto de 24 de Setembro de 1837.
In: COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1837. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1861. p. 41.
207
Decisão do Governo N. 172 - 4 de Abril de 1837 e Decisão do Governo N. 179 - 8 de Abril de 1837.
In: COLEÇÃO DAS DECISÕES DO GOVERNO DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1837. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1861. p. 176-7 e 181.
208
Estas leis complementares foram: o Decreto de 16/10/1844 que mandava executar o regulamento para
a arrecadação do imposto sobre as tipografias. Decreto N. 384 de 16 de Outubro de 1844. In: COLEÇÃO
DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1844. Tomo VII, Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional,
1865. p.184-5.; e o Decreto de 3/7/1847 que obrigava os impressores a remeter um exemplar de todos os
impressos que saíssem das respectivas tipografias para a Biblioteca Pública Nacional, no caso da Corte, e
para a Biblioteca da Capital, nas Províncias; esta legislação, por sua vez, seria complementada pelo
Decreto de 26/11/1853 que previa a punição de seis dias a dois meses de prisão aqueles que não
enviassem seus impressos às referidas bibliotecas. Decreto N. 433 de 3 de Julho de 1847. In: COLEÇÃO
DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL. Tomo IX, Parte I. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1847.
p. 22-3.; e Decreto N. 1283 de 26 de Novembro de 1853. In: COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO DO
BRASIL. Tomo XVI, Parte II. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887. p. 321-2.
rebeliões regenciais e ao período de ampla liberdade de pensamento e expressão que marcou o
II Reinado209.

2.3. A legislação de imprensa nos primórdios do Brasil Republicano

Durante o processo de transição da Monarquia à República, a imprensa


brasileira passou por um novo e acelarado avanço, multiplicando-se o número de jornais pelas
províncias, com uma forte predominância dos periódicos político-partidários, discutindo os
fatores que levariam à desintegração da forma monárquica, analisando as possíveis reformas
que a mesma deveria sofrer e/ou divulgando as próprias idéias de mudança na forma de governo
que começavam a tomar corpo à época.
O advento da República no Brasil estabeleceu a necessidade da reorganização
institucional do país para adaptar-se à mudança na forma de governo, além disso, os novos
detentores do poder consideravam-se como promotores de uma política saneadora e
moralizadora que extirpasse aquilo que consideravam como os males do Império. De acordo
com estes princípios, a legislação em geral e a de imprensa, especificamente, sofreram
alterações, e, nesse sentido as medidas tomadas pelos primeiros governos republicanos foram no
sentido de coibir a liberdade de imprensa em nome da defesa do Estado.
O primeiro ato legislativo dos governantes republicanos fazendo referência à
imprensa foi o Decreto de 23 de Dezembro de 1889210, que criava uma comissão militar para
julgamento dos crimes de conspiração contra a República. A publicação desta lei foi alicerçada
a partir de considerações como: que a Nação inteira teria aderido à nova forma de governo; que
esta aceitação geral da “revolução de 15 de novembro” criava para o Governo Provisório a
obrigação de defendê-la com a maior energia contra as ameaças, até entregá-la ilesa nas mãos da
Assembléia convocada para entabular a Constituição; que o maior de todos os deveres do
Governo seria “a firmeza absoluta e a mais inexorável severidade nas medidas tendentes à
preservação da paz e à manutenção dos interesses fundados na segurança da propriedade”; que
a única alternativa seria a República ou a anarquia, onde qualquer tentativa contra a solidez da
situação republicana seria simplesmente um ato de desordem, destinado a explorar o medo; e
que seria inépcia, covardia e traição, da parte do Governo, “deixar os créditos da República à
mercê dos sentimentos ignóbeis de certas fezes sociais empenhadas em semear a cizânia e a
corrupção no espírito do soldado brasileiro, sempre generoso, desinteresseiro, disciplinado e
liberal”.
De acordo com este espírito, o Decreto de 23/12/1889 visava evitar qualquer
possibilidade de pregação questionadora à nova forma de governo junto aos militares, e
determinava que os indivíduos que conspirassem contra a República e seu governo; que
aconselhassem ou promovessem por palavras, escritos ou atos à revolta civil ou à indisciplina
militar; que divulgassem nas fileiras do Exército e Armada noções falsas e subversivas

209
Sobre a liberdade de imprensa durante o II Reinado, observar: LAET, Carlos de. A imprensa. In:
Década republicana. 2.ed. Brasília: Ed. da UnB, 1986. v.1. p. 197-200.; CARDIM, Elmano A imprensa
no Reinado de Pedro II. Petrópolis: s/editora, 1970. p. 6-9.; e LYRA, Heitor. História de D. Pedro II.
Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1977. p. 81-3.
210
Decreto N. 85A de 23 de Dezembro de 1889. In: DECRETOS DO GOVERNO PROVISÓRIO DA
REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Primeiro fascículo - 15/11 a 31/12/1889. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1890. p. 316-7.
tendentes à indisposição contra a República; seriam julgados militarmente por uma comissão
nomeada pelo Ministro da Guerra e punidos com as penas militares de sedição.
Em março de 1890, outro decreto ampliava a abrangência do anterior, prevendo
a punição tanto de militares quanto civis. O Decreto de 29 de Março de 1890211 apresentava por
argumentos fatores como o prejuízo que a ordem e a paz pública vinham sofrendo com a
“circulação de falsas notícias e boatos aterradores, com o intuito manifesto e anti-patriótico de
favorecer condenáveis especulações”; que estas notícias e boatos prejudicavam
“consideravelmente o crédito do país no exterior, abalando a confiança na estabilidade das
instituições e na responsabilidade dos compromissos contraídos pela Nação”; que ao poder
público cabia “o dever de prevenir e evitar todas as causas de perturbação social”, assegurando e
garantindo a ordem e o progresso nacional; que as injúrias e os ataques pessoais tinham por fim
“gerar o desprestígio da autoridade e levantar contra ela a desconfiança para favorecer a
execução de planos subversivos”; e que o Governo, mesmo não se opondo ao direito da livre
discussão dos seus atos, não poderia ficar indiferente diante da “ação pertinaz e criminosa”
daqueles que estariam intentando, “por todos os meios, criar a anarquia e promover a
desordem”.
Assim, esta lei de 29/3/1890 decretava que ficavam sujeitos ao regime do
Decreto N.85A, de 23/12/1889, todos aqueles que dessem origem ou concorressem “pela
imprensa, por telegrama e por qualquer outro modo para por em circulação falsas notícias e
boatos alarmantes, dentro ou fora do país”, referindo-se à disciplina dos militares, à estabilidade
das instituições e à ordem pública. Excluía-se da “generalidade desta disposição” a análise,
mesmo que severa, dos atos governamentais, “tendo por fim denunciar, corrigir ou evitar erros
da pública administração”, contanto que a mesma não contivesse “injúria pessoal”. Ficava ainda
definido que, caso estes delitos fossem cometidos fora da Capital Federal, o delinqüente seria
“para ela conduzido preso e (...) submetido ao julgamento da comissão instituída” para este fim.
A vigência destas duas leis diretamente coercitivas, promulgadas nos
primórdios da República, seria suspensa a partir do Decreto de 22 de novembro de 1890212 que
revogou os anteriores, tendo em vista que teriam cessado as ameaças contra a “ordem pública”,
a “união dos brasileiros”, as “instituições republicanas” e o “crédito do país no exterior”,
estando “assegurada a tranqüilidade geral da Nação” e eliminados “os perigos que era dever de
honra do Governo conjurar, afim de se organizar a República em perfeita paz”. Antes desta
legislação de novembro de 1890, no entanto, já havia sido aprovado o Código Penal dos Estados
Unidos do Brasil, a 11 de outubro de 1890213, onde ficaram regulamentados os novos critérios
delimitadores da liberdade de imprensa.
O Código Penal, quanto à imprensa, apresentava uma nova modalidade na
apuração dos responsáveis, era o sistema de solidariedade criminal, em substituição ao sistema
de responsabilidade sucessiva do Código anterior. Deste modo, a nova legislação determinava
211
Decreto N. 295 de 29 de Março de 1890. In: DECRETOS DO GOVERNO PROVISÓRIO DA
REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Terceiro fascículo - 1 a 31/3/1890. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1890. p. 499-500.
212
Decreto N. 1069 de 22 de Novembro de 1890. In: DECRETOS DO GOVERNO PROVISÓRIO DA
REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Décimo-primeiro fascículo - 1 a 31/11/1890. Rio
de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891.
213
Decreto N. 847 de 11 de Outubro de 1890. In: DECRETOS DO GOVERNO PROVISÓRIO DA
REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Décimo fascículo - 1 a 31/10/1890. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1890. p. 2664-2737. Ver também: AUTRAN, Manoel Godofredo de
Alencastro. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil (comentado). 3.ed. Rio de Janeiro: Laemmert &
C. Editores, 1898. p. 9-10, 53, 152 e 171-2.
que “nos crimes de abuso de liberdade de comunicação do pensamento”, seriam “solidariamente
responsáveis o autor, o dono da tipografia, litografia ou do jornal e o editor”; também era
considerado responsável, “o vendedor ou distribuidor de impressos ou gravuras”, quando não
constasse quem era o dono do estabelecimento de impressão ou esse fosse “residente em país
estrangeiro”. Segundo o Código, nesses crimes não se dava “cumplicidade e a ação criminal
respectiva” poderia “ser intentada contra qualquer dos responsáveis solidários, a arbítrio do
queixoso”; e garantia que “no julgamento destes crimes os escritos não seriam “interpretados
por frases soltas, transpostas ou deslocadas”. A nova legislação buscava punir os crimes contra
a existência política e a segurança interna da República e contra os direitos autorais, coibia
também a calúnia e a injúria e previa as formas do uso ilegal da arte tipográfica, prevendo as
respectivas punições às práticas criminosas, conforme pode ser observado através do próximo
quadro:

Quadro 4: Crimes de imprensa segundo o Decreto N. 847 de 11/10/1890


(Código Penal dos Estados Unidos do Brasil)

CRIMES DE IMPRENSA PRISÃO MULTA

provocar diretamente, por escritos impressos ou


litografados, distribuídos entre mais de 15 pessoas,
a prática de crimes:
a) contra a existência política da República,
compreendendo os crimes contra a independência,
integridade e dignidade da pátria; os crimes contra a
Constituição da República e a forma de seu
Governo; e os crimes contra o livre exercício dos
poderes políticos;
b) contra a segurança interna da República, 1 a 3 meses _____
compreendendo os crimes de conspiração e
resistência

calúnia contra a corporação que exerça autoridade


pública ou contra agente ou depositário desta e em 6 meses a 2 anos 500$000 a
razão de seu ofício 1:000$000

calúnia contra particular ou funcionário público sem 4 meses a 1 ano 400$000 a 800$000
ser em razão do ofício

injúria contra corporação que exerça autoridade


pública ou contra agente ou depositário desta e em 3 a 9 meses 400$000 a 800$000
razão de seu ofício

injúria contra particular ou funcionário público sem 2 a 6 meses 300$000 a 600$000


ser em razão do ofício
reimprimir, gravar, litografar, importar, introduzir, igual ao triplo do
vender documentos, estampas, cartas, mapas e _____ valor dos
quaisquer publicações feitas por conta da Nação ou exemplares
dos Estados, em oficinas particulares ou públicas *

reproduzir, sem consentimento do autor, qualquer


obra literária ou artística, por meio da imprensa,
gravura ou litografia, ou qualquer processo _____ “
mecânico ou químico, enquanto viver, ou a
pessoa a quem houver transferido a sua propriedade
e dez anos mais depois de sua morte, se deixar
herdeiros *

estabelecer oficina de impressão, litografia, gravura


ou qualquer outra arte de reprodução de exemplares
por meios mecânicos ou químicos, sem prévia
licença da Intendência ou Câmara Municipal do _____ 100$000 a 200$000
lugar, com declaração do nome do dono, ano, lugar,
rua e casa onde tiver de estabelecer a oficina, ou o
lugar onde for transferida depois de estabelecida

imprimir, litografar ou gravar qualquer escrito, _____ 50$000 a


estampa ou desenho, sem nele mencionar as 100$000
circunstâncias mencionadas anteriormente *

imprimir, litografar ou gravar, com falsidade, as _____ 100$000 a 200$000


declarações anteriores *

deixar de remeter à Biblioteca Pública, nos lugares _____ 50$000 a


onde a houver, um exemplar do escrito ou obra 100$000
impressa
* Além da pena citada, ficava estabelecido que o infrator perderia todos os exemplares publicados.

No que tange às formas de julgamento e “às regras processuais, o novo regime


federal as retirou da competência da União, confiando-as aos Estados, uma vez que a estes
deixara a competência de prover à própria organização judiciária”214. Desta maneira, o
controle sobre os crimes de imprensa tornava-se ainda mais direto, tendo em vista a maior
proximidade das autoridades regionais e locais, que, em cada unidade da Federação, seriam as
responsáveis pela apuração dos possíveis delitos de imprensa.

214
LIMA SOBRINHO, Barbosa. O problema da imprensa. Rio de Janeiro: Álvaro Pinto Editor, 1923. p.
175.
A primeira Constituição Republicana, promulgada a 24 de fevereiro de 1891,
garantia a plena liberdade de imprensa, porém, fazia ressalvas quanto à proibição do
anonimato. Previa a Carta, no seu artigo 72, que:

“Em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento pela imprensa ou pela


tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que cometer, nos
casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido o anonimato”.215

Esta ênfase na proibição ao anonimato através da imprensa deveu-se à


influência dos positivistas, cuja representação no Congresso conseguiu que a mesma fosse
agregada ao projeto constitucional. No Rio Grande do Sul, este aspecto foi ainda mais marcante,
de modo que sua Constituição, estabelecida de acordo com o modelo positivista, era mais
enfática na proibição ao anonimato, pois, de acordo com essa doutrina, a identificação visava a
“permitir a pesquisa da autoria e fornecer ao público as características de origem (...) dos
autores, elementos importantes para julgar da autoridade moral, que pudessem ter os respectivos
escritos”216. Este afinco pela proibição ao anonimato no contexto sul-rio-grandense pode ainda
ser exemplificado através do Decreto de 16 de Março de 1892, publicado à época do Governo
de Barros Cassal, que determinava não ser permitido “o anonimato, devendo todos e quaisquer
escritos dados à estampa ser assinados pelos respectivos autores” aos quais cumpria “escrever
os nomes por extenso no fim de seus artigos”; neste caso as infrações seriam apuradas pelo
Chefe de Polícia na capital e pelos delegados nos municípios, ficando prevista uma multa de
duzentos mil réis, e, nas reincidências, suspensão da publicação do jornal por trinta dias217.
A plena liberdade de imprensa expressa na Carta de 24/2/1891, no início da
República, não passou de um dispositivo constitucional pouco colocado em prática. Os
primeiros governos republicanos caracterizaram-se pelo autoritarismo e, em nome da
manutenção e estabilidade da nova forma de governo, conservaram o país quase constantemente
sob estado de exceção. Essa situação refletiu-se profundamente no controle sobre a imprensa
que passou por uma de suas fases de maior censura218, tendo em vista que os jornais, os quais
haviam sido o grande veículo de propagação do ideário republicano, naquele momento, serviam
também para a publicação de ataques e críticas aos novos donos do poder, por parte daqueles
que não concordavam com as modalidades empregadas para a institucionalização e sustentação
da República.

215
Citada por LEITE FILHO. p. 28.
216
OSÓRIO, Joaquim Luís. Constituição Política do Estado do Rio Grande do Sul: comentários.
Brasília: Ed. da UnB, 1981. p. 267-8.
217
Decreto N. 24 de 29 de Março de 1892. In: LEIS, DECRETOS E ATOS DO GOVERNO DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL DE 1892. Porto Alegre: Oficinas Graphicas de “O Independente”,
1913. p. 59-61.
218
Segundo Geminiano da Franca, nesta época “a imprensa independente da Capital Federal teve uma
existência amargurada e precária”, tendo em vista as “medidas draconianas do Governo”. Para o autor,
“nos Estados, por esses tempos, o jornalismo passou igualmente por terríveis provações (...), no Rio
Grande do Sul, todos os jornais foram notificados para não dar notícias da revolução”; e prossegue,
afirmando que além dos “atos abusivos de autoridade públicas, foram assaltadas e destruídas, em quase
todos os Estados, oficinas e redações de jornais oposicionistas, presos e desfeiteados os seus redatores”.
FRANCA, Geminiano da. A imprensa e a lei. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Filho Editor, 1936. p. 87-8.
Este quadro de controle absoluto sobre a imprensa ficou evidenciado através do
Decreto de 13 de outubro de 1893219, colocado em prática durante o desenrolar dos mais graves
movimentos contestatórios aos primeiros governantes da incipiente República - a Revolução
Federalista e a Revolta da Armada. Os seguintes argumentos foram utilizados para justificar o
decreto: que a liberdade de imprensa deveria consistir “no direito de colaborar com o poder
social” nos fins a que se propunha “a ordem moral e política em suas múltiplas exigências e
modalidades”; que seria “função do poder público, legitimamente constituído, defender a
existência política da República por todos os meios legais, materiais e morais”; que, no
cumprimento desse dever, o Governo não poderia encontrar obstáculos provenientes dos abusos
da imprensa; e que parte da imprensa viria contribuindo “para animar a revolta com publicações
inconvenientes umas, falsas outras e todas constituindo elemento de perturbação e alarma, em
prejuízo da ação do governo e da tranqüilidade pública”.
Nesta linha, através desse Decreto de 13/10/1893, e em nome da integridade
pública, o Governo visava regular os “abusos” da liberdade de imprensa durante o estado de
sítio, ficando proibido:

“a) fazer publicações que incitem a agressão estrangeira ou possam aumentar a comoção
interna e excitar a desordem; b) defender qualquer ato contrário à independência,
integridade e dignidade da pátria, à Constituição da República e à forma de seu governo, ao
livre exercício dos poderes políticos, à segurança interna (...), à tranqüilidade pública; c)
publicar notícias a respeito da revolta que não tenham sido comunicadas pelo governo
constitucional ou que não tenham essa origem; d) comunicar ou publicar documentos,
planos, desenhos e quaisquer informações com relação ao material ou pessoal de guerra, às
fortificações e às operações e aos movimentos militares da União ou dos Estados; e)
apregoar as notícias, fatos ou assuntos verdadeiros ou falsos contidos nas publicações que
se oferecem à venda ou se distribuam gratuitamente ou de qualquer outro modo”.

Deste modo, os primeiros tempos republicanos caracterizaram-se por uma


imprensa controlada e uma liberdade de expressão extremamente limitada. Essa situação só
seria razoavelmente normalizada com a consolidação da República, a partir dos governos civis,
do fim da Revolução Federalista e do aniquilamento dos fracos resquícios restauradores,
ficavam, porém, os precedentes para que, em nome da “pátria em perigo”, fossem novamente
tomadas medidas para tolher a liberdade da imprensa, o que se repetiria por diversas vezes, em
razão dos muitos estados-de-sítio, que ainda viriam a ser decretados nas primeiras décadas
republicanas220.

♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦

219
Decreto N. 1565 de 13 de Outubro de 1893. In: COLEÇÃO DAS LEIS DA REPÚBLICA DOS
ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1893. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894. Ver também:
SEABRA JÚNIOR, Gregório Garcia. Delitos de imprensa. Rio de Janeiro: Livraria Editora Leite Ribeiro,
1924. p. 11.; CALDAS, Honorato. A desonra da República. Rio de Janeiro: Typographia Moraes, 1895.
p. 135-6.; e ALVES, Francisco das Neves. Imprensa e legislação no Brasil do século XIX. Histórica. v.1.
Porto Alegre: APGH/PUCRS, 1996. p. 62-3.
220
O Código Penal dos Estados Unidos do Brasil permaneceu como a legislação básica no controle da
imprensa, durante boa parte da denominada República Velha e este quadro só viria a ser alterado a partir
da década de 1920. Sobre a legislação de imprensa desta época, observar: ALVES, Francisco das Neves.
O controle sobre a informação no Brasil: imprensa e legislação em 1923. In: ALVES, Francisco das
Neves & TORRES, Luiz Henrique (orgs.). Imprensa & história. Porto Alegre: APGH/PUCRS, 1997. p.
52-57.
Neste contexto, ao passo que a imprensa brasileira, desde a sua criação e
perpassando por todo o século XIX, desempenhou importante função divulgadora e doutrinária
das mais variadas idéias e tendências, no mesmo espaço de tempo, todo o seu desenvolvimento
foi marcado por fases de ampliação e cerceamento da liberdade de expressão, de acordo com as
contingências de estabilidade/instabilidade política do país. Esta evolução da legislação
brasileira de imprensa no Brasil Independente pode ser traduzida através de um levantamento
quantitativo do número de leis, decretos ou decisões do governo publicados por ano, entre 1822
e 1895, como demonstra o seguinte gráfico:

Gráfico 1: Legislações com referências à imprensa publicadas no Brasil


entre set./1822 e set./1895 (em números absolutos)

0
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8
2 2 2 3 3 3 4 4 4 4 5 5 5 6 6 6 7 7 7 7 8 8 8 9 9
2 5 8 1 4 7 0 3 6 9 2 5 8 1 4 7 0 3 6 9 2 5 8 1 4

Nesta linha, fica evidenciada uma ampla concentração de medidas legais em


torno do controle do jornalismo durante as duas primeiras décadas de existência do país
emancipado. Este fator adveio das próprias características intrínsecas à formação de um Estado
Nacional e à conseqüente necessidade de uma reorganização institucional, em vista da mudança
do status de colônia para o de nação independente. Institucionalizado o país e eliminados os
focos de agitação política, o Brasil passaria por uma fase de poucas alterações na legislação de
imprensa até a nova reforma institucional efetuada à época da mudança na forma de governo.
Estas legislações referentes à imprensa editadas durante as diversas etapas da
formação institucional brasileira no século XIX - I Reinado, Período Regencial, II Reinado e os
primeiros anos da República, distribuíram-se conforme demonstra o quadro a seguir:

Quadro 5: Distribuição da legislação brasileira de imprensa entre as diversas etapas


institucionais do Brasil no século XIX

FASE PORCENTAGEM * LEIS/ANO


I Reinado 44,83 1,44
Período Regencial 17,24 0,55
II Reinado 20,69 0,12
República (6 primeiros anos) 17,24 0,83
* Levando em conta o número total de leis referentes à imprensa publicadas entre set/1822 e set/1895
Esta distribuição reforça o fenômeno da concentração numérica da legislação de
imprensa durante os primórdios do Estado Nacional Brasileiro, porém se a análise se efetuar a
partir de uma média aritmética da quantidade de leis publicadas por ano, traduz-se que a
convergência daquela legislação - apesar do certo predomínio referente ainda aos anos iniciais
do país independente - deu-se nas fases de maior agitação política, mormente na transição do I
Reinado para a etapa regencial e durante a instauração da República, ao passo que, no II
Reinado, momento de estabilidade política, as leis fiscalizadoras do jornalismo foram escassas,
tendo em vista uma duração de quase meio século.
Levando em conta as mesmas etapas da evolução institucional brasileira, a
distribuição da legislação de imprensa pode ser também analisada tomando-se por base a
natureza das leis promulgadas. Assim, o jornalismo foi norteado por leis regulamentares, ou
seja, aquelas que estabeleceram novos preceitos no controle da informação; leis
complementares, que renovaram, alteraram, anularam ou, enfim, complementaram preceitos
estabelecidos anteriormente; e leis diretamente coercitivas, ou seja, aquelas que atuaram direta e
abertamente para coibir a liberdade de expressão por meio dos jornais. Esta distribuição levando
em conta a natureza da legislação está demonstrada através do próximo gráfico:

Gráfico 2: Distribuição em % da legislação brasileira de imprensa entre as diversas etapas


institucionais do Brasil no século XIX, de acordo com a natureza das leis *

100
80
60
40
20
0
I R E I. P. REG . II R E I. REP.
LR LC LDC
Onde: I REI. - I Reinado; P. REG. - Período Regencial; II REI. - II Reinado; REP. - República (6 anos
iniciais) LR - lei regulamentar; LC - lei complementar; LDC - lei diretamente coercitiva
* Tomando por base o número total de leis publicadas dentro do período cronológico de cada uma das etapas

Mais uma vez fica comprovada a íntima relação entre a freqüência da legislação
de imprensa e as etapas de estabilidade/instabilidade política. Deste modo, as leis
regulamentares distribuíram-se de forma praticamente equilibrada entre as diferentes fases,
notadamente naquelas em que se deram reajustes de ordem institucional; já o destaque das leis
diretamente coercitivas efetuou-se nos momentos de ampla fermentação revolucionária, caso
das rebeliões regenciais e das revoltas que agitaram a incipiente República Brasileira; o II
Reinado, por sua vez, com sua característica liberdade de expressão, teve apenas leis
complementares publicadas durante a sua vigência.
Durante estas diversas fases, a livre expressão do pensamento através do
jornalismo esteve controlada, ora mais incisiva e diretamente, ora de forma mais tênue, porém a
legislação esteve sempre presente, propondo-se a vigiar os possíveis “excessos” ou “abusos”
atribuídos à imprensa. Este controle do discurso dos jornais era alicerçado numa série de
penalidades que pouco oscilaram ao longo do século XIX, à exceção da Lei de 20/9/1830 que
previa algumas das mais duras penas para os crimes de imprensa. As alterações destas
penalidades entre quatro diferentes legislações são traduzidas através deste quadro:

Quadro 6: Penas médias previstas segundo as legislações de imprensa


de 22/11/1823, 20/9/1830, 16/12/1830 e 11/10/1890

Decreto Decreto Lei Lei Lei Lei Decreto Decreto


CRIMES DE 22/nov/ 22/nov/ 20/set/ 20/set 16/dez/ 16/dez/ 11/out/ 11/out
IMPRENSA * 1823 1823 1830 1830 1830 1830 1890 1890
-prisão- -multa- -prisão- -multa- -prisão- -multa- -prisão- -multa-
publicar sem iden-
tificar nome, local ___ 50$000 ___ 50$000 ___ 60$000 ___ 70$000
e ano
falsificar os dados
anteriores atribuin- ___ 100$000 ___ ___ ___ 250$000 ___ 150$000
do-lhes a outrem
não registrar o jor-
nal junto ao órgão ___ ___ ___ ___ ___ 40$000 ___ 150$000
competente
atentar contra a
forma, sistema ou ___** 600$000 6 anos 2: 000$000 15 450$000 2 meses ___
regime de governo meses
atentar contra a
religião 9 meses 80$000 4 anos 1: 600$000 5 meses 150$000 ___ ___

atentar conta a mo-


ral pública (bons 6 meses 50$000 9 meses 100$000 4 meses 100$000 ___ ___
costumes)
calúnia contra fun-
cionário ou órgão 6 meses 600$000 ___ ___ 14 meses 400$000 15 meses 750$000
público
calúnia contra pes-
soa particular 3 meses 200$000 ___ ___ 8 meses 100$000 8 meses 600$000

injúria contra fun-


cionário ou órgão ___ 50$000 1 ano 200$000 7 meses 200$000 6 meses 600$000
público
injúria contra pes-
soa particular ___ 50$000 2 meses 80$000 4 meses 100$000 4 meses 450$000

* Levando em conta apenas os crimes mais comuns entre as quatro legislações.


** Esse decreto não previa a pena de prisão para aquela modalidade de crime, e sim a de degredo.

Estas penas traduziam uma grande preocupação com a defesa do Estado, dos
funcionários e órgãos públicos; com a manutenção da ordem institucional, moral e religiosa (à
época da Monarquia); bem como, com a identificação dos responsáveis pela publicação dos
jornais. Neste sentido, os mecanismos de controle mais eficazes foram os implementados nos
primeiros tempos republicanos, pois, mesmo que as penas nem sempre fossem as mais pesadas,
a fiscalização era mais direta, ficando a cargo de autoridades locais e estaduais, assim como o
sistema de responsabilidade de solidariedade criminal no lugar da responsabilidade sucessiva,
permitia uma abrangência maior na implicação de um possível culpado.
Além disto, mesmo quando não estivessem vigorando leis diretamente
coercitivas, os dispositivos legais que controlaram a liberdade de imprensa durante o século
XIX davam margem a diferentes tipos de avaliação, uma vez que muitos permitiam as
declarações críticas por parte dos jornais, desde que fizessem “análises razoáveis” e
respeitassem o uso de “linguagem moderada” e de termos “decentes” e “comedidos”. Assim,
este tipo de legislação poderia ser utilizado como uma arma contra o jornalista, dependendo da
forma pela qual a lei fosse interpretada, com maior ou menor rigor, ficando na dependência,
muitas vezes, da boa ou má vontade de parte dos agentes do poder, situação agravada nos
momentos de suspensão das garantias individuais.
Constituiu-se, deste modo, um “sistema de sujeição” dos discursos jornalísticos,
composto por uma série de “procedimentos de controle e delimitação”, que representaram
verdadeira “polícia discursiva”, no intento de “dominar, ao menos em parte, a grande
proliferação do discurso”, de maneira que a “sua riqueza fosse aliviada de sua parte mais
perigosa e que sua desordem fosse organizada segundo figuras que esquivassem o mais
incontrolável”221 no conjunto das declarações dos jornais.
Nesta conjuntura, a formação histórica brasileira demonstrou ainda que junto a
esse instrumental jurídico, somaram-se outros meios, às vezes de caráter “extra-oficial”, de
coibir a liberdade de expressão, como a direta vigilância policial e de autoridades locais, as
perseguições, os empastelamentos, as prisões sem julgamento e até os assassinatos. Assim, a
legislação de imprensa representava um dos prismas de controle sobre a mesma, sendo a
modalidade legitimada institucionalmente para isso, tendo em vista o confronto permanente -
liberdade X cerceamento - que marcou a história da imprensa no Brasil.

221
FOUCAULT. p. 21, 35, 45 e 50.
3. O PROCESSO POLÍTICO-PARTIDÁRIO BRASILEIRO À
ÉPOCA DA TRANSIÇÃO MONARQUIA-REPÚBLICA E AS
ESPECIFICIDADES SUL-RIO-GRANDENSES

A formação político-partidária brasileira teve a sua gênese ligada à fundação do


Estado Nacional, durante o I Reinado e mormente no Período Regencial, quando, em meio à
agitação política e à crise revolucionária, estabeleceram-se alguns dos pressupostos que
acabariam por redundar na organização partidária típica do II Reinado, marcada pela disputa
entre o Partido Liberal e o Conservador. Serenadas as rebeliões provinciais, ao final da década
de quarenta, se iniciaria um período de estabilidade institucional, a partir da implementação de
um sistema parlamentarista, a qual levaria à alternância de liberais e conservadores no governo
imperial. Além disto, nas duas décadas seguintes, ocorreu uma tendência à suavização das
disputas políticas, através de práticas harmonizadoras, conciliatórias e de coligação entre
determinados segmentos das duas agremiações partidárias imperiais, resultando na fase da
“Conciliação”, de ascendência conservadora, nos anos cinqüenta, e na “Liga Progressista”, de
predomínio liberal, na década de sessenta222. No Rio Grande do Sul, à mesma época, deu-se
similar processo na busca de uma harmonização, por meio de alianças como a “Liga”, de
orientação conservadora, e a “Contra-Liga” e o Partido Liberal Progressista, de domínio
liberal223.
A partir do final dos anos sessenta, as disputas entre os partidos Liberal e
Conservador se acirrariam de modo crescente. Basicamente, a identidade partidária e o ponto de
conflito entre eles se davam em torno das formas de empreender as reformas políticas e
econômico-sociais; em geral, os liberais eram defensores de uma política reformista mais
incisiva, ao passo que os conservadores pretendiam um processo mais gradual. Muitas vezes,
porém, foram os conservadores que promoveram as reformas, no intento de “esvaziar o
programa liberal”, resultando daí “uma fragilidade básica no sistema político imperial”, pois,
“os liberais não conseguiam implementar as medidas que sua ala reformista propunha”,
enquanto que “os conservadores as implementavam mas à custa da unidade partidária”224. As
inversões partidárias entabuladas desde então levaram a cisões ainda mais profundas entre as
duas agremiações, na alternância de posturas opocionistas/situacionistas de acordo com o status
quo político de cada momento. As alterações do partido à testa do governo traziam certa
instabilidade, já que estas substituições implicavam em “verdadeira reviravolta administrativa,
pois se verificavam as famosas derrubadas”, pelas quais ocorriam drásticas mudanças na
ocupação do aparelho do Estado, desde o primeiro escalão do governo até os mais simples
funcionários públicos. Desta maneira, “da capital às províncias e aos municípios era uma

222
A respeito da evolução política brasileira neste período, observar: IGLÉSIAS, Francisco. Vida
política, 1848-1868. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (dir.). História geral da civilização brasileira.
3.ed. São Paulo: DIFEL, 1976. v.5. p. 9-102.; e HOLANDA, Sérgio Buarque de. Do Império à República.
In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (dir.). História geral da civilização brasileira. 2.ed. São Paulo:
DIFEL, 1977. v.7. p. 14-56.
223
Sobre este momento político rio-grandense, observar: PICCOLO, Helga Iracema Landgraff. Vida
política no século XIX. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1991. p. 50-4.
224
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Brasília: Ed. da UnB,
1981. p.174-5.
comoção geral, pelas novas administrações surgidas”, de modo que a “mudança de situações
provocava insegurança e temor geral”225.
A inversão partidária de 1868 representou verdadeiro divisor de águas no
sistema de alternância partidária do II Reinado, constituindo-se num dos fatores a desencadear o
processo de ruptura que levaria à derrocada da forma monárquica. Tendo em vista o extremo
desgaste humano, material e moral promovido a partir da prorrogação da Guerra do Paraguai e a
crise financeira advinda deste conflito, o soberano optou por uma mudança de situação,
afastando os liberais e trazendo o Partido Conservador de volta ao poder, com a substituição do
Gabinete Zacarias pelo Itaboraí. Mudavam-se, então, as circunstâncias, já que “nos meados do
século, a ordem imperial atingira o clímax, com a centralização, o monarquismo sem
contestações, a sociedade dominada pelo Estado”, com os partidos entrando “em recesso,
calados e reverentes”, parecendo que “os ódios antigos” estavam “mortos, as revoluções
sepultadas, extintos os protestos” e, enfim, “o progresso nos moldes europeus empolgava a corte
florescente e renovada” No entanto, no seio deste “remanso imperial”, formavam-se “ondas
novas que turbavam a pacífica superfície”, pois “o fermento da rebeldia não fora aniquilado;
cavara, apenas, um leito subterrâneo, onde continuou a fluir, sufocado”, vindo à tona, porém,
com toda a força, por ocasião da inversão de 1868226.
Deste modo, “a queda do Gabinete Zacarias não foi um fato banal na história
política” brasileira, pois “profundas seriam as conseqüências de sua retirada no
desenvolvimento do país”. Porém, não foi o simples fato “da queda do gabinete que marcou os
tempos posteriores”, e sim o que estava por trás deste acontecimento, “com os difíceis
problemas platinos, a política continental e o papel do Brasil; o prestígio cada vez maior do
militar, agora interferindo em tudo, com suas reivindicações” e com o peso de sua autoridade
armada; “a necessidade de extinção do trabalho escravo, uma vez que esse estatuto diminuía o
prestígio nacional entre os demais países” e “culminando na pregação republicana”. A partir de
então, extremaram-se “de novo os partidos, agora bem estruturados e com objetivos mais
nítidos”, de modo que os mais exaltados passariam a “formar na corrente adversa à
Monarquia”227. Produzia-se, assim, “uma clivagem na história política da Monarquia
Brasileira”, demarcando-se “o ponto de partida mais visível da deterioração do regime”228.
Esta inversão partidária traria profundas mudanças no conteúdo programático
do Partido Liberal. O setor mais moderado da agremiação partiu para a proposta de reformas
mais amplas, como a descentralização administrativa para as províncias; maior liberdade para o
comércio e a indústria, com a derrogação de privilégios e monopólios; garantias efetivas de
liberdade de consciência; liberdade de ensino; independência do Poder Judiciário; a presença do
225
IGLÉSIAS, Francisco. Trajetória política do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1993. p.167.
226
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato brasileiro. 2.ed. Porto Alegre:
Globo; São Paulo: EDUSP, 1975. v.1. p. 443. Segundo o autor, “desse ano de 1868 se projetará a ruína do
Império, (...) não pelo golpe de Estado que arrebatou o posto a um gabinete com maioria na Câmara dos
Deputados - fato com muitos precedentes - mas pela ruptura do quebra-mar construído pela mais fina arte
monárquica, sem que a Coroa, insensível à violência da tempestade, nada ceda para conjurar o desastre”
(p.444-5).
227
IGLÉSIAS, 1976. p. 111. De acordo com o historiador: “É profunda recomposição de forças e
programas o que se opera em 1868. Depois dessa data, começa a crescer a onda que vai derrubar a
instituição monárquica. Ela viveria ainda alguns anos, às vezes até com o antigo brilho. Os homens mais
lúcidos, no entanto, sabiam que o Império estava condenado. Em 1868 começa o seu declínio, até chegar
à queda em 1889. Ele já revelara o seu potencial, o que tinha de positivo e negativo. Agora ia viver quase
que vegetativamente, pois eram sabidos os seus limites. A data de 1868 encerra o período de esplendor e
abre o de crises que levarão à sua ruína (p. 112).
228
HOLANDA. p. 7.
Conselho de Estado como um auxiliar da administração e não como órgão de atuação política; a
supressão da vitaliciedade do Senado; a redução das forças militares em tempo de paz; a
reforma eleitoral; a reforma policial e judiciária; a abolição do recrutamento; a abolição da
Guarda Nacional; e a emancipação dos escravos229. O princípio de que o rei deveria reinar mas
não governar foi levantado como uma bandeira ainda mais alta pelos liberais, recém-derrubados
do governo, que passaram também a exigir a supressão do Poder Moderador230.
Já os segmentos mais radicais do Partido Liberal optaram pelo rompimento
com a forma de governo vigente, aderindo ao ideal republicano. Algumas das proposições dos
republicanos brasileiros viriam a ser expressas no Manifesto de 1870, documento que, apesar de
propor o final da Monarquia, se constituía num libelo anti-revolucionário, transigente e
deixando em aberto a possibilidade de novas adesões. Este Manifesto Republicano fazia
diversas críticas à forma monárquica, como em relação ao Poder Moderador, considerado
“onímodo, onipotente, perpétuo, superior à lei e à opinião”, que concentrara “em suas mãos toda
a ação e toda a preponderância”; à necessidade de “eleições livres, onde a vontade do cidadão”
não estivesse dependente dos agentes públicos; à falta da “legítima representação do país”, de
uma Câmara de Deputados “demissível à vontade do soberano” e de um Senado vitalício,
escolhido pelo Imperador; e à necessidade de ampliação das liberdades de consciência,
econômica, de imprensa, de associação, de ensino e das liberdades individuais como um todo231.
Outro elemento básico da proposta republicana foi o “regime da federação”,
através da “independência recíproca das províncias, elevando-as à categoria de estados próprios,
unicamente ligados pelo vínculo da mesma nacionalidade e da solidariedade dos grandes
interesses da representação e da defesa exterior”; levando em frente a divisa: “Centralização -
Desmembramento; Descentralização - Unidade”232. Mesmo que, de início, os adeptos da
mudança da forma de governo não tivessem chegado a constituir uma agremiação
numericamente expressiva, este “fator de constituir uma minoria não significava entretanto que
os republicanos não exercessem um papel significativo”, compensando esta debilidade numérica
pela constante busca de uma melhor organização interna, além do fato de que existiam “muitos
indivíduos que, embora não dessem sua adesão formal ao partido, poderiam ser considerados
‘simpatizantes’, encarando com bons olhos (...) a forma republicana de governo”233.
Neste quadro, no governo, o Partido Conservador, além da oposição de seus
tradicionais adversários liberais, passava também a contar com os republicanos como incipiente
força oposicionista. Durante o decênio conservador, de acordo com o objetivo de antecipar e
provocar um esvaziamento em relação às reformas liberais, bem como na busca de apresentar
algumas soluções diante do “problema da questão servil”, foi promulgada, em 1871, a Lei do
Ventre Livre. Prevalecia a visão conservadora de reformas progressivas, uma vez que esta
legislação previa uma abolição de forma gradual, pois, mesmo que fossem “declarados livres os
filhos de mulheres escravas, nascidos no Império desde a data da lei”, estes “ingênuos ficariam
229
CHACON, Vamireh. História dos partidos brasileiros: discurso e práxis dos seus programas. 2.ed.
Brasília: Ed. da UnB, 1985. p. 225-8.
230
Para Antônio Paim, a idéia de Poder Moderador havia “adquirido o máximo prestígio nos anos
sessenta”, porém, “o início da curva descendente” deste preceito, “pode ser encontrado na queda do
Gabinete Zacarias, em 1868”. PAIM, Antônio. A discussão do Poder Moderador no Segundo Império. In:
Curso de introdução ao pensamento político brasileiro. Brasília: Ed. da UnB, 1982. p.17.
231
PESSOA, Reynaldo Carneiro. A idéia republicana no Brasil, através dos documentos. São Paulo:
Alfa-Ômega, 1973. p. 41-7.
232
PESSOA. p. 56.
233
COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Grijalbo,
1977. p. 300.
em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães que teriam a obrigação de criá-los e
tratá-los até a idade de oito anos completos”, a partir da qual, “o senhor teria a opção de receber
do Estado a indenização de seiscentos mil réis” ou ainda “de utilizar-se dos serviços do menor
até a idade de vinte e um anos”234. Apesar de constituir-se numa medida moderada em relação à
emancipação dos escravos, a Lei do Ventre Livre acabaria por provocar profundas cisões no
seio do Partido Conservador.
Um outro problema enfrentado pelo ministério conservador que também traria
consigo dificuldades de natureza política, foi a denominada “Questão Religiosa” (1872-5) a qual
representaria significativa ruptura num dos pilares de sustentação da Monarquia. Esta questão
foi promovida a partir da punição de clérigos que resolveram “proceder com o maior rigor
contra os católicos-maçons, levando-os a optar entre a Igreja e a Maçonaria”. Ela deixou de ser
uma discussão apenas de ordem religiosa, tendo em vista o sistema de união Igreja - Estado,
com o catolicismo como religião oficial, o qual só permitia aos católicos ocuparem posições
político-burocrático-administrativas; além de envolver a Maçonaria, organização de notória
importância na evolução política brasileira. Assim, a “Questão Religiosa”, mesmo que
aparentemente resolvida com a anistia dos bispos envolvidos, deixava atrás de si conseqüências
mais profundas, uma vez que, “não apenas no seu momento crucial, mas no seu conjunto” que
se estendeu “até os fins do Império”, ela levou à superfície o “problema fundamental da luta em
prol da liberdade religiosa ou contra ela, um dos aspectos fundamentais da luta pela
liberalização das instituições que prepararia o advento da República”235. Desta questão,
aproveitaram-se os liberais para promoverem ainda mais acirrada oposição aos governistas
conservadores.
No contexto político-partidário sul-rio-grandense durante este período de
domínio conservador (1868-1878), os liberais, seguindo a proposta de reformulação
programática, também ampliaram seu pensamento reformista, questionando o Poder Moderador,
defendendo a separação da Igreja do Estado e redefinindo suas atitudes diante da questão servil.
Já os conservadores, que receberam o ingresso dos ex-progressistas, fortalecidos pela ascensão
ao poder central, dominaram a Assembléia Provincial entre 1869 e 1872. Este predomínio iria
durar até a aprovação da Lei do Ventre Livre a qual desencadeou profundas divergências no
interior do Partido Conservador entre os conservadores “puros”, os “lobos”, e os ex-
progressistas, os “cordeiros”, uma vez que os primeiros haviam se oposto à lei, passando a ser
preteridos pelo Presidente da Província. Enquanto os conservadores cindiam-se entre si, o
Partido Liberal, que crescia na oposição, passou a dominar a Assembléia (1872-1889), detendo
a hegemonia política rio-grandense até o final dos tempos monárquicos236.
As dificuldades dos conservadores na implementação prática de mais uma das
reformas nacionais, agora a eleitoral, levaria a uma nova inversão partidária, em 1878, com a
subida do Partido Liberal ao poder. Para promover a reforma foi montado o Gabinete Sinimbu,
líder cuja indicação não contou com o apoio integral de seu partido, tendo o Imperador optado
por este nome por desejar “mais um homem da sua confiança do que da confiança dos liberais”.

234
BEIGUELMAN, Paula. O encaminhamento político do problema da escravidão no Império. In:
HOLANDA, Sérgio Buarque de (dir.). História geral da civilização brasileira. 3.ed. São Paulo: DIFEL,
1976. v.5. p. 210.
235
BARROS, Roque Spencer M. de. A Questão Religiosa. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (dir.).
História geral da civilização brasileira. 2.ed. São Paulo: DIFEL, 1974. v.6. p. 340-1 e 365.
236
PICCOLO, Helga Iracema Landgraf & VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Contribuição para a
interpretação do processo político-partidário sul-rio-grandense no Império. Revista do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS. ano VIII. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1978/1979. p. 137.
A exemplo de 1868, a Câmara, cuja maioria pertencia ao partido adversário, foi dissolvida, com
novas eleições no intento de obter uma maioria de governistas. Os “dissídios internos, que iam
servir para deteriorar a homogeneidade aparente do gabinete liberal, começaram a manifestar-se
logo”. Em fevereiro de 1879, Silveira Martins e Vila Bela afastaram-se por desarcerto no
interior do ministério e sob o argumento de que o fim da inelegibilidade dos acatólicos não
havia sido contemplado no projeto da reforma eleitoral. Estas disputas intrapartidárias só seriam
solucionadas a partir de março de 1880 com a queda do Gabinete Sinimbu e a elevação do
Saraiva, também liberal. Este gabinete promoveu a implementação da nova lei eleitoral, a qual
não estabelecia o sufrágio universal e “consagrava os direitos de elegibilidade aos acatólicos e
naturalizados, mas exigia meticulosa prova de renda”237.
Durante a década de oitenta, os governistas tiveram de enfrentar um sério
obstáculo que representou mais um dos componentes que levaria à derrocada monárquica. Era a
“Questão Militar” cuja motivação dera-se por ocasião da punição de militares que, segundo o
governo, haviam cometido “a inconveniência de discutir (...) questões de serviço pela
imprensa”, mas que refletia um problema estrutural nas relações militares - Império. Assim, “a
crise militar que se aguçou no Brasil, a partir de 1884”, foi “a expressão particular de uma crise
do poder” que viria a “defluir, embora essa conseqüência não fosse visível no primeiro
momento, numa crise das instituições”. A insatisfação “com os grupos dominantes na política
nacional”, ou seja, com os políticos civis e “a irritação ante o abandono a que a ‘classe’, em seu
conjunto” estaria sofrendo, sendo “relegada” e “desprestigiada”, foram alguns dos fatores que
promoveram um gradual afastamento dos militares para com a Monarquia. Disto aproveitaram-
se os propagandistas republicanos para fermentar suas idéias antimonarquistas junto ao setor
militar que vinha, progressivamente, se tornando cada vez mais decisivo na sustentação dos
governantes238.
Na conjuntura provincial, os liberais que exerciam a hegemonia na Assembléia
Provincial, promovendo a oposição aos presidentes nomeados pelo Centro conservador, a partir
de 1878, passaram a predominar tanto na Assembléia quanto na Presidência do Rio Grande do
Sul. Esta nova situação levaria o Partido Liberal a arrefecer seu espírito reformista, de modo que
“não conseguiu escapar das mesmas censuras que fizera, na oposição, aos conservadores”;
mantendo uma “posição acomodada”, deixou de realizar “no governo o que pregava na
oposição” e sofrendo severas críticas “pelo seu imobilismo e mesmo conservantismo”. Através
de “seu discurso radicalmente reformista em termos políticos”, os liberais haviam barrado “as
pretensões dos conservadores”, bem como impediram que, “na década de setenta, se
estruturasse na Província um partido republicano em consonância” com o Manifesto de 1870239.
Porém, com esta nova postura, o Partido Liberal, ocupando a posição governista nos governos
central e provincial, deixava uma lacuna em relação a uma força oposicionista, reivindicante e
progressista, que acabaria sendo preenchida pela incipiente agremiação republicana.
O movimento republicano rio-grandense foi promovido a partir da atuação de
jovens acadêmicos recém-formados em Direito, na Província de São Paulo, onde foram

237
HOLANDA. p. 186, 191-2 e 242. Segundo o autor, Saraiva defendera a “prova de renda” e fora contra
o voto universal por considerar que este “importaria no predomínio das classes baixas e miseráveis sobre
outras, que, dispondo de haveres e ilustrações, pareciam mais naturalmente interessadas na manutenção
da ordem, na preservação da tranqüilidade pública e no bom funcionamento das instituições”.
238
HOLANDA. p. 333 e 339-42.
239
PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. A política rio-grandense no Império. In: DACANAL, José
Hildebrando & GONZAGA, Sergius (orgs.). RS: economia & política. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1979. p. 114. e PICCOLO, 1991. p.62.
fortemente influenciados pelos ideais contrários à Monarquia. O crescimento deste movimento
deu-se em função de um sistemático trabalho de organização interna e assumindo a feição
oposicionista aos governistas liberais. A expansão do pensamento republicano pela Província
foi promovida a partir da fundação de diversos clubes240 que, durante a década de oitenta,
espalharam-se pelo interior do Rio Grande do Sul. Em 1882, o Clube Republicano de Porto
Alegre organizou a primeira convenção regional, onde foi projetado o jornal do movimento - A
Federação, que passou a circular em 1884. Nesta fase os republicanos rio-grandenses ainda
tinham um programa moderado, utilizando proposições contemporizadoras, de modo a atrair
novos adeptos. O 1o Congresso partidário ocorreu em 1883, quando começava a ascensão de
Júlio de Castilhos como liderança republicana241.
Em maio de 1884 deu-se o 2o Congresso partidário, quando foram estabelecidas
as “bases para o programa dos candidatos republicanos”. Um dos pontos básicos, nelas
expresso, foi a fidelidade partidária, pela qual “todo o procedimento político dos candidatos
deveria subordinar-se à aspiração suprema do Partido Republicano Rio-Grandense” (PRR). Os
republicanos gaúchos defenderam o princípio federativo, considerando que a federação era a
“condição única da unidade nacional, aliada à liberdade”. Não se consideravam, naquele
momento, um partido revolucionário, porém apontaram como aspiração dominante “a
eliminação da Monarquia como regime incapaz de conduzir o povo brasileiro à felicidade e à
grandeza”. Outros princípios do programa eram: descentralização provincial; extinção do Poder
Moderador e do Conselho de Estado; temporariedade do Senado; alargamento do voto;
liberdade de associação e de cultos; casamento civil obrigatório e indissolúvel; registro civil dos
nascimentos e óbitos; liberdade de comércio e indústria; liberdade de ensino como base
intelectual para o cumprimento do dever social. Quanto à questão servil, os republicanos rio-
grandenses propunham que cada província tomasse sua decisão independentemente, porém, no
caso gaúcho, defendia a abolição “imediata e pronta”. Completavam as “bases” algumas
questões econômicas como a defesa da imigração espontânea, em detrimento da oficial; e a
postulação de uma “severa economia”, com “supressão de todas as despesas de caráter
improdutivo”, além de rigoroso controle fiscal242.

240
Sobre a expansão dos clubes e núcleos republicanos ver: RAMOS, Eloisa Capovilla da Luz. Clubes e
núcleos republicanos: uma faceta da propaganda da República no Rio Grande do Sul. In: Anais da XII
Reunião Anual da SBPH. Curitiba: SBPH, 1993. p. 177-80.
241
O movimento republicano rio-grandense apresentou diversas peculiaridades em relação a outras
regiões do país, uma vez que surgiu desvinculado do Partido Liberal; “foi um movimento tardio”,
tomando-se por base a evolução do republicanismo em outras províncias como no caso do Manifesto de
1870; “os fundadores do partido tinham características comuns muito distintas das elites políticas da
época - eram jovens, com instrução superior e sem experiência partidária anterior”; além disso, “não
dividiam com os demais partidos republicanos e monárquicos a doutrina liberal como base de sua luta,
mas se declaravam positivistas”. PINTO, Céli Regina J. Positivismo: um projeto político alternativo (RS:
1889-1930). Porto Alegre: L&PM, 1986. p. 9-10.
242
FRANCO, Sérgio da Costa. Júlio de Castilhos e sua época. 2.ed. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1988.
p. 29-32. Estas “bases” serviriam para a elaboração do programa definitivo do PRR que se fundamentou
em quatro idéias principais: a fraternidade universal, a unidade do país, embasada no princípio do
Manifesto de 1870: “Centralização - Desmembramento; Descentralização - Unidade”, a garantia da
ordem social e a liberdade espiritual. Para alcançar seus objetivos, propunham um governo “republicano e
não monárquico; federativo e não unitário; presidencial e não parlamentar; temporal e não espiritual”.
Completavam o programa algumas “teses financeiras e econômicas” prevendo medidas de
desenvolvimento da agricultura, da indústria e dos meios de transporte, equilíbrio orçamentário,
estabilização da moeda, protecionismo à indústria, imigração espontânea e repressão ao contrabando; e as
“teses sociais” que previam, entre outras propostas, a educação e a instrução popular, proteção aos
menores, mulheres, velhos e indígenas e garantia de “condições materiais estáveis” à “existência
A questão servil continuava a constituir-se em grave dificuldade a ser
enfrentada pelos governantes, levando a sérios desacertos entre os próprios liberais. Após grave
crise ministerial, tendo em vista aprovar um projeto que dava a liberdade aos escravos de mais
de sessenta anos, nova inversão partidária ocorreria, com os conservadores ascendendo ao
poder. A Lei dos Sexagenários, projetada pelos liberais e promulgada já sob o gabinete
conservador, em 1885, era mais uma medida paliativa que visava postergar ainda por algum
tempo a abolição total da escravidão. Mantinha-se, assim, o princípio da abolição gradual tendo
em vista os grandes interesses que estavam em jogo envolvendo a mão-de-obra escrava,
consistindo-se a nova legislação numa “tentativa desesperada daqueles que se apegavam à
escravidão para deter a marcha do processo”. Porém, já “era tarde demais”, pois cada vez mais
crescia a pressão por uma solução definitiva para a questão escravocrata243.
Com a derrubada dos liberais do governo, em 1885, mais uma vez era
dissolvida a Câmara, sendo eleita uma ampla maioria de conservadores, e novamente o Partido
Conservador encontrava-se na contingência de promover uma reforma de cunho liberal,
relacionada com a questão dos escravos. Porém, o fim da escravidão não tinha o consenso de
nenhuma das duas agremiações o que tornava ainda mais complexo o processo da abolição. A
emancipação era, no entanto, um caminho sem volta e, após novas marchas e contramarchas
parlamentares, crises ministeriais e sob representativa pressão da opinião pública interna e
externa, a Lei Áurea, em maio de 1888, poria termo à escravidão no Brasil244. Quebrava-se mais
um dos pilares de sustentação da Monarquia, criando e aprofundando diversos focos de
insatisfação no interior das organizações partidárias imperiais, ficando, pois, com os dias de
existência contados a forma monárquica de governo.
No contexto partidário gaúcho, entre 1885 e 1889, o Partido Liberal continuava
dominando a Assembléia Provincial e movendo oposição aos presidentes conservadores. Os
republicanos, por sua vez, buscavam avançar como força partidária organizada, em termos
numéricos, porém, ainda eram pouco expressivos, tendo chegado a eleger um deputado, em
1885. A liderança de Júlio de Castilhos no PRR tornava-se mais representativa e os
pronunciamentos do partido, anteriormente mais tendentes à moderação, buscando novas
adesões, tornavam-se cada vez mais incisivos e de natureza exclusivista. Através da imprensa,
os adeptos da República moviam acirrada campanha contra a forma de governo vigente,
aproveitando-se de todos os pretextos para atacar a já cambaleante Monarquia, como durante a
“Questão Militar”, na qual A Federação serviu para divulgar a palavra dos militares implicados,
e nos casos da “Moção Plebiscitária de São Borja” e do “Manifesto da Reserva”, quando,
mormente neste último, já vislumbram-se as características que iriam marcar o pensamento e as
práticas castilhistas, marcadas pela “repulsa às soluções conciliatórias; procura do poder a
qualquer preço, elitismo e, em suma, o radicalismo”245. Os conservadores rio-grandenses, por

normalizada” dos trabalhadores, de modo a permitir-lhes a “instalação do lar e cultura moral, doméstica e
cívica”, harmonizando-se “os interesses do capital com o trabalho”, garantindo-se, assim, o progresso
através da ordem. OSÓRIO, Joaquim Luís. Partidos políticos no Rio Grande do Sul (Período
Republicano). Porto Alegre: Globo, 1930. p. 39-50.
243
COSTA, Emilia Viotti da. A abolição. 4.ed. São Paulo: Global, 1988. p. 70.
244
Ver BEILGUEMAN p. 216-9. e COSTA, E.V. 1988. p. 90-2.
245
RODRIGUEZ Ricardo Vélez. A propaganda republicana. In: Curso de introdução ao pensamento
político brasileiro. Brasília: Ed. da UnB, 1982. p. 127. O episódio da Moção de São Borja tratou-se de
uma proposta de plebiscito a respeito da conveniência do possível futuro Terceiro Reinado, entabulada na
Câmara desta cidade do interior gaúcho e que seria punida pelo Governo Central. Já o Manifesto da
Reserva, constituiu-se num pronunciamento realizado por Júlio de Castilhos e outros companheiros
republicanos, no qual prometiam “organizar a oposição em qualquer terreno ao futuro reinado”,
sua vez, encontravam-se envolvidos em graves cisões que praticamente anulavam a atuação
política de seu partido; esta situação tornou-se ainda mais grave após a abolição, quando
significativo contigente do Partido Conservador, como os Silva Tavares de Bagé, abandonaram
sua agremiação e engrossaram as fileiras republicanas.
Envolvido em escândalo financeiro e com sérias dificuldades a serem resolvidas
acerca da indenização aos ex-proprietários de escravos, o ministério conservador caiu em junho
de 1889, cabendo aos liberais montarem o derradeiro dos gabinetes imperiais. O indicado para
chefiar o novo ministério foi o Visconde de Ouro Preto, cuja difícil missão era resolver a
profunda crise que ameaçava as instituições monárquicas. No intuito de “apaziguar a agitação
nas forças militares”, foram chamados “militares para as pastas militares” e tendo em vista
“conter a propaganda republicana” o novo gabinete buscou preparar “um programa audacioso,
que inutilizasse a república”; porém, “não tão audacioso que satisfizesse as alas mais avançadas
do seu próprio partido” que pretendiam “a federação das províncias”. Ouro Preto “não queria
chegar a tanto”, pretendia, isto sim, “uma espécie de meia federação”, onde “os presidentes e
vice-presidentes continuariam a ser nomeados como antes, apenas sua escolha agora seria feita a
partir de listas organizadas pelo voto dos cidadãos arrolados”, além do que continuaria sendo
“permitida a intervenção do poder central nas províncias, sempre que parecesse perigar a
salvaguarda dos interesses nacionais”246. No Rio Grande do Sul, a nova situação liberal levaria
Gaspar da Silveira Martins à Presidência e, pela última vez, o Partido Liberal conseguiria
ocupar tanto o Executivo quanto o Legislativo provinciais.
Os desacertos e cisões no seio dos partidos imperiais, o recrudescer da ação dos
republicanos e a manifesta e crescente insatisfação dos militares levaram a um clima de
profunda tensão que, associado à crise política, redundaria na queda da Monarquia, cujos
alicerces vinham sofrendo profundas fissuras, ao longo das três últimas décadas, preparando-se
o caminho para a mudança institucional de 15 de Novembro de 1889247. A partir da instalação
da República diversas correntes políticas, defendendo modos de agir e pensar diferentes e até
divergentes entre si, passaram a atuar cada qual buscando defender seus princípios quanto a
maneira pela qual seria institucionalizada a nova forma de governo. Esta época de transições foi
então marcada por uma “grande movimentação de idéias, em geral importadas da Europa”, mas
“na maioria das vezes, eram idéias mal absorvidas ou absorvidas de modo parcial e seletivo,
resultando em grande confusão ideológica”248. Assim, liberais, positivistas, jacobinos, entre
outros, disputaram entre si a primazia de moldar de acordo com seus ideais a incipiente

empregando para isto, “os meios que escolherem”, garantindo que não seriam detidos “diante de
dificuldade alguma, a não ser o sacrifício inútil dos cidadãos”, mas juravam que, “excluída esta hipótese”,
só haveriam “de parar diante da vitória ou da morte”. Sobre estes dois eventos, ver: ALVES, Francisco
das Neves. A transição Monarquia - República no Rio Grande do Sul: um enfoque político. In: ALVES,
Francisco das Neves & TORRES, Luiz Henrique (orgs.). Temas de História do Rio Grande do Sul. Rio
Grande: Ed. da FURG, 1994. p. 120-2.
246
HOLANDA. p. 354-5.
247
A crise e derrocada da forma monárquica não foi promovida apenas por razões de natureza política,
sendo estas acompanhadas por uma série de transformações na conjuntura sócio-econômica nacional.
Sobre estas estruturas econômicas e sociais à época da transição Monarquia - República, observar:
CARONE, Edgard. A República Velha: instituições e classes sociais. 5.ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1988. p. 25-247.
248
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. 3.ed.
São Paulo: Cia. das Letras, 1997. p. 42.
República, além do que, militarismo e civilismo; federalismo e unitarismo; centralização e
descentralização; ditadura/autoritarismo e democracia foram temas debatidos à extenuação,
durante os primeiros anos do processo de implementação da forma republicana de governo249.
A partir da Proclamação da República, as especificidades político-partidárias
sul-rio-grandenses tornaram-se ainda mais acentuadas, uma vez que, ao contrário do restante do
país, que contou com uma republicanização relativamente mais tranqüila, o Rio Grande do Sul,
no período de implantação da nova forma de governo, passou por uma de suas fases de maior
agitação partidária da qual adviria séria crise política e revolucionária250. No cenário político
gaúcho, ao final do Império, o Partido Liberal constituía-se numa entidade bem arregimentada e
forte, enquanto os republicanos, recém-alçados ao poder, ainda representavam uma agremiação
pouco significativa em termos eleitorais. Tendo em vista destruir a máquina eleitoral dos
liberais e consolidarem-se como os novos detentores do poder, os republicanos castilhistas
nortearam sua atuação com base em práticas exclusivistas, de modo a alijar todos os possíveis
adversários.
Do exclusivismo castilhista não escaparam os antigos liberais, nem os
conservadores, alguns dos quais se haviam tornado republicanos de última hora, e nem mesmo
alguns dos republicanos históricos, formando-se, desde cedo, uma dissidência do PRR, já que
Júlio de Castilhos não pretendia deixar espaço para que nenhuma outra personalidade pudesse
vir a ofuscar a sua figura política. Estas exclusões levariam à formação de uma ferrenha
oposição ao castilhismo, representada por aqueles diversos grupos alijados do processo político.
As derrubadas típicas das inversões partidárias do Império, continuaram a se fazer presentes
nos novos tempos republicanos, com incontáveis demissões por motivos políticos. Assim, além
de constituir-se num conflito de natureza partidária, a disputa entre castilhistas e oposicionistas
derivava-se ainda da luta pelo controle do aparelho do Estado, bem como pelas diretrizes da
política econômica a ser adotada, beneficiando este ou aquele setor, esta ou aquela região,
traduzindo-se também num confronto por interesses regionais no âmbito estadual251.

249
A respeito das principais vertentes que marcaram a vida política brasileira nos primórdios da
República, ver: CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no
Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1990. p. 24-7. e PAIM, Antônio. Liberalismo, autoritarismo e
conservadorismo na República Velha. In: BARRETO, Vicente & PAIM, Antônio (orgs.). Evolução do
pensamento político brasileiro. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1989. p. 203-5.
250
Mais uma vez o Rio Grande do Sul constituía-se num fator de instabilidade no contexto político
brasileiro. Como à época da formação do Estado Nacional, agitada pelas rebeliões provinciais, dentre elas
a Farroupilha, a mais grave delas; agora, com a instauração da República e uma nova fase de reordenação
institucional, o Rio Grande do Sul novamente representaria um foco de agitação e crise, tendo em vista a
fermentação, preparação e eclosão da Revolução Federalista. Sobre o Estado Rio-Grandense como
elemento de instabilidade na conjuntura brasileira, observar: LOVE, Joseph L. O Rio Grande do Sul
como fator de instabilidade na República Velha. In: FAUSTO, Bóris (dir.). História geral da civilização
brasileira. 2.ed. São Paulo: DIFEL, 1977. v. 8. p. 99-122. e LOVE, Joseph L. Reflections on the
Revolution of 1893. In: ALVES, Francisco das Neves & TORRES, Luiz Henrique (orgs.). Pensar a
Revolução Federalista. Rio Grande: Ed. da FURG, 1993. p.15-8.
251
Sobre as disputas pelo controle do aparelho do Estado, observar: FRANCO, Sérgio da Costa. O
sentido histórico da Revolução de 1893. In: Fundamentos da cultura rio-grandense. Porto Alegre:
Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul, 1962. p. 198-9. e FRANCO, Sérgio da
Costa. Panorama geral da Revolução Federalista. In: ALVES, Francisco das Neves & TORRES, Luiz
Henrique (orgs.). Pensar a Revolução Federalista. Rio Grande: Ed. da FURG, 1993. p. 13. Já a respeito
dos interesses econômicos e regionais em jogo à época da formação da República, versam os seguintes
trabalhos: BARETTA, Silvio Rogério Duncan. Political violence and regime change: a study of the 1893
civil war in Southern Brazil. Pittsburgh: University of Pittsburgh, 1985. p. 49-176.; FONSECA, Pedro
Cezar Dutra. RS: economia e conflitos políticos na República Velha. Porto Alegre: Mercado Aberto,
Neste quadro, formava-se um conflito que passaria do debate pela imprensa e pelo
parlamento, às disputas eleitorais e ao meio extremo do enfrentamento bélico, gerando-se um
confronto intra-oligárquico que marcaria toda a vida política sul-rio-grandense, ao tempo da
República Velha252. Ainda nos instantes iniciais da República - quando sob a ditadura do
Governo Provisório do Marechal Deodoro da Fonseca, preparava-se o país para a formação de
uma Constituinte responsável pela reordenação institucional, adaptando-o à nova forma de
governo -, a instabilidade política já se fazia sentir no Rio Grande do Sul, levando a que o
Governo do Estado mudasse constantemente de mãos. O primeiro governante rio-grandense,
neste período, foi o Visconde de Pelotas, antigo líder liberal, os castilhistas, por sua vez, iriam
ocupar os principais cargos do primeiro escalão governamental. Logo surgiram os desacertos
entre o Governador, que tentava levar à frente uma política de conciliação, e seus assessores
diretos, defensores que eram das práticas exclusivistas, e o governo do Visconde, que se iniciara
com a Proclamação, não passou de fevereiro de 1890.
O ex-chefe liberal foi substituído pelo General Júlio Falcão Frota, com o qual
cresceu a hegemonia castilhista. Este general governou entre fevereiro e maio de 1890,
afastando-se por desentendimentos com o governo central a respeito da instalação de
instituições bancárias no Estado. Interinamente, assumiu o governo Francisco da Silva Tavares,
antigo militante do Partido Conservador, cuja família havia ingressado “à última hora” nas
hostes republicanas, e, portanto, não confiável aos olhos dos castilhistas. O novo governante
viria a promover o expurgo dos adeptos do castilhismo, que reagiram e, aproveitando-se das
festividades do 13 de Maio e das confusões originadas do conflito entre manifestantes e a
polícia, promoveram um golpe para derrubar Silva Tavares que, sem o apoio da chefia militar,
acaba afastando-se do governo, o qual só durara de 6 a 13 de maio de 1890. Provisoriamente,
entre 13 e 24 de maio, o General Carlos Machado Bittencourt, Comandante das Armas no Rio
Grande do Sul, assumia o Governo do Estado, até que o Governador nomeado por Deodoro, o
General Cândido José da Costa ocupasse aquele cargo, onde permaneceu até março de 1891.
Ainda em junho de 1890, o novo regulamento eleitoral promulgado pelo
Governo Provisório visava assegurar a vitória do situacionismo, impedindo, assim, que setores
oligárquicos ligados aos antigos partidos imperiais tivessem qualquer chance de vitória. Isto
realmente viria a ocorrer nas eleições de setembro de 1890, nas quais foram escolhidos os
membros da Assembléia Constituinte, instalada em novembro do mesmo ano. O Governo do
Marechal Deodoro enfrentava uma crescente crise que se intensificou a partir de janeiro de
1891, quando foi desmanchado o primeiro ministério republicano e composto um novo sob a
liderança do Barão de Lucena, antigo político conservador, da confiança do chefe do Governo
Provisório. Em fevereiro de 1891, foi promulgada a primeira Constituição Republicana e, em
seguida, a mesma Assembléia elegeu Deodoro da Fonseca como presidente constitucional.
No Rio Grande do Sul, a derrubada de Silva Tavares agravara ainda mais os
conflitos entre os castilhistas e os seus opositores, levando a que estas oposições buscassem uma
certa aglutinação e organização. Surgiu, neste contexto, em junho de 1890, a União Nacional,

1983.; e FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Revolução Federalista: uma interpretação. In: ALVES,
Francisco das Neves & TORRES, Luiz Henrique (orgs.). Pensar a Revolução Federalista. Rio Grande:
Ed. da FURG, 1993. p. 23-5.
252
Segundo Hélgio Trindade, os conflitos que marcaram a gênese da República no Estado foram
intrínsecos às oligarquias gaúchas, referindo-se a uma disputa entre “os conservadores-autoritários versus
os conservadores-liberais”. TRINDADE, Hélgio. Aspectos políticos do sistema partidário republicano
sul-rio-grandense (1882-1937). In: DACANAL, José Hildebrando & GONZAGA, Sergius (orgs.). RS:
economia e política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979. p. 119-20.
frente partidária que reunia membros dos extintos partidos imperiais, desgostosos com a
situação reinante. O programa desta frente previa: a liberdade religiosa, através de “um regime
de tolerância para todas as crenças, único que convinha a uma nação civilizada”; a liberdade
civil, de modo a garantir “aos cidadãos brasileiros o livre exercício de seus direitos políticos”; a
liberdade política, permitindo “ao eleitorado a livre escolha de seus representantes ao
Congresso Nacional” o que só seria possível com a revogação do regulamento eleitoral vigente;
“a restauração do regime representativo parlamentar, restringindo tanto quanto possível a ação
do Poder Executivo, de maneira a limitar a influência pessoal do Chefe do Estado”; e a
descentralização política e administrativa, para que fosse possível realizar a “república
federativa”, a qual seria “a aspiração do povo brasileiro”. A União Nacional apresentou-se não
como uma agremiação “que viesse disputar a outro partido a preeminência na opinião pública
ou na posse do oficialismo” e sim como “um conjunto de partidos, podendo formar nessa
aliança os cidadãos desagregados dos partidos existentes”253. Congregando liberais e
conservadores, a União Nacional foi a primeira articulação política a reunir, de forma mais
organizada, as forças anticastilhistas.
Os castilhistas, por sua vez, predominavam cada vez mais junto do Governo do
Estado, contando com o prestígio do Marechal Deodoro que entre apoiar a União Nacional - que
tinha a ascendência dos liberais de Silveira Martins, inimigo pessoal do presidente - ou os
republicanos seguidores do castilhismo, optou por estes. Júlio de Castilhos foi nomeado Vice-
Governador do Estado, aumentando a sua já existente influência junto ao General Cândido
Costa. O líder do PRR passou a ser ainda mais prestigiado por Deodoro da Fonseca quando
apoiou publicamente a candidatura deste à Presidência da República. Este ato, no entanto,
custou a formação de uma dissidência ao partido castilhista, representada notadamente pelas
figuras de Barros Cassal, que rompeu imediatamente com Castilhos, recusando-se a compor a
chapa republicana, de Demétrio Ribeiro e de Antão de Faria que, após eleitos representantes na
Constituinte, também ingressariam no grupo dos dissidentes republicanos.
Nas eleições à Assembléia Constituinte, a União Nacional optou pela não
participação no pleito, propondo a abstenção de seus eleitores neste sufrágio. Com isto, a chapa
do PRR foi eleita na íntegra, sob as denúncias de corrupção e fraudes eleitorais de parte dos
oposicionistas. Os castilhistas continuavam seu trabalho de desmantelar a máquina político-
eleitoral dos liberais e de montar uma própria que lhes garantisse a continuidade no poder, pois,
em nome da “consolidação do novo regime”, Castilhos considerava que só os seus seguidores
teriam condições de assegurar a “salvação” da nova forma de governo, não reservando, assim,
para esse intento, qualquer papel à oposição, uma vez que “na sua visão era inconcebível que os
liberais pudessem ocupar posições durante a fase de organização republicana”254. De acordo
com este objetivo, os castilhistas promoviam dissoluções de Câmaras Municipais, com a
formação de juntas governativas nomeadas, com gente da sua confiança, pelo Executivo

253
OSÓRIO. p. 61-2 e 67. A União Nacional visava, assim, defender seus membros das tendências
exclusivistas do castilhismo, como explicou um de seus participantes, citado por Gustavo Moritz: “A
União Nacional não é o que, cientificamente, se chama um partido político. É o agrupamento de todos os
cidadãos amigos da Pátria, que, tendo acolhido com dedicação a República, são vítimas do exclusivismo
dos republicanos históricos, das violências e ultrajes que eles lhes inflingem. (...) Não é uma coalizão
organizada para a agressão, mas para a defesa. O país é de todos, todos lhe dão o contigente do esforço
pessoal e de sacrifícios, e, sendo assim, todos têm iguais direitos a intervir na sua administração”.
MORITZ, Gustavo. Acontecimentos políticos do Rio Grande do Sul 89 - 90 - 91. Porto Alegre: Tipografia
Thurmann, 1939. p.143-4.
254
BARETTA. p. 60.
Estadual; mudanças de comandos na Guarda Nacional; e substituições de funcionários públicos
não fiéis ao castilhismo.
Diante disto, intensificava-se a tensão política e, em março de 1891, os
republicanos castilhistas chegavam diretamente ao governo, com Fernado Abbott que, nomeado
Vice-Governador, permaneceria como governante em exercício até julho deste ano. Durante
este governo foram adotadas diversas medidas coercitivas às liberdades individuais, sob o
argumento da necessidade de conter a crise política. Mesmo assim, a pressão exercida pela
oposição continuou a se fazer sentir, pois “em todas as ex-Províncias já se tinham realizado as
eleições para deputados às Assembléias Constituintes, enquanto que, no Rio Grande do Sul, não
se falava nisso”, de modo que a opinião pública já estava cansada “de reclamar daquela
anomalia, quando o Governo do Estado resolveu marcar o dia 5 de maio de 1891 para se realizar
o pleito à representação estadual”255.
Desta vez a oposição optou por disputar as eleições estaduais, apresentando seus
candidatos. Mas, em abril de 1891, os membros da União Nacional reuniam-se com os
dissidentes republicanos, formando o Partido Republicano Federal, com o lançamento de uma
nova chapa com os representantes do recém-criado partido. O Partido Republicano Federal
propunha-se a “rever e reformar a Constituição da República, expurgando-a de todas as
disposições contrárias ao sistema republicano federal” e a “dar ao Estado do Rio Grande do Sul
uma organização constitucional autônoma, de pleno acordo com os princípios fundamentais
daquele sistema político”. Sob a ascendência dos dissidentes, o programa do novo partido
apresentava os seguintes princípios: “completa liberdade espiritual, sem intervenção do
temporal”; implementação prática da liberdade de cultos e da secularização dos cemitérios;
“abolição dos privilégios acadêmicos”; ampla liberdade de reunião; “plena garantia da
liberdade de expressão verbal ou por escrito”; atribuições legislativas à autoridade presidencial e
“Câmara Orçamentária” responsável pela fiscalização da renda pública; “plena liberdade
industrial”; “liberdade de testar”; supressão de todos os privilégios na ação do poder público; e
“autonomia do ‘poder local’”. Os membros da agremiação, definiam seus ideais “em uma
palavra: ‘Ordem e Progresso’”; e sob a divisa: “Revisionistas na União, autonomistas no
Estado”256.
Apesar da participação oposicionista, o resultado das eleições conferiu integral
vitória aos candidatos do PRR, diante do que mais uma vez levantaram-se as acusações de
fraude eleitoral. Júlio de Castilhos, tendo retornado de suas funções na Constituinte Federal,
assume o controle da elaboração constitucional no Estado. Em junho de 1891, era promulgada a
Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, obra de praticamente um único autor, Castilhos.
Segundo os preceitos constitucionais, elaborados nos moldes positivistas, ficava garantido ao
Presidente do Estado o domínio absoluto sobre as decisões político-administrativas,
concentrando-se em suas mãos as atividades legislativas e até mesmo algumas de ordem
judiciária, ficando a Assembléia dos Representantes restrita apenas às questões orçamentárias.
O Governador, que tinha um mandato de cinco anos, possuía a atribuição de escolher seu Vice e
poderia ser reeleito consecutivamente, por quantas vezes pretendesse, desde que atingisse três
quartos da votação total257. Esta Constituição constituiu-se num dos mais importantes elementos

255
MORITZ. p. 192.
256
OSÓRIO. p. 75-6 e 81-2.
257
Sobre a Constituição Rio-Grandense, ver: RODRIGUEZ, Ricardo Vélez. Castilhismo: uma filosofia
da República. Porto Alegre: EST - São Lourenço de Brindes; Caxias do Sul: UCS, 1980. p. 110-4.;
que garantiria a perpetuação dos castilhistas no poder e, por esta razão, passou a ser um dos
principais alvos das críticas dos opositores ao castilhismo.
Júlio de Castilhos, a 15 de julho de 1891, foi eleito Presidente do Estado, pela
Assembléia. Inconformados com aquele processo eleitoral, por considerarem que o mesmo não
contava com o referendo da legitimidade popular, os oposicionistas passaram a fomentar um
movimento, objetivando a derrubada dos castilhistas do poder. A oportunidade para materializar
este intento viria com os acontecimentos de novembro de 1891, quando Deodoro da Fonseca,
após diversos desacertos com o Congresso, determinou a sua dissolução. Esta atitude do
Presidente da República despertou ferrenhas críticas e significativas reações em diversos pontos
do país258. No Rio Grande do Sul, diante do Golpe de Deodoro, Castilhos manifestou-se de
forma dúbia, limitando-se a garantir a ordem pública, e várias localidades sublevaram-se, de
modo que “era cada vez mais melindrosa a situação política” do Estado. As diversas “prisões,
feitas diariamente, pelas autoridades policiais, longe de atemorizarem o povo, agitavam-no
ainda mais, tornando o ambiente carregadíssimo” e, “de momento a momento chegavam
notícias de novos levantes e de deposições das autoridades constituídas”259. O Governador do
Estado, não contando com o apoio integral dos militares, mormente os do interior, ainda tentou
tardiamente pronunciar-se contra o golpe presidencial, a 11 de novembro, porém, já era tarde,
vindo ele a ser deposto no dia seguinte, anunciando que deixava o governo à anarquia.
A “Revolução de 8 de Novembro”, como então ficou conhecida, atingira um de
seus objetivos, ao derrubar Castilhos, e, a 23 de novembro, chegaria a seu outro intento com a
renúncia de Deodoro da Fonseca, assumindo o Vice-Presidente Floriano Peixoto. A atitude de
Júlio de Castilhos provocou novas dissidências no PRR, dentre elas a de Assis Brasil. E foram
os dissidentes republicanos que exerceram papel decisivo no interregno de afastamento dos
castilhistas do poder, entre novembro e junho de 1891, período que estes, pejorativamente,
denominaram de “Governicho”. Desde a deposição de Castilhos, o governo foi exercido por
uma junta formada por Assis Brasil, Barros Cassal, Manoel Luís Osório e pelo General
Domingos Barreto Leite, até o dia 17 de novembro, quando a administração passou a ser
exercida somente por este último. Era o início da ascendência dos dissidentes no Governo do
Estado, tendo em vista a influência de Barros Cassal sobre Barreto Leite, sendo inclusive
nomeado Vice-Governador, chegando a ocupar interinamente o cargo de governante máximo do
Estado.
O governo da dissidência republicana iria caracterizar-se por uma série de
contradições advindas das próprias idiossincrasias daquele delicado momento político da vida
rio-grandense. Logo de início, os dissidentes buscaram afastar a influência dos liberais do
governo, virando às costas aos companheiros de oposição e de rebelião da véspera, e cujas
lideranças ainda eram fundamentais para qualquer mobilização eleitoral. Na busca de legitimar-
se no poder, o governo marcou eleições para a formação de uma “Convenção Rio-Grandense”,
porém, tendo em vista o constante clima de tensão e crise política, este pleito foi por diversas

LOVE, Joseph L. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1975. p. 48-9.; e PINTO, 1986. p. 36-
40.
258
A crise política que assolava o Governo de Deodoro agravara-se de modo crescente desde a formação
do Ministério Lucena. As críticas direcionavam-se às atitudes autoritárias dos governantes e a corrupção
financeira que estaria dominando a administração pública. Já o marechal-presidente considerava sua
autoridade questionada pela ação oposicionista dos congressistas, levando-o a promover o Golpe de
Estado de 3/11/1891. A respeito desta medida governamental e das reações por ela originadas, observar:
CARONE, Edgard. A República Velha: evolução política. 4.ed. São Paulo: DIFEL, 1983. p. 56-68.
259
MORITZ. p. 251 e 259.
vezes adiado, aumentando a insatisfação para com os governantes. As derrubadas dos adeptos
do castilhismo dos cargos públicos e uma tentativa de sedição dos castilhistas, em fevereiro de
1892, tornariam ainda mais instável a conjuntura política rio-grandense, descambando as ações
para uma violência desmedida. Neste quadro, os detentores do poder adotaram uma série de
medidas de repressão, inclusive com relação à imprensa. Os líderes do Governicho chegaram a
dotar o Estado de uma “Constituição Provisória”, bastante parecida com a castilhista,
justificando esta atitude pela impossibilidade de convocar as eleições à “Convenção”.
O retorno de Gaspar da Silveira Martins do exílio, em fevereiro de 1892,
promoveria nova reviravolta no quadro político-partidário rio-grandense-do-sul. Com a volta de
seu líder, os liberais afastaram-se mais decisivamente da aliança com a dissidência republicana,
revelando-se o quanto era tênue o acordo entre os parlamentaristas liberais e os dissidentes
presidencialistas. Reunindo-se no Congresso de Bagé, em março de 1892, representantes dos
antigos partidos imperiais, sob o predomínio dos gasparistas, lançaram as bases de uma nova
agremiação, o Partido Federalista, cujas propostas eram diametralmente opostas àquelas
implantadas no Rio Grande do Sul de acordo com o modelo castilhista260. A fundação do
Partido Federalista revigorou a oposição liberal, porém, representou um significativo fator para
o colapso do Governicho. Em progressivo declínio, tendo em vista suas próprias incoerências, o
governo da dissidência republicana teve a sua crise ainda mais agravada ao enfrentar as críticas
e o combate não só dos castilhistas, como também dos federalistas. Pressionados de ambos os
lados e frente ao iminente desastre, em junho de 1892, os dissidentes passaram o governo ao
Visconde de Pelotas que ainda tomaria diversas medidas no intento de salvar a situação.
No entanto, a 17 de junho de 1892, dava-se o levante dos castilhistas, operação
planejada e organizada que atingiria seus objetivos com eficiência. No mesmo dia, Júlio de
Castilhos foi recolocado no Governo do Estado, passando o cargo em seguida para o deputado
Vitorino Monteiro que deveria organizar novas eleições. João Nunes da Silva Tavares, a quem o
Visconde de Pelotas passara o governo, ainda tentou reagir, mantendo um governo paralelo na
cidade de Bagé. Esta resistência, porém, não durou além de 4 de julho, quando, diante da
intervenção do Exército Nacional, Silva Tavares dispersou suas forças. A eficácia do
contragolpe dos seguidores do castilhismo deveu-se em grande parte ao apoio do Governo
Federal. Entre apoiar os castilhistas, adeptos do presidencialismo ou os federalistas, defensores
do parlamentarismo, Floriano Peixoto decidiu-se pelos primeiros, atitude que iria manter
durante todo o período de convulsão no Rio Grande do Sul e que seria decisiva para os destinos
da mesma.
Após o retorno dos castilhistas, a revolução tornara-se um processo irreversível.
Alijadas de qualquer possibilidade de sucesso eleitoral as oposições acabariam por escolher o
caminho das armas e diversos federalistas emigrados preparavam o movimento de invasão do
Estado. A crise se tornou ainda mais grave com uma nova leva de derrubadas e perseguições e
com a onda de violências, que passou a predominar ao longo do território rio-grandense.
Fernando Abbott, nomeado Vice-Governador, exerceu o governo entre setembro de 1892 e
janeiro do ano seguinte, dedicando-se a reforçar o aparelho policial-militar do castilhismo. O

260
As bases programáticas do Partido Federalista eram: “substituição da Constituição comtista do Estado
por uma constituição republicana representativa, modelada segundo os princípios do governo
parlamentar; eleição do presidente por quatro anos, não podendo ser reeleito para o período seguinte;
eleição da Câmara pelo período de quatro anos, por distritos eleitorais (...); iniciativa do governo e da
Câmara na apresentação das leis, com exceção das que competirem exclusivamente a esta; autonomia
municipal; poder judiciário de Estado (...); e liberdade de imprensa”. OSÓRIO. p. 106.
abismo entre governistas e oposicionistas cada vez mais deixava de limitar-se à natureza
político-partidária e ideológica, passando a envolver questões de ódios e vinganças. Surgia,
assim, neste confronto, “uma dicotomia maniqueísta: os bons, os puros e honestos pertenciam a
um partido”, enquanto que, “os adversários eram bandidos, corruptos e imorais”261. Neste clima
de tensão, as eleições estaduais foram marcadas para novembro de 1892, a oposição mais uma
vez optou pela abstenção, mas não deixou de novamente denunciar as fraudes na realização do
pleito, cujo resultado levaria Júlio de Castilhos a reassumir o Governo do Estado a 25 de janeiro
de 1893.
Os prenúncios da rebelião se tornariam atos concretos em fevereiro de 1893,
com a invasão do território rio-grandense pelos rebeldes, deflagrando-se a Revolução
Federalista que iria durar até agosto de 1895. O confronto militar representou o ápice da
bipolarização político-partidária que dominara o cenário gaúcho desde a Proclamação da
República. A visão e os projetos políticos de cada um dos grupos em conflito eram
incompatíveis entre si, além disto, “as propostas do PRR e dos federalistas eram verdadeiros
programas de sobrevivência política e organizavam-se de forma tal, que a vitória de um era
virtualmente o desaparecimento de outra força no cenário da política gaúcha”262, vindo esta
disputa a redundar na luta armada. A guerra movida
contra os castilhistas tornaria-se também um combate ao Marechal Floriano que sustentava a
situação gaúcha, de modo que as atividades bélicas ultrapassaram as fronteiras sul-rio-
grandenses, chegando às terras catarinenses e paranaenses263.
A Revolução Federalista viria a articular-se com outro movimento de
contestação aos governantes que agitou a incipiente República Brasileira, a Revolta da Armada.
Inicialmente, em julho de 1893, ocorreu uma malograda tentativa de invasão do Rio Grande por
meio da ação conjunta dos rebeldes federalistas com a expedição do Almirante revoltoso
Eduardo Wandenkolk. Posteriormente, em setembro de 1893, sob o comando do Almirante
Custódio José de Mello, a Revolta da Armada chegou a dominar a Baía da Guanabara, no Rio
de Janeiro, exigindo o afastamento do Marechal Floriano Peixoto da Presidência da República.
Mediante uma intervenção das embarcações de diversas nacionalidades estrangeiras ali
aportadas, os rebeldes acabaram ficando imobilizados, sem poder atacar a cidade do Rio, o que
deu tempo aos governistas de prepararem a reação, decretando o Estado de Sítio e recompondo

261
FLORES, Moacyr. 1893: mudanças político-sociais. In: FLORES, Moacyr (org.). 1893-95: a
Revolução dos Maragatos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1993. p. 17.
262
PINTO, Céli Regina J. Os100 anos da Revolução Federalista, centenário de um discurso? In:
POSSAMAI, Zita (org.). Revolução Federalista de 1893. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Cultura,
1993. p. 60. Segundo Ieda Gutfreind, o apelo às armas foi um último recurso utilizado pelos federalistas,
de acordo com o direito à revolução que os assistia. A autora afirma: “os liberais, ideologicamente
defensores da revolução, em caso extremo, tinham atingido (...) o limite máximo de seu ostracismo
político. O recurso à saída revolucionária era um direito e um dever (...). Segundo eles, pela saída
revolucionária sairiam da posição de out-laws ou párias, como se autodenominavam, reingressando como
cidadãos na sociedade rio-grandense. O recurso às armas foi o supremo esforço para solver o impasse
criado pelo PRR, barrando o retorno dos liberais ao poder”. GUTFREIND, Ieda. A Revolução
Federalista: o apelo à revolução e projetos políticos. In: RAMBO, Arthur Blásio & FÉLIX, Loiva Otero
(orgs.). A Revolução Federalista e os teuto-brasileiros. São Leopoldo: Ed. da UNISINOS; Porto Alegre:
Ed. da UFGRS, 1995. p. 145.
263
Sobre os eventos militares ocorridos durante o desenvolvimento da Revolução Federalista, ver:
FLORES, Moacyr & FLORES, Hilda. Rio Grande do Sul: aspectos da Revolução de 1893. Porto Alegre:
Martins Livreiro, 1993. p. 41-114. e FRANCO, Sérgio da Costa. A Guerra Civil de 1893. Porto Alegre:
Ed. da UFRGS, 1993. p. 43-89.
a força militar legalista. Sem maiores chances de vitória, parte da esquadra revoltosa saiu do Rio
de Janeiro em direção ao sul, para aliar-se aos revolucionários gaúchos.264.
Em dezembro de 1893, o Almirante Saldanha da Gama aderia à Revolta da
Armada, passando a liderá-la, no Rio de Janeiro. Esta adesão foi acompanhada de um manifesto
no qual o almirante propunha um plebiscito a respeito da forma de governo brasileira. Esta
manifestação conturbou ainda mais os princípios revolucionários e dela aproveitaram-se os
legalistas para imputar aos rebeldes o labéu de sebastianistas restauradores. A atitude de
Saldanha da Gama, além de criar certo mal-estar entre os próprios revoltosos, prejudicou a visão
a respeito da Revolução, uma vez que aquele manifesto despertou “um novo movimento de
adesões à causa da legalidade, sucedendo-se as manifestações de solidariedade à República e ao
governo” Deste modo, Floriano Peixoto chegou “a ser considerado a própria personificação da
República, objeto de um intenso entusiasmo nacional”265, diante do suposto caráter monarquista
dos promotores da rebelião. Com a proximidade da esquadra legalista, o Almirante Saldanha da
Gama, em fevereiro de 1894, teve de abandonar a Baía da Guanabara, exilando-se, junto de
seus comandados, em embarcações portuguesas surtas no Rio. Numa parada dos barcos na
região platina, parte dos rebeldes ali dispersou-se, já os demais seguiram para a Europa.
O ponto de confluência da Revolução Federalista com a Revolta da Armada,
juntamente com elementos rebeldes catarinenses e paranaenses deu-se na cidade de Desterro,
onde chegou a formar-se um Governo Provisório Revolucionário, o qual deveria ser a
representação da aliança entre as diversas forças rebeladas contra os mandatários da
República266. Os laços entre estas frentes rebeldes eram, no entanto, extremamente frágeis, e a
heterogeneidade de princípios e atitudes se tornaria um dos fatores principais do insucesso final
dos movimentos revolucionários. Neste quadro, “as lideranças revolucionárias” refletiam “a
profusão de ideologias que caracterizaram o início da República no Brasil”, não havendo uma
maior “identidade ideológica” entre elas, pois, “se misturavam pensamentos republicanos
federalistas e centralistas, monárquicos, positivistas, militares e civilistas, enfim, tão pouco
prováveis de se misturarem” que “pouca ou nenhuma possibilidade de sucesso poderiam ter, do
ponto de vista político-estratégico”. Deste modo, essa falta de identidade refletia-se nas
atividades militares, uma vez que “os objetivos gaúchos, que se restringiam, no começo, ao
território do Rio Grande do Sul, visavam tão-somente à queda de Júlio de Castilhos”, de modo

264
A respeito da Revolta da Armada, observar: MENDONÇA, Lauro Furtado de. O levante de
Wandendolk e as ações navais decorrentes. Revista Marítima Brasileira. v.110. n.4/6. Rio de Janeiro:
abr.-jun. 1990. p.81-9.; FREIRE, Felisbelo. História da Revolta de 6 de Setembro de 1893. Brasília: Ed.
da UnB, 1982.; VILLALBA, Epaminondas. A Revolta da Armada. Rio de Janeiro: Laemmert e Cia.,
1894.; e ALBUQUERQUE, Antônio Luiz P. O pensamento político dos líderes da Revolta da Armada.
Revista Marítima Brasileira. v.109. n.4/6. Rio de Janeiro: abr.-jun. 1989. p.89-101.
265
CASTRO, Sertório de. A República que a Revolução destruiu. Brasília: Ed. da UnB, 1983. p. 76.
266
Sobre os alcances e limites neste ponto de confluência, observar: CORRÊA, Carlos Humberto. As
relações entre o federalismo gaúcho e catarinense., MEIRINHO, Jali. O Partido Federalista no Governo
de Santa Catarina., e ASSIS, Ângela Fonseca. Vinculação da Revolta da Armada com a Revolução
Federalista: o único êxito. In: Anais da XII Reunião da SBPH. Curitiba: SBPH, 1993. p. 181-2, 187-91 e
201-3.; CORRÊA, Carlos Humberto. O Governo Revolucionário de Desterro-1893., MEIRINHO, Jali. O
Golpe Federalista em Santa Catarina. In: WESTPHALEN, Cecília Maria (org.). Revolução Federalista.
Curitiba: SBPH, 1997. p. 13-7 e 43-8; CORRÊA, Carlos Humberto. O Governo Provisório da República
dos Estados Unidos do Brasil em Santa Catarina. In: Anais do Seminário Fontes para a História da
Revolução de 1893. Bagé: URCAMP, 1990.p.14-22.; e CORRÊA, Carlos Humberto. O Governo
Provisório Revolucionário de Desterro, Santa Catarina (1893-4). In: ALVES, Francisco das Neves &
TORRES, Luiz Henrique (orgs.). Pensar a Revolução Federalista. Rio Grande: Ed. da FURG, 1993.
p.33-9.
que “foi contra a vontade de Gumercindo Saraiva que suas tropas invadiram o Paraná, em
direção a São Paulo, dilatando a área geográfica da atuação revolucionária gaúcha”; enquanto
que “a Armada, por sua vez, pretendia a queda do governo de Floriano Peixoto a partir da Baía
da Guanabara, estendendo sua atuação no máximo até São Paulo”, de forma que “o avanço para
o sul foi contingencial”267.
Assim, havia uma falta de uniformidade programática entre os movimentos
rebeldes, de maneira que “a revolução prosseguiria com o lastro de três programas dificilmente
conciliáveis”: o “dos federalistas gaúchos, contrário à Constituição de Fevereiro, em nome da
adaptação da República aos processos liberais e parlamentares”; o “de Custódio, visando a
salvaguarda da mesma Constituição, que dizia violada por Floriano”; e o de “Saldanha, com o
seu plebiscito, verdadeira brecha no regime”; além destes, “o governicho de Santa Catarina
adotou como divisa - ‘Tudo pela Constituição’-, precisamente pela Constituição presidencialista
contra a qual se batiam os revolucionários do Rio Grande”; de modo que, “ponto de contato, só
um: o desejo de derrubar Floriano”268. Estas diferenças entre cada uma das rebeliões eram
também acompanhadas pelas próprias discrepâncias ideológicas existentes no interior das forças
anticastilhistas rio-grandenses, onde uniram-se antigos conservadores, os liberais gasparistas e
os positivistas da dissidência republicana em torno do objetivo comum de derrubar o
castilhismo. A fragilidade destas uniões foi em grande parte a responsável pela vitória dos
governistas, pois, enquanto os quadros rebeldes eram caracterizados pela heterogeneidade, as
forças legalistas, em seu cerne, apresentavam significativa coesão e homogeneidade269.
Após uma série de vitórias iniciais e um representativo avanço territorial, o
movimento federalista passaria por um refluxo. A forte reação castilhista/florianista somada aos
problemas no seio das forças revolucionárias fizeram com que estas recuassem de diversos
pontos anteriormente conquistados. A virada de 1893 para 1894 representou um momento
decisivo para os rumos da revolução. Em dezembro de 1893, a capitulação de Saldanha da
Gama significou a perda de um considerável contingente de rebeldes. Já em abril de 1894,
Custódio de Mello, depois de uma série de desacertos com os rebeldes em Santa Catarina, levou
seus comandados junto a um grande número de federalistas para o sul, com o objetivo de tomar
a cidade do Rio Grande. Fracassando em seu intento, o Almirante Mello acabaria com suas
forças dispersas pela região platina. Logo em seguida, no mesmo mês, os rebeldes instalados na
cidade de Desterro foram subjugados pela esquadra legalista. Também em abril, iniciou-se a
marcha de retorno de Gumercindo Saraiva em direção ao Rio Grande do Sul, atividade na qual
teve de dividir suas forças. O caudilho gaúcho ainda enfrentaria as tropas governistas em
diversos combates, até a sua morte, em agosto de 1894. Todas estas derrotas representaram
praticamente a ruína dos rebeldes, embora a luta ainda tenha se estendido até junho de 1895,
quando as tropas organizadas nos países do Prata, por Saldanha da Gama, foram vencidas e seu

267
CORRÊA, 1997. p. 16.; CORRÊA, 1993. p. 39; e CORRÊA, Carlos Humberto. Militares e civis num
governo sem rumo: o Governo Provisório Revolucionário de Desterro (1893-1894). Florianópolis: Ed. da
UFSC, Ed. Lunardelli, 1990. p. 151.
268
COSTA, Sérgio Corrêa da. A diplomacia do Marechal: intervenção estrangeira na Revolta da
Armada. 2.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Brasília: Ed. da UnB, 1979. p. 98.
269
De acordo com Sérgio da Costa Franco, “a ideologia dos insurgentes se assinalava por invencível
heterogeneidade” e, “em contrapartida, o que se observa entre os legalistas é uma unidade extraordinária”,
uma vez que “a influência de Júlio de Castilhos se alastrara do meio civil para o militar e, somada à
ascendência moral do Marechal Floriano, instilava nos chefes das colunas republicanas uma
inquebrantável mística de fidelidade às instituições”, pois, diante das acusações do monarquismo dos
rebeldes, ficava para os governistas “a missão histórica que se lhes confiara, de salvar a República e
vencer os restauradores”. FRANCO, 1962. p. 210.
líder morto, consistindo este episódio no epílogo dos enfrentamentos militares da Revolução
Federalista270.
A pacificação do Rio Grande do Sul foi um dos principais objetivos do primeiro
presidente civil, Prudente de Moraes, desde o início de seu mandato, em novembro de 1894.
Para o Presidente da República, a paz no sul significava um importante passo em direção à
extinção da crise política, buscando, a partir daí, também eliminar a agitação jacobina e os
débeis resquícios restauradores271. Os passos decisivos em direção à pacificação foram dados
com a vinda do General Inocêncio Galvão de Queiróz, enviado pelo Governo Federal como
Comandante Militar no Estado, não tendo, porém, funções exclusivamente militares, mas
também políticas, ficando com a responsabilidade de conduzir as negociações com as forças
rebeladas. As diligências com as lideranças federalistas, representadas pelo General João Nunes
da Silva Tavares, começaram em maio de 1895, com a troca de correspondências entre os dois
militares272. O encontro destes generais deu-se em julho de 1895, quando o líder revolucionário
declarou as condições para o armistício, que seriam efetivas garantias e direitos constitucionais
para os rebeldes; garantia de que se realizaria a “reconstituição” do Rio Grande do Sul, de
acordo com a Constituição Federal; e salvaguarda de requerer indenizações por prejuízos de
guerra nas propriedades dos revoltosos. Apreciadas estas exigências pelas autoridades
governamentais, a primeira foi aceita quanto à defesa dos direitos constitucionais dos rebeldes,
porém, no caso da anistia aos crimes políticos, foi considerada uma atribuição do Congresso
Nacional; a segunda foi apontada como inaceitável; e, quanto à última, foi garantido que ambas
as partes teriam direito a indenizações.
Neste quadro, a paz foi efetivada na cidade de Pelotas em agosto de 1895. No
entanto, ficava em aberto uma decisiva questão, ou seja os rebeldes insistiam na
“reconstituição” do Estado, intento no qual chegaram a contar com alguma simpatia do General
Galvão de Queiróz, o que levou a desentedimentos entre este militar e Júlio de Castilhos. O
Governador do Estado seria acusado de estar emperrando o processo de pacificação, pois estaria
interessado na continuação do conflito para a eliminação total dos federalistas. Além disto,
Castilhos não aceitava qualquer alteração na Constituição Rio-Grandense, baluarte que garantia
a perpetuação dos governistas no poder e, na queda de braço, venceria o Governador, sendo o
general substituído nas suas atribuições no Rio Grande do Sul. Diante disto, “o Governo Federal
não só desautorizou o militar pacificador como confirmou, com veemência, a sua intenção em

270
Em relação à malograda tentativa de invasão da cidade do Rio Grande, ver: ALVES, Francisco das
Neves. Dois federalistas descrevem a tentativa de invasão do Rio Grande (abril de 1894). In: ALVES,
Francisco das Neves & TORRES, Luiz Henrique (orgs.). A cidade do Rio Grande: estudos históricos. Rio
Grande: URG, SMEC, 1995. p. 171-80. Já a respeito da derrota dos rebeldes em Desterro, observar:
CORRÊA, 1990. p. 141-8.; MEIRINHO, Jali. A República em Santa Catarina. Florianópolis: Ed. da
UFSC, Ed. Lunardelli, 1982. p. 61-5.; e MEIRINHO, Jali. A reação ao Golpe Federalista em Santa
Catarina. In: ALVES, Francisco das Neves & TORRES, Luiz Henrique (orgs.). Pensar a Revolução
Federalista. Rio Grande: Ed. da FURG, 1993. p.41-51. Sobre a campanha de retorno ao Rio Grande do
Sul e a morte de Gumercindo Saraiva, ver: FERREIRA FILHO, Arthur. Revoluções e caudilhos. 3.ed.
Porto Alegre: Martins Livreiro, 1986. p. 25-9. O último ato militar dos revolucionários, representado pela
empresa de Saldanha da Gama, em 1895, pode ser observado em: COSTA, S. C. da. p. 114-9.
271
A respeito do jacobinismo e da ação dos monarquistas, nos primórdios da República Brasileira,
observar, respectivamente: QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Os radicais da República - jacobinos:
ideologia e ação (1893-1897). São Paulo: Brasiliense,1986. e JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. Os
subversivos da República. São Paulo: Brasiliense, 1986.
272
Uma série de documentos a respeito do processo de pacificação sul-rio-grandense pode ser observada
em : VILLALBA, Epaminondas. A Revolução Federalista no Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro:
Laemmert & Cia., 1897. p. 259-70.
não intervir na vida constitucional e política” rio-grandense. Mais uma vez a força federal, que
já havia auxiliado militarmente, contribuiu politicamente, de forma decisiva, para garantir Júlio
de Castilhos no Governo do Estado. Deste modo, “a paz não significou o fim das cisões, e
inclusive, ao contrário, serviu para acirrá-las, pois os rebeldes, embora recebendo a anistia do
Congresso, continuaram alijados do processo eleitoral”, além disso, “a manutenção dos
pressupostos constitucionais rio-grandenses inalterados serviu para garantir a continuidade do
bloco castilhista e, posteriormente, borgista no poder”, o que perduraria por mais de três
décadas273.
Assim, o final da Revolução Rio-Grandense de 1893 não significou o
encerramento das disputas políticas no Rio Grande do Sul, persistindo a bipolarização partidária
e os confrontos discursivos, eleitorais e até militares dela advindos, que continuariam a se fazer
presentes. Desta maneira, ainda que firmada a paz e depostas as armas, “os espíritos
continuaram em pé de guerra, com a família rio-grandense profundamente dividida entre
maragatos e pica-paus”274, de modo que, as seqüelas deste conflito se prolongariam até a década
de trinta do século XX. Neste contexto, a Revolução Federalista perfez “a preceito o axioma
braudeliano da rebeldia curta no cronológico, mas de longa duração no estrutural”, uma vez que
se ligou à de 1923, “e, “levando de braços dados os remanescentes e descendentes de maragatos
e republicanos, consagrou os seus princípios reitores no movimento nacional de 1930”275. Na
conjuntura política nacional, a República se consolidaria e se estruturaria de acordo com um
modelo oligárquico - mormente a partir da administração de Campos Sales, sucessor de
Prudente de Moraes - com a ascendência das oligarquias paulista e mineira. O Rio Grande do
Sul, entretanto, não deixou de exercer um significativo papel na evolução político-partidária
brasileira ao longo das primeiras décadas republicanas, participando ativamente de diversos dos
eventos que demarcaram o processo de alternância de fases de estabilidade/instabilidade no
cenário político da República Velha.

273
ALVES, Francisco das Neves. Pacificação, pacificações (1845 e 1895). Revista Biblos. v.8. Rio
Grande: Ed. da FURG, 1996. p. 95-108. A paz de 1895 não foi orientada por princípios conciliadores,
significando muito mais a vitória do grupo governista. De acordo com Sandra Pesavento, que denomina o
processo de pacificação da Federalista de “pax positivista”, esta foi “fundamentalmente uma ‘paz de
cemitério’, com uma significativa dose de mortos, exilados, vencidos e a economia pecuária
desorganizada”. PESAVENTO, Sandra Jatahy. A Revolução Federalista. São Paulo: Brasiliense, 1983. p.
96.
274
REVERBEL, Carlos. Maragatos e pica-paus: guerra civil e degola no Rio Grande do Sul. 2.ed. Porto
Alegre: L&PM, 1985. p. 90.
275
MOREIRA, Earle Diniz Macarthy. 1893: uma reflexão sobre a Revolução. In: ALVES, Francisco das
Neves & TORRES, Luiz Henrique (orgs.). Pensar a Revolução Federalista. Rio Grande: Ed. da FURG,
1993. p. 22.
4. A IMPRENSA RIO-GRANDINA: UM BREVE HISTÓRICO

A cidade do Rio Grande teve suas origens ligadas ao projeto expansionista


português na região platina, com a fundação, em 1737, do Presídio Jesus-Maria-José. Esta
povoação, pioneira da ocupação portuguesa nas terras sul-rio-grandenses, viria a ser
fundamental à ocupação desse território, nas disputas luso-hispânicas, ao longo dos séculos
XVIII e XIX, até a legitimação definitiva da posse da Coroa Portuguesa. Elevada à Vila em
1747, condição só consolidada em 1751, devido aos trabalhos de demarcação do Tratado de
Madri, a localidade foi o primeiro núcleo administrativo do Rio Grande do Sul. Esta condição
foi sustentada até 1763 quando, por ocasião da invasão espanhola, deu-se um profundo
retrocesso econômico, urbanístico e populacional. A reconquista lusitana só viria a dar-se em
1776 e, mesmo não recobrando suas antigas funções administrativas, o Rio Grande passou por
um processo de recuperação que traria uma fase de desenvolvimento durante o século seguinte.
Rio Grande foi elevada à categoria de cidade em 1835 e, por ocasião da
Revolução Farroupilha, chegou a ser a sede do governo provincial legalista, em oposição ao
governo revolucionário que tomara conta de Porto Alegre, permanecendo a localidade portuária
como importante ponto estratégico das forças legalistas até o final da guerra civil. Durante o
século XIX, a cidade do Rio Grande continuou com significativa importância político-
administrativa no contexto sul-rio-grandense, constituindo-se num núcleo eleitoral que abrangia
ampla região provincial. Em 1860, quando o Rio Grande do Sul foi dividido em dois distritos
eleitorais, enquanto Porto Alegre sediava o primeiro, Rio Grande era a sede do segundo. Esta
divisão provincial foi alterada, em 1881, para seis distritos eleitorais e, como Porto Alegre, Cruz
Alta, Alegrete, Pelotas e Rio Pardo, a cidade do Rio Grande passava a ser a “cabeça” de um dos
distritos, o quinto, que compreendia diversas localidades da zona centro-sul da Província. Esta
importância viria a declinar já no final do século XIX, com a República, quando, em 1893, com
a divisão do Estado em cinco distritos eleitorais, o município do Rio Grande passava a integrar
o quarto distrito, cuja sede ficava em Pelotas276.
Esta mudança quanto à posição ocupada no conjunto das cidades da zona sul
gaúcha consistia-se num prenúncio de um processo que viria a desenvolver-se paulatinamente,
pelo qual a cidade do Rio Grande deixaria de ocupar o espaço político-econômico que deteve
durante o século XIX, e que se agravaria ao longo da centúria seguinte. Com relação às
autoridades públicas, no Rio Grande, durante o Período Imperial, ocorriam também as
sistemáticas trocas de administradores à medida em que mudava a situação política reinante. À
época da agitada transição Monarquia - República, em termos de autoridades governamentais, a
cidade permaneceu relativamente tranqüila, uma vez que o contingente de guarnições militares
nela presente conseguiu garantir, inclusive durante a Revolução Federalista, o seu controle por
parte dos legalistas, apesar das tentativas de invasão promovidas por Wandenkolk e,
posteriormente, por Custódio de Melo unido aos rebeldes federalistas. Esta “tranqüilidade” não
representou, no entanto, o conformismo absoluto à situação governista, e a imprensa iria

276
Decreto N. 2631 de 1o de Setembro de 1860. In: COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL
DE 1860. Tomo XXIII. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1860. p. 376.; Decreto N. 8116 de
21 de Maio de 1881. In: COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1881. Tomo XLIV.
Parte II. Vol. I. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1882. p. 506-8.; e Decreto N.153 de 3 de Agosto
de 1893. In: COLEÇÃO DAS LEIS DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1893.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894. p. 32.
traduzir a presença da insatisfação e do debate quanto às modalidades empregadas na
instauração da nova forma de governo.
O progresso rio-grandino ao longo do século XIX deveu-se à sua estratégica
posição de escoadouro à produção derivada da atividade pecuária que se desenvolvia de modo
crescente no Rio Grande do Sul. O Porto do Rio Grande exercia então o papel de “principal
porta da Província”277, onde realizava-se importante comércio de importação de produtos
europeus, notadamente ingleses, além de negócios com a região platina e “o comércio interior,
de além das fronteiras, o mais lucrativo de que São Pedro gozava” e que se “achava em franco
progresso”. A proximidade com o oceano garantia “uma preeminência permanente”, pois na
cidade portuária todos os navios tinham “que entregar seus papéis, sendo que a maior parte
deles raramente seguia adiante”, além do que, nela residiam ou tinham agentes os “principais
negociantes”, de modo que ela poderia “ser considerada como o maior mercado do Brasil
Meridional”278. Desta maneira, a maior parte da produção pecuário-charqueadora rio-grandense,
com destaque para os couros de boi, o charque, os chifres, a graxa, a carne em barris, o sebo e o
tutano em bexigas279, foi comercializada através do Rio Grande. Este desenvolvimento
econômico teve de enfrentar uma série de obstáculos, mormente os ligados ao sistema de
transporte, tornando-se as melhorias de acesso através da Barra e a ampliação das linhas férreas,
bem como a busca por mecanismos que defendessem o comércio lícito, coibindo o
contrabando280, algumas das mais importantes reivindicações da comunidade rio-grandina de
então.
O avanço econômico trouxe consigo um crescimento da área urbana da cidade e
a busca de um aprimoramento desse sítio urbano, no objetivo de vencer as “dificuldades
naturais” impostas pelo ambiente, resultando numa completa transformação do espaço original
ocupado pela localidade. Neste sentido, as autoridades municipais tiveram a constante
preocupação de “embelezar” e “aformosear” o município, de modo a dar-lhe um “agradável
aspecto” e uma “forma elegante, proveitosa e saudável”. Para isso, foram adotadas uma série de
medidas visando melhorar e ampliar o calçamento das ruas; construir ou reformar diversos
prédios públicos como o Mercado, o Matadouro, a Cadeia Municipal, o Cemitério e a Igreja
Matriz; recuperar e aumentar as vias de transporte; e desenvolver a prestação de serviços
públicos, como iluminação, limpeza, esgotos e distribuição de água281. Estes melhoramentos que

277
ISABELLE, Arsène. Viagem ao Rio Grande do Sul (1833-1834). Porto Alegre: Martins Livreiro,
1983. p. 77.
278
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. Belo Horizonte:
Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1975. p. 116-7 e 122.
279
Conforme: SEIDLER, Carl. Dez anos no Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, EDUSP, 1980.
p. 101.; e CHAVES, Antônio José Gonçalves. Memórias ecônomo-políticas sobre a administração
pública do Brasil. Porto Alegre: ERUS, 1978. p. 116-8.
280
Sobre estas questões, observar respectivamente: NEVES, Hugo Alberto Pereira. Estudo do Porto e da
Barra do Rio Grande.; SENNA, Adriana Kivanski de. Ferrovia gaúcha: algumas considerações.; e
ALVES, Francisco das Neves. Contrabando X fiscalização na transição da Monarquia à República: o caso
da cidade do Rio Grande. In: ALVES, Francisco das Neves & TORRES, Luiz Henrique (orgs.). A cidade
do Rio Grande: estudos históricos. Rio Grande: SMEC, URG, 1995. p. 91-106, 147-53 e 154-66. Destes
problemas o mais sério foi o da Barra, como o traduzem as diversas narrações acerca da cidade no século
XIX, caso da obra: VEREKER, Henry Prendergast. British shipmaster’s hand book to Rio Grande do Sul.
Londres: Effingham Wilson, Royal Exchange, 1860.
281
Relatórios do Presidente, Atas e Relatórios da Câmara Municipal da Cidade do Rio Grande. 1845-
1889. Sobre o avanço urbano rio-grandino ver: COPSTEIN, Raphael. Evolução urbana de Rio Grande.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. n. 122. Porto Alegre: 1982. p. 43-68.; e
SALVATORI, Elena et alii. Crescimento horizontal da cidade do Rio Grande. Revista Brasileira de
Geografia. v. 51. n. 1. Rio de Janeiro: jan.-mar. 1989. p. 27-32.
caracterizaram a evolução urbana rio-grandina, além de servir para transformar as condições de
vida da população, prestavam-se também para apresentar a cidade como portadora dos bafejos
da civilização e como digna representante do papel de maior porto provincial.
Ao lado do desenvolvimento da economia e do crescimento urbano ocorreu
também um incremento de natureza demográfica no Rio Grande do século XIX. No início da
centúria, a população era da ordem de duas mil pessoas e, já nos anos trinta, o número de
habitantes havia duplicado. Na década de cinqüenta, a população era de aproximadamente treze
mil pessoas; e de quatorze mil na década seguinte. E, na virada do século XIX para o XX, havia
cerca de trinta mil habitantes na comunidade rio-grandina282. Em linhas gerais, a sociedade rio-
grandina era constituída, no seu ápice, por uma elite, representada por elementos ligados ao
comércio e às atividades pecuário-charqueadoras (proprietários dos grandes estabelecimentos),
ou ainda pelos militares de alta patente. As posições dentro desse estrato social algumas vezes
tornavam-se difusas e pouco definidas, tendo em vista que poderia ocorrer uma multiplicidade
de atividades dentre seus representantes. Já na base da estrutura social estavam os escravos,
empregados no trabalho urbano, nas atividades pastoris e na produção do charque.
Desenvolveu-se também um estrato social intermediário, o qual não apresentava uma
homogeneidade interna, representando setores profissionais diversos, ficando as possibilidades
de ascenso social cada vez mais restritas quanto mais primária fosse a atividade desempenhada.
Já ao final do século, iniciavam-se os primeiros passos em direção à industrialização,
acompanhados, conseqüentemente, pelo surgimento de um incipiente operariado.
A elite rio-grandina, à proporção do crescimento de seu poder econômico,
buscava sofisticar seus hábitos, importando usos, costumes e utensílios europeus. As viagens à
Europa eram motivo de orgulho, bem como o envio de filhos para estudar naquele continente,
ou pelo menos permitindo-lhes o aprendizado de alguma língua estrangeira. As práticas desse
segmento social, na busca de um verniz civilizador, contribuíram de forma direta ou indireta
com o aprimoramento de um arcabouço cultural na cidade. Já para uma parcela mais limitada de
representantes dos setores intermediários, de acordo com as condições financeiras, foi viável
também constituir-se em consumidora de cultura, lendo livros, jornais e revistas, freqüentando
teatro ou investindo no aprimoramento cultural-educacional dos filhos. Neste quadro,
funcionaram no Rio Grande vários teatros, livrarias e gabinetes de leitura, com destaque para a
Biblioteca Rio-Grandense, fundada em 1846, que viria a tornar-se uma das mais importantes
instituições culturais gaúchas na propagação da leitura. A educação foi praticada em diversas
escolas particulares, bem como houve uma razoável preocupação com o desenvolvimento da
instrução pública, apesar dos constantes problemas por ela enfrentados, como a falta de
professores, a carência de salas de aula e utensílios utilizados no ensino e a má remuneração dos
docentes283.

282
Índices populacionais estimados a partir de: LUCCOCK. p. 117.; ISABELLE. p. 79. HÖRMEYER,
Joseph. O Rio Grande do Sul de 1850. Porto Alegre: D.C. Luzzato, EDUNI-SUL, 1986. p. 37.; e D’EU,
Luís Felipe Maria Fernando Gastão d’Orleans, Conde. Viagem militar ao Rio Grande do Sul. Belo
Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1981. p. 24. Para a população da virada do século foi calculada
uma média entre os dados citados por: COPSTEIN. p. 31.; Relatório do Intendente Municipal de 1906.; e
FARIA, Octávio A. de. Dicionário Geográfico do Rio Grande do Sul. Pelotas: Typ. do “Diário Popular”,
1907. p. 104.
283
Sobre o ensino no Rio Grande, ver: ALVES, Francisco das Neves. Instrução pública na cidade do Rio
Grande: as reivindicações da Câmara Municipal (1845-1889). In: ALVES, Francisco das Neves &
TORRES, Luiz Henrique (orgs.). A cidade do Rio Grande: estudos históricos. Rio Grande: URG, SMEC,
1995. p. 59-71.
Assim, a cidade do Rio Grande, no seu constante esforço de atingir o tão
almejado padrão de comunidade portadora dos princípios da civilização e graças ao franco
progresso em que se manteve durante significativa parte do século XIX, chegou a ser
considerada como a vitória do homem sobre as dificuldades impostas pelo meio. Desta maneira,
ela foi apresentada “como uma criação excepcional da política e do comércio”, onde “o homem
pode mais que a natureza”, pois “aonde achou impotência e miséria ele fez nascer
prosperidade”, de modo que a cidade poderia “concorrer com as mais notáveis da América do
Sul”. Sobre ela chegou-se ainda a afirmar que seus “defeitos naturais” eram “remediáveis pela
arte”, podendo a mesma vir a tornar-se “um dos países mais cômodos e agradáveis do
mundo”284.
Este campo de significativo crescimento econômico, avanço urbano, expansão
populacional e relativo progresso cultural285 tornou-se fértil às práticas jornalísticas que
evoluíram consideravelmente junto à comunidade rio-grandina, durante o século XIX, e o
próprio desenvolvimento da imprensa também serviu à caraterização da cidade como um dos
mananciais de civilização na sociedade rio-grandense. Acompanhando o fato que a cidade do
Rio Grande desempenhou papel primordial no contexto sul-rio-grandense, a imprensa rio-
grandina foi uma das mais destacadas do Rio Grande do Sul e mesmo do Brasil, tanto pela
quantidade, quanto pela qualidade de seus periódicos. Assim, além de ter sido uma das
primeiras localidades gaúchas a possuir jornais, o Rio Grande teve algumas das mais perenes
folhas em termos provinciais/estaduais, as quais chegaram a circular por mais de seis décadas.
Neste sentido, o jornalismo praticado na cidade portuária acompanhou, passo a passo, de modo
muito próximo, a evolução do conjunto da imprensa brasileira do século XIX.
Os catálogos ou levantamentos estatísticos entabulados por João José Cezar,
João de Oliveira, Alfredo Ferreira Rodrigues e Walter Spalding286 permitem uma comparação,
mesmo que na forma de amostragem, do desenvolvimento da imprensa entre diferentes cidades
sul-rio-grandenses, durante o século XIX:

Levantamento dos jornais do século XIX destacados por J.J. Cezar, João de Oliveira,
Alfredo Ferreira Rodrigues e Walter Saplding, discriminados por ciade (em %)

CIDADE ** CEZAR OLIVEIRA RODRIGUES SPALDING


Alegrete 3.57 1,77 1,61 1,02
Bagé 3,57 3,37 1,61 2,65
Caçapava --- 0,32 0,54 0,41

284
Afirmações entabuladas respectivamente em: DREYS, Nicolau. Notícia descritiva da Província de
São Pedro do Sul. 4.ed. Porto Alegre: Nova Dimensão, EDIPUCRS, 1990. p. 77.; e CHAVES. p. 177.
285
Ainda sobre a formação histórica da cidade do Rio Grande, observar: QUEIRÓZ, Maria Luiza
Bertuline. A Vila do Rio Grande de São Pedro (1737-1822). Rio Grande: Ed. da FURG, 1987.; ALVES,
Francisco das Neves & TORRES, Luiz Henrique. Visões do Rio Grande: a cidade sob o prisma europeu
no século XIX. Rio Grande: URG, 1995.; e ALVES, Francisco das Neves & TORRES, Luiz Henrique. A
cidade do Rio Grande: uma abordagem histórico-historiográfica. Rio Grande: URG, 1997.
286
CEZAR, João José, Notas sobre a imprensa no Rio Grande do Sul. In: Anuário da Província para o
ano de 1885. Porto Alegre: Ed. Gunlach & Cia. Livreiro, 1884. p. 188-200.; OLIVEIRA, João de.
Estatística dos jornais que se têm publicado no Rio Grande do Sul. In: Almanaque Popular Brasileiro
para o ano de 1897. Pelotas: Echenique, Irmão & Cia.- Livraria Universal, 1896. p. 231-9.;
RODRIGUES, Alfredo Ferreira. Catálogo dos jornais publicados no Rio Grande do Sul (1827-1864). In:
Almanaque Popular Brasileiro para o ano de 1903. Pelotas: Echenique, Irmãos & Cia.- Livraria
Universal, 1902. p. 221-5.; e SPALDING, Walter. Exposição do centenário Farroupilha: a imprensa e o
livro no pavilhão cultural (1835-1935). Porto Alegre: Tipografia do Centro, 1995.
Cachoeira 1,79 2,09 --- 1,63
Canguçu --- 0,64 --- 0,61
Cruz Alta 3,57 2,41 --- 5,71
D. Pedrito 3,57 1,77 --- 1,22
Encruzilhada --- 0,16 --- 0,81
Itaqui 1,79 1,92 --- 1,84
Jaguarão 7,14 4,33 8,60 1,84
Livramento 5,36 4,33 --- 2,86
Passo Fundo --- 0,49 --- 1,02
Pelotas 10,71 12,52 13,44 8,78
Porto Alegre 21,43 32,58 40,32 45,10
Quarai 3,57 2,25 --- 0,41
RIO GRANDE 12,50 12,68 31,19 9,60
Rio Pardo --- 0,64 --- 1,41
Santa Cruz --- 0,32 --- 0,41
Santa Maria 3,57 2,25 --- 1,84
Santa Vitória 5,36 2,09 --- 1,02
São Borja 1,79 0,64 --- 0,41
São Gabriel 3,57 2,25 1,61 1,43
São Jerônimo --- 0,80 --- 0,20
São Leopoldo 3,57 1,28 --- 1,02
Uruguaiana 3,57 3,85 --- 2,87
Outras localidades --- 2,25 1,08 3,88
* As ocasionais discrepâncias mais acentuadas entre os dados dos quatro autores, derivam-se do fato de
que cada um deles trabalhou com limites cronológicos diferentes.
** A porcentagem referente a cada cidade foi calculada tendo por base o número total de jornais citados
pelos respectivos autores.

Deste modo, pode-se observar o significado da imprensa rio-grandina no século


XIX, tanto que, em âmbito regional, ela só foi superada pela porto-alegrense e seguida com
proximidade pela pelotense, ficando bem distanciada com relação a outras localidades gaúchas,
como demonstra o seguinte gráfico:

Gráfico 1: cidades com maiores médias em % a partir dos levantamentos


de Cezar, Oliveira, Rodrigues e Spalding

4 0

3 0

2 0

1 0

0
1 2* 3 4 5 6 7 8 9 1 0 1 1 1 2 1 3 1 4 1 5

1= Porto Alegre 2*= RIO GRANDE 3= Pelotas 4= Jaguarão 5= Santana do Livramento


6= Cruz Alta 7= Uruguaiana 8= Santa Vitória do Palmar 9= Bagé 10= Santa Maria
11= São Gabriel 12= D. Pedrito 13= Quarai 14= Alegrete 15= São Leopoldo
Assim, o Porto do Rio Grande não representou apenas “a porta de entrada” da
Província em termos do comércio de mercadorias, servindo também à circulação de
informações, idéias e opiniões, pois, durante significativo período, as notícias chegavam ao sul,
através dos jornais do Rio e da Europa, vindos de navio, por meio do Rio Grande6. Era ainda
comum a reprodução de notícias de periódicos do centro do país e estrangeiros, porém, a
recíproca também era verdadeira, uma vez que jornais porto-alegrenses e até da Corte
reproduziam informações (e opiniões) prestadas pelas folhas rio-grandinas7 . Além disto, havia
também um intercâmbio entre os jornalistas, pois muitos dos “escritores públicos” que atuaram
no Rio Grande, já haviam trabalhado ou viriam a atuar em atividades jornalísticas no centro do
país. Ao lado desta circulação de notícias, a imprensa rio-grandina atuou constantemente na
emissão e construção de uma prática discursiva, dando voz aos mais variados grupos, frentes ou
partidos políticos que atuaram no contexto regional e nacional, notadamente durante a formação
do Estado Nacional Brasileiro e a transição da Monarquia à República.
Neste quadro, a evolução da imprensa rio-grandina, no século XIX,
acompanhou o processo de desenvolvimento do jornalismo brasileiro e mormente do gaúcho,
tanto no aspecto cronológico quanto nas estruturas de organização e sustentação. Mesmo com
alguma defasagem com relação aos progressos das atividades jornalísticas na Capital
Imperial/Federal, o jornalismo na cidade do Rio Grande desenvolveu-se de modo coetâneo com
o da maior parte da conjuntura nacional e chegou a ser pioneiro, se relacionado com a
conjuntura regional287. Esta evolução do jornalismo no Rio Grande pode ser observada a partir
do Gráfico 2:

Gráfico 2: número de jornais a circular por ano na cidade do Rio Grande (1832-1912) *

14
12
10
8
6
4
2
0
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 9 9 9 9
3 3 4 4 4 5 5 6 6 6 7 7 8 8 8 9 9 0 0 0 1
2 6 0 4 8 2 6 0 4 8 2 6 0 4 8 2 6 0 4 8 2

6
VIANNA, Lourival. Imprensa gaúcha (1827-1852). Porto Alegre: Museu de Comunicação Social
Hipólito José da Costa, 1977. p. 37.
7
A este respeito, pode ser citado o jornal O Propagador da Industria Rio-Grandense, cujos escritos
foram reproduzidos por diversos periódicos da Corte. Conforme: BARRETO, Abeillard. Bibliografia sul-
rio-grandense (a contribuição portuguesa e estrangeira para o conhecimento e a integração do Rio
Grande do Sul). Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1973. v.1. p. 235-6.
287
Esta contemporaneidade do jornalismo rio-grandino pode ser exemplificada a partir da verificação da
existência de jornais de circulação diária. Segundo Werneck Sodré, o primeiro jornal diário da cidade de
São Paulo foi publicado em 1853, ao passo que, na cidade do Rio Grande, o Diario do Rio Grande surgiu
em 1848 e, de acordo com Abeillard Barreto, o Rio-Grandense passou a ser diário de 1850 em diante,
cabendo também à imprensa rio-grandina, na palavra de Lourival Vianna, a primazia de ter possuído os
pioneiros jornais diários de duração perene no Rio Grande do Sul. SODRÉ, Nelson Werneck. A história
da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. p. 204.; BARRETO, Abeillard.
Primórdios da imprensa no Rio Grande do Sul (1827-1850). Porto Alegre: Comissão Executiva do
Sesquicentenário da Revolução Farroupilha, 1986. p.136.; e VIANNA, L. p. 29.
* Dados computados a partir da quantidade de jornais encontrados ou referenciados bibliograficamente.

Desta maneira, a imprensa rio-grandina desenvolveu-se num processo no qual


podem ser identificadas três fases: a primeira, entre 1832 e 1845, foi marcada pelas origens das
atividades jornalísticas na cidade; a segunda, desde a metade da década de quarenta até o final
da de sessenta, caracterizou-se por um crescimento e diversificação dos periódicos, surgindo
então a maior parte dos diários rio-grandinos de extensa longevidade; e a terceira, nas três
últimas décadas do século XIX, quando deu-se um processo de amplo desenvolvimento e
apogeu do jornalismo rio-grandino, até os prenúncios da crise que culminaria com o declínio, na
virada daquela centúria para a seguinte288. Assim, no transcorrer destas fases, o jornalismo na
cidade do Rio Grande reproduziu o próprio desenvolvimento da imprensa brasileira e gaúcha,
constituindo-se num significativo referencial para o estudo da evolução das práticas jornalísticas
entabuladas no país, inserindo-se sincronicamente no contexto do jornalismo regional e nacional
ao longo do século XIX.

4.1. A evolução do jornalismo brasileiro no século XIX e uma inserção da imprensa


rio-grandina no contexto nacional e regional

Proibida à época colonial, a imprensa brasileira só viria a ter a sua gênese


durante o Período Joanino quando, liberando as práticas tipográficas na Colônia, coube ao
próprio governo metropolitano sediado no Brasil a iniciativa da criação da Imprensa Régia,
sendo aí editada a Gazeta do Rio de Janeiro, a partir de 10 de setembro de 1808. Ao lado dessa
atitude oficial, ocorreram outras de iniciativa privada, algumas das quais contrárias ao Governo
Colonial, como o Correio Brasiliense, considerado como o primeiro jornal brasileiro, embora
fosse publicado em Londres por Hipólito José da Costa, desde 1o de junho de 1808 e que
circulou clandestinamente no Brasil, difundindo um ideário liberal289. A partir de então, a
imprensa desenvolveu-se acompanhando e servindo à fermentação do debate acerca do
rompimento ou não dos laços coloniais290, de modo que os jornais “oscilavam entre o
oficialismo deslavado e o oposicionismo reformista, com maior ou menor contundência,
dependendo das oscilações da conjuntura política”291.
A agitação política característica do processo de emancipação política brasileiro
teve a imprensa como significativo veículo de difusão dos divergentes ideais de então,
publicando-se jornais, não só no Brasil, como na Inglaterra e em Portugal, cujos temas

288
Estas etapas, ao fazerem parte de um processo histórico, não foram estanques entre si, apresentando
um caráter de continuidade, sendo balizadas não só a partir da sua evolução quantitativa, mas
fundamentalmente, pela organização qualitativa dos jornais, assim como pela correlação com todo o
contexto histórico do seu desenvolvimento, ocorrendo uma identidade com as diversas fases da evolução
do jornalismo brasileiro e rio-grandense.
289
Werneck Sodré estabelece um paralelo entre estes dois jornais, afirmando que eles representavam
“tipos diversos de periodismo: a Gazeta era o embrião de jornal, com periodicidade curta, intenção
informativa mais do que doutrinária, formato peculiar aos órgãos impressos do tempo, poucas folhas,
preço baixo; o Correio era brochura de mais de cem páginas (...), mensal, doutrinário muito mais do que
informativo, preço muito mais alto”. O Correio “pretendia, declaradamente pesar na opinião pública (...),
ao passo que a Gazeta não tinha em alta conta essa finalidade”. SODRÉ. p. 26.
290
Segundo José Honório Rodrigues, neste momento, o jornalismo se orientava a partir da oposição entre
os “folhetos políticos brasileiros e antibrasileiros”. RODRIGUES, José Honório. Independência:
revolução e contra-revolução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. v.1. p. 156-67.
291
PRIOLLI, Gabriel. A imprensa e a República. Brasília: Ministério da Cultura, 1989. p. 7.
preferenciais eram as discussões a respeito das relações metrópole - colônia. Com a
independência e os conflitos políticos que a partir dela se desencadearam, ocorreu um “surto de
jornalismo no Brasil”, com um “extraordinário poder de expansão”. Consistiu-se esse num
período “forçosamente crítico e demolidor”, no qual passou “para o primeiro plano a literatura
efêmera, mas eficaz, do jornalismo político”292. Deste modo, “o ano da independência assinalou
o aparecimento de numerosos periódicos, na Corte e nas províncias, caracterizando a tensão
política vigente e assinalando tendências”. As atividades jornalísticas espraiaram-se então
através de diversas províncias como Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, pioneiras no
jornalismo brasileiro, além de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, sendo que, nestas
duas últimas a inauguração da imprensa deu-se igualmente no ano de 1827293.
Neste quadro, o jornalismo surgiu no Rio Grande do Sul quando o papel da
imprensa era significativo, “havendo jornais panfletários e radicais circulando em todo o país”,
diante do que “o governo respondia subvencionando algumas destas folhas ou mesmo
publicando os chamados jornais áulicos”. O Diario de Porto Alegre foi um destes, passando a
ser publicado em 1827, sob o patrocínio do Presidente Provincial Salvador José Maciel. Esta
folha “constituía no máximo um boletim oficial, que servia basicamente à publicidade
governamental e à publicação dos atos da administração”. Ficava, no entanto, “aberto o caminho
para o surgimento de novos periódicos, que não tardaram a se criar”, pois, “o curso da situação
política estava se agravando e logo havia várias tipografias funcionando” em diferentes
localidades gaúchas. Além disto, “as necessidades da vida econômica criavam condições para
essa expansão, na medida em que não só o comércio precisava de notícias sobre os mercados, o
câmbio e a legislação”, bem como “os editores pretendiam colocar à sua disposição um novo
meio de comunicação”. Entretanto, “a mola propulsora do desenvolvimento da imprensa foi o
processo político em curso, o estágio da vida econômica forneceu-lhe apenas a precondição”294.
A ação política da imprensa viria a ser uma das razões que levariam à abdicação
do primeiro Imperador Brasileiro, em 1831, fato que chegaria a ser denominado de “Revolução
de 7 de Abril” por parte de alguns dos escritores públicos de então295. A partir do Período
Regencial e das disputas políticas e agitação revolucionária características desta fase , o
jornalismo passou por novo impulso, constituindo-se este num “dos grandes momentos da
história da imprensa brasileira, quando desempenhou papel de extraordinário relevo e influiu
profundamente nos acontecimentos”. Nesta época, a imprensa se desenvolveu “em estreita
ligação com a atividade política”, aparecendo antes e crescendo “mais depressa nos centros em
que aquela atividade foi mais intensa”; e progredindo mais lentamente “nas províncias que se
mantiveram politicamente atrasadas”. Deste modo, “o desenvolvimento da imprensa não
ocorreu apenas na Corte e em função das lutas políticas nela travadas”, estendendo-se a todo o
país, particularmente nas províncias em que as lutas políticas alcançaram nível mais alto” e “o
setor mais importante da imprensa da época viria a ser, com as rebeliões, o que estava ligado,
292
AZEVEDO, Fernando. A cultura brasileira. 4.ed. São Paulo: Melhoramentos, 1964. p. 328.
293
SODRÉ. p. 74 e 100-1.
294
RÜDIGER, Francisco Ricardo. Tendências do jornalismo. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1993. p. 13-
4. A respeito do Diario de Porto Alegre e dos primeiros jornais gaúchos, observar: PORTO, Aurélio.
Fundação da imprensa rio-grandense. In: Terra Farroupilha. Porto Alegre: s/editora, 1937. p. 216-36.
295
Nesta linha, a abdicação de D. Pedro I representou para estes redatores “uma autêntica ‘re-volução’”,
e propiciou “uma relativa liberdade de imprensa, proliferando os periódicos, pasquins e revistas, que
refletiam as mais diversas opiniões ou atitudes políticas”. CONTIER, Arnaldo D. Imprensa e ideologia
em São Paulo (1822-1842). Petrópolis: Vozes; Campinas: UNICAMP, 1979. p. 13. Sobre o significado
do jornalismo para o “7 de Abril”, ver também: VIANNA, Hélio. Contribuição à história da imprensa
brasileira. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945.
nas províncias, aos movimentos que nelas surgiram”. Assim, guardando características regionais
peculiares, o jornalismo expandiu-se em diversas províncias, como Rio Grande do Sul, Pará,
Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Maranhão e Pernambuco296.
Este crescimento das atividades jornalísticas durante as Regências, no Rio
Grande do Sul, esteve ligado, de modo intrínseco, ao processo de fermentação, preparação e
eclosão da Revolução Farroupilha. Mesmo antes da guerra civil, os jornais “viviam um período
pré-revolucionário”, quando muitos “já tinham sua posição definida, de um ou de outro lado,
argumentando, combatendo, posicionando-se, enfim”297, de maneira que, a imprensa
“caracterizou-se como um eficiente instrumento aos interesses das correntes político-
partidárias”298. Neste contexto, “o conceito que guiava esses jornais era tão-somente político”,
uma vez que “os textos tinham forte cunho doutrinário, consistindo em matérias opinativas
sobre questões políticas, comentários ideológicos e polêmicas com os adversários de
publicidade”299. Prevalecia, assim, “um jornalismo de caráter partidário” e “de orientação
ideológica”, com o predomínio de um “sentido político, senão único, de qualquer forma o mais
nitidamente demarcado, no Brasil daquela época”300. As publicações periódicas serviam então
às duas causas em conflito, pois tanto farroupilhas quanto legalistas organizaram uma série de
periódicos através dos quais defendiam suas idéias e atacavam-se mutuamente, de forma que,
muitas vezes, “a criação de um determinado jornal se devia basicamente à necessidade de
resposta de um grupo em relação ao seu opositor, num processo de ação e reação que
multiplicou o número de folhas através da Província”301.
Esta motivação político-partidária foi fundamental para o desenvolvimento da
imprensa desta época de modo que foram produzidos jornais de razoável feitura gráfica para os
padrões de então, apesar das amplas dificuldades de natureza financeira, humana e tecnológica
enfrentadas pelos responsáveis pelas folhas. Os escritores públicos responsabilizavam-se por
praticamente todas as tarefas ligadas à elaboração dos periódicos, já que redigiam “a notícia,
selecionavam a transcrição, revisavam as provas, gerenciavam a tesouraria e a distribuição
da folha e, em alguns casos, faziam mesmo, as vezes do tipógrafo”, no intento de “manter
acesa a flama jornalística” que acompanhava as disputas políticas. Além disto, muitas vezes,
não havia “sequer uma remuneração mínima a seus serviços”, bem como atuavam “sem a
necessária renovação ou modernização do material tipográfico”302.
Foi neste contexto que ocorreu a gênese da imprensa na cidade do Rio Grande,
marcada pelo tenso clima político da formação do Estado Nacional Brasileiro e pelos confrontos
partidários e ideológicos dos quais resultaria a Revolução Farroupilha. Desenvolveu-se, então, a
primeira fase do jornalismo rio-grandino que, refletindo o clima de disputas do momento, foi
essencialmente político-partidário. Os jornais, mesmo que com níveis de aproximação variáveis,

296
SODRÉ. p. 122, 139, 148, 150 e 151-61.
297
MACEDO, Francisco Riopardense de. Imprensa farroupilha. Porto Alegre: Instituto Estadual do
Livro, EDIPUCRS, 1994. p. 26.
298
DILLENBURG, Sérgio Roberto. A imprensa em Porto Alegre de 1845 a 1870. Porto Alegre: Sulina,
ARI, 1987. p. 7.
299
RÜDIGER, 1993. p. 15.
300
REVERBEL, Carlos. Tendências do jornalismo gaúcho. In: Fundamentos da cultura rio-grandense.
Porto Alegre: Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul, 1957. p. 116.; e
REVERBEL, Carlos. Evolução da imprensa rio-grandense. In: Enciclopédia rio-grandense: o Rio Grande
Antigo. Canoas: Editora Regional, 1956. v.2. p. 252.
301
ALVES, Francisco das Neves. A imprensa rio-grandina nos primórdios da Revolução Farroupilha. In:
Anais da XV Reunião da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica. Curitiba: SBPH, 1996. p. 153.
302
BARRETO, 1986. p. 15.
tiveram uma íntima relação com a preparação da guerra civil. Manifestou-se, assim, através dos
periódicos, o confronto entre rebeldes e legalistas, numa verdadeira batalha de palavras, através
de jornais como O Noticiador (1832-6), folha afinada com o ideário farroupilha e as publicações
legalistas O Mercantil do Rio Grande (1835-40), O Liberal Rio-Grandense (1835-6) e O
Commercio (1841 - fase rio-grandina). Certas folhas ainda intentaram pautar sua linha editorial
na neutralidade, na eqüidistância, na moderação e na conciliação, como O Observador (1832-5),
de tendência liberal moderada e buscando uma postura apolítica; O Propagador da Industria
Rio-Grandense (1833-4), ligado à Sociedade Promotora da Indústria da Província de São Pedro
do Rio Grande do Sul, que visava o desenvolvimento econômico provincial e apresentou uma
proposta de neutralidade e de busca da estabilidade; e O Conciliador (1840-1), que, conforme o
título, propunha a conciliação como caminho para a pacificação da Província. Esta imprensa que
visava certa neutralidade não encontrou no entanto muito espaço para desenvolver-se, tendo em
vista o amplo predomínio do jornalismo político-opinativo303.
Desta forma, desde a criação dos primeiros jornais até a eclosão do movimento
rebelde e a ruptura institucional, com a criação da República Rio-Grandense, entre 1832 e 1836,
a imprensa passou por uma etapa de avanço praticamente constante. A partir de então ocorreu
uma tendência ao declínio, culminando no período entre 1842 e 1844, com o completo
desaparecimento das atividades jornalísticas. Esta ausência de jornais deveu-se ao próprio
desgaste político-militar advindo do prolongamento da guerra, trazendo também, como
conseqüência direta, a crise econômica para a Província. Além disto, a legislação de imprensa
que passou a vigorar em dezembro de 1841 também serviu para inibir a continuidade do
jornalismo opinativo predominante à época, uma vez que os pequenos crimes, entre os quais os
de imprensa, passaram a ser averiguados pelos delegados de polícia, o que colocava os jornais
sobre o controle mais direto e incisivo das autoridades locais. Somente a partir de 1845, com a
pacificação provincial, a imprensa seria retomada na cidade do Rio Grande, com a publicação
da Voz da Verdade (1845-6), que buscou enaltecer a ação de Caxias e valorizar a “paz honrosa”
e a “brasilidade” dos sul-rio-grandenses que voltavam a integrar a “associação nacional”. Além
disto, no mesmo ano surgia O Rio-Grandense que viria a ser um dos representantes da imprensa
diária rio-grandina. Este renascimento do jornalismo, acompanhando a recuperação econômica e
a estabilidade política, constituía-se no prenúncio da nova fase de crescimento e diversificação
em que entraria a imprensa rio-grandina.
A segunda fase da imprensa rio-grandina desenvolveu-se após a pacificação da
Província. Refletindo uma condição que marcou as atividades jornalísticas brasileiras como um
todo, também na cidade do Rio Grande o jornalismo passou por um período de arrefecimento
dos debates políticos. Desta forma, “o jornalismo conhecia então uma quadra de acalmia”, pois

303
Este fenômeno da fundação de jornais com propostas de neutralidade diante do predominante clima de
disputas políticas desenvolveu-se de maneira contemporânea, na Corte, onde circulou, em 1833, O
Auxiliador da Indústria Nacional, órgão da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, que publicava
informações de natureza econômica e, “sem posição política definida, sua luta era pela modernização do
país”. PRIOLLI. p. 13. Antes deste, a partir de 1827, circulou no Rio de Janeiro A Aurora Fluminense,
que adotou “posição eqüidistante dos extremos” e, em 1831, apareceu outro jornal de cunho econômico, o
Semanário Político, Industrial e Comercial, “que só teve um número, comprovando, mais uma vez, que a
a “imprensa abdicara de si o papel agitador, que monopolizava”304. Este comportamento “não
acontecia apenas na Corte, mas também nas províncias, desde que cessara a turbulência política
da fase anterior e, por toda a parte, começava a dominar a madorna imperial”, de modo que “o
jornalismo político declinava” e “poucos foram os jornais que sustentaram a luta nesse
terreno”305. Neste sentido, no Rio Grande do Sul, ocorreu uma “relativa estagnação da atividade
periodística, após a Guerra Civil de 1835”306, e, no contexto rio-grandino, como “a exaustão
dominava todas as camadas sociais, mercê da luta que por mais de um lustro estava sendo
mantida”, a “nova época” da imprensa “iniciar-se-ia num ambiente político mais sereno”, e,
somente “as rivalidades jornalísticas e as questões pessoais torná-la-iam mais agitada”307.
Esta agitação viria a pronunciar-se através de uma série de folhas de pequeno
formato, circulação extremamente irregular, duração efêmera e que se utilizavam, na maioria
das vezes, de um palavreado chulo e virulento, eram os pasquins. Este tipo de publicação era
uma “folha volante, panfleto lançado ao público, apreciando um tema, uma pessoa, um
acontecimento”, de modo que desaparecendo “a fonte de que lhe provinha a força, para apoiar
ou contraditar”, muitas vezes desaparecia também o pasquim. Desta maneira, “efêmeros,
circunstanciais, destinados a fim imediato, os pasquins não conseguiam atravessar o tempo, nem
era essa sua intenção”, porém “deixavam sempre curioso rastro”. Estas folhas apresentavam por
características “a violência da linguagem, a invasão da vida particular e íntima, a difamação
organizada e a devassa da conduta das pessoas”, havendo também “a tendência constante em
tornar grandes as pequenas questões, em tornar públicos os problemas de ordem privada e em
tornar pessoais as controvérsias públicas”308.
Neste quadro, os pasquins surgiram tendo em vista uma “falta de ligação
orgânica das forças políticas com os jornais”, favorecendo “a falta de responsabilidade com os
conceitos externados e uma série de excessos de linguagem”309. Estes jornais demonstraram que
as disputas políticas ainda se faziam presentes, mesmo que de forma mais tênue, porém,
modificava-se a forma de tratamento das mesmas através da imprensa, pois, ao invés das
discussões de natureza político-partidária, passaram a predominar as querelas pessoais, numa
predileção de parte dos jornais em abordar, especular e/ou divulgar componentes da vida
privada dos adversários ao lado ou, às vezes, em detrimento de aspectos da atuação pública.
Assim, as versões apresentadas pelos pasquins constituíam-se em discussões “de pontos de vista
mais do que partidários, porque personalíssimos e por vezes extremadíssimos, consideradas as
condições da época, tornando-se verdadeiros órgãos de xingamento, destinados a expor ao

fase excluía a possibilidade de êxito para periódicos especializados, concendendo-a apenas aos que se
afirmassem como políticos no sentido mais estrito”. SODRÉ. p. 123 e 140.
304
LIMA SOBRINHO, Barbosa. O problema da imprensa. Rio de Janeiro: Álvaro Pinto Editor, 1923. p.
120. De acordo com o autor, somente a “aproximação dos pleitos eleitorais tirava a imprensa do marasmo
comum”, quando “preparava-se cuidadosamente a perversão das inteligências, consumava-se a corrupção
dos corações, no intuito de tornar ardentes, e até mesmo furiosos, os quadrilheiros eleitorais. Os grandes
jornais do país não se deixavam arrastar tanto por essas tendências. Cometiam os seus pecados de
violência nos atritos das polêmicas, mas procuravam manter uma atitude pelo menos educada” (p. 118-9).
305
SODRÉ. p. 211-2.
306
RÜDIGER, 1993. p. 16.
307
BARRETO, Abeillard. A imprensa do Rio Grande no tempo do Império. Rio Grande. Rio Grande: 27.
jun. 1935. p. 4.
308
SODRÉ. p. 183, 188 e 194.
309
RÜDIGER, 1993. p. 20.
ridículo ou atemorizar personagens do outro lado”310. Desencadeou-se então um processo
marcado por uma relação diretamente proporcional entre o acirramento das polêmicas e o
surgimento de novos pasquins, na maioria dos casos, “sem nenhuma base comercial” e
“característicos por uma linguagem absolutamente destemperada”311, manifestando-se através
“de um idioma supramente rico em expressões contundentes” e com palavras que representavam
“um convite à incontinência de linguagem”312.
A pasquinagem manifestou-se na cidade do Rio Grande através de publicações
como A Revista Imparcial (1846), O Corisco (1847), O Echo (1848), O Carijó (1853-4), O
Independente (1862), O Liberal (1863), O Chronista (1863-4), Aurora do Sul (1864) e O
Guarda Nacional (1866). Deste modo, o período entre as décadas de quarenta e sessenta foi a
época mais típica dos pasquins, caracterizando um dos setores da imprensa rio-grandina com
uma índole combativa, agressiva e constestatória. Suas existências exíguas, na maioria dos
casos, eram devidas aos seus próprios intentos de polemizar, atacar ou dar uma resposta diante
de determinadas circunstâncias muitas vezes passageiras. Além disto, em boa parte, os pasquins
foram publicações anônimas, prática ilegal segundo a legislação vigente, de modo que estes
jornais recebiam atenção especial de parte das autoridades públicas no controle da sua
circulação.
Ao lado dos pasquins que mantiveram a prática de um jornalismo opinativo,
ainda desenvolveram-se no Rio Grande outras atividades jornalísticas, com a publicação de
folhas noticiosas e literárias. Estes jornais surgiram a partir de condições como “as
preocupações com a cultura, as ciências e as humanidades” que “se encontravam em embrião,
fomentando a procura por material de leitura e atualidade capaz de desenvolvê-lo, por outro
lado, a mundialização dos horizontes de vida estava criando uma demanda por notícias”,
mormente a respeito da Guerra do Paraguai. Estas “folhas literárias e noticiosas se gestaram
nesse contexto social, especializando-se progressivamente no atendimento dessas novas
necessidades”313. Numa tendência diametralmente oposta aos pasquins, a imprensa noticiosa
visava primordialmente à prestação de informações à comunidade, ficando em plano bem
inferior a emissão de opiniões. O Correio (1846-7), O Noticiador (1848), A Imprensa (1851 e
1855), o Cruzeiro do Sul (1863), a Opinião Pública (1868) e O Especulador (1868) foram
alguns dos noticiosos que circularam durante a segunda fase da imprensa rio-grandina.
Já as folhas literárias, que se espalhavam pela Corte e pelas províncias314,
serviam à difusão cultural, além de proporcionarem entretenimento ao público leitor. Deste

310
SODRÉ. p. 189. Para o autor, o surgimento do pasquim esteve ligado “ao meio, ao tempo, à gente, à
cultura”, de modo que este tipo de publicação “refletiu, em sua tormentosa fisionomia, o atraso, as
agruras, as paixões de uma fase histórica” (p. 192). No mesmo sentido, Francisco Rüdiger explica que o
aparecimento dos pasquins não “escapou às articulações com os processos sociais então verificados na
Província. Pressupondo idéias, ainda que genéricas, sobre o político-social, a pasquinagem foi sua
produção de sentido como disputa privada”, de modo que esta “pasquinagem possui uma especificidade
enquanto modalidade discursiva da imprensa. Por outro lado, corresponde na produção social de sentido
da época à desfiguração pejorativa de um tipo de imprensa contestatória do sistema político-moral
estabelecido”. RÜDIGER, Francisco Ricardo. O nascimento da imprensa no Rio Grande do Sul. Revista
do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS. v.13. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1985. p.
135.
311
PRIOLLI. p. 12.
312
MAGALHÃES JÚNIOR, R. Antologia de humorismo e sátira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1957. p. 3.
313
RÜDIGER, 1993. p. 44.
314
Ver SODRÉ. p. 225.
modo, “o desenvolvimento da literatura rio-grandense do século XIX” esteve “intimamente
vinculado ao aparecimento da imprensa”, pois os periódicos literários tiveram “efetiva
influência na produção literária” da Província e “na sua conseqüente divulgação”, uma vez que
“os primeiros autores rio-grandenses recorriam aos órgãos de imprensa devido às grandes
dificuldades que encontravam para a publicação e difusão de suas obras”315. Uma das tentativas
de implantação da imprensa literária na cidade do Rio Grande deu-se através da Inubia (1868),
porém a mais significativa publicação ligada à literatura foi a Arcadia (1867-9 - fase rio-
grandina), cuja influência foi marcante na propagação da literatura gaúcha, publicando poesias
dos “mais representativos” autores rio-grandenses, “bem como romances, contos, textos críticos
e correspondência entre homens ligados ao movimento cultural da Província”316. Assim, estes
jornais tiveram fundamental importância para o enriquecimento cultural sul-rio-grandense,
permitindo uma maior popularização da incipiente literatura local e regional.
Neste contexto, durante a segunda metade da década de quarenta e o final dos
anos sessenta, houve um significativo progresso na imprensa, notadamente na parte sul da
Província, pois “o efeito combinado da conciliação no campo político com a relativa estagnação
econômica da zona norte” rio-grandense, “em contraposição ao crescimento mais acelerado na
campanha e na zona sul, decorrente do período de prosperidade das charqueadas, determinou
um estacionamento no desenvolvimento da imprensa na capital e avanços proporcionais maiores
no Rio Grande e em Pelotas”317. Além disto, os veículos desta segunda fase “tinham perdido o
caráter de aventura individual e evoluíam para a condição de empresas”, ainda que de pequena
monta, “com maior número de redatores, separação das funções de redação e de gerência, e uma
constante preocupação com a receita publicitária”, juntamente a uma série de melhorias de
natureza tipográfica318. Neste quadro, surgiram os jornais diários que, se consolidando na fase
seguinte, viriam a representar a grande imprensa rio-grandina da época, passando a ser
publicados O Rio-Grandense, criado em 1845 e tornando-se diário a partir de 1850, vindo a
desaparecer em 1858, o Diario do Rio Grande, fundado em 1848, O Commercial e o Echo do
Sul, que circularam no Rio Grande a partir de 1858 e o Artista, criado, em 1862, como
semanário dos artistas, mas que viria a afirmar-se como uma das mais longevas folhas diárias
rio-grandinas.
Desta maneira, esta etapa caracterizou-se por ser uma fase de transição nas
atividades jornalísticas, na qual surgiram “alterações específicas e técnicas, preparando a
imprensa dos fins do século”, através da “possibilidade do jornal diário”, das “inovações na
técnica de impressão” e das “alterações no sistema de distribuição”, de modo a estar
“aparelhada para enfrentar nova etapa de expansão”319. Como etapa de transição, a segunda fase
da imprensa rio-grandina guardou características tanto da que lhe antecedeu, quanto daquela que
lhe sucederia, pois, através dos pasquins, permaneceu o jornalismo opinativo, calcado no
debate, porém com a supremacia das discussões pessoais sobre as políticas; e, através de uma

315
BAUMGARTEN, Carlos Alexandre & SILVEIRA, Carmen Consuelo. O Partenon Literário:
imprensa e sociedade literária. In: ZILBERMAN, Regina et alii. O Partenon Literário: poesia e prosa -
antologia. Porto Alegre: EST - São Lourenço de Brindes, Instituto Cultural Português, 1980. p. 12.
316
BAUMGARTEN, Carlos Alexandre. Literatura e crítica na imprensa do Rio Grande do Sul (1868 a
1880). Porto Alegre: EST - São Lourenço de Brindes, 1982. p. 26-7.
317
RÜDIGER, 1985. p. 130.
318
FRANCO, Sérgio da Costa. A evolução da imprensa gaúcha e o Correio do Povo. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. n.131. Porto Alegre: 1995. p. 35-6.
319
SODRÉ. p. 206.
diversificação das práticas jornalísticas, foram dados os passos iniciais em direção a uma
especialização da imprensa, típica da terceira fase. Já os avanços quantitativos, marcadamente
no que se referiu aos pasquins, e qualitativo, mais especificamente dos noticiosos e literários,
anunciavam o terceiro período, o de maior desenvolvimento do jornalismo rio-grandino.
A terceira fase da imprensa rio-grandina correspondeu a um processo marcado
pelo apogeu do jornalismo praticado na cidade, durante as três últimas décadas do século XIX,
até o declínio das atividades jornalísticas, na virada desta centúria para a seguinte. Esta etapa de
amplo desenvolvimento reproduzia o fenômeno que caracterizava tanto a imprensa brasileira
quanto a sul-rio-grandense, ocorrendo uma representativa expansão das práticas jornalísticas por
todo o país, além do que os jornais passaram por constantes melhorias na sua elaboração, no
aprimoramento tecnológico das tipografias, no aumento do formato, na maior eficiência na
distribuição e na ampliação da matéria publicitária320. No Rio de Janeiro, que “concentrava
prestígio formador de opinião” e “era o sismógrafo político-social-intelectual do Brasil”321, em
1889, a imprensa encontrava-se dividida em grandes e pequenos jornais, os primeiros mais
prósperos, providos de uma organização material, contando com a publicidade como uma das
formas de sustentação, constituindo-se num estabelecimento comercial interessado em ampliar o
número de leitores e de anúncios publicados; enquanto os outros ainda mantinham-se numa fase
praticamente artesanal, nos quais o proprietário era, muitas vezes, o único responsável por
todas as etapas da produção da folha e apresentavam significativas dificuldades de organização
e sustentação322.
Este cenário do jornalismo da capital do país era reproduzido na cidade do Rio
Grande, onde, desde o final dos anos sessenta até o início da década de noventa, ocorreu um
vasto crescimento nas atividades jornalísticas. A maioria dos diários se consolidaram nesta
época, pois, à exceção do Commercial que deixou de circular nos anos oitenta, tanto o Diario
do Rio Grande, quanto o Artista e o Echo do Sul viveram suas fases mais prósperas ao longo
das três últimas décadas do século XIX. Até mesmo alguns dos representantes da pequena
imprensa conseguiram níveis de organização e tempo de sobrevivência até então não atingidos
por este tipo de publicação. Ao lado deste novo avanço quantitativo-qualitativo, ocorreu
também na cidade portuária uma diversificação ainda mais profunda que na fase anterior,
passando o jornalismo por uma etapa de especialização, surgindo periódicos que visavam
atender, mais especificamente, a determinados grupos ou segmentos da sociedade.
Nesta época ocorreu um renascimento do debate político-partidário através da
imprensa, pois, mesmo que não houvesse desaparecido de todo, ele foi significativamente
abrandado durante a fase anterior. O novo avanço do jornalismo político deu-se mormente a
partir da inversão partidária de 1868, acompanhando o acirramento das disputas que a partir de
então marcaria a vida política brasileira323. Os embates partidários passaram cada vez mais a ser

320
Conforme: SODRÉ. p. 263-4.; RÜDIGER, 1993. p. 26. e BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica:
história da imprensa brasileira. 4.ed. São Paulo: Ática, 1990. p. 107.
321
CHACON, Vamireh. Os meios de comunicação na sociedade democrática. In: JAGUARIBE, Hélio et
alii. Brasil, sociedade democrática. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985. p. 345.
322
Conforme: SODRÉ. p. 288-9 e 294.
323
Conforme LIMA SOBRINHO. p. 122-3. Para Werneck Sodré, “ao fim da década de sessenta, com a
guerra terminada, tudo indica o início de fase nova, com reformas que se impõem e não podem ser
proteladas; a luta política se acirra; a imprensa retoma o fio de sua história (...). Vai começar a agitação”.
SODRÉ. p. 230-1.
traduzidos através das páginas dos jornais, onde, às vezes de modo doutrinário, e, em outras,
através de confrontos mais incisivos enfrentavam-se liberais e conservadores. As reformas
institucionais foram profundamente discutidas através das folhas periódicas, consistindo-se esta
numa fase marcada pelas contestações, pois, “o que mais se fazia era precisamente discutir, por
em dúvida, analisar combater (...) a pretensa sacralidade das instituições” como a da monarquia
e a da escravidão324. Além dos tradicionais partidos imperiais a agremiação republicana que se
organizava neste período também utilizou-se largamente dos jornais para difundir seus
princípios325. Neste quadro, as folhas “permitiam aos partidos intervirem homogeneamente na
esfera pública, sustentar as campanhas eleitorais e criar um espaço comum de discussão dos
problemas da sociedade civil” e o seu papel era ainda mais importante nos momentos de
eleições, servindo “para superar as dificuldades de comunicação e manter a unidade do partido”,
de modo que “a sobrevivência das candidaturas dependia da publicidade sustentada pelos
periódicos”326.
Praticava-se, neste caso, um jornalismo predominantemente opinativo,
expressando os jornais seus “interesses e vínculos com grupos políticos”, atividade “decorrente
da militância política como elemento fundamental da estrutura argumentativa de seu discurso de
convencimento ideológico e mobilização política”327. No Rio Grande do Sul, onde a transição
Monarquia - República foi extremamente marcada pelas disputas políticas que redundariam nas
militares, o jornalismo de cunho político-partidário encontrou campo bastante fértil para
desenvolver-se. Além dos debates da época imperial, a bipolarização política entre o castilhismo
e seus opositores foi amplamente traduzida e fermentada através da imprensa328. Nesta fase da
imprensa rio-grandina, circularam diversas folhas de natureza político-partidária, como O Paiz
(1869-70), - periódico liberal que apresentava a renovação programática que o partido então
propunha -; e outros que expressavam os confrontos entre os diversos grupos em embate à
época da formação republicana, durante a Revolução e nos períodos pré e pós-revolucionário,
como a folha positivista Democracia (1887), os periódicos castilhistas Rio Grande do Sul
(1891-6) e Cidade do Rio Grande (1896-7), os jornais monarquistas Combate (1892) e A

324
SODRÉ. p. 256 e 268.
325
Segundo Walter Spalding, “a cooperação da imprensa foi imensa, inestimável, podendo mesmo,
afirmar-se que primordial”, pois, sem ela, “com certeza o republicano não teria atingido seus fins”.
SPALDING, Walter. A participação do Rio Grande do Sul nas campanhas republicanas. Correio do
Povo. Porto Alegre: 24 ago. 1939. p. 4.
326
RÜDIGER, 1993. p. 33.
327
FÉLIX, Loiva Otero. Pica-paus e maragatos no discurso da imprensa castilhista. In: POSSAMAI, Zita
(org.). Revolução Federalista de 1893. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Cultura, 1993. p. 51.; e
FÉLIX, Loiva Otero. Mito e alegoria: o universal e o nacional na luta federalista. In: ALVES, Francisco
das Neves & TORRES, Luiz Henrique (orgs.). Pensar a Revolução Federalista. Rio Grande: Ed. da
FURG, 1993. p. 157.
328
Nesta época, cada um dos grupos em disputa possuía suas respectivas folhas, como no caso da
Reforma, dos liberais gasparistas, da Federação, dos republicanos castilhistas e do Rio Grande dos
dissidentes republicanos. Sobre a imprensa gaúcha neste momento, ver: RÜDIGER, Francisco Ricardo. A
imprensa: fonte e agente da Revolução de 93. In: Anais do Seminário Fontes para a História da
Revolução de 1893. Bagé: URCAMP, 1990. p. 26-35.
Actualidade (1892-3), e as publicações ligadas às dissidências republicanas Tribuna Federal
(1893 - fase rio-grandina) e Tribuna do Povo (1897-8)329.
Outro setor do jornalismo rio-grandino que muito se desenvolveu nesta terceira
fase foi o da imprensa caricata. A progressão destes jornais refletia a crescente popularidade que
a caricatura obtinha em grande parte do país, uma vez que, “as inovações técnicas que
permitiram o advento da gravura e, conseqüentemente, da caricatura, na imprensa brasileira,
deram-lhe considerável impulso, asseguraram novas condições à crítica e ampliaram a sua
influência”330. Através de seus desenhos e textos carregados de ironia, as folhas caricatas
criticavam a sociedade, os costumes e, preferencialmente, a política331. Nas três últimas décadas
do século XIX, ocorreu o ápice da imprensa caricata rio-grandina, com a publicação do
Amolador (1874-5), do Diabrete (1875-1881) e do Marui (1880-2); além de outras tentativas
pouco duradouras como A Semana Illustrada (1884) e a Comedia Social (1887). O mais
destacado e combativo dos jornais caricatos rio-grandinos foi o Bisturi que circulou
regularmente entre 1888 e 1893, vindo ainda a ser editado posteriormente, mas de forma
tremendamente precária. O desenvolvimento dos semanários caricatos deu-se por ocasião da
ampla liberdade de expressão do II Reinado, porém, com a República, a censura passou a
persegui-los duramente, de modo que eles não conseguiram manter o vigor de antes332, apesar
do esforço do Bisturi em continuar circulando e de novas e frustradas iniciativas como O Rio
Grande Illustrado (1897).
Ainda continuaram circulando nesta fase, de acordo com a diversificação que já
se iniciara na etapa anterior e estendeu-se até a virada do século, uma série de jornais noticiosos,
literários e pasquins. Dentre os periódicos preocupados exclusivamente com a prestação de
informações, foram publicados o America (1870-1), o Diario de Noticias (1894-5), O Brazil
(1894-6) e o Jornal de Noticias (1898-9). A Grinalda (1870-1), Violeta (1878-9), A Lanterna
(1893-4), Correio Literário (1900) e O Recreio (1901) foram folhas literárias que buscaram o
entretenimento do público e a difusão das letras, mas não chegaram a ter a expressão

329
O intrincado momento político vivido pelo Rio Grande do Sul nos primórdios da República, gerava
um significativo interesse pelas manifestações políticas expressas nos jornais, como descreve Gustavo
Moritz: “E à hora da saída dos jornais (...), a gurizada não sabia a quem atender em primeiro lugar: ao
mesmo tempo todos disputavam o seu órgão predileto. Das sacadas dos sobrados, eram senhoras que
chamavam os vendedores; das casas comerciais, eram os negociantes e os empregados; eram os militares,
os funcionários, eram os industriais, os operários, enfim, não havia mãos a medir; os jornais ‘voavam’”.
MORITZ, Gustavo. Acontecimentos políticos do Rio Grande do Sul 89 - 90 - 91. Porto Alegre: Tipografia
Thurmann, 1939. p. 251. Na mesma linha, Francisco Rodrigues afirma: “os ideais políticos de cada grupo
eram difundidos e defendidos na imprensa, na praça pública, nas bodegas, nos lares, em toda parte, de
ouvido a ouvido, com tanto ardor, tão arraigadamente que negá-los, depois de aceitos, seria uma traição
abominável cobrada pelo desprezo público”. RODRIGUES, Francisco Pereira. O Governicho e a
Revolução Federalista. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1990. p.49.
330
SODRÉ. p. 233. Sobre a evolução da imprensa caricata brasileira, observar: LIMA, Herman. História
da caricatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1963.
331
Para Pedro Sinzig, “a política costuma ser o tema predileto dos caricaturistas. (...) Mal se aponta o
nome de algum possível candidato a qualquer importante cargo político” e “logo os traços característicos
de suas feições, caricaturalmente exagerados, são apresentados a milhares de leitores”. SINZIG, Pedro. A
caricatura na imprensa brasileira. Petrópolis: Vozes, 1911. p.11.
332
Estas perseguições, após a forma instalada no 15 de Novembro deveram-se basicamente ao fato de que
“a influência da sátira nas transformações dos costumes e da estrutura do sistema social e político, (...)
sobretudo flagrante quando inexistentes o diálogo e o debate”, poderia tornar-se um risco ao novo status
quo. RIZZINI, Carlos. O jornalismo antes da tipografia. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1977. p. 106.
Desencadeou-se, a partir de então, um declínio da imprensa caricata uma vez que “sem liberdade da mais
ampla a caricatura fenece como a gramínea que tem sobre si um tijolo. Perde a clorofila. Descora.”
LOBATO, Monteiro. Idéias de Jéca Tatú (“A caricatura no Brasil”). São Paulo: Brasiliense, 1946. p. 21.
anteriormente atingida pela Arcadia. Foram publicados ainda diversos pasquins que, tardios,
constituíam um elemento típico dos períodos pós-revolucionários, repetindo o que já ocorrera
após a Revolução Farroupilha, agora, por ocasião da Federalista, uma vez que “a exaltação do
ambiente” permitiu, mesmo que “extemporâneo o seu reaparecimento”. Era, no entanto, um
“fenômeno isolado”, tratando-se “de casos esporádicos, aliás da pior espécie”, com o
predomínio da “virulência pessoal, detalhada e particularíssima”333. Algumas destas publicações
procuraram pender para o lado humorístico, enquanto outras expressaram abertamente seu
intuito de atacar ou responder a acusações. Diogenes (1880-5), O Asmodeo (1881), A Ferula
(1897), O Estado (1897-8), O Fanal (1900), O Farofia (1902), O Bilontra (1902) e O
Escalpello (1904) foram os adeptos da pasquinagem neste período.
Também nesta época desenvolveram-se folhas ligadas a determinadas propostas
ou projetos específicos, como a Alvorada (1879), que expressou as reivindicações e a
insatisfação dos militares para com o momento político então vivido pelo país. As idéias
abolicionistas que avançavam progressivamente na década de oitenta, se fizeram presentes na
imprensa rio-grandina através da Luz (1884)334. O Trabalho Nacional (1889-91) era o órgão da
Sociedade Agrícola-Industrial da Cidade do Rio Grande e visava atender os interesses das
“classes produtoras” e promover o desenvolvimento das “atividades agrícolas, industriais e
artísticas”335. Ocorreram ainda nesta fase as primeiras manifestações de uma imprensa dos
trabalhadores na cidade do Rio Grande. Eram folhas ligadas a alguma forma de organização da
classe trabalhadora que recuperavam e analisavam as informações, servindo como instrumento
de conscientização e mobilização336, como o foram A Razão (1895-6), o Echo Operario (1896-
9 e 1901), A Lucta (1901-3) e O Proletario (1904 e 1906).
Outros setores da comunidade rio-grandina também se fizeram representar pela
imprensa, circulando diversas folhas de pregação religiosa, como o Pregador Christão (1877-
86), O Estandarte Christão (1897), A Evolução (1892-3 e 1898), A Religião Spirita (1897) e A
Regeneração (1900-2); ou ainda jornais maçônicos, com propostas de conduta moral e
ensinamentos “filantrópicos”, como O Lábaro (1899-1900), O Templario (1903) e O Malhete
(1904). A colônia portuguesa, a mais importante na cidade do Rio Grande, também marcou a
sua presença no jornalismo rio-grandino. O Lusitano (1878), Echo Lusitano (1882-7), União
Portuguesa (1894), Pro Patria (1898), A Razão (1901) e A Gazeta Portuguesa (1903-4) foram

333
SODRÉ. p. 265.
334
Sobre o abolicionismo na imprensa rio-grandina, ver: ALVES, Francisco das Neves. O ideal
abolicionista através da imprensa: estudo de caso e uma inserção em um “modelo” latino-americano. In:
MOREIRA, Earle Diniz Macarthy (coord.). Aspectos da escravidão na América Espanhola. Porto Alegre:
APGH-PUCRS, 1996. p. 95-104.
335
O Trabalho Nacional, tendo em vista os prenúncios da guerra civil que eclodiria em 1893, repetia o
mesmo fenômeno ocorrido à época da preparação da Revolução Farroupilha, quando foi publicado O
Propagador da Indústria Rio-Grandense. Nestes casos, “os setores sociais representados pelos
produtores-proprietários (...), nos momentos de grave crise político-institucional, reuniam-se em
sociedades ou associações e fundavam jornais para defender seus interesses e promover o ideal de
manutenção da ordem pública”, buscando o “restabelecimento e/ou manutenção da estabilidade,
elementos fundamentais para o sucesso de seus empreendimentos econômicos”. ALVES, Francisco das
Neves. Uma introdução à história da imprensa rio-grandina: o estudo de alguns “fragmentos” do século
XIX. Rio Grande: URG, 1995. p. 151.
336
Conforme: FERREIRA, Maria Nazareth. A imprensa operária no Brasil (1880-1920). Petrópolis:
Vozes, 1978. p. 105. A denominação “imprensa dos trabalhadores” foi utilizada a partir de: PETERSEN,
Silvia Regina Ferraz. Guia para o estudo da imprensa periódica dos trabalhadores do Rio Grande do Sul
(1874-1940). Porto Alegre: Ed. da UFRGS, FAPERGS, 1989.
alguns dos periódicos que intentaram congregar a colônia portuguesa, prestando informações,
enaltecendo as tradições e relembrando as datas comemorativas da “Pátria-Mãe”.
Um processo de declínio já se fazia sentir junto à imprensa rio-grandina na
segunda metade da década de noventa. Com o advento da República, os jornais, que à época da
propaganda haviam sido úteis instrumentos aos republicanos, passaram a ser controlados cada
vez mais intensamente, de modo que, em nome da “salvação” das instituições, o jornalismo
teve, nos primeiros tempos republicanos, uma de suas fases de maior censura de parte das
autoridades governamentais. No Rio Grande do Sul, esta repressão foi ainda mais ferrenha,
tendo em vista o projeto castilhista de alijar seus opositores das disputas políticas, levando a que
as folhas não-governistas fossem extremamente perseguidas, ou, pelo menos, vigiadas de perto
pelos agentes do poder337. Este “regime da rolha” levou diversos periódicos não afinados com os
novos detentores do poder a suavizarem seus pronunciamentos quanto às disputas político-
partidárias, enquanto outros, muitas vezes sob ameaças, tiveram de suspender suas publicações,
mormente durante os movimentos revolucionários.
Na cidade do Rio Grande, estas contingências repressivas afetaram diretamente
a imprensa. Os grandes diários, que haviam atingido sua fase de maior desenvolvimento nas três
últimas décadas do século XIX, tinham seus discursos voltados às disputas entre os partidos
imperiais e, com a mudança na forma de governo, sofreram uma ruptura discursiva, vendo-se
obrigados a adaptar-se à nova situação. O controle e a repressão levaram algumas destas folhas
a suavizar ou ainda a silenciar seus pronunciamentos de cunho político-partidário, enquanto
outras ainda se propuseram a manter-se no combate, notadamente o Echo do Sul e alguns dos
representantes da pequena imprensa. O agravamento da crise e, portanto, das perseguições, e o
estado de sítio, promovido a partir de 1893, quebrariam, mesmo que temporariamente, a
resistência destas publicações e muitas delas tiveram suas edições suspensas. A crise política,
agregada à crise econômica, desencadeou o processo de decadência do jornalismo rio-grandino,
além disto, uma outra fase da evolução da imprensa já se anunciava, na qual a concorrência
tornaria-se ainda mais acirrada, somente resistindo aqueles que melhor se adaptassem a esta
nova etapa.
Neste contexto, “nos fins do século XIX, estava se tornando evidente a mudança
na imprensa brasileira: a imprensa artesanal estava sendo substituída pela imprensa industrial”.
Os empreendimentos individuais começavam a dar lugar às grandes empresas, às “indústrias”
do jornalismo, em detrimento da pequena imprensa e das iniciativas artesanais e/ou tipográficas.
Assim, a passagem do século foi uma fase de transição, quando “os pequenos jornais, de
estrutura simples, e as folhas tipográficas cederiam lugar às empresas jornalísticas, com
estrutura específica, dotadas de equipamento gráfico necessário ao exercício de sua função”.
Foram afetados, neste processo, “o plano da produção e o da circulação (...) alterando-se as

337
Ainda que os castilhistas propalassem que havia garantias constitucionais para que “a liberdade de
imprensa” fosse “imune das intervenções preventivas e pertubadoras do Estado” (ARRAES, Raimundo de
Monte. O Rio Grande do Sul e as suas instituições governamentais. Brasília: Ed. da UnB, 1981. p. 140.),
esta liberdade só valeu para os jornais governistas e não para as publicações independentes ou
oposicionistas. Isto se deveu em grande parte ao fato de que a liberdade de expressão, como um dos
direitos individuais, era um princípio incompatível com o espírito antiliberal do castilhismo, onde “a
liberdade dos indivíduos” estava “condicionada ao imperativo supremo de toda a vida política: a
segurança do Estado”, pela qual “o indivíduo somente pode aspirar a ser livre sob a tutela do Estado”.
RODRIGUEZ, Ricardo Velez. O castilhismo. In: Curso de introdução ao pensamento político brasileiro.
Brasília: Ed. da UnB, 1982. p. 60. Sobre o “regime da rolha” colocado em prática nos primórdios da
República, ver: SODRÉ. p. 300-1.; RÜDIGER, 1983. p. 28-30.; RÜDIGER, 1993. p. 34-7; e MORITZ. p.
95-6 e 240-1.
relações do jornal com o anunciante, com a política, com os leitores”. Ocorria assim, uma
concentração das atividades jornalísticas, em termos estaduais, reduzindo-se o espaço à
circulação de um grande número de folhas, já que “uma das conseqüências imediatas dessa
transição foi a redução no número de periódicos” e, “por outro lado, as empresas jornalísticas
começavam a firmar sua estrutura, de sorte que era reduzido o aparecimento de novas
empresas”338.
Mudava também a orientação editorial deste novo jornalismo, pois,
“favorecidas pelo desenvolvimento das artes gráficas, apareceram empresas poderosas,
empenhadas em duras rivalidades para a conquista, por meio de informações e serviços vários,
do grande público”, procurando “conciliar no corpo de um só diário, em suas múltiplas seções,
o periodismo político, informativo, literário, técnico e comercial”339. Deste modo, também “o
público estava se diversificando, colocando demandas por padrões gráficos e editoriais” para as
quais a imprensa tipográfica “não estava habilitada a corresponder” e, “pelo contrário, o seu
esforço nesse sentido contribuiu para acentuar a sua descaracterização perante seu público
tradicional, salvo aqueles casos que souberam se adaptar ao novo regime jornalístico em
formação”. Neste período “as fontes de financiamento dos jornais” tornaram-se ainda mais
limitadas e “o grande problema era a manutenção do periódico, que disputava com diversas
folhas semelhantes um mercado diminuto, tanto pelo lado do consumidor, quanto pelo dos
anunciantes”. Inviabilizava-se, assim, em grande parte “a continuidade da base econômica e
tecnológica” das antigas e pequenas publicações, pois, “com efeito, os termos da concorrência
entre os jornais passaram a ser ditados pelas novas empresas jornalísticas, que alijaram do
espaço público as folhas baseadas em pequenos negócios”340.
O debate de cunho político-partidário passou a perder espaço junto ao
jornalismo empresarial, pois, de acordo com suas propostas essencialmente informativas,
passaram a predominar os chamados órgãos independentes, nos quais, não necessariamente de
forma neutra, até a política era tratada como notícia e não como matéria de discussão341. No Rio
Grande do Sul, este novo jornalismo veio a ser representado pelo Correio do Povo, fundado em
Porto Alegre no ano de 1895, propalando uma postura independente diante dos conflitos
partidários que ainda se faziam presentes no cenário político rio-grandense, não aderindo,
portanto, ao oficialismo castilhista. Esta folha teve uma receptividade imediata junto ao público
e, logo que apareceu, chegava-se já a afirmar que o mesmo não viria a ter concorrentes. Através
de uma constante busca pelo aperfeiçoamento tecnológico, o Correio do Povo logo atingiria
grande popularidade, deixando de circular apenas na sua cidade de origem, para ser distribuído
por diversas localidades do interior, vindo a concorrer com as publicações locais. Esta boa
aceitação levava os responsáveis pelo jornal a investirem ainda mais em melhoramentos,

338
SODRÉ. p. 298, 315, 352 e 409. Para Carlos Reverbel, ocorreu uma tendência de concentração do
jornalismo “num sistema cada vez mais poderoso, técnica e financeiramente, de empresas, o que reduz a
sua quantidade, mas aumenta as suas possibilidades de bem atender às exigências do público moderno”.
REVERBEL, 1957. p. 120-1. Sobre este progressivo processo concentração ver também: MARCONDES
FILHO, Ciro. O capital da notícia. 2.ed. São Paulo: Ática, 1989. p. 64-72.
339
BARROS, Jayme de. Evolución del periodismo en el Brasil. Buenos Aires: Escritório Comercial do
Brasil - Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, 1942. p. 50-1.
340
RÜDIGER, 1993. p. 40, 52 e 54.
341
Quanto a este aspecto, Werneck Sodré afirma que “a preocupação fundamental dos jornais, nessa
época é o fato político. Note-se: não é a política, mas o fato político”. SODRÉ. p. 317. Para Francisco
Rüdiger, “o jornalismo político-partidário sentiu profundamente essa mutação, entrando em progressiva
crise” e “as suas condições históricas de possibilidade começaram a se desintegrar, retirando a estrutura
necessária à sua reprodução”. RÜDIGER, 1993. p. 39.
promovendo o aumento da tiragem, do número de páginas e do formato, de maneira que o
periódico se transformaria no padrão do jornalismo de natureza empresarial para a imprensa
gaúcha342.
No Rio Grande, esta concentração das atividades jornalísticas representou o
agravamento do refluxo que vinha se gerando desde a segunda metade da década de noventa.
Alguns representantes da pequena imprensa ainda conseguiram continuar circulando até os
primórdios do século XX, quando deu-se um verdadeiro encerramento de ciclo quanto à
existência destas folhas. Já os grandes diários teriam ainda mais acentuado o seu processo de
decadência e crise, que redundaria no desaparecimento para o Diario do Rio Grande, em 1910,
e para o Artista, em 1912. Somente o Echo do Sul conseguiu garantir a sua sobrevivência até
1934, numa constante busca pela modernização e adaptação às circunstâncias de então. Este
declínio da imprensa na virada da centúria, cuja tendência foi de agravar-se de modo
progressivo, refletia a perda de importância e o empobrecimento que o conjunto da comunidade
rio-grandina passaria a sofrer, paulatinamente, durante o século XX, mormente a partir da sua
segunda metade. Viria, assim, a desaparecer, gradativamente, aquela característica que marcara
a cidade portuária durante o século XIX, na qual a imprensa reproduzia, mesmo que em
menores proporções, as práticas jornalísticas entabuladas no centro do país, constituíndo-se em
verdadeiro “jornalismo de ponta” nos quadros da imprensa brasileira e sul-rio-grandense.

4.2. O discurso político-partidário na imprensa rio-grandina: antecedentes históricos

Os primórdios do discurso político-partidário ocorreram ainda na primeria fase


de desenvolvimento da imprensa sul-rio-grandense e rio-grandina, quando farrapos e legalistas
digladiaram-se mutuamente através dos jornais. Na guerra, ao lado dos eventos militares, se
estabeleceu “uma preparação ideológica, através dos discursos, que buscavam o convencimento,
de parte a parte, da justeza dos motivos de cada elemento constitutivo do conflito” e a
Revolução Farroupilha teve “seus quase dez anos de ‘epopéias bélicas’ entremeados por uma
série de manifestos e declarações”. Neste quadro, “tanto as forças rebeldes, quanto o Governo
Imperial buscaram demonstrar seus objetivos, justificar suas atitudes e legitimar suas
idiossincrasias diante do conflito”, de forma que “os mais variados conceitos e princípios (...)
passaram a ser debatidos, com cada uma das partes litigantes defendendo suas versões e visões
discrepantes para os destinos do país e da Revolução”343. A imprensa representou, neste
contexto, um dos mais representativos agentes de propagação destes pronunciamentos,
servindo à sustentação do confronto discursivo entre rebeldes e governistas.
O setor da imprensa rio-grandina afinado com os princípios liberais farroupilhas
orientou seu discurso no sentido de defender a “liberdade” contra o “absolutismo”,
primeiramente, elegendo os restauradores como os inimigos e, posteriormente, sustentando a
causa rebelde contra os legalistas. Segundo esta versão, era necessário defender os princípios da
“ Revolução de 7 de Abril”, de eliminação dos governos “tirânicos”, que estariam sendo
subvertidos:

342
Conforme: FRANCO. p. 37-8. e DILLENBURG, Sérgio Roberto. Correio do Povo: história e
memórias. Passo Fundo: Ed. da Universidade de Passo Fundo, 1997. p. 19-31.
343
ALVES, Francisco das Neves & TORRES, Luiz Henrique. Revolução Farroupilha: história &
historiografia. Rio Grande: s/editora, 1994. p. 53.
“Depois que a mais memorável e gloriosa das revoluções (...) nos libertou da odiosa
tirania de um governo só interessado em atrasar o edifício de nossa nascente prosperidade,
qualquer [um] poderia pensar que ia aproximar-se o ditoso momento de ver remediada ou
pelo menos minorada parte dos males que, por mais de três séculos , pesavam sobre [o]
povo (...); e que, debaixo de um governo eleito pelos escolhidos da Nação, iríamos saborear
tranqüilos as preciosas vantagens das nossas livres instituições. Desgraçadamente, porém,
tão lisonjeiras esperanças foram logo frustradas no princípio da nova ordem de coisas; e o
Brasil (...) não goza (...) daquele estado de perfeita tranqüilidade, tão necessário para seu
melhoramento e felicidade” (O Noticiador, 3/1/1832).

De acordo com as idéias liberais, a imprensa farroupilha propunha o


afastamento dos governantes de má administração, criticando os “homens que, sem algum outro
mérito mais que uma ascendência momentânea, adquirida pelo brilho aparente de um zelo
quimérico e pela ostentação de um falso patriotismo”, se reputavam “com o direito de tudo
pretender, embora não possuíssem os recursos necessários para dirigirem as molas da pública
administração, nem mesmo aquelas virtudes cívicas que devem fazer o ornato de todo o bom
cidadão”. Defendia também o “direito à revolução” dos povos, contra aqueles governantes,
argumentando que “os que se distinguissem pela importância do verdadeiro mérito” não
poderiam “deixar de sublevar-se e opor-se” a aqueles (O Noticiador, 3/1/1832).
Neste sentido, um dos objetos mais abordados era a liberdade, enaltecida como
princípio fundamental à existência de uma sociedade. Assim, a liberdade era considerada como
uma herança a ser transmitida entre as gerações e apontada como “inalienável”, sendo que,
“uma vez conquistada, seria imperdível”. Apontava-se a necessidade de “conservação dessa
liberdade”, por ser “mais preciosa cem vezes que a fama, mais estimável que a fortuna e de mais
valia que a frágil existência”. Afirmava-se ainda que a liberdade era “para o corpo social o
mesmo que a saúde para cada indivíduo, se o homem perdesse a saúde, não gozava mais de
algum prazer do mundo, e se a sociedade perdesse a liberdade, desfalecia e nunca mais
encontrava a verdadeira felicidade” (O Noticiador, 1/4/1833 e 24/7/1834).
Demonstrando uma visão mais global e não só restrita à situação nacional, o
jornalismo que defendeu os rebeldes criticava as forças conservadoras e restauradoras que
pretendiam eliminar o avanço revolucionário-progressista, que tomava corpo, àquela época, em
nível internacional, como nestas duas manifestações:

“- Porém os absolutistas disfarçados, os retrógrados recolonizadores, a linsojeira


aristocracia (...) clamam que o mundo está na sua última crise, que tudo perecerá se não se
procurar um meio de deter o espírito da revolta e afogar a excessiva mania de liberdade,
que tem exaltado os povos de ambos os hemisférios. Ora, à vista de tão absurda e injuriosa
proposição, que devemos fazer? Rir desses miseráveis, que julgam que (...) pode deter-se e
paralisar-se (...) os interesses e a liberdade do gênero humano, que estando em marcha, não
pode e nem deve retrogradar.
- Em vão os tiranos se ligam contra os povos, estes se libertam e o que primeiro o
conseguir, desempenhará a augusta missão de libertador da Terra. Nós não queremos a
igualdade somente para nossos cidadãos; o gênero humano forma uma só família: os
homens, em qualquer clima que habitem, são irmãos. Liberdade para todos! Emancipação
para ambos os mundos!” (O Noticiador, 1/4/1833 e 18/6/1834)

Na mesma linha, a imprensa rio-grandina vinculada aos ideais dos futuros


líderes revolucionários atacava o absolutismo através de constantes críticas aos “tiranos”, com
afirmações como: “a força dos tiranos existe na paciência e aviltamento dos povos”; “quando os
tiranos conseguem os seus fins, sacrificam a todos os que facilitaram os seus sucessos”; e “os
abusos da força estão gravados com caracteres de sangue nas páginas da história”. Ou ainda em
outra frase a qual dizia: “a nação que cede a um homem o poder absoluto, dá-lhe o direito de
ousar tudo e impõe a si própria a necessidade de tudo sofrer” (O Noticiador, 11/7/1833 e
6/11/1834). Neste quadro, de oposição liberdade X tirania, o “7 de Abril” era sempre
comemorado como data máxima do recente país e considerado como a vitória da primeira344.
Este setor do jornalismo arvorava-se em defensor público, propondo-se a
“vigiar os abusos e injustiças de qualquer autoridade” e “advogar os interesses públicos”.
Defendia também que “as reformas políticas não se estabeleciam sem agitações” e que,
“quando a maioria da nação” reclamava por reformas, “os mandatários do povo estavam
autorizados e deviam satisfazer a vontade nacional”. Às vésperas do início da Revolução de
1835, destacava-se que o grupo dos liberais se compunha: “dos homens que nos tempos em que
era delito pensar livremente e suspirar pelas liberdades públicas, souberam sustentar com
arrogância e valor os direitos do povo”; “dos verdadeiros amigos e sustentadores do 7 de Abril”;
“da maioria da Província”; e “da parte homogênea dos brasileiros natos, únicos verdadeiramente
interessados no adiantamento e prosperidade do solo brasileiro” (O Noticiador, 27/1/1832,
13/8/1832 e 20/8/1835).
Ao mesmo tempo, dedicava-se especial atenção no combate aos restauradores,
elegendo-os como os maiores “inimigos” do país, chamando-os de “caramurus pedristas”, os
“amigos das coisas velhas; ou ainda de “califa caramuruana”, que pretendia “a volta de seu novo
D. Sebastião”, e afirmava-se que os brasileiros preferiam “mil mortes a ver restaurado o império
do déspota sobre as ruínas da liberdade”. A alusão ao sebastianismo português, onde D. Pedro I
seria o “novo D. Sebastião”, também se fazia sentir na denominação de “seita marroquina-
caramuruana-restauradora”, imputada aos restauradores. Deste modo, foi feita campanha aberta
contra a possibilidade daquele grupo estabelecer uma “Sociedade Militar” no Rio Grande do
Sul, anunciando-se a necessidade de manter a vigilância diante de um “inimigo manhoso”, cujas
intenções só não seriam entendidas por aqueles que “de alguma maneira pertencessem ao
mesmo bando daqueles miseráveis”; bem como alertava-se que a restauração “já batia à porta” e
os “malvados” já tinham “alistado as vítimas, enumerado os proscritos e decidido da sorte dos
infelizes liberais” (O Noticiador, 19/6/1832, 1/4/1833, 21/1/1834, 24/1/1834 e 12/3/1834).
Assim, em nome da defesa pública, conclamava-se a população a reagir contra o fortalecimento
daquele grupo:

“Rio-grandenses! Não durmamos com o melodioso canto daqueles, que, quais


morcegos, abanam as asas, para melhor nos poder tirar a substância que nos resta: não
consentamos que se instale na nossa Província a Sociedade Militar, que de Militar não tem
senão o nome.
Rio-grandenses! (...) [cumprimos] o nosso dever como escritor público, noticiando-vos
a chegada de pessoas que a opinião geral do Brasil aponta como nossos inimigos e das
nossas instituições liberais (...). A vós cabe redobrar a vossa vigilância e estar
continuamente alerta sobre esta visita”. (O Noticiador, 28/12/1833 e 21/1/1834)

344
Divulgava-se, promovia-se festejos e publicava-se escritos por ocasião desta data, como este “mote
ditoso”: “Salve dia, imortal dia/ Da nossa regeneração/ Salve glória da nação/ Assombro da tirania/ Sim
oh! dia de ufania/ Honra e glória do Brasil/ Salve dia tão gentil/ Dia do prazer imenso/ Salve dia tão
intenso/ Ditoso Sete de Abril/ Neste dia de heroísmo/ No dia Sete de Abril/ Cedeu o bando servil/
Baqueou o despotismo/ Venceu o patriotismo/ Os laços da hipocrisia/ Sucumbiu a sorte ímpia/ Desses vis
restauradores/ Neste dia de mil flores/ Pereceu a tirania” (O Noticiador, 22/4/1833)..
Com a deflagração da Revolução Farroupilha, a imprensa aliada do movimento
rebelde enalteceu este evento, referindo-se ao “digno lugar na história” que deveria ser
reservado à “feliz revolução provincial de vinte de setembro”; ou ainda, aos “acontecimentos
extraordinários e memoráveis” que marcaram a “gloriosa revolução de vinte de setembro”,
ocorrida em um “dia salvador”, no qual “tantos e tão denodados cidadãos liberais continentistas
de diferentes lugares, deram começo a salvar a pátria do governo opressivo e antinacional” (O
Noticiador, 3 e 6/11/1835). As proclamações passaram cada vez mais a dirigir-se à exortação
pública, incentivando os revolucionários a combaterem os inimigos legalistas, numa luta na qual
os próprios jornalistas dispunham-se a ser voluntários:

“Cidadão Comandante, e briosos defensores da liberdade! (...) Apressai-vos a concluir a


vossa obra. O tirano e seus sequazes emigrados ainda nos ameaçam, ainda estão perto de
nós; é preciso arremessá-los para longe (...). Contai, compatriotas, com a nossa fraca
cooperação e com os nossos pequenos recursos, na certeza que esta oferenda voluntária
nasce de corações generosos” (O Noticiador, Extraordinário No 3 - outubro de 1835).

Já os jornais legalistas rio-grandinos estabeleceram uma série de estratégias


discursivas no intento de, junto à opinião pública, fazer prevalecer seus pronunciamentos e
combater os dos inimigos; uma delas constituiu-se na constante intenção de atacar e denegrir a
imagem do adversário. Assim, os farroupilhas eram apresentados como “hordas de bárbaros
rivalizando com os antigos hunos”, que destruíam “os produtos dos suores de muitos anos”,
através “do roubo, do incêndio, do fratricídio”, e “feitos comuns dos canibais”. Os rebeldes
apareciam também como “horda cruelíssima de bandidos”, que buscavam saciar “a sede de
latrocínio e de carnagem, que as entranhas lhes afogueavam”. Além disto, considerava-se que “o
homem corrompido e feroz, no meio de uma guerra civil entregava-se sem freio aos excessos”
e, arrastado por “suas paixões execráveis”, punha “em prática os atos mais aviltantes e
indignos”, como estaria acontecendo com os promotores da Revolução (O Liberal Rio-
Grandense, 16/4/1836; 20/8/1836 e 5/10/1836). As folhas anti-revolucionárias ainda
vaticinavam sobre a necessidade de deter “o maligno furor dos homens turbulentos”, sendo
preciso “muita energia, unidade de vistas (...) e uma vontade forte capaz de lutar contra todos os
elementos desorganizadores” (O Commercio, 30/4/1841 e 7/5/1841). Neste sentido,
conclamava-se a população a não se deixar “iludir” pelos “anarquistas”:

“Rio-grandenses! Já os inimigos irreconciliáveis do Continente, aqueles que juraram


perdê-lo para sempre (...) empunham as armas contra o governo legal e contra os
propugnadores da ordem e das nossas instituições. Não tendo força física suficiente para
resistirem ao espírito público da Província, valendo-se da violência para constranger a
entrar nas suas fileiras a quantos encontram de qualquer classe ou condição que seja; não
tendo força moral para dirigirem os ânimos da maioria da população para o seu desastroso
sistema, valem-se das armas do terror, da intriga e enganos, para conter os timoratos,
fascinar os incautos e fazê-los cair nas ardilosas ciladas. Compatriotas! Não vos deixais
iludir; cerrai os ouvidos a quantos embustes e calúnias vos pregarem esses homens mal
intencionados; escutai só os brados da razão e da justiça proferidos por todos os homens de
bem” (O Mercantil do Rio Grande, 24/2/1836) 345.

Os periódicos anti-farroupilhas também estabeleciam paralelos entre os dois


lados em conflito, declarando que havia na Província “duas sortes de homens”, os governistas,
“fiéis a seus juramentos, seguindo a bandeira da legalidade” e que “tudo sacrificavam à mais
santa das causas, a da salvação da honra e prosperidade da Pátria”; e os farrapos, que
“sacrificavam esta mesma Pátria a seus peculiares interesses”(O Liberal Rio-Grandense,
27/2/1836) Ao referirem-se aos líderes em confronto, tratavam os militares legalistas como
“bravos e distintos brasileiros”, que “nunca capitularam com os anarquistas”, tendo
“constantemente sido pugnadores da honra da Província”, enchendo “de espanto e terror as
fileiras anarquistas”; e exortavam: “honra e glória e estes bravos da legalidade e guerra de
morte aos anarquistas” (O Mercantil do Rio Grande, 25/4/1836).
Os pronunciamentos dos rebeldes também eram desmentidos e criticados pelos
jornais legalistas, afirmando-se que a leitura dos escritos e proclamações daqueles,
demonstravam “toda a futilidade das razões que apresentavam para colorir seus crimes,
invocando o nome sagrado da liberdade”. Declarava-se ainda, quanto ao “partido dos
malvados”, que “ninguém lhes ganhava em mentira, atrevimento, astúcia e ousadia”; e que “a
tática do partido republicano era a de por em jogo todos os prestígios da arte de enganar” (O
Liberal Rio-Grandense, 24/8/1836; 12/3/1836 e 26/1/1836). Atacava-se também a imprensa
rebelde, apontando que “uma semana não se passava, sem que a facção” publicasse “uma
notícia desagradável, já adulterando os fatos, já inventando outros, e já, finalmente, dando como
certo aquilo que só ela na véspera havia concertado” (O Commercio, 12/3/1841).
Um dos principais objetivos do discurso legalista era o de não conferir qualquer
nível de legitimidade aos atos dos rebeldes. Argumentando que o “jornalista” tinha “um dever
altamente imperioso” de utilizar “a linguagem da razão e da verdade, em toda a sua nudez e
singeleza”, dissipando “as nuvens da ilusão” e iluminando “o caminho glorioso (...) trilhado
pelos campeões da liberdade legal”, a imprensa governista julgava-se formada pelos “inimigos
da impostura e da imoralidade”, e declarava “guerra interminável aos anarquistas”, buscando
“desmascarar a perfídia e rasgar o manto da hipocrisia”, por ela imputados aos rebeldes. Deste
modo, as folhas legalistas criticavam a todos que “ousassem anarquizar o Império, propondo
inovações perigosas e contrárias ao voto bem pronunciado da parte sensata da Nação, que só
almejava por tranqüilidade e sossego para marchar aos seus altos destinos”. Também se
questionava o quanto a rebelião estava custando e ainda haveria de custar à Província, bem
como perguntava-se quem poderia ser “assaz perverso e degradado” para querer “associar-se
aos que banharam suas vestes no sangue de seus irmãos; a salteadores reconhecidos por tais,
olhados pelas famílias com mais horror do que os mais famosos assassinos que avultavam nos
anais dos bandidos” (O Liberal Rio-Grandense, 19/2/1836; 13/2/1836; 30/4/1836 e 11/5/1836).
Nesta linha, ao imputar unicamente aos rebeldes a responsabilidade pela
continuidade do estado de beligerância na Província, os jornais legalistas buscavam alertar a
população para os prejuízos que a guerra civil vinha trazendo, como mais uma forma de

345
Neste sentido, o mesmo jornal, a 25/4/1836, publicava o seguinte soneto: “A teus pés cara pátria,
arqueja, expira/ O negro monstro da democracia/ Ante os régios degraus da monarquia/ Sufocado dragão,
a língua estira/ Eu já vejo queimar na Sacra Pira/ As despontadas lanças da anarquia/ Cair por terra
ingrata rebeldia/ Do feroz Corifeu que Alecto inspira/ A causa da razão não se aniquila/ Augusto templo
da legalidade/ Não se abate ao poder do novo Sila/ Parabéns te dou oh! Majestade/ Que o Brasil não
recua, não vacila/ Ao demagogo aspecto da igualdade”.
convencimento da opinião pública quanto à necessidade de encerramento do conflito. Desta
forma questionava-se como ia a “fortuna dos estancieiros” que viam “arrebatado o fruto de tão
dioturnas fadigas”; qual era a situação do agricultor, quanto “às suas colheitas e ao estado de
seus celeiros”; interrogava-se também, quem tornara “desertas e fechadas” as fábricas,
“solitárias as aulas e os colégios”, paralisados o comércio e a navegação, supensas as atividades
dos “homens de ofício e artistas”; e sentenciava-se - “os anarquistas que respondessem”.
Segundo a imprensa governista, com a revolta, “as assolações chegaram a tal ponto e foram
verificadas com tanta rapidez que, se a influência desses celerados (dos rebeldes) predominasse
no Continente por mais alguns meses, eles mesmos não teriam de que subsistir” (O Liberal Rio-
Grandense, 27/4/1836 e 26/11/1836). Assim, quanto à revolução e seus promotores, declarava-
se:

“Temos infelizmente percorrido todo o curso da revolução e por desdita temos sido
vítimas de seus terríveis efeitos que são os dons, com que o gênio mimosea a esta infeliz
Província, bafejando-a com seu pestilento hálito. (...)
Grande empenho é o dos filhos das trevas desacreditar as autoridades, levar a desordem
e a desmoralização a seu auge; tudo confundir para perpetuarem a anarquia, com que eles
se alentam e com que estão identificados, porque com ela têm vivido e nela desejam ter
firme patrimônio” (O Commercio, 12/3/1841).

Uma das tônicas dos periódicos governistas era o apelo à manutenção da


integridade territorial e política do Brasil, publicando-se constantes conclamações à população
para que a mesma resistisse aos rebeldes, acusando-os de pretender desmembrar a Província da
“associação brasileira”. Proclamava-se aos “briosos rio-grandenses” que salvassem “a
integridade do Império”, incitando-os a prezar “o nome de brasileiros” e “a união”, fechando os
ouvidos a quem falasse “de vinganças” ou a quem procurasse “excitar rivalidades”;
considerando-se que “a grande maioria nacional poderia ser iludida, mas não vencida”.
Questionava-se também “o que diria o Império e o que diria o mundo civilizado” se os rio-
grandenses “guardassem o silêncio da covardia diante de um partido” que empregava “todos os
seus esforços para lançar o fogo (...) da rebelião”. E ponderava-se que os “irmãos das outras
Províncias” eram mais felizes, pois, ao contrário do Rio Grande do Sul, não tinham “diante dos
olhos, tigres de figuras humanas, embriagando-se do sangue fraternal e uma torrente de bárbaros
assolando com o estrondo da tempestade tudo que encontrava em seu curso devastador” (O
Liberal Rio-Grandense, 8/6/1836; 23/1/1836; 5/1/1836 e 10/9/1836).
A imprensa governista condenava a acomodação e exortava o público a uma
decisiva participação em direção ao encerramento da revolta:

“Todo o rio-grandense que ama sinceramente a sua pátria, todo o rio-grandense que não
olha estupidamente para os males que nos preparam esses desorganizadores, que parecem
ter recebido do gênio do mal as chaves do inferno para entregar-nos às fúrias, não é sem
dúvida indiferente à nossa situação assustadora, nem pode proferir essas palavras
profundamente criminosas ‘que me importa?’ Que série de calamidades nos aguarda (...) se
a doutrina [dos rebeldes] não for enérgica e unanimimente repelida pelos homens da
lealdade!” (O Liberal Rio-Grandense, 29/12/1835).

As folhas anti-revolucionárias também cobravam, de parte dos governantes,


atitudes mais incisivas no combate a revolução que levassem à liquidação dos rebeldes,
cortando-se, assim, o “mal pela raíz”:
“Resta agora que as autoridades não tenham mais condescendência, que corte o mal pela
raiz: todos sabem quem são os autores de tantos e tão nefastos planos (...), forçoso é que as
leis e autoridades sejam respeitadas, que os cidadãos pacíficos não sejam o ludíbrio e
escárnio dos homens perversos e criminosos, de vadios e dissolutos, que só vivem de
desordens” (O Commercio, 12/3/1841).

Nesta conjuntura, os discursos de revolucionários e legalistas, emitidos através


da imprensa, intentavam justificar e legitimar as formas de agir e pensar de cada um dos grupos
envolvidos no confronto. A imprensa liberal farroupilha propunha-se a promover a defesa dos
“princípios da Revolução de 7 de Abril”; do “direito das gentes, ou seja, das liberdades civis e
de pensamento e expressão”; do “direito do povo de afastar os governantes de má
administração”; e do “próprio direito à rebelião contra os governo tirânicos”. Este setor do
jornalismo rio-grandino “atacava abertamente as forças conservadoras, considerando-as
retrógradas e reacionárias, representadas, no Brasil, pelos restauradores, e apresentava também a
idéia, em termos mundiais, do avanço dos ideais revolucionário-progressistas”346. Com a
intensificação das disputas e a eclosão da guerra civil, esta imprensa passou a enaltecer os feitos
e as atitudes dos farrapos, criticando a ação dos governistas. Por outro lado, o discurso dos
jornais legalistas “buscou demonstrar que seus articulantes eram os legítimos representantes das
instituições rio-grandenses, da ordem e da estabilidade, em oposição aos rebeldes que, segundo
aquela concepção, pretendiam ‘anarquizar’ a Província”, ao promoverem “a desintegração
político-territorial do país” e ao afastar o Rio Grande do Sul “da associação brasileira”. Desta
maneira, “os legalistas buscaram legitimar seus atos e anular os dos adversários, bem como
contradizer os pronunciamentos e macular a imagem dos inimigos”347.
Assim, o discurso jornalístico de cunho político-partidário marcou a gênese da
imprensa rio-grandina, bem como a da gaúcha e brasileira. Através de pronunciamentos ricos
em concitações públicas, algumas vezes mais direcionados ao sentimento e à paixão, do que ao
raciocínio e à reflexão, foi entabulada, ao lado da luta armada, uma verdadeira batalha político-
ideológica por meio das palavras, num processo de construção/descontrução discursiva entre
revolucionários e legalistas. Neste período, a imprensa exerceu importante papel, contribuindo
em alta escala para a formação de uma tradição de disputas políticas entre grupos rivais,
moldando vocabulários, pronunciamentos e formas de tratamento entre as partes em confronto.
Formavam-se, deste modo, alguns dos dispositivos de manipulação da opinião pública por meio
da imprensa, com a formação de identidades político-partidárias e a personificação do “nosso” e
do “outro”, do “partidário” e do “adversário”, do “aliado” e do “inimigo”, num conflito
discursivo que iria marcar o comportamento do jornalismo ao longo dos diversos embates
políticos, partidários e militares típicos da formação histórica sul-rio-grandense, mormente à
época da transição Monarquia - República.

346
ALVES, Francisco das Neves. Um “escritor público” na cidade do Rio Grande à época da Revolução
Farroupilha. In: ALVES, Francisco das Neves & TORRES, Luiz Henrique (orgs.). Ensaios de História do
Rio Grande do Sul. Rio Grande: URG, 1996. p. 41.
347
ALVES, Francisco das Neves. Imprensa e Revolução Farroupilha: um estudo de caso do discurso
legalista. Histórica - Revista da Associação dos Pós-Graduandos em História da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. n.2. Porto Alegre: APGH-PUCRS, 1997. p. 107.
UNIDADE II – A UNIVOCIDADE DISCURSIVA:
OS JORNAIS DIÁRIOS

A univocidade discursiva, concernente às publicações diárias rio-grandinas,


caracterizadas por uma circulação regular e perene ao longo de várias décadas, deveu-se
fudamentalmente à constante busca, de cada um destes periódicos, pelo equilíbrio entre a
expressão mais evidente de suas convicções político-partidárias e seus interesses comerciais e
financeiros de sustentação. Apesar de cada um dos jornais ter uma filiação ou simpatia
partidária bem definida, havia “o problema fundamental (...) de assegurar uma venda estável” e
da “possibilidade de construir um plano comercial”. Mesmo que as motivações político-
ideológicas se constituíssem em elemento de significativa importância, elas não podem ser
consideradas de modo isolado, pois “só em condições excepcionais, em determinados períodos
de boom da opinião pública”, poderia ocorrer “que uma opinião tivesse sorte independente da
forma exterior na qual fosse apresentada”, uma vez que “o modo de apresentação tinha grande
importância para a estabilidade do negócio”348. Assim, os pronunciamentos político-partidários
destes jornais rio-grandinos tornavam-se mais intensos e abertos em períodos determinados e
cronologicamente bem definidos, marcadamente nos momentos de maior atividade partidária,
caso das inversões governamentais e dos períodos eleitorais, já que, o voto consistia-se no “ato
conclusivo de uma disputa contínua, feita publicamente, entre argumentos e contra-
argumentos”349.
Deste modo, os diários rio-grandinos intentaram constantemente incluir-se no
seleto grupo dos praticantes de uma imprensa séria, numa manifesta intenção de distingüi-los da
pequena imprensa. Cada qual com sua identidade partidária, desenvolveu uma diferente
estratégia discursiva e organizou um plano editorial que lhes permitisse encontrar seu espaço no
conjunto da imprensa rio-grandina. O Diario do Rio Grande adotou a conduta de apresentar-se
como uma folha essencialmente informativa, dando primazia ao seu caráter noticioso, ainda
assim, identificou-se político-partidariamente com os conservadores, numa primeira fase e, com
os liberais, numa segunda. O Commercial, de acordo com o próprio título, dedicava-se
basicamente às questões mercantis, utilizando os boletins comerciais como seu grande mote de
edição, quanto ao conteúdo partidário, filiou-se aos conservadores. Já o Artista e o Echo do Sul,
foram aqueles com vínculos mais fortes aos partidos imperiais, o primeiro como folha
doutrinária dos liberais, o segundo chegou a ser órgão do Partido Conservador, porém, em
nenhum deles o conteúdo partidário constitui-se em elemento único, não descuidando-se das
outras seções editoriais, mormente as noticiosas, as comerciais e a de matéria publicitária. Estes
jornais desenvolveram suas respectivas formações discursivas que se adaptaram ao jogo
partidário do Período Monárquico, as quais tiveram de ser drasticamente modificadas com o
advento da República.

1. DIARIO DO RIO GRANDE: O “PRIMADO DA NOTÍCIA”


COMO ESTRATÉGIA DISCURSIVA

O jornal Diario do Rio Grande, criado em 1848, constituiu-se numa das mais
significativas publicações da Província/Estado sul-rio-grandense, aparecendo como uma das
primeiras folhas gaúchas de periodicidade diária que conseguiu garantir uma circulação regular
por um longo período de sobrevivência. Sua longevidade chegou a permitir-lhe auto-proclamar-
se como o decano da imprensa do Rio Grande, tendo circulado até o ano de 1910.
Durante a sua existência, o Diario esteve ao lado das duas agremiações
partidárias que predominaram na vida política do Brasil Imperial, defendendo as idéias
conservadoras desde a sua criação até 1877 e atuando em prol do Partido Liberal entre 1878 e
1889, quando, com o advento da República, após um período de indefinição editorial, começou
a desencardear-se o processo que levaria ao encerramento de sua publicação.

348
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. 9.ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1995. p.179.
349
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.
p. 248.
Mesmo com vínculos partidários, a construção discursiva do diário rio-grandino
buscou legitimar-se a partir de uma suposta orientação apolítica, de modo que as manifestações
de cunho político-partidário só ganhavam suas páginas com maior vigor em períodos bem
demarcados, notadamente aqueles ligados às inversões partidárias ou nos momentos de
campanha eleitoral, após os quais a folha retornava a seu papel de periódico essencialmente
noticiador, preocupado-se com seus interesses comerciais.
Neste sentido, o Diario buscou demonstrar que era uma publicação que
representava a imprensa “séria”, acima de tudo interessada no bem-estar da população, em nível
local, regional e nacional, e que pairava sobre as disputas e paixões políticas, mais interessada
em prestar um serviço, informando (e formando) a opinião pública, através de uma pretendida
primazia da notícia.

1.1. Da fundação à virada liberal (1848-1878)

O Diario do Rio Grande foi fundado a 16 de outubro de 1848350, por Antônio


José Caetano da Silva, jornalista e político saquarema que ocupou cargos político-
administrativos ligados à cidade do Rio Grande e com larga experiência nas lides jornalísticas,
tendo promovido a publicação de uma série de pequenos jornais, alguns pasquins, destinados às
discussões pessoais e/ou políticas do redator, e outros noticiosos, todos de efêmera
sobrevivência. Com a proposta de circulação diária e com um nível de organização tipográfica
excelente para os padrões da época, Caetano da Silva teria no Diario do Rio Grande o ápice de
sua carreira jornalística351.
O diário rio-grandino apresentou, na primeira edição, o seu programa sob o
título de “Prospecto” e nele destacou que a importância adquirida pela cidade do Rio Grande e
pela Província como um todo exigia a existência de um jornal que melhor as representasse;
explicou também, suas intenções de agir em defesa das atividades econômicas provinciais:

“Uma das primeiras Províncias do Império, em ilustração, indústria, comércio e riqueza,


o Rio Grande sofria, entretanto, a falta de uma folha que fosse na imprensa a representante,
senão dessa mesma ilustração e riqueza, ao menos dos altos interesses da sua indústria e
comércio.
Essa falta, porém compreende preencher o Diario, cujas colunas se consagram à defesa
da causa, tão injustamente desvalida, dos mais poderosos elementos da nossa prosperidade
e grandeza - o comércio e a indústria. Assim, pois, seremos francos em apontar e combater
350
Sobre a fundação deste jornal observar: ALVES, Francisco das Neves. 1848: a cidade do Rio Grande
e o surgimento do Diario do Rio Grande. In: ALVES, Francisco das Neves & TORRES, Luiz Henrique.
A cidade do Rio Grande: estudos históricos. Rio Grande: Universidade do Rio Grande, Secretaria
Municipal de Educação e Cultura, 1995. p. 72-90.
351
Antônio José Caetano da Silva nasceu no Rio Grande a 12/12/1817 e faleceu no Rio de Janeiro a
29/5/1865. Entre as décadas de quarenta e cinqüenta desenvolveu agitada carreira jornalística na sua
cidade natal; redigiu o Rio-Grandense desde a sua fundação, em 1845, e depois, consecutivamente, a
Revista Imparcial, o Correio de Anúncios, a Nova Época, o Mentiroso, o Noticiador e a Guarda
Avançada, todos pequenos periódicos de curta duração, até fundar o Diario do Rio Grande, em 1848. Foi
primeiro escriturário e administrador interino da Mesa de Rendas Provinciais no Rio Grande e teve papel
saliente na política local, sendo eleito e várias vezes reeleito para a Assembléia Legislativa Provincial,
pelo Partido Conservador. Em 1853, retirou-se para o Rio de Janeiro, onde ainda conseguiria sua
nomeação para amanuense e depois segundo escriturário da Alfândega. Foi ainda sucessivamente
nomeado inspetor da Alfândega de Paranaguá e Uruguaiana, esta última comissão a partir de janeiro de
1859. Terminada esta incumbência, voltou para a Corte, onde faleceu de febre tifóide. Dados obtidos a
partir de: BARRETO, Abeillard. Primórdios da imprensa no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Comissão
Executiva do Sesquicentenário da Revolução Farroupilha, 1986. p. 134.
os entraves que se opuserem ao desenvolvimento de uma e de outro, e sem consideração
alguma a quaisquer conveniências particulares, mostrar-nos-emos inflexíveis no
desempenho do nosso mandato.”

Buscando diferenciar-se das práticas jornalísticas então em voga, com um forte


predomínio da pasquinagem - caminho trilhado inclusive pelo próprio Caetano da Silva, em
outros periódicos, - o Diario do Rio Grande intentava, desde o início, colocar-se como
representante da imprensa “séria”, afirmando ainda em seu “Prospecto” que de suas colunas
seriam “banidas as mesquinhas questões pessoais”, adotando por lemas de conduta as frases:
“que os princípios são tudo, os homens, pouco”; e “tudo entra em nosso plano, menos o homem
dentro do seu lar doméstico”.
Com referência à política, a folha diária argumentava que aceitaria múltiplas
visões, mas destacava a necessidade da “ordem”, lembrando o discurso dos conservadores,
grupo ao qual estava vinculado o seu fundador. Assim, também na sua primeira edição, o
periódico rio-grandino garantia que mesmo respeitando “todas as opiniões”, pugnaria
“constantemente pelo triunfo e propagação das idéias de ordem”, a qual “simbolizava a
bandeira” debaixo da qual o jornal militaria.
Nesta linha, os pronunciamentos político-partidários do Diario do Rio Grande,
durante seus primeiros meses de circulação, foram demarcados pelo contexto político brasileiro
de 1848, caracterizado pela ascensão dos conservadores ao poder. Para o jornal a nova situação
estava completamente legitimada, tendo sido atingida pelas mais lícitas vias, uma vez que “o
partido saquarema, que por quase cinco anos gemera sob o domínio da mais bárbara opressão”,
obteve “o triunfo legítimo, porque pelejara constantemente neste longo período, já pela
imprensa, já pela tribuna”, únicos campos “de combate que esse partido reconhecia para
conquista do poder” (19/10/1848).
O jornal intentava construir uma visão profundamente negativa dos liberais
apeados do governo, qualificando a fase anterior como um “longo e opressivo reinado que (...)
acabrunhou o Brasil” (21/10/1848); caracterizado pelo constante “violar da constituição e das
leis” e por uma administração que teria dividido “a nação em duas partes: a uns chamou amigos,
a outros inimigos; para aqueles liberalizou os favores; para estes, a injustiça, o esbulho dos
direitos” (23/10/1848). Segundo a folha rio-grandina, para os liberais faltava o “essencial”, pois
“não tinham o senso prático da administração; sobejava-lhes porém, e muito, o egoísmo
interesseiro; e cegos pelo demônio da vingança que os dominava, não deram um passo que não
fosse um desmentido a suas promessas passadas” (24/10/1848). O Diario confirmava sua
convicção sobre a justeza da derrubada dos liberais, concluindo que “essa gente” fora “apeada
pela Coroa das posições oficiais”, tendo em vista o “bem do Brasil” (25/10/1848).

Para o Diario do Rio Grande, diante da desastrosa “obra” dos liberais, era
“mister que o novo gabinete empregasse forças sobre-humanas para salvar os destinos da pátria”
(21/10/1848), e, ao encontro desta idéia, divulgava as palavras de ordem que deveriam nortear o
novo governo, ou seja a “prudência” e a “moderação”, que seriam naturalmente inerentes ao
comportamento político dos conservadores, associadas à “justiça” e à “tolerância”, todas
praticadas, no entanto com “energia”, de modo a combater os “desmandos” advindo do tempo
dos liberais no poder, levando assim em frente um “programa simples e claro”, representando
uma “fiança de liberdade, ordem e progresso” (24/10/1848).
O periódico considerava que o intento da nova administração era a
“conservação constitucional”, o que não lhe tiraria a “iniciativa”, nem a condenaria “à
imobilidade”, de modo que o ministério iria “examinar como as diversas molas do sistema
funcionavam” e quais as que deveriam “melhorar, sem abalo, sem mudança” (23/10/1848).
Comparando “o finado e o novo ministério”, a folha rio-grandina apontava neste “todos os
elementos de ordem e honra nacional” e, naquele, “homens inteiramente nulos e visionários”,
bem como “nomes desconhecidos” no país e alguns até alvo da “ojeriza” nacional (26/10/1848).

Defendendo a derrubada de funcionários nomeados pelos liberais nos quadros


político-burocrático-administrativos, o diário rio-grandino considerava que para “sua própria
conservação e sobretudo pelo bem da ordem pública” seria lícito a qualquer governo “exonerar
dos cargos de confiança aqueles cidadãos que não a merecessem”, substituindo-os por quem
colocasse em execução o programa governista (14/11/1848) e sentenciava que, “se o ministério
e seus delegados nas províncias, por errado cálculo de justiça e tolerância”, consentissem em
manter “nos empregos de influência política os seus reconhecidos adversários” seria “o mesmo
que habilitá-los com as armas” que utilizariam para escalar “as posições que perderam na
gerência dos negócios públicos” (10//11/1848).

De acordo com o ideário conservador que à época imputava aos liberais a pecha
de rebeldes e desorganizadores das instituições nacionais, o Diario do Rio Grande, ainda em
1848, buscava chamar a atenção do público para as “tendências maléficas, antimonárquicas e
revolucionárias” do Partido Liberal (21/10/1848); afirmando que, diante da “facção anárquica e
turbulenta”, os novos governantes deveriam ser “Argos vigilantes na guarda da tranqüilidade
pública” (10/11/1848). Desta forma, o jornal apontava para o iminente perigo revolucionário
que representariam os liberais dentro ou fora do poder:

“Ou no governo ou fora dele, conspirando. - Tal é o pensamento, tal é a divisa do


partido hoje em oposição! (...) É assim que [esse] partido, todas as vezes que é apeado do
poder, que tanto tem profanado, desprezando os meios legais, a tribuna e a imprensa,
recorre a ensangüentados movimentos políticos para novamente colocar-se no poder; todos
os meios lhe servem para concitar as massas, para iludir os incautos e arrastá-los a seus
danados fins! (...) Agora, fora do poder, é bem de supor que eles que não podem sequer
defender-se dos males que causaram ao país, quanto mais reconquistar o governo, tratem
de lançar mão de seu costumado meio, as revoluções, e para isso é mister que o governo se
previna, é preciso toda a energia para com os homens que só conhecem por divisa e só tem
por princípios (...) a conspiração.” (6/12/1848)

Transposto o momento mais delicado da mudança partidária, a intensidade do


discurso político-partidário do Diario do Rio Grande passaria por uma suavização, tendo em
vista o privilégio aos interesses comerciais do jornal, preocupação ausente nos demais
empreendimentos jornalísticos do fundador Caetano da Silva e fator da curta duração dos
mesmos. Desta maneira, desde os primeiros tempos, o diário rio-grandino intentava manter um
certo equilíbrio entre seus objetivos comerciais e a aberta exposição de suas convicções
políticas.
A 1o de outubro de 1854, o Diario do Rio Grande passou à propriedade de
Antônio Estevam de Bitancourt e Silva352 e, na mesma data, eram renovados os objetivos
editoriais do jornal que se dizia destinado a satisfazer as “multiplicadas exigências do bom
gosto e mesmo do luxo” das “civilizadas e opulentas” cidades da zona sul da Província, visando
o progresso e os melhoramentos da mesma e do país como um todo. Politicamente, o periódico
propalava que ingressaria num caminho apartidário, deixando, inclusive de exibir o dístico de
“folha comercial e política” e argumentando que seus únicos interesses passavam a ser
comerciais e noticiosos:

“Essencialmente comercial e noticioso, o Diario não distingue parcialidades políticas:


todas as opiniões terão aceitação em suas colunas, contanto que a linguagem esteja em
relação com o programa que preside à redação da folha.” (1/10/1854)

O discurso político-partidário do periódico rio-grandino, mesmo que em escala


bem menor que à época de sua fundação, não deixou, no entanto de existir, manifestando-se, de
forma mais comedida, ao longo da década de cinqüenta, notadamente ao final desta. Este
abrandamento do discurso político deveu-se também à fase de indefinição política que marcava
o contexto regional, bem como à política de conciliação que caraterizava o quadro partidário
nacional.

Na virada dos anos cinqüenta para os sessenta, o Diario do Rio Grande


dedicou-se a sustentar a administração de uma presidência conservadora na Província,
utilizando-se de argumentos da mesma natureza daqueles usados dez anos antes, qualificando a
oposição liberal como “filha de interesses individuais e esperanças malogradas, de caprichos,
ódios e vinganças” (14/3/1858). O Partido Liberal era também descrito como estando “sob o
comando de gente inepta e louca” (18/3/1858) e formado por “uma oligarquia”, que queria “se
levantar às expensas dos interesses mais legítimos de uma população inteira”, buscando ocupar
“todas as posições” e que pretendia “oprimir tudo quanto lhe era avesso, por meio do
exclusivismo o mais hediondo” (16/3/1858), de modo que aqueles que não estivessem “prontos
a sacrificarem-se pela insaciável ambição de algum pretensioso egoísta” ficariam “para sempre
relegados e privados de todas as vantagens sociais (17/3/1858).

O “perigo revolucionário” que representariam os liberais ainda continuava


marcando o discurso da folha diária rio-grandina, apontando que os partidários daqueles eram
regidos por “doutrinas subversivas” (29/5/1858), e defendia também que os liberais já haviam
perdido seu espaço político, uma vez que aquela era uma “época de ilustração e de realidades”,
quando não mais fariam “fortuna os apóstolos da ideologia e os sectários dos Dantons e
Marats”; para o jornal “esses tempos nefandos em que imperavam os terríveis pró-cônsules”, já
iam “bem longe”, não deixando “por recordação senão terror, massacres, sangue e o quadro do
mais hediondo canibalismo” (20/4/1858). Em resumo, o periódico questionava a credibilidade
do partido que continuaria apregoando “a resistência armada e a revolta como um recurso lícito
e necessário” (18/3/1858).

352
Antônio Estevam de Bitancourt e Silva era militar e proprietário fundiário rio-grandino, sobrinho de
Antônio José Caetano da Silva. Seguindo os passos do tio, militou por diversos anos junto ao Partido
Conservador, mudando, porém, ao final dos anos setenta, sua filiação partidária, mudança esta que
também viria a interferir na postura política do jornal de sua propriedade.
Ao completar doze anos, o Diario do Rio Grande enaltecia seu próprio feito,
por ter conseguido atingir aquele período de sobrevivência, fato nada comum aos jornais de
então e mais uma vez fazia sua declaração de intenções direcionadas à primazia da notícia,
adentrando aos caminhos da política somente quando as “circunstâncias” o levassem a tanto353.
Mesmo assim, o jornal mantinha suas convicções partidárias vinculadas ao ideário dos
conservadores, considerados como a representação da “massa da nação nas câmaras, no
governo e ao redor do Trono”, estando “realmente dedicados ao país, cuja glória e prosperidade
era seu maior anelo” e compreendendo indivíduos que buscavam “o progresso feito com
placidez de espírito e segurança” e cujas idéias de reformas não se consistiam em “passos
arriscados” e sim em medidas tomadas a partir de “um maduro exame de suas bases”, das
“possibilidades do país”, estudando-as “a fundo, para conhecer se poderiam ou não serem dadas
com toda seguridade” (22/7/1860).

A década de sessenta, em sua maior parte, foi marcada por uma fase de
silêncio político nas linhas do Diario do Rio Grande, característica que se deveu a certa
descrença para com a política, manifestada pelo periódico ao afirmar que não se poderia “nutrir
uma verdadeira crença política onde o ignóbil individualismo substituía as grandes idéias, os
homens e as coisas” (23/5/1863). Além disso, a Guerra do Paraguai também contribuiria para
esta etapa apolítica, uma vez que o grande interesse público estava voltado para as notícias
sobre o evento bélico; o avanço comercial, representado pelo crescente número de anúncios, era
também significativo para que a folha tivesse maior cuidado ao lidar com os assuntos de
natureza político-partidária.

Além destes fatores, em janeiro de 1866, Antônio Estevam de Bitancourt e


Silva, mesmo permanecendo como um dos proprietários, afastava-se da redação do jornal, por
motivos de doença, e associava-se a Henrique Bernardino Marques Canarim, bacharel em
direito e delegado de polícia do Rio Grande, durante sete anos, que assumiria a partir de então o
papel de diretor da redação do diário rio-grandino. O novo redator renovava os intentos
originais do periódico, voltados aos interesses econômicos locais, provinciais e nacionais; já,
quanto à política, garantia que não patrocinaria “a causa de nenhuma das parcialidades em que
se dividia a Província”, pretendendo “manter-se acima de interesses que nem sempre eram os da
causa pública”, podendo, assim, “discutir estes com o civismo e o patriotismo que deviam guiar
todo o órgão da opinião pública” e não como “órgão odiento e apaixonado de parcialidades
políticas” (1-3/1/1866).

353
Traduzindo a constante busca pelo equilíbrio entre os interesses comerciais e a exposição das
convicções políticas, o jornal afirmava: “Doze anos deslizaram-se desde aquele em que o Diario do Rio
Grande encetou a sua carreira”. Nos quais teria buscado “o cumprimento das promessas feitas ao público,
a escolha de matérias de interesse, a atividade na transmissão das notícias de maior e menor vulto, o
esmero em todos os ramos de um bom desempenho tipográfico, os conselhos dos inteligentes e, enfim, os
manifestos esforços para satisfazer os desejos de um povo que, querendo e precisando ler, não quer
contudo que abusem da sua boa fé ou que o engane (...). Confessa o Diario que até o ano findo não foi
aquilo que ele ardentemente desejava, aquilo que ele ainda espera vir a ser. Sim. Foi mister consumir
muito tempo em fazer frente à influência perniciosa de uma série de circunstâncias desfavoráveis que as
rivalidades lhe opunham, plantando espinhos no caminho por onde tinha ele de passar e a cada passo
procurando distraí-lo. O Diario vai, porém, ocupar-se agora, com dobrado esforço do seu conveniente
desenvolvimento, e procurando elevar-se ao maior grau de perfeição há de, sem dúvida, satisfazer cada
vez mais os desejos dos seus numerosos leitores” (1/1/1860).
Ainda em 1867, o Diario reforçava as afirmações de, naquele momento, estar
sustentando uma postura apartidária:

“Não é o Diario o órgão de um partido político na Província, nem aos homens, por mais
elevados que sejam, move guerra para satisfazer as paixões e rancores em que a atualidade
se seva com prazer. Se presta culto às suas amizades, não tem, contudo, contas políticas que
ajustar, nem cálculos a realizar com miras de um futuro mais próspero ao domínio
exclusivo desta ou daquela parcialidade”. (14/4/1867)

Apesar desta anunciada posição, com a inversão política de 1868 e a retomada


do poder pelos conservadores, levaria o Diario do Rio Grande a uma nova incursão nas
discussões de cunho político-partidário, com uma maior intensidade no final daquele ano e
durante o seguinte. Neste quadro, o jornal conclamava a população a confiar na Monarquia, no
Governo e no Conselho de Estado, “composto das mais robustas inteligências do país” e “dos
homens mais eminentes”, que saberiam “salvar a pátria, em crises momentosas porque tivesse
de passar” (19/7/1868).

Segundo o jornal, “jamais para o Brasil e para os amigos de suas instituições, se


desenhara situação tão fagueira, como a da elevação ao poder do Partido Conservador”, através
da “sábia deliberação da Coroa” de 16 de julho de 1868. Assim, teriam sido chamados para
guiar o país “os homens da política que encontravam na Constituição e na lei, recursos para
vingar e defender a dignidade nacional, para consolidar a ordem pública e promover a sua
prosperidade, sem precisar de ditaduras” (9-10/11/1868).

A oposição liberal era encarada pelo diário rio-grandino como defensora de


“falsas teorias de liberdade” que, “para impugnar a doutrina constitucional”, tentava “iludir o
povo” (12/11/1868); estando “dominada pelo espírito de uma contradição perpétua”, de modo
que “seu padrão político” consistia em “negar as afirmativas dos conservadores”, sendo
“oposicionistas por sistema”, obedecendo “cegamente a uma ação fatal” e vivendo “ao capricho
de conveniências passageiras”, as quais poderiam “satisfazer ressentimentos pessoais, mas que
nunca contentariam as exigências do espírito público”. Mantendo o argumento da ameaça
revolucionária representada pelos liberais, o jornal afirmava que “em abstrato, a oposição se
proclamava liberal, porém na prática apenas se poderia chamar revolucionária” (24/10/1868).

Em 6 de novembro de 1868, a folha rio-grandina qualificava os díspares


procedimentos dos liberais no governo e na oposição:

“Se o sentido da palavra liberal fosse na prática o que é na teoria, os liberais seriam os
defensores de todos os direitos do homem e portanto da ordem, máximo direito da
sociedade. A experiência tem demonstrado o contrário; os liberais são opressores e
anarquistas. Sacrificaram o dever à conveniência e o direito ao interesse. Quando
governam, o poder não tem limites; quando estão na oposição o poder não tem direitos.
Quando estão de posse do poder todos os excessos se explicam pela necessidade de
consolidar a liberdade; quando caem do poder todos os excessos são permitidos e até
louváveis para salvar a liberdade. Com este falso nome de liberais santificam todas as
baixezas e glorificam todos os crimes. A história confirma estas desgraçadas verdades”.

Procurando desacreditar os pronunciamentos dos liberais, o Diario apontava


que os mesmos não tinham um ideário bem definido, uma vez que agiam com base na “injúria
ou na intriga” e, “em vez de combater por idéias, esgotavam a sua atividade em impotentes
desabafos de uma desgraçada raiva” (20/11/1868); e, “de longa data”, utilizavam-se “do insulto
por argumento”, “injuriando por sistema, declamando por estilo e gritando por hábito”
(21/11/1868). De acordo com o jornal, “nunca, em verdade, partido político digno do seu nome
resvalou a nível tão baixo, como a parcialidade denominada liberal” (11/4/1869) e respondendo
a uma folha desta agremiação, afirmava que “os difamadores por profissão não cansavam, tudo
injuriavam, tudo enxovalhavam”, chamando os jornalistas liberais de “réprobos para quem as
admoestações decentes nada valiam” (3/4/5/1869).

Mesmo discutindo abertamente a nova situação política, o periódico rio-


grandino continuava por afirmar que “nunca fora órgão das parcialidades que se debatiam na
Província”, permanecendo porém ao lado daqueles que considerava como defensores da
Constituição e da Monarquia (12/11/1868), e buscando manter uma conduta alicerçada no
respeito aos possíveis adversários354, concernente com seu caráter de folha “séria”. Ainda assim,
o Diario fez campanha aberta por candidatos conservadores, apontados como “rio-grandenses
honestos, considerados, inteligentes e cheios de serviços prestados ao país” (5/2/1869); além de
proclamar que a cidade do Rio Grande, que “amava as instituições políticas, que eram a garantia
da ordem e tranqüilidade”, não poderia “acompanhar o partido que confundia a liberdade com a
anarquia” e que defendia “a resistência armada, quando fora do poder” (9-10/11/1868), em
referência direta aos adversários liberais.

Para o diário rio-grandino, os conservadores no poder representavam a garantia


das instituições nacionais, pois considerava que “o Partido Conservador não cederia à ameaça
de revolução, nem à grita inconsiderada de reforma”, obedecendo, isto sim, “às leis do
aperfeiçoamento lento e gradual da sociedade, meditando e avançando”; ao estar “resolvido a
combater a propaganda revolucionária de reformas na Constituição, abria franco caminho às
legítimas aspirações da liberdade”, não se recusando “a mover todos os obstáculos” para que as
mesmas se completassem, desde que respeitada a “sua divisa de desenvolver progressivamente
os grandes e fecundos princípios constitucionais” (17/9/1869).

Ainda em 1870, prosseguiam as manifestações contrárias ao Partido Liberal que


não teria conseguido “pensar nem promover o bem-estar moral e material de seus concidadãos”
(4-5/4/1870), através de seu “radical” plano reformista. Segundo o Diario do Rio Grande “a
necessidade de reformas era um sentimento unânime da população brasileira”, porém, apontava
para o verdadeiro “abismo que separava a moderação do princípio conservador, da exageração
do princípio liberal” e explicava que “para o conservador a reforma era um melhoramento da
legislação, um desenvolvimento das instituições, uma consolidação das garantias consagradas”,
enquanto, “para o liberal, reforma significava a ruína do que existia, a perturbação do regime
constitucional e o aniquilamento das tradições”; preferindo a “opinião pública” valorizar as
“reformas circunspectas e refletidas do Partido Conservador”, não tomando a “sério os cartazes
de reforma da oposição liberal” (16/1/1870).

354
Sobre a disputa politico-partidária através da imprensa, o jornal afirmava: “Repelimos esses insultos,
por amor do respeito que nos inspiram as instituições do nosso país; e porque não lançamos mão de tão
grosseiro meio para ferir aos nossos adversários. Por demais, temos provado que é esse o nosso sistema.
Respeitar para merecer igual respeito” (21/11/1868).
Até o final dos anos setenta, tendo em vista a manutenção dos conservadores no
poder, amenizou-se o discurso político-partidário da folha rio-grandina, que apresentaria certa
recrudescência, durante períodos pouco prolongados, à época das campanhas eleitorais. O
jornal desenvolvia também argumentos diante das questões que agitavam e até questionavam a
forma de governo monárquica. Após o Manifesto Republicano de 1870, o Diario declarou-se
como anti-republicano, considerando que “a idéia de federação era uma utopia” e “que ligeiras
considerações bastavam para aniquilá-la, pois dividir um Império “consolidado e
constitucional”, significaria “renunciar voluntariamente a sua força, a sua soberania e até a sua
dignidade”, reduzindo as províncias “a pequenos estados insignificantes, sem força, sem seiva,
sem futuro finalmente” (29/1/1871).

O ideal republicano era ainda renegado, diante do argumento de que a mudança


da forma de governo brasileira era desnecessária, pois o Brasil era apontado como uma “nação
livre, regida por uma monarquia constitucional, onde todos os poderes eram delegações da
soberania popular, todas as religiões eram permitidas” e “onde as manifestações legítimas do
pensamento encontravam liberdade”, além do que o país estaria “próspero e caminhando ao lado
dos que mais se adiantavam”. Para o jornal, o fim da Monarquia representaria a redução do
Brasil à mesma condição das vizinhas “republiquetas”, constantemente assoladas por golpes de
estado, afirmando que a liberdade no país era “uma realidade e, não como nas repúblicas sul-
americanas, uma ficção que as dissensões continuamente abalavam” (29/1/1871).

Quanto ao pensamento abolicionista, a folha diária defendia o processo gradual


para a extinção da escravatura, uma vez que esta representava “uma reforma em todo estado
social” brasileiro e como “acontecimento grave”, precisaria “ser dirigido por um poder forte”,
de modo a não se levar “de roldão a questão da organização do trabalho (...), fundamento e
esteio de toda a riqueza pública e particular” (7/7/1871). Nessa linha, o jornal manifestava que,
não só a questão da escravidão, como todas as reformas promovidas pelos conservadores
haviam sido “apregoadas pelo Partido Liberal, que todavia nunca logrou realizá-las”, ao passo
que o Partido Conservador estava implementando-as, progressivamente, deixando “passar a
experiência dos tempos”, avantajando-se “a sociedade em riqueza, luzes e melhores costumes”,
deixando-as “amadurecer no espírito público” e realizando-as “paulatinamente” (8/7/1871).

Neste sentido, a Lei do Ventre Livre foi aplaudida pelo jornal, como “um
grande cometimento de justiça, de dever e de glória que elevou muito alto o nome brasileiro”,
saldando-se “uma dívida sagrada do passado que cumpria a todo o custo resgatar”. A lei
abolicionista foi apresentada como obra dos conservadores, que “com a voz poderosa, justa e
legal da autoridade brasileira”, declararam que daquele dia em diante, “ninguém mais nasceria
escravo no Império do Brasil” (1/1/1872).

Uma das grandes preocupações do diário rio-grandino foi com a questão da


unidade do Partido Conservador, buscando conciliar os conflitos internos e promover o fim das
dissidências, que vinham permitindo o avanço do Partido Liberal, argumentando que este
crescimento liberal não adviria de méritos próprios e dava-se, isto sim, por causa das divisões
entre os conservadores que “aumentavam a confusão e aplanavam o caminho aos felizes
liberais” (16-7/8/1872).
A 8 de julho de 1873, desfeita a sociedade com Henrique Bernardino Marques
Canarim, a direção e redação do Diario foi reassumida por Antônio Estevam de Bitancourt e
Silva que intentou reafirmar a identidade do periódico com o pensamento conservador. A 11 de
setembro daquele ano, o jornal afirmava que mesmo não sendo “folha política”, mantinha seus
princípios, uma vez que aderira “à causa conservadora desde seu primeiro número, em 1848,
época em que militavam saquaremas e luzias”. Mesmo com a proposta de “se dedicar às
questões que envolviam única e exclusivamente o interesse público, sendo ao mesmo tempo o
mais noticioso possível”, para que os leitores conhecessem o que acontecia “por toda a parte”, o
diário rio-grandino garantia sua filiação ao Partido Conservador, “advogando sempre os
princípios com a moderação própria de quem tinha a convicção de que se dedicava à causa mais
risonha e mais cheia de futuro para o país” (1/1/1874).

Apesar de manter-se como “representante da idéia conservadora”, o jornal


propunha-se a trilhar o “caminho seguro” da “doutrina” e da “tradição”, não discutindo as
“polêmicas partidárias”, ou “reproduzindo argumentos”, e sim “noticiando as questões” que
envolviam a política, afirmando estar certo de que o público não veria naquela “moderação a
prova de querer-se fugir a uma luta”, uma vez que eram os próprios “leitores que nem sempre
queriam dedicar a atenção às lutas inglórias e improfícuas da imprensa partidária”355
(25/1/1874).

De acordo com este caráter “doutrinário”, o Diario do Rio Grande suavizou


seus pronunciamentos com relação às disputas entre conservadores e liberais, passando,
inclusive, a pregar certa concórdia nas disputas partidárias em nome do bem do país:

“O que mais que tudo queremos é a vida, o jogo regular dos partidos, influindo no
governo do país pelo apoio e influência da opinião pública. Esquecido o passado,
desejamos que o Partido Conservador pela discussão calma e refletiva faça prevalecer suas
doutrinas e por elas e só com elas triunfe. Vencedor, governe bem. Vencido, prepare-se e
anime-se a ser o farol do futuro. E em um campo vasto e imenso, o bem deste
país, encontre-se única e exclusivamente pugnando por idéias com o seu legítimo e
constitucional adversário. (6/12/1873) Vivendo e desenvolvendo-se os dois partidos com os
recursos de que ambos dispõem, os resultados de sua mútua ação serão auspiciosos para a
Província. [Devendo, assim,] a tribuna e a imprensa só se ocuparem de questões de
doutrina, de idéias e princípios, que instruindo a todas as classes sociais, pouco a pouco as
vão acostumando a tomarem parte no manejo dos negócios públicos.” (10/1/1874)

As dissidências dentre os conservadores permaneciam preocupando a folha


diária, fazendo, entre 1873 e 1874, constantes “votos pela unificação do partido” pois, só assim,
ficaria garantido seu espaço nas campanhas político-eleitorais (14/11/1873) . O jornal chegou a
considerar que as lideranças conservadoras teriam chegado a restabelecer “a tradicional
disciplina do partido (...) cessando a divergência que a dilacerava há anos”, vencendo-se “as
inimizades pessoais e as lutas locais” e, deste modo, concorrendo “para a harmonia e a
unificação do Partido Conservador rio-grandense” (15/11/1873). Ainda no primeiro semestre de
1874, no entanto, o periódico, traçando um esboço histórico das origens da dissidência dentre os
conservadores, considerava-a como um mal praticamente incontornável, afirmando que “não era

355
Para o Diario as folhas doutrinárias poderiam esclarecer o público através de enfoques e linhas
editorias diferenciadas: “Mas se as teses políticas são as mesmas, se pelo mesmo molde encaram a
marcha dos negócios do país e suas necessidades, por uma necessária e forçada conseqüência de doutrina,
tem contudo, cada uma, sua ação própria, especial e por prismas diferentes podem olhar, apreciar mil
incidentes, quer de caráter público, quer individual” (6/3/1874).
sem verdadeira mágoa, sem profundo pesar”, que reconhecia “estar ainda firme, robusta e com
os mesmos propósitos a cisão que aparecera no seio do Partido Conservador” (11/6/1871).

Em julho de 1874, Francisco Maurício Gonçalves, ligado às lides da imprensa


há mais de vinte anos, inclusive como funcionário do Diário do Rio Grande, associava-se a
Antônio Estevam de Bitancourt e Silva na administração e redação da folha, propondo-se a um
afastamento das disputas partidárias. De acordo com esta proposta, foi promovida, cada vez com
maior intensidade, uma suavização do discurso político-partidário do jornal, que, já no ano
seguinte, propunha-se a analisar a política de forma “imparcial” e “conscienciosa”, inpirando-se
“pela crítica justa e severa” (6/3/1875).

A 16 de janeiro de 1876, Francisco Maurício Gonçalves arrendou o Diario,


permanecendo então como o único responsável pelo jornal. Mantendo sua proposta de abster-se
“na luta dos partidos políticos, sendo apenas órgão dos interesses gerais”, a folha garantia,
porém, que não ficaria fechada às discussões políticas para o que, no entanto, seria “aberta uma
rubrica especial”, a parte das matérias editorias do periódico que, a partir de então mergulhou
em nova fase de silêncio quanto aos assuntos político-partidários, entre 1876 e 1877.

O diário rio-grandino revelava certa desilusão para com a política,


demonstrando não dar maior importância a qual fosse a facção que estivesse no poder:

“Não têm entre nós organização regular os partidos políticos; as queixas da oposição,
liberal ou conservadora, são sempre as mesmas, acham mau tudo quanto faz o governo,
ainda mesmo quando este, levado pela força das coisas, quer fazer realizar ou conseguir
fins com a execução prática das medidas lembradas outrora pela própria oposição; não se
perdoa coisa alguma, em muitas ocasiões chega-se até a negar os meios regulares de
governo, vai-se ao último excesso. O partido que apoia o governo cai nos mesmos
excessos, louva o ato mais fútil e pueril e o iguala a medidas muitas vezes de grande
alcance para o futuro do país, aplaude hoje o que censurava ontem, acha que mais perfeito
não pode ser o gabinete saído do seu seio.” (13/8/1876)

Confirmando sua postura de “pronunciar-se sem cor política” (26-27/11/1877),


o jornal afirmou que não era mais uma folha ligada ao Partido Conservador356. A 1o de
dezembro de 1877, desfeito o arrendamento, a responsabilidade do Diario voltava somente para
Antônio Estevam de Bitancourt e Silva, a proposta de uma postura apolítica, porém, persistiu,
afirmando-se naquela data que o periódico não seria “folha política e, na qualidade de folha
neutra”, saberia “fazer-se agradar pela severa imparcialidade que prometia manter nas suas
apreciações e na luta dos partidos”.
Os pronunciamentos do jornal continuaram marcados pela decepção para com a
política, não importando qual o partido situacionista ou oposicionista, apontando a política
como “um caos, sem princípio moral de ordem alguma - um labirinto, cuja entrada e saída não
356
Referindo-se tanto a Antônio Estevam de Bitancourt e Silva, quanto a Francisco Maurício Gonçalves,
o Diario do Rio Grande explicava o afastamento daqueles do Partido Conservador: “Mas os desgostos
que teve (Bitancourt e Silva) nestes últimos tempos, vendo o caminho tortuoso que tomara a
administração pública nesta Provícia levaram-no a abster seu jornal de mais apoiar esta política, e o fez
retirando-se, quando talvez lhe sobejavam motivos para até renegar esses princípios. O arrendatário do
Diario (Maurício Gonçalves), cidadão fora das lutas ativas da política, entendeu não prestar apoio a
se via” e “um capricho como todos os caprichos, ora mutável, ora pertinaz por extremo”; e não
desejando interpor-se “sobre qual dos dois atuais partidos deveria ser chamado” ao poder. A
folha declarava-se fatigada “com grandes programas e altiloqüentes palavras”, afirmando que
se tornavam necessários “mais moralidade” e “um governo forte, econômico e sério”, fossem
quais fossem os homens ou partidos (15/12/1877).
A fragmentação política do Partido Conservador, bem como o crescimento dos
liberais, a desilusão para com a política da situação conservadora, e o caráter de folha apolítica
manifesto pelo Diario do Rio Grande consistiam em indícios os quais anunciavam que o
caminho estava aberto para a virada política que o jornal promoveria em direção à seara liberal.

1.2. A postura liberal e a “neutralidade” partidária (1878-1889)

Os elementos constitutivos do discurso do Diario do Rio Grande expressos ao


final da década de setenta já demarcavam os primeiros passos para a transformação que o jornal
promoveria em sua postura político-partidária a partir de 1878. A decepção com a evolução
política caracterizada, notadamente no contexto regional, pelas cisões dentre os conservadores e
um incontestável avanço liberal, levou o periódico a buscar manifestar-se, primeiro como
“doutrinário”, suavizando as críticas aos liberais e, posteriormente, sem filiações partidárias,
reinando um silêncio político em seus pronunciamentos, preparando assim o caminho para o
futuro apoio ao Partido Liberal.
A virada liberal do Diario acompanhou a mudança de orientação partidária de
seu responsável, Antônio Estevam de Bitancourt e Silva, que passaria a militar na agremiação
liberal, chegando a candidatar-se a cargos eletivos por este partido. Além disso, o jornal
começou a receber forte influência de Zacarias de Salcedo, promotor da causa liberal; primeiro
como correspondente, e depois como um dos responsáveis pela edição da folha. A estratégia
discursiva adotada pela folha diária diante do novo vínculo partidário, foi a de encarar a
mudança como algo natural, evitando chamar a atenção para o fato, sem pronunciar-se sobre o
mesmo, não entabulando justificativas e nem sequer respondendo às provocações dos demais
representantes da imprensa.
De acordo com a nova ligação, o diário rio-grandino aplaudiu a inversão
política de 1878, com a ascensão dos liberais, desejando que “Deus iluminasse” o recém-
nomeado ministério, “guiando a governação pública, em crise tão melindrosa” em que o Partido
Conservador deixara o país, “correspondendo, assim, ao apelo que o Monarca fizera ao Partido
Liberal, julgando-o capaz de conjurar tão negregada situação” (7-8/1/1878). Desta forma, o
jornal explicava que uma das principais funções do novo gabinete era a de corrigir os erros do
passado, missão apontada como “espinhosa e difícil”, apenas obtida com “energia, dedicação,
estudo e coragem”, uma vez que “o país estava em completo desmantelo” (8/2/1878). A folha
apontava a mudança na situação política do país como “oportuna, sensata, patriótica, honesta e
reparadora”, como “um acerto feliz e providencial” e ainda como uma “evolução hábil,
conveniente, salutar, moralizadora e de grandes benefícios sociais” (20/1/1878).
Para o jornal, um dos primeiros passos do Partido Liberal no poder deveria ser a
dissolução da Câmara, de maioria conservadora, que poderia prejudicar as reformas pretendidas
pelos liberais. Argumentava que se o governo apresentasse seu projeto reformista, “liberal,

nenhum dos partidos, ficando-lhe o direito salvo de observar a marcha deles e apreciá-la como for justo”
(27/8/1876).
adiantado e democrático”, teria de enfrentar uma Câmara que “não era liberal, nem adiantada,
nem democrática, porém, conservadora”, a qual buscaria transformar aquele projeto “no sentido
das suas idéias”, podendo “mutilar o pensamento da reforma”, enchendo-o “de deformidades
que o tornassem irrealizável, incoveniente no contraditório com o espírito e com a
responsabilidade de um governo liberal” (3-5/2/1878).
Assim, o periódico rio-grandino destacava que só um ministério organizado
através de “cidadãos sem compromisso algum no passado e vindos das fileiras mais adiantadas
da democracia” poderia “arcar com toda dificuldade, romper com tradições tão perigosas e
impedir o descalabro completo”, para o qual estaria marchando o país, “se continuasse a ser
governado por mais três ou quatro anos, tão criminosamente como fora naqueles últimos anos”
(8/2//1878).
Ao lado da mudança de posição do Diario do Rio Grande, desenvolveu-se uma
reversão na construção do conflito discursivo, onde os antigos inimigos, os liberais, passaram a
receber o tratamento de aliados, ao passo que os conservadores passavam a ser tratados como os
inimigos de antes. Neste sentido, considerava que os novos detentores do poder salvariam o país
dos males provocados durante o período de domínio dos conservadores:

“Hoje que nós temos um governo liberal que sinceramente ama o trabalho; hoje que nós
temos um governo que com as veras da alma estremece pela salvação da Pátria e reconhece
a necessidade de modelar seus atos nas bases mais largas da opinião popular, da harmonia
com as instituições que nos regem, cortando os abusos e escândalos, e atacando (...) o
favoritismo pessoal que nos roubava a seiva da nação; hoje enfim, que temos um verdadeiro
governo, é preciso ser-se político para que o país todo saiba (...) que o Partido Conservador
não tem patriotismo nem critério; que é inimigo da pátria, que é um esbanjador dos cofres
públicos; que sem escrúpulo nem patriotismo reduziu o povo à miséria (...).
No entanto, dez anos depois, do seio de um partido ilustre, surge uma mocidade
adiantada que se identifica com o progresso das idéias da época e não consente que corra
desaproveitada a grandeza do Império de Santa Cruz.” (9/3/1878)

Na mesma linha, o jornal apontava que “era muito crítica a posição em que os
conservadores deixaram o país”, uma vez que “não se julgavam com o compromisso de
governar, mas sim no direito de esbanjar, embora a nação passasse por um choque vergonhoso
ou desse um grito de angústia” (6/4/1878). A solução a estes problemas estaria num ministério
como o liberal, que marchava “por um caminho sensato e seguro” (24/3/1878), só tendo “a
cobiça de bem servir ao país” e “estudando com louvável solicitude as reformas precisas e
recomendadas pela experiência para colocar a administração pública na órbita da legalidade”
(17-18/6/1878). A ode de enaltecimentos aos liberais também direcionava-se ao cenário
provincial, ao afirmar que “a situação liberal inspirara-se nos sentimentos de justiça e do bem
público”, ao escolher seu delegado no Rio Grande do Sul, considerado como “um cidadão
digno, que sabia manter-se na altura do elevado encargo que lhe fora confiado” (15/5/1878).
Manifestavam-se também, nessa época, os primeiros pronunciamentos do periódico rio-
grandino amplamente favoráveis à ascendente liderança do Partido Liberal rio-grandense
representada pela figura de Gaspar da Silveira Martins357.

357
O jornal, comparando a administração conservadora a um dilúvio, afirmava que: “nem assim
conseguiriam matar o povo, porque em lugar de uma barca teríamos sete (referindo-se ao gabinete
liberal) e o primeiro piloto que outrora fora Noé, hoje seria Gaspar da Silveira Martins, que é mais hábil
por ser especialista” (31/3/1878).
Para a folha rio-grandina, o Partido Conservador estava dividido e enfraquecido,
sem condições de enfrentar as urnas (19/7/1878) e previa que nas futuras eleições “a vitória do
Partido Liberal seria esplêndida em todo o Império”, e mais notáveis ainda na “heróica
Província” rio-grandense, que se preparava “para dar batalha aos adversários” conservadores, os
quais seriam “vencidos pela dedicação e disciplina de cidadãos alimentados pela crença e pelo
amor da Pátria”, ou seja, os únicos que poderiam “conduzir o Império à felicidade e à glória”,
defendendo a “bandeira que se desdobrava sem manchas e que se projetava sobre a terra
alcantilada para o progresso e conseqüentemente para a grandeza” (4/8/1878).
Além dos conservadores, um outro adversário começava a aparecer na
perspectiva do Diario, representado no incipiente movimento republicano, apontado como
pouco expressivo, oportunista, contraditório e excrescente no cenário político nacional:

“Uma das feições características da luta eleitoral é a manifesta decadência do grupo


republicano, demonstrada pela insuficiência dos resultados e pela tristeza dos expedientes.
Sem norte certo, associando-se conforme os interesses de ocasião e de localidade a todos os
partidos; iludindo toda as esperanças nos momentos mais solenes; contradizendo-se a todo
o instante, em procura de restritas vantagens com sacrifício de grandes princípios [de modo
que] a república do futuro simboliza um regresso ao passado, quase sem um apelo generoso
às máximas aspirações populares no porvir.” (29/8/1878)

Em janeiro de 1879, o diário rio-grandino comemorava um ano de existência do


ministério liberal, quando “nova era surgira para o Brasil”, fazendo votos para que a situação
vencesse “todos os tropeços que acintosamente lhe eram antepostos”, contribuindo “eficazmente
para a felicidade do povo e glória da nação brasileira”. O jornal deixava claro que o apoio por
ele dado ao gabinete estava amparado na presença dos dois líderes liberais gaúchos no governo,
o Visconde de Pelotas, “notável pelo seu caráter como por sua inexcedível valentia provada em
tantas batalhas”, ocupando a pasta da Guerra; e Silveira Martins, “dotado de prodigiosos dotes
do espírito, abalizado político, fervoroso apóstolo da liberdade, o tipo mais perfeito do caráter
rio-grandense”, que “tomou conta da espinhosa pasta da Fazenda” (6-8/1/1879).
Com o afastamento de Gaspar da Silveira Martins, o Diario do Rio Grande
rompeu com o ministério liberal, esclarecendo que a divergência com o líder rio-grandense
enfraquecera “muito o gabinete que não poderia ter longa vida, porque não representava
perfeitamente o seu partido, nem a vontade popular”. O jornal argumentava que o Partido
Liberal defendera a “igualdade de todos os cidadãos qualquer que fosse a sua religião”, no
entanto, o governo não julgara a “ocasião oportuna para esta reforma e assim pronunciou a sua
própria sentença de morte”358, pois um gabinete que não se mantinha fiel “às doutrinas do
programa do seu partido”, não tinha “razão de ser e melhor seria que se retirasse, do que, sob a
bandeira liberal, governar o país de forma contrária às suas idéias” (23/2/1879).
Aquele líder liberal passou a ter o apoio incondicional da parte do Diario que
deu-lhe “os votos de adesão (...) pela forma altamente digna com que soubera representar a
Província no Conselho da Coroa”, e prestou-lhe “significativa homenagem” em respeito à
atitude de Silveira Martins, que não duvidara “em abandonar a pasta de ministro para ocupar o
seu posto na Câmara”, consistindo-se em “exemplo grandioso, digno de ser imitado” por

358
Além de defender a posição de Silveira Martins a respeito da extensão do voto aos acatólicos, o jornal
rio-grandino apoiava também a liberdade de cultos, afirmando que a mesma “é uma garantia que os
povos têm direito de exigir dos seus governos; ela dá idéia altamente civilizadora de uma nação, e é uma
espécie de convite sedutor para os perseguidos de todas as tiranias e para os molestados de todas as
contrariedades da fortuna” (28/8/1878).
aqueles que se interessassem “pelo engrandecimento da Pátria”, querendo vê-la “na vanguarda
da civilização, realizando as veementes aspirações de um povo livre”. O jornal aplaudia o fato
de que aquela liderança preferira “demitir-se do poder”, do que representar um papel “avesso às
suas convicções”, julgando “superior a todas as conveniências individuais o adiantamento
político da Pátria”, querendo “levantar por cima dos caducos preconceitos o estandarte das
grandes idéias” (6/3/1879).
A 20 de maio de 1879, Zacarias de Salcedo359 associou-se a Antônio Estevam
de Bitancourt e Silva na direção do Diario do Rio Grande, efetivando de forma oficial uma
influência que já se dava na prática. Naquela data, a título de “Parentesis Editorial”, o jornal
anunciava, agora aberta e diretamente, sua filiação partidária, auto-proclamando-se como “folha
política, comercial e noticiosa” que também se dedicaria “ao movimento político do Brasil,
mantendo a bandeira liberal e promovendo o triunfo das idéias que lhe eram adstritas”.
De acordo com esta convicção, o periódico rio-grandino, historiava a evolução
dos liberais, desde 1868 e justificando-se pelo avanço do ideário do partido naqueles “dez anos
de luta”, afirmava que o “Partido Liberal não estava com o governo” e sim na oposição, e, “com
essa oposição e com o Partido Liberal rio-grandense estava o Diario do Rio Grande (16/71879).
O jornal fazia uma distinção entre os “liberais convencidos” que estavam “com os princípios da
sua bandeira política” e os “liberais de ocasião” os quais esqueciam “os princípios e
reverenciavam as conveniências dos atrativos do poder”, ou seja distingüia “liberais e
governistas”, uma vez que “os cidadãos que estivessem convencidos da probidade política do
seu partido, declaravam-se imediatamente em oposição ao governo”, enquanto que aqueles que
não tinham este pensamento “ficaram com o governo e por este fato declararam-se
imediatamente em oposição ao Partido Liberal” (31/7/1879).
Por ocasião da escolha senatorial e eleição para deputado, o diário rio-grandino
fazia campanha por Silveira Martins para o Senado, justificando que “o grande tribuno
consubstanciava as aspirações, tendências e idéias desta heróica Província”, através de sua
“energia e coerência” e, quanto à deputação afirmava que ao Partido Liberal não faltavam
“nomes e inteligências ilustres” prontos “unicamente a prestar serviços reais” ao Rio Grande do
Sul, devendo a população “distingüí-los e recompensá-los”, elegendo-os (13/11/1879).
Nos primeiros meses de 1880, prosseguia a campanha contra o Ministério
Sinimbu e, apesar da tentativa de evitar a discussão acalorada e polêmica das paixões
pessoais360, o jornal buscava justificar a exacerbação do discurso político-partidário, naquele

359
Zacarias de Salcedo, antigo jornalista rio-grandino, começou como compositor nas oficinas da
Tribuna, traduziu romances e passou a atuar como tipógrafo do Artista, chegando a redator do mesmo.
Sempre ligado à política liberal, chegou a eleger-se deputado provincial. Em nível local, regional e
nacional, ocupou posições de destaque em diretórios do Partido Liberal. Além de sua atuação nas folhas
rio-grandinas, também escreveu para periódicos da Corte. Já ao final do século XIX, atuou no mercado
financeiro, na cidade do Rio de Janeiro, onde presidiu o Banco de Crédito Público e a Companhia de
Economia Pública, foi ainda membro do conselho fiscal da Companhia de Mineração do Município de
Tiradentes. Faleceu em abril de 1891. Informações publicadas pelo próprio Diario do Rio Grande, nas
edições de 23/9/1890 e 21/4/1891; e pelo Echo do Sul de 21/4/1891.
360
O Diario argumentava que “a imprensa, em parte alguma do mundo (...) é isenta de senões. Nem
sempre a reflexão chega a tempo de dominar as paixões de momento. No nosso plano, é bem de ver, não
entra também o isentarmo-nos de qualquer culpabilidade. Temos defeitos, temos errado e provavelmente,
se o termo da nossa existência não está próximo, havemos de errar ainda e muito. O nosso plano, pois, era
e é, discutir e não agredir. Aceitar as conclusões da discussão arcando com suas lógicas conseqüências:
sofra o amigo, mas não sofram a razão, nem a verdade. Queremos e até onde for possível nos havemos
momento. A folha ponderava que cumpria o seu dever, “sem quebra de princípios e sem
atraiçoar o grande partido a que estava filiada e do qual se distanciara o ministério”, pois
considerava que “permanecer indiferente ante a situação anormal” consistiria num “crime de
lesa-patriotismo” e seria “comungar tacitamente com a corrupção e aplaudir os defraudadores
imprudentes do orçamento do Estado”, tornando-se “necessário protestar contra os atos
corruptos de semelhante governo” (3/1/11880).
Esta postura do diário rio-grandino estendia-se ao contexto regional, onde
também colocava-se “no terreno oposicionista”, cumprindo atacar o governo “não só como
adversário do Partido Liberal senão como inimigo natural de toda a moral política e
administrativa”, censurando as atitudes do Presidente da Província que, como “delegado”
daquele governo, destituía “dos cargos de confiança os liberais de convicção”, indo “arrancar
do desconhecido indivíduos que poderiam ter nascido para tudo, menos para auxiliares de uma
administração que se inspirasse na ciência de bem governar os povos” (11/2/1880). Segundo o
jornal, a verdadeira agremiação liberal rio-grandense era educada “na escola severa do
patriotismo” e não precisava “mendigar concessões”, uma vez que impunha “a sua vontade
conforme a justiça das suas apreciações” (12/2/1880).
De acordo com este pensamento, a ascensão do novo ministério liberal contou
com amplo apoio de parte da folha rio-grandina, de acordo com a qual o Rio Grande do Sul,
notadamente na figura dos líderes liberais Silveira Martins e Visconde de Pelotas, exerceu
papel preponderante na mudança do grupo situacionista. A 5 de abril de 1880, o jornal
anunciava:

“A nossa Província bateu-se e triunfou. A situação política do país está hoje plenamente
definida. Ela já o estava desde que o triunfo das urnas rio-grandenses foi respeitado por S.
M. o Imperador, com a escolha, para o Senado, dos dois beneméritos cidadãos, Silveira
Martins e Visconde de Pelotas. Agora, porém, a situação define-se mais clara. (...) Caiu um
ministério liberal porque entendendo que podia imitar o procedimento dos conservadores
claudicou. Ergue-se agora uma situação liberal, hasteando na sua bandeira gloriosa a
opinião predominante do Rio Grande! (...)
Está plenamente confirmado o esplêndido triunfo cívico de nossa nobre e heróica
Província. A queda do Ministério Sinimbu que tão triste legado fez à Pátria, seguiu-se a
ascensão do Ministério Saraiva.”

A 19 de junho de 1880, Antônio Estevam de Bitancourt e Silva desligava-se


definitivamente do Diario, vendendo a parte que ainda lhe pertencia, tanto da empresa
tipográfica quanto do jornal, a Zacarias de Salcedo, este, por sua vez, logo teve de deslocar-se
do Rio Grande para o Rio de Janeiro, ficando o jornal ao encargo dos funcionários, notadamente
de Silvino Vidal e Manoel José de Andrade que viria a ser o proprietário do periódico. Entre
1880 e 1884, a folha rio-grandina vivia uma nova etapa que passou de uma suavização a um
silenciar do discurso político-partidário, tendo em vista a ausência de Zacarias de Salcedo, ao
que seus subalternos optaram por um abrandamento das discussões políticas; a própria
estabilização do Partido Liberal no poder; e a busca do equilíbrio entre os interesses comerciais
e as manifestações de cunho partidário, traduzida pelo apogeu a que chegou o número de
anúncios publicados.

esforçar para manter este princípio, porque nos parece mais humano ver sofrer, as nossas mais caras
afeições, as conseqüências do seu erro, do que condenar a verdade e a razão que são refúgio e ao mesmo
tempo o apanágio maior da vida moral dos povos. Não ignoramos o mal que de um semelhante modo de
pensar nos pode sobrevir, pois bem poucos serão aqueles que nos farão a devida justiça” (1/1/1880).
Neste sentido, o diário rio-grandino voltou a empunhar a bandeira da imprensa
“doutrinária” e “séria”, que pairava sobre as paixões pessoais. Para o jornal, a imprensa
consistia num “elemento de tal forma fecundo, que por si bastava para transformar as
instituições, extingüir os velhos sofismas da autoridade e fazer germinar nos espíritos as
noções” que levaram a realizar a “evolução natural” dos povos; não devendo, por tal razão,
“fazer da doutrina política o libelo pessoal, da crítica aos atos governativos a apologia
simoníaca ou a difamação sistemática” (6/7/1881). Desta maneira, a folha entendia a função da
imprensa como doutrinária, com base numa determinada causa e no bem comum, uma vez que
considerava a política não como “um jogo de paixões e de ódios individuais”, e sim como um
elemento de “muito mais elevado papel na vida dos povos”, de modo que “alimentar uma crença
política”, seria “uma questão de patriotismo”, onde “o grande sentimento da dignidade nacional
excluiria certamente o interesse egoístico das individualidades” (27/10/1881).
Nesta fase do periódico, o silêncio político só era quebrado de modo esporádico
e momentâneo à época das campanhas eleitorais, como em 1882, quando o jornal apelava para a
qualidade das candidaturas e para a “história” e a “tradição” do Partido Liberal. Segundo a
folha, os candidatos liberais eram “há muito conhecidos na política do país” e, portanto,
merecedores do sufrágio, “por seu patriotismo, pelos seus serviços e pela sua dedicação à causa
pública” (4/3/1882), consistindo-se em “dignos e conscienciosos intérpretes das aspirações”
populares (19/11/1882).
Mesmo durante as campanhas, o Diario defendia o fim dos embates pessoais e
marcados pela paixão partidária, julgando necessária “toda a unificação de pensamento e a mais
restrita adesão” às candidaturas liberais, afirmando que, enquanto “o nome do partido e a
continuação das tradições honrosas que enobreciam o seu passado”, estivessem “dependentes da
coletividade e da coerência de todos os companheiros”, seria “forçoso terminar com a funesta
política das personalidades, dar tréguas aos ódios, aos ressentimentos e às más paixões”, sendo
preciso “cerrar fileiras e pugnar pelo triunfo (...) de todos quanto militavam à sombra da
gloriosíssima bandeira liberal” (23/2/1882). Mesmo à época das eleições, o jornal optava por
exaltar as virtudes dos liberais, não havendo maior preocupação em atacar o partido
oposicionista, traduzindo o predomínio do Partido Liberal no cenário político, bem como o
prestígio dado aos interesses comerciais da folha.
A campanha abolicionista que avançava durante a década de oitenta, estando de
acordo com o pensamento de consideráveis setores liberais de então, também encontrou eco no
Diario do Rio Grande que anunciava que “a grande causa da libertação” ganhava “prosélitos
em todo o Império” (4/3/1883) e que a mesma era “um fato que iria dar-se em prazo curto”, de
modo que “em sete anos no máximo, não haveria mais escravos no Brasil”; considerava também
que, “com a transformação do trabalho”, viria “o desenvolvimento e progresso das principais
fontes de riqueza pública” e, enfim, “a prosperidade da nação” (4/10/1884).
Apesar da manutenção da postura pró-liberal, nesta etapa de silêncio político-
partidário, o jornal buscava manter sua posição de imprensa “séria”, distingüindo “a imprensa
moralizadora, justa e baluarte da liberdade, da verdade e dos direitos humanos”, daquelas
“imprensas que mercadejavam com a verdade, que especulavam com a honra e punham em
leilão a justiça”; tendo esperanças na eliminação dos representantes do segundo caso que
significariam “a prostituição dos mais enobrecidos e gloriosos deveres” e “a mais miserável
manifestação da vileza e do rebaixamento moral do espírito perante a luz” (22/5/1883). De
acordo com o periódico, a imprensa estava “destinada a aperfeiçoar a inteligência e os
costumes”, de forma que “deixá-la entregue às paixões individuais, que facilmente se
inflamavam e produziam explosão” consistia em “abrir caminho à imoralidade, à rebelião das
idéias e à anarquia social” (19/7/1883).
Esta postura, em muitos momentos apolítica, derivava-se em grande parte da
atitude absentista de Zacarias de Salcedo que, estando no Rio de Janeiro, chegou a aparecer, por
diversos meses, no frontispício do jornal, como redator “ausente há quatro anos”. Esta inusitada
situação seria resolvida a 1o de agosto de 1885, quando Salcedo admitiu como sócio a Manoel
José de Andrade361. Nesta data, aparecia um renovado programa para a folha, no aviso “Ao
Público”, afirmando-se que a mesma passava a ser um periódico “evolucionista”, dos interesses
gerais e apartidário:

“O Diario do Rio Grande será sobretudo (...) órgão dos interesses gerais. O progresso
público, em suas múltiplas e variadas manifestações e especialmente o progresso desta
cidade e Província, será o objetivo dos seus esforços e da sua atividade.
Politicamente o Diario será um jornal evolucionista, não um jornal partidário.
Acompanhará as evoluções da época, fazendo coro com as aspirações do seu tempo e
concorrendo com o seu fraco concurso para que estas sejam convertidas em realidade,
sempre que da sua realização resultem para o país vantagens de qualquer ordem, quer na
elevação dos costumes públicos, quer no melhoramento das nossas condições sociais,
políticas e econômicas.
Com estas declarações e com a de que as questões pessoais serão banidas das colunas
editoriais da folha [fica] definida a posição que desde hoje vai o Diario do Rio Grande
assumir na imprensa da Província.”

De acordo com esta concepção e com Manoel José de Andrade na direção mais
efetiva e direta do jornal, o Diario restringiu-se apenas a noticiar a inversão partidária de 1885,
com a subida dos conservadores ao poder, limitando-se a afirmar que estava “portanto mudada a
situação política do país” (20/8/1885). A folha argumentava que, como “jornal sem filiações
partidárias”, não sentia “politicamente a queda do Partido Liberal” e nem regozijava-se “com a
ascensão do Partido Conservador”, pois considerava que era “indiferente que governassem
gregos ou troianos, contanto que governassem bem”, uma vez que o país necessitava era “de
governos que se compenetrassem da sua missão” e se inspirassem “nos interesses públicos”,
sendo também preciso, “romper com os preconceitos partidários”, se quisesse “acompanhar as
evoluções da época, atendendo as aspirações do país” (21/8/1885).
Nesta época, o periódico buscava explicar que se mantinha “neutro na luta dos
partidos”, inspirando-se “no interesse geral do bem público”, num procedimento fundamentado
“nos moldes da razão, da moral e do direito”; e assistia estupefato “a uma polêmica desabrida e
violenta, sustentada pela imprensa política dos partidos militantes”, que se transformava em
“arena impura em que se digladiavam as mais vergonhosas paixões” (8/9/1885). Na opinião do
jornal, a atuação da imprensa partidária servia apenas “para a confusão dos partidos e para o
mal-estar da sociedade brasileira” (11/9/1885).
Deste modo, propunha-se a folha a executar o seu programa, apreciando “os
fatos conforme os seus deveres de órgão dos interesses públicos (...), sem preocupações
partidárias, com abstração completa de personalidades e sem cogitar dos interesses políticos de
quem quer que fosse”; garantia que sua conduta não seria outra senão a que vinha sendo “desde

361
Manoel José de Andrade era português de nascimento, mas veio ainda jovem para o Rio Grande do
Sul, tendo residido em Pelotas, de onde nas horas de lazer enviava correspondências para o Echo do Sul,
acabou por ser convidado para trabalhar neste jornal, onde chegou a ser seu redator-chefe e gerente,
posteriormente, associou-se a Zacarias de Salcedo no Diario do Rio Grande. Informações publicadas no
próprio Diario do Rio Grande, a 15 de abril de 1899, por ocasião da morte do jornalista no dia anterior.
que entrou em sua nova fase”, visando “as conveniências gerais do país, o bem-estar e a
tranqüilidade da família brasileira, a oposição a tudo que tivesse por fim satisfazer vinganças
pessoais e de baixa política”, de acordo “com a decência do jornal” que aspirava “a merecer a
consideração social, e com a imparcialidade de que a elevação dos seus intuitos lhe
assinalavam” 362 (20/9/1885).
A posição apolítica do diário rio-grandino - fase durante a qual se dedicou
constantemente à defesa dos interesses da cidade do Rio Grande, mormente os de natureza
econômica - foi interrompida nos primeiros dias de 1886 quando, com a reaproximação mais
direta de Zacarias de Salcedo na orientação da folha, deu-se um recrudescimento nos
pronunciamentos político-partidários tendo em vista a campanha eleitoral. Neste período
desenvolveu-se um dos momentos de pronunciamentos mais vibrantes, fugindo aos próprios
padrões do Diario do Rio Grande, que chegou a declarar-se em “luta pela liberdade”, lançando-
se numa forte empreitada em favor dos liberais.
Desta forma, para as eleições de 1886, o jornal conclamava “às urnas, ao
combate, à vitória”, garantindo que “o Rio Grande do Sul confiava no brio, na independência
cívica de cada um de seus filhos” e, como “os candidatos do poder, sem raiz de opinião”, seriam
“meros pedintes”, o “cidadão eleitor” representava o “juiz soberano” a quem estava confiada a
causa “da honra da Província e, em particular, dos brios do Partido Liberal” (14/1/1886). A
exortação pública tornava-se cada vez mais veemente e, segundo a folha, “a Província inteira
levantava-se”, não faltando “aos seus filhos patriotismo nem energia” que, representando “as
aspirações de um povo livre (...) lutariam e venceriam pela liberdade”. Os ataques aos
conservadores concentravam-se na questão das demissões políticas que dariam a prova de que
aquele não seria um “partido digno das simpatias da nação e das preferências do eleitorado
patriota e independente” (15/1/1886).
Para o caso do Rio Grande do Sul, mais especificamente, a crítica do periódico
rio-grandino tinha por alvo o Presidente da Província, nomeado pelos conservadores do Centro
que estaria dificultando a ação da Assembléia Provincial, traduzindo uma dicotomia típica da
formação histórica rio-grandense entre uma Presidência conservadora e uma Assembléia liberal.
Para o Diario, “o presidente que a atual situação mandava”, não estaria fazendo nada além “de
impedir a realização de todos os cometimentos de prosperidade pública, projetados pela
Assembléia Provincial”, consistindo-se o Partido Conservador numa agremiação “que nada
tinha feito pelo progresso da Província e, pelo contrário, a tratava com o maior desamor, não lhe
poupando contrariedades e vexames” (15/1/1886).
Diante das reações da imprensa conservadora, quanto ao renascimento
partidário do Diario do Rio Grande, o jornal reagia, argumentando que o seu combate às
candidaturas conservadoras, tomava por base o “amor aos interesses gerais da Província” e que
sua campanha não fora inspirada “por espírito partidário, e sim, por dever de justiça e gratidão
362
O Diario deixava aberta uma possibilidade de censurar a administração conservadora, pois reservava-
se o direito da crítica sobre os atos dos partidos prejudiciais ao bem público, diante do que seria “natural
que o conservador lhe oferecesse mais larga série de assuntos porque era o partido do governo e,
conseqüentemente, aquele sobre quem recaiam as responsabilidades da administração” (20/9/1885).
Apesar desta ressalva, foram escassas as críticas ao Partido Conservador durante o ano de 1885, como a
de 29/9/1885, referindo-se às demissões de natureza política, afirmando o jornal que: “o cidadão que é
agora nomeado somente porque é adepto da política governista, sabe de antemão que estará no exercício
do emprego enquanto predominar no país essa política”, buscando, assim, “auferir todas as vantagens
durante o tempo que for empregado da nação”, de modo que, “por qualquer lado que se aprecie essa
chusma de demissões acintosas, não podem esta senão merecer a reprovação da imprensa neutra e dos
homens sensatos de todos os partidos”.
para com quem trabalhou pela Província” e “especialmente pela cidade à cuja população, sem
distinção de partidos”, o jornal devia “a seiva que o sustentava” (16/1/1886).
Passado o processo eleitoral. o Diario lamentava a derrota liberal, manifestando
que “um sentimento de profundíssima tristeza” invadia a alma do Rio Grande e questionava “até
onde se degradaria o caráter nacional” (24/1/11886). O jornal chegou a levantar suspeitas sobre
a maneira utilizada pelos conservadores para garantir a vitória, referindo-se a fraudes eleitorais,
uma vez que as urnas haviam se “manifestado de maneira a deixar surpreendidos os próprios
vencedores”, pois “os resultados tinham ido muito além da sua expectativa”; e concluía,
afirmando que para vencer, o partido governista pusera “em prática todos os meios ao seu
dispor, desde a ameaça de demissão e a promessa de emprego público, até a proibição pela força
do livre exercício do voto” (27/1/1886).
Com o insucesso dos liberais nas eleições¸ a folha diária buscou empreender
uma engenhosa explicação para justificar as razões de ter lamentado a vitória do partido
situacionista, explicando que a maioria absoluta no parlamento seria extremamente prejudicial à
representatividade dos parlamentares, que se tornariam reféns de um gabinete poderoso em
demasia363. Desta forma, o jornal realizava verdadeira alquimia discursiva para legitimar seus
fortes pronunciamentos, apesar de seu previamente anunciado caráter de folha apolítica.
A partir de março de 1886, terminada a campanha eleitoral e com nova ausência
de Zacarias de Salcedo, o discurso político-partidário do Diario do Rio Grande passava por
mais uma etapa de suavização e as críticas aos conservadores tornavam-se mais escassas, mas
não ausentes, como a 12 de junho de 1886, quando o jornal voltava a examinar negativamente
os meios utilizados pelo Partido Conservador para obter ampla maioria parlamentar,
confirmando que “a fraude imperava com um cinismo assustador”, prevalecendo a “verdade” de
que no regime eleitoral de então “o governo tinha sempre bastante poder e influência para fazer
a eleição e nomear os mandatários do povo”; e constatando que, para verificar a “intervenção
governamental” nas eleições, bastaria analisar a composição da Câmara, a qual não estaria
exprimindo “nem a verdade da situação, nem a genuína expressão da opinião nacional”.
Nesta linha, o diário rio-grandino buscava garantir que mantinha sua postura de
“neutralidade”, porém, com um caráter diferenciado das fases anteriores quando se declarava
apolítico. Agora o jornal reservava-se o direito da crítica política em nome do bem público, ou
seja, mesmo optando por certo abrandamento do discurso, deixava em aberto a possibilidade de
censurar a situação conservadora. Afirmava, assim, que “o Diario nada tinha de comum com os
partidos políticos que disputavam a posse do poder”, no entanto, “como órgão dos interesses
gerais” não poderia “ser indiferente em absoluto aos atos desses mesmos partidos”, garantindo a
si próprio o direito de apreciar aqueles que implicassem “com a moralidade da administração e
com o prestígio das instituições”, os quais, “por seus deploráveis efeitos” concorreriam “para
agravar o já lamentável estado social” do país364 (15/6/1886).
363
De acordo com o Diario, “tendo a sua existência garantida pelo apoio de uma Câmara quase unânime,
o governo pouco se importa com o deputado (...). Dá-se então o que tantas vezes se tem visto: o
representante da nação, que é superior ao ministro, porque enquanto este é nomeado pelo rei e aquele
eleito pelo povo, vê-se na contingência ou de mal servir os interesses de seus constituintes (...) ou servi-
los impondo-se a si próprios a humilhação de implorar as boas graças do governo. (...) Com efeito, o que
pode o país esperar do deputado cuja independência fica sensivelmente restringida por motivo da grande
maioria, senão da unanimidade de que via dispor o governo? (...) Nulificados (...) hão de passar
completamente desapercebidos”, enquanto que “o governo fará o que bem lhe parecer. (...) Aí está porque
dissemos e repetimos que os resultados do último pleito eleitoral são péssimos para o país” (2/2/1886).
364
No mesmo sentido, o jornal afirmava que: “a posição que no jornalismo desta cidade assumimos, de
neutralidade em presença da luta dos dois partidos que disputam o poder, não nos inibe e antes nos impõe
Mesmo que de modo esparso, as análises negativas a respeito da administração
conservadora apareciam no periódico, como ao defender funcionários públicos liberais
“perseguidos” pelos situacionistas, destacando que, apesar de “sem filiação nem compromissos
partidários”, não poderia “deixar de correr em defesa daqueles a quem a paixão política fazia
vítima dos seus ódios e dos seus interesses prejudicados”, cumprindo este “dever com
satisfação”, pois aqueles a quem defendia seriam, “pela natureza das funções públicas que
exerciam e pela inteireza do seu caráter, muito superiores ao jogo de intrigas e bastardas
conveniências da política de campanário” (11/1/1887).
Para o jornal, diante do ministério conservador, a Provincia não poderia “gabar-
se de dever-lhe o menor serviço, de tantos que as suas conveniências e interesses reclamavam”.
Propunha-se a mencionar uma “longa relação de melhoramentos doados a esta parte do
Império”, mas a “verdade” era “que, lançando vista retrospectiva pelos atos desse gabinete, nada
encontrava-se de máxima importância” para o Rio Grande do Sul, “apenas uma ou outra
concessão, sem grande significação, no ponto de vista dos interesses gerais” do país
(30/3/1887).
O encerramento da “Questão Militar” serviu de mote para que a folha diária
criticasse a agremiação situacionista, afirmando que aquele evento terminara “com sacrifício do
prestígio e força moral do poder público, representado pela mais alta entidade administrativa - o
governo do país”. Segundo o periódico, o governo preferira se “alardear de forte, para afinal
dar o mais triste exemplo de fraqueza e desmoralização”, dando o ministério “grande prova de
não estar na altura de sua missão”, provocando “confusão e contradições”, diante do que “o
Diario congratulava-se com a briosa classe militar pelo triunfo que acabara de alcançar”,
lamentando, porém, “que a questão não terminasse de modo mais airoso para os créditos do
governo do país” (25/5/1887).
Com a renovação dos questionamentos de parte das folhas conservadoras
quanto à propalada “neutralidade” do Diario do Rio Grande, o periódico defendia-se,
argumentando que a negação à sua postura de “imprensa neutra” era uma “conclusão que só
poderiam tirar os que entendessem imprensa neutra” como aquela “que fazia elogios a esmo,
indistintamente, que achava bons todos os atos do poder público e dignos de louvores os que o
praticavam”; ou ainda aquela que se mantinha “indiferente a todas as ilegalidades, a todos os
escândalos e atentados dos governantes em prejuízo dos governados”. Diante da cobrança de
uma razão para que as censuras não se dirigissem também aos liberais, o jornal explicava que
“os liberais não governavam, não eram eles que dirigiam o país”, diante do que as possíveis
críticas não teriam procedência, se eles “nenhuma influência tinham nos atos da administração”
e concluía que se fossem “partidários todos os jornais que condenavam alguns atos do governo”,
então não haveria “no Brasil imprensa neutra” (31/5/1887).
Ainda assim, entre o segundo semestre de 1887 e o final de 1888, a folha
entraria em outra etapa de silêncio político, intentando empunhar, mais uma vez, a bandeira de
imprensa séria. Sobre este comportamento, afirmava que naquela época poucas pessoas

o dever de apreciar os atos dos agentes da governação; como órgão dos interesses da sociedade, corre-nos
o dever de velar pela sincera execução das leis, hoje como o faremos amanhã, não importa a cor da facção
que esteja a frente da direção do Estado. Apurando os atos ilegais no cadinho da imparcialidade, a nossa
franca opinião nos é indeclinável obrigação da qual nos temos desempenhado no decurso da nova fase da
existência desta folha. Afigura-se que mais relevantes serviços prestamos à causa comum, abandonando a
oposição (...), para sem os convencionais escrúpulos de partidarismo e as prevenções acanhadas de seita,
sempre que nos seja solicitado pelos acontecimentos nossa opinião dá-la franca e abertamente”
(19/8/1886).
entendiam “que o jornal devia ser veículo de paixões, em vez de instrumento de civilização e
progresso, compêndio de boas lições, repositório de conhecimentos úteis”, devendo a imprensa
“ser elemento de felicidade, de ordem e bem-estar dos povos, e não, de descrédito, de paixões
ruins, de desordem, de difamação e calúnia, pois, quem pagava por um jornal era “para que
pugnasse pelos seus direitos e interesses, e não para que explorasse o escândalo”, procurando
“garantir a sua existência por meio do desregramento” (15/1/1888).
A abolição da escravatura foi recebida com aplauso por parte do Diario,
destacando que “afinal fora vencida a grande questão” o “magno e transcedente problema”,
consistindo-se num “fato notabilíssimo que, na história da humanidade, haveria de eternamente
assinalar uma das datas mais memoráveis”. Para o jornal, era fundamental a forma pela qual
aquele fato efetuara-se, ou seja, “o mais suavemente possível” e que, conseguindo “uma
reforma desta ordem sem efusão de sangue e sem a menor comoção popular”, o Brasil seria
elevado “imensamente no conceito das nações”, acentuando-se, assim, “a boa índole do seu
povo, a sua civilização, os seus sentimentos de humanidade e de amor à Pátria” (15/5/1888).
De acordo com o periódico, “digno também da gratidão nacional era o Partido
Liberal pela sua nobre conduta” naquela questão, pois “não hesitou de dar o seu voto para que
os adversários” efetivassem a abolição; “fazendo abstenção do partidarismo (...) colocou-se ao
lado do governo e auxiliou-o a dotar o país com a reforma mais ardentemente desejada e de
maior alcance social, político e econômico”. Exortava então “honra ao Partido Liberal, pelo seu
grande exemplo de desprendimento e patriotismo” (15/5/1888).
Tendo em vista a Lei Áurea, o diário rio-grandino passou a exigir reformas mais
amplas de parte do ministério conservador, como na questão da descentralização administrativa.
Para a folha, era “tempo do governo imperial prestar atenção às aspirações das províncias”,
rompendo “com os preconceitos e erros tradicionais de uma centralização administrativa que
atrofiava as províncias” e era a origem das mesmas “não progredirem tanto quando poderiam”
(26/5/1888); fundamento essencial, num momento em que “a decadência ameaçava invadi-las”,
urgindo “que se tratasse seriamente e na mais larga escala da descentralização”. Com base neste
argumento, o periódico desafiava o governo conservador, afirmando que se o mesmo “não se
apressasse a dar impulso às reformas (...) ver-se-ia abandonado pelo país”, pois “a opinião
pública mostrava-se impaciente de saber quais eram as vistas do gabinete reformista”
(16/6/1888).
Ao final de 1888, o Diario passou a encetar uma série de pronunciamentos
inerentes ao gasparismo. Silveira Martins voltava a ser personagem de destaque nas páginas da
folha, recebendo os mais elevados elogios, como “dotado privilegiadamente de talento
superior”, “possuidor de palavra arrebatadora e convincente”, “notável tribuno”, “sábio
magistrado” que, “com a supremacia dos seus profundos conhecimentos e com aquela invejável
energia que lhe era peculiar”, vinha se mostrando “um triunfador”, acentuando-se “cada vez
mais o respeito que inspirava aos adversários” e conseguindo “irresistivelmente atrair sobre si a
admiração popular” (27/11/1888). Diante de tão elogiáveis qualidades, o jornal se via na
obrigação de demonstrá-las “por espírito de justiça e por dever de jornalista cujo principal
objetivo era o progresso do Rio Grande” (6/12/1888).
A respeito da tarifa especial, antigo intento da comunidade rio-grandina, o
jornal, explicando que a mesma originara-se de uma iniciativa dos liberais, notamente de
Silveira Martins, imputava ao partido situacionista a culpa pela não efetivação da medida,
afirmando que, mesmo “não querendo fazer política”, estava “obrigado a emitir considerações
para mostrar que (...) as administrações conservadoras parecem ter decidida ojeriza” pela tarifa
especial, já que “os conservadores da Província, que deveriam empenhar-se para que a tarifa
viesse o mais breve possível, se mostravam pelo contrário satisfeitos com a esperança de vê-la
adiada indefinidamente” (14/12/1888).
No início de junho de 1889, o jornal apontava para a perigosa crise que
ameaçava as instituições monárquicas, tendo em vista as dificuldades do Imperador para
recompor o ministério e ao avanço das idéias republicanas. Segundo a folha o próximo governo
necessitaria “de vontade enérgica e pulso forte” para dirigir o país, pois, “apressando a extinção
total do elemento escravo, a Monarquia identificara-se com a vontade e aspirações nacionais,
mas, estranha contradição, deu ao mesmo tempo um grande passo para sua própria extinção”;
tendo em vista o grande aumento no número de descontentes e aos “progressos da propaganda
republicana”. Deste modo o crescimento dos ideais republicanos, mesmo que se consistindo
numa “anomalia”, ou ainda numa “aberração”, na visão do jornal, era um risco para a forma
monárquica, de maneira que só “o patriotismo dos seus estadistas e do seu povo”, conseguiria
“preparar o Brasil para um futuro de engrandecimento, de progresso e bem-estar” (5/6/1889).
A ascensão dos liberais ao governo foi recebida com alívio de parte do Diario
que considerou o Brasil “finalmente livre” do ministério conservador, “que por forma tão
desagradável para o país assinalou o seu período administrativo” (9/6/1889). Aplaudia também
a escolha de Silveira Martins para a Presidência da Província, fato que revelaria “da parte do
atual ministério, desejos de entregar a administração das províncias a homens de reputação feita,
com um nome a zelar” e que, devido a suas posições, tivessem “uma grande responsabilidade na
gestão dos negócios públicos”; pretendendo enfim, “promover as grandes reformas do programa
liberal”, começando “por mandar para as províncias os primeiros homens do partido, aqueles
que tinham responsabilidade direta e o prestígio do seu nome e da sua capacidade” (19/6/1889).
Diante do novo quadro político nacional e regional, o periódico criticou
severamente aos conservadores que se convertiam em republicanos, afirmando que os mesmos
deveriam “declarar-se republicanos quando eram ainda representantes da nação e o seu partido
punha e dispunha na governação do Estado”. De acordo com o jornal, “o programa republicano
não oferecia mais vantagens em benefício do país” do que anteriormente, de modo que a
passagem “para os arraiais republicanos”, dera-se porque o Partido Conservador caíra do poder.
Com isto, a folha diária, mesmo como “órgão imparcial”, manifestava sua estranheza perante “a
singular inversão que se observava na Província: os conservadores a avolumar as falanges
republicanas para bater a Monarquia e os liberais a defendê-la” (11/7/1889).
Na perspectiva do Diario eram os conservadores os grandes responsáveis pela
crise monárquica e que a conversão destes aos ideais republicanos constituía-se na “anarquia
política levada ao seu auge”. Considerava, desta maneira, “que ninguém fizera ainda maior mal
à Monarquia no Brasil do que o Partido Conservador”, uma vez que, ao “fazer a abolição de
chofre, sem a menor consideração por interesses de maior transcendência”, não observou os
interesses das “classes que, mais direta e profundamente prejudicadas pela abolição imediata e
sem indenização, revoltaram-se com o que elas consideravam um atentado e uma espoliação”,
as quais se divorciaram da Monarquia. Acusava, assim, o ministério conservador de,
“exorbitando do seu programa” ter comprometido “a instituição monárquica, imprimindo com
aquele seu ato grande impulso à propaganda republicana” (12/7/1889).
Embora ainda buscasse sustentar a postura apartidária, a folha diária deu amplo
apoio ao ministério liberal que estaria “se tornando credor da benemerência do país”, devendo-
lhe fazer justiça todos aqueles que “na imprensa não se inspiravam senão no bem público, fosse
este promovido por liberais ou conservadores”, já que, “nunca no Brasil se vira um governo
fazer tanto em tão pouco tempo”. Para o diário, lançando-se “uma vista retrospectiva pelos
diversos ministérios que se tem sucedido na governação do Estado, tanto liberais como
conservadores” não se encontrava “nenhum que, como o atual, se tivesse compenetrado tanto da
sua verdadeira missão”; era apontado “como um ministério que trabalhava, que procurava dar a
razão da sua existência, que procurava impor-se à consideração e aplausos da nação, criando
meios de progresso e desenvolvendo os que já existiam” (25/8/1889).
Ainda que se declarando apolítico e justificando-se por agir em nome do bem
público, o jornal fazia campanha pelas candidaturas liberais contra conservadores e
republicanos. Afirmava que “fazendo abstração de idéia política” trataria as eleições “sob o
ponto de vista das conveniências gerais da Província”, explicando que havia “de um lado o
governo, representado perante as urnas por um partido forte e numeroso”, que promoveria “a
máxima prosperidade desta parte do Império”, e do outro, “dois partidos, um completamente
desmantelado (...) e outro, novel ainda e, portanto, sem elementos para poder desde já aspirar a
assumir a suprema governação do Estado”, ou seja, “dois partidos que nada absolutamente
poderiam fazer em benefício da Província” (27/8/1889).
A 29 de agosto de 1889, o Diario intentava explicar o seu modelo de “imprensa
neutra”:
“A política para nós é o que há de menos atraente. Não nos seduz nem nos preocupa. Se
dela não estivessem dependentes altos interesses públicos (...) ser-nos-ia absolutamente
indiferente que no próximo pleito eleitoral, ou em outro qualquer, fossem vencedores
liberais, conservadores ou republicanos. (...)
Justamente porque somos um jornal livre, sem ligações partidárias, julgamos do nosso
dever dar o nosso fraco apoio ao governo - não porque ele seja liberal - mas pelo bem que
está fazendo por esta grande coletividade social chamada Brasil.
A nossa neutralidade não vai ao ponto de nos mostrarmos indiferentes a sorte de um
governo, que (...) está promovendo, por meio de medidas adequadas e reclamadas pela
opinião, o progresso e bem-estar da Pátria.”

De acordo com esta posição, o jornal, numa de suas últimas manifestações de


cunho político-partidário antes da mudança na forma de governo, aplaudiu a vitória eleitoral dos
liberais, destacando que se deveria “dizer em honra da verdade” que o governo teria feito “ por
merecer a confiança do país, iniciando uma administração que contrastava agradavelmente com
o carrancismo e a esterilidade que caracterizavam as administrações do Império” (5/9/1889).
Assim, nos últimos anos do período monárquico, o Diario do Rio Grande
adotou uma postura de aproximação com os princípios liberais. No entanto a construção de seu
discurso político-partidário alterou-se de acordo com a conjuntura política favorável ou
desfavorável, bem como dependendo da orientação de seu responsável mais direto, variando,
deste modo, de um partidarismo atuante nos momentos de agitação partidária, para uma
“neutralidade” desinteressada e apolítica, e/ou ainda para uma “neutralidade” pragmática e
utilitarista, de ligação mais intrínseca aos liberais, sob o argumento da defesa do bem público,
posições estas profundamente vinculadas também a manutenção da sobrevivência comercial do
periódico.

1.3. O advento da República: a “imparcialidade” como alternativa viável, crise e


desaparecimento (1889-1910)
Ainda que, por diversas vezes, o Diario do Rio Grande tenha chamado a
atenção para os perigos do avanço da propaganda republicana, relacionando-o com a
possibilidade do derruir da Monarquia, foi, até certo ponto, com surpresa que o jornal encarou a
proclamação da República, fazendo inclusive referências à existência de dúvidas quanto a real
efetivação do fato e, embora não tivesse levado em conta essa incerteza, a nova forma de
governo foi admitida sem maior entusiasmo e apresentada como um “fato consumado”,
aplaudindo, no entanto, a maneira pacífica pela qual se desenvolveu a mudança.
A 19 de novembro de 1889, o periódico manifestava estas idéias a respeito da
transição Monarquia-República, desejando também que os novos governantes orientassem suas
atuações com base no patriotismo:

“Não há mais dúvidas. Está definitivamente constituída a República dos Estados Unidos
do Brasil. Quem quiser duvidar que duvide. Nós submetemo-nos à evidência do fato
consumado e congratulamo-nos, em primeiro lugar, pela forma como se operou a
transformação, sem a menor perturbação da ordem pública (...). O que todos devemos
desejar é que o Governo Provisório, e os que lhe sucederem, pautem os seus atos pelas
severas normas da justiça, da razão e do patriotismo; que o seu único objetivo seja
promover, o mais possível a felicidade da Pátria brasileira (...). Procedendo a República por
esse modo, que não lhe faltarão adesões. Os verdadeiros patriotas não hão de preferir ao
engrandecimento do seu país a preocupação das formas de governo. Antes de tudo o bem
da Pátria. O Diario do Rio Grande dá o seu fraco mas sincero apoio à nova administração,
certo de que ela como legítima representante da forma de governo que acaba de se instalar
no país, fará por este todo o bem que puder.”

Na concepção do diário rio-grandino, o caráter de tranqüilidade que marcara a


implantação da República sugeria a aceitação nacional para com a nova situação e declarava,
por conseguinte, a sua aprovação à forma de governo recém- instaurada. Segundo o jornal, a
“adesão manifestada com a maior espontaneidade, livremente, sem o menor vislumbre de
violência” demonstrava “que a instituição recentemente extinta não era a que mais correspondia
às opiniões íntimas do povo brasileiro e que as suas esperanças sobre o engrandecimento e
futuro do país estavam sensivelmente amortecidas”; desse modo, não haveria “como negar que a
forma suave e sem protesto como se operou a rápida e inesperada transição de um para outro
sistema” apontava , “inclusive aos mais refratários em submeter-se à evidência dos fatos, que a
Monarquia não tinha fortes raízes na opinião nacional” (20/11/1889).
Neste sentido, a folha apressou-se em expressar sua posição favorável com
relação ao governo republicano, justificando sua conduta na manutenção de sua postura de
defensora do bem público. Explicava, então, que, “como órgão que sempre foi dos interesses
gerais do Estado, da Província, e principalmente do meio social” em que era publicada, ficaria
“ao lado do novo governo, sustentando seus atos, enquanto estes respondessem às necessidades
do país, às suas aspirações de progresso e levantamento moral” e à medida em que fossem
colocadas “em execução as reformas que se faziam mister à autonomia das províncias e dos
municípios e ao desenvolvimento da riqueza pública e particular” (20/11/1889).
O jornal chegou até mesmo a apoiar o regime ditatorial como temporariamente
necessário na transição para a República365, declarando seu consentimento à situação, enquanto

365
O Diario tratou logo de início de precaver-se quanto às possíveis reações de outros jornais com
relação ao apoio prestado a uma ditadura, afirmando: “na nossa posição de órgão neutro, sem outro
objetivo que os interesses gerais do país, (...) devemos expender com franqueza as nossas opiniões (...).
Em relação à ditadura que presentemente governa a nação, nós temos uma opinião que a alguém pode
parecer estranha, mas que a nós nos parece, pelo contrário, muito racional, dadas as circunstâncias
o governo procedesse como até então, “pautando os seus atos pela normas do critério, da razão,
da tolerância, da liberdade e do patriotismo”, adotando “medidas constitutivas da República e
destinadas a firmá-la em sólidas bases”, procedendo, assim, “com o tino e bom senso de que
tinha dado provas, nenhum mal viria à nação da sua continuação ainda por espaço de alguns
meses”. De acordo com esta opinião, a folha chegou a renegar o até então apoiado sistema
político-partidário monárquico, defendendo que para “quem vivera longos anos em pleno
domínio constitucional, sem atingir ao grau de prosperidade e aperfeiçoamento a que tinha
direito”, não seria demais viver “alguns meses sob o regime ditatorial, mas de uma ditadura que
em poucos dias tinha feito muito mais pelo bem da nação do que fizeram as câmaras de
palavreadores naquele largo período de tempo” (3/12/1889).
Já no início de 1890, o Diario manifestava sua vontade de que a República
representasse o fim das lutas políticas apaixonadas, desejando que fosse “o 15 de Novembro
como a anistia para todas as opiniões, anistia leal e sincera” que marcasse “o início da
verdadeira época de harmonia e de tolerância, sem ressaibo de ódios nem de ressentimentos e
nem de prevenções”, uma vez que o país carecia “do concurso de todos os seus filhos”, não se
devendo “enjeitar nenhum que, de ânimo isento de paixões inconfessáveis”, quisesse “dedicar-
se a cooperar para a prosperidade nacional”, havendo “na República lugar para todos que
desejassem concorrer, cada um na sua órbita de atividade para o engrandecimento da Pátria,
para a consolidação das instituições e para o desenvolvimento da liberdade sobre a base da
ordem” (18/1/1890).
O periódico procurava manter sua constantemente alegada posição apolítica,
confirmando “que não tinha ligações partidárias” e que “apoiava ou hostilizava os homens de
governo pelos atos que praticavam e não pela idéia política que representavam” (19/1/1890).
Nesta linha, intentava dirigir seu discurso para uma ação congraçadora entre os militantes dos
antigos partidos imperiais e os novos detentores do poder. Propunha, assim, que fossem
coadunadas, “em bem de uma sólida e popular fundação do regime republicano, as forças
esparsas que os partidos constitucionais extintos haviam deixado inertes na sociedade”, as quais,
deste modo, seriam “aproveitadas em prol da administração e da consolidação da República”
(2/3/1890).
A defesa deste espírito de conciliação levaria o Diario do Rio Grande à sua
primeira discordância para com os novos governantes, tendo em vista o exclusivismo partidário
que começava a se manifestar no cenário político de então, mormente no regional:

“Que os pró-homens da situação neste Estado nos relevem a franqueza de dizer-lhes que
a sua política não é a mais própria a captar adesões. A forma como estão dirigindo a
administração do Estado, excluindo acintosamente os membros dos antigos partidos,
especialmente do liberal, é a nosso ver um desserviço que estão prestando à causa da
República. Esta política de exclusivismos e prevenções não pode produzir para os que a
fazem senão resultados negativos. Querer governar unicamente com os antigos membros do
Partido Republicano é (...) fazer política de desconfianças, e de ódios, é privar a causa
pública do concurso de cidadãos que digna e honrosamente podiam colaborar na obra de
reconstrução da Pátria.” (13/3/1890)

especiais do país. Não somos partidários do regime ditatorial como governo definitivo do país. Longe
disso. Queremos o governo regular, vazado nos moldes dos povos que se regem pelos princípios da
verdadeira e bem entendida liberdade. Nas circunstâncias anormais da nação, após a transformação
radical da forma de governo, entendemos, porém que a ditadura é uma necessidade ainda por algum
tempo” (2/12/1889).
De acordo com a folha, a exclusão daqueles que não fossem republicanos
históricos constituía-se num grave erro administrativo, pois criava “dificuldades à administração
pela deficiência de pessoal habilitado para o exercício de cargos públicos”, colocando o governo
“na contingência de rodear-se de auxiliares nem sempre aptos para o exercício” de suas funções,
sendo excluído, por motivos partidários, “pessoal suficiente em número e habilitações” para
promover a administração da República (13/3/1890). Ponderava o jornal que esta “série de
erros” que se estava praticando, criavam “dificuldades à reorganização da Pátria sob os seus
novos moldes político-administrativos” (27/3/1890).
O exclusivismo partidário era, segundo o diário rio-grandino, o grave fator que
começava a provocar desentendimentos políticos no Rio Grande do Sul, onde a oposição só
aparecera “depois que começaram a transpirar os intuitos exclusivistas dos senhores da
situação”, quando “as paixões e os ódios começaram a expandir-se em perseguições a homens
que tinham apenas o pecado original da sua origem partidária”. Na concepção da folha, “a
República, que começou sob tão bons auspícios, completamente desanuviada”, passava “a
apresentar o seu firmamento sombreado pelas paixões” daqueles que estavam “fazendo política
de pessoas, em vez de fazerem política larga e generosa, visando unicamente o bem-estar da
família rio-grandense” (13/3/1890).
Outro ponto de desencontro do Diario com relação ao governo republicano
referiu-se à questão da liberdade de imprensa, considerando que “em pleno domínio
republicano”, quando se desejava “o mais amplo direito de liberdade, salvo as necessárias
restrições da lei”, eis que se decretava “o amordaçamento da imprensa”, ou seja, “a imprensa a
que foi sempre permitido o uso pleníssimo da sua livre enunciação de pensamento”, passava “a
viver sob a ameaça constante do Decreto de 29 de Março, elaborado para o fim de impor-lhe o
silêncio ou a violência”, já que as suas determinações davam “uma elasticidade enorme” na sua
aplicação, reservando ao governo o direito de julgar o que podia ou não ser noticiado através da
imprensa, mesmo que fosse “referente a atos meramente administrativos” (6/4/1890).
O jornal demonstrava forte decepção para com os rumos empreendidos pelos
governantes, expondo que “francamente não era isto o que se esperava do governo que
proclamou a República”, daqueles mesmos “cidadãos que conquistaram na imprensa a posição
que ocupavam, fazendo uso amplíssimo do seu direito de críticas dos homens e das coisas do
antigo regime”. O periódico explicava que compreendia “os imperiosos deveres do governo de
empregar todos os seus esforços” para garantir a estabilidade republicana, mas acreditava que
havia meios “de coibir qualquer procedimento subversivo, sem atentar contra a liberdade de
pensamento”, não efetivando, assim, “tão triste exemplo de despotismo contra a instituição a
que tanto deviam alguns senão todos os cidadãos que compunham o governo do país”
(6/4/1890).
Diante do novo contexto legal, o periódico fazia questão de reafirmar sua
condição de imprensa “neutra” que, de modo eqüidistante, se propunha a censurar tanto os erros
administrativos do governo, quanto os atos que visassem subverter o status quo estabelecido a
15 de Novembro, intentando, assim, contribuir “para que a reconstrução social e política
brasileira se operasse sem perturbações e sem abalos”. Argumentava que, com base no “dever
de imprensa séria e independente”, condenaria “os atos da administração”, porém, impunha-se
também “o dever de reprovar com energia todas as tentativas subversivas da ordem e
antagônicas dos vitais interesses da nação”. E reforçava sua asseveração, confirmando que a
missão da imprensa deveria ser: “censurar os erros da administração e estigmatizar, como anti-
patriótico e indigno de brasileiro sinceramente amigo da sua Pátria, todo e qualquer plano
destinado a prejudicar a República em sua consolidação e no seu crédito no exterior”
(9/4/1890).
Durante a vigência do decreto coercitivo, o jornal desenvolveu uma série de
escritos quanto ao cerceamento à liberdade de imprensa e buscou eximir-se de emitir opiniões
abertamente contundentes com relação aos governantes. As escassas críticas mais veementes
que vieram às suas páginas referiam-se, de forma genérica, às lutas, às paixões e ao
exclusivismo partidário, tomando o extremo cuidado de não citar nomes ao expressar qualquer
censura de cunho político. Além disso, a folha não fazia qualquer menção direta ao nome de
Júlio de Castilhos, ou lançava mão de forma crítica de termos como castilhismo ou castilhista.
Dentre as poucas manifestações expressas neste período, uma delas referia-se a
idéia de um partido único no poder, diante do que o jornal lembrava “aqueles cuja intolerância
ia ao ponto de entenderem que não deveria haver senão um partido”, que o pluripartidarismo era
“essencial à boa marcha dos negócios públicos” (13/4/1890). Explicava também que “a política
de conciliação” era a única que poderia servir ao país e que o exclusivismo representava “um
grande mal, não só para os mais respeitáveis interesses nacionais, como para o próprio Governo
Provisório” (4/5/1890).
Ainda com referência à necessidade de um sistema pluripartidário, o jornal
publicou a 3 de junho de 1890 uma tabela sobre as inversões partidárias do período monárquico
entre liberais e conservadores, sugerindo, com certa sutileza, que a alternância partidária
daquela época era uma estrutura política a ser retomada nos tempos republicanos. As
prevenções quanto ao predomínio de um partido único levaram a folha a dar razoável atenção à
criação da União Nacional, descrita como a união dos antigos partidos “para em comum
trabalharem em favor da ordem e tranqüilidade da família rio-grandense” (10/6/1890). O apoio à
nova agremiação concretizava-se mesmo que de modo indireto, pois o periódico acompanhou e
divulgou a formação daquela frente partidária em diversas cidades gaúchas.
A partir do segundo semestre de 1890, arrefeceram-se ainda mais as discussões
políticas no Diario366, comportamento que se manteve em grande parte do ano seguinte, tendo
em vista o controle mais incisivo promovido pelos governos republicanos, notadamente na
figura de Fernando Abbott, não chegando, neste contexto, a dar maior divulgação ao surgimento
do Partido Republicano Federal. Com base nesta conduta, sobre as eleições de maio de 1891, o
jornal se declarava “neutro nas lutas dos partidos que disputavam o triunfo das urnas”, não se
importando “que fossem uns ou outros os vencedores”; ficando “indiferente do ponto de vista
partidário”, afirmava que seu único desejo era o de ver “em cada um dos eleitos um esforçado
propugnador do progresso e da elevação em todos os ramos da pública administração”
(19/4/1891).
A esta fase de silêncio político corresponderia também o falecimento de
Zacarias de Salcedo (18/4/1891), permanecendo uma sociedade entre os herdeiros deste e
Manoel José da Andrade até 24 de abril de 1892, quando o jornal passaria integralmente à
propriedade deste último. As manifestações de natureza política só viriam a reaparecer a partir
de novembro de 1891, com a dissolução do Congresso Nacional por parte do marechal Deodoro

366
Ainda em 24/10/1890, o jornal, ao referir-se ao agravamento das dissidências entre os republicanos,
mais uma vez apontava para o mal das disputas partidárias movidas pelas paixões, afirmando que as
divergências iriam “degenerar em verdadeira guerra pessoal e de extermínio”. Já a 15/11/1890,
aproveitando os ensejos do primeiro aniversário da nova forma de governo, a folha afirmava: “a política
partidária, com as suas restrições atrofiantes, com a sua intolerância e os seus ódios, não foi ainda banida
como elemento de atraso e de desânimo”.
da Fonseca e as conseqüentes transformações que este ato traria à política sul-rio-grandense. O
golpe de estado promovido pelo Presidente da República serviu para que a folha expressasse sua
desilusão para com os destinos dados à nova forma de governo, declarando por diversas vezes
que, no período de existência da República, o país não tinha passado sequer por um pequeno
avanço.
Diante da atitude presidencial, o periódico afirmava que aqueles
“que pensavam que com a promulgação da Constituição” estaria “legalmente constituída a
República” tinham acabado “de ter a prova do contrário”, estando o país, como à época do
Governo Provisório, “sem outra lei que a vontade dos ministros”; não havia, portanto,
Constituição na prática, pois, desde a sua criação a mesma fora “violada por aqueles que
prometerem respeitá-la e cumpri-la”. Na opinião da folha, embora o segundo aniversário da
República se aproximasse, ela ainda não havia adiantado “um passo ao caminho da sua
consolidação e do seu crédito” e, pelo contrário, “em vez de progredir estava retrogradando” e
afirmava, enfim, que “a 15 de novembro de 1891 o país estava tão adiantado como a 15 de
novembro de 1889”, ou seja, como antes, o que “imperava era a ditadura” (7/11/1891).
Quanto à derrubada de Júlio de Castilhos, o jornal a considerava como de menor
importância diante da necessidade mais urgente de afastar-se o presidente golpista, destacando
que “se a revolução tivesse unicamente por objetivo a deposição do Dr. Castilhos” poderia ser
considerado o seu encerramento, porém, como “ela era originada pelo ato prepotente do
marechal Deodoro” afirmava que a mesma prosseguiria “até demonstrar ao ditador, de forma
bastante expressiva, o descontentamento, ou antes, a indignação que o seu ato causou no Rio
Grande” (13/11/1891).
Aproveitando a data que demarcava os dois anos de existência da República, o
diário rio-grandino apresentava sua visão sobre a vida política brasileira naquele período:

“Todos queriam uma república democrática, vasada nos melhores moldes, visando o
engrandecimento da Pátria, prestando culto à liberdade, representando a lei e fazendo do
seu código político a base da sua futura grandeza. Em vez disso o que vemos? O chefe da
nação e principal fundador da República, deturpando esta nos seus fins grandiosos,
rasgando a Constituição e proclamando-se ditador, afrontando o país com sua vontade
prepotente e por esse modo se incompatibilizando com a opinião, que há de afinal condená-
lo, como o Rio Grande já o condenou.
Não é pois de festas, infelizmente, o dia de hoje [para a] República. Os patriotas que
aspiram vê-la grande, forte, cheia de prestígio e respeitada, em vez de festas, fazem votos
para que com a queda da tirania ressurja para a República uma nova época de (...) grandioso
futuro.” (15/11/1891).

Pouco antes da deposição do marechal Deodoro, o Diario manifestava sua


adesão ao movimento que visava a derrubada do governante, explicando que apoiava a
“revolução” quaisquer que fossem “as conseqüências da luta a que o Rio Grande fora provocado
pela ambição desmedida” do presidente, uma vez que ela consistia-se num ato marcado por “
hombridade, altivez e patriotismo” contrário ao “nefasto despotismo do centro”. Para o jornal
aquela causa não visava “outro fim senão o triunfo da justiça, da razão e do direito de um
grande povo sobre a prepotência”, tendo sido recebida com o entusiasmo de “toda a população
rio-grandense, sem distinção de crenças partidárias” (20/11/1891), não apontando, portanto,
para a indecisão que demarcou por certo tempo a postura de Castilhos quanto ao golpe
presidencial.
No início de 1892, o Diario do Rio Grande demonstrava toda a sua
preocupação para com os rumos que os eventos vinham tomando, apontando para o “muito mau
tempo” que corria para a República, quando “a população ordeira que trabalhava e que
produzia, a população para quem a paz e a ordem” representavam “elementos de que dependiam
a sua tranqüilidade, o seu bem-estar e o benéfico resultado do seu labor” vivia “sob uma
atmosfera de temerosíssimas apreensões, sempre receosa do dia de amanhã, sempre preocupada
com os boatos que chegavam a seus ouvidos e a que infelizmente, a agitação que reinava em
todo o país dava razão de ser” (23/1/1/1892).
O jornal fazia severas censuras com relação à fase de exasperação a que
chegavam as lutas políticas, expondo que “a família rio-grandense, dividida por longa e alterosa
muralha de ódios políticos”, achava-se naquele momento “sob a pressão de graves e temerosos
acontecimentos”, estando ameaçada “de uma guerra civil e, portanto, do descalabro de longos
anos de labor e de progresso”, pois “o ódio partidário atingira o seu ponto culminante e das suas
explosões” poderiam resultar “as mais lamentáveis desgraças, se a prudência, a abnegação e o
patriotismo” não dessem as mãos naquele “momento angustioso” (7/2/1892).
Diante deste quadro pintado pela folha, foi com grande admiração que ela
recebeu a volta de Gaspar Silveira Martins do exílio, revelando suas antigas afinidades
partidárias, pois destacava que o militante liberal, que teria sido exilado “pelo pecado de ser o
homem de maior influência política em todo o Estado”, representava um dos esteios que em
larga escala poderia prestar sua contribuição visando a solução daqueles graves acontecimentos.
O periódico estabeleceu verdadeiro paralelo comparativo entre o Rio Grande do Sul antes e
depois da retirada de Silveira Martins, afirmando que “tudo estava mudado” e que “o vasto
cenário político em que o eloqüente tribuno representou os mais importantes papéis e tanto se
impôs aos aplausos e admiração de nacionais e estrangeiros” estaria “inteiramente desmantelado
e a pedir que mão possante o reconstruísse e afugentasse do templo os vendilhões que o
desprestigiavam e conspurcavam”367 (7/2/1892).
Os desmandos político-administrativos da época do Governicho foram alvo de
críticas da parte do Diario, mormente o período de governo de Barros Cassal. De acordo com o
jornal, os atos daquele governante revelavam “o mais formal pouco caso pela opinião”, pois, ao
invés de cuidar da administração pública, punha em prática “medidas que não eram da sua
competência”, de modo que continuava “em ação a anarquia, com todo o seu cortejo de
ilegalidade e atentados” (18/3/1892). A folha qualificava como “desanimadora a situação
política do Rio Grande do Sul”, pois o mesmo “vivia por assim dizer no ar, sem saber se
imperava a ditadura” ou se valia o “regime da Constituição que fora lei fundamental do Estado”.
Mais uma vez, o periódico argumentava que não se havia “adiantado um passo no sentido da
organização do Estado”, desde o 15 de Novembro, permanecendo o “completo estado de
desorganização política e administrativa” (2/4/1892).
As censuras do diário rio-grandino concentraram-se sobre a dissidência
republicana, enquanto a mesma esteve a testa do Governicho. Segundo o jornal os dissidentes
constituíam-se numa “insignificante minoria” que pretendia “a todo transe dispor a seu arbítrio
367
Desde esta época o jornal testemunhava a heterogeneidade que marcava as forças oposicionistas no
Rio Grande do Sul na fase de implantação da República e apontava para a “franca reserva, senão espírito
de hostilidade” com que os dissidentes republicanos haviam recebido “o antigo chefe do liberalismo rio-
grandense”. Lamentava a folha “o desacordo latente”, tendo em vista a necessidade “de uma nova
agremiação, composta de cidadãos verdadeiramente interessados no levantamento do nível moral da
administração pública, que tanto se ressentia da desorientação característica das facções que lutavam
unicamente pela posse do poder” (24/2/1892).
dos destinos do Estado”, embora a opinião pública não os quisesse “como governantes, não
depositando neles confiança”. Criticando o constante adiamento para a eleição à Convenção
Rio-Grandense, a folha afirmava que estes fatos se desencadeavam graças às “conveniências”
daquele “pequeno grupo” que pensava “por esse modo firmar-se no governo do Estado”.
Concluindo, o Diario, mesmo colocando-se como “estranho absolutamente às lutas dos
partidos”, considerava que o Rio Grande estava “sendo joguete de ambiciosos que colocavam as
suas paixões acima dos interesses da sua terra” (6/5/1892).
Mesmo realizando estas críticas, o Diario do Rio Grande continuava a insistir
na manutenção de uma postura norteada apenas pelos interesses gerais, lançando mão da sua já
tradicional estratégia discursiva de auto-proclamar-se como apartidário, neutro e/ou
imparcial368. A retomada do poder por parte dos castilhistas promoveria um avanço ainda mais
intenso deste espírito apolítico da folha que, mais uma vez mergulhou numa etapa de silêncio
político, não tendo conseguido sequer dar uma maior divulgação à ação do Partido Federalista o
qual realizava um intento anteriormente apontado indiretamente pelo próprio jornal, reunindo,
mesmo que de forma não muito estável, as diversas frentes oposicionistas do Rio Grande do
Sul.
A partir de então, o jornal encerrou suas análises de conteúdo político, mas
continuou apontando para a crise e o iminente movimento bélico pelo qual o Estado estava
ameaçado de passar. Diante destas circunstâncias, a folha chegou a utilizar-se da cidade do Rio
Grande, como exemplo de moderação política por parte de seus administradores, apontando este
espírito moderado como a causa da estabilidade junto à comunidade rio-grandina,
diferentemente do que acontecia em outras partes do Rio Grande do Sul:

“Colegas nossos têm assinalado a paz e relativa tranqüilidade em nossa cidade, quando
em outros pontos do Estado reina deplorável agitação. Por nosso turno registramos o fato
como atestado eloqüentíssimo do espírito de cordura, de moderação e tolerância dos
cidadãos que exercem funções oficiais e dos que dirigem a política dominante na
localidade, e em geral de toda a população. Apraz-nos reconhecer que os cidadãos a quem
nos referimos estão prestando relevantíssimo serviço a esta cidade, sem com isso
comprometerem a causa do partido de que são adeptos, antes servindo-a com mais elevados
intuitos [e] pondo em evidência o seu espírito de ordem e as suas tendências eminentemente
civilizadoras. Oxalá não sobrevenham motivos que determinem e justifiquem o emprego de
medidas que alterem a paz e tranqüilidade de que todos gozamos e de que ardentemente
desejáramos gozasse todo o Estado.” (10//11/1892)

Já às portas da eclosão da Revolução Federalista, o diário rio-grandino, com


aversão, noticiava as violências que então se desencadeavam pelo Rio Grande do Sul, afirmando
que sendo “exageradas ou não, estas horrorosas narrações, a sua simples publicidade já
constituía um ato vergonhoso” para os rio-grandenses, dando a “tristíssima idéia” de que os
mesmos eram “mais ferozes do que os mais sanguinários e bravios selvagens”. Para o jornal,

368
Esta insistência pode ser observada em duas declarações do periódico: “Sem ligações partidárias, o
Diario como legítimo órgão dos interesses públicos, não tem outro programa que a defesa destes (...). A
todos quantos dedicarem seus esforços” para o patriotismo, “dará ele todo o seu apoio (...). Que esses
sejam republicanos históricos, nacionalistas ou federalistas, é o que pouco lhe importa. As crenças
políticas que professarem ou em nome das quais agirem, são-lhe indiferentes. Não somos aderentes de
partidos, somos sim, admiradores dos verdadeiros patriotas, dos que acima de todas as conveniências
pessoais e partidárias colocarem as da Pátria” (10/4/1892). “Como sempre temos ponderado, o Diario do
Rio Grande, procurando ser o mais imparcial possível na apreciação dos homens e dos fatos políticos do
Rio Grande, concorrerá com todas as suas forças para a organização imediata do Estado, não fazendo
questão de opiniões políticas e nem de individualidades” (25/5/1892).
parecia “incrível que, em pleno fim de século XIX, e no seio de um dos mais adiantados Estados
da República Brasileira”, fossem praticadas “cenas do mais horrível e abjeto canibalismo”,
custando a acreditar “que os instintos humanos chegassem a esse grau de abjeção e de tão
horripilante ferocidade”, insistindo na sua idéia de que o país, “em vez de melhorar”, havia
“retrogradado alguns séculos” (17/1/1893).
Na perspectiva do periódico os atos de violência até então praticados iriam
contribuir de modo bastante negativo para a imagem dos sul-rio-grandenses, explicando que a
“facilidade com que se tirava a vida pelo expedito processo do degolamento, este requinte de
tortura e martírios infligidos aos que caíam sob as garras das feras (...) com formas humanas”,
estava “prejudicando enormemente” os gaúchos “no conceito dos irmãos dos outros estados e
do estrangeiro”, para os quais aqueles já estariam passando por “um povo inculto, selvagem,
sangüinário e inacessível ao influxo da civilização”. Tomando o extremo cuidado de isentar-se,
o jornal não definia de qual dos lados em conflito partira aquela conduta violenta, mas, de forma
generalizada, apontava que eram “os excessos das paixões dos partidos” que estavam
“gravemente comprometendo e envergonhando” o Estado (17/1/1893).
Logo após a posse de Júlio de Castilhos na Presidência do Estado, o Diario
apresentava um pronunciamento no qual, apesar dos cuidados na utilização das palavras,
cobrava uma conduta do governante que permitisse o restabelecimento da normalidade no
Estado. Apesar de qualificar o líder republicano como “primus inter pares de seu partido” e
como “mentalidade de primeira plana, com todos os requisitos de chefe político”, o jornal
destacava que Castilhos havia “cometido erros graves, como todos que, desde a Proclamação da
República tinham influído nos negócios públicos do Estado”, permitindo “três anos de
agitações, de lutas inglórias e atentados”, que “envergonhavam e desacreditavam” o Rio Grande
do Sul (27/1/1893).
Segundo o periódico, a população rio-grandense tinha “o direito de exigir que
S.Ex. se consagrasse sobretudo e com dedicação e solicitude, a restituir a calma a sua terra e a
promover a sua felicidade e o seu progresso”, pois bastava “de política de ódios e de
vinganças”, sendo necessária, isto sim, “uma política larga e generosa, e de repressão de crimes
e abusos, fossem cometidos por quem fosse”. A folha chegava a isentar Júlio de Castilhos dos
acontecimentos de até então, apontando que “as maiores atrocidades” não haviam sido
“cometidas durante o seu governo”, no entanto, propunha, como fundamental, que o presidente
provasse “praticamente, com cordura, tolerância e moderação”, que “os seus sentimentos, as
suas idéias, os seus intuitos” direcionavam-se real e objetivamente para “fazer uma política de
confraternização e concórdia”, a única “compatível com os interesses de ordem e futuro do
Estado” (27/1/1893).
Mais uma vez, o jornal oferecia a cidade do Rio Grande, como “um brilhante
exemplo do quanto podia a tolerância e moderação partidárias”, já que, “enquanto em quase
todo o Estado, as paixões incandescentes de partido explodiam de modo a produzirem os
resultados mais profundamente lamentáveis”, na cidade portuária “nenhum cidadão, pelo fato de
pertencer ao partido contrário, sofria o menor vexame, a menor violência em sua liberdade” e
“antes continuavam todos vivendo fraternalmente, sem quebra das suas respectivas opiniões
políticas”; e ponderava que se fizesse “o Sr. Castilhos o mesmo” veria “por meio de uma
política generosa e de concórdia” desarmados os adversários, atraindo-os “à colaboração do
engrandecimento do Rio Grande” (27/1/1893).
A plena liberdade que, segundo o diário rio-grandino, reinava na cidade do Rio
Grande, não durou, entretanto, muito tempo e, a 1o de fevereiro de 1893, o jornal explicava que
seu responsável fora intimado a comparacer diante do Chefe de Polícia para ser notificado que
deveria abster-se “de dar notícias alarmantes, sob pena de ser recolhido à cadeia”. A folha que já
tinha anunciado que não se envolveria nas lutas políticas, agora era impedida também de
publicar relatos sobre os eventos que transcorriam no Rio Grande do Sul, mesmo que os estes
não fossem além da descrição dos fatos. Diante desta restrição, o jornal se via na iminência de
não poder prosseguir nem ao menos na condução de sua linha editorial básica e tradicional,
alicerçada na primazia da notícia:

“Se o governo dispõe de todos os elementos de segurança e estabilidade, se nem a


República nem o Estado correm o menor perigo, como lemos diariamente, não é um
verdadeiro luxo de arbítrio aplicar à imprensa a lei da rolha?
É preciso notar que a intimação não nos contraria senão pelo que tem de vexatória para
a nossa liberdade profissional, que aliás procuramos exercer o mais séria e criteriosamente
possível. Não sendo, felizmente órgão de partido e, portanto, jornal de combate, não temos
necessidade de dar notícias alarmantes, e principalmente porque são alarmantes. Damos as
notícias que julgamos dever dar, simplesmente por dever a que somos obrigados para com
o público, mas damos unicamente as que trazem certo cunho de veracidade, ou então as que
vimos publicadas em outros jornais, sejam federalistas, castilhistas, ou nem uma nem outra
coisa. (...)
Não importa, porém. Jornal de ordem, e não desejando criar dificuldades ao governo
constituído, o Diario obedece à intimação, embora convicto que esta representa antes uma
violação das leis fundamentais da União e do Estado e uma violência à liberdade de
imprensa, do que uma boa medida preventiva.”

O Diario ainda tentou lançar argumentos contra aquela medida coercitiva, como
ao denunciar que havia “parcialidade” no controle sobre a liberdade de imprensa, uma vez que,
o “rigor era unicamente para a imprensa oposicionista e imparcial”, enquanto o jornalismo
governista publicava o que bem entendia (2/3/1893). O cerco, no entanto, ficava cada vez mais
apertado e sufocante e, em julho de 1893, por ocasião da tentativa de tomada do Rio Grande
pela expedição do Júpiter com o vice-almirante Wandenkolk, a folha teve a sua circulação
suspensa e, por duas vezes, seu responsável foi novamente intimado a comparecer diante das
autoridades locais369. A estes fatores de pressão somavam-se as determinações do Decreto de 13
de Outubro de 1893 que praticamente eliminava a liberdade de imprensa, levando o Diario do
Rio Grande a um silenciar absoluto de seu discurso político, postura que iria demarcar a sua
conduta até praticamente o encerramento de sua circulação, já no século seguinte.
Ao final de 1893, o periódico rio-grandino fazia um balanço do ano findo e
manifestava seu desejo pelo final do conflito bélico. Descrevia que aquele, “para o Brasil em
geral e especialmente para o Estado do Rio Grande do Sul” fora “um verdadeiro ano de sérias
preocupações e desoladoras calamidades”, e que, “assinalando-se pela mais tremenda guerra
civil que jamais ensangüentou o solo rio-grandense, o ano de 93 foi abundantíssimo de
369
Sobre estes acontecimentos, o jornal descrevia: “Tendo cessado os motivos que determinaram a
suspensão do Diario desde terça-feira última, bem como a proibição de noticiarmos as graves ocorrências
(...) da semana passada, reencetamos hoje a publicação da folha, dando daqueles acontecimentos e dos
que posteriormente ocorreram uma notícia tão fiel quanto possível. Aceitaremos, no entanto, qualquer
retificação às inexatidões que porventura se ressentir esta narração” (15/7/1893). E avisava “aos
assinantes e ao público” que: “No espaço de dez dias recebemos duas intimações, a primeira, no dia 8,
para não darmos notícia dos graves sucessos daquele dia e dos subseqüentes. (...) A segunda, no dia 17,
não já para não dar determinada ordem de notícias, mas para suspender a publicação do jornal. (...) Tendo
sido ontem, às duas horas da tarde, suspensa a interdição, com a restrição de não darmos curso a notícias
‘alarmantes’ reencetamos hoje a publicação do Diario, pedindo desculpas aos nossos favorecedores pela
desgraças, cujas conseqüências se fariam sentir durante largo lapso de tempo”. Diante do
exposto, o jornal fazia “votos ardentes” por um futuro “mais benigno, pondo-se termo à luta de
extermínio entre irmãos e consolidando a República Brasileira com uma nova era de paz e de
progresso” (31/12/1893).
Durante o ano de 1894, o mais próximo que a folha chegou de referir-se à
guerra civil que se alastrava pelo território rio-grandense e de outros estados, deu-se à época da
tentativa de invasão da cidade do Rio Grande pelos revoltosos da Armada juntamente dos
federalistas. Tendo mais uma vez sua circulação interrompida, o jornal só pode noticiar aquele
assunto a 13 de abril de 1894, propondo-se a realizar apenas uma narração dos eventos sem
emitir qualquer juízo de valor. Mesmo assim, como ao noticiar a expedição anterior
empreendida por Wandenkolk, o jornal mostrava-se aberto à possibilidade de qualquer alteração
na narrativa entabulada, mormente das autoridades locais. Segundo o periódico, a sua “narração
estava longe de ser completa”, uma vez que fora “feita sob dados de memória, pois, no estado
de extraordinária agitação e pânico em que se achou a cidade, foi impossível tomar
apontamentos exatos”, podendo ocorrer “algumas inexatidões e lacunas”, diante do que aceitaria
“qualquer retificação que pessoa competente e autorizada julgasse dever fazer” aquele “modesto
trabalho” .
Diante dos graves acontecimentos e perseguições à imprensa, o Diario fazia
ainda maior questão em deixar evidenciada a sua postura apartidária, além de alardear sobre
suas “induvidáveis” convicções republicanas. Proclamava, assim, que “sem filiações partidárias,
estranho inteiramente às lutas em que se digladiava a família brasileira”, era “adepto convicto
das instituições vigentes, não só por entender que estas impulsionavam mais franca e
rapidamente o progresso”, estando mais em “harmonia com a índole, o espírito e as tradições
democráticas da América”; como por considerar que “a restauração monárquica, em vez de
benefícios traria ao país uma longa série de males irreparáveis” (15/11/1894).
A partir de fevereiro de 1895 a folha rio-grandina já apresentava algumas
informações com respeito à possibilidade de pacificação do sul do país. Na inaguração do
primeiro governo civil e nas atividades do Congresso Nacional, o jornal vislumbrava o caminho
para o fim da guerra, já que o país aspirava “ardentemente entrar num período de paz para poder
entregar-se com ardor às lutas do trabalho e do progresso”, intento “patriótico” que só dependia
do governo e “do Congresso, cujos atos iriam servir de senha do bem ou do mal da República”.
Além disso, o periódico desejava que “sem ligações de espécie alguma com os partidos em luta
desesperada e nefasta”, todos os cidadãos deveriam “dar tréguas às suas ambições e trabalhar
em comum para a consolidação, prestígio e engrandecimento da República” (3/5/1895).
A 25 de agosto de 1895, exultante, o jornal noticiava a paz e exortava a todos
para o fim das paixões partidárias, uma vez que “sem” vencedores ou vencidos, o país deveria
prosseguir no rumo da normalidade:

“Está terminada a luta tremenda que durante cerca de três anos ensangüentou o solo
abençoado do Rio Grande do Sul. Três anos de hecatombes, de terríveis morticínios, de
desolação e de luto. (...) A paz era a mais ardente aspiração nacional. Demonstrou-o a
opinião de todos os estados e manifestou-o a imprensa independente de um a outro extremo
do Brasil, não inspirados aquela e esta por conveniências de partido (...). Para longe as
exaltações partidárias. Tratemos de curar os males que nos causou esse doloroso período de

falta em que, a contragosto e não pequeno prejuízo nosso, incorremos durante os últimos dias”
(21/7/1893).
dores. É dever de todos, gregos ou troianos. Numa guerra civil (...) não há vencedores nem
vencidos. Vencida é só a Pátria. Ela é que sente as desgraças de seus filhos.
Procuremos todos esquecer ressentimentos e lembremo-nos que já basta de darmos aos
estranhos o espetáculo de nossas lutas sangrentas, e que enquanto nós nos trucidamos
reciprocamente, outros estados da República têm progredido admiravelmente. É tempo de
cuidarmos seriamente de tornarmos a República uma realidade (...). Para isto basta que
todos moderem as suas paixões e se lembrem que superiores a estas estão os interesses
sagrados da Pátria e do nosso caro Rio Grande. Não há sacrifícios que aquela e este não
mereçam.”

Apesar do entusiasmo pela pacificação, o periódico rio-grandino não deixou de


chamar a atenção para um elemento significativo que acompanhava o final do conflito, pois, por
mais que manifestasse seu desejo pelo encerramento das disputas partidárias, já fazia referências
quanto às profundas seqüelas que a guerra civil deixaria na vida dos sul-rio-grandenses, as quais
viriam a tona no futuro. Na perspectiva da folha, a “acumulação de ódios e paixões
incandescentes e de sacrifícios ingentes”, dificilmente seriam extintos, deixando os três anos de
luta um “longo sulco de lágrimas, de dores, de ruína e ressentimentos”, os quais representariam
“fundos e tristes vestígios” (25/8/1895) que demarcariam o porvir do Rio Grande do Sul.
Estas seqüelas deixadas pela Revolução Rio-Grandense de 1893 também
promoveriam efeitos na conduta do Diario do Rio Grande que, a partir de então, optou por um
silêncio absoluto quanto aos assuntos de cunho político-partidário como norte da sua construção
discursiva. Diferentemente do período imperial, quando a postura apolítica servia muito mais
para legitimar uma linha editorial, embora o jornal possuísse suas vinculações partidárias bem
delineadas, a partir dos primeiros anos da República e até praticamente o encerramento da sua
sobrevivência, tendo em vista a permanência das disputas políticas e os sempre constantes
riscos de perseguições à imprensa, o periódico adotou uma posição de neutralidade, agora na
prática e não mais como um argumento discursivo, eximindo-se, assim, de analisar os eventos
de natureza partidária e/ou política, que marcaram a conjuntura sul-rio-grandense da fase pós-
revolucionária.
Neste sentido, a folha rio-grandina passou a utilizar-se ainda mais intensamente
de termos como neutralidade, imparcialidade e independência quando explicava suas intenções,
fazendo ainda maior questão de ressaltar “que nada absolutamente tinha que ver com a vida
íntima dos partidos políticos”, apresentando-se “como jornal inteiramente estranho às facções
partidárias” (22/7/1898), ou também, afirmando que, “leal ao seu longo passado de absoluta
neutralidade”, não fazia “peremptoriamente política nas suas colunas” (11/1/1900), e colocando-
se “fora de todas as parcialidades, alheio ao jogo dos assuntos pessoais”, ou seja, aqueles que
falavam “às paixões subalternas e não às idéias” (17/10/1901). Para o Diario, de acordo com a
sua proposta de imparcialidade, o dever de todos, qualquer que fosse “a opinião política” que
professasse, “presidencialista ou parlamentarista, unitarista ou federalista”, deveria ser o de
“envidar todos os esforços ao seu alcance em prol da República, da sua tranqüilidade e
grandeza”, para que ela pudesse “corresponder aos fins de sua essência”, ou seja, “fazer do
Brasil uma grande, próspera, poderosa e invejável nacionalidade” (15/11/1896).
Com a morte de Manoel José de Andrade, em 1899, o jornal continuou sob a
propriedade de seus herdeiros até 1908. O periódico, no entanto, já estava vivendo seus dias de
decadência, embora ainda fizesse algumas tentativas de modernizar-se, buscando atingir os
padrões editoriais do jornalismo de então, como em março de 1907, ao tentar incluir fotografias
nas suas páginas, uma experiência modesta, na seção de publicidade, e que durou pouco. O
número de anúncios publicados diariamente, uma de suas principais seivas de sustenção,
também caia vertiginosamente. A 30 de junho de 1908, o Diario do Rio Grande era vendido
para Frediano Trebbi370 e Boaventura Lopes e passava a ser publicado sob o dístico de “órgão
popular e independente”; garantindo que procuraria manter “a sua característica de
imparcialidade, sempre correto nos seus atos de órgão popular, intransigente com o progresso e
interesses locais” (16/10/1908).
A postura apolítica foi mantida até 1910, quando o periódico aderiu à
Campanha Civilista de Rui Barbosa. A adesão praticamente incondicional a um dos lados do
embate político persistiu mesmo depois da vitória de Hermes da Fonseca371 e custaria caro ao
jornal que chegou a denunciar em suas páginas as ameaças de empastelamento que estaria
sofrendo de parte dos “situacionistas” (5/3/1910) e acusou a “absoluta falta de garantias” pela
qual estaria passando (10/3/1910). Ainda assim, a folha manteve a campanha diariamente,
apontando fraudes eleitorais, enaltecendo Rui Barbosa e atacando o marechal Hermes. Diante
disto, a circulação do Diario foi suspensa por determinação das autoridades locais entre 2 de
abril e 15 de maio. A 16 de maio de 1910, com a retomada da publicação, o jornal anunciava
que não desistia do combate, afirmando que ressurgia “para a luta, com o mesmo ardor de
sempre e pronto para ir até o sacrifício em defesa dos direitos populares”.
Em junho de 1910, a folha novamente apontava para a “falta de garantias” e até
para uma possível “agressão e tentativa de morte” de um de seus funcionários (6/6/1910).
Apesar das ameaças, os veementes pronunciamentos políticos continuavam sendo publicados,
destacando que “o militarismo sanhudo e atrabiliário e os usurpadores das instituições pátrias”
haviam rasgado “a Constituição e vilipendiado a nação”; e que “a tirania militar triunfara,
desagradando o país e aviltando a consciência nacional”, através de um governo que seria “um
agregado de existências incoerentes e repulsivas, predominando o egoísmo ambicioso da atração
do mando” (23/7/1910). Prosseguindo no debate político, em setembro de 1910, o periódico
fazia constantes ataques à “má vontade do governo local contra o Diario”, chegando a utilizar-
se de uma linguagem virulenta com relação ao Intendente Municipal, reclamando que, em vez
de liberdade, a única garantia que a imprensa poderia ter era a “tolerância” das autoridades,
dependendo, desse modo, da boa ou má vontade das mesmas372.
Neste quadro, o Diario do Rio Grande, que sempre buscara manter incólume
sua conduta de representante da imprensa séria, neutra, acima das lutas partidárias, e refratária
às paixões políticas, de modo a garantir sua linha editorial embasada na primazia da notícia e
370
Frediano Trebbi foi um ativista político que praticou um jornalismo profundamente engajado contra o
sistema oligárquico da República Velha. Atuou em diversos jornais nas primeiras décadas do século XX
e, à época da Revolução de 1923, chegou a ser espancado e baleado, quando diretor do periódico O
Rebate, em Pelotas. Conforme: RÜDIGER, Francisco Ricardo. Tendências do jornalismo. Porto Alegre:
Ed. da UFRGS, 1993. p. 38.
371
Sobre a disputa eleitoral entre Rui Barbosa e Hermes da Fonseca, observar: CARONE, Edgard. A
República Velha - evolução política (1889-1930). 4.ed. São Paulo: DIFEL, 1983. p. 258-61.;
MERCADANTE, Paulo. Militares & civis: a ética e o compromisso. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p.167-
72. e LOVE, Joseph L. O regionalismo gaúcho. São Paulo: Perspectiva, 1975. p.152-7.
372
Na sua última edição, o jornal fazia forte pronunciamento acusando esta situação: “Tolerância... Eis
tudo quanto resta, no Rio Grande do Sul, daquela liberdade clássica, tão ampla e tão pura que permitiu a
propaganda republicana dentro da monarquia imperial!... Tolerância. E hoje nem é possível a propaganda
democrática dentro do regime... republicano... Eis o que resta, Rio Grande do Sul, da tua antiga liberdade:
- Os frangalhos ensangüentados e podres da tolerância fementida, da tolerância de lenda ainda, assim
outorgada pela munificência problemática de uma caricatura de chefe, nos dias em que os seus achaques
de varizes profundas não reclamam a calmante suavidade da hamamélis em supositórios de cacau”
(19/10/1910). Este pronunciamento foi decisivo para o destino do periódico que teve a sua publicação
manter uma equilibrada quantidade de publicidade em suas páginas, romperia com todos estes
pressupostos e atitudes durante 1910. Neste ano, o jornal lançou-se numa ferrenha campanha
política, tomando partido de uma das frentes em disputa, permanecendo no confronto, mesmo
depois da derrota desta; ao mover esta campanha o periódico utilizou-se de uma linguagem
vibrante e apaixonada, fugindo completamente ao até então propalado estilo da imprensa séria; a
organização comercial da folha, decadente desde as duas últimas décadas, entrava na sua crise
mais grave, traduzida no extremamente reduzido número de anúncios. Quebrando sua
tradicional linha de conduta, enfrentando sérias dificuldades comerciais e não se adaptando a
nova fase do jornalismo empresarial, o Diario assinava sua própria sentença de morte, vindo a
desaparecer a 19 de outubro de 1910.

♦♦♦♦♦♦♦♦♦♦

Desde a sua criação, o Diario do Rio Grande, além de ter passado por diversas
fases quanto à manifestação de suas convicções político-partidárias, apresentou ainda uma série
de etapas quanto à sua organização tipográfica e comercial, as quais também influenciaram na
construção discursiva da folha. Nos primeiros anos de circulação, o jornal, de reduzido formato,
não possuía uma regularidade editorial bem definida, de modo que as matérias e os anúncios
distribuíam-se graficamente de acordo com a disponibilidade de espaço, levando em conta a
quantidade destes últimos. A partir da década de sessenta, o periódico passou por diversos
aumentos em seu formato, acompanhados de constantes avanços organizacionais. Foi através
deste amplo crescimento que o Diario chegou a constituir-se num dos mais importantes jornais
rio-grandenses durante o século XIX, notadamente na zona sul gaúcha, pois, além de circular no
Rio Grande, foi também distribuído em Pelotas, Bagé, Piratini, Alegrete, Uruguaiana, São
Gabriel, Dom Pedrito, Santanta do Livramento, Santa Vitória do Palmar e São Gabriel.
Durante os seus primeiros anos, o diário rio-grandino buscou distinguir-se da
pasquinagem, prática jornalística predominante no Rio Grande dos anos quarenta e cinqüenta,
quando foram editadas folhas de pequeno formato e circulação irregular, que utilizavam um
palavreado chulo e virulento. Diante disto, o Diario intentava aparecer como um periódico que
contrapunha aquele tipo de publicação, apresentando-se como um representante da imprensa
“séria”, não interessado na discussão de questões de cunho pessoal. Assim, desde o seu primeiro
número, o jornal pretendeu demonstrar que a sua análise sobre os acontecimentos seria baseada
na razão e não na paixão, “sempre ditada pela decência e nunca pelos insultos” (23/4/1860).
A partir da década de sessenta, quando passou a contar com a concorrência de
outros jornais diários, que buscavam afirmar-se junto à imprensa rio-grandina, o Diario do Rio
Grande objetivou demonstrar que continuava a ser o único representante da imprensa “séria” na
cidade, além do que, de acordo com o princípio da primazia da notícia, seria aquele que melhor
informava ao público leitor. Tendo em vista combater os concorrentes, o Diario procurava
desvalorizar as demais publicações, chegando a publicar uma seção denominada “Revista dos
Jornais da Terra”, na qual analisava, página a página, cada um dos jornais diários rio-grandinos,
criticando e apontando falhas ou atrasos na divulgação das informações373.

suspensa e, juridicamente, seu proprietário, então somente Frediano Trebbi, perderia definitivamente o
direito de manter a circulação da folha.
373
Como exemplos destas críticas pode-se citar: “Echo do Sul: nada, nada de notável traz o seu número
de ontem; O Commercial: idem, na mesma conformidade” (13/11/1861). “No Echo do Sul o resto da
segunda página, terceira e quarta compõem-se de puros anúncios velhos, que parece serem publicados
De acordo com esta intenção, o diário fundado em 1848 afirmava que
conquistara um espaço privilegiado junto à comunidade rio-grandina, graças ao “seu crédito
moral, ganho às expensas das habilitações, da firmeza de caráter e invariabilidade de princípios
de sua redação” (1/1/1863). Considerando-se como o “único” representante da imprensa “séria”,
o periódico chegou a apontar como características dos escritos do Echo do Sul “a especulação
sórdida, a contradição constante e a traição à verdade”, denominando-o de “comediante da
imprensa” rio-grandense (1/9/1867) e “indecente pasquim” (24/9/1868), negando-se, de acordo
com a sua “nobre missão”, a nivelar-se com o Echo tanto na linguagem, quanto na conduta
(1/9/1867). Já o Artista foi apresentado como um “pasquim venal” que “difamador por
profissão, tudo injuriava e tudo enxovalhava” (3-4/5/1869). Nesta linha, o jornal ponderava que
só a “grande imprensa”, por estar “fundada na luta do raciocínio e das idéias”, teria “direito a
ser acreditada de preferência aos panfletos” os quais não seriam merecedores de crédito
(14/2/1868).
Nas três últimas décadas do século XIX, período dentro do qual o Diario
atingiu seu apogeu em termos comerciais e de organização tipográfica e quando cada uma das
folhas diárias já havia estabelecido um espaço razoavelmente definido junto ao jornalismo rio-
grandino, ocorreu um declínio com relação às críticas aos outros jornais, e, ao lado do primado
da notícia, o Diario do Rio Grande destacava que a sua antigüidade seria o fator que lhe
garantia a credibilidade da opinião pública. Dessa forma, o periódico apresentava-se como o
“decano do jornalismo da Província” (11/9/1873), considerando que “poucos existiriam, no
Império, da sua idade”, tendo prestado um incontável número de serviços à cidade do Rio
Grande e à Província rio-grandense (16/10/1888).
Esta questão que o jornal fazia de sempre declarar-se como folha séria, bem
como a constante manifestação de uma suposta “neutralidade”, agindo em nome do bem geral,
estiveram relacionadas com os seus interesses comerciais, de modo que a manutenção desta
linha editorial significava também a garantia da sustentação do periódico. O suporte financeiro
do Diario dava-se através da prestação de serviços tipográficos, em menor escala, da publicação
dos editais e avisos oficiais e institucionais, da venda das assinaturas e, principalmente, da
publicação de anúncios.
As assinaturas corresponderam, em termos de importância, à segunda forma de
sustento do periódico. Uma das razões da manutenção do número de assinantes foram as
pequenas variações de preços que ocorreram ao longo da existência do jornal. As poucas
alterações corresponderam aos ajustes administrativos empreendidos nos momentos de mudança
de proprietário, algumas delas, inclusive, promovendo uma redução nos preços; já as mais
significativas, ocorreram a partir da segunda metade da década de noventa e nos últimos anos de
circulação da folha, quando a crise se instalava e o número de anúncios decrescia sensivelmente,

contra a vontade dos donos (...). Quanto ao Commercial divulgou informações já anteriormente noticiadas
pelo Diario do Rio Grande” (29/11/1861). “O Echo e o Commercial, despeitados porque demos primeiro
do que eles a notícia da derrota das forças paraguaias na Restauração, saíram-se ontem com duas cartas,
datadas de 13, dando conta da batalha que teve lugar a 17! Notando-se mais, que o Echo até teve a
descaída de dizer, com toda a ingenuidade que o Diario enganou-se quanto à data, porque a batalha foi a
13! Enganados e bem enganados andaram o Echo e o Commercial. (...) Quem fica desmentido? As lições
têm sido boas. Respeitem, pois, as notícias do Diario, que são em geral recebidas por condutos seguros”
(27/8/1865).
buscando-se com a elevação dos preços uma alternativa de arrecadação. As variações no custo
das assinaturas do jornal rio-grandino podem ser observadas a partir do próximo gráfico:

Gráfico 1: Variações nos preços das assinaturas anual e semestral


do Diario do Rio Grande entre 1848 e 1910 (em mil réis) *

anual s e m e s tra l
20

15

10

0
1848 1856 1877 1880 1885 1886 1892 1896 1908

* os anos base correspondem àqueles nos quais ocorreram alterações de preços

Já a publicidade foi a mais importante das bases de sustentação do diário rio-


374
grandino . A quantidade de anúncios publicados pelo Diario durante toda a sua existência está
representada no gráfico seguinte:

Gráfico 2: Média anual dos anúncios publicados


diariamente pelo Diario do Rio Grande entre 1848 e 1910

374
A respeito da importância dos anúncios, e sobre a supremacia dos “grandes” e “sérios” diários na
publicação de material publicitário, o próprio Diario do Rio Grande explicava: “A questão dos anúncios
não interessa somente aos jornais, interessa também ao público. Todas as grandes empresas da nossa
época, para tirarem bons resultados, têm se socorrido à publicidade, e é somente com o concurso dela, que
têm plantado o seu futuro. Sem a publicidade as companhias industriais e financeiras, os caminhos de
ferro, os depósitos, as lojas e, finalmente, todos os grandes estabelecimentos industriais, financeiros e
comerciais teriam esperado um século antes que pudessem reunir os meios de realizar as obras
gigantescas executadas apenas em alguns anos. O anúncio tornou-se um artigo de primeira necessidade e
sua utilidade se iguala a dos mais importantes motores, a das maiores potências industriais. O que importa
é a escolha dos jornais, porque se o anunciante tem por fim a maior publicidade possível, deve recorrer de
preferência aqueles que com segurança lhe podem oferecer. Há jornais cujo círculo de leitores é
circunscrito a tal ou tais classes e há outros que são lidos indistintamente por todas as classes, por toda a
Província, ou por todo o país. Esses são os que oferecem a publicidade mais variada, mais completa, mais
racional e menos onerosa” (25/1/1868).
140

120

100

80

60

40

20

0
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 9 9 9
4 5 5 5 6 6 6 6 7 7 7 8 8 8 9 9 9 9 0 0 0
8 1 4 7 0 3 6 9 2 5 8 1 4 7 0 3 6 9 2 5 8

Na primeira década de circulação, foi reduzido o número de anúncios, situação


que evoluiu na década de sessenta, notadamente durante a Guerra do Paraguai, quando a avidez
pelas notícias do conflito levaram a um incremento na venda dos jornais e portanto a um
aumento no interesse dos negociantes em utilizar os jornais como veículo de publicidade. O
crescimento no número de anúncios, embora não constantemente, deu-se até os anos oitenta,
quando ocorreu o ápice da quantidade destes nas páginas do Diario. A partir da década de
noventa, acompanhando a crise econômica que se instalava no Estado, por ocasião da guerra
civil, ocorreu um refluxo no número de anúncios, prenunciando uma decadência que se
agravaria de forma praticamente constante até culminar com o ano de desaparecimento da folha
quando os índices de anúncios publicados retornavam aos padrões dos primeiros anos de
circulação do periódico, incompatíveis com os novos tempos vividos pelo jornalismo que
passava cada vez mais a organizar-se em moldes empresariais.
Nesta linha, a expressão das convicções político-partidárias do jornal esteve
intrinsecamente relacionada com o número de anúncios publicados. Nos períodos em que
ocorreram influxos nos pronunciamentos de cunho político, dava-se um conseqüente
decréscimo na quantidade de publicidade, tendo em vista o interesse dos anunciantes em
divulgar seus produtos em folhas mais circunspectas, daí a constante busca do periódico em
apresentar-se como representante da imprensa séria e portador de uma conduta apolítica. Assim,
o final da década de cinqüenta, os anos de 1868-1869, 1878, 1886 e a virada da década de
oitenta para a de noventa são representativos de momentos nos quais a maior veemência do
discurso político-partidário levou a um declínio na regularidade quantitativa dos anúncios.
Este íntimo inter-relacionamento entre o número de anúncios e a manifestação
de idéias partidárias e políticas levou o Diario do Rio Grande a uma constante busca de
equilíbrio ao expressar-se politicamente, de modo a não prejudicar seus interesses comerciais.
De acordo com estes interesses, o jornal comportava-se como numa luta de guerrilhas para
mover suas campanhas políticas, permanecendo a maior parte do tempo como uma folha
noticiadora, promovendo a divulgação de seus ideais partidários em momentos específicos e
bem definidos cronologicamente, partindo, logo em seguida, para o retorno ao seu caráter
essencialmente noticioso. Foi neste sentido que o Diario intentou incessantemente manifestar-se
como uma publicação apolítica, neutra, imparcial, independente e exclusa às lutas movidas por
paixões partidárias, justificando-se como doutrinária nos momentos em que declarava suas
filiações políticas.
Mesmo que permeados por este autocontrole, os pronunciamentos do Diario
também prestaram a sua contribuição para alimentar os conflitos discursivos inerentes à
formação histórica sul-rio-grandense. Desse modo, durante a fase de vínculo ao ideário
conservador, o jornal apresentava seus partidários como os garantidores dos princípios
institucionais e constitucionais do país e promotores das reformas progressivas e bem pensadas
que, paulatinamente e dentro da ordem, levariam à grandeza da nação; já os adversários liberias
eram apontados como subversivos, anárquicos e revolucionários, ao moverem uma oposição
sistemática às elogiáveis administrações conservadoras. Já na etapa em que o jornal passou a
militar no campo liberal, ocorreu uma reversão na sua construção discursiva, e os liberais
passaram a ser vistos como uma frente renovadora e democrática, que promoveria as amplas
mudanças de que o país carecia; ao passo que o Partido Conservador passou a ser encarado
como retrógrado e incapaz de empreender os melhoramentos necessários ao progresso nacional.
Cada uma destas fases de explícita manifestação das convicções partidárias
eram entremeadas por outras, mais duráveis no cronológico, nas quais a folha revestia-se ou de
um caráter doutrinário, que se destinaria a discutir as idéias e não as pessoas e as paixões; ou de
uma suposta neutralidade apolítica, de acordo com as conveniências momentâneas, levando em
conta o partido que estivesse no poder; ou ainda intentava certo isolamento das questões
políticas, através de um silenciar sobre estes assuntos. O advento da República representaria
uma ruptura nesta conduta, gerando uma certa indefinição nas posições do jornal que, a
princípio apoiou os novos governantes, para em seguida apresentar certa desilusão para com os
rumos que o país seguia. O acirramento das disputas partidárias e o cerceamento à liberdade de
expressão levariam o periódico a mergulhar numa etapa de silêncio político absoluto até quase o
final de sua circulação. Porém, nos tempos do Brasil Monárquico, a neutralidade constituía-se
numa opção para a folha, já com a República, tornava-se praticamente a única alternativa viável.
Deste modo, algumas das manifestações do discurso político-partidário
expresso pelo Diario, podem ser sintetizadas a partir do seguinte quadro:

Síntese da construção discursiva emitida pelo Diario do Rio Grande a respeito


de alguns dos principais acontecimentos político-partidários entre 1868 e 1895

EVENTO DISCURSO POLÍTICO-PARTIDÁRIO

Inversão conservadora de APOIO: jamais se desenhara situação tão fagueira, como a da


1868 elevação do Partido Conservador ao poder.

Manifesto Republicano de CRÍTICA: a federação era uma utopia, pois dividir um Império
1870 consolidado e constitucional significava renunciar à força,
soberania e dignidade do mesmo.

Inversão liberal de 1878 APOIO (acompanhando a virada política que a folha realizara):
medida oportuna, sensata, patriótica, honesta, reparadora, era um
acerto feliz e providencial, representando uma evolução hábil,
conveniente, salutar, moralizadora e de grandes benefícios sociais.

Inversão conservadora de “NEUTRALIDADE”: jornal sem vínculos partidários, não sentia a


1885 queda dos liberais nem regozijava-se pela ascensão conservadora,
ficando indiferente a quem governasse, desde que bem governasse.

Abolição da escravatura APLAUSO: estava vencida a grande questão, o magno e


transcendente problema; fundamental foi que a mesma tivesse
ocorrido pacificamente; considerava digna de conduta a atitude dos
liberais que não hesitaram em votar com os adversários, sem
partidarismos e com desprendimento e patriotismo.

Avanço do movimento CRÍTICA: os progressos da propaganda republicana eram vistos


republicano como um risco para a Monarquia; os ideais republicanos
representavam uma anomalia e uma aberração.

Inversão liberal de 1889APOIO: o país livrava-se do ministério conservador que de forma


tão desagradável assinalara o seu período administra-tivo; a nova
administração era entregue a homens de reputação feita e com um
nome a zelar.
Proclamação da Repú- RESIGNAÇÃO: submetia-se à evidência do fato consumado,
blica congratulando-se pela não perturbação da ordem pública; mais
importante era o engrandecimento do país do que as formas de
governo.
O crescimento do casti- CRÍTICA INDIRETA: embora não fizesse referências diretas e
lhismo abertas aos castilhistas, censurava o exclusivismo partidário,
qualificado como um desserviço à causa da República, uma vez que
que geraria uma política de desconfianças e de ódios que só traria
resultados negativos à Província e à nação como um todo.

A organização das fren- APOIO E SILÊNCIO: a União Nacional foi enaltecida como a
tes anti-castilhistas união dos antigos partidos para em comum trabalharem em favor da
ordem e tanqüilidade rio-grandense; o Partido Republicano Federal
e o Partido Federalista atuaram em fases caracterizadas por um
silenciar da folha quanto aos assuntos político-partidários.

Golpe do marechal CRÍTICA: o Chefe da Nação violara a Constituição, proclamando-


Deodoro se ditador, afrontando o país com sua prepotência e
incompatibilizando-se com a opinião pública.
Deposição de Júlio de DESINTERESSE: considerada como de menor importância, visto
Castilhos que a necessidade mais urgente era o afastamento do Presidente da
República, o promotor do golpe.

Governicho CRÍTICA: momento grave, no qual a família rio-grandense via-se


dividida pela muralha dos ódios políticos e ameaçada de uma guerra
civil; especificamente sobre a administração de Barros Cassal,
considerava-a como um descaso à opinião pública, uma anarquia,
com todo um cortejo de ilegalidades e atentados, qualificando como
desanimadora a situação política do Rio Grande do Sul.

Retomada do poder pe-los CIRCUNSPEÇÃO E COBRANÇA: recém-empossado Presidente,


castilhistas Castilhos teria todos os requisitos do chefe político, mas a
população tinha o direito de exigir que fossem restituídos a calma, a
felicidade e o progresso, através do fim da política de ódios e
vinganças e com uma política larga e generosa.

Revolução Rio-Gran- SILÊNCIO: mesmo tendo feito censuras à violência que antecedeu
dense de 1893 o movimento, o jornal, por impedimentos legais e por pressão das
autoridades públicas, silenciou seus pronunciamentos quanto à
guerra civil.

Pacificação da Revolu- ENALTECIMENTO E DESESPERANÇA: estava terminada a


ção Federalista hecatombe de acordo com a ardente aspiração nacional, mas a
acumulação de ódios e paixões deixaram seqüelas cujos efeitos se
fariam sentir no futuro.

Assim, o Diario do Rio Grande representou a folha rio-grandina que melhor se


adaptou à necessidade do autocontrole discursivo tendo em vista o equilíbrio com os interesses
comerciais, notadamente durante o período imperial; já com a República, o jornal até certo
ponto perderia o seu norte editorial. Conseguiria ainda sobreviver por duas décadas, de forma
cada vez mais precária, até romper de vez com a sua conduta de representante da imprensa séria
e não mais resistir ao processo de concentração jornalística, pelo qual só as folhas melhor
organizadas em termos empresariais adaptaram-se. Encerrava-se, desta maneira, a circulação do
“decano” da imprensa gaúcha que, por sessenta e dois anos, através do primado da notícia,
intentou prestar os mais relevantes serviços à comunidade rio-grandina e sul-rio-grandense.

2. O COMMERCIAL: UMA FOLHA MERCANTIL


O jornal O Commercial foi criado em maio de 1857 por Francisco de Paula
Cardoso, um comerciante rio-grandino, ligado às lides tipográficas375. Cardoso atuou nesta folha
até a sua morte, em 1865, quando foi substituído em suas atividades por seu filho homônimo. A
linha editorial desta folha, conforme seu próprio título, foi essencialmente comercial, pois seu
proprietário pretendia organizar uma publicação que prestasse a melhor informação, quantitativa
e qualitativamente, a respeito do setor mercantil, intentando, assim, auxiliar na organização e
desenvolvimento de uma das bases da estrutura econômica da cidade do Rio Grande. Além de
preocupar-se com as atividades comerciais, o periódico buscava atender também a outros
setores produtivos da Província, chegando a auto-intitular-se como “jornal de indústria e
agricultura”376.
Neste sentido, o jornal propunha a ocupar-se “dos interesses gerais do país”,
dando “uma atenção especial ao sul da Província, atendendo com preferência a tudo quanto
interessasse ao comércio” (13/2/1859). E, revalidando seu programa, o periódico garantia que,
“dedicado aos interesses gerais do comércio, sempre ligados com os da Província”, não deixaria
“de advogá-los e de reclamar tudo quanto pudesse lhe ser útil, respeitando sempre as
conveniências devidas e os direitos de terceiros” (3-6/5/1862). O Commercial objetivava, desta
forma, desde os seus primeiros tempos, colocar-se como um respeitável jornal diário,
representante da imprensa séria e destinado a prestar significativos serviços à comunidade rio-
grandina e, mais especificamente às atividades produtivas sul-rio-grandenses.
De acordo com estes objetivos eminentemente comerciais, a folha mercantil,
durante os anos iniciais de sua circulação, insistia em apresentar-se como uma folha apolítica,
declarando que o seu programa “excluía a palavra política”, diante do que estava imposta “uma
obrigação que não tentaria menosprezar” (1/1/1859). Pretendia, desta maneira, evitar “toda e
qualquer ocasião de tomar uma parte ativa na luta encarniçada dos partidos”, limitando-se “em
advogar as necessidades desta parte da Província, apontando às vezes os meios de remediá-las,
repetindo as queixas que ouvia sair de respeitáveis bocas” e apontando os “irreparáveis
prejuízos” que o comércio estaria sofrendo, cumprindo o “dever” que havia imposto a si mesma
de sempre “conservar a neutralidade que tinha proclamado”377(30/3/1859).
Os intentos basicamente mercantis do periódico rio-grandino, em detrimento
das discussões políticas ficavam expressos numa das principais campanhas movidas pela folha
durante a sua existência, mormente na primeira década, que consistia no combate ao

375
Francisco de Paula Cardoso foi fornecedor de material para impressão, atividade que continuou
exercendo mesmo após assumir a responsabilidade pela edição do periódico. Sobre este jornalista,
Alcides Gonzaga informa: “Francisco de Paula Cardoso, português conhecido por ‘Albarda’, homem de
poucas letras, mas caráter austero, inteiramente dedicado aos deveres da sua posição na imprensa, onde
criou um serviço inteiramente inédito, a ‘Revista Comercial’, distribuída mensalmente nas principais
praças da Província, Rio de Janeiro, norte do Império, Estados Unidos e Inglaterra”. GONZAGA,
Alcides. Homens e coisas de jornal. Porto Alegre: Globo, 1944.
376
O conteúdo programático do Commercial foi estabelecido a partir da observação de suas edições e
através de fragmentos deste programa, publicados durante os primeiros anos de circulação, uma vez que a
coleção existente do jornal só possui exemplares a partir de janeiro de 1858. A data de surgimento do
periódico foi especificada tendo em vista a numeração apresentada no primeiro número de sua coleção e
foi também citada por Abeillard Barreto, em BARRETO, Abeillard. A imprensa do Rio Grande no tempo
do Império. Rio Grande. Rio Grande: 27 jun. 1935. p.5.
377
Também acerca da sua natureza apolítica, o jornal afirmava: “Fiéis ao nosso programa, cremos que
nunca dele nos afastamos, nem procuramos embrenhar-nos naqueles labirintos de partidos que nenhuma
saída oferecem aos que sem serem munidos do fio da prudência e da imparcialidade, se confiam nas suas
pérfidas veredas” (1/1/1863).
contrabando, através da instauração da “tarifa especial” que protegeria a negociação dos
produtos rio-grandenses:

“Não é o espírito de partido que nos convida a emitir algumas observações sobre o
estado atual da Província, considerando seus interesses gerais e particulares; não é
tampouco uma necessidade de fazer censuras que nos anima a expender nossa humilde
opinião [uma vez que] tão fúteis e pequenos motivos, dominando por momentos o espírito,
o desviam freqüentes vezes, lançando-o no errado caminho das paixões (...).
Os interesses da Província do Rio Grande ressentem-se poderosamente da estagnação de
seu comércio (...). Os direitos de exportação, que aumentam o preço dos gêneros
provinciais, são tão perniciosos ao seu bem-estar que, longe de favorecer o seu comércio e a
sua indústria, os destroem (...). A morte de nosso comércio está bem próxima, se um
remédio enérgico e pronto não for administrado; e qual este remédio? O já reclamado pela
imprensa, aconselhado pelo próprio comércio. Uma tarifa especial.” (27/6/1858)

Ainda atuando em prol da tarifa que remediaria as perdas advindas do comércio


ilícito, o jornal chegou a conclamar toda a imprensa rio-grandense a que sustentasse aquela
causa, “desde tanto tempo encetada, sem que uma decisão” animasse as “esperanças” da
comunidade gaúcha. Apelava, assim, em “nome do patriotismo e da convicção” que todas “as
forças se unissem”, de modo a “apresentar um conjunto respeitável que merecesse a atenção do
governo”, para que se pudesse “adquirir os meios indispensáveis para o comércio recuperar a
atividade” que teria perdido, dando “ao sul da Província aquela vida e animação que tanto
contribuíra para a sua felicidade e aumento” (24/4/1859).
As poucas manifestações de cunho político expressas pelo jornal durante sua
década inicial referiam-se a uma não aceitação das coligações partidárias. Segundo a folha, a
política de “conciliação” já tivera seu papel na instauração da estabilidade no país, porém, com
o passar do tempo, tornava-se cada vez mais inviável, apontando para “a impossibilidade de
reunir sob a mesma bandeira, homens que haviam combatido, sem vistas particulares, debaixo
de estandartes de diversas cores”; de modo que não se poderia “desconhecer que da sua mútua
oposição, imensos bens tinham resultado para o Brasil”, sendo, assim, “inadmissível toda e
qualquer política conciliatória, cujo fim fosse amalgamar os partidos, para formar um que
pensasse, obrasse, visse e falasse unicamente como ela” (12/11/1858).
Ainda com referência às alianças partidárias, o diário comercial criticava a ação
da “Liga” e da “Contra-Liga”, afirmando que “apenas transfugas tinham engrossado as fileiras”
daquelas coligações, ao passo que “os cascos de partido” haviam “se conservado firmes”, pois
estava “reconhecido que a homogeneidade política num governo monárquico constitucional
seria o seu garrote e o descrédito mais palpável que mereceriam suas instituições”. De acordo
com esta idéia, o jornal propunha-se a não dar “à Liga e à Contra-Liga o nome de partidos”,
uma vez que consistiriam somente numa “graduação de cores políticas”, que, de acordo com as
conveniências, se tornavam “convergentes todas para um mesmo raio, onde confundiam-se,
conservando contudo a sua tinta especial” (31/1/1862).
Assim, O Commercial, durante sua primeira década, trilhou um caminho
bastante distanciado das disputas político-partidárias, tendo em vista sua opção de ser uma folha
essencialmente mercantil bem como devido aos seus interesses comerciais, visando um
incremento no volume de publicidade, além do que, com a Guerra do Paraguai, a divulgação dos
embates partidários perdia espaço para as notícias sobre o evento bélico. Mesmo assim, o
periódico já manifestava alguns pensamentos que demonstravam uma certa aproximação com os
princípios conservadores. Na perspectiva do jornal, nas poucas vezes em que se lançara na
política, arvorara a sua “bandeira, a da moderação”, a qual, “como o paladim das garantias do
povo”, afastava “a anarquia, os excessos políticos que alguns energúmenos desejavam inocular
num país jovem ainda entre as nações, porém envelhecido pelos exemplos” que tinha dado “na
sólida prática de uma liberdade regulada pelas leis” (3-6/5/1862).
Estes indícios de um vínculo ao ideário conservador se confirmaram a partir da
inversão política de 1868, quando a folha comercial deixou transparecer mais abertamente a sua
filiação partidária. Destacando que suas idéias não eram compatíveis com a política de
“indefinições” partidárias, o jornal explicava sua posição favorável ao Partido Conservador:

“Desde sua origem, o jornal que redigimos teve princípios definidos, advogou tudo
quanto podia contribuir para o bem-estar do Império, e com muita especialidade o desta
Província. Nunca se envolveu no labirinto de uma política indefinida, porque reconhecia
que o fio da justiça e da razão não podia guiá-lo através dos carreiros que o capricho
traçava, cobrindo-os de armadilhas, às vezes disfarçadas com flores e adornadas como num
dia festivo, com galhardetes de vistosas cores e retumbantes dísticos. O Commercial
sempre quis e continua a querer a liberdade pela Constituição, tal qual está definida naquele
código, único realmente livre entre todos os que existem (...). Os partidos parecem definir-
se e com eles a política do país, alistamo-nos sob a bandeira que levou o Brasil ao
progresso e melhoramento moral, que reuniu em suas fileiras tudo quanto o Brasil possui de
mais ilustrado, benemérito e patriota (...). O Commercial, pois, advoga e defende esta causa
que é combatida pelos adeptos do arbítrio e da violência da liberdade do voto.”
(30/10/1868)

De acordo com esta convicção, O Commercial publicou, dos últimos meses de


1868 até o início de fevereiro de 1869, uma série praticamente diária de artigos denominados “A
situação: com o povo e pelo povo”, nos quais, de forma doutrinária e sistemática, buscava
explicar as contingências políticas de então. Para o jornal, o partido situacionista estava
realizando um grande serviço ao país, corrigindo os erros cometidos à época dos liberais no
poder. Nesta linha, a folha encetava a construção do conflito discursivo pelo qual se estabelecia
a visão do adversário - o Partido Liberal - enquanto dedicava grande espaço ao enaltecimento
dos feitos do “partido da ordem”. Ao estabelecer pronunciamentos de natureza política com uma
veemência até então não praticada, o periódico intentava preparar a opinião pública para as
eleições que se realizariam a 31 de janeiro de 1869, movendo forte campanha de apoio aos
conservadores.
Na opinião da folha, o Partido Conservador constituía-se no legítimo
representante do liberalismo, uma vez que seus membros “não eram refratários” e sim “os
verdadeiros liberais”, já que queriam “a liberdade plácida e tranqüila e não o despotismo, a
república e a licença”, pois tinham “a liberdade debaixo de um ponto de vista muito mais
sublime e grandioso do que aqueles que se diziam verdadeiros liberais. Destacando o “risco
revolucionário” representado pelos liberais, o jornal explicava que os conservadores queriam “o
progresso e o bem-estar da Pátria e dos seus cidadãos”, não desejando “dominar pela força” e
não fazendo com que os brasileiros “empunhassem armas contra seus irmãos”, querendo “a
liberdade sem derramamento de sangue”; ao passo que os liberais desejavam “a anarquia, a
ditadura e a república ensangüentada e descarnada com todos os seus horrores”378 (9-
10/11/1868).

378
Ainda com respeito ao caráter “subversivo e revolucionário” do Partido Liberal, o jornal afirmava: “A
declaração do consistório liberal deixa entrever violências, revoluções, sangue e outras belezas que não
podem ser aceitas no Império, porque o povo, por tristes experiências, tem reconhecido que, se prestando
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