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Redação

CARTILHA DE

por: Phelippe Rave

redações exemplares da ufsc


com comentário

2023
1
Prezado Estudante,

Alguns me conhecem como Phelippe, alguns me conhecem como Rave.


Partindo de um projeto pessoal - e bem de última hora -, seja bem-vindo/a
à Cartilha de Redações Exemplares Comentadas, que reúne alguns
modelos de redações exemplares trabalhadas no decorrer de 2023 em sala
de aula na disciplina a qual sou professor, redação, com o propósito de
auxiliar na revisão final final final antes do vestibular da UFSC, contribuindo
na compreensão analítica dos textos considerados mais bem avaliados dos
vestibulares da UFSC, UNICAMP e FUVEST. Os comentários apresentados
salientam as especificidades dos inúmeros gêneros possíveis de serem
cobrados da prova de redação, e foram reproduzidos dos materiais
provenientes da própria banca avaliadora, como os da UNICAMP, e dos
meus própris critérios avaliativos como corretor de textos nesses quase 10
anos em atividade na profissão.
Você encontrará uma seção para cada redação, contendo o espelho (caso
tenha) e a redação transcrita, além dos comentários em notas de rodapé.
Ao final, encontrará uma tabela resumo de gêneros textuais que podem ser
solicitados na redação da UFSC e as respectivas propostas temáticas.
A intenção é aprimorar gradativamente o conteúdo aqui oferecido.
Espero que, a partir da leitura atenta dos textos e de seus devidos
comentários, você enxergue a realização de seu sonho e sinta-se mais
confiante na realização da prova.
Boa leitura, boa sorte e boa produção.

Prof. Rave.

ATENÇÃO: Sob nenhuma hipótese esse material pode ser revendido ou redistribuído. Ele é gratuito e
disponível no formato digital para uso pessoal e intransferível. Os textos utilizados foram disponibilizados
em cartilhas públicas feitas por Estudantes de Medicina, indicados na referência bibliográfica, além do
acervo pessoal e de modelos divulgados pelas próprias Universidades, como a UNICAMP, por isso a
restrição da cartilha ao uso pessoal.

2
SUMÁRIO
1. ARTIGO DE OPINIÃO....................................................................................................................................................... 5
1.1. UFSC 2023.2 – NOTA 10 ..............................................................................................................................................................................5
ESPELHO ..............................................................................................................................................................................................................5
TRANSCRIÇÃO ................................................................................................................................................................................................. 6
2. CARTA ABERTA ............................................................................................................................................................... 8
2.1 UFSC 2019.1 – NOTA 9 ................................................................................................................................................................................. 8
ESPELHO ............................................................................................................................................................................................................. 8
TRANSCRIÇÃO ................................................................................................................................................................................................. 9
3. CARTA DO LEITOR ......................................................................................................................................................... 11
3.1. UFSC 2022.1 - NOTA 9,25.......................................................................................................................................................................... 11
ESPELHO ............................................................................................................................................................................................................. 11
TRANSCRIÇÃO ................................................................................................................................................................................................ 12
3.2. UFSC 2022.1 - NOTA 9,25 ........................................................................................................................................................................14
ESPELHO ............................................................................................................................................................................................................14
TRANSCRIÇÃO ................................................................................................................................................................................................ 15
4. CARTA DE SUGESTÃO ................................................................................................................................................. 17
4.1. UFSC 2023.1 - NOTA 10............................................................................................................................................................................. 17
ESPELHO ................................................................................................................................................................................................................. 17
TRANSCRIÇÃO ................................................................................................................................................................................................18
4.2 UFSC 2023.1 - NOTA - 9,5 ........................................................................................................................................................................ 21
ESPELHO ............................................................................................................................................................................................................ 21
TRANSCRIÇÃO ............................................................................................................................................................................................... 22
4.3. UFSC 2023.1 – NOTA – 10 ......................................................................................................................................................................24
ESPELHO ...........................................................................................................................................................................................................24
TRANSCRIÇÃO ............................................................................................................................................................................................... 25
5. CONTO ..............................................................................................................................................................................27
5.1. 2019.2 – NOTA 9,75 ..................................................................................................................................................................................... 27
ESPELHO ........................................................................................................................................................................................................... 27
TRANSCRIÇÃO ...............................................................................................................................................................................................28
5.2 UFSC 2019.1 - NOTA 9,25 ........................................................................................................................................................................30
ESPELHO ...........................................................................................................................................................................................................30
TRANSCRIÇÃO ................................................................................................................................................................................................ 31
5.3. UFSC 2020 – NOTA 9,0........................................................................................................................................................................... 33
ESPELHO ........................................................................................................................................................................................................... 33
TRANSCRIÇÃO ...............................................................................................................................................................................................34
5.4. UNICAMP 2020 – NOTA ACIMA DA MÉDIA ............................................................................................................................. 36
5.5. UFSC 2023.1 – NOTA 10 .......................................................................................................................................................................... 39
ESPELHO ........................................................................................................................................................................................................... 39
3
TRANSCRIÇÃO .............................................................................................................................................................................................. 40
5.6. UFSC 2023.1 – NOTA 8,25 ......................................................................................................................................................................42
ESPELHO ...........................................................................................................................................................................................................42
TRANSCRIÇÃO ...............................................................................................................................................................................................43
5.7. UFSC 2023.1 – NOTA 10 .....................................................................................................................................................................45
ESPELHO ...........................................................................................................................................................................................................45
TRANSCRIÇÃO .............................................................................................................................................................................................. 46
6. DIÁRIO ............................................................................................................................................................................. 48
6.1 UNICAMP 2021 – NOTA ACIMA DA MÉDIA ................................................................................................................................ 48
7. DISSERTAÇÃO ............................................................................................................................................................... 50
7.1. UFSC 2022.1 – NOTA 9,5..........................................................................................................................................................................50
ESPELHO ...........................................................................................................................................................................................................50
TRANSCRIÇÃO ................................................................................................................................................................................................ 51
7.2. FUVEST 2022 – NOTA 50 ...................................................................................................................................................................... 53
8. MANIFESTO .....................................................................................................................................................................56
8.1. UFSC 2023.1 – NOTA 9,5 ......................................................................................................................................................................... 56
ESPELHO ........................................................................................................................................................................................................... 56
TRANSCRIÇÃO ............................................................................................................................................................................................... 57
9. PODCAST .........................................................................................................................................................................59
9.1. UNICAMP 2020 - NOTA ACIMA DA MÉDIA ............................................................................................................................... 59
10. TEXTÃO ........................................................................................................................................................................... 61
10.1. UNICAMP 2022 - NOTA ACIMA DA MÉDIA .............................................................................................................................. 61
PROPOSTAS DE REDAÇÃO ............................................................................................................................................63
UFSC 2019.1 ............................................................................................................................................................................................................ 63
UFSC 2019.2 ........................................................................................................................................................................................................... 65
UFSC 2020 ............................................................................................................................................................................................................. 67
UFSC 2022.2 ..........................................................................................................................................................................................................69
UFSC 2023.1 .......................................................................................................................................................................................................... 70
UFSC 2023.2 ........................................................................................................................................................................................................... 71
UNICAMP 2020 ................................................................................................................................................................................................... 72
UNICAMP 2022 .................................................................................................................................................................................................. 74
FUVEST 2022 ........................................................................................................................................................................................................ 75
GÊNEROS TEXTUAIS – TABELA RESUMO ................................................................................................................. 76
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................................... 81

4
1. ARTIGO DE OPINIÃO
1.1. UFSC 2023.2 – NOTA 10

ESPELHO

5
TRANSCRIÇÃO
Inteligência Artificial e Ignorância Natural1

Dois mil e vinte três2. Houve quem acreditasse3 que neste ano teríamos carros
voadores transitando em meio a um aglomerado de prédio arranha-céu como nos
filmes do século XX que roteirizaram o futuro4. O futuro em questão chegou e,
diferentemente do projetado, hoje dividimos nossa experiência mundana com sistemas
de inteligência artificial5. Acho importante esclarecer que não me refiro 6 a robôs e outras
maquinárias futuristas – normalmente prateadas, com características que imitam os
traços humanos7. Falo sobre a inteligência artificial que está na palma da sua mão – em
forma de smartphone, no seu pulso – em forma de smartwatch, e por sua casa – em
forma de tantas outras ferramentas inteligentes conectadas à internet8.9
Carinhosamente apelidada de AI (ou IA, em português) 10, a tecnologia é dinâmica,
inteligente e acessível. Em alguns cliques, apenas, ela oferece dados que demandariam
horas – ou mais – para serem processados11. Diante de tamanha praticidade, surge o
questionamento: “Isso é uma maravilha, não?!”12 Pois é, há ressalvas e preocupações. A
facilidade de acesso às informações é tão grande que a AI está criando um exército de
mentes preguiçosas13. Parece exagero14 mas, infelizmente, não é. “Para que perder
1
O título criativo trabalha com vocábulos que representam oposição em seu sentido, que, ao mesmo
tempo, denotam qual será o raciocínio argumentativo executado.
2
O ano de escrita do texto, assim como a delimitação temporal de discussão do tema proposto.
3
Marcas linguísticas que atribuem a fala seguinte a outros indivíduos, mas não a quem escreve o
texto, antecipando a opinião ou o pensamento contra-argumentativo do interlocutor, o leitor do
texto. As marcas de interlocução estabelecendo uma espécie de diálogo com o interlocutor: ao
interagir com o leitor, fazendo perguntas retóricas ou chamando-o para dentro do texto, fica mais
fácil defender que o seu posicionamento é mais correto.
4
Há a utilização do imaginário coletivo, definido pelo antropólogo Gilbert Durand como “o conjunto
das imagens e das relações de imagens que constitui o capital pensado do homosapiens”. A
imaginação e os elementos provenientes dela são parte constitutivas do pensamento humano, ou
seja, ela se manifesta como uma atividade capaz de criar e transformar a realidade.
5
O autor defende que as expectativas dos cineastas estavam exageradas, já que o cenário futurista
não se realizou como projetado – embora os arranha-céus sejam comuns nos grandes centros
urbanos, mas ainda temos a presença de inteligências artificiais nas mais inúmeras atividades
cotidianas, especialmente na nossa vida privada.
6
Expressões subjetivas, como o uso da primeira pessoa do singular, são uma característica usual do
artigo de opinião, associadas ao articulista, a pessoa que escreve e a qual opinião é defendida.
7
Novamente o uso de imagens, presentes no imaginário coletivo – embora anacrônicas na
perspectiva do autor –, fabricadas pelos campos artísticos, como a literatura e o cinema.
8
Enumeração exemplificando os aparatos tecnológicos e seus respectivos locais que fazem uso da
inteligência artificial.
9
Diferentemente da dissertação escolar, não há um apontamento assertivo destacando qual será a
opinião, o ponto de vista, defendida. A construção de um posicionamento é gradativa, aos poucos
ficamos cientes sobre quais são os impactos do uso das inteligências artificiais, como solicita o
comando da proposta.
10
Normalmente, os aparelhos tecnológicos recebem nomes mais comerciais, usualmente siglas,
facilitando a comercialização e a aceitação para o grande público.
11
A uma afirmação descrevendo a inteligência artificial e, logo em seguida, a justificativa.
12
Novamente, a antecipação de um argumento contrário àquele defendido pelo próprio autor do
texto. Assim, o autor pode refutar as proposições que se contrapõem a sua própria opinião,
persuadindo o leitor a aceitar a posição do autor como a mais correta.
13
O autor diz que há preocupações sobre os usos das inteligências artificiais e apresenta qual é ela.
14
Ler nota 3 e 14.

6
tempo pesquisando, filtrando, lendo, organizando, relacionando e processando quando
o Chat GPT pode fazer isso para mim?” Ah, os motivos são tantos15. E é assim, seduzindo
os indivíduos pela sua praticidade16, que a inteligência artificial desestimula o
pensamento autônomo, a pesquisa criativa e a formação individual de opinião17.
A equação é a seguinte: inteligência artificial (+) praticidade (-) pensamento
autônomo (-) raciocínio (-) senso crítico18. Resultado? Ignorância natural19. Milhões de
mentes humanas dependentes de sistema de processamento de informação como o
Chat GPT20. Quem não se assusta21 com toda essa passividade na formação de opinião
certamente nunca leu Hannah Arendt22. Como ouso afirmar isso? A filósofa defende que
um indivíduo que não pensa por si só, somente aceita as informações que recebe e um
indivíduo propensa a aceitar regimes autoritários23.
Ainda há quem pense que o problema por trás da AI se resuma a utilização para a
geração de trabalho acadêmicos e demais textos que exigem autoria 24. O problema é
muito mais complexo que isso25. Sinceramente? Talvez fosse melhor ter a minha visão
do por do sol interrompido por um ônibus voador26 lotado de pessoas lendo.

15
Os motivos estão presentes na pergunta anterior, destacando as diversas atividades cotidianas nas
quais a inteligência artificial pode ser utilizada, diminuindo a produtividade criativa e cognitiva dos
indivíduos: a preguiça se instala.
16
A colocação pode fazer alusão à sociedade contemporânea, a qual se destaca pelo processo
acelerado de mudança, exigindo cada vez mais das pessoas o cumprimento ágil das obrigações
diárias em todas as áreas da vida.
17
O acesso facilitado às informações não estimula o aprendizado, prejudicando o processo da
aquisição de habilidades para o viver saudável em sociedade, respeitando os direitos e deveres
concernentes a todo ser humano.
18
O vocábulo “equação” representa uma sentença matemática, que normalmente utiliza-se de
algarismos em suas composições, fazendo referência aos algarismos do Código Binário, constituído
de dois dígitos – o 0 e o 1 –, adotado como linguagem utilizada em computadores para o
armazenamento de dados no software – sequência de instruções escritas para serem interpretadas
por um computador para executar tarefas específicas. De modo, é possível se manter dentro do
campo semântico relativo ao tema proposto.
19
Os impactos do uso da inteligência artificial continuam sendo apresentados, sendo cada um deles
o efeito subsequente do anterior. Ainda há uma referência a uma das expressões apresentadas no
título.
20
Se a sociedade está totalmente dependente do uso dos sistemas de inteligência artificial, então,
espera-se a adesão de mais um apresentado à população, como o exemplificado.
21
Ler nota 3 e 14.
22
O candidato faz uso da fala de autoridade para embasar a sua opinião.
23
O final do raciocínio argumentativo que consolida a gravidade do uso constante da inteligência
artificial comprova a preocupação do autor: a ascensão de regimes autoritários pela concordância
dos cidadãos aos discursos ditatoriais.
24
Ler nota 3 e 14. Em 2022, o aparecimento do Chat GPT (Generative Pre-Trainer Transformer –
traduzido como transformador pré-treinado generativo), um modelo extremamente avançado de
geração de texto, provocou o surgimento de teorias da conspiração afirmando que se tratava de uma
nova ameaça ao ensino formal das escolas e aos professores, situação similar à dos anos 2000, com
o surgimento do Google, e ao advento dos celulares em sala de aula, o que distrairia e desestimularia
alunos, além da preocupação com os riscos de cola.
25
Um chamado para os leitores terem uma visão mais crítica e, portanto, expandida, dos impactos
provocados pelo uso das inteligências artificiais.
26
A retomada das imagens apresentadas no início do texto, que, para o autor, representariam um
futuro menos democrático do que o atual presente, sendo a leitura essencial para a aquisição do
pensamento autônomo, construção de raciocínio lógico e, consequentemente, crítico.
7
2. CARTA ABERTA
2.1 UFSC 2019.1 – NOTA 9

ESPELHO

8
TRANSCRIÇÃO
SEM TÍTULO27
Florianópolis, 10 de dezembro de 2018
Prezada Comunidade,28
Esta Associação dos Consumidores tem o dever de se posicionar diante de toda
população brasileira frente à possibilidade de um grave retrocesso caso o Projeto de Lei
(PL) 6.299/2002 seja aprovado no Congresso Nacional29. Tal proposta visa flexibilizar a
liberação de agrotóxicos, substâncias nocivas à saúde humana e ao meio ambiente
conforme posicionamento da Organização Mundial de Saúde (OMS)30.
Em relação ao texto do PL, destacamos alguns pontos críticos31. O primeiro consiste
na liberação de qualquer agrotóxico já aprovado por três países membros da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico32. Por meio dessa medida,
nivela-se por baixo33, visto que descarta-se o posicionamento de países com legislação
mais avançada – como a Alemanha, que já baniu vários dos defensivos agrícolas
utilizados em nosso país – para seguir governos que tomem decisões sem aparado da
maior parte da comunidade científica mundial34, que condena o uso indiscriminado
dessas substâncias.
Outra possível35 alteração perigosa é a delegação da decisão da liberação desses
compostos para o Ministério da Agricultura. Isso é um absurdo36, visto que37 reduz
poderes de dois órgãos que atuam em prol da saúde-ambiental, no caso do Ibama, e
humana no tocante à Anvisa – entregando a responsabilidade para a representação
governamental que defende os interesses dos maiores usuários de agrotóxicos:
latifundiário, conforme o Censo Agropecuário Brasileiro, realizado pelo IBGE em 200638.

27
Comumente, o título é objetivo e pontual. Por exemplo: “Carta aberta à população”.
28
Cabeçalho com data, local e vocativo obrigatórios. A carta aberta pode possuir dois destinatários:
a) o destinatário específico, um indivíduo ou organização de visibilidade e reconhecimento social; e
b) destinatário geral: os diversos leitores que entrarão em contato com a acarta publicada em algum
meio de comunicação.
29
Apresentação do emissor e do objetivo da carta.
30
Explicação curta do Projeto de Lei e do posicionamento assumido pela Associação, justificando-os
respectivamente.
31
Indicação do objetivo a ser desenvolvido no parágrafo.
32
A OCDE é formada por 35 países-membros.
33
Considerar o posicionamento de apenas 3 países de 35 não se mostra coerente.
34
O trecho mostra como a Alemanha baniu o uso dos defensivos agrícolas baseada no conhecimento
científico.
35
A expressão serve como um recurso conectivo, já que, no parágrafo anterior, houve o uso da
expressão “o primeiro consiste”.
36
A Associação é bastante incisiva e apresenta o seu posicionamento explicitamente.
37
Locução conjuntiva que indica o motivo, a razão, isto é, a justificativa da fala anterior.
38
A Associação demonstra conhecimento acerca do que se fala, mostrando como o Censo
Agropecuário Brasileira confirmou como o Ministério da Agricultura defende os interesses dos
latifundiários, maiores usuário de agrotóxicos, o que é um perigo, retirando a responsabilidade sobre
o uso dessas substâncias de dois órgão necessário para a defesa da preservação ambiental (Ibama)
e saúde humana (Anvisa).

9
Diante desse cenário problemático39 e tendo em vista a forte atuação da Bancada
Ruralista no Congresso40 com o intuito de aproval tal PL, é urgente que a sociedade se
junte a essa e outras associações e entidade para pressionar Deputados e Senadores a
reprovarem tal proposta41. Assim, plantaremos mais esperança42 para as gerações
futuras.
Certos de podemos contar com o engajamento da comunidade43, saudações,
Associação dos Consumidores44.

39
Caracterização do cenário apresentado.
40
Autointitulada Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a bancada ruralista (conhecida
pejorativamente como bancada do boi) constitui uma frente parlamentar que atua em defesa dos
interesses dos proprietários rurais.
41
A carta aberta é de caráter público, portanto, dirige-se a um grande público, pretendendo, assim,
participar discursivamente de questões sociais. Nesse caso, é solicitado o apoio e o engajamento da
massa populacional – atitude comum, também, no gênero manifesto – contra a aprovação do Projeto
de Lei 6.299/2002.
42
Evita-se linguagem conotativa.
43
Despedida que retoma o propósito do texto.
44
Assinatura genérica.

10
3. CARTA DO LEITOR
3.1. UFSC 2022.1 - NOTA 9,25

ESPELHO

11
TRANSCRIÇÃO
Carta do leitor à DW Brasil1
Florianópolis, 30 de janeiro de 20222
Cara DW Brasil3,
Escrevo com o intuito de responder à matéria publicada com o título “O agronegócio
pode crescer sem desmatar?”4 Confesso que tal indagação me deixou reflexivo por uns
dias, mas, após deliberar, trago-lhes, aqui, meu “veredito”: sim, é absolutamente
possível5.
Se analisarmos os dados divulgados no último censo agropecuário do Brasil, é fácil
perceber6 que a maior parte dos alimentos consumidos no país é proveniente da
agricultura familiar, que, por sua vez, possui uma área de cultivo substancialmente
menor – e muito mais vegetação preservada – quando comparada à explorada pela
agroindústria7. Como é possível que esse setor, dispondo de menos recursos espaciais e
tecnológicos, seja responsável por atender a grande porção do consumo alimentício de
mais de 200 milhões de brasileiros?8 A resposta é complexa, mas acredito que uma das
explicações reside nas diferenças de suas técnicas e objetivos9. Enquanto a primeira
baseia-se em mecanismos orientados por saberes tradicionais e, para aumento da
produtividade, utiliza recursos naturais a seu favor, como na rotação de culturas, o
segundo, pautado na cega, desenfreada e impaciente busca pelo lucro máximo, opta
pela “facilidade” de abandonar solos esgotados que poderiam ser recuperados,
associado a mecanismos perversos como a grilagem de terras e o desmatamento em
nossa de florestas em prol da expansão da fronteira agrícola10.

1
Título direto e objetivo, marcando explicitamente o gênero textual produzido.
2
Local e data obrigatórios.
3
Vocativo adequado dirigindo-se ao destinatário do texto. No caso da carta do leitor, é possível se
dirigir ao periódico no qual o texto-base foi publicado, ao editor-chefe ou ao autor do texto-base, se
assim aparecer. Embora ela seja direcionada a um interlocutor específico, a carta do leitor é
divulgada na publicação seguinte, portanto, os leitores desse mesmo periódico também terão acesso
ao texto.
4
O objetivo do texto é apresentado logo no início, marcando a objetividade do gênero textual.
Normalmente, a carta do leitor responde diretamente ao conteúdo do texto. Nesse caso, o texto
destaca era apenas a introdução que apresentada uma pergunta final – presente, também, no título.
5
O posicionamento assumido pelo “Leitor Consciente” também já é apresentado, reforçando, mais
uma vez, a objetividade tal característica do gênero.
6
O uso de modalizadores discursos são responsáveis por evidenciar nossa opinião.
7
Há o cruzamento dos dados da elevada quantidade de alimentos produzidos em uma menor
extensão de terras pelo modelo de negócio da agricultura familiar.
8
Na própria pergunta, há uma retomada dos elementos anteriormente ditos de modo a fazer o leitor
compreender o raciocínio pretendido.
9
Há uma indicação de que o espaço é curto para um tema dessa magnitude, que incluir diversos
fatores e circunstâncias, mas que ainda assim é possível trazer pelo menos uma justificativa plausível.
10
A resposta é construída pela estratégia argumentativa de comparação. Assim, podemos observar
as discrepâncias entre os modelos de negócio e, consequentemente, seus resultados opostos.

12
Mais que possível, para que o agronegócio continue crescendo, é urgente que para
de desmatar neste exato momento11. Enquanto derrubam imensas áreas de vegetação,
estão influenciando diretamente e, cada vez mais, nos ciclos hidrológicos, climáticos e
biológicos do planeta. O que e para quem continuarão cultivando quando não nos restar
mais nada? Certa vez, li um provérbio indígena que acredito ser oportuno de
compartilhamento nesta carta: “Quando o último rio secar, o último peixe por pescado
e a última árvore derrubada, os homens vão entender que dinheiro se come.” 12
Enquanto13 a indústria agropecuária e seus crimes ambientais permanecem impunes14,
somos bombardeados por propagandas manipuladores nas mídias, com “slogans” como “agro
é tech, agro é pop, agro é tudo”15, envolvendo-nos tal qual cortinas de fumaça. Após responder à
pergunta feita na matéria publicada pela DW, devolvo-lhes outro questionamento: até quando
a sociedade permanecerá conivente com o extermínio da biodiversidade e de sua própria
existência?16

Sem mais17,

Leitor Consciente18.

11
Depois de ter embasado seu posicionamento em relação à pergunta, o “Leitor Consciente” busca
aprofundar mais ainda seu ponto de vista ao indicar que há impactos negativos na prática do
desmatamento.
12
O conhecimento do cotidiano também permite uma leitura pensada do mundo em que se vive,
por isso o uso de um provérbio. Por ele ser indígena, impulsiona uma maior força argumentativa, já
que demonstra uma outra perspectiva de ver o mundo e utilizar os recursos naturais, como as das
comunidades indígenas, que os utilizam de modo sustentável, sem comprometer a disponibilidade
para as gerações futuras.
13
Conjunção que introduz uma oração subordinada adverbial, podendo dar a ideia de tempo ou
proporção.
14
Reforçando o quanto o crescimento do agronegócio é criminoso, tendo em vista que acaba
destruindo recursos essenciais para a manutenção vital dos indivíduos.
15
Novamente, as experiências vividas e os conhecimentos cotidianos são utilizados para promover
uma leitura mais densa do mundo ao nosso redor. O slogan em questão faz referência à frase
transmitida desde 2016 pela emissora Globo trazendo a ideia de que o modelo do agronegócio
fornece, basicamente, todas as coisas boas e necessárias da vida.
16
A devolutiva em forma de pergunta pretende instaurar uma reflexão final acerca do tema
abordado.
17
A saudação final é incisiva: aqui, o “Leitor Consciente” disse o que tinha de dizer, articulando, muito
bem, com o tom categórico utilizado no restante da carta.
18
Assinatura genérica proposta no comando da proposta.

13
3.2. UFSC 2022.1 - NOTA 9,25

ESPELHO

14
TRANSCRIÇÃO
Carta de um leitor consciente19
Florianópolis, 29 de janeiro de 202220
DW Brasil21,
Escrevo para vocês através dessa carta do leitor22 com o objetivo de responder a
pergunta feita por vocês em uma de suas matérias: “O agronegócio pode crescer sem
desmatar?”23
A resposta para essa pergunta é com absoluta certeza24 só uma: sim, o agronegócio
pode.25 Nós como sociedade pensante estamos atingindo o ápice de nossa ciência,
diariamente uma nova tecnologia é inventada a fim de otimizar tudo em nossas vidas,
inclusive a produção de alimentos26. Desde a Idade Antiga, os agricultores plantavam
nas margens do rio Nilo, pois lá observaram um solo mais adequado. Tempos depois,
tivemos a Revolução Verde, a qual nos proporcionou inovações como o pesticida, que
aumentou a quantidade de produtos e alimentos. Hoje temos plantações verticais para
economizar o espaço, colheitas hidropônicas (as quais tornaram os lugares mais
improváveis grandes produtores) e melhoramento genético, responsável por deixar as
plantas mais adaptáveis a cada região27. Enfim, chega a ser espantoso o avanço
tecnológico ao qual chegamos e as diversas possibilidades de aumentar a produção
agrícula sem precisar de outras terras28.
Agora, deixando de lado o idealismo e a utopia e encarando a realidade29,
principalmente a brasileira, de forma crua, eu acho que o principal questionamento é:
“O agronegócio quer crescer sem desmatar?” Uma vez que estamos falando sobre a
indústria mais rica do país, uma indústria que arrecadou 10,2 bilhões de dólares em abril

19
Título conciso e direto.
20
Local e data.
21
Vocativo obrigatório.
22
O uso da primeira pessoal do singular destaca a pessoalidade da carta, tendo em vista que é a
opinião de uma única pessoa que está sendo aqui apresentada. Além disso, indicar que se trata de
uma carta do leitor auxilia na identificação do gênero textual utilizado.
23
O objetivo já é prontamente apresentado: a objetividade é uma das principais características da
carta do leitor.
24
O uso de modalizadores discursos são responsáveis por evidenciar nossa opinião. Nesse caso, a
expressão “com absoluta certeza” indica um valor de verdade ao que se fala.
25
Assim como o propósito do texto é inicialmente apresentado, o posicionamento assumido pelo
“Leitor Consciente” é explicitamente apresentado.
26
Uma característica de nossa sociedade contemporânea é apresentada (o conhecimento científico)
e utilizado como ponto de partida articulando-se textualmente com o tema abordado: a produção
de alimentos por meio do agronegócio.
27
A alusão histórica é a estratégia argumentativa utilizada: gradualmente, aspectos específicos da
produção de alimentos atestam o progresso nesse campo.
28
O candidato conclui o parágrafo se agarrando à exemplificação final: de que podemos, através do
uso da ciência, transformar lugares antes inapropriados para o cultivo em terras produtivas. Desse
modo, o desmatamento é desnecessário.
29
O próprio autor reconhece que, apesar da possibilidade tecnológica no aprimoramento do cultivo
agrícola, as limitações ainda se impõem. Por isso, no contexto brasileiro, cabe modificar a questão
proposta, trazendo uma nova perspectiva para a discussão. Não é um caso de possibilidade, mas de
vontade.
15
de 2020 (em plena pandemia, quando vários setores faliram), conforme os dados do
Seck, demonstrando evidentemente que possui dinheiro para investir e comprar
tecnologia30. Porém, mesmo com o conhecimento que com suas atuais terras é mais
que o suficiente para aumentar a produção, o agronegócio continua desmatando,
promovendo queimadas, destruindo terras indígenas e acabando com o meio
ambiente, não porque eles não podem fazer de outro jeito, mas sim porque nada e mais
valioso para eles do que o lucro31. Então, por que investir dinheiro em tecnologia quando
podemos cortar as árvores, queimar a terra, desabrigar milhares contando com a vista
grossa do governo corrupto e a desatenção da população?32
Atenciosamente,
Leitor consciente33.

30
O “Leitor Consciente” indica que os grandes agricultores possuem ciência e são capazes de
financiar a introdução dessas novas tecnologias em seu modelo de negócio.
31
O objetivo do modo de produção capitalista é a geração do lucro, que é todo o capital que excede
os custos da produção. Na lógica liberal, é o lucro é a base para o interesse e o estímulo principal em
produzir.
32
A pergunta final é retórica, visto que a resposta já foi dada. Aqui, ela não tem a intenção de
promover uma reflexão final, mas reforçar o seu posicionamento para os leitores.
33
Como de costume, é obrigatório a saudação final e a assinatura genérica – recomendada no
comando da proposta.

16
4. CARTA DE SUGESTÃO
4.1. UFSC 2023.1 - NOTA 10

ESPELHO

17
TRANSCRIÇÃO
Carta de despejo à Coperve34

Florianópolis, 11 de dezembro de 202335


Prezada Coperve36,
Venho, por meio dessa carta37, sugerir a leitura de um livro para fazer parte das obras
literaturas para o próximo vestibular da UFSC38. Antes de mais nada39, gostaria de
parabenizar a banca pelas escolhas dos títulos do livro desses anos40. A genialidade de
Ana Miranda, o fluxo de consciência de Clarice, o tom político e de denúncia de Cruz e
Souza e a alegoria do Brasil militar de Buarque41, com toda certeza42, proporcionaram,
não só a mim, mas a todos os estudantes43 um processo de reflexão, de visão de mundo
e de construção de um pensamento crítico44 do Brasil atual.
Tendo em vista a urgência de uma literatura transformadora45, recomendo para a
próxima edição da prova, a obra “Quarto de despejo” da autora Carolina Maria de jesus46.

34
O título padrão do gênero textual carta costuma se iniciar com “Carta...”. Aqui, há uma indicação
de qual livro será sugerido pelo “Vestibulando”, a máscara enunciativa, o emissor assumido para
produção do texto.
35
Um dos elementos obrigatórios da carta é a data e o local no cabeçalho. Não importa a posição -
esquerda, direta ou centralizada -, desde que apareça no cabeçalho, antes do corpo do texto.
36
Outro elemento essencial da carta de sugestão, solicitação ou reclamação é o vocativo, usado para
chamar alguém, convocá-la ao diálogo, à interlocução. Nesse caso, o vocativo representa o
destinatário da carta, a quem ela se dirige. Deve ser utilizado de acordo com a posição social do
interlocutor.
37
O início é direto e o objetivo. Aqui, encontra-se uma expressão bastante comum no início das cartas.
38
Por ser sucinta e direta, a carta tem o seu objetivo, o propósito do texto, já apresentado logo no
começo.
39
É recomendado trocar a expressão por “Inicialmente”, já que “Antes de mais nada” é uma expressão
controversa, pois os mais gramáticos e literatos puristas consideram mais adequado “Antes de tudo”.
40
Como o objetivo é sugerir um livro para leitura obrigatória, o autor se dirige à banca da Coperve,
que ocupa uma posição hierárquica acima do vestibulando, de modo a elogiar as escolhas já feitas.
Como a função da carta é sugestiva e não de reclamação, é comum fazer um elogio à conduta do
destinatário, nesse caso, aos membros da banca que escolhe as leituras.
41
O “vestibulando” cita cada um dos livros escolhidos pela banca, além de apontar características
significativas de cada uma das obras, demonstrando saber sobre o que se fala. Logo, a banca terá
mais chance de ser convencida e a sugestão terá mais chance de ser acatada.
42
O uso de modalizadores discursos são responsáveis por evidenciar nossa opinião. Nesse caso, a
expressão “com toda certeza” indica um valor de verdade ao que se fala.
43
O candidato faz questão de incluir todos os vestibulandos na discussão, já que a leitura obrigatória
será feita não apenas pelo autor da carta, mas por todos que irão participar do concurso. Um
indivíduo escreve, mas ele pensa, também, no coletivo.
44
O candidato destaca a importância da leitura das obras escolhidas pela comissão do vestibular.
45
“Literatura transformadora” faz referência à importância da leitura das obras: promove o processo
de reflexão, de visão de mundo e a construção de um pensamento crítico.
46
Apresentação da recomendação: o livro Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus. As
situações narradas em Quarto de despejo revelam um quadro de absurdo sofrimento que se objetiva
na luta diária contra fome, fazendo com que a narradora-personagem tenha que, a cada dia, se
submeter às mais árduas atividades de trabalho (catar papel no lixo, ferro e tudo que encontrar pela
frente) que possam render-lhe dinheiro suficiente para alimentar a si mesma e a seus três filhos.

18
Em primeiro lugar47, a indicação de Carolina, bem só de fato desse livro existir, já o torna
um ato livro político, isso porque, ao denunciar a realidade insalubre em que vivia como
catadora de papel em uma favela brasileira nos anos 1970, a escritora periférica rompe
com a visão elitizada, branca e acadêmica que compreende quase que a totalidade da
produção literária do país48.
O caráter transgressor e a descrição de uma rotina de resistência 49, pelo vocabulário
simples e direto das páginas escritas por uma mãe, preta, pobre e favelada são como
um soco de estômago no leitor que, ao passo que adentra à vida de Carolina, pelos
relatos de sua história, se vem em um paradoxo porque a artista utiliza as palavras como
instrumento de fuga dessa triste realidade50.
Acho que minha escrita até aqui já foi o suficiente para considerar esse livro 51, mas
não paro por aqui. Por conta do gravíssimo aumento do quadro de insegurança
alimentar brasileiro em decorrência do desgoverno de Bolsonaro52, o “Quarto de
despejo”, ao apresentar a fome como professora e personagem principal, se mostra
essencial como leitura dos estudantes e futuros calouros para promover uma
experiência crítica, contestadora e de denúncia de injustiças, que dialoga muito com a
situação brasileira vigente53.
Coperve, Carolina é verbo54.
Reconhecendo a importância desta obra, espero a consideração da equipe 55.

47
A expressão “Em primeiro ligar” indica que haverá a exposição de outros argumentos para justificar
a escolha feita.
48
A própria existência do livro é política: o relato do cotidiano na favela é feito em primeira mão, pela
própria moradora, ao invés de ser pela visão de um autor da classe-média ou alta, marcada pela
perspectiva elitista e, consequentemente, branca e acadêmica.
49 A transgressão refere-se ao uso do vocabulário simples utilizado, permitindo que as mulheres

representadas na narrativa rompam com o silenciamento a elas impostos, devido às opressões de


gênero, raça e classe. A resistência se dá justamente pela transgressão de utilizar a escrita como
forma de protesto, de enfrentamento e de resistência às condições impostas da própria realidade
vivida pela autora, “mãe, preta, pobre e favelada”. Carolina sobrevive à vida na favela e, apesar das
adversidades, resiste, rompe o silenciamento chegando a lugares que seus antepassados não
alcançaram.
50
Conhecemos a realidade de Carolina pelas palavras escritas, enquanto ela as utiliza como
ordenação do caos vivido pela escritora, uma fuga para não enlouquecer, para não se deixar morrer.
51
O “vestibulando” demonstra confiança em sua argumentação, que destaca o caráter político do
livro, deixando revelar esse traço no próprio texto. Entretanto, há mais a se dizer, especialmente, em
mostrar como a temática do livro ainda é atual e relevante, servindo, assim, como leitura obrigatória.
52
Há uma articulação direta com a realidade vivida pela sociedade, comprovando a relevância atual
de sua leitura.
53
Os aspectos importantes para a leitura sugerida apresentada no parágrafo introdutório retomam,
articulando estreitamente com a escolha feita pelo “vestibulando”
54
O verbo indica os acontecimentos representados no tempo, como uma ação, um estado, um
processo ou um fenômeno, um desejo, uma condição de existência. E assim são relatos de Carolina
Maria de Jesus. Além disso, há uma relação com a citação bíblica presente no primeiro capítulo do
Evangelho de João: “No princípio era o Verbo...”, era a palavra. A escrita é uma estratégia de luta em
Quarto de Despejo. E, com ela, sua transgressão, luta e resistência.
55
Fechamento e reconhecimento do espaço aberto para diálogo, apontando que sua sugestão seja
devidamente atendida.

19
Cordialmente56, vestibulando57.

56
Outro elemento essencial na carta: a despedida. Normalmente, são utilizadas saudações cordiais.
E o último elemento essencial: a assinatura. Aqui, no vestibular, espera-se uma assinatura
57

genérica. Caso seja sinalizada no comando da proposta, é essa que deve ser utilizada.

20
4.2 UFSC 2023.1 - NOTA - 9,5

ESPELHO

21
TRANSCRIÇÃO
SEM TÍTULO1
Florianópolis – SC, 11 de Dezembro de 20222
Prezada Comissão Permanente do Vestibular3,
Haja vista que anualmente obras de exímia importância cultural, linguística e social4
são escolhidas para compor a prova de literatura do vestibular da Universidade Federal
de Santa Catarina, venho por meio dessa carta sugerir a inclusão da obra “Quarto de
despejo”, da autora Carolina Maria de Jesus, como leitura obrigatória do programa5.
Nesse sentido, posso afirmar que a escolha de tal livro justifica-se6 pelo forte caráter de
denuncia social contra perversas perspectivas socioeconômicas, étnicas e educacionais
que, lamentavelmente, ainda obscurecem a realidade brasileira7.
Dentro desse contexto8, a obra se constitui a partir de relatos do diário pessoal da
catadora de papel. Lá ela mostra o seu cotidiano na antiga favela do Canindé, no final
da década de 50, e exprime por meio de uma linguagem, simultaneamente, popular e
culta, a desoladora realidade da fome, da pobreza e da violência as quais estão sujeitas
as populações marginalizadas tanto pelo Estado quando pela própria sociedade9. Diante
desse infeliz10 retrato, uma das principais denúncias realizadas por Carolina – e de
elevada magnitude atual para formação de candidatos críticos, conscientes e empáticos
para com os dilemas da coletividade nacional11 – é a problemática da carência
alimentar12. À luz dessa questão, os relatos personificados da fome – como a grande
protagonista da autora – evidenciam não só o sofrimento de pessoas que buscam por
alimentos no lixo, mas também a fragilidade das políticas públicas no país e da ausência
de solidariedade da nação13.

1
O título, na prova de redação da UFSC, é obrigatório.
2
Local e data.
3
Vocativo de chamamento do destinatário, marcando o início de um diálogo entre os interlocutores.
4
O “vestibulando” elogia à qualidade das obras escolhidas para compor a leitura obrigatória do
vestibular. Consequentemente, elogiando a devida capacidade dos membros que compõe a
comissão.
5
O propósito principal do texto, a sugestão do livro Quarto de Despejo, é apresenta logo no início do
texto. Mais sobre o livro e a temática abordada, voltar para as notas de rodapé da seção 4.1.
6
O trecho destaca quais serão os argumentos utilizados para justificar a escolha literária do
“vestibulando, demonstrando um planejamento de texto estratégico.
7
O livro é tomado como uma denúncia social. A apresentação estratégica do projeto de texto se
caracteriza pela indicação explícita dos elementos a serem desenvolvidos no texto para embasar a
sugestão apontada.
8
A expressão “Dentro desse contexto” retoma o trecho anterior do texto, evidenciando que o trecho
subsequente irá aprofundar devidamente as proposições anteriores.
9
Caracterização dos aspectos centrais da obra.
10
O uso de adjetivos e advérbios modalizam o discurso, indicando as intenções opinativas do emissor,
o “vestibulando”.
11
Exposição dos motivos para que todos os vestibulandos leiam a obra sugerida.
12
Destaca uma das denúncias apresentadas no livro, posteriormente apresentando como elas são
apresentadas no livro.
13
Como denúncia, a exploração da questão da carência alimentar, além de fazer parte da realidade
vivida pela autora, torna mais evidente, segundo o “vestibulando”, “a fragilidade das políticas públicas
no país e da ausência de solidariedade da nação”. Assim, evidencia o quanto a questão da fome no

22
Ademais14, além de expor essa inaceitável calamidade coletiva dos moradores do
“Quarto de despejo” – ou seja: as periferias nas quais os governantes escondem todas as
chagas e desigualdade sociais15 – os relatos da autora possuem, também, relevância
educacional16. Isto é17, embora cerceada pelo ambiente catastrófico da favela, Carolina
exalta, constantemente, a importância dos estudos para os filhos e a sua paixão pela
literatura18 bem como por escritores como Cora Coralina. Nesse viés, ela possibilita uma
reflexão profunda a respeito do modo pelo qual as limitações de cunho econômico,
estrutural e cultural são instrumentos seculares19 de elitização da educação e
segregação de minorias étnicas como pretos, pardos e indígenas. Dessa forma 20, a
autora evidencia que a institucionalização da violência generalizada, da miséria
desumanizante e da completa entrega de indivíduos ao álcool e às drogas21 é uma
realidade devastadora dos grandes centros.
Despeço me, portanto, reinterando a relevância da leitura desse livro tão relativo a
contemporaneidade22.
Atenciosamente23,
Vestibulando24.

Brasil deve interessar a todos, desde os representantes governamentais até os indivíduos que
formam a sociedade.
14 Operador argumentativo promovendo a progressão das ideias através da adição entre as partes do

texto.
15
O trecho inicial retoma os elementos desenvolvidos no parágrafo anterior.
16
Inclusão, marcada pelo advérbio “também”, do segundo argumento a ser desenvolvidos em relação
ao posicionamento defendido, a obra como denúncia social: a relevância educacional.
17
Expressão usada para explicar alguma coisa já mencionada anteriormente.
18
Exaltar a educação por meio da leitura acaba se tornando uma denúncia, visto que, posteriormente
no texto, ela indica que as limitações socioeconômicas e culturais impedem a educação para todos,
por meio da elitização educacional e, consequentemente, pela segregação promovida às minorias
étnicas.
19
O termo destaca a manutenção dessa estrutura que impede a ascensão social.
20
Operador argumentativo que indica a conclusão das ideias.
21
São exemplificados mais algumas situações que a autora aborda em seu livro provenientes da
experiência vivida nos centros urbanos.
22
Fechamento introduzindo a despedida do texto, retomando o propósito do texto.
23
Saudações cordiais são comumente utilizadas na despedida.
24
Assinatura genérica solicitada pelo comando da proposta.

23
4.3. UFSC 2023.1 – NOTA – 10

ESPELHO

24
TRANSCRIÇÃO
A leitura como fundamento da vida1
Florianópolis – SC, 11 de dezembro de 20222.
Prezada COPERVE3,
Como vestibulando4, acredito que o vestibular da UFSC possui a função de
revolucionar vidas por meio ingresso em umas das melhores universidades do país5. No
entanto6, essa revolução já se inicia no processo de preparação para o vestibular, já que
os candidatos precisam se dedicar a fim de aprimorar os seus repertórios socioculturais,
e a literatura é o alicerce das múltiplas identidades existentes7. Dessa forma, sugiro a
leitura de um livro ousado8, “Não me abandone jamais”, de Kazuo Ishiguro, para o
próximo vestibular. Essa obra apresenta uma linguagem bem acessível ao público e
explora questões de natureza crítica relevantes como o ser e a humanidade9.
A obra de Ishiguro é ambientada no século XX e nos oferece um enredo bastante
delicado10, em outras palavras11, parte de uma sociedade que desenvolve clones. A única
função que os clonados têm é doar os seus próprios órgãos para uma parcela da
população. Nesse sentido, os clones não são considerados seres humanos, pois as suas
identidades são sequestradas e exterminada por esse contrato social predeterminado12.
As suas vozes são silenciadas, os seus desejos são invisibilizados e ocorre o mais
desumano nível de objetificação da natureza humana. Nesse viés, segundo a psicanálise
freudiana, apesar de a nossa identidade ser processual e complexa, é ela que nos dá
vida, nos move, nos faz sentir as infinitas paixões, nos faz interpretar o meio e nos tornar
únicos na realidade13. Sem identidade, o sujeito se torna incapaz de ter acesso ao seu

1
O título já nos indica qual será a discussão desenvolvida pelo emissor.
2
Local e data obrigatórios situados no cabeçalho.
3
Vocativo com o destinatário da carta.
4
Logo no início, há a identificação do emissor, daquele que escreve a carta.
5
Destaca a importância social do destinatário da carta: a própria comissão do vestibular.
6
Expressão conectiva que denota a oposição semântica entre as partes, introduzindo a ideia de que
embora o ingresso na Universidade seja transformador, ele, de fato, inicia-se em uma etapa anterior:
a do preparo para o vestibular através da literatura.
7
O termo “já que” introduz a justificativa do posicionamento adotado pelo “vestibulando”, indica o
motivo de um determinado acontecimento ou situação.
8
A caracterização do livro, marcada pelo adjetivo “ousado”, espera-se ser compreendida no
desenvolvimento do texto, tendo em vista que qualquer coisa dita no texto deve ser utilizada de
forma estratégica, isto é, visando o convencimento da banca em relação à sugestão efetuada.
9
É apresentada a sugestão, o nome do livro e sua devida autoria, além de indicar características
formais e temáticas relevantes que servirão para que os vestibulandos enriqueçam seus repertórios
socioculturais, preparando-os devida para a prova, e, assim, possam ingressar na Universidade.
10
Descrição da obra. A caracterização do enredo como “delicado” será, assim, mais à frente,
desenvolvida.
11
Pode ser substituída por “isto é”, “ou seja”, tendo em vista que é uma expressão utilizada para
explicar alguma coisa já mencionada anteriormente.
12
Aos poucos somos introduzidos ao universo ficcional e próprio do livro, compreendendo a
delicadeza de sua temática.
13
O “vestibulando” destaca sobre como a identidade desses clones são apagadas. Desse modo, traz
um conhecimento de modo, ao citar a “psicanálise freudiana” para mostrar a importância da
identidade para os indivíduos.

25
próprio reflexo e se resume a um mero sistema inorgânico14. Além disso, a humanidade
é protagonista dessa trama, pois ocorre a subtração de uma minoria marginalizada em
prol da manutenção e adição da vida de pessoas privilegiadas15. Logo16, devido à
atribuição de direito de vida de apenas alguns, desenvolve-se a mais genuína
fragmentação do coletivo17.
Portanto18, cara COPERVE, o livro sugerido é repleto de valores simbólicos
significativos19. É uma sugestão capaz de impactas, de maneira permanente, a alma dos
candidatos, porque trata com muita sutileza, drama e elegância a condição humana
(desde o universo particular quanto o plural)20.
Atenciosamente21,
Vestibulando22.

14
Seres que não possuem vida sensível ou que não resultam de um crescimento natural, mas
artificial.
15
Há uma comparação entre o que se passa no contexto ficcional com a nossa sociedade
contemporânea: há uma afirmação e sua devida justificativa.
16
Expressão conectiva que indica conclusão.
17
Há uma retomada da temática principal da obra e uma possível consequência: a fragmentação do
coletivo, já que acabamos atribuindo importâncias diferentes aos seres humanos, todos que, na
teoria, são detentores dos mesmos direitos e deveres.
18
Operador argumentativo que indica conclusão das ideias e, nesse caso, a introdução do parágrafo
conclusivo.
19
Os valores simbólicos referem-se aos valores culturais de uma sociedade. Portanto, cabem aos
“vestibulandos” conhecerem e aprenderem sobre esses valores para que possam transitar
coerentemente pelos espaços sociais, respeitando os valores humanitários.
20
A condição humana concerne a todos, por isso a importância da leitura de tal livro, além de
apresentar “sutileza, drama e elegância”, condições respeitadas em uma boa literatura.
21
Típica saudação cordial.
22
Assinatura genérica obrigatória.
26
5. CONTO
5.1. 2019.2 – NOTA 9,75

ESPELHO

27
TRANSCRIÇÃO
Esperança ou desespero?1
Olhos brilhantes, sorriso no rosto, coração tranquilo2. Paro no semáforo vermelho e a
cor me incomoda, queria logo o verde-esperança que resume o meu dia3. A reunião fora
um sucesso, consegui convencer os Ministros da Saúde e da Educação de que não se
pode interferir nem nas vontades da natureza nem nas decisões dos pais, porque nós
sabemos o melhor para nossos pequenos4. Sem dúvidas eu prefiro que meu filho fique
semanas sem aula e se recupere no seu tempo em casa a fazer passá-lo pelos traumas
de minha infância5.
Eu cresci em um país cheio de imposições, havia uma enorme lista de obrigações6
para cada indivíduo. Quando tinha 5 anos, uma moça toda de branco, carregando uma
maleta com uma cruz vermelha bateu à porta7. Minha vó prontamente a recebeu e
convidou para sentar, a mulher disse estar me procurando: “Estou aqui para proteger as
crianças do bairro”. Segurou-me com força e introduziu uma dolorosa agulha no meu
braço e, enquanto eu ainda berrava, partiu8. Vovó acreditou que aquilo era para o bem e
tentou me acalmar. Mas eu sentia cada célula do meu corpo tendo que trabalhar
exaustiva e desnecessariamente. Aquele líquido estranho injetado contra a minha
vontade me fez escravizar o próprio corpo, logo eu, que desde cedo aprendi ser errado o
trabalho forçado.9

1
O título nos indica os sentimentos que estarão em destaque no decorrer da história.
2
Início descritivo: aponta uma parte específica do corpo, assim como a sua caracterização. A junção
deles denota uma certa felicidade.
3
Associação das cores com os sentimentos da personagem, refletindo seu estado mental.
4
O trecho indica que a personagem possui um papel significativo na sociedade, já que estava em
reunião com os Ministérios, órgãos responsáveis por planejar, promover e introduzir políticas
públicas. Assim como o posicionamento da personagem sobre o tema. Lembrando que o conto não
se propõe a defender um ponto de vista sobre algo, mas contar uma história dentro de um universo
próprio.
5
O foco narrativo é classificado como narrador-personagem, pois participa da história, e escreve a
partir da sua interpretação das coisas, tendo uma visão limitada dos fatos. Aqui, a narradora-
personagem irá voltar no tempo para nos introduzir os traumas de sua infância, relativos à vacinação
obrigatória.
6
O vocabulário respeita a posição da narradora-personagem. Percebe-se que ela está se referindo
aos deveres cidadãos.
7
A descrição serve como um elemento de construção imagética, já que não é preciso dizer
explicitamente que se trata de um profissional de saúde, ficando explícito pela referência feita ao
modo de se vestir e aos objetos utilizados. “Moça toda de branco” refere-se ao uso do jaleco, típico
dos médicos. A “cruz vermelha” é o símbolo da instituição de ajuda humanitária Cruz Vermelha
Internacional, movimento neutro e imparcial, não vinculado a qualquer Estado, com objetivo de
proteger a vida e a saúde humana.
8
Para a personagem, a experiência da vacinação não foi agradável, apesar dos esforços de sua avó
para convencê-la dos benefícios.
9
A personagem associa o trabalho feito pelo seu corpo ao regime de trabalho forçado sem receber
qualquer tipo de benefício, especialmente por ter sido obrigada à vacinação. Lembrando que a
perspectiva da história é da própria personagem. Então, acompanhamento tudo a partir das
impressões dela. Para ela, o benefício da imunização não era um resultado a ser levado em
consideração.

28
Esse dia foi o primeiro, e não o único. A moça de branco aparecia em todos os lugares
na escola, no parque, no ônibus. As agulhas me perseguiam e escravizavam10. Até tentei
explicar algumas vezes como aquilo me destruía, respondiam que “um dia seria grata
pelas picadas”, “é normal criança ter medo, mas é para o bem”11. Desde tal época tinha a
certeza de que meus filhos não viveriam o terror.
Quando eu fiz dezoito anos, saí para uma viagem de férias e nunca mais retornei ao
país natal. Conheci meu marido, fiz faculdade e criei raízes nessa nação livre em que me
sinto dona do meu próprio corpo12. Estava no paraíso no qual sonhei engravidar. Quando
Pedro nasceu, prometi criá-lo da maneira mais natural possível, pensava: “Se nossos
antepassados sobreviveram assim por tanto tempo quem somos nós para alterar as
vontades da natureza?”13 A cada doença o máximo que eu lhe dava era um chá de ervas
do nosso jardim. Ele sempre melhorava sozinho e seguia ainda mais forte14.
Agora, diversos casos de sarampo atingem às crianças, incluindo Pedro, fazendo com
que as escolas de todo país cancelassem as aulas15. Pais desesperados e despreparados
começaram a implorar pela imunização ativa, felizmente ainda inexistente aqui16. A
reunião de que saí há pouco foi para mostrar aos responsáveis do governo como esses
pedidos são absurdos e somos uma nação privilegiada por respeitar o corpo de cada
um17. O semáforo muda para o verde-esperança quando o telefone toca18: é meu marido
desesperado comunicando que o vírus não previamente combatido levou nosso filho
embora19.

10
A vacina estimula o corpo a se defender contra os organismos (vírus e bactérias) que provocam
doenças, sendo tomadas nas idades recomendadas pelos órgãos de saúde responsáveis. Assim como
também existem as campanhas de vacinação como, por exemplo, a campanha contra a poliomielite
e a campanha do idoso (contra a gripe), que acontecem todo ano. O trecho alude a esse processo
contínuo de imunização coletiva.
11
O uso das aspas marca a reprodução exata da fala de outros personagens.
12
O trecho contempla uma especificidade do comando da proposta: a história no texto deve se passar
em um país em que não tenha vacinação.
13
O discurso de defesa contra a vacinação da personagem apresentado na introdução é novamente
retomado.
14
A oposição à vacinação obrigatória pode ser baseada em um sentimento antivacina, preocupação
que ela viola liberdades civis ou reduz a confiança na vacinação, ou suspeição de enriquecimento da
indústria farmacêutica. Desse modo o uso de plantas medicinais é incentivo. Entretanto, o discurso
de que “se é natural não faz mal à saúde”, promovendo o uso de ervas e produtos naturais, podem
causar riscos à saúde, tendo em vista que não há embasamento científico para tal, além de existir
plantas tóxicas e que não devem ser ingeridas com doenças preexistentes para não promover o
agravamento da enfermidade, ao invés de auxiliar no tratamento.
15
Outro aspecto solicitado na proposta é atendido: a epidemia que atinge esse país sem vacinação.
16
Apesar do momento desolador que atinge os pais e/ou responsáveis das crianças pela falta de uma
imunização eficiente, a personagem ainda se mantém firme em sua crença.
17
O texto retoma ao presente
18
O semáforo na cor vermelha relembra todo o sofrimento causado na personagem pela vacinação.
Embora a situação geral não seja esperançosa, a mudança - que é destacada pela narradora – da cor
do semáforo para o verde-esperança nos induz a pensar que algo de bom irá acontecer.
19
Entretanto, a personagem recebe uma ligação do seu marido comunicando a morte de seu filho,
quebrando as expectativas do leitor, construída pelo uso das cores presentes no semáforo.

29
5.2 UFSC 2019.1 - NOTA 9,25

ESPELHO

30
TRANSCRIÇÃO
Torta de morango
Coração acelerado, mãos suadas, olhos arregalados1. O medo me dominou. Voltando
do médico2, para o carro no semáforo vermelho. Um jovem vende bandejas de morango,
o preço é atrativo, 4 por dez reais. Morangos graúdos, mais vermelhos que o sinal, cheiro
delicioso3. Esses morangos fariam quaisquer olhos brilharem, mas deixaram os meus
afogados4. Lembrei-me imediatamente dela, de minha mãe5.
Até meus dezoito anos, morei no campo. Minha família era dona de um pequeno
pedaço de terra. Papai cuidava das maçãs; mamãe, dos morangos. Eu admirava o
carinho dela com aquelas pequenas frutas, tão gostosa, tão trabalhosas. Como a colheita
era sempre próximo ao meu aniversário, minha mãe preparava uma divina torta. Tora de
morango, a minha predileta, feita por ela ficava ainda mais especial6.
Quando atingi a maioridade, mudei-me para a cidade7. Tornei-me responsável por ir
ao mercado e, semanalmente, eles realçavam na prateleira. Os morangos da cidade
eram tão mais belos que os da minha mãe, além de mais presentes – nunca deixavam
seu lugar vazio8. Decidi, então, usá-los para fazer a torta do meu 17º aniversário e avisei
mamãe. Ao tentar servi-la com o primeiro pedaço, ela disse que não se sentia bem.
Estranhei. Terminado a festa, perguntou-me sobre os morangos. Acreditei ser inveja. Ela
não falou mais nada. No outro dia, disse para eu cuidar com veneno, especialmente
naquele momento de novas flexibilizações. Ignorei9.
Aquele foi nosso último encontro. Com a morte de meus país, nossa terra foi
incorporada pelo latifúndio ao lado10. Os morangos da minha infância também

1
Início descritivo permitindo uma visualização consistente do sentimento apontado: o medo.
2
Apresentação de uma informação que será crucial para o enredo presente no texto, sendo
retomado ao final, promovendo um fechamento circular.
3
Ocorre a associação de diversos elementos presentes na cena. Assim, demonstra como o ambiente
é bem observado pela personagem e serve como base para a construção do texto.
4
Quebra de expectativa, tendo em vista que os morangos têm um significado mais profundo para a
personagem do que apenas um alimento digno de compra e consumo.
5
Destaque para a importância do morango elemento centralizador no enredo que se segue,
especialmente associado à mãe da personagem.
6
Trecho narrativo-descritivo introduzindo a família da personagem e suas devidas ocupações,
agricultores familiares, articulando explicitamente a mãe, a terra, o morango e a data comemorativa.
Os hábitos familiares são demarcados temporalmente no início do parágrafo.
7
A mudança para a fase adulta é marcada por um novo parágrafo. Por ser uma unidade interna do
texto, ele se organiza em torno de um enfoque, uma perspectiva, uma análise ou até uma cena
específica, apresentando um conteúdo de sentido minimamente independente que solidifique ou
amplie em relação aos outros parágrafos do texto.
8
Há uma mudança do campo para cidade e, com isso, os morangos utilizados, pois agora são outros,
mais belos.
9
Por acreditar na inveja da mãe em relação ao uso dos morangos da cidade ao invés dos do campo,
ela ignora o aviso de sua mãe sobre as flexibilizações do Estado em monitorar o uso dos agrotóxicos.
Aqui, o tema é revelado pela primeira vez.
10
Ao utilizar a dicotomia “agronegócio versus agricultura familiar”, candidato demonstra conhecer a
relação entre o uso dos agrotóxicos e o modelo de negócio de produção de alimentos.

31
cresceram. Nos aniversários subsequentes, usei-os para fazer a torta11. Até que, na
véspera de completar 50 primaveras, sonhei com minha mãe. Ela implorava para que eu
fizesse torta de uva. Apesar de os morangos estarem ainda maiores, mais brilhosos e
cheirosos12, comprei as pequenas uvas.
Agora, novamente meu aniversário se aproxima. Retornando do médico 13, enxerga
as bandejas de morango e entendo o alerta daquele vermelho14. Como queria voltar no
tempo e valorizar a mensagem dita, há 32 aos, por minha mãe. O sinal abriu, meus
momentos restantes são poucos, preciso preparar meus filhos. Segundo o doutor, não
demorará para que eu passe o aniversário com mamãe15. Já posso imaginar a torta de
pequenos e seletos morangos e o sermão16.

11
Agora com a incorporação das terras de sua família pelo latifúndio, é possível depreender que o uso
dos agrotóxicos foi intensificado.
12
O trecho faz referência como a beleza dos morangos se opõem à sua toxicidade, já que eles assim
o são já que os agrotóxicos são utilizados na plantação.
13
Voltamos ao momento presente no qual a personagem se encontra: parada no semáforo vermelho
observando os morangos à venda.
14
A cor vermelha é associada aos próprios morangos, assim como ao perigo do seu consumo.
15
A relação entre o diagnóstico fatal da personagem com o consumo de produtos tóxicos
provenientes dos alimentos produzidos com o uso de agrotóxicos é implícita.
16
A caracterização dos morangos (“pequenos e seletos morangos”) marca a preferência da mãe pelo
uso de produtos livres de agrotóxicos, já que esses costumam ser “ainda maiores, mais brilhosos e
cheirosos”.
32
5.3. UFSC 2020 – NOTA 9,0

ESPELHO

33
TRANSCRIÇÃO
Caixa de Pandora1
Aos dezoito anos, José, sem tanto o que fazer depois de um dia de aulas, decidiu
revirar algumas caixas velhas que sua avó, por saudosismo, guardava nos cantos
obscuros de casa2. Não precisou vasculhar muito para encontrar um caixote que logo o
chamou atenção. “Turma de Medicina 2019”, lia-se no lacre do pacote. O menino, curioso
como era, sem delongas, escancarou a caixa que encerava tantos segredos – ou, ao
menos, que ele imaginava encerrar – tal qual Pandora outrora o fez3.
Por entre fotos empoeiradas, lembranças fatigadas pelas décadas e outros artefatos
que, em seu cérebro, classificou como “bugigangas”, José percebeu um atípico recorte
de jornal. Naquele enfadonho pedacinho de papel4, leu “Vestibular de Medicina”, título
este segundo por uma curta lista de nomes... o de sua avó (que, ao leitor, não vem ao
caso) entre eles. Que sua caríssima “nona” era médica não lhe era estranho, mas aquele
jornal exibia uma palavra pouco familiar a José: vestibular 5. O garoto, sem se preocupar
em ir averiguar no dicionário o cunho vernáculo deste vocábulo, optou por ir direto à
fonte: foi interrogar a pobre vó.
Mal havia encontrado a serena senhora, começou a saturá-la de perguntas. “Como
assim “vestibular”?”; “Por que não existiam oportunidades para todo mundo?”; “Uma
prova para selecionar quem pode ou não estudar!?”.6 Quanto mais questionava, mais
decepcionado ficava com as respostas. José, veja bem, que nascera em meados da
década de 2060, sempre teve o prazer de viver em uma sociedade que valoriza a
educação, indistintamente. Ele e seus colegas, independentemente da faixa etária,
renda ou localização espacial, desfrutavam do direito a equidade: mesma qualidade de
ensino e oportunidades semelhantes7. Como consequência, claro, tornavam-se
profissionais capacitados para exercer as mais diversas funções, zelando pelo bem estar
humano8. Por viver assim, José achou pesaroso crer que, em algum tempo não tão
remoto, crianças e jovens não possuiam o mesmo acesso à educação... que deveriam,
até, competir por vagas ao ensino superior – desconsiderando os históricos escolares tão
injustamente discrepantes9.

1
Referência ao mito da caixa, na qual os deuses gregos depositaram todas as desgraças do mundo
(embora houvesse um único dom: a esperança), aberta por Pandora, representado a curiosidade e a
desobediência que prejudica o ser humano.
2
O narrador observador é um narrador em terceira pessoa e narra apenas o que vê, o que observa,
isto é, não participa da história e nem tem conhecimento total dos fatos e personagens.
3
A abertura da caixa, por Pandora, revelou ao mundo as desgraças que outrora não havia. E essa
referência cria uma certa expectativa no leitor.
4
Há a apresentação das coisas como elas são (objetividade) e comentários acerca de como elas são
percebidas pelo José (subjetividade).
5
O tema solicitado começa a ser abordado.
6
As respostas de sua avó são suprimidas, tendo em vista que sua avó é apenas uma personagem
secundária: o foco permanece em José.
7
O tema é articulado explicitamente com a situação narrada.
8
Há a justificativa de uma educação universal, presente no universo ficcional apresentado.
9
Como o narrador é onisciente, ele é conhecedor dos sentimentos, emoções e pensamentos dos
personagens.

34
José, em uma ala de redação, ainda naquela semana, deveria escrever um conto
distópico sobre “uma sociedade na qual crianças e jovens não tenham o mesmo acesso
à educação”.10 “Muito irônico”, ele pensou11.

A proposta de redação solicitada no vestibular 2020 é invertida e introduzida no conto.


10

A ironia se estabelece pela situação inusitada pelo que ele descobriu ao abrir a caixa de sua avó e
11

agora ter que escrever um texto sobre, revelando que ele estava preparado para tal tarefa.

35
5.4. UNICAMP 2020 – NOTA ACIMA DA MÉDIA

Tratado Absoluto das Roupas Femininas1


Na semana passada, uma grande amiga convidou-me para acompanhá-la em um
ilustríssimo evento: um “show” de sertanejo no clube da cidade2. Haveria tudo com que
mulheres progressistas como nós – pelo menos, era o que eu pensava que éramos –
sonham3: bebidas, diversão até tarde da noite e, sobretudo, tolerância 4. Ora, como não
ir?5 Logo depois do convite, eu já fora procurar uma roupa (“look”, para os íntimos) para
cumprir a nobre missão de cantar “Jorge e Mateus” até ficar rouca.
No dia combinado, chegamos bem cedo para pegar uma boa mesa, onde eu, minha
amiga e algumas garotas conhecidas nos sentamos. Conversávamos alegremente até
que a visão de outra garota conhecida – que chamaremos de Gabriela – vestindo uma
bela saia de veludo vermelho, botas de salto alto e brincos de argolas douradas (hoje,
percebo que ela estava indefectível)6, nos paralisou. Gabi aproximou-se da mesa
1
“O tratado absoluto das roupas femininas”, é, por extensão, um tratado absoluto do feminismo. Isso
porque todas as personagens são mulheres, construídas propositalmente sob a óptica do machismo:
preocupam-se com futilidades, como o tipo de roupa (ou “look”); curtem o show de uma dupla
sertaneja composta por homens brancos, héteros, musculosos e tatuados (Jorge e Mateus);
costumam acompanhar as amigas ao banheiro (para retocar a maquiagem, talvez); enfim, são
personagens-mulheres estereotipadas, mas que vão sendo desconstruídas como tal ao longo da
narrativa pela voz da narradora-personagem, que, por sua vez, também incorporara esse estereótipo.
Ao final, a narradora-personagem toma consciência do(s) seu(s) ato(s) micromachista(s) e se rende
à sororidade, sentimento importante na luta do movimento feminista – eis o tratado absoluto do
feminismo. Faz-se importante destacar ainda o fato de a crônica ser narrada por uma mulher, que
se considerava “progressista”, mas que se reconhece micromachista, e por isso se pune e se redime
(“Diante disso, aprendi uma lição”). Esse detalhe não deve passar despercebido, uma vez que confere
à crônica mais força persuasiva. Não que homens não possam se reconhecer micromachistas, mas
uma mulher assumir-se como tal provoca muito mais constrangimento, afinal, pensou e agiu contra
outra mulher, contrariando assim a “Teoria do brilho”, quando “juntas somos mais fortes”,
“#MexeuComUmaMexeuComTodas” ou “#MeToo”.
2
A crônica tem como ponto de partida uma situação do cotidiano, banal, trivial, ordinária. O
candidato assume a voz narrativa de uma mulher e anuncia que vai relatar a ida com as amigas a
um show de sertanejo no clube de sua cidade.
3
Há estratégias narrativas de flash-forward, um dispositivo narrativo pós-moderno usado quando se
pretende antecipar ações ou reflexões que serão devidamente compreendidas em um momento
futuro da narrativa. É o caso de “Haveria tudo com que mulheres progressistas como nós – pelo
menos era o que eu pensava que éramos – sonham”, no primeiro parágrafo, e de “hoje, percebo que
ela estava indefectível”, no segundo parágrafo. Nesses dois momentos a narradora-personagem
projetou ideias que compreenderíamos somente depois, no decorrer da narrativa: no primeiro
exemplo, em que as personagens pensavam ser mulheres progressistas mas não eram, e no
segundo, em que a amiga Gabriela não estaria usando uma roupa provocante nem exagerada, mas,
com a consciência do presente, estaria usando uma roupa indefectível, tal como o adjetivo da música
do Skank.
4
A narradora-personagem se autodeclara uma mulher progressista, assim como suas amigas-
acompanhantes, e diz que estavam animadas para o show dos sonhos. Ao descrever sua
personalidade e a das amigas, a narradora-personagem já nos deixa uma pista de que, talvez, elas
não sejam assim tão progressistas como pensavam. Para a banca, é uma estratégia interessante:
desperta a curiosidade dos leitores.
5
As perguntas retóricas são um mecanismo eficaz para promover a reflexão do leitor, além de
aproximá-lo do texto.
6
Tomada pela sororidade, após ler a matéria sobre micromachismo no El País, ela toma consciência
de sua atitude deplorável no passado e faz o mea-culpa no presente.
36
enquanto a observávamos como se ela tivesse vindo diretamente de Júpiter 7. Não
faltaram olhadelas inquisidoras, ainda que discretas. A alienígena8 sentou-se e
conversamos um pouco até que ela decidiu ir ao banheiro (sozinha, porque nenhuma
de nós quis acompanhá-la). Gabi mal havia saído quando minha amiga sentenciou:
“Nossa, que roupa mais provocante! Chega a ser exagerada! Ela deveria ter mais senso
ao se vestir”.9
Foi unanimidade: todas nós concordamos com a constatação; algumas endossaram
o parecer com comentários do tipo “ela só quer atenção” ou “não sei como ela tem
coragem”.10 Naquele momento, não vi, admito envergonhada, qualquer problema no
julgamento. O tribunal11 da roupa é recorrente, e toda mulher conhece suas leis 12.
Somente hoje, ao ler uma matéria do “El País” sobre micromachismo, pude reconhecer
o quão terrível fora minha atitude de classificar a roupa de Gabi como “provocante”.13
Eu, que me achava tão progressista, mantinha enraizada em minha mentalidade a
ideia de que mulheres não devem usar saias curtas. Eu, a feminista, utilizei-me de um
código não verbalizado ao pensar que Gabi estava sendo indecente. Ora, que leis são
essas que proíbem uma garota de se vestir como bem entender?14 Respondo: o código
machista que, por vezes oculto, repeti tantas vezes para mim mesma. Esse é o “tratado”
que usei como recurso de opressão contra Gabriela. Com vergonha e até mesmo com
indignação, admito que percebi muito tarde o micromachismo do qual sou agente15.
Diante disso, aprendi uma lição, e tenho uma certeza: estivesse Gabi com uma saia
curta, estivesse Gabi coberta inteiramente por um vestido longo, a justiça machista a
condenaria pelo simples fato de ser mulher16. Deixo registrado aqui o triunfo de Gabi,
mulher que enfrentou um código o qual, enquanto perdurar, limitará a liberdade
feminina e condenará todas nós17.
7
No segundo parágrafo, há a descrição do evento. Para a narradora-personagem e suas amigas, a
vestimenta escolhida pela Gabi era de outro mudança, absurda, destoava do ambiente em questão.
8
As escolhas lexicais imprimem o estilo linguístico da crônica: “olhadelas inquisidoras, ainda que
discretas”, “tivesse vindo diretamente de Júpiter”, e “alienígena”.
9
O clímax do enredo foi criado. Imediatamente, é possível identificar qual atitude micromachista
listada no El País foi escolhida pelo candidato como mote para criar sua crônica: a atitude número 9.
Assim, o candidato está cumprindo a proposta temática: escolhe uma atitude micromachista listada
no jornal espanhol e narra um episódio vivenciado que se relaciona com essa atitude – o bullying
praticado pela narradora-personagem e por suas amigas contra Gabriela em razão da roupa
provocante usada por ela.
10
O relato do julgamento inquisidor das amigas continua, dessa vez, expresso em comentários cruéis.
11
As escolhas lexicais foram meticulosamente planejadas, sobretudo aqueles que nos remetem a um
mesmo campo semântico: o de um tribunal. Por isso o uso de “olhadelas inquisidoras”, “minha amiga
sentenciou”, “foi unanimidade”, “endossaram o parecer”, “problema no julgamento”, “o tribunal das
roupas”, “conhece suas leis”, “código”, “tratado”, “usei como recurso”, “a justiça machista”, “condenará
todas nós”.
12
O episódio vivenciado é até então considerado normal pela narradora-personagem, que participou
ativamente da tribuna.
13
Há a introdução de uma matéria para endossar a mudança de posicionamento sobre os
julgamentos feitos em relação à roupa utilizada pela Gabi na festa.
14
O quarto parágrafo dá continuidade a esse sentimento de arrependimento, em tom confessional,
no qual a narradora-personagem faz uma autocrítica e se reconhece micromachista, como nos
revelam suas reflexões.
15
A própria narradora-personagem responde sua pergunta, mobiliando para isso as leituras que fez
da coletânea: o excerto 1 e 2.
16
O grand finale beauvoiriano.
17
A garota Gabriela, nome inventado pela narradora-personagem para garantir o anonimato da
amiga, vai deixando então de ser, ao longo da narrativa, “a amiga da roupa provocante em um certo
37
show sertanejo do passado” para ser a Gabi, a amiga íntima da narradora-personagem, com quem
se solidariza no presente; ela também passa a ser a Gabi-mulher, ou seja, a Gabi que representa todas
as mulheres que são constantemente condenadas pelo código do machismo. Não nascem Gabrielas,
tornam-se Gabrielas. E são triunfantes porque enfrentam o (micro)machismo de cada dia, o qual
“enquanto perdurar, limitará a liberdade feminina e condenará todas nós”, conclui a narradora-
personagem.
38
5.5. UFSC 2023.1 – NOTA 10

ESPELHO

39
TRANSCRIÇÃO
Maria: mania de leitura no morro
Era fim de tarde, o pôr-do-sol se acentava suavemente nas ondulações da favela em
que nasci, e, com ele, o movimento de clientes no pequeno comércio de meus pais
diminuia gradualmente1. Assim que percebi um intervalo, em que meu caixa se manteve
vazio, rapidamente, caçei o pequeno livro na bancada, agachei-me entre as caixas de
produtos e meu coração e mente se alinhavam perante o êxtase de continuar a absorver
aquela história2. Pouco me importava o barulho ao redor3, desde meu 10º aniversário,
quando meus pais decidiram que já seria útil no trabalho4, que aguardo estes pequenos
momentos em meu esconderijo leitor, para esquecer o entorno e sentir a magia em
páginas5.
O tilintar do sino porteiro – infelizmente – me despertou do transe. O som dos passos,
automaticamente, denunciou minha bronca: mamãe entrou na venda. E eu estava
lendo. Ouvi, pela vigésima – ou milésima – vez, o discurso “Maria – favelada – leitura –
não”. Eu tentava compreender seus argumentos: “palavras em uma página não trarão
comida à nossa mesa”; “você deve entender que, no morro, não há lugar para isso”, e
outras frases prontas que não diminuiam minha urgência em escapar para o próximo
capítulo6. Não havia incentivo em lugar algum. Meus pais? nunca me direcionariam à
algo diferente do caixa. A escola? aquele local mal possui um papel nos banheiros. Meus
amigos? Incompreendiam o porquê da minha preferência literária para adquirir novas
histórias, minha sorte era encontrar algumas em lixeiras do centro. Governo algum
colocou bibliotecas tão longe dos bairros ricos 7 - afinal, que favela precisaria de cultura?8
No dia seguinte9, é óbvio que, novamente, não resistia a me curvar sob o balcão de
atendimento, livro em mãos, sorriso no rosto. E então... gritos. Consegui escutar minha
mãe no andar de cima, gritando para nossos vizinhos entrarem em casa. Tiros 10. Já não
entendia de qual direção estavam vindo, quantos eram, o motivo daqueles agentes

1
Logo no início do texto, temos a ambientação do cenário que se passa a história: em um comércio
na favela – já salientado no título.
2
A leitura é percebida mesmo em um ambiente que praticamente impossibilita sua presença –
perspectiva que será o fio condutor argumentativo da crônica.
3
As dificuldades de se ler são constantemente apresentadas.
4
Outras temáticas servem para sustentar a dificuldade de ser um leitor na contemporaneidade,
como o trabalho infantil.
5
A leitura como refúgio, como escape da vida difícil que Maria leva.
6
A mãe de Maria vem desestabilizar esse momento pessoal e íntimo que a garota possuía com a
leitura. O destaque para “milésima” demonstra que esse tipo de situação é costumeiro. Assim, a
bronca da mãe desperta questionamentos em Maria, que servirão de argumentação para explanar
acerca dos desafios enfrentados por um leitor na sociedade contemporânea restrito ao contexto na
qual Maria está inserida.
7
Há a enumeração de diversos atores sociais que dificultam o interesse na leitura por parte da
população que vive nos morros, representado pela personagem Maria: seus familiares, sua escola,
seus amigos e o próprio Governo. O apontamento desses atores é seguido da devida justificativa.
8
A pergunta retórica estimula a reflexão no leitor.
9
A crônica é marcada por curtos espaçamentos temporais.
10
Há uma desestabilização da ordem rotineira estabelecida: mais uma dificuldade é adicionada à
vida de Maria.

40
subirem o morro a fim de matar-nos repetidamente11. Ouvi um último disparo. A página
aberta em minha frente coberta de vermelho. Não conti 12 meu pensamento: estava tão
triste por desconhecer o fim daquela história.

11
Novamente, questões secundárias são apresentadas para sustentar o projeto central do texto, que
é falar sobre a dificuldade de um leitor na sociedade contemporânea: a constante violência policial
nas comunidades periféricas.
12
O texto apresenta alguns desvios gramaticais (“acentava”, “caçei” “diminuiam”, “à”, “conti”), o que
não impede o texto de alcançar a nota máxima, como foi o caso, já que ele se mostra bastante
criativo, organizado, e aprofundado, trazendo diversos elementos para compor a narrativa.

41
5.6. UFSC 2023.1 – NOTA 8,25

ESPELHO

42
TRANSCRIÇÃO
Dizeres póstumos1
Acordei, levantei, tomei banho, comi2 e quando olhei para rua, o sol iniciava seu
encantador nascimento diário. Um diário3 parecido com o “Quarto de Despejo”, que me
lembra as dificuldades de morar na periferia, onde a negritude é descartada 4. Observo
os barracos amontoados no caminho do ponto de ônibus e o “Cortiço” se faz presente
em pleno 20225. Por fim, o trajeto do mundo marginal até a chance de mudança 6 se
parece com uma “Morte e Vida Severina” da modernidade7, cheguei na universidade
com sede de saber.
Cada dia que passa, os mestres e doutores requerem mais desse machadiano
apaixonado pela leitura, devem pensar que sou um riquinho com sindrome de pobre,
afinal meu preto não é tão vivo como de mamãe8. Meus colegas com seus Hobbes e
Maquiavel em capa dura e eu pirateando Dan Brown e Jane Austen, um abismo real 9.
No almoço, costumo passar em frente a livraria, mas sem demorar sigo meu caminho.
Como gastar RS 185,90 em um “Tolkien”, quando o arroz custa RS 45,00???10 Não sei, só
não é para mim.

1
O título faz referência direta à obra Memórias Póstumas de Brás Cubas. A crônica se configura como
um gênero que também privilegia à intertextualidade, isto é, referencia outros conteúdos e textos
para produzir um novo texto, contribuindo no sentido, para ampliá-lo ou modifica-lo.
2
Ações rotineiras e cotidianas, típicas do gênero textual crônica.
3
Como um gênero que está no limite entre o jornalístico e o literário, a polissemia é um mecanismo
bastante usual. Enquanto na expressão “nascimento diário”, o vocábulo é um adjetivo, na expressão
“Um diário parecido”, o termo se refere ao objeto, um caderno de anotações, geralmente de caráter
íntimo e confessional.
4
O texto é recheado de referências literárias. Aqui, o candidato faz articulações diretas com o que
acontece no seu cotidiano. O texto escolhido é Quarto de despejo, da escritora Maria Carolina de
Jesus.
5
As referências literárias continuam: o caráter jornalístico, mais especificamente do gênero textual
notícia – que veicula um acontecimento real – se mescla ao tipo literário. Assim, o cotidiano adquire
aspectos artísticos, indica uma verdade poética da vida.
6
Posteriormente, descobrimos que “a chance de mudança” se refere à Universidade. Deve-se, assim,
utilizar a língua em toda a sua possibilidade.
7
Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto e publicada em 1955, retrata a trajetória de
Severino, que deixa o sertão nordestino em direção ao litoral em busca de melhores condições de
vida. A obra está relacionada à Geração de 1945 do Modernismo Brasileiro.
8
O candidato faz referência às problemáticas relacionadas à cor de sua pele, isto é, ao colorismo no
ambiente acadêmico. O colorismo se caracteriza pelo preconceito ou discriminação contra as
pessoas da mesma raça ou etnia, que são tratadas diferentemente com base na tonalidade de sua
pele.
9
Os escritos de Hobbes e Maquiavel são leituras clássicas, portanto, entendidas como essenciais para
o entendimento do funcionamento da sociedade, com certa complexidade, e apresentam
importância acadêmica. Enquanto Dan Brown e Jane Austen, aos olhos do autor, são consideradas
literaturas menores, mais comerciais e, portanto, “menores”.
10
As discrepâncias socioeconômicas entre o narrador-personagem e os seus colegas universitários
são destacadas, impedindo, assim, que ele seja capaz de ter acesso a literaturas consideradas
“maiores”.

43
Depois de um bom almoço, por RS 2,50, no restaurante universitário, o trabalho no
call-center11 me chama12 com ordens imperativas e varguistas (permita me mais um
neologismo)13 para consumir 6 horas do meu dia. Quando sento na cadeira a voz
revolucionário marxista implora uma atitude14, mas sigo como os bons bois das fazendas
modelo do Brasil: obedecendo15.
No caminho de volta, o astro rei16 está indo repousar como um bom trabalhador e eu
apenas penso em chegar em casa e iniciar meu novo pirateado17, um roman... – TA, TA,
TA... – desculpe a pausa dramática shekespiriana18, não lembro o que iria dizer, o que
posso falar é que sou João de Jesus, preto da periferia, estudante cotista da federal,
apaixonado pela leitura e morto por uma bala que me elevou ao nível de Bráz Cubas 19.
Nossa diferença? A vida real não é um livro20.21

11
Palavras originariamente de línguas estrangeiras devem ser apresentadas entre aspas. E caso haja
uma palavra correspondente em português, essa deverá ser utilizada. Nesse caso, “central de
atendimento”.
12
Além de estudar, o personagem trabalha, acrescentando mais um desafio como leitor na sociedade
contemporânea – o tema solicitado pela proposta.
13
O vocábulo “varguista” é relato a Getúlio Vargas, político brasileiro, que tornou a carteira de trabalho
obrigatória para fins de consolidação dos direitos trabalhistas. Entretanto, não é um neologismo.
14
Referência ao marxismo que, na sua forma pura, defende que deve haver uma revolução pela qual
a classe operária toma para si os meios de produção e o governo, suprimindo a burguesia e os seus
meios de hegemonia e manutenção do poder, que constituem os conjuntos chamados
infraestrutura e superestrutura.
15
As fazendas-modelo de criação foram instituídas em 1911 no contexto de organização de ensino
agronômico no início do século XX no Brasil. Também faz referência ao livro Fazenda Modelo escrito
por Chico Buarque no ano de 1974. Nela, os animais compõem uma alegoria do Brasil da Ditadura,
do milagre econômico e suas conjunturas, sendo uma história extremamente semelhante à obra A
Revolução dos Bichos, de George Orwell, escrita 30 anos antes. Nas duas obras, os animais que
habitam uma fazenda promovem uma revolução para que pudessem se libertar da opressão do
fazendeiro. Os autores defendem a tese de que o poder político concentrado nas mãos de uma elite
dominante acaba por gerar grande opressão em detrimento do bem comum.
16
O sol, retomando o início do texto e indicando o encerramento do ciclo de vida diário.
17
O narrador-personagem não possui condições financeiras para a compra dos livros, então faz
download de livros disponibilizados ilegalmente na web, isto é, sem ter em conta dos direitos
autorais, violando o direito de propriedade.
18
Embora o uso de intertextualidade literária seja o forte do texto, aquilo que faz a escrita se destacar,
há algumas tentativas incoerentes no decorrer do texto. A obra shakespeariana é dramática, isto é,
composta em versos para serem encenados no palco, mas não caracterizado por “pausas, mas por
inspirar a criação de melodias, devido à cadência musical de seus textos.
19
A bala elevou João ao patamar de um “defunto autor”, como o próprio narrador-protagonista da
obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, Brás Cubas se define.
20
O autor da crônica explicita o paradoxo de seu texto: embora possamos transformar a vida em
literatura, a literatura não é a vida.
21
Atenção na morte do narrador-personagem. O cronista é aquele que escreve o texto, que absorve
alguns aspectos da realidade cotidiana e promove uma reflexão sobre essa mesma realidade através
do texto. E esse texto normalmente é publicado em periódicos, ou seja, jornais, revistas e blogs. Então,
ser o narrador-personagem do texto é equivalente a ser o cronista. Por isso, a impossibilidade de sua
morte ao final do texto.

44
5.7. UFSC 2023.1 – NOTA 10

ESPELHO

45
TRANSCRIÇÃO
Desconectado
Já era a quinta vez que Pedro abria aquele livro1. Não conseguia passar da introdução.
Seu pai, de tempos em tempos, entrava no quarto para checar se o menino cumpria a
lição. Sim, a lição: trabalho sofrido2. Por mais que imaginasse um enredo fantasioso à sua
espera, Pedro não conseguia se prender à história, não queria gastar o tempo no qual
poderia estar na praia, ou jogando videogame3.
Torcia para deus Chronos4 fazer o tempo passar, pois parecia congelado, estagnado
na página 7. E quando, finalmente, a leitura engatava na primeira marcha 5, algo terrível
acontecia: uma notificação no celular6.
Era fatal. Como se todo o esforço para se concentrar fosse compensado, em ondas
de dopamina para o cérebro, ao arrastar para cima aqueles vídeos rápidos em seu
aparelho7.
Daí, Chronos pôs a trabalhar8. Pedro só se deu conta quando passou três horas desde
a primeira notificação. Foi preenchido por um sentimento de culpa. Precisava ler o livro
até amanhã, gostaria de ter conhecido a história, mas foi engolido pela prazerosa
inquietação digital.
Na mesa de jantar, Pedro não soube o que falar sobre a história. O pai se aborreceu.
“você está viciado nessa droga de celular. Sua vida está passando e você está
desperdiçando seu potencial. Sua prova é amanhã!”.
O resto da refeição foi em silêncio. Depois da bronca, o pai logo sacou seu celular
para ver as apurações da Copa. A mãe digitava freneticamente no grupo das amigas no
Whatsapp. Já a irmã postava no Instagram sobre como era desconectada de redes
sociais9.

1
O texto inicia indicando a falta de foco do personagem principal, Pedro.
2
A escrita se caracteriza por frases curtas, diretas e objetivas.
3
O trecho destaca como outras atividades se caracterizam mais importantes do que a própria leitura,
considerada um “trabalho sofrido”. A dificuldade em se manter focado impede o exercício da leitura,
que demanda paciência e foco.
4
Referência ao deus grego do Tempo.
5
A primeira marcha é utilizada para “esquentar” o carro. Articular o tema abordado com elementos
do cotidiano é bem-visto na crônica.
6
As dificuldades de ler na sociedade contemporânea são apresentadas de modo gradativo.
7
“Então, quando o jovem está assistindo a um vídeo no TikTok, o cérebro dele recebe uma enxurrada
de dopamina que faz com que ele se sinta feliz, alegre, satisfeito. O problema é que, quanto mais
dopamina o cérebro recebe, mais ele quer, aí ele acaba entrando em um estágio de saturação em
que essas ‘doses’ vão precisar ser cada vez maiores — explica a psicóloga especialista em criança e
adolescente Manuela Santo, pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Psicologia Comunitária da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). [...] Essa onda de dopamina leva o jovem a não
conseguir desprender a atenção da experiência acelerada para outras tarefas que sejam mais
complexas e não promovam a sensação de prazer de forma tão rápida, explica a neurologista Letícia
Sampaio, coordenadora do departamento científico de Neurologia Infantil da Associação Brasileira
de Neurologia (ABN).”
8
O tempo passou.
9
A hipocrisia familiar em relação ao uso dos aparelhos celulares é escancarada.

46
“Imagino quando foi a última vez que eles leram um livro”, pensou o menino, calado,
enchendo a boca de feijão10.

10
A reflexão presente no texto se caracteriza justamente pelo comportamento hipócrita dos
membros da família: não haveria como cobrar um comportamento diferente de Pedro, visto que toda
a família segue o mesmo padrão comportamental. O jantar em família denota um momento de
confraternização. Entretando, todos seguem em silêncio enquanto utilizando os celulares.

47
6. DIÁRIO
6.1 UNICAMP 2021 – NOTA ACIMA DA MÉDIA

São Paulo, dia 3 de outubro de 20201. Estou munido de revolta. Esta é a primeira vez
que escrevo neste diário, como forma de denunciar o que está acontecendo na
pandemia em curso2. Ainda não amanheceu. O sol não nasce aqui na periferia3.
Reluto em enfrentar mais um dia como entregador num campo de batalha
cotidiano4. Na última sexta, estive nesse campo (como em todos os dias) e realizei meu
maior número de entregas do mês, ao passo em que bati meu recorde de exposição à
Covid-195. Cinco dias depois (ou seja, ontem), comecei a tossir e o desespero tomou
conta de mim. Passou uns minutos e a tosse acalmou, mas a possibilidade de infecção
segue me assombrando. Afinal, tenho contato diário com mais de cem pessoas, desde
funcionários dos restaurantes até consumidores. Nessa teia de entregas, eu e minha
moto percorremos uma cidade enferma para que eu e minha mãe, acamada e grupo
de risco, possamos sobreviver6.
Naquela mesma sexta em que bati meu recorde mensal, me deparei com uma
matéria jornalística através do “tweet” do Galo de Luta, militante pelos direitos dos
entregadores de aplicativos7. O texto abordaria a necropolítica, conceito de Achille
Mbembe que diz sobre as decisões políticas do Estado que visam provocar a morte,
direta ou indireta, de grupos sociais vistos como “descartáveis” pelo capitalismo, e esses
grupos são justamente nós, da periferia, em especial o povo preto. Numa análise e
denúncia atual, a pandemia foi a brecha que o Estado brasileiro encontrou para operar
a necropolítica, através da negligência da nossa exposição diária à doença do
coronavírus – como eu relatei anteriormente. Ou seja: o Estado decide que iremos
morrer, já que não temos valor ao grande capital; em sequência, fecha os olhos à nossa
exposição à Covid-19, negando condições mínimas de saúde e proteção e nos forçando
a trabalhar nesse campo de batalha8; por fim, puxa o gatilho que transforma o vírus em
1
Local e data, localizando o tempo e o espaço. Pode vir isolado na primeira linha do texto.
2
O diário é um gênero textual pessoa e íntimo que possui ampla funcionalidade, a depender de
quem escreve: registrar fatos, relatar experiências, promover reflexões, apresentar opiniões,
sentimentos e desejos referentes ao cotidiano de uma pessoa.
3
No primeiro parágrafo, além de o narrador-personagem registrar a data, descreve como se sente
naquele dia que ainda não amanheceu na periferia.
4
O destinatário do diário é o próprio autor: eu – eu.
5
Apresentação da situação-gatilho, o ponto de partida que justifica a escrita do texto, a motivação
de existência do texto.
6
No segundo parágrafo, compreendemos se tratar de um narrador-personagem que trabalha como
entregador (texto 3), arriscando sua vida cotidianamente para cumprir “a teia de entregas”: seu
recorde de vendas é proporcional ao recorde de exposição ao vírus. Além da rotina cansativa de
entregador, vive assombrado com a possibilidade de infecção, já que tem contato diário com
centenas de pessoas em uma “cidade enferma”.
7
A construção da personagem vulnerável socioeconomicamente foi elaborada nesses dois
parágrafos iniciais e é ratificada no terceiro, quando o candidato reforça a sua máscara discursiva de
entregador ao dizer que leu “uma matéria jornalística através do ‘tweet’ do Galo de Luta, militante
pelos direitos dos entregadores de aplicativos”.
8
O uso do conceito de Achille Mbembe, a necropolítica é uma estratégia produtiva tanto para a
construção da personagem quanto para o convencimento argumentativo, pois o candidato
demonstra, neste terceiro parágrafo, ser um leitor perspicaz, que compreendeu bem o conceito-
chave da prova e o seu funcionamento no Brasil.

48
bala e nos mata. Cabe considerar que o vírus, por si só, não distingue cor, bairro ou idade;
quem distingue é quem nos vulnerabiliza, isto é, o Estado9.
Todo o dia eu acordo com essa mesma arma apontada para minha cabeça10. Na
sexta, a bala chegou raspando. O governo atual, encabeçado por um presidente que
chama essas balas de “gripezinha” e brinca com a nossa saúde, toma a decisão política
– que impacta toda a história da humanidade – de nos matar, e, pra isso, nos joga a um
incêndio que já ceifou milhares de corpos pobres e marginalizados, que não tiveram a
chance de cumprir a quarentena11. A partir de hoje, vou escrever neste diário todo o
santo (ou amaldiçoado) dia, para que meus filhos (ou quem quer que o leia)12
compreendam como um desgoverno e um sistema desigual subjugam nós, pobres e
miseráveis, à morte, seja através da pistola, seja através de uma partícula viral13. Vou me
levantando da cadeira e enfrentar mais um dia. Estou munido de revolta. O sol ainda
não nasceu na periferia14.
– C. D.15

9
A imagem do campo de batalha, já referida no segundo parágrafo, é aqui retomada para reforçar a
ideia de vulnerabilidade do personagem-entregador.
10
A metáfora cresce no texto, ganha contornos literários, potencializando o tom da narrativa.
11
O tom de denúncia também é potencializado pelos delineamentos narrativos: alguns são mais
privilegiados que outros. Enquanto uns puderam ficar em casa, outros não. É essa a posição
assumida pelo candidato: trabalhar é uma necessidade.
12
Aqui, retoma o motivo que o levou a escrever o seu diário: educar as gerações futuras (filhos ou
leitores) acerca da política de morte que cerceia a população mais marginalizada. O diário se
caracteriza, para outro interlocutor além do próprio autor, como um gênero autobiográfico: texto em
prosa que fala sobre a história de um indivíduo (o próprio autor), a partir de um relato retrospectivo,
tentando recuperar sua trajetória. Na literatura de memórias, o “pacto referencial” sugere que os
fatos presentes no livro podem ser confirmados por outras narrativas, como depoimentos,
documentos ou arquivos de memória. Há alguns exemplos conhecidos: O diário de Anne Frank, de
Anne Frank; Quarto de despejo – Diário de uma favela, de Carolina Maria de Jesus; Diário do hospício,
de Lima Barreto; e, O ofício de viver, de Cesare Pavese.
13
O candidato faz referência às abordagens policiais na periferia, já que elas costumam ser mais
invasivas.
14
O candidato amarra o último parágrafo ao primeiro, costurando literariamente a ideia cíclica da
rotina. Para a banca, o grand finale está no efeito literário produzido por “O sol ainda não nasceu na
periferia” que retoma “O sol não nasce aqui na periferia”. A imagem da periferia como um lugar sem
sol, um lugar sombrio, um lugar onde habita “o povo preto”, os “grupos sociais vistos como
descartáveis pelo capitalismo”, um lugar invisível aos olhos de muitos: um não lugar. Viver na
periferia sem sol é viver num “campo de batalha”, onde o projeto genocida se mostra mais evidente,
é viver em meio a balas que são sempre achadas em corpos pretos, marginalizados, vulneráveis “ao
vírus em bala” que mata, inclusive, os entregadores de motos – trabalhadores sobreviventes,
portanto.
15
O acrônimo final, ou seja, a assinatura genérica.

49
7. DISSERTAÇÃO
7.1. UFSC 2022.1 – NOTA 9,5

ESPELHO

50
TRANSCRIÇÃO
Por um capitalismo menos invasivo e uma natureza mais perene16

Da extração de árvores no período pré-colonial até a atualidade, explora-se


arduamente a terra brasileira17. A Ditadura Militar (1964 – 1985), por exemplo, tentou,
exaustivamente, ocupar a Amazônia, mas, por parte, não conseguiu18. Certamente, a
relação entre o agronegócio e o meio ambiente para o desenvolvimento econômico do
Brasil é catastrófica19 porque a natureza está submetida às práticas capitalistas e isso,
sem dúvidas, será insustentável futuramente20.
Mormente, a sujeição do meio ambiente ao capitalismo invalida um perene
desenvolvimento econômico21. Além disso22, o próprio economista brasileiro João Silva
afirma: “A responsabilidade social e a preservação ambiental significam um
compromisso com a vida”.23 Por certo, desmatar uma floresta para usar a terra no
agronegócio é uma espécie de desenvolvimento frustrado, pois a retirada da vegetação
natural influencia, fortemente, fenômenos atmosféricos no Brasil 24. Desse modo, a

16
O título já nos direciona para o posicionamento defendido no texto: para que a natureza se
perpetua através de sua preservação, é preciso que as práticas capitalistas sejam menos agressivas.
17
Há uma colocação assertiva destacando a continuidade da exploração florestal desde o início da
chegada dos colonizadores portugueses.
18
É apontado um período histórico específico, a Ditadura Militar, entre o período pré-colonial e à
atualidade, para destacar como constantemente há uma tentativa de exploração da flora brasileira
e, nesse caso, a ineficiência exploratória.
19
Há a apresentação do tema, “a relação entre o agronegócio e o meio ambiente para o
desenvolvimento econômico do Brasil” e da tese, “catastrófica”.
20
Os dois argumentos são devidamente apresentados e possuem uma relação de causa e efeito: se
a natureza se mantiver submetida às práticas capitalistas, consequentemente, a sobrevivência
humana está ameaçada.
21
No tópico frasal, destaca-se o argumento a ser desenvolvido no parágrafo, articulando os três eixos
temáticos: caso o ecossistema esteja sujeitado ao agronegócio, não haverá uma continuidade do
desenvolvimento econômico.
22
Uso indevido de conectivo, pois não houve o fechamento de um raciocínio, mas apenas uma
declaração, que merece o devido aprofundamento. Com isso, é preciso um conectivo que promova
a devida coesão entre as partes qual for a intenção de quem escreve.
23
A estratégia argumentativa utilizada é o argumento por autoridade, com a citação de um
especialista da área da economia.
24
Há uma tentativa em articular a fala apresentada na citação com o objetivo do parágrafo: o
agronegócio desmata em prol do lucro, sem ter o mínimo de responsabilidade social e preservação
ambiental, já que suas ações acabam interferindo diretamente nos fenômenos da natureza, por isso
é caracterizado, no texto, como desenvolvimento frustrado – não há o uso consciente dos recursos
naturais, o que compromete a sociedade.

51
retirada da floresta amazônica, por exemplo, significa a interrupção de “rios voadores” e
a ardente seca no cerrado brasileiro25.26
Somado a isso27, desrespeitar a natureza é propiciar condições para a inexistência
humana28 e, consequente, não necessidade de desenvolvimento econômico. Ademais,
a ideia do filósofo alemão Hans Jonas explica, justamente, isso, ou seja, “Se o ser humano
não mudar seus hábitos, visando preservar o meio ambiente, ele caminhará para a
autodestruição.”29 Nesse contexto30, as atuais práticas agrícolas brasileiras, as quais
buscam utilizar ao máximo as terras canarinhas31, não são condizentes com ideias de
sustentabilidade32. Em decorrência dessas atitudes, muitos problemas ambientais,
como o Efeito Estufa33, são intensificados porque há, no caso do desmatamento, retirada
de parte da vegetação natural importantíssima na captura de CO2 atmosférico 34.
Em síntese35, a relação entre o agronegócio e o meio ambiente para o
desenvolvimento econômico do Brasil é péssima36, visto que não há chances de avanços,
se o capitalismo tomar as rédeas da natureza. Por fim, caso a histórica exploração
brasileira continue, não é preciso desenvolver a economia, pois o ser humano não
continuará37.

25
O comprometimento causado na sociedade é exemplificado no último trecho, ao destacar o
impacto causado pelos fenômenos meteorológicos provocados pela exploração da Floresta
Amazônica, como a suspensão dos rios voadores, promovendo uma seca no Cerrado, o que facilita a
aparição de incêndios florestais na região. A indicação é que o a relação entre a Floresta Amazônica
e o Cerrado sejam apresentadas de modo explícito, assim como a definição e explicação da formação
dos “rios voadores”.
26
A conclusão do parágrafo poderia ser menos abrupta, retomando o objetivo do parágrafo, isto é, o
argumento desenvolvido.
27
Operador argumentativo promovendo a progressão das ideias através da adição entre as partes
do texto.
28
Caso o agronegócio se sobressaia ao respeito à natureza, os seres humanos serão extintos.
29
A mesma estratégia argumentativa utilizada no parágrafo anterior é aqui empregada: argumento
de autoridade por citação de um especialista.
30
“Nesse contexto” carrega um sentido de algo que depende de uma certa situação (um
contexto!) que você acabou de citar. Então, o que você escreve depois de “nesse contexto” precisa ter
forte relação com o que você falou antes dele, uma relação que mostra que uma coisa depende da
outra.
31
Há uma afirmação (“as atuais práticas agrícolas brasileiras”) e sua devida explicação (“as quais
buscam utilizar ao máximo as terras canarinhas”), justificando respectivamente a declaração feita. É
preciso, no texto dissertativo-argumentativo, justificar nossas afirmações.
32
Essa afirmação retoma o que foi apresentado no parágrafo anterior.
33
Há a apresentação de uma consequência das prejudiciais práticas agrícolas brasileiras.
34
O indicado, ao final do parágrafo, é concluir articulando explicitamente com o objetivo do
parágrafo, isto é, inter-relacionando com a extinção dos seres humanos, o que pode ser efeito da
intensificação do Efeito Estufa.
35
Conectivo que denota que o trecho a seguir será um resumo das ideias apresentadas no texto.
36
Retomada do tema e da tese defendida.
37
Retoma dos dois argumentos utilizados para a defesa do posicionamento escolhido.

52
7.2. FUVEST 2022 – NOTA 50

Último riso marginal1

A associação do riso à alegria é universal, entretanto, existem faces do ato de rir


ligada ao exercício de poder2. O provérbio brasileiro “quem ri por último ri melhor”
exemplifica uma dessas faces: a noção de que o “último riso” é o melhor, simboliza a
vitória de um grupo social que ri em detrimento de outro, que se cala 3. Nesse sentido4,
sob a influência de conjunturas e contextos diferentes, o direito à risada pode
representar o triunfo de setores marginalizados ou a vitória dos que buscam o controle
e a apassivação de outros5. Isso, paradoxalmente, sem deixar de ser um símbolo da
felicidade (Eudaimonia), que, para Aristóteles deveria ser um objetivo coletivo6.
Existe, na face do “riso dos opressores”, um sentido literal – o escárnio - e um sentido
simbólico ligado à vitória da opressão7. O primeiro é o ato de rir de alguém, de um grupo,
ou de uma situação os banalizando8. Um exemplo disso9 foi, em 2021, no Brasil, a
circulação de vídeos ironizando as mortes por COVID 19, por meio de piadas e imitações
da falta de ar, ocasionada pelo adoecimento, protagonizados por representantes do
Governo Federal10. Ações como essas resultam11, através do riso maléfico12, na
manipulação social para menosprezar demandas importantes envolvendo direitos
humanos, a resolução da pandemia ou questões socioeconômicas 13. Nesse viés, o
direcionamento do humor para temas sociais relevantes e urgentes a fim de
1
O título, além de ser criativo, deve sinalizar o tópico principal do texto. Nesse caso, o posicionamento
a ser defendido.
2
O texto inicia com uma declaração sobre o riso e como ele pode adquirir diversas faces, aos quais
estão ligados relacionadas aos exercícios do poder na sociedade, delimitando a discussão proposta
pelo comando temático.
3
Há o uso de um dito popular para exemplificar uma das faces possíveis do riso. Diferentemente do
ENEM, com o seu modelo prototípico de redação dissertativa-argumentativa, privilegiando o uso de
um repertório sociocultural ligado a área do conhecimento, aqui, é mais pertinente foca na utilização
dos elementos trazidos ao texto para embasamento das afirmações: o uso deve estar ligado ao
projeto de texto.
4
Conectivo que indica a conclusão de uma ideia anterior.
5
Há a apresentação dos argumentos a serem desenvolvidos no texto. Há duas perspectivas opostas
apresentadas. Espera-se, em algum momento do texto, que seja escolhido uma das duas para ser o
ponto de vista defendido. Pela estratégia de argumentação e contra argumentação, quem escreve
irá destacar um em detrimento do outro. Esse será a sua tese.
6
Independente do ponto de vista escolhido, o riso é considerado como um símbolo de felicidade e
objetivo coletivo, segundo Aristóteles.
7
No primeiro parágrafo de desenvolvimento, é desenvolvida uma das perspectivas delimitadas no
parágrafo introdutório: o riso como um instrumento de poder que leva os grupos opressores à
manutenção do controle em relação aos grupos marginalizados.
8
O trecho começa a explicação da afirmação feita: o riso como escárnio – objeto de desdém, ironia
ou sarcasmo.
9
A expressão “Um exemplo disso” pretende deixar evidente a estratégia argumentativa utilizada para
justificar o riso como escárnio: a exemplificação.
10
Exemplo baseado na experiência vivida e amplamente noticiada.
11
Expressão conectiva que denotam o efeito das ações citadas anteriormente.
12
Expressam que retoma o tópico principal de discussão: o riso como chacota e zombaria.
13
A consequência dos comportamentos zombeteiros protagonizados por representantes do Governo
Federal – presidente da república e seus ministros, governadores e seus secretários estaduais e
prefeitos e seus secretário municipais –, responsáveis por cuidar dos assuntos referentes ao bem-
estar da população.
53
deslegitimá-los14 intensifica, metaforicamente15, a possibilidade de o “último riso”16
pertencer a grupos que associam discursos de ódio e intolerância ao humor17.
Por outro lado18, a resistência associada ao riso só é possível quando esse é
protagonizado, em sua geração e vivência, por setores marginalizados das sociedades19.
Isso porque, há também o controle de sujeitos por meio da anestesia gerada ao rirmos20:
conhecidas como “políticas do pão e circo”21, os investimentos em entretenimentos que
distraem a população de pautas sociais22, embora tenham em seu bojo algum “riso”23,
causam a apassivação dos sujeitos – risos inertes, sem ação social. Em contrapartida24, a
apropriação popular do lazer e do humor garantem a face de resistência do riso 25. Como
exemplo dessa26, têm-se os memes na Internet – os quais proporcionaram ao Brasil
título de Fábrica de memes -27 e que o riso é gerado de forma crítica28 e a partir da
inventividade popular que consegue, ainda que marginalizada ou silenciada, nutrir seus
risos marginais29.
14
Declaração que sintetiza a interpretação de quem escreve em relação às condutas já citadas dos
representantes do Governo Federal.
15
Vocábulo que busca destacar como o riso é visto no texto: como uma metáfora para as relações de
poder que atravessam a sociedade.
16
As aspas denotam o uso da expressão como uma metáfora, já que se espera o uso da linguagem
denotativa e objetiva no gênero em questão.
17
Quem escreve associa às condutas dos representados do Governo Federal como “discursos de ódio
e intolerância”, justamente por estarem zombando de indivíduos em situação de risco de morte –
especialmente tendo em vista o papel que ocupam na sociedade: zelar pela saúde dos cidadãos.
18
Expressão conectiva que denotam a apresentação da outra perspectiva supracitada na introdução.
19
Destaque para o outro argumento: o riso como triunfo dos setores marginalizados.
20
Para abordar a outra perspectiva, quem escreve retoma a perspectiva anterior, que está ligada à
vitória da opressão (apontada no segundo parágrafo) – agora não mais por meio da zombaria, mas
utilizando o riso como ferramenta de apassivação social.
21
Panem et circenses, em latim, era uma estratégia utilizada pelo imperador romano Júlio César (100
a.C. – 44 a.C.) para apaziguamento da população, em sua maioria da plebe, através da promoção de
grandes banquetes, festas e eventos esportivos e artísticos, assim como subsídios de alimentos
(distribuição de pães e trigo).
22
Eventos culturais que não se propõem a promover o pensamento crítico, já que isso poderia
instigar o questionamento das condutas e decisões políticas dos representantes do governo.
23
O trecho relembra que há diferentes faces do riso, retoma o tema, mas frisa a face específica do
riso aqui a ser desenvolvido.
24
Expressão conectiva que denota, aqui, oposição entre as partes.
25
Nesse caso, a declaração retoma o tópico de discussão principal do parágrafo, já apresentado na
introdução do parágrafo em questão: o riso como estratégia para combater as forças opressoras da
sociedade.
26
A expressão “Como exemplo dessa” pretende deixar evidente a estratégia argumentativa utilizada
para justificar o riso como escárnio: a exemplificação.
27
O exemplo utilizado para justifica o argumento: meme vem do conceito, cunhado pelo biólogo
evolutivo Richard Dawkins, que designa uma unidade de informação que se multiplica de cérebro
em cérebro, ou seja, meme significa a transmissão de informação de uma mente para a outra,
promovendo a replicação de comportamento, em plena analogia com o gene da genética.
28
O trecho traz a notória capacidade dos brasileiros para transformas as atuais frustrações e desejo
políticos em memes que fazem graça do que é grave, demonstrando o engajamento dos jovens em
questões políticas enquanto cidadãos, possibilitado, inclusive, pela rápida propagação do conteúdo
nas redes sociais. Assim, alcança, de modo viral, o maior número de pessoas e no menor tempo
possível. A máxima de Cartola, cantor e compositor de sambas clássicos, parece um imperativo e
continua a imperar: “rir para não chorar”.
29
Os risos dos marginalizados não é produzido pela classe dominante, mas pela própria população
para a população, como um diálogo entre iguais, de si para si.

54
Desse modo30, embora31 haja diferentes faces do riso, o “último”32 deveria ser o
marginal33 - da população para a população – que resiste aos escárnios. Assim, a
Eudaimonia aristotélica pode ser alcançada através do humor popular34.

30
Conectivo conclusivo.
31
A conjunção concessiva introduz uma oração na qual se percebe um fato diverso, mas não capaz
de anular o que é estabelecido na outra oração. Há uma convivência entre as duas proposições.
32
Referência ao dito popular utilizado na introdução.
33
Aqui é destacado qual das perspectivas apresentadas será considerada a principal, a mais correto,
o devido posicionamento de quem escreve. Nesse caso, o texto se valeu da estratégia argumentativa
de contra argumentação – contestação ou uma resposta contrária a um argumento. Esse tipo de
estratégia argumentativa é interessante, pois demonstra conhecimento amplo do tema proposto
para debate.
34
A retomada na conclusão de algum elemento presente na introdução garante o fechamento do
texto, do debate proposto. Assim, a felicidade coletiva só seria alcançada caso o humor produzido
fosse feito entre seus pares, abordando questões concernentes aos indivíduos dessa mesma
comunidade.

55
8. MANIFESTO
8.1. UFSC 2023.1 – NOTA 9,5

ESPELHO

56
TRANSCRIÇÃO
Manifesto estudantil contra os anacronismos literários no Brasil!1
Nós, alunos do retrógrado ensino médio brasileiro2, convocamos todos os cidadãos
do país à luta pela democratização do elemento cultural essencial de formação civil: a
leitura3. Estamos fartos de viver sobre a elitização neocolonial do conhecimento, a qual
impõe barreiras invisíveis de preconceito e negligência ao nosso coletivo4.
Diante de uma história completamente desigual5, nós estudantes buscamos, com o
apoio popular6, alterar urgentemente o presente de amarras intelectuais classistas. Ao
analisarmos a música “Comida” do grupo brasileiro “Titãs”, fica explícita entre os versos
da canção o nosso requerimento, o necessário alimento não físico, mas moral,
precisamos de “alimentação cultural”, uma vez que nós, como sociedade, necessitamos
da formação de uma identidade e um intelecto crítico 7. Contudo, com a manutenção
parnasiana de produzir conhecimento8, privilegiando uma minoria, a base de nossa
população, carente e desamparada, estará fadada à escuridão da alienação.
Frente ao arcaico ensino brasileiro, o coletivo nacional está emparedado. Como
proposto pelo brilhante intelectual brasileiro Paulo Freire, a educação para o oprimido
faz-se paulatinamente mais urgente em nossa realidade, uma vez que o exponencial
número de não leitores no país reflete não apenas o desinteresse como também as
profundas feridas da desigualdade9. Nesse sentido, a fundamental educação está
cerceada por políticas contrárias ao ensino proposto pela patrona do saber no Brasil, as
quais mal conseguem garantir uma alfabetização homogênea do povo e desestimulam
o ato da leitura, ao manter um ensino bancário de quantidade, e não qualidade10. Assim,
ao perpetuar políticas seculares de marginalização, o nosso Estado de “Direito” limita
também – de forma silenciosa – a liberdade de pensamento11.

1
No caso do gênero textual manifesto, é recomendável, no título, especificar que se trata, justamente,
de um manifesto.
2
Identificação do emissor do texto.
3
O objetivo do manifesto é apresentado logo no início, na introdução, sem demora.
4
Nesse manifesto em específico, por se assemelhar a uma carta aberta, o emissor, o Coletivo de
Estudantes do Ensino Médio, apresenta um posicionamento (tese) explícito e suas consequências,
isto é, dois argumentos a serem desenvolvidos.
5
O uso de advérbios e adjetivos
6
O manifesto procurar promover o amplo debate de pautas relevantes e de interesse coletivo.
7
Há o estabelecimento de uma relação estreita entre a cultura e o saber crítico e a identidade.
8
A corrente literário parnasiana é marcada pela objetividade e pelo rigor formal, optando por uma
postura de alienação (isto é, uma indiferença) social, econômica e política, pois o objetivo da arte seria
produzir o belo. Portanto, na poesia parnasiana, a finalidade da arte é a própria arte. Na analogia
estabelecida, a elitização da linguagem, pelo típico vocabulário complexo, na qual o academicismo
se mostra como herdeiro, impede que a população exercite o intelecto, desenvolvendo autonomia
crítica, podendo, assim, questionar as estruturas de poder que permeiam a sociedade.
9
O trecho destaca o baixo número de leitores como um projeto político que intenta manter as
disparidades sociais.
10
Aqui, o trecho é construído como uma típica redação dissertativa-argumentativa: a fala de
autoridade é utilizada e depois o autor do texto traz um comentário/uma análise sobre a fala do
intelectual. Há a voz externa (do intelectual) e a voz interna (do autor do próprio texto).
11
O parágrafo funciona como um microtexto, com introdução, desenvolvimento e conclusão,
possuindo uma coerência interna tendo como enfoque o desenvolvimento de um argumento: a
57
Em adição aos anacrônicos modelos sociais e docentes, o sistema capitalista de
produtividade extrema limita a realidade dos brasileiros carentes. Esses que, impostos
por uma conjuntura opressiva de trabalho inconsciente, que objetifica o indivíduo e
restringe o mesmo contato literário, seja pela falta de tempo seja pelo estudo precário12.
Logo, para a efetivação da liberdade em meio a uma violência invisível aos olhos
devemos, todos, nos juntar pela inclusão total da sociedade no setor do conhecimento
nacional13.
Portanto, convocamos todos os cidadãos interessados no bem e no progresso
informacional da nação à juntarem-se a nós, na busca por um futuro literato e menos
desigual. Por indivíduos letrados, leitora e conscientes! Pela democratização da nossa
literatura!14
Esperançosamente15, Coletivo de Estudantes do Ensino Médio.

perpetuação de políticas educacionais que promovem o armazenamento de ideias e conteúdos nos


alunos, visando à acomodação, à adaptação do aluno ao mundo, bem como ao cerceamento de sua
criatividade e de seu poder transformador da realidade.
12
As condições de trabalho atual, marcada pela intensa produtividade, somam-se aos estudos
precários como impedimento para a promoção da leitura na sociedade.
13
O trecho inicia a convocação da população para, assim como o Coletivo, combater a promoção de
uma educação elitista, oportunizando, através da leitura, condições dignas de vida.
14
Palavras de ordem são expressões ou frases curtas utilizadas em protestos ou manifestações, como
o caso aqui, com o objetivo de marcar uma posição, reivindicar alguma mudança e/ou incitar os
ânimos do grupo.
15
Quando a assinatura é solicitada, a parte pós-texto se estrutura como uma carta. Portanto, há a
despedida final e a assinatura solicitada no comando da proposta.
58
9. PODCAST
9.1. UNICAMP 2020 - NOTA ACIMA DA MÉDIA

Bom dia, queridos ouvintes!1 Estamos aqui em mais um podcast,2 trazendo


informação e reflexão para você. O tema de hoje é a importância das comunidades
tradicionais brasileiras para a preservação da nossa biodiversidade3. Em primeiro lugar,
você sabe o que é erosão genética?4 Esse conceito relaciona-se à perda do patrimônio
genético, que tem sido ocasionada pela eliminação de espécies5. Imagine que uma área
de vegetação nativa passe a abrigar plantações de soja. Toda a biodiversidade presente
ali é perdida, juntamente com os genes desses seres vivos, que poderiam originar
cosméticos, alimentos, medicamentos e outros produtos biotecnológicos6. Infelizmente,
as 200 mil espécies descritas nos biomas brasileiros, além daquelas ainda
desconhecidas, estão ameaçadas pelo avanço da monocultura, da mineração e da
atividade madeireira. Nesse contexto, as populações indígenas e comunidades locais,
como caiçaras, quilombolas e seringueiros, mantêm uma relação não apenas
econômica com a terra, mas também simbólica7. Portanto, a luta pela preservação dos
biomas faz parte de sua cultura8.
Em relação a isso, a ONU tem mostrado que a preservação da natureza é maior onde
vivem os povos indígenas, devido ao profundo conhecimento que eles detêm sobre a
dinâmica ambiental9. Antes de todos, eles identificam uma área exaurida e passam a
não explorá-la, permitindo sua recuperação10. No entanto, a permanência deles está
ameaçada. Lembremos o atual desmonte financeiro da Funai11. Além disso, a
contaminação por mercúrio tem inviabilizado a sobrevivência dos indígenas e,
consequentemente, da floresta. Ao ouvir floresta, aposto que você se lastima pelo
desmatamento da Amazônia, não é mesmo?12 Porém, o Cerrado brasileiro está em
maior risco de extinção. Aquelas árvores retorcidas são responsáveis pela manutenção
1
Saudação inicial e vocativo direcionando-se ao público ouvinte, em tom de conversa, o que é
autorizado pelo gênero podcast.
2
Na introdução, é recomendado falar sobre quem é o emissor e o programa em questão, em poucas
palavras. Nesse caso, pode inventar um nome para o programa. De preferência, relacionado com o
tema.
3
O anúncio do tema que vai ser tratado no podcast do dia, deixando evidente que entendeu parte
da discussão central proposta pelo tema.
4
Na sua estratégia argumentativa, o candidato lança uma pergunta retórica para os seus ouvintes, a
partir de informações disponibilizadas nos excertos da coletânea.
5
Explicação do conceito trazido.
6
Exemplificação que ajuda o ouvinte a compreender de modo objetivo sobre o que é erosão
genética.
7
Articulação do conceito apresentado com as comunidades tradicionais, demonstrando que
entendeu plenamente a proposta.
8
Encerramento da introdução retomando a ideia inicial que relaciona sociodiversidade e
biodiversidade, mas agora completa seu argumento: essa inter-relação é importante não apenas
para a preservação ambiental, como também para a preservação cultural
9
O relatório supracitado da ONU reconhece, não apenas em nível nacional, mas também mundial, a
necessidade da presença dos povos indígenas para a devida preservação ambiental.
10
Justificativa presente no excerto 4 da coletânea.
11
Há uma oposição à proposição feita, já que há algo que acontece impedindo a devida preservação
dos biomas.
12
O diálogo com os ouvintes não é esquecido, pois o candidato faz novamente uso da pergunta
retórica como estratégia argumentativa.

59
de nove importantes bacias hidrográficas brasileiras e pela estabilidade do clima do
Centro-Sul. Isso significa que o fim do Cerrado deixará a região mais populosa do país
sem água13. A razão do desmatamento do Cerrado é a expansão da soja, commodity
com alto valor no mercado14. Porém, a que custo socioambiental?
Desse modo15, vimos que precisamos de políticas para proteger as comunidades
tradicionais e preservar a nossa biodiversidade. Isso não significa deixar de plantar soja,
mas utilizar a tecnologia para aumentar a produção, de modo que não seja necessário
desmatar novas áreas16. Além disso17, devemos priorizar atividades que conciliam
economia e manutenção da biodiversidade, como a coleta de castanhas e frutas. Tais
atividades podem ainda contribuir para a valorização dos atores sociais locais, com
fortalecimento de sua etnia e cultura. Por exemplo, o comércio de pequi e de açaí é
bastante lucrativo18. E, com certeza, estudos sobre a diversidade revelariam mais itens
com potencial econômico e biotecnológico. Portanto19, destruir biomas e comunidades
tradicionais não pode ser uma opção. Pense a respeito. Até nosso próximo podcast,
pessoal20.

13
O candidato mobiliza o excerto 3 de maneira proveitosa, permitindo uma leitura importante,
nuclear na proposta de redação. Desastres ambientais são apresentados em conjunto com a
importância dos biomas danificados, apresentando uma consequência negativa.
14
O candidato aponta aqui as consequências da destruição do Cerrado para o ecossistema e critica
a lógica capitalista do mercado, que investe na expansão do agronegócio, mais especificamente, da
soja – presente no excerto 2.
15
Conectivo conclusivo, o que faz com que percebamos que o texto está se encaminhando para o
encerramento.
16
O terceiro e último parágrafo ratifica a tese desenhada pelo candidato desde o início e sustentada
pelos seus argumentos ao longo do texto: a urgência de se cuidar da relação sociodiversidade-
biodiversidade e a defesa de um crescimento sustentável.
17
Recurso coesivo denotam adição das ideias presentes nos trechos.
18
O desenvolvimento sustentável é, portanto, a saída proposta pelo candidato, buscando inspiração
no excerto 2.
19
Conectivo conclusivo que denota o início do encerramento do parágrafo.
20
O candidato encerra seu podcast solicitando a reflexão dos ouvintes a respeito e se despede.

60
10. TEXTÃO
10.1. UNICAMP 2022 - NOTA ACIMA DA MÉDIA

Oi galera!1 Depois de quase 1 semana sumida, o que na internet é traduzido como


300 anos2, eu me senti na obrigação de dizer o que está rolando3 para vocês4. Bom, como
a maioria que me acompanha sabe, eu fiz 15 anos semana passada, juntamente com o
aniversário de 2 anos deste instagram, que contabiliza mais de 200 vídeos sobre
empoderamento feminino publicados, além de 30 lives sobre gordofobia e autoestima 5,
as quais me orgulho muito. Apesar destes números e de quase 1 milhão de seguidores 6
que acompanham meu conteúdo, tenho recebido nas últimas lives comentários
extremamente violentos em relação ao meu corpo 7, que se tornaram gatilhos
responsáveis por novas dietas malucas e por episódios recorrentes de compulsão
alimentar tão temida pelos meus pais.
Dito isso, vocês podem pensar “Nossa, a Vi é insegura assim?” ou “Ela não amava seu
corpo acima da opinião alheia?”8 Pois é, nem sempre foi assim. A garotinha de 13 anos,
insegura e vítima do bullying dos “amigos” da sala por ser considerada gorda e feia era
minha realidade antes de virar digital influencer9. Antes deste instagram como veículo
para ensinar o auto amor e o respeito, eu navegava na deep web em busca da dieta do
ovo e de métodos bulêmicos eficazes10, lembranças que retornaram depois desses
comentários hostis11. Falei para minha mãe que eram apenas “haters” sem importância
fazendo seu cyberbullying diário, mas ao esconder a verdade sobre como estas contas
anônimas me afetavam, mais eu mostrava meu medo em relação ao número crescente
1
Saudação inicial.
2
É apresentado algum elemento em comum entre os interlocutores, denotando a proximidade entre
ambos.
3
É permitido a escrita de trechos mais ou menos informais, a depender do contexto de produção e
circulação do texto.
4
O texto evidencia a compreensão da situação de produção que foi designada a partir do enunciado
da prova, bem como a interlocução a ser construída para escrever o post.
5
Somos introduzidos a vida da utoraa.
6
O candidato assume o papel enunciativo de uma jovem digital influencer de sucesso que acabou
de completar 15 anos, respeitando o comando da proposta.
7
O conflito no texto, isto é, o ponto de partida para o desenvolvimento do tema e do gênero é um
episódio de gordofobia alimentado pelo cyberbullying, presente no texto 1 da coletânea. Para a
banca, é interessante a ideia de uma narradora-personagem que é vítima justamente de temas
discutidos e publicados em sua rede social.
8
A antecipação de contrapontos é um instrumento argumentativo notável, tendo em vista que pode
servir de elemento organizador no texto.
9
O trecho revela uma leitura produtiva do primeiro texto da coletânea, pois ela já foi vítima de
bullying antes mesmo de se tornar influenciadora digital.
10
Há um relato que justifica o início do canal no Instagram que, somado ao que foi narrado em todo
o primeiro parágrafo, confere que o candidato cumpriu o item “a” da prova e parte do item “b”.
11
Com o ressurgimento do trauma do bullying escolar, os pais e familiares são apresentados no teto,
o seja, o candidato introduz na sua redação a polêmica levantada no enunciado da prova acerca da
intervenção ou não dos pais na carreira de digital influencer de seus filhos/as, além de demonstrar
ter se apropriado do texto 2 da coletânea, uma vez que considera esse tipo de controle parental
necessário: primeiro a jovem digital influencer tranquiliza a mãe, chamando os criminosos anônimos
de “haters sem importância”, mas, em seguida, reconhece que o “cyberbullying diário” daquelas
“contas anônimas” a afetava proporcionalmente: quanto mais haters, mais seu medo à exposição na
internet aumentava. Tal angústia preocupou diversos de seus familiares e levou seus pais a
considerarem o fechamento do seu perfil na rede, visando, assim, proteger sua saúde mental.
61
destes haters proporcional a minha exposição na internet. Diante dessa situação e, com
toda preocupação e influência de diversos familiares, meus pais consideraram o
fechamento deste perfil, pensando, principalmente, na minha saúde mental.
Apesar de preocupados, meus pais entendem que o diálogo é fundamental em
situações como esta e medidas extremas não iriam me fazer compreender como o
acompanhamento familiar é fundamental para lidar com a pressão virtual12. Esta nova
era de adolescentes, vulgo “nós”, que domina as redes sociais também é influenciado
pela grande presença de violência virtual, erotização infantil e inúmeros crimes que
podem se transformar em gatilhos e acarretar posturas cada vez mais violentas sobre si
mesmos e sobre os outros13. Dessa forma, acredito que um suporte familiar e um amparo
terapêutico seriam de grande valia para essa nova juventude influencer 14, de maneira a
mostrar como a internet é um meio sumário para a troca cultural e a sociabilidade, ao
mesmo tempo que conscientiza os indivíduos acerca dos riscos da superexposição,
ensinando como denunciar e bloquear comentários extremistas em vista de um
pensamento mais tolerante, assim como meus pais fizeram comigo ao decidir não
fechar esta conta15.
Depois deste post enorme16, gostaria de ressaltar o apoio terapêutico, dos meus
familiares e de vocês, é claro! Já estou melhor e pronta para mais posts sobre
positividade corporal feminina, que virão em breve.17 Obrigada pelo carinho!18

12
O trecho destaca a leitura do texto 2, visto que aprofunda no terceiro parágrafo a preocupação
vivenciada pelos pais em razão dos perigos da sua superexposição às redes sociais.
13
A referência ao texto 4 também é indicada nesse trecho: a autora reconhece os perigos de se expor
e de utilizar uma ferramenta que possibilita o acesso aos mais diversos tipos de conteúdo.
14
Aqui, o candidato conclui o item “b”: assume o seu posicionamento sobre o fato de crianças e
adolescentes atuarem como digital influencers, cumprindo plenamente a proposta temática. A
usuário expõe a resolução decidida em relação ao uso de suas redes sociais e indica que o mesmo
caminho seja trilhado pelos seus seguidores caso algo do tipo também venha a acontecer.
15
Ratificação de seu posicionamento.
16
Assim como o manifesto e a carta aberta, é interessante fazer referência explicitamente ao gênero
no próprio texto, marcando o gênero escrito.
17
Despedida final, prospectando, em tom de otimismo, ações futuras, tendo em vista o seu papel de
influenciadora digital.
18
Agradecimento final.
62
PROPOSTAS DE REDAÇÃO
UFSC 2019.1

63
64
UFSC 2019.2

65
66
UFSC 2020

67
68
UFSC 2022.2

69
UFSC 2023.1

70
UFSC 2023.2

71
UNICAMP 2020

72
73
UNICAMP 2022

74
FUVEST 2022

75
GÊNEROS TEXTUAIS – TABELA RESUMO

GÊNEROS TEXTUAIS QUEM É O LEITOR? FUNÇÃO E ESTRUTURA ESTILO E LINGUAGEM


Dissertação Leitor universal, Defesa de um ponto de vista Texto impessoal e objetivo, sem marcas
argumentativa qualquer um. (tese) por meio de argumentos. de interlocução. Faz-se uso de
(redação escolar) Há uma rígida divisão das estratégias argumentativas. Respeito à
partes do texto: introdução norma-padrão da Língua Portuguesa.
(apresentação do tema e tese),
desenvolvimento
(aprofundamento dos
argumentos) e conclusão
(síntese: retomada dos tópicos
fundamentais do texto).
Artigo de opinião. Um certo público leitor Texto jornalístico. Há a defesa “Máscara enunciativa” de um
de dada publicação. de um ponto de vista acerca de articulista. Deve haver uma adequação
um tema (polêmico) de grande vocabular ao perfil do público leitor. É
relevância de ordem social, comum admitir um tom pessoal, além
econômica, cultural ou política, de marcas de interlocução e persuasão,
promovendo uma reflexão. No inclusive perguntas retóricas, portanto,
geral, sua estrutura é menos em 1ª pessoa. Há a utilização de
rígida, mas organizado em estratégias argumentativas, de modo
introdução, desenvolvimento e progressivo e linear. Uso de linguagem
conclusão – com título acessível, preferência por verbos na voz
instigante. ativa, escrita leve e períodos curtos.
Carta argumentativa O destinatário da carta Convencer o leitor do ponto de Há marcas de interlocução obedecendo
produzida. vista de quem escreve. Possui à norma padrão da Língua Portuguesa.
estrutura rígida: cabeçalho, com O tom pessoal e impessoal vai
loca e data; vocativo e depender do grau de intimidade entre
destinatário; introdução, os interlocutores. Há características do
desenvolvimento e conclusão; gênero argumentativo: apresentação do
desfecho; saudação; e tema ou problema abordado e a tese
assinatura solicitada na (ponto de vista sobre o tema);
proposta. utilização de estratégias
argumentativas.
Carta de reclamação O destinatário em uma Transmite uma mensagem de De caráter argumentativo, possui
posição hierárquica insatisfação, expressando e linguagem objetiva e concisa.
superior de poder ou solicitando um auxílio. Ela é Adequação vocabular respeitando às
de responsabilidade do aplicada em diversos contexto. devidas posições dos interlocutores,
problema Possui estrutura rígida: priorizando à norma-padrão da Língua
cabeçalho, com loca e data; Portuguesa. O remetente está em
vocativo identificando o posição de prejudicado, portanto, deve-
destinatário; corpo do texto: se relatar algo negativo.
introdução (apresenta-se, assim
como a situação-problema),
desenvolvimento
(aprofundamento dos
argumentos com detalhes) e
conclusão (encerramento);
saudação de despedida e
assinatura (uma pessoa, um
grupo ou uma instituição)
solicitada na proposta.
Carta de solicitação O destinatário Estabelece a comunicação dos Por estabelecer comunicação entre
escolhido. interlocutores em um ambiente sujeitos formais, destaca-se a
formal, com o intuito de impessoalidade, concisão e
conseguir o que se deseja, logo, objetividade, respeitando à norma-
solicita algo a alguém. A padrão da Língua Portuguesa. De
estrutura vai se dividir em caráter argumentativo, há o trato mais
76
curtas funções que compõem a formal e respeitoso ao destinatário:
unidade textual do gênero observar o uso adequado do pronome
epistolar, isto é, assemelha-se de tratamento adequado à posição do
estruturalmente ao modelo destinatário. Também é essencial
clássico da carta – na conclusão, considerar as exigências do contexto. O
solicita-se o auxílio e remente está em posição de falta, de
acrescenta-se um quem precisa de algo.
agradecimento final antes da
saudação final
(“Atenciosamente”, “Com
gratidão”).
Carta aberta O público leitor da Sua função é direcionar alguma Por ser um gênero textual de caráter
publicação pela qual a mensagem opinativa, público e argumentativo, a linguagem
carta foi divulgada, isto questionando, solicitando ou deve ser acessível, detalhada e
é, além de um sugerindo alguma medida explicativa, respeitando a norma-
destinatário específico, política, para uma pessoa ou padrão da Língua Portuguesa. Pode
ela também se dirige organização de reconhecimento haver perguntas provocativas.
ao grande público. público, produzido em diversos
contextos. Há uma defesa de
um posicionamento crítico e
tentativa de convencimento não
apenas do destinatário, como
do público com acesso à carta.
Assemelha-se estruturalmente
às cartas argumentativas, com
um título objetivo e pontual, e,
na conclusão, uma proposta de
melhoria ou reflexão.
Carta do leitor O editor do periódico, Resposta crítica proveniente do No geral, é um texto bastante objetivo e
da revista, do jornal ou direito cidadão de expressar, se franco, com linguagem concisa, direta e
autor de dada matéria. assim o deseja, um assertiva, inclusive marcas de
posicionamento, em interlocução e pessoalidade,
concordância ou discordância, atentando-se para o contexto de
sobre algum assunto ou produção, visando uma adequação
acontecimento do momento vocabular adequada. Possui uma
presente no texto-fonte. Possui posição crítica ao problema exposto no
uma estrutura geral semelhante texto-fonte, utilizando argumentativas
às das cartas argumentativas, que contribuam para o convencimento
com a presença do tipo textual do leitor. Há afirmações assertivas e
expositivo ao apresentar sobre perguntas provocativas e retóricas.
o tema abordado.
Editorial (carta ao O público leitor de Gênero textual jornalístico, Sua linguagem tende a ser formal e
leitor) determinada opinativo e argumentativo, padronizada, marcada pela
publicação. expressa o posicionamento impessoalidade e acessibilidade à
crítico da empresa, do jornal ou leitura, embora acompanhe a
da direção acerca dos temais expectativa do público-leitor. Respeito à
mais proeminentes no norma-padrão da Língua Portuguesa,
momento da publicação. Por evitando expressões específicas e
representar um coletivo de arcaicas. É comum uma estrutura
pessoas, não apresenta uma sintática na voz passiva, com verbos na
assinatura individual. Assim, terceira pessoa do presente do
sintetiza a leitura geral do infinitivo.
momento no qual o jornal é
publicado. Estrutura dividida
em três partes: introdução,
desenvolvimento e conclusão.
Crônica O público leitor da É um gênero típico do meio A crônica mescla os tipos textuais
argumentativa publicação que conterá jornalístico que transita entre narrativo e argumentativo. Possui
a crônica. narração e argumentação, linguagem precisa, direta e leve – típica

77
abordando temas cotidianos da do gênero -, uso da norma-padrão da
vida urbana ou temas Língua Portuguesa. Prioriza-se uma
universais, conteúdos que abordagem das situações banais sob
perpassam a vida das pessoas. uma ótica particular, criativa e inusitada
Ela organiza-se em introdução do cronista, demonstrando os inúmeros
(contextualiza o tema significados da vida cotidiana. Inclui-se
apresentando a cena cotidiana), marcas de humor e ironia. Entretanto, o
desenvolvimento lírico ou o trágico também podem se
(argumentação por meio dos fazer presente. O uso da
elementos narrativos) e intertextualidade é indicado, assim
conclusão (desfecho e reflexão). como o uso de figuras de linguagem.
Conto O público leitor de É uma narrativa curta que Por ter uma variedade de temáticas
certa publicação. geralmente apresenta apenas possíveis, há a exploração criativa dos
um conflito, assim, tendo elementos narrativos, respeitando a a
poucos personagens, espaço e linguagem simples e direta, em que
cenário limitado e recorte todas as ações se encaminham para o
temporal reduzido. A estrutura desfecho.
divide-se em três atos (1:
ambientação e conflito
(situação-problema); 2:
aumento da tensão, clímax,
diminuição da tensão; 3:
resolução e desfecho), nos
quais os elementos narrativos
[personagens (seres viventes ou
objetos humanizados que
executam e sofrem ações),
tempo (época em que a história
ocorre ou tempo de duração
narrativa), espaço (cenário no
qual as personagens executam
ou sofrem as ações), enredo
(sequência das ações,
movimento a narrativa) e
narrador (conta a história ao
leitor)] se fazem presentes.
Resenha crítica O público de certa O texto consiste no Há diversas vozes envolvidas: a do autor
publicação artística ou levantamento crítico ou da obra resenhada e do resenhista, por
crítica. comentários opinativos a isso, o discurso indireto é bastante
respeito de determina obra ou utilizado. Escrita sucinta e com
trecho de obra. Pode ser linguagem simples. Verbos
apreciação positiva ou negativa conjuntados, de preferência, no
crítica. Na introdução, há as presente do indicativo. Há a
informações básicas da obra comparação com outras obras,
resenhada: título, autor, fonte promovendo a intertextualidade e
de publicação e tema do texto. situando a obra no tempo e espaço.
No desenvolvimento: apresenta
o resumo da obra (os aspectos
mais relevantes de modo
sintético e seletivo) e a
apreciação crítica, indicando
pontos positivos ou negativos,
revelando ideologias no
discurso. Na conclusão,
apresentar a contribuição social
e a recomendação para um
público específico.
Relato pessoal O destinatário do Gênero predominante É marcado por fortes elementos
relato. narrativo: exposição de fato, subjetivos, portanto, narrado em

78
sentimento, pensamento ou primeira pessoa – o narrador é aquele
vivência pessoal, contidos em que participa dos elementos narrados.
uma única experiência, a outra
pessoa. Por isso, apresenta a
estrutura e os elementos
narrativos, de forma
cronológica e linear, seguindo a
sucessão dos acontecimentos.
Na conclusão, finaliza-se com
uma reflexão sobre a
experiência, elencando os
pontos positivos e negativos (se
houver).
Diário Quem escreve. Sua função é registrar os fatos e De caráter reflexivo e confessional, o
as reflexões referentes ao texto presente no diário não deve
cotidiano de uma pessoa. A conter informações supérfluas.
estrutura apresenta data, Entretanto, pode se apresentar como
vocativo (“meu querido diário” um registro testemunhal histórico. Há
ou nome fictício), diversos tipos, como íntimo, de viagem,
desenvolvimento narrativo de formação, filosófico, de pesquisa.
particular e intimista (com Portanto, é preciso se atentar para a
relatos, pensamentos, reflexões adequação vocabular. Pela
e anotações), despedida e personificação do diário, há marcas de
assinatura. interlocução.
Abaixo-assinado O destinatário da É um texto reivindicativo, logo, As principais características da
publicação. expositivo-argumentativo, linguagem presente no abaixo-assinado
acerca de determinado são o uso da norma-padrão da Língua
problema identificado por um Portuguesa, presença de verbos no
grupo ou comunidade, com o presente do indicativo, escrita em 1ª
intuito de tornar público os pessoa do plural ou 3ª pessoal do
seus respectivos interesses, a singular, de modo conciso e objetivo.
resolução urgente. Apresenta
estrutura de um texto
argumentativo, com introdução,
desenvolvimento e conclusão
(destaque para o pedido da
resolução do problema), pois
procure justificar, por meio de
argumentos, o pedido de uma
resolução de um problema. Há
a assinatura do grupo
envolvido.
Textão Os seguidores do O seu foco é defender uma Comumente utiliza marcas de
remetente e, pauta ou responder interlocução e típicas do ambiente
possivelmente, todos criticamente aos fatos e/ou digital, da internet, das redes sociais,
que tenham acesso à fenômenos diários, mas respeitando a norma-padrão da
publicação. manifestando uma opinião por Língua Portuguesa. São esperadas
meio da argumentação e marcas linguísticas relativamente
experiências vividas. subjetivas, conferindo um tom pessoal
Recomenda-se a priorização da e descontraído. Possui um tom
estrutura clássica do texto “militante”.
expositivo-argumentativo:
introdução (apresentação do
remetente, contextualização do
tema e “pedido de desculpas”
pela produção de um texto
longo no ambiente digital),
desenvolvimento e conclusão,
permitindo a fluidez estrutural,

79
desde que contenha
argumentação, narratividade e
coerência referente ao universo
do remetente. Assemelha-se ao
artigo de opinião.
Manifesto De caráter público, é É um texto de caráter político São esperadas a utilização de
direcionado a uma em prol de uma ideia ou causa, estratégias argumentativas e de
organização, coletivo, logo, predomina a persuasão, adequando o vocabulário ao
ou à população em argumentação, sendo utilizado, remetente (“máscara enunciativa”,
geral. primordialmente, para relator do manifesto), tendo em vista
demonstrar a insatisfação de que pode ser escrito por um partido
um grupo com o caminhar político, governo ou órgão
social, político ou artístico. A governamental, sindicato,
sua função é proporcionar o representantes de determinada
amplo debate sobre um tema categoria ou grupo social etc. Por ser
de relevância e interesse de direcionado ao público, destaque os
ampla audiência. Apresente a vocativos, traga marcas de interlocução,
estrutura semelhante ao promova a concisão e direcionamento
dissertativo-argumentativo, específico à pauta em questão. Possui
com destaque ao título criativo. tom “militante” ao promover o
engajamento da população.

Roteiro A equipe de produção É um guia fundamental para a Exige técnica de criação. É


Cinematográfico da obra roteirizada. futura produção majoritariamente descritivo, mas pode
cinematográfica ou teatral. apresentar outros tipos textuais, tendo
Apresenta ideias objetivas, uma seleção lexical específica. Atenção
indicações de cena, diálogos e no ritmo e nos arcos narrativos, os atos.
descrição de locais e horários. Foco na ação ou nos personagens.

80
REFERÊNCIAS

https://acervo.fuvest.br/fuvest/
https://brasilescola.uol.com.br/redacao
https://www.camara.leg.br/
https://www.comvest.unicamp.br/vestibulares-anteriores/1a-fase-2a-fase-comentadas/
https://exame.com/ciencia/
https://guiadoestudante.abril.com.br/
https://linktr.ee/desempenhosmed
https://mundoeducacao.uol.com.br/
https://www.portugues.com.br/

81

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