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V. 17 N. 1 MÉTODOS DE RESOLUÇÃO
2021
ISSN 2317-6172
DIGITAL DE CONTROVÉRSIAS:
ESTADO DA ARTE DE SUAS
APLICAÇÕES E DESAFIOS
ONLINE DISPUTE RESOLUTION METHODS: STATE-OF-THE-ART OF ITS APPLICATION
AND CHALLENGES
Palavras-chave
Resolução on-line de conflitos; sistemas de suporte à decisão; inteligência artificial;
justiça multiportas; acesso à justiça.
Abstract
Online dispute resolution methods (ODR) are an umbrella category that encom-
passes the application of technology to legal practice at different levels of com-
plexity and automation. This article aims to provide an overview of scientific lit-
erature on the concept and modalities of ODR, its main practical applications
and the challenges for its regulation. The method employed was literature review.
Drawing on extensive review of national and international literature on the topic,
it concludes that the two central modalities of ODR software are principal and
instrument systems, the latter being subdivided into expert and support sys-
tems. ODR technologies foster scale savings in conflict resolution and add func-
1 Universidade de São Paulo,
Faculdade de Direito, São Paulo,
tionalities that elevate the quality of decision-making. The utility of ODR mech-
São Paulo, Brasil anisms goes beyond the scope of virtual consumerist relationships, their original
https://orcid.org/0000-0003-4484-6545 domain of application, and expands into family, inheritance, administrative and
intellectual property disputes. There is a movement of transnational regulation
of ODR mechanisms by private entities, the European Union and the United
Nations. The standardization of online dispute resolution methods by states is
critical to ensuring that access to justice; procedural justice and material justice
are met in ODR.
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Keywords
Online dispute resolution methods; decision support systems; artificial intelligence;
multidoor justice; access to justice.
INTRODUÇÃO1
A aplicação de tecnologia à prática jurídica não é novidade no Brasil – softwares de gestão de
processos e pesquisa de jurisprudência têm sido implementados há mais de uma década pelo
Poder Judiciário e pelo setor legal privado (CNJ, 2018a, p. 59). Todavia, o conceito de reso-
lução digital de controvérsias (doravante denominado ODR, sigla para a expressão em inglês
online dispute resolution) ainda é pouco conhecido por parte da comunidade acadêmica e dos
praticantes do direito, apesar de o debate nacional e internacional sobre o tema já datar de
mais de duas décadas.
As ferramentas de ODR surgiram nos anos 1990 com o boom do comércio eletrônico atre-
lado à popularização da internet e incorporaram princípios dos métodos adequados de reso-
lução de conflitos (ADR, sigla para a expressão em inglês alternative dispute resolution) a rela-
ções contratuais virtuais massificadas. Com o tempo, percebeu-se a utilidade da ODR para
outros tipos de litígio, como partilhas de bens em divórcios e inventários em conflitos suces-
sórios. A digitalização das ferramentas de resolução de controvérsias associa-se à passagem da
sociedade industrial para a sociedade da informação e à naturalização do uso da tecnologia no
dia a dia de número cada vez maior de pessoas.
Atualmente, os softwares abrigados sob a expressão guarda-chuva online dispute resolution
executam funções que variam desde o simples fornecimento de ambiente virtual de comu-
nicação entre as partes até a produção autônoma de decisão arbitral vinculante, e encontram
aplicabilidade tanto no sistema privado quanto no sistema público de solução de controvér-
sias. O contínuo desenvolvimento de técnicas de ODR se baseia no potencial da tecnologia
de tornar a resolução de conflitos não apenas mais rápida e mais barata, trazendo ganhos de
eficiência, mas de introduzir novas configurações capazes de melhorar a qualidade do pro-
cesso, incrementando a percepção de justiça procedimental pelas partes e ampliando o aces-
so à justiça.
1 Artigo premiado no I Concurso de Artigos Científicos do Superior Tribunal de Justiça – 30 anos do Tri-
bunal da Cidadania, realizado em 2019, com modificações.
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1. CONCEITO E MODALIDADES
Métodos de resolução digital de controvérsias são espaços virtuais em que as partes dispõem
de uma variedade de ferramentas para solucionar uma disputa (LODDER e ZELEZNIKOW,
2005, p. 300), plataformas baseadas na internet que permitem às partes completarem o pro-
cesso de tratamento de um conflito (SELA, 2018, p. 93).
Na época inicial de seu desenvolvimento, predominava a noção de que os métodos de reso-
lução digital de disputas mantinham uma relação de dependência com as formas adequadas
de resolução de litígios. Ainda há autores que conceituam a ODR como a abordagem da ADR
que se apoia nos meios tecnológicos (CAFÉ et al., 2010, p. 2), a utilização da internet para
realizar ADR (EBNER e ZELEZNIKOW, 2015, p. 144) ou a oferta de ADR por meios digi-
tais (BRAEUTIGAM, 2006, p. 281).
À medida que a pesquisa em ODR avança, traça-se uma distinção clara entre os dois tipos
de mecanismos. Sob a rubrica ADR se enquadram procedimentos de resolução de conflitos
que fogem ao processo judicial litigioso, como negociação, arbitragem, mediação e concilia-
ção (as duas últimas tanto na forma estatal quanto privada). A categoria ODR, a seu turno,
engloba softwares que auxiliam o ser humano na tomada de decisão, seja ela resultado de um
processo judicial ou extrajudicial, heterocompositivo ou autocompositivo. Concebe-se, hoje,
que os métodos digitais são uma nova porta para solucionar conflitos que talvez não possam
ser dirimidos nem mesmo por mecanismos de ADR (ARBIX, 2015, p. 221).
Os meios on-line de resolução de litígios classificam-se, conforme seu nível de autono-
mia, em sistemas instrumentais (ou de primeira geração) e sistemas principais (ou de segunda
geração). ODR instrumentais são essencialmente plataformas virtuais especializadas que faci-
litam a comunicação e o compartilhamento de informação entre as partes ou por uma das par-
tes (SELA, 2018, p. 100). Constituem a abordagem mais simples da integração tecnológica à
prática jurídica. Nessa modalidade figuram ferramentas de pesquisa de jurisprudência, aplica-
tivos de mensagens e videoconferência, sistemas de gestão eletrônica de processos, programas
de edição compartilhada de documentos, softwares de elaboração automatizada de textos jurí-
dicos (contratos, petições, etc.).
ODR principais vão além de permitir a comunicação e o acesso à informação pelas partes,
exercendo um papel proativo na resolução da disputa. Esses sistemas empregam inteligência
artificial para identificar normas e linhas de argumentação aplicáveis ao conflito, refinar interes-
ses, objetivos e preferências das partes, sugerir soluções consensuais e apontar o resultado mais
provável do litígio em um processo judicial (SELA, 2018, p. 100). Em razão de tais proprieda-
des, diz-se que os softwares principais são capazes de tomar a decisão resolutória da controvérsia.
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as qualificações fáticas de um caso não são binárias e fechadas (nascido no Reino Unido, não
nascido no Reino Unido), mas múltiplas e abertas. Se a pessoa tivesse nascido em Hong Kong
ou nas Ilhas Malvinas, poderia seu local de nascimento ser considerado o Reino Unido? A
resposta não era determinável com referência apenas ao British Nationality Act, mas depen-
dia de tratados internacionais e negociações delicadas com China e Argentina.
O insucesso dos experimentos de sistemas periciais levou especialistas a concluir que
o raciocínio jurídico não pode ser inteiramente transportado para a lógica matemática. A
aplicação de programação lógica como ferramenta de construção de sistemas expert requer
que as regras aplicáveis sejam imutáveis e monossêmicas. Tais características não podem
ser atribuídas ao direito, subsistema social composto por normas jurídicas (regras e princí-
pios) abertas à interpretação e à argumentação. A euforia inicial com a aplicação de IA à prá-
tica legal, no final dos anos 1990, deu lugar ao desapontamento (LODDER e ZELEZNIKOW,
2005, p. 295).
As ferramentas desenvolvidas nesse período, conquanto não tenham logrado êxito no
alcance de autonomia total dos softwares na aplicação das leis, formaram a base de conheci-
mento para a segunda onda de tecnologia de ODR principal: os sistemas de apoio à decisão.
Dessa vez, as expectativas dos pesquisadores eram menos audaciosas. Os novos projetos não
objetivavam suprimir a atuação humana no processo de resolução do conflito, e sim quali-
ficá-la. Sistemas de suporte à decisão são híbridos, buscam combinar as vantagens da tec-
nologia com o raciocínio jurídico humano (CARNEIRO et al., 2013, p. 790).
2 Busca com as palavras-chave e operadores booleanos (“Hubert Dreyfus” E direito) no portal de periódicos
da Capes encontrou zero resultados em português em 24.10.2020.
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3 “Lógica deôntica pode ser definida como uma espécie da lógica modal clássica com a introdução de ope-
radores lógicos: O de obrigatório, P de permitido, V de proibido e F de indiferente” (DA COSTA, KRAUSE
e BUENO, 2007, p. 898). “Lógica paraconsistente é a lógica de teorias inconsistentes mas não triviais. [...]
Uma teoria é inconsistente se há uma fórmula (uma expressão gramatical bem-formada de sua linguagem)
de tal modo que a fórmula e sua negação sejam ambas teoremas na teoria [...]. Uma teoria é trivial se todas
as formas de sua linguagem são teoremas. A grosso modo, numa teoria trivial ‘tudo’ (expresso em sua lin-
guagem) pode ser provado” (DA COSTA, KRAUSE e BUENO, 2007, p. 791).
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que a resolução de conflitos jurídicos, como atividade inteligente, será sempre apenas par-
cialmente formalizável.
Cella admite que “não integra o escopo da lógica a tarefa de prover decisões jurídicas e
de estabelecer conteúdos” e concebe-a como um instrumento para esclarecer as noções de
sistema normativo, lacunas, antinomias, distinção entre proposições normativas e normas
(CELLA, 2008, p. 151). Rover reconhece que os sistemas especialistas legais “apresentam
limitações no tratamento de problemas de elevada complexidade computacional e compor-
tamental” (ROVER, 1999, p. 254), relacionados à característica geral da linguagem de se
apresentar como “textura aberta, na qual o conteúdo normado não é suficientemente explí-
cito”, sendo “impossível prever-se antecipadamente todas as situações que podem ocorrer
e a maneira de as regular” (ROVER, 1999, p. 202). Serbena enxerga “o texto legal [como]
um fragmento da linguagem natural, acrescido de um vocabulário com significados especí-
ficos”, cujo significado “geralmente é esclarecido mediante a consideração de sua inserção em
uma frase ou expressão ou ainda em um contexto maior” (SERBENA, 2003, p. 44), e ressalta
a importância do conhecimento não proposicional humano naquilo que denomina “questões
de ordem pragmática e de contexto”: “os fenômenos em geral não podem ser abordados por
uma única perspectiva; eles podem ser expressos por diferentes vias e somente questões de
ordem pragmática e de contexto podem decidir em última instância qual é a mais adequada
expressão” (SERBENA, 2003, p. 160).
As limitações dos sistemas principais periciais em representar simbolicamente o conhe-
cimento humano com base em elementos lógicos independentes e sua reconstrução de acor-
do com regras heurísticas – expressamente arguidas por Hubert Dreyfus e implicadas no
tratamento dado ao tema por Aires José Rover, Cesar Serbena e José Renato Cella – moti-
varam o gradual redirecionamento das pesquisas e investimentos na área para sistemas de
apoio à decisão, como ilustra o exemplo do British Nationality Act. Por essa razão, as seções
seguintes deste artigo se restringem à descrição, a partir de fontes secundárias localizadas
na revisão bibliográfica empreendida, de experiências de sistemas ODR principais de
apoio à decisão, com foco no modo de funcionamento dos softwares e sua aplicação em con-
flitos jurídicos.
A parcela da literatura revisada que não trouxe dados primários ou secundários em profun-
didade a respeito de experiências concretas e do modo de funcionamento de sistemas de apoio
à decisão, mas se dedicou à exposição da história e evolução das ferramentas de ODR (LIMA
e FEITOSA, 2016), à reafirmação dogmática da relevância dos mecanismos de ODR para o
acesso à justiça (FUJITA e ALMEIDA, 2019), à conclamação a uma adaptação cultural em
favor da disseminação das técnicas de ODR (ZANFERDINI e OLIVEIRA, 2015) e à contex-
tualização do tema em face da pandemia de COVID-19 (SOUZA NETTO, FOGAÇA e GAR-
CEL, 2020), não foi, portanto, incluída nas seções que seguem.
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Lodder e Zeleznikow (2005, p. 290) propõem uma negociação em três passos: (1) o siste-
ma informa a cada parte, de maneira confidencial, quais são as suas MANA, PANA e MPANA;
(2) o sistema fornece um canal de comunicação para as partes trocarem proposições justifica-
das; e (3) o sistema sugere ofertas-pacote com base em um algoritmo de alocação de pontos.
Imagine-se a situação fictícia de partilha de bens no processo de divórcio de Antônio
e Claudia, sem prole e sob o regime de comunhão parcial.4 O conjunto dos bens comuns do
antigo casal perfaz uma casa, um apartamento, um carro e determinada quantidade de títulos
mobiliários. No início da negociação, cada parte insere no sistema, em um questionário con-
fidencial, quais são seus interesses e objetivos. Claudia pode expressar, por exemplo, prefe-
rência pela casa, por ter localização mais próxima de seu trabalho, e pelas ações, por acreditar
que irão valorizar em breve. Antônio pode manifestar desejo de permanecer com o aparta-
mento, por querer habitar em um imóvel menor, e pelo carro, por necessitar do veículo para
visitar seus pais no interior aos finais de semana. Além de interesses e objetivos, as partes
munem o sistema com a maior quantidade possível de informações relevantes para a resolu-
ção da controvérsia.
É importante observar que o sistema não qualifica juridicamente os fatos. Se houver dis-
cordância acerca da autenticidade de uma escritura imobiliária ou da necessidade de paga-
mento de pensão alimentícia, por exemplo, as partes devem confiar a decisão sobre aquele
fato específico a um terceiro neutro. É possível aprimorar a tecnologia do sistema para reco-
nhecer evidências e analisar documentos, mas há limitações intransponíveis. A assistência de
um profissional do direito, pois, é essencial em todo o processo.
A seguir, o sistema consulta sua base de dados de casos e regras, a fim de identificar qual
seria o resultado mais provável em um processo judicial (PMANA), assim como as melhores
e piores alternativas à negociação do acordo por cada parte (MANA e PANA). Isso ajuda a
evitar que a parte aceite um acordo que deveria rejeitar ou rejeite um acordo que seria acon-
selhável aceitar. O cálculo da PMANA, MANA e PANA pode ser feito por técnicas de mine-
ração de dados ou tecnologia de web semântica a partir de um raciocínio baseado em regras
e casos armazenados ou indexados no banco de dados do sistema (LODDER e ZELEZNI-
KOW, 2005, p. 326).
Para inferir o que aconteceria se as duas partes envolvidas na disputa tivessem a matéria
resolvida por um juiz, o sistema seleciona em sua base de jurisprudência os casos mais similares
e deles extrai três dados: a descrição do problema (estado inicial da situação), a solução ado-
tada (lista de passos dados para resolver o problema) e o resultado (estado final da situação).
4 A situação fictícia é de elaboração própria dos autores com base em informações dispostas pela literatura
secundária referenciada a respeito do funcionamento do modelo de Lodder-Zeleznikow. O objetivo de sua
utilização é facilitar a compreensão da aplicação desse sistema principal de apoio à decisão em um conflito.
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Cada caso é uma unidade básica de informação, uma experiência passada, um pedaço contex-
tualizado de conhecimento. As similaridades são sempre parciais (inexistem casos idênticos),
e para cada uma é atribuído um peso diferente. É possível refinar a seleção dos casos a partir
de critérios específicos, como normas invocadas, órgão decisor e ano de julgamento (CAR-
NEIRO et al., 2013, p. 798).
Uma vez conscientes de desfechos realistas pela via do litígio, as partes dão o segundo
passo no processo de negociação, iniciando um diálogo por mensagens de texto. O objetivo
dessa fase é fazer com que as partes se comuniquem de forma eficaz, justificando suas pro-
posições com critérios objetivos e buscando entender o lado do outro. A plataforma de troca
de mensagens é configurada de modo a incentivar as partes a expressarem não apenas suas
posições, mas seus interesses e argumentos. Claudia pode digitar “eu quero a casa” e Antô-
nio, “eu quero o carro”. Sentenças posicionais como essas dificilmente persuadem e geram
empatia na outra parte, dificultando a obtenção de consenso. O sistema instiga a exposição
dos verdadeiros motivos por trás das preferências. Reagindo à provocação do sistema para
que fundamente sua proposição, Claudia pode acrescentar “pois a localização é mais próxi-
ma do meu trabalho” e Antônio, “porque preciso utilizá-lo para visitar meus pais no interior
aos finais de semana”.
As partes podem configurar o sistema para alterar a ordem das fases, pulando direta-
mente para a etapa da alocação de pontos. Todavia, os autores recomendam que a sequên-
cia de passos seja observada (LODDER e ZELEZNIKOW, 2005, p. 324). O sucesso na ob-
tenção do consenso está diretamente relacionado à capacidade das partes de compreenderem
as necessidades uma da outra. Além disso, a troca de proposições fundamentadas as leva
a refletir mais profundamente sobre seus próprios interesses, evitando que a alocação de
pontos subsequente seja feita de forma imponderada. Uma negociação presencial também
segue esta ordem: a etapa de compartilhamento de informações antecede a de geração
de propostas.
Se as partes não chegarem a um acordo na fase de diálogo, o sistema dá início à terceira
fase do processo e as convida a alocar, de forma secreta, um total de 100 pontos entre os itens
sob disputa. O padrão de distribuição de pontos determina o critério de utilidade de cada
parte. Suponha-se que Claudia atribuiu 40 pontos à casa, 10 ao carro, 20 ao apartamento e
30 às ações, e Antônio distribuiu 15 pontos à casa, 25 ao carro, 45 ao apartamento e 15 às
ações. Na sequência, o sistema submete os pontos das preferências a uma manipulação mate-
mática que aloca para cada parte a metade mais valiosa de acordo com a sua própria avalia-
ção. Cada parte recebe ao menos 50% dos itens desejados e em alguns casos até mais, em
razão da diferença de percepção subjetiva sobre os valores dos itens.
A alocação de pontos se assenta em três premissas: a disputa pode ser modelada usando
a negociação por princípios; pesos podem ser atribuídos para cada um dos itens em disputa;
e há número de itens suficientes para compensar as partes pela perda de um item (LODDER
e ZELEZNIKOW, 2005, p. 313). Duas regras contraintuitivas, derivadas da experiência dos
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qual um lado está disposto a fechar o acordo), e desfaz o dilema da primeira oferta.5 O sistema
pode, ainda, identificar as preferências iniciais das partes para gerar novas ofertas pacote mais
propensas de aceitação (BRAEUTIGAM, 2006, p. 285).
Além da opção pela submissão de novas propostas pacote, as partes podem escolher retor-
nar à fase dialógica para retomar a comunicação, repetir o procedimento de alocação de pon-
tos ou abandonar a negociação. Mesmo que não se chegue a um consenso sobre todos os itens
sob disputa, a troca de proposições fundamentadas, os resultados da distribuição de pontos e
a sucessão de propostas propiciados pelo método Lodder-Zeleznikow são um ponto de parti-
da no tratamento do conflito e podem ser aproveitados na continuação da resolução da contro-
vérsia por outro método.
3.2. UMCOURT
Uma das principais críticas às tecnologias de ODR é que parte da informação relevante
para a resolução da disputa se perde, por se dar a comunicação entre as partes apenas por
vias digitais. Processos comunicativos são responsivos: a forma como um interlocutor reage
às emoções veiculadas pela linguagem corporal do outro influencia diretamente na qualidade
do tratamento do conflito. Essa assertiva é verdadeira especialmente para métodos consen-
suais de solução de controvérsias, em que a construção de vínculo de confiança entre as par-
tes constitui requisito para um desfecho bem-sucedido.
Com o objetivo de minimizar essa fragilidade, um grupo de pesquisadores da Universi-
dade do Minho, em Portugal, desenvolveu uma nova abordagem de ODR que utiliza inte-
ligência de ambiente para detectar emoções, estilos pessoais de lidar com conflito e níveis
de estresse das partes. O software UMCourt, cujo modo de funcionamento se assemelha ao
do modelo Lodder-Zeleznikow e que já vinha sendo testado na Universidade do Minho no
tratamento de conflitos trabalhistas, de família e sucessórios, foi integrado ao software Vir-
tualECare, plataforma de leitura do ambiente de resolução do conflito. Os desenvolvedores
do projeto partiram da premissa de que a perda de informação em ODR ocorre não pelo
fato de ser o suporte de comunicação digital, mas por ser majoritariamente textual (CAR-
NEIRO et al., 2017, p. 1).
O sistema VirtualECare produz, em tempo real e por meio de métodos não invasivos, três
tipos de informação ambiental sobre as partes: emoções, estresse e estilo pessoal de negociação
(CARNEIRO et al., 2017, p. 2). A coleta desses dados é útil principalmente em procedimentos
5 Colocar a primeira proposta na mesa pode trazer à parte proponente o benefício do ancoramento (a nego-
ciação tenderá a não se afastar em demasia do valor âncora inicial) ou, caso se tenha pouca informação sobre
o ponto de reserva da outra parte, o risco de fazer uma oferta muito desvantajosa para si. A vantagem da
oferta cega é o fato de que, se as partes não chegarem a um acordo, as ofertas não são reveladas à outra parte
(WANG, 2009, p. 48).
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de mediação e conciliação guiados por um terceiro neutro humano em que as partes se encon-
tram a distância. As intervenções do mediador ou do conciliador ao longo da sessão serão mais
eficazes para facilitar a resolução da disputa em função da posse de informação contextualiza-
da sobre o comportamento das partes.
A classificação do estilo de resolução do conflito das partes feita pelo sistema se baseia nas
categorias propostas por Thomas e Kilmann (2008, p. 3). Segundo esses autores, diferentes
combinações entre as dimensões assertividade e cooperação geram cinco tipos de comporta-
mento humano diante de situações de conflito: competição, colaboração, concessão, evitação
e acomodação. Um indivíduo competitivo é assertivo e não cooperativo, persegue seus inte-
resses às custas das necessidades do outro. Uma pessoa colaborativa é, ao mesmo tempo, asser-
tiva e cooperativa, tenta encontrar uma solução que satisfaça os interesses da outra sem abrir
mão dos seus próprios. A atitude concessiva exprime um nível intermediário de assertividade
e cooperação; tipicamente, busca um meio-termo e não se engaja tanto na resolução do pro-
blema. A parte que evita conflitos não é assertiva nem cooperativa, pois não tenta satisfazer
seus interesses nem os da outra pessoa, mas tão somente adiar o tratamento do conflito. O esti-
lo acomodado é não assertivo e cooperativo; negligencia suas próprias necessidades para aten-
der às do outro.
O software VirtualECare categoriza o estilo pessoal de cada parte com base nas propostas
trocadas no processo de negociação (CARNEIRO et al., 2017, p. 3). Uma oferta acima da
MANA da parte proponente e abaixo da PANA da parte receptora é considerada competitiva.
Uma oferta abaixo da PANA da parte proponente e acima da MANA da parte receptora é
considerada acomodada. Uma oferta dentro da ZOPA, mas mais próxima da MANA da parte
proponente e da PANA da parte receptora, é considerada colaborativa. Uma oferta dentro da
ZOPA, mas mais próxima da PANA da parte proponente e da MANA da parte receptora, é
considerada concessiva. Não fazer propostas ou ignorar as propostas feitas pela outra parte
é considerado evitação.
O método de classificação é dito não invasivo, pois não exige que as partes preencham
questionários extensos e abstratos, prática comum na maioria dos testes de comportamento.
Como muitos negociadores alteram o estilo de negociação no evoluir da sessão, o sistema iden-
tifica uma tendência principal e outra secundária de cada parte, assim como uma estratégia de
intercalação de estilos.
O nível de estresse e as emoções das partes são identificados a partir de sinais fisiológicos,
como o padrão, a intensidade e a duração do toque em telas touchscreen e a quantidade e a ace-
leração do movimento, capturadas por câmeras de vídeo. Essas formas de coleta também são
vistas como não invasivas, pois, além de serem utilizadas apenas mediante o consentimento
prévio e informado das partes, não requerem aparelhos de interface adicionais aos que nor-
malmente já seriam empregados no procedimento virtual (CARNEIRO et al., 2017, p. 5).
A integração entre os softwares UMCourt e VirtualECare objetiva enriquecer a comunica-
ção entre as partes, e entre as partes e o terceiro neutro, em um procedimento de mediação
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endereços de internet, emitiu em 2009 uma recomendação de boas práticas de ODR, basean-
do-se em padrões aconselhados por outras nove instituições de influência regional ou mun-
dial (ICANN, 2009, p. 1). O procedimento para dirimir conflitos de propriedade intelectual
em torno de um domínio de nome registrado, no âmbito do ICANN, é regido pela Uniform
Domain Name Dispute Resolution Policy (UDPR). Em razão da especialização temática,
circunscrita a alegações e contestações padronizadas em matéria de domínio de nome re-
gistrado, as decisões são proferidas em média após 45 a 60 dias da submissão do pedido ini-
cial (BENYEKHLEF e GÉLINAS, 2005, p. 126). Além disso, a execução da decisão é, em
termos práticos, automática. A ICANN tem controle sobre todas as empresas responsáveis
por registrar nomes nos domínios com sufixos genéricos, tais como “.com”, “.net” e “.org”,
e, portanto, obriga-as contratualmente à aplicação da UDPR (BENYEKHLEF e GÉLINAS,
2005, p. 4).
6 O Índice de Conciliação do Poder Judiciário brasileiro, que reflete o percentual de sentenças homologa-
tórias de acordo proferidas, comparativamente ao total de sentenças e decisões terminativas, foi, no ano-
-base 2017, 12,1%, apenas 1 ponto percentual superior em relação ao ano-base de 2015 (CNJ, 2018a, p.
137). A terceira meta nacional do Poder Judiciário para 2019 é aumentar o número de casos solucionados
por conciliação na Justiça Federal em 5% e na Justiça Estadual em 2% (CNJ, 2018b, p. 2).
7 Aproximadamente 30% dos brasileiros não têm acesso à internet em casa, segundo a Pesquisa Nacional
por Amostra de Dados Contínua do IBGE de 2016 (p. 6) e a última publicação da pesquisa Global Digital
Report (2018, p. 31).
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A justiça procedimental, por sua vez, traz exigências de natureza formal e se expressa, em
cada método de resolução de conflito, por um conjunto de princípios. Aos litigantes no pro-
cesso judicial são garantidas a persuasão racional do juiz e a motivação das decisões judiciais,
por exemplo. Aos participantes da mediação e conciliação, tanto na esfera judicial quanto na
extrajudicial, são asseguradas a confidencialidade e a autonomia da vontade das partes, assim
como outras garantias. A arbitragem se pauta no livre convencimento do árbitro e na obriga-
toriedade da cláusula arbitral, entre outros princípios. Comum a todos os procedimentos é o
direito constitucional do devido processo legal, que se desdobra na imparcialidade do terceiro
(seja ele juiz, mediador, conciliador ou árbitro) e na isonomia das partes. Diante disso, um dos
desafios para a regulação de ODR no Brasil é submetê-las aos princípios constitucionais e
infraconstitucionais regentes de cada subsistema procedimental (litígio, mediação, conciliação
e arbitragem).
Justiça de resultados provoca discussões sobre a indisponibilidade de certos tipos de direi-
tos, a necessidade de segurança jurídica e a prevalência de normas de ordem pública, incluin-
do as voltadas à proteção de terceiros de boa-fé e partes vulneráveis, como consumidores e
empregados (ARBIX, 2015, p. 222). O esforço regulatório sobre os mecanismos de ODR
deve determinar o grau de transparência a ser exigido da plataforma, ou seja, o nível de deta-
lhamento do passo a passo seguido pelo algoritmo para chegar à decisão. Quanto maior a opa-
cidade do sistema, mais difícil verificar se foram aplicadas as normas corretas ao caso ou se
houve o cometimento de injustiça material. Códigos não são neutros, sem supervisão humana
podem reproduzir vieses discriminatórios (SELA, 2018, p. 141).
A fim de medir a percepção subjetiva de justiça procedimental das partes em métodos
ODR comparativamente a procedimentos ADR tradicionais, um grupo de pesquisadores da
Faculdade de Direito da Universidade de Stanford realizou em 2018 um experimento com
86 pessoas (SELA, 2018, p. 130). O experimento analisou como as partes percebiam justi-
ça procedimental sob os aspectos controle sobre o processo, controle sobre a decisão, jus-
tiça na interação (ser tratado com isonomia, dignidade e respeito) e justiça na informação
(receber explicações sobre o processo). Todas as informações acerca do procedimento são
secundárias e foram obtidas a partir de fontes secundárias localizadas na revisão bibliográ-
fica empreendida.
Três hipóteses foram testadas pelos pesquisadores condutores do experimento. A primeira
é a hipótese do ajuste de expectativas, segundo a qual um software mediador resulta em mais
experiências procedimentais de justiça do que um mediador humano (SELA, 2018, p. 111).
A assertiva se fundamenta em quatro aportes teóricos: o princípio do design de audiência
(agentes intuitivamente adaptam a comunicação ao perfil do ouvinte), a teoria da riqueza da
mídia (meio linear de comunicação é menos apropriado para tarefas como resolução de con-
flitos, que envolvem ambuiguidade, alta interdependência e conteúdo emocional), a teoria da
presença social (mídia linear limita a habilidade das partes de criar presença social, se projetar
e perceber outros como reais) e a teoria dos computadores como atores sociais (características
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CONCLUSÃO
Métodos de resolução digital de controvérsias são uma categoria guarda-chuva que abriga
a aplicação de tecnologia à prática jurídica em diferentes níveis de complexidade e automa-
ção. Enquanto sistemas instrumentais empregam tecnologias mais simples de informação e
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AGRADECIMENTOS
A autora agradece a Ricardo Spindola pela atenciosa lei-
tura e pelos valiosos comentários. Eventuais erros e omissões
são de responsabilidade da autora.
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