O Silêncio Das Noites Escuras Vol 2 Francisco Carneiro Júnior

Francisco Carneiro Júnior
O SILÊNCIO DAS NOITES ESCURAS:

Guerra, Terrorismo e Operações Especiais
Coleção: Tratado de Guerra

VOLUME 2 - Evolução da Guerra
MouraSA
Curitiba – Brasil
2023
Copyright © da MouraSA Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da MouraSA
Imagem de Capa: Freepik
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
Bibliotecária responsável: Luzenira Alves dos Santos CRB9/1506
C257
Carneiro Júnior, Francisco

O silêncio das noites escuras: Guerra, Terrorismo e Operações Especiais / Francisco
Carneiro Júnior – Curitiba: CRV, 2023.
380 p. (Coleção: Tratado de Guerra, v. 2)
Bibliografia
ISBN Coleção Digital 978-65-251-4898-4
ISBN Coleção Físico 978-65-251-4897-7
ISBN Volume Digital 978-65-251-4901-1
ISBN Volume Físico 978-65-251-4900-4
DOI 10.24824/978652514900.4
1. Ciência militar e administração pública 2. Guerra 3. Terrorismo 4. Inteligência

5. Operações Especiais 6. Militar - Policial I. Título II. Coleção: Tratado de Guerra, v. 2
2023- 28241 CDD 355.03

CDU 35
Índice para catálogo sistemático
1. Ciência Militar - Operações militares – 355.4
2023
Foi feito o depósito legal conf. Lei nº 10.994 de 14/12/2004
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Para meu pai, minha forja, Coronel Carneiro, nos céus do Valhalla. Jamais
conhecerei alguém tão nobre e profissional. Seu legado vibra em nossos corações.
Para André, dádiva divina, irmão absoluto de todas as horas. Estrela Aldebarã
a me guiar na breve jornada da vida. PQD alado, o “Fazedor do Impossível”.
Ao Zé Barbosa. Amado irmão. Presente do destino. Herói anônimo. A perfeita

companhia para quando o inferno chegar. Líder do bando de leões.
Aos homens e mulheres, guerreiros que sacrificaram suas vidas à essa pátria
chamada Brasil para que outros vivessem, lutando pelo bem, pela liberdade
e pela justiça. O sangue derramado não foi em vão. E será lembrado!
“Ouvi então a voz do Senhor, que dizia: ‘Quem enviarei? E quem
irá por nós?’ E eu respondi: Eis-me aqui. Enviai-me!”
Isaías 6:8
AGRADECIMENTOS
Milena Evangelista Santinho Carneiro e família
Exmo. Sr. Presidente da República Jair Messias Bolsonaro
General de Brigada-FE (R/1) Álvaro de Souza Pinheiro
Coronel-FE (R/1) Carlos José do Canto Barros – Instrutor AMAN
Coronel-FE (R/1) Fernando Montenegro
Coronel-FE Alessandro Visacro
Capitão de Mar e Guerra (FN) Aristone Leal Moura – Comandante do
Batalhão Tonelero
Capitão-Tenente (FN) Torres
José Barbosa Pereira Sobrinho
Luiz Antônio da Cruz Pinelli
Romildson Farias Uchôa
Juiz Federal Emílio Migliano Neto
Juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira
Marcos Ferreira dos Santos
Coronel Ronaldo Roque – Comandante BOPE/MT
Chang Fan – Superintendente PF/MS
Fernando Araújo Campos – DREX/PF/MS
Antônio Ranieri de Queirós Magalhães
Marco Antônio Dutra Britez
Raphael Nunes Trindade
Marcio Nunes de Oliveira – Diretor Geral da Polícia Federal
Anderson Torres – Ministro da Justiça
Marcelo Alberto Maceiras – Coordenador COT/PF
Antonio Marcos Lourenço Teixeira
José Mariano Benincá Beltrame
Ten. Cel. Maurílio Nunes – Comandante BOPE/RJ
Eduardo de Castro Pereira – SEOP/ANP/PF
Carlos Alberto Machado
Rogério Greco – Secretário de Justiça e Segurança Pública/MG
Fabiano Tomazi
Luiz Carlos Queiroz Mariz
Eduardo Rosas Ribeiro
Leo Dias de Vasconcellos
Fernando Casani de Souza
Fernando Jorge Castro de Lucena
Professor Alexandre dos Santos – PUC-Rio
Eduardo Maia Bettini
Professor Rodney Alfredo Pinto Lisboa
3º Sargento Paulo Antônio da Costa-29 – BOPE/RJ (in memoriam)
1° Sargento Luiz Paulo Costa da Silva-32 – BOPE/RJ (in memoriam)
Edson Martins Matsunaga (in memoriam)
Subtenente Marco Antônio Gripp – BOPE/RJ (in memoriam)
Marcelo Rios – ‘Hoje no Mundo Militar’
Major Vitor Bomfim PM/SC
Major Leonardo Novo – BOPE/RJ
Marcus Ribeiro de Almeida
Allan de Abreu
Comandante Robinson Farinazzo
Desembargador Federal Roy Reis Friede
SUMÁRIO
PREFÁCIO I�� 11
Carlos José do Canto Barros
PREFÁCIO II�� 19
José Mariano Beltrame
PARTE 2
ESTRATÉGIA�� 23
T IPOS DE ESTRATÉGIAS�� 35
TÁTICAS�� 45
EVOLUÇÃO DA GUERRA MODERNA�� 53
COMBATES EM ÁREA URBANA�� 79
CIDADES ESTRATÉGICAS BRASILEIRAS�� 87
REGIÕES ESTRATÉGICAS E AMEAÇAS POTENCIAIS AO

BRASIL NA ÁREA DE SEGURANÇA E DEFESA�� 93
RISCOS GLOBAIS E AMEAÇAS DE INSTABILIDADE�� 121
UMA NOVA GUERRA MUNDIAL?�� 153
INTELIGÊNCIA�� 161
PARTE 3
TERRORISMO�� 183
COMBATE AO TERRORISMO�� 201
OPERAÇÕES CONTRATERRORISTAS�� 233
CICLO DO TERROR�� 241

PARTE 4
LEGISLAÇÃO�� 261
SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA NACIONAL�� 271
A EVOLUÇÃO DA CRIMINALIDADE E OPERAÇÕES

ESPECIAIS DE POLÍCIA JUDICIÁRIA�� 283
PODER JUDICIÁRIO NA GUERRA IRREGULAR - DECISÕES

DE TRIBUNAIS SUPERIORES, DO LEGISLATIVO E DE
GOVERNADORES NA SEGURANÇA PÚBLICA�� 291
DUAS SENTENÇAS�� 327
R EFERÊNCIAS�� 343
SOBRE O AUTOR�� 379

PREFÁCIO I
N
o silêncio das noites escuras você não pode vê-los, mas eles
podem ver você.
Surgindo das sombras, os melhores guerreiros têm apavorado os
inimigos do mundo livre com a aterradora possibilidade de um
confronto desde o nascimento do SAS britânico, há cerca de oitenta anos. A
partir daí, prosperaram e se multiplicaram em todo o mundo essas organiza-
ções de operações especiais, sempre prontas a exercitarem sua alta letalidade.
A determinação é descrita como a arte de ter foco, associado à persistência,
para alcançar um objetivo almejado. Se para qualquer organização humana é
fundamental ter colaboradores determinados, é mandatório para as operações
especiais que todos os seus operadores sejam possuidores dessa competência.
Vencendo assim primeiramente a si mesmos, buscando o autoaperfeiçoamento,
num aprimoramento contínuo. E é ela que associo de imediato como carac-
terística fundamental de meu amigo e irmão por escolha, Flávio Carneiro,
falecido no posto de coronel, logo após terminar seu comando na Unidade
de Infantaria de sua terra natal, Fortaleza, CE. Essa competência era tão forte
nele quanto em sua companheira de jornada, Regina. E, é claro, contaminou
irremediavelmente seus três filhos - Flávio Júnior, Ana Maria e André. Por
isso, prefaciar este livro, além de ser um prazer e uma honra, é um tributo que
rendo a essa família tão amiga, tão unida e, ao mesmo tempo, possuidora de
tanta determinação. E, acima de tudo, um preito de gratidão ao meu nobre e
saudoso irmão de armas, Francisco Flávio Nogueira Carneiro, pelas intensas e
gratificantes jornadas compartilhadas nas Operações Especiais. E o faço através
de seu filho – Flávio Júnior –, autor e organizador desta obra.
Munido dessa determinação, marca de seu DNA, e com o estoicismo
de um monge tibetano, outra característica pessoal, Flávio Júnior dedicou-se
à hercúlea tarefa de escrever sobre Operações Especiais. Com a autoridade
de quem possui uma extensa biblioteca sobre esse tema, posso afiançar que
é uma das mais completas obras que já li. É óbvio que isso envolve extensa
pesquisa bibliográfica, só para começar. E revolver as origens, contextualizar
nas diferentes ambiências, através da história.
Vamos então sumariamente percorrer um caminho para entendermos o que
são as operações especiais e particularmente o homem de operações especiais
– o seu operador. Para tal, percorrerei a senda balizada pelas tropas de Forças
Especiais, dentro de sua doutrina de Organização e Emprego. Isto porque é a
fonte mais representativa e completa, onde se originaram todas as outras organi-
zações do gênero, com suas respectivas especificidades, no Brasil. Como exemplo
dessas especificidades, as chamadas internacionalmente Unidades de Resgate de
Reféns (HRU’s na sigla em inglês) ou Unidades Contraterrorismo (CT). As quais,
dependendo do país, podem estar nas Forças Singulares de suas Forças Armadas
(EUA) ou na Guarda Nacional (França) ou ainda na Polícia Federal (Alemanha).
12 Prefácio
Uma operação especial é conduzida por forças especialmente treinadas,

equipadas e apoiadas sobre um alvo específico, cuja destruição, eliminação ou
resgate (no caso de reféns), é um imperativo político ou militar (definição do
Almirante William H. McRaven). Para tal, há que se obter e sustentar a supe-
rioridade relativa, o que requer a intervenção da coragem, inteligência, ousadia
e perseverança, os quatro fatores morais, segundo Clausewitz.
As organizações de operações especiais são as mais democráticas das ins-
tituições humanas. Porque constituídas de voluntários, homens bem formados
e forjados para “querer acreditar”, aí envolvidos todos os valores desse cidadão
e guerreiro da sociedade. Algo mítico, transmitido, sem perda de intensidade,
ao longo do tempo, através das gerações, com seus ritos iniciáticos muito fortes.
Alguns estudiosos costumam dizer que essas forças de elite sofrem de um
chamado “ciclo de seleção-destruição”. Os mais hábeis voluntários são selecio-
nados para as mais difíceis missões. E sofrem os mais altos índices de perdas,
como resultado. A motivação e a seleção dessas forças nem sempre são bem
entendidas pela sociedade. Além do mais, essa incompreensão e suspeição da
sociedade em geral são reforçadas pelo segredo que cerca as atividades dessas
forças. E pelo autoimposto isolamento. Por razões psicológicas e de segurança,
esses operadores têm intenso desejo de se manterem isolados, sempre desen-
corajando o interesse de curiosos. Afinal, quando o problema surgir, o grau de
risco que essas missões envolvem e a necessidade de resposta cirúrgica justificam
esse isolamento. Psicólogos tentam estudar o perfil desejado desses homens. A
manutenção da capacidade de tomar decisões acertadas sob os mais altos níveis
de stress e fadiga é uma das mais importantes características buscadas pelos
selecionadores, e que, normalmente, é observada em homens mais maduros.
Esses estudos psicológicos apontam também como qualidades/competências
essenciais para esse tipo de operador: inteligência acima da média; introver-
são e extroversão bem balanceadas; assertividade; autossuficiência; sagacidade;
bom-humor; paciência; coragem; ousadia; perseverança; iniciativa; autocontrole;
autodisciplina; habilidade para trabalhar sem supervisão; e determinação. O
que isto representa, cumulativamente, é uma força espiritual bem maior que a
superioridade física, em termos comparativos da seleção.
Verifiquemos o ambiente operacional das Forças Especiais e ainda as com-
petências requeridas a seus operadores. Importa ressaltar que o candidato ao
curso de Forças Especiais deve ser possuidor do curso de Comandos, grande
gargalo nesse processo de formação, já que esse curso é bastante exigente com
índices de reprovação que se situam aproximadamente em setenta por cento,
em média, ao longo dos anos. A experiência indica que o componente atitu-
dinal é o importante nesse resultado, somado ao que poderíamos chamar de
inteligência espiritual, como observado acima. Cresce com isso o preparo psi-
cológico como fator relevante e a resiliência como competência primordial no
processo seletivo – a realização do curso. Pela necessidade de serem Comandos
antes de Forças Especiais, os operadores de Forças Especiais estarão sempre em
condições de realizar Ações de Comandos, além de sua destinação doutrinária
básica (“Quem pode o mais, pode o menos”), que passaremos a explorar.
O SILÊNCIO DAS NOITES ESCURAS – Volume 2 13
As guerras modernas trouxeram para o seu ambiente a Guerra Irregular,

no que se convencionou tratar também como “Guerra no meio do povo”.
Porque nela, o conhecimento, a sensibilidade e a perspicácia no trato com a
população – a chamada consciência cultural – são vitais para a construção
da narrativa dominante. Estas características requeridas se tornam muito
mais sensíveis quando os combates são travados em território estrangeiro.
Todo combatente deve ser um operador psicológico, sempre buscando o
estabelecimento e a manutenção do “rapport” com as partes envolvidas nos
conflitos. É a consciência cultural que vai reduzir a fricção no campo de bata-
lha e propiciar a estabilização, nesse paradigma de “Guerra entre o povo”.
A Guerra Irregular é o ambiente operacional por excelência das Forças
Especiais, razão mesmo da existência de sua organização e emprego. Assim, o
alinhamento à missão demanda, como essencial, na formação e preparo dessas
tropas especiais, o trabalho contínuo em níveis máximos de exigência física,
mental e emocional. O que gera em seus componentes o conhecimento de suas
limitações, viabilizando melhor autoconhecimento e a percepção da real dimen-
são da prevalência do trabalho em equipe, com toda sua força e sinergia. Essas
características são essenciais porque necessárias nas operações descentralizadas,
autônomas e de alto valor estratégico, objeto de suas atividades finalísticas. É
através desse tipo de emprego em operações continuadas que se consolida e
reforça o espírito de fraternidade, tão característico desses combatentes. Ele é
propiciado por um cotidiano pleno de lições de coragem, abnegação, rustici-
dade, determinação, camaradagem e de acendrado espírito de equipe, o que
acaba por transformar quaisquer de suas organizações em uma irmandade. É
essa vivência, sempre superlativa, que vai realimentar o alto nível de integri-
dade, maturidade e profissionalismo exigido de seus operadores, que serão
sempre guiados pelo propósito de viver por um objetivo maior do que eles.
Conviver com o inopinado e o diferenciado, dentro da complexidade,
torna o “pensar fora da caixa” uma ação recorrente e natural, viabilizando adap-
tabilidade e enorme criatividade no ambiente de trabalho. Agregue-se a essa
ambiência operacional o alto risco no emprego, o ineditismo, o grau de incerteza,
a surpresa como incondicional e o sempre necessário rápido retraimento, após
contundente ação no objetivo, quando for o caso. Tudo isso demandará medidas
administrativas diversificadas, urgentes e até mesmo inusuais e heterodoxas que
irão atender a exaustivos ensaios para perfeita adequação operacional a novos
meios de emprego militar (MEM) que, por vezes, influenciarão nossas táticas,
técnicas e procedimentos, envolvendo até mesmo novas formas de atuação. O
grande diferencial nesses momentos é a qualidade do pessoal, que serve de
amálgama e impulsiona, através do espírito de cooperação e da camaradagem,
o entusiasmo profissional. O que vai gerar a obtenção rápida e quase sempre
surpreendente de resultados, nem sempre tangíveis e menos ainda previsíveis.
Importa aqui frisar que é a imprevisibilidade, sempre presente na con-
duta das ações, que norteia e reforça a capacidade de inovar. Assim, é na
inovação que se baseia todo o preparo e emprego das Forças Especiais. Come-
çando normalmente na fase de isolamento com um exaustivo planejamento
14 Prefácio
– altamente centralizado e participativo –, com briefings e ensaios crescentes,

seguidos de críticas de situação e avaliações pós-ação, onde lições aprendidas
e melhores práticas são discutidas à exaustão, até o ensaio e briefing finais,
particularmente o que envolve a ação no objetivo, normalmente executado
em maquetes e construções similares ao alvo, quando realizando Ações de
Comandos. Tudo isso sempre vivido como ponto forte do preparo dessas
tropas especiais. O que potencializa ainda o efeito multiplicador, característica
mais contundente e definidora das Forças Especiais, mercê da qualidade da
liderança e do entusiasmo profissional de seus operadores.
Toda essa preparação busca antecipar o que virá a ser vivenciado em
uma dada Área de Operações, que tem como características comuns sempre
presentes: a descentralização das ações, que dependerão assim de muita ini-
ciativa e empoderamento; o trabalho diuturno e de alto risco; o planejamento
continuado, atualizado e contextualizado; o isolamento, dentro mesmo da
equipe; total afastamento da família e de entes queridos, normalmente com
impossibilidade de comunicação pelo grau de sigilo atribuído às missões, o
que demandará sempre muita sobriedade e discrição; o desconhecido; o stress
da ambiência cultural diferenciada, com adicional e agravante dificuldade
pelo emprego de outro idioma; e as inúmeras oportunidades de negociações,
sempre desafiadoras e desgastantes, em todos os níveis.
Tudo isso implica em vigilância redobrada e mútua entre todos acerca de
mudanças comportamentais que possam comprometer o sucesso da missão.
Para evitar, por todo o desgaste físico e mental, o conhecido “banzo”, essa
melancolia tão perigosa, que pode, rapidamente, degenerar em depressão.
A competência liderança é o fator mais importante na função definidora
do operador de Forças Especiais – o efeito multiplicador. Assim é motivo da
maior preocupação desenvolver progressiva e continuadamente os indica-
dores comportamentais que a compõem, particularmente os mais relevantes,
como decisão, equilíbrio emocional e adaptabilidade. Cumpre destacar ainda
que esse efeito multiplicador deve ser conduzido pelos operadores de Forças
Especiais de forma a “ser protagonista, jamais aparecendo como tal”, como
bons artífices das Operações Psicológicas.
Na composição de equipes de operações especiais, estarão sempre
presentes os denominados “especialistas” (em armas curtas, em armas lon-
gas, em tiro com armas longas-caçadores, em explosivos e demolições, em
comunicações, em saúde etc.) em composição e gradação variáveis, função
da especificidade da missão das equipes. Além disso, importa, e muito, a
especialidade no ambiente operacional (montanha, selva, caatinga, pantanal,
neve em alta montanha, espeleologia etc.), que demandam conhecimentos
específicos, com o consequente material e técnicas, táticas e procedimentos
diferenciados, a exigir constante e diuturno treinamento e capacitação. Sempre
transformando conhecimento em comportamento.
A interoperabilidade das funções específicas dentro da equipe exige que
todos operem em uma parte comum e que também tenham conhecimento das
outras funções. Daí a necessidade do chamado “treinamento cruzado”, onde os
especialistas aprofundam seus conhecimentos e o transmitem para os demais
componentes. Desse nível de profissionalização depende a sobrevivência da

equipe. Quanto maior o nível de interoperabilidade, mais elevado é o nível de
maturidade e excelência das equipes e menor o risco. Os operadores dessas
pequenas unidades são homens ousados, que acreditam que a sorte protege
os audazes e que treinam exaustivamente juntos, combatem juntos e desafiam
a morte juntos. A curiosidade pelo conhecimento, associada a profissional tão
altamente qualificado, impele-o na busca do aprendizado contínuo, de saberes
potencialmente úteis a uma dada situação em que seja necessário mobilizá-los.
Essa apropriação desses saberes no momento oportuno e em função das necessi-
dades do contexto é primordial para esse profissional. Ou seja, são treinados para
aprender permanentemente, possuindo assim, muito mais que outros profissio-
nais, os recursos necessários para adquirir os saberes que lhes faltam pois sabem
que a atualização dos conhecimentos é vital para o exercício da sua profissão. E,
assim sendo, tornam-se o exemplo perfeito do profissional reflexivo. Ao longo
do tempo, com a vivência dura no trabalho em equipe, no preparo e emprego em
árduas missões, teremos os operadores cada vez mais comprometidos com essa
mística, mistura de trabalho sério, aptidão, fé na missão, dedicação, dignidade
e patriotismo, tudo sem interesse financeiro. Os ritos de passagem envolvidos
na ambiência e no desenvolvimento organizacional das tropas especiais exigem
crescimento permanente e continuidade de propósitos em tudo comparáveis
a voar. Voar exige coração, paixão, amor ao risco, determinação, desapego e
coragem. Induzindo mesmo mudanças emocionais e até mesmo espirituais, que
levam ao desenvolvimento do autoconhecimento, autoconfiança, autocontrole e
maior equilíbrio, fundamentais para a evolução de qualquer ser humano. Como
“aves de mesma plumagem voam juntas”, sabem assim o quanto voar liberta!
Essa mesma sensação de liberdade sentimos quando convivemos com
atores que dominam não só o conhecimento, mas a criatividade, que possibi-
lita conexões incríveis, induzindo-nos a sentir essa sensação similar à de voar.
O que nos tira de Chronos e nos conduz à significância de Kairós, essa outra
dimensão de tempo. Na psicologia, isso é chamado de “estado de fluxo”, que
dá à pessoa um “foco que, uma vez que fica intenso, leva a uma sensação de
êxtase, um senso de clareza; você sabe exatamente o que quer fazer” (“Você sabe
o que precisa e o que consegue fazer, mesmo que seja difícil. E o senso de tempo
desaparece, você esquece de si mesmo, se torna parte de algo maior”-Mihaly
Csikszentmihalyi-). O acúmulo de vivências, necessárias a esse mister, confor-
mam e consolidam o caráter desse operador. Assim sendo, no amadurecimento,
esses guerreiros são capazes de “voar” pela eternidade, conclamando sempre
a espiritualidade e o propósito, a par da ousadia e esperança que os conduz.
Grandes vantagens do povo brasileiro são a versatilidade e a empatia,
características marcantes de seu caráter, fato que o credencia naturalmente para
operações dessa natureza. Façamos aqui um parêntesis para analisar, fora das
Forças Especiais, o sucesso obtido no Haiti, onde soubemos progredir do terreno
pantanoso das operações ditas “robustas”, para, paulatinamente, utilizando
a consciência cultural, ganhar a confiança da população, realizando ações de
combate cirúrgicas e reduzindo áreas de fricção, até a obtenção da estabilização.
16 Prefácio
O preparo e o emprego das Unidades do Comando de Operações Espe-

ciais vêm ganhando, particularmente pelos sucessivos “grandes eventos”
realizados em território brasileiro, nos últimos anos, contornos de alto nível de
profissionalismo, com ênfase na integração vivida nas operações em ambiente
interagências. Esse é o campo onde se deve buscar maior integração entre
todos os atores envolvidos nas operações especiais.
Esse crescente profissionalismo, lastrado ainda em gestão competente de
pessoas, processos e projetos e ademais, na perfeita integração entre operações
de inteligência, operações psicológicas, assuntos civis e ação comunitária, em
benefício das operações, é que exigirá um alto quociente de adaptabilidade (QA)*
e nos levará ao patamar de emprego de forma realmente sistêmica, além de fle-
xível. Potencializando assim toda sua capacidade como tropa de elite, contida
no seu audacioso lema: “Qualquer missão! Em qualquer lugar! A qualquer hora!
De qualquer maneira!”. Particularmente essa abordagem holística, de integração,
perseguindo esse vir a ser sistêmico, vivido nessas complexas operações em
ambiente interagências, é muito bem frisado pelos autores desta obra, Francisco
Flávio Nogueira Carneiro Júnior e Pedro Paulo Nunes. Eles, assim, de fato, cum-
priram a missão! E foram além, ao tomar seu leitor pela mão e percorrer com
ele todo esse longo caminho histórico, prenhe de informações, chegando aos
dias atuais e, até mesmo acrescentando comentários e análises, com muita inte-
ligência e alta dose de coragem moral para expor suas ideias. Assim, souberam,
com muita propriedade, abordar todos os aspectos que cercam o escopo deste
trabalho, começando pela moldura que encerra todo o tema: a Guerra. Assim, a
explicitaram, para melhor entendermos o universo das Operações Especiais e o
contexto em que a atividade está inserida. A guerra, com sua inerente comple-
xidade, repleta de variáveis, em seus aspectos (políticos, sociais, econômicos e
diplomáticos etc.) é assim visitada, através do seu conceito, tipos, amplitudes e
aspectos operacionais (combate/manobras). Iluminaram também um pouco do
histórico de guerra no Brasil. Abordaram ainda a classificação de guerras por
gerações. Trataram da guerra híbrida e explicaram minuciosamente esse conceito.
Agregaram biografias dos grandes generais e comandantes, pensadores militares
e estrategistas. E introduziram temas geopolíticos importantes, tais como: rela-
ção das cidades estratégicas brasileiras e mundiais; e como se dão as ameaças e
os riscos globais. Na sequência, é abordada a Inteligência. Trata-se de assunto
bastante reservado, porém importantíssimo, dentro da atividade de Operações
Especiais. Foram citadas as principais agências de inteligência no mundo, suas
origens, formas de atuar, assim como foi tratada e discutida a maneira como
deve ser enxergada a atividade de inteligência dentro das Operações Especiais,
realçando, além das características inerentes, seu valor, importância, demanda,
precisão e imprescindibilidade. A seguir, passaram a dissecar o Terrorismo.
Mostrando que não é fenômeno recente. Assim revelando suas origens e apre-
sentando as principais organizações terroristas que atuam a nível global, suas
origens, operações, filiais e modus operandi (aspectos operacionais). Valendo-se
da experiência do autor, foi apresentado o “Combate ao Terrorismo na África”.
Trataram do terrorismo no Brasil. Verifica-se ainda, e principalmente, como é
realizado o combate ao terror, através de marcantes operações contraterroris-

tas (CT). Na continuação, tratou-se da Legislação, onde são discutidos temas
como: Segurança Pública e Defesa Nacional, sob o prisma jurídico; a evolução
da criminalidade; operações especiais de polícia judiciária; e o papel do poder
judiciário na guerra irregular brasileira. São levantados e contextualizados temas
polêmicos, como a recente ADPF 635, que impede operações em favelas/comu-
nidades cariocas, e leis e códigos anacrônicos, que devem ser revisados urgen-
temente, para o bem da sociedade. E, finalmente, numa apoteose, após todos
os capítulos introdutórios, chega-se ao tema proposto – as Operações Especiais
–, onde é contada historicamente sua gênese, o conceito desse tipo de atuação e
suas implicações. São narradas algumas operações especiais em solo brasileiro
e são pontuadas as principais forças e unidades no Brasil e no mundo (origens,
capacidades, armamentos etc.). É explicado o que são de fato e como atuam os
atiradores de precisão (caçadores e snipers). São elencadas todas as principais
operações especiais modernas (algumas ilustradas com gráficos), desde Entebbe
(1976) até os dias de hoje. Também são narradas operações especiais dentro da
Polícia Federal e fora dela, no âmbito das Forças de Segurança (BOPE, CORE
etc.). É também comentada a importante temática do Planejamento das Opera-
ções Especiais, da Seleção e Perfil dos operadores especiais e da Preparação e
Treinamento nas unidades especiais. São abordados temas afins como ‘As Mulhe-
res nas OE’, ‘O futuro nos campos de batalha’, e ‘O Uso de cães em equipes
táticas’. O coautor Sargento Pedro Nunes, enfermeiro de combate e especialista
no assunto, aborda com propriedade o Atendimento Pré-Hospitalar tático. São
trazidos conhecimentos sobre os diversos tipos de sobrevivência (policial, civil
e de selva). O denso e preocupante tema da Vitimização Policial é discutido em
pormenores, com estatísticas estarrecedoras de baixas, sobretudo na PMERJ.
Em seguida vem o tópico da Liderança nas Operações Especiais e finalmente
as Lições Aprendidas pelo autor, tanto profissionais como pessoais, em 10 anos
dedicados à atividade-fim. Ao final, em anexo, importantes textos (Orações,
Canções, discursos, poemas, passagens) que emolduram e encerram a obra. Tudo
isso faz parte desse extenso trabalho, de tirar o fôlego, completo e detalhado
como um planejamento de operação especial, conformado ao tempo disponível.
Parabéns aos autores, pelo nível de excelência na entrega realizada.
“A simplicidade é o último grau da sofisticação.”

(Leonardo da Vinci)
“O ideal como motivação; a abnegação como rotina; o perigo

como irmão; e a morte como companheira.”
COMANDOS! FORÇA! BRASIL!
Carlos José do Canto Barros

Operador de Forças Especiais, desde 1972.
18 Prefácio
*Quociente de Adaptabilidade(QA)
- É a capacidade de se posicionar e prosperar em um ambiente de
mudanças rápidas e frequentes;
- É a capacidade de absorver novas informações, descobrir o que é rele-
vante, deixar para trás noções obsoletas, superar desafios e fazer esforço
consciente para mudar;
- Envolve características como flexibilidade, curiosidade, coragem
e resiliência.
PREFÁCIO II
N
o início dos anos 90, tive oportunidade de trabalhar com o colega,
Agente da Polícia Federal – APF, Francisco Carneiro Júnior e logo
nos tornamos amigos. Atuamos em investigações policiais referentes
ao tráfico internacional de drogas realizadas pela Superintendência
da Polícia Federal, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul,
Era uma equipe brilhante que muito fez pelo País e nela chegava o jovem
APF Júnior. Quieto e pensativo, ele demonstrava extraordinária dedicação e
interesse pelo trabalho, atributos que não eu, mas os demais colegas já percebiam.
Foi um período importante em nossas carreiras, mas a vida nos desafia
e nos projeta em direções opostas. A partir de então, tinha escassas notícias
do APF Júnior por intermédio de alguns colegas que contavam sobre sua
evolução profissional, em particular, o interesse por Operações Especiais,
função que na estrutura da Polícia Federal Brasileira cabe à Coordenação de
Operações Táticas - COT.
Passamos longo período afastados, mas para minha alegria, recebo a
visita de Júnior na então Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro,
onde me encontrava trabalhando. Meu colega estava muito diferente, magro,
cansado, falava menos do que antes, mas através de sua determinação, aca-
bara de concluir o tão cobiçado Curso de Operações Especiais do BOPE/RJ
(COESP 2006/1) e se tornava mais um Caveira, me disse em voz baixa, façanha
para poucos, basta ver os números de concludentes.
Esta é uma pequena parte de tudo que reflete sua dedicação pelo tema.
Hoje possui um dos mais completos currículos sobre o assunto entre os policiais
brasileiros. Esta trilogia lançada por ele é fruto de anos de pesquisas, entrevistas,
leituras, cursos, viagens (vide currículo) e da aplicação deste conhecimento em
trabalhos práticos, operacionais que executou ao longo de sua carreira.
Hoje o APF Júnior através de sua obra: O Silêncio das Noites Escuras, em
seu primeiro volume, escreve com naturalidade sobre temas complexos, mas
importantes à sociedade atual que a todo momento é exposta às mais inusi-
tadas decisões governamentais e cujas consequências podem impactar em
nossas vidas, fazendo com que o mundo pareça girar cada vez mais rápido.
Francisco Carneiro Júnior nos apresenta uma obra completa sobre um tema,
a meu ver, pouco conhecido no mundo civil. O conteúdo apresentado trás em
detalhes não só a história das guerras, mas suas causas, características, tipos de
guerras, que irão surpreender o leitor.
O autor nos dá uma verdadeira aula de história, geopolítica e estratégias
militares. Aborda o assunto desde os primeiros conflitos entre os povos e vai
conduzindo o leitor por esta viagem no tempo até alcançar os dias de hoje.
Através de uma narrativa forte e estruturada Francisco Carneiro Júnior,
nos mostra o desenvolvimento da sociedade e, a seu tempo, a formação das
Organização Miliares e das Forças Especiais. Descreve fatos e curiosidades
20 Prefácio
ocorridas em campos de Batalha e as estratégias de atuação de diversas Orga-

nizações Militares, além da aplicação de Forças Especiais.
A exposição sucinta e objetiva sobre conquistas territoriais da antigui-
dade e as grandes expedições militares, como por exemplo: As conquistas
do Império Romano através de Júlio César, Alexandre “O Grande“, Aníbal,
Saladino e as Guerras Napoleônicas, chegando a Primeira e Segunda Grandes
Guerras Mundiais. Revela o impacto da Revolução Industrial nos campos
de batalha, e a necessidade de mudanças e adaptações das Organizações
Militares frente ao processo de industrialização.
As consequências destes dois últimos conflitos e o surgimento de uma
guerra fria, tão letal quanto uma guerra convencional. A polarização do
mundo e sua divisão entre “Capitalismo e Comunismo”, além da criação
dos organismos internacionais destinados a diminuir tensões entre os Países.
Dentro desta evolução o autor chega até os episódios atuais, como as
guerras no Oriente Médio e, suas milenares diferenças ideológicas e religiosas
onde se percebe outras formas de guerra e de estratégia.
Em um mundo até então considerado bipolar, a inteligência nos é mostrada
como elemento decisivo e responsável pela antecipação de eventos, a elabora-
ção de estratégias e a montagem de planos operacionais. Conhecer o máximo
possível a respeito do “inimigo” é imprescindível a qualquer organização.
A criação e a aplicação de forças especiais, tema também pouco conhecido
por boa parte da sociedade, motivo pelo qual, por vezes, algumas pessoas distor-
cem sua função e seu significado. O autor se debruça sob a questão descrevendo a
necessidade e suas diferentes funções, todas de alto risco, seja em terra, ar ou mar.
Pela leitura veremos como se dá a capacitação destes homens e mulheres
que compõem as Forças Especiais. Pude testemunhar o valor destes profis-
sionais que muito fizeram, especialmente, pelo Rio de Janeiro, quando das
ações desenvolvidas em algumas comunidades eram dominadas pelo crime.
Há prontidão das mesmas em todos os grandes eventos internacionais
que o Rio de Janeiro recepcionou. Estavam lá, prontos ao comando de seus
superiores para atuarem em casos como: terrorismo, infiltração, resgate, reco-
nhecimento, busca, entre outras missões que poderemos conhecer através da
leitura deste volume.
Além de terrorismo que se apresenta ao mundo por intermédio de ações
de destruição e extermínio, o autor considera episódios muito atuais, como
Ciber ataques, as guerras biológicas, químicas e o emprego ilimitado de tec-
nologias, cujos resultados alcançam, praticamente o mundo inteiro. O autor
nos mostra as prováveis causas e os desdobramentos do presente conflito entre
Rússia e Ucrânia que surpreende e entristece a humanidade.
Por fim, uma adequada e lúcida explanação sobre os riscos globais de ins-
tabilidade. Uma Rússia sempre minando interesse Americanos, a China bus-
cando cada vez mais poder de influência contra os Americanos. O programa
nuclear iraniano faz deste país um “ator problemático”. As tensões entre
Israel e o Estado Islâmico, o surgimento de um “mundo fundamentalista”.
A presença do Chavismo-Madurismo na Venezuela, seu apoio à Cuba

e a outros países alinhados a seus interesses.
Considerando estes diversos “barris de Pólvora” espalhados pelo
mundo o leitor, fatalmente, se questionará: Teremos uma guerra global?? O
autor responde!!!
José Mariano Beltrame

PARTE 2
ESTRATÉGIA
“A sorte favorece os audazes”
Alexandre, o Grande
“Estratégia é simples, mas não é fácil.”

Clausewitz
“Na estratégia, a volta mais longa, quase sempre, constitui o caminho mais curto”
Liddell Hart
“Não existe sucesso tático capaz de consertar um erro estratégico.

E não existe estratégia que conserte um erro político”
Alessandro Visacro
O
termo estratégia (strategos) tem sua origem na Grécia Antiga, e nasceu
associado a guerra, relacionando-se as atribuições do comandante
chefe da organização militar. Em seguida, nos tempos de Péricles
(495-429 a.C.) passou a ser associada as habilidades gerenciais, como
administração, liderança e poder. Nos tempos de Alexandre Magno (356-323
a.C.) se tornou a habilidade de empregar o uso da força para sobrepujar o adver-
sário e estabelecer um sistema unificado de governança global. Na atualidade
o termo já tem aplicações também no mundo dos negócios.
Para que seja uma estratégia vencedora, ela deve fundamentar-se na
adaptação dos fins aos meios. Onde adaptar é criar e manter o ajuste com o
ambiente, e isso é exatamente o que a pessoa que negar ao adversário, quer seja
por guerra convencional ou de guerrilha. O fim a atingir deve necessariamente
ser compatível com os meios empregados, mesmo tratando-se de conquistar
objetivos intermediários. Todo o excesso é tão prejudicial quanto as deficiências.
Como é obtido um desequilíbrio estratégico? Na visão de Liddell Hart1,
usando o campo físico ou logístico, é a manobra que consiga alcançar:
 Perturbar o dispositivo do inimigo, forçando-o a uma “mudança de frente”,

desequilibrando sua organização;
 Separar suas forças;
 Ameaçar seus suprimentos;
 Ameaçar o eixo (ou os eixos) de retirada do inimigo, em caso de necessidade.
A estratégia militar é um plano distinto entre a política e as operações,

uma ideia que liga mais as duas, que as funde. O verdadeiro propósito da
estratégia é diminuir a resistência do adversário. E para garantir a conquista
de um objetivo é fundamental ter objetivos alternativos. Um ataque que con-
verge para um ponto, pode simplesmente ameaçar e poder divergir para outro
ponto. Somente com grande flexibilidade de objetivos a estratégia consegue
se adaptar as incertezas e fricções da guerra.
Os primeiros relatos da estratégia militar podem ser retrocedidos até 500
A.C com Sun Tzu e os pensadores de Esparta. Campanhas como a de Alexandre
Aníbal e Júlio Cesar também demonstram um certo planejamento estratégico.
Os romanos, ao bloquear as linhas de comunicação marinha de Aníbal com
Cartago, demonstram o impulso da estratégia marítima nas guerras.
Em Genghis Khan, há um contraponto no desenvolvimento europeu
da arte da estratégia. Suas campanhas foram baseadas em puro terror e na
dominação, usando a psicologia para contrapor-se a população. As tropas de
cavalos funcionavam não só como meio de movimentação, mas como suporte
logístico. Também uma forma primitiva de guerra biológica era utilizada.
Armas poderiam ser usadas para lançarem animais mortos e corpos dentro
de uma cidade sitiada, espalhando doenças e morte aos seus habitantes.
A revolução francesa e as guerras napoleônicas revolucionaram a estra-
tégia militar. Parte dessa evolução foi sentida do outro lado do Atlântico na
guerra civil americana, e muitos anos depois na Primeira Guerra Mundial.
26 Estratégia
Vieram as armas pequenas e baratas e tropas de soldados civis, crescendo

e tornando-se formações de massa. Trouxe posteriormente as divisões do
exército e formação de batalhões.
Com o triunfo da estratégia de Napoleão e sua estratégia de aniquilação,
vieram pensadores como Jomini e Clausewitz. O livro “Da Guerra”2 tornou-se
uma espécie de bíblia da estratégia, com novos ensinamentos no campo da
liderança militar quanto na política, desconsiderando a geometria e enfatizando
que a vitória vem através do confronto e destruição da força inimiga, a qualquer
custo. Novos e inúmeros conceitos transformaram as batalhas como o atrito,
inteligência e planejamento, a condução e liderança e guerra de trincheiras.
Nesse período após 1870, o exército francês passou por ampla reformu-
lação. A primeira reforma foi a criação de um estado-maior geral. Ele incluía
seis escritórios: organização, inteligência, operações, serviço de escala, corres-
pondência e contabilidade, com o objetivo maior do exército estar pronto nos
tempos de paz e de guerra. A segunda reforma foi a reorganização estrutural
do exército. Modificando regras e aumentando recursos para recrutamento,
tornando-o mais profissional e enxuto.
A terceira reforma é a do apoio e reforma na administração militar,
Intendência e logística mostraram suas fraquezas não estando em comando
operacional e precisaram ser reorganizados. Três reformas subsequentes e
de longo prazo foram colocadas em andamento: Seleção e treinamento de
oficiais de estado-maior, treinamento e capacitação para a tropa e proteção
eficiente e efetiva de suas fronteiras. Tudo isso modificou amplamente todos
os aspectos da estratégia e táticas a partir de então.
Moltke acreditava na necessidade de flexibilidade e que qualquer plano,
por mais eficiente que seja, não pode garantir a sobrevivência além do pri-
meiro encontro com o inimigo. Delbruck conseguiu produzir uma teoria da
estratégia de exaustão e Alfred Thayer Mahan trouxe novidades na estraté-
gia naval, como conceitos de grande marinha, uma visão expansionista que
preconizava que a defesa era alcançada mais pelo controle da aproximação
marítima que pela fortificação das costas.
Lenin disse certa vez que “a estratégia mais segura da guerra é aquela
que procura retardar as operações até que a desintegração moral do inimigo
torne o seu desencadeamento um golpe ao mesmo tempo possível e fácil”.
Nem sempre isso é possível. Mas foi Lenin o único homem que imaginou
uma revolução, executou-a e consolidou-a.
No começo da Primeira Guerra Mundial, a estratégia foi dominada pelo
pensamento ofensivo, e conduzida por rápidos avanços e recuos no terreno
visando a aniquilação do inimigo. Guerra de movimentos, de posições e de
trincheiras. Ao fim do conflito as possibilidades de manobras haviam sido
perdidas e combatentes lançaram a estratégia de desgaste. Outras frentes
permitiam o uso de manobras, como o coronel T. E. Lawrence guiando tropas
árabes na guerrilha contra os otomanos, usando estratégias e táticas da guerra
da Boêmia, ou britânicos e franceses combinando poder naval e desembarque
anfíbio, como na desastrosa Batalha de Dardanelos.
Na Segunda Guerra Mundial, na campanha contra os russos, o marechal

de campo Von Manstein elaborou certa vez uma impressionante estratégia
defensiva-ofensiva de ação indireta, em um contragolpe para reconquistar
a cidade de Kharkiv, lançando um peão sedutor para atrair os russos a uma
cilada de proporções extraordinárias.
Também um contragolpe foi usado por Rommel com seu Afrika Korps,
em fins de março de 1941 na campanha da Cirenaica. Usando ações rápidas
e noturnas contra o flanco e a retaguarda do inimigo, conseguiu romper suas
posições avançadas e, em seguida, resolver blefar com um cerco, não com-
pletado, conseguindo a rendição das tropas britânicas em El Mekili. A partir
daí, realizando ataques indiretos perturbadores e sucessivos, em quinze dias
apenas conseguiu expulsar todos os britânicos da Cirenaica.
A estratégia tem uma forte relação com a política. Muitas vezes, quando é
percebido que o inimigo possui superioridade de meios, seja em operações, ou
em um teatro de guerra, o governo pode atribuir um objetivo limitado, e ganhar
tempo, até que as ações políticas com o exterior possam conseguir outros alia-
dos, dando tempo também para que se possa movimentar e transferir tropas de
outras áreas, tendo assim meios necessários para a conquista de seus objetivos.
Os avanços tecnológicos tiveram uma imensa influência na estratégia: radio
telegrafia, telefone, tanque, veículos de combate, gás venenoso, reconhecimento
aéreo e novas técnicas de artilharia. O avião de combate e seu poderio aéreo e o
tanque com alto poder de manobras, passaram a ser estudo na estratégia. Giulio
Douhet trouxe a ideia do bombardeio estratégico, acertando a terra natal do ini-
migo, destruindo suas cidades, indústrias e comunicações, e o general britânico
J.F.C. Fuller3 arquitetou a primeira batalha de tanques em Cambrai.
Os alemães perceberam a necessidade de transformar todas as ramifica-
ções em linhas móveis, maximizando os resultados. Isso destruía as defesas
estáticas de trincheiras e metralhadoras e restaurava a manobra e a ofensiva.
Foi na Segunda guerra Mundial que as forças aliadas desenvolveram estra-
tagemas sofisticados e estratégias de despistamento. Também, ao invés de
bombardear com a aviação pontos estratégicos e militares, os bombardeios
aconteciam na casa dos operários.
A Guerra Fria trouxe um período de temor pela aniquilação total através
do uso de armas nucleares, em uma política denominada garantia de aniqui-
lação mútua. E, exatamente em função disso, na qual ataques não poderiam
ser trocados entre os dois principais rivais, a guerra se deu através de pro-
curação, ou “Proxy War”.
Na atualidade o conceito de estratégia é associado ao planejamento
designando um conjunto de metodologias, processamentos e técnicas conhe-
cidos como planejamento estratégico. Estratégia militar é uma designação
para o planejamento de atuação em uma guerra. Vem do grego ‘estratego’,
que significa a arte do general.
A estratégia militar lida com planejamento e condução de campanhas,
com o movimento e divisão de forças e sobre a burla do inimigo. Clauzewitz
define a estratégia militar como o emprego de batalhas para obter o fim da
28 Estratégia
guerra Já Moltke, expressa a estratégia como um sistema de expediente ad

hoc pelo qual o general deve atuar quando se encontra sob pressão.
Na atividade humana, o planejamento também é de grande importância.
Mas quando se trata de operações militares de amplo espectro ou grande
envergadura, ela é imprescindível. Nesse sentido para que tenha êxito, esse
planejamento deve ser pautado em bases sólidas, seja na teoria ou a prática.
Sobre esse planejamento, Clausewitz, ao falar das fricções por exemplo,
ressalta a importância dos planos e da preparação no desenrolar das guerras:
“Temos, pois, de nos preparar para construir a guerra tal como se apre-
senta, não segundo o seu puro conceito, mas admitindo nela todos os
elementos de natureza estranha que com ela estarão envolvidos e nela
dependerão – toda a inércia e as fricções naturais das suas partes, a incon-
sequência do conjunto, o indefinido e a timidez do espírito humano”4.
As principais vitórias em batalhas em que o vencedor usa uma vantagem

psicológica, estão, na maioria das vezes, compreendidas em duas categorias:
• Foi o resultado de uma estratégia de defesa elástica (retraimento calcu-

lado), seguido de uma ofensiva tática;
• Foi uma estratégia ofensiva, destinada a uma posição “perturbadora”
para o oponente, seguida de uma manobra defensiva tática, movimento
semelhante a uma ferroada na cauda.
As estratégias militares se baseiam em um tripé: a preparação das táti-

cas militares, a aplicação do planejamento no campo de batalha e a logística
envolvida. Estratégia e tática militar estão profundamente relacionados. A
estratégia é empregada em larga escala e a tática atua em pequena escala. Mas
ambos lidam com distância, tempo e força. Os mais importantes princípios da
estratégia militar são: Objetivo, Ofensiva, Cooperação, Concentração (massa),
Economia, Manobras, Surpresa, Segurança e Simplicidade.
Liddell Hart5, condensou a essência concentrada da estratégia e da tática
em dez axiomas (seis positivos e dois negativos):
Positivos
• Ajuste seus fins a seus meios. Deve-se ter visão bastante clara e raciocínio
frio para avaliar e determinar realmente qual é o objetivo da guerra. Na
guerra nunca se pode “abocanhar mais que consegue mastigar”;
• Conserve seu objetivo sempre em mente, ao adaptar seu plano a
uma situação;
• Escolha uma linha de menor expectativa. Coloque-se sempre no lugar do
inimigo e adote uma linha de ação menos provável;
• Explore a direção de menor resistência (sem cair em iscas e armadilhas);
• Opere em uma direção que permite alcançar objetivos alternativos;
• Cuide para que seu plano e seu dispositivo sejam flexíveis e adaptáveis
a cada nova situação.
Negativos
• Não exerça esforço enquanto o inimigo estiver em guarda;

• Não renove um ataque na direção que já fracassou uma vez.
A grande estratégia significa o gerenciamento de recursos de uma nação

inteira na condução da guerra. Com o aumento da quantidade de efetivos e
desenvolvimento da tecnologia, comando e controle e comunicação, a seme-
lhança entre estratégia militar e a grande estratégia aumentou.
O grande fundamento da estratégia é a diplomacia. Outro fundamento é
o gerenciamento da paz (no período pós-guerra). Em uma operação realizada
contra coalizões, ou coligações, é muito mais proveitoso agir inicialmente
contra o adversário mais fraco que tentar derrotar o forte, na crença de que
a derrota inicial do fraco fará colapsar os demais.
Para se ter uma estratégia militar de sucesso, como infere Clausewitz, a
estratégia deve ser um meio para atingir os fins e não um fim em si mesmo.
As chamadas Estratégias de Defesa Nacionais6 são:
• Estratégia da Presença – Presença em todo o território nacional, com a

finalidade de garantir os poderes constituídos, a lei e a ordem, soberania
e integração nacionais;
• Estratégia da Dissuasão – Manutenção de forças suficientemente poderosas
e aptas ao emprego imediato, capazes de fazer frente a qualquer ameaça;
• Estratégia da Ação Independente - Emprego do poder nacional de um
país, na sua expressão militar por iniciativa ou decisão de seu governo,
quando estiverem ameaçados os objetivos nacionais;
• Estratégia da Aliança – Conjugação de forças militares com forças de um
ou mais países com objetivos coincidentes, a fim de estabelecer uma coa-
lizão ou aliança;
• Estratégia da Ofensiva – Realização de ações necessárias para enfrentar
ameaças externas ou internas, por meio de ações ofensivas dentro de um
conflito armado;
• Estratégia da Defensiva – Realização de ações necessárias para garantir
a integridade do território nacional proteger a população e preservar os
recursos materiais do Estado;
• Estratégia da Projeção de Poder – Participação da expressão militar além
das fronteiras, em situações que favoreçam o respaldo crescente de um
país na cena internacional;
• Estratégia da Resistência – Desgastar, por meio de um conflito prolon-
gado, um poder militar superior, buscando seu enfraquecimento moral,
com emprego de ações continuadas não convencionais e inovadoras.
Uma das ideias fundamentais derivadas da polemologia é o conceito de

que as táticas devem gerar a estratégia, e não o contrário. Primeiro deve-se
30 Estratégia
encontrar uma tática adequada, que funcione, e, a partir daí, transformá-la

em estratégia. Portanto a estratégia deve seguir a tática, e deve ser criada
de baixo para cima e não de cima para baixo. Somente um general, com um
conhecimento profundo e amplo do que acontece no cenário de batalha está
em posição de desenvolver uma estratégia eficaz.
Ela deve nascer da “lama” da guerra, e não em um ambiente antisséptico
de uma torre de marfim. Grandes conceitos estratégicos foram criados no
caldeirão da experiencia prática. O objetivo de uma estratégia grandiosa é
tão somente fazer a operação funcionar em um nível tático. Não existe outro
propósito. A condução das operações e táticas empregadas podem definir
uma estratégia. A estratégia nunca pode estar separada da tática. Se ação
implica estratégia, estratégia implica tática.
Obter sucesso em diferentes esferas da vida social, política, econômica
é uma constante ambição de indivíduos, organizações e Estados na história.
O conhecimento e o domínio de fatores que permitem alcançar a vitória, em
situações de conflito, sempre atiçou a curiosidade humana. E a estratégia
é a arte e o domínio do conhecimento que teoricamente permite alcançar
essa vitória em situações de guerra. Em alguns casos, é a admissão que o
poder de persuasão (soft power) juntamente com o “sharp power”, podem
ser mais efetivos que alcançar a estabilidade que os meios cinéticos (meios
com o emprego de força). A estratégia é composta por quatro elementos: o
econômico, o político, o militar e o de informações. A estratégia também é
dialética, no sentido em que o sucesso depende das reações do inimigo na
luta pela lealdade da população. No entanto, a estratégia deve em todos os
casos se adaptar (e flexibilizar) diante da realidade do cenário:
“Não se planeja e depois se procura fazer com que as circunstâncias se ajus-

tem a esses planos... Procura-se fazer com que os planos se ajustem às cir-
cunstâncias. Creio que a diferença entre sucesso e fracasso no alto comando
depende da habilidade, ou da falta dela, para fazer exatamente isso”.
George Patton
A estratégia militar sempre teve associada a atividade guerreira. Os

escritos de Tucídides, sobre a História da Guerra do Peloponeso, têm de certa
forma, o papel de um texto fundador, sendo precursor da reflexão estratégica.
A estratégia empresarial também tem semelhanças com a estratégia
militar. E muitos ensinamentos estratégicos para a empresa são obtidos atra-
vés de conflitos e batalhas da história. Termos militares como descoberta,
reconhecimento, manobra de resistência, ataque em escalão, ataque em força,
exploração, continuação (todos estes da ação ofensiva), e delimitação, ação
retardatária interrupção, defesa firme, contra-ataque e importunação (atitude
defensiva), são termos agora empregados no mundo corporativo e no mar-
keting moderno, designando estratégias e táticas para lidar com o mercado,
concorrentes e produtos.
Também as batalhas militares históricas, como Austerlitz, ocorrida em
1805 em que Napoleão enfrentou exércitos da Rússia e Áustria conjugados,
dão uma série de lições militares para o terreno da estratégia e da competição

empresarial. Como por exemplo:
Fatos: Napoleão prevê as reações e manobras inimigas.

Lições: A empresa deve adotar uma visão prospectiva, destinada a dis-
cernir o futuro.
Fatos: Ganha a batalha quem vencer a batalha da informação.

Lições: A empresa deve recolher o máximo de informações antes de
tomar decisões.
Fatos: O comando soube estabelecer um clima de confiança

Lições: A direção e os quadros dirigentes devem suscitar confiança, ade-
são e participação para o restante do pessoal.
Fato: Napoleão conduz a ação do início ao fim, adaptando-os aos impon-

deráveis da situação.
Lições: Os responsáveis pela ação devem se fazer presentes e ter bas-
tante flexibilidade.
Obviamente a competição empresarial, vista como uma guerra, provocará

sérios danos colaterais. Deve haver uma adequação cientifica dessa transposição
à realidade empresarial, além de extremo bom senso. É profundamente necessá-
rio evitar uma tendência para a competição agressiva e extrema, no sentido mais
negativo da palavra, pois pode haver consequências jurídicas, sociais e éticas
que, de antemão, devem ser analisadas e estudadas. A ideia de um quadro geral
de guerra permanente, associado a uma ideia de seleção natural darwiniana
pela competição no mercado, também são bastante polêmicas e criticáveis.
A influência da estratégia militar na estratégia empresarial é ampla e
aberta a múltiplas contribuições de diferentes origens. Há uma série de parale-
lismos entre o campo militar e empresarial, na liderança, no planejamento, na
logística que permitem transposições úteis e enriquecedoras da compreensão
em contexto do mundo empresarial.
Existem muitos tipos de estratégias. Uma delas é a chamada “Terra Arra-
sada”, que foi utilizada pelos citas contra os persas. Contra Napoleão em 1812,
e posteriormente contra os alemães na Segunda Guerra Mundial, os russos uti-
lizaram essa mesma estratégia. Em 490 a.C. na Batalha de Maratona, Miltíades,
comandante das forças atenienses contra os persas de Dario I, decidiu levar o
combate até eles, marchando em direção a cabeça de praia persa. Vendo o tama-
nho do exército persa, Miltíades dispôs suas tropas na parte mais estreita do
vale, evitando os ataques de cavalaria. O centro do exército grego foi reduzido
e seus flancos foram fortalecidos. Na batalha, o centro grego, comandado por
Temístocles recuou, abrindo uma espécie de “funil” permitindo que os flancos
fechassem o cerco sobre os persas. A linha persa se rompeu, e a unidade foi
quebrada, rachando-se em duas partes.
32 Estratégia
A batalha de Salamina, conhecido por ser o mais importante confronto

naval do mundo antigo, a frota grega, em grande desvantagem numérica
derrotou a armada persa no estreito da Ilha de Salamina. Nessa época o
rei persa era Xerxes I, filho de Dario I. Xerxes tinha uma frota de 1200
navios atacantes, entre eles estava Artemísia, Rainha de Caria e valorosa
combatente comandando 5 navios. A frota grega possuía 300 embarca-
ções. Para o envio rápido das tropas por terra, o rei persa construiu um
canal através da península de Atos, com uma ponte sobre o Helesponto
(hoje Estreito de Dardanelos) e outra sobre o rio Estrimon (ambas com
navios amarrados).
Uma batalha histórica e lendária na campanha de Salamina ocorreu
em Termópilas, com apoio da cidade grega de Esparta e de um de seus reis,
Leonidas I, que levou 300 de seus homens para o combate. A estratégia era
que esses 300 homens se posicionassem na passagem estreita de um desfila-
deiro de 15 metros de largura, chamado Termópilas e aguentassem as tropas
persas. O sucesso da operação deu certo, pois conseguiram atrasar o avanço
inimigo, e sofreram muitas baixas.
Na batalha marítima que se seguiu, Xerxes ordenou que a sua marinha
avançasse sobre os estreitos. Então navio após navio passou dos estreitos para
a baía, entrando apenas alguns de cada vez, pois era somente isso que cabe-
ria. E os gregos foram pegando-os aos poucos. Em certo momento os navios
persas perceberam a armadilha e tentaram se virar para fugir e vários navios
persas foram abalroados e afundados pelos seus próprios companheiros.
Os gregos conseguiram vencer a frota persa dessa maneira, em apenas oito
horas de combate. A estratégia grega venceu o poderoso inimigo, e utilizando
o terreno e a geografia, já que qualquer entrada para a Baía de Salamina é
estreita, forçaria os navios persas a romperem sua formação quando entras-
sem. Isso dava aos gregos uma grande chance de vitória, já que não teriam
que enfrentar todos de uma vez.
Os princípios estratégicos são:
• O princípio da massa;
• Selecionar objetivos;
• Tomar a iniciativa do inimigo;
• Concentrar suas forças em um ponto decisivo;
• Economizar seus recursos pela redução de gastos;
• Coordenar o movimento de seus recursos visando o objetivo, manter a
cadeia de comando;
• Coordenar as tarefas para conseguir a máxima eficiência;
• Manter segredo até que seja tarde para seu oponente reagir;
• Empregar elementos como burla, velocidade, audácia e criatividade;
• Manter planos simples;
• Escolher estratégias flexíveis;
• Organização;
• Manter a moral alta mesmo em face de revezes;
• Saber a hora certa de atacar.
Notas:
1. Liddell Hart, “Estratégia”, p. 402.
2. Clausewitz, “Da Guerra”.
3. John Frederick Charles Fuller (1878-1966) foi militar, escritor, historiador e estrate-
gista britânico. Escreveu as primeiras teorias sobre a guerra mecanizada. Lutou na
Segunda Guerra dos Bôeres e na Primeira Guerra Mundial. Foi responsável pelo
ataque surpresa de 381 tanques na Batalha de Cambrai.
4. Clausewitz, “Da Guerra”,1996, p. 831.
5. Liddell Hart., “Estratégia”, p. 385-406.
6. Estratégias de Defesa Nacionais- Doutrina Militar de Defesa, MD-51-M-04, p. 38-45.
TIPOS DE
ESTRATÉGIAS1
Guerra defensiva
E
stratégia de Controle Equilibrado: É necessário escolher bem as
batalhas que vai lutar. Conhecer seus limites, sem ultrapassá-los.
Mirar as fraquezas do adversário, mas trabalhando sempre com
as nossas limitações. Atacar os pontos fracos do inimigo com seus
pontos fortes. O objetivo pode ser muito valioso, todavia não devemos fazer
mais que somos capazes, para evitar que fiquemos esgotados e ainda mais
vulneráveis. Por vezes é melhor esperar, minando pontos específicos do ini-
migo veladamente, ao invés de agredi-lo de frente. Essa estratégia requer uso
perfeito e equilibrado da economia e da força;
Estratégia do Contra-ataque Fulminante: Conter seu ímpeto e aguardar o

inimigo lançar um primeiro ataque. Isso fará com que o adversário exponha sua
estratégia, limitando suas ações. Deixe o inimigo se mover, dando mais flexibili-
dade para o seu contra-ataque. Atrair o inimigo agressivo, usando a impaciência
e afobação do outro lado e demonstrando até uma falsa fragilidade, para lançar
no momento certo um mortal e inesperado contra-ataque. Não desespere e não
tema, por mais desesperadora que seja a situação. Faça uma transição rápida e
fulminante da defesa para o ataque. Fragilidade se torna força;
Estratégia da Intimidação Reversa: Crie a impressão de ser mais pode-

roso que de fato é, e que combatê-lo diretamente, não valeria a pena. Cometa
atos impressionantes e violentos, trazendo incerteza, ansiedade e temor ao
inimigo. Use da ameaça dissuasória para fazê-los pensar muitos antes de
começarem uma batalha. Se o acharem fraco, seus inimigos certamente ten-
derão a atacá-lo. Tire proveito da paranoia coletiva, e se faça parecer imprevi-
sível e irracional. Surpreenda o inimigo com uma manobra ousada, fazendo
o adversário enxergar forças que antes não via. Reverta uma ameaça, atin-
gindo-os com algo que eles valorizem sobretudo, criando uma assustadora
reputação, fazendo-os recuarem e reavaliarem;
Estratégia do Recuo por Impulso: Recuar não é sinal de fraqueza e sim

de força. Ao recuar diante de um inimigo, pode-se conseguir tempo para
se recuperar, reunir forças e pensar em um contra-ataque. Recue, estimu-
lando o erro, a arrogância e a precipitação do adversário. Permaneça calmo
e equilibrado. Priorize o tempo e não o espaço. Esse último sempre pode ser
recuperado. O primeiro, não.
Estratégia da Defesa Ativa: É um conceito estratégico chinês de ação

defensiva que Mao Tsé Tung descreveu como “defesa mediante confrontos
decisivos”. Mao empregou essa estratégia contra a União Soviética em 1969.
Planejando um ataque que iria “lutar por meio da subtaneidade (improviso)
38 Tipos de Estratégias
da ação”, o Exército chinês emboscou tropas de fronteira soviéticas na ilha

de Zhenbao, no rio Ussuri, e realizando posteriormente um segundo ataque,
matando mais de 90 soldados soviéticos.
Guerra ofensiva
A guerra exige que o estrategista pense em todas as direções antes de

começar uma batalha. Não apenas sobre as ações do inimigo. Deve prever
também as reações dos aliados e países vizinhos. Deve ter profunda qualidade
nessa previsão. Trabalhar com cenários. Essa grande estratégia se baseia em
cinco postulados:
• Pensar fora da casa: Olhar para o mesmo problema sob ângulos diferentes;
• Amplie suas perspectivas: Visão ampla no tempo e espaço;
• Concentrar em um fim maior. Objetivo claro, enraizado na realidade;
• Cortar as raízes: Saiba atingir as raízes do adversário;
• Tomar um caminho indireto: Impeça que o inimigo conheça o propósito
das suas ações.
Esteja atento ao modus operandi inimigo. Aprenda a pensar como o

inimigo. O que faria se estivesse em seu lugar? Entenda seu raciocínio e capte
sinais que são enviados, de pensamentos e intenções hostis. Tente encontrar
uma fragilidade psicológica no adversário. Tente captar o que realmente está
sendo arquitetado e empreendido contra suas forças. Depois de descobrir seu
ponto vulnerável, você certamente terá o material para destruí-lo.
Estratégia da Ação Relâmpago: O uso da velocidade lhe dará um grande

poder. A estratégia é um ataque antecipado implacável, antes que o adver-
sário tenha tempo de se preparar. Isso induzirá ao pânico, ao desequilíbrio,
e a confusão. Agindo com velocidade e decisão sobre o inimigo, como uma
tempestade caindo do céu, indo por caminhos onde ele menos espera e ata-
cando onde ele não está preparado;
Estratégia do Controle Absoluto: Não tente dominar todos os movi-

mentos do adversário, mas trabalhe no sentido de dominar a natureza do
conflito. Transferir o combate para o terreno da sua escolha ou alterando seu
ritmo, para favorecer seus pontos fortes. Se houver necessidade, deixar o
adversário sentir que está no controle, baixando assim a guarda adversária,
trabalhando assiduamente para obter controle absoluto sobre a direção e a
estrutura da batalha. Busque oportunidades e aja. Mantenha seus inimigos
na expectativa, forçando também seus erros;
Estratégia do Centro de Gravidade: O centro de gravidade mantém toda

a estrutura unida (e é o lugar mais protegido). Ao atingi-lo, causará grande
impacto nos desdobramentos do conflito. O que faz o inimigo se mover?

Qual a fonte subjacente de sua força? O que lhe dá resistência e impulso? É
necessário identificar e localizar o centro de gravidade do inimigo, e após
isso, neutralizá-lo ou destruí-lo de forma implacável. Com isso, todo o resto
da estrutura entrará em colapso;
Estratégia da Divisão: A aparência das forças inimigas não deve causar

intimidação para um comandante ou estrategista experimentado. Deve-se
examinar as partes que compõem toda a estrutura adversária, atacando seus
elos e articulações, e lutar para dividi-las, semeando caos e divergência. Isso
causará o enfraquecimento até do inimigo mais poderoso e formidável, cau-
sando sua ruína. Divisão na batalha significa fragilidade. Faça-os acreditar
que estão isolados e sem apoio;
Estratégia da Ação Indireta: Não realize um ataque direto. Isso, além

de não ser sensato, enrijecerá a resistência do adversário, dificultando a luta.
Aborde a campanha de forma indireta. Atraia seu inimigo para uma posição
em que fiquem mais vulneráveis, cortando suas linhas de comunicação e
suprimento, expondo também seus pontos fracos, e os atinja pelo flanco (ou
retaguarda). O lado mais fácil de penetrar ficará exposto ao golpe da verdade.
Ao atingi-los em suas posições mais fracas, cria-se um momento que pode
ser explorado;
Estratégia da Aniquilação: Não ofereça brechas para o inimigo. Cer-

que seu adversário, criando uma pressão por todos os lados, o dominando
e fechando seu acesso ao mundo exterior. Ataque-o de forma imprevisível,
criando uma sensação de vulnerabilidade. Envolva-o completamente (tanto
psicologicamente como fisicamente). Aperte o círculo (mas deixe uma rota de
fuga controlada). Seus esforços para escapar apressarão sua destruição. Faça
seu adversário reconhecer profundamente a derrota esmagadora;
Estratégia da Manobra: Não trave conflitos intermináveis com seus inimi-

gos. Isso será exaustivo e muito caro. Atraia o adversário, por meio de mano-
bras, a posições que para ele podem parecer interessantes, mas na verdade são
armadilhas fatais e becos sem saída. Se ele estiver em posição forte, faça-o sair
dela através de atrito, escaramuças e perseguições sem sentido. Coloque-os em
posições de fragilidade. Crie dilemas. Desestabilize-o Traga o caos e a desordem
para as frentes inimigas. Seja um mestre da mobilidade. Para realizar com sucesso
essa arte é necessário traçar um planejamento com alternativas e flexibilidade. A
arte da manobra é a suprema habilidade de um comandante;
Estratégia da Diplomacia: Se as batalhas e combates não derem resultado

favorável, o adversário vai querer negociar. Ele vai lançar mão de manobras
de poder, persuasão e convencimento para obter alguma vantagem. Antes
e durante as negociações e a diplomacia, é necessário continuar colocando

pressão e avançar, para forçar o inimigo a aceitar seus termos. Dê a ele conces-
sões insignificantes e acene com gestos simbólicos, mediante suas conquistas
e objetivos alcançados. Seja intransigente e firme em suas exigências. Dessa
forma ganhe tempo e posições mais duradouras e fortes. Ganhe vantagens
significativas, disfarçando suas próprias fragilidades;
Estratégia da Ação Diversionária: Se você como comandante tiver que

enfrentar uma posição forte, com grande quantidade de inimigos, ou uma posi-
ção dominante, realize um bom levantamento de inteligência, planejamento,
treinamento e ensaio e determine o momento certo para isso. Deve ser feito
com uma parte do contingente uma ou mais ações diversionárias, em pontos
diversos no terreno, a fim de atrair (ou distrair) a atenção do contingente adver-
sário. Em sincronia, aja em ação direta de forma implacável, utilizando todos
os meios disponíveis para conquistar a posição. Essa ação pode durar dias
ou meses. Portanto tenha um plano logístico. Alcance posições privilegiadas,
buscando sempre uma dominância do cenário, desalojando o inimigo, e desses
pontos reforce a defesa e o fogo utilizando caçadores ou snipers (“Tomada da
Casa Azul “– Destacamento de Forças Especiais brasileiros - DOPAZ– Haiti);
Estratégia do Bom Término: Tudo que começa deve ser encerrado de

forma adequada. Você será julgado como termina um conflito, uma batalha
ou uma operação. Uma conclusão malfeita acarretará sérias consequências e
desdobramentos. Inclusive para a sua própria reputação. Saber o modo certo
desse término, ainda com energia e inteligência. É importante também saber
o momento certo de parar, evitando exaurir suas forças e suas economias.
Sobretudo trata-se de como você vence uma batalha. Ou como a encerra, já se
preparando para a próxima etapa. Em uma ação com chances de sucesso há
a aposta e o risco. No risco, caso ocorra um revés, seus danos serão de curto
prazo. Você pode retornar a sua posição, tendo perdas aceitáveis. Na aposta, por
outro lado, caso sofra uma derrota, isso pode levar a uma série de problemas
em sequência que fugirão ao controle. Na guerra, como na vida, arriscar-se é
essencial. Apostar é imprudência. Ao agir com a emoção, apostando e perdendo
em uma guerra, sua saída será lenta, penosa e com um alto custo de recursos
e de vidas. Arrisque. Mas não aposte. Use a razão ao terminar um conflito.
Guerra não convencional
Estratégia do Engano: Trata-se de misturar e perturbar a percepção do

inimigo. Com blefes, trapaças, ardis e enganos, misturando fatos e ficções,
alimentando expectativas do adversário, produzindo uma realidade paralela.
Dificulte ao máximo que o inimigo perceba o que está acontecendo ao seu
redor. Segundo Churchill, na guerra, a verdade é tão preciosa que deve estar
sempre protegida por uma escolta de mentiras. Na guerra não existe nenhuma
vergonha moral em usar a mentira. É uma arma para alcançar a vantagem,
como os animais usam a camuflagem e diversos outros truques. Use espiões
e agentes de inteligência para manipular e vencer a batalha da aparência e da
percepção. Pareça estar totalmente despreparado, quando na verdade está
pronto para atacar. Crie ciladas, lance sombras desconcertantes dentro de
outras sombras, plante informações, utilize ataques-isca, gere ambiguidades;
Estratégia do (In)Comum: Nas guerras, forças adversárias pensam

com frequência estar lidando com unidades convencionais. Deve-se abalar
essas expectativas. Mas para isso primeiro o comandante precisa hipnotizar o
adversário com ações ordinárias, fazendo o inimigo pensar que suas ações são
convencionais e comuns, realizando para isso pequenas demonstrações. Em
seguida, lançar mão subitamente de um ataque sem precedentes, extraordinário
e “sobrenatural”, gerando total terror, surpresa, perturbação mental e caos,
baixando as defesas do adversário. Manobrar com intensidade fora da expe-
riência do inimigo. O incomum e o não convencional é altamente estratégico.
Entretanto deve-se tomar cuidado com o repertório: uma ação não ortodoxa,
uma vez repetida, se tornará ação comum. Para alcançar o extraordinário, a
força militar deve estar em constante desenvolvimento. Nunca se acomodar;
Estratégia da Moral: No campo da moral, sua causa deve parecer mais

justa que a do inimigo. Para isso deve ser lançadas operações de informação e
operações psicológicas. Faça a população acreditar que os motivos adversários
são perversos. Isso irá aumentar sua base de apoio e espaço para manobra.
Deve-se expor as hipocrisias, incongruências, e pontos frágeis das ideias e pro-
postas do inimigo, fragilizando sua imagem pública. Não basta ser evidente,
justa e moral sua causa. Ela deve ser exposta e difundida. Publicada e promo-
vida. Ao sofrer ataques morais do inimigo jogue na mesma moeda. A culpa
é também uma arma moral. A mídia, mesmo com a baixíssima credibilidade
de hoje em dia, ainda pode manipular e distorcer fatos e informações, criando
falsas narrativas, prejudicando o desenrolar do conflito, principalmente se a
guerra se estender além do esperado (Vietnã);
Estratégia do Vácuo: Estratégia altamente psicológica. Deve-se negar,

a todo custo, alvos ao inimigo. Seja esquivo, não dando aos seus inimigos
um alvo para atacar. Crie um sentimento de medo, de silenciosa ameaça, de
isolamento. Evite os ataques frontais e considere os ataques pelos flancos,
furtivos embora intensos, no estilo “hit and run”. Ao se frustrarem por se
virem incapazes de usar sua força, o inimigo se perderá em sua lógica e se
enfraquecerá. Use ataques enigmáticos, e não se revelar até o momento do
ataque, contribuindo para a exaustão física e psicológica das forças adversá-
rias. A essência da guerrilha está na fluidez;
Estratégia da Aliança: Trabalhe no sentido de formar uma poderosa rede

de alianças, que poderão combater as suas próprias guerras e suprir as suas
próprias deficiências com recursos e meios de outras forças. Mas não fique
dependente dessas alianças. A qualquer momento elas podem se desfazer.
Não se trata de “usar” um aliado, mas ajudar que promova os seus interesses;
Estratégia da Corda: Como se não bastassem nossos próprios inimigos,

por vezes nossos próprios “aliados” desejam nos sabotar, se esforçando para
roubar nossos recursos para o seu próprio benefício. E isso motivado por
inúmeras razões. Dê bastante corda para se enforcarem, estimule-os em suas
tendências maliciosas de busca pelo poder ou vaidade excessiva, faça-os se
irritarem a ponto de causarem um erro fatal e constrangedor. Mantendo uma
falsa aparência de civilidade, construa e plante dúvidas e inseguranças nesses
falsos aliados, forçando-os a agir na defensiva;
Estratégia da Conquista Gradativa: A melhor solução estratégica em

guerra não convencional é morder aos poucos, ganhar pequenos territórios, e
sobretudo ficar “abaixo” do radar, para evitar que sejam revelados seus movi-
mentos. Se desenvolva gradativamente, passo a passo. Seja sutil e discreto.
Chame pouco atenção. Ao adotar essa estratégia, esteja bem atento às oportu-
nidades súbitas que surgem, às crises que são geradas e às fraquezas momen-
tâneas de seus inimigos. Mas morda só o que conseguir mastigar;
Estratégia de Infiltração: Aprenda a infiltrar suas ideias atrás das linhas

inimigas. Influenciar o inimigo com suas palavras. Nesse campo de batalha,
os alvos são as mentes das pessoas ou combatentes que você quer influenciar.
A comunicação e a informação são as armas dessa guerra. A ideia é fazê-las
pensar o que você deseja que pensem. E chegarem a conclusões a partir
de ideias semeadas por você. E pensando principalmente que fizeram isso
sozinhas. A questão cultural pode ser um fator de extrema dificuldade, e até
mesmo de impossibilidade do uso dessa estratégia;
Estratégia de Dentro para Fora: Ao conseguir se infiltrar nas fileiras de

seu inimigo, você pode destruí-los de dentro para fora. É muito difícil com-
bater um inimigo que não se vê. Ou não se mostra. Conseguindo entrar den-
tro de seu organismo, você conseguirá a vantagem suprema. Poderá causar
divergências internas e conhecerá todas, ou quase todas as suas fragilidades.
Reunirá evidencias incriminadoras. Nenhuma estrutura permanecerá muito
tempo de pé se estiver podre por dentro. Quando se está nessa posição pri-
vilegiada, invisível para o inimigo, alojado secretamente em seu âmago, não
haverá limites para seus poderes destrutivos;
Estratégia da Reação em Cadeia: É a melhor maneira de paralisar a

vontade de resistir, tornando o adversário incapaz de planejar uma reação
estratégica imediata. Deve-se criar uma constante sensação de terror e pânico,

incubando o pavor no adversário. Estimule uma guerra de nervos. Inicial-
mente, a estratégia é não sair com a vitória no campo de batalha, mas causar o
caos e desespero nas fileiras inimigas. Crie uma falsa ilusão de estar em toda
a parte, dando a impressão de ser mais poderoso que é de fato. A principal
fraqueza dessa estratégia terrorista é a completa falta de vínculos com o público
em geral e a falta de base política real. Estratégia para ser usada com critério
e discernimento.
Nota:
1 Baseado no livro de Robert Greene, “33 Estratégias de Guerra”.

TÁTICAS
H
á vários métodos para encontrar as soluções táticas, o que geralmente
é obtida com a soma desses três fatores:
Força de vontade: Em momentos de situações extremas o indiví-
duo é capaz de realizar façanhas incríveis, sendo que ele encontra
energias onde nem ele mesmo sabia existir.
Sun Tzu, falando sobre isso, explana como combater um exército muito
superior em situação desfavorável:
“[...] As forças do inimigo chegam em grande número, cercando-nos na

profundidade de muitas camadas. Queremos interromper subitamente,
mas os quatro lados estão bloqueados [...] Mata teu gado e queima as
carretas de suprimentos para o regalo de nossos guerreiros. Queima com-
pletamente todas as provisões, enche os poços, destrói os fogareiros, corta
teu cabelo, põe de lado teus quepes, elimina completamente quaisquer
pensamentos de vida, não faças planos de vida[...]esse é o Tao pelo qual
se perde a estrada e se busca a vida.”
Conhecimento: Encontrar soluções de problemas complexos por meio

do conhecimento é o caminho mais indicado ao comandante. Muitas vezes
as soluções são encontradas na própria história. No passado e nos erros e
acertos. Não deve ser relegada para segundo plano o valor da história militar.
“O maior perigo em tempos turbulentos, não é a turbulência

em si, mas agir com a lógica do passado”
Peter Ducker
O melhor general é uma mistura entre guerreiro e político, e não deve

ser excessivamente nem um nem outro. O guerreiro em demasia peca por não
almejar o objetivo político. O político em excesso, por outro lado, peca por
não amar o combate em si, e assim, não está disposto a correr grandes riscos.
Criatividade: Dividido em fases de preparação, incubação, iluminação e

verificação, nessa ordem, o espírito criativo sempre foi necessário na história.
Ele desvenda os mistérios e soluciona as questões mais difíceis. Aníbal Barca
em sua complexa travessia nos Alpes, ou Cavalo de Tróia (1200 a.C.), que
Agamenon idealizou para pôr fim ao cerco daquela cidade pelos gregos que
já perdurava dez anos.
Tipos de Manobras Táticas1

• Ataque surpresa e emboscada
Ataque inesperado ao inimigo com ou sem envolvimento; emboscada
é uma espera velada esperando às escondidas pelo inimigo, a fim de
atacá-lo de surpresa. Normalmente, as forças se escondem em ugares
de passagem do inimigo;
48 Táticas
• Cerco
Variante do envolvimento que proporciona a melhor possibilidade
de fixar o inimigo nas suas posições e de o aprisionar ou destruir.
Exige grande superioridade numérica e grande mobilidade. Sucesso
ao fechar um cerco exige estratégia, agilidade, nova infraestrutura
e gerenciamento moral;
• Flanqueamento
Abordar/atacar o inimigo pelas laterais; apoiar ou defender lados
(flancos) de uma unidade com tropas amigas;
• Contra-ataque
Ação ofensiva, temporária e local, desencadeada por parte ou pela
totalidade de uma força defensora, para conquistar terreno perdido
ou para isolar, desorganizar ou destruir forças adversas;
• Ataque ao centro de gravidade

Ataque direto à uma fonte de força, de poder, ou de resistência física
e moral do inimigo. Uma vez conquistado ou atingido, pode resultar
em um desmoronamento da sua estrutura de poder, uma vez que se
trata de um ponto de equilíbrio que dá coesão as suas forças à estrutura
de poder e à resistência do adversário;
• Ataque escalonado
Dispor as tropas em escalões, atuando ofensivamente de maneira
orquestrada, conforme o desdobramento das ações. Ataque uti-
lizando diferentes graus de força, escalas ou forças diversas em
presença, realizado por meio “camadas” ou etapas distintas;
• Comprometimento da reserva
Utilizar da força de reserva, ou seja, força terrestre localizada em
área estratégica ativada por mobilização, para emprego com fins
operacionais ou complementares de outras forças; força terrestre
articulada em profundidade, disposta em determinada área estra-
tégica com mobilidade imediata suficiente para ser empregada na
própria área ou em outras;
• Ação de choque
Efeito resultante do aproveitamento simultâneo das características
dos blindados sobre o inimigo (mobilidade, proteção blindada e
potência de fogo);
• Blitzkrieg
Também chamada guerra-relâmpago, é uma tática militar consistindo
na utilização de forças móveis em ataques rápidos e de surpresa, com
intuito de evitar que as forças inimigas tenham tempo de organizar

sua defesa. Seus três elementos essenciais são efeito-surpresa, rapidez
de manobra e brutalidade de ataque, objetivando a desorganização
das forças inimigas e sua desmoralização;
• Coordenação de fogos e deslocamento

Simultaneamente à uma concentração e volume maciço de fogos
em ponto específico e por determinado período, coordenar com
as forças em presença o deslocamento de tropas (manobra e movi-
mento), a fim de se estabelecer melhor no teatro operacional;
• Tomar a iniciativa
Ser proativo e não reativo. Tomar a frente no desenrolar dos acon-
tecimentos. Não ceder a iniciativa das ações ao inimigo, carac-
terizando pela manutenção da sua iniciativa e protagonismo ou
garantir, ao menos, durante o contato, um certo grau dela;
• Domínio do terreno e utilização do ambiente

Conhecer amplamente o teatro operacional e desdobrar tropas,
recursos e meios no terreno; realizar manobras e movimentos a fim
de que o espaço geográfico trabalhe a favor, ensejando o desloca-
mento ou remanejamento do adversário para uma área específica;
• Concentração de força
Volume de fogo, tropas, meios ou uma combinação de vários ele-
mentos sobre uma área delimitada por um dado período temporal.
Geralmente ocorre no centro de gravidade do inimigo. A chamada
“alcatéia” de U-BOATs nazistas na Segunda Guerra Mundial é um
exemplo dessa tática, onde submarinos coordenavam e concentra-
vam esforços em alvos no Atlântico;
• Desequilibrar e conter
Desequilibrar o dispositivo inimigo forçando-o a lutar em mais
de uma direção, isolando-o de seus apoios e reforços. São ações
de combate em toda a profundidade do campo de batalha,
usando recursos como operações aero móveis, incursões fogos
maciços e infiltrações de tropas, com a finalidade de contê-lo em
seu avanço;
• Contra Insurgência
Manobra tática onde se busca derrotar focos de revolta, pelo
emprego das mesmas táticas do inimigo (normalmente a guerrilha),
com a finalidade sufocar o movimento e eliminar o apoio popular
ao grupo insurgente armado;
50 Táticas
• Insurgência e guerra de guerrilha

Realizar guerra de insurgência, contra um poder estabelecido e ile-
gítimo, com o uso intensivo de práticas de guerra irregular/guerra
de guerrilha, para consecução de seus objetivos;
• Coleta de informações e reconhecimento

Ações com o propósito de obter informações referentes as ati-
vidades e meios do inimigo, ou coletar informações de caráter
geográfico, hidrográfico, meteorológico, ou eletrônico, referentes
à uma provável área de operação;
• Atrair o inimigo
Consiste em preparar ‘iscas’ ou chamarizes para que o inimigo
desloque parte de suas forças a um espaço específico, a fim de que
possa contra-atacá-lo, ou preparar-lhe uma emboscada;
• Terrorismo e guerra psicológica

Forma de ação que consiste no emprego de violência física e/ou psico-
lógica de forma planejada e coordenada com intuito de causar pânico
nas forças do inimigo e coagi-lo a adotar determinado comportamento;
• Massa
Princípio da guerra que compreende à aplicação de forças superio-
res às do inimigo, em termos de qualidade, quantidade e eficiên-
cia, em um ponto decisivo, no tempo devido, e tendo a capacidade
de sustentar esse esforço, enquanto for necessário, a fim de obter
superioridade decisiva sobre o inimigo. Não implica necessaria-
mente o emprego maciço de forças, mas a aplicação de golpes
decisivos em superioridade;
• Defesa em profundidade
Também designada como defesa elástica, é uma tática que procura
adiar, ao invés de fazer frente, o avanço do atacante, ganhando
tempo e reduzindo o número de baixas. Tem por base a ideia de
desmotivar o ataque dada a distância criada entre o atacante e
o atacado;
• Ataque estratégico e defesa tática

Modalidade operacional que se utiliza de ações estratégicas para
realizar ataques em alvos de alta importância, considerados estra-
tégicos para o adversário. É realizada no âmbito da guerra total,
para destruir capacidades do inimigo. Ao mesmo tempo, são
tomadas medidas de defesa e proteção de suas próprias áreas de
grande importância;
• Dissimulação e fingimento
Conjunto de medidas e ações com a intenção de iludir o inimigo, a
respeito de determinada ação ou planos táticos, com a finalidade
de conduzi-lo a reagir de modo vantajoso para a manobra adversa;
• Atrito e aniquilação
Manutenção coordenada do ponto de combate, a fim de exaurir o
potencial físico do inimigo, por meio de bombardeios, inserções e
ataques intensos em curto espaço de tempo;
• Concentração do poder de fogo

Manobra de ação cinética obviamente coordenada com demais
funções de combate, concentrando fogos planejados, orientados e
conduzidos, e engajando alvos específicos;
• Tumultue a Leste – Ataque a Oeste

Como o nome sugere, consiste em uma manobra diversionária, a fim
de criar uma ilusão ao inimigo e atrair sua atenção e tropas, enquanto
o grosso das forças, na sequência, ataca as posições menos reforçadas;
• Flor de Lotus (ISIS)

Infiltração de equipes em vários pontos previamente eleitos, unin-
do-se por meio de “saltos” no centro (de comando) da cidade, o
coração “de lótus” do dispositivo inimigo;
• Tática da Terra Arrasada (‘Scorched Earth’)

Ação de uma força que se retira, não deixando nada útil que possa
ser utilizado pelo inimigo;
• Pinça
Movimento de pinça ou envolvimento duplo é a manobra na qual
os flancos do exército oponente são atacados simultaneamente por
duas alas defensivas, realizando o movimento de uma pinça, em
reação a um ataque do inimigo ao centro do exército. O movimento
completo se dá com partes da força defensiva circundando o ata-
cante, a fim de evitar esforços;
• Envolvimento
Forma de manobra tática ofensiva, na qual consiste na força atacante
contornar a posição principal do inimigo a fim de alcançar conquis-
tar um objetivo profundo à sua retaguarda, forçando o inimigo a
abandonar a posição ou desviar forças importantes a fim de fazer
frente a nova ameaça.
52 Táticas
Nota:
1. Baseado no livro de Rob Johnson, Michel Whitby e John France, “Para ganhar a
guerra: as 25 melhores táticas de todos os tempos”.
EVOLUÇÃO DA
GUERRA MODERNA
“Não somos mais aquela força dos velhos tempos, quando movíamos céus e terra, hoje
somos o que somos; corações heroicos e um único caráter, enfraquecidos pelo tempo e
pelo destino, mas fortes na vontade; para lutar, buscar, encontrar, e não se render.”
Trecho do poema “Ulysses” - Alfred Tennyson1
U
ma Revolução dos Assuntos Militares2 é uma mudança total ou
radical de conceitos e pensamentos, de cunho organizacional, ou
uma mudança de cunho tecnológico, gerando uma transformação
da forma de combater, visando desenvolver meios e condições para
obter uma vantagem militar decisiva por meio de uma alteração significativa.
A era napoleônica por exemplo foi, e continua sendo uma referência militar.
Suas batalhas, estudadas por teóricos e pensadores, produziram clássicos que
ainda hoje fundamentam a teoria militar contemporânea.
O Barão Antoine-Henri Jomini, exerceu forte influência no pensamento
militar. Oferecia simplicidade e entendimento onde antes havia confusão e com-
plexidade. Separou estratégia de tática, deu enfoque para as manobras e na con-
centração de forças sobre o ponto decisivo. Na sua época, não havia ainda sido
formulado o conceito de Comando e Controle (C2), como o conhecemos hoje, e
nem mesmo Jomini percebeu a sua importância e seu valor.
Louis Alexander Berthier, oficial extremamente talentoso, exerceu a
chefia do estado-maior de Napoleão. Conseguiu, como ninguém captar a
essência do pensamento militar de seu Comandante, e transcrevê-los em
planos e ordens precisas e claras. Foi Berthier que desenvolveu e colocou à
disposição de Napoleão, naquele tempo, o que todo comandante sonhava:
comunicações consistentes e tempestivas. Dessa forma, Napoleão contar com
ampla capacidade de movimento de seus exércitos e antecipação em relação as
manobras de seus inimigos, dando rapidez ao processo decisório, superando
pela manobra os generais de seu tempo e obtendo o domínio absoluto de
praticamente toda a Europa. Por meio de comunicações bem-feitas, o controle
se fortalecia. Era o início da tríade Comando, Controle e Comunicações (C3).
O conceito de manobra é básico, e sua abrangência permeia todos os
níveis de condução da guerra, e, mais que isso, transcende a atividade militar
e habita o cotidiano da sociedade. No passado, não era possível coordenar com
total eficácia o movimento de forças, pois não havia fórmulas prontas. Cam-
panhas militares eram desenvolvidas utilizando muito mais a habilidade do
comandante em interpretar parâmetros do problema e desenvolver soluções.
Liddell Hart instituiu o conceito da Estratégia da Aproximação Indireta.
A aproximação direta é a concepção ligada a guerra de atrito e de desgaste.
Liddell Hart percebeu que era possível obter vantagem militar sobre um
inimigo sem combate direto, com o deslocamento da própria força para uma
posição que criasse uma ameaça inesperada. Isso gera uma economia de
meios e um estímulo à manobra.
A História também mostra, segundo Liddell Hart3, que em lugar de arris-
car-se em ações diretas, os grandes capitães e comandantes preferiam assumir o
risco calculado de ações “indiretas”, mesmo que isso significasse a travessia de
montanhas, desertos, rios e pântanos, ou mesmo empregar uma parte do efetivo
ou isolar-se de suas comunicações. Verifica-se também que em quase todas as
batalhas decisivas da História, que o vencedor tinha uma vantagem psicológica
sobre seu adversário, antes mesmo de ocorrer algum choque armado.
56 Evolução da Guerra Moderna
A ação indireta mais eficiente é a que atrai ou força o adversário a um

movimento falso de modo que, como em uma luta de jiu-jitsu, o seu próprio
esforço seja transformado na alavanca que determinará sua queda. Nessa arte
da ação indireta só pode ser bem compreendida e completamente dominada,
segundo Hart, por quem dedicar-se ao estudo da história da guerra e possa
refletir sobre seus ensinamentos:
• Nenhum general encontrará justificativas para lançar suas tropas numa

ação direta sobre o inimigo que ocupa uma posição organizada;
• Em lugar de querer perturbar o equilíbrio do inimigo com um ataque,
deve-se procurar perturbá-lo antes que isso aconteça, para que a ação
desencadeada tenha uma grande possibilidade de êxito.
A tecnologia e o movimento têm uma influência determinante no

resultado da manobra. Para obter resultados favoráveis nos níveis tático
e operacional é necessário desenvolver doutrinas adequadas, que mudam
constantemente com as novas tecnologias.
A Blitzkrieg4, tão empregada na Segunda Guerra Mundial, teve sua
gênese ainda na Primeira Guerra, utilizando tropas de assalto (“sturm-
trüppen”), que eram unidades formadas para buscar e explorar brechas na
frente inimiga, realizando uma ponta de lança para a penetração de unidades
principais, que se moveriam para um ponto de ruptura pré-estabelecido.
No princípio totalitário, seja nazista ou comunista, exige-se que uma nação
em guerra, utilize, sem quaisquer limitações, tudo que possui. E, durante a
paz, sempre estar se preparando para a próxima guerra, que certamente virá.
A guerra é a expressão mais característica de sua “vontade de viver” nacional
no totalitarismo. E a política deve estar sempre a ela subordinada.
Adolf Hitler era um artista fracassado, rejeitado por duas vezes na Acade-
mia de Belas Artes austríaca. Em 1912, com severas dificuldades econômicas,
vagando pelas ruas de Viena, adquiriu as ideias nacionalistas e antissemitas
que mais tarde o levariam ao poder. Partiu em 1913 para Munique, (Alema-
nha), fugindo do serviço militar de seu país natal. Na Primeira Grande Guerra
lutando pela Alemanha, chegou à patente de cabo, trabalhando como mensa-
geiro (condecorado pela Cruz de Ferro). Em setembro de 1919, Hitler, narci-
sista e extremamente obcecado pelo poder, afiliou-se ao Partido Trabalhista
Alemão, onde ganhou liderança ao conclamar seus correligionários à criação
de uma grande Alemanha, à abolição do Tratado de Versalhes e à luta contra
os judeus. Em 1921, o partido mudou o nome para Partido Nacional Socialista
dos Trabalhadores Alemães, também chamado de Partido Nazista, do qual
Hitler passaria rapidamente a ser o chefe absoluto.
Com o apoio de Erich Ludendorff, ex-militar, Hitler liderou um golpe
de estado conhecido como o putsch (golpe) da cervejaria de Munique. O
movimento fracassou, e Hitler foi condenado a cinco anos de prisão, dos
quais cumpriu apenas nove meses de pena. Durante este período escreveu
“Mein Kampf” (Minha Luta), livro no qual, entre outros tópicos, apresenta
sua visão da conquista do espaço vital alemão. Em 1933, após diversas mano-
bras e embates políticos com Kurt von Schleicher (ex-Ministro da Defesa e
chanceler) e Franz von Papen (ex-chanceler e vice-chanceler), Hindenburg
nomeou Hitler chanceler da Alemanha. Os três não sabiam com quem esta-
vam lidando. O ovo da serpente inadvertidamente criado, se rompeu. De
imediato, Hitler, que acreditava ser ele mesmo um homem com um destino,
colocou em prática as ideias absurdas de supremacia racial e protagonismo
alemão de seu livro. Com a morte do presidente Hindenburg em 1934, o
caminho para o poder absoluto estava pavimentado. Utilizando-se de suas
S.A. (tropas de assalto), do aparelho repressor do partido Nazista e violência
seletiva tornou-se ditador, Führer da Alemanha, instaurando o III Reich.
O Nazismo surgiu então como um “deus ex machina”. Consolidado no
poder, Hitler dedicou-se à execução do seu sonho político: a expansão do III
Reich pela Europa. Depois da anexação da Áustria (1938), da invasão da Tchecos-
lováquia (1938) e o ataque à Polônia (1939), a França e o Reino Unido reagiram
declarando guerra à Alemanha. Começava então a Segunda Guerra Mundial.
Depois do começo da guerra, no início de suas operações, uma nova exten-
são ao conceito de ação “indireta”, explorando convenientemente o campo
logístico e psicológico. Entretanto ofereceu aos seus adversários a mesma opor-
tunidade, posteriormente, para empregar contra ele essas mesmas ações indiretas.
A campanha triunfante que os alemães efetivaram a oeste, na Polônia, e além
dela, utilizou muitas estratégias psicológicas indiretas. Foi marcada pela mudança
de direção brusca que tomou, pegando a todos de surpresa, com intensidade e
momento inesperado, tomando a forma de uma ação diversionária de grande
amplitude, conjugada com uma rápida exploração ao longo da linha com menor
resistência, em grande profundidade. Como sugere Liddell Hart, foi “um peão
sedutor bem lançado, como isca, seguido de um golpe de jiu-jitsu”.
A teoria de guerra de Hitler se baseava no emprego efetivo de armas psicoló-
gicas. Aqueles países que o enfrentaram, deveriam ter o cuidado de compreender
totalmente todo o processo dessas ações indiretas, pois, de fato, o valor de suas
aplicações no campo militar ficou mais que provadas. Paralisar o sistema nervoso
do inimigo é uma operação muito mais econômica que golpear “na sua carne”.
Na guerra, de modo algum devemos subestimar nosso adversário. Deve-
mos procurar saber qual o seu modus operandi, como funciona seu cérebro,
pensar “como ele”, descobrir que métodos ele aplica. Só assim podemos
pensar em prever ou prevenir algum ataque inimigo.
Na Segunda Guerra Mundial, nações muito pacíficas “dormiram no
ponto” e demoraram muito a prever quais seriam os próximos passos e paí-
ses que Hitler iria invadir. Qualquer nação se beneficiaria com um “serviço de
informações” ágil e confiável, trabalhando em campos onde o inimigo atua,
ajudando a entender e prever novas ações do adversário.
Apesar de utilizar ações indiretas em campanhas, sua ação política
foi demasiadamente direta. Mesmo um pouco sutil, a ponto de provocar
dissensões nos países ameaçados, não era o suficiente para desarmar a forte
oposição que contra ele se levantava. E, no evangelho do Nacional-Socialismo,
a ênfase nacionalista arruinava o efeito do apelo socialista. Talvez se tivesse
agido ao contrário, a massa dos demais países se sentiria mais atraída. Esse
foi o começo de seu declínio.
Outra evolução importante foi o uso regular de tropas de assalto. Essas
tropas foram e ainda são extremamente vitais para qualquer exército. Elas
obviamente foram sendo aperfeiçoadas e passaram por evoluções significa-
tivas no decorrer dos séculos. Dos antigos gregos, passando por romanos,
atravessando milênios até chegar nas atuais tropas de Comandos brasileiras,
elas contribuem para uma vitória decisiva e rápida em qualquer ponto onde
houver conflitos.
Inúmeras guerras emergiram durante a história humana. Em muitas
situações o empenho de tropas e soldados intrépidos mudaram o curso de
batalhas, sendo decisivos em confrontos em que estavam prestes a sofrerem
derrotas, como nas batalhas das Termópilas, Gaugamela e o cerco de Alesia.
Essas tropas de assalto, ainda sem esse nome, com suas habilidades e vitó-
rias consistentes e rápidas, hoje são necessárias até mesmo fora do âmbito
das forças armadas, sendo adaptadas para unidades de elite e batalhões de
operações especiais de polícias de todo o globo.
William Lind foi um dos primeiros a teorizar sobre as guerras de mano-
bras, onde a vitória poderia ser obtida não pela destruição física do inimigo,
mas sim pelo colapso do comando e desestruturação de forças, em virtude de
um envolvimento rápido e coordenado.
Outro inovador militar foi o Coronel John Boyd5 (1927-1997), piloto da
Força Aérea norte-americana e consultor do Pentágono, e autor de uma teoria
sobre princípios de guerra de manobra conhecida como “Teoria de Boyd”.
Utilizando Teoremas da Incompletude de Gödel, princípios da incerteza de
Heisenberg e a Segunda Lei da Termodinâmica, essa nova ideia consistia em
uma redução do processo individual, organizacional e decisório, para um ciclo
composto por quatro tarefas: observação, orientação, decisão e ação. Boyd argu-
menta que a ambiguidade e a incerteza fazem parte da vida, sendo necessária
criar uma habilidade para interpretar essas mudanças, superando a entropia
mental. É o processo de tomada de decisões que passou a ser chamado de
“Ciclo OODA”: Observar, Orientar, Decidir e Agir. Para ele, o objetivo militar
de uma ação deveria ser quebrar o espírito e a vontade do comando inimigo,
ao criar situações operacionais ou estratégicas surpreendentes e perigosas “,
através do ritmo (ou tempo) das operações:
Observar: é o primeiro passo. Detectar eventos individuais ou cole-

tivos. Ao observar, temos a capacidade de adquirir compreensão e conhe-
cimento. Para isso é fundamental uma ótima consciência situacional. Três
observações importantes:
• Excesso de informações podem embotar o raciocínio;

• Observar toda a situação. Se o foco for direcionado, perderá informações
importantes do restante do cenário;
• Não basta observar. É preciso compreender o significado. “O julgamento
é a chave”.
Orientar: é a parte intermediária do ciclo. O mundo “VUCA” (volátil,

incerto, complexo e ambíguo), exige quebra constante de paradigmas. É a
desordem e a incerteza sendo controladas ao se utilizar um conceito mais
amplo na representação da realidade. É a habilidade examinar a nova situação
de várias perspectivas gerando impressões que correspondam a realidade.
Decisão: outra parte intermediária na qual é decidido dentre as alter-

nativas criadas com base na orientação. Essa decisão, entretanto, nunca será
exatamente igual a realidade, pois a observação é falha e a informação incom-
pleta. Pode não ser perfeita, mas, sendo feita, será boa o suficiente.
Agir: parte final do ciclo. Devemos pôr em prática a decisão que foi
tomada. Ao tomar a atitude, iremos descobrir se nosso modelo mental estava
certo ou errado. Se não, voltemos a observar.
Todo esse ciclo é realizado para sobressair-se em uma situação específica.

E, se houver um adversário, e ele não tiver essa mesma habilidade de comuni-
cação e interação com o meio, sofrerá um revés ou uma desvantagem perante
você, pois diminuirá sua liberdade de ação, enquanto será aperfeiçoada a
sua. Boyd identificou quatro qualidades vitais nas operações bem-sucedidas:
iniciativa, harmonia, variedade e rapidez.
Também na Teoria de Boyd, três princípios são observados:
• O primeiro princípio valorizava as tarefas com base no efeito desejado

dando máxima de iniciativa aos subordinados;
• O segundo princípio seria a busca incessante por linhas de contato com o
inimigo, superfícies e brechas. A ideia é evitar os pontos fortes (superfícies)
e aplicar força máxima aos pontos fracos (brechas);
• O terceiro princípio é a concentração de esforços (“Schwerpunkt”), reve-
lando a importância da ação conjugada e coordenada entre as unidades
adotando um mesmo comando, de forma a economizar meios e obter o
melhor resultado.
Os soviéticos também avançaram muito na arte guerreira, e instituíram

a Escola Soviética de Manobra, com ênfase total na preparação das operações,
com nível de detalhamento muito grande. Dessa forma os comandantes subor-
dinados, apesar da pouca flexibilidade que possuíam, deveriam buscar seus
objetivos com determinação, para evitar uma descontinuidade na frente. O obje-
tivo seria impedir que o inimigo tomasse a iniciativa ou organizasse uma defesa
ativa. Aproveitando conceitos da física, a analogia do empuxo faria detonar

uma imensa força necessária para parar uma unidade mecanizada inimiga de
grande massa.
Giulio Douhet, artilheiro do Exército Italiano, escreveu o tratado “O Domí-
nio do Ar”, em 1921, foi o primeiro a teorizar sobre a importância do Poder
Aéreo. Ele imaginou uma aviação capaz de um poder de projeção capaz de
subjugar o inimigo. Hoje, o Domínio do Ar concebido por Douhet é disputado
entre nações como EUA, Rússia e China. O poder aéreo moderno adquiriu, com
a avançada tecnologia, muito mais precisão, letalidade, velocidade, alcance,
coordenação e impunidade nunca vistas. Também ampliaram as perspectivas
da guerra de manobra, exigindo também alta capacidade de transporte aéreo
estratégico, para fazer frente a confrontos assimétricos atuais. A campanha
aérea da Guerra do Iraque, apelidada de “Shock and Awe” (Choque e Pavor),
tem a marca de Douhet, pelos aspectos psicológicos e medo que deveriam
gerar na população iraquiana, como ele previu. Já contra adversários fracos
ou desestruturados, o emprego poder aéreo isolado pode não ter os resultados
esperados pela pulverização do nível estratégico, caso das organizações ter-
roristas em geral. A redução de conflitos para os níveis táticos e operacionais
é uma tendência moderna, nos conflitos de baixa intensidade, onde há outros
requisitos operativos, limitados objetivos e restrição do uso de força.
Produzir informação útil e oportuno não é tão simples. A atividade
de inteligência causou outra revolução nos assuntos militares. Na Segunda
Guerra Mundial, o caso ENIGMA/ULTRA (código secreto de comunicações
dos submarinos alemães) foi um marco histórico no poder e envolvimento da
inteligência no planejamento estratégico militar de alto nível. A inteligência, a
partir desse ponto, consolidou seu lugar no acrônimo C3I. Entretanto desen-
volver um sistema de inteligência consistente necessita um alto investimento
tanto de recursos como de pessoal. O desenvolvimento que trouxe a infor-
mática para a economia e para a sociedade, deveria ser trazido também para
revolucionar o poder militar do futuro. As facilidades do trâmite adminis-
trativo deveriam ser estendidas para o trâmite operativo, com amplo alcance
em todos os níveis da estrutura militar. Surgiram termos como “Guerra de
Comando e Controle”, cujo propósito é o uso integrado de operações de
segurança como despistamento militar, operações psicológicas, guerra eletrô-
nica e destruição física, com o apoio da inteligência, para negar informação,
influenciar, degradar ou destruir a capacidade de Comando e Controle do
inimigo, enquanto protege a sua de ações semelhantes” (OWENS, 2000).
A revolução nos assuntos militares é composta por três conceitos básicos,
que balizam a evolução do pensamento e dos processos: a consciência do
espaço de batalha, o acrônimo C4I, e o uso preciso da força. A consciência do
espaço de batalha compreende a capacidade do comandante de enxergar a
totalidade do campo de batalha e conhecer a situação e distribuição das suas
forças e do inimigo em tempo real, além de outros fatores do terreno. C4I é o
acrônimo para Comando, Controle, Comunicações Computação e Inteligência,
que foi acrescentado atualmente com mais dois outros fatores, vigilância e
reconhecimento, perfazendo o acrônimo C4ISR. Por último, o uso da força
(“agir”) é conhecer o resultado de ataques ao inimigo e concluir rapidamente
se novo ataque é necessário. Com a combinação e interação do uso da força,
com o uso de ferramentas de C4ISR, obtêm-se o máximo efeito do armamento,
a rápida designação de alvos e uma sequência de destruição com base em
prioridades estabelecidas, criando uma espécie de “desembaçador” da névoa
da guerra, para uma visão total do campo de batalha. Esse “desembaçamento”
deve sempre ser buscado constantemente com reconhecimento e espionagem,
fortalecendo assim a inteligência como um todo.
Com a tecnologia, novos conceitos de guerra surgiram: Ciberguerra
(domínio da computação e dos computadores), Guerra Eletrônica (domínio
das emissões eletromagnéticas), ‘Markirovka’ (conceito russo que abrange o
domínio da dissimulação e da camuflagem, a fim de iludir sistemas de detec-
ção com alvos falsos), Guerra Espacial (utilizar sistemas para fins militares
no espaço) e Guerra centrada em Redes – NCW (Network Centric Warfare).
A NCW integra sensores e plataformas disponíveis no espaço de batalha
em um todo unificado, sendo capaz de confrontar qualquer ameaça (incor-
poração do sistema de sistemas). A NCW transforma superioridade de infor-
mações em poder de combate. Tem grande potencial no nível operacional,
propiciando manobrabilidade superior. Possui a capacidade de deflagrar
ataques precisos a longas distâncias.
Esse conjunto de modificações exerceu irreversível influência no ser
militar e na natureza da guerra, com grande alteração na forma de comba-
ter. Atualmente o comandante pode dispor de recursos e facilidades que até
recentemente poucos poderiam imaginar, capazes de oferecer vantagem
decisiva contra qualquer força convencional.
Hoje, os terroristas e outros atores não-estatais estão adotando a estratégia
de Liddell Hart, de “abordagem indireta”, adaptada para o século XXI. Esses
inimigos tiveram que mitigar a superioridade tecnológica dos EUA (dependência
americana para obter vitorias rápidas), deslocando o conflito para áreas onde
essa tecnologia estaria degradada (florestas, selvas, montanhas, deltas, centros
urbanos) e fazendo com que o emprego do princípio militar da massa desapa-
recesse, substituindo as tradicionais formações regulares por guerrilheiros.
Atualmente os planejadores militares estão querendo uma vitória ima-
culada e asséptica, o emprego distante de mísseis de cruzeiro, veículos aéreos
não tripulados e operações especiais. Mas o que fazer depois de retirar ter-
roristas de suas posições e expulsá-los das cidades? Como lidar com comba-
tentes não-estatais? Onde fica a população civil, nos cálculos militares? Os
vetores políticos, econômicos e sociais são vitais para a resolução pós-conflito
e devem ser parte integrante de toda a estratégia e planejamento militares. A
práxis e a tecnologia influenciam hoje a teoria e a estratégia, mas nunca conse-
guirão guiá-las. Hoje a situação é diferente. A guerra requer abordagens dife-
renciadas, outros “players”, prioridades bem equacionadas e novas teorias.
A ilusão criada de que poderia haver um mundo mais pacífico Pós-Guerra

Fria não se concretizou, e o mundo hoje está cada vez mais armado e conflitos
se multiplicam. Aumentou também a capacidade de infligir danos materiais e
mortes em um teatro de operações sem fronteira, onde valores estratégicos das
ações de grupos irregulares tem como objetivo a desestabilização do Estado e
a imposição de suas ideologias pelo medo e pela força.
Com os conflitos de quarta geração, acaba-se o monopólio da conduta da
guerra pelo Estado e os conflitos são realizados tendo em vista outras moti-
vações, entre elas culturais (principalmente), étnicas, religiosas e ideológicas,
compondo um mosaico extremamente complexo. Não é uma evolução pro-
priamente dita, mas uma adaptação frente a uma nova estrutura tecnológica
e política. Os Estados Nação se defrontam agora com oponentes não estatais
de natureza hibrida. É a chamada “guerra no meio do povo”.
Diz Sun Tzu que um pequeno exército pode derrotar um grande exér-
cito, através de confrontos indiretos, evitando assim os confrontos diretos,
utilizando do fator surpresa e das vantagens do terreno contra seu adversário.
Na obra dos generais chineses Qiao Liang e Wang Xiangsui, “Unrestricted
Warfare” (Guerra Irrestrita), chama a atenção o uso maciço de tecnologias com
velhas técnicas de guerrilha, como ferramentas do terrorismo em rede que
espalham ataques violentos e inesperados, como o ataque as Torres Gêmeas
no 11 de setembro. Especialistas identificaram esses elementos centrais no
modus-operandi empregado hoje pela Al Qaeda, embora já testados anterior-
mente e largamente usados pelos serviços secretos da CIA e KGB em guerras
como Vietnã e Afeganistão.
Segundo Clausewitz, para desarmar um Estado devemos observar três
fatores: Forças Militares (para que não possa continuar a luta), o Território
(para que não se estruture um novo exército) e a Vontade do Inimigo (compe-
lindo a cumprir com sua vontade, capturando MORALMENTE o inimigo). As
guerras irregulares têm um objetivo que foge aos dois primeiros fatores, mas
estão relacionadas profundamente com o terceiro, que é a de atacar a vontade
de lutar do inimigo, e desmoralizá-lo na sua capacidade de atingir objetivos.
Os conflitos irregulares são a face mais latente desse novíssimo tipo de
guerra, utilizando-se de técnicas e táticas não convencionais, ataques surpresas
com rápida retirada, sabotagens e escaramuças, com o objetivo de surpreender
exércitos inimigos e a população civil, causando terror e insegurança.
Um outro ponto válido a tratar é que, em alguns casos o Estado também
é o agressor, se valendo de seu aparato militar e tecnológico para conflitar
grupos com poder de reação limitado ou sem poder, lançando mão do seu
Hard Power em detrimento ao Soft Power.
Segundo o General Álvaro de Souza Pinheiro6, em seu artigo “Comando
em Combate: Considerações nos Níveis Operacional e Tático” para a Revista
MILITARY REVIEW em 1996, tratou das novas atribuições do Comando,
estudadas em Fort Leavenworth/KS, na época em que era Oficial de Ligação
junto ao Centro de Armas Combinadas (CAC) e a ECEME-EUA.
Considerada a maior instalação militar do Exército americano, fora do

Pentágono, Fort Leavenworth atrai militares de vários países buscando novas
técnicas e processos que possibilitem lutar e vencer no campo de batalha. É
no CAC que são feitas as pesquisas de como os últimos avanços tecnológicos
podem ser usados militarmente.
Em 1996, época do artigo acima, era desenvolvido um projeto chamado
FORCE XXI (algo como o Exército dos EUA no século XXI), com várias orga-
nizações subordinadas do CAC colaborando nesse esforço.
Em relação aos desafios que os novos comandantes devem enfrentar, em
situações de combate, dentro da doutrina americana estudada, se destacam
fatores importantes e ainda muito atuais para guerras modernas:
• A guerra transformou-se em uma tarefa multidimensional e de alta com-

plexidade, de sincronização de forças terrestres, navais e aéreos; dos efei-
tos letais de armamentos e exploração de meios eletrônicos em relação a
tempo, finalidade e fontes;
• São tarefas dos novos comandantes o entendimento total das definições do
desfecho de um conflito, e a consideração de todas as ações que deverão
ser realizadas ao término desse conflito;
• Tendo por pressuposto a restrição constante de recursos, os comandantes
devem ter discernimento rápido quanto a priorizar atividades que gerem
resultados positivos e descartar as de resultado contrário;
• A vantagem gerada pela quantidade, qualidade e utilização da informação
será decisiva;
• O impacto da tecnologia da informação acarretará um potencial aumento
do ritmo de operações, bem como inteligência obtida que serão base para
planejamentos estratégicos e como definidores de tempo;
• A tecnologia permitirá que o comandante tenha mais liberdade no deslo-
camento pelo campo de batalha, estando presente ou visualizando setores,
onde poderá influir decisivamente nas ações.
As inovações de Comando em Combate afetam três pontos chaves na

dinâmica da gestão:
• Visão de resultados esperados, compartilhados pelo comando;

• Processo de decisão: raciocínio prospectivo, habilitações de memória e
domínio de tarefas multicomplexas;
• Execução: elevado grau de conhecimento/status da situação, com a dissemi-
nação rápida de inteligência e estado-maior de alto desempenho.
Na sequência dessa evolução teórica, baseada em uma revolução tecnoló-

gica, o manual básico da doutrina da força terrestre americana (FM 100-5), insere
um quinto princípio doutrinário nas operações: a versatilidade. Já faziam parte
a iniciativa, a profundidade, a agilidade e a sincronização. Seguindo essa linha
a doutrina moderna ressalta a fundamental importância do ritmo, como uma
forma de controle das ações, interferindo até no ciclo de decisões do inimigo.
Dentro do conceito base do que é Comando em Combate, o Manual “FM

100-5 Operations”7, define: “É a arte de formular decisões de combate liderar
e motivar combatentes e suas organizações, para o cumprimento de missões
que devem ser executadas com um mínimo de baixas. “Seus componentes são
liderar e decidir. Tendo como princípios básicos: iniciativa, agilidade, profun-
didade, integração, versatilidade, flexibilidade, julgamento, intuição e empatia.
Como forma de complementar essa conceituação é de vital importância
frisar, apesar dos grandes avanços da tecnologia, que a guerra continua sendo
uma atividade primordialmente humana. As dimensões e emoções humanas
(medo, motivação, disciplina, personalidade e vontade), continuarão sendo
consideradas, bem como as habilitações humanas para o combate (a coragem,
a liderança, o sacrifício, dentre outros).
No Nível Operacional
É focado nas ações de planejamento e execução dentro do Teatro Ope-

racional, ativado de acordo com os interesses nacionais de mais alto nível,
com as considerações político-estratégicas permanentemente presentes. Hoje
em dia o teatro operacional (TO) deve ser capaz de:
• Projetar e suportar poder de combate;

• Realizar manobras decisivas e ataques precisos;
• Vencer a guerra da informação.
O contexto poderá exigir também operações em contexto multinacional

ou interaliado, o que aumentará a complexidade e a dificuldade.
Em relação ao Plano de campanha, deve haver uma clara definição do
objetivo político-estratégico a ser atingido. Se esse objetivo político-estratégico
de fato atende ao interesse nacional, tudo deverá ser feito para que as ações,
tanto de nível-estratégico militar, como de nível estratégico-operacional sejam
realizadas para reduzir as incertezas e deixá-las ao mínimo tolerável, embora
essas sempre estejam presentes em algum determinado grau.
Após essa fase inicial, dá-se um faseamento do plano e identificação
clara de fatores como a concentração estratégica, a ofensiva, a defensiva,
pontos culminantes, os objetivos estratégicos a serem atingidos (em cada
fase) e o centro de gravidade do inimigo (importantíssimo, pois se houver
equívocos nessa identificação, poderá ser comprometida toda a campanha).
O nível de aniquilamento ou atrito imposto ao inimigo, deve ser levado em
conta, porém nunca deve ser a régua de seu êxito pleno. Nesse sentido, se
houver apenas uma baixa letal entre as forças amigas, toda uma operação
pode estar em ‘xeque’.
Hoje em dia, geralmente quando crises deságuam para conflitos armados,
e severas baixas ocorrem, grande parte da mídia tenta impor suas narrativas
à opinião pública, com “especialistas” colocando pontos de vista totalmente
dissonantes com a realidade. A presença e cobertura da imprensa é sempre

importante, podendo trazer transparência. Todavia existe a possibilidade de
desinformação e manipulação. Na realidade moderna, o passo a ser dado é
realizar operações pontuais e inesperadas, utilizando-se do fator surpresa,
de tal modo que o número de baixas entre forças amigas seja o mínimo
possível, bem como evitar ao máximo danos colaterais entre as populações
civis envolvidas.
Sobretudo haver também uma comunicação social ativa e persuasiva, se
contrapondo as narrativas que surgirem nos desdobramentos das ações. Inde-
pendentemente do resultado, ações militares/policiais podem repercutir em
interesses nacionais e no alcance dos objetivos político-estratégicos. Por outro
lado, nunca se deve pautar operações pensando em repercussões da opinião
pública. Basta ter em mente, principalmente ao comandante, que elas vão existir.
Em muitos casos, conflitos em certos países (como Israel, por exemplo)
começam invariavelmente com o chamado “ataque preventivo”, absoluta-
mente assertivo, e com muito sucesso no efeito dissuasório do inimigo. Ou
como reforça o livro sagrado do Talmude “Se alguém vier matá-lo, levante-se
e mate-o primeiro”.
Os fatores de decisão, ao nível estratégico-operacional são:
• Objetivo político-estratégico;
• Características do ambiente operacional;
• Possibilidades e limitações de forças em presença;
• Prazos para cumprimento da missão.
O processo de Estudo de Situação, no nível operacional, agora está sendo

realizado com a técnica de Cenários Alternativos, onde três cenários (prová-
vel, desejável, e a pior hipótese) ou mais, devem ser estudados e avaliados
de igual forma. É a chamada Análise Prospectiva.
No que se refere a poder de combate disponível, e sobre graus variáveis
de liberdade de ação, uma condicionante importante que deve ser criteriosa-
mente avaliada, é a possibilidade de ceder ao inimigo a iniciativa das ações,
pois o fato de querer trocar “espaço por tempo” pode ser decisivo por um
lado, ou se transformar em completo desastre por outro.
Deve salientar também a importância da inteligência estratégica. Processo
que consiste não apenas em obter informações, mas sobretudo negá-las ao ini-
migo. Se o sistema de inteligência, abrangendo todas as agências nacionais, em
uma mesma matriz informacional não funcionar a contento, o processo decisório
também estará completamente comprometido.
O uso do conhecimento estratégico (inteligência estratégica), dentro das
expressões de poder, facilita as ações operacionais ofensivas em profundi-
dade, em ataques às estruturas estratégicas militares. Isso foi notadamente
obtido, por parte da Rússia, no contexto da guerra recente travada com
a Ucrânia, em caracterização ao teatro de operações estabelecido. O uso
de fontes envolvendo desenvolvimento de tecnologia (drones, exploração

cibernética e satélites) vem sendo utilizada amplamente na guerra do século
XXI, em detrimento a fontes de inteligência humanas. A Internet por sua
vez, vem se mostrando como um meio de busca da técnica de desinforma-
ção e dissimulação por parte das tropas, não podendo ser fonte fidedigna
de fatos8.
A diretriz do TO deve ser uma clara definição da intenção do coman-
dante. Abordando a missão, definindo como deve cumpri-la, até o seu término
definitivo. Colocada a diretriz, parte-se para o planejamento dos elementos
subordinados: forças terrestres, forças navais e forças aéreas no Teatro Opera-
cional. Esse plano só será definitivo quando houver uma completa consolida-
ção e integração de todos os componentes envolvidos, sejam terrestres, aéreas
e navais, observando as peculiaridades de emprego das forças, e aplicando
a nova doutrina multidimensional da guerra.
Outro fator do comando em combate importantíssimo é a sincronização,
também com contornos decisivos. O conceito do campo de batalha linear, com
formações rígidas e dispositivos geométricos, com o combate conduzido por
sequências foi substituído por um campo de batalha não linear ou assimétrico),
onde as operações com ritmo mais veloz, são desencadeadas simultaneamente
em diferentes áreas. Transformaram-se completamente, em função disso con-
ceitos simples como combate em profundidade e retaguarda.
No Nível Tático
Um dos conceitos mais importantes para orientar o processo decisó-

rio bem como nas execuções de ações no nível tático, é a compreensão da
estrutura do campo de batalha. Isso facilitará o comandante a visualizar,
em termos de tempo, espaço e objetivos em comum, o emprego de suas
forças e as suas relações e desdobramentos com forças amigas. Esse con-
ceito é importante tanto em operações convencionais como nas chamadas
operações de não-guerra (Operations Other than War – OOTW9).
A estrutura do campo de batalha engloba quatro aspectos que
se interrelacionam:
• Área de interesse;
• Espaço de Combate;
• Área de operações;
• Campos de batalha táticos.
As ações recentes dos EUA na chamada ‘Guerra Global contra o Ter-

ror’10, levaram a um impasse estratégico. Rebeldes, terroristas e guerrilheiros
continuam atuando apesar de todos os esforços para erradicá-los, à despeito
de moderna tecnologia e orçamentos dispendiosos. Em busca de respostas,
especialistas têm se dedicado ao estudo dos conflitos do século XXI, para

orientar adequadamente suas forças armadas.
Antes até da guerra ser um fenômeno político, ela é, sobretudo um
fenômeno cultural e social. As próprias transformações que são feitas na
guerra, são em decorrência das transformações sociais. Portanto não se pode
pensar que apenas a aquisição de tecnologia de ponta irá suprir as exigências
da guerra do século XXI. É necessário “pensar” em um ambiente político,
econômico e social mais complexo, para entender melhor o conflito moderno.
É preciso ter cautela na identificação de “novas” ameaças. Hoje em dia nada
sucede-se sem haver precedentes.
Novas ideias se chocam com dogmas do pensamento militar, e conceitos
inovadores por vezes, se tornam apenas recurso semântico. É necessário ir
além da tecnologia e identificar uma gama de mudanças promovidas pela
era da informação.
Dentre as tendências apontadas por especialistas em todo o mundo para
formar um cenário dos conflitos do século XXI:
• Acesso de organizações terroristas a armas de destruição em massa (bom-

bas sujas);
• Necessidade de cooperação internacional;
• Aceitação e difusão do conceito de guerra de 4ª geração;
• Ampliação de prazos para resultados significativos;
• Predomínio da guerra irregular sobre os conflitos convencionais;
• Depreciação do conceito de Guerra Total de Clausewitz;
• Compreensão e condução dos conflitos além do campo militar;
• Urbanização;
• Participação maior de atores não estatais (ONGs etc.);
• Fragmentação de ameaças e adoção de estruturas de redes;
• Forte associação entre forças irregulares organizações terroristas e fac-
ções criminosas;
• Necessidade de atualização do Direito Internacional Humanitário;
• Ampliação e integração de agências de inteligência;
• Crescente demanda de Forças de Operações Especiais;
• Adequação dos exércitos nacionais através da disseminação de técnicas,
táticas e procedimentos (TTPs) restritos as Forças de Operações Especiais;
• Redefinição do papel das Forças de Operações Especiais;
• Presença e atuação de outros segmentos do Estado;
• Interação entre operações de guerra irregular e operações convencionais;
• Condução simultânea de operações militares de natureza distinta.
A guerra do futuro de 4ª ou 5ª Geração será, segundo especialistas, deci-

dida nos níveis operacional, estratégico, mental e moral, ao invés dos níveis
físico e tático, rompendo o estereótipo da guerra como mera confrontação
formal e direta de duas forças. E terá características como:
• Perda do monopólio estatal sobre a guerra;

• Mudança de enfoque das forças inimigas inimigo para o interior da socie-
dade oponente;
• Elevados custos para o Estado antepor-se a um conflito de 4ª geração;
• Emprego de efetivos reduzidos ou células atuando com máximo de ini-
ciativa e liberdade de ação;
• Privilégio da manobra e objetivos psicológicos em detrimento a objeti-
vos físicos.
Crimes transnacionais, terrorismo internacional e fluxos de migração,

pressão demográfica, fortalecimento de identidades étnicas, globalização e
questões ambientais, além da urbanização desenfreada, serão temas cons-
tantes a nos defrontarmos no século XXI. A globalização dessa violência
apresenta novos e grandiosos desafios às Forças militares e de segurança.
A separação rígida entre segurança nacional e segurança pública não é
somente um problema relevante, como impede também uma abordagem
integral que não pode ser resolvido isoladamente. As operações interagên-
cias podem surgir como a pedra angular no tema da segurança e defesa
do Século XXI.
Representação do Comando em Combate
Fonte: Ilustração do artigo “Comando em Combate”, do Coronel Álvaro de Souza

Pinheiro, da Revista Military Review, 2º Trim 1996, adaptada por Marcelo Pires.
Sendo a Área de Interesse (AI) é a área geográfica sobre a qual deve-se

conseguir o maior número de informações de modo a conduzir operações
táticas bem-sucedidas. Deve ser maior que ao espaço de combate e sua área de
operações. O Espaço de Combate (EC) é o espaço físico no qual o comandante
procura dominar o adversário. Normalmente se estende além de sua área de
operações e sobrepõe-se ao espaço de combate de outros comandantes. O EC
engloba três dimensões distintas: altura, largura e comprimento. Cada uma
dessa dimensões atuam outros fatores como tempo, ritmo, profundidade
e sincronismo.
A Área de Operações (AO) também é tridimensional, e definida por medi-

das de coordenação e controle do escalão superior. Suas dimensões dependem
dos fatores METT-T (missão, inimigo, terreno, meios e tempo). São passiveis
de ajustes e mudanças, em função das manobras e operações realizadas.
O campo de batalha tático é organizado pelo comandante dentro de
sua área de operações. Por vezes, dependendo do nível do escalão atuante,
pode-se confundir com a AO. O tradicional conceito do campo de batalha
linear, separados em três compartimentos (em profundidade ‘deep’, apro-
ximado ‘close’ e na área de retaguarda ‘rear’) permanece, salientando-se
que todos os compartimentos devem estar sincronizados. A organização
de um campo de batalha tático não-linear (assimétrico) é um pouco mais
complexo, podendo ter variações de amplo espectro, como de uma Brigada
ao ser empregada independentemente, dentro de uma multiplicidade de
missões que se possa vir a ter que cumprir.
Possibilidades das operações em profundidade:
• Restringir a liberdade de ação do inimigo;

• Alterar o ritmo das operações em favor de forças amigas;
• Negar ao inimigo a capacidade de concentrar forças;
• Isolar a área de combate aproximado;
• Reduzir a vontade de lutar do inimigo.
Objetivos das operações em profundidade (ofensivas e defensivas):
• Cortar as linhas de suprimento e comunicações do inimigo;

• Evitar elementos de contra-ataque ou de 2° escalão;
• Destruir unidade e/ou alvos críticos;
• Cortar vias de retraimento/ retirada.
Sistemas empregados nas operações em profundidade:

Unidades de manobra terrestre, Mísseis, Interdição aérea, Helicópteros
de ataque, Artilharia de campanha, Forças de assalto móveis, Forças de assalto
aeroterrestre, Forças de operações especiais e Guerra eletrônica.
Operações aproximadas são as que forças amigas estão em contato com
o inimigo. Envolvem as ações ‘rear’, ‘close’ e ‘deep’ de elementos subor-
dinados. A concentração de efeitos do poder de combate sobre unidades
inimigas é a principal preocupação do comandante. Para isso, usa de ações
de reconhecimento, ações de esforço principal, e ações de reserva. Impor-
tante ressaltar que ações de reconhecimento geram segurança e ações de
segurança se utilizam de técnicas de reconhecimento e as duas, tanto ações
de segurança como reconhecimento, são fundamentais para que as opera-
ções táticas tenham sucesso.
Operação de Dimensões Totais – O Combate Futuro
Fonte: Ilustração do artigo “Comando em Combate”, do Coronel Álvaro de Souza

Pinheiro, da Revista Military Review, 2º Trim 1996, adaptada por Marcelo Pires.
Com relação a inteligência, os objetivos são o terreno e o inimigo. Deve haver

uma nova concepção relativa ao esforço de inteligência por parte do comandante.
A informação crítica para o comandante deve ser decomposta em três partes:
• Informação de forças amigas - visualização de meios disponíveis;

• Inteligência prioritária - visualização do inimigo;
• Informações de elementos essenciais de forças amigas - como evitar que
o inimigo visualize forças amigas.
As buscas para obter essas informações incluirá elementos em contato,

operadores de reconhecimento aéreo e terrestre, patrulhas, sensores de defesa
antiaérea, elementos de inteligência militar, elementos de engenharia, radares
e meios de guerra eletrônica. A doutrina americana reforça a importância do
apoio de fogo. E quatro aspectos fundamentais devem ser enfocados:
• Sistema de apoio de fogo - localização de alvos, sistema de ataque e coor-

denação de fogos;
• Evolução da artilharia de campanha;
• Presença de forças combinadas no terreno;
• Sistema de artilharia de campanha.
Ao invés de coadjuvante de manobra, o fogo passara a ser o ator princi-

pal no evento, possibilitando a destruição cirúrgica do inimigo. As forças de
manobra, no lugar de desenvolver ações coordenadas de ataque, terão que
entrar de imediato, aproveitando-se do êxito. Deve-se evitar também que o
inimigo estabeleça santuários, e o processo mais eficiente de fixar um inimigo
sempre será o de fixar pelo fogo de sua artilharia.
Em relação à forças combinadas no terreno, o campo de batalha moderno

é complexo e altamente interdependente entre as unidades. Engenharia, Infan-
taria, Sistemas Anti-aéreos, Artilharia e Logística devem trabalhar combi-
nadas. Na Rússia, surgiu o novo conceito de “Grupo Tático de Batalhão”
(BTGs), ideia repaginada dos anos 80, uma unidade relativamente pequena,
formada por até 2 mil homens, bastante ativo na atual guerra entre Rússia
e Ucrânia. Acredita-se que cerca de 120 BTGs estão atuando nesse conflito.
São unidades que conseguem de deslocar com bastante rapidez e agilidade.
O papel do C² (Comando e Controle) no Século XXI
Tratando a respeito do papel do Comando e Controle no novo cenário do

século XXI, recentemente, o Exército dos Estados Unidos adotou o conceito de
Comando de Missão como função de combate. É isso que aborda o artigo do
Coronel Alesssandro Visacro “Superando o Caos”11, para a Military Review
em 2015, onde o militar reflete sobre o exercício do comando em combate e
sobre o controle das ações no nível tático:
“O Comando de Missão é a resposta do Exército dos EUA à incerteza,

ambiguidade e névoa da guerra e dos conflitos “, disse o Major G. no
artigo. Doutrinariamente, o comando em missão é o “exercício da auto-
ridade e direção pelo comandante, valendo-se das ordens de missão, de
modo a permitir que a iniciativa disciplinada ocorra dentro da intenção
do comandante, habilitando comandantes flexíveis e adaptáveis para a
condução de operações terrestres unificadas”.
Esse conceito foi sendo reformulado com o tempo, para chegar o que é
hoje, em virtude dos ensinamentos de várias guerras que o EUA tem parti-
cipado, principalmente as do Iraque e Afeganistão.
Segundo o General K., os exércitos atuais, para lidarem com essa nova
realidade, deveriam dispor de “cabos estratégicos”, isto é, soldados capazes
de simultaneamente, aplicar com precisão e eficácia o poder de combate,
conquistar o apoio da população e legitimar o poder central atuando como
plataformas de combate semiautônomas, como sensores de inteligência e
como vetores de operações psicológicas.
Então a redução de ciclos decisórios, através de delegação de competên-
cia aos comandantes subordinados, dando-lhes mais autonomia e liberdade
de ação, e uma valorização da iniciativa ao invés do apego a ordens restritivas,
é o grande imperativo do campo de batalha do século XXI.
As origens do comando e controle remontam ao termo “taktika”, que era
a maneira como os antigos gregos dispunham seus soldados na falange, que
Clausewitz conceituou como sendo a “teoria relativa à utilização das forças
armadas nos combates”. Tática, no Glossário das Forças Armadas, significa
“a arte de dispor, movimentar e empregar as forças militares em presença do
inimigo ou durante o combate. Trata-se do emprego imediato do poder para

alcançar os objetivos fixados pela estratégia, compreendendo o emprego de
forças, incluindo seu armamento e técnicas especificas.”
Modernamente, as chamadas funções de combate são seis: o movimento
e manobra, inteligência, fogos, logística, proteção e Comando e Controle (C²).
Uma antiga definição de Comando e Controle é o conjunto de atividades,
tarefas e sistemas inter-relacionados que permitem aos comandantes o exercí-
cio da autoridade e direção das ações. Hoje essa função incorpora elementos
não só em sua dimensão técnica, com em suas dimensões humanas, organi-
zacionais. E em função também de uma farta disponibilidade de tecnologia
de informação, agregada a tarefa de comando e controle, o termo evoluiu e
já se expandiu para C³I, C4ISR e finalmente chegou ao conceito C4ISTAR (da
sigla em inglês, significando comando, controle, comunicações, computador,
inteligência, vigilância, aquisição de alvos e reconhecimento).
Em 1997, idealizando uma força capaz de “dominar qualquer adversá-
rio e controlar qualquer situação, em qualquer operação, na vasta gama de
operações militares”, o Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos da Amé-
rica formulou o conceito do ‘Domínio Completo do Espectro das Operações
Militares’, que abrangia:
• Coletar, processar, analisar e compartilhar dados mais rapidamente que

os inimigos;
• Tomar decisões táticas corretas e oportunas antes dos inimigos;
• Implementar a decisão, com a aplicação do poder de combate com eficácia
e oportunidade.
Contudo, hoje, mesmo com a superioridade da informação, a rigidez e

a lentidão do processo decisório comprometem a superioridade de decisão,
inviabilizando o êxito da manobra. Como disse o General Sullivan12, do Exér-
cito dos EUA, “o paradoxo da guerra da era da informação é gerenciar uma
grande quantidade de informações e resistir à tentação de exercer um controle
excessivo [...]. Depois de entendida a intenção do comando, as decisões devem
ser descentralizadas para o nível mais baixo possível, para que os soldados
da linha de frente possam explorar as oportunidades que surgirem”.
Hoje, o “comando e controle” significam muito mais “apreciação e
liderança”. Onde apreciação é a avaliação da atuação dos operadores sem
interagir no sistema, e liderança é o direcionamento que deve ser efetivado,
interagindo e moldando o sistema, na intenção de alcançar o objetivo.
O sistema C4ISTAR13 é representado em forma de pirâmide onde sua base
é a superioridade de informação (capaz de coletar processar, analisar e com-
partilhar dados), seguida da superioridade de decisão (tomar decisões táticas
corretas e oportunas) e no topo dessa pirâmide a superioridade de ação (capa-
cidade de implementar decisões, aplicando o poder de combate com eficácia).
A tecnologia é imprescindível, mas não é tudo. “As tecnologias da infor-
mação estão distantes de eliminar a chamada confusão de guerra. A diferença
entre a percepção e a verdade irá continuar como parte da guerra para sem-
pre”, disse o Capitão M. do Exército dos EUA. De fato, embora as tecnologias
tenham ampliado significativamente a capacidade dos comandantes, tanto
no nível tático como operacional, de enxergarem e entenderem o teatro ope-
racional a fricção (perigo, incerteza, esforço físico e o acaso) continuam a ser
um componente essencial no combate. É a chamada atmosfera de guerra de
Clausewitz. Apesar da incerteza (fricção de guerra) não poder ser eliminada,
os comandantes têm a opção de transferi-la pela cadeia de comando. Equivale
dizer que a centralização gera uma certeza em seu escalão, porém gera também
uma incerteza em escalões inferiores. E, ao contrário a descentralização tem
grau elevado de incerteza no topo, mas eleva a certeza em escalões inferiores.
Perante a assertiva de Moltke, que afirma que “nenhum planejamento
resiste ao primeiro disparo”, quando a névoa da guerra der as cartas, as
ordens originais dos comandantes geralmente se mostram inadequadas diante
da evolução dos acontecimentos.
Diante disso restam três alternativas: manter-se fiel aos planos e ordens
que se tornam obsoletos; solicitar novas instruções aos escalões superiores; ou
reavaliar o quadro e agir por sua conta e risco, evidenciando a perspicácia e
iniciativa. Obviamente sendo a terceira alternativa a mais adequada. Dentro
da “Intenção do Comando”, não barrar a iniciativa dos líderes subordinados
parece ser um dos grandes fundamentos dos conflitos para o século XXI.
O modelo de um controle diretivo, em um momento de engajamento
tático mostra que os escalões menores devem:
• Avaliar corretamente a situação;

• Decidir com correção e oportunidade;
• Agir de forma resoluta e eficaz;
• Informar, após a eliminação da ameaça ou neutralização da ação inimiga.
Esse é exatamente o chamado ciclo OODA, do Coronel da Força Aérea

americana John Boyd, compreendendo uma sequência lógica de etapas segundo
o qual, o comandante deve avaliar a situação ao seu redor, decidir e agir de
forma continuada. Os líderes de pequenas frações devem valorizar o ciclo
OODA, pois ele antecipa problemas e ameaças e busca atender a uma premên-
cia de tempo. Algumas medidas devem ser tomadas para tornar mais eficientes
o comando e controle em operações militares (e policiais):
1) Durante o treinamento:
• Desenvolva, incentive e valorize a iniciativa de comandantes subordinados;
• Adestre os líderes de pequenas frações na tomada de decisões tendo por
base o ciclo OODA;
2) Na fase de planejamento e emissão de ordens:

• Apresente a missão com enunciado claro e a exata finalidade;
• Explicite e enfatize a intenção do comandante;
• Instrumentalize o conceito de operação por meio de uma matriz
de sincronização;
3) Durante a fase de operações:

• Esforçar-se para obter uma clara consciência situacional, mas esteja pre-
parado para as fricções (incerteza e confusão);
• Repasse dados de inteligência aos seus escalões subordinados. O fluxo de
inteligência deve atender de preferência seus comandantes subalternos;
• Sincronizar as ações com os elementos subordinados;
• Não cercear a liberdade de ação dos seus subordinados;
• Evite ao máximo a ocorrência do paradoxo de tendência centralizadora;
4) Ao final da missão:
• Conduza de-briefings focados, também, no aperfeiçoamento das relações
de comando;
• Introduza as correções necessárias no adestramento da tropa.
Em 1939, antes portanto dos EUA entrar na Segunda Guerra Mundial,

o seu Exército ocupava apenas o 13º posto em termos de efetivos. A força
total atingia apenas a cifra de 300000 soldados, com tanques obsoletos, e mal
equipamentos. Após seis anos, depois da Guerra, seu exército já era a 2ª maior
força militar do mundo em efetivo, e a maior em termos de Marinha e Força
Aérea. O exército que foi criado a partir dos anos 40, foi feito para lutar um
combate em que dois exércitos profissionais estão em lados opostos. Isso foi
bastante útil nessa guerra, bem como na Guerra da Coreia (1950-1953).
Entretanto esse mesmo exército nos anos 60 começou a enfrentar um ini-
migo diferente. Um inimigo furtivo, que não se apresentava diretamente no
campo e batalha, e que se escondia atrás de civis, atacando os EUA por meio
de esconderijos e buracos no meio da selva e desaparecendo rapidamente. Era
a guerra de guerrilhas em sua forma mais clássica. No Vietnã, a força armada
americana, criada e treinada para enfrentar outros exércitos formais tiveram que
se adaptar rapidamente a uma guerra de guerrilhas, que não diferenciava civis de
combatentes. Essa nova guerra resultava em pequenas escaramuças em área de
floresta densa. Apesar dos EUA terem vencido todas as batalhas, causando um
quantitativo de mais de 1 milhão de baixas no inimigo, contra quase 60000 baixas
do lado americano, a guerra no sudeste asiático não havia como ser mantida por
muito tempo. A mídia e a pressão popular levaram a uma grande derrota política
americana, por mais que tenham vencido no campo militar.
Em 1991, os EUA enfrentariam outro inimigo convencional. Eles estavam
a frente de uma Coalizão internacional enfrentando o exército iraquiano. Mas
após 2003, todas as guerras americanas a partir de então, sejam no Iraque,
na Síria, no Afeganistão e em outros campos de batalha, se pareceram muito
mais um enfrentamento de guerrilhas, que um combate entre exército formais
como na Segunda Guerra.
No Afeganistão, os EUA também não perderam nenhuma batalha e
tiveram menos de 2500 baixas, causando mais de 100000 baixas no adver-
sário. Apesar disso, sofreram uma vergonhosa derrota política, como no
Vietnã, encerrando de forma vergonhosa com uma desordenada retirada

de suas tropas, deixando o Afeganistão nas mãos dos talibãs.
Por todos esses motivos elencados, está ocorrendo uma profunda mudança
de paradigma nas Forças Armadas dos EUA. Já ficou provado que o Pentágono
não é bom no enfrentamento de insurgentes e de guerra de guerrilhas e isso
precisa mudar. Mesmo com rivais como a China e a Rússia, mantendo exérci-
tos formais, os americanos devem mudar sua forma de combater, aplicando
conhecimentos de contra insurgência, adquiridos nos lugares onde combateu,
além de atuar também de forma hibrida, segundo a cartilha das guerras do
século XXI, sem esquecer o enfrentamento convencional entre forças.
Diretrizes de combate modernas:
1) Cobertura e Mobilização: patrulhas com versatilidade e flexibili-

dade a fim de dar segurança aos seus elementos. Atacar com rela-
tiva proteção;
2) Simplificação: tudo o que é mais simples, tende a dar menos erros.
O complexo é bom na teoria, porém péssimo na prática;
3) Priorização e Ação: os comandantes devem escolher, entre várias
opções, aquela mais adequada a realidade e contexto. E de fato
executar a tarefa escolhida;
4) Descentralização: o comando deve ser descentralizado, a fim
de evitar a sobrecarga. Novos líderes devem ser preparados em
ações reais.
Operações HVT (Programa de Alvo de Alto Valor)
Na terminologia militar dos EUA, um alvo de alto valor (HVT) é uma

pessoa ou recurso que um comandante inimigo necessita para completar uma
missão. O termo tem sido amplamente usado na mídia para oficiais de alto
escalão de grupos terroristas, como as FARC, Al-Qaeda, ISIS ou Hezbollah,
pois são considerados essenciais para completar suas operações, mas também o
termo se aplica a comandantes militares de países inimigos. Osama Bin Laden
e Saddam Hussein, por exemplo, eram considerados como Alvo de Alto Valor
pelos militares americanos. O termo não deve ser confundido com um ‘alvo de
alto retorno’, que é um alvo cuja perda para o inimigo contribuirá significati-
vamente para o sucesso do curso de ação amigável. Alvos de alto retorno são
aqueles alvos de alto valor que devem ser adquiridos e atacados com sucesso
para o sucesso da missão do comandante amigo, também conhecida como HPT.
Os militares são frequentemente solicitados a fazer tudo o que for possí-
vel para capturar um HVT vivo. Entretanto, se isso for impossível, eles rece-
bem autorização para neutralizá-lo. Forças-Tarefas (Task-Forces) de operações
especiais conjuntas são estabelecidas com a finalidade principal de capturar
ou matar esses alvos de alto valor. Nos EUA, esses esforços conjuntos incluem
unidades ligadas ao Comando de Operações Especiais Joint e SOCOM, tais
como a Navy SEALs, Delta Force, SEAL Team Six, 75º Regimento Ranger e
elementos do exército e marinha britânicos, como SAS ou SBS. O termo tam-
bém se tornou associado a programas secretos do Departamento de Defesa
dos EUA para capturar e, posteriormente, interrogar líderes terroristas.
Operações HTV desempenham um papel muito útil quando fazem parte
de uma estratégia mais ampla de contra insurgência, quando governos deci-
dem planejar missões de busca e captura de HTV’s, antes mesmo do início das
operações e manobras. Operações desse tipo são um dos diversos recursos,
entre outros instrumentos militares e não militares usados em uma guerra
dessa natureza. Devem ser avaliados seus possíveis efeitos e resultados dese-
jados, pois as operações HTV geralmente têm efeitos imprevisíveis no cenário
do conflito, e os governos tendem a ter mais sucesso quando são especial-
mente claros os impactos desejados na dinâmica de um grupo insurgente.
O uso bem-sucedido de operações HTV pelos governos baseia-se em uma
compreensão acurada do funcionamento interno do grupo-alvo. Devem ser
detectadas vulnerabilidades, a partir de informações de desertores ou infiltra-
ção. Na estratégia de contra insurgência utilizada pela força amiga, predomi-
nantemente são combinados às operações HVT outros recursos de maneira
simultânea, e manejados de forma a compensar ou capitalizar os efeitos pro-
duzidos nessas operações. Essas missões, tendo como alvos líderes violentos
e extremistas, aumentam sobremaneira a probabilidade de eventuais acordos
políticos. As insurgências têm, por vezes, divisões internas ou fissuras, que
devem também ser exploradas e exacerbadas, cooptando líderes insurgentes
insatisfeitos. Operações HTV tem efeitos estratégicos potenciais (positivos e/
ou negativos) que devem ser avaliados com profundidade e critério:
• Efeitos positivos: Enfraquecimento da vontade insurgente, redução de

nível de apoio insurgente, fragmentação ou divisão do grupo, alteração
de estratégia insurgente que possa favorecer o governo;
• Efeitos negativos: Radicalização dos demais líderes, fortalecimento do
vínculo do grupo armado com a população, alteração da estratégia de
modo a favorecer insurgentes, aumento do nível de apoio.
Notas:
1. Alfred Tennyson foi um poeta inglês. Em seus trabalhos baseava-se em temas clássicos
mitológicos. Cresceu em uma família que incutiu nele o gosto pela leitura e desde jovem
mostrou suas habilidades poéticas. In memoriam (1850) é considerado sua obra prima.
2. Marcio Leite Teixeira, “Por que Revolução nos Assuntos Militares?” Revista de
Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro nº14 (2009), p. 51-81.
3. Liddell Hart, “Grandes Guerras da História”.
4. Blitzkrieg ou Guerra-Relâmpago é uma tática militar que consiste na utilização de

forças móveis em ataques rápidos e de surpresa, na intenção de evitar que forças
inimigas tenham tempo de organizar a defesa. Como elementos essenciais estão a
rapidez da manobra, a brutalidade do ataque e o efeito-surpresa. Tem como obje-
tivos a desmoralização do inimigo e a desorganização de suas forças.
5. John Boyd foi piloto de caça da Força Aérea dos Estados Unidos e consultor do
Pentágono no século XX. Suas teorias ainda são influentes em estratégias e no
planejamento militar moderno. Desenvolveu o ciclo de decisão conhecido como
ciclo OODA, um processo no qual uma entidade reage a um evento.
6. Álvaro de Souza Pinheiro, em “Comando em Combate: Considerações nos Níveis
Operacional e Tático”.
7. US Army Field Manual OOTW- Operations Other than War FM-100-5 Field Ser-
vice Regulations,Operations.
8. Cadernos de Estudos Estratégicos, “A Crise Russo-Ucraniana: Percepções Brasilei-
ras”, Escola de Superior de Guerra, abril 2022, p. 39.
9. OOTW – Operações de não guerra ou Operações que não sejam de guerra são
reconhecidas pela doutrina do Exército americano como abrangendo uma ampla
gama de atividades em que as forças militares são utilizadas para outros fins que
não as operações de combate. São exemplos de OOTW a imposição da paz, assis-
tência humanitária, manutenção da paz e assistência à nação.
10. Guerra Global ao Terror foi a campanha militar desencadeada pelos Estados Unidos,
em resposta aos ataques de 11 de setembro. O presidente George w. Bush declarou
a “Guerra ao Terror” como parte da estratégia global de combate ao terrorismo.
11. Alessandro Visacro, “Superando o Caos”, Military Review, 2015.
12. General Gordon R. Sullivan, em “War in the Information Age”, 1994.
13. C4ISTAR é uma sigla em inglês usada para representar o grupo de funções militares
definidas por C4(“cérebro” - Comando, Controle, Comunicações, Computação), I
(“conhecimento” – Inteligência), STAR (“olhos” - vigilância Aquisição de Alvos e
Reconhecimento), visando permitir a coordenação das operações.
COMBATES EM
ÁREA URBANA
“A pior política é atacar as cidades[...]ataque somente quando não houver alternativa”
Sun Tzu
N
o ano de 2025, cerca de 60% da população mundial estará concentrada
em cidades. Em virtude desse crescente processo de urbanização,
será cada vez mais frequente o emprego de forças militares e policiais
em epicentros econômicos, sociais, políticos e culturais em todo o
mundo. Nesse sentido muitas operações militares e policiais são conduzidas
nos arredores e no interior de áreas urbanas. Esse controle de áreas urbanas será
crítico nos conflitos do futuro na consecução de objetivos operacionais e estra-
tégicos. Somado a esses fatores, grandes partes dos centros urbanos também
está localizada próxima ao mar, aumentando a possibilidade de ocorrências
de operações militares conjugadas com operações anfíbias.
O combate em área urbanizada apregoa centrado planejamento e des-
centralizada execução, e implica em um treinamento específico voltado ao
incremento da iniciativa individual e trabalho em pequenas frações, que
necessariamente precisam de rapidez, coordenação e controle das ações, bem
como sincronização de meios à disposição. As técnicas, táticas e procedimen-
tos (TTP) em área urbanas, aliados a iniciativa influenciam enormemente o
desempenho no combate, sendo um tipo de confronto onde o desempenho
individual é fundamental e ganha destaque.
Nos combates urbanos as TTPs dependem dos fatores METT-TC (em
português, missão, inimigo, terreno, tropas e tempo, além de considerações
civis). As operações nesse ambiente são geralmente ações diretas para des-
truir pontos decisivos, operações de “modelagem” (‘shaping ops’), em pre-
paração para futuras operações em pontos decisivos, e operações de apoio
e sustentação para garantir liberdade de ação as tropas. As tropas devem
estar preparadas para as bruscas mudanças táticas envolvendo esse tipo de
terreno. São área de operações que variam com ou sem continuidade, ameaças
simétricas e não simétricas, transição rápida entre operações de suporte (ou
estabilidade), e operações de combate. Todas essas mudanças devem levar
em conta a minimização dos danos colaterais e baixas entre não-combatentes.
São características das operações urbanas:
 Condições voláteis (fatores METT-TC);

 Batalhas com pequenas unidades;
 Comunicações efetivas tanto vertical (comandantes e subordinados) como
horizontalmente (entre as equipes e membros;
 Não-combatentes;
 Grande utilização de munição;
 Aumento de baixas;
 Limitado espaço de manobra;
 Terreno tridimensional (acima dos prédios, abaixo da superfície e dentro
de prédios e edifícios);
 Danos colaterais;
 Confiança na Inteligência;
 Necessidade de apoio e uso combinado de forças;
 Necessidade de isolamento de pontos críticos;
82 Combates em área urbana
 Snipers;
 Apoio de fogo;
São fundamentos das operações urbanas:
 Operações de Informação focadas;

 Inteligência, Sobrevivência e Reconhecimentos intensos;
 Condução de Combates aproximados;
 Controlar o essencial;
 Evitar a abordagem de atrito;
 Minimizar danos colaterais;
 Distinguir combatentes e não-combatentes;
 Serviços essenciais devem ser restaurados;
 Preservação da infraestrutura crítica;
 Entender as dimensões humanas no terreno;
 Controle de transição (devolver a área a controle civil, dentro do possível).
O espaço de batalha se dá em vários níveis: espaço aéreo, topos dos

prédios, interior de casas e edificações, nível do solo ou do mar, e nos sub-
terrâneos. A preocupação com fogo amigo, fragmentação de artefatos, ou
ricochetes deve ser intensa em combates urbanos. Esses violentos combates,
muitos deles em ambientes confinados, requerem sempre do operador um
alta precisão. O combatente deve ter alta consciência situacional em terreno
urbano, saber onde está, onde está seu colega, ou sua equipe e obviamente
onde está o inimigo. Todos na tropa devem ter muita atenção a munições
vivas e artefatos que ainda não explodiram, pois podem causar baixas e
ferimentos e devem ser manipulados por equipes especificas. A presença da
mídia pode ser um componente crítico ao sucesso de uma operação urbana.
Problemas de acesso e presença, relacionamento complexo e risco de mani-
pulação de informação estarão sempre presentes.
Fatores de sucesso em uma operação de combate urbano:
o Planejamento e execução bem-feitos;

o Inteligência ativa;
o Surpresa;
o Combinação de esforços e meios (artilharia, aviação, infantaria e carros
de combate);
o Tempo e velocidade;
o Isolar ataque e defesa inimigos;
o Custos humanos;
o Regras de engajamento (minimizar baixas civis);
o Suporte médico (MEDEVAC) / Evacuações.
Algumas razões para um ataque ofensivo em área urbana:

• A estimativa de resultados do comandante e sua equipe podem impedir

alguma opção de contorno. A missão em si dita um ataque direto;
• Controlar pontes, estradas e linhas de comunicação, podem significar
resultados em futuras operações. São pontos chave de rotas na cidade
que podem trazer uma vantagem tática ao comandante. A necessidade de
uma base logística como um porto ou aeroporto, podem fazer a função de
pivô durante a campanha;
• A importância política de algumas áreas urbanas pode justificar o uso de
tempo e recursos para libertá-los das mãos dos inimigos. Tem também um
impacto psicológico na população e eleva sua moral;
• Uma situação tática pode requerer que a força inimiga seja contida;
• A área urbana pode estar em terreno dominante que seja rota de desvio
do suporte logístico ou de elementos de suporte de combate;
• O inimigo dentro da área urbana pode ser capaz de interditar linhas de
comunicação, apesar do terreno em torno dessa área facilitar essa passagem;
O aumento da expansão urbana tornou impossível que forças militares que

conduzem operações evitem cidades e aglomerados urbanos. Algumas razões
para uma operação defensiva em área urbana, entre elas são que certas áreas
urbanas existem indústrias estratégicas, centros de transportes ou complexos
financeiros e econômicos que devem ser defendidos. Centros culturais e capitais
devem ser defendidos também por motivos psicológicos e proposito moral,
apesar de não oferecerem vantagem para a defesa. Os defensores também pre-
cisam mudar ou concentrar o poder de combate, e mover grande quantidade
de suprimentos durante uma grande batalha, o que pode exigir a preservação
de centros de transporte. Outro ponto é que a maioria das vias de aproximação
e abordagem correm por pequenas cidades que devem ser defendidas. Essas
áreas podem ser usadas como posições de batalha e pontos fortes. Por último,
uma força defensiva pode infligir grandes baixas a um ataque numericamente
superior dentro de centros urbanos. A defesa pode concentrar o volume de seu
poder de combate e combater de forma igual ou melhor que em terreno aberto.
A evolução da doutrina militar americana1 é influenciada por fatores que
incluem novos armamentos, maior mobilidade estratégica e tática, políticas
diversas de defesa, dentre outros. Esse desenvolvimento doutrinário se reflete
no chamado Conceito Operativo (ou Conceito Operacional). Entre 2001 e 2011,
esse conceito operacional era definido por operações no amplo espectro (‘Full
Spectrum Operations’), ou seja, os comandantes de todos os escalões do exército
devem combinar tipos diferentes de operações simultâneas e sucessivas para
cumprir missões de guerra (ofensivas e defensivas) e não guerra (ou de estabili-
zação) ou apoio a autoridades civis (em solo americano). Esse conceito enfatizava
a sincronização das ações letais e não letais. Em 2008, sistemas operacionais do
campo de batalha foram substituídos por funções de combate (comando de
missão, movimento e manobra, fogos, logística, proteção e inteligência), ali-
nhando essa nova doutrina com a dos fuzileiros navais dos EUA. Em 2009 o termo
comando e controle, foi substituído por comando de missão. Entre as diretivas
da nova doutrina estavam: a vitória pela ofensiva, iniciar o combate impondo

termos ao inimigo, criar o “momento” rapidamente, e vencer decisivamente.
A partir de 2011 até 2015 o conceito operacional norte-americano passou
a ser definido por operações terrestres unificadas. A nova doutrina enfatiza a
conquista e manutenção da iniciativa, de forma permanente. Busca, além disso,
o equilíbrio entre as ações de combate (ofensivas e defensivas) e as tarefas de
estabilização, ou seja, uma equalização entre ações letais e não-letais. Representa
agora uma combinação de uma doutrina ar-terra (FM 100-52, edição 1993) com
as operações de amplo espectro. O exército passa a ser membro de uma força
conjunta, interagências ou de coalizão internacional, em completa integra-
ção. Três termos agora são essenciais: a letalidade (pronta resposta a qualquer
situação), a manobra das armas combinadas e a segurança de amplas áreas.
Nas guerras contemporâneas, como na segunda Batalha de Fallujah (Ope-
ração Phantom Fury), ou nos combates travados nas cidades ucranianas na
atual guerra com a Rússia, sobretudo na capital Kiev, podemos observar certas
semelhanças de acordo com Jhonatan de Oliveira3 (site Hoje no Mundo Militar):
1. Desafio Arquitetônico: Os centros urbanos em qualquer lugar do planeta com-

partilham fatores básicos como prédios, estruturas e falta de espaço. Os blindados
deixar de ser protagonistas, e passam apoiar o terreno como suporte de infantaria,
em virtude das pequenas vias e dos limitados espaços de manobra. Isso torna o
avanço muito mais restrito. Obviamente o fator mecânico entra na equação, com
as plataformas de disparos limitadas ou na velocidade de engajamento de alvo,
sem permitir a aquisição de alvos em andares altos. Isso transforma a relação dos
blindados com infantaria em uma espécie de simbiose.
2. Progressão de Infantaria: A infantaria utiliza as extremidades das ruas para avanço,
sempre visando estruturas para proteção em caso de confronto. Com a quantidade
elevada de construções a entrada dinâmica se torna um ritual em cada cômodo. A
tensão com IED (explosivos improvisados) é alta, podendo haver estruturas inteiras
comprometidas com esse tipo de artefato. Isso eleva e muito fator de imprevisibi-
lidade. A patrulha deve ter grande habilidade e perícia ao se deparar e sobrepujar
esses dispositivos, que podem inutilizar um pelotão inteiro. O defensor em cenários
como esse, geralmente utiliza as táticas de “atacar e se dispersar” ou mesmo de
preparar emboscadas em prédios pré-determinados, como nas batalhas em Grozni,
Chechênia. Nessa cidade, os chechenos se abrigavam em apenas um dos dois lados
da rua. Quando os russos eram surpreendidos pelas forças de defesa, corriam para
se abrigar nos prédios do lado oposto. Depois que toda a fração russa entrava, os
chechenos detonavam cargas explosivas pré-instaladas, aniquilando os invasores.
3. Fracionamento da tropa invasora: A força de assalto, ao avançar sobre a área urbana,
e se deparando com prédios e estruturas, progride e acaba por separar a os pelotões.
Isso faz com que o suporte entre essas pequenas frações seja muitas vezes inviável,
pelas questões espaciais. Essa movimentação pode causar um afunilamento que pode
ser explorado pelo defensor. Como contramedidas, duas opções podem ser tomadas:
• Para diminuir o risco de IEDs, em vias de acesso pode ser usado um veículo de
engenharia como o UR-77 Meteorit, que dispara cargas de explosivos, que são dis-
persos em dezenas de metros, que ao detonarem criam uma reação em cadeia que
ativa artefatos explosivos próximos, por calor ou pela onda de choque, limpando
o avanço das unidades;
• A artilharia pode disparar munições de Fósforo Branco (WP), provocando incên-
dios, fazendo com que os defensores abrigados nas estruturas atingidas tenham
obrigatoriamente que se reposicionar. Ao se exporem, podem ser neutralizados
com disparos, explosivos de alta capacidade ou lança-granadas.
Atualmente a guerra é essencialmente urbana: Beirute, Rio de Janeiro,

Grosny, Mariupol, Fallujah e Aleppo. Daqui para frente os combates serão
urbanos e terão nomes de cidades4. Conforme o General Domingos Carlos
Curado, os centros urbanos se tornaram o símbolo da ampliação da profissão
militar e da dualidade guerreira e social, do soldado. Os centros urbanos
impõem reavaliar os equilíbrios, equipamentos, estruturas, além da forma-
ção dos guerreiros e líderes5.Segundo o General Krulak, no prefácio do livro
de Antonin Tisseron “Guerras Urbanas: Novos Métodos, Novos Soldados”,
o êxito na guerra nas cidades se tornou a condição da nova utilidade das
armas. Os chefes militares que cumprem missões em combater nas cidades
sabem que terão um desafio de extrema complexidade. Os exércitos preferem
muito mais os campos abertos, onde podem atuar com mais desenvoltura,
do que os ambientes compartimentados de cidades. A característica urbana
dos conflitos foi reforçada por três características essenciais: 1) A evolução
da natureza dos conflitos, onde nas últimas décadas a grande maioria das
guerras prospera nas cidades; 2) A progressiva urbanização da população,
desde o século XX até hoje e; 3) A concentração urbana de poderes e riquezas.
Ainda de acordo com o General Krulak cinco ideias6 são basilares e
importantes para se compreender a nova dinâmica dos combates urbanos. A
primeira é o caráter específico do ambiente urbano. Nas cidades, o contexto
civil e emocional sobrepuja o militar e o cartesiano. Isso exige coordenação
com múltiplos atores, inclusive entre eles as ONGs e a imprensa.
“As áreas urbanas reúnem os símbolos em um espaço fechado; concentram a

violência, focalizam a atenção; elas cristalizam todas as preocupações e todos
os olhares sob o fogo midiático, o que acentua ainda mais a judicialização
das ações militares e, por conseguinte, às restrições à liberdade de ação...”
A segunda ideia de Krulak é a evolução do adversário. Áreas urbanas

são o terreno ideal para o combate assimétrico e “o lugar privilegiado onde
o mais fraco pode optar por enfrentar o mais forte” com atentados, embos-
cadas, explosivos, infiltração e desinformação. A terceira ideia diz respeito
à mudança da noção de eficácia militar. Os problemas nos centros urbanos
são muito mais humanos do que físicos. O alvo da ação também mudou.
Não é destruir a força militar adversária, mas conquistar a população. Isso

exige uma sincronização de ações multidisciplinares e um enfoque global
das crises. A quarta ideia é a evolução dos meios da eficácia militar, pois a
cidade “enclausura quem nela luta, torna-se armadilha para os soldados,
que aspiram os espaços, e os obriga a agir de modo diferente”. Os sistemas
de forças muitas vezes revelam-se inadequados. Com isso a tática prevalece
sobre o nível operacional, a influência supera o poder, a ação individual é mais
ativa que uma mensagem estratégica. Por fim, a quinta ideia é a ampliação
do ofício militar. Outras ações são necessárias além do combate exigindo do
combatente uma reconfiguração de seu papel guerreiro e seu papel social.
Líderes de destacamentos e patrulhas devem ser, além de coordenadores e
gerentes, negociadores, mediadores, diplomatas, policiais, agentes humani-
tários e políticos.
Notas:
1. US Army Field Manual Combined Arms Operations in Urban Terrain, FM 3-06.11
(FM-90-10-1) Headquarters/Department of Army.
2. US Army Field Manual FM 100-5 (1993).
3. Jhonatan de Oliveira, “De Fallujah a Kiev: A realidade do combate urbano”, Site
“Hoje no mundo militar”.
4. General Krulak, Comandante do corpo de Marines (EUA), no prefácio do livro de
Antonin Tisseron, “Guerras Urbanas”, p. 11.
5. General Domingos Carlos de Campos Curado, na apresentação do livro “Guerras
Urbanas”, de Antonin Tisseron, p.5.
6. General Krukak, prefácio de “Guerras Urbanas”, p. 11-16.
CIDADES
ESTRATÉGICAS
BRASILEIRAS
São Gabriel da Cachoeira, AM (Região da Cabeça do Cachorro1)
P
or fazer fronteira tanto com a Colômbia como com a Venezuela, a
região situa-se em posição geográfica importante. Tem forte presença
militar. Região com ocorrência de invasão por parte de membros
ainda não desmobilizados das Forças Armadas Revolucionarias da
Colômbia (FARC-EP). Alto número de aldeias indígenas na região, e popula-
ção vulnerável. Possui em seu solo o minério Nióbio, altamente raro, valioso
e estratégico, utilizado em indústrias de ponta em diversos países.
São Paulo, SP
Centro financeiro da América Latina. Atrai investimentos do mundo

inteiro. Diversas companhias multinacionais têm instalações e plantas indus-
triais na região. Centro de polos de inovação e pesquisa sujeitos a espionagem
industrial por parte de outros países. São José dos Campos é a cidade da
Embraer, empresa importante e uma das mais avançadas no desenvolvimento
aeronáutico e de defesa.
Uruguaiana, RS
Faz fronteira com a Argentina, próxima do Uruguai. Logisticamente

ocupa posição privilegiada equidistante entre Assunção, Porto Alegre, Monte-
vidéu e Buenos Aires. Lidera produção de arroz no Brasil. Atuação de diver-
sos grupos criminosos entrando com armas e drogas pela região de fronteira.
Atuação forte das alfandegas dos três países limítrofes, juntamente com a
Polícia Federal brasileira, coibindo o contrabando e a lavagem de dinheiro.
Foz do Iguaçu, PR
Fronteira com o Paraguai (Ciudad del Este) onde ficam as Cataratas do

Iguaçu. Alta incidência do crime organizado (terrorismo/lavagem de dinheiro/
contrabando de armas, eletrônicos, cigarros e drogas). Alguns membros do
Hezbollah e do Hamas (grupos paramilitares terroristas) também foram presos
na região. Foram detectados elementos das Máfias Russa, Sérvia e Italiana, bem
como das Tríades Chinesas. Em Foz de Iguaçu está localizada a maior Hidrelé-
trica que fornece praticamente 100% da energia consumida no Paraguai e de
considerável parte do Brasil, uma das maiores obras da engenharia moderna
e a segunda maior em operação no mundo. Há divergências entre as posições
da CIA (Central Intelligence Agency) e a DEA (Drug Enforcement Administra-
tion – Agência Anti-Drogas americana), quanto a presença de terroristas ativos
ou células terroristas hoje em Ciudad del Este, com esta última afirmando que
há. Já a Polícia Federal brasileira e a CIA dizem que ‘não’. Deve-se também
90 Cidades estratégicas brasileiras
salientar que Ciudad del Este, é o maior centro financeiro abaixo da linha do
Equador, ganhando até de São Paulo nesse quesito.
Porto Alegre, RS
Metrópole que está em primeiro lugar em qualidade de vida do Brasil é

também a casa da CEITEC2, que é uma empresa vinculada ao Ministério de
Ciência e Tecnologia e que atua no segmento de semicondutores e microchips.
Mercado dominado por EUA, China e Taiwan.
Pacaraima, RR
Na fronteira com a Venezuela. Alto fluxo migratório, praticamente

saturando a cidade e exigindo esforços das Forças Armadas e outros órgãos
para coordenar e apoiar a organização desse fluxo e administrar essa crise
humanitária. A presença militar também é importante para coibir integrantes
de organizações criminosas que caçam elementos foragidos do regime vene-
zuelano do Presidente Maduro. Alta atividade de inteligência venezuelana,
cubana e russa na região, tornando-a altamente tensa.
Angra dos Reis, RJ
Casa das usinas nucleares Angra 1, Angra 2 e Angra 3 (construção em

curso), é considerada por esse motivo, uma cidade altamente estratégica do
Brasil. São abastecidas com base em reatores de fissão nuclear. Têm ao todo
um total de 1700-1800 funcionários, e abastecem cerca de 40% da energia
consumida no Estado do Rio de Janeiro e 3% da energia consumida nacio-
nalmente. Trazem o benefício de prover energia ao país, mas também carre-
gam consigo o risco de um acidente nuclear. As medidas de segurança para
prevenir e diminuir riscos são imensas. Portanto as chances de um acidente
são muito baixas, mas nunca podemos descartar. Episódios como Chernobyl,
na Ucrânia, e em Fukushima, no Japão, demonstram que esses cuidados, por
maiores que sejam, devem continuar a serem realizados com total rigor. Em
relação a Angra 3, faltam ainda em torno de 14 bilhões de dólares de aporte
para ser terminada, com algo em torno de 60% de sua estrutura construída.
Todo o complexo está sujeito a tentativas de ações de espionagem industrial
provenientes de outros países, com interesses na tecnologia dessas usinas
de energia, por isso a necessidade de monitoramento intenso e protocolos
rígidos, a fim de evitar que isso ocorra.
Recife, PE
Por essa cidade abrigar o Porto Digital3, é considerada uma cidade estra-
tégica. Esse complexo abriga mais de 300 empresas (entre multinacionais e
startups) e é de grande importância, não apenas para a economia pernambu-
cana e brasileira como um todo, mas também por ser um polo de inovação e
pesquisa tecnológica. Foi fundado no ano 2000, operando no sistema “tiple
helix “(hélice tripla) onde atuam instituições privadas, universidades e órgãos
públicos participando de forma complementar no desenvolvimento do Porto.
Ele fomenta pesquisas tecnológicas de universidades e também atua em três
áreas estratégicas: Tecnologia da Informação, Produção de Jogos e Games
(Softwares) e Economia Criativa e Tecnologias Urbanas. Modelos para outros
polos digitais como Brasília e Porto Alegre.
Brasília, DF
Apesar de ser a casa dos três poderes e o centro do poder no país, tanto no
Executivo, como Legislativo e do Judiciário, o aspecto de ser estratégica se dá pelo
fato de abrigar mais de 200 representações diplomáticas, embaixadas e órgãos
representativos (portanto a área de inteligência e informações é muito ativa e
demandada). É a 13ª cidade com o maior número de representações diplomáticas.
Manaus, AM
Capital do Estado do Amazonas (estado com a maior quantidade de

floresta na região) e um polo industrial e da Zona Franca de Manaus (ZFM).
Se tornou importante centro que recebe empresas multinacionais com grandes
incentivos fiscais e oportunidades, a ZFM, estabelecida em 1967, tem uma
área de 10 mil metros quadrados, e se amplia para outros Estados da Região
Norte. Alta capacidade de produção industrial. Eletrônicos, bens de infor-
mática, termoplásticos, materiais metalúrgicos e equipamentos mecânicos e
químicos são os segmentos mais importantes. O Porto de Manaus é o maior
porto fluvial do mundo, grande capacidade de exportação e escoamento de
produção. Cidade também com alto interesse de espionagem industrial.
Paranaguá, PR
Segundo maior porto brasileiro e maior porto exportador graneleiro do

país. Importantíssimo para o escoamento de grãos e produção agrícola das
regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, atrai a atenção externa de investidores
de ‘commodities’ e é de vital importância para o desenvolvimento da região.
A China vem comprando áreas e investindo muito nesse porto.
92 Cidades estratégicas brasileiras
Fortaleza, CE
Recebeu mais um cabo de fibra ótica, totalizando 16 que já existem

conectando o Brasil e a Europa. Cidade estratégica, pois fortalece a capaci-
dade brasileira de internet e distribuição de dados. Cidade do mundo com
o maior entroncamento de fibra ótica existente (principais ‘hubs’), fazendo
dessa capital uma área importante e fundamental no cenário global, atraindo
capital estrangeiro na área de telecomunicações. Mais dois novos cabos devem
chegar até 2022.
Notas:
1. Cabeça do Cachorro é uma região situada no extremo noroeste do Brasil, no estado
do Amazonas, na área de fronteira com a Colômbia e a Venezuela. É conhecida assim
em função do desenho formado peça linha da fronteira brasileira com seus países vizi-
nhos, lembrando o formato de uma cabeça daquele animal, quando de boca aberta.
2. CEITEC é uma fábrica de semicondutores em Porto Alegre/RS, que atua em projeto
de fabricação e circuitos integrados (CIs) e no pós-processamento de wafers (material
semicondutor para circuitos integrados). Em seu portfólio, inclui-se também módulos
e tags de identificação por radiofrequência (RDIF) para aplicação em vários segmentos.
3. Porto Digital de Recife é um parque tecnológico localizado na capital pernambu-
cana. Foi fundado em 2000 com atuação nas áreas de tecnologia da informação e
comunicação (TIC), além de economia criativa (EC). O objetivo era reter profissionais
qualificados e revitalizar o bairro do Recife Antigo, região histórica que outrora
estava degradada. O Porto Digital possui uma outra unidade na cidade de Caruaru.
REGIÕES
ESTRATÉGICAS
E AMEAÇAS
POTENCIAIS AO
BRASIL NA ÁREA
DE SEGURANÇA
E DEFESA
Amazônia (biopirataria/biodiversidade/minerais estratégicos/

aquíferos)
O
avanço dos países hegemônicos foi determinado por dois aspectos:
primeiro, relacionado à organização e controle de ideologias regio-
nais, e em segundo lugar, às ações políticas visando um equilíbrio
regional de poder. Esse contexto, no entanto, foi alterado por um
forte processo de globalização. Ela promoveu a interação de economias, abrindo
oportunidades a países que estavam preparados para incorporar ganhos advin-
dos da produtividade, da redução da pobreza, da melhoria da educação e de
uma dinâmica industrial incorporada de alta tecnologia.
O mercado é o maior criador de riquezas, e a grande solução para a
pobreza. A liberdade competitiva do mercado gera crescimento, e governos
podem distribuir essa riqueza. O respeito com o criador de riquezas é o
começo da solução da pobreza. Esse entendimento alterou a geografia do
comércio internacional, forçando corporações em busca de novos mercados,
redistribuindo investimentos internacionais. O aumento da competição inter-
nacional gerou uma pressão por novas fontes de matérias primas (petróleo,
gás, minerais de terceira geração e fontes alternativas de água), recursos
fundamentais para atender a demanda das economias dominantes.
Países ricos em recursos naturais se deparam com uma nova ordem
mundial, intensiva no uso de matérias primas estratégicas, passando a uma
regionalização geopolítica nos padrões de exploração e comercialização. A
Amazônia, possuidora de inigualável estoque de recursos estratégicos, passou
a ser o centro das atenções, atingindo uma imensa importância geopolítica
no cenário internacional, com seu capital natural ou capital ‘intangível’. A
questão ambiental na verdade é o novo colonialismo do século XXI, e o Brasil
e seus governantes não devem fechar os olhos quanto a isso.
Discutir a biodiversidade como recurso estratégico e a sua proteção
tem sido tema de vários eventos nacionais e internacionais. Nestes eventos,
tem sido identificados fatores político-econômicos, socioculturais, biológi-
cos diretamente relacionados a utilização de serviços da floresta amazônica.
Nesse sentido, a Convenção de Diversidade Biológica (CDB) ratificada em
1993, depois portanto, da ECO-92, é específica quando regula e protege o
acesso a biodiversidade.
A complexidade do controle ambiental brasileiro tem sido uma grande
preocupação de diversos órgãos governamentais e não governamentais, na
definição de políticas voltadas a ações de controle da biodiversidade amazô-
nica. Outro ponto que vem se tornando muito discutido dentro das estratégias
para a preservação da biodiversidade é a respeito da biopirataria, chamando
a atenção para perdas que o país pode ter se não proteger seu estoque de
recursos estratégicos.
Regiões estratégicas e ameaças potenciais ao Brasil
96 na área de Segurança e Defesa
A Amazônia também é detentora de grande biodiversidade em seu

subsolo, além de deter a maior parte de estoques estratégicos de recursos
minerais, necessários aos avanços tecnológicos do século XXI. As estatísticas
mostram grandes estoques voltados para a extração de ferro, bauxita, alu-
mina, ouro, estanho, manganês, diamantes, gemas e pedras semipreciosas.
Outros minerais conhecidos não são explorados intensivamente, como o
cromo, o cobre e o níquel.
A região amazônica detém uma das grandes províncias minerais do
mundo: Carajás, no Pará. Possui grandes jazidas de ferro, abrangendo uma
área de 120000 quilômetros quadrados. A maior parte dos minérios amazô-
nicos é encontrada em áreas de rochas do período pré-cambriano.
A riqueza mineral da Amazônia mostra que o Estado de Amazonas possui
importantes jazidas de ferro, manganês e nióbio-tântalo. O Estado de Roraima
se destaca em ouro, diamantes e com o nióbio-tântalo. O Estado de Rondônia
aparece com ocorrências de ouro, titânio e diamantes. O Estado do Amapá pos-
sui reservas expressivas de caulim, ferro, manganês e ouro, além de reservas de
diamantes, níquel e nióbio-tântalo. O Pará, possui reservas de bauxita e cobre.
A escassez de água nas diversas regiões do planeta tem se convertido em
um tema importante. Estatísticas internacionais mostram um futuro muito
sombrio para determinadas regiões do planeta. Um relatório da ONU destaca
que pressões decorrentes do aumento populacional em 2050, deverão forçar
significativamente a disponibilidade de recursos hídricos, provando a poten-
cialidade da crise que a escassez de água pode alcançar.
Essa escassez hídrica é um processo gradativo que se intensifica com o
desperdício e o mau uso, e com isso, aos poucos, os continentes vão sofrendo
com perdas de disponibilidade. Futuramente, em virtude da crescente
demanda por alimentos nas regiões mais pobres da Asia, África e América
Latina, sérios conflitos regionais podem começar gerando uma crise global da
água. A água deixará de ser tratada como um bem comum para se tornar um
bem econômico. Ela passará a adquirir um valor econômico pela contribui-
ção em muitas atividades produtivas e industriais. China, Índia, México e o
continente africano registram queda nos níveis de lençóis freáticos, a medida
de um metro por ano, apontando para uma grave crise em 20 ou 25 anos.
Recursos hídricos são um dos motores do desenvolvimento econômico,
sobretudo em setores como a agricultura e a indústria. Uma relação desequili-
brada entre oferta e demanda mundial é causada pelo aumento do consumo,
visto que 70 % da água doce disponível é destinada a agricultura. 22% para
a indústria e apenas 8% é destinada ao uso individual. Ao não conseguirem
conciliar o consumo de água per capita com a escassez, em determinadas
áreas do planeta, podem surgir situações de ‘hidro conflitos regionais’, como
já estão ocorrendo na Síria, Iraque e Turquia. A escassez é vista, portanto,
como uma causa para a geração de confrontos armados entre países.
O Brasil se insere nesse cenário como o detentor das maiores reser-
vas de água doce do planeta. Também compondo esse estoque de recursos
estratégicos estão o aquífero Guarani, com volume de água de 45 mil quilô-

metros cúbicos (a maior parte em solo brasileiro) e o aquífero Alter-do-Chão,
com um volume de água de 86 mil quilômetros cúbicos localizado nos Estados
do Amazonas, Pará e Amapá. O Brasil ocupa posição privilegiada dentro da
dimensão geopolítica de utilização e preservação dos recursos naturais do
planeta. E a Amazônia especificamente assume uma posição internacional
de forte conteúdo geopolítico.
Os anos 90 foram marcados também pela intensificação do discurso
sobre o imperativo de proteção da Amazônia, perante uma nova ameaça: a
internacionalização, e a consequente perda da soberania nacional. A Amazô-
nia é, de fato, e sempre será, uma área estratégica prioritária. É, sem sombra
de dúvida, fundamental cuidar e defender desse espaço vital. A defesa da
Amazônia foi então sobremaneira reforçada e reestruturada nessa época,
concomitantemente novas ameaças e desafios surgem: narcotráfico, movi-
mentos guerrilheiros de países vizinhos, organizações não governamentais
ambientalistas ou de proteção aos indígenas, defesa das fronteiras etc.
Diante do panorama de ameaça à Amazônia, o Exército Brasileiro passou
a refletir sobre a possibilidade de uma resistência não convencional, em caso
de haver interferência de grandes potências na região amazônica. Tal doutrina
apresenta duas possibilidades de enfrentamento: a primeira, baseada no com-
bate convencional, quando o inimigo possuir um poder militar similar ou infe-
rior ao Brasil e a segunda, quando o invasor possuir um poder militar superior
ao nosso, a estratégia adotada seria a combinação de guerra convencional e
de ações não convencionais (guerrilha de resistência). Em nível operacional
essa estratégia indireta, utilizando a persuasão, a coerção e a lassidão (saber
durar, vencer pelo cansaço) é a guerra irregular em sua melhor forma, mas
sem transformar o exército regular em guerrilheiros, pois a manutenção de
um exército regular é vital na condução de uma guerra irregular.
A Amazônia é gigantesca, perfazendo um total de 7 a 8 milhões de quilô-
metros quadrados, dos quais 5,3 milhões fazem parte da Amazônia brasileira.
A Amazônia brasileira definitivamente não está à venda, isso é inegociável,
e é exclusivamente do Brasil. Quem deve cuidar da Amazônia brasileira é
o Estado brasileiro. E o Brasil, nos dias de hoje, cuida bem da Amazônia.
Durante o governo Bolsonaro foi criado o Conselho Nacional da Amazônia
Legal, sob o comando do vice-presidente Hamilton Mourão, visando instituir
com maior rigidez, efetivo e recursos esse cuidado devido. Hoje em dia, em
virtude desse Conselho criado, avanços tecnológicos conseguem descobrir
até o “DNA” da madeira retirada de forma ilegal da região, podendo a partir
daí levantar dados como a sua origem, quem a retirou e quem a comprou.
É fundamental continuar com o patrulhamento e vigilância sobre toda
essa região, usando o SISFRON1, radares e outros meios de interceptação,
particularmente na Amazônia oriental, área onde ocorre um maior índice de
desmatamento, e mais vascularizada com estradas vicinais, dando maior possi-
bilidade de escoamento para todo e qualquer material ilícito. Muitos dos países
que se queixam a organizações internacionais, da ocorrência de um “grave

desmatamento” na região Amazônica, são muitas vezes os compradores dessa
mesma madeira retirada irregularmente. São os mesmos países que querem
interromper o desenvolvimento do agronegócio e da produção agrícola do
“celeiro do mundo”, com narrativas forjadas de destruição do meio ambiente.
É preciso sobretudo disciplinar o trabalho de ONGs pelo país, especial-
mente na Amazônia, fiscalizando seu papel, monitorando suas atividades,
e até encerrando e expulsando do país algumas organizações não governa-
mentais que agem contra o interesse nacional. A Índia recentemente expulsou
centenas dessas ONGs de seu país (GREENPEACE e Anistia Internacional,
entre outras) sob a acusação de corrupção. A Nicarágua também vai pelo
mesmo caminho. É muito importante saber também o que o elemento estran-
geiro faz aqui nessa região. Deve haver um controle maior as suas atividades
e mesmo restringir o seu acesso em algumas áreas. As autoridades de maior
nível estratégico devem servir ao Brasil, e não a entidades como a ONU.
São necessárias cada vez mais, intervenções militares integradas com
forças de segurança, para operações de Garantia da Lei e da Ordem dentro da
selva amazônica, a fim de coibir crimes graves como o dito “garimpo ilegal”
(regularizá-lo legalizá-lo, se em terras indígenas, para que a comunidade
protegida se beneficie com essa exploração, sem interferência estrangeira),
contrabandistas de madeira nobre, o tráfico de animais, a biopirataria e até
o tráfico humano. O Brasil é o país que mais preserva florestas naturais e
devemos lutar, como nação, pela sua preservação e, concomitantemente, sua
exploração de forma sustentável.
Amazônia (questão indígena, desmatamentos, queimadas e

segurança alimentar)
Em muitas aldeias, cobertores arrecadados em doação não chegam, ape-

sar do frio intenso, pois funcionários, que estão ali para proteger os índios,
alegam que isso não faz parte da cultura da tribo. A quem interessa que o
índio brasileiro permaneça eternamente em seu “estado da natureza” hobbe-
siano2? Ou que tribos habitem em uma espécie de “zoológico humano” para
visitação estrangeira? Isso, sem falar nas demarcações malfeitas, alterando
por quilômetros, marcações originais, gerando uma grave estatização de
propriedades privadas bastante produtivas.
Em função da maioria dos índios do Brasil hoje serem tutelados por antro-
pólogos politizados, e burocratas com interesses diversos da causa, atuando
em entidades como a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), e organizações
não-governamentais obscuras como CIMI (Conselho Indigenista Missionário)
e ISA (Instituto Socioambiental) entre outras como o GREENPEACE, o Estado
brasileiro ficou com pouco espaço de manobra para levar a civilização à aldeia ou
integrar o índio brasileiro na sociedade civil. A tribo de índios Parecis, no Mato
Grosso, demonstra ser uma boa exceção. Lá, o desenvolvimento e a integração

começaram há muito tempo, e ocorre a lavoura mecanizada há várias gerações.
As maiores reservas de potássio estão praticamente todas elas em terras
indígenas ou estão em terras que estão interditadas para constituição de futu-
ras terras indígenas. Muitas terras com reservas desse mineral também estão
em áreas chamadas “zonas de amortecimento”, em torno das unidades de
conservação. Ambas as áreas, tanto as interditadas, como as zonas de amorte-
cimento estão interditadas para exploração. Portanto a cobertura de território
impedido é enorme. Isso acarreta um prejuízo financeiro muito grande para a
sociedade de toda a região amazônica. Os próprios índios querem fazer essa
exploração. Querem minerar. Várias são as aldeias onde os índios clamam
por ter o direito de exploração (no território dos Caiapós -Terra do Meio, no
território dos Cinta-Larga, em Rondônia, no território dos Puyanáuas, no Acre
e os ianomamis, no território dos Mundurukus, no Pará são alguns exemplos).
O território indígena não é invadido por garimpeiros, isso é uma grande inver-
dade. Os próprios índios querem explorar suas terras. É necessário que haja
urgentemente a legalização, a regulamentação (bem como a desregulamen-
tação) e sobretudo a regularização fundiária, para que essa população que
vive na região amazônica, um total de 23 milhões de brasileiros, mais rica em
termos de recursos naturais e minerais (ouro, diamante, cassiterita, madeira,
água, biodiversidade), e com o pior índice de desenvolvimento humano possa
realmente melhorar sua qualidade de vida. O que está acontecendo é que
atividades que poderiam ser consideradas perfeitamente legais estão sendo
rotuladas de ilegais (“garimpo ilegal”). Quando a mineração em terras indí-
genas é rotulada de “atividade ilegal” nada do que é feito dentro da reserva é
considerado legal, e portanto, não se consegue que os indígenas sigam normas
ambientais, ou regras de licenciamento.
O “Fundo Amazônia”, decreto assinado pelo Presidente Lula, e inter-
rompido na gestão do presidente Bolsonaro captava doações de projetos e
recebia financiamento de países como a Noruega e Alemanha com a finalidade
de “preservação da Amazônia” e “combate ao desmatamento do bioma’. Na
verdade, são grandes fundos de investimento para explorar recursos minerais
e comprar terras no interior do Estado do Amazonas, usando a narrativa do
desmatamento e queimada de florestas.
Pelo moderno Código Florestal Brasileiro de hoje, com relação a quan-
tidade de área destinada à Reserva Legal, uma quinta parte das fazendas de
campos gerais devem ser preservados como mata nativa. Se o imóvel rural
for localizado no cerrado, são 35%. E se estiver em área de florestas à área
mantida com vegetação nativa, deve chegar a 80%.
Muitos países desenvolvidos, principalmente a França, querem ensinar
a preservar a natureza, mesmo com suas matas totalmente devastadas, e ten-
tam retaliar o Brasil com sanções alegando descuido ambiental da Amazônia,
pelos “excessivos” desmatamentos e queimadas. Essas falsas narrativas estão
sendo corroboradas por charlatães da ecologia, inclusive jovens adolescentes
“lobotomizados” com um discurso ambiental extremamente radical, clara-

mente sendo manipulados por corporações globais e meta-capitalistas de
interesses escusos, a fim de causar uma comoção global sobre o tema (vide
Greta Thumberg e outros).
Artistas de Hollywood, como o ator americano Leonardo DiCaprio, que
nunca pisaram na Amazônia, e mal conhecem a realidade nacional, bem como
os esforços de preservação ambiental que estão sendo realizados por parte das
autoridades brasileiras, somam-se a essas patéticas vozes juvenis em um coro
(e choro) apelativo que não colabora em praticamente nada, a não ser polarizar
posições e jogar baldes de água fria em discussões que poderiam ser positivas e
pragmáticas sobre um tema de interesse mundial. Há bastante gente ganhando
dinheiro e fazendo negócios com o terrorismo ambiental e climático.
A verdade é que o movimento ambientalista internacional usa de seus
tentáculos não-governamentais a fim de paralisar empreendimentos e difi-
cultar o desenvolvimento nativo. Como claro exemplo, dentro do contexto
da nova guerra Rússia-Ucrânia, são pressões exercidos pelos partidos-verdes
na Europa, que vêm conseguindo restringir investimentos em energia nuclear
e fóssil, levando economias do Centro e Leste europeu à uma dependência
cada vez maior de energia da Rússia.
No total, 84 % da Amazônia é preservada. Inclusive uma parte dessa
proteção é feita exatamente por estes que são atualmente demonizados, os
agricultores da região amazônica. O recorde de desmatamento foi em 2004/2005
do governo do Presidente Lula. Informações equivocadas e replicadas por uma
mídia que desconhece os problemas da Amazônia, ou de quem nunca colocou
os pés naquela área, prejudicam, e muito, a imagem do Brasil no exterior.
Primeiramente, em relação as queimadas, muitos incêndios controlados
detectados em monitoramento ocorrem em função do manejo de baixa tecno-
logia. Em segundo lugar, por trás desse argumento, o que está ocorrendo na
verdade é uma subtração de mercado de alimentos pelo Brasil, uma queda
drástica de lucros de seus produtores locais e uma consequente exigência de
aumento de subsídios. Essa guerra comercial usa a questão ambiental como
“cortina de fumaça” para o protecionismo.
Sobre o efeito estufa, o Brasil ainda era, até 1920-30, um país predo-
minantemente agrário, enquanto nesse período ou mesmo antes, países do
primeiro mundo e os EUA já lançavam seus gases de efeito estufa (origem
fóssil) na atmosfera, por meio lenhas para locomotivas, indústrias de petróleo
e fábricas. O Brasil, portanto, não teve participação histórica na acumulação
de gases de efeito estufa, diferentemente dos países ricos, europeus notada-
mente, durante a sua Revolução Industrial.
Em um recorte contemporâneo, a China é responsável atualmente por 30
% dos gases de origem fóssil lançados na atmosfera, os EUA, 15%, a Europa é
responsável por 14%, a Índia por 7%, Rússia 5%, e o Brasil tem o índice de 2,9
% (83% de nossas matrizes energética são de energia limpa). O país não é cul-
pado desse problema climático gerado e, além disso, deveria realizar esforços
diplomáticos para acusar os países com graves índices de poluição. E não pode-
ria ter aceitado participar, nas condições que o país participa, de acordos climá-
ticos globais (Protocolo de Kyoto, Acordo de Paris, Convenção do Clima, COP).
O país tem que ter uma postura diversa, ter mais confiança, ser mais objetivo,
coeso e dizer que a conta deve ser paga por países desenvolvidos e não por nós.
Ou que se pague uma taxa/remuneração ao Brasil por prestar “serviços ambien-
tais” ao planeta, e com esse dinheiro, revertido para a sociedade, poderíamos
dar uma qualidade de vida melhor ao brasileiro ou mesmo erradicar a miséria.
Se o Brasil fizesse um levantamento do quantitativo do estoque de créditos
de carbono somados que o país tem direito, por todos esses acordos firmados (e
até hoje não recebeu) são mais de 328 bilhões de dólares (Kyoto/MBL- Mecanismo
de Desenvolvimento Limpo, REDD Plus -Redução Voluntária de Desmatamento,
Bônus do Acordo de Paris). O Brasil, com todo esse calote, só recebeu até agora,
em 10 anos, cerca de US$1 bilhão (Fundo Amazônia). Mesmo assim, certos países
que estão devendo, ainda querem ditar regras climáticas e ambientais dentro do
nosso território. Na questão climática e ambiental é preciso que o Brasil tenha
uma postura diplomática muito mais firme, e deixar de servilismo. A sociedade
precisa se unir, estar engajada e envolvida em torno dos interesses nacionais.
Não podemos nos curvar ao patrulhamento ideológico ambiental que a Europa
(e os EUA do governo Biden) estão fazendo com o nosso país.
No quesito Segurança Alimentar, hoje o Brasil é referência mundial.
Alysson Paulinelli, Ministro da Agricultura do Governo Geisel, e candidato
ao Prêmio Nobel da Paz em 2021, em função de parte desse sucesso ter sido
ensejado por ele, argumenta que “o Brasil não cresceu em função da degra-
dação de recursos naturais (queimadas), mas com o impulso da tecnologia,
formação, conhecimento técnico e ciência no cerrado brasileiro”. Hoje o Brasil
conta com 66% de mata ainda nativa e preservada. E com apenas 9% (EUA
tem 40%) de terras cultivadas, conseguimos ter uma produção de alimen-
tos recorde e superar a marca de 100 bilhões de exportação. O mundo hoje
depende do Brasil para se alimentar.
No dia 13 de dezembro de 2021, A Rússia vetou um projeto promovido
por Níger e Irlanda no Conselho de Segurança das Nações Unidas que estabe-
lecia uma ligação entre aquecimento global e segurança mundial, apoiado pela
maioria (12 de 15) dos membros da ONU. O documento solicitava que riscos de
segurança relacionados ao clima fossem integrados com elemento de estratégias
gerais de proteção internacional. Essa é a segunda vez que a Rússia veta esse
tipo de moção, praticamente causando uma internacionalização na Amazônia.
Se esse projeto fosse aprovado, em um futuro não tão distante, a ONU poderia
autorizar uma invasão à Amazônia, alegando que o desmatamento está causando
um aquecimento global, e, portanto, ameaçando à segurança mundial. Putin,
que é uma constante pedra no sapato dessas entidades como a ONU e OTAN,
não pensava exatamente no Brasil. A Rússia depende também de uma intensa
produção de combustíveis fósseis e, portanto, políticas climáticas duras como a
que foi proposta, vão contra seus objetivos nacionais.
De acordo com o general Maynard Marques Santa Rosa3, a conjuntura

atual recomenda considerar as hipóteses de resistência a uma possível inter-
venção militar estrangeira. Entretanto, para ser possível resistir, são necessárias
condições imperiosas: 1) Existência de um povo para defender o próprio chão;
2) Garantia de subsistência das forças de resistência; 3) Higidez necessária
dos combatentes destacados nesse cenário hostil e finalmente 4) Rusticidade
e determinação devidas ao combatente, sobretudo das lideranças.
A segurança da Amazônia deve ser levada à sério. O garimpo e polos
de desenvolvimento agropecuário, distribuídos de forma estratégica são
importantes para a economia, a segurança alimentar e a ocupação da região.
Segundo o general Maynard, essa defesa só será possível com desenvolvi-
mento, povoamento de áreas habitáveis (ecúmenos) e integração regional.
Cabe à geração atual o compromisso de defendê-la e desenvolvê-la, a fim de
garanti-la para as futuras gerações.
Atlântico Sul (petróleo/gás/pesca predatória e ilegal)
A segurança marítima é um tema recorrente dos estudos marítimos, que

têm os oceanos como objeto de análise. O Atlântico Sul, mar de interesse alta-
mente estratégico não é exceção. Ameaças à segurança marítima, já presentes
constituem dados objetivos que se colocam como preocupações dos Estados
abrangidos. Pelo seu amplo litoral e pelo fato de ser uma das maiores econo-
mias do mundo, o papel do Brasil na segurança marítima do Atlântico Sul deve
ser considerado. Embora não rivalize, ainda, com outras áreas, a importância
geopolítica do Brasil não é ignorada pelos atores internacionais de relevo.
Entenda-se como segurança marítima como sendo a proteção contra atos
criminosos no mar intencionalmente perpetrados. No Atlântico Sul são, por
enquanto, de baixa intensidade. Entretanto, não se deve supor que sempre
continuarão assim, quando se pode prever o aumento de riqueza que através
desses atos se movimenta, ou o aumento dos interesses em jogo. A presença
sistemática de poderes navais de atores extrarregionais, trazendo consigo
suas doutrinas e meios, traz para o cenário do Atlântico Sul conflitos, tensões
e interesses que, no presente, lhe são alheios.
Em virtude dos recursos vivos e não vivos, leitos marinhos e em fun-
ção das grandes transformações tecno científicas que começaram a partir do
século XV, os oceanos não são mais vistos como ‘terra de ninguém”. Possibili-
tam hoje o estreitamento de distâncias e uma intensa exploração comercial. À
medida que os Estados costeiros têm a sua plataforma continental estendida é
reconhecida e certificada, acrescida da respectiva Zona Econômica Exclusiva,
representam por vezes áreas maiores até que seu próprio território emerso,
aumentam os desafios de controle desse “mar”.
A exploração de recursos vivos respectivos não ocorrerá, entretanto sem
tensões, conflitos de interesses e antagonismos. E o Atlântico Sul não ficará imune
a isso. Analisando as atuais circunstâncias do Atlântico Sul (sua importância

estratégica, inserção político-estratégica brasileira e atores envolvidos) deve-se
verificar se já existem ameaças à segurança marítima, bem como, quais as medi-
das que Estados costeiros adotam, ou pretendem adotar, a fim de neutralizá-las.
Constatando-se a presença de ameaças à essa segurança, como pirataria,
pescas ilícitas, tráfico de drogas, degradação ambientais, devem ser elabo-
rados esforços concertados em níveis regionais e sub-regionais (inclusive
facilitados por parceiros internacionais) para fazer frente à essa demanda.
Esse esforço coordenado de Estados reforça o papel dos atores regionais,
por mais diferenciados que sejam “Nações diversas como Itália, Singapura
e Brasil são novos atores chaves na segurança marítima global”4.
Acordos de cooperação naval, operações conjuntas, troca de informações e
procedimentos doutrinários entre Estados costeiros de determinada região são
essenciais para garantir essa segurança. Construir parcerias e facilitar formas de
cooperação são importantíssimas para as atividades das marinhas, sobretudo
em tempo de paz, bem como a principal arma contra toda a sorte de ameaças.
A análise da exploração econômica dos recursos minerais existentes no
Atlântico Sul é um dos fatores que demonstram a importância dessa área
para o Brasil. Cerca de 90% do petróleo e 80% do gás natural produzidos no
país, advém do mar. Recursos da camada denominada pré-sal, descoberta
em 2007, localizadas abaixo do leito do mar, sob mais de três quilômetros de
rochas do fundo marinho, atingem aproximadamente 150000 quilômetros
quadrados de área. Sem dúvida é a maior descoberta mundial da indústria
do petróleo e gás natural, nos últimos cinquenta anos.
Além do petróleo e do gás, diversos materiais são explorados. Com o
aumento do uso de tecnologias, possibilita cada vez mais a exploração mine-
ral em águas profundas. Entre os recursos de grande relevância estão bens
minerais como ouro, diamante, enxofre, potássio, areia, calcário, cascalhos,
hidratos de gás e sulfetos poli metálicos.
O litoral brasileiro possui mais de 7000 quilômetros de extensão, e con-
siderando recortes baías e reentrâncias essa medida sobe para 8500 quilô-
metros. Quase 80% da população do Brasil vive a menos de 200 quilômetros
da costa brasileira.
Uma ampliação da chamada “Amazônia Azul”, um pleito do país junto
a Comissão de Limites das Nações Unidas, o espaço marítimo brasileiro
poderá ser estendido para até 4,5 milhões de Km². Essa área pleiteada abrange
camadas de pré-sal e de gás natural, com grande valor político e estratégico.
A capacidade de vigilância e monitoramento do Atlântico Sul e a pre-
sença nessas águas é imprescindível. Os desafios existentes como a pirataria, o
contrabando, os crimes ambientais, dentre outros são de grande complexidade
e demandam uma resposta coordenada. A Marinha do Brasil busca fortale-
cer a interoperabilidade na execução das suas atividades com a articulação
entre diversos órgãos e agências. Essa atuação interagências é fundamental
na eficácia das ações.
A importância do mar para o país tem reflexos nos campos econômico,

científico, ambiental, social e cultural. O desenvolvimento vem trazendo divi-
sas para o país (petróleo e gás correspondem somados a aproximadamente
13% do PIB brasileiro), bem como gerando empregos e trazendo o progresso
para a população litorânea.
Portanto é primordial o estímulo de desenvolvimento da mentalidade
marítima no Brasil, para contribuir com o fortalecimento, preservação, pro-
teção e aproveitamento sustentável da região do Atlântico Sul.
Fortalecimento do PCC no Paraguai
O PCC (Primeiro Comando da Capital), cujo lema é ‘Paz, Justiça e Liber-

dade’ e atende pelo código 1533 (P-15ªletra C-3ª letra), foi fundado em 31
de agosto de 1993, por oito presidiários, no Anexo da Casa de Custódia de
Taubaté, que era considerada na época a prisão mais segura do Estado de
São Paulo. Hoje tem 33000 afiliados. A primeira ação do grupo foi em 2001,
quando 29 prisões entraram em rebelião simultaneamente. Em maio de 2006,
em virtude de uma série de transferência de presos, o PCC declarou guerra e
gerou uma onda de ataques a bases policiais, incendiando ônibus, matando
vários agentes das forças de segurança e causando um caos, com 59 agentes de
segurança mortos e um total de 564 pessoas assassinadas em menos de 15 dias.
Para contar um pouco da história do PCC e sua atuação no Paraguai,
teremos que atentar para o preço do quilo da cocaína nas regiões produtoras,
em torno de 800 dólares por quilo. Já na fronteira de Pedro Juan Caballero,
grande “hub criminal” na fronteira de Ponta Porã, esse preço sobe para 2000
dólares por quilo. Chegando em São Paulo o preço sobe para um valor entre
8000 e 12000 dólares por quilo. Na Europa o preço sobe para 50000 dólares
e dependendo da pureza do produto, e se o lugar for um mercado relevante
chega a 80000 dólares. A droga movimenta milhões e até bilhões de dólares
no mundo todo, com gente disposta a morrer e a matar por isso.
O Brasil, tem posição geográfica estratégica por estar entre produto-
res e consumidores, por isso é uma rota valiosa de passagem. Mas também
aqui no país o consumo cresce a cada ano. Quem controla a grande maioria,
senão todas essas rotas atualmente é o PCC. Antes na Casa de Detenção
do Carandiru em SP havia uma ‘proto’ facção que dominava esse presídio
chamado Serpente Negra, grupo que reivindicava melhorias para os presos,
como médico e boa comida e contra maus-tratos. O PCC deriva deste grupo.
Após o evento da invasão do presídio conhecido como “Massacre do
Carandiru”, alguns presos foram transferidos para a Casa de Custódia de
Taubaté (“Piranhão”), dirigido pelo mesmo José Ismael Pedrosa que havia
chefiado o Carandiru (executado posteriormente pela facção). José Marcio
Felício (Geleião) estava entre esses presos um dos fundadores, juntamente
com custodiados tanto da capital como do interior. Havia rivalidade entre
esses dois grupos. Em 31 de agosto de 1993 houve uma grande briga desses
rivais com mortes, e Geleião, juntamente com mais sete presos, ainda com
as mãos sujas de sangue, gritou que ali naquele momento estava fundado o
Primeiro Comando da Capital. Usou de muita violência, tanto dentro como
fora dos presídios para impor respeito, inclusive matando juízes (Machado
Dias), promotores e agentes penitenciários.
Marco Willians Herbas Camacho, “Marcola”, assaltante de bancos tomou
o poder do PCC derrubando seus fundadores, Cesinha e Geleião e se tornando
líder. Os líderes anteriores queriam cometer atentados em SP, como por exem-
plo colocar bombas no prédio da Bolsa de Valores, mas Marcola se opôs a essa
estratégia. Geleião e Cesinha mandaram matar a mulher de Marcola, advogada
Ana Olivá, gerando revolta entre os filiados e causando a expulsão dos dois
fundadores da facção. Agora o caminho estava livre para Marcola. Ele rees-
truturou a organização, voltando a facção para o tráfico e profissionalizando-a
com uma visão empresarial parecida com uma máfia. Foi nessa época gerado
o seu estatuto. Ávido leitor de Mao, Lenin, Clausewitz, Sun Tzu, Maquiavel e
Che Guevara, Marcola iria levar o PCC a um outro patamar.
O PCC é fruto de políticas de segurança pública equivocadas e anacrônicas
que geraram esse “monstro”, dando uma falsa sensação de baixa criminalidade
e violência nos presídios, mas onde a independência e cidadania do cidadão
de bem é destruída. De 1993, com apenas oito integrantes tem nos dias de hoje
entre 35000 e 40000 membros, espalhados no Brasil e exterior, graças a inércia
total do Estado, que somente reconheceria oficialmente o PCC quase 10 anos
depois, em 2003. Com o tempo, o Primeiro comando da Capital vai se transfor-
mando em um grande cartel do tráfico, dominando completamente as rotas de
cocaína para a África e para a Europa. As mensalidades, que antes eram obtidas
a base de extorsão de familiares, se tornando obrigatória. Rogerio Jeremias
de Simone (Gegê do Mangue) era um dos auxiliares de Marcola desde 2002.
A ideia agora não é só trazer cocaína para facções criminosas do eixo
Rio de Janeiro-São Paulo. É dominar todo o ciclo da produção, distribuição
e consumo da droga, com tentáculos estendidos até na política. A maior
parte da produção que é consumida e atravessa o Brasil vem da região de
Chapare, na Bolívia. Mas também a droga chega do Peru e da Colômbia. A
ideia, em relação a logística, é ter acesso aos portos do Brasil para o transporte
ao exterior (África e Europa). O PCC fechou acordo de exclusividade com
produtores bolivianos para o transporte da sua droga até o destino, dando o
monopólio do comércio da cocaína para essa organização criminosa.
Em 2005 Marcola estabelece fortes contatos na prisão de Presidente
Bernardes, SP com Mauricio Norambuena (a.k.a. Comandante Ramiro),
militante da esquerda radical chilena, e pertence ao grupo FPMR (Frente
Patriótica Manuel Rodrigues). Esse terrorista foi o autor do sequestro do
famoso publicitário brasileiro Washington Olivetto na cidade de São Paulo.
Esse relacionamento próximo ensina a Marcola boas lições sobre como atacar
e desmoralizar a estrutura de segurança do Estado de São Paulo, até então
considerada a mais eficiente e efetiva da América Latina.
Em 2014 a operação ‘Oversea’ da Polícia Federal, já detectava remessas de
cocaína do PCC para a máfia ‘Ndrangheta na Europa (Porto Gioia Tauro, na
Calábria- Mediterrâneo) e para Vera Cruz, área de atuação do cartel mexicano

Los Zetas, através do Porto de Santos, onde atua também a máfia sérvia- Clã
Saric. O PCC envia remessas de drogas da Bolívia até o porto via caminhões e
aeronaves e passa então, a tentar dominar então a estratégica área do Paraguai.
Nesse país, Jarvis Gimenes Pavão e Jorge Rafaat Toumani, traficantes conheci-
dos da área, controlavam o negócio na zona de fronteira. Fahd Jamil também era
o homem que dava as cartas na questão do contrabando na região. Raffat per-
mitia que outras facções traficassem em sua área, porém com a sua autorização.
O PCC não queria isso. Queria o domínio completo da região, conside-
rada vital e sensível. Em uma execução cinematográfica, no dia 15 de junho de
2016, o PCC com uma metralhadora .50 conseguiu matar Rafaat, mesmo com
carro blindado e cercado por seguranças, solidificando a rota e se tornando
efetivamente um cartel. Hoje o PCC como cartel caminha para se sofisticar
ainda mais, trabalhando melhor a questão da lavagem de dinheiro (ainda em
fase embrionária), investindo em imóveis e postos de combustível. Expande
contatos inclusive com dissidentes das FARC, que hoje trabalham no EPP
(Exército do Povo Paraguaio), grupo guerrilheiro comunista que atua no
Paraguai e que está envolvido com o tráfico.
Com esse crescimento e uma nova estrutura centralizadora, o PCC abalou
a estrutura do tráfico de drogas no país inteiro, e o cartel confrontou outras
facções e projetos de poder dentro e fora dos presídios, querendo exercer um
domínio completo sobre o país e pacificar o crime (sinônimo de prejuízo para
o tráfico). As rotas pelo norte do país, vindas através dos rios amazônicos e
altamente lucrativas, com cocaína produzida no Peru e Colômbia, passaram
a ser motivo de cobiça do cartel. O que abriu uma guerra sanguinária com a
FDN (Facção Do Norte) e CV (Comando Vermelho), duas facções aliadas agora,
contra o PCC, em 1º de janeiro de 2017, no presidio Anísio Jobim em Manaus.
Nesse dia, o PCC sofreu um forte revés, os presos da FDN atacaram com
facas e colocando fogo e os “inimigos” do PCC mortos a tiros ou degolados.
Corpos foram esquartejados e queimados. Seria a primeira derrota do PCC
na guerra pelo domínio total do tráfico no Brasil. Isso gerou uma reação em
cadeia em outros presídios. No Pará, onde 61 presos do Comando Vermelho
foram mortos por uma facção ligada ao PCC. Importante salientar que esses
dois grupos trabalhavam juntos até 2016. No presidio de Alcaçuz, no Rio
Grande do Norte, em 2017, o PCC decapitou 26 presos rivais do ‘Sindicato
do Crime’ (SDC). Também alianças nasceram nesse conflito, como o caso do
Bonde dos Treze (B13), em Rio Branco, no Acre. Ou o Terceiro Comando Puro
(TCP) principalmente na Rocinha, comunidade do Rio de Janeiro.
Rogerio Jeremias de Simone, ou Gegê do Mangue nasceu em 1977 na
Favela do Mangue, em Vila Madalena, SP, foi traficante até ser preso em 2000.
Ele foi crescendo na hierarquia do PCC até chegar ao cargo de ‘Sintonia Final’.
Auxiliar direto de Marcola, fazia parte de seu ‘estado-maior’, também é da
segunda geração de líderes do cartel. Foi colocado em liberdade pelo Supremo
Tribunal Federal, da prisão em Presidente Venceslau, onde respondia por
crimes de homicídio e tráfico, em 2 de fevereiro de 2017 e sumiu do radar. Foi
nomeado responsável direto pelo altamente lucrativo tráfico internacional,

tendo como missão expandir a distribuição de cocaína para a Europa, além
de ampliar o domínio do cartel na fronteira e no porto de Santos.
Gegê tinha contatos com a estiva do Porto de Santos e algumas células do
PCC que atuavam na região da Baixada Santista como ‘Cabelo Duro’, ‘Fumi-
nho’, ‘André do Rap’. Na fronteira do Paraguai, Gegê comandava o tráfico
e cuidava pessoalmente das finanças e contabilidade de milhões de dólares
de receita, ficando responsável para evitar desvios. Em determinada altura,
Gegê desconfia que os três traficantes de Santos citados estavam roubando
o cartel, e tiveram, por conseguinte, suas mortes decretadas, causando um
terremoto no sistema prisional de São Paulo.
O dinheiro em excesso traz muitos problemas, e comprando uma briga
com pesos pesados, a relação de Gegê com a cúpula do cartel ficou compro-
metida. O traficante Cabelo Duro é morto, atraído para uma armadilha, em
frente a um flat, no bairro do Tatuapé, SP. Fuminho então convence a cúpula
que quem de fato estava roubado era o próprio Gegê do Mangue e sua morte
foi assim decretada. No Estado do Ceará, Gegê foi atraído para uma embos-
cada em uma viagem de helicóptero, e assassinado por membros do cartel.
No dia seguinte o responsável pelas funções de Gegê era agora André do Rap.
André nasceu no Guarujá, na favela Portuária próximo ao Porto de
Santos, era músico e traficante. Junto com Fuminho e Cabelo Duro fundou
a chamada ‘Sintonia do Tomate’, setor do PCC responsável pelo tráfico
internacional. Poder e muito dinheiro chegaram junto com a nova responsa-
bilidade. Hoje solto, é o criminoso mais procurado do Brasil, e pelas polícias
do mundo todo. André do Rap foi preso em setembro de 2019 em Angra
dos Reis, RJ, e em 2020, ocorreu uma operação da PF que bloqueou mais de
250 milhões do PCC em contas ligadas aos criminosos. Data máxima vênia,
em outubro do mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (Ministro Marco
Aurelio Mello) em flagrante aberração jurídica e tendo por base o Projeto
Anti-Crime idealizado pelo então ministro da Justiça Sergio Moro, resol-
veu soltar o traficante. Desde então virou um fantasma, procurado pelas
principais policiais do mundo, mas continua como o grande responsável
pelo tráfico internacional do cartel brasileiro.
O crime não entra em quarentena, e mesmo no período da pandemia
do covid-19, o PCC procurou novas formas para se lidar com as dificuldades
surgidas. A maior parte das atividades do cartel gira em torno do tráfico de
drogas para o exterior, mas a organização também atua em grandes roubos a
cidades no estilo chamado “domínio de cidades” ou “Novo cangaço”. O PCC
consegue encontrar a cada dia novas formas e novas rotas ou rotas alternativas,
para realizar seu intento criminoso e obter lucro. O crime consegue ser mais
eficiente que as forças de segurança no quesito adaptação, mas a polícia bra-
sileira, realizando um trabalho conjunto “interagências” e apoio militar, con-
segue realizar grandes apreensões e obter vitórias significativas nessa guerra.
Mas controle total e absoluto das fronteiras brasileiras, tanto na chegada
da droga como na saída, é impossível, pelas dimensões continentais que o
Brasil possui. Uma grande extensão de fronteira seca (16886 Km). Uma imensa
capilaridade de rios e estradas. Uma imensa fronteira marítima (7367 km).
Tudo isso torna o desafio do combate as drogas algo colossal, que requer
esforço, inteligência e investimento.
O Primeiro Comando da Capital (PCC) utiliza métodos cada vez mais
complexos e sofisticados para se organizar. Investigações revelaram que até
mesmo as partes da PlayStation Network (PSN) são utilizadas para que os
integrantes desse grupo se comuniquem. Em 9 de abril de 2022, a Polícia Civil
de São Paulo apreendeu quase 1 quilo de urânio bruto em Guarulhos, SP. O
urânio teria sido encomendado pelo Primeiro Comando da Capital, e seria
uma pequena amostra extraída supostamente no Acre. Esse material seria
vendido no mercado negro internacional por cerca de US$ 90 mil dólares.
Em maio de 2022, Marcos Roberto de Almeida, o “Tuta”, foragido da Justiça
e apontado como o número 1 do PCC nas ruas, foi sequestrado na Bolívia pelo
“tribunal do crime” da própria organização criminosa. Tuta estaria em poder de
sequestradores e estaria sendo mantido em cativeiro naquele país, aguardando
seu “veredito”. A facção acusa Tuta de ter mandado matar à revelia integrantes
da organização criminosa. Também em maio (10), o promotor paraguaio Marcelo
Pecci, que investigava a criminalidade na fronteira do Brasil, incluindo a facção
PCC, foi assassinado em uma praia particular reservada somente para hóspedes
do hotel em que se encontrava, na ilha de Barú, localizada a cerca de 40 minutos
de barco da cidade de Cartagena das Índias. Ele estava ao lado da esposa grávida,
quando levou dois tiros por criminosos que chegaram em uma moto aquática
alugada em uma praia vizinha. Uma terceira pessoa poderia estar envolvida,
já que os criminosos pareciam saber a localização exata do promotor na praia.
Ele tinha 45 anos, e era especializado contra o Crime Organizado, Narcotráfico,
Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo.
O PCC também avança no norte do país. Pretende o monopólio do tráfico
de drogas dentro do Brasil. Hoje, a Amazônia é palco de uma guerra aberta e
declarada pelo controle de rotas de cocaína e maconha que abastecem o Brasil
e o exterior. O PCC já detém as rotas mais lucrativas do tráfico de drogas,
transportando a maconha do Paraguai e a cocaína da Bolívia. Líderes dessa
organização operam em ambos os países, e conseguem diminuir a distância
entre produção e transporte, aumentando com isso as margens de lucro.
A situação das disputas das rotas de tráfico na Amazônia (principal-
mente pelos rios Solimões e Japurá), está levando autoridades brasileiras
a temer um cartel de drogas transnacional, informalmente já chamado
de “Narcosul” (na modesta opinião desse autor esse cartel não está mais
incipiente, e já é bastante atuante na América do Sul).
Um grande adversário do PCC na Amazônia é o FDN (Família do Norte),
ainda soberano na região norte do Brasil, e responsável por carregamentos
de maconha peruana e cocaína colombiana, além de maconha “skunk”5, que
têm como destino Manaus. A droga segue depois para Belém e Fortaleza,
onde são embarcadas para o exterior. O PCC tem estreitado relações com
traficantes do Peru. Ao cortar ou conter o fluxo de droga que vem do Peru,
por exemplo, asfixiará outras facções como o Comando Vermelho, e abrindo

espaço para que o PCC alcance um domínio pleno de rotas. Informações
oficiais já indicam que o PCC também trabalha com canabinoides sintéticos
contendo a substância ADB-FUBIATA, que ainda não está listada nominal-
mente em portarias, e sua estrutura química ainda não se enquadra na lista
das substâncias psicotrópicas de uso proscrito no Brasil, portanto ainda não
controlada, o que deve ser mudado em breve.
O PCC aparentemente não tem pressa em tomar o controle da FDN na
região amazônica. Entretanto, ações estão sendo realizadas. A morte de 56
presos no COMPAJ (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), em Manaus, em
janeiro de 2017, foi uma delas.
Diante da ausência do Estado, as facções buscam a violência como forma
de legitimação, gerando confrontos e disputas encarniçadas, dentro e fora
dos presídios. O tráfico de drogas já é o principal vetor dos crimes que acon-
tecem em Manaus hoje. Dentro do cenário geográfico amazônico, o PCC é o
maior financiador da pirataria no rio Solimões. Isso é alicerçado com o apoio
de outra fação aliada, a Família de Coari (FDC), um grupo criminoso que
emprega piratas na cidade que fica a 363 quilômetros da capital amazonense,
e é denominada “Capital dos Piratas”. Os chamados “ratos d’água”, como
são apelidados os piratas, são mais odiados até que os traficantes, por parte
da população. Esses piratas costumam atacar qualquer carga de entorpecente
que atravesse a chamada “zona de guerrilha”, um trecho do rio Solimões entre
os municípios de Tefé e Codajás (que tem como Coari um ponto central).
Rotas do tráfico na Amazônia
Fonte: Sputnik Brasil.

A estratégia do PCC em financiar a pirataria nos rios amazônicos está

dando resultado, causando vastos prejuízos ao Comando Vermelho, e Família
do Norte. Todavia, isso aumenta exponencialmente a violência no médio
Solimões. É comum também observar tanto piratas como traficantes des-
cendo o rio em direção a Manaus, portando fuzis e pistolas, e grande quan-
tidade de carregadores com munição. Inclusive dissidentes das FARC estão
participando do transporte de drogas proveniente da Colômbia, com forte
treinamento militar e armamento pesado de guerra, para garantir assim a
chegada do material ilícito até a capital do Amazonas.
FDN - Família do Norte
Surgiu no Estado do Amazonas, foi por muito tempo uma facção crimi-
nosa aliada do Comando Vermelho, mantendo conexões comerciais para fins
ilícitos. Bem ramificada e capilarizada no norte do país, emergiu na junção de
interesses entre presos Gelson Lima Carnaúba (“Mano Gê”) e José Roberto
Fernandes Barbosa (“Zé da Compensa”).
A facção está situada em localização que permite acesso a tríplice fronteira
brasileira (Brasil, Colômbia e Peru), facilitando a rota de tráfico de drogas e
de armas, proporcionando vantagens logísticas. Chegou a ser a terceira maior
facção do Brasil. O “alto-escalão” é composto por 6 pessoas, sendo que todas as
decisões são submetidas aos fundadores. Com a saída de Gelson, em uma dissi-
dência, o comando ficou com Jose Roberto. Tem como inimigo o PCC, e realiza
ofensivas frequentes, com massacres e mortes envolvendo extrema violência.
LCP – Liga dos Camponeses Pobres

“O povo quer violência revolucionária. O povo quer luta[...]O povo
está sedento de passar na faca todos os seus inimigos.”
Dirigente do LCP
A Liga dos Camponeses Pobres (LCP) é uma organização de proto-guer-

rilha e guerrilha, com atividades paramilitares e doutrinas terroristas. Seu
surgimento se dá após o denominado “Massacre de Corumbiara” (em 1995,
no Estado de Rondônia), quando parte de um movimento camponês rompe
com a direção do Movimento dos Sem-Terra (MST), radicalizando-se, e concla-
mando os camponeses a romperem com a ideia de reforma agrária do governo
e mobilizarem suas forças para uma transformação radical no campo.
Desde 2007 os produtores rurais do Estado de Rondônia têm vivido
uma situação de terror. A LCP invade propriedades fortemente armados,
realizando roubo, tortura e assassinato. Caminhar pelas estradas rurais de
Rondônia é estar sob constante risco de uma emboscada por parte dos mili-
tantes. Eles adotam táticas de bloqueio de estradas, sequestros de pessoas
que trafegam sem salvo conduto verbal da LCP.
Ela opera com modus operandi muito próximo a grupos guerrilheiros

mais antigos atuando na América Latina, como as FARC, ELN, ganhando
força no Norte do país. Possuem armamento, treinamentos em guerrilha,
emboscada e contra-emboscada, combate de selva, evasão e infiltração. Há
informações não oficiais que recebem treinamento e recursos de grupos guer-
rilheiros do exterior, além de se autofinanciarem com o narcotráfico, extração
ilegal de minérios como o ouro e crimes conexos.
A LCP, segundo seus dirigentes, diferencia-se das outras correntes do
movimento camponês pois defende a ocupação dos latifúndios e início da pro-
dução assim que as terras estejam ocupadas. Entretanto, o que ocorre de fato
são invasões e massivas destruições em fazendas por onde passam. Espancam
funcionários, cometem homicídios e crimes ambientais, destroem benfeitorias
e instalações, inutilizam máquinas agrícolas, fazerem o “justiçamento” com
colaboradores da polícia, além de enfrentarem a polícia da região com técnicas
de guerrilha. As decisões sobre a solução dos problemas e encaminhamentos
do dia a dia das áreas onde atua a LCP são tomadas nas Assembleias do Poder
Popular. Em agosto de 2008 a LCP realizou seu Quinto Congresso precedido
de uma série de encontros.
A LCP é formada por cerca de 4000 famílias doutrinadas pelo comando
da organização. Ocupa dezenas de acampamentos em três Estados Brasilei-
ros. Seus domínios se estendem de Jarú, no centro do Estado, às cercanias de
Porto Velho, se alongando com a fronteira da Bolívia. Segundo informações
o grupo abriu uma estrada de terra próxima à fronteira, que estaria servindo
como rota de fuga, denominada “Trans-cocaineira”, pois por ela, segundo a
polícia de Rondônia, passam drogas, armas e contrabando. O grupo conta
atualmente com cerca de 500 integrantes fortemente armados com fuzis e
metralhadoras, e esse número de revolucionários vem crescendo rapida-
mente. Conta, inclusive, com um campo de treinamento de guerrilheiros,
em Jacinópolis, a cerca de 250 Km, uma de suas bases.
Desde 2007, durante o mandato do presidente Lula, que o governo fede-
ral tem conhecimento dessas ações guerrilheiras em Rondônia. No entanto,
somente cerca de quatorze anos depois, e pela primeira vez o governo federal,
se manifesta em relação ao problema dos guerrilheiros da LCP. Os caminho-
neiros de madeireiros clandestinos que passam pelas terras controladas pela
LCP têm que pagar um pedágio de 2 mil reais todos os dias. Os guerrilheiros
oferecem segurança arma aos madeireiros, para que esses possam roubar arvo-
res de propriedades privadas ou de áreas de conservação em terras indígenas.
Em 21 de abril de 2021, uma grande ação armada desse grupo guerri-
lheiro, 40 homens, fortemente armados com fuzis e metralhadoras, invadiram
uma fazenda a 190 quilômetros de Porto Velho, torturaram funcionários,
destruíram tudo que encontraram e roubaram tratores, deixando um prejuízo
estimado em mais de 2 milhões de reais. Na ocasião, o governador de Rondô-
nia foi obrigado a pedir ajuda ao governo federal. Durante a inauguração da
Ponte do Abunã, em maio, um mês depois do ataque de abril, o Presidente
Bolsonaro afirmou: “LCP, se prepare, não ficará de graça, no barato, o que

vocês estão fazendo... não têm espaço aqui para terroristas. Nós temos meios
de fazê-los entrar no eixo e respeitar a lei.”
Em outubro de 2021, o BOPE/RO, juntamente com o BPFRON e o Bata-
lhão de Choque realizaram uma grande operação contra o grupo guerrilheiro.
Iniciada no dia 19 de outubro, a operação “Nova Mutum” que contou com
mais de 400 policiais militares, têm executado ações contra guerrilheiros per-
tencentes à LCP, na região conhecida como Abunã, no estado de Rondônia.
Mas é uma operação complexa, pois, durante as ações, mulheres e crianças
ficam desarmados nos assentamentos, enquanto os terroristas se refugiam
armados pelas matas do entorno. Não se tem notícia de grandes ataques do
grupo após essa operação.
Cartéis mexicanos no Brasil
Cartéis mexicanos têm, há muito tempo, fortes ligações com cartéis

colombianos, peruanos, venezuelanos e bolivianos. Na América do Sul ficam
os cinco maiores produtores de cocaína do mundo (Colômbia, Venezuela,
Peru, Bolívia e Chile, nessa ordem). Também há conexões dos cartéis do
México com máfias russas, italianas e sérvias estabelecidas nos EUA e na
Europa, com organizações criminosas brasileiras como o PCC e o CV, com o
Cartel Los Soles da Venezuela, entre vários outros.
Os cartéis mexicanos, que antes concentravam ações sobretudo na Amé-
rica do Norte, estão agora expandindo suas operações por toda a América
Latina, particularmente em países fronteiriços ao Brasil. Dois deles, segundo
informações oficiais da Embaixada Brasileira no México, já avançam em dire-
ção ao Brasil. É o caso do Cartel de Sinaloa, do capo Joaquín “El Chapo” Gúz-
man, que está preso, e do Cartel Jalisco Nueva Generación (CJNG) ou Cartel
de Jalisco. Esse último atua intensamente no tráfico internacional de drogas
sintéticas, promove assassinatos e realiza sequestros, sendo considerado o
maior grupo criminoso mexicano da atualidade. CJNG é uma brutal facção de
narcotraficantes mexicanos que utiliza em seu arsenal até drones comerciais
que lançam bombas caseiras, a fim de bombardear rivais, como no caso do
grupo Carteles Unidos/La Resistencia no estado vizinho de Michoacán, costa
do México. Membros desse cartel entraram em confronto no dia 22 de abril
de 2022 com forças do governo mexicano em Puerto Vallarta. Nessa ocasião
um membro do alto escalão do Cartel Jalisco de Nova geração foi morto. Saúl
Alejandro N. (a.k.a. El Chopa) morreu com um tiro após ser preso pela morte
do ex-governador de Jalisco, Aristóteles Sandoval, em 2020. A Embaixada dos
EUA emitiu um alerta para seus cidadãos em Puerto Vallarta, Nuevo Nayarit
e Guadalajara, após um aumento na presença de forças federais de segurança.
A partir de relatórios recolhidos em diversos serviços de inteligência da
América Latina, a informação da Embaixada aponta que esses mesmos cartéis
já operam no Equador e no Chile. Nesses países foram apreendidos vários

carregamentos de drogas oriundos de portos mexicanos, além de ter sido
identificado e destruído um laboratório ligado ao CJNC e presos traficantes
ligados ao Cartel de Sinaloa. Foram detectados a presença de membros des-
ses dois carteis na Bolívia e no Paraguai. Os dois grupos criminosos utilizam
também o Suriname, a Guiana e a Guiana Francesa como rota e depósito a
fim de exportar drogas para a Europa.
Ainda não há evidências de uma atuação direta dos cartéis mexicanos
em solo brasileiro, porém estão mais que comprovados fortes vínculos desses
grupos com o PCC (Primeiro Comando da Capital) e com o CV (Comando
Vermelho). Além disso, o Brasil se mostra como uma possibilidade viável para
manter certas organizações criminosas, com o objetivo de lavar dinheiro para
esses cartéis, pois tem uma economia robusta e pujante, que praticamente é
a soma de todas as economias de toda América do Sul.
As novas bases dos cartéis na América do Sul estão sendo preferencialmente
montadas em países em que os traficantes contam com a corrupção, a leniência,
a falta de fiscalização e mesmo com o apoio de alguns governos. A Venezuela
teria oferecido instalações e logística para receber esses traficantes dispostos a se
instalar no país. Já o Peru foi visado dos carteis, pelo fato do país ter abrandado
regras, leis e instrumentos de combate ao narcotráfico. O ministro do Interior
peruano (Juan Manuel Carrasco) do novo governo de esquerda (Presidente Pedro
Castillo) ordenou até mesmo a paralisação das ações de erradicação (apenas 600
hectares, da meta anual de 25000 hectares foram erradicados).
Presença militar chinesa na América do Sul
A presença agressiva da China e da Rússia na América do Sul é uma

preocupação frequente por parte dos EUA, como deve ser do Brasil também,
e entrou de fato e oficialmente no radar militar brasileiro, podendo inclusive
gerar um confronto armado, ou “proxy” em um futuro breve. Documentos
militares de Defesa como PDN (Política Nacional de Defesa) e END (Estra-
tégia Nacional de Defesa) já expressam preocupação com esses atores no
continente americano. Entre os dois países há convergências, entretanto, há
mais tensões que distensões.
Segundo o Comando Sul das Forças Armadas dos EUA, os chineses já
colocaram mais de US$ 180 bilhões (quase 1 trilhão de reais) em recursos para
programas de infraestrutura na região da América Latina. Aos programas
estratégicos chineses chamados “Belt and Road Initiative”, 31 nações latino-a-
mericanas já aderiram. Segundo o chefe desse comando sul (Almirante Craig
Faller6), a China abriu uma espécie de armadilha econômica (“armadilha da
dívida”) para países pobres e em desenvolvimento, um esquema que envolveria
empréstimos bilionários, com juros baixos e atrativos, mesmo que a própria
China saiba que o novo país agregado nunca possa pagá-los. Nas entrelinhas
desses contratos, estariam várias contrapartidas aviltantes e até a cessão de

territórios por parte do país endividado.
As potências externas (Rússia e China) tem aumentado sua presença e
influência na região de forma considerável, em referência a região amazônica e
Atlântico Sul. A Amazônia sempre foi alvo de cobiça externa, e sobre esse assunto
a França também entre nesse rol de países. A França, que critica posições da polí-
tica ambiental do governo Bolsonaro, fazendo fronteira com a Guiana Francesa na
região, acredita que a possibilidade de um confronto não passa de um “delírio”.
Além da China, a Rússia chama a atenção das Forças Armadas brasilei-
ras no campo militar, em função de seu apoio à ditadura da Venezuela. Em
2019, os Estados Unidos coordenaram esforços com Brasil e Colômbia para
reagirem de forma conjunta à crise na Venezuela. Porém, em dado momento,
militares brasileiros intervieram a fim de evitar atritos do Itamaraty com a
diplomacia de Caracas.
O Brasil tem um projeto de reforço militar para construção de novas
fragatas leves. O objetivo é negar acesso a inimigos a fim de monitorar o Atlân-
tico Sul e evitar comportamentos marítimos suspeitos. Para isso é necessário
também uma regularidade orçamentaria, para complementar investimentos
e compromissos internacionais de programas militares já existentes como o
dos caças suecos Gripen/Saab e submarinos franceses da classe Scorpène. O
Ministério da Defesa ainda pleiteia 2% do PIB para a defesa de forma fixa.
Autoridades militares americanas afirmam que o envolvimento crescente
da Rússia e da China na América Latina poderia ter consequências militares
sérias, comparando o comportamento desses dois países a uma espécie de
organização criminosa transnacional:
“[...]Rússia e China não valorizam as mesmas coisas que nossas democra-

cias ocidentais valorizam [...]prosperam como organizações criminosas
transnacionais em decisões políticas e comerciais não transparentes. E
usam isso como vantagem[...]”7
General Michael Plehn – Força Aérea dos EUA
Outro assunto que movimenta a geopolítica na região é a tecnologia 5G,

que é a próxima geração de sistemas de telecomunicação, e que vem provo-
cando disputas entre China e Estados Unidos, que as estendem para o tabu-
leiro geopolítico mundial, com especial destaque ao continente sul-americano.
Mesmo esses dois países ainda não estando em guerra direta, a com-
petição com Pequim é muito acirrada, e tende a se intensificar. As tropas
convencionais e não convencionais (operações especiais) no mundo estão
expostas, diretamente, ou por meio de proxies, a tecnologia chinesa que pode
influenciar e comprometer seus desdobramentos em um futuro conflito.
Operadores Especiais de países como EUA e Reino Unido se deparam
cada dia mais com uma desafiadora realidade: devem estar preparados para
enfrentar inimigos muito bem armados e treinados, que dispõem de sistemas
de armas avançadas (e em muitos casos superiores), que estão providos tam-

bém de tecnologia de ponta em comunicação e dados, em estado da arte,
prontos para uma guerra cibernética. Quando operadores dos EUA são mobi-
lizados para uma missão no exterior, todos têm uma assinatura eletrônica
online, que muitos conseguem capturar. Esses operadores devem ficar alertas
quando realizarem missões em regiões ou países com uma infraestrutura de
origem chinesa. Redes 5G designadas podem estar sendo usadas a fim de
coletar dados completos da missão e identidade de operadores.
Sendo assim, as tropas de operações especiais dos EUA estão sendo
alertadas desse risco, e devem considerar que estarão sob constante vigilância
enquanto desdobradas no exterior.
Companhias com a Huawei (China) e a Nokia (finlandesa apoiada pelos
EUA) participarão de leilões em toda a América Latina, e seus países patroci-
nadores fazem um esforço para favorecer suas companhias. Normas técnicas
de cyber segurança deve ser implementadas como medidas protetivas a fim
de salvaguardar a soberania de cada país.
O desenvolvimento da tecnologia 5G é uma realidade, e existem, nesse
exato momento, muitas multinacionais trabalhando em suas próprias redes,
com a finalidade de atender aos seus consumidores domésticos. A Huawei está
liderando esse seguimento e implantando a tecnologia em todo o mundo. Mui-
tos acusam a empresa chinesa de ter usado espionagem industrial para roubar
tecnologia 5G de uma outra empresa canadense, através de ataques cibernéticos.
Leis de segurança nacional da China exigem que indivíduos e empresas
cooperem com os serviços de segurança, a fim de alcançar seus objetivos
estratégicos e políticos. Sendo assim a nova tecnologia da empresa Huawei
pode ser uma ameaça a privacidade e a segurança nacional do país onde ela
for instalada. Através dessa empresa, Pequim pode espionar ou interromper a
infraestrutura e as operações de comunicação de uma nação, seja em tempos
de paz ou de guerra. Muitos países já perceberam o perigo da Huawei e já
baniram as suas redes. O Reino Unido fez isso em 2020 e os EUA considerou
a empresa Huawei como uma ameaça à segurança nacional.
Apesar dessas ações países da África, Oriente Médio, Sudeste Asiático
e até a América Latina estão se voltando para a China em busca dessa tec-
nologia. O baixo custo da infraestrutura fornecida torna o empreendimento
muito vantajoso para as nações hospedeiras, fazendo com que a China ganhe
mercado nessa competição global. Em troca de empréstimos e fornecimento
de infraestrutura (ferrovias, portos e redes de telecomunicações), a China
ganha dessas nações acesso à recursos naturais (diplomacia da dívida). Se
não conseguem honrar as suas dívidas, a China então absorve tudo.
Ainda sobre a expansão chinesa da América do Sul, a grande estratégia dos
EUA é freá-la também com arranjos e acordos coletivos de defesa no Indo-Pacífico
com atores regionais.
A China como parte de sua nova rota da seda (“Iniciativa Belt and Road”),
tem investido em projetos na América Latina, com o presidente chines Xi Jinping
estabelecendo metas de até US$ 250 bilhões aos projetos de infraestrutura. Por
outro lado, nações como o Paraguai têm estreitas relações com Taiwan e EUA.
Fontes militares afirmam que o governo paraguaio deu sinal verde para cons-
trução de uma base militar americana na região da Tríplice Fronteira.
No dia 6 de fevereiro de 2022 , em Pequim, entre o presidente argentino
Alberto Fernández e o líder chinês Xi Jinping, o governo argentino anunciou
a entrada do país na chamada “Iniciativa Belt and Road”8, uma iniciativa
onde a missão é levar empreiteiras chinesas com destino à países pobres,
com o objetivo de construir grandes obras de infraestrutura, como rodovias,
ferrovias, portos e aeroportos, com a finalidade de “aumentar a integração
comercial” desses países com a China, e facilitar a entrada de produtos chi-
neses manufaturados, bem como a saída de matérias primas. A China, por
meio dessa iniciativa, vem construindo grandes obras na Ásia e sobretudo
na África. No entanto, aqui na América Latina, a Argentina é o primeiro país
aderir a esse grande empreendimento. Nesse encontro, o presidente XI Jinping
anunciou também total apoio diplomático (ainda não militar) à Argentina,
na sua reivindicação sobre as Ilhas Malvinas (Falklands). A Argentina, por
outro lado, para retribuir esse apoio, imediatamente anunciou total suporte
na reivindicação chinesa de anexar a ilha de Taiwan.
A China está expandindo sua influência à nível global através de uma
estratégia de guerra política que promove o mercantilismo autocrático, e
consegue alcançar objetivos por meio de um conjunto de métodos e meios
que geram poder político para o Partido Comunista da China. Vários paí-
ses como o Panamá, Equador, Djibouti, Laos, Zâmbia e Quirguistão devem
muito do seu PIB para os chineses, e não conseguem mais se desvencilhar da
“armadilha da dívida”. A guerra política também não é um novo modelo de
guerra, mas é uma teoria pouco conhecida. A natureza subversiva da guerra
política e o desejo de contornar regras e normas de política internacional, a
transformam em assimétrica, não tradicional e bastante controversa para
o Ocidente. O espectro dessa guerra inclui o uso em restrições de poder
nacional e explora o ‘zeitgeist’ (espírito da época), a fim de influenciar alia-
dos ou adversários. A nação promotora da guerra política pode usá-la para
pressionar economicamente um governo, minar sua legitimidade através do
‘zeitgeist’, ou mesmo ameaçá-lo com força convencional. A China está imple-
mentando implacavelmente uma guerra política ao longo do amplo espectro
de conflitos, visando a consecução dos seus objetivos estratégicos nacionais.
Guerra cibernética (Cyber Warfare) e mega ataques hacker
Recentemente, o Tesouro Nacional do Brasil sofreu um ataque terrorista

cibernético em 13 de agosto de 2021. À princípio, o governo brasileiro diz não
ter verificado nenhum dano aos sistemas estruturantes como o Sistema Inte-
grado de Administração Financeira (SIAFI) ou relacionados à Dívida Pública.
Foi identificado um ‘ransomware’, uma espécie de vírus que impede o acesso às

informações que estão armazenadas em um determinado dispositivo. Trata-se
de um tipo de ‘malware’ que emprega criptografia nas informações capturadas.
Nesses ataques, os cybers criminosos exigem das autoridades um resgate para
o retorno ao acesso do sistema. Isso pode paralisar uma organização inteira.
Causando danos e prejuízos significativos em empresas e organizações gover-
namentais. Medidas de contenção e saneadoras foram imediatamente aplicadas
e a investigação da Polícia Federal está em andamento. O ataque não afetou,
entretanto, as operações do Tesouro Direto (compra de títulos brasileiros por
pessoas físicas) junto a Bolsas de Valores de São Paulo.
Em novembro de 2020, outro ataque ocorreu no Tribunal Superior Elei-
toral brasileiro, paralisando os sistemas do tribunal por duas semanas. Esse
ataque foi considerado o mais abrangente e complexo contra uma instituição
do setor público brasileiro, em termos de extensão de danos, evidenciando
uma fragilidade que deve ser corrigida nas instituições públicas brasileiras.
O mundo parece estar enfrentando agora, e nesses últimos anos, o que
parece ser um ataque cibernético de 5ª geração. É um ataque multi vetorial
extremamente sofisticado e complexo, com claras características de uma “pan-
demia viral cibernética”. Um ataque múltiplo também afetou recentemente os
principais escritórios do governo dos EUA, além de organizações privadas.
Essa série de ataques só foi possível pois os hackers conseguiram incorporar
um ‘backdoor’9 nas atualizações de software da empresa americana “Solar-
winds’. Mais de 18000 escritórios do governo americano baixaram em seus
computadores o que seria uma aparente e regular atualização de software,
mas que na verdade era um ‘Cavalo de Tróia’. Aproveitando uma prática
corriqueira de atualização de software, os criminosos aproveitaram uma
brecha a fim de comprometer os ativos americanos de empresas, permitindo
assim que espionassem organizações e pudessem acessar dados sigilosos.
Bioterrorismo e Biopirataria
Ao longo da história muitas vezes, guerra biológica e bioterrorismo se

distinguem e se confundem.
Guerra biológica é fundamentada em um contexto de ofensiva militar e
ataque em massa nas populações. A partir da primeira metade do século XX
se tornou uma alternativa interessante, se tornando um campo de articulação
entre o poder militar e a ciência. Diversos países hoje no mundo dispõem de
pesquisas para utilização de armas biológicas.
O conceito de bioterrorismo foi incluído na linguagem cotidiana desde os
atentados às Torres Gêmeas ocorridos em 2001, que se seguiram a episódios
de disseminação de esporos de Antraz10, por meio do sistema postal dos EUA,
dos quais de 11 casos confirmados de contaminação de antraz pulmonar,
sendo que 5 evoluíram para óbito.
Segundo o CDC/EUA11 (Centro de Controle de Doenças) o bioterrorismo

é a disseminação deliberada de bactérias, vírus e outros microrganismos uti-
lizados a fim de causar doenças ou morte em populações humanas, animais
ou plantas. É o uso intencional de microrganismos ou toxinas derivadas de
organismos vivos, vírus ou príons com a finalidade de causar mortes ou
doenças em pessoas, animais ou plantas. Ele pode ocorrer por meio de fômites
(objetos inanimados ou substâncias que transportam ou absorvem organismos
contagiantes), vetores, animais infectados, e por produtos de origem animal,
vegetal ou doenças emergentes.
Esse ataque pode levar horas ou mesmo dias para ser descoberto, onde
terroristas exploram essa dimensão psicológica como ferramenta na conse-
cução de seus objetivos. O objetivo principal é a disseminação do pânico,
do medo, insegurança e ansiedade na população, e causando uma perda de
confiança em autoridades do governo, além de sérios prejuízos na economia.
Existem diversos exemplos de uso de agentes biológicos com finalidade
de causar mortes ou doenças ao longo da história. Desde a colocação de fezes
de animais nas flechas do homem de Neanderthal, aumentando seu poder
letal, passando pelo cerco de Caffa12 na Criméia no século XIV, onde tártaros
lançaram cadáveres infectados pela peste sobre os muros da cidade, a fim de
provocar epidemia generalizada, ou com o exército britânico contaminando
cobertores e lenços impregnados com varíola e enviando aos índios Delaware.
Depois da utilização de agentes químicos de guerra durante a Primeira
guerra Mundial, foram realizados esforços diplomáticos para limitar a prolife-
ração e uso de armas de destruição em massa, como o Protocolo de Genebra,
assinado em 17 de abril de 1925. Com o objetivo de excluir completamente a
possibilidade de uso de armas biológicas, foi elaborada a Convenção sobre
Proibição do Desenvolvimento, Produção e Estocagem de Armas Bacterioló-
gicas (Biológicas) e a base de toxinas e a sua Destruição” ou CPAB. Com esse
tratado os agentes biológicos não poderiam ser mais utilizados para fins de
guerra ou bioterrorismo, entretanto ocorrências posteriores mostraram que sim.
Em 1979, houve um surto de antraz em Sverdlovsk, na Rússia, atribuído
inicialmente ao uso de carne contaminada. Posteriormente verificou-se que
esse fato se deveu a dispersão de esporos de antraz em forma de aerossol, a
partir de uma instalação, militar de microbiologia russa. Em 1984, uma seita
no Oregon (EUA) utilizou Salmonella typhimurium para contaminar bufês
de salada, provocando gastroenterite em 751 pessoas. Outros casos foram
registrados posteriormente a esses. A saúde pública passa então a estar dire-
tamente vinculada a um assunto de interesse apenas militar. Mas a pergunta
não é mais “se ocorrer?” e sim “quando?” e o “o que fazer?”. Um evento como
esse ocorre silenciosamente, só sendo percebido quando surgem seres vivos
doentes ou mortos. Quando as autoridades forem alertadas para esse tipo
de evento, o número de vítima já será bastante expressivo, sobrecarregando
os sistemas de saúde do país alvo.
A biopirataria é a exploração, manipulação, exportação de recursos biológi-

cos com fins comerciais, onde está inserido a ideia de contrabando de espécimes
de flora e fauna, com apropriação de seus princípios ativos e monopolização
desse conhecimento por meio de patentes, na esteira de leis de direito da pro-
priedade intelectual (GATT/OMC). O biopirata é o elemento que, negando-se a
cumprir formalidades e desconhecendo e desrespeitando as fronteiras e sobera-
nias de nações, resolve agir invadindo santuários ecológicos em busca do novo
“ouro”, quase sempre utilizando-se de fachada para cobrir o seu real intento.
O Brasil é considerado um país extremamente diverso com 22% de espé-
cies nativas mundiais e pais com a maior diversidade biológica ou biodiver-
sidade do planeta. Devido exatamente a essa rica biodiversidade, o país é
alvo constante de biopiratas. Ao contrário de outras formas de reprodução
ilegal de conhecimentos ou contrabando, a biopirataria não é tipificada como
ilícito criminal, mas apenas administrativo, com aplicação de multas que
excepcionalmente são recolhidas pelo infrator.
A ilicitude da biopirataria movimenta cerca de US$ 10 bilhões de dólares
por ano, fazendo parte do ranking das três atividades criminosas com maior
movimento financeiro ao lado do tráfico de drogas e do comercio ilegal de armas.
Devido a grande extensão territorial brasileira o trabalho de fiscalização dos
órgãos e agências governamentais é dificultado, somado a facilidade de trans-
porte e o vasto número de pesquisadores da região amazônica, sem controle ou
cadastro. A consequência é a ampliação da atividade de biopirataria.
Associado a ampla gama de facilidades que o infrator encontra em solo
brasileiro, a legislação não desestimula a prática criminosa. Suas sanções são
muito brandas, tratando por igual o infrator que exerce comércio ilegal de ani-
mais silvestres e o que exporta animais ou plantas para pesquisas internacionais.
Notas:
1. SISFRON (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras) é um sistema de
sensoriamento e de apoio à decisão em apoio ao emprego operacional, atuando de
forma integrada, cujo propósito é fortalecer a presença e a capacidade de monitora-
mento e de ação do Estado na faixa de fronteira terrestre, potencializando a atuação
dos entes governamentais com responsabilidades sobre a área. Foi concebido por
iniciativa do Comando do Exército, em decorrência da aprovação da Estratégia
Nacional de Defesa, em 2008, a qual orienta a organização das Forças Armadas sob
a égide do trinômio monitoramento/controle, mobilidade e presença.
2. Relativo a Thomas Hobbes, filósofo inglês considerado um dos fundadores da filosofia
política moderna. Ele idealizou seu pensamento em três fases. Estado de natureza,
de guerra e de segurança. No estado de natureza, a humanidade é semelhante a
animais selvagens incapazes de desenvolver uma vida em sociedade, pois, segundo
suas ideias, todos eram iguais e essa igualdade é um ponto de partida para o estado
de guerra. Hobbes via o homem como um animal irracional i incapaz de estabelecer,
por si só, normas e condutas que o permitissem conviver pacificamente em sociedade.
Sua obra mais conhecida é “Leviatã”.
3. General Maynard Marques Santa Rosa, em “A Problemática Amazônica”.

4. Robert Rubel, “Defense of the system: changing the geometry of great power com-
petition”, Twenty-First Century Seapower: cooperation and conflict at sea, p. 170.
5. Skunk é uma variedade de cannabis com alta potência psicoativa. Como a pri-
meira cepa desenvolvida com essa característica. Skunk também é o nome gené-
rico para todas as cepas de alta potência, sendo a original mais comumente
chamada Skunk #1.
6. Almirante Craig Faller é o chefe do Comando Sul, uma unidade do Pentágono
projetada para defender os interesses dos Estados Unidos
7. Sputnik Brasil, “General dos EUA afirma que acordos russos e chineses na América
Latina podem desestabilizar a região”, em Setembro de 2020.
8. Iniciativa Belt and Road também conhecida como One Belt, One Road é uma ambi-
ciosa estratégia de desenvolvimento adotada pelo governo chinês visando reviver
antigas rotas de comércio através de uma rede de projetos de infraestrutura para
a África, Ásia Central, Sudeste asiático e o Oriente Médio. O financiamento da
Belt and Road provém de bancos de desenvolvimento chineses, empresas, fundos
de capital, bancos de desenvolvimento multinacionais (MDBs), fundos privados
estrangeiros e fontes governamentais estrangeiras.
9. Um backdoor em um software ou sistema de computador é uma porta de acesso
não documentada que permite ao administrador entrar no sistema, solucionar
problemas ou fazer manutenção. Pode se referir a um ponto legítimo de acesso
embutido em um sistema ou programa de software para administração remota,
ou uma fala para acesso criminoso.
10. Esporos de Bacillus anthracis / Cepa ames.
11. CDC/EUA Centers for Disease Control and Prevention é a agência nacional de
saúde pública dos EUA. É uma agência federal norte-americana que está subordi-
nado ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos.
12. Caffa (atual Teodósia) na Crimeia, que à época do século XIV pertencia aos genove-
ses e estava sendo atacada por tártaros-mongóis. Era, em 1346, um importante posto
comercial para o comércio do leste europeu. Após sofrer com um surto de peste
bubônica, o exército tártaro começou a atirar seus mortos por cima das muralhas.
RISCOS GLOBAIS
E AMEAÇAS DE
INSTABILIDADE
China
S
egundo Annual Threat Assessment of US Intelligence Commu-
nity, edição de 9 de abril de 2021, na área geopolítica, a despeito do
covid-19, Pequim, Moscou, Teerã e Pyongyang têm demonstrado
capacidade e intenção de avançar seus interesses, acarretando um
aumento considerável de despesas dos EUA e seus aliados, nas áreas militar,
econômica e tecnológica.
A China tem tentado aumentar seu poder de influência em três frentes
que podem desencadear conflito em escala global, são eles: Sul do Mar da
China, na fronteira com a Índia e a disputa territorial por Taiwan. A China
também continua a proliferar e efetivar cyber-ataques, demonstrando seu
grande potencial na guerra eletrônica. Concomitantemente a isso, China lidera
na área de vigilância e monitoramento de sua própria população, reprimindo
com vigor as dissidências políticas e minorias éticas, como os Uigures. Com-
bate radical contra as liberdades individuais, coibindo a liberdade religiosa
e cada vez mais suprimindo a democracia em Hong Kong.
Além de Taiwan, uma ilha na costa sudeste na China, que o país comu-
nista insiste em querer retomar, existe a seita Falungong, que já conta com
cerca de 70 milhões de praticantes. O Partido Comunista Chinês (PCC) chinês
vê com maus olhos essa seita por sua independência em relação ao Estado,
pelo seu tamanho e seus ensinamentos espirituais. Em 1999, o governo chinês
declarou que a seita herética ameaçava a estabilidade social. O fundador da
seita, Li Hongzhi, vive em Nova York, e obviamente recebe apoio e recursos
da CIA (periódico “The Epoch Times”).
Ainda sobre Taiwan, há informações confirmadas, provenientes de fontes
governamentais norte americanas, que os EUA enviaram e mantem naquele
país um grupo de militares, das forças de operações especiais. Este grupo está
na ilha há mais de um ano, com o objetivo maior de treinar as tropas locais, apri-
morando suas capacidades defensivas perante a possibilidade de uma invasão
chinesa. Esse destacamento americano seria formado por fuzileiros navais, que
conduzem treinamentos militares em diversos níveis, utilizando diferentes meios
terrestres e navais. A China protestou, e obviamente não quer a presença de
tropas americanas, ou uma base americana em Taiwan. Mas é de conhecimento
comum que os EUA, até 1979, mantinha um efetivo militar em Taiwan, sendo
que o contingente alcançou a quantidade de 19000 militares em 1958, sendo
gradativamente retirados a partir de 1973.
Outro problema que a China enfrenta são os uigures, que são muçul-
manos que habitam predominantemente a região autônoma de Xinjiang,
noroeste da China. Os uigures se veem culturalmente e etnicamente mais
ligados a Ásia Central que a Chi. No século XX os uigures declararam
independência, mas em 1949, a região passou a ser controlada pela China
comunista. Ela acusa os uigures de ter relações com a Al Qaeda.
No dia 16 de setembro de 2021, formou-se uma nova aliança estratégica
de poder no indo-pacífico. Trata-se da AUKUS1 (Austrália, Estados Unidos
124 Riscos globais e ameaças de instabilidade
e Reino Unido), estabelecendo entre esses países uma ampla cooperação

militar visando os próximos dois anos. O grupo fechou acordo de constru-
ção de oito submarinos convencionais de propulsão nuclear pela Austrália
a partir de tecnologia compartilhada. Para os americanos a demonstração
de poder em uma região de disputa com a China é fundamental, ao estabe-
lecer uma postura assertiva se contraponto aos avanços de Pequim. Para os
britânicos, é uma ótima oportunidade de se firmarem como potência global.
Já para a Austrália, o AUKUS contribui em três pontos: aprofundamento
das relações com parceiros estratégicos, aceleração de independência em
capacidade de dissuasão militar e maior soberania política.
O acordo do AUKUS também pode beneficiar indiretamente as Filipinas.
Esse país já tem alianças históricas com os EUA e firmou com ele o Tratado
de Defesa Mútua, ratificado em 1951, na intenção de conter o avanço sovié-
tico. Importante ressaltar que até 1990 as Filipinas abrigavam duas grandes
bases estadunidenses.
Hoje os antigos aliados de Manila estão se distanciando, abrindo espaço
para a forte aproximação chinesa. Entretanto as invasões chinesas nas zonas eco-
nômicas exclusivas do Mar do Sul da China incomodam, mas não poderiam de
forma alguma, até agora, serem combatidas em função da superioridade militar.
O governo filipino já realiza uma ampla modernização das suas Forças
Armadas, a ser concluída em 2028 (fragatas de misseis guiados vindos da Coreia
do sul, oito navios de patrulha rápida da Classe ‘Shaldag’, estações de armas
controladas remotamente e misseis israelenses. Enquanto não se finalizar essa
renovação, o AUKUS chega em um bom momento, incentivando Manila a buscar
novas parcerias, e contribuindo para uma postura mais assertiva frente à China.
Futuro submarino nuclear australiano, em cooperação com

ingleses e americanos em acordo trilateral da AUKUS
Fonte: Boletim Geocorrente – NAC/ESG.

Rússia
“A Rússia é uma charada, embrulhada em um mistério, dentro de um enigma.”

Winston Churchill, 1939
A Rússia busca uma certa acomodação com os Estados Unidos em

uma mútua não-interferência em assuntos internos. É claro, para os EUA
que a Rússia ainda não abandonou sua política de restaurar uma esfera
de influência que havia com a extinta União Soviética. A Rússia ainda
implementa ferramentas como campanhas de influência, cooperação de
inteligência e contraterrorismo, exercícios militares combinados, opera-
ções mercenárias, assassinatos etc., para minar interesses dos EUA e seus
aliados. Como exemplo dessa estratégia, a Rússia eliminou em 2019 o
líder separatista checheno em um parque em Berlim, e tentou matar por
envenenamento o líder oposicionista russo Aleksey Navalnyy em 2020 com
um agente químico de quarta geração. Aumenta seu poder de influência
fazendo presença em conflitos como da Síria e da Líbia. No lado ociden-
tal, Moscou expande seu envolvimento (militar) na Venezuela e continua
apoiando Cuba. No Cáucaso, se esforça para aumentar sua presença com
intervenções em Belarus e na desestabilização da Ucrânia, enquanto con-
versações acontecem, combates e escaramuças militares continuam.
O Ártico ganhou uma grande proeminência estratégica, em virtude do
degelo provocado por desequilíbrios climáticos. Para a Rússia abrem-se novas
perspectivas de ganhos econômicos com uma possível nova rota marítima.
A crescente viabilidade de oceano ártico como rota comercial é um dos
fatores estratégicos mais relevantes. A Rússia estima que cerca de 80 milhões
de toneladas de bens e produtos irão passar na Rota Marítima do Norte, até
2024, sendo custos e tempo de transporte inferiores às rotas tradicionais de
Suez ou Malaca.
Desde a Guerra Fria o Ártico é um cenário relevantes para as capacidades
de ataque nuclear. Essa boa condição estratégica é acentuada em virtude das
bases aéreas e silos de mísseis balísticos instalados, além da própria compo-
sição da Esquadra do Norte russa, onde estão 9 de 12 submarinos nucleares
lançadores de misseis balísticos (SNLMB), tornando extremamente compe-
titiva, e aumentando sua relevância internacional.
Há também um interesse chinês em desenvolver a “Polar Silk Road”2,
uma espécie de Nova Rota da Seda polar. A Rússia com isso, pretende expan-
dir e reestruturar a presença naval, e com esse rearmamento e aumento de
operacionalidade, pretende preparar para um novo contexto de segurança
marítima em toda a região.
A Esquadra receberá armamentos de ponta (misseis hipersônicos) e navios
de superfície, além de realizar frequentes exercícios navais, como o Exercício
Zapad-2021, na área do Mar de Barents e nas Terras de Franz Joseph. A Mari-
nha Russa estuda a criação da Esquadra do Ártico, que poderá ser a quinta
esquadra do país, garantindo assim capacidades estratégicas de retaliação

nuclear, e preparando suas forças navais para novas condições geopolíticas.
A Rússia também tem problemas de fronteiras com o Japão, envolvendo
parte da Ilha Sacalina, as Ilhas Curilas (Kunashir e Iturup), além da Ilha Shiko-
tan e as ilhas Khabomai. O Japão considera como sendo seu um território de
mais de 9000 km². A discórdia das chamadas Ilhas Curilas começou ainda no
século XVIII, no período de 1711 a 1778, quando a Rússia incorporou todas as
ilhas de acordo com o direito internacional em voga na época. No ano de 1786, o
Japão iniciou sua expansão, destruindo completamente traços da presença russa
na área de discórdia. Em 1855, ocorreu a assinatura do Tratado de Shimoda
(primeiro russo-japonês), definindo a Ilha de Sacalina como possessão conjunta.
Em 1875, ocorreu um novo acordo, o Tratado de São Petersburgo, rea-
firmado pelas partes. Seus termos estipulavam que o Japão cederia a Sacalina
em troca da soberania de todas as Ilhas Curilas até à península de Kamcha-
tka. Em 1905, com o fim da guerra Russo-Japonesa, foi assinado o Tratado de
Portsmouth, dividindo Sacalina no paralelo 50° N. Ao fim da Segunda Guerra
Mundial, os Acordos de Yalta (URSS, EUA e Reino Unido), entregou as Curilas
novamente aos russos. Em 1951, o Japão assina o Tratado de São Francisco,
sem a participação russa, onde renuncia a todas as ilhas, mas não as transfere
para a URSS. Finalmente, em 1956 após acordos de paz entre os dois países o
Japão deveria receber de volta a Ilha Shikotan e as ilhas Khamobai, o que não
ocorreu. Essa negação foi reforçada e o acordo reincidiu, pela presença de bases
dos EUA no Japão. Acordos definitivos sobre as ilhas não foram feitos até 2022.
Militarização russa no Ártico
A MILITARIZAÇÃO RUSSA DO ÁRTICO
Fonte: Insider/Marcelo Pires.

Irã
O Irã continua a ameaçar interesses dos EUA e aliados no Oriente Médio e

tentar erodir o poder de influência americano na população xiita. Teerã tenta reu-
nir esforços para diplomaticamente, conseguir expandir seu programa nuclear,
além de comprar e vender equipamentos militares apesar de sua deterioração
econômica, face aos embargos impostos. As ações do Irã recrudescem as hostili-
dades de países do Golfo Pérsico, Israel e do próprio EUA. Irã continua a ser um
ator problemático no Iraque, ao apoiar milícias radicais xiitas nesse país vizinho e
ameaçar bases militares americanas instaladas por lá. Está também determinado
a manter uma influência e presença militar na Síria, apoiando o grupo terrorista
radical Hezbollah e a desestabilização do Iêmen, ao apoiar os rebeldes Huthis.
Diplomaticamente também tenta minar a presença americana no Afeganistão.
O Aiatolá Ali Khamenei, em janeiro de 2022, veio a público confessar
que o fracasso econômico do Irã, não se deve apenas às sanções econômicas
internacionais (especialmente a partir de 2018, protagonizadas pelos EUA),
mas também devido à má gestão. Analisando a década, desde 2011, Khame-
nei falou em decisões erradas e deficiências que fizeram parte dos motivos
que levaram a dados econômicos insuficientes daquela República Islâmica.
Indicadores como crescimento do PIB, inflação, liquidez, formação de capital,
crédito para habitação, não foram satisfatórios. O Irã testemunhou uma série
de manifestações e protestos, nas primeiras semanas de 2022, por funcionários
públicos, incluindo servidores do judiciário, contra as condições econômicas
difíceis. O país negocia em Viena, Áustria, diretamente com a Inglaterra, China,
França, Alemanha e Rússia, e indiretamente com os EUA, objetivando tentar
ressuscitar, a todo custo, mas sem sucesso até agora, seu acordo nuclear de 2015.
No contexto da disputa geopolítica com o ocidente (sobretudo com
Israel), o Corpo de Guardiões da Revolução Islâmica (IRGC) do Irã reve-
lou um novo míssil balístico de longo alcance e alta precisão, denominado
Kheibarshekan (“Destruidor de Castelos”). O míssil de 3ª geração tem um
alcance de 1450 km, sendo capaz de atingir Israel, outras capitais de países
do Golfo e bases americanas no Oriente Médio. É propulsionado por com-
bustível sólido e é capaz de penetrar em escudos anti-mísseis. Seu design
modificado, reduziu o peso em quase um terço, em comparação com mísseis
semelhantes. O tempo de lançamento foi reduzido para um sexto do que é
normalmente requerido. Um alto oficial do IRGC, informou que a capacidade
dos materiais explosivos usados nas ogivas desses mísseis, aumentou em
muitas vezes. Ele se distingue pela sua grande velocidade.
O Irã realizou um ataque recente (13 de março de 2022) com mísseis
balísticos na capital regional curda do Iraque, Erbil, ameaçando os esfor-
ços para concluir as negociações nucleares com o Irã. O ataque, pelo qual a
Guarda Revolucionária do Irã assumiu a responsabilidade, ameaçou também
a estabilidade no Iraque e em toda a região. Os iranianos lançaram cerca de 6
mísseis da base de Khasabad, na região de Tabriz. O alvo seria uma instalação
do Mossad anexo ao consulado dos EUA na cidade. Populares filmaram a

queda dos mísseis. Segundo fontes militares, o ataque foi em retaliação à
morte de dois líderes iranianos da Força Quds, que morreram na semana
anterior em uma ação israelense em Damasco.
Coreia do Norte
Na Coreia do Norte, o líder Kim Jong-Un realiza várias ações desestabiliza-

doras e potencialmente agressivas para redesenhar o mapa da segurança regional
e provocar os EUA e seus aliados realizando testes nucleares (mísseis balísticos
intercontinentais-ICBM) e exibindo o seu poderio nuclear. Realiza esforços de
modernização de suas forças armadas, desenvolvimento de misseis e armas
nucleares, acordos bilaterais para escapar de sanções econômicas e desenvolver
poder e capacidades de cyber guerra.
A crescente nuclearização bélica norte-coreana atende a uma visão de
ser um instrumento de manutenção de Status Quo do Regime e perpetuação
do regime dinástico de Kim Jong-Um e ser um mecanismo de dissuasão em
relação aos EUA, para uma futura unificação coreana, sob a égide do norte.
Em 1994, Kim Il-Sung (avô) comprometeu-se em congelar o programa
nuclear e renunciar a toda a ambição de desenvolver armas atômicas, além
de abrir o país para inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica.
Kim Jong-Il (pai) também se comprometeu a abandonar o desenvolvimento
de armas atômicas e aceitou inspetores internacionais. Ambos, obviamente
sabotaram seus acordos.
Os principais mísseis balísticos norte-coreanos, além dos de curto alcance
ou lançados por submarinos são o Hwasong (1000 km de alcance), o de médio
alcance Nodong (1300 km), o intermediário Musadan (3500 km) e os inter-
continentais Hwasong-14 (6700 km) e Hwasong-15 (13.000 km), esse último
um aprimoramento do anterior.
Conflito Armênia-Azerbaijão
Grande parte da região do Cáucaso foi, em tempos atrás, parte do pode-

roso Império Persa. Esse império abrangia desde o vale do Rio Indo, na atual
Índia, até parte do Egito e margem oriental do Mediterrâneo. Esse império foi
se esfacelando ao longo do tempo, perdendo prestígio frente a outros impérios
que surgiam, como o Otomano. A Rússia teve um papel importante na queda
do império Persa, ganhando uma guerra que durou 9 anos e conquistando
a região do Cáucaso (1813). Nessa vitória, a Rússia acabou anexando terras
que hoje são o território da Armênia e do Azerbaijão, entre outros. O vínculo
entre Rússia e Azerbaijão perdurou por quase dois séculos, terminando em
1991 quando o país declarou a sua independência.
A partir desse ano começou uma fase turbulenta, tanto internamente como
fora do país. Iniciou-se uma séria disputa com a vizinha Armênia, nação com
quem tinha certas pendências de território. Na década de 20, Stalin, mediando
esse conflito, e para ter o controle sobre os dois países, desenhou fronteiras
bastante discutíveis, entregando a região de Nagorno Karabakh, uma área
altamente povoada por armênios (90 % de armênios), para o Azerbaijão. Stalin
fez isso de propósito, para criar tensão permanente entre os dois países, com a
União Soviética sendo a única nação que poderia controlar essa disputa (sovie-
tização da Trans-Caucásia), tornando-os fracos e dependentes de Moscou. Em
1991, com o fim a União Soviética e a sua “arbitragem”, a tensão entre as duas
nações aumentou exponencialmente. Três anos antes, em 1988, eclodiu um
conflito armado denominado 1ª Guerra de Nagorno Karabakh, que terminou
com a vitória da Armênia, que anexou toda a região. A partir de 1994, após
essa anexação, os dois países estão em constante atrito.
O Azerbaijão então, realizou investimentos em armas, tendo como parceiros
nessa inovação, países como a Turquia e Israel. Iniciou também uma profunda
ligação comercial, econômica e até política com a Turquia, país que tem a Armê-
nia como adversário histórico, desde o chamado “Genocídio Armênio” em que
um milhão de armênios morreram massacrados por tropas turcas. Em setembro
de 2020, estourou a 2ª Guerra de Nagorno Karabakh. Uma guerra totalmente
diferente da primeira, com o Azerbaijão equipado com armas muito modernas,
utilizando drones israelenses e turcos, tanto de reconhecimento como de ataque,
que, com apenas um mês de combates, destruíram as colunas armênias.
O Azerbaijão tem como aliado, além da Turquia, que apoia esse conflito
no nível tático até mesmo com envio de tropas, a Geórgia e por vínculos com
a OTAN, também os EUA. Enquanto a Armênia é apoiada pela Rússia, e pelo
Irã e China (que possui interesses específicos no Cáucaso). Mesmo depois
de referendos, o princípio de autodeterminação dos povos não está sendo
respeitado naquela região.
Em julho de 2021, o presidente turco Recep Erdogan encontrou-se com
Ilham Aliyev presidente do Azerbaijão. Visitaram juntos a cidade de Shusha
conquistada pelos azerbaijanos durantes os últimos conflitos com a Armênia.
Nessa ocasião, os dois presidentes assinaram acordos de cooperação militar.
Nitidamente a projeção do poder turco nessa área de influência russa é alta.
Erdogan moderniza a capacidade militar do Azerbaijão e ambos os países já
realizam operações militares bilaterais. Nessa última declaração de coopera-
ção prevê o estabelecimento de uma fábrica de drones de produção conjunta
e, possivelmente a construção de uma base militar turca no país.
Há algumas outras iniciativas envolvendo esses atores. Um deles trata do
corredor Zangezur (na fronteira com o Irã). Após o conflito Aliyev começou
discussões com Putin e Erdogan sobre a construção de um empreendimento
ligando a Rússia e Turquia por meio de seu território. Prevista para daqui
a dois anos, aumentará a projeção asiática na região, assustando países do
entorno e do ocidente. Esse fortalecimento geopolítico por parte da Turquia
pode gerar atritos futuros com própria Rússia, se houver a percepção de um
caráter expansionista turco, desequilibrando toda a balança de poder na região.
Durante a Guerra Rússia-Ucrânia de 2022, os ânimos voltaram a esquentar,
principalmente após o corte de fornecimento de gás ao Azerbaijão. As forças
desse país também teriam cruzado a linha de contato estabelecida após a guerra
de 2020 em direção a vila de Paruj, região de Askeran, atingindo a área de res-
ponsabilidade do contingente russo de paz, estacionado em Nagorno-Karabakh.
Elas foram enviadas em novembro de 2020 no âmbito do cessar-fogo negociado
pelo Presidente Vladimir Putin. O governo azeri negou a invasão e a ocorrência
de combates na zona, indicando estar a efetuar um processo de “precisão” de
pontos de estacionamento de tropas “sem a utilização da força. O presidente da
autoproclamada república de Nagorno-Karabakh decretou lei marcial.
Segundo fontes militares do Azerbaijão, a situação é artificialmente exage-
rada por militares armênios “com o objetivo de criar uma histeria deliberada,
confundir e enganar o público”. Um oleoduto foi fechado logo após a Armênia
ter expressado aprovação para propostas de agendas de paz oferecidas pelo Azer-
baijão, na tentativa, segundo o primeiro-ministro armênio de arrastar a Armênia
para outra guerra. Nagorno-Karabakh, região em território azeri, hoje habitada
quase exclusivamente por armênios (cristãos ortodoxos), declarou a indepen-
dência do Azerbaijão muçulmano após uma guerra no início da década de 1990,
que provocou cerca de 30.000 mortos e centenas de milhares de refugiados.
Conflito China-Índia
Mais de 200 mil militares indianos estão estacionados na fronteira com

a China (demonstração de força) e esse quantitativo promete aumentar mais
ainda. Esse conflito entre China e a Índia é antigo. Por volta de 1950 a China
invadiu e anexou o Tibet, território que apenas um ano antes (1949), tinha
sinalizado que queria manter sua soberania. Em 1959, os tibetanos se revolta-
ram e pegaram em armas, revoltados com a opressão das forças chinesas de
ocupação, iniciando um levante que durou apenas 13 dias, mas que resultou,
na sequência, em um massacre de mais de 100000 tibetanos.
O Dalai Lama, para evitar ser capturado ou eliminado, fugiu solicitando
asilo para a vizinha Índia. Essa fuga abalou muito profundamente o ditador
Mao-Tse-Tung, exigindo da Índia a sua extradição. Isso gerou um aumento
da tensão entre os dois países, com a recusa da Índia em entregar o líder
tibetano. Os países já viveram tensões anteriores relativas a demarcações de
fronteiras, e foram reavivadas com a questão do asilo do Dalai Lama, desa-
guando em uma guerra de curta duração (1 mês) em 1962, que deixou mais
de 10000 vítimas (entre mortos e feridos).
A China foi vencedora desse conflito, prevalecendo e consolidando sua
presença na região de Aksai Chin e outras áreas indianas. Desde a década de
60, a relação entre os dois países é tensa e conflituosa nessa região de fronteira
montanhosa. Em 2020, no vale do Rio Galwan, uma escaramuça deixou 60
mortos e feridos. A China e a Índia aumentaram desde então suas presenças
militares, com os chineses construindo bases militares e estradas na região de
Aksai Chin e a Índia fazendo o mesmo na região de Ladakh com milhares de
militares e meios. Um terceiro país também tem problemas de contestação de

fronteiras na região: o Paquistão. Isso inflama ainda mais as tensões na região.
O Paquistão se aliou a China, pois é um grande rival da Índia pela dis-
puta da região da Caxemira. A presença militar indiana na fronteira da China
aumentou em mais de 40%, elevando seu contingente para mais de 200000
homens. Além disso aumenta também o número de helicópteros de trans-
porte de tropas, aumentando assim potencialmente a mobilidade nessa área
montanhosa. Muitas peças de artilharia estão sendo enviadas para a região,
armas perfeitas para saturar posições de tropas em vales e em montanhas.
Só na área de Ladakh, tríplice fronteira, estão estacionados cerca de 20000
indianos. Para complicar ainda mais o cenário geopolítico explosivo, a Índia
estreita laços com o “QUAD”, grupo composto por Estados Unidos, Austrália,
Japão, além da Índia, países que enxergam a presença expansionista da China
no Indo-Pacífico como uma ameaça constante e perigosa.
Afeganistão
O Afeganistão sofre uma insegurança regional em virtude da retirada das

forças militares americanas e da OTAN do país. O governo Biden já cumpriu o
cronograma dessa retirada apressada e atrapalhada dos EUA, em uma guerra
que durou mais de 20 anos, fazendo lembrar o episódio lamentável da saída
das tropas americanas no Vietnã. Essa saída significa um vácuo político que
deverá ser preenchido pelos Talibãs, dominando atualmente cerca de 95%
do país, além de ter colapsado completamente as Forças de Segurança afegãs
(ANSF), apesar de os EUA reafirmarem que não abandonarão o país no plano
econômico e político. Contudo, há de fato um ‘gap’ de poder e administração
que provavelmente deverá ser ocupado pela China.
Conflito Índia-Paquistão
A Índia e o Paquistão, até 1947, formavam um só bloco, estando ambos

sob o domínio do Império britânico. Com a independência da região, os
dois Estados foram criados. Entretanto, as diferenças culturais e religiosas
passaram a afetar diretamente a configuração política desses dois países e,
consequentemente, a relação entre um e outro. Sendo assim, a Índia, onde
predomina o hinduísmo, passou a rivalizar com o Paquistão muçulmano.
A região da Caxemira, que se localiza entre esses dois países e era gover-
nada, até 1947, por um marajá (representante do principado de Jammu e
Caxemira), acabou por se tornar alvo dos interesses de ambas as partes. Tanto
Índia como Paquistão procuraram estabelecer seu domínio sobre a região.
Evidentemente, as divergências étnico-religiosas instalaram-se e a guerra
tornou-se inevitável. Em 1947, houve a primeira guerra, que não resolveu a
situação, e apenas dividiu a Caxemira.
Os dois países se enfrentaram em várias guerras pelo território da Caxe-

mira, em 1947, 1965, 1971, 1999 e 2001-2002. Se enfrentaram uma vez em 1962,
pelo controle de Aksai Chin, bem como pelo nordeste do Estado indiano de
Arunachal Pradesh. Também se envolveram em diversas escaramuças no
glaciar de Siachen. Desde a década de 1990, o Estado indiano de Jammu e
Caxemira têm sido afetados por confrontos frequentes.
Em 2019, a Índia realizou ataques aéreos em um suposto campo do grupo
terrorista paquistanês JeM (Jaish-al-Mohammed), em Balakot, no Paquistão.
O ataque ocorreu apenas alguns dias depois que a organização extremista
reivindicara a responsabilidade pela morte de 40 soldados indianos em um
ataque suicida na Caxemira. Um dia depois, o Paquistão disse que derrubou
dois jatos indianos como retaliação. Em 2020, intensos combates entre tropas
indianas e paquistanesas foram travados em regiões transfronteiriças, em
meio a surtos de coronavírus.
Conflito Israel-Palestina
“Terras férteis homens indolentes. Terras ásperas homens duros.”

Heródoto
Um dos maiores focos de instabilidade política internacional dos séculos

XX e começo desse século XXI, foi a total incapacidade de se encontrar uma
solução para o conflito entre árabes e israelenses. A região continua altamente
instável, sendo o último episódio ocorrido em maio de 2021, ressaltando um
novo modo de se fazer a guerra e contando com alto grau de violência nos
chamados “micros-espaços urbanos”.
A Faixa de Gaza é um dos territórios de maior densidade populacio-
nal do mundo. Em 365 km² vivem hoje mais de 2 milhões de habitantes. O
combate hoje, tendo por base esse contexto, é bem diferendo do combate em
campo aberto, com tropas e veículos de combate. Na última edição desse
conflito, o Hamas (grupo radical palestino) lançou mais de 4300 foguetes na
área urbana de Israel, e graças ao sistema Iron Drone de defesa antiaérea, de
proteção da população local, a IDF conseguiu interceptar a maioria deles.
A ideia era exatamente essa, ou seja, sobrecarregar esse sistema, lançando
a maior quantidade possível em áreas povoadas, inviabilizando sua defesa.
Israel adotou o caminho de tornar o espaço urbano de Gaza inabitável,
destruindo prédios de alto valor estratégico com mísseis e bloquear a área de
pesca da Faixa de Gaza. O conflito revela uma novíssima maneira de fazer a
guerra, onde o combate urbano tradicional é complementado com recursos
tecnológicos altamente sofisticados e o teatro de operações limitado espaços
urbanos e áreas densamente povoadas, com grande grau de violência.
Conflito Israel X Irã
Situação está extremamente caótica e grave, com esses países estando

em situação de pré-guerra, pelas ações recentes envolvendo Israel e Irã. O
Irã, que possui uma rivalidade grande com países ocidentais desde a Revo-
lução Iraniana e o Regime dos Aiatolás que derrubou o Xá Reza Pahlavi. Esse
novo Irã pós-revolução jurou destruir tudo que é relacionado ao ocidente,
começando obviamente por Israel.
Possui um território bastante privilegiado com uma grande área cos-
teira no Golfo Pérsico, e acompanha todas as movimentações de navios pelo
Estreito de Ormuz, uma região muito estratégica onde passa cerca de 70%
do petróleo vendido por via marítima, em todo o mundo. Se esse Estreito
for fechado um dia, dezenas de países deixaram de ter acesso a esse produto
vital, o que torna toda a área muito volátil.
Os iranianos, não querendo ser atacados diretamente por Israel, resolve-
ram optar por uma estratégia de ataque indireto, e esses ataques são realiza-
dos pela Força Quds, unidade especial da Guarda Revolucionária Iraniana,
dedicada a treinar e financiar grupos pró-iranianos em outros países, como o
Hezbollah, os Houthis e o Hamas. Usando esses grupos, o Irã consegue atacar
países como o Israel e a Arabia Saudita sem ser contra-atacado diretamente,
o que poderia escalar as tensões e desencadear uma guerra aberta.
Em julho de 2019, o Irã atacou e capturou um navio britânico que passava
pelo Estreito. Essa foi uma resposta de uma apreensão de um navio iraniano
que passou pelo Estreito de Gibraltar com petróleo enviado para a Síria pouco
tempo antes. Como a ONU proibiu o envio de petróleo para a Síria, os britânicos
realizaram essa ação. Isso obrigou que países como EUA e Inglaterra escoltassem
seus petroleiros no Estreito, por algum tempo, a fim de evitar novos ataques.
O Irã recentemente (29 de julho de 2021) atacou o petroleiro Mercer
Street, que operava para um grupo do empresário israelense Eyal Ofer, atin-
gido por um drone “kamikaze” quando se encontrava a cerca de 20 milhas da
costa de Oman, no Oceano Indico. Nesse ataque, morreram dois tripulantes
(um britânico e um romeno), além de danos diversos na embarcação. Esse foi
só mais um dos muitos ataques, que segundo fontes britânicas, americanas
e israelense, foram de autoria iraniana. Os israelenses contra-atacaram com
mísseis atingindo cinco navios civis ancorados em porto iraniano de Ganaveh,
quatro deles carregados com mercadorias.
Iêmen
O Iêmen se localiza no sul da Península Arábica, pelo fato de ser banhado

pelo Golfo de Áden conferiu ao país historicamente grande importância geoes-
tratégica, visto que o Golfo se localiza em um dos pontos de estrangulamento
internacionais, onde o fluxo de petróleo se choca com a pirataria e o terrorismo.
Seu território atual foi ao longo dos séculos administrado por diferentes
governos, e sua independência, do Reino Unido, ocorreu em 1967, quando o
país se dividiu em duas repúblicas, a República Árabe do Iêmen, no Norte,
e a República Popular Democrática do Iêmen, ao sul.
A linha norte e sul que dividiu o país politicamente também reflete a
divisão cultural e religiosa existente, onde o norte foi moldado por influências
otomanas e o Sul por influências britânicas, como no que tange a arquitetura.
A divisão religiosa aparece quando se percebe que a população do norte
historicamente segue a corrente xiita do Islã, em contrapartida a população
do sul, majoritariamente sunita.
No ano de 1990, as duas repúblicas que formam o atual Iêmen se uniram,
sob o governo do presidente Ali Abdullah Saleh, assim como populações
notoriamente diferentes. Ao mesmo tempo, surgia um dos principais atores do
atual conflito: os Houthis. Estes se configuram como a denominação comum
de um movimento político-religioso, majoritariamente xiita, que desde 2004
trava uma luta armada dentro do país.
Na forma de milícias, tal luta armada inicialmente esteve confinada na
região noroeste do país, em regiões pobres e periféricas. Os Houthis alegavam
defender a sua comunidade da discriminação – por parte do governo de Saleh
principalmente a sua cultura, e buscavam garantir mais participação do povo
Zaidi no governo. Tal discriminação se deve ao fato de ter ocorrido no Iêmen uma
supremacia da região sul, sunita, bastante marcante após a unificação do país.
A guerra civil atual tem suas raízes no fracasso de uma transição política
que supostamente traria estabilidade ao Iêmen após uma revolta na sequência
da Primavera Árabe, em 2011, que forçou a saída do poder do ex-presidente
Ali Abdullah Saleh, após 33 anos – ele acabaria sendo morto em dezembro,
acusado de traição. Na época, ele passou o comando do país para o seu então
vice, Abd-Rabbu Mansour Hadi. Hadi enfrentou uma variedade de proble-
mas, incluindo ataques da Al-Qaeda, um movimento separatista no Sul, a
resistência de muitos militares que continuaram leais a Saleh, assim como
corrupção, desemprego e insegurança alimentar.
O movimento Houthi, que segue uma corrente do islã xiita chamada
“zaidismo” e havia travado uma série de batalhas contra Saleh na década
anterior, tirou proveito da fraqueza do novo presidente e assumiu o controle
da província de Saada, no nordeste do país. Desiludidos com a transição,
muitos iemenitas – incluindo os sunitas – apoiaram os Houthis e, em setem-
bro de 2014, eles entraram na capital, Sanaa, montando acampamentos nas
ruas e bloqueando as vias.
Em janeiro de 2015, eles cercaram o palácio presidencial e colocaram o
presidente Hadi e seu gabinete em prisão domiciliar. O presidente conseguiu
fugir para a cidade de Áden no mês seguinte. Alarmados com o crescimento
de um grupo que eles acreditavam ser apoiado militarmente pelo poder xiita
local do Irã, a Arábia Saudita e outros oito Estados sunitas árabes começaram
uma série de ataques aéreos para restaurar o governo de Hadi.
A coalização saudita é composta pelos Estados-membros do Conselho

de Cooperação do Golfo (com exceção de Omã), Egito e Sudão, além de ser
apoiada (logística e inteligência) por países como Estados Unidos, Reino
Unido e França. Desde então, a coalização impôs um severo bloqueio aéreo
e marítimo ao território do Iêmen, e vem realizando bombardeios aéreos
constantes no país, além de ataques a partir de forças terrestres. De um lado
estão os Houthis, apoiados por forças militares pró-Saleh, pela organização
libanesa de maioria xiita Hezbollah e pelo Irã e de outro a coalizão saudita,
apoiada por forças militares pró-Hadi, tribos sunitas e o Movimento do Sul.
A partir da desordem e do caos no Iêmen, e da inabilidade estatal em
controlar o território, organizações terroristas começaram a crescer e se expan-
dir e até mesmo controlar partes do país. A Al-Qaeda, em seu braço na Penín-
sula Arábica (AQAP), é tida como um dos mais fortes ramos da organização
terrorista no mundo e através da Primavera Árabe, da Guerra Civil do Iêmen e
do vácuo de poder que sucedeu esses fatos, aumentou consideravelmente sua
presença e conseguiu o controle de regiões no centro e no leste do país, sob o
regimento da lei islâmica. Aliado a isso, o braço iemenita do Estado Islâmico,
apesar de não possuir controle sobre nenhum território, vem criando campos
de treinamento no sul do país, além de ter reivindicado ataques terroristas.
A real entrada dos EUA no embate se deu após o vácuo de poder que se
seguiu ao conflito e a tomada de áreas pelo braço iemenita da Al-Qaeda, visto
pelos estadunidenses como o ramo mais perigoso da organização terrorista.
Desde então, o país vem combatendo o terror no Iêmen, e, sob a administra-
ção de Barack Obama os Estados Unidos passaram a utilizar drones como
mecanismo de guerra.
O constante uso de bombardeios por meio de drones contrasta com outros
tipos de ataques militares, como as operações em terra, mais incomuns. Apesar
disso, em 29 de janeiro de 2017, na primeira operação militar sob a administração
de Donald Trump, os Estados Unidos lançaram a alvos da Al-Qaeda um ataque
que representou um significante escalamento do seu envolvimento no Iêmen.
Através de um arriscado plano, as forças militares estadunidenses utilizaram de
drones e do apoio de navios no Golfo de Áden para por meio de helicópteros de
ataque bombardear alvos da Al-Qaeda, além de matar combatentes do grupo.
No dia 25 de março de 2022 os houthis realizaram um ataque contra
a Arábia Saudita resultando em um grande incêndio e destruição de uma
refinaria saudita em Jeddah, envolvendo drones e mísseis. Em retaliação, um
drone houthi conseguiu ser abatido por um caça saudita.
Tensões entre Chile e Argentina
Existe uma crescente tensão entre a Argentina e o Chile na região da

Patagônia. Isso tem raízes muito antigas, ainda do tempo dos colonizadores
espanhóis. Eles se estabeleceram em locais com muito recursos, desprezando
a região da Patagônia, pelo seu relevo difícil pelo clima seco e agreste. Essa
região ficou sendo, com o passar do tempo, uma das menos povoadas da
América do Sul. A mudança começou em 1843, quando o Chile fundou um
assentamento permanente de nome Punta Arenas.
A Argentina não ficou atrás, e décadas depois estabeleceu outro assen-
tamento, chamado Ushuaia. Esses dois assentamentos passaram a derivar em
diversas divergências fronteiriças, que tentaram ser sanadas em um acordo
em 1881. Apesar do acordo dizer claramente que as ilhas Picton, Nueva e
Lennox eram chilenas, a Argentina passou a exigir a posse desses territórios.
Isso gerou uma tensão que escalou no final do século XX, exatamente em
virtude do aumento do interesse em exploração na Antártida.
Na década de 70, os dois países procuraram a intermediação da Ingla-
terra na tentativa de resolver a questão. Entretanto, a Argentina, percebendo
que iria perder nessa mediação, abandonou as negociações, tendo o presidente
Juan Peron ameaçado atacar militarmente o Chile a fim de aceitar as suas
pretensões e reinvindicações. Em 1978, a Junta Militar argentina, posterior-
mente, até planejou uma grande operação militar (Operação Soberania) para
invadir e tomar as ilhas em questão.
Entretanto, esse plano foi abandonado na última hora de sua execução,
mediante a intervenção do papa João Paulo II. O papa chegou a elaborar em
1980 um acordo que foi aceito pelo Chile, porém foi recusado pela Argentina.
Durante a Guerra das Malvinas, em 1982 em caso de vitória da Argentina,
havia um plano já preparado para a tomada e ocupação militar de todas as
ilhas do Canal Beagle, inclusive as chilenas. As relações entre os países nesse
período, que aparentemente seriam amistosas, na verdade não eram.
A Argentina passou secretamente a tratar o Chile como um inimigo
militar. Durante o conflito, o Chile permitiu a presença de militares britânicos
no sul da Patagônia, a fim de monitorar as atividades aéreas e comunicações
militares argentinas. A Argentina temia uma invasão chilena, e por isso, dei-
xaram um grande contingente nessa fronteira. Esse contingente, que poderia
ter sido amplamente empregado na guerra das Malvinas, foi disposto e fixado
na região disputada para dissuadir qualquer tipo de invasão.
Uma grande crise financeira abalou a Argentina após a guerra. Em 1984,
o presidente Raul Alfonsín propôs e realizou um referendo para avaliar a pro-
posta do Papa de 1980. Mais de 82% da população votou a favor desse acordo.
A Argentina e o Chile assinaram então um protocolo afirmando que as ilhas
em torno do cabo Horn, foram definitivamente entregues ao Chile, no entanto
foram preservados para a Argentina os direitos marítimos de navegação, à
exceção do mar territorial de 12 milhas em torno das ilhas.
Recentemente em setembro de 2021 o Chile interpôs uma reinvindicação
territorial sobre 5000 quilômetros quadrados no mar de Drake, entre o Cabo
Horn e as ilhas Shetland do Sul. Em função desse trecho incluir áreas de mar
cujos direito de exploração e uso foram entregues a Argentina em acordo
assinado em 1984, o governo argentino diz que o Chile está desrespeitando o
acordo e não vai discutir a questão. Por outro lado, o presidente Chileno Sebas-
tian Piñera afirma que a reinvindicação é mais que legitima e está em confor-
midade com as leis internacionais e espera que ela seja devidamente avaliada.
Também existem outros países da América do Sul com problemas de terri-
tório envolvendo o Chile. Quando o império espanhol começou a se desfazer, no
início do século XIX, as capitanias e vice-reinos começaram uma longa disputa
envolvendo demarcações de fronteira. As demarcações, entretanto, não foram
precisas na região inóspita do Deserto do Atacama. Em 1825, Simon Bolivar,
reclamou uma saída de mar do Pacífico para a recém-independente Bolívia. Mas
esses mesmos territórios já haviam sido reclamados por Chile e Peru sete anos
antes. Isso gerou graves tensões de fronteira, desencadeando, entre acordos e
desacordos, em uma Zona de Benefícios Mútuos (Livre-Comércio e divisão
igualitária de impostos) comuns aos países. O território em litígio ficava próximo
a cidade de Antofagasta, no Deserto do Atacama. As tensões entre Chile, Peru e
Bolívia se intensificaram em 1879. A Bolívia perdeu seu acesso ao mar, na cha-
mada Guerra do Pacífico, envolvendo os três países, guerra que a própria Bolívia
provocou, e que foi vencida pelo Chile graças a sua supremacia naval (chegou a
ocupar a cidade de Lima, em 1880). Desde esse período a Bolívia reivindica junto
ao Tribunal Internacional de Haia seu acesso ao mar. No entanto, a não ser que
o Chile ou Peru renunciem a faixas de seus territórios, o que é extremamente
difícil, a Bolívia continuará sem acesso ao sonhado mar do Pacífico.
Sobre o Peru, violentos protestos no dia 5 de abril de 2022 forçaram
o presidente Pedro Castillo, as decretar toque de recolher na capital Lima.
O presidente, um dia antes, declarou estado de emergência em Lima e na
cidade portuária de Callao, suspendendo direitos constitucionais relacio-
nados à liberdade e a segurança. Os protestos se intensificaram nas últimas
semanas em virtude da alta inflação e escassez de alimentos. Agricultores e
caminhoneiros, em protesto a um forte aumento do custo de combustíveis,
interromperam o fornecimento de alimentos para a capital.
Colômbia/FARC
O Ministro da Defesa da Colômbia, Diego Molano, denunciou os atores

ilícitos que estão por trás dos violentos protestos ocorridos dia 3 de maio de
2021, entre eles as FARC-D (dissidentes), o ELN, e o Escudos Azul e Negro
do M-19. Esses grupos criminosos se apoderaram de Cali, bloqueando estra-
das e impedindo que alimentos e suprimentos médicos chegassem a terceira
maior cidade da Colômbia.
Cali, no Vale do Cauca, está localizada a apenas 80 quilômetros do porto
de Buenaventura, um porto estratégico utilizado pelas FARC-D e ELN para
movimentar drogas e armas. Esses dois grupos estão se expandindo impul-
sionados pelo tráfico ilícito de petróleo, ouro e cocaína, protegidos e apoiados
pelo regime de Maduro, na Venezuela. Durante os protestos na Colômbia,
no dia 5, militares do Regime de Maduro, tuitaram uma foto da Venezuela

do Século XVII indicando que parte da Colômbia é considerada território da
Revolução Bolivariana. O regime chavista da Venezuela se prepara durante
décadas para conquistar esse território colombiano através de uma guerra
de natureza assimétrica utilizando economias e redes ilícitas.
Esse é mais um episódio envolvendo a insegurança causada pelas guer-
rilhas que ainda continuam atuando naquele país.
A Colômbia tem hoje aproximadamente 51,5 milhões de habitantes e uma
longa costa para cada um dos dois oceanos. É atravessado por três cordilheiras
dos Andes e com planaltos de mais de 2000 metros de altitude. Bogotá está a 2600
metros. Grande parte do seu território, na virada dos séculos XIX para XX, era
constituída por terras livres (‘baldías’) com exceção de alguns setores dos Andes,
onde um latifúndio tradicional se estabeleceu ao lado de agricultores pobres.
A guerrilhas das FARC tem quase meio século de existência. Seu his-
tórico remonta ao século XIX, quando ocorreram na Colômbia aproximada-
mente vinte guerras civis entre o Partido Conservador e o Partido Liberal. A
última delas, a chamada ‘Guerra dos Mil Dias’, acabou com a vida de cerca
de 100000 vítimas. A história desse país está marcada desde 1920 por conflitos
agrários intensos em várias regiões. O Partido Comunista foi criado em 1930
e desempenhou papel importante em todos esses conflitos e conseguiu obter
bases duradouras entre o povo do campo.
Em 1946 começou entre os partidos uma nova guerra, bastante atroz, que
só terminaria por volta de 1962 e conhecida pelo nome de ‘La Violência’. Jorge
Eliecer Gaitan, líder político dissidente do Partido Liberal e líder dos campo-
neses, era um dos que lutavam pelo reconhecimento de seus direitos e frear o
processo de concentração de terras, e o seu assassinato em 9 de abril de 1948,
desencadeando um motim apelidado de ‘Bogotazo’, constituiu um ponto de
partida para o fenômeno da violência e formação de grupos armados.
A Colômbia esteve permanentemente dividida entre essas duas facções
políticas. O Partido conservador e o Partido Liberal são bem mais que ape-
nas organizações partidárias. Representam também interesses econômicos
e sociais diferentes. E, apesar dos embates políticos, a população sofre com
as desigualdades sociais cada vez mais pronunciadas.
Em 1957, preocupadas com a ascensão populista do General Rojas Pinilla,
as elites dos dois partidos (Liberal e Conservador) entraram em um acordo
para retirá-lo do poder. A Frente Nacional previa anistia aos que haviam
empunhado armas e o Partido Comunista, que havia sido proibido, voltou
a ter existência legal.
Em 1964, tem lugar um acontecimento que será marcado como a gênese
das FARC: o ataque do Exército colombiano a Marquetália, onde havia uma
zona de “autodefesa” camponesa formada por comunistas ao sul da provín-
cia de Tolima. A resposta a esse ataque foi o surgimento de diversos focos
de guerrilha naquela região e em zonas circunvizinhas, que se reuniram em
um amplo guarda-chuva denominado ‘Bloco Sur’ (Bloco Sul). A criação das

FARC portanto está longe de ser uma improvisação.
Em 1966 as Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colômbia (FARC)
são criadas oficialmente3. Na verdade, é um processo que já havia começado
desde 1961 quando o Partido Comunista Colombiano adotou atese da “com-
binação de todas as formas de luta”, que indicava o recurso simultâneo da
ação política e da luta armada (preconizadas pela União Soviética e esquemas
marxistas de foco guerrilheiro de Cuba).
As FARC então faziam parte da mais pura tradição colombiana das “guer-
ras civis” e da contestação violenta da legitimidade do poder, e a guerrilha for-
mou-se espontaneamente em zonas marcadas pelos conflitos agrários antigos e
já impregnada pelos comunistas. Em zonas cafeeiras como ao norte do Valle do
Cauca ou sul da Antioquía, as guerrilhas haviam conquistado pouca amplitude.
Dois líderes se destacam nesse período: Manuel Marulanda Vélez (Pedro
Antonio Marín Marín) como comandante máximo e Jacobo Arenas (Luis
Morantes), seu estrategista. As FARC eram então formadas de ‘destacamen-
tos’, as primeiras versões das futuras frentes, bem ao estilo das chamadas
‘autodefesas camponesas’. Esse começo foi marcado por ações duras do Exér-
cito Colombiano, cujos bombardeiros atingiram inclusive civis.
Em 1978, já havia 900 combatentes em seu efetivo, munidos de armas pro-
venientes de ataques a quartéis e postos de polícia, ou ainda mais antigas, da
época de ‘La Violência”. Em 1980, a luta armada que parecia estar em decadência,
recomeçou com intensidade máxima. A queda de Anastácio Somoza, na Nica-
rágua e a expansão de conflitos centro-americanos deram alento as esperanças
revolucionárias. As FARC resolveram multiplicar suas frentes em todo o território
colombiano. O ELN (Exército de Libertação Nacional), outro grupo guerrilheiro,
que havia praticamente sido aniquilado em 1973, também renasceu das cinzas.
Em 1982, as FARC decidiram ampliar para 48 o número de suas frentes.
Em 1982, um novo presidente, Belisario Betancur, iniciou um processo
de paz e dois anos depois, três das quatro guerrilhas confirmaram um cessar
fogo. Nesse momento as FARC se empenhavam claramente em uma conver-
são política. Foi formada até uma frente ampla chamada União Patriótica,
mas a maior parte de seus quadros, em um pequeno espaço de cinco anos,
foi assassinada. Ficou evidente desde o início desse processo de paz que ele
sofria forte oposição tanto do exército, quanto da classe política.
Depois do assassinado do candidato a presidência Bernardo Jaramillo,
as FARC chegaram à conclusão de que não há outra forma de luta senão a
militar. O ELN também potencializou seus ataques e ampliou seu domínio
sobre o Médio Madalena e Arauca.
A partir de 1996 as FARC lançam grandes operações : base de Las Deli-
cias em Putumayo (1996 - 27 mortos e 60 sequestrados), Base de Patascoy em
Nariño (1997 – 20 mortos e vários sequestrados ), El Billar em Caguán (1998
– 65 mortos e 43 sequestrados ), Miraflores em Guaviare (1998- 30 mortos
e 127 sequestrados) , La Uribe (1998 – 33 mortos e 8 sequestrados) , Mitu ,
capital de Vaupés , na fronteira com o Brasil (1998 – 40 mortos e dezenas de

sequestrados), sempre com um grande efetivo de centenas de combatentes.
Utilizavam artilharia artesanal que projeta botijões cheios de explosivos (e
fezes, para causar infecção), acarretando muitas vezes a destruição de bairros
inteiros, mortes de civis e grande êxodo. O contra-ataque do exército e da
aviação, dotada de moderna tecnologia de interceptação, provocou um forte
revés na guerrilha que também sofreu inúmeras perdas.
Em 1999/2000, é instituído e viabilizado o Plano Colômbia, um acordo
de cooperação entre os dois países para o combate ao narcotráfico e visando
a redução de cultivos. A eleição de Álvaro Uribe, em 2002, foi uma guinada
forte na história das FARC. Para ele, o combate à guerrilha não tem cunho
apenas político, mas pessoal: seu pai foi sequestrado e assassinado pelo grupo.
As FARC, entretanto, mantém seu ímpeto, atraindo também jovens per-
tencentes tanto ao universo urbano como rural. Em algumas zonas de cultivo,
onde as FARC faziam a segurança e impunham a taxa de cultivo (‘gramaje’), o
cultivo da coca só era autorizado mediante o envio de um filho da família à guer-
rilha. Algumas “unidades de elite” da guerrilha, como a Coluna Móvel Teófilo
Forero, gozam de grande prestígio, e a elas são imputados múltiplos ataques de
sucesso, todavia as Forças Armadas intensificam seus ataques em 2002 (fruto
de um forte investimento e profissionalização que começou em 1998), e contam
com técnicas modernas de observação, armamentos e equipamentos de última
geração incluindo aviões brasileiros Super Tucanos A-29 (24), que provocam o
enfraquecimento dessas unidades e a vulnerabilidade de muitas frentes.
O envolvimento das FARC com o narcotráfico fica cada vez mais forte,
e elas esforçam-se para controlar além de toda a produção, também as rotas
de saídas de drogas, completando o domínio por todo o circuito do tráfico.
Isso fica evidente a partir de 2003, quando, em função dos fortes ataques das
Forças Armadas e das unidades especiais da Polícia Nacional, sua prioridade
militar passa a ser a manutenção de corredores estratégicos que levam ao
Oceano Pacífico, a fim de escoar a droga e importar armas.
Mas havia outros objetivos militares como os polos de produção de
bens primários, de preferência os ligados as drogas, e as zonas de fronteira
com a Venezuela e Equador. Em 2003 também ocorre um atentado ao clube
Nogal em Bogotá, lugar de encontro das elites, deixando um saldo de trinta
mortos e centenas de feridos.
Até 2003, as FARC já haviam sequestrado quase 8000 vítimas (7983)
e a ELN quase 7000 (6912). Mas os sequestros só começaram a chamar a
atenção em 2000. Em fevereiro de 2002 os sequestros viraram manchete nos
jornais franceses com a captura de Ingrid Betancourt (foi resgatada em uma
ação cinematográfica denominada ‘Operação Jaque’ em 2 de julho de 2008,
juntamente com outros 14 reféns, sendo três norte-americanos, em que um
helicóptero colombiano, utilizando as insígnias da Cruz Vermelha burlando
a vigilância dos guerrilheiros).
Em 2006 com os golpes em sequência desferidos pelos militares e por

paramilitares, as FARC sentem a pressão e perdem territórios, além de cau-
sar grandes deserções em suas fileiras. Nesse momento as FARC contavam
com os dirigentes Manuel Marulanda, Raúl Reyes, Alfonso Cano, Timoleon
Jimenez (Timochenko), Ivan Marquez e Iván Rios.
Em 1º de março de 2008 morre Raul Reyes, em operação na fronteira
com o Equador, no acampamento em que estava instalado. Recolhe-se mate-
rial de inteligência de grande importância em seu computador, que foram
recuperados. A partir daí, ocorre também a diluição de seu caráter político e
enfraquecimento de suas propostas e ideias de transformação agrária junto
a população, já cansada de tanta violência.
A fórmula de combinação de “todas as formas de luta” já não abrange
somente o caráter político e militar, mas o tráfico de drogas, a extorsão e o medo.
Ocorrem grandes deserções em seus quadros. Em 2008, também ocorrem imen-
sas manifestações tomaram as ruas de Bogotá e de outras cidades, na qual parti-
ciparam milhões de colombianos com palavras de ordem “Chega de Sequestros!”
e “Chega de FARC!” colaborando para sua desagregação progressiva.
O ex-presidente da Colômbia Juan Manuel Santos alcançou em 2016
importantes acordos de paz com as FARC, para acabar de vez com esse
conflito armado que já dura cinco décadas. Mas em 2021 ainda não foram
totalmente desmobilizadas.
Guerrilheiros colombianos bem-preparados, bem treinados, veteranos
no combate na selva, e ligados a uma dissidência das FARC estão atraves-
sando a fronteira brasileira atraídos pelo avanço do garimpo ilegal de ouro na
Amazônia. Investigações apontam que essa dissidência extorque garimpeiros
ilegais que estão atuando de forma clandestina nos rios da região, e cobrando
um “pedágio” para que esses garimpeiros possam continuar trabalhando.
Em agosto de 2021 a Polícia Federal e o Exército Brasileiro realizaram uma
operação em Japurá-AM, a quase 750 Km de Manaus, pois receberam infor-
mações que havia dissidentes circulando pela área urbana da cidade. Dois
colombianos foram presos na ocasião.
Em 2016, comandantes guerrilheiros e o então presidente da Colômbia,
Juan Manuel Santos, acordaram um cessar-fogo prevendo um desarmamento
gradual e a possibilidade de o grupo poder participar da vida política do país.
A partir do ano seguinte, 2017, a maioria dos rebeldes foi desmobilizada, porém
uma parte dissidente continuou nas selvas. Esses desmobilizados formaram
o Partido chamado Força Alternativa Revolucionária Comum (também deno-
minado FARC). Ao total, mais de oito mil fuzis foram entregues ao governo.
Entretanto, uma parte dos guerrilheiros não se entregou, não aderindo
ao acordo, e continuam no movimento pelas selvas colombianas (FARC-D,
de dissidentes). Autoridades brasileiras afirmam que esses dissidentes estão
entrando em território brasileiro. Serviços de inteligência receberam a infor-
mação que alguns destes elementos estão fazendo “escolta” de carregamentos
de drogas pelos rios amazônicos. Essa investigação realizada pela Polícia
Federal do Brasil tramita na Justiça Federal do Estado do Amazonas. Nos

últimos meses, esses dissidentes passaram também a extorquir garimpeiros
ilegais que fazem a extração ilegal de ouro (especialmente nos rios Joamin e
Purué). No processo judicial há fotos que mostram homens armados com fuzis
e uniformes de guerrilheiros realizando abordagem de dragas de garimpo.
Segundo as autoridades, esse ouro estaria sendo usado no financiamento das
atividades guerrilheiras desses dissidentes na Colômbia.
Os guerrilheiros estariam entrando em território nacional utilizando
documentos falsos, abordando ribeirinhos e garimpeiros, ou mesmo infiltra-
dos na zona urbana de Japurá, adquirindo mantimentos. Na Colômbia, auto-
ridades afirmam que existem registros de grupos paramilitares explorando
minas ilegais em países vizinhos há pelo menos nove (9) anos. Existem minas
ilegais administradas pelas FARC (e outros grupos paramilitares) tanto dentro
da Colômbia, como também no exterior. Autoridades dos dois países inten-
sificam ações de cooperação, tentando sufocar essas atividades clandestinas.
Com um casal preso em Japurá, foram encontrados carimbos da Frente
Carolina Ramirez, braço dissidente da guerrilha, que agem na parte sul da Colôm-
bia. Esse casal foi preso após invadir uma casa em Japurá ao tentarem fugir do
Exército e da Polícia. A dupla atuava como emissários, responsáveis por obter
mantimentos, insumos, remédios, dando suporte logístico ao grupo. Foram
encontradas uniformes militares, botas, balança, e artigos de sobrevivência.
Japurá é um pequeno município localizado em uma remota parte do
extremo oeste do Estado do Amazonas, com pouco mais de 1,7 mil habitan-
tes, coberto pela floresta amazônica. Sua ligação física com a capital Manaus
é feita através do rio Japurá, em viagem que pode levar uma semana. É
considerada uma das grandes portas de entrada das drogas que entram no
Brasil provenientes da Colômbia, inclusive o chamado “skunk” (maconha
ultra-potente). O ambiente na cidade passou a ficar mais tenso. Dezenas de
dragas e dezenas de garimpeiros aproveitam a pouca fiscalização em busca
do minério. Há apenas dois policiais civis e seis policiais militares na cidade,
necessitando um claro e urgente reforço de segurança.
Nos primeiros meses de 2022, a guerrilha de origem colombiana Exército
de Libertação Nacional (ELN) publicou fotos realizando patrulhas nas cerca-
nias de Arauquita, cidade próxima à fronteira com a Venezuela. A presença
desse grupo guerrilheiro nas ruas foi vista como um desafio ao governo
colombiano, pois acontecem concomitantemente a visita do presidente colom-
biano Ivan Duque Márquez àquela cidade. Nessa visita, o presidente enca-
beçava um conselho de segurança visando lidar com os recentes combates
entre o ELN e dissidentes das FARC (FARC-D).
Do lado venezuelano da fronteira, os guerrilheiros do ELN avançam
atacando propriedades, roubando fazendas (animais e máquinas agrícolas),
cobrando imposto de guerra e realizando assassinatos. Foi reportado o envio
de militares venezuelanos à região, inclusive por via aérea. Cerca de 300
membros do ELN avançam com modernos equipamentos de guerra, incluindo
drones pelas áreas de Puerto Páez, La Capilla, Tres Esquinas e El Ripial, no

estado venezuelano de Apure. Para o governo colombiano, o avanço do ELN
é resultado de lutas entre grupos guerrilheiros pelo controle do narcotráfico.
Esses confrontos têm impedido a passagem da população em certos pontos
da fronteira, em virtude de tiroteios intensos.
No dia 25 de fevereiro de 2022, o exército colombiano anunciou que
no dia anterior, cerca de 23 dissidentes das FARC foram mortos durante
uma operação conjunta da Força Aérea, com a Polícia Nacional (Comandos
Jungla) e Exército na fronteira com a Venezuela, deixando também um saldo
de 5 feridos e outros capturados. A ação foi contra os dissidentes da Décima
Frente das FARC em Puerto Rondón.
Como parte de uma grande ofensiva das forças governamentais em assu-
mir o controle da fronteira noroeste do país com a Venezuela, aviões e helicóp-
teros da Forças Armadas bombardearam uma área rural no departamento de
Arauca. Este foi o golpe mais duro, neste ano, contra grupos armados que dis-
putam a renda ilegal de narcotráfico, mineração clandestina e a extorsão. Entre
os mortos, está “Arturo”, um dos líderes proeminentes da guerrilha com uma
história de 30 anos de militância. O governo já havia oferecido uma recompensa
equivalente a 130000 dólares por informações de sua localização. “Arturo”
chegou a fazer parte do Acordo de Havana (de paz), entretanto, após receber
benefícios, refugiou-se na Venezuela e de la procurou reativar os dissidentes.
Outro guerrilheiro líder, de alcunha “Ernesto” também foi morto na ação.
Diante do primeiro turno eleitoral, em 13 de março, a situação no país é
tensa. Principalmente em territórios que contam com a presença de dissiden-
tes guerrilheiros, do ELN e de paramilitares, como é o caso do departamento
de Arauca. As disputas entre o ELN e os dissidentes das FARC pelo controle
de território já deixaram um saldo de mais de 86 mortos, somente esse ano,
na fronteira com a Venezuela.
No dia 19 de abril de 2022, sete soldados colombianos foram mortos, oito
ficaram feridos e três estão desaparecidos na localidade de Frontino, distrito
de Nutibara, em Antioquia. Unidades da 4ª Brigada do Exército foram ataca-
das em emboscada com explosivos. Segundo informações, os ataques partiram
da substrutura “Edwin Roman Velásquez” do Clã do Golfo, que opera na
sub-região de Urabá. As Autodefesas Gaitanistas da Colômbia (AGC), tam-
bém conhecida como Clã do Golfo, são considerados o maior, mais perigoso
e mais bem estruturado grupo criminoso do país, dedicado aos crimes de
tráfico de drogas e extorsão. Foi criado em 2006 com a desustruturação das
AUC (Autodefesas Unidas de Colômbia). Possui um número considerável
de combatentes (cerca de 4000) e têm presença em aproximadamente 211
municípios. O chefe máximo dessa organização até outubro de 2021, quando
foi capturado, era Dario Antonio Úsuga David, vulgo Otoniel. Elas levam o
nome de Jorge Eliécer Gaitán, ex-lider liberal colombiano e caudilho.
Paraguai /EPP – Exército do Povo Paraguaio
O EPP (Exército do Povo Paraguaio) é um movimento de guerrilha

comunista que atua no Paraguai. Esse grupo orquestrou uma série de ata-
ques em operações armadas, incluindo ataques incendiários, bombardeios,
tiroteios e sequestros, como parte de um sistema nítido de insurgência. Estão
localizados mais ao norte do Paraguai, e a maioria dos incidentes é localizada
no Departamento de Concepcion, além dos vizinhos Canideyú e San Pedro.
O EPP tem em média 100 membros. O movimento rebelde por trás dessa
guerrilha marcou presença no norte do país por mais de 20 anos. Esse grupo
é oriundo de um desmembramento de um outro grupo radical, Partido Pátria
Livre. Após o desmantelamento do grupo em 2005, membros remanescentes
fundaram o EPP, para continuar a guerrilha e a luta armada.
É sabido que as FARC assessoram o EPP. Um dos líderes da guerrilha
colombiana, Orley Jurado Palomino, foi ao Paraguai para preconizar técnicas de
insurgência fornecer aconselhamento, doutrina, formação e liderança operacio-
nal. Também é de conhecimento das autoridades os laços entre o PCC e o EPP.
Sua ideologia é uma mistura das doutrinas marxistas, leninistas e gueva-
ristas e tem uma característica particular: o grupo rebelde reverencia o ditador
que controlou o país após a sua independência, José Gaspar Rodriguez de
Francia. Esse ditador selou as fronteiras do Paraguai ao comercio exterior a
fim de impulsionar o desenvolvimento interno, além de encarcerar e executar
centenas de oponentes.
O EPP se financia por meio de “taxas revolucionárias”, que são extorsões
e “impostos” cobrados dos donos de propriedades rurais. O Exército Paraguaio
não conseguiu conter o grupo. Ao todo, já mataram cerca de 100 pessoas.
A movimentada fronteira com o Brasil agora ganhou um outro fator de
risco. A região, grande rota do tráfico de drogas internacional e território em
disputa por facções, passou a ser área de atuação dos guerrilheiros do EPP.
Existem no Paraguai hoje duas guerrilhas, que tem uma origem comum e
modus operandi semelhante. Além do EPP fundado em 2008, há o ACA-EP
(Agrupamento Camponês Armado – Exército do Povo), criado em 2019 por
dissidentes do próprio EPP.
Os dois grupos têm grande afinidade ideológica e propósitos alinhados
a utopias de esquerda. Lutam pela distribuição de terras a camponeses do
Paraguai e são contra brasileiros que são proprietários de terra no seu país
(60% das fazendas de soja, no leste do Paraguai, pertencem a brasileiros).
Além das extorsões cobradas dos grandes agricultores, realizam seques-
tros com pedidos de resgate como forma de financiamento. O mais famoso
deles, quando o grupo era chamado de Partido Pátria Livre (PPE), e que
causou grande repercussão (e comoção no Paraguai), foi o sequestro e morte
da filha do ex-presidente paraguaio Raul Cubas, Cecília Cubas, no dia 21 de
setembro de 2004. Nesse episódio, com a ajuda valiosa da Polícia Federal
brasileira, foram presos os responsáveis pelo sequestro. Seu corpo somente foi
localizado em 16 de fevereiro de 2005, na rua Las Palmas, do bairro Mbocayaty

em Ñemby, nas proximidades de Assunção, cinco meses após o sequestro,
porém já havia sido sedada e assassinada há cerca de 30 ou 60 dias, sendo
posteriormente enterrada viva, provavelmente na noite de Natal.
Na fronteira brasileira, a Polícia Federal do Brasil afirma que o aumento
do número de assassinatos na região de Ponta Porã (BR) e Pedro Juan Caba-
lelero (PGY) se deve também em função da presença da guerrilha.
O grupo armado impõe terror aos moradores da região. Comete seques-
tros, extorsões, atacam patrulhas com explosivos (bombas/IEDs com pregos),
bem como assassinatos de anônimos e figuras públicas e realiza suas ações
geralmente ao cair da tarde, tendo a noite para fugir. Declarou guerra a pro-
dutores brasileiros que se estabeleceram na fronteira. Vivem acampados na
mata, onde treinam como uma força militar, em acampamentos móveis e sua
base fica na região de Cerro Guazú. Invadem propriedades produtivas com a
finalidade de sequestrar, destruir e matar. Entre os sequestrados, pelos quais
são oferecidas recompensas do Governo Paraguaio que chegam a 1 milhão
de reais, está o ex-vice-presidente Oscar Denis. Ele nunca mais foi localizado.
O EPP, por vezes, se utiliza da mesma logística de grupos ligados ao narco-
tráfico. Entre as suas lideranças está uma mulher, Liliana Elizabeth Vilhalba
Ayala (a.k.a. Comandante Anahy Ayala). O grupo é midiático, e gosta de
realizar filmagens dos acampamentos guerrilheiros, ostentando armamento
pesado e tecnologia moderna, como computadores, notebooks e impressoras.
O combate a essas guerrilhas no Paraguai está a cargo de uma Força
Tarefa Conjunta Paraguaia formada em 2013, por efetivos militares, policiais
e agentes da SENAD (Secretaria Nacional Antidrogas). Segundo autoridades
paraguaias, as guerrilhas atuam com uma forte retórica antibrasileira, de
reivindicação de “terras paraguaias para paraguaios”.
A resposta por parte do Paraguai é lenta, pois o processo decisório segue
consoante com a política. As ações demoradas, as poucas ações ou até a inação,
fazem com que problemas se acumulem até explodirem de uma vez. Enquanto
isso a guerrilha avança e chega a alcançar o território brasileiro. De acordo com
autoridades diplomáticas nacionais, o Brasil deveria se envolver mais diretamente
no combate a essa guerrilha, e colaborar de forma efetiva na sua erradicação.
“Deveria ser criada uma forte cooperação bilateral, gerando uma ampla for-
ça-tarefa militar e policial. Ações poderiam ser realizadas a fim de controlar
o território paraguaio via sensoriamento remoto, além de ser indispensável
a continuada capacitação de inteligência de militares e policiais paraguaios.
Gestões para doação de helicópteros e Veículos Aéreos Não Tripulados
(VANT) também poderiam estar sendo feitas.”
Tudo isso, é claro, ressaltando o amplo respeito à soberania da República

do Paraguai.
Venezuela
A Venezuela vive uma crise estrutural em função do fracasso do pro-

jeto político comunista instituído por Hugo Chávez e, em seguida pelo seu
sucessor Nicolás Maduro. Desde 2013 a Venezuela arrasta-se em uma crise
que piora a cada dia e chega em um momento de encruzilhada, com o ditador
Maduro enfrenta a oposição, que denuncia os abusos de poder cometidos
pelo presidente. Além de uma grave crise econômica e crise humanitária, o
país ainda tem o risco de sofrer uma intervenção liderada pelos EUA.
Hugo Chávez, paraquedista do Exército Venezuelano, envolveu-se em
uma tentativa de golpe contra o então presidente Carlos Perez em 1992. Ele
era membro do Movimento Bolivariano Revolucionário 200, movimento de
esquerda que visava a tomada de poder. O golpe fracassou e Chávez foi preso,
mas tornou-se uma figura muito popular. Saindo da prisão, se lançou candidato
à presidência. Venceu a eleição em 1998. Promoveu perseguição aos seus oposi-
tores e procurou perpetuar-se no poder. A crise atual da Venezuela está também
diretamente ligada a desvalorização do petróleo no mercado internacional.
Hugo Chávez (falecido em 2013) e Nicolás Maduro são exemplos de
ditadores diretamente envolvidos com o narcotráfico, assim como Fidel Cas-
tro. A Venezuela, que apoia as FARC, por meio de envio de armamento,
apoio operacional e financeiro, além de homizio de seus membros, conta com
grandes cartéis de drogas. O mais famoso deles é o Cartel dos Soles (Soles/
Soís são as estrelas gemadas dos uniformes dos oficiais militares) que é um
cartel do narcotráfico chefiado por militares venezuelanos de alta patente.
O envolvimento do ditador Hugo Chávez com o terrorismo internacional
e o uso do território venezuelano para operações de apoio ao terror criaram
condições para a penetração do extremismo islâmico no continente. O Irã,
que iniciou uma forte investida diplomática na América do Sul nos primeiros
anos da década de 1980, esperava que a Argentina aceitasse compartilhar
informações de engenharia e tecnologia com os iranianos, já que as usinas
construídas pela Siemens, na Argentina, eram “gêmeas” da usina de Bushehr
no Irã, obra interrompida em 1979.
As relações ficaram tensas entre Irã e Argentina em 1992, com o então
Presidente Carlos Menem cancelou um contrato de 18 milhões de dólares de
transferência de tecnologia nuclear para aquele país. Em 17 de março de 1992,
um carro-bomba explodiu ao colidir com a Embaixada de Israel em Buenos
Aires, matando 29 pessoas e ferindo 242. Em 1994, outro atentado, dessa vez
uma van carregada com TNT explodiu em frente ao edifício da Associação
Mutual Israelita Argentina (AMIA) matando 85 pessoas e deixando 300 feridos.
A assinatura do Hezbollah nesses dois atentados foi descoberta muito tempo
depois por um procurador especial argentino, Alberto Nisman. Essa investigação
desses atentados vitimaria também o próprio procurador, encontrado morto em
sua casa em condições misteriosas. Ele descobriu que havia uma operação de
grande vulto, que envolvia uma triangulação, planejada e montada em Caracas
para que Chávez ajudasse Ahmadinejad a contrabandear os segredos nucleares

argentinos ao Irã. Essas conexões nucleares entre os três países se intensificaram
principalmente com a ascensão de Cristina Kirchner ao poder na Argentina.
Recentemente uma grave notícia vinda da Espanha foi confirmada. A
prisão de Hugo Carvajal “Lo Pollo”, realizada pelo DEA/ EUA com a colabo-
ração da polícia da Espanha. Ele era uma autoridade proeminente do Cha-
vismo-Madurismo e um operativo de criminosos venezuelanos do regime do
ditador Nicolás Maduro. A prisão ocorreu em Madrid no dia 9 de setembro.
Termina assim a aventura de um dos maiores criminosos mundiais e de um
dos foragidos mais procurados. Calvajal “Lo Pollo” é um “expert” em inte-
ligência e contrainteligência (segundo fontes, treinado pelo regime cubano).
Frio e racional, tem um profundo sentido estratégico.
Ele tinha sido condenado em um tribunal espanhol por liderar uma rede
de narcotráfico internacional. “Lo Pollo”, como ficou internacionalmente
conhecido coordenou a equipe de inteligência de Hugo Chávez e se tornou
muito próximo do Ministro Tareck El-Aissami.
El-Aissami, era considerado o herdeiro político de Hugo Chávez, depois
de Carvajal. Ele alargou o âmbito internacional do plano chavista de des-
truir os Estados Unidos pela via do tráfico de cocaína, passando também a
incluir outros países, inclusive o Brasil, nesse plano. É mais conhecido pela
alcunha de “Senhor da Droga” em Caracas. O Brasil era uma das prioridades
máximas de Tareck El-Aissami e a desestabilização política brasileira, um de
seus grandes objetivos, antes da chegada ao poder do presidente Bolsonaro.
Sobre a prisão de Carvajal, sabe-se que contava com apoio de políticos
portugueses de diversos partidos políticos em espectro amplo: da extrema-es-
querda a direita tradicionalista e liberal. Chegou a realizar cirurgias plásticas
para mudar a sua face e assim obter novo passaporte, iludindo autoridades
internacionais. Antes de regressar a Madrid, Carvajal se fixou no Estoril/Por-
tugal, sendo monitorado pela inteligência israelense, com estreita colaboração
do DEA. Sem envolvimento oficial, estavam atuando nessa captura CIA e o
Mossad. Também foram apreendidos quatro laptops em sua casa, contendo
informações sensíveis que serão extraídas. Ele será extraditado ao EUA, bem
como foi anteriormente Alex Saab, outro “testa de ferro” de Nicolás Maduro,
apontado como seu operador financeiro.
Carvajal “El Pollo” é um dos responsáveis pela criação do Cartel Los
Soles. Preso, prestou depoimento contundente e estarrecedor ao ser preso
na Espanha, afirmando que o Governo Venezuelano financiou ilegalmente,
com recursos do narcotráfico, políticos e partidos de esquerda, por mais de
15 anos, pelo mundo afora:
“Enquanto era Diretor de Inteligência Militar e contraespionagem na

Venezuela, recebi muitos relatórios indicando que esse financiamento
internacional estava ocorrendo. Exemplos concretos são: Nestor Kirchner,
na Argentina, Evo Morales, na Bolívia, Lula da Silva, no Brasil, Fernando
Lugo, no Paraguai, Ollanta Humala, no Peru, Zelaya em Honduras, Gus-

tavo Petro, na Colombia, Movimento Cinco Estrelas na Itália e Podemos
na Espanha “, disse Carvajal, acrescentando ainda: - “Todos foram repor-
tados como destinatários de dinheiro enviado pelo governo venezuelano”.
Carvajal “El Pollo” prestou depoimento perante o juiz do Tribunal Nacio-
nal de Espanha, Manuel Garcia-Castellon.
A Venezuela também tem uma disputa de 200 anos, primeiramente

com o reino Unido, e posteriormente com a Guiana, aliada dos EUA, sobre a
região comumente denominada em países ibero-americanos como “Guayana
Essequiba”, conhecida como “questão Essequibo”. A Venezuela tem reinvin-
dicações de território em pelo menos metade do atual território da Guiana,
afirmando ser parte de suas terras desde a 2ª República Venezuelana. A área
disputada, se estende do rio Cuyuni – formando a fronteira entre a Guiana e
a parte leste da Venezuela – até o rio Essequibo, cujas águas cortam o territó-
rio guianês. Consequentemente, este território constitui dois terços do atual
território da República da Guiana, isto é, 159.500 km², porém, possui uma
baixa densidade populacional, haja vista que dos aproximadamente 747.000
habitantes do país, somente cerca de 147.000 vivem na região.
‘Guiana Essequibo’ apresenta uma rica fauna e elevado potencial
hidroelétrico em virtude da presença de diversos rios, afluentes e cachoeiras,
mas também de grandes reservas de minérios, sobretudo de diamantes, ouro,
cobre, molibdênio e níquel. Recentemente, foi também descoberta a presença
de petróleo offshore nesse território. O imbróglio diplomático quase causa
uma guerra entre Brasil e Venezuela, na época do governo de Michel Temer,
quando forças venezuelanas tentaram apoderar-se secretamente da região
em disputa. A Rússia está em vias de reconhecer Essequibo como parte do
território venezuelano, em contrapartida ao reconhecimento da Venezuela
em repúblicas populares independentes de Donetsk e Lugansky (região de
Donbass em disputa militar na recente Guerra Rússia-Ucrânia de 2022). O
Brasil, por sua vez, já deixou claro que não aceitará uma invasão à Essequibo.
Para chegar a uma parte da região disputada, a Venezuela necessariamente
teria que passar pelo Brasil, e violaria, portanto, o território brasileiro.
Outro assunto que está causando dor de cabeça em autoridades nor-
te-americanas e de países da América do Sul como a Colômbia, é a corrida
armamentista do regime de Maduro e a grande quantidade de armamento
proveniente da Rússia, Irã e China que chega a Venezuela. É notório que
desde o começo do regime de Hugo Chávez, a Venezuela vem se afastando
do ocidente, e por outro lado, uma forte aproximação com países do chamado
“Eixo do Mal”, como Irã China, Rússia e até a Coreia do Norte.
Analisando a composição das atuais forças armadas venezuelanas, com o
exército deste país operando tanques russos T-72, e a sua força aérea operando
caças Sukkoi SU-30 também de origem russa. Recentemente a Venezuela
está operando drones russos de observação. Também há notícias de radares
e mísseis anti-navio chineses bastante avançados.
O regime de Nicolas Maduro recebeu há pouco tempo (outubro de 2021)

do Irã um gigantesco arsenal de defesa antiaérea composto por mais de 1000
mísseis, 400 bombas, 500 foguetes e 35 radares de curto e médio alcances.
Nem todo esse arsenal são de origem iraniana. Há também misseis americanos
AIM-7 e AIM-9 SideWinder ar-ar para ser instalados em aviões de caça. Foi
relacionado na informação o missil AGM-84D-1 HellFire ar-terra, indicando
que deve ter sido apenas montado no Irã, com as partes provenientes de
outros países. Dois grupamentos da Guarda Revolucionária Iraniana estão na
Venezuela, a fim e treinar os militares venezuelanos nesses novos armamen-
tos. A Guarda Revolucionária Iraniana é considerada uma organização terro-
rista pelos EUA e alguns países europeus. Centenas de fuzis AK-100, granadas
e lança granadas de montagem iraniana também chegarão nessa remessa.
Na esteira de assuntos geopolíticos preocupantes envolvendo o país
vizinho, o próprio vice-presidente do Comitê de Defesa do parlamento russo,
Alexei Zhuravliov, afirmou que o governo Putin estaria disposto a instalar
armas nucleares na Venezuela, Nicarágua e em Cuba, em resposta a um
eventual avanço de sistemas de ataque dos EUA e da OTAN na Ucrânia.
Essa medida causará, se tornar-se realidade, efeitos colaterais sérios em toda
a América Latina, sobretudo ao Brasil.
Tropas da Venezuela realizou nas primeiras semanas de março de 2022,
exercícios militares em Apure, fronteira com a Colômbia. Em uma foto divul-
gada, militares apontam para uma estrada de ferro e fazendas à cerca de 3
km da fronteira, ao sul de Guasdualito próximo à Mapire.
Moçambique – Estado Islâmico
É um problema crescente que preocupa Moçambique, a União Africana

e a ONU. Moçambique foi colônia portuguesa até conseguir sua independên-
cia em 1975. Logo em seguida, ocorreu uma guerra civil sangrenta causando
milhares de mortos A luta se estabeleceu entre a FRELIMO (Frente de Liber-
tação de Moçambique), e a RENAMO (Resistencia Nacional Moçambicana),
grupo incentivado e financiado pelo próprio governo, para fazer face naquele
momento ao apoio que a FRELIMO estava dando a independência da Rodésia
(atual Zimbábue). É apoiado pelos EUA/CIA, África do Sul e aliados.
Em 1992, esses grupos fizeram um acordo de paz, e a FRELIMO conti-
nuou a comandar Moçambique. Um país com fortes problemas estruturais,
onde falta capacidade de organização e a corrupção é endêmica. O PIB de
Moçambique gira em torno de 15 bilhões de dólares.
Foram descobertos vários campos de gás natural em Cabo Delgado com
uma perspectiva de geração de receita de 100 bilhões pelos próximos 20 anos.
Empresas multinacionais de energia estão realizando projetos de exploração
e extração desse gás, inclusive com tecnologia para transformação desse gás
natural em gás liquefeito, facilitando o escoamento.
Após essa descoberta, em 2007, em torno da região de Cabo Delgado,

começaram a surgir grupos islâmicos, recrutando pessoas para sua causa.
Logo depois se transformaram grupos jihadistas (jihad – guerra santa islâmica
contra infiéis e inimigos do islã).
Em 2017 esses grupos jihadistas se vincularam ao Estado Islâmico
(Província Centro-Africana do Estado Islâmico–Al Shabaab) e começaram a
lutar conseguindo ampliar territórios nessa região. Realizando recrutamento,
inclusive de ex-militares de Moçambique e conquistando corações e mentes
da população nativa. Muitos saques, destruições e decapitações ocorreram.
Hoje Moçambique, apesar de certa resistência do governo atual, precisa de
ajuda externa para combater jihadistas e esse exército terrorista, instalados
na região de Cabo Delgado, que estão cada vez mais ganhando territórios.
Empresas de segurança privada Sul-Africana e russa (Wagner Group) foram
contratadas para conter esses avanços, mas não são suficientes.
Em maio de 2021 foi inaugurado o Porto de Lamu, no Quênia, como
parte do projeto Corredor de Transporte Porto de Lamu-Sudão do Sul Etiópia
(LAPSSET). A finalidade foi interligar Lamu, ao norte de Mombaça com as
economias da África Oriental, como Etiópia e Sudão do Sul, principalmente
transportando o petróleo proveniente deste último. Destaca-se que o conflito
entre Sudão e Sudão do Sul vem exatamente pela independência que adveio
da exploração desse recurso. A atuação forte do grupo terrorista al-Shabaab no
Quênia preocupa a comunidade local. No dia 15 de março de 2021 o governo
dos EUA e o governo de Moçambique lançaram um programa de “Formação
Conjunta de Intercâmbio Combinado” (JCET), no qual membros das forças
especiais norte-americanas treinam fuzileiros de Moçambique durante 60 dias,
apoiando os esforços do país africano na prevenção e combate ao terrorismo
e do extremismo. Os EUA estão interessados em realizar uma abordagem
multifacetada e holística no combate a crimes violentos.
Sudão
Em 1986, após uma brutal ditadura, o Sudão passou a respirar algum

ar de democracia com a eleição de Sadic al-Mahdi, para o cargo de primei-
ro-ministro. Nessa época, o Sudão vivenciava uma brutal guerra civil, que
afetava a economia do país e gerava instabilidade social e política. Em 1989,
Omar al Bashir liderou um golpe de estado que derrubou al-Mahdi, iniciando
uma ditadura que iria durar 30 anos. Bashir até conseguiu colocar um fim na
guerra civil sudanesa em 2005. Porém, logo a seguir, outro conflito no Sudão
é desencadeado: A guerra civil em Darfur, que se arrasta há quase 19 anos e
deixou um saldo de 300000 mortos, e a fuga de 3 milhões de pessoas. Em 2019,
os militares derrubaram o regime anterior, colocando no cargo de primeiro-mi-
nistro Abdalla Hamdok, que estava preparando o país para eleições em 2022.
Hamdok demitiu muitos burocratas e militares, “limpando” a administração

de qualquer resquício de ditadura e iniciando profundas reformas.
Isso atraiu a desconfiança de líderes islâmicos mais radicais, gerando
uma tentativa de assassinato em março de 2020, seguida de uma tentativa de
golpe de estado em setembro de 2021. No dia 25 de outubro, militares inva-
diram o palácio de governo e prenderam o primeiro-ministro Hamdok, além
de outros membros de seu gabinete. O golpe foi liderado por Abdel Fatah
al-Burhan, que aboliu o chamado “conselho soberano” de Hamdok. Burhan
anunciou a imposição de medidas emergenciais em Darfur, transferindo
as eleições para 2023, porém sem precisar a data. Ele alertou que militares
continuarão no poder, e fará esforços para elaborar uma nova constituição.
Trata-se do 12º golpe de estado na África nos últimos 10 anos.
Etiópia
Um ataque aéreo realizado contra um mercado em junho de 2021, no

distrito de Togoga (Idagaselus), na região etíope de Tigray, matou ao menos
64 civis. É nessa região, que o governo da Etiópia mantém uma ofensiva
armada. Esse conflito começou após 20 anos de guerra contra o país vizinho,
a Eritreia. Essa região de Tigray, ao norte do país, sempre foi muito militari-
zada. Também foi um grande centro de poder e influência política durante
as duas três décadas. Em novembro de 2020, os rebeldes de Tigray atacaram
de surpresa uma base militar federal. O governo etíope logo reagiu, e atacou
a Frente Popular de Libertação do Tigray (FPLT), partido que governava a
região até então. Desde essa época, milhares de pessoas já morreram nesse
conflito e duas milhões de pessoas foram deslocadas e cerca de 75000 estão
refugiadas no Sudão, pais que faz fronteira com a região de Tigray.
Senegal
É um entre tantos países desse continente que tem se tornado alvo do

extremismo no Sahel. A conjuntura do país impõe preocupações para as forças
de segurança locais. Em janeiro de 2021, as autoridades policiais do Senegal
destruíram uma célula de apoio do grupo extremista JNIM, filiado a Al-Qaeda.
O Senegal tem hoje uma matriz energética diversificada de gás natural e recur-
sos renováveis que podem viabilizar um crescimento econômico no futuro. O
principal porto, que fica localizado em Dacar, capital do país é um dos mais
importantes da região. O JNIM aumentou os ataques na fronteira com o Mali
desde 2019 e uma possível expansão dessa organização jihadista para Dacar
visaria controlar o seu acesso ao mar. O crescimento econômico e a sua posição
estratégica transformam o país em possível alvo de grupos terroristas locais. É
também um dos países africanos que recebem a droga proveniente da América
do Sul (Brasil), em sua rota com destino a Europa.
Notas:
1. AUKUS é um acordo de segurança e defesa do Indo-Pacífico firmado entre EUA,
Reino Unido e Austrália, a fim de conter o avanço da China. O acordo inclui, além
da área militar, áreas de inteligência artificial, tecnologia quântica e cibersegurança.
2. Polar Silk Road (PSR) ou Rota da Seda Polar é uma estratégia da China de engaja-
mento no Ártico. Nos últimos anos, a China criou sinergias políticas e desenvolveu
cooperação industrial, científica e tecnológica com a Rússia e os países nórdicos.
Com interesses aprimorados e capacidades ampliadas, a China se tornou o parceiro
preferencial da Rússia em vários projetos de infraestrutura, energia e transporte
na região do Ártico.
3. A denominação EP (Ejercito Popular /Exército do Povo) de FARC-EP, foi adicio-
nada somente em 1982.
UMA NOVA GUERRA
MUNDIAL?
“Se ganha a guerra não só se robustecendo com a força, mas
também explorando as fraquezas do adversário”
Desembargador Reis Friede
A
ntes das grandes guerras mundiais acontecerem, escritores como Nor-
man Angell (autor de “A Grande Ilusão”) e Jean de Bloch (Jan Gotlib
Bloch, autor de “The Future of War in its Technical Economic and
Political Relations”) já especulavam sobre a possibilidade de guerras
mundiais acontecerem, tendo os dois coincidentemente à época, afirmado que
elas não ocorreriam, seja pela profunda interdependência econômica e comercial
entre os países, ou pelo grande dispêndio em equipamentos militares/tecnologia
que pouquíssimas nações poderiam arcar. Ambos erraram nas previsões.
O século XXI é muito mais complexo que o anterior, onde já havia con-
flitos em função de divergências de visões de mundo. O globo ficou dividido
claramente em três blocos: 1) o mundo ocidental, com valores de democracia,
sufrágio universal, liberdade econômica, produtividade, capacidade criativa,
liberdade política e um sistema que possibilita (mas não incentiva) a corrupção
– “é melhor ser livre do que próspero” 2) o mundo socialista, com autoritarismo
atávico (ou totalitarismo singular), trazendo uma cultura diversa valorizando
a hierarquia e ordem, a prosperidade, capacidade imitativa, desenvolvimento
e eficiência política, com economia planificada (Rússia-potência revisionista e
China-potência disruptiva), com um sistema que, pelo menos na teoria, impede
a corrupção – “é mais importante ter prosperidade do que ter liberdade” e 3)
o mundo fundamentalista de concepção teocrática. Há uma constante disputa
e atritos entre essas três civilizações. Os EUA estão perdendo gradualmente
a sua hegemonia em decorrência de diversos fatores, entre eles a sua divisão
interna e conflitos armados desnecessários, excessivamente longos e caros,
sem propósito claro, como os casos do Afeganistão e do Iraque, com gastos
aproximados de US$ 3 trilhões de dólares, em vinte anos. A democracia liberal
com tendencias globalistas, portanto, está em crise, mas que não é uma crise
nova em sua existência histórica. Com isso, países com a Rússia e sobretudo
a China, pouco a pouco se preparam de ocupar esse espaço de influência.
Com o fim do mundo unipolar de outrora, é muito provável que ocorra uma
2ª Guerra Fria dessa vez com a China, que quer ser a potência dominante até
2050, e ocorram novas guerras em futuro próximo envolvendo os dois blocos
antagônicos, e entre esses dois e o fundamentalismo teocrático (jihadismo). A
Terceira Guerra Mundial também não deve ser descartada.
EUA e China, protagonistas desse possível cenário de uma nova guerra
fria trazem características muito próprias de suas culturas. No livro “O choque
de civilizações e a recomposição da nova ordem mundial1”, de Samuel Hun-
tington, publicado em 1996 ele identifica aspectos fundamentais que distin-
guem as sociedades ocidentais e confucianas (chinesas, particularmente). As
culturas confucianas possuem um ‘ethos’ que reforça valores de autoridade,
hierarquia, paciência estratégica, subordinação de direitos e interesses indivi-
duais, importância do consenso, a preferência do não-confronto e a primazia
do Estado sobre a sociedade, e da sociedade sobre o indivíduo. É uma cultura
muito mais calculista, pensando décadas à frente. Já as convicções ocidentais
(sobretudo a americana) são elaboradas por princípios de liberdade, igualdade,
156 Uma nova Guerra Mundial?
democracia, pragmatismo e individualismo, além de uma perene desconfiança

do seu governo e promoção da separação de poderes, confronto com a autori-
dade, estímulo a competição e uma sacralização dos direitos humanos. Uma
cultura imediatista que flerta, em alguns casos, com a inconsequência.
É um erro muito comum afirmar que a China é capitalista. Ela nunca
foi um país capitalista ou muito menos adotou o capitalismo de Estado. Na
verdade, ela adota o socialismo de mercado. A China sempre foi, é e será
socialista. Obviamente não é um socialismo tradicional, ou de modelo tra-
dicional. Mas é um socialismo “autóctone” chinês repaginado, permitindo
que sejam operados, como uma economia de mercado, parte dos meios de
produção, obtendo certos lucros. Esse sistema admite, portanto, a existência
de um mercado para os meios de produção. Lenin, na sua reformulação da
política econômica da antiga Rússia, em 1921, já permitia um socialismo de
mercado, mesmo que de forma arcaica. Os oligarcas russos de hoje, surgidos
após o colapso da União soviética, são derivados desse processo. O capita-
lismo de Estado (adotado inclusive pelo Brasil) é uma fase para se chegar
ao capitalismo neoliberal (pleno). O socialismo de mercado (ou socialismo
liberalizante), ou seja, a participação permanente do Estado no mercado é
somente uma etapa visando atingir o socialismo absoluto. São visões muito
distintas e irreconciliáveis de dois mundos.
A hegemonia americana que ainda vigora hoje não é mais econômica,
é baseada sobretudo nas finanças. Se essa hegemonia que ainda resta ter-
minar (a China está trabalhando para isso), os EUA encontrarão muito
mais dificuldades para financiar os seus orçamentos militares. O acordo de
Bretton Woods2, de 1944, que instituiu o padrão ouro para o dólar, vigorou
até 1971. Após isso o americano descobriu um outro padrão para o dólar: o
petróleo. Os petrodólares vigoraram até os anos 80. De lá para cá, a moeda
americana se tornou fiduciária, a paridade teve seu fim ou sem padrão
algum, criando um sistema flutuante para a economia. Atualmente o dólar
é lastreado com base na confiança. Por sua vez, a China está comprando
ouro de forma surpreendente, o que se deduz que queira, mais cedo ou
mais tarde, restabelecer o padrão ouro para sua moeda (yuan).
A visão equivocada por parte dos EUA de que o único risco que amea-
çava a hegemonia americana seria o renascimento de uma nova Rússia
expansionista, um grave erro estratégico, permitiu a ascensão silenciosa
e dissimulada da China como a segunda potência econômica do mundo.
A China possui uma aspiração real e efetiva de se tornar nos próximos 10
ou 20 anos, na segunda potência militar, superando os russos, e rivaliza
em todos os campos do Poder Nacional (econômico, militar, político, psi-
cossocial e cultural) formalizando, com a combinação de suas intenções e
capacidades, uma Segunda Guerra Fria. Essa postura confrontativa chinesa
bastante assertiva e agressiva, têm sido denominada “Concepção Estratégica
do Colar de Pérolas”3, se firmando na região do Oceano Indico e ao sul do
Mar da China, que constituem porções geográficas importantíssimas sob a
ótica geopolítica, uma vez que as áreas citadas compreendem, sobretudo a

primeira, a principal via de acesso aos países que se constituem nos maiores
produtores de petróleo e gás natural do mundo, na atualidade. As aspirações
globais chinesas não se limitarão apenas a disputas de natureza oceanoló-
gicas, mas também se ampliarão para o espectro geoorbital terrestre e até
para o continente antártico.
O denominado “Colar de Pérolas” é a designação que o Ocidente outor-
gou para a nova estratégia chinesa de cercar o Oceano Indico e o Mar da
China, através da construção de diversas bases navais (e até ilhas artificiais),
expandindo sua presença, a fim de alcançar em breve, uma posição estratégica
privilegiada nessa porção marítima e territorial.
Os conflitos atuais, dentre eles a atual guerra entre Rússia e Ucrânia
reforçam que a probabilidade de acontecer uma Terceira Guerra Mundial, a
nível global, é alta, à curto ou médio prazos. Uma guerra mundial no campo
econômico já está sendo travada, com sanções e bloqueios comerciais. Resta
saber se um conflito à nível global se estenderá no campo político e militar.
Os indícios levam a crer que sim.
O cenário geopolítico no continente asiático e na região indo-pacífico é
muito semelhante ao contexto da Europa em 1914 no período pré-guerra. Isso
porque a China de hoje, como a Alemanha no período de 1914, é um autên-
tico barril de pólvora, com interesses divergentes que se chocam com países
vizinhos e objetivos expansionistas, interessada sobretudo em aumentar a
sua presença e zona de influência, o que promove uma corrida armamentista
generalizada em toda a região.
A China hoje, como a Alemanha do passado, quer expandir-se terri-
torialmente sobre Taiwan e o mar do sul da China, sendo interesses que se
chocam frontalmente com países como EUA, Filipinas, Austrália, Japão, Índia
e outros. Um exemplo disso é que em abril de 2022, o governo americano
ameaçou responder de acordo, caso a China estabeleça uma base militar
permanente nas Ilhas Salomão, mesmo depois que as duas nações assinaram
um acordo mútuo de segurança: “Se forem tomadas medidas para estabe-
lecer uma presença militar permanente de fato, capacidades de projeção de
poder ou uma instalação militar, os Estados Unidos teriam preocupações
significativas e responderiam de acordo“, informou em comunicado oficial a
Casa Branca4. A grande diferença entre o mundo da Alemanha do Kaiser e o
cenário geopolítico de hoje é o planeta está atualmente totalmente interligado,
e nas mais diversas áreas, causando interdependências políticas, tecnológicas,
financeiras, econômicas, comerciais que não havia naquele tempo.
Na época da Alemanha de 1914, embora tivesse interesses que se cho-
cavam com o Reino Unido ou França, conseguia-se tudo que era necessário
a partir de colônias, e cada país, seja Alemanha, Reino Unido ou França,
eram praticamente blocos econômicos autossustentados. A China sabe que,
se de fato atacar Taiwan, uma grande parte do mundo se voltará contra ela.
Entretanto o nível da resposta militar do ocidente não se dará à altura, se é
158 Uma nova Guerra Mundial?
que será feita, visto uma crescente crise de liderança. Declarações de ameaça
por parte de países como a China, Coreia do Norte ou Irã fazem parte do
jogo diplomático e geopolítico, e no fundo esses países sabem que se parti-
rem para um conflito, isso acarretará consequências econômicas e comerciais
gravíssimas. Uma Terceira Guerra Mundial hoje afetaria de forma radical a
economia e o comércio de todos os países.
Mapa mostrando reivindicações em disputa no sul do Mar da China
Fonte: WPF/John SAEKI (Internacional Business Times).
Contudo, os países em disputa com a China consideram Taiwan a pri-

meira barreira e linha defensiva. Se essa primeira peça cair, levara todo o resto
na sequência. Em outros pontos do planeta existem barris de pólvora como
esse, prestes a explodir, e com bom potencial para desencadear uma guerra a
nível global, mesmo levando-se em conta a severa interdependência econômica
e as complexas e catastróficas consequências. No dia 14 de março de 2022,
em plena guerra Rússia-Ucrânia, 13 aeronaves miliares da China violaram o
espaço aéreo do sudoeste de Taiwan. O Japão afirma que se Taiwan cair, os
chineses partirão na conquista das ilhas japonesas próximas, militarizando
toda a região do sul da China. No dia 25 de abril, Sergei Lavrov, ministro das
Relações exteriores da Rússia, em conversa com jornalistas5 sobre a operação
em território ucraniano, afirmou que há um risco real de uma terceira guerra
mundial e que “o risco de uma guerra mundial é sério, é real e não deve ser
subestimado”. Disse que o conflito Rússia-Ucrânia se transformou em uma
autêntica guerra por procuração contra a OTAN. Lavrov comparou a situação
atual com a que foi conhecida com “Crise dos Mísseis”, em 1962, entretanto, o
chefe da diplomacia russa lembrou que “na época havia regras, regras escri-
tas”, mas agora restam poucas regras, argumentou. Ele lembrou também que
em janeiro de 2022 os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU
decidiram pela inadmissibilidade de uma guerra nuclear: “Esta é a nossa
posição à princípio, somos guiados por isso, e é claro, que eu não gostaria de
ver esses riscos inflados artificialmente agora, quando os riscos são bastante
significativos”. A Rússia tem um dos maiores arsenais nucleares, em torno de 5
a 6 mil ogivas. Entre essas armas existem as que são consideradas estratégicas
e a que são consideradas táticas. Essas últimas poderão provavelmente ser
usadas na Ucrânia, se a Rússia se sentir ameaçada na integridade e soberania
de seu território. Em 1962, o “relógio do juízo final” chegou muito próximo
da meia-noite. E algo muito semelhante acontece agora. De qualquer forma,
em todos os cenários possíveis, a única certeza é que o mundo não é mais
o mesmo depois do dia 24 de fevereiro de 2022, quando Putin autorizou o
início da “operação militar especial” na Ucrânia. Passados ao final de abril, a
Rússia, em plena escalada desse conflito, já a apresenta como a “Guerra Total
contra a OTAN”.
Notas:
1. Samuel Huntington, em “O Choque de Civilizações”.
2. Os acordos de Bretton-Woods foram propostos definidas entre os participantes da
Conferência Monetária e financeira das Nações Unidas e Associadas, realizada de
1 a 22 de junho de 44, elaborando regras para o sistema monetário internacional.
A conferência criou o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.
3. “Concepção estratégica do Colar de Pérolas” é uma teoria geopolítica sobre as
intenções potenciais chinesas na região do Oceano Indico. Essa estratégia se refere
à rede de instalações e relações comerciais e militares chinesas ao longo de linhas
marítimas de comunicação se estendendo da China continental ao Porto Sudão, em
Sudão do Norte. As linhas marítimas passam pelo Estreito de Mandeb, o Estreito
de Malaca , o Estreito de Ormuz e pelo Estreito de Lombok, além de outros centros
marítimos como Paquistão , Srilanka , Bangladesh, Maldivas e Somália.
4. Site American Military News, em “Biden admin threatens response if China mil-
itarizes Solomon Islands.”
5. Entrevista concedida à TV estatal russa, em 25 de abril de 2022.
INTELIGÊNCIA
“Ludibriar e desorientar o inimigo sempre foi um dos princípios cardeais da
guerra. Consequentemente, ‘ruses de guerre’1 (astúcia de guerra) de uma espécie
ou de outra, desempenharam um importante papel em quase todas as campanhas,
desde o episódio do cavalo de Tróia, ou talvez até muito antes disso. O jogo
vem sendo jogado há tanto tempo, que não é fácil pensar em novos métodos
para disfarçar o poderio ou as intenções do participante. Além disso, deve-se
tomar um cuidado meticuloso no planejamento e na execução dos planos. Caso
contrário, longe de enganar o inimigo, eles simplesmente os denunciam.”
Lorde Ismay, prefácio de “O homem que nunca existiu”, 1953
“Mais importante que a captura ou a eliminação, é a coleta de inteligência.
Mais importante que a obtenção de dados, é o seu compartilhamento “2
Alessandro Visacro
A
informação, como saber e conhecimento, tem sua origem com os pri-
meiros habitantes no planeta, sendo uma verdadeira necessidade para
a sobrevivência da espécie em ambiente hostil. A evolução trouxe uma
evolução na maneira como o homem encarava seus novos desafios.
O conhecimento era vital para a manutenção da espécie.
Na obtenção desse conhecimento, foi preciso uma avaliação com obser-
vação. Muitos sucumbiram nesse processo. Em milhões de anos, o Homo
Sapiens evoluiu até enfrentar os problemas e adversidades com alguma van-
tagem, através dos erros e acertos, observações empíricas e observação de
adversários. Através da observação, outros sentidos foram sendo desenvol-
vidos, sendo um deles a percepção.
Ao longo do processo de evolução, a necessidade de informações foi
aumentando e se ampliando por diversas áreas do saber humano, desde
colheitas até relações com outras tribos, passando por atividades comerciais.
No século VII a.C. os gregos consultavam oráculos para obter respostas
às suas indagações. Na obra de Tucídides, sobre a guerra do Peloponeso, é
possível observar registro do emprego de espiões e mensageiros. Essa prá-
tica também pode ser vista na Bíblia3, onde Deus pede a Moisés que envie
homens para espionar a terra de Canaã. Cerca de 500 a.C., Sun Tzu retrata a
importância de informações no campo de batalha.
As legiões romanas, no século I a.C. utilizavam a informação durante
a guerra da Gália, com a figura dos ‘speculadores’, um grupo especializado
em operações clandestinas, que se infiltrava em território inimigo em busca
de informações. Outras formas mais sujas eram empregadas para se obter
informações, como interrogatório de prisioneiros ou mediante pagamento a
habitantes locais ou desertores.
Napoleão Bonaparte, gostava de se assessorar com informações (e tam-
bém de contrainformação), muito baseado no tratado romano ‘De Re Mili-
tari’, de Flavius Vegetius, que preconizava que comandantes revelassem suas
intenções somente aqueles com fidelidade inquestionável5.
O uso de inteligência governamental e militar em operações de inte-
ligência e contrainteligência são as chaves para o sucesso de qualquer luta
contra forças irregulares. Mas somente essas ações, desencadeadas por esses
verdadeiros soldados do silencio, não são suficientes no combate a essa moda-
lidade nova de conflito. Há de se viabilizar uma cooperação internacional
com várias agências especializadas para rechaçar o fluxo de dinheiro do crime
organizado, bem como reforçar o treinamento e utilização das Forças Espe-
ciais. Deve-se a todo custo também evitar o aliciamento dessas organizações
sobre a população, principalmente crianças e jovens.
164 Inteligência
Comunidade de Inteligência de Israel

ISRAELI GOVERNMENT
MINISTRY OF PRIME MINISTER’S MINISTRY OF

FOREIGN AFFAIRS OFFICE DEFENSE
1973 1951 1948 1951 1948 1960s
Director of
Center for Security for the
Political Mossad GSS Nativ IDF Defense
Research Establishment
1957-1986
Interro- Operations
Intelligence Operations Te vel gations Unit 460 Lakam
Division Division Branch
Branch
Kidon 1948 1948 1948
Air Navy
Aman Force
1948 1948 1948 2000 1974
Field Navy
Unit 504 Unit Unit Osint Research Intelligence
Intelligence
(6154) 8200 9900 Unit Division (MADAN)
Corps
Air Force
Intelligence
(LAMDAN)
LEGEND VISINT SIGNIT HUMINT Research Operations
Fonte: Wikipédia.
O Escritório de Serviços Estratégicos (Office of Strategic Services ou

OSS5) foi o serviço norte-americano de inteligência na segunda Guerra Mun-
dial precursor da Agência Central de Inteligência (CIA). Antes da criação
da OSS os assuntos de inteligência estavam separados em diferentes depar-
tamentos de governo dos Estados Unidos, onde forças utilizavam códigos
diferentes para decifrar mensagens secretas. O presidente Roosevelt, preocu-
pado com essas deficiências, e aconselhado por William Stephenson e Willian
Joseph Donovan, propôs a criação de serviço de inteligência mais moderno.
A OSS foi criada em 13 de junho de 1942. Essa agência realizou várias ações
durante a Segunda Guerra. Além de ser responsável pela inteligência no
plano interno, ela treinou, articulou e financiou movimentos de resistência
em outros países. Também teve uma influência grande na Alemanha, onde
treinou espiões alemães e austríacos. Chegou a treinar cerca de 12000 agentes
e foi dissolvida pelo presidente Harry S. Truman em 1945.
Espionagem Nuclear
A espionagem nuclear começou durante a Segunda Guerra Mundial,
quando a física nuclear ainda estava em sua gênese. Os cientistas sabiam
que essa ciência poderia ser usada para construir armas poderosíssimas e
de destruição em massa.
Em 1942, o Reino Unido, juntamente com os Estados Unidos e o Canadá
juntaram forças e cérebros no chamado Projeto Manhattan6, um programa
que visava estudos do enriquecimento do urânio e produção de plutônio em
níveis exigidos para uma bomba.
Os cientistas deveriam agir usando diversos métodos e diferentes linhas
de pesquisa, e isso exigiu muitas pessoas envolvidas, entre engenheiros, físi-
cos e trabalhadores, totalizando a impressionante marca de 130000 pessoas
diretamente relacionadas ao projeto.
Apesar do forte esquema de segurança das informações e pesquisas que
estavam sendo desenvolvidas, a espionagem se destacou com cientistas como
o casal Julius e Ethel Rosemberg, além de George Koval e Klaus Fuchs, que
repassaram através de uma vasta e complexa rede de espiões, segredos mili-
tares para a União Soviética, incluindo desenhos técnicos, sonares e radares.
O casal, por exemplo foi preso, julgado e condenado à morte.
Esse tipo de espionagem nuclear, como o episódio do casal Rosenberg,
foi extremamente valioso para Stalin ter acesso a informações vitais, conse-
guindo dar a União Soviética a primeira bomba atômica em agosto de 1949.
Mesmo depois do fim da guerra fria, a espionagem continuou bastante
dinâmica e operante. Um exemplo disso foi Abdul Qadeer Khan, o pai da
bomba atômica paquistanesa e considerado herói nacional, que em 2004 con-
fessou ter negociado segredos militares para a Líbia de Muammar Kadafi,
e para a Coreia do Norte e Irã. Segundo fontes militares, foi graças a esses
segredos que a Coreia do Norte conseguiu testar sua bomba atômica em 2006.
Em 9 de outubro de 2021, um casal dos EUA, Jonathan e Diana Toebbe ,
com ligações na Marinha americana (ele era engenheiro do governo dos EUA
desde 2012, especializado em propulsão nuclear naval e ela , professora uni-
versitária), foram presos em Anápolis, cidade costeira do Estado de Maryland,
acusados de passar a uma potência estrangeira não informada (depois confir-
mou-se pelo Pentágono ser o Brasil), esquemas secretos, projetos e plantas de
submarinos nucleares da classe “Virginia”, bem como a tecnologia por trás de
reatores nucleares que alimentam a frota de submarinos americanos. Inicial-
mente, em abril de 2020 contactaram a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN)
para oferecer documentos confidenciais roubados de um estaleiro da Marinha
dos EUA, além de outras informações secretas classificadas sobre o projeto de
propulsão nuclear de submarinos. A oferta foi imediatamente transmitida ao
FBI que elaborou um plano para pegá-los. Os federais americanos entraram em
contato com espiões inicialmente por meio de mensagens criptografadas, fazen-
do-se passarem por emissários brasileiros. Eles tentaram repassar informações
guardadas em memória, dentro de sanduíches e pacotes de chicletes, segundo
166 Inteligência
fontes do FBI. Os agentes disfarçados de emissários brasileiros conseguiram

acompanhar e interceptar o envio de informações confidenciais, chegando
inclusive a repassar ao casal espião o valor inicial de US$ 100000,00 dólares,
na promessa que os dois repassassem outros 49 lotes de segredos. O casal foi
preso em seguida. Com certeza esse não será o último caso de espionagem
nuclear na história.
Segurança Operacional (OPSEC7) / Cyber Inteligência

São processos que identificam informações críticas a fim de determinar
se as ações podem ser observadas pela inteligência inimiga. Verifica também
se informações obtidas pelo inimigo podem ser interpretadas como úteis para
a parte hostil, reduzindo ou eliminando a exploração dessas informações.
Nesse processo são desenvolvidas contramedidas como uso de criptografia,
proteção de escutas, não-uso de fotos com localização por meio de celulares,
proibição de exposição de informações da unidade militar/policial e de suas
atividades/operações em mídia e redes sociais.
Esses processos protegem dados individuais que podem ser “hackeados”
e agrupados formando um cenário amplo (agregação). É uma missão essencial
por partes de comandantes, agentes de inteligência e órgãos de tomada de
decisão. A OPSEC se dá em cinco etapas distintas:
• Identificação de informações críticas: informações e dados sobre ações,

atividades intenções e capacidades que o inimigo pode explorar, como
informações internas da organização, medidas de segurança, agendas
de implantação militar etc. São divididas em quatro grupos: Recursos,
Atividades, Limitações e Intenções;
• Análise de Ameaças: Ameaças que podem vir de um indivíduo ou grupo
tentando eliminar ou corromper uma atividade. Quanto mais capacidade
e maior propósito do inimigo maior será a ameaça;
• Análise de Vulnerabilidade: Compara indicadores de segurança opera-
cional colhida com os recursos de coleta de inteligência da força hostil,
indicando assim os níveis de ameaça e vulnerabilidades;
• Avaliação de Risco: Com base nas vulnerabilidades analisadas, o nível
de risco é calculado tendo por base uma probabilidade de vazamento
de informações críticas e seus impactos, e, a partir daí, inclui medidas
OPSEC (ou contramedidas) em planos específicos, que devem ser conti-
nuamente monitoradas.
Principais Agências de Inteligência
CIA – Central Intellingence Agency
A CIA foi criada em 1947 pelo presidente Harry S. Truman por meio
de um pacto governamental de Segurança Nacional, para fazer frente ao
comunismo e lidar com a Guerra Fria. Atuando da melhor forma para interferir
e neutralizar os efeitos negativos das ameaças externas, a CIA vigia e relata
assuntos de segurança nacional ao Presidente, como a espionagem estrangeira,
roubo de projetos de área tecnológica e de armamentos (inclusive nuclear) e
está atenta a fuga de informações.
É o serviço de Inteligência dos Estados Unidos. Suas atribuições são:
• Avaliar e correlacionar inteligência relacionada com a segurança nacio-

nal dos EUA;
• Realizar outras atividades de inteligência voltadas a segurança nacional
a mando do Presidente;
• Coletar inteligência por meio de fontes humanas;
• Coletar inteligência sobre governos estrangeiros, corporações e
até indivíduos;
• Aconselhamento de políticas públicas.
A CIA se engaja em atividades secretas, contrainteligência e coleta de

dados. A agência americana é sucessora da OSS. Realiza operações clandes-
tinas, bem como ações paramilitares. Também exerce grande influência na
política externa. As atividades domésticas de inteligência não são realizadas
pela CIA, mas por outra agência, o FBI. A captura de sinais de comunicação
também é feita por outra agência, a NSA.
Lema:
“The Work of a Nation. The Center of Intelligence” (O Trabalho de uma

Nação. O centro de Inteligência)
MI6 – Serviço de Inteligência Britânico
Serviço de Inteligência Britânico (SIS), mais conhecido como MI6 (Inte-

ligência Militar, Seção 6) ter a função de promover de defender a segurança
nacional, além dos interesses econômicos do Reino Unido. O nome MI6 era
usado por conveniência durante a Primeira Guerra Mundial, quando o ser-
viço era conhecido por diversos nomes. Até 1994, sua existência não havia
sido ainda oficialmente admitida. É uma parte da estrutura de inteligência
do Reino Unido, composta ainda por GCHQ (Government Communications
Headquarters), MI5 e Defense Intelligence.
Foi fundado em 1909, e derivou do Secret Service Bureau. Foi uma inicia-
tiva conjunta do Almirantado Britânico com o Departamento de Guerra com
a intenção de controlar operações secretas na Grã-Bretanha e no ultramar.
Seu primeiro diretor foi o Capitão Sir George Mansfield Smith-Cumming,
que assinava apenas “C” em tinta verde nas correspondências e documentos
oficiais. Esse costume evoluiu para um nome de código e aderido por todos
os subsequentes diretores do SIS.
168 Inteligência
Em unidades espalhadas por todo o globo, recolhe informações secretas

apoiando a política e objetivos do governo britânico. Entre seus desafios, no
século XXI, estão o terrorismo, o tráfico de entorpecentes, a instabilidade
regional, a proliferação de armas de destruição em massa.
O MI6 coleta informações e realiza operações secretas em diversas partes
do mundo, obtendo e fornecendo informações que se relacionam às intenções
e atos de pessoas ou grupos no campo da segurança nacional, no interesse do
bem-estar econômico ou da detecção e prevenção do crime organizado, sem-
pre procurando manter as atividades e identidades de seus agentes no mais
absoluto sigilo.
Durante a invasão do Iraque em 2003 informações não confirmadas afirmam
que o SIS conduziu a “Operation Mass Appeal”8, a fim de disseminar histórias
na mídia sobre armas de destruição em massa no Iraque. No fim da invasão,
agentes do SIS operando no aeroporto de Bagdá com militares do SAS, conse-
guiram montar uma estação de inteligência e obter conhecimento. Ao fim da
guerra, nunca ficou provado que o Iraque possuía tal armamento.
Em 2013, o SIS apelou para que outras agências de inteligência colabo-
rassem frente as preocupações da ameaça terrorista no Afeganistão, pois na
visão da agência o país se tornaria um “vácuo de inteligência” com a retirada
das tropas britânicas em 2014.
Em 2016, o MI6 esteve atuando na Guerra Civil Líbia, novamente res-
guardado pelo SAS, e na discussão de fornecimento de equipamentos e armas
para o Exército Sírio e milícias lutando contra o Estado Islâmico. Também
em 2016, um destacamento do SIS chamado Regimento Especial de Reconhe-
cimento. Foram enviados ao Iêmen para treinar forças iemenitas que estão
combatendo a AQAP (Al Qaeda na Península Arábica).
O apelido do MI6 é “O Circo”9. Alguns falam que o nome foi cunhado
por John le Carré (David Cornwell, antigo oficial do SIS), escritor de romances
de espionagem. Mas o nome de fato surgiu porque uma das seções do MI6 na
Segunda Grande Guerra, o Centro Executivo de Operações Especiais ficava
em um edifício no número 1 da Dorset Square, em Londres, anteriormente
da posse dos diretores do circo Bertram Mills.
Desde 1995, o quartel-general do SIS se situa em Vauxhall Cross, no
South Bank de River Thames.
Mossad
O Instituto de Inteligência e Operações Especiais (Mossad em hebraico,

“O Instituto”) é o serviço secreto do governo de Israel com sede em Tel Aviv,
considerado um dos mais eficientes de todo o mundo. Foi criado pelo Estado
de Israel a fim de coletar informações e analisar inteligência, além de exe-
cutar operações secretas especiais além de suas fronteiras. Produzem ações
estratégicas de inteligência nos campos operacionais e na política, planejando

e realizando operações especiais além das fronteiras de Israel.
Sua origem é nebulosa, em função de ser uma junção de uma série de
agencias paramilitares, entre elas está o Instituto Central de Coordenação e
do Instituto central de Informações e Segurança. Houve a necessidade clara e
urgente de se estabelecer uma estrutura de inteligência, estabelecer estruturas
nacionais e definir responsabilidades nessa área. Mas oficialmente o Mossad
foi criado em 13 de dezembro de 1949, como Instituto Central de Coordenação,
através da solicitação do então primeiro-ministro e fundador do Estado de
Israel, David Ben-Gurion.
Desde sua criação o Mossad tem se envolvido com coleta de inteligência,
com base nas necessidades do Estado de Israel, que são verificadas de tempos
em tempos, no que é conhecido como “elementos essenciais de informação”.
Isso é feito por vários meios, como HUMINT e SIGINT10. A atividade rotineira
não é exposta publicamente, por razões compreensíveis.
Ao longo dos anos, o Mossad desenvolveu e sustentou relações de inteli-
gência com serviços de inteligência de outros países. O Mossad está envolvido
no estabelecimento de relações secretas com países que não se relacionam com
Israel. Vários desses tipos de relacionamentos foram divulgados (assistência
nos acordos de paz com o Egito e a Jordânia, por exemplo). O Mossad esteve
sempre envolvido em operações especiais para o Estado de Israel, como a
perseguição a criminosos nazistas da Segunda Guerra.
O seu recrutamento é acessível (inclusive não só a judeus ou à residentes
em Israel). Essa lendária agência, envolta em mistério, tenta dar aos futuros
espiões, a cada ano, uma oportunidade no processo de seleção. Em 2014, o
Mossad, por exemplo anunciou um novo site (multilíngue), a fim de atrair
novos candidatos às suas fileiras (homens e mulheres), onde direcionam os
agentes em potencial para uma página do aplicativo. Ao serem recrutados,
os agentes podem trabalhar em uma gama de áreas, como na área adminis-
trativa, tecnológica ou operacional.
É um serviço civil que não contrata militares na sua organização, embora
realize muitas missões com militares da IDF (Forças de Defesa de Israel).
O serviço secreto israelense teve sua origem realizando serviços de espio-
nagem e contraespionagem realizadas por membros da Haganá (defesa),
uma organização paramilitar de judeus que operava na Palestina entre 1930 e
1940, antecedendo, portanto, a criação do Estado de Israel. Um dos primeiros
espiões da Haganá foi Ezra Danin, um agricultor que começou a passar infor-
mações à Haganá sobre endereços, placas de carros, hábitos cotidianos, entre
outros aspectos, de árabes envolvidos em milícias antissionistas da época.
Danin incorporou-se à Haganá e, anos mais tarde, criou o Shai, unidade da
Haganá especializada em espionagem.
Por outro lado, o Mossad foi constituído também por membros do “Jewish
Brigade Group”, a brigada judaica que foi lutar em Tarvisio, na Itália, durante
a Segunda Guerra Mundial. Essa brigada recebeu autorização de comandantes
170 Inteligência
da época para levar, secretamente, judeus europeus para a Palestina, naquilo

que ficou conhecido como “Operação Brecha”. Entretanto, durante essa opera-
ção, os membros da brigada descobriram os campos de concentração nazistas.
Aterrorizados com as cenas dos campos de concentração, com judeus sendo
assassinados das formas mais brutais, os combatentes fundaram o “Nokmin”,
que eram esquadrões paramilitares formados para levar morte aos nazistas
onde quer que estivessem. Remanescentes da Haganá, do Nokmin11 e outras
agencias se fundiram para formar o atual Mossad.
Sua sede fica em Tel-Aviv, e conta atualmente com oito departamentos.
Suas atividades principais são:
• Impedir a ação de terroristas sobre alvos israelenses no exterior;

• Levar judeus para Israel retirando-os dos países onde as agências oficiais
não são permitidas de operar;
• Impedir o desenvolvimento e obtenção de armas não convencionais por
parte de países hostis.
Algumas operações reconhecidas:
• Obtenção de discursos de Nikita Khrushchev, que condenava Josef Sta-

lin (1956);
• Prisão de Adolf Eichmann, inicialmente sequestrado na Argentina. Essa
operação contou com a participação de Simon Wiesenthal, onde o nazista
foi levado secretamente a Israel para ser julgado e posteriormente executado
por enforcamento em 1962;
• Operação Diamante, para obter um caça MIG-21 soviético, para estu-
dá-lo via engenharia reversa. A operação teve êxito quando o desertor
Munir Redfa;
• Espião Eli Cohen forneceu informações sobre posicionamento de tropas,
bunkers e armas sírias durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967;
• Operação Cólera de Deus, para eliminar os responsáveis pelo chamado
Massacre de Munique, onde atletas israelenses foram feitos reféns na Ale-
manha, em 1972, durante os Jogos Olímpicos;
• Proporcionou informações para operações ousadas como a Operação Yonatan,
o resgate de reféns no aeroporto de Entebbe, na Uganda, em 1976, realizada
pela Sayeret Matkal;
• Proporcionou informações para a Operação Ópera, em 7 de junho de 1981,
que resultou na destruição do reator nuclear Osirak, no Iraque;
• Proporcionou informações essenciais para a Operação Moisés, na qual
foram resgatados judeus no Sudão, em novembro de 1984;
• Sequestro de Mordechai Vanunu, espião que divulgava informações secre-
tas para a imprensa Inglaterra, sobre o programa nuclear israelense;
• O Mossad e a CIA se juntaram em uma ação para a captura do terrorista
Carlos, “o Chacal”12, depois de 21 anos de buscas. A prisão foi feita em
Cartum, no Sudão em agosto de 1994.
Em 1963, Ben-Gurion, primeiro-ministro de Israel, nomeou um diretor,

Meir Amit. Por ordem de Ben Gurion, o novo diretor criou a unidade Kidon
(“Baioneta”), responsável por pôr em prática operações de execução de ini-
migos de Estado. As normas gerais da Kidon eram:
“Não haverá matanças de líderes políticos; estes devem ser tratados através
de meios políticos. Não se matará a família dos terroristas; se seus membros
se puseram no caminho, não será problema nosso. Cada execução tem de ser
autorizada pelo então primeiro-ministro. E tudo deve ser feito segundo o regu-
lamento. É necessário redigir uma ata da decisão tomada. Tudo limpo e claro.
Nossas ações não devem ser vistas como crimes patrocinados pelo Estado, mas
sim como a última ação judicial que o Estado pode oferecer. Não devemos
ser diferentes do carrasco ou de qualquer executor legalmente nomeado.”
Possui uma rede de apoio operacional e logístico com alcance global, for-
mada pelos denominados “Sayanim”. São judeus espalhados pelo mundo todo,
que prestam assistência logística/operacional ao Mossad quando solicitados, uti-
lizando seus recursos, redes de contato, influência, autoridade, aptidões em ajuda
às inúmeras operações desse serviço secreto. Esses colaboradores são protegidos
de qualquer culpa legal, e sabem apenas o suficiente a fim de desempenhar seu
restrito papel. Portanto não se envolvem diretamente nas operações.
A rede dos Sayanim foi criada por Meir Amit, antigo chefe do Mossad
(1963-1968) e seu número hoje chega à casa de centenas de milhares, mos-
trando a grande união de toda a comunidade judaica pelo mundo. Toda essa
rede de voluntários diminuem os custos com inteligência e permite ao Mossad
operar com um reduzido número de funcionários (7000), em comparação
com outras agências como a CIA (21000). Enquanto uma estação de traba-
lho de uma agência secreta, em média, tem cerca de 100 pessoas, o Mossad,
utilizando a rede dos Sayanim, pode trabalhar com menos de dez pessoas.
Todos os ‘Sayanim’ passam por testes de polígrafo, entretanto permanecem
alheios aos objetivos gerais de uma ação específica. Devem necessariamente
ser 100% judeus, morar no exterior e podem ou não ter dupla nacionalidade.
Muitos dos ‘Sayanim’ são influentes executivos, políticos, militares e
pessoas com alto grau de autoridade. São também pessoas destacadas em
vários níveis de poder, seja na área governamental ou na sociedade civil.
Ou mesmo discretos profissionais liberais comuns, exercendo atividades
inerentes, ou trabalhando diretamente em algo, que é necessário em uma
operação determinada. Vivem uma vida dupla realizando tarefas, desde as
mais triviais, até as mais estratégicas. Os ‘Sayanim’ são vitais em operações
do Mossad fora de Israel, inclusive em missões letais realizadas pelas equi-
pes Kidon. A rede permite ao Mossad ter olhos e ouvidos em quase todos
os lugares. Como resume o seu diretor-adjunto, David Kimche: “O Mossad
está antes de tudo, depois de tudo e sempre. E sempre estará por Israel”.
Em 22 de maio, o coronel da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC)
Hassan Sayad Khodayari foi assassinado com 5 tiros disparados quando saia
de seu veículo, em frente à sua residência, no leste de Teerã, por assaltantes
172 Inteligência
em uma motocicleta ligados à um grupo denominado “Arrogância Global”.

Os relatos simultâneos em vários meios de comunicação israelenses sobre a
atividade de Khodayari, horas depois da sua morte confirmada fazem crer,
ou pelo menos levantam suspeitas do envolvimento do Mossad nesse caso.
Em certos eventos anteriores, como nesse episódio, autoridades de Israel
vazaram informações detalhadas para organizações de mídia sobre ataques
de alto nível, a fim de enviar uma mensagem clara à Teerã.
O lema do Mossad é: “Onde há um conselho, os povos caem, mas onde
há uma atividade de conselheiros há segurança”.
Serviço Secreto Chinês (Guoanbu)/MSS
O Ministério da Segurança do Estado (MSS ou Guó’ānbù) é a agência de

inteligência civil, segurança e polícia secreta da República Popular da China,
responsável também pela contrainteligência, inteligência estrangeira e segu-
rança política chinesas. Tem como braço militar o Departamento de Inteligência
do Estado-Maior Conjunto. Descrita como uma das organizações de inteligência
mais secretas do mundo, ela está sediada em Pequim.
O MSS foi derivado do antigo Departamento Central de Investigação (CID),
a principal organização de inteligência civil da China entre1955 e1983. O novo
MSS foi criado em 1983 com a fusão do CID, juntamente cos elementos de con-
trainteligência do Ministério da Segurança Pública (MPS). O logotipo do MSS é
único entre as agências governamentais chinesas, exibindo o emblema do Partido
Comunista Chinês (PCC) ao invés do emblema estatal amplamente utilizado.
A missão do MSS é garantir a segurança da China por meio de medidas
eficazes contra agentes inimigos, espiões e atividades contrarrevolucionárias
destinadas a sabotar, desestabilizar ou derrubar o sistema socialista chinês.
Em março de 2009, um agente do MSS de nome Li Fengzhi disse ao
jornal “Washington Times” que o MSS estaria envolvido na contraespio-
nagem, na obtenção de segredos e de tecnologia de outros países, além de
estar envolvido diretamente na repressão da dissidência interna na China.
Essa repressão interna, segundo Li, inclui esforços contra igrejas cristãs não
oficiais e contra o grupo religioso proscrito Falun Gong13, além de censurar
a Internet para impedir a população chinesa de saber o que se passa fora do
país. Li Fengzi enfatizou que a missão mais importante do MSS é, “controlar
o povo chinês para manter o domínio do Partido Comunista”.
A espionagem económica tornou-se uma das principais atividades do
MSS. O FBI / EUA estimou que mais de 3.000 empresas nos Estados Unidos
são abrangidas ou estão no raio de ação do MSS Empresas como a Huawei,
China Mobile e China Unicom foram implicadas nas ações de obtenção de
informações do MSS.
Em 2020, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos acusou dois
operativos do MSS que estariam envolvidos na espionagem da empresa
Moderna, organização de biotecnologia que estava desenvolvendo uma vacina
para a pandemia da covid-19.
O serviço secreto chinês, no século XXI, já se transformou no maior do

mundo. Em quantidade de funcionários e agentes, espalhados pelo mundo
todo. Entretanto ainda não atingiram o nível tecnológico dos EUA, a ponto
de dominar as interceptações de comunicações em amplo espectro, ou no uso
de seu plantel de satélites espiões. Mas eles estão muito perto. Os inúmeros
cybers ataques, atribuídos às unidades especializadas do Exército Popular de
Libertação são uma boa prova disso. Sua intervenção estratégica na pesquisa
por potenciais energéticos e para o fornecimento de alimentos, levou-os a
intervir em continentes como a África e a América Latina, onde Mao já havia
fomentado revoluções e hoje são importantes zonas de influência.
A estratégia da sedução cultural (Soft Power ou poder de atração) tem
um papel importante. Seja na divulgação do Instituto Confúcio (promoção
do mandarim e da cultura chinesa), ou na propagação da cultura por meio
de empresas como a Huawei Technologies ou a ZTE.
Para drenar a informação pelo mundo, seja econômica, cientifica ou
tecnológica, utilizam o chamado “estratagema da lampreia”, que tem como
modus operandi básicos:
Aquisição de informação aberta: pela profusão de fontes no ocidente e o

acesso fácil a informação (internet). Ou como visita a instalações de empresas
e plantas industriais;
Exploração das relações políticas: casos que geralmente terminam em
escândalos como o ‘China Gate’ nos EUA, ou do caso das fragatas de Taiwan;
Cooperação internacional no domínio econômico: São os chamados inves-
timentos estrangeiros. Os investimentos que foram realizados na China nas déca-
das de 80, 90 e 00, são usados agora para comprar meios energéticos pelo mundo;
Cooperação cientifica: Na verdade uma grande pilhagem organizada
disfarçada de cooperação. É preciso atentar, ao realizar esses acordos em
estabelecer limites para as cessões, pois, ao ultrapassar uma fronteira perigosa,
colocar em risco interesses econômicos, tecnológicos e estratégicos;
Cooperação estudantil: Os chineses estão mandando seus estudantes
para as grandes universidades do mundo, a fim de formar suas elites;
Retornados do ocidente: Os estudantes chineses, após buscar no estran-
geiro experiencias e conhecimentos, irão aproveitá-los de volta a China;
Apoio sobre a fibra nacional: É amplo o leque de chineses, que, apesar
de morarem fora da China, mantem estreitíssimas e sólidas relações com
seu país de origem. Essas relações permeiam o mundo do crime organizado
e da espionagem;
Reescrever/Reeditar o passado: Destruir/apagar/alterar episódios ruins
do passado tem sido a crônica do Governo Xi Jinping. Imperadores chineses
do passado e Mao Tse-tung também adotaram essa estratégia. Em 1981, Deng
Xiaoping também reescreveu o passado através da “Resolução Histórica”,
onde ele avaliava como sendo um colossal desastre a chamada “Revolução
Cultural”, um acontecimento de anos anteriores, que se tratava na verdade,
segundo a nova interpretação de Xiaoping, de um grande expurgo encoberto,
174 Inteligência
onde centenas de milhares de pessoas foram executadas. Agora, o presidente

Xi Jinping ordena que se apague dos livros da história chinesa o Massacre
da praça da Paz Celestial (‘Tiananmen’), ocorrido em 1989, onde mais de
1000 pessoas morreram. Com essa nova “Resolução Histórica”, Xi Jinping
vem alterando de forma sutil a história chinesa, controlando o passado, o
presente e o futuro do país. “Quem controla o passado, controla o futuro!”;
Estratégias de negociação: Há uma grande variedade de fórmulas para
as negociações como, por exemplo o lobby, a chantagem no acesso ao mer-
cado chines, dentre outros. Os grandes recursos e meios financeiros de gran-
des empresas chineses permitem também utilizar empresas de fachada que
drenam tecnologia ocidental, favorecendo seu desvio e dando lugar a uma
frenética espionagem.
FSB – Serviço Federal de Segurança da Federação Russa
A história dos serviços secretos da Rússia começou ainda em dezembro

de 1917 com a Revolução Russa a fundação da Cheka (“Comissão extraor-
dinária de toda a Rússia”) criada por ordem do Sovnarkom, ou ‘Conselhos
de funcionários do Povo’. Era uma instituição criada por Vladimir Lenin,
que evoluiria e passaria a ser uma das mais influentes instituições de toda
a União Soviética. Os seus estatutos foram aprovados em 1917, tendo o seu
objetivo básico proteger a revolução russa de forças reacionárias, voltando
suas ações contra as “classes inimigas” como os proprietários rurais a bur-
guesia. A Cheka fundou e administrou os Gulags15 (Campos de prisioneiros e
de trabalhos forçados), onde todos os inimigos da revolução eram enviados,
inclusive ex-líderes bolcheviques caídos em desgraça.
A Cheka recrutou um exército de espiões, atraídos com a promessa de
perdão de crimes e acesso a comida. Em 1922 recebia relatórios de mais de
100000 espiões espalhados por toda a União Soviética. Ainda em 1922, foi
criada a GPU (Diretoria Política do Estado) absorvendo as funções da Cheka.
A GPU foi substituída no ano seguinte pela OGPU (Diretoria Política Unifi-
cada do Estado). Ela possuía variadas funções, e era altamente burocratizada,
sempre com a finalidade de proteger o Estado e o regime soviético. Tudo,
incluindo execuções e prisões, passava agora pela Cúpula do Partido, embora
continuasse a exercer as atribuições de vigilância e espionagem.
Em 1926 o OGPU teve suas atribuições ampliadas, recebendo as missões
de contraespionagem e contrapropaganda em países estrangeiros, agindo
agora também no exterior para descobrir inimigos do Estado atuando fora
do país. Foram criados mais de 100 campos de trabalhos forçados até 1934.
Em 1934 o serviço secreto soviético passou a se chamar NKVD (Comis-
sariado do Povo para Assuntos Internos), recebendo todas as atividades,
funções e estrutura do antigo OGPU. Era altamente controlado por Stalin,
que a partir desse ano, realizou intensos e grandes expurgos (cerca de 3
milhões de pessoas presas e 1 milhão de mortos). Esse órgão é visto como a
polícia secreta mais repressora da história, sendo responsável, até 1946, pela
prisão de cerca de (6 milhões de pessoas em campos de trabalhos forçados

e execução de quase 3 milhões). O NKVD atuou em missões no estrangeiro,
como execução de Leon Trotsky no México.
Por um curto espaço de tempo (1941 e 1943) o NKVD passou a chamar-se
NKGB (“Comissariado do Povo para a Segurança do Estado”). Em seguida
passou a denominar-se MGB (Ministério da Segurança do Povo).
Em 1954, o serviço secreto soviético passou por uma grande reformu-
lação, surgindo então a KGB (Comitê de Segurança do Estado) diretamente
ligado ao Conselho Soviético de Ministros. A KGB se transformou em um
serviço militar, governado por rígidos regulamentos e regras militares, con-
trolado pelo Partido. Atuou em praticamente todo o mundo, financiando
ações de propaganda e de dissidência (até no Brasil).
O lema da KGB era “Lealdade ao Partido. Lealdade a Pátria”.
Em agosto de 1991, nos estertores da União Soviética, a KGB foi acusada
de iniciar um golpe de estado visando derrubar o Presidente Gorbachov,
porém fracassado. Em dezembro desse ano o serviço foi extinto e abrindo
caminho para a criação da FSB (Serviço de Segurança da Federação Russa para
assuntos internos) e o SVR (Serviço de Inteligência Estrangeiro), vinculados
diretamente ao presidente Vladimir Putin.
É a agência que sucedeu a KGB em assuntos domésticos da Rússia. Como
aquela que deu origem, a FSB é um importante órgão de inteligência e bastante
atuante. Bastante controversa, essa agência de inteligência é acusada de diver-
sas ações de assassinato. Entre elas, estão a morto de General Zia-ul-Haq, que
tivera seu avião abatido no final dos anos 80 e do dissidente búlgaro Georgi
Markov, em 1977. É também a principal suspeita do assassinato do ex-agente
russo, Axelander Litvinenko, depois que este se exilou na Inglaterra. Ela teria
sido envenenada com a substância química radioativa Polônio 210.
A sigla FSB significa Serviço Federal de Segurança da Federação Russa.
´Segundo a legislação, é um serviço militar, mas seus membros geralmente
não usam uniformes. O FSB é o responsável pela segurança interna do Estado
russo, e pela contraespionagem e combate ao terrorismo, crime organizado
e tráfico de drogas. Já a espionagem no exterior, está a cargo do Serviço de
Inteligência Estrangeiro Russo, também sucessor da “Primeira Diretoria” da
KGB, e do GRU, pertencente ao Ministério da Defesa. Entretanto a divisão
FAPSI do FSB realiza vigilância eletrônica no exterior.
Tem cerca de 66200 funcionários, incluindo aí cerca de 4000 soldados
das forças especiais. Também emprega pessoal do Serviço de Fronteiras. De
acordo com o artigo 32 da Lei Constitucional Federal, a FSB responde dire-
tamente ao Presidente da Federação e ao Diretor do FSB.
O FSB tinha um diretor, dois primeiros diretores adjuntos e 5 diretores
adjuntos, em 2008. Nesse período a agência tinha as seguintes 9 divisões:
• Contraespionagem;
• Serviço de Defesa da Ordem Constitucional e Luta contra o Terrorismo;
• Serviço de Fronteira;
• Serviço de Segurança Econômica;
176 Inteligência
• Informações atuais e links internacionais;

• Serviço Organizacional e Pessoal;
• Departamento de Monitoramento;
• Serviço Científico e Técnico;
• Serviço de Segurança Organizacional.
A partir de 2002 e da crise de reféns no teatro de Moscou, a Federação

Russa enfrentou níveis altos de terrorismo islâmico e crescentes. O FSB estava
na linha de frente nessa luta, pois é o principal órgão responsável pelas ações
antiterroristas. Durante o cerco do teatro de Moscou e também a da escola
de Beslan, as unidades do FSB Spetsnaz, Alpha Group e Vympel, desempe-
nharam um grande papel na libertação de reféns.
Em 2006, o FSB obteve um importante sucesso ao conseguir matar Shamil
Basayev, o planejador do atentado em Beslan e de vários outros atos de terror.
Segundo a agência, essa operação foi planejada por seis meses e viabilizada
devido ao aumento do fluxo de envio de armas aos terroristas da Chechenia.
Basayev foi rastreado participando ativamente desse tráfico de armas. Ele estava
se preparando para realizar um grande ataque terrorista na Inguchétia, quando
operadores da FSB destruíram seu comboio. Doze militantes morreram nessa
ação. Em setembro de 2006, o FSB sofreu uma ampla remodelação.
Em março de 2010, ocorreu um grande atentado ao metro de Moscou, per-
petrados por militantes islâmicos, matando mais de 40 pessoas. Uma das explo-
sões ocorreu na estação Lubyanka, próximo à sede da FSB. O terrorista Dokka
‘Doku’Umarov, a.k.a. “Osama Bin Laden da Rússia“, assumiu a autoria dos
ataques. Somente em 18 de março de 2014, a morte de Umarov foi reportada.
Unidade 29155
Outra unidade, recentemente revelada, mas que opera há cerca de dez

anos é a Unidade 29155. Os serviços de inteligência ocidentais demoraram
quase dez anos para descobrir que existe uma unidade dos Serviços Secretos
das Forças Armadas Russas (GRU), encarregadas de operações de desesta-
bilização em território estrangeiro.
A divisão é chamada de Unidade 29155. É formada por especialistas em
ações de subversão, sabotagem e homicídios. A essa unidade foram atribuídas
diversas operações, como a tentativa de homicídio do espião russo Sergei
Skripal, no Reino Unido, em 2018 a tentativa de homicídio do presidente de
Montenegro e um envenenamento de um traficante de drogas na Bulgária, em
2015. Há informações de fontes ucranianas, que a Unidade 29155 foi enviada
para Kiev, dentro do atual conflito Rússia-Ucrânia, a fim de eliminar o atual
presidente, Volodymyr Zelenskyy.
Essa unidade difere de outras unidades similares que empregam ações de
desestabilização, utilizando métodos como a guerra cibernética e o uso de hac-
kers. A Unidade 29155 realiza operações diretamente no terreno. Seus agentes
geralmente são veteranos de guerra, que são deslocados para países ocidentais,
para conduzirem operações secretas. O sigilo é tamanho, a ponto de a unidade

ser desconhecida até para outras divisões do GRU. Alertas sobre ações secretas
de agentes russos em território estrangeiro têm se multiplicado nos últimos anos.
DSGE – ‘Direction Générale de la Sécurité Extérieure’ - Agência

de Inteligência Francesa
Agência de inteligência e espionagem francesa, criada em 1982. Ligada

ao Ministério da Defesa francês.
Responsável pela coleta de informações, espionagem econômica, contra-
terrorismo e operações secretas no exterior. A DSGE trabalha em cooperação
com a agência de informações interna DSGI (Direction Générale de la Sécurité
Intérieure), na defesa de interesses da nação francesa, dentro dos vetores de
contraterrorismo e paramilitar.
O Dossiê Farewell (despedida, em português) provavelmente, lançada
pelo DSGE, foi a mais significativa operação de inteligência efetuada por um
serviço secreto europeu durante a Guerra Fria, sendo crucial para a vitória
do Ocidente. A finalidade era a obtenção de uma significativa coleção de
documentos, que Vladimir Vetrov, um desertor da KGB (codinome Farewell),
reuniu e entregou ao serviço secreto francês.
A ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) chegou a investigar se agentes
do serviço secreto francês da DSGE estariam envolvidos na ação de sabotagem
e explosão da base de lançamento de satélites de Alcântara, no Maranhão. Um
documento interno da ABIN revela que ocorreram três operações cujos alvos
eram espiões franceses. Ocorreu também monitoramento do serviço de inteli-
gência em órgãos de cooperação e cultura ligados à Embaixada da França. A
base de lançamento de satélites de Alcântara colocaria em risco os interesses
econômicos e diplomáticos da França, que atualmente possui uma base de
lançamentos na região dos trópicos, localizada em Kourou, na Guiana Francesa.
Seu lema é “partout où nécessité fait loi” (“em todo lugar onde a necessi-
dade faz a lei”).
RAW – Serviço de Inteligência Indiano
A agência de inteligência externa indiana RAW foi criada em 1968, e

coleta informações de interesse sobre assuntos militares, políticos, econô-
micos, científicos, contraterrorismo e de inteligência, por meio de operações
sigilosas. Colabora na condução da política externa da Índia, objetivando o
alcance dos objetivos estratégicos geopolíticos desse país. Os países de maior
interesse sem dúvida são a China e o Paquistão, evidentemente em função da
aproximação desses dois Estados. Entretanto, existem relatos de operações
em outras regiões como África, Oriente Médio e demais países asiáticos como
Afeganistão, Bangladesh, Nepal, entre outros.
Tem um orçamento secreto, e em seus quadros conta com milha-
res de pessoas, entre analistas e agentes. O RAW é ligado diretamente ao
178 Inteligência
Primeiro-ministro. Além disso, mantém relacionamento com várias outras

agências internacionais, como a CIA, FSB, MI6, NDS (Afeganistão) e MOS-
SAD, principalmente devido ao programa nuclear paquistanês e seus possí-
veis desdobramentos no Oriente Médio.
Nos últimos tempos a RAW tem recebido grande destaque, em virtude
de prisões de alguns de seus agentes pelo país vizinho Paquistão, sendo o
caso do comandante naval Kulbhushan Jadhav o mais divulgado.
É importante também mencionar que a Índia possui um programa de
construção de submarinos nucleares com apoio da Rússia. Esse programa de
desenvolvimento militar é estratégico na disputa geopolítica com a China na
região marítima do Indo-Pacífico.
Submarino indiano INS Arihant
Fonte: India Today/Vox, adaptado por Marcelo Pires.
Submarinos Nucleares da Marinha Indiana
Fonte: India Today/Vox, adaptado por Marcelo Pires.

ISI – Serviço de Inteligência Paquistanês
O Directorate for Inter-Services Intelligence (‘Diretório para os Interser-

viços de Inteligência’), também conhecido como Inter-Services Intelligence
ou ISI, é o serviço de inteligência do Paquistão, sendo uma de um total de
três divisões das agências de inteligência do governo paquistanês, sendo as
outras duas a Inteligência Militar (MI) e a Agência de Inteligência (IB).
O ISI é criticado por exportar o terrorismo para a Índia, principalmente na
região da Caxemira indiana e o Afeganistão. É acusado de ter criado o Talibã e
de continuar apoiando esse grupo radical mesmo após a invasão estadunidense
do Afeganistão, em 2001.
Foi criado em 1948, a partir da fusão das duas agências anteriores, a
Agência de Inteligência (IB) e Inteligência Militar (MI), cuja formação se deu
após a Guerra Indo-Paquistanesa (1947), com a finalidade de coordenar e
operar as atividades de espionagem e reforçar o intercâmbio de informações
militares entre os três ramos das FFAA paquistanesas.
São considerados objetivos do ISI:
• Salvaguardar interesses nacionais e a segurança dentro e fora do país;

• Monitorar acontecimentos políticos e militares em países vizinhos, que
tenham uma influência direta na segurança nacional;
• Coordenação de funções de inteligência dos três serviços militares;
• Manter a vigilância sobre seu quadro de funcionários, estrangeiros, mídia
e todos os segmentos da sociedade paquistanesa, diplomatas de outros
países em serviço dentro do país, bem como diplomatas paquistaneses
no exterior.
Inteligência nas Operações Especiais
A inteligência nas Operações Especiais visa assegurar a compreensão

ampla do ambiente operacional, as ameaças, os oponentes, o terreno e as
considerações civis. Ela permeia todas as fases das Operações Especiais, e
deve estar calcada em sólidos conhecimentos das capacidades das forças e
das agencias civis envolvidas.
Para o planejamento bem-feito dessa inteligência, compreende o levanta-
mento das necessidades de inteligência, reconhecimentos no terreno, levanta-
mento de vulnerabilidades e avaliação de riscos. As Operações Especiais são
dependentes de inteligência detalhada, precisa e oportuna. E embora sejam
usuárias dessa inteligência, elas também produzem, e atuam como fonte de
obtenção de informações e dados em ambientes hostis, negados ou sensíveis. É
importante deixar claro, por motivos óbvios, que operações de reconhecimento
e de contraterrorismo necessitam de uma inteligência com constante atualização.
A atividade de inteligência é um dos pilares básicos na condução e
coordenação, controle e sincronização de ambientes de prevenção e combate
180 Inteligência
ao terrorismo. O apoio de inteligência já é realizado com ampla capilaridade

pelo Sistema Nacional, e com conexões no exterior, e essa é considerada a
primeira linha de defesa dos interesses vitais de qualquer país. Sem um sis-
tema adequado de Inteligência nenhuma atividade de prevenção e combate
ao terrorismo cumprirá adequadamente seu papel.
O sucesso de uma operação de inteligência está diretamente vincu-
lado à um estudo de situação competente, englobando contextualização
histórica e levantamento de todas as particularidades do caso. O estudo
permitirá ao comandante, planejador ou decisor estratégico definir qual
a melhor linha de ação a seguir, explorando vulnerabilidades do inimigo
e empregando de forma coordenada as equipes, adequando habilidades
especificas e recursos tecnológicos.
Notas:
6. Ruse de Guerre, em francês, traduzido para o português como ardil de guerra é um
termo não uniforme. Pode designar como um ato de fraude militar contra o oponente,
ou significam atos contra o oponente por meios criativos, inteligentes e pouco orto-
doxos. Podem envolver artimanhas como minas terrestres, armadilhas, emboscadas.
A história do Cavalo de Tróia, na Eneida de Virgílio, é um exemplo clássico.
7. Alessandro Visacro, em “Guerra na Era da Informação”.
8. Bíblia Sagrada, Números 13, 17-20.
9. Vegetius, “De Re Militari”.
10. OSS (Escritório de Serviços Estratégicos) foi o serviço de inteligência dos EUA
durante a Segunda Guerra Mundial. Antes da Segunda Guerra os serviços america-
nos de inteligência eram divididos entre diversos departamentos do governo, sem
nenhuma coordenação. A OSS realizou várias ações históricas e recrutou muitos
espiões importantes. Conseguiu penetrar na Alemanha, e nesse país, foi responsável
pelo treinamento de espiões austríacos e alemães.
11. Projeto Manhattan foi um programa de desenvolvimento e pesquisa que produziu
as primeiras bombas atômicas durante a Segunda Guerra Mundial. Tendo a frente
os EUA, apoiado pelo Reino Unido e pelo Canadá. Começou pequeno em 1939,
mas em 1945 já empregava cerca de 13000 pessoas. A pesquisa e produção eram
realizadas em cerca de 30 lugares diferentes em 3 países. Era responsável também
por colher informações sobre projetos de energia nuclear na Alemanha nazista.
12. Operations Security (Segurança de operações ou Segurança operacional) é um
processo que identifica informações críticas a fim de determinar se ações amigas
conseguem ser observadas pela inteligência inimiga. Determina também se infor-
mações obtidas pelo adversário podem ser interpretadas como úteis. Em seguida,
executa ações que minimizam a exploração adversa de informações críticas.
13. Operação criada pelo MI¨, no período que antecedeu a invasão do Iraque em 2003.
Foi uma campanha com a finalidade de espelhar histórias na mídia sobre supostas
armas de destruição em massa no Iraque. Ela foi exposta em dezembro de 2003.
O objetivo era moldar a opinião pública para a suposta ameaça de armas de alto
poder de destruição nas mãos dos iraquianos.
14. “The Circus” é o nome de John Le Carré para o edifício fictício que abriga o que,
para todos os efeitos, é a sede do Serviço Secreto Britânico, com vista para Cam-
bridge Circus, no West End de Londres.
15. HUMINT é relativo às fontes humanas/ inteligência humana. Já SIGINT trata-se
da inteligência por sinais.
16. Esquadrões de assassinos vingadores encarregados de caçar e eliminar os oficiais
nazistas da SS e da Gestapo.
17. Ilich Ramirez Sanchez ou Carlos, o Chacal é um dos mais lendários terroristas da
História. Suas ações seriam explicadas por uma série de mitos e lendas que tentam
fazer do terrorista um indivíduo sádico e inescrupuloso. Estudou na Rússia (Uni-
versidade Patrice Lumumba). Realizou treinamento no Oriente Médio em 1970, e
obteve conhecimento bélico-militar com integrantes da Frente Popular de Libertação
da Palestina (FPLP). Em 1997 o serviço secreto francês conseguiu prendê-lo na cidade
de Khartoum, no Sudão. Condenado à prisão perpétua, segue cumprindo pena.
18. Falun Gong ou Falun Dafa é uma prática espiritual chinesa combinando meditação e
exercícios, com um ensinamento moral centrado em princípios como tolerância m com-
paixão e veracidade, incorporando elementos de tradições taoístas. Em meados de 1990,
o Partido Comunista Chinês e outras organizações de segurança pública começaram
a ver o Fallun Gong como potencial ameaça. Em 1999 o PCC lança campanha contra
a prática e o declara uma organização herética e que ameaçava a estabilidade social.
19. Revolução Cultural Chinesa foi um movimento social e cultural, liderado por Mao
Tsé-Tung, que ocorreu entre 1966 e 1976, para abolir qualquer influência capitalista
na China. Os integrantes desse movimento promoveram massacres contra oposi-
tores do maoísmo ou indivíduos que fossem considerados aliados ao capitalismo.
20. O Gulag administrava o sistema de campos de trabalho penal, estabelecido na
época da URSS. Foi criado em abril de 1930 e dissolvido em janeiro de 1960. Tem
sido conhecido como local de encarceramento dos chamados presos políticos e
como mecanismo de repressão a oposição ao estado socialista. O sistema penal do
Gulag tinha cerca de 427 campos de trabalho forçado.
PARTE 3
TERRORISMO
“[...] O que se pode dizer de um ato de ferocidade destrutiva tão absurdo, a ponto de
ser incompreensível, inexplicável, quase impensável, na verdade, louco. A loucura
apenas é verdadeiramente aterrorizante, visto que você não pode aplacá-la seja
por ameaças, persuasão ou subornos. Além do mais, eu sou um homem civilizado.
eu jamais sonharia em orientá-lo para organizar uma mera carnificina mesmo se
esperasse os melhores resultados com isso. Mas eu não esperaria de uma carnificina
os resultados que desejo. Assassinos existem sempre. É quase uma instituição. A
demonstração deve ser contra a cultura-ciência. Mas nem toda a ciência servirá.
O ataque deve ter toda a chocante falta de sentido da blasfêmia gratuita [...]”
O Agente Secreto, Joseph Conrad (1857-1924)
N
ão existe um consenso conceitual universal sobre o que é o Terro-
rismo. É um fenômeno histórico que depende de um contexto para
ser compreendido. Basicamente terrorismo é o uso da violência para
fins de propaganda. Há relatos de terrorismo desde a época de fení-
cios e cartagineses, durante as guerras púnicas. A palavra ‘terror’ vai surgir no
léxico francês em meados do século XIV, e era proveniente do terror causado
pelo Estado, inclusive com o apoio da Igreja, gerando uma espécie de medo
medieval e violência contra a população, a fim de alcançar seus objetivos.
Na década que se segue após 1790, vemos o terror jacobino com Maximi-
lien de Robespierre e Louis-Antoine de Saint-Just, com seu “Tribunal Revo-
lucionário”, perseguindo e condenando os girondinos e outros opositores e
usando de extrema violência, sem nenhuma possibilidade de defesa. O uso
político da palavra ‘terrorismo’ começa em 1794, quando o próprio Robespierre
foi condenado e morto na guilhotina, acusado de praticá-lo.
O século XVIII ficou marcado então pelo terrorismo de Estado (e o seu
líder), que é o legitimo detentor do poder do exercício dos meios coercitivos
e de violência. O uso abusivo desse poder para causar na população um
estado de ameaça constante e em suspense, bem como uma inseguridade
geral concomitante a uma imprevisibilidade, recebia a denominação de ‘ter-
rorismo’. Muitas vezes também usado como instrumento político, para um
líder se manter no poder.
A partir do século XX, o terrorismo deixa de ser um monopólio exclusivo
de um Estado, e passa a ser de indivíduos e grupos sociais não-estatais, mem-
bros rebeldes e setores revolucionários do povo, com a intenção da derrubada
de um governo (Revolução Russa, por exemplo). É o chamado terrorismo
social. Em 1914, o estopim da Primeira Guerra Mundial foi um ato terrorista
realizado pelo grupo Mão Negra da Sérvia (primeira organização nacionalista
terrorista do mundo), ocasionando a morte do Arquiduque Francisco Ferdi-
nando. Dos seis assassinos do grupo iugoslavista Jovem Sérvia fornecidos
pelo “Mão Negra”, o jovem nacionalista sérvio radical Gravilo Princip, em
segunda oportunidade no mesmo dia 28 de junho, foi o responsável pelos
tiros que mataram o Arquiduque e sua esposa Sofia.
Em 1917 no mesmo ano da Revolução Russa, ocorreu a primeira Con-
venção de Genebra1 (de um total de quatro), que trouxe, em um de seus
textos a expressão ‘atos terroristas’ se referindo a quaisquer atos criminosos
tendo o Estado como alvo dessas ações. A Liga nas Nações promoveu uma
convenção, em 1934, na intenção de aprofundar conhecimentos de como
prever e como combater atos terroristas, tentando estabelecer um consenso
sobre o termo ‘terrorismo’.
Depois da Segunda Guerra Mundial, em um mundo a partir de então
bipolar, com duas esferas de influência, surgem novos atores com novos
modus-operandi, embora tendo o Estado também como alvo principal. As
motivações religiosas e ideológicas para essas novas ações terroristas come-
çam a surgir.
186 Terrorismo
Em 11 setembro 2001, com o atentado às Torres Gêmeas, a globalização do

Terror se solidifica, com métodos de imprevisibilidade das ações (em qualquer
lugar ou espaço), espetacularização da violência, com caráter transnacional e
sem ligações nacionalistas, com poucas exceções. Qualquer indivíduo agora
pode ser um alvo. Destaca-se desses grupos terroristas um comportamento de
total desprezo e ódio pelos valores e parâmetros morais defendidos pelos alvos
dessa violência extrema, e a morte de inocentes é vista e justificada apenas
como um mero dano colateral (“os fins justificam os meios”).
Esse novo momento do terrorismo do século XXI é retratado por varia-
dos conflitos assimétricos espalhados pelo mundo, e, dentro desse amplo
‘guarda-chuva’ do terror, os grupos responsáveis por essas ações são agora
classificados por diferentes denominações, como por exemplo o narco-terro-
rismo (cartéis mexicanos, facções armadas no eixo RJ/SP, domínio de cidades
brasileiras), terrorismo separatista, terrorismo repressivo (não necessaria-
mente estatal), terrorismo religioso, terrorismo doméstico, dentre outros.
É uma forma de ação que consiste no emprego da violência física ou
psicológica, de forma premeditada, por grupos ou indivíduos, apoiados
por entes estatais ou não estatais, com o objetivo de coagir um governo,
autoridades, um grupo ou mesmo toda a população a adotar um determi-
nado comportamento. Motivado por razões religiosas, políticas, ideológicas,
ambientais, econômicas ou psicossociais.
A ameaça terrorista no Brasil pode ser efetivada através de diversos
contextos, como por exemplo, o uso do território para atividades de apoio,
treinamento e homizio de grupos terroristas transnacionais; ou o planeja-
mento de ataques contra outros países, lançados a partir do território nacional;
ataques contra alvos estrangeiros localizados do país; bem como ataques
contra cidadãos brasileiros ou funcionários do estado fora do país. Obvia-
mente o ataque direto dirigido contra o Estado Brasileiro ou a sociedade serão
também considerados uma grave ameaça terrorista.
“Uma criação deliberada e exploração do medo por meio da violência ou

ameaça de violência visando uma mudança política”2
Bruce Hoffman, “Inside Terrorism”
Alguns conceitos são importantes antes de aprofundarmos nesse assunto:
Xiitas: Os xiitas acreditam apenas o que está escrito no Alcorão. São

considerados mais tradicionalistas. Conservam mais as tradições do livro
sagrado e seguem à risca as antigas interpretações do Alcorão e da Sharia
Para estes o profeta e sucessor legítimo de Maomé deveria ser Ali, genro de
Maomé, que, for fim foi assassinado.
Sunitas: São considerados mais ortodoxos. Além de seguirem os precei-
tos da religião islâmica segundo o Alcorão e a Sharia, também baseiam suas
crenças na Suna, livro que relata os feitos de Maomé. Acreditam também
que o califa (chefe de estado e sucessor de Maomé) deveria ser eleito pelos
próprios muçulmanos. Para este grupo, a religião e o Estado deveriam ser
uma única força.
Salafismo é uma corrente ultraconservadora dentro do Islã sunita onde
seus membros acreditam ser possuidores do conhecimento para implemen-
tar a leitura e a prática mais correta do Islã. Seu ponto de referência é o Islã
do século VII. E sua finalidade é uma espécie de retorno ao passado, para o
tempo em que esses preceitos religiosos eram cumpridos à risca, com extrema
correção moral.
Wahabismo é uma leitura ultraconservadora dentro do Islã, raiz ideo-
lógica do Estado Islâmico, Daesh ou ISIS), contendo uma característica bem
peculiar. Essa leitura foi incorporada a uma família, a partir do século XVIII,
com Muhammad Al Wahhab3, que criou esse movimento revivalista na região
remota e pouco povoada do Negede, no Centro da Arábia Saudita. Ele se
associou à família Saud, que implementou uma monarquia absolutista a
partir de 1932. A casa familiar Saud também propõe variações mais ou menos
rígidas, a depender do cenário político que a Arábia Saudita está vivendo.
Deobandi ou deobandismo é uma corrente de pensamento muçulmano
sunita ultraconservadora, que segue um modelo igualitário salafista, muito
presente no sul da Ásia (Paquistão, Afeganistão e Índia). Surgiu na Índia em
1867, madraça (escola religiosa) Dar ul-Ulum, cidade de Deoband, no Estado
de Uttar Pradesh. É uma das fontes de pensamento do Talibã. O número de
alunos matriculados nas madraças Deoband no Paquistão está aumentando
consideravelmente. Argumenta que a razão pela qual as sociedades islâmicas
ficaram para trás em relação ao ocidente, em todas as esferas de atividades, é
porque foram seduzidas pelos fundamentos amorais e materiais da ociden-
talização, e se desviaram do ensinamento do Profeta Maomé.
Maomé não era apenas um guerreiro, que foi ferido em batalha na cidade
de Medina contra os homens de Meca, em 625. Além de pregar, ele praticava
a guerra. Em 632, ele estabeleceu que os muçulmanos, embora irmãos, teriam
que lutar uns com os outros, e estes contra todos os homens no mundo que
não dissessem que “não há outro deus senão Alá”. O Corão4, livro sagrado
dos muçulmanos, desenvolve essa ordem abertamente.
Maomé prega que aqueles que aceitam a palavra de Alá formam uma
grande comunidade (‘umma’) cujos membros são responsáveis mutuamente.
Os irmãos deveriam ajudar outros irmãos menos afortunados, destinando
inclusive parte de sua renda a caridade. Além de cuidar também da cons-
ciência uns dos outros. Longe da comunidade, todavia, a lógica era inversa.
A ordem era combater os infiéis que estão próximos. Os não-crentes vivendo
sob a autoridade do Corão, teriam direito a proteção, e, apenas na teoria,
os que estavam fora da ‘umma’, que mantivessem a paz, não poderiam ser
atacados. Mas, na prática, a ‘umma’ coincidia com a “Casa de Submissão”
(Dar-el-Islam), enquanto fora dela estava a “Casa da Guerra” (Dar-el-Harb).
188 Terrorismo
Contra a Casa da Guerra, o islã começou a entrar em guerra imediatamente

após a morte do profeta Maomé, em 632.
Essa guerra logo se transformou em ‘jihad’ (guerra santa). Não bastou
apenas o comando do profeta para o sucesso das primeiras vitórias nessa luta,
levada adiante com tanto sucesso. Dois outros motivos estão intrinsicamente
relacionados a essas conquistas:
1. Não há conflito entre bem-estar material e devoção. Diferente da religião

cristã, em que Cristo pregava a pobreza como um ideal sagrado, Maomé
tinha a compreensão do valor da riqueza bem utilizada. Ele mesmo che-
gou a atacar caravanas de mercadores e gastava o valor arrecadado na
promoção da causa;
2. O islã diluiu dois princípios pelos quais era costume travar-se guerras:
parentesco e território. Todos os homens são muçulmanos, e portanto, são
irmãos. E também não pode haver territorialidade no islã, pois seu destino
é converter o mundo inteiro à vontade de Alá.
O destino do Islã somente se completaria quando toda a “Casa da

Guerra” fosse trazida para a “Casa de Submissão”.
O termo fundamentalismo que deduz uma interpretação literal do Alco-
rão e do Hadith (feitos do profeta Maomé), é um termo inadequado. O que
prega o salafismo jihadista é uma leitura maniqueísta dessas fontes. A gênese
do pensamento radical vem de Ahmed Ibn Taimiya (1263-1338). O Império
Abassida5, naquela época estava esfacelando. Hordas de mongóis destruíram
Bagdá, a sede do Califado. Para Taimiya foram os próprios muçulmanos, se
desviando da verdadeira fé, foram os responsáveis por esse revés. Somente
uma volta ao passado, um retorno a doutrina pura de Maomé (salaf) poderia
recuperar o que foi perdido.
No século XVIII surgiu um importante movimento, na Península Arábica
protagonizado por Mohamed Ibn Abd al Wahhab, com fins de resgatar a
pureza primitiva da religião. Assim com Taimiya, Wahhab era hanbalita, da
ala mais conservadora do Islã. O fundamentalismo preconizado pelo wah-
abismo, cuja difusão tem sido patrocinada por petrodólares da monarquia
da Arábia Saudita, causou uma base teológica adequada para o surgimento
de ideias ainda mais radicais.
Já no século XIX, a forte oposição aos movimentos neocolonialistas, tanto
no norte da África, como na Ásia, fez crescer a ideia de um governo islâmico
independente, regido pela Shari ‘a (lei corânica). Destacam-se vários pensadores
nessa época, entre eles Abu al-Ala Mawdudi, oriundo da escola deobandi, fundou
um partido político que representou um grande papel na criação do Paquistão.
Todavia, a primeira organização a politizar de vez o Islã, foi a Irmandade
Muçulmana (Al-Ikhwan Al-Muslimeen), foi fundada em 1928 por Hassan
Al-Banna. Militantes da Al Qaeda como Ayman Al-Zawahiri e Mohammed
Atef pertenceram a Irmandade Muçulmana. O Hamas também é oriundo da
filial palestina da Irmandade Muçulmana. Essa organização é capaz de organizar

muito bem as massas e mobilizar jovens que estão descontentes, com alto poder
de penetração em movimentos estudantis e sindicatos, e tendo êxito na educa-
ção política e religiosa. A Irmandade, com o tempo, e depois de muitos debates,
adotou as duas linhas possíveis de ação: convencimento político e luta armada. E
nos anos 40 surgiram os primeiros campos clandestinos de treinamento militar.
Após a ascensão no Egito de Gamal Abdel Nasser, ele mesmo proveniente de
uma ala chamada “Oficiais Livres”, que tinha apoio da Irmandade, ao assumir
o poder após a deposição do Rei Faruk, rompeu com essa organização.
Nasser passou a perseguir os militantes da Irmandade, o que obrigou
muitos membros a fugirem do país. No exílio, a Irmandade passou a ter con-
tato com grupos extremistas do mundo árabe, levando a uma radicalização
ainda maior dessa organização.
O escritor Sayyid Qubt6, que ingressou na Irmandade ainda nos anos
40, escreveu o livro “Milestones” (Marcos ao longo do Caminho), que se tor-
nou uma potente fonte para o islamismo político contemporâneo. Qubt era
fortemente influenciado pelo pensamento deobandi de Mawdudi, conside-
rando que a civilização ocidental estava degradada com uma permissividade
degradante e redefiniu a chamada “Jihad”, fazendo uma apologia à violência
em nome de Alá, delineando também os princípios do combate subterrâneo
do Islã. Entretanto a filosofia radical de Qutb permanecia ainda restrita aos
círculos dos intelectuais. Foi o Xeque palestino Addallah Yussuf Azzam que
realmente popularizou o apelo a Jihad.
No Século XVIII, durante a Revolução Francesa, o terrorismo se tor-
nou um instrumento político-ideológico com Robespierre e outros radi-
cais revolucionários.
O terrorismo é um fenômeno social antigo, e podemos, através de relatos,
observar sua ocorrência e utilização ao longo da história. Durante o Império
Romano, nas chamadas Guerras Punitivas, a destruição de Cartago serviu
por muito tempo como uma mensagem de terror.
O terrorismo como conhecemos hoje tem suas origens possivelmente
no século XIX, quando um revolucionário italiano chamado Carlo Pisacane
propôs que o terror transmitiria uma mensagem para um público específico,
tentando chamar atenção para a causa e conquistando apoio. Um tipo de terro-
rismo que tem uma causa ideológica e tem sua maior intensidade no processo
de descolonização europeia Pós-segunda Guerra Mundial e na Guerra Fria.
Aqui no Brasil, nos anos 60 e 70, técnicas de terrorismo foram usadas
durante a guerrilha do Araguaia, contra o Regime Militar. Carlos Marighella
escreveu seu Manual do Guerrilheiro Urbano, e sistematizou várias técnicas
terroristas, como ações de infiltração, assaltos a bancos e sequestros, além do
uso de inteligência e contrainteligência na obtenção de informações.
O terrorismo clássico tem como principais características ser secular, com
motivação política, ideológica, nacionalista e com foco na autodeterminação,
tendo hierarquia organizada e rígida e com ações utilizando armamentos
190 Terrorismo
portáteis, e explosivos com poder limitado de destruição (Ex: IRA, ETA, Frente
de Libertação da Palestina, Sendero Luminoso).
Hoje felizmente, a respeito de explosivos, não vemos mais vídeos de
Youtube à disposição, com explicações simples de entender, sobre a fabricação
artesanal de artefatos fáceis e seguros. Antigamente, com apenas uma breve
ida ao mercado local ou uma loja de ferramentas da esquina, obteríamos
fertilizantes, óleo de motor, nitrato de amônio e outros precursores e insu-
mos, capazes de criar crateras imensas e destruições avassaladoras. Nos dias
atuais o controle é muito mais rígido e espero realmente que essas restrições
sejam ainda mais severas.
Já o chamado Neoterrorismo tem modo operacional distinto do terro-
rismo clássico. Ele não tem campo de batalha, é globalizado e apresenta um
radicalismo religioso nos discursos, é espetacular, midiático e se utiliza de
bombas múltiplas e de grande poder de destruição. São realizadas por agen-
tes suicidas e a autoria de atentados não é assumida prontamente. Algumas
dessas organizações são invisíveis às agências de segurança dos países e
podem ter acesso a armamento químico, biológico ou nuclear.
Nos centros urbanos temos o aparecimento de novos atores que se uti-
lizam do terror para impor suas vontades. Mafias russas, chinesas, carteis
mexicanos e gangues criminosas como os Zetas, tem um poder que não é mais
considerado paralelo ao Estado, mas sim transversal, uma vez que agentes
dessas organizações criminosas se infiltram nas esferas de poder, para operar
o sistema em benefício próprio.
No Brasil o crime organizado já demonstrou seu poder de aterrorizar a
sociedade, como em 2006, com vários ataques incendiários a ônibus e atentados
a vários agentes das Forças de Segurança, deixando um saldo naquele momento
de 18 mortos e mais de 20 feridos. No Rio de Janeiro traficantes do Morro dos
Macacos em 2009, conseguiram abater um helicóptero da Polícia Militar, demons-
trando o poder bélico e estrutura organizacional para enfrentar o Estado.
Segundo o Coronel Alessandro Visacro, a violência urbana brasileira é muito
complexa e decorre de fatores que não podem ser trabalhados de forma isolada. A
ação de grupos e facções criminosas são realizadas com planejamento similar ao
militar e se utilizam de táticas de guerrilha, com objetividade e alto poder bélico
e ferocidade nas ações, além de um eficiente sistema de segurança orgânica, difi-
cultando a atuação do Estado, tanto em investigações como no combate efetivo7.
O terrorismo é um flagelo antiquado ao mesmo tempo medieval e
moderno, e teve certa relevância após o estabelecimento do Estado de Israel
e novamente, após a Guerra dos Seis Dias de 1967, no Oriente Médio. Em
setembro de 1972 terroristas de um grupo radical palestino chamado ‘Setem-
bro Negro’ invadiram a Vila Olímpica em Munique, no começo dos Jogos
Olímpicos e, na ala israelense, capturaram nove atletas, antes de matar outros
dois. As autoridades alemãs, inexperientes, e após quase 20 horas de nego-
ciação, cederam a quase todas as exigências.
Paralelo a isso, formava-se dentro da polícia uma equipe para a tentativa

de libertação desses reféns, com pessoal pouco experimentados nesse tipo de
ação. No cenário final, o aeroporto de Firstenfeldbruck8, atiradores de elite mal
coordenados não conseguiram neutralizar os terroristas e os sobreviventes
explodiram os helicópteros que os levavam com granadas e mataram todos
os reféns. Ao final desse trágico episódio, grande parte dos países do bloco
ocidental passaram a idealizar unidades capazes de conduzir operação de
libertação de reféns com o uso da força, para fazer frente a ataques como esse.
Na Inglaterra, por exemplo, o comandante do SAS sir Peter de La Bilière9
havia solicitado a um de seus oficiais, o Capitão Andy Massey, 5 meses antes
desse atentado, um relatório sobre outra ação de resgate, dessa vez por parte
dos israelenses da Sayeret Matkal, no aeroporto de Lod10, resgatando um Boeing
707. Com a necessidade de uma unidade de combate ao terrorismo após o
massacre de Munique, esse mesmo relatório Massey serviu de base para a
criação da Counter -Revolutionary Warfare Wing (CRW) do SAS britânico, a
sua unidade antiterrorista. Uma grande expertise conquistada posteriormente,
levou ao interesse de diversos países em sua assistência e treinamento.
A Gendarmerie francesa também decidiu criar a sua unidade de inter-
venção denominado Équipe Commando Régionale d’Intervention para o
combate direto à essas atividades, que posteriormente fez criar, o famoso
GIGN, não ligada às forças especiais militares, mas às forças policiais.
“É necessário uma rede para derrotar uma rede”11

Stanley McChrystal
Entre as novas operações confiadas às forças especiais, a partir dos anos

90, após o conflito na ex-Iugoslávia surgiu a de perseguir e capturar ou neu-
tralizar criminosos de guerra e líderes terroristas. No USSOCOM, a caçada
humana é considerada uma missão mais que importante e requer técnicas
específicas. Ações deste nível ganharam uma dimensão tão grande que o
Pentágono precisou formalizar uma doutrina específica. Os EUA criaram
também pequenas e eficientes unidades secretas, denominadas Task Forces,
uma união entres serviços secretos e forças especiais norte-americanas, vem
quebrando paradigmas e gerando disrupção positiva ao juntar estruturas
civis e militares, e principalmente dando bons resultados.
Para lutar contra o flagelo do terrorismo transnacional, a Inglaterra não
hesitou em recorrer a modos de ação à margem da legalidade. “A decisão de
utilizar a força é difícil de tomar, e eu odeio a violência. Mas há uma coisa
que eu odeio mais ainda: ceder à violência”, dizia Margareth Thatcher.
A predominância no emprego de forças armadas regulares dos EUA faz
com que seus adversários utilizem métodos para minimizar o seu potencial.
Tanto estados nacionais, como atores não estatais, utilizando-se de tecnolo-
gia avançada e não convencionais, vêm causando muitos danos e baixas na
estrutura militar americana. Hoje a guerra mudou. Os EUA reconheceram
192 Terrorismo
a complexidade da guerra atual. Os adversários de utilizam cada vez mais

de táticas, técnicas e procedimentos (TTPs) típicos de guerra irregular, bem
como de guerra híbrida, cujo combate exige preparação específica.
As Forças irregulares, classificadas como hostis, estabelecem “santuários”
onde se escondem e se utilizam de tecnologia avançada, ou mesmo de nenhuma
tecnologia, para driblar investidas adversárias. Hoje em dia uma das formas
de atuação desse conflito irregular assimétrico é o terrorismo, que tem como
instrumentação básica de poder a violência extrema.
Segundo o general Álvaro de Souza Pinheiro, em seu estudo sobre as
“Ambiguidades estratégicas dada violência extremista e do conflito irregular
Assimétrico do século XXI”12, as forças de defesa israelenses (IDF) vivenciam
esse dramático cenário de conflito irregular intensamente. Na luta contra for-
ças irregulares como o Movimento Hezbollah e o Hamas, a IDF vem colhendo
muitos ensinamentos ressaltados em três principais aspectos:
1. Necessidade de pleno entendimento da natureza das forças irregula-

res adversárias;
2. Preparação para fazer frente a contingências irregulares assimétricas (adestrar
líderes e militares, e os fazer saber “como pensar” ao invés “do que pensar”);
3. Interoperacionalidade entre forças convencionais e forças de opera-
ções especiais;
4. Estimular cooperação entre FOpEsp Interagências (militares e/ou policiais).
Voltando ao Conflito Irregular Assimétrico que vivencia Israel, há pontos

que precisam ser frisados no permanente capacitar de suas forças militares:
• Análise dos riscos de ameaças;

• Aplicação de ensinamentos colhidos em campanhas passadas;
• Jogos de guerra com diferentes aproximações (treinamentos usando as
mais diversas possibilidades e linhas de ação do inimigo;
• Novos programas de adestramento.
Em relação aos desafios desse tipo de ambiente operacional, destaca-se

que a coordenação e o controle de eventos serão muito mais humanos e bio-
lógicos que organizacionais e tecnológicos. Nesse contexto, esse novo campo
de batalha não linear ou assimétrico modifica completamente os conceitos
adotados no campo linear.
Deve-se haver uma preocupação com adestramento específico das forças
convencionais, que devem estar aptas a operar juntamente com forças aliadas
irregulares. As pequenas frações ganham dimensões estratégicas, com o plane-
jamento centralizado e a execução altamente descentralizada. Isso ocorre em
função da valorização de fatores de decisão como o aspecto psicossocial, muitas
vezes sobrepujando-se sobre o fator terreno. O conhecimento cultural e laços
com habitantes locais terão muito mais eficiência que um colete a prova de balas.
Como afirmou o general Álvaro Pinheiro em seu artigo, “o futuro do

combate será tático, isolado, preciso, inesperado e frequentemente brutal (com
relação ao número de baixas) [...]o centro de gravidade clausewitziano, o sch-
werpunkt tático, o tão almejado ponto de decisão, será difícil de identificar e
sobretudo de prever. Ele estará mais difuso”. A liderança, flexibilidade e estabi-
lidade emocional tornam-se atributos indispensáveis aos novos comandantes.
Demanda forte por parte dos comandantes de equipes de operações especiais,
por inteligência, bem como de operações de informação e psicológicas.
Uma reformulação completa do paradigma de segurança reconfigurou
as políticas mundiais de resposta ao terrorismo. É o caso do ‘targeted kil-
ling’, ou execução/neutralização de alvos, por parte de Israel, EUA, Rússia,
Azerbaijão e alguns outros países.
As ações de ‘targeted kiling’ essencialmente, mas não exclusivamente,
são realizadas por meio de ataques por drones no Paquistão, na Síria, Iêmen,
Líbano, Faixa de Gaza, Afeganistão, Azerbaijão, Armênia, dentre outros, em
resposta ao terrorismo, ou uma ação dentro de conflito irregular, tendo como
escopo quatro grandes objetivos:
• Eliminação do alvo de valor ou líder terrorista;

• Minimização dos danos colaterais;
• Prevenir a escalada da ação terrorista;
• Defesa antecipatória (preemptiva).
Essas ações estão sendo muito discutidas atualmente, todavia nenhuma

estratégia contraterrorista se mostrou tão plenamente eficaz na resposta ao
fenômeno terrorista. Sob a égide de modelos mais ofensivos, a possibili-
dade de anular, ou prever fenômenos terroristas é muito pequena, e exige
um esforço conjunto (‘interagências’ e/ou multinacional) de inteligência e
emprego de tropa especializada de contraterrorismo, treinada e equipada.
Os adversários buscam operar no meio da população, aumentando os riscos
para combatentes e não combatentes muito mais que em conflitos passados.
Segundo a Dra. Vanessa Neumann no seu livro “Lucros de Sangue”13,
na célula jihadista o pensamento totalitário do grupo assume o controle, e
cada indivíduo assume a responsabilidade individual pela jihad. Ocorre
então a divisão de tarefas: Treinamento operacional (militar), aluguel de
casas ou esconderijos, treinamento para lidar com explosivos, e estudo de
identificação de alvos. Um pouco antes do atentado, os radicais voltam a se
comportar como ocidentais normais, tentando escapar da vigilância e da cap-
tura antes do ataque terrorista. A maioria dos ataques executados no Ocidente
pelo Movimento Jihad Global, desde o 11 de setembro, foram realizados por
células domésticas: Moram ou estudam grande parte de suas vidas nos EUA
ou Canadá, em países da Europa ou Austrália. São um ativo pronto: falam
idiomas ocidentais, conhecem a mentalidade e o estilo de vida e possuem
documentação como ID, passaporte ou carteira de habilitação.
194 Terrorismo
O próprio líder Bin Laden, nos “documentos de Abbottabad”, encontra-

dos na ação que o vitimou, mostram que se “devem considerar os emigrantes
iemenitas que voltam a visitar o Iêmen e possuem vistos ou cidadania ameri-
cana, e que poderiam realizar operações dentro dos Estados Unidos”. Ainda
segundo o documento “Dois fatores determinam se as pessoas estão dispostas
a lutar e morrer. Primeiro, deve haver uma fusão com o grupo, e em segundo
lugar essa fusão deve ser grande a ponto dos membros se enxergarem como
fisicamente fortes e invencíveis, acreditando possuir poderes sobre-humanos
...”. E continua ... “O Estado Islâmico precisa de muitos inimigos lutando em
seu terreno: as forças ocidentais do Oriente Médio. Ou, segundo preconiza
um hadith (religioso conservador) “quando um exército de bandeiras negras
se erguer em Khorasan, tal exército preparará o terreno para o imã Mahdi,
o Décimo Segundo Imã, – ou o Imã “Oculto” – o qual governará o califado
que trará ‘A Hora’, o fim dos dias, trazendo o Apocalipse....”
O Estado Islâmico e financiado pelo petróleo, pois controla áreas de
dois países ricos nessa ‘commodity’: Iraque e Síria. Cálculos indicam que o
EI ganha, apenas em um dia, US$ 1,5 milhão de dólares em petróleo vendido
através de poços em território sob seu controle. No Iraque, por exemplo, o
EI invadiu o Banco Central do país, roubando mais de US$400 milhões de
dólares de seus cofres.
Segundo o “Annual Threat Assessment”, de 2021 desenvolvido pela
Comunidade de Inteligência Americana, EI e Al Qaeda continuam sendo
os maiores grupos terroristas sunitas a ameaçar os interessem americanos
além-mar. Também planejam e elaboram planos de ataque dentro dos Estados
Unidos, apesar do próprio país e aliados americanos na luta contraterrorista
conseguirem diminuir suas capacidades para efetivá-los. Terroristas solitários
e pequenas células em território americano com fortes motivações ideológicas
também são uma séria ameaça. O grupo radical libanês Hezbollah planeja e
conduz contra os interesses americanos e de seus aliados mundo afora e tenta
expulsá-los de toda a região do Oriente Médio, aumentando tensões na região.
O Estado Islâmico, mesmo apor ter perdido seu líder máximo, continua
operando uma prolongada insurgência no Iraque e na Síria, apesar de uma queda
nos ataques no Ocidente desde seu pico em 2017, esses ataques ainda são prio-
ridade para o grupo. O EI continua a tentar expandir sua influência na região, e
por eles estão sendo atacados líderes locais, elementos das forças de segurança,
infraestrutura e esforços de reconstrução. A ideologia do EI ainda encontra muitos
seguidores. O grupo continua usando a mídia e encorajando apoiadores pelo
mundo afora a realizar ataques descentralizados de sua coordenação. Mas uma
certa degradação atual nas capacidades de comunicação dificultará o grupo a
inspirar novos ataques e atrair novos recrutas e novos apoiadores.
A liderança da Al-Qaeda nos últimos anos também sofreu serias derrota,
mas líderes remanescentes continuam a encorajar uma cooperação com outras
facções terroristas e a incentivar ataques contra os Estados Unidos e outros
alvos internacionais. Membros da Al-Qaeda no Sahel e Somália obtiveram
avanços nos últimos dois anos, mas ultimamente tem sofrido reveses por
toda parte, e perdendo líderes e a sua capacidade de manobra no Norte da
África, Sul da Asia, Síria e Iêmen.
O Hezbollah, em coordenação com o Irã e grupos xiitas aliados, con-
tinuam a desenvolver capacidades terroristas, e os ataques dissuasórios e
retaliações são os instrumentos adotados atualmente contra esse grupo. O
foco do Hezbollah na redução da influência americana no Líbano e Oriente
Médio se intensificou após a morte do Comandante da Força Quds da Guarda
Revolucionária Islâmica, Qasem Soleimani, o “Comandante das Sombras”.
O grupo ainda tem a capacidade militar ativa e possibilidade de atacar alvos
de interesse dos EUA dentro do Líbano e fora dele.
O Partido de Deus, ou Hezbollah é uma organização xiita fundamenta-
lista fundada por Abbas Musawi durante a guerra civil libanesa (1975-1983).
Essa organização desempenhou destacado papel na luta contra a permanên-
cia de forças israelenses no sul do Líbano, o que garantiu forte prestígio. O
Partido de Deus conseguiu, através da guerra irregular, o que nenhum outro
exército havia conseguido, ou seja, que forças israelenses cedessem território.
Após essa retirada, o Hezbollah se estruturou como partido político, conquis-
tando 60% dos votos no sul do país. A organização realiza diversos serviços
sociais e tem até um canal de TV. Também tem forte apoio iraniano e sírio,
onde consegue fundos e grande suprimento de armas e outros equipamentos
bélicos, como misseis e foguetes de curto e médio alcance.
Clausewitz fazia largo uso da expressão “destruição das forças milita-
res do inimigo”14. No século XX, seu pensamento influenciou diretamente a
doutrina militar com frases marcantes como “o desarmamento do inimigo
era o objetivo de qualquer ato de guerra” ou “desarmar o Estado” e que era
“preciso conquistar território”, às vezes nem sempre empregadas em sentido
estrito, mas que forças militares teriam que ser colocadas em certas condições
para que se tonassem incapazes de prosseguir o combate.
Todavia exemplos de guerras e conflitos, muitos deles recentes, como os
franceses lutando na Argélia, ou os Estados Unidos lutando no Vietnã, ou mesmo
o Exército Português lutando em Angola e Moçambique, foram três exemplos
onde forças de países desenvolvidos não foram batidos no campo militar, mas
acabaram sendo derrotados no campo moral de forma inconteste. Segundo Sig-
mund Newman “[...] a guerra moderna é de natureza quadrupla, diplomática,
econômica, psicológica, apenas como último recurso, militar...”. Entretanto, não
podemos esquecer uma lição muito importante, na esteira desses conflitos, e que
alguns militares e comandantes pelo mundo, ainda não entenderam de fato:
que a matança indiscriminada de camponeses apenas fomenta mais guerrilha.
Nos exemplos acima e em outros dessa natureza, nos combates irregu-
lares, em campos de batalha assimétricos, e na chamada guerra de quarta
geração, fica comprovado que o centro de gravidade se encontra no apoio da
população. A guerra de natureza assimétrica, em sua essência, resume-se à
uma luta pelo apoio da população.
196 Terrorismo
As campanhas dos Estados Unidos tanto no Iraque como no Afeganistão,

provou que essa luta pelo apoio popular tem dois modelos distintos: o ocidental
e o islâmico. De certa forma os preceitos que norteiam os militares dos EUA
foram fundamentados na contra insurgência britânica na Malásia nos anos 50.
Ações como o grupo Harkat-ul-Mujahidin (HUM) do Paquistão, Jihad
Islâmica egípcia, ou da Frente Islâmica de Salvação (FIS) da Argélia, apresen-
tam entre si muitas distinções. Muitas organizações terroristas hoje, dentro
do campo das operações psicológicas, fazem do terror um fim em si mesmo,
chamando a atenção negativamente da opinião pública, causando uma certa
revolta da população e perdendo assim o necessário apoio. Duas organizações
têm se destacado por notáveis feitos e tem uma base popular muito sólida:
Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) e Hezbollah (Partido de Deus).
O Hamas é o Movimento de Resistência Islâmica fundado no ano de 1946,
através de uma filial da Irmandade Muçulmana. Desenvolveu ao longo do tempo
um forte vínculo com a população da Faixa de Gaza, com instrução dogmática
e assistência social. O chamado Sheik paraplégico Ahmed Yassin expandiu os
quadros e a estrutura do Hamas também para a Cisjordânia. Também partiram
para a luta armada. No advento da primeira intifada em 1987, o Hamas foi
protagonista. As condições difíceis de campos de refugiados na Cisjordânia, na
Faixa de Gaza e no sul do Líbano, representam condições apropriadas para o
proselitismo radical e consequentemente a violência. O pragmatismo do Hamas
tem levado a ganhar o apoio da população. Seus êxitos podem ser medidos no
processo eleitoral e respaldam a proficiência de seus métodos.
Comparar ambos os modelos de luta pelo apoio popular, tanto o modelo
ocidental de conquista de “corações e mentes” como o islâmico “reformar a
alma e iluminar as mentes”, permite ampliara a compreensão dos conflitos do
século XXI, pois, sendo aparentemente iguais, escondem grandes diferenças
estratégicas e de concepção.
“A guerra contra o terror não será ganha na defensiva. Devemos levar a

batalha ao inimigo, interromper seus planos e enfrentar as piores ameaças
antes que surjam. No mundo em que entramos, o único caminho para a
segurança é o caminho da ação.”
George W. Bush
Países devem estar preparados para enfrentar essas ameaças de grupos

de guerrilha, ameaças terroristas e do crime organizado sabendo que não
será uma batalha rápida e decisiva, mas um conflito longo e doloroso. Essa
luta sem tréguas será o grande desafio da nova ordem de poder mundial.
O conceito de violência extremista é de crenças e ações de indivíduos ou
grupos que empregam a violência extremista para a consecução de objetivos
de natureza política, ideológica, social, ética ou religiosa. Inclui a insurgência
criminal, insurreição, a subversão, ou terrorismo buscando mudanças por
meio do medo, da intimidação, da ameaça, da chantagem, cooptação, da

coerção e da violência brutal (terrorismo físico e psicológico).
Sem dúvida os eventos do atentado de 11 de setembro de 2001 às Torres
Gêmeas, foram um divisor de águas em relação à Nova Ordem Mundial e as
ameaças à segurança internacional. Houve uma evolução da chamada Guerra
Irregular, e nos cinco continentes, já é consenso que o conflito armado do século
XXI será o Conflito Irregular Assimétrico.
As organizações terroristas pós-Guerra Fria se transformaram de forma
radical, e são profundamente diferenciadas de outras formações daquele
período. Esse é o primeiro ponto que tem que ser levado em conta para uma
condução eficiente e eficaz na prevenção e combate ao terror, e a seu conse-
quente comando e controle.
No terrorismo clássico, a bandeira era a revolução e a tática agia com o
objetivo de intimidar os segmentos sociais que apoiavam o governo, criando
um ambiente de insegurança e violência, desestabilizando governos.
Hoje o terrorismo vive em um mundo globalizado, onde a violência
extremista se transformou em instrumento de projeção de poder. É eminente-
mente estratégico e tornou-se um fim em si mesmo. É o chamado “terrorismo
transnacional contemporâneo”.
Enquanto o terror na era da Guerra Fria, tinha objetivos bem definidos,
que eram conseguidos através de uma negociação, as organizações terroristas
atuais operam de forma indiscriminada, tendo a ideia-força de que “quanto
maior a destruição melhor” (e não há negociação).
A nova logica ficou totalmente prejudica pois agora a ameaça é feita por
assassinos fanáticos, visando causar grande terror, e sua própria morte é um meio
de alcançar o paraíso. O terror passou a ser um fim em si mesmo. O terrorismo
de hoje ganhou um refinamento altamente eficiente e eficaz, em táticas, técnicas
e procedimentos (TTP), com capacidade militar altamente especializada.
A luta contra o terrorismo e a sua neutralização, só conseguirá ter êxito
com abordagem holística (medidas políticas, econômicas, psicossociais, mili-
tares e tecno-científicas) de caráter multilateral. Essa luta é dividida em anti-
terrorismo e contraterrorismo.
Antiterrorismo é a prevenção, à montante da ação terrorista, que se
constitui em ações para a proteção, ostensiva ou não, com caráter ativo ou
passivo, com o objetivo de dissuadir as ameaças.
Contraterrorismo é o combate, no momento e à jusante da ação terro-
rista, que engloba medidas ofensivas de caráter repressivo, a fim de anteci-
par, dissuadir, impedir ou limitar os efeitos e responder as ações terroristas,
depois delas acontecerem.
O Contraterrorismo se divide em dois:
Proativo – são os esforços de caráter ofensivo e repressivo com o pro-

pósito de impedir um ataque terrorista, antecipando-se a ele;
Reativo – são os esforços de caráter ofensivo e repressivo visando res-
ponder explicitamente ao ato hostil;
198 Terrorismo
As Forças de Operações Especiais estão plenamente capacitadas para

realizar operações de prevenção e combate ao terrorismo desenvolvendo as
missões e tarefas a seguir:
 Realizam operações de inteligência proativas para coletar informa-

ções sobre as atividades terroristas (motivações, TPP, lideranças etc.);
 Ataques físicos preventivos a estruturas físicas e redes cibernéticas;
 Resgate de reféns ou captura de materiais sensíveis nas mãos
de terroristas;
 Ações não letais, para neutralizar as motivações ideológicas dos terro-
ristas, empregando diversos meios, incluindo Operações Psicológicas.
Os terroristas da atualidade têm também um forte vínculo com notórias

organizações criminosas, visando atender as suas necessidades econômico-fi-
nanceiras, caracterizando o fenômeno do narco-terrorismo.
As organizações terroristas aliaram uma mão de obra altamente espe-
cializada com instrumentos de tecnologia de ponta disponíveis no mercado,
evoluindo também suas TTP. O planejamento passou a ser meticuloso e
detalhado, utilizando reconhecimento especial, realizando ensaios realísticos
e testes de armamento, tendo inclusive usado técnicas de Ações de Comando,
como foi o caso do ataque em Mumbai. Se tornaram combatentes profis-
sionais de alto nível, não objetivando exatamente a criação de “Exércitos
de Libertação”, mas altamente focados no preparo e emprego de técnicas,
táticas e procedimentos de guerra irregular.
Quanto maior a capacitação dessas células terroristas, mais vai demandar
forças militares especializadas, de Emprego Geral e de Operações Especiais,
para operações de antiterrorismo e contraterrorismo, além de operações de
inteligência. Além disso, deve-se criar também ambiente operacional mul-
tidisciplinares interagências, como o criado na ocasião dos Jogos Olímpicos
do Rio de Janeiro em 2016.
Notas:
1. Convenções de Genebra são uma série de tratados formulados, definindo normas
para leis internacionais relativas ao Direito Humanitário Internacional. Essas con-
venções, formuladas em Genebra, na Suíça foram o resultado de esforços de Henri
Durant, motivados por horrores em que foi testemunha na Batalha de Solferino. Os
tratados foram elaborados durante quatro convenções de Genebra, acontecendo
entre 1864 e 1949, definindo direitos e deveres de pessoas, combatentes ou não,
em tempos de guerra.
2. Bruce Hoffman, em “Inside Terrorism”, p. 40.
3. Muhammad Al Wahhab (1703-1792) foi um estudioso islâmico, líder religioso,
ativista e teólogo na Arábia Central. Fundador homônimo do movimento Wah-
habi. O rótulo “wahhabi “não é reivindicado por seguidores, mas empregado por
estudiosos ocidentais e por críticos.
4. Corão ou Alcorão é o livro agrado do Islã. Considerado pelos mulçumanos a palavra

literal de Alá (Deus em árabe). Foi revelada ao longo de vinte e três anos à Maomé.
Maomé é o profeta final, enviado para pregar a mesma mensagem de Jesus e de
Moisés, que teria sido corrompida ao longo dos anos.
5. Império Abassida ou Califado Abássida foi o terceiro califado islâmico. Governado
pela dinastia Abássida de califas. Eles construíram Bagdá após a derrubada do
Califado Omíada, cuja capital era Damasco. Prosperou por quase dois séculos,
mas entrou em declínio com a ascensão do exército turco, que eles mesmos criaram
(mamelucos). Foi exterminado a partir de 1258, quando o cã Hugalu dos mongóis
saqueou Bagdá.
6. Sayyid Qutb, “Milestones” (“Marcos ao longo do Caminho “), de 1964.
7. Entrevista com Alessandro Visacro.
8. Firstenfeldbruck, na Baviera (Alemanha).
9. Peter de La Bilière é general do exército britânico. Foi diretor das Forças Especiais
do Reino Unido (SAS) durante o cerco da Embaixada Iraniana. Foi comandante
da Operação Mikado durante a Guerra das Malvinas e comandante das tropas
britânicas durante a Guerra do Golfo.
10. Aeroporto de Lod (atual Ben Gurion), em Tel-Aviv.
11. General Stanley McChrystal , em “Team of Teams.
12. General Álvaro de Souza Pinheiro, em “Ambiguidades Estratégicas da Violência
Extremista e do Conflito Irregular Assimétrico do Século XXI”.
13. Vanessa Neuman, em “Lucros de Sangue”.
14. Clausewitz, “On War”.
COMBATE AO
TERRORISMO
A
coordenação , controle e sincronização devem ser exercidas por um
Sistema de Comando e Controle (C²), universalmente identificado pela
sigla C4ISR (Comando, Controle, Comunicações, Computadores, Inte-
ligência, Vigilância e Reconhecimento, operando em uma concepção de
Guerra Rede-Centrica1, abrangendo também uma arquitetura multidisciplinar
interagências, possibilitando uma expansão do compartilhamento simultâneo de
dados e informações, e resultando em uma consciência situacional mais acurada.
Na concepção desse C² voltado para as missões de Operações Especiais
devem ser considerados os seguintes aspectos:
 Dispersão geográfica dos elementos de Operações Especiais no

terreno e em ambientes hostis;
 Necessidade constante de sigilo;
 Emprego descentralizado de frações no terreno;
 Uso de módulos de combate flexíveis e adaptáveis;
 Emprego integrado de elementos não cinéticos (Inteligência, Guerra
Eletrônica, Operações Psicológicas e Operações de Informações);
 Coordenação com forças locais de segurança.
Em termos de tecnologia para o C² voltado as forças especiais, os equipa-

mentos e dispositivos devem ter, necessariamente, os recursos de comunica-
ções integradas, gerenciamento de informações em tempo real (com difusão)
e sistema de apoio às decisões. São características básicas para estrutura de
tecnologia de informações e comunicações: confiabilidade, estabilidade, flexi-
bilidade, interoperacionalidade, gerenciamento fácil, mobilidade, segurança,
e, por último, recursos de dados e imagem em tempo real.
O sistema também cumpre com uma sincronização plena de três fun-
ções operacionais:
• Sensoriamento (terreno fisiográfico, meteorologia, terreno humano);

• Processamento (tomada de decisão e implementação);
• Atuação (neutralização de ameaças).
Essa redefinição é bastante positiva no relacionamento entre escalões

superiores e escalões subordinados. Com o apoio da inteligência, comandan-
tes podem decidir com rapidez e oportunidade, possibilitando, nos níveis
estratégico, operacional e tático) a manutenção da iniciativa das ações e uma
postura proativa necessária.
Esse “sistema de sistemas”, em sua estrutura de comando e controle,
abarca o Comando Conjunto (com Centro de Coordenação de Operações Con-
juntas e quatro subdivisões – terrestre, marítima, aérea e de operações especiais).
Uma atenção maior deve ser dada a “Análise do Risco de Ameaça”,
documento que vai catalisar todo o processo de planejamento e execução das
atividades e responder aos ‘Elementos Essenciais de Inteligência” de cada
204 Combate ao Terrorismo
grupo terrorista. Hoje esse alcance só é possível com cooperação externa e, em

se tratando de grupos árabes radicais, será consultado também a inteligência
israelense (Mossad e Shin Bet).
Metodologia de Combate ao Terrorismo
Fonte: adaptado por Marcelo Pires.
Em um teatro de operações ou em um grande evento, a concepção de Con-

traterrorismo ofensivo, proativo ou preemptivo deve estar ativa. Essa concepção
inclusive, é bastante divulgada e consagrada no meio militar, mas, pouco conhe-
cida nas Forças de Operações Especiais de manutenção da Segurança Pública.
Ela preconiza que, para a neutralização de uma célula terrorista, é neces-
sário negar o seu acesso ao objetivo colimado, ou seja, interditá-la antes de
sua ação no objetivo. O comando e controle, para isso deve estar ciente das
etapas do planejamento de um atentado:
• Seleção de Alvos;
• Levantamento de Inteligência e Vigilância;
• Seleção do Alvo específico;
• Vigilância pré-ataque;
• Planejamento Final;
• Ensaios;
• Ataque (ação no objetivo);
• Fuga e Evasão;
• Exploração (aproveitamento do êxito).
O Comando Conjunto, na sua Campanha de Contraterrorismo, atuando

com flexibilidade e agilidade, deve estar integrada com as operações de
inteligência e com conexão com as Ações Diretas e Indiretas, levando em
consideração que as ações são escalonadas, e de acordo com a intensidade da

ação cinética de combate, desde impedir até destruir.
Fluxograma de combate ao terrorismo
As Forças Especiais organizam-se rotineiramente para fins de comando

em controle (C4ISTAR), em Forças Tarefas Conjuntas, pois já possuem extrema
competência profissional multidisciplinar (“interagências”). O comandante
dessa força, devidamente assessorado por seu estado-maior, deve ser também
o Coordenador da Ação Contraterrorista, quando ocorrem indícios de um
incidente terrorista.
Visando as ações cinéticas futuras (de Combate) esse coordenador
assume o controle operacional das Forças Antiterrorismo, tanto militares
quanto policiais em presença.
O adestramento de elementos militares e policiais de elevado nível hie-
rárquico é complexo e muito específico. Deve ser realizado no formato de
Estudos de casos, baseados em situações criadas em função da situação de
risco ou evento crítico. Também o CACT (Coordenador da Ação Contrater-
rorista) deve realizar adestramentos visando estabelecer laços táticos com
todos os elementos envolvidos.
Em função de análises de riscos de ameaças, levando em conta a conjunta
global, nacional e regional, alguns tipos de ameaças se sobressaem:
• Grupos terroristas transnacionais contemporâneos, de origem fundamenta-

lista islâmica, a partir de plataformas terrestres na fronteira, principalmente
da região da Tríplice Fronteira, com grande comunidade muçulmana;
• Criminalidade organizada nas grandes metrópoles, principalmente no eixo
Rio de Janeiro – São Paulo, com ações de narcoterroristas comprovando
a caótica situação da Segurança Pública nos Estados;
• Grupos criminosos como os carteis colombianos e mexicanos, FARC, Mafia
russa, servia ou chinesa, em conluio com organizações criminosas orga-
nizadas de algumas metrópoles brasileiras.
Por fim, nestas ações cinéticas de prevenção e combate ao terrorismo (Anti-

terrorismo e Contraterrorismo) exige-se uma criteriosa seleção de pessoal, alto
nível de trabalho de comando e adestramento, bem como o comprometimento
máximo de todos os elementos com o cumprimento de missões de defesa da
soberania e da integridade nacionais.
Grupos Terroristas2
Estado Islâmico
O Estado Islâmico, ISIS ou Daesh é uma organização jihadista islâmica

de orientação salafista (sunita ordodoxa) wahabita criada após a invasão
do Iraque em 2003. Também é conhecido pelo acrônimo inglês ISIS (Islamic
State of Iraq and Syria). Opera no Oriente Médio, Asia e África, muitas vezes
designado, pelos seus opositores árabes pelo acrônimo Daesh (‘Estado do
Iraque e do Levante’). Em 2014 passou a se autodenominar Estado Islâmico
autoproclamando-se um califado sob a liderança de Abu Bakr al-Baghdadi
(morto em operação das Forças Especiais dos Estados Unidos na cidade de
Barisha, no noroeste da Síria, em 26 de outubro de 2019. Sucedido por Abu
Ibrahim al-Hashimi al-Qurayshi no mesmo ano.
Na madrugada de 2 para 3 de fevereiro de 2022, al-Qurayshi, um dos ter-
roristas mais procurados do mundo, foi morto em uma operação noturna de
contraterrorismo, realizada por uma força de Operações Especiais dos EUA
(CAG- Força Delta), na província de Idlib, no noroeste da Síria. O ataque aero-
transportado foi planejado por meses A região de Idlib é amplamente controlada
por combatentes apoiados pela Turquia e lugar de homizio para terroristas da
Al Qaeda. Essa operação ocorreu quando o EI tentava ressurgir, realizando uma
série de ataques na região, incluindo um assalto de 10 dias, no final de janeiro,
com a finalidade de tomar uma prisão. Nesse último ataque os curdos perderam
mais de 120 homens, entre combatentes e funcionários da prisão, na intenção de
frustrar o plano do Estados Islâmico em libertar terroristas sêniores da prisão.
Forças Especiais dos EUA aterrissaram em helicópteros, atacando uma
casa, nessa região noroeste da Síria controlada por rebeldes, entrando em
confronto por mais de duas horas com terroristas. Tiros de metralhadoras
e fuzis, além de fortes explosões sacudiram a cidade de Atmeh, na fronteira
turca. Um dos helicópteros MH-60M, usados na ação apresentou “um pro-
blema significativo de manutenção”. Após pousar, a aeronave foi evacuada e
explodida no local. Locais testemunharam um grande ataque terrestre, com
as tropas americanas usando megafones pedindo que mulheres e crianças
deixassem a área. dados de rastreamento de vôo, sugeriram que drones
também circulavam na cidade de Sarmada e na vila de Salwah, ao norte do
local da operação. Qurayshi explodiu a si mesmo e sua família, quando se
encontrava encurralado. A coalizão, liderada pelos EUA, com tropas curdas
SDF e YPG3, têm como alvos militantes de alto nível, que fazem parte de
uma célula terrorista secreta conhecida como “Khorasan”.
Características marcantes do grupo:
• Trabalha com marketing e mensagem por vários meios;

• Tem uma marca consistente como signo;
• Tem como linguagem a ameaça e o terror;
• Recrutamento e execuções como entretenimento.
A rápida ascensão e expansão surpreendeu e deixou o mundo estarre-

cido, como afirma o pesquisador Frederico Aranha em seu estudo “Estado
Islâmico – Aspectos Operacionais”4. Combatendo adversários com vasto arse-
nal e adepto a mídias e meios digitais, tornou-se autoridade de um território
tão grande como o da Jordânia, rasgando o acordo de Sykes-Picot5, que havia
demarcado a fronteira Síria/Iraque após a 1ª Guerra Mundial. Seus militantes
conseguem se infiltrar facilmente na imigração em massa para a Europa, se
estabelecendo em áreas periféricas com pouca presença estatal, controlar as
atividades criminosas e equipar redes com armamentos, para desencadear
ações contra alvos de valor simbólico ou estratégico.
Em 27 de março de 2022, durante a Guerra Rússia-Ucrânia, o Estado Islâ-
mico (ISIS) atacou pela primeira vez diretamente, o Estado de Israel. O ataque
ocorreu na cidade de Hadera cerca de 50 quilômetros ao norte de Tel Aviv,
provocando a morte de dois membros da força policial de fronteira (Magav6)
e ferimento em outras 6 pessoas. Os policiais tiveram seus fuzis arrancados
de seus corpos (IMG 4) e usados contra civis no local. Duas organizações que
eram claramente inimigas do EI, Jihad Islâmica e Hamas, parabenizaram o
ataque, o que pode indicar um grande consórcio de grupos terroristas sendo
formado contra Israel. Uma agência de notícias (Amaq) chamou o ataque de
“ataque de comando imersivo duplo por combatentes do Estado Islâmico”. Os
dois agressores, foram baleados e mortos pela polícia local estavam infiltrados
na cidade israelense de maioria árabe de Umm al-Fahm. Em outro ataque
recente, ocorrido cinco dias antes, em Beer Sheva, também reivindicado pelo
Estado Islâmico, 4 civis morreram e outros dois ficaram feridos.
Estado Islâmico – Aspectos Táticos e Operacionais
As operações militares do EI são consideradas mais uma novidade, uma

revolução tática. As violentas ações e atentados de terroristas de vulto não
são voltadas a defesa de uma área de difícil acesso, mas a ofensiva e ocu-
pação de território. Atuando de forma descentralizada e com maestria no
teatro operacional desértico, não possuem apoio aéreo, artilharia, ou carros
de combate, apenas infantaria leve e unidades ligeiras. Pequenos escalões
travam o combate a curta distância e a maioria dos combates são travados
a 100 metros ou até menos. Com extrema competência na preparação de
operações (reconhecimento, treinamento, informações, ensaios com cenários
e maquetes, depósitos de munição e suprimentos avançados), na utilização
do micro terreno (trilhas, construções, escombros, ravinas) e ações noturnas,

facilitando a infiltração, bem como o combate aproximado.
Tanto o Exército Sírio, aparelhado nos moldes do antigo Exército Sovié-
tico, como o Exército Iraquiano, que sofreu uma reorganização em moldes
ocidentais em sua estrutura após as intervenções dos EUA, não foram capa-
zes de resistir aos ataques do EI. O sucesso foi tão grande na conquista de
territórios que permitiu que o EI criasse um Califado aos moldes daqueles
do século VIII ou IX, como preconiza a Sharia, sem prejuízo das chamadas
“Províncias” (filiais orgânicas do Califado instaladas no Egito (Sinai), Mali,
Nigeria, Solia, Cáucaso, Afeganistão, e na Líbia.
Aspectos importantes dessa revolução tática:
• Desenvolvimento e maturação das chamadas táticas “asiáticas”;

• Rompimento com a tecnologia dita “estado da arte”;
• Forma inovadora e transnacional de organização militar;
• Divulgação pela internet de manuais de combate (como faz a Al-Qaeda);
• Ataques a cidades e aglomerados utilizando-se da tática “Flor de Lótus”,
equipes infiltradas e espraiadas em terreno, unindo-se por meio de “saltos”
no centro de comando, atingindo o coração de lótus do inimigo;
• Movimentação infiltração e ações diretas realizadas no período noturno,
a partir de mapas simples, porém precisos usando amplamente o
micro terreno;
• Cenários para ensaios e treinamentos modelados de acordo com a missão
prevista. Treinamentos exaustivos para ações de emboscada, ‘raid’, ou
ação defensiva com organização “ad hoc”;
• Ações preparadas com base em informações obtidas por patru-
lhas, colhidas junto a população civil ou mediante interrogatórios
de prisioneiros.
Isso exige que exércitos regulares repensem e aperfeiçoem sua forma de

atuar frente as ameaças não-convencionais, capacitando e profissionalizando
melhor seus contingentes.
Nota: Técnicas “asiáticas” adotadas pelos chechenos, em seu conflito com a
Rússia, são técnicas aperfeiçoadas para enfrentar um grande e violento poder de
fogo (artilharia pesada e bombardeios). Foram criadas pelos soldados alemães
‘Sturmtruppen’ (Stormtroopers) na Primeira Guerra Mundial, e se tratam de
métodos de infiltração baseados em “enxame” de vários grupos de 10 homens,
lutando com grande mobilidade , para progredir utilizando o micro terreno –
crateras , córregos , detritos e valas , agindo com liberdade para escolher rotas
de ação, desbordando de posições defensivas do inimigo para penetrar com
intensa profundidade rumo aos centros de comando e controle, paiol de armas
ou depósitos de suprimento liderados por um suboficial. O oficial comandante
observava com binóculos, na intenção de descobrir contornos precisos e brechas
nas posições inimigas. Na defesa, esse legado dos alemães dispensa totalmente
dispositivos lineares, e adota posições escalonadas em profundidade, com rotas
de fuga planejadas para a tropa se evadir. Resumindo, uma luta completamente
móvel, na ofensiva e na defensiva, explorando totalmente o terreno. As armas

utilizadas são as de combate aproximado próprios de infantaria, como fuzis de
precisão, bombas, minas, metralhadoras leves, submetralhadoras, facas, pás,
granadas de mão, lança-chamas etc.
Em relação ao armamento adotado pelo EI hoje em dia, são geralmente
armas leves de origem soviética (russa), o fuzil AK (47 ou 100), lança-rojão RPG-7,
metralhadoras leves Pecheneg PKP/PKM, fuzil-metralhador RDP, fuzil de pre-
cisão Dragunov, explosivos como granadas, minas e bombas, além de armas
pessoais de diversas procedências. Com combates descentralizados a curta dis-
tância e unidade tática de 3 a 6 homens com autonomia total ao combate móvel.
Na fase final de ataque, com a utilização de técnicas “asiáticas” por parte
de infantaria leve e pequenas equipes, com ação descentralizada embora coor-
denada, conseguem compensar a falta de armamentos e equipamentos pesa-
dos, forçando o adversário a ser trazido para a “ponta da espada” do combate
aproximado. Passam dessa forma, até o momento do contato, de maneira des-
percebida, evitando o inimigo usar todo o seu potencial de fogo. Ataques com
IED (artefato explosivo improvisados) suicidas ou não, e emboscadas, são
meios preferenciais para levar o inimigo para uma “área de matança”. Seme-
lhantes as técnicas adotadas pelos chechenos contra os russos em Grozny, o
Estado Islâmico explode veículos suicidas acionados por controle remoto ou
não, seguidos pelos ‘technicals’ (camionetes de combate improvisadas, embar-
cadas com metralhadoras e suporte) em grande velocidade metralhando em
grande ângulo de responsabilidade, para depois ocorrer uma rápida dispersão.
Essas táticas adotadas são completamente disruptivas em relação a tec-
nologia, em função de que o sucesso depende não de equipamentos modernos
e ultrassofisticados, mas de habilidade individual, entrosamento de equipe
e iniciativa das frações bem armadas e treinadas. Conseguem se sobressair
perante a abordagem tecnológica adotada por exércitos avançados, como
drones e bombas inteligentes. Segundo a previsão de 1991 de Martin Van Cre-
veld7, “as armas modernas tornaram-se tão caras, tão rápidas, cegas, impres-
sionantes, volumosas e poderosas que transformam a guerra contemporânea
em becos sem saída, ou seja, lugares onde elas não funcionam”.
Além disso, a revolução tecnológica obrigou os Estados que lutam contra
o Estado Islâmico, a reverem e onerarem seus orçamentos militares. Provocou
também uma centralização total na forma de conduzir escalões de combate,
engessando iniciativas e retirando margens de manobra que, apesar de serem
cineticamente superiores, seguem perdendo território face a um exército
terrorista descentralizado e com mais mobilidade.
O caráter transnacional do Daesh tem que ser levado em conta, visto que
membros de seu exército, pertencentes a quase 50 nacionalidades diferentes
lutam em vários teatros de operações espalhados pelo mundo: Líbia, Mali,
Iraque, Afeganistão, Chechênia, Síria etc. e são capazes de se deslocarem com
enorme facilidade por toda essa área, o que facilita sua logística, o suporte
operacional e o tráfico de armas, mesclando-se nesse meio canais comerciais
tradicionais e fluxos de refugiados.
Enquanto isso, linhas de suprimentos e de comunicação dos exérci-

tos ocidentais são facilmente destruídas, com ataques “relâmpagos” bem
coordenados por esse exército terrorista, possuindo bases próprias que são
rapidamente substituídas por esconderijos e depósitos de munição, armas,
suprimentos e explosivos escondidos em locais estratégicos. Para que essa
luta seja vencida, a primeira necessidade é reconhecer conceitualmente o
Daesh como um exército terrorista, e não como um simples grupo terrorista.
Al Qaeda (“A Base”)
Organização terrorista fundada em 1982, no Paquistão, a fim de agregar

combatentes de antigas repúblicas socialistas e voluntários provenientes de
países árabes. A gênese da Al Qaeda está em movimentos islâmicos opos-
tos aos regimes severos do Oriente Médio, entre eles Egito, Argélia, Arábia
Saudita, portanto aprendendo desde muito cedo a sobreviver. Sua ideologia
permaneceu inalterada continuando a atrair seguidores muçulmanos mesmo
enfraquecido no nível prático, em função de mais de 100 ativistas da Al Qaeda
terem sido presos nos EUA e na Europa, nos seis meses seguintes após o
atentado de 11 de setembro às Torres Gêmeas. Mesmo assim a Al Qaeda
regenerou todas as suas células perdidas em pouco tempo.
Possuem uma ideologia de base ampla, uma estrutura renovada, com
grande capacidade de regeneração e organização flexível e diversificada.
A Al Qaeda começou herdando um bom treinamento e infraestrutura
operacional financiada pelos EUA, Europa, Arábia Saudita, dentre outros,
nos anos 80, enquanto o recrutamento era baseado na vasta rede “mujahidin”
criada por Osama Bin Laden, a fim de rastrear “mujahidin” desaparecidos na
“jihad” pós-soviética. Até 1993, a organização terrorista manteve seu ímpeto
e nenhum governo ou grupo tentou parar seu crescimento. Al Qaeda e Bin
Laden, portanto, são produtos dos EUA, e teve sua gênese no período que
a CIA financiou fundamentalistas radicais na luta contra a invasão soviética
no Afeganistão. Com excesso de dinheiro e armas, a coisa fugiu ao controle.
Osama Bin Laden, líder da Al Qaeda, foi o grande pilar e força motriz
da organização, desde a morte de Abdullah Azzam, em 1989. Ele começou a
apoiar campanhas contra “falsos” governantes muçulmanos, e dando assis-
tência vitimados por regimes não muçulmanos, embora seu objetivo fosse o
restabelecimento do califado. A Al Qaeda também conseguiu estabelecer um
vínculo de coalizão com o “GIA” argelino, com o Grupo Islâmico do Egito e
com o grupo “Abu Sayyaf” filipino. Também na Chechênia foi constituído o
“Al Ansar”, sendo o mais violento dos grupos “mujahidin” (responsáveis pelos
principais atentados a bomba). Na Bósnia, os “mujahidin” desenvolveram um
manual da “jihad” com a finalidade de ajudar os colegas europeus a se tornarem
grandes guerreiros.
Quando foi formada pela primeira vez, o grupo se autodenominava “Al
Qaeda” ou “Exército Islãmico”, entretanto Osama Bin Laden desencorajou o uso
do segundo nome. Seu imediato no comando era um iraquiano (Abu Ayoub),

nomeado Emir. Ayoub se distinguiu na batalha contra os soviéticos (Jali) e
foi o responsável por convocar a primeira reunião de recrutamento para a Al
Qaeda, no campo de Farook (Khost, Afeganistão). Nesse campo, os recrutados
eram doutrinados ideologicamente antes de se deslocaram para outros campos
de treinamento, e posteriormente para a frente de batalha contra os russos.
A infraestrutura operacional e organizacional da Al Qaeda é bem dife-
rente de outros grupos terroristas. Difícil de ser detectada ou combatida, essa
organização terrorista desafia agencias de inteligência em todo o mundo. A
Al Qaeda não é um grupo, muito menos uma coalizão. Tem sua base central
no Afeganistão com células terroristas espalhadas por todo o mundo, com
apoio de outros grupos terroristas independentes.
Em 1998 a Al Qaeda foi reorganizada em quatro divisões interligadas:
• Direção estratégica e tática em estrutura piramidal;

• Rede terrorista com alcance global;
• Força de guerrilha (combates no Afeganistão);
• Coalizão transnacional de terroristas ou grupos.
Essa estrutura piramidal era organizada da seguinte forma: abaixo do

Emir Geral estava o conselho consultivo (“shura majis”, constituída de mem-
bros veteranos). Abaixo do conselho estavam quatro comitês operacionais:
militar; financeiro; estudo islâmico (“fatwa”); e mídia e publicidade, com cada
um desses comitês liderados por um Emir. O comitê militar era treinar, plane-
jar e executar ataques, desencadear operações militares. Responsável também
por destinar recursos, conseguir armas etc. O comitê financeiro gerencia os
recursos necessários para sustentar a organização.
A Al Qaeda no Oriente Médio tem apoio público (mas oculto), recebendo
ajuda financeira de fundações islâmicas, e filantropos de toda a região, ou mesmo
simpatizantes ricos em diversos países muçulmanos. Serviços de inteligência
como o MI6 e a CIA admitem que a rede financeira global da Al Qaeda é extre-
mamente sofisticada, sendo bastante complexa, robusta e resiliente. Transações,
negócios e bancos do Golfo Pérsico são utilizados como fachadas. Também arre-
cada fundos se infiltrando em ONGs islâmicas como a “Mercy International”, ou
em diversificados negócios como de barcos de pesca no Quênia (Mombaça), na
indústria de equipamentos hospitalares (Suécia) e fábrica de papel (Noruega).
A Al Qaeda estabelece bases nos países com comunidades muçulmanas
nativas (ou migrantes) e sua infiltração é evidenciada onde quer que muçulma-
nos vivam ou trabalhem. Seu comando é exercido por meio de uma estrutura
vertical de liderança, fornecendo apoio tático e direção estratégica para sua
rede horizontal de organizações associadas e células compartimentadas. Possui
alta mobilidade, resiliência e capacidade de regeneração, o que ficou provado
após o grupo perder a influência no Paquistão, em meados de setembro de
1998. Entretanto, a organização não pode operar isoladamente e a preparação
de um atentado terrorista requer apoio técnico, financeiro e logístico, muitas

vezes com anos de antecedência de seu planejamento.
Após o revés de 1998, o grupo conseguiu se realocar no Afeganistão.
Com a GWOT (Guerra Global ao Terror) e a intervenção americana naquele
país, a partir de outubro de 2001, as células regionais ofereciam treinamento
e logística, além de liderança e recrutamento para a rede global, funcionando
em capacidade plena sem perturbações.
Possuem ênfase rigorosa na reciclagem e na formação, produzindo uma
infinidade de manuais de treinamento, entre eles o multi-volume “Encyclo-
paedia of the Afghan Jihad” (cerca de 7000 páginas), com volumes abordando
táticas, sistemas de segurança e inteligência, primeiros socorros, armas, explo-
sivos, minas e granadas, topografia, sobrevivência, blindados etc. O volume
de treinamento terrorista traz uma seção de táticas intitulada “O efeito das
condições do deserto sobre as operações”, divididas em avanço, ataque, defesa,
retirada movimento, transporte, logística, manutenção. Operando em ambientes
múltiplos pelo mundo, o manual serve para diversos biomas e ambientes, como
o urbano, rural, de montanha, selva, e obviamente de deserto.
A Al Qaeda forma combatentes com a resiliência mental necessária
para o sacrifício, como a maioria dos pilotos do atentado às Torres Gêmeas,
em setembro de 2001, que passaram por forte condicionamento psicológico
e estímulo ao sacrifício, em detrimento a um treinamento militar. Embora
sejam sunitas, operam no nível tático (não estratégico) perfeitamente com
muçulmanos xiitas. Isso é provado por suas ligações com o Hezbollah e com
os “The Liberation Tigers of Tamil Eelam” (Tigres Tâmeis8).
Adere ao modelo de células (denominado “cluster”), onde membros não
se conhecem e nem se reúnem em um mesmo lugar. Suas formas de comuni-
cação não são detectáveis eletronicamente, sendo preferível o contato pessoal.
Aspectos Operacionais:
A maioria dos ataques são desdobrados em quatro fases distintas:
• Equipes de inteligência montam uma vigilância, a fim de observar alvo

estático ou em movimento;
• Ensaio do ataque em terreno da Al Qaeda, utilizando modelos parecido
de estrutura e alvo, baseado em informações de inteligência obtidas;
• Equipe de apoio realiza, já na área do alvo, organização de aparelhos,
equipamentos, armamentos e veículos;
• Equipe de ataque realiza a missão e realiza exfiltração, se for o caso
(quando o objetivo não é o atentado suicida). Em se tratando de ambiente
muito hostil e difícil, o suicídio sempre será preferível.
Talibãs
Três anos após a derrota da União Soviética e a saída de suas tropas do

Afeganistão, numa guerra que durou dez longos anos, e deixou 80000 bai-
xas no Exército Soviético, em 1992, começava uma terrível guerra civil cau-
sada por lutas clânicas pela disputa de poder no país. Em 1994, durante essa
guerra civil, surgiu um grupo conhecido como os Talibãs (“Os Estudantes”).
O embrião desse grupo nasceu no Paquistão, dos anos 80, quando este país,
temendo uma invasão da União Soviética, treinou e financiou um grupo de
afegãos, usando recursos próprios e até financiamento dos EUA, juntamente
com armas e equipamentos americanos.
Depois da guerra, eles entraram e avançaram rápido pelo Afeganistão e
em 1996, já controlavam cerca de 80 por cento do país. Entretanto, em algumas
províncias ao norte do Afeganistão, um grupo denominado ‘Mujahidins’
ainda resistia bravamente frente a esse avanço talibã. Era a chamada Aliança
do Norte. Entre 1996 e 2001 a Aliança do Norte, impediu o avanço dos talibãs
em várias províncias ao norte do Afeganistão. O seu comandante era Ahmed
Shah Massoud, também conhecido como o ‘Leão do Panjshir’, quando repeliu
oito grandes ofensivas do Exército Vermelho ao Vale do Panjshir, local onde
nasceu. Massoud lutou contra os soviéticos desde 1979 até vê-los abandonar
o país 10 anos depois.
Nos anos subsequentes chegou a exercer a função de Ministro da Defesa,
mas logo foi forçado a se retirar novamente para as montanhas do norte, para
lutar desta vez contra o domínio talibã. No dia 9 de setembro de 2001, dois
dias antes do atentado terrorista ao World Trade Center, ele caiu em uma
armadilha da Al Qaeda. Dois homens-bomba árabes que se diziam repórteres
de uma emissora dos Emirados Árabes Unidos, detonaram os explosivos
logo no início de uma suposta entrevista, ferindo Massoud, que não resistiu
e morreu logo depois. Seus seguidores o chamam de Amir Sahib-e-Shahid
(“Nosso Comandante Martirizado Amado”). Massoud foi nomeado herói
nacional do Afeganistão e a data de sua morte é feriado nacional. Conside-
rado também um líder espiritual, foi nomeado postumamente para o Prêmio
Nobel da Paz em 2002.
Ahmed Shad Massoud – O Leão de Panjshir. Foto tirada pelo fotógrafo

francês Christophe de Pontilly enquanto Massoud e alguns militares se
protegiam no interior de uma caverna de um bombardeio do Talibã
Fonte: Museu de Imagens, https://www.museudeimagens.com.br
O termo Mujahidin é muito antigo, remontando aos princípios do Isla-

mismo dos séculos 6 e 7 e começando a ser conhecido no século XIX (1839-
1842) no decorrer da chamada Primeira Guerra Anglo-Afegã. Temendo
uma crescente influência russa no Afeganistão, os britânicos interferiram na
sucessão e apoiaram o Xá Shujah Durrani no trono, após a captura de Cabul
em 1839. Ocorreu então uma guerra de guerrilha liderada pelo emir Dost
Mohammad Barakzai. Os britânicos começaram a recuar, perante o avanço
da guerrilha, até culminar no desastroso recuo de Cabul, em 1842, onde foram
derrotados, e que levou a morte quase 19 mil pessoas.
Com a invasão soviética, em 1979, ocorreu algo similar. Os EUA chegaram
a financiar os Mujahidins nesse período, transformando o conflito em uma
‘guerra proxy’. Naquele momento, os Mujahidins já eram compostos por mais
de 50 facções e clãs diferentes, muitas delas treinadas e armadas no Paquistão,
com armas recebidas dos EUA, China e Arábia Saudita (o próprio Osama bin
Laden se aproximou de uma facção dos Mujahidins em 1984). Após a saída
dos soviéticos, os Mujahidins lutaram entre si, causando uma terrível guerra
civil. Essa guerra civil culminou, em 1994, com a criação do Talibã, pelo Mul-
lah Mohammad Omar. Portanto os Talibãs surgiram dos Mujahidins, mas os
Talibãs do século XXI, tão radicalizados, não se identificam em nada com os
valores dos Mujahidins da guerra contra os britânicos ou soviéticos.
Em outubro de 2001, depois de algumas semanas após o ataque de 11
de setembro nos EUA, que ceifou a vidas de milhares de inocentes, tropas
americanas começaram a chegar ao Afeganistão, e o cenário bélico do Oriente

Médio se incendiou. O Afeganistão, era governado pelos Talibãs, grupo for-
mado por radicais islâmicos, que deram um golpe e conquistaram o poder
após uma longa e sangrenta guerra civil que devastou o país, após a saída da
União Soviética. Sob o domínio desse grupo extremista o Afeganistão virou
um paraíso para grupos terroristas, sendo seu local de homizio e treinamento
para futuros ataques ao redor do mundo.
Os EUA, a frente de uma grande coalizão de países aliados, e em virtude
de o Talibã se recusar a cortar relações com esses outros grupos terroristas,
atacaram e conseguiram derrubar o governo talibã, que se refugiou nas mon-
tanhas, iniciando uma guerra de insurgência que durou mais de 20 anos. O
grupo havia fugido para áreas remotas e montanhosas do país, combatendo
uma guerra de guerrilha contra a Coalizão, que chegou a ter mais de 150 mil
militares de mais de duas dezenas de países. Mas, apesar dessa presença
militar poderosa, os talibãs se mantiveram firmes, e ainda tinham o controle
de quase um quinto do país.
O Governo Trump começou uma serie de rodadas de negociação visando
retirar as tropas, apesar do Talibã ainda estar ativo em muitas regiões do Afe-
ganistão. Essas conversações foram duramente repudiadas pelo governo do
Afeganistão, pois certamente, na ausência de tropas os talibãs reocupariam seu
espaço perdido sem muita luta. Seguindo a trilha de Donald Trump, o atual
presidente Joe Biden iniciou um plano de retirada de suas forças e, exatamente
como foi previsto, os talibãs reconquistaram territórios estão tentando retomar
o poder à força, e no mês de junho/2021 já controlam 80% do país (163 distritos).
Até 11 de setembro de 2021 estão previstas também a retirada total das
tropas da OTAN, com exceção de tropas turcas que ficarão comandando o
aeroporto de Cabul e guarnecendo voos internacionais. Seguindo o ritmo
atual, em breve o Talibã voltará a controlar todo o Afeganistão, sendo con-
siderada uma das mais, senão a mais longa (e inútil) guerra já travada pelos
EUA (20 anos), sem o resultado esperado inicialmente. Os combates se inten-
sificaram entre os rebeldes e o governo de Cabul, todavia alguns combaten-
tes talibãs na cidade ocidental de Herat foram filmados em uma cerimônia
patrocinada pelo governo central entregando suas armas.
Os talibãs aumentaram com o começo da saída das tropas em quase 70%
os ataques contra as forças afegãs de segurança, entre 2020 e 2021. Atualmente
o talibã controle quase 95% do território afegão. Eles conseguiram avançar
muito rápido, mesmo sobre tropas treinadas e equipadas pelos EUA, com uma
forte estratégia de pressão agindo com extrema violência e cometendo grandes
atrocidades, e, dessa forma convenceram aldeias e cidades inteiras de que o
melhor caminho seria se renderem, com uma promessa de vingança e morte
caso alguém resistisse. Ameaçando e coagindo pelo medo diversas regiões,
regiões inteiras capitularam e simplesmente aceitaram as reinvindicações,
obrigando autoridades dos EUA e da Inglaterra solicitarem a retirada ime-
diata de diplomatas e funcionários das respectivas embaixadas e consulados.
Isso indica fortemente que autoridades americanas e inglesas reconhecem

como inevitável e irreversível a queda da capital Cabul para os talibãs.
No dia 15 de agosto de 2021, os Talibãs ocuparam totalmente Cabul, reto-
mando assim o país por completo. Milhares de civis invadiram o aeroporto
de Cabul na esperança de serem evacuados. Há vídeos que mostram pessoas
tentando desesperadamente fugir do país, agarradas de um avião militar
americano em movimento que decolou no dia 16. Algumas delas caíram desse
avião em pleno ar. Militares responsáveis pela evacuação atiraram para cima.
Vários civis morreram nesses distúrbios. Os EUA investiram muito dinheiro
em equipamentos, treinamento e armamento sofisticado para as forças de
segurança afegã. Militares e civis que ajudaram a Coalizão nos últimos anos
certamente serão punidos ou mortos. Mas o armamento que ficou para trás
agora passa para o controle do grupo terrorista.
Com a retirada apressada e desorganizada promovida pelo Presidente
Joe Biden os EUA deixaram cerca de 85 bilhões de dólares em armas e equi-
pamentos para o Talibã. São milhares de veículos, armas e equipamentos que
ficaram para trás na retirada americana, como por exemplo, entre 18 a 23 aero-
naves brasileiras Super-Tucanos A-29, usados em milhares de missões, com
cerca de 30 pilotos afegãos treinados pela Força Aérea americana (informações
não confirmadas indicam que 12 dessas aeronaves conseguiram atravessar a
fronteira), quatro aeronaves C-130, veículos como carros de combate M113
(169 unidades), veículos Humvee (22174 unidades), caminhões pesados (8000
unidades), machine guns (64363) e até helicópteros UH-60 BlackHawk, MI-17
e MD-530 (total de 100 unidades). Óculos de visão noturna (16035 unidades)
e até dispositivos biométricos que têm as impressões digitais, scanners de
retina e informações biográficas de todos os afegãos que colaboraram com a
Coalizão. Alguns desses itens estão sendo comercializados com o Irã. Isso sem
contar as instalações militares, como bases aéreas e militares, destacando-se
o aeroporto de Bagram, totalmente reformado e modernizado, que estão
agora nas mãos dos talibãs, agora muito mais fortes e bem armados com todo
esse espólio de guerra. A China, que investe na nova “rota da seta” afegã9,
tem interesses econômicos fortes e realiza investimentos massivos no país,
construindo rodovias e ferrovias naquela região, obviamente foi o primeiro
país a reconhecer o governo Talibã. Cabul hoje lembra a Saigon do passado,
só que muito pior. Parafraseando um político brasileiro, o Talibã tomou o
poder, o que é diferente de ganhar uma eleição.
A resistência militar hoje é incipiente, ainda se limitando a província de
Panjshir, mas se firma com o filho de Ahmad Shah Massoud, também Ahmad
Massoud. Essa área é uma das poucas do país que não está cem por cento sob
controle talibã. A resistência começou oficialmente em 16 de agosto de 2021,
um dia após a tomada de Cabul pelo Talibã. A liderança política da resistência
de Panjshir está nas mãos do ex-vice-presidente do país Amrullah Saleh. O
vale do Panjshir nunca foi conquistado totalmente, nem pelos soviéticos, nem
pelos americanos e nem pelo Talibã. Isso se deve também, além de seu povo
aguerrido (180000 habitantes aproximadamente), pela sua geografia monta-

nhosa e de difícil acesso, atravessada pela famosa cordilheira Hindu-Kush.
Há atualmente uma unidade de elite do Talibã, denominada Badri 313,
armada e equipada com material de última geração, deixados pelas tropas
americanas ou capturados de forças afegãs, em sua retirada desordenada
em agosto de 2021. O nome dessa unidade faz referência a Batalha de Badri,
onde Maomé, em 13 de março de 624 d.C., tinha por finalidade capturar a rota
de caravanas que seguia para Meca, a fim de financiar e difundir sua nova
religião. Nessa batalha, segundo a lenda, Maomé enfrentou mil homens de
Amir Ibne Hixame, da tribo dos coraixitas, contra apenas 313 homens. Essa
vitória foi vital para a expansão do Islã por toda a península arábica. Essa
unidade começou suas missões em 2017, formadas por guerrilheiros talibãs
altamente combativos, tendo sua especialidade ações em terrenos montanho-
sos, além de outras tarefas específicas de equipes de operações especiais. Não
há muitas informações confirmadas a respeito dessa tropa, apenas indícios
que a tropa é formada por milhares de combatentes, baseados em Cabul. Os
talibãs estão realizando forte propaganda e divulgação, bem como opera-
ções psicológicas intensas em redes sociais, para passar uma imagem atual e
moderna desse grupo.
Talibãs - Aspectos Operacionais
Para compreender a arte operacional e estratégias utilizadas pelo grupo

extremista Talibã, deve-se levar em conta que os insurgentes de 2021 não são
mesmos dos anos de 1990. Eles agora agregam e integram instrumentos de
poder militares e não-militares visando objetivos políticos. O governo afegão
não perdeu a luta porque as forças da Coalizão se retiraram do país e sim, o con-
trário, ou seja, as forças aliadas partiram porque foram literalmente derrotadas
por uma organização militar muito mais adaptável, causando assim a queda
do governo afegão instituído. O grupo radical afegão soube extrair o máximo
de seus combatentes, delineando objetivos específicos e linhas de esforço na
intenção de esvaziar as forças de segurança afegãs, coroando a campanha vito-
riosa com um cerco estratégico à capital Cabul, forçando o governo a capitular.
O plano de campanhas militares, sob a ótica da arte operacional, soube
traduzir perfeitamente objetivos políticos estratégicos em ações vitoriosas
no campo de batalha. O Talibã mostrou que é preciso confiar em uma teoria
abrangente da vitória para orientar suas ações. Com o passar do tempo, o
grupo provou que é capaz de avançar em várias linhas em esforço. Antes, esse
grupo radical insurgente era extremamente hábil na execução de emboscadas
rurais e na colocação de IEDs (explosivos improvisados). Agora, muito mais
que isso, se tornou uma complexa organização que gerencia 80000 (oitenta
mil) combatentes, e bastante habilidosos no uso de mídias sociais.
A sua arte operacional combina operações de informação (incluindo

apelos de anciães tribais) com mensagens em redes sociais como Twitter. As
tarefas são descentralizadas, permitindo a comandantes locais, conhecedores
do terreno e da política nesses lugares, identificar oportunidades e tomarem
iniciativas. Quando essas forças insurgentes alcançam algum sucesso militar,
são reforçadas imediatamente com forças de exploração de reserva móvel
(hordas de comandos embarcados em camionetes e motocicletas), e permi-
tindo ao grupo manter o ritmo no cenário da batalha.
O objetivo do Talibã por muitos anos nunca mudou. Eles queriam o
controle total do país e restabelecer uma espécie de califado islâmico. Na
atual campanha militar o grupo foi extremamente pragmático quanto a esse
objetivo. Essa vitória poderia vir através de acordos diplomáticos, ou por
pura vitória militar, ou mesmo por acordos negociados que deixassem o
Talibã na sede do poder, administrando expatriados e prisioneiros. O grupo
tem a consciência que não pode administrar o país no mesmo estilo em que
era comandado na década de 90.
Agora, os líderes do Talibã estão, além de pragmáticos, muito mais seve-
ros. Não estão dispostos a cometer os mesmos erros de governança de déca-
das passadas. Dizem também que passarão a respeitar os direitos humanos
e vão deixar a população com acesso à internet (o que é pouco provável).
Estão permitindo nesse momento que funcionários do governo permaneçam
em cargos técnicos para garantir que a economia e serviços públicos básicos
e essenciais continuem funcionando. O Talibã conquistou também terre-
nos econômicos vitais, como pontos de passagem de fronteiras, garantindo
assim fundos próprios suficientes para se governar o país. Também fizeram
acordos de cooperação com a China em áreas de exploração de petróleo pelo
Afeganistão, com os chineses adquirindo o controle de várias dessas áreas. A
campanha militar do Talibã contou com quatro linhas de esforço:
• Isolar os militares afegãos e interromper linhas de comunicação terrestres

(sobrecarregando as atividades de logística, principalmente por via aérea,
causando fome, insatisfação e deserções);
• Uso de propaganda sob medida, e operações de informação para minar
o moral do inimigo e tentar destruir a coesão de forças de segurança, uti-
lizando uma sofisticada campanha de guerra psicológica, aproveitando
o uso massivo pela população de aparelhos celulares e desencadeando
uma guerra de informação moderna, semelhante ao estilo russo-chinês.
Explorando imagens de rendições nas redes, com insurgentes utilizando
armamento capturado;
• Uso do terror, para debilitar ainda mais a confiança no governo local,
degradando a capacidade de combate da Coalizão. Dessa vez, ao invés
de utilizar IEDs distribuídos nas estradas ou atacar alvos de alto valor, os
talibãs realizaram uma guerra “nas sombras” com o objetivo de minar a
legitimidade do governo afegão. Empregaram uma campanha secreta de
eliminação de civis e militares, incluindo líderes importantes, ampliando
uma mensagem estratégica de que o regime atual não poderia proteger o
Afeganistão. Paralelamente a isso, optou por destruir a força aérea afegã

no solo, inclusive com a eliminação de pilotos em suas próprias casas;
• Integrar a diplomacia e a campanha militar. O grupo radical aproveitou ten-
tativas de acordos de paz negociados de forma bilateral, ainda sob a adminis-
tração do governo do presidente Trump. Com a estratégia de deixar de lado o
governo afegão, somado a ordem de retirada dos militares por parte do novo
governo de Joe Biden, os esforços de contra insurgência foram degradando-se.
O grupo ainda usaria a cobertura do acordo de paz para se posicionar, cer-
cando os principais distritos e capitais de províncias, usando os mecanismos
de negociação para limitar (ou restringir) o poder militar americano. Nesse
ponto, os EUA não poderiam atacar nenhuma base insurgente, pois o grupo
radical estaria “se retirando” para dar lugar as forças de segurança afegãs, o
que obviamente era uma grande inverdade e um terrível engano. Isso contri-
buiu para o rápido avanço do Talibã sobre Cabul, sinalizando a outros atores
da região que eles precisavam se proteger e começar a tomar providências
para o colapso do governo afegão de Ashraf Ghani.
ISIS-K (EI-K ou Estado Islâmico – Khorasan)
A situação no Afeganistão é caótica com o Talibã comandando completa-

mente todo o país. Mas eles têm um inimigo interno que está se fortalecendo
muito rapidamente: o ISIS-K. Ele realizou um grande ataque dia 26 de agosto
de 2021, no aeroporto de Cabul, antes da saída completa das tropas ameri-
canas, causando a morte de 180 pessoas, com 13 militares americanos entre
eles e mais de 200 feridos graves.
Esse grupo salafista foi formado em 2015, sendo dissidente do próprio
Talibã, tendo em sua composição ex-integrantes da Al-Qaeda, por paquista-
neses radicalizados, e por membros de grupos jihadistas ligados ao tráfico
de ópio. Com uma visão completamente diferente da visão talibã (hanafista,
outra corrente do islamismo sunita), principalmente em relação as imposições
das leis islâmicas no país, os membros do ISIS-K quem a instalação de um
califado global além das fronteiras do Afeganistão.
São afiliados do ISIS, ou Estado Islâmico do Iraque e Síria. O ISIS-K já
controla duas províncias ao leste do país (Nangarhar e Kunar) e o Talibã, até
agora, evita fazer qualquer tipo de ação ou retaliação. Tem aproximadamente
5000 combatentes. E esse número tem crescido em função do aumento e
intensidade do recrutamento, e com a libertação de prisioneiros ex-talibãs.
A ideia é chegar a 10000 combatentes até o final de 2021. O grupo já promo-
veu diversos ataques pelo país e fora dele (inclusive no Paquistão), focados
em atingir muçulmanos xiitas que eles consideram como hereges, e outros
muitos contra o próprio Talibã, ataques intensificados a partir do momento
que o Talibã começou as negociações com os EUA, ainda no governo Trump.
O K do nome vem de ‘Khorasan’ que é como os persas e árabes chamavam
as províncias do leste (Afeganistão e Paquistão). O Talibã então começa seu
governo tendo um forte inimigo interno para combater, inimigo que conhece bem
o seu modus-operandi e procedimentos de combate de guerrilha. O ISIS-K traz

um tipo novo de preocupação para países vizinhos como a Índia. A inteligência
percebe a ameaça de que o ISIS-K pode ser uma espécie de grupo terrorista de
aluguel, que porventura podem ser contratados pelo Paquistão para promover no
futuro ataques em território indiano. Esse grupo mantem uma relação próxima
a outro filiado do ISIS que é o Estado Islâmico do Turcomenistão do Leste (com
membros uigures), apresentando então um forte perigo também para a China.
Al-Shabaab (“A Juventude”)
São fundamentalistas islâmicos, de uma leitura mais radical ainda que

a wahabista, que atuam na Somália (chifre da África), em outros países do
continente e no Iêmen. Tem laços fortes com a Al Qaeda e é considerada orga-
nização terrorista pelos EUA. Possui entre 7000 e 9000 integrantes. Se formou
após desmembramento de uma ala da União das Cortes Islâmicas (UCI), após
a UCI começar a estabelecer concessões e abrir um canal de diálogo com paí-
ses ocidentais. Tem como objetivos instituir a Shari’a e combater os inimigos
do Islã, prometendo a estabilidade e a segurança dentro do país. Destrói
mesquitas e santuários sufis e mantem alistamento compulsório de jovens.
Em 1991 e 1992, após o fracasso do apoio dos EUA na crise humanitária
da Somália ocorreu uma desfragmentação política na região. Em 2006, com
o fim da União das Cortes Islâmicas, teve sua grande vitória com a tomada
de Mogadíscio, com a intenção, segundo essa organização, de estabilizar e
controlar o país. Quatro anos depois assume o controle das regiões do centro
e do sul da Somália. Em 2014, ocorre um ataque de drone que mata seu líder
ou Emir, Ahmed Abdi Godani (a.k.a. Mukhtar Abu Zubair) e, a União Afri-
cana começa então a ocupar o espaço deixado, expulsando e fazendo recuar
o Al-Shabaab para o sul do país.
Mais fortalecida e com grande financiamento, em 2017 realiza seu maior
atentado em Mogadíscio, onde um caminhão bomba, originalmente direcio-
nado para a sede do Governo, explodiu em frente ao Hotel Safari matando
mais de 580 pessoas. Em 2019, a organização realizou um novo atendado com
um carro bomba matando 94 pessoas em um entroncamento movimentado
em Mogadíscio. Em 2021, ocorreu outro atentado em Galmudug, centro da
Somália, matando 30 pessoas. O grupo possui duas estações de rádio, canal
de Youtube e tem perfis em mídias sociais. Tem compartilhamento de fundos
com a Al Qaeda e Estado Islâmico, este último tendo receitas oriundas de
venda de peças históricas de monumentos para o mercado negro.
Também mantem ações piratas em Puntlândia e venda ilegal de carvão
e açúcar para mercados da região, que aportam irregularmente em portos
improvisados na costa somali. Recebe fundos da AQMI (Al Qaeda do Magreb
Islâmico) e suspeita-se também de apoio financeiro proveniente do Boko
Haran, outro grupo terrorista.
A base militar de Camp Lemonnier, em Djibouti, dá apoio as ações mili-

tares antiterroristas ocorridas na região da Somália, principalmente contra
a Al Qaeda no Iêmen e Al-Shabaab na Somália. É a única base permanente
dos EUA no continente africano, com cerca e 4mil e quinhentos soldados.
Também o Djibouti tem a maior presença militar francesa na África e as úni-
cas presenças militares japonesa e chinesa no exterior. Esse país comporta
também a Força Antipirataria da União Europeia composta por países como
Espanha, Alemanha, além da OTAN. Quase 90% das exportações da Etiópia
são realizadas pelo porto de Djibouti.
O Chifre da África é uma região de importância estratégica na porção
leste do continente africano. A modernização do porto de Berbera, localizado
em uma área que está sendo reivindicada pela Somalilândia (Estado não
reconhecido internacionalmente) completaram a fase inicial visando trans-
formá-lo em uma nova porta de entrada de mercadorias para a Etiópia e a
África Oriental, sendo uma alternativa ao porto de Djibouti.
O Chifre da África abriga parcerias econômicas políticas e militares de
Estados extrarregionais, juntamente com países africanos como Somália,
Sudão, Etiópia e Djibouti (esse país abriga a base militar permanente dos EUA
na África, bases militares de origem francesa, japonesa, saudita, espanhola e
italiana, além da única base naval da China fora de seu país). A Rússia, por
outro lado, investe em uma base naval na costa do Sudão, no Mar Vermelho.
Boko Haram (“Educação Ocidental Pecaminosa”, em fulani)
Organização jihadista fundamentalista islâmica sunita, que atua no norte

da Nigéria, que busca a imposição da Shari’a no país inteiro. Atua também
no Chade e no norte de Camarões. Possui armamento mais sofisticado que
o Al-Shabaad. Seus integrantes preferem ser chamados pela alcunha de
Jama’atu Ahlis Sunna Lidda’Awati wal-Jihad (“Pessoas comprometidas com
os ensinamentos do Profeta e da Jihad”). Foi criado entre 2001-2002, em Mai-
duguripor Mohammed Yusuf, que fazia uma leitura crítica da secularização
e a ocidentalização da Nigéria, com a imposição de costumes ocidentais. O
principal objetivo do grupo era realizar ações para purificar as práticas sociais
da religião islâmica no norte da Nigéria.
Em 2009, o governo central olhava com preocupação esse movimento
rebelde, e o reprimiu violentamente através de suas forças de segurança,
matando quase 800 simpatizantes entre eles Yusuf depois de ser capturado e
interrogado. As forças de segurança declararam, após essa ação, que o Boko
Haram havia sido extinto. Os combatentes se reagruparam sob um novo
líder, Abubakar Shekau, e intensificaram sua insurgência e ações violentas. A
primeira dissidência ocorrida no Boko Haram chama-se “Ansaru”, em 2012,
que se opôs a morte de muçulmanos em ataques terroristas e se aproxima do
AQMI (Al Qaeda do Magreb Islâmico- Mali/Burkina Faso/Niger).
Em 2013, os EUA colocam o grupo Boko Haram na lista de organizações

terroristas. A partir de 2015 o Boko Haram busca aproximações com o Estado
Islâmico. Shekau no ano seguinte, se coloca como uma terceira via na busca de
lealdade de apoiadores da Jihad, além da AQMI e do EI. É criada então a ISWAP
– Estado Islâmico da África Ocidental tendo como líder Abu Musab al-Barnawi.
Também em 2016, em virtude de ações extremamente violentas por parte do Boko
Haram, utilizando crianças-bomba e mulheres-bomba, há uma cisão dos dois
grupos (Boko Haram e ISWAP) e cinco anos depois, em 2021, Shekau se imola
em uma tentativa de matar o rival em uma reunião. Al-Barnawi, que manda um
preposto, não comparece a essa reunião e, portanto, sobrevive, começa a fundir
os dois grupos. O Boko Haram tem como características ações extremamente
violentas, como atentados a bomba, saques a aldeias, raptos, estupros, sequestros
e capturas. Possui hoje entre 9 mil e 11 combatentes. Houve uma reativação da
escravidão de mulheres em seus domínios. Sua ação mais impactante, demons-
trando sua pujança militar, foi em abril de 2014, onde 234 estudantes de uma
escola local cristã foram sequestradas por militantes em Chibok. Eles as levaram
inicialmente para a floresta de Sambisa, em um esconderijo do grupo no Sahel.
O grupo, em um de seus modus-operandi, contrata milicianos do sul do
Niger, do Mali e Burkina Faso para as ações terroristas e como recompensa
é distribuído parte dos espólios de guerra nas aldeias invadidas. O Boko
Haram, já matou, desde o seu surgimento, mais de 45000 pessoas e pelo
deslocamento e refúgio de quase 2 milhões de pessoas. Com a fusão com
o Estado Islâmico da África Ocidental, o grupo pode se internacionalizar
ainda mais. A região norte sempre teve uma resistência grande a ocupação
britânica, na época em que a Nigéria era colônia. Esse é uma das razoes do
nascimento desse grupo terrorista na região.
Um outro motivo é a guerra civil da Nigéria ou guerra de Biafra, quando
a tribo dos ‘ibos’ proclama uma república independente de Biafra na parte
ocidental, e que durou três anos, encerrando com a capitulação de Biafra
pela forte repressão da ditadura militar da época. A partir de 1999 é imple-
mentada a Sharia em toda a região norte, mais pobre que o sul. Na região
nordeste, onde a pobreza é mais crítica (crise hídrica pela desertificação do
Lago Chad), e onde o Boko Haram atua, a shari’a não foi implementada
totalmente (apenas no sistema judiciário). É a área onde havia uma forte
ocidentalização das leis islâmicas.
O financiamento do grupo é feito pelo contrabando de madeira, seques-
tros de grandes empresários e estrangeiros, com pedidos de resgate, invasão
de cidades e vendas de produtos agrícolas, roubo a bancos e invasão de
representações do governo (roubo de armas), além disso, há um comparti-
lhamento de fundos com a Al Qaeda. Contrabandistas de armas que atuam
no Sahel vendem ao grupo armas como lança-rojões, camionetes, fuzis e
munições. Muitas armas chegaram também, atravessando todo o deserto,
vindas da Líbia, com a queda do Regime de Muammar Kadhafi. Universi-
tários desempregados (engenheiros e químicos) cooptados pelo grupo se
tornam especialistas em bombas, roubando os insumos de explosivos de

fazendas (fertilizantes), mineradoras ou obtendo-os por meio de assalto a
quarteis militares da região.
O combate ao grupo, ações contraterroristas, esforços de estabilização
regional estão sendo encampadas pela ECOWAS (organização de cooperação
econômica e de segurança da África Ocidental) e pelo G5 do Sahel (G5S-
organização de cooperação para desenvolvimento e segurança), com apoio
principalmente da França, que já trabalha na pacificação do norte do Mali
(Operação Serval e Operação Barkhane). A operação Serval, por exemplo,
começou no início de 2013, atendendo a um pedido da junta militar que gover-
nava o Mali. Mas a corrupção e grupos rebeldes não-jihadistas dos países
envolvidos atrapalham o pleno e eficaz combate da coalizão africana ao grupo.
Al Qaeda do Magreb Islâmico (AQMI)
O Mali é um país que possui provavelmente imensas riquezas naturais,

mas que até o momento, não foram totalmente evidenciadas. A região de Taou-
denni é apontada como um futuro eldorado em razão de suas supostas reservas
de hidrocarbonetos. Outro trunfo do Mali é em função da descoberta de um
gasoduto que permitirá a Nigéria encaminhar seu gás natural para a Europa
via Argélia. Também jazidas de urânio foram descobertas na região de Falea,
interessando até o momento apenas à uma companhia canadense (Rockgate).
AQMI é uma organização salafista jihadista que surgiu na Argelia em
2007. Ela nasceu de outro grupo que se radicalizou, de nome “Grupo Salafista
de Pregação e Combate” (GSPC), que por sua vez deriva do GIA (“Grupo
Armado Islâmico”) no fim dos anos 90.
O GIA era o grupo mais brutal da Argélia, realizando ataques a civis e
muçulmanos, tendo seus membros mais antigos participado da Guerra Civil
Argelina (1991-2002). O motivo dessa guerra foi o cancelamento das eleições
de 1991 por risco de vitória da Frente Islâmica de Salvação (apoiada pela
Irmandade Muçulmana).
Muitos dos generais que formaram o GIA foram generais que partici-
param também da guerra afegã contra a União Soviética, e que voltaram ao
país em meio a essa turbulência política, e entre esses generais está Hassan
Hattab. Tanto a GIA como o Exército de Salvação Islâmico lutavam com o
governo argelino na Guerra Civil. Vencida essa guerra pelo governo em 1997,
e com a aproximação deste com esses grupos, causou uma dissidência da
GIA capitaneada por Hassam Hattab chamado GSPC.
Com o GSPC, o foco principal do grupo é a derrubada do governo arge-
lino e o estabelecimento do califado islâmico no Magreb, e a recuperação
das terras islâmicas perdidas do sul da Espanha e Portugal. Em 2006 houve
uma aliança desse grupo com a Al Qaeda central e o grupo mudou o nome
no ano seguinte (2007) para Al Qaeda do Magreb Islâmico. Portanto a AQMI
é uma radicalização de outra radicalização. Ela se dedica então a criar um

califado regional, “reocupar” o sul de Portugal e da Espanha, desmantelar
o governo da França e da Espanha, desmantelar os governos regionais não
islâmicos (Argélia, Tunísia, Mali, Mauritania, Marrocos), que o grupo chama
de ilegítimos e pretende implementar a Shari’a nas áreas onde opera.
Seu líder foi Abdelmalek Droukdel até 5 de junho de 2020, quando foi
morto por tropas francesas na Batalha de Talahandak. Atualmente seu novo
líder é Abou Oubeïda Youssef Al Annabi (a.k.a. Moubarak Yezid). Tem ligações
fortes com grupos radicais tanto na África como no Oriente Médio. O grupo é
financiado pela Al Qaeda central, através de sequestros e extorsões, por meio
de células europeias radicalizadas, além de tráfico de drogas (provenientes da
Guiné Bissau, de origem da América Latina, inclusive do Brasil), armas e pessoas.
O grupo recebe dinheiro através do leilão de escravizados na Líbia (Estado
Islâmico), e recebe apoio financeiro dos governos do Irã e do Sudão. Ela impor-
tou a mesma estrutura organizacional da Al Qaeda central, com similar divisão
de tarefas (líder Emir, líder militar, comitê político, comitê médico, comitê
judicial, comitê de mídia, setor financeiro e comitê de relações exteriores, além
do conselho de notáveis – espécie de estado-maior e conselho da Shari’a). A
divisão dos militantes é feita em brigadas regionalizadas (do Norte e do Sul).
Tem também uma fundação (Al Andalus Media Fundation), espécie de TV
própria, para doutrinação ideológica, proselitismo religioso, divulgação de
seu pensamento, narrativas, eventos e propaganda de suas ações.
Em 2015, o líder da Al Qaeda central Ayman Al-Zawahiri ordena a divisão
(fatiamento/dissociação) da AQMI, e que cada grupo resultante foque a atenção
de suas atividades em uma região especifica, transformando alguns generais
em emires. Argélia e norte do Mali está a cargo de Abou Oubeïda Al Annabi, A
AQMI da Líbia está sendo comandada por Mokhtar Belmoukhtar e África Oci-
dental está a cargo de Abu Yahya Al Hamman. Belmoukhtar juntamente com o
GSPC, preparou um atentado em 1999, contra o Rally Paris-Dakar, empregando
dezenas de militantes baseados no Níger Os ataques terroristas estão cada vez
mais coordenados e extensos no Mali, Burkina Faso e Costa do Marfim.
No Mali, a AQMI atua fortemente em função de diversos fatores. Com
a dissolução da ditadura de Muammar Kadafi, as forças de segurança desse
país composta por povos berberes, incluindo tuaregues, entrou em colapso.
Os tuaregues, organizados utilizando de armas do exército esfacelado da
Líbia, funda o Movimento Nacional de Libertação de Azawad.
Azawad é a região nordeste do Mali, área ancestral e histórica dos tuare-
gues. Os tuaregues fundam de forma unilateral em 2012 a apócrifa “República
Berbere de Azawad”. O MNLA promove então uma guerra cirúrgica para
expulsar o exército oficial do Mali da área de Azawad. Os jihadistas entram
em choque com o MNLA, e com forças do governo de Mali. Em 2013, a França
juntamente com a Força de Paz da ONU (MINUSMA) promovem a Operação
Serval, e em 2014 a Operação Barkhane, para tentar conter os radicais e paci-
ficar o Mali dividido. Os tuaregues aproveitaram-se da operação Serval para
reconquistar antigas posições. Atualmente as conexões dos grupos jihadistas

AQMI, Boko Haram (Estado Islâmico na África Ocidental), Ansar Dine e
MUJAO conseguem promover ataques coordenados e sem autoria definida,
desestabilizando o governo e toda a região do Mali.
O Wagner Group (grupo mercenário russo) está contratando mercenários,
para a fúria do presidente francês Emmanuel Macron. Ao que tudo indica o
governo do Mali fechou, em setembro de 2021, um grande contrato com o exército
privado russo Wagner Group, a fim de combater os jihadistas do Estado Islâmico
que tentam tomar o poder nesse país.
A França, que mantem cerca de 5000 militares no Saara, e vem apoiando
o Exército do Mali no combate aos terroristas, desde 2014, declarou, por meio
de autoridades de defesa, que é incompatível a manutenção de uma força
francesa junto com a contratação de um grupo mercenário russo, acusado de
praticar crimes de guerra em diversos pontos do mundo. Desde 2014, cerca
de 50 soldados do Exército Francês já morreram em combates no Mali.
A Alemanha, que também mantem cerca de 1000 militares no Mali, tam-
bém expressou forte preocupação com os rumores de que o Wagner Group
passará a atuar no país africano. Os acordos do governo malinês com a Rússia,
contradiria, segundo autoridades alemãs, todos os esforços já realizados com
a Alemanha, França, União Europeia já fizeram no Mali durante 8 anos, e, se
isso se concretizar, retiraria todos os militares.
A presença do Wagner Group no Mali não é mais um segredo. Segundo
fontes militares, há cerca de 1200 mercenários já em atuação no Mali, e ocorre
concomitantemente um recrutamento da empresa para contratar mais 1000
homens. Segundo o Ministro russo das Relações Exteriores, Sergey Lavrov
confirmou a informação, sem dar mais detalhes. Segundo ele, o governo do
Mali recorreu a uma empresa privada da Rússia, pois a França havia anun-
ciado a saída de todas as tropas francesas do Mali até 2022. De acordo com
Lavrov, os acordos realizados com o Wagner Group não têm nenhum envol-
vimento com o governo russo, embora isso aumente o prestigio e a influência
russa na África, retirando assim o Mali da zona de influência da OTAN.
A decisão da retirada francesa dividiu a população local. Uma parte
acredita que realizam uma grande atividade de segurança. Outros acham
que os franceses não atingiram os objetivos de colaboração em defesa, e seria
a hora de partirem.
MUJAO, Estado Islâmico no Grande Saara (EI-GS), Grupo de

Apoio ao Islã e aos Muçulmanos (JNIM), Ansar Dine
O Movimento para a Unidade e Jihad na África Ocidental (MUJAO)

atua nas regiões do Mali, Burkina Faso e Níger e surgiu em 2011, quando o
movimento se separou da Al Qaeda do Magreb Islâmico. Esse grupo dissi-
dente para a se chamar Al Murabitum. Esse novo grupo também se desfaz em
pouco tempo e uma parte dele se associa ao Estado Islâmico do Grande Saara.
A outra parte funda o Grupo de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos em 2017.
O Estado Islâmico do Grande Saara é salafista e jihadista, foi criado,
como já dito, de uma dissidência do Al Murabitun, e pulveriza suas ações
crescentes, com grande arregimentação, no Mali, em Burkina Faso e no Niger.
Oficialmente esse grupo nasce em 2016, quando o líder do Estado Islâmico
(central) Al-Baghdadi o reconhece. Seu líder não é um tuarege, mas um saa-
rauí que fazia parte da segurança do ditador Muammar Kadafi, e que migrou
após o esfacelamento do governo líbio. É o grupo jihadista que mais vem
crescendo na região. Tinha, na passagem em fins de 2020, 500 membros.
Atualmente devem ser em muito maior número.
O Grupo de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos ou Jama ‘a Nusrat ul-Islam wa
al-Muslimin (JNIM), criado em 2017, assumiu a responsabilidade pelos maiores
ataques no Sahel desde o seu surgimento Foi colocado na lista negra do terro-
rismo pelos Estados Unidos em 2018. Composto por vários grupos jihadistas
ligados a AQIM, entre eles a Frente de Libertação do Macina e Ansar Dine, a
aliança JNIM é liderada por um tuaregue do Mali, Iyad Ag Ghaly, um islamita
de 30 anos, ex-diplomata que serviu na Arabia Saudita e se radicalizou para o Islã
salafista, e mantem conexões com financiadores daquela região do Oriente Médio.
O Ansar Dine é um grupo fundamentalista que faz parte do JNIM e age
principalmente na região de Azawad. Foi criado em 2012, formado por tuare-
gues radicalizados O seu objetivo é transformar o Mali em um grande califado.
Especie de movimento dissidente tuaregue. Recebem também o apoio da AQMI.
A Frente de Libertação do Macina é outro grupo pertencente ao JNIM,
e foi criado quando o Ansar Dine em 2015 recuou diante de avanço francês, e
dois pelotões do Ansar Dine ficaram então separados por vários quilômetros. O
núcleo duro de um dos grupos que ficam isolados, após essa operação militar
francesa, era composto basicamente por fulas (ou fulanis, grupo étnico da região
central do Mali). Em virtude disse é criado um grupo identitário, rebatizando
o grupo com outro nome em referência a experiencias de impérios no qual
os fulanis participaram no passado, como o Império do Mali do século XIII
e XIV, Bambará no século XVII e o Reino do Macina no século XIX. Os alvos
principais são soldados franceses, malineses e capacetes azuis da MINUSMA.
Recentemente a França conseguiu eliminar um importante membro
do JNIM, que tinha como responsabilidade o recrutamento e treinamento
de novos membros. Todos esses grupos terroristas, com fortes ligações com
duas “grifes” principais, Al Qaeda e Estado Islâmico, lutam contra a presença
francesa no Mali (Operação Barkhane).
Em 2008, a França foi obrigada a agir diante da acumulação de perigos.
Em seu Livro Branco de 200810, apontava um arco da crise, se estendendo do
Atlântico ao Índico. Desenvolveu-se um Plano Sahel prevendo ações milita-
res, econômicas, de desenvolvimento e de auxílio a governança. A primeira
delas, consistia em aperfeiçoar o ordenamento do aparato militar do Mali. A
segunda consta em ações de cooperação operacional a serem conduzidas por
forças francesas no Senegal. Como terceira medida, equipamentos militares

franceses foram cedidos a países da região. E por fim, fez surgir um dispo-
sitivo secreto denominado “Sabre”, cuja existência as autoridades francesas
negaram por muito tempo. Em princípio, tratava-se de uma força do COS
(Comando de Operações Especiais) que treinaria e capacitava os exércitos
da região em contraterrorismo. A Mauritânia foi a primeira a receber um
contingente. Nesse país, Sabre 1 formou seis grupos especiais de intervenção
em Atar. Sabre 2 foi criado no Mali. Sabre 3 no Níger.
A MINUSMA, força de paz das Nações Unidas que atua na região do
Mali, foi renovada em junho de 2021 por mais um ano, não só para lutar contra
os grupos jihadistas locais, mas também a fim de assegurar que as eleições
desse país ocorram de forma ordeira e democrática. É importante lembrar
que o Mali, nos últimos três anos, sofreu três golpes de estado.
Do outro lado desse espectro, existem grupos extremistas atuando na região
do Mali, e reunidos em um movimento chamado Coordenação dos Movimentos
do Azawad (CMA). São na maioria compostos por nacionalistas tuaregues e
berberes, embora tenham outras etnias em seu meio. A liderança do CMA era de
Sidi Brahim Ould Sidati. Eles se opõem aos grupos salafistas como o Ansar Dine.
Começaram um processo de acordos de paz, dentro de um processo amplo de
estabilização, com o governo de Mali, claudicante ainda em função dos seguidos
golpes de estado, mas que se acelerou em 2021. Em abril, Sidi Brahim sofreu
uma emboscada de grupos fundamentalistas perto de Bamako e morreu, e esse
atentado foi em consequência desses acordos, já em fase bem adiantada, com
o governo, onde previa exatamente a expulsão de grupos salafistas da região.
Estado Islâmico da Província da Africa Central (ISCAP) – ISIS

Moçambique
O nome shabaab (juventude), em árabe, é comum na região, sendo até

nome de um time de futebol (Clube Al-Shabaab). Muito embora tenham
nomes iguais, o grupo que atua em Moçambique não tem a ver com o outro
grupo jihadista que atua na Somália, na África Oriental. Embora possa haver
conexões e contatos, são grupos independentes. A seita religiosa moçambicana
Shabaab surgiu em 2006. Promoviam ataques a noite em vilarejos aldeias
próximas Realizou seu primeiro ataque somente em 2017, em Mocímboa da
Praia. Passaram a estar no radar dos países ocidentais e da ONU no momento
que fizeram uma espécie de alinhamento com o Estado Islâmico.
Em outubro de 2017 uma grande quantidade de homens armados tomou
a cidade de Mocímboa da Praia, que fica em uma província no norte de
Moçambique chamada Cabo Delgado, por 48 horas. Eles desfilaram com suas
armas e munições, roubaram armamento da polícia local, realizaram preces,
hostilizaram e usaram de violência contra a população, principalmente as
moças usando uniformes escolares, matando um total de cinco pessoas. A
ação terrorista chamou a atenção do resto da África e de outros continentes.
Com esse ataque a nova guerrilha jihadista, como agora eram encarados,
mudou completamente seu modus operandi.
O governo moçambicano, sediado em Maputo, já sabia da existência e
da radicalização desse grupo há pelo menos 10 anos antes desse marcante
ataque, mas não deram muita atenção. Maputo, capital do país, fica muito
distante de Cabo Delgado, província ao norte de Moçambique (2600 Km).
Essa província sempre esteve distante do restante do país desde a época colo-
nial, quando os portugueses, dividiam a região com os alemães e britânicos.
Sempre recebeu muito pouco investimento do governo central.
Em Cabo Delgado, moram aproximadamente 2,5 milhões de pessoas. É
uma área extremamente pobre, com altíssimas taxas de analfabetismo entre os
adultos. Também há altas taxas de desemprego entre a população mais jovem.
Na província prevalece atualmente uma maioria muçulmana, entretanto,
entre os anos 2000 até 2010, havia alguma incidência de missões católicas
tentando converter as pessoas.
Grupos criminosos se estabeleceram na área, principalmente no trá-
fico de drogas, tráfico de madeira e contrabando de pedras preciosas. Tudo
começa a se tornar mais complexo ainda quando, no começo dos anos 2000, foi
identificada uma gigantesca jazida de gás liquefeito no mar próximo a Cabo
Delgado, o que não trouxe melhorias previstas para a população necessitada,
com os investimentos que foram feitos.
Em 2007, Suahele Rafayel, da etnia macua, regressa a sua aldeia natal após
passar anos estudando na Tanzânia, e fazendo contato com wahabitas naquele
país, através da Agência Muçulmana de Africanos (AMA), ONG com sede no
Kuwait. Ele se radicalizou, passando a defender uma ideia muito própria do
Islã e começou ter confrontos direto com sufistas (ou sufis) locais e clérigos do
Conselho Islâmico de Moçambique (CISLAMO). Para ele só a instalação da
Lei Islâmica poderia purificar as leituras mais suaves e flexíveis que estavam
predominantes naquela região. Abriu sua própria casa de culto e começou a
angariar muitos seguidores, principalmente muitos jovens, pregando contra
o Estado Laico, contra a falta de investimento social na Província, passando a
alimentar tensões e hostilidades com outros grupos islâmicos menos radicais
e proibindo mulheres de irem as escolas, criando uma espécie de “sociedade
paralela”. O chefe do CISLAMO passou a avisar as autoridades e lideranças
sobre essa insurgência crescente, identificando a radicalização do grupo.
O Governo de Moçambique só começará a agir quando o xeique Rafayel e
seu grupo insurgente passam a propagandear planos de retirada das estatuas que
ficam na entrada da cidade de Mocímboa da Praia (Samora Machel e Eduardo
Mondlane /FRELIMO). O Governo age em 2009 e Rafayel então é expulso de
Cabo Delgado e se refugia na Tanzânia, juntamente com vários seguidores.
Quando esse grupo retorna a Cabo Delgado em 2012, já com um novo
comando de Abdul Shakur. Estabelecem contatos com contrabandistas de
armas e conseguem uma significativa quantidade delas, aumentando seu
poder bélico. Em 2015 começam as ações violentas em Pangane, proibindo
inclusive o consumo de álcool, e sofrem forte repressão do governo. Em 2017,
novos atentados se seguem (ocupação de Mocímboa da Praia, já citada), com

o objetivo de realizar a jihad, estabelecer a shari’a, e tornar Cabo Delgado
independente. Em 2018, conhecido como “ano do terror”, a escalada do terror
se intensifica ainda mais, apesar do governo contradizer, tentando amenizar
a situação, a fim de não causar pânico na população.
Em 2019, o grupo faz um juramento de fidelidade ao EI (ISIS) e muda
seu nome de Shaabab para Estado Islâmico da Província da África Central
(ISCAP), mudando também seu modus operandi, potencializando seus ata-
ques, que agora são coordenados. Governo de Moçambique envia tropas para
auxiliar a polícia em Cabo Delgado. Em 2020, realizam sua ação mais ousada:
invadem sete distritos diferentes de forma coordenada e divulgam vídeos com
conteúdo jihadista. Também nesse ano o projeto de exploração de reservas de
gás é temporariamente abandonado pela empresa francesa Total, em função da
instabilidade regional e falta de segurança. Em março de 2021, o Departamento
de Estado dos EUA acrescentou o ISCAP na lista de grupos terroristas, inclusive
identificando fundos e financiadores provenientes da Tanzânia.
O líder militar atualmente do ISCAP é Bonomade Machude Omar (a.k.a.
Abu Sulayfa Muhammad) e o líder religioso é Abu Yassir Hassan (a.k.a. Abu
Quassim). Bonomade comandou um sangrento ataque no Hotel Amarula, em
Palma, lugar que recebe os estrangeiros ligados aos investimentos da explo-
ração de gás local, degolando 12 hóspedes. O ISCAP ou ISIS Moçambique
foi responsável até agora por mais de 3000 mortes e 800000 refugiados da
província de Cabo Delgado. Em junho de 2021, as Forças de Defesa de Ruanda
(presidente Kagame) mandam um contingente de 1000 homens para a região
de Cabo Delgado para tentar estabilizar a situação, a pedido do presidente
de Moçambique. Essa tropa é especializada em combate ao terrorismo, que
já assola Ruanda na sua fronteira com o Congo.
Em agosto, os soldados ruandeses retomam o controle de Mocímboa da
Praia, Palma e em seguida de todo o litoral, juntamente com militares moçam-
bicanos. É criado também uma Força em Estado de Alerta da Comunidade de
Desenvolvimento da Africa Austral (SADC), pelas autoridades dos países afeta-
dos (Botswana, Tanzânia, Zimbabwe, Zâmbia e outros) para juntar esforços com
os soldados ruandeses na luta contra o terrorismo, e na tentativa de retomar o
projeto de exploração de gás na região. Os EUA mandaram um destacamento
de Forças Especiais para treinar os fuzileiros navais de Moçambique. A França
também propôs cooperação marítima e exercícios conjuntos com a Marinha
moçambicana. E Portugal lidera uma missão da União Europeia também trei-
nando contingentes de tropas do exército moçambicano.
Forças Democráticas Aliadas – Uganda
Após a ditadura sanguinária de Idi Amin ‘Dada’, nos anos 80, surgiram
vários grupos rebeldes armados em Uganda, entre eles o Exército Nacional e
Libertação de Uganda criado por Amon Bazira, responsável por criar uma rede
de inteligência que contribui para a queda do ditador Idi Amin. Outro grupo
radical foi o Exército de Libertação Muçulmana de Uganda (atuando na fronteira

do Zaire). No final dos anos 90, o governo ugandês iniciou uma campanha de
combate a esses grupos rebeldes, que se fundiram para unidos, conseguirem
sobreviver. Em 1996 surgiu dessa forma as Forças Democráticas Aliadas (FDA),
grupo que foi combatido e forçado a se instalar perto da fronteira com o Congo.
Tendo essa localização estratégica, a FDA estabelece bases temporárias
de atuações em ambos os lados da fronteira, tendo fuga facilitada se algum
país intensificar o combate com operações mais incisivas. Naquela região
da fronteira congolesa também estão diversas tribos contrárias ao governo
central, e a FDA consegue facilmente nesse espaço recrutar muitos membros,
inclusive obtendo apoio logístico de pequenas vilas próximas. O Sudão, que
possui diversas divergências com Uganda, aproveita o clima tenso dessa fron-
teira para apoiar a FDA, usando esse grupo terrorista a fim de desestabilizar
o governo ugandense. Em 2011, a FDA ressurgiu com força total, realizando
sequestros e atentados, obrigando milhares de pessoas a fugirem de suas
terras e se refugiarem em outros países, principalmente o Congo.
Em 2015, por meio de um esforço conjunto internacional, Jamil Mukulu
(nascido David Steven), chefe da FDA, foi preso na Tanzânia e extraditado para
Uganda. Em seu lugar assumiu o radical e extremista Musa Baluku, muito mais
violento. Baluku, consolidado como líder da FDA começou a estabelecer cone-
xões com o Estado Islâmico em 2017 (há um vídeo de 2019 com o juramento de
Baluku aos terroristas do EI). Isso transformou a FDA em uma vertente ativa
do Estado Islâmico na região, espalhando sua influência e radicalidade em
Uganda, Congo, Angola, Moçambique, Ruanda, Tanzânia e Quênia. O Congo
resolveu reprimir o FDA, lançando uma forte ofensiva em 2020, resultando na
morte de centenas de terroristas, o que fez enfraquecer o grupo islâmico radical.
Entretanto, em virtude de seus laços com o Estado Islâmico, a FDA se reer-
gueu em 2021, usando apoio logístico e financeiro de outras redes terroristas. O
grupo continua realizando ataques, resultando na morte de mais de 200 pessoas
e em milhares de feridos. Uganda mobilizou tropas para dentro do Congo, a fim
de combater o grupo, em uma operação coordenada dos dois países para reprimir
o grupo insurgente. As áreas de bases da FDA sofreram intensos bombardeios
em novembro de 2021, utilizando artilharia e fogo aéreo, abrindo caminho para
as forças especiais realizarem operações em profundidade, entrando pela floresta
densa, localizando e destruindo bases da FDA, neutralizando o maior número
possível de terroristas. Se isso não tiver resultado, o Estado Islâmico alcançará
uma posição estrategicamente importante na África central.
MONUSCO – Operação de Paz
A MONUSCO-RDC, na República Democrática do Congo, hoje é a mais

complexa operação de paz existente. Um dos seus objetivos é garantir a pro-
teção da população civil constantemente ameaçada por mais de 100 grupos
armados que atuam na região. O Congo abriga uma reserva mineral signi-
ficativa, como diamantes, e ao mesmo tempo, com suas mais de 200 etnias,
tem um dos IDH mais baixos do mundo.
Desde a independência do país, em 1960, essa ex-colônia belga não sabe o
que é ter um período de paz. Há mais de 20 anos, grupos extremistas, facções
rivais e grupos rebeldes lutam entre si ou conta o governo, em busca de poder
e pelo controle do riquíssimo subsolo local. A partir de 2020, a MONUSCO é
comandada pelo general de divisão Ricardo Augusto Ferreira Costa Neves.
A MONUSCO hoje em dia é uma evolução de uma estrutura anterior
da ONU denominada MONUC, que se desenvolveu em função de poder dar
maior capacidade para engajar os grupos armados que atuam principalmente
na porção leste do país. A missão incorporou capacidades que geralmente
inexistem em missões de paz tradicionais como Forças Especiais, aviação
de ataque, drones inteligência humana e unidades de inteligência de sinais.
A força militar da MONUSCO consta com efetivo de 13000 militares
oriundos de mais de 50 países. É composta por uma Brigada de Intervenção
e três Setores (Comandos de Brigada). Esses comandos somam um total de
12 batalhões de infantaria, dos quais cinco são Forças de Emprego Rápido,
além de quatro companhia de Engenharia de Construção, cinco unidades de
aviação (possuindo helicópteros de ataque e utilitários), duas companhias de
Forças Especiais, duas companhias de polícia, 16 equipes de Observadores
Militares, uma equipe brasileira de Instrução de Selva e três hospitais militares
(e clínicas hospitalares anexas aos batalhões).
As operações militares em ambiente multicultural são atividades comple-
xas e são desafios comuns nas missões de paz da ONU. São mais de 100 grupos
armados, tanto autóctones como estrangeiros que cometem as mais diversas
violações, e que atacam tanto as forças de segurança locais como a população civil.
No nível tático o planejamento é feito sempre de forma conjunta, com-
posto por militares da Força, componente civil, e forças de segurança do
Congo (principalmente as Forças Armadas da RDC), aumentando a sinergia
dos diversos ‘stakeholders” que atuam no país, sejam civis ou militares.
No cumprimento da missão, os miliares dispõem de diversas capacida-
des, incluindo meios de combate não convencionais para uma missão de paz.
Entre esses meios estão uma Brigada de Intervenção da Força (FIB), frações
de Forças Especiais da Tanzânia e Guatemala, helicópteros armados MI-8 da
Ucrânia, morteiros pesados de 120mm, drone de longo alcance Falcon Evo
(Itália), RPGs e canhões de 20mm.
Entre as lições aprendidas até agora, comprovando a eficácia de con-
ceitos doutrinários e TTPs (táticas, técnicas e procedimentos, o general
Costa Neves11destacou:
 Validação da doutrina brasileira de operações na selva;

 Eficácia das operações de inteligência;
 Relevância do uso de drones;
 Adequabilidade de missões de Forças Especiais nesse conflito;

 Imprescindibilidade de meios aéreos de transporte;
 Poder dissuasório dos helicópteros de ataque;
 Importância do domínio do campo de batalha informacional;
 Necessidade de um plano de comunicação estratégica estruturado;
 Necessidade de procedimentos que mitiguem os riscos de missões conjuntas
envolvendo diferentes doutrinas próprias e processos de decisão peculiares
em ambiente multinacional.
Notas:
1. Guerra Rede-Centrica é um conceito dentro da luta geopolítica que se encontra
relacionado à criação e formação de redes. A rede é o principal elemento do espaço
informacional, no qual operações de informação são levadas à efeito, para alcançar
objetivos políticos, econômicos, informacionais, técnicos e militares. A essência da
guerra rede-centrica é que não tem começo nem fim, é permanente e perene é o seu
objetivo é assegurar que os grupos ou partidos que conduzam a guerra tenham a
capacidade para manter controle amplo e abrangente sobre os atores internacionais,
O principal front da guerra rede-centrica é o espaço mental. O objetivo do agressor
é destruir valores tradicionais da nação-alvo, a fim de implantar valores tradicionais
dele (agressor).
2. Muitas informações desse capítulo foram obtidas no Curso de Combate ao Terro-
rismo na África, da PUC-RJ, ministrado pelo prof. Alexandre dos Santos.
3. SDF ( Syrian Democratic Forces) e YPG (People’s Protection Units).
4. Frederico Aranha, em “Estado Islâmico – Aspectos Operacionais: Revolução Tática
ou Infantaria Leve na Era Global -Site DefesaNet.
5. O Acordo Sykes-Picot, firmado em maio de 1916, foi um ajuste secreto entre gover-
nos do Reino Unido e França, definindo as respectivas esferas de influência no
Oriente-Médio, considerando a hipótese de derrota do Império Otomano na Pri-
meira Guerra Mundial.
6. Magav é a Polícia de Fronteira de Israel ou Guarda de Fronteira, encarregada da
vigilância fronteiriça.
7. Martin Van Creveld, The Transformation of War.
8. Trigres Tâmeis é o grupo terrorista formado em 1976, que almeja a formação de
um estado independente hinduísta na porção norte do Sri Lanka. Em maio de 2009,
com a morte do líder Velupillai Prabhakaran, ocorreu a vitória das forças oficiais e
a desarticulação dos terroristas hindus. O movimento, segundo seus integrantes,
decidiu “silenciar as armas “para não justificar uma matança dos últimos repre-
sentantes do seu povo.
9. Iniciativa chinesa de um projeto de integração comercial euro-asiática, centrado em
infraestrutura, transporte m comunicação e energia.
10. Livro Branco de Defesa da França, de 2008.
11. General Costa Neves, da MONUSCO em entrevista para a Revista Segu-
rança & Defesa.
OPERAÇÕES
CONTRATERRORISTAS
A missão que matou Abu Bakr Al-Baghdadi (Operação Kayla

Mueller)
E
m 3 de agosto de 2013, Kayla Mueller, uma jovem americana de 25
anos, ativista dos direitos humanos, chegou a Síria. Ela, que desde
fins de 2012, ainda na Turquia, ajudava os refugiados sírios junto a
uma Organização Internacional. Junto com um amigo, agora estava
em Aleppo na Síria. Haviam contratado seu amigo para instalar equipamen-
tos de comunicação no hospital dos Médicos sem Fronteiras local. Todos os
funcionários conhecidos do hospital logo temeram pela segurança de Kayla,
face a guerra civil do país, sendo uma zona bastante perigosa para estrangei-
ros e, muito mais ainda, para americanos. Seus amigos chegaram a levá-la a
uma estação rodoviária, para que pudesse pegar algum ônibus em direção a
fronteira, mas, antes de chegar a esse destino, o carro onde ia foi interceptado
por uma patrulha do Estado Islâmico. Kayla Mueller foi sequestrada, e, dois
anos depois, morreria em cativeiro a mando de líderes do ISIS.
Os Estados Unidos despenderam muitos recursos para tentar salvá-la. Em
julho de 2014, uma operação conjunta entre os Delta Force e os Rangers fracas-
sou em uma tentativa de libertá-la, bem como outros reféns, como o jornalista
James Foley. Em outubro de 2019, levariam adiante a chamada Operação Kayla
Mueller, cujo um dos objetivos era a eliminação de Abu Bakr Al Baghdadi,
considerado o responsável direto pela morte da ativista.
A partir de 2014, um líder do Estado Islâmico começou a chamar atenção
dos EUA e do mundo, com ações de atrocidades contra civis sequestrados na
região da Síria. Se tratava de Abu Bakr Al-Baghdadi. Em 2017, o Departamento
de Estado dos EUA elevou a recompensa pelo seu paradeiro para 25 milhões
de dólares. No dia 26 de outubro, vários países aliados e potências instaladas
na região receberam notificação antecipada de uma operação secreta em curso.
Com um trabalho de inteligência conjunto entre a CIA e os serviços secretos sírios
e turcos, os Estados Unidos conseguiram a localização exata de Al Baghdadi.
A missão era clara: capturar ou eliminar o líder do Estado Islâmico. Era
próximo de meia noite, quando os Delta-Force, após quase uma hora de voo,
embarcados em oito helicópteros provenientes da base de Ain Al Assad no Iraque
(MH-60 BlackHawks e MH-47 Chinooks modificados especialmente para o 1º
SFOD) indicavam a “proa” de Barisha, na província síria de Idlib, com o suporte
de drones e outras aeronaves, bem como navios próximos em apoio. Chegando
perto ao perímetro do alvo começaram a serem alvejados do solo por tropas
do EI. Os operadores aerotransportados de dentro dos BlackHawks reagiram.
Sobrevoando a localidade de Barisha os ataques antiaéreos se intensifi-
caram. Esse fogo cruzado, segundo testemunhas, durou cerca de 30 minutos.
Os MH-60 dispararam um par de misseis que atingiram duas edificações de
onde atacavam as forças americanas, destruindo uma delas por completo.
Com a situação um pouco mais controlada, os Delta Forces desceram dos
helicópteros e passaram a cercar o complexo que sabiam que Al Baghdadi se
homiziava. Lá dentro havia pelo menos 5 elementos do EI armados. O grupo
236 Operações Contraterroristas
de elite, solicitou em árabe que Baghdadi se rendesse. Não obtendo resposta,

decidiram pela invasão do complexo, mas não pela porta principal, que sus-
peitavam estar armadilhada com explosivos. Usaram explosivos plásticos
para abrir um buraco na parede, por onde entraram.
Lá dentro, tiveram que trocar tiros com alguns combatentes, que, segundo
fontes americanas, levavam coletes suicidas. O líder do ISIS fugiu na sequência
para um complexo de túneis em construção ocultos debaixo da edificação e
levando duas crianças com ele. Acabou pegando uma rota de fuga errada e
entrando em um túnel sem saída, com cães das forças especiais no seu encalço.
Conan, um desses cães indicou com precisão o lugar onde se escondia.
Em seguida os Delta Forces, tomando uma decisão em segundos e per-
cebendo o risco de um acionamento de um colete bomba, não realizaram uma
entrada tática, e sim optaram por mandar um robô de desativação, ao se sentir
encurralado e sem escapatória possível, acionou um colete-bomba, suicidando-se
e matando crianças, colapsando também toda a estrutura de tuneis. Não houve
baixas americanas nessa operação, todavia dois soldados e um cão operacional
ficaram levemente feridos (Conan teve contato com cabos elétricos no túnel).
Peritos que acompanhavam a operação realizaram testes com restos
mortais para identificação positiva do alvo, onde posteriormente tratou-se
ser do próprio Al Baghdadi. Delta-Forces possuem, em todo caso, um dispo-
sitivo com tecnologia de reconhecimento facial e um leitor de teste de DNA a
bordo de seus helicópteros e estes foram usados nessa operação. Logo após
a missão, que durou ao total aproximadamente duas horas, as forças ame-
ricanas deixaram a área como haviam chegado. Na sequência o complexo
inteiro foi destruído por caças F-15 e drones MQ-9. Isso foi para evitar que o
lugar passasse a ser local de peregrinação ou santuário para os simpatizando
do grupo terrorista. Os restos mortais do líder terrorista tiveram o mesmo
destino que o de Osama Bin Laden, ou seja, foram jogados ao mar.
O resgate de 70 prisioneiros do ISIS
A partir do maior atentado sofrido em solo americano em 11 de setembro

de 2001, quando uma serie de aviões foram sequestrados para serem jogados
contra alvos específicos, como as Torres Gêmeas e o Pentágono, causando a morte
de mais de 3000 pessoas, os EUA deram o pontapé inicial em um largo caminho
para guerra contra o terrorismo. Por conseguinte, uma geração de jovens, inspi-
rados nesses eventos fatídicos, resolveram se unir as forças militares, todos com
um forte sentimento e dever de servir ao seu país. Entre eles o Sargento Thomas
Payne, que inicialmente em 2002 serviu no Exército, passou a trabalhar um ano
depois no 75° Batalhao Ranger, servindo como sniper e líder de equipe.
Posteriormente foi designado para Fort Bragg, e logo após alguns cur-
sos integrou o destacamento Força Delta. Ele foi o primeiro membro vivo
desse destacamento, a receber uma medalha de Honra do Presidente Donald
Trump, por suas ações na operação que culminou em resgate de cerca de 70
prisioneiros do ISIS. Esse grupo terrorista se espalhou e expandiu seu controle
e domínio pelo norte de Iraque, executando ou encarcerando todo aquele que

fosse uma ameaça a sua ideologia ou a seu governo.
Em 22 de outubro de 2015, no norte da cidade de Hawija, província de
Kirkut, Iraque foi realizada uma operação conjunta ousada de resgate de
reféns denominada Operação “Resolução Inerente”, que contou com a parti-
cipação do grupo Contraterrorismo curdo e Força Tarefa conjunta americana.
A operação priorizou o resgate para evitar a execução iminente de cerca de
70 presos, após a inteligência saber que novas sepulturas foram cavadas no
complexo. Essa ação, que incluiu militares curdos, começou no amanhecer
do dia 22 com um pouso do CH-47 Chinook.
Tropas curdas não tiveram sucesso em abrir a lateral do presidio com
explosivos, o que resultou em fogo inimigo quase que imediatamente. Os mili-
tares americanos entraram no complexo escalando o muro e, nesse momento,
o sargento-chefe da Força Delta, Joshua Wheeler, foi morto por tiros dos
terroristas. Thomas Payne, juntamente com outros operadores, conseguiram
suprimir a resistência em um dos prédios da prisão, contando as fechaduras
das celas e libertando 37 reféns.
Em um segundo prédio, um intenso tiroteio começou. Payne e outros
militares americanos responderam aos pedidos de socorro pelo rádio de uma
equipe curda que estava presa nesse prédio. em meio a esse tiroteio, Payne e
outro soldado escalaram uma escada que dava acesso ao telhado da edificação,
mas não conseguiram entrar. Do próprio telhado enfrentaram com tiros e gra-
nadas as forças inimigas do solo. Após esse confronto, eles desceram à procura
de outro ponto de acesso ao prédio. Nesse momento um terrorista detonou um
colete suicida para tentar destruir o prédio. Mesmo com o prédio em chamas, e
prestes a desabar, Payne entrou no segundo prédio com outros militares, que
enfrentaram uma nova onda de tiros provenientes da sala ao fundo.
Ele conseguiu cortar uma primeira fechadura nesse ambiente, e outro
comando curdo tentou cortar uma segunda fechadura, mas falhou, devido a
fumaça e tiros. Payne entrou novamente na área, conseguiu cortar a fechadura
e libertou outros 30 prisioneiros que foram direcionados para o Chinook. Foi
dada ordem para evacuação, tendo em vista o iminente desabamento do com-
plexo, mesmo assim ele ficou para orientar a evacuação de todos, sendo a última
pessoa a sair depois de entrar mais duas vezes para garantir que não havia
mais ninguém e que algum homem fosse abandonado. Formaram uma barreira
protetora até que todos os reféns estivessem nos helicópteros de extração.
Assalto a Mesquita Vermelha
A invasão americana no Iraque e Afeganistão acabou com a frágil paz

que havia entre diversos grupos religiosos, representados por facções políti-
cas. Alguns novos governos do Oriente Médio, entre eles o Paquistão, combi-
naram juntos lutar contra grupos fundamentalistas e paramilitares na região,
como os Talibãs. Mas esses guerrilheiros não aceitaram tão facilmente serem
238 Operações Contraterroristas
removidos de sua terra natal, o que resultou em enfrentamentos armados e

lutas de poder dentro de alguns países.
Em um ato extremo de resistência talibã, em 3 julho de 2007, depois de
fortes distúrbios em dias anteriores, esse grupo invadiu a Mesquita Vermelha
de Islamabad-Paquistão (Lal Masjid), ato levado a cabo por um comando
insurgente. Os talibãs capturaram o edifício a força e fizeram reféns mulheres
e crianças durante cerca de uma semana.
A Mesquita Vermelha, com um alto valor histórico, foi fundada em 1965
por Muhammad Abdullah Ghazi, um talibã extremista. Está situada perto da
sede dos Serviços de Informações Paquistaneses (ISI), era, há muito tempo um
ícone do entrelaçamento do fundamentalismo islâmico e o estado paquistanês.
Em 1998 com a morte de Ghazi, Abdul Aziz, ficou responsável por todo o
complexo e manteve estreitos vínculos com organizações como a Al Qaeda.
O exército paquistanês e suas forças especiais daquele país foram ime-
diatamente mobilizadas e decretaram um estado de sítio indefinido em toda
a zona de Islamabad. Receberam ordens de disparar para matar qualquer um
que abandonasse a mesquita. Começaram também a elaborar o planejamento
de retomada do complexo que ficou historicamente conhecido como ‘Assalto
a Mesquita Vermelha”. Alguns estudantes se renderam no dia 4 de julho, mas
ainda cerca de 600 guerrilheiros permaneciam no complexo.
No dia 5 de julho, o exército paquistanês detonou vários explosivos
ao redor da Mesquita e ocorreram vários tiroteios e alguns estudantes ten-
taram escapar, entre eles o próprio Abdul Aziz, vestido de mulher, que foi
capturado em seguida.
Nos três dias seguintes continuaram intensos tiroteios com muitos mortos e
feridos, e na sequência centenas de estudantes se renderam, mas poucos desses
eram militantes armados.
O irmão mais novo de Aziz, Abdul Rashid, liderou os insurgentes,
enquanto comandos paquistaneses atacavam o perímetro da mesquita, ten-
tando criar buracos com explosivos nas laterais do edifício, para facilitar as
rendições de mulheres e crianças. No dia 8 de julho de 2007, o muro ao redor da
mesquita colapsou completamente, debilitando a resistência dos guerrilheiros.
No dia seguinte, 9, drones Predator MK1 sobrevoavam a zona, captando
informações sobre a situação interna do complexo. As forças especiais puderam
então perceber o que enfrentariam de fato. O presidente Pervez Musharraf
autorizou então a retomada do complexo. A força foi liderada pelos serviços
especiais e contou com a participação da 78ª Brigada de Paraquedistas e a 111ª
Brigada de Infantaria, além da Polícia Especial Paquistanesa e os “Rangers” da
Provincia de Punjab. Foi realizada ainda, por parte dos militares, uma última
tentativa de negociação e pedido de rendição, mas sem sucesso.
Então o Grupo de Operações Especiais foi autorizado a agir. O ataque
começou pelo Sul, com três batalhões com formação de “tridente”, o que
foi respondido com intenso tiroteio dos guerrilheiros, atrás de barricadas, e
abrigadas com saco de areia. Apesar da resistência, as forças de segurança
alcançaram êxito em limpar a parte inferior do templo, e permitindo que
umas trinta mulheres com crianças escapassem ilesas. Ao entrar mais adiante
no complexo, especificamente na parte onde se conectam vários blocos entre
si, se intensificou o tiroteio. Os guerrilheiros fanáticos haviam armadilhado
várias portas e acesso, o que dificultou ainda mais o resgate.
Vários desses terroristas se entrincheiraram no sótão com reféns, para
usá-los como escudos humanos. As equipes de segurança obtiveram sucesso
em limpar o segundo piso e terraço e partiram então para os tuneis subterrâ-
neos. Contra as equipes, os guerrilheiros portavam AK´s 47, pequenos misseis
e coquetéis Molotov. O líder Abdul Rashid morreu no enfrentamento final,
juntamente com trinta militantes. A mesquita então foi inteiramente reto-
mada. Os militantes restantes se renderam incondicionalmente na sequência.
Ao todo foram 10 dias de batalha, com cerca de 300 mortos e mais de 1000
feridos e o templo quase destruído.
Notas:
1. Proa é a direção do eixo longitudinal da aeronave, direção para onde o nariz da
aeronave esta apontado. Indicativo de direção.
2. General Atomics MQ-9 Reaper, conhecido também como Predator B, é um veículo
aéreo não tripulado (UAV) usado nos EUA, RAF, Força Aérea Italiana e Força
Aérea Espanhola. É uma aeronave maior com cerca de 950 cavalos de potência, e
que transporta cerca de 15 vezes mais carga que o seu antecessor, o modelo MQ-1.
CICLO DO TERROR
Investigação1
O
crescimento da violência de inspiração terrorista e o avanço da crimi-
nalidade organizada são fenômenos percebidos em todos os quase
países, sejam ricos, emergentes ou pobres, basicamente em função do
Estado renunciar a espaços em sua área de atribuição, propiciando
a oportunidades de ação a determinados grupos, ou estimulando a margina-
lização de uma parcela da sociedade.
As ações do Estado no emprego de técnicas especiais de investigação
policial modernas aliadas a técnicas tradicionais, visando romper ciclos de
planejamento de crimes como o terrorismo, tem sido muito demandada, em
função, em função da especialização e agravamento de ações de grupos terro-
ristas, praticados por facções, organizações ou grupos de militantes fanáticos.
Com a evolução do modus operandi desses grupos, consequentemente
ocorre também a evolução no desenvolvimento de mecanismos especiais de
enfrentamento. As técnicas testadas e adotadas em uma nova maneira de atuar,
devem estar obviamente em consonância com a legislação brasileira e são incorpo-
radas nas rotinas das equipes especializadas nesse tipo peculiar de investigação.
Novas práticas passam a ser adotadas e executadas não só como ativi-
dade subsidiaria de uma unidade especializada, mas também colocando a
unidade policial tradicional, atuando com doutrina própria, como executora
de operações especiais, na intenção de obter provas em prol das investigações
conduzidas em seu âmbito.
As Operações Especiais de Polícia Judiciária são conceituadas, segundo
Élzio Vicente da Silva, autor de um livro com o mesmo nome, como “o con-
junto de ações planejadas e concentradas, empregando recursos extraordi-
nários, com a participação de equipe de policiais voltada para o projeto de
investigação, atuando durante prazo definido, voltado ao atingimento de
um fim, que é a neutralização da atuação da pessoa ou grupo criminoso, e
também focadas na obtenção da prova do crime e de sua autoria.”
Esses meios extraordinários de investigação, segundo o conceito do Dr.
Élzio, abrangem técnicas especiais de investigação, como infiltração, ação con-
trolada, interceptação de comunicações, colaboração premiada, entre outros,
aliadas as técnicas tradicionais como interrogatório, acompanhamentos por
meios eletrônicos, captura de imagens etc.
Organizações terroristas ou grupos criminosos têm uma característica em
comum: o esforço para que um membro de um cartel/facção ou um extremista
se misture a realidade do ambiente operacional, com o objetivo de fugir do
estereótipo, e possibilitando sua livre circulação. Khalid Sheikh Mohammed,
idealizador dos atentados em 11 de setembro de 2001, orientava os terroristas
diretamente envolvidos, se estivessem em solo americano a não chamarem a
atenção, permanecessem afastados das mesquitas, evitassem o estabelecimento de
contatos pessoais, e se estruturassem na sociedade e se misturarem ao ambiente.
No modo tradicional de apuração e investigação, estão caracterizados
dois grupos:
244 Ciclo do Terror
1) os policiais “de campo”, para ações de obtenção de dados no cenário

operacional, com vigilância, acompanhamento e filmagens;
2) os policiais “analistas”, que atuam na compilação e análise de ele-
mentos obtidos durante a investigação.
Esses dois grupos reportam-se ao coordenador da investigação. É uma
estrutura dicotômica, que se mostrou por muito tempo bem-sucedida, atin-
gindo resultados bastante positivos, entretanto ela retira o proposito e a
consciência de atuação em equipe, onde o agente não se sente como parte
integrante de um plano de investigação.
Há a necessidade de o Estado repensar sua forma de atuar, em virtude
desses procedimentos de contra vigilância e “camuflagem social” adotados
pelos criminosos ou terroristas, tirando o foco em pessoas especificas e dire-
cionando sua atenção a ações suspeitas, adaptando a forma de atuação.
Dentro do escopo dessa mudança de foco surgiu recentemente a meto-
dologia F3EAD (‘find, fix, finish, exploit, analyze, disseminate’) como uma
nova ferramenta de investigação de combate a crimes, em especial os de
inspiração terrorista, trazendo mais comprometimento e consciência de todos
os integrantes envolvidos com o proposito estabelecido. No lugar de separar
a equipe de policiais em especialidades distintas, as próprias atividades da
equipe são divididas, em atividades de acompanhamento do comportamento
humano (‘Surveillance’) e atividades de reconhecimento, ou obtenção de
dados específicos (‘Reconnaissance’).
Método F3EAD e seu uso na inteligência
Fonte: “Operações Especiais de Polícia Judiciária”, de Élzio Vicente/ por Marcelo Pires.
Surveillance (vigilância/acompanhamento) significa a intenção do Estado

em acompanhar de longe, ou de cima (no caso de drones), ou ver sem ser visto,
observando sem interferir, seja na produção da prova ou na neutralização da
ação, pessoa ou grupo. Engloba as atividades de observação e acompanhamento
do comportamento do alvo, com ações de vigilância física, realizando ações
controladas, vigilância eletrônica, interceptação telefônica, filmagens, fotogra-
fias e rastreamento por geolocalização, uso de fontes humanas, drones etc.2
Reconnaissance (reconhecimento/obtenção ou observação de dados
específicos) é a ação proativa de observação de dados de interesse do Estado,
incluindo de ações preparatórias até concentração de esforços destinados à
obtenção de prova. Ações de exploração do local, recrutamento de fontes huma-
nas, infiltração policial ou outra ação que demande preparação para busca de
um dado/prova definido. É a observação e obtenção de dados específicos.3
‘Surveillance’ e ‘Reconnaissance’ dentro do âmbito da investigação
Fases e características de um plano de ataque4
A ação de um grupo motivado (seja por ideologia, religião etc.) tem

como preceitos o sigilo (compartimentação de dados), ‘reconnaissance’ e
‘surveillance’, e ensaio.
Algumas organizações compartimentalizam as etapas entre grupos dis-
tintos, sendo que uma equipe realiza as atividades de obtenção de dados e a
outra treina e conduz ensaios objetivando o ataque e pôr fim a última equipe,
responsável é o do time de ataque, que conduz ações complementares de obten-
ção de dados estando em condições de plena execução.
As ações terroristas ou criminosas violentas de inspiração terrorista são
geradas por uma sequência de eventos separados em quatro fases: idealização,
preparação, execução e evasão.
Já o manual de treinamento terrorista da Al Qaeda, obtido em Manches-
ter, Inglaterra, é um instrumento valioso para avaliação da forma de atuação,
246 Ciclo do Terror
ou modus operandi desses grupos, possibilitando a adoção de estratégias

de diminuição de danos. Esse documento divide o ´plano tático operacional
especial’ em três estágios: pesquisa, planejamento e execução.
Alessandro Visacro, em seu livro Guerra Irregular, apresenta a tabela
abaixo, demonstrando a cronologia de um atentado terrorista:
Fase preparatória(“antes”)5: Atividades terroristas - desenvolvimento de
capacidades, recrutamento, treinamento, arrecadação de verbas, pesquisa e
desenvolvimento, aquisição de materiais, coleta de inteligência, planejamento,
deslocamento estratégico/bases, estabelecimento de uma rede, reconhecimento,
contrainteligência e operações de informação;
Crise/Ataque (“durante”): Deslocamento final, reunião, montagem do
equipamento, reconhecimento final, execução e extração;
Fase de consequência (“depois”): Exfiltração, regeneração de capacidades,
avaliação de consequências, análise de operações e operações de informação.
Segundo Élzio Vicente da Silva, que integrou a Diretoria de Inteligência
da Polícia Federal, as fases de um ataque terrorista podem ser divididas em:
Causa principal ou causa original
É a base ideológica ou motivação do grupo criminoso. O que vai nortear

suas ações seguintes. É o que une o grupo criminoso, embasado em fato-
res psicológicos, religiosos, culturais, políticos, racionais, ou mesmo fatores
venais. Podem também haver aspectos secundários na causa, como o apoio
popular, por exemplo.
Seleção primária da vítima6
A próxima etapa seria a escolha da ação que melhor representa o grupo

perante outros membros e a sociedade, ou a melhor traz benefícios. a escolha
do alvo leva em consideração a causa original. Essa seleção da vítima deve
atender a interesses do grupo, de modo que os ganhos com a ação sejam
condizentes com a causa defendida. Devem ser avaliados nesse momento
critérios de custo/benefício. O planejamento dessas ações é realizado de modo
cíclico, de forma que uma mudança de vítima força a um retorno a fase
inicial. As equipes, ou indivíduos dessa etapa geralmente não tem registros
criminais, dando total liberdade de ação sem char atenção de autoridades.
Em relação à seleção ocorrem duas possibilidades: 1) a seleção pode ocorrer
logo no início do planejamento; ou 2) a seleção se torna definitiva diante do
aproveitamento de uma oportunidade.
‘Surveillance’ inicial (acompanhamento da vítima)7
O objetivo nessa fase é colocar uma vigilância sobre a vítima, na intenção

de observar seu comportamento, obtendo informações a respeito, e quanto a
estrutura em torno do alvo. Nessa etapa, são geralmente empregados recursos
tecnológicos, acesso a rede mundial de computadores, facilitando a aquisição
desses dados preliminares. O uso de redes sociais, lugares de farta distribuição
de dados pessoais e rotinas, também serão úteis, com o indivíduo ou equi-
pes envolvidas nesse trabalho atenta a exposição desnecessária. A finalidade
é alcançar mediante vigilância as vulnerabilidades de acompanhamento da
vítima, e observação de mecanismos de segurança em torno dela, determinando
um padrão de comportamento. É exatamente nessa fase que surge uma grande
oportunidade para atuação de agentes do Estado, identificando esse grupo
criminoso, em face da exteriorização física de membros. Espaços públicos e
locais de aglomeração devem notificar toda e qualquer atividade suspeita para
às forças de segurança (funcionários de hotéis, restaurantes etc.).
Definição da vítima8
Nessa etapa a intenção é eleger entre as possíveis vítimas, qual delas se

encaixaria na sua capacidade operacional, levando em consideração a ‘Surveil-
lance’ inicial e a importância do alvo, sob a luz do custo/benefício. Em alguns
grupos extremistas é adotado a tática de selecionar diversas vítimas possíveis
com potencial para a execução. Essa diversidade de escolha, estratégia hoje
muto adotada em grupos radicais islâmicos transnacionais, em razão de:
1. Fornecer alternativas de ataque;

2. Confundir a ação preventiva/repressiva do Estado, dispersando o foco do atentado ou
missão, com vítimas aparentemente sem nenhuma conexão. Os grupos extremistas
têm muito receito de ter, dentro de seus quadros, espiões, delatores, infiltrados, ou que
suas comunicações estejam sendo interceptadas. Com a ampla variedade de opções
de vítimas desviaria o foco de uma investigação, pulverizando esforços do Estado.
3. Permitir a execução de múltiplos ataques, ou ataques “por ondas” (ataques segui-
dos, sucessivos ou sincronizados em diferentes e determinadas áreas ou cidades),
dispersando as capacidades de atendimento de ocorrências por parte das forças de
segurança. Nesse ponto, o planejamento pode também selecionar diferentes pontos
de ação na intenção de realizar esse ataque “por ondas”. Ex: ataque inicial em metrô,
levando a população a usar outros meios de transporte, como ônibus, carro, dentre
outros e em seguida atacar um ônibus, como o ocorrido em Londres, em 2005.
‘Surveillance’ pré-ataque9
Essa fase reúne dados e informações que vão possibilitar o êxito do ata-
que. Etapa onde reúne inteligência esmiuçando detalhes que poderão a fim
248 Ciclo do Terror
de balizar as fases de elaboração do plano, na sua execução e na exploração de

evento crítico. A atividade de ‘Surveillance’ é onde se estabelecem as minúcias
da rotina do alvo (local, pessoa, estrutura) e o nível de aparato de segurança
na proteção desse alvo. Os membros de grupos extremistas têm um modus
operandi similar aos dos agentes do Estado, acompanhando rotinas, pesqui-
sando em fontes abertas, realizando diligencias, pesquisas na internet e redes
sociais, entrevistas, e mesmo utilizando disfarces e realizando recrutamento
de fontes humanas, conseguindo reunir vários dados importantes, entre eles:
1. Tempos de deslocamentos e itinerários/rotas;

2. Possíveis métodos de ataque e pontos vulneráveis;
3. Verificar com detalhes o aparato de segurança do alvo;
4. Verificar horários de troca de guarda/descanso da segurança;
5. Determinar melhor momento do ataque, bem como recursos;
6. Levantar a rotina completa do alvo;
7. Buscar vulnerabilidades pessoais do alvo;
8. Levantar lugares frequentados pelo alvo;
9. Identificar pessoas em torno do alvo (família/funcionários).
Com a exigência de uma obtenção de dados profunda, ocorre consequen-

temente a exposição do elemento criminoso para o Estado. Essa atividade de
contra acompanhamento por parte das equipes policiais, vai exigir altíssimo
nível de treinamento, capacidade técnica, experiência, equipamentos adequa-
dos e a consciência situacional e corporal do agente. Por mais motivados que
estejam os terroristas/criminosos, há o risco de adotarem comportamentos e
incorrer em erros identificáveis com facilidade pela equipe de segurança.
Planejamento do ataque10
Na elaboração de uma ação complexa como um atentado terrorista,

devem ser levados em conta vários elementos (recursos logísticos, financeiros,
materiais e de pessoal, veículos armamentos, abrigos/ ‘safe-houses’ e aspec-
tos da força antagônica) para a efetiva execução da missão. O planejamento
envolve missão, objetivos e meios. Define em detalhes também os integrantes
e trata do ensaio. Determina também como será a exploração do evento, além
da evasão, sempre partindo de aspectos gerais para os específicos. Há uma
imprevisibilidade permeando todas as fases, que também deve ser levada em
conta, embora seja presente com intensidade na fase de execução. A adap-
tabilidade e flexibilidade do grupo e dos seus meios, deverão ser levadas
em consideração pelo responsável pelo planejamento. Grupos criminosos
têm como hábito utilizar armamentos e serviços de outros grupos, alugando
materiais, locais, meios logísticos ou mesmo utilizar criminosos especializados
cedidos. O recrutamento desse tipo de criminoso também tem sido recorrente.
Todas os dados e informações obtidos nas fases anteriores são processadas

e analisadas, tendo em mente os prováveis métodos de ataque. Deve ser
altamente minucioso e extremamente detalhado, pois do contrário, em caso
de fracasso da operação, acarretará prisão ou morte dos perpetradores. A
tendência de células terroristas transnacionais é atacar os chamados soft
targets (alvos fáceis, sem estrutura de segurança, ou que não representam o
Estado e suas estruturas pertinentes), ou seja, civis inocentes, espalhando o
medo e insegurança geral na população do país ou região.
Ensaio11
É o conjunto de movimentos feitos pelos membros responsáveis da exe-

cução do ato terrorista planejado no cenário operacional ou um ambiente simi-
lar reproduzido, com a intenção de verificar o plano, corrigir erros, confirmar
procedimentos e estratégias, testar o elemento criminoso na capacidade de
pronta-resposta e percepção. O ensaio possibilita o treinamento do grupo, com
a repetição dos atos constantes do planejamento, diminuindo o impacto do
nervosismo ou inexperiência. Existe também um tipo de ensaio denominado
‘dry run’ (ensaio em seco), em que consta a execução de itinerários previstos,
ingressos em locais pré-definidos, checando croquis e fotografias, e, em alguns
casos, se aproximando do alvo ou adentrando em local da missão
Execução da ação12
É a concretização do ato criminoso. Ao chegar nessa fase, se o grupo não foi

acompanhado por agentes do Estado em etapas anteriores, dificilmente deixará
de realizar a ação que foi planejada, principalmente se for uma ação suicida.
Através de uma ampla investigação criminal os órgãos de repressão poderiam
chegar aos responsáveis, minimizando os danos e amenizando os efeitos na
população. Uma execução de uma missão terrorista que não foi abortada em
etapas anteriores ou não foi acompanhada em sua origem impede que a resposta
dada pelo Estado também não seja violenta para esmagar o iminente atentado.
Alguns planos terroristas infelizmente alcançarão seus objetivos e serão executa-
dos, e, dentro desse diapasão, alguns países já têm medidas (ou contramedidas)
de minimização das consequências dessas ações. Ocorre também situações em
que os elementos transgressores são identificados no período que antecede a
ação, culminando no contato cinético do Estado-Polícia com os terroristas. Após
a ação ser desencadeada, o Estado deve aproveitar o que Élzio Vicente chama de
“horas de ouro” (24 horas /48 horas pós-fato) da investigação, obtendo a maior
quantidade de elementos de convicção, com o objetivo de neutralizar a rede de
apoio/financiamento ou evitar ataques subsequentes. As investigações reati-
vas (pós-fato) permitem refazer os elementos da história de toda a preparação,
identificando entendendo como funciona seu modus operandi e dinâmica do
250 Ciclo do Terror
grupo criminoso, identificando componentes, meios empregados e recursos,

possibilitando a evolução dos órgãos investigativos. É importante salientar que
nem sempre o Estado/Polícia consegue entrar na fase preparatória da ação ter-
rorista, em virtude dos atos exteriorizados nessa etapa ou em etapas anteriores
são dissimuláveis com facilidade, em atividades cotidianas.
Escape e exploração13
Fase final do ataque terrorista/criminoso é o modo como vai se dar a

fuga/evasão do grupo, bem como a exploração do produto de sua ação, seja
no uso de um valor subtraído de um banco, ou divulgação de objetivos ideo-
lógicos, políticos e ideológicos, referentes a causa do grupo, em função da
destruição causada pelo atentado. A mídia costuma associar o evento crítico
com o grupo que assumiu ou que reclama a sua autoria. Toda ação planejada
envolve a fase de escape, pois, com exceção dos suicidas, todo criminoso tem
a intenção de fugir das ações da polícia e imputações de responsabilidade
do Estado. A cobertura ampla da mídia, retorna imediatamente ao grupo
terrorista um apoio à causa, adesão de membros, novos financiamentos, noto-
riedade e até apoio popular. Essa fase pós-ação, não é, sem sobra de dúvida a
fase menos arriscada. Ao contrário, se não realizada com critério e cuidado,
pode colocar tudo a perder. Estas fases (escape e exploração) são bastante
vulneráveis, pois a missão, nessa fase final se torna bastante ostensiva, com
os perpetradores saindo de sua bolha de proteção e se expondo. A mídia
(meios de comunicação) fazem um papel dúbio, voluntariamente ou não:
De um lado atendem aos interesses do Estado na divulgação e repúdio
do ato terrorista, e por outro lado, supervaloriza a importância do crime
e angaria simpatizantes em função da ampla divulgação, se tornando um
multiplicador de força de um grupo ideologicamente motivado.
Terrorismo no Brasil
Marighella
“Na guerra de guerrilhas, selecione a tática de parecer vir de Leste e atacar a

Oeste; evite o contínuo, ataque a brecha; ataque, recue; desencadeie um cho-
que relâmpago. Quando guerrilheiros engajam um inimigo mais forte, eles
recuam quando o inimigo avança; inquiete-o quando ele estiver desgastado;
persiga-o quando ele retrai. Na estratégia de guerrilha, a retaguarda, flancos
e outros pontos vulneráveis do inimigo são pontos vitais, e neles o inimigo
tem que ser inquietado, atacado, dispersado, exaurido e aniquilado. Apenas
dessa forma podem os guerrilheiros cumprir sua missão de ação indepen-
dente de guerrilha, coordenada com o esforço de exércitos regulares”14
Carlos Marighella
Carlos Marighella foi um terrorista e principal organizador da luta

armada durante o regime militar (1964-1985). Chegou a ser considerado o
inimigo “número um” naquela época. Foi cofundador da Ação Libertadora
Nacional, organização de caráter revolucionário. Já em 1932, participando do
PCB15, foi preso a primeira vez por escrever críticas contra o interventor na
Bahia, Juracy Magalhães. Em maio de 1936 foi preso novamente por subversão
política, no Rio de Janeiro, pela polícia subordinada a Fillinto Muller (Era
Vargas). Entrou para a clandestinidade e foi recapturado em 1939, ficando
preso até 1945. Elegeu-se deputado federal em 1946, mas dois anos depois
perdeu o mandato, pois foi proscrito pelo próprio partido. Voltou para a
clandestinidade. Viveu na China entre 1953 e 1954. Em 1964, após Contrar-
revolução de 1964 foi preso pela DOPS novamente, e solto um ano depois.
Participou do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em
ação conjunta com o Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8). Em 4 de
novembro de 1969, ele foi morto por agentes do Governo. Nessa ação morreu
também a investigadora da Polícia Civil, Estela Borges Morato, de apenas 22 anos
de idade, que com bastante intrepidez e audácia participou do intenso cerco que
matou o terrorista, porém recebendo um tiro na cabeça, falecendo dias depois.
Marighella escreveu seu “Minimanual do Guerrilheiro Urbano” em junho
de 1969, para servir de orientação aos movimentos revolucionários. Detalhou
táticas de guerrilha urbana a serem empregadas nas ações e combates. Em 1980,
a CIA, com a intenção de entender e combater com eficácia movimentos terro-
ristas e militância armada fez traduções deste material e distribuiu aos serviços
de inteligência pelo mundo. É um manual de ação prática. E, muito longe de
se fazer uma exaltação e panegírico dessa obra tão nefasta, alguns pontos rele-
vantes desse manual serão expostos aqui, para que militares e forças de segu-
rança pública conheçam um pouco mais sobre esse trabalho e saibam lidar e se
antecipar a essas táticas, técnicas e procedimentos usualmente empregadas por
terroristas e guerrilheiros do mundo inteiro. Ou como diz Sun Tzu, “Conheces
teu inimigo e conhece-te a ti mesmo: se tiveres cem combates atravar, cem vezes
será vitorioso”. Esse material disposto aqui de forma resumida, ajudou a tirar
a vida de muitos militares e membros das forças de segurança, aqui no Brasil
e pelo mundo. Durante o regime militar, 126 heróis brasileiros perderam suas
vidas pelo irracionalismo do terror. Esta obra também é dedicada a todos eles.
Já no preâmbulo do texto, Marighella nos traz a face real de seu caráter
deformado “Hoje ser ‘violento’ ou terrorista é uma qualidade que enobrece
qualquer pessoa honrada ...” e define o guerrilheiro urbano como um homem
que luta contra a ditadura militar com armas, utilizando métodos não conven-
cionais, que segue uma meta política e somente ataca o governo, os grandes
capitalistas, os imperialistas[...]ele é caracterizado por ser bom taticamente e
ser um líder hábil[...]Essa superioridade moral é o que sustem o guerrilheiro
urbano[...] A iniciativa é uma qualidade especialmente indispensável”.
O guerrilheiro urbano deve viver, segundo ele, entre as pessoas e se
cuidar para não aparentar ser estranho. Não deve usar roupas diferentes da
252 Ciclo do Terror
que outras pessoas utilizam. Não pode revelar suas atividades a ninguém
e tem que estar bem-informado a respeito de tudo. O objetivo essencial é:
• A exterminação física de chefes e assistentes das forças armadas e policiais;

• A expropriação dos recursos do governo.
O guerrilheiro somente poderá sobreviver, de acordo com Marighella,

se estiver disposto a matar os policiais e todos aqueles dedicados a repressão,
bem como a expropriar riqueza dos grandes capitalistas.
A preparação técnica do guerrilheiro, segundo o autor, deve ser feita
com a preocupação pela preparação física, seu conhecimento e no aprendi-
zado de profissões. Treinar sistematicamente vários tipos de luta, acampar,
treinar sobrevivência na selva... É importante aprender a dirigir, pilotar um
avião, entender mecânica, rádio, telefone, eletricidade, eletrônica (informá-
tica), calcular distancias, fazer mapas e planos. Mas a questão básica para o
guerrilheiro urbano é o manejo de armas tais como a metralhadora e revolver
e o FAL, também saber preparar bombas Molotov.
Em relação as armas da guerrilha, Marighella diz que devem ser armas
leves, facilmente trocadas e, de preferência, capturadas do inimigo. Essas armas
leves têm a vantagem de serem de manejo rápido e fácil transporte. O guerri-
lheiro não deve basear suas ações no uso de armas pesadas, mas sim em um
armamento leve, que garanta mobilidade e velocidade. Cursos com explosivos
e sabotagem devem ser organizados. coquetéis Molotov, gasolina, explosivos
como dinamite e cloreto de potássio, gelatina e explosivos plásticos são tam-
bém necessários para as missões. Segundo o autor, a razão para a existência
do guerrilheiro é atirar. O combate é a curta distância, portanto não pode errar
em seu disparo. A pontaria deve ser treinada sistematicamente. Em relação aos
grupos de fogo, o guerrilheiro tem que estar organizado em pequenos grupos,
coordenados por uma ou duas pessoas. Nenhum grupo de fogo deve perma-
necer inativo esperando ordens “de cima”. Sua obrigação é atuar.
A logística convencional que tem como objetivo sustentar as operações e
táticas de um modo geral, é expressa na fórmula CCEM (Comida, Combustí-
vel, Equipamento, Munições). Já a logística guerrilheira é expressa na fórmula
MDAME (Mecanização, Dinheiro, Armas, Munições, Explosivos). De acordo
com Carlos Marighella, todo guerrilheiro tem que ser um bom motorista. Tem
que roubar bancos e lojas de armas, e conseguir explosivos e munições onde
queira que os encontre. Já a técnica, que é a combinação de métodos que o
homem utiliza para executar suas atividades, sendo que as do guerrilheiro
consiste basicamente em duas: guerra de guerrilha e guerra psicológica.
A técnica se compõe de cinco partes básicas:
• Requisitos para implementar objetivos;

• Vantagens iniciais para completar a ação;
• Objetivos definidos nas ações;
• Tipos e modelos característicos da ação;
• Método para realizar ações especificas.
Sendo a técnica necessariamente agressiva, tanto de ataque com de reti-

rada para preservar forças, cuja função primordial é desgastar, desmoralizar
e distrair as forças inimigas. Dentro da técnica as vantagens iniciais são as de
tomar o inimigo de surpresa (essencial para o êxito), conhecer obrigatoriamente
o terreno da ação melhor que o inimigo, ter uma maior mobilidade e velocidade
(através de meios mecânicos, conhecimento do terreno, ruptura de comunicação
inimiga e armamento leve), além de ter um serviço de informações melhor. Para
se ter uma melhor segurança e não deixar pistas o autor sugere interceptar a
própria polícia, obstruir estradas com arvores caídas, colocar minas caseiras
pelo caminho e disparar rajadas de metralhadoras contra motor e pneus.
Sobre a informação, que, de acordo com Marighella, é apenas uma pequena
parte do apoio popular, representa um potencial extraordinário nas mãos de
um guerrilheiro urbano. A criação de um serviço de inteligência da guerrilha é
uma necessidade (bem como contraespionagem e contrainteligência). Uma vez
descoberto um espião, ou informante, deverá ser ‘liquidado’. Também não é
suficiente para o guerrilheiro ter a seu favor surpresa, velocidade, conhecimento
do terreno e informação. É necessário também ter uma grande capacidade de
decisão, e a sua ausência é preenchida pela hesitação e pelo temor.
Os objetivos da guerrilha, de acordo com Marighella, e expostos em
sua obra, são:
• Ameaçar o triangulo Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, onde estão
estabelecidos os sistemas de dominação;
• Debilitar os guardas locais e sistemas de segurança;
• Atacar em todos os lados, com muitos grupos armados diferentes;
• Provar sua combatividade, decisão firmeza, determinação e persistência;
• Aumentar os distúrbios;
• Evitar a acomodação e tranquilidade, causando alarme e tensões no exér-
cito e na polícia;
• Evitar batalhas abertas e combates decisivos;
• Assegurar o máximo de liberdade de ação e movimento.
Sobre os tipos e naturezas de modelos de ação dos guerrilheiros, o fanático

autor diz que podem ser realizados os seguintes: assaltos, invasões, ocupações,
emboscadas, táticas de rua, greves e interrupções de trabalho, deserções e des-
vios de armamentos, libertação de presos, execuções, sequestros, sabotagem,
terrorismo, propaganda armada, guerra de nervos. O assalto especificamente é
uma expropriação típica. Ele deve também ser usado para fins de propaganda.
As ações devem ser executadas corretamente, sem cometer o mínimo erro.
O método revolucionário de execução de uma ação é baseado no conhecimento
e uso dos seguintes elementos (na sequência de eventos): investigação de infor-
mação, observação e vigilância, reconhecimento do terro e exploração, estudo e
tempo de rotas, estudo de mapas, mecanização, cuidadosa seleção de pessoal,
seleção do poder de fogo, estudo e prática em êxito, êxito, disfarce, retirada,
254 Ciclo do Terror
dispersão, libertação e troca de prisioneiros, eliminação de pistas e resgate

de feridos.
As observações mais importantes para as sequencias acima são que a
mecanização dever ser seriamente considerada, ou se o transporte falha a ação
principal falha, e que a retirada é igual ou mais importante que a operação
em si. Outra preocupação citada no manual, é que se devem treinar homens
e mulheres para cursos de enfermaria, imprimir um pequeno manual de pri-
meiros socorros e montar de preferência uma estação de pronto atendimento
para o caso de feridos.
Por fim, em relação a segurança, Marighella aponta que o pior inimigo
da guerrilha é o infiltrado na organização. Esse espião deve ser executado
sumariamente. Não é permitido alguém conhecer todos e tudo e deve-se ser
cauteloso com recrutamentos. Endereços e agendas telefônicas devem ser
destruídas, e caso o guerrilheiro for preso, não pode revelar absolutamente
nada a polícia. Evitar os sete pecados da guerrilha, segundo ele: Pouca expe-
riencia ao subestimar ou sobrestimar as forças do inimigo, vangloriar-se de
suas ações, vaidade cega pelo triunfo, exagerar sua força, realizar ações pre-
cipitadas, atacar o inimigo quando eles estão mais enfurecidos e, por último,
não planejar e atuar improvisadamente.
Olimpíadas e Paralimpíadas Rio 2016/Grandes Eventos
O Brasil surpreendeu, com muita eficiência e profissionalismo, na

maneira como cuidou da segurança dos Jogos Olímpicos de paralímpicos
Rio 2016. Foi criado o Comando Conjunto de Prevenção e Combate ao Ter-
rorismo, e o resultado de todo esse trabalho ainda é visto atualmente, não
só como experiencia adquirida em futuros trabalhos em conjunto e, mas
até como herança tecnológica em métodos e equipamentos, absorvida pela
Segurança Pública de Estados envolvidos.
Grandes eventos internacionais trazem uma imensa vulnerabilidade e
enorme exposição midiática. Isso gera condições positivas para a convergência
de ameaças difusas, geralmente não-estatais, com atuação tanto doméstica
como transnacional, abrangendo tanto grupos anti-sistêmicos como orga-
nizações extremistas. Cenário favorável para criminosos de todos os tipos,
terroristas, revolucionários, anarquistas, com interesse em explorar a fragi-
lidade do Estado nas dimensões física e informacional.
Devido a volatilidade e a incerteza do cenário mundial e nacional, trazendo
problemas complexos e muitas vezes inéditos do binômio segurança e defesa, são
exigidas cada vez mais capacidades militares disponíveis e policiais e respostas
oportunas das Forças Armadas e das Forças de Segurança ambos de alta operacio-
nalidade, visando alcançar um ambiente mais estável e seguro, sem os quais um
grande evento se torna impossível de ser realizado. A coesão, a competência e o
profissionalismo já consagrados, de todas essas instituições, somados à liderança
e foco dos comandantes em todos os níveis, cooperaram e continuarão apoiando

no esforço de segurança e bem-estar da sociedade brasileira.
O Ministério da Defesa vem garantindo a proteção/segurança, junta-
mente com a integração e colaboração de agências civis e forças policiais,
desde 2007, ano em foi realizada a 15ª edição dos Jogos Panamericanos de
2007, onde um vasto conjunto de aptidões das forças armadas as transformou
em protagonista de notável relevância, mesmo assim guardando sua discrição.
As Forças Armadas tiveram que lidar com um evento que foge um pouco
de sua atribuição básica, o fazer a guerra, e dissonante do idealizado por
exércitos tradicionais, com características bem peculiares como a onipresença
da mídia, a censura da opinião pública, existência de severas restrições legais,
assédio de organismos de defesa de direitos humanos (CNDH e outros), o
ambiente interagências e mesmo o desdobramento de tropas circunscrito aos
limites do próprio território.
Ao todo foram 30 dias de competições, e mais de 88 mil civis e militares
envolvidas em uma complexa rede de segurança. Quase 11 mil atletas, de
cerca de 200 países, trazendo mais de meio milhão de turistas. Vinte e cinco
mil jornalistas credenciados do mundo inteiro, alcançando mais de 1 bilhão
de telespectadores pelo planeta. Além do Rio de Janeiro, outras cinco cidades
sediaram o futebol olímpico. Isso dificulta a logística, pois o país, de dimen-
sões continentais, não tem uma estrutura rodoferroviária com a europeia
e, como se não bastasse, delegações preferiram se hospedar em centros de
treinamentos afastados das cidades-sede.
Foi estabelecido o PESI (Plano Estratégico de Segurança Integrada), que
estabeleceu os princípios fundamentais onde as relações institucionais de diver-
sos órgãos envolvidos foram regidas e concebido para realizar a integração das
ações de segurança pública, defesa e inteligência, através de uma estratégia de
governo centralizada, como foco, transparência e fluidez. Foi criado também o
CESI (Comitê Executivo de Segurança Integrada) e o CESIR (Comitê Executivo
de Segurança Integrada Regional). O Ministério da Justiça, por sua vez, criou
a Secretaria Extraordinária de Segurança de Grandes Eventos (SESGE) e o
Ministério da Defesa constituiu comandos conjuntos de defesa de área.
As Forças Armadas, através do Ministério da Defesa, empregaram mais
de 43 mil militares na segurança dos jogos, esses militares atenderam a um
leque amplo de tarefas e missões que abrangeram:
• Defesa Aeroespacial;
• Ações marítimas, fluviais e aeroportuárias;
• Proteção de estruturas estratégicas;
• Segurança de vias expressas e artérias vitais de escoamento;
• Fiscalização de explosivos e insumos controlados;
• Defesa cibernética;
• Colaboração e coordenação com a Defesa Civil;
• Apoio a segurança de Dignitários;
• Força de contingência;
• Enfrentamento ao terrorismo e defesa química, biológica, radiológica e nuclear
256 Ciclo do Terror
Lei Antiterrorismo e Operações Contraterroristas brasileiras
O terrorismo é um fenômeno político e social bastante complexo, muito

difícil de ser combatido e erradicado. Exige, para sua compreensão plena, uma
abordagem holística além de uma abordagem necessariamente criminológica,
que todavia, não se pode restringir a essa. O combate ao terrorismo exige
esforço integrado, pois nenhuma agência do Estado tem a capacidade de, por
si só, enfrentar esse mal isoladamente. Por isso as operações interagências são
vistas como a “pedra angular” da prevenção e combate a esse flagelo.
O ato terrorista se caracteriza, no nível tático, pela execução de uma ação
cinética, como uma detonação de explosivos em um atentado ou abertura
de fogo em lugares públicos, mas seus objetivos vão muito além de uma
demonstração de imagens brutais e de barbárie, repetidas de forma incessante
e quase instantaneamente por emissoras de TV. O foco primário do terror está
no chamado ambiente informacional, onde visa por meio de propaganda e
publicidade a consecução de suas metas políticas e estratégicas (com pilares
ideológicos e/ou religiosos) muito amplas que o mero sacrifício de vidas
inocentes. E o aparato estatal tem apresentado respostas muito satisfatórias
no nível tático. Antepondo-se por meio de ações de efeito cinético, definidas
pelos verbos prender, capturar, eliminar, neutralizar, resgatar etc. Todavia,
nos níveis político e estratégico, quase sempre o Estado tem fracassado em
dar respostas e atos de contrapropaganda, se mostrando incapaz de dar res-
postas oportunas e eficazes no ambiente informacional. Essa dicotomia tem
sido a essência da assimetria entre terrorismo e contraterrorismo.
De acordo com avaliações de risco da Agência Brasileira de Inteligência, na
época, as ameaças potenciais à segurança dos Jogos não eram provenientes de
sofisticadas redes terroristas transnacionais ou de células terroristas “adorme-
cidas”, infiltradas no país. Ao contrário, os chamados “lobos solitários, nativos
autor radicalizados representavam o maior perigo.
Em março de 2016, a Presidente Dilma sancionou a Lei nº 13260, também
denominada Lei Antiterrorismo, proporcionando base legal para que ações efeti-
vas fossem levadas a cabo. Dessa forma, em 21 de julho a Divisão Antiterrorismo
e o Comando de Operações Táticas da Polícia Federal do Brasil desencadearam
a primeira etapa da Operação HASHTAG16, no intuito de desmantelar uma
rede de indivíduos que se autodenominavam “Defensores da Sharia”, fazendo
apologia a organização jihadista Estado Islâmico, demonstrando claramente a
intenção de perpetrar um ataque durante as olimpíadas. Ao todo 16 supostos
terroristas foram detidos em diferentes pontos do território nacional. Apesar de
tudo, a nova legislação antiterror não conseguiu abarcar o terrorismo criminal.
Ela erra fragorosamente em não classificar o insurgente criminal como terrorista.
A Lei nº13.260, de 16 de março de 2016, regulamentou o disposto no
inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo.
Trata de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito
de organização terrorista:
Regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal,

disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e pro-
cessuais e reformulando o conceito de organização terrorista; e altera as
Leis nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, e 12.850, de 2 de agosto de 2013.
Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos
atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finali-
dade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa,
patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
§ 1º São atos de terrorismo:
I – Usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer con-
sigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos,
nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destrui-
ção em massa;
II – (VETADO);
III - (VETADO);
IV - Sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça
a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou
parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de
transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias,
hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públi-
cas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de
geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de
exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições ban-
cárias e sua rede de atendimento;
V - Atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes
à ameaça ou à violência.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva
de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, reli-
giosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos
sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar,
com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais,
sem prejuízo da tipificação penal contida em lei.
Também durante a realização dos jogos, já na primeira semana, dia 10 de

agosto, uma viatura da Força Nacional, entrou por engano no complexo de
favelas da Maré, densamente povoada e reduto de criminosos e da narcoterro-
ristas, tendo a viatura sido alvejada por tiros de fuzil, o que resultou na morte
do Soldado Helio André, e outros dois policiais ficando feridos no confronto.
Na mesma noite o COE/PMERJ (Comando de Operações Especiais) se
reuniu no centro integrado, a fim de oferecer uma resposta dura e eficaz. A
Força Nacional isolou na madrugada a porção sul da favela, e no amanhecer do
dia 11 de agosto foi desdobrado no terreno o BOPE/RJ e o COT/PF, juntamente
com o 1º Batalhão de Forças Especiais, todos incursionando naquele enclave
258 Ciclo do Terror
urbano. Também apoiaram a companhia de fuzileiros navais paraquedistas

(COMANF) e nove viaturas blindadas de transporte de tropas.
Essa operação, reunindo as melhores forças de operações especiais poli-
ciais e militares do país, foi extremamente bem-sucedida e incidentes como
esse não voltaram a se repetir até o fim dos jogos.
Foi criado também, na região da Tríplice Fronteira (‘Tri-border area’
- TBA), a partir de 2002, um acordo de cooperação na área de Contraterro-
rismo envolvendo os três países da fronteira, Brasil, Paraguai e Argentina,
além dos Estados Unidos. Batizado de “3+1 CounterTerrorism Dialogue” é
um mecanismo na integração de esforços e foco na prevenção do terrorismo,
em discussões de políticas de contraterrorismo, antiterrorismo e no compar-
tilhamento de informações. Um centro regional brasileiro do “3 + 1 CT” foi
estabelecido na cidade de Foz do Iguaçu.
Organização de inspiração terrorista, baseada em redes de contato
Fonte: “Operações Especiais da Polícia Judiciaria” de Élzio Vicente, adaptado por Marcelo Pires.
A Tríplice Fronteira há muito tempo está sendo usada para cometer

diversos tipos de ilícitos, como tráfico de armas, lavagem de dinheiro, dentre
outros. Desde o atentado em 1992 na Embaixada Israelense em Buenos Aires,
que matou 29 pessoas e feriu mais de 200 e o atentado na sede da AMIA17
(Centro Argentino-Israelense) matando 84 pessoas, desconfia-se também da
presença de terroristas do Hezbollah e do Hamas na região, pois ambos os
ataques foram planejados na chamada TBA.
Há informações confiáveis de que há presença de militantes da Al-Qaeda

nessa região. Através de investigações, foram constatados envios de recursos
de simpatizantes para ambas as organizações terroristas (US$ 10 milhões de
dólares para o Hezbollah, em 2009). Também o chefe de operações da Al-Qaeda,
Khalid Shaikh Mohamed, morou em Foz do Iguaçu em 1995. E em 2003, as
forças de segurança brasileiras prenderam Ali al-Mahdi Ibrahim (procurado
pela Interpol pelo massacre de turistas em Luxor/Egito em 1997).
As autoridades brasileiras se preocupam com a presença de terroristas
na Tríplice Fronteira por vários motivos, mas principalmente pelo fato de
estar ali uma das maiores plantas hidroelétricas do mundo, a Itaipu Binacio-
nal, que fornece energia para o Paraguai e para o Brasil. Esse é o maior ativo
estratégico do Cone Sul.
Al Qaeda e Hezbollah em São Paulo
No fim do ano de 2021, os EUA denunciaram a presença de integrantes

da Al Qaeda em São Paulo. O governo americano divulgou sanções contra três
acusados de participarem desse grupo terrorista. Esses acusados moram em
Guarulhos, na Grande São Paulo. Os três são empresários do setor de móveis
e teriam, segundo os americanos, financiado a passagem de um terrorista do
grupo pela América do Sul. Entre as sanções estão o congelamento de bens dos
acusados nos EUA e a proibição de fazerem negócios com empresas americanas.
Também na capital do Estado de São Paulo foi identificado um grupo
ligado ao Hezbollah, que possuía várias empresas no Paraguai. Em 21 julho
de 2016, dois homens foram presos por suspeita de envolvimento com o
terrorismo, na Grande São Paulo. Eles frequentavam a Mesquita do Pari, na
região central paulista (Mesquita de São Paulo). O que se sabia até agora era
a presença de terroristas islâmicos da Al Qaeda e do Hezbollah concentrados
na região da Tríplice Fronteira, mas não com residência no Brasil.
Notas:
1. Élzio Vicente da Silva, “Operações Especiais da Polícia Judiciária”, p. 49-99.
2. Ibid. p. 33.
3. Ibid. p. 34.
4. Ibid. p. 49.
5. Ibid. p. 54.
6. Ibid. p. 60.
7. Ibid. p. 64.
8. Ibid. p. 68.
9. Ibid. p. 71-73.
10. Ibid. p. 74-77.
11. Ibid. p. 82.
260 Ciclo do Terror
12. Ibid. p. 89-90.

13. Ibid. p .93-98.
14. Carlos Mariguella, “Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano”.
15. Partido Comunista Brasileiro.
16. Operação Hashtag é uma investigação em andamento no âmbito da Polícia Fede-
ral, deflagrada em julho de 2016, às vésperas dos Jogos Olimpicos do Rio, visando
desarticular uma cécula de um grupo terrorista Estado Islâmico do Iraque no Bra-
sil. Foi resultado da integração entre a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência)
a Polícia Federal, as Forças Armadas e agencias de informação internacionais.
Primeira ação antiterror ocorrida no Brasil após a aprovação da Lei 13.260, que
tipificou crimes dessa natureza.
17. AMIA é a Associação Mutual Israelita Argentina, localizada em Buenos Aires/Argen-
tina. Um atentado contra essa instituição ocorreu em 18 de julho de 1994, matando 85
pessoas e ferindo centenas. Foi o atentado mais mortal da Argentina. A comunidade
judaica naquele país gira em torno de 250 mil pessoas. É a maior da América Latina.
Em outubro de 2006 os procuradores Alberto Nisman e Marcelo Martinez Burgos
acusaram formalmente o governo do Irã e o Hezbollah pelo planejamento e execução,
respectivamente. Alberto Nisman foi encontrado morto em sua casa, provavelmente
assassinado, poucas horas antes de apresentar suas conclusões do caso ao Congresso.
PARTE 4
LEGISLAÇÃO
“Nenhum homem neste mundo conhece toda a verdade. Aquilo que nós, serem humanos,
chamamos de “verdade” é somente a sua busca. A busca pela verdade só é possível em
uma discussão livre. Por isso o regime comunista que a proíbe é, por força das coisas
– uma grande mentira. Ao nos encontrarmos em um mundo que respeita a liberdade
individual e a liberdade de pensamento, devemos fazer todo o possível para não estreitar
os horizontes de pensamento, mas ampliá-los; não limitar a discussão, mas ampliá-la.”1
Józef Mackiewicz (1902-1985)
“Enquanto vivermos num mundo onde a filosofia de soberania do século XVII é

reforçada por um modelo judiciário do século XVIII, defendido por um conceito de
combate ao crime do século XIX que ainda está tentando chegar a um acordo com a
tecnologia do século XX, o século XXI pertencerá aos criminosos transnacionais”2
Jeffrey Robinson – A Globalização do Crime
“O crime ainda compensa no Brasil.”
O
século XX teve como marca a emergência de ideias que prometiam a
chegada de um novo mundo e do novo homem. Ao redor do mundo,
muitas nações romperam com suas tradições e abraçaram a ideolo-
gia do comunismo. Um mundo onde a exploração do homem pelo
homem seria totalmente extinta. Um mundo onde não haveria desigualdades.
Para entender o movimento revolucionário devemos retroagir no tempo. Tudo
começou quando Catarina, a Grande, imperatriz da Rússia gostaria de moder-
nizar a Rússia e trouxe ideias iluministas e ideais de liberdade, provenientes de
círculos de Paris e Berlim para o seio da Rússia. De fato, a sociedade russa aquela
época era bem atrasada, estratificada de forma rural e constituída de servos.
Ela mandou construir escolas e universidades públicas, que mudaram pouco o
cenário e o modo de vida daquele povo.
Entretanto uma nova classe de intelectuais surgia com o conhecimento
dessa nova visão de mundo: a ‘intelligentsia’. Essa nova classe passou a buscar
soluções para o atraso, reformas políticas e sociais, seja por meio de uma con-
testação à monarquia, as novas ideias do socialismo utópico através de textos
de Marx e Engels, dividindo a sociedade entre burguesia e proletariado, ou
forçar a elaboração de uma constituição. ”O objetivo imediato dos comunistas
é o mesmo dos demais partidos proletários: A constituição do proletário em
classe, a derrubada do domínio da burguesia, a conquista do poder político pelo
proletariado”, escrevia Marx. Em livros como “Os Demônios” de Dostoiévski,
claramente se vê a formação de grupos clandestinos anarquistas, de resistência
à opressão e exploração absolutista. Era a busca do socialismo utópico e a luta
de classes. Seria o fim da hierarquia e a propriedade privada. A revolução se
dá sempre obedecendo essas cinco etapas distintas: 1) Direito à desonra; 2)
Fofoca; 3) Proliferação do medo; 4) Hegemonização dos Objetivos e por fim 5)
Fusão entre a classe revolucionária e a classe política.
Realizando um salto temporal, o Brasil do século XXI, no plano interna-
cional, se subordina a determinados organismos internacionais supraestatais,
que impõem uma agenda de transformação mundial, de desenvolvimento
sustentável, de desenvolvimento econômico e erradicação da pobreza, promo-
vem uma boa governança em todos os níveis, a inclusão social, dentre outros
pontos. Também buscam garantir “igualdade de gêneros”, a “sustentabilidade
ambiental”, e a “proteção contra a degradação do meio-ambiente”, a fim de
combater mudanças climáticas, esses últimos, temas muito relacionados a pen-
samentos e teses considerados à esquerda do espectro político. A ideologia de
esquerda, também chamada de socialista, comunista, ou igualitária, concebida
inicialmente por Karl Marx e Friedrich Engels, e posteriormente refinada por
Antonio Gramsci e pela Escola de Frankfurt, se tornou a base teórica de um
movimento revolucionário ativo até os dias de hoje.
O movimento revolucionário também influenciou negativamente a socie-
dade brasileira: universidades, Justiça, imprensa, tribunais, partidos, cultura,
ONGs. E isso vem acontecendo desde a década de 20, no século anterior, logo
depois da Revolução de Outubro de 1917, na Rússia. É o sonho utópico de
uma igualdade absoluta. Igualdade postulada na Revolução Francesa, e que
264 Legislação
em seu nome, milhões de assassinatos foram cometidos durante as revoluções

que se seguiram na História.
“Um povo que não conhece sua História está fadado a repeti-la”.
Edmund Burke
Essa influência também chegou aqui de maneira dissimulada, e secreta,

por meio de órgãos de inteligência e ‘rezidenturas’ (aparelhos) de países como
a Tchecoslováquia (StB), Rússia (KGB), China (Guoanbu) ou Cuba (DGI/DI), que
montaram suas unidades aqui no país a fim de irradiar essa ideologia nefasta
e perigosa, realizar espionagem e se dedicar as atividades de ‘agit-prop’, como
então se chamava a propaganda política. ‘Agit-prop’, intoxicação e desinforma-
ção eram armas muito uteis e pertinentes, tanto quanto a coleta de informação.3
Mauro “Abranches” Kraenski e Vladimir Petrilar, realizaram um magni-
fico trabalho de pesquisa que expuseram em seu livro ‘1964: O Elo Perdido’
contando um pouco da influência do serviço de inteligência tcheco StB no
Brasil, “longa manus” da KGB soviética, desde a década de 50 até os anos
70. Todo começa em 1952, com a chegada do agente TREML para montar
uma ‘rezidentura’ (unidade de inteligência) na cidade do Rio de Janeiro,
capital do Brasil à época.
Essa unidade de inteligência chegou a comprar um jornal aqui no país,
chamado “O Semanário”. Em 1962 a unidade estabeleceu contato com Fran-
cisco Julião, das Ligas Camponesas, que chegou a perguntar se a Tchecoslová-
quia poderia fornecer armas americanas, bazucas e armamentos antitanques
de manejo manual.
O StB passou a ter fortes ligações também com o governo cubano, a partir
da Revolução naquele país encabeçada por Fidel Castro. Cuba agora seria a
“cabeça de ponte” na difusão do comunismo na América Central e América
Latina. Em 1963 e 1964, o StB já teria informantes pagos recrutados dentro do
Ministério da Educação do país. Esse informante também contribuiu, mediante
pagamentos com a edição de livros exaltando a nova revolução cubana. O StB
chegou ao ponto de ter um informante militar dentro da Casa Militar em 1963
de codinome “LOBO”, que traiu a unidade com a Contrarrevolução de 1964.
Passados 58 anos da deposição do presidente João Goulart pelo Movi-
mento Civil-Militar de 1964, grande parte da mídia brasileira divide-se em
noticiá-lo como um golpe de estado que deu origem aos chamados por eles
“anos de chumbo”, ou silenciar completamente sobre o que ocorreu naquele
31 de março. O revisionismo histórico há muito em curso e ainda bastante
ativo nos meios culturais tem gerado seus esperados maus frutos, principal-
mente entre os jovens. Segundo o historiador Sérgio Pinto Monteiro em seu
artigo “1964-Verdades de Ontem, Reflexões de Hoje”, a súbita renúncia do
presidente Jânio Quadros lançou o país em uma crise que veio desaguar no
Movimento de 64. O mundo estava dividido entre duas potências antagônicas
e estava a poucos passos de uma terceira guerra mundial. A América Latina,
pela proximidade com o adversário americano, era um alvo prioritário dos

soviéticos, após a “cabeça de ponte” estabelecida em Cuba.4
Movimentos operários e sindicatos foram conquistados por adeptos da
União Soviética. Comunistas e oportunistas, alguns com “especialização” em
Moscou infiltraram-se em todos os escalões do governo, em sindicatos, em
movimentos estudantis e partidos políticos. Faltava apenas a tomada do poder,
porque, segundo eles, o governo eles já possuíam. Com táticas de corromper,
destruir, intimidar e subjugar, os fins justificariam os meios em nome da causa.
Jango, longe de ter uma liderança política, após a renúncia de Jânio Qua-
dros buscou o apoio na esquerda. A república sindicalista era a fase inicial
da implantação do regime soviético. Em 1963, com greves paralisando todo
o país, era o cenário perfeito para a queda do regime democrático. Enquanto
as Ligas Camponesas, de Francisco Julião promoviam conflitos no campo,
o chamado Grupo dos Onze, de Leonel Brizola estava se organizando na
execução de ações armadas em áreas urbanas. O desabastecimento era geral
e os serviços públicos estavam paralisados.
Sabiam que teriam um forte obstáculo pela frente: as forças armadas
brasileiras, sempre legalistas. Procuraram então enfraquecer a coesão mili-
tar, colocando praças contra oficiais, atingindo pilares básicos de hierarquia
e disciplina. O presidente da República violava o regime democrático em
reuniões, comícios, já sem representar os anseios do povo brasileiro. Essa
insatisfação levou os brasileiros às ruas por todo o país. Famílias, religiosos,
político, operários, a maioria esmagadora do povo brasileiro pedia a queda
do presidente, que em completa insanidade estava conduzindo o país a uma
aventura comuno-sindicalista, incompatível com valore cristãos. A mídia tam-
bém exortava para que os militares realizassem uma intervenção. Lideranças
civis e militares entraram em ação. E Jango foi derrubado. A vontade popular
havia sido cumprida. Isso nos proporcionou um país com forte desenvolvi-
mento econômico a partir de então, e nos conduziu posteriormente a uma
normalidade democrática, que perdura até os dias de hoje.
A partir de 1964, o trabalho fácil acabou para o StB. Pesquisas não con-
cluídas informam que o StB participou, ou colaborou na criação da chamada
“Teologia da Libertação”, verdadeiro veneno instilado no coração da Igreja
Católica brasileira e das Américas. Seus contatos com reitores, estudantes e
lideranças estudantis também são extensas, estendendo seus tentáculos no
Brasil até os anos 90, quando finalmente encerrou suas atividades.
Toda essa contaminação ideológica migrou paras as academias, uni-
versidades, escolas, imprensa e o aparelho estatal. Buscando a hegemonia
preconizada por Gramsci, e a engenharia (ou reengenharia) social por meio do
movimento revolucionário. É o que Bruno Garschagen afirmou em sua obra
“Direitos máximos, deveres mínimos: o festival de privilégios que assola o
país”, de arma de doutrinação em massa (ADM). A ADM é um instrumento
letal capaz de cooptar ideologicamente os jovens. Ela é estruturada a partir
de um conjunto de autores e teorias que já são utilizados pela intelectuali-
dade e pela intelligentsia de esquerda para fins de doutrinação ideológica,
266 Legislação
naturalizando visões de socialismo e comunismo nas várias esperas da socie-

dade. O objetivo é fazer a cabeça de calouros em universidades com ideias que
legitimem a criação de direitos e privilégios e justifiquem o intervencionismo
estatal. A imprensa, por sua vez é a linha de frente desse campo de batalha,
querendo impor uma agenda denominada “progressista”, e que acredita que
o socialismo utópico e o remédio para os males da sociedade. Instrumento
da esquerda, a mídia dita “profissional” apregoa arbítrios e censuras que
ela mesma acha que não vai ser alvo.5 Nos últimos anos podemos observar
muito claramente por parte dessa mídia, uma reação virulenta à defesa das
liberdades individuais, da liberdade de expressão e da prerrogativa de par-
lamentares. Um jornalismo raso com militância ideológica. Carregado de
vieses imorais e visões de mundo distorcidas da realidade.
Outro ponto que deve ser salientado é que o Regime Militar errou em
colocar lado a lado dentro dos muros do presídio, subversivos e presos comuns,
no Instituto Penal Candido Mendes, na Ilha Grande, em Angra dos Reis (RJ).
Essas relações muito próximas entre militantes de organizações de esquerda
e criminosos, entre a militância enquadrada na Lei de Segurança Nacional e a
vadiagem, causou um amplo entrelaçamento entre bandidos e revolucionários,
muitos deles terroristas. Os presos políticos passaram a ganhar admiração dos
presos comuns, pela união que eles mantinham entre si, e onde o auxílio externo
era compartilhado, além da organização e disciplina fazendo com que conse-
guissem melhorias significativas na vivência carcerária.6 Esse procedimento
ensejou, entre outros desdobramentos, a organização de presos em falanges,
que futuramente se transformariam em facções criminosas. À primeira delas
foi dado o nome de Comando Vermelho (CV), controlando as ações criminosas
e o tráfico de drogas nas cidades, de dentro dos presídios.
“O emprego de métodos inumanos para atingir fins impossíveis, é a essên-

cia do utopismo revolucionário”.
John Gray
Segundo o General Sergio Augusto de Avellar Coutinho e seu clássico e

obrigatório livro “A revolução gramscista no Ocidente”, o movimento revo-
lucionário comunista obrigatoriamente agirá em um primeiro momento , no
sentido de enfraquecer, desgastar ou mesmo destruir as “trincheiras” e “defe-
sas” da nossa sociedade , para um segundo momento alcançar a hegemonia
total na infraestrutura (fundações como as forças de produção , ou seja matéria
prima , meios de produção e os próprios trabalhadores – a base econômica
da sociedade) e superestrutura (é a estrutura jurídico-política e a estrutura
ideológica como o Estado, Religião, Artes, meios de comunicação, etc. usados
pelos grupos dominantes para consolidar e perpetuar o seu domínio ), em
seu golpe final , segundo a concepção do materialismo histórico marxista.7
Essas defesas da sociedades liberal-democratas dos países de capitalismo
moderno e de democracia avançada maioria das sociedades ocidentais) são
muito fortes, embora com a ressalva que países emergentes e pobres não
tem essa configuração tão sólida. As barreiras que impediram a vitória da

revolução são sólidas e correspondem às instituições e convicções ideológicas.
É necessário identificar exatamente quais são esses elementos da sociedade
e do Estado que constituem esse sistema de defesa, e exatamente quais são os
objetivos de “guerra de posição” e/ou “guerra de movimento” (ataque frontal
ao poder) de modelo gramsciano.
Entre essas diversas organizações e instituições (políticas, sociais ou eco-
nômicas) que são alvos de ataques comunistas estão os órgãos de comunicação
social (mídia), a escola, a igreja, os partidos políticos, a Câmara e o Senado
Federal, órgãos de classe empresarial (ex. FIESP), Forças Armadas, o aparelho
policial, a Justiça brasileira, e a família.
A tomada de poder e a consecutiva transição para o socialismo serão
praticamente impossíveis sem a antecipada aniquilação desse sistema defen-
sivo. Essa ação neutralizadora do aparelho hegemônico, e consequente coerção
do grupo dominante é bastante lenta e complexa. Aos poucos, o objetivo é
o esvaziamento moral do indivíduo nas organizações burguesas, perdendo
seu valor moral e ético perante a sociedade civil, produzindo um progressivo
enfraquecimento (desarticulação e perda de sustentação política e da opinião
pública), esvaziamento (isolamento da sociedade, perda de prestígio social),
constrangimento (patrulhamento, infiltração e aparelhamento), perda de valo-
res (valores morais, cívicos e a tradição cultural são paulatinamente perdidos).8
Nessa neutralização das defesas da burguesia (grupo dominante), as
“trincheiras” que ainda tentam resistir, com muito custo, aos ataques do
movimento revolucionário são:
• O Poder Judiciário;
• O Congresso Nacional;
• O Poder Executivo;
• Os partidos políticos alinhados com o centro e direita (burgueses);
• As Forças Armadas;
• O aparelho policial;
• A igreja católica;
• O sistema econômico capitalista.
Falaremos de apenas três, que estão mais afeitos ao escopo e tema do

livro, que são o judiciário, as Forças Armadas e o aparato policial. Dentro dessa
guerra psicológica visando atingir e minar essas instituições, usando o enfra-
quecimento, o esvaziamento, o constrangimento e outros meios, os objetivos
dessa penetração cultural e temas explorados dentro desses temas são:
 Judiciário: para o movimento revolucionário, a justiça é um instrumento

de opressão, de parcialidade, de ineficiência e de improbidade. Dentre
os temas que são motivo de exploração e desgaste estão o favorecimento
dos ricos, privilégios, a impunidade e a corrupção dos magistrados;
268 Legislação
 Forças Armadas: no processo de neutralização (“cisão”) gramscista, as for-

ças armadas são ineficientes, desnecessárias, e um grande ônus para o país.
Os temas de desgaste são o golpismo e a ditadura, a tortura, os escândalos,
entre outros;
 Aparato Policial: de acordo com os gramscistas, as ideias-força para neu-
tralização das polícias são a ineficiência, a truculência e a improbidade.
Os temas explorados são a extinção da polícia militar, os escândalos e
envolvimentos em crimes (milícia), a violência e a corrupção.
Ainda segundo o general Sergio Coutinho, além do aspecto de hegemo-

nia e coerção, ocorre, antes da etapa última de ampliação estatal, a superação
do senso comum, sendo este o conjunto de opiniões aceitas pela maioria das
pessoas da sociedade. A superação do senso comum seria a substituição e
modificação de valores, costumes, modo de pensar, sentimentos e outros, que
dão uma certa coesão interna à sociedade. Através da ação revolucionária,
o objetivo é subverter os valores do senso comum que servem de critério de
julgamento e de comportamento.
Essa etapa está ocorrendo nesse momento no país e as mudanças são
demonstradas a seguir:
• O conceito de livre opinião está sendo substituído pelo “politicamente cor-

reto” (a opinião individual vai sendo “socializada” pela opinião coletiva);
• O conceito de legalidade está sendo substituído pelo conceito de “legiti-
midade” (a norma legal perde força diante da violação social “legítima”);
• O conceito da fidelidade pessoal está sendo substituída pelo conceito de
“felicidade individual” (O prazer, em primeiro lugar, e como critério do
comportamento moderno, sendo o fim da abnegação, e da solidariedade);
• O conceito de cidadão sendo substituído pelo conceito de “cidadania”.
O conceito de cidadania é esvaziado, não sendo mais a relação do indi-
víduo com o Estado, e sim uma relação de demanda de minorias, ou
grupos organizados;
• O conceito de pátria e sociedade nacional, substituído pelo de “sociedade
civil”. A comunidade passa a ser o espaço de classes em oposição.
Deve-se incluir no rol de consequências e sintomas nefastos para a socie-

dade brasileira, uma certa indiferença da população, de um modo geral, em
relações a injustiças, em todos os níveis. Pelo contrário, a sociedade deve
permanecer coesa e unida, se indignar perante a arbitrariedade, a iniquidade
e o desrespeito, e repudiar totalmente desvios morais como a corrupção,
derivada da ganância, principalmente quando partir de nossos representantes
em todos os poderes constituídos. A indignação individual ou coletiva é sinal
de saúde de uma sociedade. A indiferença total é sinal de que a ditadura se
instalou. E o retorno a uma condição de liberdade ficará extremamente difícil.
A esquerda de um modo geral, grande parte da imprensa, o setor cultural
com algumas exceções, as universidades públicas, e até altas cortes do país,
dominadas pelo ativismo judicial, descobriram seus grandes inimigos da atua-

lidade: as redes sociais e a Internet. Essas foram duas das grandes conquistas
do espírito humano e da liberdade, resultado do avanço da tecnologia. Com
relação à mídia, o conteúdo das redes sociais atrapalha o alcance de público
por parte dos meios de comunicação de massa tradicionais. A Internet e as
redes retiraram grande parte seu público. A esquerda em geral também sofre
com a escassez de votos, depois que informações sobre sua ineficaz e imoral
atuação das últimas décadas foram propagadas nas redes. Um ministro do
STF proclamou que “a Internet deu voz aos imbecis”. Na verdade, a Internet e
as redes sociais são a expressão máxima da liberdade de um povo, juntamente
com a educação e a democracia. Querer restringir essa liberdade, reprimindo
o pensamento livre, é a marca inequívoca das ditaduras9.
Notas:
1. Józef Mackiewicz (1902-1985) foi um escritor, romancista e comentarista político
polonês. É mais conhecido por seus romances documentais Nie trzeba głośno
mówić (Não se deve falar em voz alta) e Droga donikąd (The Road to Nowhere). Se
opôs firmemente ao comunismo, referindo-se a si mesmo como um “ anticomunista
por nacionalidade”. Mackiewicz morreu no exílio.
2. Jeffrey Robinson, em “Globalização do Crime”.
3. Mauro ‘Abranches’ Kraenski, Vladimir Petrilar, “1964: O Elo Perdido”.
4. Sergio Pinto Monteiro, “1964- Verdades de Ontem, Reflexões de Hoje”.
5. Bruno Garschagen, “Direitos máximos, deveres mínimos: o festival de privilégios
que assola o país”.
6. Leandro Damasceno Silva, “A Lei nº 9.034/95 e as Organizações Criminosas Bra-
sileiras”, p. 386 Revista Controle, Fortaleza, v. 10, n. 1, p. 379-392, jan./jun. 2012.
7. Sergio Augusto de Avellar Coutinho, “A revolução gramscista do Ocidente”.
8. Ibid.
9. J.R. Guzzo, “A voz dos imbecis”, Revista Oeste maio 2022.
SEGURANÇA
PÚBLICA E DEFESA
NACIONAL
“Quando a política ingressa pela porta das unidades
policiais, o tecnicismo sai por alguma janela.”1
Juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira, presidente do 3º Tribunal
do Juri da Capital do Estado do Rio de Janeiro
“Criminoso de alta periculosidade só respeita o que ele teme”2

Major Leonardo Novo – Caveira /PMERJ
A
crescente onda de violência urbana que assola as principais cidades
do Brasil têm se tornado uma preocupação nacional. Em determinado
momento instituições de Segurança Pública de um Estado brasileiro
apresenta dificuldades em cumprir sua missão ou perde a sua capaci-
dade operacional de manter o controle. Nessas ocasiões os governantes desses
Estados solicitam autorização para que as Forças Armadas sejam acionadas e
empregadas para revolver esses problemas. Isso vem se tornando prática comum.
As Forças Armadas, portanto, vem sendo utilizadas com frequência cada
vez maior em operações de GLO e em atribuições subsidiárias. Essas tropas
não são treinadas para este tipo de operação de combate a criminalidade
organizada, mas seu material bélico, material humano, sua disciplina dão
uma excelente resposta de demonstração de força, e geralmente os resultados
são bastante positivos. Entretanto o emprego das Forças Armadas em ações
de GLO não são a sua principal tarefa na atualidade.
As Forças Armadas e Forças de Segurança possuem tarefas e empregos
específicos e estão delineados na Constituição Federal brasileira de 1988.
Nesse diapasão, as Forças Armadas como instituições e órgãos componentes
da estrutura governamental do país, possuem definições e tarefas descritas
no art. 142 da CF:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas
com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presi-
dente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na
organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.
§ 2º Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.
§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, apli-
cando-se lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes dis-
posições: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998).
I - As patentes, com prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são
conferidas pelo Presidente da República e asseguradas em plenitude aos
oficiais da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes privativos os títulos e
postos militares e, juntamente com os demais membros, o uso dos uniformes
das Forças Armadas; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998).
Outras atividades, ainda que temporárias e não previstas na Constituição,

foram sancionadas por Leis Complementares e Decretos ao longo do tempo. É o
caso da Garantia da Lei e da Ordem. As missões constitucionais são claras e bem
explicitadas: Defesa da Pátria, Garantia dos Poderes Constitucionais, Garantia da
Lei e da Ordem e com a Lei Complementar 97/99 inclui as Operações de Paz, per-
fazendo quatro ao total. Outros instrumentos legais, regulando a GLO por exem-
plo demonstram a preocupação com o assunto. É o caso da LC 97/99, que possui
em seu artigo 15 voltado quase integralmente sobre o tema, Leis Complementares
274 Segurança Pública e Defesa Nacional
(LC 117 de 2004 e LC136 de 2010), além do Decreto 3.897/2001, que orienta o
planejamento, coordenação e execução das ações das FA em ações de GLO.
A Segurança Pública é um dos temas mais importantes no Brasil de hoje.
Apesar da Constituição Federal garantir, em seu artigo 6º, o pleno direito à segu-
rança, de fato, ele não é assegurado. Vários e complexos fatores, entre os quais
a ausência social do Estado brasileiro, gera um alto índice de criminalidade.
A Lei Magna3 de 1988, a nosso ver já defasada, exigindo a convocação
urgente de uma nova Assembleia Nacional Constituinte, para que se faça
uma moderna Constituição Federal, de acordo com os desafios do século
XXI, elenca as atribuições das polícias, à nível federal, estadual e municipal
em seu Artigo 144.
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade

de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumi-
dade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - Polícia federal;
II - Polícia rodoviária federal;
III - Polícia ferroviária federal;
IV - Polícias civis;
V - Polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI - Polícias penais federal, estaduais e distrital. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 104, de 2019)
§ 1º - A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estru-
turado em carreira, destina-se a:
I - Apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detri-
mento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autár-
quicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha
repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme,
segundo se dispuser em lei;
II - Prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros
órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras; (Revogado)
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
IV - Exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido
pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patru-
lhamento ostensivo das rodovias federais. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, estruturado em car-
reira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferro-
vias federais.
Art. 144 da Constituição Federal de 88 – Atualizado em DEZ/2019

§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido
pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patru-
lhamento ostensivo das ferrovias federais. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incum-
bem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária
e a apuração de infrações penais, exceto aos militares.
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da
ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições
definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§ 5º-A. Às polícias penais, vinculadas ao órgão administrador do sis-
tema penal da unidade federativa a que pertencem, cabe a segurança dos
estabelecimentos penais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
104, de 2019)
§ 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxilia-
res e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis
e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados,
do Distrito Federal e dos Territórios. (Redação dada pela Emenda Cons-
titucional nº 104, de 2019)
§ 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos res-
ponsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de
suas atividades.
§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas
à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
§ 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos rela-
cionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública
e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas:
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 82, de 2014)
I - Compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além
de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito
à mobilidade urbana eficiente; e (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 82, de 2014)
II - Compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito,
estruturados em Carreira, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Cons-
titucional nº 82, de 2014)
Como podemos verificar, de acordo com a missão das Forças Arma-

das, definidas na Constituição, de forma geral são responsáveis pela defesa
externa, cabendo aos órgãos de segurança a segurança pública interna, salvo
raras situações já previstas. Essa estrutura bipolar é obsoleta e precisa ser
revista, nas próximas Constituições, redesenhando o papel de ambos os seto-

res, com base em uma visão holística e multifacetada e trazendo respostas
adequadas, em consonância com os problemas graves de segurança interna
como a insurgência criminal, advindos do novo século XXI.
É de fundamental importância salientar que as Polícias Militares e
Polícias Civis (convencionais e unidades especiais) dos Estados, bem como
Polícias do Estado Brasileiro e outras Forças de Segurança (como a Guardas
Municipais que realizam um brilhante trabalhos em inúmeros municípios
brasileiros, e deveriam constar no Art. 144 da CF, como parte integrante do
arcabouço de Segurança brasileiro), cumprem de forma exemplar seu papel,
realizando operações/ações cinéticas de combate à insurgência criminal, nota-
damente no Rio de Janeiro, ou cumprindo determinações e demandas do
Poder Judiciário. Entretanto, essas ações não se refletem na melhoria das
condições de vida e segurança da população local como um todo. Forças
de Segurança em atuação singular ou conjunta, por si só, não resolverão o
problema. Operações de poucas horas de duração ou intervenções de quase
dois anos, como foi o caso do Complexo da Maré não transformaram o Rio
de Janeiro em um lugar mais seguro de forma definitiva.
Em nível tático e operacional, essas forças realizam seu trabalho de
forma inegável, com extrema competência, abnegação e heroísmo, muitas
vezes sem condições ou meios. Será necessário quebrar paradigmas, romper
preconceitos e vaidades e repensar com grandeza e seriedade, e de forma
aprofundada e holística a nova Segurança Pública brasileira, redesenhando
ou flexibilizando artigos pétreos da Constituição Federal, Leis Complemen-
tares, decretos e outros instrumentos legais, em um esforço político, jurídico
e administrativo em nível estratégico, se houver o interesse de resolver esse
grave problema que afeta a todos. Refundar o pacto federativo, distribuir o
valor arrecadado com tributos de forma mais justa e descentralizada entre
União, Estados e Municípios, refazer políticas de segurança (transformar
guardas municipais em polícias distritais) com atuação multidimensional e
descentralizar recursos públicos.
O Código Penal4 também está muito atrasado, criado a partir da década
de 40, mas não é de todo ruim. Até o Art. 75 já foi modificado, majorando as
penas para, no máximo, 40 anos de prisão. Porém hoje é necessária, conforme
Rogério Greco, a chamada expansão do Direito Penal, para acompanhar o
avanço rápido da sociedade brasileira. Bens que antes eram inimagináveis,
hoje são coisas corriqueiras. Hoje é necessário ampliar a tipificação penal,
criar tipos penais que digam respeito a questões por exemplo que envolvam
informática e a tecnologia. Trazer o Código Penal para o século XXI.
A Lei de Execuções Penais é claramente absurda e custosa ao país, pois de
fato nenhum criminoso cumpre exatamente a pena a qual lhe é imposta. Com
isso toda a sociedade brasileira fica prejudicada. A sentença de um criminoso
nunca pode ser menor que a dor da vítima. O Sistema de Progressão de Regime
é uma verdadeira provocação a qualquer cidadão com o mínimo de decência
e sentimento de justiça. Para o criminoso comum cumprir a pena em regime

fechado, a pena deve ser superior a 8 (oito) anos. Também houve uma “relativi-
zação” da Lei de Crimes Hediondos, pois antes, os condenados cumpriam a sua
integralidade em regime fechado. Aos poucos, a lei foi sendo abrandada e passou
a ser apenas o início e boa parte da pena em regime fechado. Atualmente, os cri-
mes hediondos muitas vezes nem começam a ser cumpridos no regime fechado.
É urgente acabar com o ativismo judicial e o excessivo garantismo penal
(legado do marxismo cultural), e tratar criminosos como de fato devem ser
tratados: como criminosos e não vítimas da sociedade. Premente é abolir ime-
diatamente o garantismo penal e passar agora a enxerga com mais clareza do
direito das vítimas desses criminosos. Revisar estatutos como o ECA5(Estatuto da
Criança e do Adolescente) e a Lei do SINASE6 (Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo). Reduzir com urgência a maioridade penal de 18 para 16 anos.
É imprescindível também que a mídia e a indústria cinematográfica contribuam
para acabar com a glamourização do crime e do delinquente, seja ele quem for.
Deve haver um controle maior do judiciário pari passu a uma reverência
maior à ponderabilidade da lei e às posições políticas de outros poderes, como
o Executivo. O que está havendo hoje em dia é uma concentração de poder e
tutela cruzada (ou controle cruzado de poder) por parte de certos ministros
do Supremo Tribunal Federal. Data máxima vênia, está se resgatando uma
espécie de “absolutismo judicial”, quebrando a harmonia e independência
dos poderes, trazendo o pêndulo do poder da República para o Judiciário,
desconsiderando absolutamente os outros dois poderes. Não havendo o res-
peito devido à literalidade da lei ou a ações políticas propostas pelo Executivo.
Ocorrendo uma violação à Constituição e indo contra princípios republica-
nos implícitos na Carta Magna e princípios de separação de poderes. Parece
constatar que o excessivo ativismo judicial se propagou também para cortes
superiores. A guerra cultural promovida pelo movimento revolucionário
penetrou o ambiente jurídico e contaminou o direito.
A juíza e professora Ludmila Lins Grillo, da Vara Criminal, da Infância e
da Juventude, de Unaí, noroeste de Minas Gerais é voz dissonante dentro do
ambiente jurídico brasileiro, contaminado pela soberba. Como muitos brasileiros,
ela pensa de forma diferente sobre o procedimento da mais alta corte do país,
em mapear ações em andamento que estão de acordo com a “Cartilha 2030”7 da
ONU, como por exemplo meio-ambiente e ideologia de gênero, com objetivo de
priorizar esses processos, pautando esses julgamentos na corte suprema antes
dos outros. Esses processos são classificados e identificados com selos específicos
dos 17 ODS (“Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”) da Agenda 2030 da
ONU. A professora Ludmila afirma que essa conduta não pode ser interpretada
de forma benévola. Essas ações distorcidas e de falso “bom-mocismo”, segundo
ela, são lamentáveis, e violam claramente a soberania do Brasil, colocando “de
joelhos” a mais alta corte do país, referência para todo o aparelho jurídico brasi-
leiro e o seu ordenamento. A justiça brasileira dessa forma se submete à ONU,
um órgão notoriamente globalista, em descabida vassalagem. Muitas dessas
ideias, aparentemente altruístas em teoria, mas nefastas à nação na prática, estão

aos poucos e perigosamente, penetrando no ambiente jurídico nacional, com
aplausos do Establishment. É necessário inicialmente reverter o cenário e vencer
a guerra cultural, para em seguida se criar um ambiente mais evoluído, e que
desse “caldo” cultural renovado saiam novos políticos que possam representar
bem o seu país, aprovando por sua vez, leis mais adequadas.
Na perspectiva criminal, a Justiça brasileira deve parar de tratar o criminoso
com excessos e benevolências e passar a cuidar agora da vítima desse criminoso,
que está sendo esquecida, há muito tempo Isso é fazer justiça, a meu ver.
Como exemplo, em uma decisão do Tribunal de Justiça de Goiás, a juíza
substituiu a prisão preventiva concedendo a liberdade provisória (com tor-
nozeleira eletrônica) a uma presa acusada de fazer parte de uma organização
criminosa envolvida em lavagem de dinheiro e jogos de azar, uma vez que
o presídio não tinha condições de dar uma alimentação adequada à presa
(a presa se alimentava de cenoura e quiabo apenas), já que ela era vegana.
Especialistas em direito penal afirmaram que a juíza errou ao não questionar
inicialmente a administração penitenciária quanto à possibilidade de uma
adequação da dieta da detenta.
Outra questão importante é que o condenado pague pelo que fez. Além
de cumprir integralmente, sem progressão de regime, esse indivíduo deve
obrigatoriamente trabalhar dentro da cadeia, para poder se sustentar. A socie-
dade não pode pagar imposto por mais essa despesa, para que condenados
continuem tendo gratuitamente alimentação, estadia e regalias como remis-
sões de pena por leitura e até continuando a cometer crimes de dentro das
“escolas de pós-graduação do crime” como são chamadas as penitenciárias.
Com essa visão mais humana sobre a vítima do criminoso, nada mais justo
que ele também indenizar e ressarcir essa vítima. Se o crime passar a ser enxer-
gado como atividade econômica atualmente, ele compensa demasiadamente.
Segundo dados do Ministério Público de São Paulo, de cada 100 roubos
a mão armada, somente 2 chegam a fase de pena. E esses 2 apenados, só irão
cumprir no máximo 20% da pena. É preciso para de conceder benefícios ao
criminoso: chega de auxílio reclusão, chega de saídas temporárias, chega de
visita intima, chega de progressão de regime e remissão de pena para bene-
ficiar o apenado. O crime deve ser observado do ponto de vista da vítima e
ser enxergado como uma atividade econômica, e por enquanto está valendo
bastante a pena, infelizmente.
O próprio autor viveu isso na pele. Em um domingo de fevereiro de 2022,
ao ser acionado por vizinhos, soube que um marginal havia entrado em uma
das casas próximas a sua residência. O meliante pulou o muro durante o dia
(08:49 hs da manhã desse domingo), ignorando a cerca elétrica e adentrou ao
imóvel onde morava um casal de idosos, em busca de algo para ser subtraído
oportunamente. O criminoso chegou a andar em volta da casa por mais de 15
minutos, sendo avistado de dentro da casa pelo morador apavorado (e desar-
mado) que acionou o vizinho. Esse ladrão, que invadiu a casa e arrebentou a
cerca elétrica, saiu da residência sem levar nada. O autor acompanhou uma
das vítimas em busca pelo bairro, e conseguiu lograr êxito em localizá-lo com
base no reconhecimento. Em abordagem, verificou que ele estava drogado,
e o dominou com alguma dificuldade até a chegada da viatura policial. Para
surpresa do autor, que acompanhou a vítima até a delegacia, o delinquente,
com várias passagens por invasão e roubo, foi ouvido pelo delegado, e assi-
nou apenas um Termo Circunstanciado, sendo libertado em seguida. Estava
pronto para continuar sua trajetória de crimes. Enquanto isso a vítima, que
esperou por mais de uma hora, tampouco foi ouvida. Que justiça é essa que
praticamente incentiva o criminoso a cometer novos delitos?
O Brasil vive hoje uma impressionante inversão de valores em todas as
áreas, não só no aspecto jurídico tratado aqui. E o país não é conhecido, à toa,
em todo o mundo, como o país da impunidade. Muito deve ser feito ainda.
Precipuamente, caberia a polícia militar o papel ostensivo da prevenção
de infrações penais. Enquanto a polícia judiciaria civil caberia, também de
forma precípua, ao papel de investigação.
Como diz Álvaro Lazzarini, a Polícia Militar constitui um órgão de preser-
vação da ordem pública, e especificamente, da segurança pública.8 Em alguns
casos, como afirma, ela “engloba a competência especifica dos demais órgãos
policiais, no caso de falência operacional deles, a exemplo de suas greves ou
outras causas [...]” podendo realizar a “investigação policial militar preventiva”.
Da mesma forma, a polícia civil, além de seu papel de polícia judiciária
(auxilia o Poder Judiciário) e a sua natureza investigativa, pode também atuar
na prevenção de futuros delitos.
Caso Lázaro Barbosa
O caso Lázaro Barbosa é emblemático em relação a uma necessidade

urgente de revisão do Código Penal Brasileiro. Lazaro Barbosa, era um notó-
rio assassino em série, foragido da polícia, que assassinou 4 membros de uma
mesma família do dia 9 do mês de junho de 2021. Com extensa ficha criminal,
cometeu antes desse massacre crimes revoltantes, no Distrito Federal e em
Goiás. No momento da elaboração desse livro, a caçada continuava pelo 18º
dia, pelas matas da região de Girassol, GO e Cocalzinho de Goiás, GO. Em 2007,
foi acusado de duplo homicídio e preso. Logo em seguida fugiu da cadeia. Em
2009 foi preso novamente no Complexo Penitenciário da Papuda em Brasília por
estupro, roubo e posse ilegal de arma de fogo, diagnosticado como ‘psicopata’
imprevisível, com alta agressividade, impulsividade e instabilidade emocional.
Em 2014 a justiça brasileira autorizou a progressão de seu regime para
o regime semiaberto. Em 2016, ele sumiu do radar e foi considerado foragido
pela Justiça. Em 2018, em Goiás, foi novamente preso por porte ilegal de
arma de fogo, mas em julho desse mesmo ano, conseguiu fugir outra vez.
Em 2020 foi indiciado por roubo de quatro idosos e tentativa de latrocínio
em Santo Antônio do Descoberto, GO. Em abril do mesmo ano, indiciado por

um estupro de uma mulher de 39 anos em Sol Nascente, DF.
Após o assassinato de uma família inteira, invasões de mais de 11 fazen-
das e chácaras e ter feito moradores de reféns, foi criada uma força tarefa de
mais de 270 policiais de diversas unidades especializadas a fim de capturá-lo,
um trabalho conjunto realizado pelas Secretarias de Segurança de Goiás e do
DF, além da Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal e a Força Nacional de
Segurança. As equipes contam com cães farejadores, helicópteros equipados
com sistema Flir, rádios especiais doados pelo Exército Brasileiro. Durante a
sua fuga, que já dura 18 dias, baleou dois policiais e se desloca com extrema
habilidade pela região, por conhecê-la bem (é mateiro), conseguir roubar
carros e coagir moradores de chácaras da região a ajudá-lo.
Lázaro entrou em algumas chácaras para pedir comida e foi reconhe-
cido em uma delas. Nesse momento ele disparou tiros contra um caseiro, mas
não o acertou. Muitas patrulhas trabalharam nas matas e ravinas do cerrado
goiano por dias ininterruptos, o que exigiu bastante de todos os policiais. Ele
possuía “superpoderes”, longe disso, entretanto era mateiro e recebeu ajuda de
alguns fazendeiros para quem ele havia trabalhado. Foi montado um comando
e controle (C2) com o passar do tempo, e as informações, que antes ficavam
com as equipes dispersas no terreno agindo de forma autônoma, foram então
centralizadas e fluíram melhor, criando a partir daí missões especificas dis-
tribuídas entre uma ou mais unidades, trabalhando também em áreas de res-
ponsabilidades. Para isso funcionar de modo adequado, foi fundamental uma
ampla logística para atender as necessidades dos operadores. Os moradores
da região, por mais humildes que fossem, colaboraram muito nesse sentido,
doando alimentos e servindo refeições aos policiais e militares envolvidos.
Lázaro Barbosa caçado por mais de 16 dias, se deve a total falência do
sistema jus-persecutório brasileiro. O arcabouço jurídico penal do país é arcaico,
brando, antiquado, garantista, causando diretamente um cenário de insegu-
rança pública difícil de reverter à médio e longo prazo, e que não contempla
pena de morte para assassinos e estupradores como o assassino em série Lázaro.
Esse psicopata é a evidência maior de que a justiça criminal brasileira hoje
funciona mal, com algumas exceções. E deveria ser ‘RESETADA’.
Se fosse preso novamente, teria todas as benesses da lei, com acompanha-
mento da OAB, e um bom defensor público, certamente não seria algemado
pois “não apresentaria risco a sociedade”. Seria levado imediatamente ao IML
para delatar possíveis agressões da polícia, e após isso, conseguiria uma audiên-
cia de custódia, onde seria perguntado se foi bem tratado pela polícia, se a
polícia teria faltado com o respeito, oportunidade ímpar também para poder, se
quisesse, representar contra os policiais que o prenderam, tudo fazendo parte
de uma ampla agenda progressista de ativismo judicial, desencarceramento,
garantismo, bandidolatria e de uma completa inversão de valores. Olhando na
maioria das vezes sob a ótica do bandido, e nunca da vítima. Culpando toda
a sociedade e nunca, ou quase nunca, o próprio assassino.
Após ser conduzido e permanecer em uma prisão, caso não conseguisse

fugir, e se for constatado que vivia em “condições sub-humanas”, obteria redu-
ção imediata de regime. A progressão de regime é certa, pois como a pena é
integrativa, poderia fazer um curso (como já havia feito) de “Empatia com a
Vítima” e conseguir mais esse benefício. Poderia também, se tivesse um bom
advogado com tramite no STF e se seu inquérito demorasse, responderia em
liberdade por todos os seus crimes (como o traficante ‘André do Rap’, do PCC,
posto em liberdade pelo ministro do STF Marco Aurelio Mello). Sendo con-
templado em pouco tempo com “saidões” do Dia dos Pais, ou “saidões” de
Natal, e com certeza, irrecuperável do jeito que era, faria mais vítimas pelo seu
caminho de atrocidades, roubando, estuprando ou matando mais uma família
inteira ou alguém próximo a nós. É um problema é muito grave, estrutural e
sistêmico E centenas, talvez milhares de “Lázaros” estejam soltos nesse país
cometendo seus crimes. Enquanto continuarem tratando bandido como vítima
e a vítima como bandido, e, enquanto não houver respeito e dignidade devida
com o policial ou militar brasileiro, essa situação tende a se perpetuar.
A Defensoria Pública do DF inclusive já entrava com pedidos para “pre-
servar a vida e a integridade” de Lazaro. Priorizando a proteção do criminoso,
em detrimento à todas as vítimas e sequelados que esse maníaco deixou pelo
caminho. Uma total inversão de valores. Teria que se discutir, no desfecho
do caso “Lázaro”, a ineficácia do anacrônico sistema penal, e que políticos
propusessem mudanças urgentes e soluções viáveis , sem vieses ideológicos.
Que os novos policiais que estão começando suas carreiras agora tenham essa
preocupação em mente. E novos políticos, juristas e criminalistas tenham
bom-senso, e cumpram seu papel em benefício da sociedade.
O criminoso Lázaro Barbosa foi morto dia 28 de junho de 2021, durante
a realização desse livro, após 20 dias de buscas intensas, depois de tentar
retornar para a casa da ex-mulher, que vive em Águas Lindas (GO). Policiais
fizeram o cerco no bairro da cidade. O criminoso resistiu a voz de prisão. Ele
ainda tentou fugir para a mata, mas foi atingido. Morreu em confronto com
a polícia de Goiás, a ROTAM/GO, depois de ser socorrido. Lázaro priorizava
os riachos para que os cães farejadores não pudessem localizá-lo. Também
esperava o fim do dia para recolher alimento e abrigo, e contou com a ajuda
de conhecidos para se esconder. O processo ainda está tramitando na justiça.
As investigações também prosseguem.
Notas:
1. Juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira, em “Guerra à Polícia: Reflexões sobre a

ADPF 635”.
2. Entrevista do Major Leonardo Novo Oliveira Andrade de Araújo.
3. Constituição Federal da República Federativa do Brasil, de 1988.
4. Codigo Penal Brasileiro, de 1940.

5. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990 é o principal instrumento
normativo do Brasil sobre os direitos da criança e do adolescente.
6. Lei do Sistema Nacional de Acompanhamento de Medidas Socioeducativas
(SINASE), de 2012, emerge do ordenamento jurídico para regulamentar as medidas
socioeducativas, bem como definir o procedimento para sua execução.
7. Cartilha 2030 ou Agenda 2030 são os objetivos das Nações Unidas de um desenvol-
vimento sustentável, um “apelo global à ação, a fim de proteger o meio ambiente,
o clima e garantir que pessoas possam desfrutar de paz e prosperidade”. São ao
todo 17 objetivos ambiciosos e interconectados que abordam os principais desafios
de desenvolvimento enfrentados por pessoas ao redor do mundo.
8. Álvaro Lazzarini, “Direito Administrativo da Ordem Pública: Polícia de Manuten-
ção da Ordem Pública e a Justiça”. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 17, 18.
A EVOLUÇÃO DA
CRIMINALIDADE
E OPERAÇÕES
ESPECIAIS DE
POLÍCIA JUDICIÁRIA
“Os homens não são anjos. Se fossem anjos não precisaria de governo”1
James Madison, O Federalista nº 50.
O
Estado Brasileiro não está em crise somente em função de má gestão
ou por razão de natureza fiscal. Existe uma outra causa, menos evi-
dente que explica a falência e a ineficiência das estruturas: o crime
organizado infiltrado nas instituições, que agem em conluio com
políticos corruptos, com o narcotráfico e outras organizações criminosas. Essa
economia paralela emprega milhões de pessoas e se alastra por meio da chan-
tagem, corrupção e violência, resultando em um estado de barbárie e guerra
civil. E esse quadro se apresenta muito mais grave em vários países da América
Latina como Cuba, Venezuela, Bolívia, Peru tendo o Brasil seguindo de perto a
mesma trajetória. Em solo brasileiro esses agentes do caos também se encontram
instalados em instâncias dos três poderes da República.
A operação Lava-Jato2, que inclusive teve sua gênese na Polícia Federal
do Paraná, foi uma operação que trouxe avanços e deu grandes resultados
para o Brasil, no que se refere ao combate à corrupção, alcançando pessoas
consideradas inatingíveis. Em determinado momento começou a haver sele-
tividades, parcialidades e até excessos, principalmente quando se percebeu
que se iniciava uma espécie de culto à personalidade do juiz do caso, visando
claramente pretensões políticas futuras, passando a se tornar um novo “Sal-
vador da Pátria”. Inclusive esse mesmo juiz foi convidado para ser ministro
do governo. Entretanto, não conseguiu alcançar o mesmo desempenho no
executivo como quando foi juiz da operação, por desvios pessoais próprios, e
saiu do governo de forma insidiosa e desleal.
O quadro nacional reflete a cultura da impunidade, a compra de magistra-
dos e políticos, o financiamento de campanhas políticas por meio de “caixa 2”
e a difícil reversão do estado burocrático e cartorial. Muitos partidos políticos,
verdadeiras organizações de fachada, são mantidos hoje como negócio, mantidos
através do contrabando, do narcotráfico e da corrupção, protegidas pela legisla-
ção ordinária e pela Constituição. Eles trazem consigo uma massa de militantes
(idiotas úteis), e a eles, e à toda a sociedade, escondem suas perversas motivações.
O crime manipula e corrompe políticos de todos os níveis e incluem
na sua rede de poder invisível ou “duplo Estado”, executivos de primeiro e
segundo escalões, policiais, delegados, juízes e procuradores. Apropriam-se
de trincheiras do Estado para fins delituosos. Essa afronta ao Estado de Direito
chegou a um nível de “metástase” do sistema que beira a uma ausência de
institucionalidade. Esses agentes, estrategicamente situados passam a redire-
cionar o produto de suas ações para fins corporativos, em favor de apoiadores
e financiadores, em contraponto ao compromisso do interesse geral do povo.
Hoje, as dez cidades mais violentas do mundo estão todas na América
Latina. Essa hegemonia criminosa não é uma questão somente moral ou
política. É um problema de ordem econômica. Crimes como narcotráfico,
lavagem de dinheiro, corrupção efetivamente não combinam com riqueza,
desenvolvimento, progresso, inovação. Esse esgotamento político econô-
mico traz severos prejuízos para a civilização, à curto e longo prazos. O con-
trole público do poder, braço saudável a democracia, torna-se fundamental,
A evolução da criminalidade e
286 operações especiais de Polícia Judiciária
decisivo e vital, dentro de um contexto de grande avanço de tecnologia de

informação e comunicação. O Estado no Brasil e na América Latina vive um
momento verdadeiramente crucial em seu destino: ou é refundado e rede-
senhado em suas instituições, com novas leis e regramentos, ou sucumbe de
vez aos domínios do estado paralelo da criminalidade e da corrupção. É a
civilização ou à barbárie.
Dentro desse contexto em que se discutem e se traçam os destinos do
país, devemos preparar os homens de operações especiais para uma verda-
deira guerra não declarada em função da criminalidade ter evoluído e ter se
expandido. É o que afirma em sua palestra o Delegado Rafael Fagundes do
GARRA/SP, dada no evento W2C em 2021. São confrontos e cenas de conflitos
estarrecedores que acontecem pelo Brasil diariamente, com narcoterroristas
e facções criminosas portando fuzis em plena área urbana com ampla mobi-
lidade, estabelecendo territórios e afrontando cada vez mais o Estado.
Esses operadores especiais são treinados “em função” do aumento da
criminalidade, e não para “prevenir” ou evitar esse aumento. Sempre de modo
reativo, e não proativo. Enquanto isso as facções criminosas crescem e se
organizam, infiltrando seus membros nos poderes legislativos e no judiciário,
ganhando fortunas com o tráfico de drogas e assaltos a bancos cinematográfi-
cos, dominando cidades ou chegando a criar uma espécie de estado paralelo.
A causa primordial dessa violência ainda é incerta. São fatores múltiplos:
econômicos, sociais, psicológicos, culturais aliados a desvios de caráter. Ideo-
logias à parte, pesquisadores atribuem uma grande migração em massa para
os grandes centros, um forte êxodo rural, também por motivos de melhorias
da qualidade de vida, desemprego e mecanização do campo, dentre outros,
enquanto essas mesmas cidades não estariam preparadas para receber tanta
gente. Começam as invasões em áreas não habitadas das metrópoles brasileiras
em virtude da falta total de planejamento de gestores, planos de habitação equi-
vocados e negligência estatal. É a gênese das favelas brasileiras nas periferias
das grandes cidades, que sem nenhuma estrutura de urbanidade, água, luz ou
saneamento, geram a pobreza dos grandes centros urbanos. ”A urbanização
da pobreza, levou à urbanização da insurgência“, como afirma Mike Davis3
“[...]Grande parte da sociedade, com seu lema “segue o baile”, como se

nada estivesse acontecendo, é um típico comportamento de um cão sem
dente, ou uma ovelha em um rebanho. Fica aceitando pacificamente o jugo
do crime, e não se movimenta, e mal percebe que a realidade bate cada vez
mais forte à sua porta. Seja a guerra na Rocinha, ou a guerra no Juramento,
todas são uma só guerra, não declarada. Somam-se 105 policiais mortos. E
a imprensa permanece em sua normalidade, como se nada fora do comum
estivesse acontecendo [...] entendo que tem dois personagens que alimen-
tam essa crise: O primeiro acredita que, por ser inofensivo, estará a salvo
em meio ao cardume. Algo como contar com a misericórdia do predador,
ou como se essa apatia fosse considerada, vivendo um dia após o outro. O
segundo é o que vota e apoia movimentos políticos “chapas brancas” que
colocam em um mesmo patamar o algoz e o vigilante [...] Constato que a

sociedade, com esses dois personagens, está a passos largos caminhando
para um abismo, ao mesmo tempo em que alimenta o lobo que à ataca.”
Depoimento de um operador
Soma-se a isso a colocação, nas décadas de 60 e 70, de presos políticos

treinados em táticas de guerrilha juntamente com presos comuns. Na prisão
se iniciam doutrinações e troca de conhecimentos colocando o Estado como
o inimigo comum. Crimes como sequestro, roubo a bancos passam a ser
cometidos por criminosos comuns sem viés político, embora usando táticas
de guerrilha, começam a fazer parte do dia a dia das páginas policiais nos
jornais brasileiros. Em virtude disso também começam a surgir as fações cri-
minosas como o Comando Vermelho no Rio de Janeiro e PCC em São Paulo
se expandindo por todo o território nacional e até atualmente no exterior.
Nas favelas hoje em dia, além da ausência de estruturas sociais básicas, que
garantem uma relativa qualidade de vida e urbanidade, tem hoje um elevado
nível de violência e tráfico de drogas. A polícia é o único braço do Estado que
consegue alcançar essas comunidades. Quando a força policial atua nas favelas,
ataca uma consequência de um problema causado e negligenciado por muitos
anos pelo próprio Estado. A polícia, atuando sozinha, não consegue eliminar
totalmente a criminalidade, em suas ações pontuais. Para a solução efetiva do
problema é necessário um esforço-conjunto multifatorial do Estado Brasileiro
em união de esforços com os Estados federativos, com a finalidade de trazer
educação, alimentação, saúde, trabalho, água, luz, saneamento, esgoto, gás,
coleta de lixo, dentre outras ações sociais de forma perene.
Nesse contexto, no quadro crítico atual, moradores das comunidades
passam a ser explorados pela criminalidade, que impõe a política do medo
e uma doutrinação nos mais jovens (massa de manobra e recrutamento para
o trabalho), sendo expostos à coerção, ao medo, à insegurança, à crueldade
e porque não dizer a uma certa “escravidão” por parte do crime, que cada
vez mais consegue ganhar a confiança da população, em virtude da ausência
total do Estado.
“As crianças das favelas são a arma secreta das forças anti-Estado”.4
Geoffrey Demarest
A presença de fuzis em zona urbana, no mundo inteiro seria algo inad-

missível. Mas no Rio de Janeiro é. O Rio de Janeiro hoje está numa zona
híbrida e cinzenta. Claramente não está em paz plena, todavia também a
guerra não é decretada de maneira formal. Então devemos sempre discutir
esse assunto com bastante seriedade. Não há uma retaguarda jurídica e não
existe uma legislação cobrindo essa “zona cinzenta”.
A insurgência criminal não está citada ou presente em códigos do direito
interno brasileiro, e tampouco no direito internacional (direitos humanos/
guerra). Além de estarmos com uma lacuna conceitual, vivemos cotidiana-

mente um limbo jurídico e um vazio penal, pois não há penalidade sem lei
(princípio “nulla poena sine lege”).
O crescimento das facções criminosas obrigou o Estado a criar e desen-
volver mecanismos de enfrentamento. A legislação criminal brasileira já pre-
via crimes praticados por essas organizações, entretanto, ainda não indicava
a criminalização da composição organizacional criminosa. Em 1995 foi edi-
tada a Lei 9.034 com o objetivo de punir os integrantes dessas facções. Esse
texto normativo dispôs sobre a utilização dos meios operacionais, embora não
trouxesse em seu bojo o conceito nem a tipificação de organização criminosa,
gerando severas críticas doutrinárias. Tempos depois, entrou em vigor a Lei
12.694/12 dispondo sobre o processo e julgamento de crimes praticados por
organizações criminosas. Essa lei também recebeu pesadas críticas, em virtude
de persistir na não tipificação de crime de organização criminosa. Em 2013,
após um longo caminho de evolução legislativa finalmente foi promulgada a
Lei 12.850, trazendo dessa vez, o pleiteado conceito e a tipificação do crime de
organização criminosa. Embora ainda com divergências doutrinarias, essa lei
é a atual ferramenta legislativa contra as organizações criminosas.
A Colômbia recentemente está conseguindo reverter esse quadro. O
país conseguiu enquadrar alguns atores armados não estatais como ‘Grupo
Armado Organizado’ (“G.A.O.”), passando a serem tratados como comba-
tentes e não mais como criminosos, suprindo um hiato jurídico que existia no
caso colombiano, e ainda persiste no Brasil, entre o direito interno, o Direito
Internacional dos Conflitos Armados e o Direito Internacional Humanitário.
Já aqui no Brasil, vivemos com leis de paz em tempos de guerra. Normas
de engajamento estão dentro da lei comum do Código Penal, enquanto a lei
comum não prevê elementos em área urbana portando fuzil, dentro de uma
comunidade onde 99% da população é inocente, e onde a mesma deve ser
preservada (embora conviva) com esse criminoso.
Apesar de toda essa carência social, não podemos atribuir a isso a exclu-
siva culpa de toda a criminalidade do Rio de Janeiro e do Brasil. Mais de 90%
dos moradores das favelas são gente de bem. Há uma certa tendência da
mídia e de uma parte mínima da sociedade ideologizada, em culpar apenas o
poder público por todas as mazelas em torno da Segurança Pública. Essa não
é a verdade. Não pode haver vitimização para justificar o crime, enquanto a
imensa maioria da população do local é correta. Não podem existir vítimas
da sociedade enquanto existem oportunidades e livre-arbítrio.
As teorias sociais da criminalidade começaram a se firmar em uma época
de conturbações sociais na França em meio a Revolução Industrial. Começando
com Emile Durkheim5, que rejeitou a ideia de que o crime poderia ser explicado
somente por aspectos biológicos ou psicológicos. No Determinismo Social de
Enrico Ferri (1900) valorizou-se o meio social do criminoso como importante
fator determinante do crime, além obviamente de sua predisposição psíquica.
Com o passar do tempo, surgiram outras teorias de Estrutura Social.
A Teoria do Conflito Cultural de Park e Burgess6 da Escola de Chicago, por

exemplo, compreendia o crime como consequência primaria das desvantagens
econômicas e desorganizações sociais. Novas teorias sociais então surgem, ten-
tando explicar a causa da criminalidade, como a do Controle Social e a do Conflito
Social (essa última com forte viés marxista). Outras teses continuam aparecendo.
Teorias à parte, os próprios contrabandistas e traficantes não se veem como
vítimas. Eles entram para o crime por pura ambição, e para ganhar bastante
dinheiro. Nossas autoridades e legisladores contribuem para essa ambição
desmedida, pois a estimativa de chance de sucesso na atividade criminosa
chega a 95 %, segundo pesquisas atuais. O traficante faz uma escolha racional
pelo crime, optando pelos benefícios apesar dos riscos. E no Brasil, com leis
atrasadas e uma justiça demasiadamente garantista, essa balança imaginária
entre benefício e risco pende para o lado do benefício na maioria das vezes.
Esse mesmo raciocínio vale para a chamada ‘opção do confronto”. Não
é a polícia que opta pelo confronto. São os criminosos. E em seu pensamento
desvirtuado, ao atirar em policiais, afastará a ameaça e obterá mais lucros. Se
conseguir alvejar um policial, será ‘promovido’ na organização criminosa. E a
chance de ser preso, como indica a estimativa acima é de apenas 5%. Mesmo
sendo preso, o criminoso não teme a pena. Terá muitos benefícios durante sua
detenção, comendo e vivendo às custas do Estado, muitas vezes sem trabalhar,
aguardando reduções de pena e progressões de regime que certamente virão.
Para as facções, o confronto também se transforma em um grande negócio.
Nas operações onde há trocas de tiros, carros queimados, grande cobertura
da imprensa, reclamação de associação de moradores, com ONGs e políticos
vindo à mídia para criticar o trabalho realizado, ou seja, operações que tenham
grande repercussão, geralmente há um ‘gap’ ou lacuna muito grande entre uma
operação e outra nesse mesmo local. A polícia demorará muito para voltar a
uma área onde uma operação ‘caótica’ foi realizada. Essa ‘paz temporária’ é
boa para os negócios sujos e para o tráfico dentro das favelas. Se a operação
for realizada com perfil baixo, silenciosa, sem alterações, provavelmente a
possibilidade de acontecer novamente em pouco tempo será muito maior.
As facções, após sua estruturação e plena organização, começam a dis-
putar novos territórios (e preservar os que já tem) com outras facções, em um
mercado de drogas extremamente lucrativo. Esses são os motivos pelos quais
o emprego de armas de fogo como metralhadoras, fuzis de guerra, granadas e
outros armamentos e equipamentos avançados são crescentes na maioria das
comunidades. É importante frisar aqui que os traficantes se armam não pelo fato
de que vão enfrentar a polícia, mas sobretudo a fim de confrontar outras facções
em disputas territoriais.
Os criminosos se utilizam da política, das mídias sociais, da mídia televi-
siva e a imprensa de um modo geral estabelecendo a cultura do crime, agindo
sutilmente a fim de corromper a população. Além disso, consegue infiltrar-se
nos meios policiais, nas Câmaras de Vereadores, no Legislativo brasileiro e no
judiciário. Como afirma Alessandro Visacro, essa é a guerra da era da informação.
A polícia judiciaria atua nesse cenário com a investigação e inteligência

policiais e com ações especiais (em suas unidades convencionais e especiais).
Os grupos de operações especiais das polícias judiciarias são empregados em
ações do Nível Estratégico e ações do Nível Tático (apoio a investigações e
emprego em emergências envolvendo unidades de polícia ou policiais). Os
operadores especiais que combatem a criminalidade brasileira hoje devem
estar extremamente preparados psicologicamente, fisicamente e tecnicamente
para as mais diversas ações a serem desencadeadas. E forjados para atuar
com sucesso em qualquer bioma brasileiro.
Existe uma ampliação do conceito de operações táticas para operações
especiais. O histórico dessa ampliação conceitual começou na década de 80,
aqui no Brasil, com doutrinas importadas dos EUA denominadas ‘SWAT”7.
Ela evoluiu hoje para um conceito bem mais amplo de operações especiais,
com operadores atuando como grupo de comandos, inclusive com emprego
de manobras militares e novas técnicas de engajamento sendo esses homens
hoje preparados dentro de um contexto de guerra irregular e conflito assimé-
trico tanto em ambiente urbano, como rural, fluvial, ribeirinho e até marítimo.
Notas:
1. Um dos fundadores da democracia americana, ao se referir aos políticos de um
modo geral.
2. Operação Lava-Jato foi um conjunto de investigações realizadas pela Polícia Federal
do Brasil, que começou em 2014, que cumpriu mais de mil mandados de busca e
apreensão, de prisão temporária, de prisão preventiva e de condução coercitiva,
visando apura um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que movimentou
bilhões de reais em propina.
3. Mikes Davis, “A Urbanização da Pobreza”.
4. Geoffrey Demarest, em “Geopolitics and Urban Armed Conflict in Latin America”.
5. Emile Durkhein, em “A divisão do trabalho social”.
6. Teoria do Conflito Cultural baseava-se nos estudos de Robert Park (1864-1944) e
Ernest Burgess (1866-1966).
7. SWAT é uma equipe ou unidade policial incorporada à várias forças de segurança.
Seus membros são treinados para realizar operações de alto risco, não convencio-
nais, que fogem das capacidades dos oficiais regulares, como resgate de reféns,
contraterrorismo e operações contra criminosos fortemente armados.
PODER JUDICIÁRIO
NA GUERRA
IRREGULAR -
DECISÕES DE
TRIBUNAIS
SUPERIORES, DO
LEGISLATIVO E DE
GOVERNADORES
NA SEGURANÇA
PÚBLICA
“O poder é usurpador. Deve haver um controle eficaz dentro dos limites considerados”
O Federalista, Nº 48
“O sistema existe para resolver os problemas do sistema.”

‘Capitão Nascimento’, no filme Tropa de Elite
Q
uase em todas as semanas são elaborados projetos-de-lei ou criadas
decisões judiciais e dispositivos legais do poder legislativo, que visam
dificultar o trabalho policial, que já é complexo, inviabilizando a Segu-
rança Pública como um todo. Com toda a vênia e respeito aos legisla-
dores e magistrados, são poucos os que conhecem a realidade enfrentada no dia
a dia dos policiais e militares. Medidas restritivas de operações em comunidades
durante a covid-19 só irão reforçar cada vez mais facções e o crime organizado
como um todo. Criminosos de outros estados escolhem agora o Rio de Janeiro e
suas comunidades parasse homiziarem, pois sabem que lá as Forças de Segurança
têm restrições para atuar, com exceção de “hipóteses absolutamente excepcio-
nais” realizadas somente comunicação e justificativa ao Ministério Público.
Nosso ordenamento jurídico também não acompanha a evolução da
criminalidade e está completamente desconectado com a realidade brasileira
e seus fatos sociais. A quantidade e a qualidade de armamentos na mão dos
criminosos no RJ vêm aumentando exponencialmente desde a década de 80.
Um exemplo é a Lei 13497/2017 Equipara o porte de arma de fogo de uso res-
trito ao crime hediondo Pena 3 a 6 anos. Portanto o criminoso, preso em uma
comunidade flagrado portando um fuzil, com alta capacidade lesiva, ser for
réu primário, terá uma pena de 3 anos. Cumprindo 1/6 dessa pena já estaria
solto, mas como é crime hediondo pode sair com 2/6 do tempo. Inclusive há
entendimentos do STJ em que não estaria configurado crime hediondo. Outras
pautas urgentes como a redução imediata da Maioridade Penal, aumento de
penas para crimes hediondos, como assassinato de membros das forças de
segurança, fim de progressões de regime e benefícios para presos, trabalho
compulsório de detentos, dentro e fora dos presídios, reformando escolas ou
estradas, por exemplo, devem ser discutidas pela sociedade e colocadas em
votação pelo Congresso Nacional o mais breve possível.
Em outro exemplo claro, a Lei de Segurança Nacional, originalmente de
1983, tempo que havia ainda resquícios de guerrilha urbana e rural, criada em
um contexto em que existia a mais profunda lei e ordem no Brasil permanece
válida até os dias de hoje. É um dispositivo legal que estabelece quais são os
crimes contra a segurança nacional e contra a ordem política e social. Entre os
crimes listados estão aqueles que causam danos ou lesões a integridade territorial
e à soberania nacional, ao regime adotado no país, à Federação, ao Estado de
Direito e aos chefes dos Poderes da União. O próprio presidente Jair Bolsonaro,
utilizou essa lei contra os seus detratores, pelos ataques que sofreu, indiciando
e intimando essas pessoas para prestar esclarecimentos com base na LSN.
Mas o Senado Federal aprovou no dia 10 de agosto de 2021, um projeto
que revoga a Lei de Segurança Nacional e inclui, no código Penal, uma lista
de “crimes contra a democracia”. Intitulada ‘Lei do Estado Democrático de
Direito“1, aprovando absurdos jurídicos como o do Capítulo V:
CAPÍTULO V DOS CRIMES CONTRA A CIDADANIA Atentado a direito

de manifestação Art. 359-S. Impedir, mediante violência ou grave ameaça,
Poder Judiciário na Guerra Irregular - Decisões de Tribunais
294 Superiores, do Legislativo e de Governadores na Segurança Pública
o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos políticos, de movi-

mentos sociais, de sindicatos, de órgãos de classe ou de demais grupos
políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
§ 1º Se resulta lesão corporal grave:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
§ 2º Se resulta morte:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
E não para pôr aí:
CAPÍTULO VI DISPOSIÇÕES COMUNS

Art. 359-T. Não constitui crime previsto neste Título a manifestação crítica
aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação
de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões,
de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação
política com propósitos sociais.
Aumento de pena Art. 359-U. Nos crimes definidos neste Título, a pena
é aumentada:
I – De 1/3 (um terço), se o crime é cometido com violência ou grave ameaça
exercidas com emprego de arma de fogo;
II – De 1/3 (um terço), cumulada com a perda do cargo ou da função
pública, se o crime é cometido por funcionário público;
III – de metade, cumulada com a perda do posto e da patente ou da gra-
duação, se o crime é cometido por militar.”
Claramente direcionado contra a atuação das forças de segurança. preco-

niza por exemplo que se algum membro dos movimentos sociais tidos como
“pacíficos” o que de fato não são, for ferido ou morto por algum policial ou
militar (operações GLO), esse agente de segurança poderá ser preso e respon-
derá por crime contra a nova LSN ou contra o “Estado Democrático de Direito”.
Esse projeto de lei, estimula a baderna, a violência indiscriminada, o
terrorismo, o quebra-quebra, a anarquia de ‘Black Blocs’2, sem que o Estado
brasileiro possa dar uma resposta enérgica, eficaz e à altura através de seus
Batalhões de Choque da Polícia Militar e Pelotões de Polícia do Exército é um
atentado ao bom senso e compromete gravemente a ordem social, fundamen-
tado em “Manuais de Guerrilha Urbana” e “Cadernos de Teses” de partidos
políticos, instituindo a criminalização do serviço policial e militar brasileiro.
É muito provável, pelo absurdo jurídico apresentado, que o Presidente Jair
Bolsonaro vete pontos específicos, senão todo o projeto de lei.
Rogerio Greco, especialista em Direito Penal e, que integrou o Ministério
Público de Minas Gerais entre 1989 e 2019, é hoje o atual Secretário de Estado de
Justiça e Segurança Pública. O autor teve a honra que conhecê-lo pessoalmente
por ocasião da operação de Retomada do Complexo do Alemão (há um livro
dele com esse mesmo título, em parceria com o agente Eduardo Bettini e André
Monteiro). Greco, entre várias obras publicadas, escreveu sobre a atividade
policial (Atividade Policial – Aspectos Penais, Processuais Penais e, Adminis-
trativos e Constitucionais), elencando os aspectos gerais jurídicos envolvendo a
atividade das forças militares e de segurança. Dentre os pontos em seu excelente
livro, vários chamam a atenção e devem ser mais debatidos. A saber3:
Uso de algemas
O Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária de 13 de agosto de 2008,

aprovou a Súmula Vinculante nº11, que disciplina as hipóteses nas quais seria
cabível o uso de algemas. É a seguinte a íntegra do texto aprovado:
“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio

de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do
preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena
de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade
e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo
da responsabilidade civil do Estado”.
Nas operações especiais das polícias especializadas, certamente haverá

necessidade do uso de algemas, uma vez que a maioria dessas operações
envolvem situações de alto risco, muitas vezes lidando com membros de
fações criminosas, que trazem grande perigo à sociedade. Em todo caso,
para esse tipo de operação, agora os policiais deverão formalizar o uso de
algemas registrando sua utilização no Boletim de Ocorrência lavrado pela
Polícia Militar ou mesmo no Registro de Ocorrência da Polícia Civil.
A consequência direta desse absurdo jurídico é a criação de um vício jurídico
de sanção de nulidade do ato prisional, tendo em visto o uso “desnecessário”
de algemas. A autoridade policial deverá convencer ou justificar a autoridade
judiciária da legalidade ou não de seu uso.
Audiência de Custódia
Passou a ser uma exigência após o advento da Resolução nº 213, no Conselho

Nacional de Justiça – CNJ. Essa audiência dispõe sobre a apresentação de toda
pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas, tendo como base o art.
9º, item 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas,
bem como o art. 7º, item 5, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(o chamado Pacto de São José da Costa Rica).
Com a edição da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, a audiência
de custódia, que antes se encontrava regulamentada na Resolução n]213
do CNJ, consta agora de forma expressa no Código de Processo Penal.
Os arts. 287 e 310 (vide abaixo), do diploma processual penal, sofreram
alteração a fim de introduzir a audiência de custódia no ordenamento

jurídico processual brasileiro:
“Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não

obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz
que tiver expedido o mandado, para a realização de audiência de custódia.”
“Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo
de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá
promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado
constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério
Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: (Redação
dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
I – Relaxar a prisão ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II – Converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os
requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas
ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou (Incluído
pela Lei nº 12.403, de 2011).
III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. (Incluído pela Lei
nº 12.403, de 2011).
§ 1º Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente
praticou o fato em qualquer das condições constantes dos incisos I, II ou
III do caput do art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal), poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liber-
dade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório a todos
os atos processuais, sob pena de revogação. (Renumerado do parágrafo
único pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização
criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito,
deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares.
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 3º A autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização
da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo res-
ponderá administrativa, civil e penalmente pela omissão. (Incluído pela
Lei nº 13.964, de 2019)
§ 4º Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do prazo estabe-
lecido no caput deste artigo, a não realização de audiência de custódia sem
motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada
pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata
decretação de prisão preventiva. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)”
A audiência de custódia tem o seu valor jurídico. Ela foi criada para enten-
der as condições em que ocorreu determinada prisão, e contribui para a dimi-
nuição da população carcerária. A audiência de custódia é interessante para
poder corrigir certas distorções durante ações que colocam por exemplo um
inocente na condição de preso. E que no sistema anterior somente seria colocado

em liberdade após 30 dias, quando da audiência de instrução e julgamento.
Entretanto essa audiência não deveria ser utilizada para colocar em liber-
dade elementos nocivos à sociedade, criminosos profissionais, ou que são con-
tumazes em seus crimes, que se valem desses processos para se verem livres.
Na maioria das audiências, toda a atenção parece estar voltada para o acusado/
criminoso. Se têm todos os seus direitos e garantias preservados. Se ele se machu-
cou. Se ele apanhou. Como está sendo tratado. E esquece-se completamente da
vítima. Hoje em dia a polícia brasileira se modernizou bastante a ponto de não
mais se utilizar de expedientes violentos dessa natureza. A audiência de custódia
é a garantia de certos direitos, que, de fato, já eram cumpridos antes.
O problema não está na audiência de custódia em si, mas na própria
lei, que é muito branda com criminosos. É necessário endurecer essas leis e
torná-las mais rigorosas.
Juiz de Garantias
A Lei nº13.964, de 24 de dezembro de 2019, instituiu o chamado Juiz de

Garantias. Segundo o disposto nos artigos 3º-A a 3º-F, diz:
“Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa
do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do
órgão de acusação.
Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade
da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja
franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário,
competindo-lhe especialmente:
I - Receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII
do caput do art. 5º da Constituição Federal;
II- Receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da
prisão, observado o disposto no art. 310 deste Código;
III- Zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que
este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo;
IV - Ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal;
V - Decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida
cautelar, observado o disposto no § 1º deste artigo;
VI - Prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como
substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do
contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste
Código ou em legislação especial pertinente;
VII - Decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas
consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a
ampla defesa em audiência pública e oral;
VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado

preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial e obser-
vado o disposto no § 2º deste artigo;
IX - Determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver
fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;
X - Requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia
sobre o andamento da investigação;
XI - Decidir sobre os requerimentos de:
a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de infor-
mática e telemática ou de outras formas de comunicação;
b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico;
c) busca e apreensão domiciliar;
d) acesso a informações sigilosas;
e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais
do investigado;
XII - julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;
XIII - determinar a instauração de incidente de insanidade mental;
XIV - decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do
art. 399 deste Código;
XV - Assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outor-
gado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos
informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal,
salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento;
XVI - Deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar
a produção da perícia;
XVII - Decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou
os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação;
XVIII - outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput
deste artigo.
§ 1º (VETADO).
§ 2º Se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá, mediante
representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, pror-
rogar, uma única vez, a duração do inquérito por até 15 (quinze) dias,
após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será
imediatamente relaxada.
Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações
penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento
da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código.
§ 1º Recebida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas
pelo juiz da instrução e julgamento.
§ 2º As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz da
instrução e julgamento, que, após o recebimento da denúncia ou queixa,
deverá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso, no

prazo máximo de 10 (dez) dias.
§ 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garan-
tias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério
Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados
ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos
às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação
de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado.
§ 4º Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na
secretaria do juízo das garantias.
Art. 3º-D. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído
nas competências dos Arts. 4º e 5º deste Código ficará impedido de fun-
cionar no processo.
Parágrafo único. Nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tri-
bunais criarão um sistema de rodízio de magistrados, a fim de atender às
disposições deste Capítulo.
Art. 3º-E. O juiz das garantias será designado conforme as normas de
organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal, obser-
vando critérios objetivos a serem periodicamente divulgados pelo respec-
tivo tribunal.
Art. 3º-F. O juiz das garantias deverá assegurar o cumprimento das regras
para o tratamento dos presos, impedindo o acordo ou ajuste de qualquer
autoridade com órgãos da imprensa para explorar a imagem da pessoa
submetida à prisão, sob pena de responsabilidade civil, administra-
tiva e penal.
Parágrafo único. Por meio de regulamento, as autoridades deverão discipli-
nar, em 180 (cento e oitenta) dias, o modo pelo qual as informações sobre
a realização da prisão e a identidade do preso serão, de modo padroni-
zado e respeitada a programação normativa aludida no caput deste artigo,
transmitidas à imprensa, assegurados a efetividade da persecução penal,
o direito à informação e a dignidade da pessoa submetida à prisão.’”
Ordem de Superior Hierárquico
A hierarquia e disciplina são a base institucional tanto das Forças Arma-

das e da Polícia Militar, e sem eles não há como admitir o funcionamento regu-
lar de uma unidade militar. Em seu art. 38, do Código Penal Militar, é dito:
Art. 38. Não é culpado quem comete o crime:

a) [...]
b) em estrita obediência a ordem direta de superior hierárquico, em matéria
de serviços.
1° Responde pelo crime o autor da coação ou da ordem.
2° Se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente

criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução, é punível
também o inferior.
Em todo caso, o inferior hierárquico somente cumprirá as ordens que,

de fato, não sejam manifestadamente ilegais, pois caso contrário, será res-
ponsabilizado juntamente com o seu superior.
Exame de Corpo de Delito
Quando a infração deixa vestígios, é indispensável o exame de corpo

delito. Ele é previsto no Art. 158 do Código do Processo Penal, e pode ser
compreendido como um meio de prova no processo penal que busca identifi-
car o conjunto de elementos materiais ou vestígios de um determinado crime
que os tenha deixados, com o objetivo de identificar a existência de um crime.
A inexistência do exame de corpo de delito em crimes que deixam vestí-
gios tornará a relação jurídica processual nula, afinal essa prova é de extrema
importância para crimes contra a vida, crimes financeiros, entre outros.
DO EXAME DE CORPO DE DELITO, DA CADEIA DE CUSTÓDIA E

DAS PERÍCIAS EM GERAL’
......................................................................................................................
‘Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os pro-
cedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica
do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua
posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.
§ 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de
crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada
a existência de vestígio.
§ 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial inte-
resse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação.
§ 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado
ou recolhido, que se relaciona à infração penal.’
‘Art. 158-B. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio
nas seguintes etapas:
I - Reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial
interesse para a produção da prova pericial;
II - Isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo
isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios
e local de crime;
III - Fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de
crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser
ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua des-
crição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento;
IV - Coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial,
respeitando suas características e natureza;
V - Acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio cole-

tado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas caracte-
rísticas físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação
da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento;
VI - Transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utili-
zando as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre
outras), de modo a garantir a manutenção de suas características originais,
bem como o controle de sua posse;
VII - Recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve
ser documentado com, no mínimo, informações referentes ao número de pro-
cedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome
de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame,
tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu;
VIII - Processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de
acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas
e químicas, a fim de se obter o resultado desejado, que deverá ser formali-
zado em laudo produzido por perito;
IX - Armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições
adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de
contra perícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número
do laudo correspondente;
X - Descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando
a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial.’
‘Art. 158-C. A coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencial-
mente por perito oficial, que dará o encaminhamento necessário para a
central de custódia, mesmo quando for necessária a realização de exa-
mes complementares.
§ 1º Todos os vestígios coletados no decurso do inquérito ou processo devem
ser tratados como descrito nesta Lei, ficando órgão central de perícia oficial
de natureza criminal responsável por detalhar a forma do seu cumprimento.
§ 2º É proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quais-
quer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito
responsável, sendo tipificada como fraude processual a sua realização.’
‘Art. 158-D. O recipiente para acondicionamento do vestígio será determi-
nado pela natureza do material.
§ 1º Todos os recipientes deverão ser selados com lacres, com numeração indi-
vidualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio
durante o transporte.
§ 2º O recipiente deverá individualizar o vestígio, preservar suas caracterís-
ticas, impedir contaminação e vazamento, ter grau de resistência adequado
e espaço para registro de informações sobre seu conteúdo.
§ 3º O recipiente só poderá ser aberto pelo perito que vai proceder à análise
e, motivadamente, por pessoa autorizada.
§ 4º Após cada rompimento de lacre, deve se fazer constar na ficha de acom-
panhamento de vestígio o nome e a matrícula do responsável, a data, o local,
a finalidade, bem como as informações referentes ao novo lacre utilizado.
§ 5º O lacre rompido deverá ser acondicionado no interior do novo recipiente.’
‘Art. 158-E. Todos os Institutos de Criminalística deverão ter uma central de

custódia destinada à guarda e controle dos vestígios, e sua gestão deve ser
vinculada diretamente ao órgão central de perícia oficial de natureza criminal.
§ 1º Toda central de custódia deve possuir os serviços de protocolo, com
local para conferência, recepção, devolução de materiais e documentos,
possibilitando a seleção, a classificação e a distribuição de materiais,
devendo ser um espaço seguro e apresentar condições ambientais que
não interfiram nas características do vestígio.
§ 2º Na central de custódia, a entrada e a saída de vestígio deverão ser
protocoladas, consignando-se informações sobre a ocorrência no inquérito
que a eles se relacionam.
§ 3º Todas as pessoas que tiverem acesso ao vestígio armazenado deverão
ser identificadas e deverão ser registradas a data e a hora do acesso.
§ 4º Por ocasião da tramitação do vestígio armazenado, todas as ações
deverão ser registradas, consignando-se a identificação do responsável
pela tramitação, a destinação, a data e horário da ação.’
‘Art. 158-F. Após a realização da perícia, o material deverá ser devolvido
à central de custódia, devendo nela permanecer.
Parágrafo único. Caso a central de custódia não possua espaço ou con-
dições de armazenar determinado material, deverá a autoridade policial
ou judiciária determinar as condições de depósito do referido material
em local diverso, mediante requerimento do diretor do órgão central de
perícia oficial de natureza criminal.’
Excludente de Ilicitude
Segundo Rogerio Greco, “quando há uma relação de contrariedade ou

antagonismo entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico, que cause
alguma lesão ou exponha a lesão um bem juridicamente protegido. É também
chamado de antijuridicidade.”
Quando o agente pratica uma conduta típica, prevista em determinado
tipo penal, essa conduta geralmente é considerada antijurídica. Entretanto,
como afirma Aníbal Bruno, “por uma posição particular em que se encontra
o agente ao praticá-las, se apresentam[...] como lícitas. Essas condições espe-
ciais em que o agente atua impedem que elas venham a ser antijurídicas.”
Tanto o Código Penal Militar, no art. 42, como o Código Penal, no art. 23
previram quatro causas que afastam a ilicitude da conduta do agente. São elas:
a) Estado de necessidade;
b) Legítima defesa;
c) Estrito cumprimento do dever legal;
d) Exercício regular de direito;
Além dessas causas acima citadas, outras, não previstas pela lei, afastam
a condição de ilicitude levada a efeito. São as causas supralegais de exclusão
de ilicitude. O chamado ‘consentimento do ofendido’ está entre estas.
Estado de necessidade é quando o agente atua ao defender-se de uma
agressão injusta. No estado de necessidade, ambos os bens do conflito estão
amparados pelo ordenamento jurídico. Esse conflito de bens levará, em vir-
tude da situação, à prevalência de um sobre o outro. Surge então, como nor-
teador desse estado de necessidade o princípio da ponderação de bens, onde
vários bens que estão em confronto são “pesados”, a exemplo do patrimônio
e da vida. Se tiverem o mesmo valor jurídico serão avaliados para determinar
sua preponderância. Surgem então dois tipos de estado de necessidade:
a) Justificante – elimina a antijuridicidade do comportamento

b) Exculpante – que afasta a culpabilidade do agente
Para caracterizar o estado de necessidade é necessário a presença de

todos os elementos objetivos previstos nos Arts. 24 do Código Penal e 43 do
Código Penal Militar.
Código Penal:
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para
salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de
outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circuns-
tâncias, não era razoável exigir-se.
Código Penal Militar:

Art. 43. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para
preservar direito seu ou alheio, de perigo certo e atual, que não provo-
cou, nem podia de outro modo evitar, desde que o mal causado, por sua
natureza e importância, é consideravelmente inferior ao mal evitado, e o
agente não era legalmente obrigado a arrostar o perigo.
O Exército Brasileiro vem pedindo mais proteção jurídica para atuarem

em intervenções federais e em GLO. A finalidade é não ser punido por atos
e mortes em operações.
Legítima Defesa
Legitima defesa é a possibilidade de, em determinadas situações, o cida-

dão poder agir em sua própria defesa, em virtude de ausência de onipresença
do Estado. Essa legítima defesa nunca pode ser confundida com vingança
privada. É preciso que o agente se depare com uma situação de total impos-
sibilidade de recorrer ao Estado, e, estando presentes os requisitos legais de
ordem objetiva e subjetiva, agir em sua defesa, ou na defesa de terceiros. Tanto
o Código Penal como o Código Penal Militar4 fornecem o mesmo conceito de

legítima defesa, trazendo os tipos permissivos nos Arts. 25 do Código Penal
e 44 do Código Penal Militar, a saber:
“Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios

necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou
de outrem.”
Existem duas espécies de legitima defesa:
a) Autêntica – quando a ação está efetivamente acontecendo no

mundo concreto;
b) Putativa – quando a situação é imaginária, existindo somente na mente
do agente. O agente acredita, por erro, que está sendo ou virá a ser agre-
dido injustamente;
Para que possa ser reconhecido a legítima defesa, todos os elementos

constantes nos arts. 25 do Código Penal e 44 do Código Penal Militar devem
estar presentes.
Além disso são elementos indispensáveis no reconhecimento da legí-
tima defesa:
a) Agressão injusta;
b) Utilização dos meios necessários;
c) Moderação no uso dos meios necessários;
d) Atualidade ou iminência da agressão;
e) Defesa própria ou de terceiros.
Há uma proposta do Projeto de Lei 352/2017, apresentada por um Sena-

dor, alterando o Código Penal para presumir a legitima defesa quando o
agente lesiona quem porta arma de fogo de uso restrito. É a chamada “legi-
tima defesa presumida”.
Para alguns juristas, há o entendimento que apenas o porte de um fuzil
já configura uma situação de agressão iminente. Dessa forma, o policial não
precisa esperar que a pessoa ameace disparar ou dispare para atirar nela.
Hoje, na prática, o policial ainda está sujeito a responder (e ser con-
denado) por homicídio. “O simples fato de alguém portar uma arma não
supre a necessidade de avaliação dos demais requisitos. Há necessidade de se
verificar, concretamente, se há uma situação de agressão real (ou hipotética),
atual ou iminente”.
Acontece que o criminoso está portando uma arma de guerra, não está
disposto a negociar ou a conversar com forças policiais, e está na iminência de
matar pessoas inocentes, além dos próprios policiais. E o operador tem frações de
segundo para escolher entre a sua vida e sua morte, e entre a liberdade e a prisão.
Lei de Abuso de Autoridade
Os debates acerca do Abuso de Autoridade figuram como um dos temas

mais antigos da sociedade, e paradoxalmente, estão presentes na atualidade
como um dos temas mais relevantes para o Direito e para a manutenção da
ordem democrática.
É importante no âmbito do Direito, porque os abusos cometidos por
autoridades públicas devem ser coibidos, não só para que haja a garantia dos
direitos humanos, que estão assegurados por todas as constituições demo-
cráticas modernas, mas também porque estudar os abusos cometidos pelas
autoridades no exercício de suas funções ou sobre o pretexto de exercê-las,
é imergir em diversos ramos do Direito, como o Direito Constitucional, o
Direito Administrativo, o Direito Civil, o Direito Penal e as garantias confe-
ridas pelo Direito Processual Penal.
A Presidência da República sancionou e publicou, no dia 5 de setembro
de 2019, a Lei 13.869/19, que representa o novo marco legal sobre os aspectos
penais e processuais penais do abuso de poder praticado por agente público
e revogou expressamente as regras anteriores sobre o mesmo tema, a Lei
4.898/65. A ‘novatio legis’ ao ser sancionada pelo presidente da República,
vetou 19 artigos, sendo 14 integralmente e cinco de forma parcial. Entretanto,
no dia 24 do mesmo mês, o Parlamento, em reunião conjunta entre deputados
e senadores derrubaram alguns dos vetos presidenciais, reestabelecendo na
sua totalidade oito artigos e parcialmente dois artigos.
A Lei 13.869/2019 ou Lei de Abuso de Autoridade, contaminada por diver-
sos tipos penais abertos e indeterminados, de duvidosa constitucionalidade,
praticamente transformando o exercício de qualquer função pública, ainda que
de maneira legítima, em uma verdadeira atividade de risco. Trouxe modifica-
ções extravagantes e estarrecedoras, e efeitos graves como o “engessamento”
da atividade policial e consequências à segurança pública como um todo. Cau-
sou também uma severa insegurança jurídica levando a uma deterioração
paulatina das condições de trabalho do policial brasileiro como um todo. A
independência funcional, sem dúvida, não é sinônimo de liberdade sem limites.
Agir ilimitadamente é bom para quem não deseja atuar com impessoalidade
ou imparcialidade, mas não é o correto do ponto de vista da sociedade. Nas
palavras de John Rawls, em sua obra “Uma Teoria da Justiça”, o certo sempre
vem antes do bom. Mas para a Nova Lei de Abuso de Autoridade e não só para
ela, o justo deveria sempre vir antes do certo.
Estrito cumprimento do dever legal
A primeira parte do inciso III do art. 23 do Código Penal, bem como o

inciso III do art. 42 do Código Penal Militar que não há ilicitude quando o
agente pratica o fato em estrito cumprimento do dever legal. Mas o Código
não se preocupou em definir esse conceito, como ocorreu com o estado de
necessidade e a legitima defesa. Mas a própria expressão contém seus elemen-

tos caracterizadores, exigindo a presença de seus elementos objetivos como
subjetivos. Primeiro é preciso haver um dever legal imposto ao agente, ou
seja, um dever de intervenção do funcionário na esfera privada assegurando o
cumprimento da lei ou de ordens superiores Segundo, é necessário que o cum-
primento se dê nos termos impostos à lei, não podendo em nada ultrapassá-los.
Código Penal:
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular
de direito.
Código Penal Militar:

Art. 42. Não há crime quando o agente pratica o fato:
III - em estrito cumprimento do dever legal;
Gerenciamento de Crise (negociador/grupo tático/sniper)
Crise (ou evento crítico) acontece quando ocorre “um evento ou situação
crucial, que exija uma resposta especial da polícia, a fim de assegurar uma
solução aceitável”. Elas geralmente vêm de forma inesperada e imprevisível,
todavia em algumas situações as autoridades competentes poderiam prevê-las.
Outro fator importante em uma crise é o tempo. Vidas podem estar em perigo.
Portanto, são características de um evento de crise:
a) Imprevisibilidade;
b) Compressão de tempo;
c) Ameaça à integridade ou a vida de pessoas.
O gerenciamento de crises na atividade policial no Brasil está em cons-

tante evolução e muito ainda há de se discutir, já que é uma área de transfor-
mação constante. As academias de Polícia recebem ainda grande influência
da Doutrina Americana em relação ao gerenciamento de crises. Entretanto,
ela precisa de uma adequação em razão de estarmos em uma outra realidade.
Assim, esse campo do conhecimento de Segurança Pública deve preconizar
os princípios que regem o Estado Democrático de Direito de nossa nação,
com prudência e racionalidade.
Gerenciar uma crise é atribuição afeta a profissionais que devem ter for-
mação técnica específica nessa área. Não é lugar para aventureiros. Dentre as
características de uma situação crítica, temos a ameaça à vida, imprevisibilidade
e compressão de tempo. A compressão de tempo é uma situação em que as
equipes especializadas, uma vez acionadas, prestarão um atendimento emer-
gencial e célere para atuar naquele evento crucial. As decisões devem ser rápi-
das em razão do exíguo espaço de tempo. Os órgãos das Forças de Segurança
têm a obrigação de capacitar continuamente o seu efetivo para as situações de

crise, e, nesse sentido, os policiais são os profissionais responsáveis, os atores na
condução de eventos críticos. Os agentes políticos não devem de forma decidir
ou autorizar alternativas táticas no gerenciamento de crises, ainda mais em
um tema de grande relevância quando se fala em tiro de comprometimento.
Existem três motivações de maior destaque para tomadores de reféns:
• Motivação criminosa;
• Motivação política;
• Motivação por distúrbio mental.
Ao gerenciar uma crise, o comandante do TO deverá colocar sempre a

finalidade de preservar vidas como sua principal e grande missão. Assim, ao
mesmo tempo sua ação proporcionará que as leis vigentes tenham efetividade e,
deste modo, sejam aplicadas ao caso concreto. Ocorre que em cada crise temos
um tipo de causador de evento crítico, o que ocasionará uma resposta especial
decidida pelo gerente da crise ao evento crítico em que se busca uma solução.
Segundo a doutrina de uma crise, devem ser adotadas as seguin-
tes medidas:
1. Conter: É impedir que a crise se espalhe para outros lugares, aumentando o

risco para outras pessoas, a fim de evitar também que o(s) perpetrador(es)
façam outros reféns, ou escalem a crise;
2. Isolar tem o sentido de apartar ou ilhar um cenário de crise. Ficou muito difícil
com os celulares e lentes potentes de profissionais de imprensa que o isolamento
seja completamente efetivo. Isolar também tem um sentido de bloquear inclusivo
o espaço aéreo, dependendo da situação. É nesse momento que se monta o dis-
positivo “Comando da Missão”, chegam viaturas de grupos táticos, bombeiros,
ambulâncias etc.). Entende-se por perímetro tático uma área dentro do isolamento
a qual somente algumas pessoas terão acesso. Se divide em:
a) Perímetro externo (apoio operacional, posto de comando).
b) Perímetro interno (perpetradores, reféns, negociadores).
3. Negociar (estabilizar) é o ponto fulcral de uma crise. O negociador é o elo entre o

causador da crise e o gerente. Os negociadores deverão adotar. Todos os policiais
devem estar habilitados a iniciar as negociações, pois esse tema é imprescindível
em todas as academias de polícia. Em outro momento, havendo a possibilidade,
um negociador mais experiente e especializado deve entrar no processo. Deve ser
paciente, ter autoconfiança e autocontrole, ser perspicaz, preparado e tem o dom
da comunicação. Há a possibilidade de atuar um negociador secundário no evento.
Existem dois tipos de negociação:
Técnica – a fim de resolver a situação de uma forma conversada e pacífica;
Tática – o negociador auxilia o grupo tático e a equipe de atiradores, para o caso de
uma invasão pelo time com/sem tiro de comprometimento. Esse tipo de negociação
é realizado quando todos os recursos da negociação técnica estiverem esgotados.
Os elementos operacionais de uma crise são:
1. Negociador;
2. Gerente da crise;
3. Grupo Tático (Time Tático e Snipers).
O gerente da crise tem o poder de decisão e comanda todas as operações

necessárias ao desfecho do evento. Ele deve cumprir quatro papéis essenciais:
Planejamento: planejar toda a operação;

Coordenação: visão ‘holística’ e consciência situacional ampla;
Organização: determinar distribuição de tarefas;
Gerenciamento: ser exclusivamente, e de fato, o gerente da crise.
O Comandante do Teatro de Operações deve ser um profissional alta-

mente técnico, com experiência e treinamento, a fim de autorizar a alternativa
tática do tiro de comprometimento e, assim, neutralizar o perpetrador do
evento crítico. É o gerente da crise que dá, ou não o sinal verde para atuação
do atirador policial de elite.
Os grupos táticos são compostos por policiais não convencionais alta-
mente treinados, prontos a atuar em qualquer tipo de ilícito penal e, em casos
extremos, serão a única alternativa. Dentre seus princípios doutrinários estão
a responsabilidade coletiva, a fidelidade aos princípios doutrinários, o com-
prometimento e o dever de silencio. Em seu meio há especialistas com funções
específicas, como ‘brecheiro’, atiradores, explosivistas, grupos de assalto,
dentre outros. Formados em operações especiais policiais, fazem parte de
unidades em todo o Brasil, como os Batalhões de Operações Policiais Especiais
e os GATEs, nos Estados brasileiros, a CORE no Rio de Janeiro, o COT/PF
em Brasília e vários outras unidades das polícias civis, militares e federais.
O sniper ou atirador de precisão é uma atividade que é hoje em dia indis-
pensável em virtude do grande número de casos envolvendo reféns com alto risco
de vida. O treinamento de um policial apto a dar um tiro de comprometimento
é demorado e constante. São necessários vários atributos como muita paciência,
discernimento e disciplina, vontade, grande equilíbrio emocional, ponderação
e calma, e outros. O sniper atua basicamente em legitima defesa de terceiros. É
necessário que ele tenha também o correto entendimento de seu papel perante a
sociedade, dentro de um contexto mais amplo. Afinal, o Estado investe grandes
somas em armamento e treinamento, com o objetivo de que o atirador tenha
equilíbrio e discernimento de atuar no momento certo em cenários críticos, com
responsabilidade, profissionalismo e disciplina. Nem dar tiros desnecessaria-
mente, ou, pior ainda, deixar de atirar quando de fato for preciso.
Nem sempre ele atua sozinho. Geralmente são equipes de vários snipers
para cobrir uma quantidade de alvos ou ampliar o ângulo de tiro. O sniper se
posiciona e mantem uma ampla visão do cenário de crise, repassando informa-
ções valiosas ao gerente da crise. Mas não fica ao seu arbítrio efetuar o disparo
de comprometimento. O comandante da operação terá que dar sinal verde para

isso. O tiro poderá ser de neutralização, a fim de impedir a ação criminosa, ou
um tiro para ferir a vítima, com o objetivo de realizar o resgate seguro do refém.
As alternativas táticas são:
1. Negociação;
2. Técnicas não letais;
3. Tiro de comprometimento;
4. Invasão tática.
Todas elas são opções disponíveis aos comandantes da operação, bus-

cando alcançar o melhor resultado para a resolução do evento. Todas essas
alternativas táticas são importantes e a evolução da crise mostrará quais
delas serão mais adequadas, seja de forma individual e/ou conjunta. O tiro
de comprometimento é uma alternativa tática para resolver crises que está
ligada ao disparo de precisão. Pode-se efetuar um tiro tático ou um tiro letal
de comprometimento. A invasão tática é a última opção a ser empregada em
uma crise. É a mais drástica e perigosa, e só será utilizada em razão de as
alternativas não terem dissuadido o perpetrador.
Muito se tem discutido sobre quem seria a autoridade responsável para
autorizar a alternativa tática do tiro de comprometimento. Em 19 de agosto de
2002, o poder executivo do Estado de Goiás criou o Decreto nº 5.642/02 (em
anexo), que trata da comissão de gerenciamento de crises e que normatiza
ações dos órgãos de segurança pública no atendimento a eventos de natureza
policial. O art. 11 do Decreto nº 5.642/02 diz:
“Não obtido sucesso nas negociações e se a situação exigir o emprego ime-

diato e irreversível da solução tática, a fim de preservar direito próprio ou
alheio, nos limites traçados pelo código penal, esta deverá ser precedida de
autorização do governador do Estado, que será transmitida para o coman-
dante da cena de ação através do secretário da segurança pública e justiça.”
Percebe-se que a normatização transfere para um agente político a auto-

rização para a implementação de uma solução tática. Esta pode ser o tiro de
comprometimento e/ou a invasão tática. A doutrina de gerenciamento de
crises preconiza que o gerente da crise é o encarregado de planejar, coor-
denar, organizar, gerenciar e conduzir todas as operações necessárias para
uma solução aceitável do evento crítico. Seria improprio transferir e tabular
responsabilidades a autoridades que não possuem a técnica, experiência,
treinamento e preparo para conduzir a missão do gerenciamento de crises,
já que vidas estão em risco nesses eventos.
Outro grande problema existe na doutrina de gerenciamento de crises
em relação às consequências jurídicas do tiro de comprometimento. Se o cau-
sador do evento crítico, por exemplo, é neutralizado perante a necessidade
das circunstâncias, o refém tem assegurada a preservação de sua vida, daí
obtemos um resultado aceitável para a crise. Neste prisma, as consequências

jurídicas quanto às responsabilizações dos agentes são justificadas pelas
normas jurídicas do direito pátrio.
A doutrina discute se o atirador policial age em legítima defesa e/ou
em estrito cumprimento do dever legal. Outrossim, se o agente público que
autoriza o uso da alternativa tática do tiro de comprometimento, tem a exclu-
dente da legítima defesa ao seu favor. A responsabilização penal, civil e
administrativa dos policiais que integram a equipe que irá resolver a situação
de crise deverá ser assumida pelo comandante.
É de extrema importância o estudo e as consequências jurídicas do tiro
de comprometimento quando da ação do atirador de elite. Desta forma, em
determinadas situações, morosidade ou inércia do agente estatal em relação
a autorizar a alternativa tática do disparo técnico e/ou letal efetuado pelo ati-
rador, poderá caracterizar a responsabilidade por omissão do Estado diante
de um evento crítico.
Força-Tarefa
(com a colaboração de Marco Antonio Dutra Britez)
O Brasil reúne facções criminosas e organizações do crime que chegam até

a se infiltrar nas forças de segurança, na Justiça brasileira e no Congresso Nacio-
nal. Com a intenção de realizar um efetivo enfrentamento do crime organizado,
foi editado o Decreto nº 9527, de 15 de outubro de 2018, criando uma força-ta-
refa de inteligência, atualizado pelo Decreto nº 9843, de 19 de junho de 2019.
Esse tipo de força-tarefa, a nosso ver, só terá resultado efetivo se tiver um
objetivo muito específico em seu escopo (p. ex. controle de munições que entram
no país, controle fronteiriço de aeronaves do tráfico, facções no âmbito da Trí-
plice Fronteira, terrorismo etc.). Não poderia haver gastos de vultuosas somas
na estruturação de um grande complexo de uma força-tarefa. Essas estruturas
deveriam ser simples e modulares, e podem funcionar em locais não divulgados,
cambiáveis, e com troca de inteligência de fato entre os atores envolvidos.
Ainda, há que se considerar o fato de que o conceito de força-tarefa pressu-
põe integração de esforços de organizações diferentes, ainda que estejam sob o
manto de uma mesma instituição, mas agregando setores diferentes. Tal percep-
ção é importante no planejamento das atividades de uma força-tarefa pelo fato de
que ao se aglutinar órgãos e setores diferentes há que se considerar que também
se está colocando em um mesmo contexto culturas organizacionais diferentes,
mesmo que o objetivo comum (combate ao crime) seja o mesmo.
A cultura organizacional da Polícia Federal difere da cultura organiza-
cional da Polícia Civil, por exemplo. Existem aspectos sutis na maneira de
trabalhar determinados aspectos de uma investigação que devem ser levados
em conta ao se configurar uma equipe para trabalhos em força-tarefa.
Tais idiossincrasias organizacionais ocorrem até mesmo dentro de uma

mesma instituição. Policiais que atuam no combate ao crime organizado
podem ter visões distintas de como proceder os trabalhos de investigação
de policiais que atuam diretamente no combate ao tráfico de drogas, por
exemplo, que possuem modus operandi diverso.
Superadas essas questões iniciais, o uso de forças-tarefas como ferra-
menta para o combate de facções criminosas pode apresentar resultados muito
satisfatórios. Definido um foco específico para o trabalho em si, o “trabalhar
junto” entre as equipes gera um ganho importante na velocidade e qualidade
dos trabalhos de investigação, à medida que expertises e bancos de dados
são compartilhados buscando o mesmo resultado comum.
Forças-tarefas com escopo de atuação específico geram resultados mais
satisfatórios que aquelas em que apenas aglutinam esforços em conjunto,
sem um objetivo delimitado.
O sucesso da missão será mais rapidamente alcançado em uma força-tarefa
que tenha como foco o combate ao tráfico de armas internacional. Por outro
lado, o sucesso será mais dificilmente alcançado se o escopo de atuação de uma
força tarefa seja uma finalidade mais genérica, tal como o combate aos crimes
transfronteiriços em determinada região.
Superadas as questões iniciais de cultura organizacional e delimitação
do foco de atuação de uma força-tarefa durante o planejamento, sem dúvida
os resultados começarão a aparecer, justificando a alocação de recursos nesse
tipo de ferramenta.
DECRETO Nº 9.527, DE 15 DE OUTUBRO DE 2018

Cria a Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime orga-
nizado no Brasil.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o
art. 84, caput, inciso VI, alínea “a”, da Constituição,
DECRETA:
Art. 1º Fica criada a Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao
crime organizado no Brasil com as competências de analisar e comparti-
lhar dados e de produzir relatórios de inteligência com vistas a subsidiar
a elaboração de políticas públicas e a ação governamental no enfrenta-
mento a organizações criminosas que afrontam o Estado brasileiro e as
suas instituições.
Art. 2º A Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime orga-
nizado no Brasil será composto por um representante, titular e suplente,
dos seguintes órgãos:
I - Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, que
o coordenará;
II - Agência Brasileira de Inteligência;
III - Centro de Inteligência da Marinha do Comando da Marinha do Minis-
tério da Defesa;
IV - Centro de Inteligência do Exército do Comando do Exército do Minis-

tério da Defesa;
V - Centro de Inteligência da Aeronáutica do Comando da Aeronáutica
do Ministério da Defesa;
VI - Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Ministério da
Economia; (Redação dada pelo Decreto nº 9.843, de 2019)
VII - Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da
Economia; (Redação dada pelo Decreto nº 9.843, de 2019)
VIII - Polícia Federal do Ministério da Justiça e Segurança Pública; (Reda-
ção dada pelo Decreto nº 9.843, de 2019)
IX - Polícia Rodoviária Federal do Ministério da Justiça e Segurança
Pública; (Redação dada pelo Decreto nº 9.843, de 2019)
X - Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e Segu-
rança Pública; e (Redação dada pelo Decreto nº 9.843, de 2019)
XI - Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e Segu-
rança Pública; (Redação dada pelo Decreto nº 9.843, de 2019)
§ 1º Os representantes de que trata este artigo serão indicados pelos titu-
lares dos órgãos referidos nos incisos I a XI do caput, no prazo de dez
dias, contado da data de publicação deste Decreto, e designados em ato
do Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência da República.
§ 2º A Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime orga-
nizado no Brasil poderá convidar representantes de outros órgãos e
entidades da administração pública federal cujas participações sejam
consideradas indispensáveis ao cumprimento do disposto neste Decreto.
§ 3º Cada membro do colegiado terá um suplente, que o substituirá em
suas ausências e impedimentos. (Incluído pelo Decreto nº 9.843, de 2019)
Art. 3º O Coordenador da Força-Tarefa de Inteligência para o enfrenta-
mento ao crime organizado no Brasil elaborará Norma Geral de Ação que
regulará o desenvolvimento de ações e de rotinas de trabalho, em con-
sonância com a Política Nacional de Inteligência - PNI, com a Estratégia
Nacional de Inteligência - ENINT e com a legislação em vigor.
§ 1º A Norma Geral de Ação definirá a forma de articulação e de intercâm-
bio de informações entre a Força-Tarefa de Inteligência para o enfrenta-
mento ao crime organizado no Brasil e o Conselho Nacional de Segurança
Pública e Defesa Social.
§ 2º A Norma Geral de Ação será submetida à deliberação dos integrantes
da Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime organizado
no Brasil e, na hipótese de ser aprovada, por maioria absoluta, será publi-
cada no Diário Oficial da União por meio de Portaria do Ministro de Estado
Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
Art. 4º A Secretaria-Executiva da Força Tarefa de Inteligência será exercida
pela Agência Brasileira de Inteligência. (Redação dada pelo Decreto nº
9.843, de 2019)
Art. 5º A Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime
organizado no Brasil realizará reuniões de trabalho, em caráter ordinário,
semanalmente, ou em caráter extraordinário, por convocação do coorde-

nador, sempre que necessário.
Parágrafo único. As reuniões de trabalho da Força-Tarefa de Inteligência
para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil independerão de
quórum mínimo para serem realizadas.
Art. 6º A participação na Força-Tarefa de Inteligência para o enfrenta-
mento ao crime organizado no Brasil será considerada prestação de serviço
público relevante, não remunerada.
Art. 7º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 15 de outubro de 2018; 197º da Independência e 130º da República
MICHEL TEMER
Garantia da Lei e da Ordem (GLO)
Há a hipótese legal, em situações excepcionais, do emprego das Forças

Armadas na chamada garantia da lei e da ordem, atuando como força de
segurança, a pedido dos Estados da federação, conforme se verifica no art.
15 e parágrafos da Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999.
A operação GLO é uma operação militar determinada pelo Presidente
da República e conduzida pelas Forças Armadas, de uma forma episódica,
em uma área previamente estabelecida e por tempo determinado, que tem
por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas
e do patrimônio em situações de esgotamento dos instrumentos para isso
previstos no art. 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser
possível a perturbação da ordem. (MD33-M-10)
Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garan-

tia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em
operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que
determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos opera-
cionais, observada a seguinte forma de subordinação:
I - Ao Comandante Supremo, por intermédio do Ministro de Estado da
Defesa, no caso de Comandos conjuntos, compostos por meios adjudicados
pelas Forças Armadas e, quando necessário, por outros órgãos; (Redação
dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010).
II - Diretamente ao Ministro de Estado da Defesa, para fim de adestramento,
em operações conjuntas, ou por ocasião da participação brasileira em ope-
rações de paz; (Redação dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010).
III - Diretamente ao respectivo Comandante da Força, respeitada a direção
superior do Ministro de Estado da Defesa, no caso de emprego isolado de
meios de uma única Força.
§ 1o Compete ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças
Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado
por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do
Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.
§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por ini-

ciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as
diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os
instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade
das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.
§ 3o Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144
da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles
formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo
Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes
ao desempenho regular de sua missão constitucional. (Incluído pela Lei
Complementar nº 117, de 2004)
§ 4o Na hipótese de emprego nas condições previstas no § 3o deste artigo,
após mensagem do Presidente da República, serão ativados os órgãos ope-
racionais das Forças Armadas, que desenvolverão, de forma episódica, em
área previamente estabelecida e por tempo limitado, as ações de caráter pre-
ventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na
garantia da lei e da ordem. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)
§ 5o Determinado o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da
ordem, caberá à autoridade competente, mediante ato formal, transferir
o controle operacional dos órgãos de segurança pública necessários ao
desenvolvimento das ações para a autoridade encarregada das operações,
a qual deverá constituir um centro de coordenação de operações, composto
por representantes dos órgãos públicos sob seu controle operacional ou
com interesses afins. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)
§ 6o Considera-se controle operacional, para fins de aplicação desta Lei Com-
plementar, o poder conferido à autoridade encarregada das operações, para
atribuir e coordenar missões ou tarefas específicas a serem desempenhadas
por efetivos dos órgãos de segurança pública, obedecidas as suas competências
constitucionais ou legais. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)
§ 7o A atuação do militar nos casos previstos nos arts. 13, 14, 15, 16-A, nos
incisos IV e V do art. 17, no inciso III do art. 17-A, nos incisos VI e VII do
art. 18, nas atividades de defesa civil a que se refere o art. 16 desta Lei Com-
plementar e no inciso XIV do art. 23 da Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965
(Código Eleitoral), é considerada atividade militar para os fins do art. 124 da
Constituição Federal. (Redação dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010).
ADPF 635 / Restrição de ações/incursões policiais a casos excepcionais

em comunidades enquanto durar a pandemia de covid-19
No dia 23 de maio de 2022, a inteligência policial do Rio de Janeiro detec-

tou uma reunião de dirigentes de alto escalão do Comando Vermelho, na Vila
Cruzeiro. Quando operadores do Batalhão e Operações Policiais Especiais
chegaram no local, ficaram frente a frente com um “bonde” de criminosos
(comboio de traficantes) fortemente armados, com fuzis granadas e até uni-
formes táticos de combate, muito semelhantes ao que a polícia usa. Na batalha
que se seguiu e durou horas, 25 criminosos morreram e 7 ficaram gravemente

feridos. Essa guerrilha urbana que o Rio de Janeiro enfrenta atualmente é
consequência da absurda ADPF 635, que inacreditavelmente suspendeu as
operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro desde junho de 2020, por
razões sanitárias e que perdura até os dias de hoje6.
As decisões das cortes superiores estão dificultando sobremaneira o
trabalho policial e na segurança pública de um modo geral. Elas estão extra-
polando seu poder de decisão, realizando uma forçada regulação externa
entrando em uma seara que definitivamente não é a delas. Protocolos policiais,
técnicas e procedimentos são pensados e utilizados visando a proteção da
sociedade. Medidas judiciais embasadas em simples opinião ideologizada,
sem o conhecimento teórico e prático de técnicas e procedimentos já adotados
com sucesso, prejudica a segurança pública dos Estados afetados como um
todo, e causa tremenda instabilidade na sociedade.
Esse assunto é tratado de forma diferenciada e brilhante no livro “Guerra
à Policia’, livro de Adriano Alves – Marreiros e vários co-autores, entre eles
o chefe da CORE da PCERJ Delegado Fabricio Oliveira Pereira.
A ADPF 635(Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 635),
também conhecida como “ADPF das Favelas pela Vida”, é uma ação ajuizada
em novembro de 2019 no Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo de
contestar as intervenções policiais nas favelas no Rio de Janeiro e, assim, segundos
seus autores, contribuir para a diminuição da violência policial nesses territórios.
Essa ação, protocolada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), com
apoio da Defensoria Pública do Estado, e várias ONGs, tem como contexto
os supostos altos índices de letalidade policial no Brasil, especialmente nas
regiões periféricas da cidade do Rio de Janeiro e, por ser uma ação que visa
o controle de constitucionalidade, considera o uso desproporcional da força,
por parte dos policiais e contra a população das comunidades, um desrespeito
à Constituição brasileira. Apesar de todas as justificativas sobre a validade e
necessidade dessa ação, ela também foi muito contestada, especialmente sob
o argumento de que, restringindo as operações policiais, os crimes nas regiões
periféricas certamente aumentariam, além do que as próprias organizações
criminosas se fortalecem com a medida.
Em meio à essas discussões sobre eventuais pontos positivos ou negati-
vos que poderiam ser gerados pela procedência da ADPF, em junho de 2020,
em plena crise sanitária, o ministro Edson Fachin julgou procedente a liminar
que impede as operações policiais nas favelas do Rio durante a pandemia
de covid-19, salvo em casos excepcionais. Em 4 de agosto o julgamento da
ADPF foi concluído e a decisão do STF foi por manter a proibição, salvo em
casos excepcionais, nos quais deve haver justificativa por escrito da excep-
cionalidade e comunicação imediata ao Ministério Público. A verdade é que
se tratando de Rio de Janeiro, todas as incursões policiais em favelas são
justificadas e se trata de total excepcionalidade.
Com a decisão de manter a ADPF 635, o futuro da segurança pública

no Rio de Janeiro, já caótica, será incontrolável. As organizações criminosas
vão voltar a se capitalizar, aumentar a quantidade e poder de armamen-
tos, arregimentar mais seguidores, e disputar mais territórios. É imperioso e
urgente a polícia voltar a estar constantemente nas favelas, para evitar que
essas comunidades se tornem fortalezas do crime e concretizem de fato a
sua separação do Estado. Como dizia Winston Churchill, uma submissão em
nome de uma “paz” sempre leva a uma guerra: a submissão à força bruta e
à injustiça, mesmo sendo motivada por um legítimo desejo de paz, não evita
o conflito. Pelo contrário, encoraja-o e favorece-o.
Somando-se a essas decisões polêmicas, o Superior Tribunal de Justiça
lançou dúvidas sobre permissão do morador para busca domiciliar, o que levou
à essa corte a absolver acusado de tráfico. A 6ª turma do STJ entendeu que,
havendo dúvidas entre a versão da polícia e a do morador, deverá prevalecer
esta última. Em decisão semelhante, a 1ª Turma Especializada do Tribunal
Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES), entendeu que a operação “Chupa essa
Manga”, que apreendeu mais de 700 kg de drogas nos caroços das frutas, em
30 de setembro de 2021, deve ser anulada. Ela foi considerada ilícita após os
agentes não justificarem a entrada em local onde estavam suspeitos de tráfico
internacional. A medida foi embasada no entendimento do Supremo Tribunal
Federal (STF), de que “a entrada forçada em domicílio sem mandado judi-
cial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas
razões, devidamente justificadas a posteriori”. De acordo com a Justiça, a ação
foi, portanto, ilegal, por isso provas foram anuladas e detidos libertados. Em
outra decisão muito polêmica da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a
denúncia anônima, a intuição policial ou mesmo a abordagem “de rotina” não
justificam a busca pessoal. A decisão deu provimento ao recurso em Habeas
Corpus e trancou uma ação penal, na qual um homem foi abordado pela polícia
com a justificativa que estava “em atitude suspeita”. A prática da busca pessoal
depende, segundo o STJ de fundadas razões que possam ser concretamente
aferidas e justificadas a partir de indícios sólidos. Em suma, para o STF, o
problema é a “operação policial”. Para cortes superiores e o STJ, o problema é
a “abordagem policial”. Para partidos de esquerda, “especialistas e “ONGs”,
o problema é a letalidade policial. Com todo esse cenário em seu desfavor, a
atuação eficaz das forças de segurança fica assaz prejudicada.
O Estado do Rio de Janeiro, com essa intervenção ao melhor estilo “bri-
zolista” (o então governador do RJ, Leonel Brizola, decretou medida seme-
lhante em 1982, o que acarretou o aumento exponencial da criminalidade,
estruturação de facções e violência endêmica), passou a ser o centro focal
das organizações criminosas nacionais e internacionais, e lugar de homizio
dos principais chefes do tráfico. A população de bem que reside nas favelas
continua sofrendo a opressão e violência dessas organizações.
A retomada do Complexo do Alemão, que teve uma repercussão mun-
dial, ocorreu em função de que as operações estavam suspensas no local por
quase 2 anos, não por culpa da Polícia, em virtude de obras do PAC – Pro-
grama de Aceleração do Crescimento (Governo Dilma Roussef). Quando a
polícia não opera na comunidade, a criminalidade se fortalece, se encaste-
lando e estruturando verdadeiras fortalezas do tráfico de drogas. No caso do
Complexo do Alemão, o Comando Vermelho se estabeleceu e se fortificou em
todas as favelas do Complexo, transformando em seu quartel general, pela
ausência de operações do Estado. O tráfico quando se fortalece, cada vez mais
quer novos territórios e ataques em territórios vizinhos acontecem. Também
cometem outras modalidades criminais desestabilizando toda a região.
Em 2010, as operações começaram em favelas anexas (área periférica da
favela da Chatuba) com quase 2 anos de inoperância na região, quando em
determinado momento, uma patrulha do BOPE localizou uma casa com 1
tonelada de maconha e 16 fuzis. Quando a equipe entrou no local, foi cercada
por criminosos que tentaram destruir o local com quase 16 operadores dentro.
Foram chamados reforços do BOPE. A área estava com muitas barricadas,
trilhos de trem para impedir o acesso fácil das viaturas blindadas causando
muita dificuldade para chegar ao local conflagrado.
A juíza carioca Renata Guarino disse que “negar a realidade cobra e faz
seus cadáveres”5. É exatamente isso que ocorre com a ADPF 635. Aprovada
com o ingênuo objetivo de salvaguardar e proteger a população da “violência
policial”, deve gerar ainda mais insegurança. A função primordial dos ministros
que aprovaram essa ADPF é zelar pela garantia fundamental da segurança,
preceito fundamental, expresso na Constituição Federal. Sua manutenção vai
apresentar uma conta caríssima à sociedade e fazer muitos cadáveres ainda.
O Supremo Tribunal Federal, através de seu ministro Edson Fachin,
determinou no dia 16 de agosto de 2021 que o Ministério Público investigue
as ações da Polícia Civil contra criminosos que controlam cerca de 1500 favelas
no Rio de Janeiro. A ordem é apurar se a Polícia Civil descumpriu a ordem
do STF que proibia as operações policiais em comunidades do RJ, durante
a pandemia de covid-19. A ação foi movida por um grupo de ONGs e pelo
Partido Socialista Brasileiro (PSB), por outro lado, não solicitaram qualquer
tipo de providência legal contra as facções criminosas nas comunidades.
Fachin também autorizou, os autores da ação, a terem acesso” às comunica-
ções das operações policiais, assim como os relatórios produzidos ao final
das operações”. Ele também anulou a decisão da Polícia Federal do Rio de
Janeiro, de impor sigilo a informações de operações policiais no RJ, incluindo
a ação do Jacarezinho, que resultou em 27 criminosos mortos.
O Subsecretário Operacional da Policia Civil do RJ disse que foi esta-
belecido pelo Governo do Estado um total de 5 anos de sigilo sobre todas as
operações, incluindo informações da operação Exceptis, na Favela do Jaca-
rezinho, dia 6 de maio de 2021, onde morreram 27 delinquentes e o policial
ex-CORE André Leonardo Mello Frias e considerada a mais letal até então na
história do Rio de Janeiro , alegando que se documentos vazassem, poderiam
comprometer e pôr em risco outras atividades de investigação.
Um Procurador do Ministério Público do RJ desafiou o Ministro Edson

Fachin e colegas do STF a subirem a favela junto com a polícia. Avaliou a
medida do Supremo como “absurda e inconstitucional”, querendo adminis-
trar de Brasília a caótica situação da Segurança Pública do Rio de Janeiro. O
Procurador também colocou “na conta” dos ministros o desfecho da operação
do Jacarezinho. Depois da liminar concedida restringindo consideravelmente
as operações nas comunidades do Rio de Janeiro, as facções tiveram tempo
de se reestruturar com o alto lucro proveniente do tráfico, estimulado pela
falta de operações policiais adquirindo mais armamento e pessoal, construir
barricadas e casamatas, fortalecendo o crime organizado e podendo impor
seus domínios em grandes áreas. “O criminoso está cada vez mais se sentindo
seguro e à vontade no Rio de Janeiro, e a população é a que sai prejudicada
com tudo isso, pela insegurança e pelo medo.”
Deve haver um esforço por parte das autoridades, legisladores e poder
judiciário para demover o criminoso do enfrentamento. Ele deve saber que se
enfrentar o Estado terá consequências severas. Que o risco será muito grande
para ele e terá muito pouco benefício. Caso resolva enfrentar armado a polícia
deve ser neutralizado. Se um agente das Forças de Segurança morrer em combate,
haverá uma resposta dura por parte do Estado. É esse esforço que deve ser feito
diariamente pelas autoridades brasileiras, aprovando leis, códigos severos em
relação aos delitos envolvendo todos os tipos de crimes, especialmente o tráfico
de entorpecentes e crimes conexos, dando condições de trabalho e liberdade
de ação as Forças de Segurança, e retirando seus entraves. Investir não só em
inteligência, mas investir nas unidades operacionais e na polícia como um todo.
O correto seria que tanto juízes como promotores pudessem acompanhar
os policiais nas operações, ou conhecessem melhor o trabalho da polícia, como
fez em algumas ocasiões o Dr. Rogerio Greco, Secretário de Justiça e Segurança
em Minas Gerais. Em trabalho pioneiro e à frente do tempo, o BOPE/RJ, estrutu-
rou o E.A.T. (Estágio de Aplicações Táticas) aberto também a profissionais das
Justiças Estaduais e Justiças Federais, do Ministério Público Federal e Estaduais
(promotores e procuradores), a fim de mostrar a realidade por que passam os
policiais e militares que estão na linha de frente do combate à criminalidade.
Em 2 de fevereiro de 2022, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)
formaram maioria, para determinar ao estado do Rio de Janeiro que elabore,
em no máximo, 90 dias, um plano para a redução da letalidade policial e para
exercer o controle de violações de direitos humanos pelas forças de segurança
fluminenses. O planejamento deve ter medidas objetivas, cronogramas específi-
cos e a previsão dos recursos necessários para a implementação. O julgamento
dos embargos de declaração contra a cautelar do ministro Edson Fachin na
ADPF 635 foi retomado no começo de fevereiro, após a suspensão da votação
no dia 15 de dezembro de 2021 pelo presidente do STF. A liminar deferida
pelo plenário em agosto de 2020 não continha a obrigação de realizar o plano.
No julgamento dos embargos de declaração da decisão de agosto de 2020, o
ministro Edson Fachin acolheu o pedido para determinar que o estado do Rio
de Janeiro elaborasse diretrizes para enfrentar a questão.
O ministro Edson Fachin também propôs outras 10 medidas para com-
bater a letalidade policial no Rio de Janeiro. Ainda não tem maioria formada
em temas como a instalação de equipamentos GPS e sistemas de gravação de
áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança e,
no caso das buscas domiciliares, a possibilidade de que as diligências, sem
mandado judicial, devam estar lastreadas em causas prévias e robustas que
indiquem a existência de flagrante delito.
Também não há decisão para que o Ministério Público Federal investigue
os descumprimentos da decisão do STF e avaliação da eficácia das mudanças
promovidas no Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública do
Ministério Público, bem como no caso de buscas domiciliares, que elas não
sejam feitas à noite, que a diligência, quando feita sem mandado judicial,
deva ser justificada e detalhada por auto circunstanciado e se fica ou não fica
proibido o uso de domicílios ou imóveis privados como base operacional da
polícia sem prévia autorização.
As armas usadas, pelos bandidos, nas favelas do Rio de Janeiro, são
revólveres, pistolas, metralhadoras, granadas e fuzis M16, AR10, AR 15, AK
47, G3, FAL, .30, .50 etc.). Quem se utiliza desses instrumentos bélicos deseja
matar o seu oponente.
A quem interessa transformar o Rio de Janeiro nesse barril de pólvora
prestes a explodir? Até onde vamos parar com o insano ativismo judicial e
a bandidolatria? Essa decisão da ADPF 635 é diretamente responsável pela
grande letalidade nas últimas operações policiais. E não serão as últimas. Ela
deu tempo para que as facções se preparassem com bastante antecedência para
o enfrentamento, pois conseguem, em razão dessa suspensão forçada, aumentar
significativamente a quantidade de seu armamento e munição, potencializando
seu poderio bélico. Estruturas de defesa adotadas em manuais de guerrilha,
como “seteiras”, muros de contenção e armadilhas também foram incrementa-
das. É também responsável por transformar o Rio de Janeiro em um refúgio de
lideranças do crime do Brasil inteiro. As recentes operações policiais enfrentam
um exército de narcoguerrilheiros, que já contavam com apoio jurídico, apoio
político e informacional, e agora contam também com uma decisão judicial
que permite manter a supremacia de seus territórios7.
Proibir a utilização de aeronaves policiais nas operações e dificultar a
entrada dos profissionais de segurança pública nessas regiões é condenar toda
a sociedade a viver refém dos seus maiores algozes. O PSB, do ponto de vista
do autor, jamais deveria ter feito isso com o povo fluminense, e o STF não
poderia dar ouvidos a quem acha que a Polícia deve acabar. Teses absurdas
concebidas em estado de verdadeira “paralaxe cognitiva” e que incentivam
a bandidolatria – como, por exemplo, a ADPF 635, o “desencarceramento de
presos” e o “abolicionismo penal” – nunca deveriam ser levadas a sério por
aqueles que são os guardiões da Constituição.
Câmera corporal/‘BodyCam’
Com o advento das chamadas ‘BodyCam’ (câmera corporal), altamente

invasivas e causando a completa perda da privacidade para os operadores
convencionais, alguns policiais militares de São Paulo estão sendo obriga-
dos a portar um dispositivo de câmera que grava a sua atuação durante seu
turno de trabalho. Foram contratados inicialmente 2500 câmeras corporais
com tecnologia para acionamento remoto, localização imediata via GPS, gra-
vação ininterrupta, armazenamento na nuvem e transmissão em tempo real
para centrais especificas. Já no início do ano de 2022 o Governo de São Paulo
lançará um edital para aquisição de mais sete mil ‘BodyCam’. No momento
existem 585 câmeras portáteis em operação.
Essas câmeras devem ser usadas para patrulhamento convencional e por
unidades especializadas em área urbana, se o policial ou comandante da equipe
achar conveniente e necessário gravar a ocorrência, produzindo provas para
o policial visando uma defesa em possível processo ou ajudar o trabalho de
policiamento, e não para inibir o trabalho policial e identificar excessos ou
abusos de autoridade. A ROTA/SP, por exemplo, está realizando uma espécie
de “greve branca”, de mãos atadas e com a tropa desanimada, em virtude do
uso obrigatório desse dispositivo. Quem perde com isso é a própria população
que não está tendo um serviço de segurança pública adequado. Outro ponto
que está sendo debatido é que a maior parte das ocorrências operacionais é feita
através de denúncia anônima da própria população. De fato, com o policial
portando uma câmera, poucos vão querer se expor dessa forma.
O combate efetivo ao crime organizado, com o uso obrigatório desse
equipamento, estará comprometido. O trabalho policial está sendo engessado,
por uma inovação que conceitualmente poderia trazer grande benefício, se
usada da forma correta, mas que, sendo desvirtuado ou mudando seu sentido,
como faz frequentemente o movimento revolucionário, esticando conceitos até
o ponto em que boas novidades se tornam más, pervertendo a ideia original.
O operador que está na ponta às vezes possui frações de segundo para decidir
o que fazer, e a câmera pode ser um recurso que leva o operador a uma certa
vacilação, e ele não pode vacilar em momentos críticos. A câmera na visão
do autor é um voto de desconfiança para o agente da segurança pública con-
vencional. O Estado passa uma mensagem em que não confia no seu agente,
e que esse elemento que protege a sociedade precisa ser monitorado. Além
de obviamente gerar um alto custo na sua aquisição e no armazenamento de
imagens. Seu uso massivo não é adequado, além de ser contra-producente.
Por outro lado, a câmera de combate, acoplada no uniforme do militar/
policial na linha de frente, um equipamento usado pontualmente nas forças
especiais pelo mundo, é uma ferramenta muito útil na guerra informacional
moderna, por exemplo, gerando provas substanciais, e elevando cada vez o
nível das performances em escala operacional e tática, mudando muitas vezes
modus-operandi e até doutrinas, com base em erros e acertos registrados em
vídeo. Conta com um certo preconceito por parte de operadores brasileiros, que
ainda não conseguem enxergar o potencial dessa “arma”, uma porta de entrada
para o operador que está na ponta, para a dimensão informacional na guerra.
Tróia
No Rio de Janeiro, um Projeto de Lei denominado “Kathlen Romeu”

quer proibir a prática de “Tróia” em ações policiais. De autoria da deputada
estadual Renata Souza (PSOL) protocolou na Alerj em agosto de 2021, um
projeto de lei que proíbe a prática do “Tróia” em ações policiais em todo o
território do Estado do Rio de Janeiro.
“Troia” é a utilização de emboscadas e outros estratagemas, pelos poli-
ciais civis e militares, com o propósito de enganar ou iludir, para o emprego
de armas de fogo contra traficantes e bunkers de narcoterroristas homiziados
em fortalezas nas favelas cariocas. Policiais ficam de tocaia em uma casa aguar-
dando o melhor momento para atacar. Considera essa pratica uma infração
administrativa grave, passível de demissão do serviço público, independente da
responsabilização civil ou penal do agente. Como agravante considera a inva-
são ou violação de domicílios para servir de base para emboscadas desse tipo.
Restrição do uso de helicópteros nas ações
O Serviço do SAER8 – Serviço Aéreo Policial – PCERJ (helicópteros) tem

uma importância muito grande na atividade de segurança pública no Rio de
Janeiro. O histórico vem desde os anos 70, quando já eram empregados meios
aéreos para auxiliar nas operações, tanto para salvamento aéreo como na ati-
vidade de prisão de criminosos. Hoje o serviço do SAER/PCERJ é referência
nacional, com técnicas e táticas aprendidas com o passar do tempo, vêm cons-
tantemente sendo empregados, e são de fato imprescindíveis para operações
policiais no RJ nos dias de hoje. As operações policiais com uso de helicópteros
e drones conseguem ser eficazes e seguros para os operadores, bem como
seguras para a população, estabilizando o teatro operacional de forma mais
rápida, evitando que marginais fiquem expostos atirando em policiais , com
esses tiros podendo pegar em inocentes (o que é do interesse deles, pois deses-
tabiliza a operação) trazendo resultados significativos, diminuindo o número
de confrontos e restringindo a área de atuação da criminalidade nos confrontos.
Uma decisão da Justiça do Rio de Janeiro tenta coibir a utilização de aerona-
ves em operações naquela cidade. As aeronaves são essenciais e imprescindíveis
para o sucesso de qualquer operação das forças de segurança no Rio de Janeiro.
A população da área de atuação, muito mais que os policiais envolvidos na ope-
ração, necessita desse apoio. Com o uso de helicópteros nas favelas, o número
de confrontos diminui drasticamente. Isso porque o criminoso, que geralmente
atira em modo rajada e efetua muitos disparos, não quer ser localizado e com esse
recurso da aeronave, o delinquente passa a adotar uma postura mais cautelosa,
fazendo toda a diferença. Também desaloja os criminosos de posições de lajes,

dando um controle maior do terreno, “equilibrando” de certo modo, as forças.
Adonis Lopes de Oliveira é piloto da Polícia Civil do Rio de Janeiro
(SAER /PCERJ) há mais de 33 anos. É considerado um dos melhores pilotos
policiais do mundo, se não o melhor. Pioneiro na aviação policial e na con-
dução de helicópteros blindados, ainda realiza até hoje inúmeras operações
com essas aeronaves de asa rotativa (o autor já teve a oportunidade – e honra
– de participar de algumas missões, tendo sua tropa transportada por ele
e equipe de tripulantes operacionais). Nesses 33 anos de atuação algumas
dessas operações foram históricas.
Participou em novembro de 2010 da retomada do Complexo do Alemão,
onde o helicóptero foi extremamente útil ao transferir e posicionar patrulhas
em pontos estratégicos no cenário. Um dos episódios mais marcantes foi a ope-
ração para prender José Sabino Pereira, o “Matemático”, em Senador Camará,
zona oeste do Rio, no ano de 2012. O criminoso não sobreviveu e a operação,
amplamente divulgada nas mídias, não ofereceu riscos aos moradores.
O comandante Adonis entrou como detetive na PCERJ e logo em seguida
começou um curso de pilotagem na Força Aérea. Dois anos depois de traba-
lhar como detetive (inspetor), fez o concurso para o cargo de Piloto da própria
Polícia Civil. Hoje em dia, segundo conta em entrevista, as operações são em
grande ampla maioria missões bem programadas e planejadas (e geralmente
interagências). Entretanto, antigamente, grande parte delas eram operações
inopinadas, onde era acionado subitamente para resgate de policiais dentro
de favelas ou outros tipos de emergências.
A neutralização do criminoso Márcio José Sabino Pereira ou “Márcio Mate-
mático”, ocorreu em uma operação noturna com imagens impactantes, gravada
por equipamentos que estavam na aeronave naquela ocasião. Essa operação
especifica gerou um grande debate na mídia (sempre em busca de audiência),
por alguns dias, com pseudo-especialistas afirmando sobre o “alto e desneces-
sário risco que a população estaria correndo”, e com “tiros disparados nas casas
de moradores”. São inverdades ditas e injustiças cometidas por indivíduos
com certa habilidade retórica, porém desconhecem completamente a área de
segurança pública. Para estes especialistas de plantão o criminoso deveria atirar
primeiro, e em direção a polícia, para justificar uma reação à altura.
A população carioca, vendo que a operação foi um sucesso, neutrali-
zando um grande e violento traficante, vibrou e logo aprovou a operação,
condenando o massacre que estava sendo feito pela mídia. E em virtude
desse apoio, o assunto logo morreu na imprensa. O inquérito, que tinha sido
arquivado, foi desarquivado e novamente arquivado, com Adonis sendo
elogiado pelo próprio juiz do caso.
Em toda operação policial no Rio há riscos envolvidos. Seja para o policial,
seja para o criminoso. Seja para a população. Mas com operações muito bem
planejadas e com operadores envolvidos que recebem constantes treinamentos, e
tem em seu poder meios, recursos e equipamentos modernos, em suma, poder de
resposta, irão minimizar radicalmente esses riscos e danos colaterais à população.
O uso do helicóptero, segundo Adonis, não está proibido pelo STF. Há

uma determinação para que a aeronave saia em casos de excepcionalidade.
Acontece que todos os casos ou operações, em qualquer comunidade do Rio de
Janeiro, das quase 1500 favelas que existem no Estado, são de extrema excep-
cionalidade. Não se pode esperar um policial morrer por falta de apoio aéreo.
Um helicóptero durante uma operação, além de ter capacidade de fogo
e de gerar inteligência com seus equipamentos ópticos, gera uma forte dis-
suasão. Apenas a presença do helicóptero já faz o criminoso recuar, vencendo
a supremacia do traficante, e diminuindo assim o número de confrontos.
Preservando inclusive a vida dos policiais envolvidos. Nesse sentido, o heli-
cóptero deveria participar de todas as operações em comunidades cariocas.
Quanto mais aeronaves de combate (helicópteros de guerra) e bem armadas
sobrevoando uma comunidade, menor o risco de tiroteio.
O Estado deve usar sua força sempre com legitimidade, legalidade e
a moralidade. Mas também deve sempre agir com desproporcionalidade.
Com pressão. Sempre em vantagem numérica, de meios, de armamentos,
de equipamentos. Isso se chama supremacia bélica das forças de segurança
e sua consequente capacidade dissuasória.
Adonis foi surpreendido recentemente com elementos que queriam
sequestrá-lo, juntamente com sua aeronave para levá-lo a um presidio na
intenção de resgatar prisioneiros. Essa ação, ao mesmo tempo audaciosa e
desastrada foi realizada com a aspiração de resgatar um detento no complexo
de Gericinó, conhecido como Bangu 8. Os sequestradores foram identificados
como dois integrantes do Comando Vermelho.
Os criminosos, em pleno voo, na volta de uma viagem à Angra dos Reis,
anunciaram o sequestro a Adonis, rendendo o comandante com fuzis. Adonis
tentou convencer a dupla de que seria arriscado tentar pousar no presidio e
desviou a rota para o 14º Batalhão de Polícia Militar (Bangu), onde simulou
uma pane, tentando aterrissar. Adonis ainda relata que entrou em luta cor-
poral com os dois homens, momento em que desistiram do sequestro. Com
a desistência, permitiram que Adonis conduzisse a aeronave até Niterói,
onde pularam do helicóptero em uma área de mata. Em seguida a aeronave
pousou no Grupamento Aeromóvel da Polícia Militar, localizado na região.
Marcio Gomes de Medeiros Roque, o Marcinho do Turano é apontado como
o principal suspeito de ser o alvo do resgate.
Arma de Fogo
“A única coisa que pode parar um homem mau com uma arma, é um
homem bom com uma arma.”
“Existem dois tipos de animais: os predadores e as presas. Ninguém vê um

leopardo perseguir uma gazela e nega que a gazela tem o direito de usar
chifres para se proteger. Há muitas pessoas por todo esse país que negariam
esse mesmo direito a autodefesa a outros seres humanos. Essas pessoas acham
que o jeito de parar o leopardo seria cortando os chifres da gazela, e facili-

tando a vida para o predador, ele iria embora. Mas o que realmente ocorre é
que quando você facilita para um predador, você convida mais predadores.”
Em relação a posse e porte de arma de fogo, isso deveria ser um direito

fundamental do cidadão (de autodefender-se e defender sua família e pro-
priedades). A lei de desarmamento é uma força ideológica de cunho marxista,
visando desarmar a sociedade e deixá-la mais vulnerável. Bene Barbosa,
pesquisador do assunto há mais de trinta anos, têm um conhecimento histó-
rico profundo dessa temática, tem livros interessantes como “Mentiram Para
mim Sobre o Desarmamento” (2015) e “Sobre Armas, Leis E Loucos” (2020)
e escreve ótimos artigos sobre o tema.
Ao entrar nesse assunto da segurança, está bem provado que a segu-
rança da população aumenta, e ocorre queda em números de crimes como
homicídios, à medida que cresce a quantidade de armas de posse do cidadão
de bem. Todos devemos saber que desarmar a população é uma medida
de controle social, geralmente adotada em ditaduras socialistas e estados
totalitários. Essa legislação sobre posse e porte de armas deve ser melhorada
e sua implementação desburocratizada, e para se adequar cada vez mais a
nossa realidade, dando direito fundamental de defesa ao cidadão brasileiro.
A ideia de que o Governo e o Estado estão preocupados com a nossa
segurança, a de nossas famílias ou nossas crianças, propondo um maior con-
trole, restrições e até mesmo um desarmamento total e irrestrito de toda a
sociedade é extremamente sedutora. Mas é falsa e perigosa. Todos os governos
ou Estados que instituíram o desarmamento ou severas restrições de acesso
a armas de fogos para sua população, se tornaram ditaduras de governos
tirânicos e autoritários. Apenas três exemplos: União Soviética, Cuba e Ale-
manha no período nazista.
Temos que ter bastante cuidado pois, muitas leis, são incluídas e impos-
tas na sociedade de maneira velada e em forma de pequenas restrições. Isso
só demonstra que, todos os exemplos de uma sociedade desarmada são com
o intuito de oprimir uma civilização ou país por inteiro, com a intenção de
controlar a sociedade e/ou se perpetuar no poder.
Armas não matam sozinhas. O argumento de que armas matam é ingê-
nuo. Se armas matam, então carros atropelam. A culpa seria do carro e não é
do motorista. Nesse raciocínio, se você for mal em uma prova, a culpa seria
da caneta, e não sua. É importante saber que há sempre por trás a ação de
um ser humano. E com armas de fogo, é a mesma coisa. A arma é apenas um
objeto inanimado, que não tem alma, que não possui poderes sobrenaturais
para tornar alguém assassino. Portanto, o problema não é a arma. O problema
é o crime e a criminalidade. São indivíduos que, conscientemente, optaram
por cometer uma barbárie e quebrar a lei penal do Brasil.
A arma que poderia ser utilizada num assalto, é também a arma que
pode ser utilizada para impedir o mesmo assalto, proteger um imóvel ou
evitar que façam uma barbárie com sua família. É a sua utilização é que
muda tudo. A arma vai é a extensão de quem a possui. Como é impossí-

vel desarmar completamente os criminosos, pois eles sempre vão dar um
jeito de conseguir armamento de maneira ilegal, ao desarmar o cidadão
de bem causará uma desproporcionalidade de forças entre a sociedade
e a criminalidade. O como diz Bene Barbosa: “O martelo de Thor tem a
personalidade de Thor”. E, como citou o Padre Wander Maria, “repelir o
agressor é um dever moral de proteção da vida de quem está sendo agre-
dido. A legítima defesa compõe a Lei Natural. Ela não é só necessária, mas
é um dever moral”, afirma o religioso.
Outra falácia que é ouvida com frequência é a de que países armados
são mais violentos. a arma de fogo nunca será um fator determinante para
um maior índice de criminalidade. Disponibilizar armas para a sociedade
não significa que você irá tornar ela mais violenta. Esse é um argumento
que também não se sustenta. Se elencarmos os 25 países mais armados do
mundo, nenhum ele está entre os mais violentos ou com mais assassinatos.
O Uruguai é o sexto país mais armado do mundo, possuindo uma arma a
cada seis uruguaios. E possui um dos menores índices de criminalidade das
Américas. O Paraguai, têm a terceira menor taxa de homicídios do continente.
SIG 550 é um modelo de fuzil fabricado pela Swiss Arms AG. Somente
desse modelo existem cerca de 500 mil em lares suíços. Armas e tiros são uma
forte tradição naquele país. O treinamento militar básico é obrigatório para
homens, e ao seu término, é exigido que cada um mantenha sua arma em casa.
Anualmente a Suiça realiza o maior festival de tiro do mundo. Cerca de 200 mil
pessoas praticam tiro nesses dias, e um detalhe curioso: a munição é fornecida
pelo próprio governo. A chave para a liberdade sem dúvida é a capacidade de
defender a si mesmo. Se você não tem ferramentas para isso, você, mais cedo
ou mais tarde, será subjugado. E as ferramentas para isso são as armas.
Existe um falso argumento que diz que o brasileiro não teria educação
ou cultura para ter uma arma. Isso é o que Nelson Rodrigues chamaria de
“síndrome do vira-lata”: o brasileiro acredita que ele é menos capacitado
que outras sociedades para lidar com determinados assuntos. Se isso fosse
verdade, locais mais ermos do Brasil seriam extremamente violentos, o que
não acontece. Existem pelo Brasil lugares com alto índice de pobreza com
pessoas humildes e respeitadoras das leis. Elas sabem o que é certo ou errado.
Muitas vezes essas mesmas pessoas têm uma arma rudimentar em casa e não
cometem crime algum. É importante também lembrar que, até 1997, não exis-
tia o crime de porte ilegal de arma de fogo, sendo apenas uma contravenção
penal. E não havia tiroteios pelas cidades.
O Brasil não vai virar uma imensa praça de guerra porque pessoas estão
se armando. Esses defensores do desarmamento querem gerar medo na popu-
lação através da desinformação e verdadeiro terror e apavoramento por pes-
soas legalmente armadas. Agindo exclusivamente pelo medo, a pessoa passa
a refutar uma ideia implantada, ou mesmo discutir uma nova ideia porque,
se houver pessoas armadas elas irão atirar sem nenhum motivo umas nas
outras. Um exemplo são os atiradores esportivos brasileiros, registrados pelo

Exército Brasileiro. São quase 250 mil praticantes em todo o Brasil, com o
número de homicídios ou tiroteios iniciados por eles sendo zero.
10 frases sobre o armamento:
1. Aqueles que trocam liberdade por segurança, não terão nenhuma das duas”- Tho-
mas Jefferson;
2. “Homens livres não pedem permissão para portar armas” - John Adams;
3. “Um homem armado é um cidadão. Um homem desarmado é um subjugado”;
4. “Somente um governo que tem medo de seus cidadãos, tenta controlá-los”;
5. “O controle de armas não se trata de armas; trata-se de controle”;
6. “Conheça as armas, e então conheça a paz e a segurança. Sem armas não há paz,
não há segurança”;
7. “Você não atira para matar; você atira para permanecer vivo”;
8. “Quase 65.000.000 de proprietários de armas de fogo (Nos EUA) não mataram
ninguém hoje”;
9. “Quando você remove o direito das pessoas de portar armas, você cria escravos”;
10. “A Revolução Americana nunca teria acontecido com o controle de armas”;
Notas:
1. Lei do Estado Democrático de Direito ou proposta nº 6.760/02 define no Código
Penal os crimes contra o Estado Democrático de Direito e revoga a Lei de Segurança
Nacional, uma herança do regime militar.
2. Black Blocs é um agrupamento de pessoas para uma ação conjunta (tática de ação
direta), de cunho anarquista, empreendida por grupos de afinidade, que se reú-
nem, vestidos de preto e mascarados, a fim de protestar em manifestações de rua,
desafiando o establishment e as forças de ordem.
3. Rogério Grego, em “Atividade Policial- Aspectos Penais, Processuais Penais, Admi-
nistrativos e Constitucionais”.
4. Codigo Penal Militar, (CPM), de 1969.
5. Juiza Renata Guarino Martins do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
6. Roberto Motta, “Entenda o que aconteceu na Vila Cruzeiro”, vídeo em circulação
nas redes sociais.
7. Roberto Motta, “Entenda o que aconteceu na Vila Cruzeiro”, vídeo de circulação
nas redes sociais.
8. SAER/PCERJ é o Serviço Aeropolicial da Coordenadoria de Recursos Especiais da
Polícia Civil do Rio de Janeiro.
DUAS SENTENÇAS
Deus disse: “faça-se a luz!” E a luz foi feita. Deus viu que a luz
era boa, e separou a luz das trevas. Gênesis 1:1-19
E
m 26 de março de 2014, com bastante alívio, satisfação e entusiasmo
a sociedade trabalhadora e ordeira, recebeu a sentença do destemido
juiz Alexandre Abrahão, a qual determina o arquivamento de pro-
cesso que investigava a operação policial que resultou na morte do
marginal de alcunha “Matemático”, em maio de 2012, na Favela da Coreia, em
Senador Camará, Zona Oeste do Rio. O arquivamento teve o apoio do MP, o
qual concluiu que os policiais agiram em legítima defesa. Márcio José Sabino
Pereira, o “Matemático”, era um dos maiores facínoras que já existiu no Rio
de Janeiro. Um ano após a morte de “Matemático” surgiram as primeiras ima-
gens da impressionante operação, na qual se destaca o alto profissionalismo,
o destemor, a coragem, o sangue frio de profissionais corajosos. Como bem
disse o Juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira, presidente do 3º Tribunal do
Juri da Capital do Estado do Rio de Janeiro, em sua magnífica sentença: “Lá
eles foram simplesmente porque acreditam no que fazem por nós.”
Decisão na íntegra:
“Decisão”
De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de

tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas
mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da
honra e a ter vergonha de ser honesto. Rui Barbosa.
Preliminarmente, peço vênia aos argumentos esposados pelos Ilustrados
Membros do Ministério Público deste Estado para afirmar que, dentro
da minha ótica jurídica, o desarquivamento promovido agrediu a coisa
julgada constitucional, instituindo verdadeiro e efetivo ataque aos direitos
e garantias individuais dos policiais investigados!
O inquérito policial foi instaurado legitimamente pela Autoridade Policial,
primeira juíza documental do fato, através da Portaria contida a fl. 02 do
Inquérito apensado ao presente procedimento ministerial, deflagrando-se,
a partir daí, intensa e idônea atividade investigativa na busca da verdade
real e/ou de indícios mínimos de autoria de crime, já que a materialidade
estava estampada no laudo de fls. 123/135.
Após largo período de investigação, a zelosa Delegada Elen Gomes,
demonstrando profundo e indiscutível conhecimento das peças colhidas,
elaborou minucioso enfrentamento das provas indiciárias concluindo, a
meu ver admiravelmente, pelo reconhecimento da excludente de antijuri-
dicidade prevista no Inciso II, do Art. 23 do Código Penal. Novas provas,
de toda sorte foram anexadas as fls. 143/216, entretanto, tais elementos
indiciários apenas robusteceram a tese sustentada pela Exma. Delegada
330 Duas sentenças
de Polícia, motivo pelo qual sua colega, mais uma vez, a meu ver de forma
correta, reiterou o relatório sustentando a mesma tese (fl. 218).
Diz o dispositivo focado pela Autoridade Policial:
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: (Redação dada pela
Lei n° 7.209, de 11.7.1984).
I - em estado de necessidade; (Incluído pela Lei n° 7.209, de 11.7.1984).
II - em legítima defesa; (Incluído pela Lei n° 7.209, de 11.7.1984) (...) (grifei).
A investigação foi submetida ao Órgão Constitucionalmente estabelecido
para garantir os interesses da sociedade, opinando este, através da Dra.
Valéria Videira, Promotora de Justiça conhecida. Pelo seu rigor no trato
com desvios, pelo arquivamento. Valéria Videira investiu oceanos de tinta
ao longo de quatro laudas para convencer, ante aos insuperáveis elemen-
tos de prova técnicos contidos, o acerto da ação policial, reafirmando a
existência da excludente de antijuridicidade estabelecida no Art. 23 do
CP, assim como se vê as fez. 222/226.
Não foi por razão diversa a sua conclusão; vejamos:
[...] ante a ausência de justa causa, com fulcro no artigo 395, inciso III, do
Código de Processo Penal, o Ministério Público vem promover o arquiva-
mento dos inquéritos policiais. (fl. 226 - grifos no original) Em razão dos
argumentos externados pela Dra. Promotora ao longo da sua promoção
de fls. 222/226, o qual torna parte integrante da presente decisão, não resta
dúvida de que também ela reconheceu a idoneidade da ação policial.
Destaco, a seguir, o dispositivo procedimental expressado pela Presentante
do Parquet:
Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos,
deste Código, o juiz deverá absorver sumariamente o acusado quando
verificar: (a ação dada pela Lei n° 11.719, de 2008).
I- a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; (Incluído
pela Lei n° 11.719, de 2008).
II- a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente
salvo inimputabilidade; (Incluído pela Lei n° 11.719, de 2008).
III- que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou (Incluído
pela Lei nº 11.719, de 2008). [...] (grifei).
Submetida a tese policial/ministerial ao crivo fiscalizador do Poder Judiciá-
rio, reiterou este, através da pena da ínclita Magistrada Elizabeth Machado
Louro, os argumentos do Parquet, determinando, a seguir, o imediato
arquivamento do feito através da decisão de fl. 227.Repousava este inqué-
rito nos arquivos quando uma suposta briga interna - fato externado pela
mídia - acendeu uma onda de denuncismo contra a equipe de elite da
Polícia Civil Carioca.
Deflagrada uma verdadeira caça às bruxas, os investigados viram, a meu
aviso, rasgados os seus direitos e garantias individuais para satisfazer
alguns oportunistas de ocasião. A prática da cidadania só adquire sentido
se no seu horizonte estão os direitos de toda a igualdade perante a Lei,
a defesa do bem comum. José Batista Libânio Dotados, infelizmente, de
voz pública, ignorou estes a regra de isonomia de direitos e garantias

determinados por imperativo constitucional pétreo; qual seja o previsto
no caput do Art. 5° da CRFB/88:
[...] Art. 5° Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natu-
reza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
Residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igual-
dade, à segurança e à propriedade,
Nos termos seguintes: [...]
(grifei)
Policiais, com todo respeito e, me perdoem o adágio popular empregado,
não nascem de chocadeiras. Muito pelo contrário, são filhos gerados e
amados, pais adorados, amigos leais; enfim, seres humanos como todo e
qualquer um que habita o planeta!
Portanto, por mais odioso que possa soar, tem os policiais também garan-
tidos pela Constituição da República os mesmos direitos humanos tão
festejadamente reclamados para os criminosos!
Quando determinado o trancamento da investigação reconhecendo-se a
não caracterização de crime, com todo respeito ao entendimento minis-
terial esposado as fls. 03/17, se efetivou a coisa julgada, constituindo o
desarquivamento, peço mais vênias, verdadeira agressão aos direitos e
garantias individuais dos cidadãos/policiais investigados.
Paulo Rangel, dissertando sobre o tema nos ensinou no seu A Coisa julgada
no Processo Penal Brasileiro como Instrumento de Garantia, da Editora
Atlas, 2012, o seguinte:
No processo penal o caso julgado irá recair sobre o fato real ocorrido no
mundo dos homens. Não se trata da declaração da sentença sobre uma
qualificação jurídica do fato, pois se assim fosse poderia o Estado acusar,
novamente, o indivíduo já julgado, dando a outro nome àquele fato que
já foi objeto de julgamento. Talvez seja esta a razão através da qual alguns
julgados tenham permitido a renovação de processo contra o mesmo réu,
pelo mesmo fato. (Fl.160 - grifei).
Contra os argumentos até aqui externados poder-se-ia dizer. Ora! Trata-se
de mero arquivamento de uma investigação, onde não há devido processo
penal, instruído sob o contraditório, portanto, possível à incidência do
verbete 524 das Súmulas do STF, até porque se trata de mero despacho,
sem carga jurisdicional plena.
Há forte entendimento nesse sentido; não nego!
Todavia, o meu juízo trata-se de entendimento verdadeiramente inqui-
sidor, pois dito verbete foi firmando nos idos de 1969, onde os anos de
chumbo encontravam seu maior eco na nossa sociedade.
De lá para cá muitas coisas se modificaram, especialmente após a edição da
CRFB/88, grande marco divisor entre a inquisição e a democracia. Naquele
período, parece brincadeira, o investigado era mero objeto da investigação,
ou seja, tinha banida a sua cidadania quando submetido à reles investiga-
ção policial. Hoje, é inegavelmente sujeito de direitos.
332 Duas sentenças
Atualmente nem mesmo o in dubio pro societate encontra a força de

outrora nessa fase, assim como destaca André Nicolitt:
Questão interessante refere-se ao chamado princípio in dubio pro socie-
tate. Sustenta-se que na fase do inquérito, ao contrário do que ocorre no
processo onde vigora o in dubio pro reo, a dúvida favoreceria a sociedade,
sendo assim, havendo dúvida o Ministério Público deve denunciar. A
exigência de um processo penal democrático, no contexto de um Estado
Democrático de Direito, consciente dos efeitos deletérios do processo sobre
a pessoa humana, não se harmoniza com a máxima in dubio pro societate.
(In. Manual de Processo Penal, 4ª Ed. Campus Jurídico, 2013, Fl.97 - grifei).
Bastam estes argumentos para se ter em mira, com todo respeito aos enten-
dimentos divergentes a certeza de que arquivada uma investigação reco-
nhecendo-se a atipicidade da conduta e/ou a existência de uma excludente
de antijuridicidade, operada está, excepcionalmente, a coisa julgada.
Isso porque, tal qual a atipicidade, as excludentes de ilicitude afastam a
caracterização do crime, fato bem lembrado por Nelson Hungria: Tanto
na legítima defesa, quanto no estado de necessidade, não há crime, o que
vale dizer: o fato é objetivamente lícito (In. Comentários ao Código Penal;
1981 vol.v. 92).
A doutrina moderna mantém o mesmo entendimento, tal como se vê a
seguir: Toda ação compreendida em um tipo de injusto (doloso ou culposo)
é ilícita se não está presente na causa de justificação. Tem-se, pois, que a
existência de uma causa justificante faz dá ação típica uma ação lícita ou
permitida (In. Luiz Regis Prado, Comentários ao Código Penal RT, 8ª Ed.,
2013, p. 132).
Após, reitero profunda e responsável investigação, duas Delegadas de
Polícia e a Promotora de Justiça afirmaram, com base em prova técnica, se
tratar de conduta onde inexistia crime (fl. 226). Logo, não há como acatar
arquivamento e quiçá nova investigação.
Nesse sentido veja-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
Trancamento de Inquérito por Atipicidade Coisa Julgada
A decisão que determina o arquivamento do inquérito policial, a pedido
do Ministério Público, quando o fato nele apurado não constituir crime,
produz, mais que preclusão, coisa julgada material, impedindo ulterior
instauração de processo que tenha por objeto o mesmo episódio, ainda
que a denúncia se baseie em novos elementos de prova. Nesses termos,
a Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de ex-prefeito con-
denado pela prática do crime previsto no art. 1°, II, do Decreto-lei 201/67
(Art.1° - ... II - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio,
de bens, rendas ou serviços públicos), consistente no desvio de finalidade
de recursos, advindos de convênio entre Município e o Ministério do Bem-
-estar Social, para o pagamento de obra diversa da pactuada, com o fim
de ensejar benefício à empreiteira. Considerando a identidade dos fatos
pelos quais o paciente fora processado e julgado com aqueles que já teriam
sido objeto de anterior inquérito policial, arquivado por determinação
do Tribuna! de Justiça estadual em decisão, não recorrida, que analisara
o mérito e concluirá pela atipicidade do fato -, a Turma entendeu que a
instauração de ação penal pelo Ministério Público Federal, sob o funda-

mento de que teriam surgido novas provas a justificar o recebimento da
denúncia na Justiça Federal, violara a coisa julgada. Salientou que, não
obstante a decisão de arquivamento tivesse sido prolatada pela justiça
comum, absolutamente incompetente para o caso, já que o delito imputado
é ofensivo a interesse da União, os seus efeitos não poderiam ser afastados,
sob pena de reformatio in pejus indireta. Habeas corpus deferido para
trancar o processo condenatório. Precedentes citados: HC 80560/GO (DJU
de 30.3.2001 e RTJ 179/755); Inq. 1538/PR (DJV de 14.9.2001 e RTJ 178/1090)
Inq. 2044 QO/SC (DJV de 8.4.2005) e HC 80263/SP (DJV de 27.6.2003 e RTJ
186/1040). HC 83346/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 17.5.2005.(HC 83346)
Arquivamento de Inquérito Policial. Atipicidade. Coisa Julgada Material.
Não é possível a reabertura de inquérito policial quando este houver sido
arquivado a pedido do Ministério Público e mediante decisão judicial; com
apoio na extinção da punibilidade do indiciado ou na atipicidade penal da
conduta a ele imputada, casos em que se opera a coisa julgada material.
Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para deter-
minar o arquivamento definitivo de inquérito policial instaurado contra
acusado da suposta prática de homicídio. No caso concreto, o inquérito
policial havia sido arquivado por decisão do juízo de primeira instância,
a requerimento do Ministério Público, sob o fundamento de inexistência
de fato típico perseguível mediante ação penal; tendo em conta que ficara
constatado, por meio da reconstituição do crime, do exame pericial de uma
mão de pilão, objeto de maceração encontrado próximo ao local do crime,
e da exumação do corpo da vítima, que esta teria morrido em decorrência
de um acidente, provavelmente de um coice de animal.
O Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso havia reformado a deci-
são, em sede de apelação interposta por parentes da vítima, e determinado
o desarquivamento do inquérito com Vistas à reabertura das investigações.
Ressaltou-se que não se poderia reiniciar a investigação penal; ainda que
se admitisse a possibilidade de reabrir inquérito policial arquivado com
base na atipicidade penal, porque, no caso, o pedido de desarquivamento
não fora fundado em provas substancialmente novas, mas se voltava para
análise do mesmo exame pericial, havendo de incidir o enunciado da
Súmula 524 do STF ( Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz,
a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penar ser iniciada,
sem novas provas). HC 84156/MT, rel. Min. Celso de Mello, 26.10.2004.
Ao optar pelo arquivamento calcado no inciso III, do Art. 397 do CPP (fI.
222/226); opção esta afirmada pela Magistrada Titular a fI. 227, o Ministério
Público criou situação jurídica para os sujeitos de direitos investigados
intransponível, assim como nos lembra Eugenio Pacelli de Oliveira:
Nesse ponto, remetemos o reitor ao exame que fizemos do princípio da
vedação da revisão pro societate, retro, no qual assentamos que, inde-
pendentemente da fase procedimental, incluindo a fase de investigação,
e independentemente de sua designação legal a decisão judicial que resol-
ver a questão de mérito do caso penal produzirá efeitos de coisa julgada
material, ainda que proferida por juiz absolutamente incompetente. É o
334 Duas sentenças
caso do arquivamento, quando fundado em atipicidade ou em extinção

da punibilidade, hipóteses de absolvição sumária do art. 397, III e IV CPP
(In. Curso de Processo Penal, 15ª Edição, Lumen Juris. 2011, Fl. 66 - grifei).
Inaceitável o Estado declarar a inexistência de crime, criando situação
benéfica para os sujeitos de direitos investigados e, posteriormente este
mesmo Estado, ante agito sensacionalista, romper com os ditames cons-
titucionais desses mesmos sujeitos! Volto a insistir, o MP foi enfático ao
representar pelo arquivamento. Disse ele se tratar de procedimento sem
justa causa, destacando a ausência de crime, nos termos do Art. 397, III,
do CPP. Logo, não poderia ele próprio desdizer afirmação anterior, sob
pena de aplaudir o princípio da non reformatio in pejus. Superada essa
fase preliminar, passo ao mérito do tema.
A MATERIALIDADE restou demonstrada através dos laudos acostados
às fls. 123/135 do inquérito policial da DH apensado a presente investi-
gação do MP.
No tocante a pretensão Ministerial sobre o novo arquivamento, passo a
apreciar: o que há de novo nesses autos? Nada!
Infelizmente o Brasil vive um momento sensacionalista, onde o grande Big
Brother vivido causa escândalos infindáveis! Aqui não foi diferente! Há
de se ter, fria e desfantasiosamente falando, em conta a seguinte certeza.
Toda essa caça as bruxas promovida contra os policiais foi deflagrada por-
que chegaram à mídia as filmagens de mais uma operação policial. Ora! A
internet externa milhares delas pelo mundo afora e, em cada uma que vi
nesses 40 dias de apreciação destes fatos, nada vi de diferente, especialmente
nos confrontos ocorridos nos países de primeiro mundo! Não há qualquer
justificativa razoável, plausível e aceitável para se admitir facínoras em vias
públicas, portando armas de guerra, em motocicletas e/ou automóveis, tra-
fegando em velocidade excessiva e efetuando disparos a toda sorte! Ao
contrário do que vem se defendendo, infelizmente por uma forte corrente
com voz pública no Brasil, o cidadão que paga impostos jamais deve e/
ou pode ser incomodado por criminosos. Em países evoluídos é assim! A
prioridade é sempre de quem vive na legalidade, paga impostos e defende
a pátria. Quem se opõe deve ser suprimido a qualquer custo porque se tal
não ocorrer, o sistema se inverte, assim vem ocorrendo aqui. Eis o que ocorre
no Brasil! Temos um espírito elástico e nos habituamos com o que é ruim.
Isso é péssimo porque a criminalidade e o sensacionalismo interpretam
essa passividade como lacuna a ser ocupada no espaço, promovendo então
verdadeira inversão dos valores.
Nossa forma de viver passivamente ignora as sábias lições de Santo Agos-
tinho, para quem a esperança tem duas filhas, a indignação e a coragem.
A indignação, segundo ele, nos ensina a não aceitar as coisas como estão;
a coragem, a mudá-las! o Homem que não luta pelos seus direitos não
merece viver! Rui Barbosa. Harvard Law School, tratando da situação
brasileira em detalhado estudo destacou: Só se quebra o crime organizado
na marra. Melhor a força inteligente do que a força burra. O que importa
é qualificar a polícia, como carreira valorizada, e equipá-la com o que haja
de melhor. Outras iniciativas complementam a qualificação do aparato
policial. Federalizar o combate ao crime organizado e aos crimes de colari-

nho branco. Desarmar a população e estatizar a indústria de armamentos.
Unificar as policiais civis e militares e multiplicar os recursos humanos
e técnicos da Polícia Federal. Reformar o processo penal para impedir os
criminosos bem representados de zombar de todos nós. Agravar as penas
e humanizar as prisões. (grifei)
Quando aceitamos essa situação caótica instalada no Estado, tal como esta-
mos fazendo, tornamos nossos discursos meras falácias, porque na verdade
acatamos passivamente o abuso, a violência e o avanço anarquizador dos
criminosos e seus parceiros. Rodrigo Constantino, colunista da revista Veja,
publicou recentemente o texto: Esquerda Caviar, de fácil localização em
qualquer sítio de procura na net. Lá encontrei um trecho de grande valia:
Pois bem: a impunidade é o maior convite ao crime que existe. Quando
vocês tratam bandidos como vítimas da sociedade, como se fossem autô-
matos incapazes de escolher entre o certo e o errado, como se pobreza
por si só levasse alguém a praticar uma invasão dessas que você sofreu,
vocês incentivam o crime! Inobstante eventuais ideologias, não cabe aqui
debatê-las, a verdade estampada pelo colunista é universal!
Criminosos devem ter seus direitos e garantias protegidos, mas nunca
canonizadas as suas opções, até porque ao lado deles, nas mesmas comu-
nidades, existem: garçons sapateiros, motoristas, entregadores etc. e, acre-
ditem, todos tiveram as mesmas opções. Estes últimos, ao contrário dos
primeiros, elegeram e seguiram, apesar de todas as adversidades, o cami-
nho da retidão. Está na hora de dar voz e prestígio a eles! Quando hiper-
valorizamos quem vive na ilegalidade, tal como vem ocorrendo, deixamos
por mensagem implícita aos sofridos e honestos trabalhadores que nada
do que eles fazem é valido e, com isso, instigamos a indústria do crime.
Vamos festejar a inveja, a intolerância e a incompreensão. Vamos festejar
a violência e esquecer a nossa gente que trabalhou honestamente a vida
Inteira e agora não tem mais direito a nada.
Vamos celebrar a aberração de toda a nossa falta de bom senso. (Renato Russo
- grifei) Este procedimento, a meu aviso, externa justamente isso. De um lado
um criminoso contumaz, nocivo à sociedade, dono de um caráter vivamente
corrompido e violentíssimo, com seus discípulos, todos armados com armas
altamente letais, trafegando em velocidade superior a 100 km/h em vias estrei-
tas, ignorando leis, regras sociais e a vida das pessoas de bem. Dono de uma
fac com 25 laudas e 22 anotações por crimes violentos, o criminoso alcunhado
como Matemático era uma das lendas da abandonada Zona Oeste.
Coincidentemente, coisas do destino, fui Magistrado por nove anos naquela
região e, muitas das condenações ali contidas foram alcançadas em processos
por mim conduzidos.
Até mesmo a operação de interceptação que gerou toda essa investigação
foi por mim determinada em procedimento produzido pela Polícia Federal,
com a fiscalização do MP.
Matemático era dono de um perfil impetuoso e destemido. Executava
toda e qualquer pessoa capaz de lhe contrariar. Não respeitava nada nem
336 Duas sentenças
ninguém. Até membro do Ministério Público ameaçou durante um plená-

rio do Júri em Bangu. Este criminoso era a perfeita caricatura das figuras
desenhadas por Oliver Thomson na sua obra: A Assustadora História da
Maldade. Basta este resumo das feições deste delinquente endógeno para
se ter a certeza de que ele jamais voltaria ao cárcere, até porque todas as
tentativas anteriores de recaptura deste criminoso foram sempre cercadas
de intensos tiroteios e diversos óbitos.
Aqui não podia nem ia ser diferente. O laudo de fls. 196/198 prova isso, desmo-
ralizando a verborragia insana causada na época da divulgação das imagens.
Está estampado no retro referido laudo as marcas de disparos promovidos
contra a aeronave, no dia do confronto; disparos esses compatíveis com o
material encontrado com o agressor Matemático, assim como se vê no laudo
de local de fIs. 18/32, onde foram recolhidas inclusive as cápsulas deflagradas
no interior do veículo. Todos os envolvidos nessa operação, assim como toda e
qualquer pessoa dotada de um mínimo de lucidez sabiam a árdua e perigosa
tarefa a ser enfrentada. Outras unidades policiais já tinham tentado idêntica
façanha nos anos anteriores. Os resultados foram frustrantes.
Maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado!
Rui Barbosa.
Matemático colecionava óbitos de policiais fato infelizmente desconhecido
pela sociedade em razão do pouco caso dado pelas vozes pensantes a
vida desses homens. Nesse tópico vale abrir um pequeno parênteses para
transcrever as palavras de Luciano Rinaldi no caderno Opinião do jornal
O Globo do dia 13 de março de 2014.
Optando pelo título Indiferença diante da morte, o autor da matéria alerta:
[...] o povo não pode ser indiferente ao assassinato de um agente público.
A morte de um policial deveria causar comoção popular muito maior do
que o aumento de tarifas de ônibus. [...] nossa escala de valores morais
está deturpada. A apatia é alarmante e nos enfraquece enquanto nação
que busca, ou deveria buscar, a maturidade democrática [...] (grifei) Só
quem poderia chegar ao local hostil para enfrentar essa quadrilha crimi-
nosa pesadamente armada seria uma tropa de elite altamente preparada
e formada por homens corajosos.
O Exército pode passar cem anos sem ser usado, mas não pode passar um
minuto sem estar preparado. Rui Barbosa. Sem alternativas, os órgãos de
inteligência, já mapeando as ações criminosas de Matemático e sua qua-
drilha durante meses, viram na equipe do SAER a única alternativa para
fazer cessar aquela onda de violência. Esses homens foram lá e fizeram o
que tinham e podiam fazer e agora, nós, do conforto dos nossos gabinetes
e lares promovemos a pior das covardias. Dar soluções, palpitar e criticar
daqui é fácil, aconchegante, admite correções, dias de meditação. Agora,
fazer isso sentado em mais de 300 litros de combustível altamente infla-
mável, levando tiros de diversos pontos, altamente vulneráveis é coisa
que por si só reclama, de nós enquanto sociedade, um mínimo de respeito,
admiração e gratidão. Foi muito vil de nossa parte dar como resposta o
que foi feito. Cessado o caos, tratou-se de jogar esses homens aos leões,
como meras peças de reposição desprezíveis! Jogamos baixo enquanto

sociedade porque eles não foram convidados para ir ao olho do furacão.
Lá eles foram simplesmente porque acreditam no que fazem por nós.
Aqueles que jamais subiram morros, favelas, ou sequer conhecem de
perto os antros frequentados por marginais, e que se enclausuram em
seus gabinetes sem que nunca tenham participado de tiroteio, seja no
estrito cumprimento do dever legal ou também em legítima defesa, não
devem se apegar com antolhos do texto gélido da lei, distante do calor
dos acontecimentos e a salvo de gravíssimos riscos, na busca do enfra-
quecimento ou do desestímulo das atividades da Polícia Judiciária, em
toda sua plenitude. (Mário Portugal Fernandes Pinheiro - Procurador de
Justiça ao: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro).
Acrescente-se que lá chegando fizeram valer justamente o foi determinado
pelo Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação
da Lei, tal como adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, no dia
17 de dezembro de 1979, através da Resolução nº 34/169, verbis: [...] art. 1º
Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem sempre cumprir
o dever que a lei lhes impõe, servindo a comunidade e protegendo todas as
pessoas contra atos ilegais em conformidade com o elevado grau de respon-
sabilidade que sua profissão requer [...] (grifei) Não se constrói uma sociedade
justa, equilibrada, decente e segura, desmoralizando e menosprezando todos
os que por nós correm sacrifícios. Eis a fórmula das grandes potenciais mun-
diais! Recentemente lendo o livro Não há dia fácil- um líder da tropa de elite
americana conta como mataram Osama Bin Laden - do autor Mark Owen,
tive mais uma vez a certeza das quão necessárias são as tropas de elite para
a reorganização do caos. Enquanto aqui patriotas são apedrejados por tentar
resgatar partes do território tomadas pelo crime, lá os agentes são prestigia-
dos, elogiados e ouvidos. Isso prova o quão pequenos ainda somos e quão
distante ainda estamos de uma sociedade melhor. O que me preocupa não
é o grito dos maus. É o silêncio dos bons. Martin Luther king. A materiali-
dade, já disse, está estampada nos autos, entretanto, no tocante aos indícios
de autoria, as filmagens trazidas de forma tão alarmante aos autos (fl.109)
e o laudo das imagens promovido as fls. 14/48 apenas reiteram, peço vênia
mais uma vez a visão externada pelo MP as fls. 03/16, as provas técnicas do
inquérito outrora arquivado!
Havia sim uma intensa troca de tiros e os criminosos alvejavam a aeronave
que, por sua vez, reagia com as suas armas dita agressão. As imagens e a
própria avaliação do laudo produzido pelo MP comprovam a iminência
de agressão. Veja-se para tanto o contido a fl.39. Em dado momento afir-
mam os peritos do MP, destacando as palavras dos policiais o seguinte:
Colocaram o bico para fora. Bico, no jargão criminoso e/ou policial significa
fuzil. Portanto, ao por o bico para fora do veículo os criminosos puseram
em risco não só os policiais como também a sociedade, pois evidenciaram
a disposição de efetuar disparos.
Outra prova da disposição dos criminosos em enfrentar o Estado está a fl.
46, onde os peritos ministeriais constatam a presença de vários criminosos
fortemente armados. A iminência dos disparos já é mais do que suficiente
338 Duas sentenças
para dar partida à ação neutralizadora da policia, pois não é razoável se

imaginar alguém primeiro ser alvejado por tiros de fuzil para só então
reagir. William Douglas, por exemplo, externa muita preocupação com
esse conceito e seus reflexos, motivo pelo qual chega a denominá-la de
legítima defesa antecipada.
Diz o mestre: Com quase simplismo, rejeita-se a justificante em tela como
amparo às pessoas citadas, por não existir agressão atual ou iminente,
mas futura. [...] Na agressão, condição para a legítima defesa preventiva, o
evento é futuro e certo. (In. (Ensaios Críticos sobre Direito Penal e Direito
Processual Penal, p. 3 -quatro - grifei).
Seja: preventiva, antecipada ou iminente, a legitima defesa em hipóteses como
a presente deve ser sempre prestigiada, ainda mais quando se tem de um lado
um sociopata, assassino contumaz como Matemático e, de outro, homens
dignos e honrados, membros da mais apurada elite policial brasileira.
A jurisprudência pacífica dos nossos Tribunais não me deixa mentir: Em
tema de legítima defesa não há indagar se a agressão poderia ser prevenida
ou evitada sem perigo e desonra. A lei penal não pode exigir que, sob a
máscara da prudência, se disfarce a renúncia própria dos covardes ou dos
animais de sangue frio. Em face de uma agressão atuar (ou iminente) e
injusta todo cidadão é quase como um policial. e tem faculdade legal (além
do dever moral) de obstar incontinenti ex exproprio Marte ao exercido da
violência ou atividade injusta. (RT: 624/303 - grifei). É de todo indiferente a
legítima defesa a possibilidade de fuga do agredido. A lei não pode exigir
que se leia pela cartilha dos covardes se pusilânimes. (RT: 474/297 - grifei).
Age em legítima defesa quem, na iminência de ser agredido a faca pela
vítima, pessoa belicosa e temível, nela desfecha tiros de revólver, matan-
do-a. (RT: 529/332 - grifei) Sendo a prova dos autos direcionada num único
sentido, a demonstrar, de forma inequívoca, que o réu agiu sob o pálio da
legítimo-defesa defesa ao atirar contra a vítima, que, munida de um facão,
passou a proferir-lhe ameaças, assim como a seu colega, a absolvição sumá-
ria é medida que se impõe. (JCAT: 95/377 - grifei). O conceito moderno de
ação policial abomina a reação, pois quem reage; age atrás, ou seja, já está em
desvantagem. Portanto, o agente público que aguarda a conduta criminosa
para só então atuar, deve ser incisivamente responsabilizado por ter posto
em risco a vida dele e de toda a sociedade, conduta inaceitável para quem
tem o dever de evitar o mal. A própria Portaria nº 4226/11 do Ministério da
Justiça, norma regulamentadora do emprego de arma de fogo por policiais
no Brasil, autoriza o emprego de força letal no caso ora enfrentado. Vejamos:
Os agentes de segurança pública não deverão disparar armas de fogo
contra pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de terceiro
contra perigo iminente de morte ou lesão grave.
Comentário n° 1: Correto. A vontade de matar é uma característica que
distingue os criminosos dos policiais profissionais. E quando esses policiais
disparam suas armas, isso é feito com a intenção de parar imediatamente
uma ação criminosa que oferece perigo de morte.
Mas como a arma de fogo é um instrumento letal por natureza, seu uso
pode provocar a morte do criminoso, pois não existe um modo menos letal
para usá-la. A intenção de parar imediatamente um delinqüente não tem

relação com atirar para matar, pois a autodefesa policial está centralizada
na percepção da capacidade do criminoso matar ou tentar matar o policial.
Assim, se a simples presença da arma detiver a intenção do agressor, o
trabalho está feito! Se alguns tiros convencerem o atacante a desistir, está
ótimo! Contudo, se for necessário aumentar o nível. De força porque o
perigo persiste, então é o que deve ser feito.
Não é legítimo o uso de armas de jogo contra pessoa em fuga que esteja
desarmada ou que, mesmo na posse de algum tipo de arma, não represente
risco imediato de morte ou de lesão grave aos agentes de segurança pública
ou terceiros. Comentário n° 2. Correto. O uso da arma de fogo é legítimo
contra o perigo iminente de morte ou lesão grave. Alguém DESARMADO
que FOGE não pode representar tal nível de perigo para o policial. E mesmo
que ele apenas possua uma arma, o perigo ainda não é imediato, apesar de
real. Entretanto, a diretriz é clara quando informa que a arma é um recurso
viável quando o sujeito em fuga representa risco imediato. Assim, parece
ser aquela situação na qual o delinquente atira enquanto corre da polícia
ou atira em outras pessoas em seu caminho com o objetivo de atrasar a
perseguição policial (In. Sobrevivência Policial Porque Morrer Não Paz
Parte do Plano no, localizável no site: comunidade policial.bloqspot.com.
BR/2011/01/o-que-há-de-certo-e-errado-na-portaria.html - grifei) Matemá-
tico e sua trupe foram instados a se entregar, entretanto, por arrogância e
vaidade aceleraram seus carros e motos, efetuando disparos nas vias públi-
cas. “Tende cuidado, vossa violência vos tira o poder de defesa.” (Samuel
C. Richardson). Enfim, escolheram seus destinos e, no caso de Matemático,
sua arrogância lhe impôs o preço por enfrentar uma equipe policial bem
preparada, estruturada e capaz de dar resposta na medida devida!
Fica a lição! Estado não se desafia; se respeita! Frases e palavras emprega-
das por policiais não podem e/ ou devem ter relevância dada no desarqui-
vamento, até porque cada tribo tem seu linguajar, seus vícios de linguagem.
O próprio MP, advocacia e o Judiciário já foram alvo de severas críticas
por conta do juridiquês! Os agentes estavam sob forte estresse, em situação
gravíssima, atuando contra criminosos contumazes e dispostos a tudo.
Querer deles um linguajar escorreito e cheio de cercanias honradas e pau-
sadas é, no mínimo, uma demonstração nossa de alienação da realidade.
Pouco importa o que falaram sentimentos externados ou xingamentos
eventuais, importa sim a prova técnica colhida pela Presentante do MP
de ponta. Esta prova demonstra incontinenti uma grave situação onde,
toda a legislação autorizava o emprego de força letal. Voe SAER volte a
sua plenitude. A sociedade chora seus decentes, se lamuria pela perda
de mando, intimida-se pelas agressões dos: Matemáticos da vida! Vocês
continuam sendo, tal como inúmeros outros, nossa esperança de resgate
da cidadania. Nosso sonho de caminhar livres e faceiros com nossos filhos
pelas vias da nossa ex-cidade maravilhosa!
Amanhã e todos os dias gostaríamos de acordar e saber que poderemos
subir nos coletivos, trafegar nos ossos veículos, desfrutar nossas praias,
almoçar, jantar e curtir todos os espaços sempre com a certeza que acima
340 Duas sentenças
de nós Deus e seus anjos negros, nas suas máquinas voadoras lá estão
prontos para nos deixar viver!
Nós precisamos de vocês! Pagamos ricos ou pobres, independentemente de
raça, cor e credo, nossos impostos e temos direitos! Amamos vocês! Somos
a parcela amordaçada e leal a vocês! Vão lá e façam de novo a diferença,
estamos gritando por vocês! Amém! Por todo o exposto e por estar con-
victo de que a ação dos investigados não constitui crime, DETERMINO
O ARQUIVAMENTO com base no Art. 23, III do CP c/c Art. 395, III do
CPP. Dê-se baixa imediatamente e arquive-se, encaminhando-se cópia da
presente decisão à Chefia de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, a
qual deverá fazer constar elogio deste juízo nas folhas funcionais dos inves-
tigados, objetivando amenizar os graves danos já causados aos mesmos.
Determino ainda, como forma de ainda minorar o vexame público dos
agentes, que o Senhor Chefe de Polícia publique no boletim interno da
sua briosa Corporação Policial a presente decisão.
P. R. I. C.
Rio de Janeiro, 26 de março de 2014
Em outra decisão, durante a leitura da sentença do caso “Montagna”, o

juiz Marcio Luiz Cristófoli, defendeu a aplicação de penas mais duras para
autores de homicídio. O juiz foi o responsável pelo julgamento dos acusados
de matar o advogado Joacir Montagna, em Guaraciaba, Extremo-Oeste de
Santa Catarina. O julgamento durou três dias, com cinco réus acusados do
homicídio de Montagna, no dia 13 de agosto de 2018. O advogado foi morto
com tiros à queima roupa no escritório onde trabalhava. Os envolvidos simu-
laram um assalto no escritório para cometer o crime. A sentença foi lida dia 3
de julho de 2019. Os réus foram condenados a 138 anos de reclusão somadas,
por homicídio duplamente qualificado por motivo torpe e mediante recurso
que dificultou a defesa da vítima, latrocínio, receptação, associação criminosa
e porte ilegal de arma de fogo. Os familiares da vítima devem ser indenizados
em R$ 250 mil pelos condenados. Ele afirmou que se apenas dependesse dele,
o tempo de cadeia para as pessoas envolvidas no assassinato do advogado
de Guaraciaba seria muito maior. Cristófoli também lamentou que a pena
de morte existe somente para a vítima:
“Aos acusados[...]fica o registro da maneira como se portaram[...]não
tivemos nenhum incidente ao longo dos trabalhos. Eu diria apenas só que,
se fosse vontade minha, provavelmente a pena que seria aplicada seria muito
maior[...]graças a Deus temos projetos de Lei para aumentar a pena máxima
de uma pessoa, de 30 para 40 anos. Se estivéssemos na Indonésia ou no Texas,
provavelmente A. e L. (réus) iriam para a pena de morte. Teriam que pagar
inclusive a ‘bala’ do fuzilamento[...]vejam: eu sempre respeito quem pensa
diferente, e na nossa Constituição, em tempos de paz não é permitido a pena
de morte, mas a família Montagna (Joacir Montagna, vítima) teve uma pena de
morte do Joacir, porque ele nunca mais vai ser visto. Nunca mais a gente vai ter
contato com aquela pessoa tranquila, que convivia com todos nós[...]mesmo na
cadeia todos eles terão direito a receber visitas, não vão ficar esse tempo todo
que foi fixado, pois, primeiro o Tribunal pode baixar a pena[...]segundo, vão
trabalhar, vão estudar[...]não vão ficar efetivamente com este tempo de pena.
Particularmente, não falo específicos a eles, mas o homicídio deve ter uma
pena maior. Não é possível que uma pena, e aqui nós tratamos de um homi-
cídio qualificado, mas o homicídio simples começa com uma pena de 6 (seis)
anos. Isso é uma vergonha para qualquer sociedade minimamente civilizada.
E a pessoa não fica seis anos[...]ela fica um ou dois anos. Então a pessoa mata
alguém, e fica dois anos presa e estará na rua. Pelo amor de Deus[...]aos que
não são partidários desta minha forma de pensar, ou acham que cadeia não se
resolve, queriam que se colocassem no lugar da família Montagna e tivessem
um de seus familiares, um pai ou um filho, recebendo um tiro na cabeça e indo
para o cemitério. Quem sabe iriam pensar um pouco diferente....”
Quem dera se todos os juízes do Brasil pensassem da mesma forma que
esses dois. Destemidos e corajosos brasileiros. Que Deus destaquem homens
e mulheres como esses para fazer valer a verdade e a justiça.
Nota:
1. Bíblia Sagrada, Gênesis 1:1-19

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Twitter @sharkpackbr
PERFIL Instagram “tropasearmas” Forças Armadas - site linktr.ee/tropasearmas
PERFIL Instagram “fes.br” Forças Especiais do Brasil /Brazilian Special Forces – Twitter @fes.br
PERFIL Instagram “alessandrovisacro” Alessandro Visacro
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Organização Governamental facebook.com/bopeoficial.pmerj/
PERFIL Instagram “core_oficial” CORE- Coordenadoria de Recursos Especiais – Polícia Civil

do Estado do Rio de Janeiro / site www.facebook.com/COREPCERJ/
PERFIL Instagram “grumec_br” Mergulhadores de Combate / Marinha do Brasil
PERFIL Instagram ‘fabianotomazi” Fabiano Tomazi site www.fabianotomazi.com.br/
PERFIL Instagram “policiabrasileira.oficial”- Pirata
PERFIL Instagram “betinioficial” Eduardo Betini linktr.ee/eduardobetini
PERFIL Instagram “rafaelfalcao134” Rafael Falcão COTE IX
PERFIL Instagram “opalpiteiro_” O Palpiteiro bit.ly/opalpiteiro

SOBRE O AUTOR
Francisco Flávio Nogueira Carneiro Júnior

Casado com Milena Evangelista Santinho Carneiro e pai do João e da Joa-
quina, é natural do Rio de Janeiro, RJ. Bacharel em Teologia pela Universi-
dade Católica Dom Bosco e graduando em Ciências Políticas pela Uninter. É
Agente de Polícia Federal desde 1996. Trabalhou inicialmente na Delegacia de
Repressão a Entorpecentes em Campo Grande, MS. Trabalhou na Base Paia-
guás - Escritório de Inteligência e Investigações Sensíveis - DRE/CCP (atual
CGPRE/PF/SEDE) e na Diretoria de Inteligência Policial em Brasília, DF, com
capacitações na ABIN. Trabalhou como Operador Aerotático na Coordenação
de Aviação Operacional. Concluiu Estágio de Adaptação à Caatinga 03/4 em
2003, 72° BI Mtz (Petrolina/PE). Ingressou no Comando de Operações Táticas
em 2005 (Águia ‘40’). Concluiu o Curso de Operações Especiais (COESP) no
BOPE/RJ em 2006. Pós-Graduado em Ciências Policiais pela UNITINS/ANP
(Curso Especial de Polícia). Realizou Curso de Atirador Policial de Precisão
(Sniper ‘50’) em 2007. Realizou curso de contraterrorismo no Grupo Especial
de Operaciones GEO – Guadalajara/ Espanha em 2007. Concluiu o V Curso
Internacional de Comandos JUNGLA – Comandos de Selva – Polícia Nacio-
nal – El Espinal (Tolima)/ Colômbia em 2008. Em 2010, voltou a trabalhar no
Setor de Operações da CGPRE/PF/SEDE, atuando na repressão às drogas e
interdição/interceptação de aeronaves do tráfico. Concluiu o Curso WHINSEC
(Western Hemisphere Institute for Security Cooperation) / Departamento
de Defesa dos EUA / TAC 6 – Operações Antinarcóticos em Fort Benning –
Geórgia/EUA, e “Techniques Spéciales d’Investigation” – Polícia Nacional –
França. Retornando para o Comando de Operações Táticas em 2016. “Águia
de Bronze”, desligou-se definitivamente do COT em meados do ano de 2020.
Medalha “Mérito das Operações Policiais Especiais” concedida pelo BOPE/
MT em 2020. Curso de Combate ao Terrorismo na África - PUC/Rio em 2021.
Pesquisador militar independente, atualmente trabalha no Núcleo de Opera-
ções/DREX da Superintendência da Polícia Federal em Campo Grande, MS.
SOBRE O LIVRO
Tiragem: 1000
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Palatino Linotype 8,5 | 10,5
Britani Bold 18 | 40
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal | Supremo 250 g (capa)

O Silêncio Das Noites Escuras Vol 2 Francisco Carneiro Júnior

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Francisco Carneiro Júnior

O SILÊNCIO DAS NOITES ESCURAS:

Coleção: Tratado de Guerra

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

Carneiro Júnior, Francisco

1. Ciência militar e administração pública 2. Guerra 3. Terrorismo 4. Inteligência

2023- 28241 CDD 355.03

Ao Zé Barbosa. Amado irmão. Presente do destino. Herói anônimo. A perfeita

EVOLUÇÃO DA GUERRA MODERNA������������������������������������������������������� 53

COMBATES EM ÁREA URBANA������������������������������������������������������������������� 79

CIDADES ESTRATÉGICAS BRASILEIRAS������������������������������������������������ 87

REGIÕES ESTRATÉGICAS E AMEAÇAS POTENCIAIS AO

RISCOS GLOBAIS E AMEAÇAS DE INSTABILIDADE���������������������� 121

UMA NOVA GUERRA MUNDIAL?������������������������������������������������������������� 153

COMBATE AO TERRORISMO����������������������������������������������������������������������� 201

OPERAÇÕES CONTRATERRORISTAS������������������������������������������������������ 233

CICLO DO TERROR������������������������������������������������������������������������������������������� 241

SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA NACIONAL��������������������������������� 271

A EVOLUÇÃO DA CRIMINALIDADE E OPERAÇÕES

PODER JUDICIÁRIO NA GUERRA IRREGULAR - DECISÕES

DUAS SENTENÇAS������������������������������������������������������������������������������������������� 327

Uma operação especial é conduzida por forças especialmente treinadas,

As guerras modernas trouxeram para o seu ambiente a Guerra Irregular,

– altamente centralizado e participativo –, com brieﬁngs e ensaios crescentes,

componentes. Desse nível de profissionalização depende a sobrevivência da

O preparo e o emprego das Unidades do Comando de Operações Espe-

realizado o combate ao terror, através de marcantes operações contraterroris-

“A simplicidade é o último grau da soﬁsticação.”

“O ideal como motivação; a abnegação como rotina; o perigo

Carlos José do Canto Barros

ocorridas em campos de Batalha e as estratégias de atuação de diversas Orga-

A presença do Chavismo-Madurismo na Venezuela, seu apoio à Cuba

José Mariano Beltrame

“Estratégia é simples, mas não é fácil.”

“Não existe sucesso tático capaz de consertar um erro estratégico.

 Perturbar o dispositivo do inimigo, forçando-o a uma “mudança de frente”,

A estratégia militar é um plano distinto entre a política e as operações,

Vieram as armas pequenas e baratas e tropas de soldados civis, crescendo

Na Segunda Guerra Mundial, na campanha contra os russos, o marechal

guerra Já Moltke, expressa a estratégia como um sistema de expediente ad

As principais vitórias em batalhas em que o vencedor usa uma vantagem

• Foi o resultado de uma estratégia de defesa elástica (retraimento calcu-

As estratégias militares se baseiam em um tripé: a preparação das táti-

• Não exerça esforço enquanto o inimigo estiver em guarda;

A grande estratégia significa o gerenciamento de recursos de uma nação

• Estratégia da Presença – Presença em todo o território nacional, com a

Uma das ideias fundamentais derivadas da polemologia é o conceito de

encontrar uma tática adequada, que funcione, e, a partir daí, transformá-la

“Não se planeja e depois se procura fazer com que as circunstâncias se ajus-

A estratégia militar sempre teve associada a atividade guerreira. Os

dão uma série de lições militares para o terreno da estratégia e da competição

Fatos: Napoleão prevê as reações e manobras inimigas.

Fatos: Ganha a batalha quem vencer a batalha da informação.

Fatos: O comando soube estabelecer um clima de confiança

Fato: Napoleão conduz a ação do início ao fim, adaptando-os aos impon-

Obviamente a competição empresarial, vista como uma guerra, provocará

A batalha de Salamina, conhecido por ser o mais importante confronto

Estratégia do Contra-ataque Fulminante: Conter seu ímpeto e aguardar o

Estratégia da Intimidação Reversa: Crie a impressão de ser mais pode-

Estratégia do Recuo por Impulso: Recuar não é sinal de fraqueza e sim

Estratégia da Defesa Ativa: É um conceito estratégico chinês de ação

da ação”, o Exército chinês emboscou tropas de fronteira soviéticas na ilha

A guerra exige que o estrategista pense em todas as direções antes de

EVOLUÇÃO DA GUERRA MODERNA�� 53

COMBATES EM ÁREA URBANA�� 79

CIDADES ESTRATÉGICAS BRASILEIRAS�� 87

RISCOS GLOBAIS E AMEAÇAS DE INSTABILIDADE�� 121

UMA NOVA GUERRA MUNDIAL?�� 153

COMBATE AO TERRORISMO�� 201

OPERAÇÕES CONTRATERRORISTAS�� 233

CICLO DO TERROR�� 241

SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA NACIONAL�� 271

DUAS SENTENÇAS�� 327