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A pedra da feiticeira (Witchstone) Anne Mather

Julia no. 4

ELA TENTOU ESQUECÊ-LO, COM TODAS AS SUAS FORÇAS. MAS O PROBLEMA É QUE
JAKE NÃO CONSEGUIA ESQUECÊ-LA...
Pensando bem, Jake não era mesmo para ela: rico, sofisticado, muito mais velho e arrogante, ele
pertencia a outra classe social. E Ashley não passava de uma pobre órfão que só agora, morando
com os tios, conhecia um verdadeiro lar. Além do mais, Jake estava noivo e ia se casar em breve.
Mas como tirar da cabeça aquele homem de olhar intenso e provocante, que fazia tremer e
gaguejar quando estava por perto? Como sair da vida dele se, pelo jeito, ele não estava nem um
pouco disposto a sair da vida dela? Que atitude tomar quando todos a acusavam de ser a
responsável pela terrível desgraça que se abateu sobre ele, depois daquele acidente?

A PEDRA DA FEITICEIRA
“Witchstone”
ANNE MATHER
1974

Digitalização: Dores Cunha


Revisão: Fátima Tomás

Livros Florzinha —1-


A pedra da feiticeira (Witchstone) Anne Mather
Julia no. 4
CAPÍTULO I

Os últimos raios de sol daquela tarde fria reflectiam-se sobre os


telhados quando Ashley Calder virou a esquina da Highstreet e avistou o
pequeno hotel à sua frente. Para ela era o mesmo que já estar em casa e,
inconscientemente, apressou o passo ao pensar no fogo acolhedor aceso na
lareira da sala de estar da tia e no agradável cheiro a comida que vinha da
cozinha. Tudo era novo para ela. Muito pequena ainda quando a mãe morrera,
não se lembrava da época anterior ao seu falecimento. Depois, ficando a viver
só com o pai e apesar dos esforços deste, sentiu sempre em casa a falta de
uma presença feminina.
O Hotel Golden Lion era uma construção de pedra que suportava com
dignidade o desgaste do tempo e que se encaixava bem nos edifícios altos à sua
volta. Tinha também o seu lado histórico, pois dizia-se que, uma vez, um
membro importante de uma família real no exílio se abrigara ali durante uma
viagem à Escócia, no Norte, em busca de refúgio e segurança. Apesar de
grande parte do edifício ter passado por diversas reformas, ainda persistia no
conjunto uma atmosfera de passado, bem evidente no soalho e nas vigas de
carvalho do tecto. Ao fim de poucas semanas de lá estar, Ashley já se
harmonizara com o ambiente, e as recordações do tempo passado em Londres
iam-se tornando menos dolorosas. Os tios eram muito bons para ela.
Partilhavam da sua tristeza pela morte repentina do pai e faziam-na sentir-se
parte da família, o mesmo acontecendo com os primos, Mark e Karen. O futuro,
que há apenas oito semanas lhe parecera tão negro, sorria-lhe outra vez.
Havia sido muito difícil abandonar Londres, deixando tudo e todos atrás
de si, e vir para Yorkshire, no Norte, para viver com os tios, de quem mal se
lembrava. Vira-os uma vez apenas, quando tinha cinco anos. Mas isso fora há
doze anos, quando a mãe morrera e a tia, irmã da mãe, viera com o marido ao
funeral. Nessa altura, não percebera os problemas de família que existiam.
Mas, à medida que crescia, começou a aperceber-se da antipatia do pai pelos
cunhados. Daí que nunca a tivesse encorajado a manter contacto com eles e a
distância contribuíra para os manter afastados. Só agora, ao ver como era bem
tratada, é que Ashley se perguntava por que razão o pai não quisera nunca que
se aproximasse. Talvez receasse que a afastassem dele ou tivesse percebido
que o tipo de vida que os cunhados levavam tinha mais calor humano e temia que
isso atraísse Ashley, que, sozinha com ele, vivia uma existência bastante
monótona.
Mas tudo isto pertencia ao passado. Ah em Bewford é que estava o seu

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futuro a partir de agora. com passos leves atravessou a passagem em forma de
arco e entrou no pátio existente nas traseiras do pequeno hotel.
A tia estava na cozinha e, ao vê-la entrar, trazendo consigo um pouco de
vento gelado da rua, sorriu e disse-lhe:
— Olá, querida. Tiveste um bom dia?
— Hum! — respondeu Ashley, dirigindo-se para junto de Mona Sutton,
que se encontrava a espalhar açúcar sobre uma fornada de bolachas de limão.
— Posso comer uma, tia Mona?
A tia franziu as sobrancelhas com ar resignado.
— Podes. Embora eu não perceba onde arranjas lugar para tanto.
— Examinou a figura esbelta da sobrinha e sacudiu a cabeça. — Não tens
medo de ficar gorda? Meu Deus, se fosse a Karen... Basta-lhe olhar para os
doces que aumenta logo de peso... Parece magia.
Ashley riu, engolindo com prazer um resto de massa açucarada de limão.
— Acho que tenho sorte, é só isso.
Mas a tia não parecia nada convencida. Para ela, a magreza de Ashley
devia-se, antes de mais, à falta de uma boa alimentação. Quando chegara a
Bewford, Mona horrorizara-se ao ver como ela era magra e só agora, após
várias semanas de uma alimentação correcta, parecia mais convencida.
— Falaste com a senhora Mary Kincaid sobre o emprego na biblioteca? —
perguntou-lhe a tia.
— Sim, falei,
— E o que disse ela? — Mona interrompeu o que fazia para olhar a
sobrinha.
— Acho que ficou desapontada.
— Oh, Ashley!
— Bem, acho que ela esperava que eu continuasse os estudos e fosse
para a universidade...
— Então, porque não continuas? Ashley inclinou a cabeça para o lado.
— A tia quer que eu vá para a universidade?
— Minha querida, não sou eu quem tem de decidir. O importante é o que
tu queres fazer. Já sabes que o dinheiro não é problema, pois o que o teu pai te
deixou é mais do que suficiente para pagar a tua educação.
— Eu sei — suspirou Ashley.
— Não queres fazer carreira?
— Ser bibliotecária é uma carreira.
— Eu sei, Ashley. Mas tu tens só dezassete anos e as tuas notas na
escola são das mais altas. Na minha opinião isso quer dizer alguma coisa.

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— Só quer dizer que tenho estudado mais do que os outros...
— Não. — Mona enxugou as mãos no avental. — Quer dizer que tu és uma
pessoa inteligente. E eu sei que o teu pai gostaria que soubesses tirar o melhor
proveito disso.
— Eu sei. — Ashley meneou a cabeça e, olhando para a tia, continuou. —
Tia Mona, gostava que me explicasse uma coisa.
— Se eu puder...
— Porque... Porque nunca estivemos juntos antes, nestes... nestes anos
todos... depois de a mãe ter morrido?
Mona suspirou.
— Oh, não sei! Vivíamos tão afastados, acho que foi isso. — Ela falava
muito depressa.
— Foi esse o único motivo?
— Que mais poderia ser?
— Eu é que estou a perguntar, tia Mona. Mona tinha um ar constrangido.
— Ashley, isso são águas passadas e o teu pai já morreu.
— E então?
— Oh, minha filha. — Mona levantou as mãos num gesto eloquente,
dando-se por vencida. — O teu pai era um bom homem. Sempre fez o que pôde
por ti e sempre fez o que pôde por Della, a tua mãe. — Fez uma pausa e, em
seguida, prosseguiu. — Mas... Bem... Ele era um homem muito possessivo. Pelo
menos no que se referia à Della. Ela e eu... Bem... Sempre fomos muito unidas
antes de ela se casar, mas depois o teu pai não encorajava muito os nossos
encontros. Queria-a toda para ele. — Balançando a cabeça, continuou: —
Quando nasceste, pensei que ele ia mudar de atitude, mas não. Os nossos
caminhos raramente se cruzavam Quando a Della morreu, como sabes, fomos ao
funeral. Queríamos ajudá-lo. Até nos oferecemos para cuidar de ti, se fosse
necessário. Mas ele ficou furioso com a sugestão. Disse que tu e ele se podiam
arranjar muito bem. Enfim... acho que, infelizmente, se tornou tão possessivo
contigo como com a Della.
— Tem piada, no fundo acho que nunca fez muita questão em me ter ao
pé dele — murmurou Ashley, pensativa.
— As pessoas egoístas às vezes são assim — disse Mona, baixinho.
— É... — agora Ashley parecia perceber melhor.
— Ashley, diz-me francamente, o que queres fazer? Quer dizer, quanto
a ires para a universidade...
Ashley levantou a cabeça.
— Francamente? — E, quando a tia assentiu com um gesto afirmativo de

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cabeça, continuou: — Eu gostava de ficar aqui, consigo, com o tio David, com o
Mark e a Karen. Eu... Eu não me quero ir embora.
— Oh, Ashley — Mona aproximou-se, pondo as mãos sobre os ombros da
sobrinha. — É mesmo isso que queres?
— Têm sido tão bons para mim! — explicou Ashley, emocionada.
— Eu adoro viver aqui. Sinto-me... em casa.
— Esta é a tua casa, querida.
— É por isso que prefiro arranjar um emprego em Bewford e continuar
aqui.
— Mas na biblioteca local!? Não é o mesmo que trabalhar para uma
instituição importante!
— Isso não tem importância! Eu sempre quis trabalhar numa biblioteca e,
se não der certo... Depois posso ir para a universidade, não posso? Tenho muito
tempo.
Mona abanou a cabeça. Os seus olhos brilhavam de uma forma estranha.
— Claro que tens, minha querida — concordou Mona. Depois, mudando de
tom, continuou: — Agora é melhor ires tirar essas roupas e vires lanchar.
— A que horas vamos comer?
— Comida outra vez! — repreendeu-a Mona, mas bem-humorada.
— Bem, são quatro e meia. Acho que consigo ter tudo pronto às cinco
horas. Assim o teu tio pode lanchar calmamente antes de abrir o bar. O Mark
chega mais tarde. Teve de ir ao solar.
Ashley dirigiu-se para a porta e foi até à entrada. Mark trabalhava para
os Seton, que moravam no Solar de Bewford. Eram os maiores proprietários de
terras do lugar. A tia Mona chamava-lhes ”gente da cidade”, mas
afectuosamente, sem qualquer intuito pejorativo. E eles, como todos em
Bewford, tomavam parte nos assuntos relativos à comunidade. Isto era algo
que Ashley não conseguia compreender muito bem, uma vez que em Londres,
muitas vezes, não se conhecia sequer o vizinho do lado.
A escada que conduzia ao andar superior do Golden Lion era estreita e
em caracol. Ao cimo dava para um patamar onde ficavam todos os quartos de
dormir. No passado, o hotel tivera os seus hóspedes ocasionais, mas, nos
últimos anos, a família Sutton precisava de todos os quartos para o seu próprio
uso.
Ashley partilhava o quarto de Karen. Era o maior de todos, aliás o único
que tinha espaço para duas camas. A princípio, receara que a prima se
ressentisse, mas, felizmente, isso não aconteceu. Karen era muito sociável e
extrovertida e ficou contente por ter alguém da sua idade com quem

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conversar. E, na verdade, era Ashley quem às vezes desejava que Karen
adormecesse, em vez de tagarelar pela noite fora.
A prima era dois anos mais velha e não tinha tanta aptidão para estudar
como ela. Deixara a escola aos dezasseis anos e, agora, trabalhava nos
Correios. Tivera uma série de namorados, a maioria dos quais Ashley só
conhecera de nome. Mas o actual, Frank Coulter, conhecia-o pessoalmente.
Trabalhava numa garagem e tinha fama de ser o ”Casanova” local. Ashley tinha
antipatizado com ele à primeira, e ainda mais depois de ele ter tentado seduzi-
la, uma vez que ficaram os dois sozinhos na sala. Nessa altura, zangou-se e só
queria que em breve Karen encontrasse alguém mais digno do que ele.
Na escola, Ashley fizera os seus próprios amigos, rapazes e raparigas,
mas até agora não havia ninguém de especial na sua vida. Não se interessava
muito por ligações passageiras, como acontecia frequentemente com a maioria
das raparigas que conhecia. Preferia ficar a ler ou a ouvir música do que andar
por cantos escuros aos beijos com um rapaz qualquer.
Quando chegou ao quarto, despiu o uniforme do Colégio Bewford e tirou
da gaveta umas calças de ganga já muito usadas e uma camisola vermelha. As
calças realçavam-lhe o corpo esguio e as pernas compridas. A camisola justa
revelava a curva arredondada dos seus seios firmes.
A tia estava na sala de jantar a pôr a mesa para o lanche e Ashley,
naturalmente, tirou-lhe a louça das mãos e continuou ela a tarefa. A tia sorriu
e, aproveitando para descansar um pouco, acendeu um dos poucos cigarros que
fumava durante o dia. Atirava o fósforo para a lareira-quando o marido entrou,
vindo do bar.
— Ora, ora — disse ele em tom de brincadeira. — É assim que tens tanto
que fazer?
David Sutton era um homem de uns cinquenta anos, alto e magro, de
cabelos claros que já começavam a rarear e alegres olhos azuis. Mona olhou
para o marido.
— Deves estar a brincar — respondeu, deitando a Ashley um olhar
resignado. — Estás a ver? Não posso parar um minuto para fumar um cigarro,
sem ser logo apanhada em flagrante.
David Sutton virou-se para Ashley e disse:
— Depois podes ajudar-me a levar umas garrafas de água para o bar?
Estão quase a acabar.
Ashley assentiu de boa vontade. Ajudava o tio, de vez em quando, a
renovar o stock das prateleiras, mas ele nunca lhe permitira servir os clientes.
— Claro que posso! Quer que eu vá agora?

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— Não, pode ser mais logo.
— Acho bem — disse Mona. — Ela acabou agora mesmo de vir da escola e
deve estar cheia de fome. Não estás, querida?,
Ashley franziu o nariz. E, mudando completamente de assunto, disse ao
tio:
— Decidi ficar com aquele emprego na biblioteca, depois da Páscoa...
Isto é, se eles me aceitarem.
David, que enchia o cachimbo, ergueu os olhos para ela.
— A sério? — tinha um ar satisfeito. — Fico muito contente.
— Fica? — Ashley estava emocionada. Levantou os ombros e de seguida,
baixando-os, estendeu os braços num gesto eloquente.
— Bem, eu também.
Karen saía do trabalho às cinco e meia e, geralmente, quando chegava a
casa, já Ashley e a tia tinham lavado a louça e arrumado a cozinha. A essa hora
também o bar do Hotel Golden Lion já abrira as portas aos seus
frequentadores habituais. David empregara duas raparigas para o ajudarem no
bar, que costumavam chegar por volta das seis horas.
Ashley alegrava-se quando Mark voltava para casa. Davam-se muito bem.
Apesar de ele já ter vinte e oito anos, não mostrava ainda inclinação para o
casamento, e parecia ter muito prazer na companhia da prima.
Mais tarde, nessa mesma noite, Ashley vinha pelo corredor com os
braços cheios de garrafas que o tio precisava, quando Mark entrou pela porta
que dava para o pátio exterior, ao lado do hotel. Tinha nevado e os flocos
brilhavam nos seus cabelos claros. Mas não estava só. Outro homem entrara
atrás dele, tão moreno quanto Mark era loiro, e com um bronzeado impossível
de se obter num clima nórdico. Mark viu Ashley:
— Espera! — virou-se para o companheiro. — Esta é a minha prima, Jake!
Ashley, quero apresentar-te o Jake Seton.
Teria sido preferível que Mark tivesse esperado que ela se
desembaraçasse das garrafas antes de a apresentar ao amigo. Assim, teve de
ficar ali, parada, e dizer ”muito prazer”, sentindo o rosto a ficar quase tão
vermelho como a blusa que tinha vestida.
— Olá, Ashley.
A voz de Jake Seton era profunda e baixa e o seu olhar, intenso e
provocante, atravessava as pestanas mais longas que ela alguma vez vira numa
criatura. No entanto, estas pestanas pouco comuns eram a única coisa
efeminada na sua aparência. Era muito alto, mais do que Mark, que tinha perto
de um metro e oitenta. Magro mas muito musculado, não era propriamente

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bonito.
Percebendo que Ashley o observava, virou-se e, embaraçada, ela disse
vagamente que o tio a esperava e às garrafas. Afastou-se e sentiu que Mark e
o amigo continuaram pelo corredor e entraram no salão, que ficava nos fundos.
No bar, David Sutton olhou para ela, estranhando-lhe o rosto tão corado.
Ashley arrumou rapidamente as garrafas e saiu do bar, parando,
indecisa, no corredor. Pensava se teria coragem suficiente para ir
directamente para o quarto, em vez de entrar no salão, onde os dois amigos
estavam.
Suspirando, Ashley atravessou o corredor e abriu a porta do salão. Mark
e Jake Seton estavam instalados em cadeirões, um de cada lado da lareira.
Pareciam muito à vontade, e Ashley sentiu receio de estar a interromper
alguma coisa.
Jake Seton levantou-se imediatamente indicando-lhe o lugar onde estava
sentado.
— Queres sentar-te aqui? — perguntou.
Fechando a porta, ela sentou-se rapidamente numa cadeira que estava
mais próxima.
— Não, muito obrigada. Estou bem.
com um olhar para Mark, Jake sentou-se. Por alguns embaraçosos
momentos ninguém disse nada e, fosse qual fosse o tema de conversa entre os
dois homens antes da sua entrada, parecia ter-se dissipado.
Jake tirou um maço de cigarros, estendeu-o a Mark e em seguida dirigiu-
se-lhe:
— O Mark disse-me que ainda andas no colégio, Ashley...
— Ando.
Jake recostou-se, aspirando profundamente o fumo.
— E o que pensas fazer a seguir? Vais para a universidade? Ashley
ajeitou o cabelo e respondeu:
— Acho que não. Provavelmente vou trabalhar na biblioteca. Na verdade,
é isso que eu quero fazer.
— Bibliotecária... — disse Jake, pensativo. -Onde? Em Bewford?
— Sim, aqui mesmo.
Ashley não estava a gostar muito do interrogatório. Enfiou as unhas no
forro do braço da sua cadeira, evitando o olhar de Mark, que sentia estar
aborrecido com ela. E, como que a confirmá-lo, ele levantou-se e disse:
— Bem, parece que a Ashley não está com muita vontade de falar sobre
si própria. Vamos tomar qualquer coisa? Jake, o costume?

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Ashley levantou a cabeça.
— Mas a tua mãe está a fazer café! — exclamou.
— E daí? — Mark dirigiu-lhe um olhar significativo e ela baixou os olhos.
— Há alguma lei que nos proíba de beber outra coisa?
Ashley nem se deu ao trabalho de responder e Mark abriu a porta do
salão.
— Volto já, Jake — e, olhando para Ashley, acrescentou: — Se tiveres
problemas com este monstrozinho, é só gritar.
Assim que a porta se fechou atrás dele, Ashley sentiu-se ainda pior. Pelo
menos, com Mark na sala o peso não estava todo sobre ela, como agora.
Forçando-se a enfrentar o olhar de Jake, levemente trocista, perguntou:
— Gostas de esquiar, Jake?
— Muito — ele inclinou a cabeça.
— E é só isso que fazes?
Mais uma vez, ele aspirou profundamente o fumo do cigarro.
— Perguntaste-me o que fazia além de esquiar ou se fazia outra coisa
que não fosse esquiar!?
Ashley, embaraçada, mexeu-se na cadeira, arrependida por ter
começado com aquilo. Mudando completamente de assunto, disse:
— Está muito fria a noite, não está? Mas deves achar menos frio do que
na Áustria.
— Se estás com frio, vem sentar-te mais perto da lareira. Ashley abanou
a cabeça.
— Eu... queria dizer lá fora.
— Ah! — Jake fez uma pausa e depois acrescentou. — Conheces
Grussmatte?
— Grussmatte? — Por um momento, Ashley ficou confundida.
— Sim, Grussmatte, na Áustria. Disseste que eu não ia achar este clima
mais frio do que o da Áustria. Como sabes que estive na Áustria?
Ashley corou.
— Para ser franca foi o tio David que me contou.
— Não me digas! — Os olhos de Jake pareciam muito sérios.
— Então falaste de mim com o teu tio?
— Eu... não... quer dizer, não exactamente. -As unhas dela, agora,
praticamente furavam o forro do braço da cadeira.
— Mas ouviste o que ele te contou, não foi?
Ashley decidiu que neste momento a sua melhor defesa seria o ataque.
— Se me estás a querer confundir, dizendo que estive a falar de ti com o

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tio David...
Para grande alívio de Ashley, Mark entrou na sala.
— Ora viva! — exclamou. — Estão a falar um com o outro. Receei que
travassem uma batalha feroz durante a minha ausência.
— Mark...
Ashley sentiu-se mais incomodada do que nunca. Felizmente nesse
preciso momento, entrou a tia com o café. A conversa generalizou-se sem que
Ashley voltasse a abrir a boca. Absorta em pensamentos, contentou-se em
ficar sentada no seu canto a tomar café.

CAPÍTULO II

Ashley estava quase a dormir quando Karen entrou ruidosamente no


quarto. Acendeu o candeeiro da mesa-de-cabeceira e murmurou:
— Ashley? Estás acordada? A minha mãe disse-me que o Jake Seton
esteve cá hoje à noite.
Ashley ficou aliviada por a luz ser fraca e, assim, podia esconder o seu
rubor.
— É verdade.
Karen ajeitou-se de forma a poder encará-la melhor.
— O que achaste dele?
— De quem? Do Jake?
— De quem havia de ser? — A voz de Karen parecia impaciente.
— Pareceu-me simpático.
— Simpático? — Karen engasgou-se com a palavra. — Minha querida... um
homem como o Jake Seton nunca poderia ser descrito assim.
— Porquê? Não o achas simpático? Karen resmungou, impaciente:
— Ashley! Se queres dizer que ele é fascinante, inteligente, até amável,
então, tudo bem. Nestes termos ele é simpático. Mas não foi isso que eu
perguntei. Não o achaste atraente? Eu sei que ele é mais velho do que tu, mas,
mesmo assim...
Ashley encolheu os ombros por baixo do cobertor.
— É, acho que sim — teve de admitir, contra vontade. Um leve sorriso
aflorou-lhe aos lábios. — Se o achas tão fascinante, porque não casas com ele?
— O que achas? Pensas que ia perder o meu tempo com uma pessoa como
o Frank se achasse que tinha a mínima hipótese com o Jake?
— Então não amas o Frank! — disse Ashley enfaticamente. — Senão não

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te mostravas interessada por outra pessoa.
— Pois, mas os Seton são outra coisa. — E continuou, na defensiva. —
Quer dizer, eles são realmente diferentes. Como o Jake e o Mark se conhecem
desde os tempos de escola e o Jake é sempre tão simpático com o pai e a mãe,
parece que temos uma certa intimidade. Só que o resto da família não é como
ele. São simpáticos... mas distantes... Sabes... a nobreza... Essas coisas!
Conhecem-nos a todos, conversam connosco... Mas sente-se sempre a diferença
e a distância que há entre nós e eles... É uma espécie de barreira social.
Apesar de estar cansada, a curiosidade de Ashley aguçou-se e
perguntou:
— Dizes que o Jake estudou na mesma escola que o Mark?
— Sim, mas por pouco tempo — respondeu Karen pensativa, esfregando a
ponta do nariz. — O Jake é alguns anos mais velho do que o Mark. Frequentou a
escola de cá durante três anos antes de ir para um colégio particular. Não sei
como se tornaram amigos, mas aconteceu e a amizade tem-se prolongado, o
que, aliás, conta muito a favor do Jake. Parece que a família dele não aprova.
Para eles, o nosso bar é igual aos outros e, se o Jake o frequenta, preferem
achar que é apenas para beber e não pela companhia.
— E... o Jake é um dos filhos do patrão do Mark, não é?
— Um dos filhos, não, querida! ”O” filho! Tem duas irmãs, mas é o único
rapaz. O pai é o Sir James Seton. Imagino que um dia o Jake herdará o título.
Aliás, o nome dele é James, mas toda a gente lhe chama Jake para evitar
confusões.
— O que me surpreende é ainda não estar casado — observou Ashley.
— Estará em breve. — Karen fez um trejeito afectado com a boca.
— O grande acontecimento social da temporada está marcado para a
última semana de Junho.
— O que queres dizer? Ele vai casar?
— Claro. — Karen expirou ruidosamente e olhou para a prima, que se
enrolava nos cobertores, preparando-se para dormir. — Não queres saber com
quem se vai casar?
— Não faço muita questão. Karen, apaga a luz. Estou cansada. Quero
dormir.
Nas semanas seguintes, Ashley pensou muito em Jake Seton. Estava
mais frio do que era habitual, a neve caía e bloqueava as estradas, dificultando
os transportes.
Uma tarde, Ashley voltava para casa depois das aulas, com uma amiga,
quando um carro de desporto verde-escuro parou ao lado delas. Ashley pensou

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que fosse alguém a pedir uma informação, mas, quando a janela do automóvel se
abriu, viu-se cara a cara com Jake Seton.
— Olá, Ashley! — disse ele com a maior naturalidade do mundo.
— Queres uma boleia?
Susan Knight, que estava com ela, afastou-se um pouco, embaraçada.
Certamente reconhecera Jake e Ashley sentiu-se muito pouco à vontade.
— Eu... nós já estamos perto — disse, rapidamente. — Mas obrigada na
mesma.
Jake retorquiu:
— Ainda assim, eu vou na mesma direção. — E, abrindo a porta,
acrescentou: — Entra!
Havia tanta autoridade na sua voz que, automaticamente, ela obedeceu.
Desculpou-se a Susana com um sorriso, entrou no carro luxuoso, e sentou-se ao
lado de Jake. Este inclinou-se sobre ela para fechar a porta e, por um instante,
sentiu o calor do seu corpo, um vago cheiro a tabaco e, ao mesmo tempo, a
pressão do seu braço firme contra o peito. A seguir, o automóvel arrancou e ela
foi projectada contra o encosto.
Em poucos segundos dobraram a esquina que dava para a Highstreet. Os
dedos de Ashley apertavam a pasta dos livros, quando Jake estacionou em
frente do Golden Lion.
— Obrigada — murmurou ela, e virou-se para procurar o puxador da
porta.
Sem dizer uma palavra, Jake mais uma vez se inclinou e abriu-a. com um
sorriso nervoso, Ashley desceu do carro. Ao virar-se para fechar a porta viu-o
a seu lado.
Ashley ficou sem saber o que fazer. Não estava habituada a lidar com
homens e muito menos com um como Jake Seton. Mudou o peso do corpo de um
pé para o outro, sem saber o que dizer, e nesse momento, Jake, vendo a sua
insegurança, ou simplesmente porque se cansou de esperar uma atitude da
parte dela, sacudiu os ombros largos, acenou um leve cumprimento e entrou no
carro. Os pneus chiaram quando ele arrancou, mas Ashley mal ouviu, pois o seu
coração batia de maneira tão violenta que abafava qualquer outro ruído.
Enquanto mudava de roupa, procurava encontrar uma desculpa para o seu
comportamento. A presença de Jake deixava-a pouco à vontade, e irritava-a o
facto de saber que todos gostavam tanto dele. Para ela, Jake era um homem
como qualquer outro e, lá porque se chamava Seton, não era razão para ser
tratado como um deus. Além de que não queria sentir-se agradecida. Uma
semana depois, à noite, quando arrumava umas garrafas no balcão do bar,

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esticando-se para alcançar umas prateleiras mais altas, ouviu uma voz atrás de
si:
— É para aumentar a sede dos fregueses que lhes mostras assim a
barriga?
Num movimento rápido, Ashley voltou-se, ajeitando a curta camisola
verde. Jake estava sentado num dos bancos altos ao lado do balcão e ela,
nervosa, passou as mãos pelas ancas, consciente de um inquietante sentimento
de alegria por o ver ali. O bar estava calmo àquela hora e, pela primeira vez, o
tio deixara— encarregue do serviço enquanto descia à adega para ir buscar
uma grade de cerveja.
— Boa noite, Jake — cumprimentou Ashley, educadamente.
— Olá, Ashley. — Ele inclinou a cabeça. — Como estás?
— Bem. — Os seus dedos agarraram-se ao balcão. — Queres beber
alguma coisa?
— Pensei que o teu tio não te deixava servir bebidas.
— Mas ele não está aqui agora — disse, corada.
— Já percebi. — O seu tom era indolente. Tirou um cigarro do maço e
colocou-o na boca. — Deixa estar, eu posso esperar até que o David volte.
Acendeu o cigarro. Ashley suspirou, enfiando as mãos nos bolsos
traseiros das calças. Sentia-se irritada por ele estar tão seguro do facto de o
tio não lhe permitir servir os fregueses. Enervava-a ser tratada como uma
criança. Faltava apenas um mês para fazer dezoito anos e muitas raparigas com
a sua idade já eram mulheres casadas...
com um olhar indulgente ele observava a expressão rebelde dela.
— Não te zangues. É que eu não estou com pressa.
Ashley não respondeu e, pegando num pano, pôs-se a limpar as
prateleiras de vidro atrás do bar. Apetecia-lhe perguntar porque não tinha
vindo antes, mas achou que não era da sua conta.
— Diz-me uma coisa — disse ele de repente. — És obrigada a ir todos os
dias à escola? O Mark disse-me que já fizeste os exames todos.
Ashley endireitou-se. Os seus olhos verdes reflectiam uma grande
surpresa.
— Não sou obrigada a ir — respondeu. — Mas como estou quase a acabar
os estudos... — Sacudiu os ombros.
— Compreendo. — Jake desviou o olhar para sacudir a cinza do cigarro.
— E não te apetece ter um dia de folga?
Ashley quase se engasgou.
— Um dia de folga? — repetiu. — Porquê?

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A atenção de Jake parecia dirigir-se totalmente para a ponta do seu
cigarro.
— Pensei que talvez gostasses de vir comigo a um leilão, na quinta-feira.
— Falava calmamente, sublinhando bem as palavras. É numa casa de campo de
Swaledale. Ouvi dizer que têm uma boa biblioteca.
Ashley pousou o pano que tinha nas mãos e, incrédula, olhava para a
cabeça inclinada dele. Por fim conseguiu perguntar:
— Porque... porque me convidas?
Ele ergueu os olhos e Ashley reparou que eram cinzentos e não negros,
como pensara a princípio.
— Porque pensei que talvez te interessasse — respondeu. — Interessa-
te?
Sentindo-se pouco à vontade, Ashley respondeu:
— Sim... claro que sim. Mas...
— Nem mas nem meio mas. Eu peço ao teu tio, se quiseres. É um convite
completamente inofensivo. Duvido de que ele se oponha.
— Também acho.
— Então? Queres vir ou não?
— Quem vai mais?
— Mais? — Jake parecia um pouco impaciente. — Mais ninguém. Porquê?
— Não percebo porque me convidas. — Sacudiu os ombros.
Principalmente depois de...
— Depois de quê? — O seu olhar era intenso. — Depois da maneira como
me trataste na última vez que nos vimos?
— Bem... sim.
— Eu não guardo rancores. — Inspirou o fumo do cigarro. — E tu?
— Bem, não sei. — Ashley falava nervosamente. — O que vão dizer os
outros?
— Os outros?
— Sim. As outras pessoas. — Tentou explicar. — Eu sei que não conheço
Bewford tão bem como tu, mas já percebi que esta gente gosta muito de
comentar a vida alheia.
— E como vão descobrir? Ashley arregalou os olhos.
— Os meus tios vão saber.
— Então não lhes contes nada. Ashley começou a sentir-se alarmada.
— Falas a sério?
— Se estás com medo do que possam pensar, o melhor é não lhes dizer
nada. — Jake parecia aborrecido.

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— Mas... eu não posso fazer isso.
— Tu é que sabes.
— E não te importas?
— Não muito.
Ashley virou-se. Sentia-se mal, de tão perturbada. Não era do género de
mentir e muito menos sobre uma coisa que lhe parecia tão importante. Como
poderia fingir que ia à escola, quando, na verdade, se preparava para passar o
dia fora com Jake Seton? Respirou fundo. ”Ele não me devia ter convidado, não
me devia ter posto nesta situação.” Não tinha experiência para saber como
reagir numa situação destas. Inspirou como que a tomar coragem e voltou-se
para ele. Mas nesse preciso momento o tio entrou trazendo duas grades de
cerveja.
— Ora! Olá, Jake — disse quando o viu sentado no bar.
— Há quanto tempo, ha? A Ashley está a tratar bem de si? Jake
assentiu.
— Como está, David?
— Tudo bem. Acho — respondeu com um sorriso. — Mas estarei melhor
quando o tempo melhorar. Pelo menos a neve desapareceu, finalmente.
Jake apagou o cigarro.
— E. As coisas estão a voltar ao normal.
— Esteve fora? — David Sutton não se constrangia em perguntar a razão
da ausência prolongada de Jake.
— Estive. — Jake pousou os cotovelos no balcão. — Tive uns assuntos a
tratar em Londres e a Bárbara precisava de fazer compras. Por isso fomos e
ficámos fora uns três dias.
Bárbara? Quem era a Bárbara? Ashley, um pouco atrás do tio, pensava
se Bárbara não seria uma das irmãs dele, de quem Karen falara. Ou seria a sua
noiva? Isto começava a parecer-lhe desagradável. Como conseguia ele falar
calmamente sobre o que fizera e onde fora se, há apenas alguns minutos, a
convidara para passar um dia fora? Ou será que ela era tão pouco importante
que ele podia afastá-la quando quisesse como se fosse uma criança?
David pareceu reparar de repente que a sobrinha ainda ali estava e
voltou-se para ela.
— Podes ir, Ashley. — Sorriu. — Obrigado por teres ficado a tomar
conta do bar.
Voltando-se, deitou gelo num copo de uísque e empurrou-o de seguida na
direcção de Jake. Ashley dirigiu-se para a porta. Sentiu-se desapontada. Ao
que tudo indicava, a oportunidade de ir passear com Jake parecia agora mais

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improvável. Será que não lhe ia dirigir o convite outra vez?
Voltou-se e os seus olhos encontraram os dele, por cima do copo que
levava à boca. Havia um brilho estranho naquele profundo olhar cinzento e
pareceu-lhe ver um pouco de troça também. Apressando o passo, alcançava já a
porta quando ele disse:
— Vens ou não a Raybury comigo na quinta-feira, Ashley?
Ela parou e voltou-se para os dois homens, olhando para o tio. Este
deixou de lado o que fazia e, erguendo as sobrancelhas, perguntou:
— Que história é essa?
Jake bebeu um trago de uísque antes de dizer:
— Convidei a Ashley para ir comigo a um leilão em Swaledale, na quinta-
feira. É em casa dos Fallow, em Raybury.
Ashley apoiou-se à porta.
— Eu... não sei se devo ir, tio David — murmurou confusa. Que acha?
Era evidente que David Sutton não estava preparado para responder a
esta pergunta.
— Bem... não sei. — O seu olhar indeciso voltou-se para Jake. Tens
aulas...
Jake terminara o uísque e brincava com o copo.
— Se faltar um dia não será muito grave, não acha? — comentou.
— Seja como for, Ashley disse-me que está mesmo a terminar o curso.
— Isso é verdade. — David não parecia muito seguro. — Se calhar, o
melhor é falares com a tua tia. Ela deve saber melhor do que eu o que podes
fazer.
Ashley hesitou, notando o movimento estranho que Jake fazia com os
lábios. Obviamente devia estar a achar tudo aquilo muito infantil e
desnecessário. Afinal de contas, limitara-se a convidá-la para sair e ela podia
aproveitar isso muito bem. Além de que adoraria ter a oportunidade de visitar
a biblioteca de um velho casarão.
— Eu gostava muito de ir, tio — disse, decidida. — E faltar um dia às
aulas não faz mal.
David sacudiu a cabeça.
— É, acho que tu é que deves decidir. — Olhou para Jake. Porque acha
que o leilão há-de interessar à Ashley?
Jake empurrou o copo, indicando a David que lhe apetecia outra dose.
— Ela gosta de livros, bibliotecas. Pelo que soube, vai haver muitos livros
interessantes à venda.
David serviu-o novamente.

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— É muito longe esse lugar... Raybury?
— Oitenta quilómetros, mais ou menos. É perto de Richmond. Acho que a
Ashley vai gostar de conhecer um pouco da nossa região.
David passou-lhe o copo.
— Sem dúvida que sim — concordou, embora um pouco secamente. —
Bem, Ashley, vais?
— Se o tio não se importar...
O tio dirigiu-lhe um olhar impaciente. Em seguida, voltou-se para Jake.
— A que horas pensa ir?
— Aí por volta das nove e meia. Se estiver bem para si. — Dirigiu estas
últimas palavras para Ashley, que fez um gesto afirmativo com a cabeça, sem
olhar para ele, tentando evitar aqueles olhos penetrantes.
— O leilão só começa ao meio-dia, mas podemos aproveitar para ver um
pouco a casa.
Embora contra vontade, Ashley sentia-se excitada. Fora tudo tão
inesperado... Ainda por cima depois de se ter preocupado tanto durante a
semana! Agora tudo lhe parecia extraordinário. Esforçou-se por se acalmar,
zangada consigo mesma por se entusiasmar tanto com uma coisa que, para ele,
de certeza que tinha pouquíssima importância. Afinal de contas era apenas um
leilão com uma remessa de livros velhos e bolorentos para folhear, e se ele a
convidara fora certamente apenas por esta razão.
Saiu do bar e foi até à sala onde estava a tia, a picotar. Mark e Karen
tinham saído. Mona olhou para ela, sorrindo.
— Vem cá, querida. O teu tio já acabou o que tinha a fazer na adega?
— Já. — Sentou-se no cadeirão em frente da tia. — Está-se bem aqui,
não está?
— Mais ou menos. — A tia inclinou-se para tirar um novelo de lã de um
saco que tinha aos pés. — Se quiseres podes ligar a televisão.
— Não, obrigada. — Ashley cruzou as pernas, inquieta, balançando um
dos pés.
— Pareces agitada. Passa-se alguma coisa? Ashley corou.
— Não, nada. — Agarrou numa revista e começou a folheá-la, mas não via
nada do que lhe passava diante dos olhos. Por fim, criou coragem e decidiu
enfrentar a situação. — A tia importa-se de que eu não vá à escola na quinta-
feira?
— Porquê? O que vais fazer?
— É que... fui convidada para passar o dia fora. — Ashley falava com
cuidado.

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Mona pareceu surpreendida.
— Convidada? Por quem?
— Bem... foi... o Jake Seton.
Conseguira, e agora, que tinha dito à tia, fechou a revista e entrelaçou
as mãos.
— com o Jake? — Mona estava espantadíssima. — Quando... quero
dizer... como se encontraram?
Não parecia aborrecida com o facto e Ashley sentiu-se mais confiante.
— Ele estava lá no bar. Há um... leilão numa casa antiga, em Raybury.
— Raybury?
— Sim. E, como há uma grande biblioteca, pensou que talvez eu gostasse
de ir com ele.
Nona recomeçou a tricotar.
— Ah, é? E o que lhe disseste?
— Bem, primeiro fiquei com dúvidas, mas, depois de falar com o tio,
acabei por aceitar. — A sua voz reflectia alguma ansiedade. A tia não se
importa?
Mona sacudiu a cabeça.
— Porque me havia de importar? Acho até que foi muito simpático da
parte dele. Tu... bem... tu não fizeste nenhuma insinuação?
Ashley corou.
— Eu nem sabia de nada até ele falar do assunto — negou, veemente. —
Oh, agora estou arrependida de ter aceite.
— Porquê? — Mona pôs a malha de lado. — Não sejas tonta. Tenho a
certeza de que vais passar um dia maravilhoso. A Bárbara também vai?
— Bárbara? — Ashley ficou confusa. — Quem é ela?
— A noiva do Jake, Bárbara St. John Forrest. Nunca ouviste falar dela?
— Não, acho que não. Ashley abanou a cabeça e, de repente, lembrou-se
de Jake ter mencionado esse nome, há poucos minutos atrás, no bar, e de ela
ter pensado que se tratava de uma das suas irmãs.
— Mas sabias que ele está noivo, ou não? — perguntou Mona.
— Sim, contou-me Karen.
Mona tinha um ar satisfeito.
— Então amanhã tens de falar com a senhora Mary para lhe dizeres que
não vais na quinta-feira, não é?
— É, acho que sim.
Ashley não parecia muito entusiasmada e a tia deu-lhe uma palmadinha
afectuosa na mão.

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— Então, que ar deprimido é esse? Jake vai tomar conta de ti. E podes
ter a certeza de uma coisa: ele não... não te teria convidado sem falar primeiro
com a Bárbara. Vai e diverte-te.
Ashley voltou a abrir a revista e tentou concentrar-se num artigo sobre
cuidados a ter com o cabelo, mas não conseguia fixar a atenção. Pensava numa
coisa que a tia dissera: que Jake não a tinha convidado para sair sem consultar
a noiva. Devia sentir-se contente, sabendo que o convite fora feito com
respeito e planeado, e não era o resultado de um impulso que mais tarde
poderia trazer arrependimentos. Mas não: em vez de se sentir satisfeita,
estava zangada. Era como se ele lhe tivesse oferecido os seus serviços, a sua
generosidade, fazendo um favor que ela não pedira.

CAPÍTULO III

Quando Jake estacionou o automóvel no pátio empedrado à frente da


casa, já ali se encontravam vários carros. Estavam a preparar-se para sair,
quando um homem desceu a passos rápidos a escadaria e foi direito a eles. Era
de estatura mediana mas Jake era muito mais alto do que ele. Apesar do fato
de bom corte notava-se-lhe uma barriga pronunciada e usava os poucos cabelos
castanhos claros espalhados pela cabeça toda, numa tentativa inglória de
disfarçar a calvície que, obviamente, lhe trazia grande desgosto. Devia ter uns
cinquenta anos e parecia encantado com a presença de Jake. Deu-lhe um
caloroso aperto de mão.
Ashley estremeceu de frio quando uma rajada de vento lhe atravessou a
blusa vermelha. As calças cremes eram suficientemente quentes mas a blusa
era leve de mais. Tirou o casaco de camurça de dentro do carro. Vestiu-o e
puxou o capuz para a cabeça. Jake tirou também o casaco dele de dentro do
Ferrari e, depois de trancar a porta, disse:
— Vamos para dentro? Assim podemos conversar mais à vontade.
O homem concordou e, num gesto, indicou-lhes o caminho, sem deixar de
lançar a Ashley um olhar inquisidor.
Ela calculou que o anfitrião devia conhecer Barbara e devia estar a
magicar quais os termos da relação entre Jake e ela.
A entrada da casa era gelada e estava cheia de gente a conversar
animadamente, em pequenos grupos. Jake falou a algumas pessoas e Ashley,
passado o primeiro embate, resignou-se à ideia de ser mirada e remirada por
todos os lados, mas não conseguia pôr-se à vontade no meio daqueles olhares

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curiosos. Jake, pelo contrário, parecia totalmente indiferente ao interesse que
ambos despertavam e só lhe apresentou Walter Beswick, o homem que os tinha
ido receber à chegada, sem se deixar abalar nem um bocadinho pela
curiosidade dos outros.
Finalmente, à uma da tarde, começou o leilão. Partia-se das peças de
menos valor para as melhores. Uma das salas ao fundo tinha sido preparada
com cadeiras para quem quisesse. Ashley foi sentar-se aí, ao lado de Walter
Beswick. Entre ela e Jake, que ficara de pé, deviam estar, no mínimo, umas seis
pessoas. Ashley sentiu pena de não ter atrevimento nem coragem suficientes
para se levantar e ir ter com ele, mas que fazer? O seu companheiro parecia
completamente embrenhado no desenvolvimento do leilão e das licitações e ela
era de tal maneira tímida e inexperiente que não podia fazer mais nada senão
deixar-se ficar para ali sentada.
Todas as peças mais pequenas foram trazidas para dentro da sala.
Walter explicou-lhe que os compradores examinavam as peças maiores antes
de começar o leilão e lançavam as ofertas através da numeração exposta nos
catálogos.
Havia imensos quadros, a maioria deles retratos e paisagens que até
Ashley, com o seu fraco conhecimento do assunto, podia ver que não tinham
grande valor. Mas apareceu um Gaugin que a encantou e não ficou nada
surpreendida ao ver que Jake também estava interessado nele. O leilão
continuava animadamente, as ofertas sucediam-se e Ashley ficou ligeiramente
desapontada quando viu que Jake desistia do Gaugin a favor de um outro
homem, que acabou por o arrematar por um preço que lhe parecia, ainda assim,
muito razoável. Teve vontade de estar mais próxima de Jake, para o consolar
da perda do quadro, mas, depois de o observar com mais atenção, viu que ele
não estava muito aborrecido com o caso.
O tempo ia passando e Ashley ia ficando cada vez com mais fome.
Só tinha tomado uma chávena de chá com uma torrada e bebido um café
pelo caminho, em Sutton Bank. Mais nada. Devia ter comido um pequeno-almoço
reforçado, mas estava nervosa de mais quando saiu de casa para conseguir
comer.
Até ali, Jake não tinha comprado nada. Ashley começava a interrogar-se
se iam ficar até ao fim. Já eram três da tarde e os vidros embaciados das
janelas evidenciavam o frio que fazia lá fora. Faltava ainda leiloar os móveis
todos e ela exasperava-se a pensar no tempo infinito que isso ia demorar. Pelos
vistos, ninguém ali tinha almoçado. Será que não conheciam a necessidade de se
alimentarem? Ashley cruzava e descruzava as pernas, para manter a circulação.

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A sala não estava aquecida e, se ficava muito tempo na mesma posição,
começavam a entorpecer-se-lhe as articulações.
Jake sacudiu a cabeça.
— Vamos andando? Já tenho a minha dose. Não te importas? Para mais, a
esta altura já deves estar cheia de fome. Ou achaste que eu te ia deixar para
aqui à míngua?
— Mas tu nem sequer compraste nada! — retrucou ela.
— Pois não. Mas se isso não me incomoda porque te há-de incomodar a ti?
— indagou Jake, semicerrando as pálpebras.
— Porque, se não fosse eu, continuavas no leilão até ao fim.
— Olha, Ashley, se tu não viesses comigo eu nem cá tinha posto os pés.
Ao dizer isto, Jake ligou a ignição do carro e saiu do estacionamento,
atravessando o pátio empedrado. Enquanto isto, Ashley tentava compreender
as últimas palavras.
Começava a escurecer quando Jake deixou a auto-estrada e entrou no
parque de estacionamento de um grande edifício, que mais parecia uma casa de
campo. Como tinha conduzido a alta velocidade durante todo o percurso, Ashley
pensou que queria chegar a Bewford a horas de jantar. Absorta nos seus
pensamentos, quase esquecera a fome que tinha.
Jake desligou o motor do carro e disse:
— Vamos? Estou esfomeado. Aqui fazem uns bifes óptimos. Ashley
hesitou.
— Não será melhor seguir? — perguntou. — Pensei que estavas com
pressa de chegar a casa.
Jake suspirou, impaciente.
— Não conheço ninguém que goste tanto de argumentar como tu.
— E, pegando no casaco, acrescentou. — Como tiraste essa conclusão?
Ouviste-me dizer alguma coisa.
— Não. Mas como vinhas muito depressa...
— Eu ando sempre depressa. E, além disso, estava cheio de fome. Tu
não?
Ashley sorriu.
— Morta de fome.
Jake abanou a cabeça, abriu a porta e saiu. Percebendo que ele não ia
dizer mais nada, Ashley seguiu-o.
Enquanto se dirigiam para o restaurante, que estava muito iluminado,
Jake ia explicando:
— O dono desta casa andou na escola com o meu pai, aí há uns vinte anos.

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A família dele teve problemas financeiros e, quando a situação se agravou, o
Paul — é como ele se chama — lembrou-se de a transformar numa espécie de
clube de campo. Nos terrenos à volta, que também são dele, há uma piscina,
campos de golfe e de ténis, que podem ser frequentados pelos comensais.
Ashley sentia-se um pouco confundida e, quando ele acabou de falar,
disse:
— Será que esse amigo do teu pai não vai achar esquisito que venhas aqui
comigo em vez de trazeres a tua noiva?
Tinham chegado à porta da casa e Jake, agarrando-lhe no braço,
empurrou-a bruscamente, para que passasse à sua frente. Espantada, Ashley
voltou-se e reparou no seu ar zangado. Sem dizer nada, ele despiu o casaco e
entregou-o no bengaleiro, ao lado da porta. Ashley hesitou por uns segundos,
mas, em seguida, fez o mesmo.
— A casa de banho é ali — disse ele, indicando um corredor à direita. —
Queres que espere aqui?
Ashley ia dizer-lhe que não precisava de ir à casa de banho quando se
lembrou de que talvez fosse melhor passar um pouco de água na cara e dar um
retoque nos lábios. Afastou-se, ensaiando um andar adulto e sofisticado.
Quando voltou, Jake encontrava-se onde o deixara, mas acompanhado de
um casal de meia-idade, que Ashley concluiu serem os donos da casa. Dirigiu-se
ao seu encontro. Quando a viu, Jake voltou-se um pouco de lado e exclamou:
— Aqui está a Ashley. — E, em seguida, dirigindo-se a ela: Tudo bem?
Ela respondeu afirmativamente, tentando aparentar muita calma. Estas
pessoas eram amigas da família de Jake e Ashley pensou que ele gostaria que
ficassem bem impressionadas. Portanto, nada de atitudes infantis que
pudessem deixar Jake atrapalhado.
— Tudo bem — respondeu, olhando para o casal. E, numa voz afectada,
continuou: — Já calculava que devia ter o nariz todo vermelho. Sabem como é!
Quando se passa um dia inteiro fora, fica-se como uma bruxa velha.
Enquanto falava, evitava olhar para Jake, e sentiu-se aliviada quando a
mulher sorriu, compreensiva. Era uma senhora atraente, muito elegante. Os
seus cabelos eram cinza-azulados, muito bem penteados, e o rosto quase não
apresentava rugas, o que lhe dava um ar mais novo.
— Eu sei como é — disse ela. — Ainda por cima com este frio. -Deve
estar cheia de vontade de tomar uma bebida.
De repente, Ashley perdeu o à-vontade que tinha conseguido fingir até
aí. Disse que sim, em voz baixa. Sentia-se atrapalhada. Certamente eles
pensavam que fosse mais velha do que na realidade era. Olhou para Jake à

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procura de apoio, mas este decidira fazer-se desentendido.
— Como já percebeste, estes são a Grace e o Paul Freeman — e, virando-
se para o casal, acrescentou: — Quando vínhamos para cá, contei à Ashley a
história da casa.
— Muito prazer, Ashley. — Paul Freeman apertou-lhe a mão com força.
Era um homem grande, da altura de Jake mas mais forte, com os ombros muito
largos. — Então, foi ao leilão em Raybury?
— Fui. — Ashley esforçava-se por parecer descontraída. — Não comprei
nada, mas achei muito interessante.
Dirigiram-se todos para o bar e Grace colocou-se ao lado de Ashley.
— Há muito tempo que conhece o Jake? — Ashley receou que a pergunta
tivesse segundas intenções.
— Não. Estou há pouco tempo em Bewford. O meu pai morreu e eu vim
viver com os meus tios.
— Ah é? Mas conhece a Bárbara?
— A Bárbara? — Tentou ganhar tempo. — Claro, a noiva do Jake. —
Sacudiu a cabeça. — Não a conheço pessoalmente.
As sobrancelhas finas de Grace ergueram-se um pouco. Virou-se para
Jake, que vinha atrás a falar com o marido.
— Pensei que conhecesse. Ela é minha sobrinha, sabia?
— Ah, é? — Ashley surpreendeu-se, acrescentando em voz baixa:
— Vão casar-se em breve, não é?
— Sim, em Junho. — Grace parecia mais natural do que há pouco. — Vai
ser um casamento maravilhoso. Não acha que eles formam um par muito bonito?
Como Ashley nunca tinha visto Bárbara, não podia dar a sua opinião.
Assim, limitou-se a sorrir, como se a resposta fosse evidente. Ao entrarem no
bar, uma empregada veio ao encontro deles e dirigiu-se a Grace pedindo a sua
ajuda sobre uma questão relacionada com a ementa do jantar. Grace desculpou-
se e seguiu a rapariga para a ir ajudar. Ashley sentiu-se aliviada, mas por pouco
tempo. Paul Freeman dirigira-se ao bar, para preparar bebidas para eles, e
Ashley, que não estava habituada a beber álcool, desejou que Jake a salvasse
de uma situação que considerava embaraçosa. Contudo, este parecia muito
longe, concentrado nos seus pensamentos e quase a ignorando.
Automaticamente, Jake indicou-lhe um banco. Ashley ainda hesitou, mas,
finalmente, resolveu ganhar coragem e ocupou o seu lugar. Se era isto que ele
queria, muito bem! Paul estendeu-lhe um copo cheio de um líquido amarelado e
gelado:
— Prove! É uma especialidade da casa.

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Ashley olhou uma última vez para Jake, que, com um ar provocador,
acendeu um cigarro. Parecia querer mostrar-lhe que não estava nada
interessado nos problemas dela.
Deprimida, levou o copo à boca e bebeu um gole daquela bebida estranha.
Sentiu a garganta a arder e foi obrigada a tossir. Pousando o copo ergueu os
olhos e deparou-se-lhe Jake, que aguardava a sua reacção:
— Então? — perguntou. — O que achas?
— É óptimo. — Mentiu. — O que é?
— Segredo — disse Paul, sorrindo satisfeito. — E para ti? Um destes ou
mais forte?
Jake olhava para Paul. Parecia que alguma coisa no rosto deste lhe
estava a dar vontade de rir e o impedia de responder de imediato. Finalmente
disse:
— Pode ser uísque. Mas pouco, porque ainda vou conduzir e não posso
beber muito. Não achas, Ashley? — Lançou-lhe um olhar muito rápido.
Ashley ficou furiosa. Estava a divertir-se à custa dela. Sabia
perfeitamente que ela não tinha idade para beber. O que queria que fizesse?
Que dissesse isso ao Paul? Que admitisse que era menor? Os seus dedos
apertaram o copo. Pois então ela ia mostrar-lhe como era. Além disso, estava
quase a fazer os dezoito, portanto quanto mais depressa se habituasse a beber
álcool, melhor.
Deu mais um gole. Era mesmo horrível. Desta vez engasgou-se menos.
Pensou que um cigarro talvez ajudasse.
— Alguém me arranja um cigarro? — pediu, sem se dirigir a nenhum dos
dois em especial. Jake olhou para ela. Não sabia que fumavas.
— Há muitas coisas que não sabes... — respondeu Ashley afectadamente.
Paul tirou um maço do bolso e ofereceu-lhe.
— Tome um dos meus. São turcos e muito fortes, como eu gosto.
Ashley agarrou num cigarro e levou-o à boca. Jake acendeu o isqueiro e
ela inclinou-se, segurando-lhe na mão. Inspirou o fumo e tudo começou a rodar
à sua volta. A única coisa que lhe dava alguma estabilidade era aquela mão fria
e firme que ainda não largara. Olhou para ele, espantada, e percebeu como
estava aborrecido. Por mais que quisesse desafiá-lo ainda mais, não seria capaz.
Sentindo os dedos a tremer, Ashley apoiou-se ao balcão do bar,
arrependida por ter entrado naquela brincadeira disparatada. Como não estava
habituada a beber, e ainda por cima com o estômago vazio, o uísque caíra-lhe
mal. E o cigarro viera agravar esse mal-estar. Cheia de náuseas e tonturas,
Ashley quase saltou do banco para o chão.

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— Desculpem-me.
E, ignorando Jake, que lhe perguntava onde ia, atravessou a sala o mais
depressa que pôde, sentindo que as pernas se dobravam pelos joelhos. Entrou
na casa de banho, decorada luxuosamente em tons de rosa e dourado, e
procurou um cinzeiro para se livrar daquele maldito cigarro turco. Depois,
encostou a cabeça aos azulejos frescos. As tonturas passaram um pouco mas o
enjoo não.
Sobressaltou-se quando bateram à porta e, a tremer, endireitou-se.
Olhou-se ao espelho e desejou não ter de encarar ninguém nesse momento.
— Ashley! Ashley, estás aí? Era o Jake.
— Sim. — Gaguejou. — vou... vou já.
— Quero que saias daí já. — Jake estava peremptório.
— Não posso. Estou a pentear-me.
— Já, Ashley.
— Não.
Ela não estava preparada para o que aconteceu a seguir. A porta abriu-se
e deu de caras com Jake. Ele olhou-a com atenção e viu a sua cara pálida, a
boca trémula e os olhos rasos de lágrimas. Os dedos de Ashley, tensos,
agarravam a mala.
— Já calculava — disse Jake, sem uma ponta de pena dela. — Estás para
aí escondida como um rato assustado. O que querias fazer? Fugir?

CAPÍTULO IV

Atrapalhada, Ashley abanou os ombros.


— Que disparate! Agora tenho de explicar porque vim à casa de banho,
não é?
— Deixa-te de parvoíces. Correste para aqui como uma raposa para a
toca. Para quê? Se calhar para te penteares!...
— Se queres mesmo saber... não me estava a sentir bem.
— O que, aliás, não me surpreende.
— Claro. Também não te surpreendes com nada, pois não? — a raiva que
sentia, encheu-a de coragem.
— O que queres dizer com isso?
— Sabes muito bem.
— Ah, sei? — Jake fazia-se desentendido. Ashley baixou os olhos.
— Porque não disseste ao Paul que eu não bebia álcool?

Livros Florzinha — 25
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— Porque não lhe disseste tu?
— Como?!
— Da maneira como te portaste, também me parece que não lhe podias
dizer.
— Da maneira como me portei?... O que quer isso dizer? Ashley olhou-o,
espantada.
— Não podes negar que te portaste de uma forma... esquisita, diferente
do que és.
— Não queria criar uma situação embaraçosa para ti. Foi só isso. A
saíres com uma miúda... — admitiu Ashley com a voz embargada.
— Se saio com uma miúda ou não, isso é comigo.
— Mas a Grace é tia da tua noiva.
— Sei isso muito bem.
Ashley desviou os olhos de Jake.
— Acho que não podemos ficar para aqui a falar...
— Pois eu acho que podemos, e até estou a gostar — disse Jake,
cruzando os braços.
— Não era isso que eu queria dizer, e tu percebeste muito bem.
— Ashley suspirou.
— Então, vem daí. — Pôs-se de lado, para ela passar.
Após um minuto de hesitação, com passos não muito firmes, Ashley saiu
e fechou a porta atrás de si. Felizmente, parecia que ninguém tinha percebido
o que se passara, ou talvez os Freeman tivessem tomado precauções para que
assim parecesse, pensou ela com um cinismo que não lhe era muito habitual.
Sentia-se terrivelmente deprimida.
— Agora — disse Jake, agarrando-lhe no braço com força -, vamos fazer
aquilo para que cá viemos.
Assustada, Ashley perguntou:
— O quê?
— Jantar.
— Mas eu acho que não consigo comer nada.
— Não sejas parva. — Ele falava como um pai a uma criança rebelde. —
Só te estás a sentir mal porque tens o estômago vazio.
— Foi aquela bebida! — acusou ela.
— Tens a certeza de que não foi o cigarro? — perguntou ele,
delicadamente. — Nunca ouvi ninguém dizer que se sentisse mal por beber
gengibre com soda.
Ashley parou e olhou-o sem querer acreditar.

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Julia no. 4
— Queres dizer que aquilo era... era só isso?
Jake olhava-a com uma expressão de infinita paciência.
— Então achas que eu ia deixar o Paul arriscar-se a perder a licença por
servir bebidas alcoólicas a uma menor?
— Isso quer dizer que lhe disseste a minha idade? — Jake fez um gesto
afirmativo e ela acrescentou: — Porque não me avisaste?
A boca de Jake torceu-se ironicamente:
— Não quis estragar o espectáculo. Aliás, és uma óptima actriz. Ashley
puxou o braço que ele prendia.
— Isso é indecente.
— Não estavas preocupada com a minha reputação? Preferias que eles
pensassem que eras outra coisa?
— Que coisa?
Jake olhou para a cara espantada de Ashley. — Sei lá... Minha amante,
por exemplo. Que tal?
Ashley sentiu que ficava vermelha. Ele dissera claramente o que, até
esse momento, ela não quisera sequer pensar. Talvez porque, lá no fundo,
perversamente, a ideia lhe agradasse. Esforçando-se por afastar estes
pensamentos, protestou:
— Não estás a falar a sério.
— Porquê? Assim arranjada, nem pareces uma miúda de escola. Ashley
respirou fundo e apeteceu-lhe perguntar o que parecia, então, mas não teve
coragem.
Mas o assunto parecia estar encerrado para Jake, que, virando-se, lhe
indicou o caminho para a sala de jantar.
Um empregado de casaco branco veio tomar nota do pedido. Ashley,
segurando a enorme ementa, estava completamente absorta nos seus
pensamentos, sem ver nada do que tinha escrito à sua frente. Quando Jake lhe
sugeriu que começassem por uns escalopes com batatas fritas e um cocktail de
camarão, Ashley sobressaltou-se e aceitou sem dizer palavra.
A comida era deliciosa. Os camarões eram grandes e saborosos, e os
escalopes grelhados estavam no ponto que ela gostava.
Apesar de, a princípio, achar que era incapaz de ingerir o que quer que
fosse, o apetite cresceu quando provou o vinho branco que Jake encomendara.
Acabou por comer tudo, incluindo um enorme pedaço de bolo de framboesa.
Durante o jantar, falaram sobre o leilão, um assunto neutro e, portanto,
seguro. Ficou fascinada com os conhecimentos que Jake tinha sobre
antiguidades.

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A pedra da feiticeira (Witchstone) Anne Mather
Julia no. 4
O tempo correu tão depressa que só percebeu que passara quando o café
foi servido. O de Jake era muito forte e ele tomou-o acompanhado de um
conhaque. Satisfeita, Ashley recusou a segunda chávena que lhe ofereciam, e
Jake, olhando para o relógio, disse:
— Sabes que já são mais de sete horas?
— Já? O tempo passou a correr.
— Aceito isso como um elogio — observou Jake, levantando-se -, mas
acho que temos de nos ir embora. Os teus tios já devem estar preocupados.
Ashley levantou-se, relutante. Claro que ele tinha razão. Claro que os
tios deviam começar a estar preocupados, mas sentiu, de repente, um vazio ao
perceber que, dentro de meia hora, aquele dia passado com Jake chegaria ao
fim.
Quando estavam a chegar à porta, encontraram os Freeman, que
cumprimentavam um grupo de pessoas acabadas de chegar. Paul virou-se e
disse:
— Gostou do jantar, Ashley?
— Muito — respondeu um pouco envergonhada.
— Espero que não tenha levado a mal a brincadeira da bebida disse,
simpático.
Ela sacudiu a cabeça e foi buscar o casaco, quando ouviu uma voz de
mulher que chamava:
— Jake, Jake Seton. Que coincidência. Onde está a Bárbara? Ashley
sentiu-se pouco confortável quando uma rapariga baixa e morena, vestida com
um fato vermelho e um casaco de peles, se agarrou ao braço de Jake. Este
parecia muito à vontade.
— Olá, Angela — cumprimentou com naturalidade. — Não sabia que
conhecias este lugar.
— Claro que conheço. Já cá estive com a Babá. — Angela franziu as
sobrancelhas, olhando à volta. — Onde está ela? Não veio contigo?
— Não. — Jake começou a vestir o casaco de pele de carneiro que a
rapariga do bengaleiro lhe tinha estendido. — Angela, quero apresentar a
Ashley Calder. Ashley, esta é uma amiga da Bárbara: Angela Thorne.
— Como está, Angela? — Trocaram um frio aperto de mão. Angela
cumprimentou-a sem um sorriso. Depois, voltando-se para Jake:
— Não me lembro de ter ouvido a Bárbara mencionar este nome. É um
nome estranho, não é?
— É. — Jake sorriu. — Bem, não queremos roubar-te mais tempo aos
teus amigos, íamos mesmo a sair. Estás pronta, Ashley?

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Ashley assentiu, tomando consciência do olhar que a outra rapariga lhe
dirigia, como se a estivesse a avaliar. Jake puxou-a para a sua frente e saíram
do restaurante, trocando o seu conforto pelo ar gelado da noite.
O Ferrari estava frio, mas o motor não demorou a pegar e abandonaram
rapidamente o estacionamento. Não tinham despido os casacos e Ashley,
aconchegada no seu, pensava se o encontro com Angela representaria tão pouco
para Jake como aparentava.
Após terem percorrido alguns quilómetros, Jake disse:
— Porque deixas que as outras pessoas te afectem tanto? A Angela não
significa nada para mim.
— Ela vai contar à Bárbara que te viu comigo?
— E se for? — Jake suspirou. — Eu próprio penso contar-lhe.
— Ah, está bem. — Ashley virou a cabeça para a janela. Estava outra vez
a fazer figura de parva. Claro que ele ia contar à Bárbara. Porque não havia de
contar? Tinha sido um passeio totalmente inocente.
As luzes de Bewford apareciam à frente deles. Acelerando, Jake passou
pela Via Grange, entrou na Highstreet e estacionou o Ferrari frente ao Golden
Lion. Ashley fez um gesto para abrir a porta, mas Jake, inclinando-se à sua
frente, impediu-a. O braço dele fazia pressão contra o corpo de Ashley, como
já acontecera antes. Ashley sentiu uma emoção inesperada. Tinha a certeza de
que ele pressionara o braço contra ela, propositadamente. Após alguns
segundos, Jake retomou a posição anterior recostou-se no assento com uma
expressão sombria no rosto magro. Olhando para as mãos que seguravam o
volante, disse:
— Obrigado por teres vindo. Boa noite,
Ashley, num misto de excitação e angústia, respondeu, enquanto tentava
abrir a porta.
— Obrigada eu. Gostei muito...
— Ainda bem.
Jake levantou os olhos e, apesar de ser uma pessoa que se sabia
controlar, havia qualquer coisa no seu olhar que obrigou Ashley a apressar os
seus movimentos, o que quase a fez saltar do carro.
Uma vez na rua, virou-se e bateu com a porta. O carro arrancou sem
outra troca de palavras entre eles. As luzes traseiras ainda iluminaram a rua
por alguns segundos, depois desapareceram numa curva. Só então Ashley se
conseguiu mexer e entrou em casa, sentindo um aperto no peito.
A tia estava na sala de jantar e, ouvindo a porta da rua fechar-se, veio
ver quem era.

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— Oh, Ashley! — exclamou, mostrando-se aliviada. — Começava a ficar
preocupada.
Ashley forçou um sorriso.
— Porquê? A tia sabe que Raybury é longe. — Deu-lhe um beijo e
continuou: — Mas obrigada por se preocupar comigo.
Mona deu-lhe um abraço rápido.
— Estava a levantar a mesa. Deixei um prato preparado para ti no forno,
pensei que pudesses ter fome. Ah, e o Jake? Já se foi embora?
— Foi, porquê?
— Ainda bem. — Mona dirigiu-se à cozinha, seguida de Ashley.
— A mãe dele já telefonou duas vezes a perguntar se eu sabia onde ele
estava.
— A mãe dele? — Ashley espantou-se. — Porquê? Mona tirou um prato
do forno.
— Parece que davam hoje um jantar importante e que o Jake tinha de
estar lá.
— Ah! — Ashley engoliu em seco. — E o que lhe disse?
— O que sabia. Que tinham ido a Raybury e que não sabia ao certo a que
horas voltavam, mas que achava que não viriam muito tarde.
— Mona colocou um prato de empadão de atum em cima da mesa. O
molho fica quente num instante. Tens fome?
— Nem um bocadinho. Jantámos no caminho.
— Jantaram? — a tia estava espantada. — Mas então e o jantar da mãe
do Jake?
— Pois é... Não sabia... Mona abanou a cabeça.
— Também não tenho nada a ver com isso. — Olhou para o empadão. —
bom, come-se amanhã ao almoço. — Fez uma careta e voltou-se de novo para
Ashley. — Então, divertiste-te?
— Imenso. — Ashley começou a desabotoar o casaco. — Gostei muito. A
casa é antiquíssima, com móveis pesados, vitorianos. Havia objectos lindíssimos,
que deviam ser antiguidades. E um monte de gente — ela esforçava-se por
mostrar um entusiasmo que na verdade não sentia. Felizmente a tia estava mais
preocupada com a ausência de Jake e com o empadão do que com ela e, por
isso, não fez muitas perguntas.
Mas com a Karen não foi tão fácil. Quando chegou a casa, vinha ansiosa
por saber como tudo se passara.
— Contei à Rita Ferris que tinhas ido a Raybury com o Jake Seton e ela
não quis acreditar — disse Karen, aborrecida. — Quando for outra pessoa a

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dizer-lhe, vai ficar verde de inveja. — Ajeitou-se em cima da cama e continuou:
— Então? Conta-me. O que aconteceu? Ashley suspirou.
— Nada de especial. Fomos ao leilão, demorámos... sei lá, para aí umas
quatro horas e depois voltámos para casa. No caminho, jantámos num clube de
campo.
— Nada de especial! — repetiu Karen. — Chamas a isto nada de especial?
Só andar naquele carro para mim já era tudo. Tens muita sorte. O que disse
ele? De que falaram? Ele tentou alguma coisa?
— Claro que não! — Ashley corou, aflita. — Ele não é desse género.
— Todos são — respondeu Karen, cinicamente. — Todos querem o que
não podem ter.
— Oh, Karen! Não estás a insinuar que o Jake anda atrás de mim, pois
não? — perguntou Ashley, levantando o corpo para o apoiar nos cotovelos.
— Não sei.
— Mas sei eu. Ele sabe que gosto de livros, que quero trabalhar na
biblioteca e achou que eu ia gostar de visitar uma grande biblioteca particular.
É só isso, mais nada.
Karen olhou para a prima de lado.
— Tens a certeza? E achas que, se ele soubesse de um leilão numa
agência de correios, me convidava para ir com ele?
— Oh, estás a gozar. Não é a mesma coisa.
— Pois não. — Karen começou a despir-se. — Mas admites que ele gosta
da tua companhia. Ou não gosta?
Ashley deixou-se cair sobre as almofadas.
— Sei lá!
— Claro que sabes! Só gostava de saber qual será a desculpa que ele vai
arranjar da próxima vez.
— O que queres dizer com isso?
— Bem, primeiro deu-te uma boleia da escola para casa, não foi? Depois,
veio ao bar para te ver.
— Ora, ele não sabia que eu estava no bar. Ele sabe que o tio David não
me deixa servir os fregueses.
— Está bem. — Karen inclinou a cabeça para o lado. — Talvez tenha sido
por acaso. Mas nada me garante que ele não viesse aqui só para te convidar.
— Estás a exagerar — protestou Ashley, puxando os cobertores até ao
queixo. Começava a ficar zangada. — Veio cá porque não tinha mais nada para
fazer.
— Estás maluca? — Karen abotoou o casaco do pijama. — Ele tem Imenso

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que fazer.
Ashley olhou para a prima por cima dos cobertores:
— O quê, por exemplo?
— Queres mesmo saber? Pensei que não estivesses interessada. Ashley
suspirou, impaciente.
— Vá lá, não sejas embirrenta. Ele tem assim tanto para fazer?
— Ele é o presidente da companhia. É só isso.
— Qual companhia? — Ashley estava confusa.
— A Companhia Seton, claro. — Agora era a vez de Karen se mostrar
impaciente. — O que pensas? Achas que ele pode andar por aí de Ferrari só
com o que as terras dão?
Ashley levantou-se um pouco na cama.
— E que tipo de negócios são?
— Estão relacionados com bancos, propriedades, coisas desse tipo. Aliás,
ouvi o meu pai dizer que os Seton são donos de quase tudo aqui em Bewford.
— Não fazia a menor ideia.
Ashley deitou-se novamente, franzindo as sobrancelhas. Estava a pensar
na conversa que tivera de manhã com Jake e nos comentários que tinha feito
sobre ele não ter uma carreira. O que não devia ter pensado...
Karen meteu-se na cama.
— Já calculava que ele não ia falar disso.
Apagou a luz. Ao fim de algum tempo, Ashley ouviu a respiração regular
da prima, que dormia profundamente. Ela, porém, estava longe de conseguir
adormecer.
Virou-se de barriga para baixo. Tinha de deixar de pensar em Jake.
Passara um dia fantástico, mas não via grandes hipóteses de que viesse a
repetir-se. Por isso, quanto mais depressa metesse isso na cabeça, melhor.

CAPÍTULO V

Na semana seguinte, o tempo melhorou e sentia-se no ar um perfume que


anunciava a Primavera. Um pouco por todo o lado, árvores e arbustos
começavam a dar novos sinais de vida e os narcisos apareciam por toda a parte.
As ovelhas tinham voltado a pastar nos campos, agora livres do frio, da neve e
do gelo. Mark convidou Ashley para ir ver um potro que nascera há pouco, mas
ela recusara, alegando dores de cabeça. Ele deve ter percebido que se tratava
de uma desculpa mas não insistiu. Ashley só desejava que o primo não

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descobrisse a verdadeira razão da sua atitude. Mas Ashley tinha as suas
razões. Ir até à propriedade dos Seton e arriscar-se a ver de novo Jake era
uma coisa que devia evitar a todo o custo.
No fim-de-semana seguinte, havia uma exposição de cavalos em Hoslop e
Mona sugeriu que ela fosse com Mark. Ashley não pôde recusar. Da última vez
que saíra com o primo divertira-se tanto que, se recusasse este convite, ele
podia ficar ofendido. Demonstrou um entusiasmo superior ao que na realidade
sentia e tentou convencer-se de que certamente não iria encontrar Jake.
E, de facto, Jake não estava lá. Mas, em vez de se sentir aliviada, Ashley
ficou desiludida, e ao mesmo tempo zangada por experimentar sentimentos tão
contraditórios. Depois do certame, voltou para casa com Mark. Vinham num
carro dos Seton, que trazia um atrelado com cavalos. Entraram na propriedade
de Jake e dirigiram-se às cavalariças para deixarem os animais. com as mãos
enfiadas nos bolsos do blusão azul-marinho, Ashley esperava impacientemente
que o primo e outros rapazes acabassem de tratar dos cavalos para voltar para
casa. Quando Mark já vinha ter com ela, ouviram o som de cascos trotando
sobre as pedras. Jake, acompanhando uma mulher cuja identidade ela adivinhou
facilmente, entrou nas cavalariças.
Jake ficava muito bem a cavalo. As calças de montar, justas, acentuavam
os músculos das suas pernas fortes. A sua companheira desmontou também
com muita classe e elegância.
Jake acariciou o pescoço do cavalo e, olhando de relance a mulher que
vinha consigo, dirigiu-se a Mark e a Ashley.
— Olá! Tiveram um bom dia?
— Assim, assim — respondeu Mark. — O Prince começou a coxear e
tivemos de o retirar. Mas o Lass e o Mani estiveram ótimos.
Jake franziu a testa, preocupado com o cavalo.
— O que lhe aconteceu? Espero que não seja nada de grave.
— Acho que não. Devem ser só uns tendões torcidos. A tua mãe foi à
caça com ele, na semana passada. Se calhar foi isso.
— Ah! — Jake assentiu. O seu olhar voltou-se então para Ashley.
— E tu? Gostaste?
Ashley sentiu a boca tensa. Respondeu simplesmente que sim. Não podia
deixar de comparar a sua roupa simples — calças e blusão de ganga — com o
caríssimo e elegante traje de montar da outra rapariga, e essa comparação
deixava-a frustrada. Ela entregara o seu cavalo a um dos empregados,
aproximara-se de Jake e, enquanto ele falava, tocou-lhe num dos braços. Jake
voltou-se e a sua boca parecia mexer-se de uma forma estranha.

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— Bárbara, ainda não conheces a Ashley. É prima do Mark. Bárbara St.
John Forrest abanou a cabeça. Era de estatura média,
magra, e Ashley pensou que nunca conhecera ninguém tão atraente.
Tinha o cabelo curto e sedoso, muito louro. As sobrancelhas, arqueadas,
realçavam os seus olhos escuros. As maçãs do rosto eram pronunciadas e a
boca, cheia e vermelha, sensual.
— Muito prazer, Ashley — disse, sem demonstrar grande entusiasmo. —
O Jake já me tinha falado de ti.
— Olá — as palavras pareciam coladas à garganta. Ashley tentou ser
simpática, consciente do olhar de Jake sobre ela.
Bárbara voltou-se para Mark e sorriu. Parecia que o sexo oposto lhe
interessava mais.
— Tiveste um bom dia?
Ashley achou que Mark exagerava, respondendo com um respeito
desmesurado, e desejou que se tivessem ido embora antes de eles chegarem.
— Estivemos em High Igram — dizia Bárbara a Mark. — Acho que
conheces os Messiter — suspirou. — Convidaram-nos para almoçar e passar o
dia. Mas já estou cansada de tanto ar livre. E tu, querido, não estás? — a última
frase disse-a voltada para Jake.
Jake sacudiu os ombros, com as mãos enfiadas nos bolsos das calças.
— Acho que estou mais acostumado a exercícios do que tu — disse, em
tom de brincadeira. Ela deu-lhe uma palmada amigável, como se representasse
para a casa cheia, pensou Ashley.
Não era habitualmente cínica, mas sentia que lhe tinham estragado o dia
e tudo o que queria era ir para longe de Jake mais a sua noiva. Dirigiu um olhar
a Mark que, entendendo-o, disse:
— Temos de ir embora. A Ashley deve estar cheia de fome, não é? Este
tratamento, atencioso, agradou a Ashley, que sorriu.
— Se estou! — admitiu, apesar de duvidar que fosse capaz de comer
alguma coisa.
Jake olhou para Bárbara e disse:
— Nós não temos nada planeado para esta noite. Porque não vêm jantar
connosco?
Ashley foi totalmente apanhada de surpresa. Bárbara também. Nesta,
isso ficou bem claro na testa franzida e no olhar espantado que dirigiu a Jake.
Mas ele não a olhava nesse momento, mas sim para Ashley, que fazia esforços
para não deixar transparecer no rosto o que lhe ia na mente. Mark parecia não
perceber as reacções que aquele convite provocara e disse:

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— Acho bem, Jake. De certeza que a Bárbara não se importa? Jake mal
olhou para Bárbara.
— Gostávamos muito que viessem.
— Bem... — Mark olhou, um pouco inseguro, para Ashley. Gostavas de ir?
Ashley, para quem aquele convite era última coisa que queria no mundo,
não conseguiu dizer grande coisa.
— Eu... não tenho nada adequado para vestir — disse, atrapalhada. — É
muito simpático da vossa parte, mas...
— Tenho a certeza de que te hás-de arranjar — disse Jake, deixando
transparecer um tom de reprovação na voz. — Não é preciso traje de gala.
Ashley sabia que Mark estava muito entusiasmado com o convite, não
vendo nada de anormal na situação. Ele e Jake eram amigos há muitos anos e
agora que tinha alguém para o acompanhar estava ansioso para sair com ele.
com um suspiro, Ashley concordou, mesmo sabendo que Bárbara não
estava a gostar daquilo. Aliás, ela não dissera nada e, se Jake tinha consciência
da sua silenciosa desaprovação, decidira simplesmente ignorá-la.
— Okay — concordou. — Então passamos no Golden Lion por volta das
sete.
— Está bem — concordou Mark, olhando para o relógio. — Isso dá-nos
tempo para nos arranjarmos. Talvez possamos retribuir o convite daqui a duas
semanas, quando a Ashley fizer anos, hem?
Jake franziu a testa.
— Daqui a duas semanas? — sacudiu a cabeça. — Fazes dezoito anos
daqui a duas semanas, Ashley?
— Faço — desviou os olhos. — É melhor irmos, não é, Mark?
— É. Deixa-me só avisar o Simons de que me vou embora. Assim ele pode
fechar tudo.
Mark afastou-se e Ashley sentiu-se desapoiada. Bárbara dirigiu-lhe um
olhar cheio de ódio, mas, afinal, ela não tinha culpa de nada. Se queria ter raiva
de alguém, que fosse do noivo.
O silêncio entre os três tornava-se pesado quando Jake perguntou:
— Acabas as aulas dentro de três semanas, não é? Já tiveste a
entrevista para o emprego na biblioteca?
— Não. Ainda não. É na próxima quarta-feira.
Jake parecia interessado. Tinha o dom de dirigir a sua atenção para uma
pessoa de tal forma que dava a impressão de estar totalmente envolvido no que
lhe dizia.
— E se conseguires o emprego, quando começas? Ashley molhou os lábios

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secos.
— Provavelmente logo na semana depois da Páscoa. Jake olhou para a
noiva.
— Ouviste? Ashley vai trabalhar na biblioteca. Se precisares de livros,
pode ajudar-te.
Bárbara deitou-lhe um olhar impaciente.
— Não costumo ler livros da biblioteca — falava bruscamente. Não tenho
tempo para ler.
— Então talvez seja melhor arranjares — disse Jake, seco.
Percebendo que o tinha aborrecido, Bárbara imediatamente se
arrependeu e Ashley ficou enjoada só de ver a sua mudança rápida de
comportamento. Agora acariciava-lhe as mãos e dirigia-lhe olhares sedutores.
Sentiu-se aliviada quando Mark reapareceu:
— Já está tudo tratado. Vamos embora? Até logo, Jake.
Mona e David Sutton ficaram muito contentes quando souberam do
convite de Jake. Ashley pensou que, para a tia, este convite era a confirmação
de que não havia segundas intenções no interesse que Jake demonstrava por
ela. Karen, porém, tinha dúvidas.
Ashley estava no quarto, preparando-se para o jantar, quando a prima
entrou e, atirando-se para cima da cama, comentou, muito séria:
— Então, o que foi que eu disse? — o seu tom parecia querer desafiá-la.
Ashley, que estava em frente do espelho, voltou-se:
— O quê? — perguntou com ar de quem não sabia do que a prima estava a
falar.
— Sabes muito bem — exclamou Karen, olhando para Ashley.
— Não sei, não.
— Eu bem te disse que o Jake arranjaria um pretexto para sair contigo.
— Ora, o convite foi dirigido ao Mark e não a mim. Para que havia ele de
querer estar comigo se tem a ”Bárbara? Pelo ar dela, acho que é mais do que
capaz de o satisfazer.
Mesmo contrariada, Karen foi obrigada a sorrir.
— Tanta malícia nem parece tua...
Ashley corou e sacudiu os ombros, confundida.
— Sabes que tenho razão. Não a conheces?
— Se conheço! A família dela vive cá há quase tanto tempo como os
Seton. Não estás a querer comparar, pois não? — Karen animou-se com a
conversa. — Meu Deus! Aquele cabelo louro é artificial! E ela é velha, tem para
aí uns vinte e cinco ou vinte e seis anos...

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Julia no. 4
— É velhíssima — ironizou Ashley. — Francamente, Karen, dizes cada
disparate. Eu não chego nem aos pés dela. É tão sofisticada...
— Talvez o Jake esteja farto de mulheres sofisticadas. Já conheceu
tantas...
— Queres fazer o favor de te calares? Já vai ser difícil ter de jantar
com eles quanto mais depois desta conversa. Não me apetece ir, mas não posso
deixar de o fazer. Só se arranjasse uma desculpa...
— Não tens de ir. — E acrescentou, lacónica: — Mas, por favor, vê as
coisas como elas são. Tens de ser realista.
Irritada, Ashley escancarou a porta do roupeiro.
— O que achas que eu devo vestir? Uma roupa de luto?
— Fica-te melhor a ti do que a ela. Sabes uma coisa? A comida cá de
casa está a fazer-te bem. Estás com um corpo... — suspirou. Gostava de ser
mais alta e um pouco mais magra. Aposto que Bárbara também.
Sem lhe ligar nenhuma, Ashley olhava para a roupa. O que havia de
vestir? A maior parte do que tinha eram calças compridas e roupas que usava
todos os dias. Nada daquilo lhe parecia adequado. Karen aproximou-se e,
pensativa, inclinou a cabeça para o lado:
— Devias vestir aquela blusa de mangas largas, a verde, e uma saia
comprida.
— Não tenho nenhuma saia comprida.
— Eu tenho duas. E uma delas combina lindamente com essa blusa.
A saia era de veludo cinzento, franzida, com uma fivela prateada no
cinto. Era exactamente daquilo que Ashley precisava. Mas ficou um pouco
indecisa:
— Parece estar por estrear. Já a vestiste?
— Não. Sabes, eu gosto de coisas mais enfeitadas. Esta saia é muito
simples para mim. Foi a minha mãe que a comprou e eu nunca lhe quis dizer que
não gostava. No fundo, acho que ela sempre desejou ter uma filha parecida
contigo, mas só conseguiu fazer uma cópia de si própria — riu sem amargura. —
Veste-a. Ela vai ficar contente por ver que gostas da saia.
— Acho que não devo, Karen. Obrigada, mas não posso.
— Está bem. — Karen encolheu os ombros e voltou a guardar a saia. —
Isso quer dizer que nunca vai ser vestida.
— Bem, se achas que não faz mal...
— Claro que não. — Deu a saia a Ashley. — Vá lá, veste-te! — e
acrescentou com uma careta: — Só não sei porque raio te estou a encorajar a
enfeitares-te para o Jake Seton.

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Julia no. 4
Ashley vestiu a blusa verde. Era de seda, e muito bonita. Tinha sido um
presente do pai. Ao lembrar-se dele, o seu rosto contraiu-se de tristeza.
Pensou no que ele acharia de Jake. Mas rapidamente decidiu afastar esses
pensamentos.
A saia estava-lhe um pouco larga na cintura, mas elas deram-lhe um jeito
com um alfinete, que disfarçaram debaixo do cinto. Depois de se olhar ao
espelho, Ashley virou-se para a prima, que soltou um assobio de admiração.
— Estás lindíssima! Só gostava de ver como vai a Bárbara...
— Karen, pela última vez! vou sair com o Mark e pronto, é tudo. Lá
porque os outros também vão... — parou quando percebeu que Karen não lhe
prestava atenção.
Mark não fez qualquer comentário quando a viu, mas o seu olhar
transbordava admiração. Contudo, ao dirigirem-se para a porta, não resistiu a
dizer-lhe:
— Estás divina, Ashley.
— Obrigada, Mark. Também estás muito elegante.
E estava realmente muito atraente, no seu fato azul, com o cabelo claro
bem penteado exalando um agradável cheiro a água-de-colónia. Olhavam e
sorriam um para o outro, quando a cabeça de Jake assomou na porta que dava
para o pátio. Ao vê-los, os seus olhos arregalaram-se um pouco e pareciam
brilhar de uma forma estranha. Ashley atribuiu isso a uma interpretação
errada do que vira. Mas Jake entrou jovialmente e disse:
— Ah, vejo que estão prontos.
— Sim — assentiu Mark. — Onde está a Bárbara?
— Ficou no carro. Não queria atrapalhar. — Ashley percebeu, pelo tom
que empregara, pouco natural, que Bárbara se tinha recusado a entrar. —
Vamos?
Mona e Karen vieram até à porta para os verem partir. David, ocupado no
serviço do bar, acenou-lhes de longe. Estacionado, estava um Jaguar creme e
Bárbara, confortavelmente instalada no banco da frente, cumprimentou os
Sutton com um sorriso, sem se dar ao trabalho de baixar a janela do carro para
lhes dirigir qualquer palavra.
Mark ajudou Ashley a entrar para a parte de trás e instalou-se ao lado
dela, sorrindo. Ashley retribuiu o sorriso. Sentia-se muito agitada com a
proximidade de Jake, elegante e terrivelmente atraente com uma camisa e
fato escuros.
Claro que Bárbara os cumprimentou, mas de uma forma breve e seca.
Coube a Jake fazê-los tomar parte na conversa. Falou a maior parte do tempo

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A pedra da feiticeira (Witchstone) Anne Mather
Julia no. 4
com Mark sobre os acontecimentos do dia em Hislop. Finalmente chegaram ao
seu destino, um grande hotel a alguns quilómetros de Bewford.
Era o tipo de lugar que nem ela nem Mark frequentavam normalmente.
Parecia do agrado de Bárbara, que, aliás, devia ser cliente assídua. O respeito e
cerimónia exagerados com que Jake e Bárbara foram recebidos embaraçou um
pouco Ashley. Só se sentiu aliviada quando se dirigiram para o bar.
De imediato, um grupo de pessoas que estava ao pé da lareira, no centro
do salão, chamou Bárbara.
— São o Barry e a Chris. Anda, querido. Há tanto tempo que não os
vemos!
— Mais tarde, Bárbara. — Jake falava em voz baixa. Os lábios dela
torceram-se de irritação.
— Por favor, Jake — insistiu. — São nossos amigos, não os podes ignorar.
— Não tenho intenção de os ignorar — retrucou Jake calmamente. Em
seguida, voltou-se para Ashley e Mark. — O que querem beber?
Pelos vistos, as coisas iam ser piores do que Ashley previra. Bárbara não
estava nada contente com a presença deles e ia fazer tudo para o demonstrar,
como se eles ainda não o tivessem percebido.
Mark examinou as garrafas.
— Não sei. O que queres, Ashley?
— Sumo de tomate. Jake olhou para ela.
— Sumo de tomate?
— Exactamente.
Ashley recusava-se a olhá-lo directamente e Jake, irritado, perguntou a
Bárbara.. — O costume, Bárbara?
— Pode ser — concordou, com uma expressão amuada.
Jake encomendou as bebidas, incluindo um bacardi com coca-cola para
Mark, e convidou-os a sentarem-se.
Para chegarem à mesa, tinham de passar pelo grupo reunido no centro da
sala, e Ashley e Mark afastaram-se um pouco enquanto eles cumprimentavam
Jake e Bárbara.
”Estes meninos ricos são todos iguais”, pensou Ashley, um pouco
amargurada. Nem deviam saber que havia outras maneiras de viver! Era tão
grande a diferença! A forma de vestir, a forma como todos se conheciam e até
a maneira de falar... E Bárbara, no seu vestido justo de crepe azul-claro,
pertencia a este meio. Ali, parada no meio deles, falando do seu casamento,
sentia-se completamente à vontade. Mas Jake parecia aborrecido. com as mãos
enfiadas nos bolsos, respondia por monossílabos quando alguém do grupo

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tentava introduzi-lo na conversa. Ashley sentiu pena dele, o que, aliás, era um
disparate, dadas as circunstâncias. E quando inesperadamente, ele se voltou e a
encarou, sentiu uma repentina fraqueza nas pernas. Nunca a olhara assim...
talvez Karen tivesse razão, afinal de contas. Respirou fundo, desviou o olhar e
virou-se para Mark:
— Vamo-nos sentar? O Jake e a Bárbara vêm ter connosco depois.
— Está bem. — Mark fez um sinal a Jake e seguiu Ashley em direcção a
uma mesa, ao canto da sala.
— Tinhas razão. É bem mais confortável do que ficar ali de pé. Ashley
sorriu, esforçando-se por não olhar para Jake e Bárbara, mas, pelo canto do
olho, percebeu que Jake dizia qualquer coisa a Bárbara e pouco depois vieram
juntar-se-lhes.
Felizmente os homens tinham de que falar, porque Bárbara, amuada por
ter deixado os amigos, praticamente não abria a boca. A sua atenção ia toda
para o grupo, a quem acenava. Ashley tomou dois sumos de tomate. Recusou um
terceiro e sentiu-se francamente aliviada quando Jake sugeriu que passassem à
zona de restaurante.
Ficou contente quando, ao entrar no salão enorme, reparou num conjunto
que tocava a um canto. Havia também uma pista de dança e um palco armado
indicava que mais tarde se realizaria provavelmente um espectáculo. A mesa
que Jake reservara ficava junto ao palco e Mark, entusiasmado, esfregou as
mãos.
— Que maravilha! — exclamou olhando à sua volta. — Eu nem sabia que
este lugar existia.
Jake, que examinava a carta dos vinhos atentamente, comentou,
distraído:
— Abriu há pouco tempo. Bem, vamos beber champanhe. Já sabe qual é
que eu gosto — acrescentou, dirigindo-se ao empregado.
— Sim, senhor. — O empregado inclinou-se respeitosamente e foi tratar
do pedido. Jake reclinou-se na cadeira. — Bem, e agora? O que querem comer?
A ementa era enorme, em francês, e Ashley alegrou-se por saber um
pouco da língua. Havia tanta variedade de pratos! Muitos ela só conhecia de
ouvir falar. Era difícil decidir e para Mark mais ainda, pois não percebia nada
de francês e perguntava a Ashley o significado dos vários itens que lhe
despertavam interesse.
Bárbara, muito à vontade, conversava com o empregado, discutindo
detalhes sobre o que gostava ou não na comida. Ashley supôs que era a sua
forma de demonstrar que não se deixava intimidar pelo ambiente.

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Finalmente, Ashley decidiu-se por lagosta. Mark, aliviado, pediu o mesmo.
Jake, observando a intimidade que parecia haver entre os dois primos, tinha
uma expressão estranha no rosto. Encolhendo os ombros, pediu escalopes.
Durante o jantar, as pausas embaraçosas que surgiam na conversa, na
sua maioria provocadas por Bárbara, que se punha a falar baixo com Jake, eram
disfarçadas pela música agradável que o conjunto tocava. À medida que
acabavam de comer, as pessoas dirigiam-se à pista para dançar. Ashley sentia-
se excitada com tudo aquilo. Nunca tinha estado num lugar como aquele. Mesmo
o clube de campo onde fora com Jake não se podia comparar com aquilo. Nunca
bebera champanhe, e apesar de apenas a deixarem beber uma taça, era o
suficiente para a ajudar a criar uma ilusão de bem-estar e contentamento. com
o queixo apoiado nas mãos, observava os pares que rodopiavam na pista, sem
perceber que uma certa melancolia lhe toldava a expressão. Bárbara notou:
— Calculo que isto seja uma novidade para vocês. E francamente tenho
mais mil lugares que prefiro a este. Bewford não é um sítio muito fascinante.
Divertido a valer, só Londres.
Ashley voltou-se para ela.
— Eu vivi em Londres e nunca achei que fosse especialmente fascinante.
É simplesmente grande e impessoal.
A expressão no rosto de Bárbara era desdenhosa.
— Ora, minha querida, não acha que é ainda muito nova para julgar? —
falava num tom de voz que deixava transparecer o seu enorme tédio.
— Acho que depende do que se entende por fascinante — disse Jake,
oferecendo um cigarro a Mark.
— Tu não podes achar Bewford um lugar fascinante — retrucou Bárbara.
— Se assim fosse, não passavas tanto tempo fora.
Jake recostou-se no espaldar da cadeira.
— Os lugares são feitos pelas pessoas.
Foi muito explícito e Ashley viu o rosto de Bárbara ficar muito corado.
Percebendo que a conversa podia azedar, Mark pousou o cigarro, que
ainda não acendera, e, levantando-se, disse à prima:
— Anda, Ashley. Não sou grande dançarino mas há tanta gente na pista
que não ficamos com muito espaço para demonstrações de talento.
— Achas que podemos? — Ashley estava surpreendida.
— Porque não? — Levou Ashley atrás de si para a pista. Quando
começaram a dançar, Mark disse-lhe baixinho:
— Para dizer a verdade, pareceu-me que aqueles dois estavam quase a
começar à estalada, e não me apeteceu assistir.

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Ashley olhava para as unhas pálidas, que contrastavam com a cor escura
do fato do primo.
— Acho que a Bárbara se aborreceu por não ter ficado com os amigos —
disse.
— Se calhar é isso. — Mark pisou-a e pediu desculpa com um sorriso. —
Mas o Jake sabe lidar com ela. Aliás, é o único que pode.
— Pois é! — Ashley tentou falar num tom de indiferença, mas não
conseguiu, e Mark afastou-a um pouco, olhando-a preocupado.
— Estás a ficar aborrecida? — ela negou com a cabeça. Mark continuou:
— Aquilo não é nada. Estão sempre à bulha. Não vale a pena levá-los a sério.
Eles gostam mesmo um do outro.
Devia alegrar-se, mas em vez disso ficou deprimida. Toda a excitação
que sentira se dissipara.
Quando voltaram à mesa, Ashley percebeu que Mark tinha razão.
Bárbara, debruçada sobre Jake, dizia-lhe segredos ao ouvido. Pelo seu ar
parecia que não haviam travado qualquer discussão.
Alguns minutos mais tarde, anunciaram o espectáculo e, em silêncio,
Ashley assistiu. Primeiro foi um cantor e depois um cómico muito conhecido da
televisão. As pessoas pareciam gostar muito e até Bárbara se riu de alguns
comentários maliciosos que o cómico fez. Quando o espectáculo acabou, a pista
encheu-se novamente. Ashley, olhando à volta, suspirou. Desejava que alguém
sugerisse que se fossem embora. Para ela já chegava. Virou-se para Jake e
surpreendeu os olhos deste pousados firmemente nela. Rapidamente desviou o
olhar. O choque foi ainda maior quando ele lhe agarrou na mão e a puxou com
força pelo pulso.
— Vem dançar comigo — pediu, numa voz sombria. Bárbara, apesar de
espantada com a atitude de Jake, tão inesperada, não disse nada. Quando se
levantou, Ashley olhou para Mark como que pedindo que a salvasse, mas este,
tão atónito como Bárbara, apenas abanou a cabeça, confundido.
Jake estava a seu lado, olhando-a com aqueles olhos cinzentos que ela já
conhecia tão bem. Tinha a impressão de que toda a gente na sala olhava para
ela e quando Jake lhe agarrou o braço bruscamente, obrigando-a a levantar-se,
não pôde fazer mais nada senão segui-lo. A pista estava repleta. Jake enlaçou-a
e, quando as mãos dela tocaram o tecido macio do seu fato, Ashley percebeu
que teria de fazer um grande esforço para não perder a cabeça.
— Porque fizeste isto? — perguntou, tentando parecer calma. A Bárbara
está furiosa.
Por momentos, Jake não disse nada. Conduzia-a para o centro da pista.

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As suas mãos desceram timidamente ao longo das costas de Ashley e
agarraram-na um pouco abaixo da cintura. Ele mantinha-a muito perto de si, o
que obrigava a rapariga a tomar consciência da sua presença perturbante.
Ao fim de alguns segundos, Jake inclinou a cabeça e encostou-a à de
Ashley. Depois, disse em voz baixa:
— Tinha de ser. Se não ficasse a sós contigo, acho que enlouquecia. Isto
responde à tua pergunta?

CAPÍTULO VI

Ashley não conseguia olhar para Jake, não acreditava no que tinha
ouvido. Sentia-se tremer dos pés à cabeça.
— Estás com frio?
— Frio? — Tentou esboçar um sorriso mas não conseguiu. Não, não estou
com frio.
Como podia ter frio se sentia o calor do corpo dele contra o seu?
— Assustei-te. Desculpa — disse Jake.
Ashley olhou-o e susteve a respiração. Podia estar enganada mas tinha
de lhe dizer:
— — Não — declarou, ao mesmo tempo que colocava a mão espalmada de
encontro ao ombro dele. — Não estou assustada. Porque havia de estar?
— Sabes perfeitamente porquê — respondeu ele e Ashley sentiu-se
corar. — Aqui não podemos falar e eu tenho tanta coisa para te dizer...
Ela voltou a si e declarou:
— Não me parece que seja boa ideia. Sinto-me... Sinto-me lisonjeada,
claro...
— Lisonjeada? — A voz dele assumira um tom sombrio, quase zangado. —
Não sejas infantil e tola.
— Mas afinal é isso que eu sou, não é? — perguntou, ao mesmo tempo que
o empurrava para longe de si. — Se não fosses quem és nem sequer te atrevias
a dizeres-me essas coisas.
Sem mais, virou-lhe costas e saiu da pista de dança. Quando chegou à
mesa, percebeu que ele a tinha seguido sem a tentar agarrar. Foi sentar-se ao
lado de Mark, sentindo-se sufocar.
Mas Jake não se sentou e, sem se dirigir a ninguém em particular, disse
numa voz cheia de tédio:
— Acho que são horas de irmos andando. Vamos? — acrescentou, virado

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para Bárbara.
— Òh, com certeza! — A resposta chegou em ar animadíssimo. Bárbara
levantou-se e deitou a Ashley um olhar malicioso..
— Não gostaste da tua dança, meu querido! E eu a pensar que te ia
agradar! A Ashley ficou tão feliz quando a convidaste! Aliás, eu disse logo que
ela ia ficar...
Por sorte, a única pessoa que estava a pé quando chegaram a casa era o
tio, que se limitou a perguntar se tinha corrido bem a noite, sem entrar em
maiores indagações. Quanto a Mark, parecia concordar com Bárbara: Jake só a
tinha convidado para dançar por mera cortesia. E, pensando bem, que outra
explicação poderia haver? Mas, quando já estava deitada, muito quieta para não
acordar a prima, as coisas não lhe pareceram tão lógicas. Sentiu apoderar-se
de si uma ansiedade doentia, uma enorme confusão que lhe tirava o sono.
Quando, ao fim de muito tempo, conseguiu dormir, tinha a almofada molhada de
tanto chorar de frustração.
Nos dias seguintes, tentou agir com naturalidade. Ainda bem que Karen
andava agora muito ocupada com um hipotético futuro namorado — Jeffrey
Saunders — e não dava sinal de se aperceber de nada.
Na quarta-feira, Ashley foi à entrevista na biblioteca. Apesar de se
sentir ainda muito deprimida, conseguiu responder de forma inteligente às
perguntas que lhe foram feitas. Isto, aliado ao seu gosto genuíno por
literatura, acabou por convencer os entrevistadores de que era ela a pessoa
ideal para o lugar. O chefe da biblioteca, o senhor Holf, deu-lhe os parabéns e
comunicou-lhe que era com o maior prazer que ia começar a trabalhar com ela
já a seguir à Páscoa.
Saiu da biblioteca sentindo-se muito melhor do que quando entrou, mas
estacou imediatamente ao reparar no carro verde, parado no meio da rua, com
o motor a trabalhar. Respirou fundo e começou a andar em passos rápidos pelo
passeio. O Ferrari começou também a andar e a porta abriu-se.
— Ashley! — O carro parou; Jake saiu e ficou a olhar para ela. Como
correu a entrevista? Conseguiste o emprego?
Ashley enfiou as mãos nos bolsos do casaco.
— No caso de estares realmente interessado, consegui, sim.
— Que bom! — Ele parecia sincero.
— Que bom porquê?
— Porque isso quer dizer que vais ficar em Bewford.
— Posso não gostar do trabalho — alvitrou, remirando a biqueira das
botas.

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Jake aproximou-se dela e disse em voz muito baixa:
— Entra no carro. Não me obrigues a pedir de joelhos.
— Eras capaz de fazer uma coisa dessas? — Ashley tinha a cara a arder.
— Era, se fosse preciso.
— Oh, Jake! vai-te embora!
Ela recomeçou a andar mas ele agarrou-a por um braço. Tinha a voz
rouca.
— Ashley, eu tenho de falar contigo. Qual é o mal? Já falámos antes.
Ashley tentava libertar-se mas ele não a largava. Protestou em voz
baixa:
— Estamos a dar nas vistas! Solta-me, se fazes favor!
— Estou-me nas tintas para os outros, Ashley. Tenho de falar contigo.
Vamos dar uma volta.
— Ensinaram-me a não andar por aí às voltas com estranhos.
— Mas eu não sou um estranho, por isso... Era o que faltava! Foste
comigo a Raybury não foste?
— Foi diferente. Aquilo... foi antes.
— Antes de eu me armar em parvo? Podes dizer à vontade. Não me
importo nada.
Os olhos dele estavam colados a ela friamente e Ashley hesitou.
— O que tens para me dizer?
— Entra no carro que eu conto-te.
— Não podemos ir a pé?
— Não.
A relutância dela fraquejava e ele percebeu. com mão firme abriu a
porta e indicou-lhe que entrasse. Depois, entrou também, sentou-se e pôs o
carro em andamento, sem dizer palavra.
Era Abril e fazia frio, apesar de haver sol. Jake meteu-se por uma
estrada secundária e atravessou a ponte sobre o rio que passava nos arredores
da cidade. Durante muito tempo não disseram nada, enquanto o carro subia uma
encosta íngreme e atravessava pastagens e clareiras. Ashley não fazia a menor
ideia para onde Jake a levava.
Quando chegaram ao cimo da encosta, viu uma rocha enorme e foi aí que
Jake parou o Ferrari. Perguntou em ar de desafio:
— Então? Não tens nada para me dizer?
— Se bem percebi, quem queria falar comigo eras tu.
— Ah, sim?
Ele concentrou-se nos botões da jaqueta, que desabotoava, e Ashley

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desviou o olhar para aquelas mãos bronzeadas, de dedos longos. Pareceram-lhe
poderosas, capazes de magoar alguém sem grande esforço. Por baixo da
jaqueta, ele trazia uma camisa de seda creme e Ashley pôs-se a pensar como
aquela roupa lhe ficava tão bem. O tecido fino da camisa colava-se-lhe à pele.
Horrorizada, deu por si a imaginar se ele teria pêlos no peito ou não. Era a
primeira vez que o físico de um homem lhe dava que pensar, pois tinha sempre
achado esse assunto uma mera frivolidade.
Ele mexeu-se no assento e ela sentiu uma perna contra a sua, o calor do
corpo dele que atravessava a camisa de seda e lhe chegava suavemente.
Começava a sentir dificuldade em respirar com normalidade e a sensação de
sufoco que tinha sentido na noite do restaurante voltou-lhe ainda com mais
força. Em desespero, perguntava-se porque fazia ele aquilo. Era possível que
não compreendesse que aquela proximidade a intimidava e fazia vibrar cada
fibra do seu ser?
— Não tens calor com esse casaco tão grosso? — perguntou ele mesmo
em cima da sua orelha, o que quase lhe provocou um desmaio.
— O quê? Oh! Não, nem por isso! — gaguejou, furiosa por reagir de
forma tão despropositada.
— Acho que sim. Tira-o — insistiu ele.
Como única resposta, ela limitou-se a aconchegar a gola ainda mais à
volta do pescoço. Jake encolheu os ombros e encostou-se à porta do carro.
Ashley observou-o, na sensação de que teria preferido que ele não se
afastasse tanto. Ele olhava para o anel que trazia no dedo com um ar tão
melancólico que ela se comoveu. Deu-lhe uma vontade irreprimível de lhe
agradar e resolveu tirar o casaco, que atirou para o banco de trás.
Deixou-se ficar quieta enquanto ele a observava. A saia lilás estava um
bocado levantada acima dos joelhos e ela puxou-a para baixo, ao mesmo tempo
que endireitava a camisola na cintura. Sentia uma enorme vontade de lhe tocar,
de se aproximar dele, e isso enchia-a de medo. O grito de um pássaro que
sobrevoava a colina assustou-a e ela respirou fundo, a tentar acalmar-se. Mas o
que era aquilo? Seria que as raparigas do colégio passavam o tempo a falar aos
cochichos? Então ela era igual às outras! Talvez fosse até pior, pois Jake,
afinal, estava noivo de outra mulher!
— O que... O que é esta pedra? — perguntou, gaguejando, olhando para
aquele pedregulho enorme ao lado deles e tentando não fazer caso da tensão
que sentia apoderar-se dela.
Jake aproximou-se e passou o braço nas costas do assento dela.
— Chamam-lhe a Pedra da Feiticeira. É um dos poucos vestígios da Idade

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do Gelo. Esta gente aqui é supersticiosa e atribui-lhe poderes sobrenaturais,
mas ninguém sabe exactamente porque se chama assim.
— É fascinante, não é? Eu... Eu li qualquer coisa sobre fenómenos assim.
Lembro-me de uma vez ter visto uma rocha parecida com esta, mas era muito
mais pequena. Acho que devia ser um meteorito ou uma estrela cadente...
Ele agarrou-lhe a nuca com a mão.
— Deixa-te estar quieta. Não te trouxe aqui para falar sobre estrelas
cadentes. Queria dizer-te que aquilo do outro dia no restaurante é verdade..
Ela abriu a boca, incrédula. Inclinou a cabeça de modo a tapar a cara com
os cabelos e afirmou:
— Acho que isto está a ir longe de mais, senhor Seton. Os dedos dele
enrolavam-lhe os cabelos para trás da orelha e, depois, ergueu-lhe o queixo
para a obrigar a encará-lo. Falava com firmeza.
— Estás enganada. Ainda não fui suficientemente longe. Assustada, ela
agitou-se no banco.
— Acho que já são horas de me levar a casa, senhor Seton.
— Sabes muito bem o meu nome: chamo-me Jake.
— Por favor... Ignoro qual é a tua opinião sobre as raparigas de Bewford,
mas sei que a tua família não ia aprovar esta relação... Quer dizer... Sejam
quais forem as tuas intenções eu não estou interessada! — tinha a boca seca.
— Mas de que diabo estás para aí a falar?
— Sabes muito bem do que é. Eu, eu... Bem, é possível que as outras
raparigas que conheceste antes achassem o máximo ter uma oportunidade de
sair contigo... Para depois se irem gabar às amigas! Oh!...
Ela deu um grito quando, a meio da frase, ele lhe apertou a nuca com os
dedos. Nunca tinha visto ninguém tão alterado e ficou em pânico ao pensar que
estavam ali completamente isolados. Ele perguntou-lhe, agressivo:
— Achas que eu passo a vida a fazer isto, é? Achas que me dou ares de
senhor feudal e ando para aí a possuir donzelas antes de os maridos terem
direito a elas, é isso?
— Não foi isso que eu disse — respondeu Ashley já muito atrapalhada.
— Mas foi isso que quiseste dizer, não foi? Falas nas raparigas que eu
”conheci”. O que sabes disso? Ingénua como és?
— Sei muito bem! Pára de me falar assim — ripostou Ashley com as mãos
nas orelhas.
— Porquê? Não é exactamente este o tom que esperas de mim, Ashley?
— Não! Sim! Oh, não sei! Leva-me para casa, se faz favor. Não sei o que
podes querer de mim, mas, seja o que for, não vale a pena. Eu, eu não tenho

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grande experiência no que diz respeito a homens acrescentou por fim.
— Sei isso muito bem. Não sou completamente insensível, sabias?
— Então porque me trouxeste aqui?
— Bem, não foi certamente pelas sórdidas razões que te perturbam o
espírito. Ainda que isto possa soar ligeiramente doutro tempo, não tenho por
hábito seduzir colegiais dentro de automóveis. E, por mais bizantino que te
possa parecer, não seduzo colegiais de maneira nenhuma. E podes ainda ficar a
saber que, quando tenho necessidades sexuais, normalmente e por regra as
satisfaço numa cama.
— Oh, por favor!
— O que foi? Estás escandalizada? Não percebo porquê! Tu realmente
tens fraca opinião de mim. Gostava de saber o que terei eu feito para merecer
tamanha desconfiança.
Ashley meneou a cabeça.
— Bem e... a Bárbara? Isso não podes negar.
— E não nego.
— E não achas que ela te merece fidelidade?
— Talvez.
— Bem, e agora?
— E agora o quê? E eu não sou um ser humano? Será que não me são
admitidas falhas? Pelo menos uma? — Ele encarava-a friamente. — O que
queres dizer com isso?
— O que achas que eu quero dizer com isto, criança medrosa? O que
queres que diga mais? Que exponha aqui os meus sentimentos mais íntimos? É
desse género de experiência que andas à procura? Os olhos dele continuavam
frios, mas agora estavam também muito zangados.
— Não te compreendo. Acho que estás a fazer de propósito para me
baralhar.
— Não! Estou é a fazer de propósito para me destruir aos teus olhos!
Ele falava como se se desprezasse por dizer aquelas coisas. Ashley ficou
sem resposta — e sem acção. Ele tinha-a posto a ela no papel de agressora, de
tal forma que já sentia pena dele. E sentia também outra coisa que não se
atrevia a nomear nem para si própria.
— Jake, desculpa se te ofendi — afirmou constrangida.
— Ofender-me?! Porque achas que me podes ter ofendido?! Ele olhava-a
com desdém.
— Pára de me fazer sentir culpada por não sei o quê! Tu estás noivo da
Bárbara e não o podes negar. E, sendo assim, porque... Bem, porque estás

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assim?
— E como querias que estivesse? — as pestanas, muito compridas
lançavam-lhe uma sombra nos olhos.
— Ah... Como naquele dia que fomos a Raybury. Conseguíamos conversar
normalmente.
— E agora não conseguimos. Não é?
— E.
— E, em tua opinião, porque acontece isso?
— Porque... porque tu mudaste tudo.
— Mudei tudo?
— Eu é que não mudei nada.
— Não mudaste? Estás a querer dizer que, se eu retirar o que disse na
outra noite, volta tudo ao que era dantes? — a boca dele curvava-se de uma
forma sensual.
— Não sei... Acho que me lembrarei para sempre daquilo que foi dito e...
— E daí? Se não significa nada para ti, porque hás-de continuar a pensar
no assunto?
Ela desviou os olhos. O raciocínio de Jake não tinha a menor lógica. Como
era possível esquecer o que ele tinha dito? Como podia ignorar o que havia
entre os dois? E a verdade, isso era o pior, é que ela não tinha a menor vontade
de ignorar fosse o que fosse.
Não viu mas sentiu o movimento brusco dele e, a seguir, uma corrente de
ar frio entrou pelo carro. Virou-se e viu que ele saíra e estava parado lá fora, a
olhar para as planícies à distância, com as mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta.
Engoliu em seco. Estava acabado. Só tinha de esperar que ele voltasse a entrar.
Iam voltar para Bewford e nunca mais o veria. Tinha tanta certeza disso como
se ele lho tivesse dito alto e bom som. E essa certeza causava-lhe náuseas...
Não podia deixar as coisas acabarem assim. Apesar da sua inexperiência,
sabia que o sentimento que nutria por ele tinha de ser mais do que uma simples
atracção física. Se alguém soubesse pensaria que ela estava doida varrida.
Jake tinha mais doze anos do que ela e devia viver aquilo como uma última
escapadela antes de dar o nó definitivamente.
Estes pensamentos provocavam-lhe uma sensação de asfixia e ficou com
um calor insuportável. Não aguentava o ar saturado de dentro do carro. Tinha
de sair daquele sufoco.
Abriu a porta e saiu sem ver que Jake se virava para a olhar, de testa
franzida. Caminhou em direcção oposta a ele e saiu da estrada, passando no
meio dos arbustos sem ligar aos arranhões que estava a fazer nas pernas e às

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marcas que lhe ficavam nas botas. Respirou fundo várias vezes seguidas e
sentiu como o desespero se apoderava dela. Na linha do horizonte já se
adivinhava o crepúsculo, o vento assobiava ameaçador em torno da Pedra da
Feiticeira.
Um barulho no meio do mato, a pouca distância dela, assustou-a, mas era
apenas um par de galinhas-do-mato perturbadas pela sua presença. O bosque
estava cheio de animais: faisões e outras aves selvagens, lebres e raposas.
Aquilo era um santuário da vida animal, só profanado na época da caça. Cruzou
os braços, consciente de que tinha de voltar para o carro, mas tentando adiar o
mais possível esse momento.
Estava tão absorta nos seus pensamentos que, quando outra ave saltou
do meio do mato, mesmo à sua frente, perdeu o equilíbrio e, dando um passo
para trás, ficou com o salto da bota preso num buraco. Sentiu uma dor
lancinante quando o tornozelo se torceu e caiu de joelhos com um gemido. Os
arbustos feriram-lhe as pernas e, ao tentar levantar-se, arranhou as mãos.
Isto era a ultima gota, mas Ashley esforçou-se por conter as lágrimas e
pôs-se de pé antes que Jake chegasse junto dela. Ele avançava devagar, com as
botas de camurça a calcarem os galhos e as raízes. Parou à sua frente, com uma
expressão levemente preocupada.
— Estás bem? — perguntou e ela fez um aceno de cabeça. Quis
endireitar-se e pousar no chão o pé torcido, mas sentiu uma dor terrível que a
fez recuar.
— Torci o tornozelo.
Jake examinava-a com ar crítico.
— Santo Deus! Estás com um aspecto deplorável! — declarou em tom de
escárnio.
Ela reteve a respiração, indignada.
— Tu também estarias, se tivesses caído num buraco! Oh, mas que
simpatia a tua! Nem consigo acreditar! ”Estás com um aspecto deplorável!” Não
te ocorreu perguntar se me dói o tornozelo ou se consigo ir até ao carro?!
Nada de útil ou amável, pois não? A única coisa que és capaz de fazer é
humilhar-me!
A voz dela foi entrecortada por um soluço e virou-se para o carro a
coxear, a fim de não o deixar ver-lhe as lágrimas. Jake seguiu-a, de mãos nos
bolsos e ar pensativo. Quando chegou finalmente ao Ferrari, Ashley sentia
imensas dores e apoiou-se no guarda-lamas, lamentando amargamente não ter
sido mais sensata e ter antes ficado dentro do carro.
Como a vida era diferente dos livros, pensou deprimida. Se aquilo fosse

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um romance, Jake tê-la-ia levado ao colo, ao mesmo tempo que a informava
carinhosamente do quanto precisava dela para viver esta vida. Mas não, em vez
disso ele demonstrara nitidamente que se estava nas tintas para ela.
Numa gentileza afectada, abriu-lhe a porta do carro e indicou-lhe que
entrasse. A vontade de Ashley era recusar, tirar o casaco de dentro do carro e
decretar que sabia muito bem regressar pelo seu pé, mas, mesmo que não se
tivesse magoado e a dor não fosse tão grande, isso era impossível. Estavam
muito longe de Bewford e aquele lugar à noite não devia ser dos mais
apropriados para fazer uma caminhada solitária.
Ashley endireitou o corpo e estremeceu. Pela primeira vez, ele reparou
na sua extrema palidez e nas gotas de suor que se lhe colavam à testa. Baixou
os olhos para o seu tornozelo e, subitamente, a expressão alterou-se-lhe, como
se se tivesse apercebido da gravidade do seu ferimento.
— Dói assim tanto?
— Não, não dói! O que te deu essa ideia? — respondeu ela com os punhos
cerrados.
Ele ignorou a ironia e abaixou-se para observar o tornozelo. Depois,
levantou-se, muito sério.
— Desculpa. Pensei que estivesses só a querer chamar as atenções.
Ela olhou para ele ressentida:
— Isso significa que estás arrependido?
— Pensa o que quiseres.
Ela ficou a olhar para ele, frustrada, sem o entender. Era o mesmo
homem que tinha conhecido, mas, a julgar pela reacção às suas palavras, bem
podia ser um estranho. Estava a ponto de gritar de desespero. Foi então que o
seu apelo mudo pareceu cortar a barreira de gelo que se tinha erguido entre
eles, e os olhos de Jake deixaram perpassar uma certa comoção. Correu
imediatamente para junto dela e ordenou num tom que não admitia réplica:
— Entra no carro, Ashley.
Mas ela não podia admitir que as coisas ficassem assim.
— Por favor, Jake! Não sejas assim. Não... Não aguento mais esta...
Os músculos dele retesaram-se e retrucou:
— Tu não aguentas mais? E eu aguento, não é?
— O que queres de mim, Jake?
— Não me obrigues a fazer-te uma demonstração, minha espécie de
coelhinho assustado. Deve ser por seres um coelhinho assustado que torceste o
tornozelo numa toca de coelho.
Ashley quase que se engasgou:

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— Como podes ser tão cruel? — exclamou, ao mesmo tempo que lhe
virava costas.
com um movimento rápido, ele pôs-se atrás dela. Sentiu-se envolver pelo
calor do seu corpo, pelo perfume que se desprendia daquele corpo másculo, e,
sem mais forças para se dominar, cedeu ao desejo que a dominara durante toda
a tarde e encostou-se a ele.
Por um momento, ele ficou completamente imóvel e tudo o que Ashley
sentia era o palpitar acelerado do coração dele contra o ombro. Então, Jake
agarrou-a pela cintura e puxou-a contra si numa ânsia crescente de paixão.
Percebeu que ele estremecia ligeiramente e lhe acariciava suavemente a nuca
com a boca enquanto dizia, com a voz rouca de emoção:
— Desculpa, Ashley! Desculpa!
— Não te desculpes — ela respirava com dificuldade — Mas, por favor,
beija-me depressa.
Ele virou-lhe a cara para a encarar com as feições alteradas. Mas foi ela
quem tremeu quando finalmente as suas bocas se uniram.
— Tem calma, tem calma. Não me resistas — disse ele, ao mesmo tempo
que esmagava a sua boca.
Nunca antes tinha sido beijada com paixão. Nos poucos beijos trocados
com os colegas da escola, sentira um certo nojo e, instintivamente, fechava os
lábios e cerrava os dentes com toda a força. Mas, agora, os lábios dele
convenciam os seus a abrirem-se e ela esqueceu a dor, esqueceu tudo e todos,
para se deixar afogar numa onda de puro prazer físico. Os seus corpos
colavam-se. Sentia os seus músculos firmes, o peito dele a esmagar-lhe os
seios, as pernas que queimavam as suas. Ele tinha uma boca máscula e decidida.
Aos poucos, um sentimento de abandono tomou conta dela, silenciando-lhe a
consciência. Dava-lhe um prazer imenso abraçá-lo por baixo da jaqueta, sentir-
lhe o calor da pele sob a camisa de seda muito fina, exultante por ver que o
excitava tanto.
Por fim, Jake afastou-se relutante e passou-lhe a mão pelos cabelos.
A boca dele formava uma curva tensa, enquanto a olhava. Ashley, que
esperava encontrar-lhe nos olhos um puro desdém, surpreendeu-se com a
ternura perturbadora, a doçura quase extrema que se desprendia dele.
— Acho que temos de ir embora. — Ele falava baixinho e tentava
mostrar um ar natural. — Não te posso levar a casa nesse estado. Vamos a casa
de um amigo meu para te poderes arranjar antes de eu te devolver à tua tia.
Está bem?
Ashley franziu a testa, mas ele já a empurrava para dentro do carro e

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não teve outro remédio senão entrar. O tornozelo agora doía-lhe menos, mas,
depois de regressar ao seu juízo perfeito, sentia um outro tipo de dor,
bastante mais sofisticada, bastante mais abstracta. A situação mantinha-se. O
facto de a ter beijado, de ter mostrado que não era muito senhor de si, não
invalidava o ser comprometido com outra mulher. Qualquer tipo de relação que
viesse a ter com ela, seria sempre temporária e clandestina.
Estaria preparada para aceitar uma situação dessas? Estaria disponível
para o aceitar só porque sentia por ele algo que até ali lhe era desconhecido?
Estaria na disposição de viver à margem da vida dele, sempre na sombra, a ser,
enfim, ”a outra”?
Cravou as unhas nas palmas da mão. Era mesmo parva. Estava a deixar-se
cegar pela atracção física que sentia por ele. Ele tinha-a abraçado e beijado
sem nenhuma espécie de consideração pela noiva. Não teria consciência disso?
Não se importaria que os vissem juntos e tirassem as devidas conclusões? Jake
acomodou-se no assento para ligar o motor e ela voltou-se para ele, relutante, a
morder os lábios para não tremerem:
— Jake...
— Sin? — ele encarou-a com os olhos cheios de ternura.
— Acho que... Bem, talvez seja melhor levares-me directamente a casa.
— Porquê?
— Podem ver-nos juntos. Pode ser aborrecido.
— Para quem? — a voz tinha ficado mais dura.
— Oh, para ti, evidentemente! Que importância podia isso ter para mim?
A expressão dele suavizou-se ligeiramente. Puxou-a para perto de si e
murmurou-lhe junto aos cabelos:
— Não me faças demonstrar-te que és completamente tolinha. Não
estou capaz de me comportar como um cavalheiro. Não vês que não me faz
diferença alguma que nos vejam juntos? Aliás, quero que nos vejam juntos, que
falem de nós. Talvez assim fiquem menos escandalizados quando souberem as
novidades que em breve serão do conhecimento público.
— Novidades? Que novidades?
— O rompimento do meu noivado, pois que novidades haviam de ser?
Afastou-a devagarinho, pôs o carro a trabalhar e dirigiu-o para a
estrada, enquanto, Ashley permanecia muda, incapaz de dizer uma palavra.

CAPÍTULO VII

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Antes de chegarem aos arredores de Bewford, Jake deixou a estrada
principal e meteu por um atalho. Ao fim de percorrerem este caminho por
algum tempo, chegaram a um portão que tinha uma tabuleta a dizer:
”Propriedade Privada.” Ele saiu do carro para abrir o portão, sem desligar o
motor, e voltou a descer, depois de entrarem, para o fechar. Ashley não fazia a
mínima ideia para onde estava a ser levada nem quem seria este amigo, mas,
depois das palavras dele antes de saírem da Pedra da Feiticeira, sentia-se
incapaz de abrir a boca para dizer fosse o que fosse. Muito direita no seu
lugar, pensava se aquilo tudo não seria apenas uma piada de mau gosto da parte
dele.
Apesar de ainda não conhecer muito bem a zona circundante de
Bewford, teve um vago pressentimento de que se encontrava na propriedade
dos Seton. Achou que havia qualquer coisa na paisagem que lhe era familiar. No
fim de contas, já lá tinha estado com Mark. Começou a ficar enervada. Estaria
ele com ideias de a levar ao solar naqueles trajes?
Para grande alívio seu, viu que Jake se dirigia para um chalé branco, meio
escondido atrás de uns ulmeiros. Um cão de pêlo castanho-dourado estava
estendido a dormir à frente da casa. Quando o carro parou, levantou-se e veio
ao pé deles. Depois de lançar a Ashley uma olhadela rápida, Jake saiu do carro
e pôs-se a fazer festas ao bicho.
— Olá, Bess. Onde está o Joe? — perguntou a rir, enquanto o cão
tentava dar-lhe lambidelas na cara.
Ashley hesitou antes de sair do Ferrari e estremeceu ligeiramente ao
pousar o pé magoado no chão. Estava num desalinho completo e, envergonhada,
tirou o casaco de dentro do carro.
Um homem vinha ao encontro deles. Era muito alto, de cabelos brancos e
pele enrugada, e aparentava uns setenta anos. Sorriu alegremente ao
reconhecer Jake, a quem cumprimentou com afecto.
— Pois muito bem. Até que enfim arranjou tempo para nos fazer uma
visita.
Jake retribuiu o sorriso e protestou levemente.
— Ora, Joe, foi só há umas semanitas. Tenho tido muito trabalho. Sabe
perfeitamente que venho cá sempre que posso.
À guisa de resposta, Joe limitou-se a fazer uma careta e sacudir a
cabeça. Olhou para Ashley, que fazia festas ao cão, com ar inquisidor e
perguntou, sem rodeios:
— E quem é esta menina? É aquela de quem me falou? Jake olhou-a e
assentiu.

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— Sim. É Ashley. Ashley, quero apresentar-te o Joe Pearson. É o guarda
da casa do meu pai nem sei há quanto tempo.
Ashley cumprimentou-o, ciente de que estava a passar por um exame
minucioso. Joe tinha uns olhos azuis e afiados que a observavam sem disfarçar,
mas a única coisa que a preocupava era ele já ter ouvido falar em si.
— Então é a menina que tem feito perder o sono ao meu rapaz noites a
fio? — indagou sem mais delongas.
Ashley ficou vermelha como uma romã, respondeu a medo:
— Eu... Não sei...
— Ah, não sabe? Pois devia saber! — atalhou logo ele com um ar trocista.
A seguir virou-se para Jake e indicou a porta da casa.
— Vamos entrando? Tenho a chaleira ao lume e a água já deve estar a
ferver há que tempos.
Foi então que reparou nas pernas e nas mãos de Ashley, todas
arranhadas, e exclamou:
— Ai, o que é que o menino lhe andou a fazer?!
Era cómico ver alguém tratar Jake por menino, mas ele não parecia
estranhar. Encaminhou-a para a casa com delicadeza e declarou:
— Não foi por minha culpa. Ela é que torceu o tornozelo. Acho que um
pouco de água fria deve ajudar.
Dentro do chalé havia uma quantidade de setas, estribos e ferraduras
penduradas pelas paredes. A casa tinha uma lareira enorme e, a um canto, um
fogão a lenha com uma chaleira a apitar em cima. O fumo que se desprendia da
chaminé enegrecera já um sofá e os restantes móveis rústicos, cobertos de
chita colorida.
Joe convidou-os a sentarem-se com um sorriso e foi encher um alguidar
de água.
— Vá lá, rapaz. Tire-lhe a bota para vermos como está.
Jake ajoelhou-se para descalçar a bota a Ashley, mas ela afastou-o e,
desajeitadamente, começou a abrir o fecho éclair.
— Deixa estar. Eu tiro a bota.
O pé estava inchado, apesar de lhe doer muito menos. Jake levantou-se
e Ashley teve dificuldade em manter o olhar desviado do dele. Havia qualquer
coisa dentro de si que lhe dizia que ele não estava a fazer troça de nada
daquilo, que realmente se preocupava com ela e...
— bom, como podem ver o meu tornozelo está óptimo.
— com umas compressas de água fria vai ficar ainda melhor insistiu Joe.
Jake pegou-lhe na mão para a obrigar a ficar sentada ao pé dele.

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— Deixa-o pôr-te as compressas — murmurou, carinhoso.
Os olhos dele pousaram por um breve instante na boca de Ashley e havia
ainda desejo no seu rosto.
— Porque estás apressada? Não gostas de aqui estar?
— Claro que gosto. Mas... a tia Mona vai ficar preocupada. Eu já devia
estar em casa há mais de duas horas.
Os dedos de Jake acariciavam-lhe a palma da mão, mas falou com uma
certa arrogância.
— Ela vai ter de se habituar.
E acrescentou, num tom mais doce:
— Talvez, dentro em pouco, tu passes a ter outra casa. Quando Joe
voltou com as compressas, ela soltou a mão de Jake.
O contacto com a água fria provocou-lhe um arrepio, ao princípio, mas
depois sentiu o efeito sobre o pé dorido e acalmou-se. Sabia que, quando
chegasse a casa e ficasse separada de Jake, aquela sensação de euforia
desvanecer-se-ia, e o efeito das compressas ia revelar-se precioso.
O chá estava pronto, dentro de um bule posto sobre a lareira, e Ashley
compreendeu que era impossível ir-se embora sem tomar, pelo menos, uma
chávena de chá. Até porque, se não estivesse tão preocupada por causa da tia,
gostaria de ficar mais tempo ali, naquela sala aquecida, levemente recostada no
ombro de Jake. Por fim, Jake decidiu que estava na hora de se irem embora.
Foram até à porta, com o cão a saltitar-lhes à roda dos pés. Joe apertou-lhe a
mão, enternecido.
— A menina tem de cá voltar. Tenho tão poucas visitas e é tão raro tê-
las assim bonitas e simpáticas!
Ashley sorriu, radiante com o cumprimento.
— Obrigada, senhor Pearson.
— Se faz favor, trate-me por Joe.
— Está bem, Joe. Gostava de voltar cá quando... quando estivermos com
menos pressa — acrescentou, olhando para Jake.
— Está a ver Jake? Depende tudo de si — afirmou, com uma palmada
amigável nas costas do rapaz.
— Vamos voltar — prometeu Jake, laconicamente enquanto agarrava a
mão de Ashley com firmeza.
— E... E obrigada pelas compressas — disse ela.
— Não tem de quê, menina. As melhoras — desejou Joe todo sor—
ridente.
O Ferrari afastou-se devagar e ela acenou até o chalé ficar escondido

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atrás das árvores. Então, afundou-se no assento e soltou um profundo suspiro.
Jake perguntou, trocista:
— Então que tal? Foi assim tão mau?
Ela sacudiu a cabeça, cheia de vontade de se aconchegar a ele. Sentia-se
uma gata estragada com mimos. Timidamente, tocou-lhe na perna e disse:
— Jake, posso perguntar-te uma coisa?
— Tudo o que quiseres — respondeu, colocando a mão sobre a dela.
Ainda insegura, ela fez uma pausa de hesitação e ele atalhou:
— Queres que eu esclareça um bocadinho tudo o que te disse, não é
verdade?
Ela anuiu, sentando-se sobre as pernas e chegando-se mais a ele. Os
dedos de Jake enclavinharam-se no volante.
— Está bem. Então é assim: desde que te conheci não consigo pensar em
mais nada e em mais ninguém. E tenho inventado as desculpas mais infantis para
poder estar contigo...
— Ah, pois é! Foi o que disse a Karen! — exclamou Ashley sem querer.
Jake sacudiu os ombros.
— A Karen é muito esperta e muito mais vivida do que tu.
— Mas... Mas tu estás noivo da Bárbara.
— Nós rompemos o noivado. Acabou tudo.
— Estás a falar a sério?
— Porque não havia de estar? Mas não te preocupes que a culpa não é
tua. Pelo menos não no que te diz respeito. E não é por causa disso que tens de
te sentir obrigada ao que quer que seja.
Ela encarou-o atónita:
— Obrigada?! Oh, Jake, que queres dizer com isso?
— Tu ainda és muito nova... Talvez não sintas o mesmo por mim. Mas não
acho que te seja de todo indiferente.
— Indiferente?! — Ela abanou a cabeça incrédula: — Oh, Jake!
— Até certo ponto, terias razão... Eu conheci... hum... várias mulheres.
Meu Deus, conheci muitas! É uma coisa normal nos meios que frequento. Isto
choca-te? — indagou, a observá-la pelo canto do olho.
— Se me choca? Eu... eu... eu não sei. Porquê? Era suposto? Ele guiava a
baixa velocidade e respirou fundo:
— Em geral, a promiscuidade escandaliza a pureza. E admito que, a
princípio, foi isso o que mais me atraiu em ti; essa tua timidez, essa tua
ingenuidade. Queria beijar-te, possuir-te. Desde o primeiro instante. Ainda
quero.

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Ashley sentiu o rosto afogueado como se estivesse em chamas.
— Deves achar-me muito ignorante. Ele sorriu.
— Ignorante? Não. A palavra certa é inocente. Eu amo-te Ashley, e é a
primeira vez que digo isto a uma mulher sem lhe estar a mentir.
Ashley mordeu o lábio superior.
— E como sei se agora estás a mentir ou não? Ele encarou-a com os olhos
semicerrados.
— Não sabes. Tens de confiar em mim. Mas de uma coisa podes ter a
certeza: se eu não te amasse, por mais horrível que te pareça, tu já não eras a
virgem inocente que ainda és.
Ela ficou indignada.
— Como podes dizer uma coisa dessas?
— Já deves ter ouvido dizer que há muitas maneiras de se conseguir
aquilo que se quer.
Continuaram o caminho de regresso, atravessaram a ponte sobre o rio e
dirigiram-se para a Highstreet. Em menos de um minuto estariam no Golden
Lion e Ashley não se sentia nada preparada para o embate. Passou as mãos
húmidas pela saia e depois pelo cabelo.
— Estás com bom aspecto. Ninguém vai perceber nada, a menos que tu
lhes queiras contar — disse Jake com seriedade.
Ashley olhou para ele, vagamente frustrada.
— E o que devo contar?
— Tu é que sabes.
— Não me podes ajudar?
— Queres que eu entre contigo? Ela engoliu em seco.
— Não! Ainda não! Eu... eu... Oh, Jake! Quando nos voltamos a ver? Não
me quero separar de ti! — exclamou ao mesmo tempo que lhe fazia uma festa
no joelho.
— Que bom! É exactamente o mesmo que eu sinto! É uma sensação
maravilhosa, não é?
Ela olhou à volta e disse com voz agoniada:
— Não sei se é... Oh, meu Deus! Já chegámos! Tu não estás a mentir?
Quero dizer, quando dizes que me amas?
— Queres provas? — indagou Jake com um toque de malícia. Ela
aguentou-lhe o olhar um segundo e seguiu o coração:
— Acho que quero.
Tinha falado em voz muito baixa e, logo a seguir, abriu a porta do carro e
saiu. Jake saiu também e foi tão rápido que chegou ao pé dela sem lhe dar

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tempo para tirar o casaco do banco de trás. Tirou-o ele e aconchegou-lho sobre
os ombros ao mesmo tempo que a puxava para si. Depois, inclinou a cabeça e
deu-lhe um beijo na boca muito longo. Ela afastou-o imediatamente e olhou em
redor, assustada.
— Jake! Podemos ser vistos!
— E daí? Dizes-me coisas daquelas antes de saíres do carro e não
querias arcar com as responsabilidades! E agora que me dizes a vir jantar
comigo? Digamos... Dentro de meia hora?
Ashley sacudiu a cabeça e foi nesse preciso instante que deu com os
olhos na prima, que se aproximava com Jeffrey Saunders. O coração quase que
lhe saltou do peito. Teriam eles visto a cena do beijo? Do que conhecia de
Karen era de recear que sim. A voz saiu-lhe ansiosa:
— Vem aí a Karen. Acho que ela viu tudo! O que irá pensar?
— Quem está preocupada com o que ela pode pensar? Além disso, mais
cedo ou mais tarde terá de saber, ou não?
— Bem, acho que sim.
— Nesse caso, qual é o problema?
Jake soltou-a e ela virou-se para encarar a prima, no maior embaraço da
sua vida. Karen trazia estampada uma expressão de tal modo espantada que não
deixava qualquer margem para dúvidas. Tinha visto tudo, pois claro, e agora
tentava, sem sucesso, disfarçar a surpresa.
Mas Jake, como sempre muito senhor de si, estava longe de se deixar
embaraçar com a situação e cumprimentou-a com a maior das naturalidades:
— Olá, Karen! Como estás, Saunders?
— Eh... Ahn... Olá, Jake... Já conhecias o Jeffrey, não conhecias?
— Karen falava secamente.
— Conheço, pois. Como vão os negócios?
Jeffrey Saunders era um rapaz muito tímido, mas sabia perfeitamente
quem era Jake e sorriu educadamente, dizendo que ia tudo bem.
— Óptimo! — respondeu Jake.
Por momentos, ficaram os quatro ali parados, sem saber o que dizer, a
olhar uns para os outros. Então Karen, ao perceber que Jake não se ia deixar
intimidar, arranjou uma desculpa qualquer e entraram os”dois. Mas não sem
antes ter lançado a Ashley um olhar reprovador, que expressava muito
claramente tudo o que ela achava daquela situação. Quando a porta bateu,
Ashley deu um passo, embaraçada:
— Tenho de ir para dentro. A tia Mona vai ficar furiosa se a Karen lhe
contar que estamos aqui fora.

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— E o nosso jantar?
— Oh! Acho que não posso.
— Porquê? — agora a voz dele soava impaciente.
— Sabes muito bem porquê. Eu... Eu tenho de ir para dentro. Tenho de
lhes contar do nosso encontro, e, além disso, a tia Mona de certeza que fez
jantar a contar comigo. Não posso faltar assim.
Jake enfiou as mãos nos bolsos das calças.
— Então e eu?
Ela encarou-o, trémula.
— Sabes perfeitamente que preferia ficar contigo.
— Está bem. Então amanhã almoçamos juntos?
— Tenho aulas — respondeu em voz baixa.
— E precisas mesmo de ir?
— Sim. Devo contar à professora Mary sobre a entrevista.
— Ah, sim. E vais mesmo aceitar o trabalho na biblioteca?
— Claro que vou.
— Estou a ver.
— O que estavas à espera que eu fizesse?
— Estou a ver, estou a ver. O quê? Bem, até depois.
Ele entrou no carro e só aí é que ela se alarmou realmente. Em pânico,
bateu no vidro, vencendo todas as suas inibições. Ele baixou a janela com uma
expressão enigmática nos olhos.
— Sim?
Se não o conhecesse já, o tom de voz dele tê-la-ia desencorajado
definitivamente. Falou em voz baixa.
— Quando... quando nos voltamos a ver?
— Não sei. Talvez quando tu tiveres algum tempo livre. — Os lábios dele
retorceram-se enquanto falava.
— Quando eu tiver tempo livre?!
— Está-me a querer parecer que andas ocupada de mais para te poderes
encontrar comigo.
Ela sacudiu a cabeça, desolada.
— Oh, Jake! Não é nada assim!
— Bem, eu também tenho os meus compromissos e os meus assuntos a
tratar.
Ashley sentiu um nó na garganta.
— Tenho imensa pena... Bem... Boa noite.
— Boa noite.

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A tia estava na cozinha com Karen. Ao vê-la passar perguntou-lhe, com
dureza:
— Isto é que são horas de chegar a casa?
Mas, ao ver a cara dela, muito pálida, interrompeu-se e mudou de tom:
— Então Ashley? O que se passa? Não te sentes bem?
— Eu... Eu estou um bocado enjoada e com tonturas — respondeu Ashley,
que conseguiu chegar à casa de banho mesmo a tempo.
Depois, Karen ajudou-a a subir para o quarto. Deixou-se ficar sentada na
borda da cama enquanto a prima se descalçava. Ashley corou quando viu que
Karen tinha notado que ela vinha sem meias.
— Ele não me violou, nem nada desse género, se é o que estás a pensar.
Eu... Eu torci o tornozelo e rasguei as meias. Depois... Depois fomos a casa de
um amigo dele e pusemos esta ligadura para aliviar o inchaço e a dor.
— E sentes-te melhor?
— Sinto. Já não me dói quase nada. Só está um bocadinho inchado e acho
que já devo poder tirar a ligadura.
— Olha, Ashley, o que eu gostava mesmo de saber era o que estavas a
fazer com o Jake.
Ashley escovava os cabelos emaranhados.
— Ele levou-me a dar uma volta até... até à Pedra da Feiticeira, nunca lá
tinha ido.
— Oh, que maravilhoso! — disse Karen trocista.
— Achas que eu ando a fazer figura de parva, não achas?
— Sinceramente, nem sei o que hei-de pensar. Nem acreditava no que os
meus olhos viam quando vocês se beijaram. Estavam a beijar-se, não estavam?
— Contaste à tua mãe?
— Contei o quê? Em pormenor? Deus me livre! Só lhe disse que ficaras lá
fora a falar com o Jake. Tinha de dizer qualquer coisa, afinal de contas o
Jeffrey também viu.
— Claro. Onde está ele?
— Lá em baixo com o meu pai. Eles dão-se muito bem, para o caso de
ainda não teres percebido.
Ashley continuou ao espelho e passava os dedos pelo rosto.
— Bem... De qualquer maneira... Obrigada!
— Olha, não me agradeças porque eu não quero ter nada a ver com essa
história. Só gostava de saber o que julgas tu que andas a fazer para te
deixares envolver por ele!
— Acho... Acho que estou apaixonada por ele!

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— Não acredito! Mas tu estás louca!
Karen tinha dado meia volta sobre si e ficara deitada na cama a olhar
para ela. Ashley tentou compor um ar normal.
— Porquê?
— Sabes tão bem como eu porquê! Sabes muito bem que não há nenhum
futuro nisso!
— Ele disse... Ele disse que rompeu o noivado com a Bárbara.
— O quê?! — Karen sentou-se direita que nem um fuso, engasgada até às
orelhas.
— Estás surda? Não ouviste o que eu disse?
Ashley tentava reprimir aquela sensação de cansaço que crescia dentro
de si. A prima franziu o nariz.
— Mas eu não ouvi dizer nada a esse respeito. Bem, talvez seja assim, a
quarta-feira é um dia muito calmo lá nos Correios.
— Achas que é mentira? — Os olhos de Ashley provavam a sua
inquietação.
— E tu? O que achas?
— Eu... eu não sei. Ele disse... que me amava, pronto. Karen bufava,
exasperada.
— Ah foi? Pois deixa-me que te diga uma coisa: aposto que não é a
primeira vez que diz dessas a uma mulher!
— Eu sei. Foi ele próprio que me contou. Mas também me disse que,
desta vez, era a sério.
— E calculo que tu tenhas acreditado!
— Não sei no que hei-de acreditar.
— Vais contar à minha mãe?
— Não sei, não sei se posso.
— Quando fazes tenção de o voltar a ver?
— Também não sei.
— E porque não?
— É... é que ele foi-se embora um bocado zangado.
— Zangado com quê? Por eu os ter visto aos dois? Já te disse que esse...
— Não, não foi por isso! Pelo contrário.
— Pelo contrário?! Como assim: pelo contrário?!
— Ele queria entrar comigo para contar tudo a tua mãe, ele até... Agora é
que Karen estava completamente estupefacta.
— Estás a dizer-me que por isso é que ele não se importou de te beijar
na rua? Porque quer provar que não se incomoda com o que os outros vêem?

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— Acho que, em parte, é isso. Karen abanou a cabeça, lentamente.
— Oh, Ashley! Então porque não o deixaste?
— Porque... Porque... Sei lá. Achei cedo de mais. Ainda nem tive tempo de
perceber isto tudo. Eu... eu preciso de tempo para pensar.
— Para pensar? Para pensar em quê?! Ele pediu-te em casamento? Karen
estava a ponto de rebentar de curiosidade.
— Bem, não pediu textualmente, mas acho que é provável que venha a
pedir.
A prima revirou os olhos para o alto.
— Não posso acreditar!
— Olha, Karen, não comeces já a pensar coisas. Eu... eu ainda não decidi
nada.
— Ainda não decidiste nada sobre o quê?
— Sobre... Bem, se ele me pedir em casamento, eu não sei se vou aceitar
ou não.
Karen estava quase aos saltos na cama.
— Ora essa! Mas porquê?! Tu não dizes que achas que o amas?! Haverá
alguma coisa mais importante do que isso?!
— Oh, Karen, nós temos vidas muito diferentes! Eu... Na noite em que
fomos sair... quer dizer, o Jake e a Bárbara... o Mark e eu... Bem, fomos a um
lugar...
— Eu sei. O Mark contou-me tudo.
— Foi? Bem, então ele contou-te da Bárbara e dos amigos deles? É
verdade que, na altura, o Jake não me pareceu muito entusiasmado com a ideia,
mas a Bárbara insistiu de tal maneira! E então eu pensei como eles eram todos
tão parecidos: ricos, vividos, sofisticados! Eu não sou nada disso nem quero ser.
Quero ser eu própria. Se calhar até quero continuar a trabalhar depois do
casamento. Não pertenço à alta sociedade e... nem estou interessada em
pertencer. Além disso, há a família dele e eu... eu duvido de que eles
aprovassem.
— A família dele não é para aqui chamada. Se casares com alguém é com
o Jake; não é com a família. Eu não acredito! Mas ainda acredito menos que tu...
bem, que tu o recuses.
— Tu não recusavas?
— Santo Deus! É evidente que não!
— Mesmo que não o amasses?
— Ashley, minha querida, está-te a escapar um pequeno pormenor:
dinheiro!

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— Não, não está e, além do mais, esse é que é o problema, não achas?
— Não acredito nos meus ouvidos! Sabes que nunca vi nada
assim!
Ashley fez um gesto desajeitado com as mãos e a prima prosseguiu:
— Pois é. Não sabia que ainda havia gente com escrúpulos neste mundo
materialista e impiedoso!
— Agora estás a rir à minha custa!
— Juro que não estou, Ashley! A sério que não. Tu surpreendeste-me, e
de que maneira! Calculem! Ter a oportunidade de se casar com o Jake Seton e
passar-lhe pela cabeça recusar o noivo!!!
— Ele ainda não me pediu em casamento. Há muitas coisas em jogo —
retrucou Ashley um pouco insegura.
— Não querem lá ver! A minha própria prima candidata a ser a próxima
Lady Seton! — exclamou Karen, esfuziante de animação.
— Não comeces com isso!
Uma sombra passou pelo rosto de Ashley e Karen abraçou-a
carinhosamente.
— Pronto! Eu não conto nada, para já, mas tu vais ter de dizer qualquer
coisa à minha mãe. Hoje conseguiste escapar-te, com aquelas tonturas e tal...
Mas ela vai continuar a magicar por onde andaste durante duas horas. Estava
preocupadíssima com a tua demora.
— Tenho muita pena.
— Deixa estar. Não te preocupes. Quem é esse tal amigo a casa de quem
tu foste com o Jake? Não podes dizer que estiveste lá?
Ashley animou-se um bocado.
— Pois claro! É um senhor chamado Pearson! Joe Pearson!
— É o caseiro dos Seton.
— Conhece-lo?
— Vagamente. Mas já ouvi falar muito dele. É compreensível que te
tenha levado para lá. Pelo que o Mark conta, ele foi como um segundo pai para o
Jake.
— Eles pareceram-me muito chegados.
— Bem, então a tua desculpa é essa. E a minha mãe, com o seu feitio e
tendo o Jake Seton em tão alta conta, não vai desconfiar de nada. Não
imaginará que ele, como direi... que ele tentou seduzir a sua menina.
— Oh, Karen! Que horror!
— Podia ter escolhido palavras piores. E, a bem dizer, não me parece que
tenha sido a conversa dele a deixar-te tão abalada. Aposto que ele é muito

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bom! Não é?! Um dia destes ainda vamos ter de trocar informações! — disse
Karen, cheia de malícia.
Ashley forçou um sorriso, mas, no fundo, sabia que era incapaz de fazer
isso: contar a quem quer que fosse o que tinha acontecido com
Jake. Era impossível dividir coisas tão íntimas com qualquer outra pessoa
que não fosse ele..
Desse por onde desse, pela maneira como Jake se tinha ido embora
nessa noite, havia muito poucas probabilidades de se voltarem a ver tão cedo.
Ela sabia que teria de ser muito forte para não se deixar destruir.

CAPÍTULO VIII

A tia Mona ficou admirada, mas não se zangou muito ao saber que Ashley
tinha encontrado Jake a seguir à entrevista e que este a levara a casa do
caseiro. Ashley disse que fora um encontro casual. Não lhe agradou nada
enganar a tia, mas sabia que, se fosse explicar o que realmente se passara, ela
ia ficar ainda mais escandalizada do que Karen.
Falaram ainda um bocado sobre o caso e Ashley suspirou de alívio quando
a tia olhou para o relógio e viu que estava atrasada para um encontro com uma
amiga.
Ashley foi até à sala de estar, onde encontrou Mark, Karen e também
Jeffrey Saunders. Ficaram todos à volta da lareira, a falar de um grupo de
rock que estava na moda. A meio da conversa, Ashley descobriu que Jeffrey
tocava guitarra e Mark decretou que, na próxima visita, teria de tocar para a
família toda. Conhecendo a reputação de tímido incorrigível que Jeffrey tinha,
era pouco provável mas parecia que Karen, finalmente, arranjara um namorado
que não só era bonito como também tinha cabeça.
Ashley pôs-se a pensar se não gostava mais que Jake tivesse uma
situação idêntica à de Jeffrey, pelo menos financeiramente, mas afastou a
ideia rapidamente. Jake era como era e, se ela o amava, tinha de o aceitar com
a sua condição: com as suas qualidades e defeitos, as suas forças e fraquezas.
Amava-o pelo que ele era e, apesar de Jeffrey ser boa companhia, não
despertava em si aquele tipo de excitação que a assaltava sempre que Jake
estava presente.
Nem reparou que Mark dizia qualquer coisa e, quando o primo lhe estalou
os dedos à frente dos olhos, na brincadeira, sorriu e desculpou-se pela
distracção.

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— Acorda! Estava a perguntar se o Jake te disse alguma coisa de vir cá
hoje à noite. A Karen contou-me que vocês hoje se encontraram.
com um esforço tremendo, ela conseguiu manter a calma.
— Não, não me disse nada, porquê? Estavas a contar com ele?
— Achei que podia vir. Mas é capaz de ter combinado outra coisa. E se
não esteve com a Bárbara a tarde toda, ela deve ter insistido com ele para a
levar a sair à noite.
Até ali, Ashley não pensara sequer no que estaria Jake a fazer, mas
Mark conseguiu incomodá-la. Estaria com Bárbara? Mesmo que tivessem
acabado tudo ainda se encontravam? Além de ser sua ex-noiva, Bárbara era
também amiga da família e, provavelmente, as duas irmãs de Jake deviam
gostar muito dela. Uma pontada de ciúme atravessou-lhe o estômago como uma
faca. ”Meu Deus”, pensou. ”E se houvesse outra mulher?” Outra, para além da
Bárbara?
Um homem como Jake devia ter muitas apaixonadas, como, aliás, ele
dissera, das que não se importam nada de desfrutar da companhia de um
homem só pelo prazer. Cravou as unhas nas palmas das mãos. Estava mesmo a
fazer figura de parva! Nem ela era dona de Jake Seton, nem ele era dono dela.
O que ele fazia ou deixava de fazer às suas noites era problema que só a ele
dizia respeito. Mas, mesmo assim, tinha tido a prova de que não conseguia
dominar as suas reacções como seria desejável.
Mark levantou-se.
— Vamos tomar um copo?
Ashley resolveu ajudá-lo, satisfeita por poder ocupar a cabeça com
tarefas banais e deixar Jake fora da ideia. Como de costume, o tio estava no
bar e veio até à porta quando a viu.
— Ora eis aqui a minha salvadora! Traz-me umas garrafas de água tónica,
se faz favor, minha querida. Uma dúzia deve chegar até fecharmos.
Foi ao armazém que ficava nas traseiras do hotel. Voltou ao bar e entrou
pelo lado de dentro do balcão. Estava a baixar-se para arrumar as garrafas nas
prateleiras quando viu Jake, sentado no bar, com um copo de uísque na mão. A
primeira reacção que teve foi ignorá-lo e fugir dali o mais depressa que
conseguisse, mas deixou-se ficar, parada a olhar para ele, sem conseguir abrir
a boca.
Jake observava-a com um olhar penetrante e intenso, como sempre, mas
a expressão da cara não deixava perceber em que estaria a pensar. Inclinou a
cabeça e disse:
— Olá, Ashley!

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— O... Olá!
Ela estava com a respiração ofegante, como se tivesse corrido a
maratona. O tio virou-se e, ao vê-la ali parada, disse:
— Podes pôr já aí as garrafas, rapariga! Ou ficaste paralisada com
alguma coisa?
— Não. Claro que não. Precisa de mais alguma coisa? — perguntou muito
atrapalhada, a arrumar rapidamente as águas tónicas.
— Acho que isto chega... Isto chega... Aconteceu alguma coisa? O tio
olhava para ela, preocupado.
— Não!
Ela sacudiu a cabeça e deu meia volta para sair, mas Jake parou-a a
meio:
— Posso falar contigo um minuto, Ashley? Voltou-se para o tio,
constrangida.
— Podes. Vamos até ali.
David observava-os de sobrolho carregado. Acabou por dar de ombros e
abrir a portinhola que dava acesso à parte de trás do balcão. Havia uma
passagem daí para a sala.
— É melhor irem por aqui — declarou, lacónico.
Jake passou pelo vão da portinhola e ela levou-o até à entrada, onde
parou, hesitante. Jake estava muito bem vestido, com um fato de veludo azul e
uma camisa branca, com peitilho de renda. Ashley nunca tinha visto um homem
usar veludo antes e, se alguém lhe tivesse descrito, iria achar demasiado
efeminado. Mas não havia nada de efeminado no aspecto físico de Jake. Ao
olhar para ele, sentiu-se ligeiramente envergonhada pela roupa que trazia.
Começou a dizer, enervada:
— Bem, o que queres?
Jake encarou-a em silêncio por alguns momentos e, logo em seguida,
puxou-a contra si, curvou-lhe o corpo sob o seu e disse numa voz abafada:
— Isto!
A voz dele estava rouca, soava quase como um gemido e beijou-a
apaixonadamente. Todos os pensamentos se varreram da cabeça de Ashley.
— Tinha de voltar! Eu não queria! Não queria esta noite. Queria ficar
longe de ti para te castigar. Mas tu roubaste-me o meu poder de raciocínio!
Não consigo estar longe de ti!
Ashley pressentiu uma onda de sensualidade a envolvê-la e agitou-se.
Ficou ainda mais perturbada ao sentir o veludo do fato dele na pele nua da
cintura, pois a camisola, mais uma vez, tinha subido. E, além de sentir na pele a

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carícia do tecido, sentia coladas às suas pernas cada um dos músculos rijos das
pernas dele.
— Oh, Jake! Estou tão contente por teres vindo! — sussurrou de
encontro à boca dele.
Deteve-se subitamente quando ouviu a voz de Mark, que vinha da sala de
estar à procura dela. Afastou-se de Jake a contragosto e tentou compor a
camisola com as mãos a tremer.
Ao ver Jake, encostado com ar normalíssimo à porta da entrada, Mark
exclamou alegremente:
— Olá, Jake! Então, Ashley?! Porque não o mandaste entrar? Vamos! Vem
beber qualquer coisa lá dentro.
Jake olhou para ela e desencostou-se da parede.
— Não quis fazer-me convidado. Tens a certeza de que não venho
incomodar?
— Nunca incomodas! Vens, Ashley? — perguntou Mark, abrindo a porta
da sala.
Ela hesitou. Sabia que Jake a observava e perguntou-se se ele não
estaria zangado com ela por haver reagido como uma criminosa apanhada em
flagrante quando Mark apareceu. Mas tinha sido completamente involuntário.
Já estava até arrependida de não ter deixado toda a gente descobrir a sua
paixão por ele.
De cabeça baixa, passou à frente deles para a sala. Karen quase se
engasgou ao ver Jake. Ashley foi sentar-se no pequeno sofá de dois lugares
onde antes tinha estado com Jeffrey, e Jake instalou-se ao seu lado, muito
próximo, sorrindo para Karen. Mark estava ao pé das bebidas.
— O que queres tomar, Jake? Gim, uísque ou cerveja?
Jake recostou-se no sofá e passou o braço por trás de Ashley.
— Acho que bebo uma cerveja, se faz favor. Humm, está-se bem aqui.
Não vais sair hoje, Karen?
— Não — respondeu ela, breve e seca.
— Pois, começou agora a chover. E tu, Jeffrey, conseguiste a tal licença
para expandires o teu negócio?
— Infelizmente, não.
— E porquê?
— Tem a ver com a electricidade.
— Por trás da loja? Mas isso não constitui problema!
— Que eu saiba, foi o senhor Ferris quem se opôs.
— Quem? Graham Ferris? E isso já é oficial?

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— Mais ou menos — respondeu Jeffrey que deixou escapar um suspiro
de queixume.
Jake afirmou, a olhar para a biqueira das botas de camurça:
— Posso falar com o meu pai sobre isso. Não estou a ver porque não hás-
de conseguir a licença.
— A sério? É muita amabilidade tua! Agradeço-te imenso! Jake sacudiu a
cabeça e voltou-se para Ashley, com ternura:
— Está tudo bem?
Ela assentiu e uma onda de calor invadiu-lhe o corpo quando viu o que
havia no olhar dele. Jake enrolou nos dedos uma madeixa de cabelo dela.
— Como se chama a esta cor? É louro ou dourado! — perguntou, sem ligar
a mínima importância ao olhar escandalizado que Karen e Jeffrey lhe dirigiam.
Ela sentiu-se atrapalhada, novamente.
— O que importa isso?
— Importa muito, por exemplo, se alguém tentar descrever-te.
— Não é pintado nem nada disso, se é o que queres saber.
— Eu sei.
Ele sorriu e fitou-a intensamente nos olhos. Era como se estivesse a
tocar-lhe fisicamente e, quando lhe passou o braço pelos ombros e a puxou
para si, Ashley não se conteve mais e pôs-lhe a mão sobre o peito. Ele baixou os
olhos para os dedos dela, mas, a seguir, fitou-a de novo nos olhos,
apaixonadamente. Ashley teve de se afastar para evitar que o desejo
crescente dentro dela a levasse a agarrar aquele rosto e encostá-lo ao seu.
Infelizmente, Mark foi escolher aquele preciso momento para entrar
com as bebidas. Estacou, siderado, a olhar para eles, Jake a envolver Ashley
contra si, os cabelos dela a brilharem sobre o veludo escuro do seu fato. Num
tom de voz bastante mais alto do que seria necessário, afirmou:
— Tomem as bebidas: uma cerveja e um sumo de tomate. Jake largou
Ashley e inclinou-se para a frente, para segurar nos copos.
Fez uma careta ao dar o copo a Ashley.
— Sumo de tomate! Não bebes nada mais forte?
— A Ashley só tem dezassete anos! — declarou Mark, com a voz mais
agressiva que alguém já lhe tinha ouvido.
Aparentemente sem se deixar perturbar, e com voz branda, Jake
respondeu:
— Eu sei, e também sei que na próxima terça-feira já vai ter dezoito.
— Como sabes? — Karen perguntava em voz alta o que Ashley tinha na
ponta da língua.

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— Vocês sabem que o meu pai é membro do Conselho Municipal. Teve de
ver as candidaturas para o lugar na biblioteca, e eu também vi.
Mark parecia aborrecido, não se conseguia dominar, e Ashley percebeu
que ele precisava de uma explicação. Jake só pareceu notar o mesmo depois de
beber mais de metade da cerveja. Levantou a cara e disse:
— Não queres sentar-te? Ou roubei-te o lugar?
— Para ser franco, roubaste. Mas deixa-te estar. Quando acabares a
cerveja quero ir falar contigo lá para fora.
O tom dele era brusco e frio. Ashley sentia-se horrivelmente mal.
— Francamente, Mark... — começou.
com um aceno de cabeça, Jake impôs-lhe silêncio.
— Por amor de Deus, Mark, senta-te! O que se passa?! — disse Karen
impaciente.
Mark cerrou os punhos, esquecido do copo de cerveja.
— Isto é com o Jake e comigo, Karen. Preocupa-te com o que te diz
respeito.
Karen olhou para ele, furiosa,
— Nem penses! Estás armado em parvo! Se estás aborrecido por o Jake
estar com o braço à volta da Ashley, escusas de pensar mais no assunto! Não
estás a ver que ela gosta?
— Mas o que queres dizer com isso? — explodiu Mark.
— Karen, por favor!
Ashley tentou acalmá-lo, mas foi Jake quem, acabando a cerveja, se
levantou, limpou a boca calmamente e disse:
— Muito bem, Mark. Estou ao teu dispor.
Ashley estava preocupada, mas ele virou-se e fez-lhe um sinal com as
mãos para que se acalmasse. E seguiu, depois, atrás de Mark, atravessou a
porta e passou para a entrada. A porta fechou-se e Karen soltou um suspiro de
alívio, mas Ashley não conseguia estar quieta. Levantou-se e foi até à porta,
hesitante, acabando por fazer meia volta e regressar para ao pé da lareira.
Karen estava agora quase conformada.
— Acalma-te. O Mark nunca soube andar à pancada e aposto que o Jake
lhe ganha com a maior das facilidades.
— Tu achas... Tu achas que eles...
— Que eles foram lutar? Não. Talvez Mark se arriscasse a dar-lhe uns
socos se fosse outra pessoa e ele pensasse que se estava a aproveitar de ti.
Mas com o Jake... Aliás, acho que foi por ser o Jake que ele ficou tão zangado.
Por gostar muito dele e não querer estragar a amizade que têm.

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— Então, que julgas que estão a fazer? — Ashley apertava os dedos
contra a boca.
— Bem, imagino que o Jake queira pôr os pontos nos is, ou não te parece?
Devo confessar que tive as minhas dúvidas, mas, depois do, que tu me
contaste... Agora... O que pensas, Jeffrey?
Muito educadamente, ele respondeu:
— Acho que não me compete a mim dar opinião neste assunto. Karen
torceu-lhe o nariz.
— És tal e qual um político. Falas sem te comprometeres. Mas não
achaste muito amável da parte dele oferecer-se para falar ao pai sobre a tua
licença de ampliação?
— Foi, sim, é boa pessoa.
— Boa pessoa?! — repetiu Karen, quase engasgada. E continuou a rir:
— Bem, suponho que seja o termo indicado para te referires a ele, mas
não seria o meu! Ashley, viste a cara do Mark quando viu o braço do Jake à
volta dos teus ombros!
Ashley não deu resposta. Estava preocupada de mais com o que podia
estar a passar-se lá fora. Quando, de repente, a porta se abriu, avançou
ansiosa e parou, espantada, ao ver o tio.
— Ah, Ashley! Podes trazer-me umas caixas de aperitivos, se fazes
favor? Nunca vi uma quarta-feira com tanto movimento! As raparigas do bar
estão muito ocupadas e não têm tempo de lá ir.
— Está bem, tio David.
com uma sacudidela de ombros, seguiu-o até à entrada, à espera de ver
Jake e Mark a lutarem. Mas nem sombra deles e, quando voltou com os
aperitivos, continuou a não os ver. Voltou para a sala, preocupada, à espera de
os encontrar lá, mas só estavam Karen e Jeffrey, aos beijos num canto, e ela
apressou-se a sair.
Foi para a cozinha esperar. Pôs a chaleira ao lume e copos numa bandeja.
A tia Mona gostava sempre de beber chocolate quente antes de se ir deitar.
Voltou outra vez para a entrada e pôs-se à escuta, mas a única coisa que se
ouvia era o ruído característico, vindo do bar.
Enervadíssima, a torcer as mãos, ficou ali às voltas de um lado para o
outro. Onde estariam eles? O que estavam a fazer? O que teriam dito um ao
outro? Qual teria sido a reacção de Mark?
Hiper-sensível como estava, virou-se assustada quando a porta se abriu.
Ao ver Jake, acalmou-se um pouco, apesar de ainda sentir uma moleza nos
joelhos. Sem ver mais nada nem mais ninguém, atirou-se quase para cima dele

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ao dizer:
— Onde estiveste? O que estiveste a fazer? Fiquei tão preocupada!
Jake abraçou-a pela cintura, apesar de manter uma certa distância entre eles,
e disse-lhe com um sorriso muito ténue no canto da boca:
— Acalma-te, fomos só tomar qualquer coisa ao bar.
Só nessa altura é que Ashley se virou para Mark, que parecia
ligeiramente envergonhado, com as mãos enfiadas nos bolsos.
— Pois é, Ashley. Peço desculpa. Portei-me como um atrasado mental.
Mas não me passava pela cabeça... Eu...
Jake sacudiu a cabeça.
— Esquece. Olha, querida, tenho de me ir embora. É tarde, já passa das
dez horas e tu amanhã tens escola.
Ashley reclamou, com um trejeito amuado:
— É cedo.
— Mas tu sabes muito bem que sempre que tens aulas no dia seguinte
precisas de ir para a cama cedo — disse Mark.
— E desde quando és responsável pelo meu descanso? — ripostou ela
zangada.
Mark corou:
— Não sou nem quero, mas tu sabes muito bem que tenho razão. Ashley
virou-se para Jake, à espera de que ele insistisse para ficar com ela mais um
bocado. Queria tanto sentir o corpo dele a abraçá-la! Queria que o primo saísse
e os deixasse sozinhos, mas Mark foi ficando e Jake soltou-a e foi direito à
porta.
— Vejo-te amanhã — disse com voz terna.
Ela concordou, sentindo um nó na garganta. Ficou ali parada até a porta
se fechar atrás dele e, então, dirigiu-se para as escadas, tristíssima,
esforçando-se por não chorar. Mark seguiu-a e esperou que ela subisse até
entrar no quarto.
— Boa noite, Ashley.
Ela subiu uns degraus e só depois se virou para ele com um olhar
rancoroso.
— O que lhe disseste? — perguntou agressiva.
— Oh, nada de especial.
— Então, o que te disse ele a ti?
— Contou-me que ele e a Bárbara acabaram. Que, para já, romperam o
noivado.
— Para já?! — a voz saiu-lhe apavorada. Mark apressou-se a corrigir:

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— Bem, confesso que não foi bem assim que ele disse, mas é sempre
possível que este rompimento seja passageiro, não é? Quer dizer, ele e a
Bárbara já se conhecem há tanto tempo! É possível que estejam a precisar de
uma separação.
— De uma separação! Olha Mark, porque não te metes na tua vida?
E desatou a correr escada a cima, até chegar ao quarto e bater com a
porta atrás de si.
Como era previsível, na manhã seguinte, sentia-se mal, pois não passara
bem a noite. Tinha tomado quatro comprimidos para adormecer antes que
Karen subisse e começasse a bombardeá-la com perguntas. Quando despertou,
estava com uma dor de cabeça horrível.
Por sorte, Karen acordou atrasada e estavam as duas cheias de pressa,
sem tempo para conversas. A tia Mona também não a tinha obrigado a comer
muito ao pequeno-almoço, pois achou que a sua palidez se devia ao mal-estar do
dia anterior.
A manhã arrastava-se e parecia que nunca mais ia acabar quando,
finalmente, a professora Mary a chamou. Ashley foi ter com ela sem grande
entusiasmo, sabia que a directora não ficara propriamente encantada por ela se
ter decidido a aceitar o trabalho na biblioteca.
— Tu és muito inteligente, Ashley. Podias tirar um curso e chegar a
professora universitária. Não achas que devias tirar partido da tua
inteligência? Temos aqui rapazes e raparigas que davam tudo para ter as tuas
oportunidades e tu deitas tudo pela janela. Nunca tive dúvidas de seres aceite
para trabalhar na biblioteca. Eles são suficientemente espertos para
perceberem que tu tens muito para dar.
— A senhora professora é muito amável.
— Não sou nada amável! Estou só a ser sincera, mais nada — exclamou a
outra.
Foi até à janela e olhou para fora, para os campos de jogos e jardins do
colégio.
— Há outra coisa, Ashley.
— Sim?
— É um assunto... pessoal.
— Ah!
Era evidente que a professora Mary estava com dificuldades em entrar
no assunto.
— Ashley, hoje de manhã contaram-me que tu foste vista, ontem, com o
filho de Sir James Seton à porta do Golden Lion, quer dizer, da tua casa.

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Ashley ficou inteiriçada. Devia ter adivinhado que uma situação daquelas,
envolvendo um Seton, não passaria despercebida. Cruzou as mãos no colo e
declarou!
— Sim. É verdade.
A professora Mary franziu o sobrolho e continuou, seca:
— Há mais. Disseram-me que se estavam a beijar. Exageraram?
Francamente, espero que sim. Sempre achei que eras uma rapariga sensata e
ajuizada, que não tinha comportamentos volúveis e irresponsáveis como esse de
te envolveres com um homem mais velho e, ainda por cima, comprometido com
outra pessoa.
Ashley baixou os olhos.
— Se não se importa, prefiro não falar neste assunto.
— Está bem. Não te posso obrigar — rematou a professora. Ashley
levantou-se.
— Posso ir?
— Podes. Mas pensa muito nisto, Ashley. Não faças nada que o teu pai
não gostasse que tu fizesses.
Mais tarde, enquanto almoçava com Susan Knight na cantina do colégio,
vieram-lhe à ideia as palavras da directora. Ela tinha uma certa razão: o pai
gostaria de a ver na universidade. Reparou que Susan também estava um
bocado taciturna e perguntou:
— Que foi, Sue? Zangaste-te com o Barry?
Barry Lester era o actual namorado de Susan, um rapaz da turma delas
que queria tirar o curso de engenharia. Susan negou com um gesto de cabeça e
pôs o prato de lado.
— Não, não é isso... Ashley... Anda para aí a correr um boato de que tu...
tu andas metida com o Jake Seton. É verdade?
Ashley corou.
— Oh, Susan! — exclamou tristemente. A amiga tinha uma expressão
ofendida.
— Porque não me contaste nada? Nunca tivemos segredos uma para a
outra, pois não? Eu não te contei sempre tudo sobre o Barry?
— Eu... eu não podia dizer nada, além do mais, nem sei se há alguma coisa
para dizer.
Susan observava-a, pouco convencida.
— Bem, mas vê se tens cuidado. Eu vivo em Bewford há mais tempo que
tu e conheço o Jake Seton. Não interessa o que ele te disser. Vai acabar por
casar com Bárbara St. Forrèst e deixa-te sem nada. Nem queiras saber há

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quantos anos eles saem juntos! Aliás, é estranho que ainda não se tivessem
casado. Mesmo assim...
Olhou para Ashley, com uma expressão cheia de segundas intenções, e
continuou:
— Não me parece que o casamento vá mudar o que quer que seja no tipo
de relação que eles têm. Percebes o que eu quero dizer, não percebes?
Ashley tinha os olhos pregados no prato.
— Percebo, sim.
— Bem, é tão óbvio, não é? Aliás, viste a fotografia deles no jornal de
hoje, não viste? — acrescentou a outra, torcendo o nariz para o macarrão do
almoço.
— Fotografia de quem? — titubeou.
— Do Jake Seton e da Bárbara.
Ashley sacudiu a cabeça, tentando espantar a confusão que se lhe
instalara no cérebro. O Jake tinha estado no Golden Lion na noite anterior...
Pois tinha, dizia-lhe uma voz impertinente no seu íntimo, mas saíra muito cedo.
Contudo, obrigou-se a falar com toda a calma.
— Eu... eu acordei muito tarde e não vi o jornal. Mas que fotografia era?
Onde foi tirada?
— Num desses acontecimentos sociais, uma festa qualquer no Rotary
Club. Foi no Carlton Arms.
— Mas quando — insistiu Ashley, confusa.
— O que tens? Estás branca como a cal! Não te sentes bem?
— Sinto, sim. Estou bem. Quando foi tirada a fotografia?
— Bem, acho que deve ter sido ontem à noite. Em geral, o que sai nos
jornais são os acontecimentos do dia anterior, não é? Mas o que se passa,
Ashley? Estás com um ar horrível?
— E disseste que eles... que estavam juntos?
— Quem? O Jake e a Bárbara? Olha, apareceram na mesma fotografia.
Sei lá se foram juntos ou não! Não estavam abraçados nem nada do género.
— Ah...
Ashley engoliu em seco e afastou o prato. Se antes já estava sem
apetite, agora só de pensar em comida sentia o estômago embrulhado.
Felizmente, logo a seguir chegou Barry Lester com uns amigos e o seu
mutismo não deu muito nas vistas. Conseguiu esboçar uns sorrisos nas alturas
cruciais e, por fim, lá acabou por tocar o sino a acabar o intervalo do almoço.
À tarde, quando saía da escola com Susan, viu o Ferrari verde
estacionado mesmo à frente do portão. O coração disparou-lhe, a bater tão

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forte que ficou admirada por Susan não conseguir ouvir.
— Acho que ele está à tua espera, Ashley — observou Susan, muito
ríspida.
— Sim. Acho que sim.
Ashley sentia a boca seca. Estavam a chegar ao portão e o seu sexto
sentido dizia-lhe que devia voltar a correr para dentro da escola, que não devia
falar com ele depois da conversa que lhe tinham feito ao almoço.
Mas não foi possível. Devia seguir em frente. O carro estava a chamar
muito as atenções, especialmente dos rapazes, e ela não conseguia perceber
como tivera Jake coragem de ir até ao colégio, sabendo do falatório que se
levantara na cidade. Susan deu-lhe uma palmadinha no ombro e lançou-lhe um
olhar significativo.
— Até amanhã, então.
Agora é que não havia mesmo maneira de o evitar, e Ashley,
profundamente alterada, vacilou junto ao portão. E se ele tivesse vindo por
qualquer outra razão que não a de a encontrar? Contudo, podia ir até ao carro e
perguntar-lhe o que tinha ali ido fazer.
Mas Jake deu resposta às suas dúvidas ao pôr a cabeça fora do carro e
chamá-la. Ela avançou direita a ele e disse ”olá” antes de se debruçar sobre a
porta.
— Então? Está tudo bem? Como correu o dia?
Entrou no carro, sabendo que todos os olhos em volta a observavam.
Inclinou-se para fechar a porta e encarou-o, finalmente.
— Correu bem — respondeu.
Jake ligou o motor e arrancou a toda a velocidade, como era seu
costume. Depois, a olhar para trás, por cima do ombro, comentou:
— Isto vai dar que falar, não achas?
Ashley olhava pela janela, as casas a passarem muito depressa. — Se
estás com problemas de ser reconhecido, o melhor é andares com um carro
menos espampanante.
— Mas eu alguma vez disse que tinha problemas em ser reconhecido? —
replicou ele em tom de censura.
— Não, mas... E tu, passaste um bom dia?
— Tive um dia ocupadíssimo. Voltei de Leeds há menos de meia hora.
— De Leeds? Foste em negócios?
Por momentos, Ashley distraiu-se e, assim que fez a pergunta, apesar de
ter sido completamente inocente, arrependeu-se de ser tão curiosa e
indiscreta. Afinal de contas, não tinha nada a ver com os assuntos particulares

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dos Seton. Mas Jake parecia pensar de maneira diferente.
— Temos umas terras para os lados de High Ingram, onde ficava a
serração velha, e o meu pai quer vendê-las para urbanização.
Ashley mordeu o lábio. Estavam a chegar ao Golden Lion.
— Eu... Eu não devia ter feito esta pergunta. Não tenho nada a ver com
isso. Não tive a intenção de ser indiscreta.
Jake olhou para ela, ligeiramente aborrecido, e disse em tom de censura:
— Tens pleno direito de fazer essas perguntas. É mais do que natural!
Além disso, achei que te podia interessar.
— Bem, eu interesso-me, claro.
O carro parou em frente ao Golden Lion e Ashley teve ganas de não ser
tão sensível nos assuntos que lhe diziam respeito. Juntou as suas coisas e
disse, muito rígida:
— Obrigada. Foi... Foi muito simpático da tua parte teres ido buscar-me.
— É tudo o que tens para me dizer?
— Bem... bem e o que há mais para dizer? Ou seja, tiveste alguma razão
especial para me ires buscar? Alguma coisa que... que me queiras dizer?
— Sim, tenho.
O coração de Ashley deu um salto. Ele teria vindo só para lhe dizer que
tinha reatado com a Bárbara? Começou a sentir-se desesperada, sem saber
onde iria buscar forças para suportar essa revelação. Mas Jake não parecia
nada tenso, estava até muito sereno quando lhe disse:
— Tenho um convite da minha mãe para ti.
— Da tua mãe?! — Ashley ficou tão admirada que achou que tinha ouvido
mal.
— Exactamente. É muito natural. Os meus pais... A minha família quer
conhecer-te. Não achas que é normal?
— É?
Ashley encolheu os ombros, mergulhada numa confusão sem nome. Jake
pôs-se a bater com as mãos no volante, impaciente.
— Claro que é. Ashley, o que se passa contigo? Assim que me afasto,
mudas completamente. Ontem à noite... Bem ontem à noite achei que nos
entendíamos...
Ela pôs a mão no trinco para abrir a porta, mas ele foi mais rápido e
agarrou-lha para não a deixar sair. Estava agora muito perto dela. E largou em
ar de desafio.
— Então? Tenho razão ou não tenho? Há qualquer coisa mal. Alguém
disse ou fez alguma coisa e tu já decidiste tudo sozinha. Já não tenho nada a

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ver com o assunto, seja ele qual for. O que te posso dizer? Que te amo? Amo-
te. Que preciso de ti? Preciso. Que te desejo? Mas terás tu alguma dúvida a
esse respeito?
Ela respirou fundo três vezes e, trémula, acabou por o acusar. Ele olhou-
a fixamente sem querer acreditar.
— Quem foi que te contou isso?
— Não era preciso contarem-me nada, ou era? Saiu uma fotografia de
vocês dois no jornal de hoje. Não foi por acaso que tu ontem estavas tão bem
vestido. Não foi para me impressionar, pois não? Era... para uma festa do
Rotary!
Jake ficou a olhá-la um bocado, e depois levou uma das mãos dela aos
lábios e disse:
— Oh, Ashley! Confias assim tão pouco em mim? Ela levantou os olhos e
fitou-o com decisão.
— Foste lá?
— Ao chá dançante do Rotary, fui. Passei lá depois de ter saído da tua
casa.
— Ah!
Ashley tentou soltar a mão que ele lhe segurava, mas Jake não permitiu.
— Qual é o mal? Tinha de lá estar às oito da noite e só cheguei às dez e
meia.
— com a Bárbara?
— Não, não fui com a Bárbara. Ora, mas por que carga de água temos de
ficar agora a falar nisso? Ashley, já te disse que a Bárbara e eu rompemos,
acabámos. E ela sabe isso tão bem como eu. É só uma questão de tempo e toda
a gente vai ficar a par do caso.
— Mas... mas...
— Olha, estas festas do Rotary são autênticos acontecimentos locais e
contam com a presença dos Seton e dos Forrest para as prestigiar. Se alguém
me tirou uma fotografia com a Bárbara, eu não tenho culpa disso, ou tenho?
— Mas porque não me disseste que ias lá?
— Porque não fazia tenções de lá ir. Mas depois de ter falado com o
Mark...
— com o Mark?! O que te disse ele? Jake tentou fugir à pergunta.
— Sei lá, que isto e que aquilo... Olha, Ashley, vais jantar lá a casa
amanhã à noite, não vais? Tenho um encontro marcado com o Warren Forrest
para tratar do projecto da urbanização.
— com o Warren Forrest? Ele é... parente da...

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— É sim. É o pai da Bárbara. E de certeza que vou estar também com ela,
mas não lhe tocarei nem com a ponta de um dedo, se é isso que te preocupa.
— Ela pode... Ela pode fazer uns avanços.
— Acho que a Bárbara e eu nos entendemos muito bem nesse capítulo.
Ashley tinha a cara a arder. Conseguiu articular as palavras, mas não
teve coragem de o encarar.
— Ela era... Ela era tua amante?
Ele olhou-a e respondeu honestamente:
— Sim, era, mas desde que te conheço que não consigo sequer olhar para
outra mulher, quanto mais fazer outras coisas!
Ashley sentiu uma enorme ternura invadi-la. Queria tanto poder provar-
lhe aquilo que sentia! Num impulso, inclinou-se e deu-lhe um beijo rápido no
canto da boca. Depois afastou-se rapidamente e saiu do carro, antes que a
tentação fosse mais forte do que ela.
Jake desceu também, mais devagar, e acenou a alguém do lado de lá da
rua. Veio ao pé de Ashley e agarrou-lhe no pulso com força.
— Então está combinado. Amanhã.
— A... a que horas?
— Venho buscar-te às sete. Costumamos tomar uns aperitivos antes do
jantar. Assim tens oportunidade de falar um bocado com os meus pais.
— O que devo vestir?
— Oh, é um jantar em família. Veste o que quiseres. Um vestido ou umas
calças, se achares melhor. Ficas linda de qualquer maneira.
— Obrigada. Agora tenho de entrar. Não quero assustar outra vez a tia
Mona.
Inclinou-se para ele e disse baixinho:
— Pensa em mim esta noite.
Jake olhou à volta e depois, com um gesto que denotava grande
impaciência, quase a empurrou para o pátio ao lado da casa. Quando já estavam
fora do raio de visão das pessoas que passavam na rua, abraçou-a e esmagou-
lhe a boca num beijo ardente.
— Pronto. Percebeste, agora? — disse, quando finalmente a soltou. A
tremer, ela assentiu. Jake deitou-lhe um último olhar apaixonado e partiu.

CAPÍTULO IX

Nessa noite, ao jantar, Ashley contou aos tios o convite que tinha

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recebido para ir a casa de Jake. A tia Mona ficou estupefacta e encarou-a,
atónita.
— Mas a que propósito? Convidaram também o Mark?
— Não — Ashley sacudiu a cabeça.
— Isso tem qualquer coisa a ver com a vinda do Jake cá a casa ontem à
noite, não tem? — perguntou o tio David, muito perspicaz.
Ashley assentiu, num gesto de cabeça.
— Mas o que é isto? O Jake vai casar com aquela rapariga Forrest. Não
posso permitir que ande para aqui a divertir-se à nossa custa!
— Ele rompeu o noivado.
A tia Mona ainda ficou mais espantada.
— O quê? Mas porquê? Não foi... não foi por tua causa?! Oh, Ashley, tu
não... tu não estás...
Ashley não pôde deixar de sorrir.
— Não estou grávida, não, tia Mona, se é isso que a preocupa.
— Mas então o que se passa? Olha, já me fizeste perder o apetite. Acho
melhor explicares-me esta história toda desde o início — disse a tia, enquanto
afastava o prato.
— Oh, Mona, deixa estar... — disse o tio David aborrecido. Ela pôs-se à
defesa:
— Eu não sei nada do que se está a passar! Ashley apoiou o queixo nas
mãos.
— Não me importo de vos contar. Eu... nós... Acho que desde o princípio
nos sentimos atraídos um pelo outro e agora... Agora, acho que estou
apaixonada por Jake.
— E ele? Está apaixonado por ti? — perguntou a tia.
— Ele diz que sim.
— E tu acreditas nisso?
— Mona! Não exageres! — declarou o tio David já enervado,
— Bem! Nunca vi nada assim! O filho único de Sir James Seton, herdeiro
do título, e... e a minha sobrinha! Parece impossível! Ashley, tu tens a certeza
de que não me estás a esconder nada?
— Não, não estou! Oh, tia Mona eu era incapaz de vos mentir! Eu... Eu
nunca...
O tio David pôs a mão em cima da sua para a acalmar.
— Claro que não. A tua tia está muito admirada, só isso. Aliás, estamos
os dois. Mas eu reparei na maneira de ele olhar para ti, ontem à noite e... bem,
ouvi por aí uns boatos...

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— Mas porque não me contaste nada? — perguntou a tia Mona, indignada.
— Se achasse que eram verdade, tinha-lhe contado.
— Ah sim? E que boatos vêm a ser esses?
— Que o Jake a Bárbara... romperam o noivado. Mona levantou-se num
repente.
— Não acredito! Não pode ser! Eles estão comprometidos há anos!
— É. Há muitos anos. Talvez até há anos a mais. Mona, tu sabes muito
bem que as pessoas, às vezes, se cansam umas das outras.
— Eu sei! Mas... mas, Ashley! Tu não achas esta história toda... um
bocado assustadora?
— Claro que acho.
— Ele pediu-te em casamento?
— Não, não pediu.
— Mas vai pedir?
Ashley olhou para a tia, constrangida.
— Não sei. Oh, tia Mona, é só um convite para jantar, não é nenhuma
carta de intenções!
— Ora aí está! Isto é um exagero! Por amor de Deus, Mona, deixa a
rapariga em paz! — disse o tio David.
Ela deitou um olhar fulminante ao marido, levantou-se e foi buscar o bule
do chá. Enquanto servia, foi dizendo:
— E tu não nos disseste nada! Não achas que tínhamos o direito de saber
o que se estava a passar?
Ashley mordeu os lábios, com ar deprimidíssimo.
— Claro que acho. Mas eu... eu própria não sabia ao certo... Pelo menos
até ontem.
A tia Mona voltou a cair na cadeira.
— Mas é claro! É claro, o Jake encontrou-te na biblioteca, não foi? Foi aí
que ele rompeu o noivado, não foi?
— Sim — assentiu Ashley, que mexia o chá, distraidamente.
A tia Mona não conseguia conter-se, apesar dos olhares desaprovadores
do marido.
— Não querem lá ver! A nossa sobrinha e o filho de Sir James Seton! Só
gostava de ver a cara de Lady Seton quando tiver de nos receber como
membros da família!
— Tia Mona, se faz favor! Está a antecipar-se um bocadinho de mais!
Mesmo que... que o Jake me pedisse em casamento... eu não sei... não sei se
aceitava.

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A tia Mona, que tinha tomado um grande gole de chá, até se engasgou
e desatou a espirrar liquido por todos os lados. Só foi capaz de dizer:
— O quê?!
— Não ouviste? Agora deixa-a em paz! — zangou-se o tio David. A tia
Mona engoliu em seco.
— Mas, Ashley! Ashley, o que estás para aí a dizer?!
— Tiazinha, há uma grande distância a separar-nos. A vida que ele leva e
a minha são radicalmente opostas.
— Oh, nem por isso.
— Radicalmente opostas, vejo isso com toda a clareza. As mulheres que
ele conhece estão habituadas a ter dinheiro, a um certo padrão de vida.
Satisfazem-se por serem simplesmente belas e elegantes. Devem jogar todas
golfe... Dedicam-se a obras de caridade... Bem, não sei muito bem como passam
o tempo, mas, seja como for, não me parece que gostem das mesmas coisas que
eu. Tenho uma cabeça e quero usá-la! Não quero transformar-se num... num
repolho!
A tia Mona estava realmente escandalizada.
— Num repolho?!!! Ashley, isso é coisa que se diga?!
— Bem, é isto que eu acho e não estou para me reprimir.
— Mas tu não pensas em casar e ter uma casa, uma família? Queres ter
filhos, não queres?
— Claro que quero ter filhos. Mas... ah, tia Mona, por favor! Tente
compreender o que eu sinto! Não quero que o Jake se case comigo só para dar
herdeiros aos Seton! Quero que ele me respeite como mulher e como pessoa
que tem ideias próprias, opiniões e vontade. Quero casar, quero ter a liberdade
de tomar conta da minha própria casa e, com toda a certeza, não estou nada
interessada em ter meia dúzia de criados a correrem afanosamente de um lado
para o outro para satisfazer os meus mais ínfimos desejos.
A tia Mona sacudiu a cabeça, incrédula.
— Não posso! Achei que já tinha visto e ouvido tudo nesta vida mas
estava enganada. Imagine-se como pode alguém, no seu perfeito juízo, encarar
a ideia de recusar casamento a Jake Seton! É que nem vale a pena discutir este
assunto!
— Mona! Basta! Deixa-a em paz! Ela sabe muito bem o que é melhor para
ela! E acho que o Jake sabe também muito bem o que está a fazer. Depois das
mulheres a que está habituado, tu deves ser uma novidade maravilhosa. Mas do
que eu não tenho bem a certeza é se ele está consciente do que vai ter de
enfrentar.

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Ashley sentiu-se agradecida ao tio pelo seu bom senso. Era sempre muito
calmo e prático e dava-lhe confiança.
Mas na noite seguinte, nada nem ninguém lhe podia ter inspirado muita
confiança ao pensar no encontro, cada vez mais próximo, com a família Seton.
Nunca antes tinha convivido com gente da aristocracia e tinha medo de fazer o
papel de tola ou dizer disparates. Qual seria a reação de Jake se a família não
gostasse dela? E qual seria se ela não gostasse deles? Estava completamente
apavorada e as mãos tremiam-lhe enquanto pintava os lábios com um bâton cor
de mel. O que havia de lhes dizer? Não tinha qualquer experiência de conversas
de salão.
Quando Ashley desceu, Jake estava à espera dela na sala, com Mark e a
tia Mona. Pareceu aliviado quando a viu e ela ficou a imaginar qual teria sido a
conversa entre os três. Via-se-lhe no rosto quanto apreciava o seu aspecto e
isso ajudou Ashley a acalmar-se um bocadinho. Se ele gostava assim, o que
queria ela saber dos outros?
— A que horas voltas, Ashley? — perguntou a tia Mona quando a levou à
porta.
— Não sei bem. Mas não devo vir muito tarde — disse ela a olhar para
Jake.
— Acho bem. Ao fim e ao cabo tu não estás habituada a grandes
noitadas — declarou a tia Mona com um surpreendente toque de desaprovação
na voz.
Jake retrucou em ar de piada:
— Mas estou eu.
— Está, não está?
— Acho que sim. Não se preocupe, tia Mona, eu venho trazer-lha antes
da meia-noite — disse ele, enquanto empurrava Ashley porta fora.
Sem darem importância à reacção da tia Mona, atravessaram o pátio em
direcção ao carro. Uma vez dentro do automóvel, Jake olhou com ar aprovador
e deu-lhe um beijo.
— Humm, que perfume tão bom é esse?
— Chanel. Foi presente de aniversário do Mark. Deu-mo hoje para esta
ocasião especial.
— Ocasião especial! — comentou ele em tom sarcástico.
A seguir ligou o motor e arrancou, deixando-a a matutar sobre o que
podia significar aquele comentário.
Chegaram ao solar Bewford através de uma estrada particular que
passava por dentro da propriedade. A quinta era enorme. Estendia-se por

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muitos e muitos hectares e subia por colinas.
A casa era grande, rodeada de pinheiros, e ficava ao fim de uma longa
alameda, ladeada de árvores. Um Bentley cinzento estava estacionado no pátio
em frente à casa e, ao ver o interesse dela, Jake explicou:
— O meu pai é mais conservador. Chegámos.
— Oh, Jake, estou em pânico!
— Oh, acalma-te.
Jake abriu-lhe a porta do carro e ajudou-a a sair. Ela sentia-se um pouco
desapontada. Quando ele a tinha visto pareceu ficar feliz, mas, à medida que
se afastavam da cidade, ficava cada vez mais taciturno.
Estaria arrependido do convite? E se sentisse vergonha dela? Até a
roupa que trazia era mais severa: um fato azul-escuro e camisa e gravata nos
mesmos tons, condizendo com o estado de espírito que ele aparentava, pensou
Ashley.
Subiram uns degraus e Jake abriu uma porta pintada de branco. A
entrada era revestida de uma boiseríe de carvalho e tinha um tapete creme no
chão. Uma escada também, revestida a madeira, conduzia ao andar superior. A
temperatura, mantida por um sistema de aquecimento central, era agradável e
havia no ar uma mistura de cheiros de tabaco e cera polida.
Quando Jake fechou a porta atrás deles, um homem de idade
indeterminada apareceu vindo de uma porta do fundo e foi ao encontro deles.
Ashley ficou tensa. Quem seria? Não podia ser o pai de Jake! Acalmou quando
o ouviu dizer:
— Boa noite, Barnes. Onde estão os meus pais?
— Boa noite, senhor Jake. Sir James e Lady Seton estão na biblioteca,
senhor. — Os olhos perspicazes do mordomo avaliaram Ashley dos pés à
cabeça, sem que ela o percebesse.
— Obrigado.
Jake fez-lhe sinal para o seguir e tomou Ashley por um braço até
chegarem a uma porta também revestida de madeira de carvalho, mas mais
escura do que a das paredes da entrada. Ashley olhou para ele para ganhar
coragem, mas Jake não lhe retribuiu o olhar e limitou-se a abrir a porta.
Impelida pela mão dele, entrou numa sala enorme, com as paredes
forradas de livros e que, à primeira vista, parecia estar repleta de gente.
Estremeceu ligeiramente. Jake largou-lhe o braço e pôs-se a seu lado para
fazer as apresentações.
O grupo de pessoas consistia numa senhora de meia-idade e num homem
talvez mais velho, que Ashley concluiu serem Sir James e Lady Seton. Havia

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também uma rapariga de vinte e tal anos, que devia ser Jennifer, a irmã dele, e
uma outra, mais nova, muito parecida com Jake, que só podia ser a outra irmã:
Hilary. Finalmente, estava um homem mais novo, que Ashley não fazia a menor
ideia de quem podia ser. Na sala parecia pairar uma atmosfera carregada de
hostilidade e ela teve a sensação de que, com a sua chegada, tinha
interrompido uma discussão pouco agradável.
Jake levou-a primeiro até aos pais dele. Lady Seton estava
elegantemente sentada num sofá e o marido, de pé ao lado dela, virava as
costas à lareira apagada. Formavam um par imponente e Ashley ficou aliviada
ao reparar que não vestiam traje de rigor.
Lady Seton encarou-a de modo pouco simpático e foi ainda mais clara ao
revelar os seus sentimentos quando afirmou.
— Constou-me que trabalhava numa repartição pública, não é? Ashley
controlou-se o melhor que pôde para não ser malcriada.
Nem pensar em transformar este primeiro encontro numa troca de
insultos. E foi numa voz fria mas dominadora que respondeu:
— Não, Lady Seton. Os meus tios são donos de um bar e eu estou a
acabar o curso no colégio.
Sir James não foi tão hostil. Depois de a mirar dos pés à cabeça, disse:
— A menina é que é a jovem que foi recentemente escolhida para a
biblioteca municipal, não é? Porque vai aceitar aquele trabalho com as
qualificações que tem?
Ashley entreabriu a boca de espanto, mas depois lembrou-se do que
Jake tinha dito. Lorde Seton tinha visto a candidatura dela e, assim, ficara
com uma visão global do seu currículo.
— Está a perguntar-me porque eu não continuo a estudar e não vou para
a universidade, não é? Bem, realmente, até ao fim do ano passado, pensava
fazer isso. Mas, com a morte do meu pai, vim viver com os meus tios e, a partir
daí, tenho sido tão feliz na casa deles que já não quero sair de lá. Gosto muito
de viver em Bewford.
— Ela está a querer explicar que não vale a pena esforçar-se por ganhar
com o suor do seu rosto aquilo que Jake lhe pode dar de graça.
Este chorrilho de asneiras tinha sido dito por Hilary, que assim falava
em tom afectado, sentada no braço da cadeira da irmã. E depois arrematou:
— Bem feitas as contas, quem será melhor conquista do que o meu
irmão?
— Hilary!
Sir James repreendia-a num tom irado e Ashley, apesar de não poder

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ver a expressão de Jake, sabia que ele devia estar muito zangado também. Ela
própria sentia-se perplexa. Não tinha contado com nada disto.
Hilary voltou à carga, recusando-se a ser corrigida:
— Disse alguma mentira? Toda a gente vê bem que ela não vai deixar
escapar esta oportunidade.
— Saia!
Sir James não levantou a voz ao dizer isto, mas a autoridade estava
clara no tom que empregou.
— Mas, pai...
Relutante, Hilary levantou-se e ficou de pé à frente dele, muito jovem e
delgada, vestida com uma saia azul-escura, muito simples, e uma blusa
vermelha. Tinha os cabelos lisos e escuros como os de Jake. Devia ser apenas
uns dois anos mais velha que Ashley, mas comportava-se como uma criança.
— Hilary, não admito que fale assim a uma convidada minha. Ou pede
desculpas imediatamente ou sai, como lhe disse já, e vai jantar no quarto.
— Não lhe parece que está a ser severo de mais, James?
Lady Seton defendia a filha, de testa franzida, numa clara
demonstração de que não aprovava a atitude do marido. Mas este não estava
disposto a condescender e respondeu intransigente:
— A Hilary não devia ter dito o que disse. Então, pede desculpa?
Ela apertou os lábios e, finalmente, acabou por encolher os ombros,
deitando a Ashley um olhar que indicava claramente que aquele pedido de
desculpas era tão-só para acalmar a fúria paterna e que não queria, de modo
algum, dar o dito por não dito.
Jake, que até ali tinha estado calado, levou-a ao pé da sua outra irmã e
apresentou-lha. Jennifer, para seu grande alívio, parecia muito diferente de
Hilary e cumprimentou-a com um largo sorriso, com evidente simpatia:
— Muito prazer, Ashley. Deve estar com péssima impressão desta
família. Mas não se preocupe que eles não são tão maus como parecem.
Ashley sorriu também e admitiu a hipótese de vir a gostar de Jennifer.
Mas, com tantas surpresas, não era aquela a altura para definir preferências.
De qualquer modo, no meio daquele ambiente de cortar a faca, qualquer
gentileza era um autêntico oásis no deserto.
O homem que lhe foi apresentado como Gerald Sawyer era um amigo de
Jennifer, advogado em Bewford. Para alívio de Ashley, parecia ter uma atitude
de mero espectador naquela cena.
Estavam todos a tomar aperitivos, menos ela e Jake. Sir James, com o
que lhe pareceu uma animação afectada, perguntou-lhe o que queria beber.

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Jake interferiu e declarou:
— Acho que a Ashley vai gostar de beber um pouco de vinho branco.
— E para ti, uísque, claro!
— Se não der muito trabalho... — respondeu Jake em tom irónico, que o
pai pareceu aceitar à maravilha.
Era nítido que, independentemente do clima carregado daquela sala,
Jake e o pai tinham uma relação de excelente camaradagem. Jennifer indicou-
lhe uma cadeira ao pé de si.
— Não se quer sentar?
Depois de um rápido olhar na direcção de Jake, Ashley foi sentar-se.
Nunca como agora o tinha sentido assim distante e bem gostaria de que ele lhe
desse um pouco mais de atenção.
— Diga-me uma coisa, menina, há quanto tempo conhece o meu filho!
Ashley ergueu o rosto, sobressaltada, e enfrentou o olhar fixo de Lady
Seton.
— Há seis ou sete semanas... mais ou menos — respondeu embaraçada.
— Seis ou sete semanas... Há-de concordar que é muito pouco tempo!
— Oh, mãe, não é o tempo que importa. O que vale é a maneira como as
pessoas se dão, não acha? — desafiou Jennifer ao mesmo tempo que sorria
abertamente para Ashley.
Lady Seton desfechou um olhar desaprovador sobre a filha.
— Eu posso concordar com o que acabou de dizer, Jennifer, mas tem de
admitir que, comparado com outras relações, este espaço de tempo é irrisório.
Ashley não percebia por que razão Jake se mantinha afastado da
conversa. Tinha ido falar com o pai para o outro lado da sala e estavam os dois
parados ao pé do bar, donde se podia ouvir o som abafado das suas vozes.
— Se se refere à relação do Jake e da Bárbara, posso concordar, mas,
sinceramente, achei sempre que eles estavam a levar tempo de mais para se
decidirem a dar o nó.
Lady Seton ignorou o comentário da filha.
— A menina ainda só tem dezassete anos. Não acha que é muito nova
para... ah... se envolver com um homem mais velho?
— Faço dezoito anos daqui a quatro dias, Lady Seton. E não me sinto
muito nova para Jake.
Nessa altura, Jake veio trazer-lhe o vinho. Ela dirigiu-lhe um olhar a
pedir socorro, mas ele afastou-se sem dar sinais de ter percebido. Ashley
estava a ficar seriamente irritada com aquilo. Como se atrevia a levá-la ali e,
depois, ignorá-la pura e simplesmente? Não tinha ouvido as barbaridades que a

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mãe dele lhe estava a dizer? Ou então estava-se nas tintas!
— Hoje em dia os homens casam com raparigas com idade para ser filhas
deles e ninguém se preocupa com isso. Além disso, duvido muito de que o Jake
se tenha preocupado com a idade da Ashley, não foi Jake?
Jake, que bebia lentamente o seu uísque, declarou com ar irónico,
acentuando as palavras:
— Se não estou em erro, a mãe é nove anos mais nova que o pai, não é?
Ela franziu a testa e passou levemente a mão pelo cabelo
primorosamente penteado. Em nova devia ter tido o cabelo escuro do filho, mas
agora a sua cabeça estava completamente grisalha.
— Mas foi diferente, meu querido. O seu pai e eu já nos conhecíamos há
muitos anos quando nos casámos. Assim como... assim como o menino conhece a
Bárbara.
— Não percebo porque de repente desatou toda a gente a falar em
casamento!
Ashley explodiu logo, de tal maneira irritada que esteve quase a partir o
copo de cristal que tinha na mão, por o apertar com força de mais.
— Eu não faço tenções de me casar nos próximos tempos!
O jantar foi servido numa sala muito bonita, que dava para os jardins
atrás da casa. Já estava completamente escuro quando se sentaram à mesa e
os criados tinham acendido dois candelabros. As velas brilhavam ao lado das
túlipas e dos narcisos que compunham o centro da mesa. Os talheres de prata e
os copos de cristal reflectiam-se na madeira dos móveis das paredes. Ao lado
de cada prato estava um guardanapo de pano, muito bem engomado.
Desde a declaração inopinada de Ashley a conversa tinha mudado
completamente de rumo e tornou-se mais generalizada. Ela própria conversava
um pouco e, apesar de se esforçar por se convencer de que havia sido um alívio,
no seu íntimo sabia que não era assim— Uma coisa era certa: conseguira
mobilizar outra vez a atenção de Jake, mas agora era ela que não lhe ligava.
Ao mesmo tempo que se esforçava por engolir o creme de legumes,
Ashley perguntava aos seus botões porque se teria lembrado de dizer aquilo.
Toda a gente tinha ficado muito atrapalhada, e ela também. Agora, só de
pensar na reacção de Jake quando estivessem outra vez sozinhos, sentia uma
angústia crescer dentro de si.
Havia ainda rosbife, salada e um soufflé de limão à sobremesa. Apesar
de estar tudo magnífico, Ashley mal tocava na comida. Os preliminares do
jantar tinham-lhe tirado o apetite. Notou que Jake também comia muito pouco.
Finalmente chegou o café e passaram à sala, onde as cadeiras eram bastante

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mais cómodas. Ashley estava a ver uma tela com cavalos por cima da lareira
quando reparou em alguém ao seu lado. Era Sir James.
— É um Chiari! Já conhecia?
— Não, infelizmente sou um bocado ignorante no que diz respeito às
artes.
— Mas gosta?
— Oh, adoro! Gosto muito de quadros com animais! Não que eles sejam o
melhor modelo para ser retratado mas é que têm umas linhas muito atraentes.
Podemos quase ver-lhes os músculos vibrarem debaixo da pele!
Sir James sorriu.
— Muito bem! Gostei dessa frase. Músculos a vibrar debaixo da pele, não
é? Tenho de ver se tomo nota!
Ashley sentiu acalmar a tensão nervosa em que estava.
— Obrigada! Mas tenho a certeza de que só me diz isso por pura
simpatia.
Sir James olhou para ela. Tinha umas sobrahcelhas enormes e, apesar de
estar a perder cabelo, ainda lhe sobrava uma cabeleira hirsuta à volta da nuca
e nas enormes suíças que quase lhe davam a volta à cara.
— E não acha que já estava na altura de alguém nesta casa lhe dizer uma
gentileza?
— Não sei o que lhe posso responder.
— Claro que sabe! Conheço a minha mulher. Conheço as minhas filhas e
conheço o meu filho. Não deve deixar que a Helen a incomode. Ela não está
nada satisfeita com o facto de o Jake e a Bárbara terem rompido o noivado,
mas eu acho que foi melhor ser agora do que depois de casados. Oiça, é
verdade o que disse há pouco? Que não se quer casar ainda?
— Eu... não sei.
— Só quis fazer uma vingançazinha contra a Helen, não foi?
— Foi mais ou menos isso — admitiu embaraçada.
— Bem, Ashley, acho que deves... Posso tratar-te assim, não posso? Acho
que deves pensar muito bem antes de tomar uma decisão! Não é por eu ter
qualquer animosidade a teu respeito, mas... Não gostava de te ver infeliz. E
conheço o meu filho. Não digo que não seja um homem de bem e que não possa
ser um bom marido para quem souber lidar com ele, mas... Já conheceu muitas
mulheres. Tu deves ter a certeza absoluta de que consegues lidar com ele
antes de tomar uma decisão final.
— E o senhor acha que consigo?
Sir James examinou por uns instantes a cara dela e, depois, franziu a

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testa.
— Não sei. Não sei o que hei-de pensar. Nunca vi o Jake tomar uma
atitude tão... impulsiva. Ele e Bárbara... bem, conhecem-se desde crianças.
Sempre achei ponto assente que um dia acabariam por casar. Mas agora isto! O
Jake teve outras mulheres, não digo que não! Mas nunca foi nada sério,
compreendes?
— Acho que sim, mas...
— Olha, responde-me tu. Ele trouxe-te cá a casa, não trouxe?
Apresentou-te a família, rompeu com a pobre da Bárbara. Isso a mim parece-
me tudo mais que sério, a ti não? Pelo menos no que lhe diz respeito a ele.
Ashley estremeceu.
— Talvez tenha razão.
— Tu sabias isto tudo, não sabias? Acho que já conheces muito bem o
meu filho. Mas uma coisa tenho de admitir: nunca o vi tão taciturno, sombrio,
mal disposto e... sem apetite. Reparaste, ao jantar? Mal tocou na comida.
— O senhor diz as coisas de uma maneira muito intuitiva... Sir James
levantou os olhos para a tela, outra vez.
— Estás a ver esta égua aqui? É a Sofia. Gostavas de a conhecer? Os
olhos de Ashley quase que saltavam das órbitas.
— É sua?!
— Sim. Comprei-a depois de ficar com o quadro. Agora está prenha, mas
continua a ser um belo animal.
— Adorava vê-la!
— Ótimo. Então tens de cá voltar amanhã, à luz do dia. Vamos ver a
estrebaria. Podes dizer ao Jake que te vou mostrar a égua.
— Que égua?
Ashley nem percebeu que Jake se tinha aproximado, tão embrenhada
estava na conversa. Virou-se e viu um rosto abatido e pensativo, que os
observava inquieto.
— O... O teu pai vai mostrar-me a estrebaria. Para ver a Sofia, a égua do
quadro.
Jake olhou para o pai, muito sério.
— Ah, vai. E isso é para quando?
— Amanhã — respondeu Sir James igualmente sério. E acrescentou
ainda:
— Tu não te incomodas, pois não? Não vais querer guardar esta rapariga
encantadora só para ti.
com os olhos frios voltados para Ashley, Jake declarou mal-encarado:

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— Amanhã tenho de ir a Leeds, o pai sabe isso perfeitamente.
— Bem, e o que tem a ver a tua ida a Leeds, amanhã, com a visita da
Ashley? A tua presença não é imprescindível, meu caro!
Sir James parecia divertir-se à custa do filho. Ele respirou fundo e
perguntou:
— Como é que a Ashley vem para cá?
— Mando o carro buscá-la.
— Ela amanhã tem aulas.
— Amanhã, sábado? Não deve ter, JaKe. Então, não ponhas esse ar de
imbecil! Ela pode ficar para o almoço e ainda cá estará quando voltares de
Leeds. Que te parece?
— Tenho alguma alternativa? Travou o braço a Ashley.
— Vem tomar café. Depois temos de ir embora.
— Ir embora? — exclamou Ashley.
— Tão cedo? Mas porquê? — protestou Sir James.
— Prometi à tia da Ashley que a levava cedo — disse Jake à laia de
justificação.
Enquanto bebia café, Ashley sentia a fúria de Jake pairar por cima dela
como uma nuvem escura em dia de trovoada. Ele levantou-se e fez-lhe sinal de
que estava na hora de se irem embora. Sentiu as pernas muito fracas,
pareciam-lhe subitamente incapazes de suportar o peso do corpo.
Despediu-se da família toda, com um sorriso para Jennifer e fórmulas
educadas mas distantes para Lady Seton e Hilary. Depois de um caloroso ”até
amanhã” a Sir James, seguiu Jake até à porta e só cá fora reparou que se tinha
esquecido de Gerald Sawyer, o outro convidado.
— Deixa estar que ele não morre de desgosto. Entra no carro, agora já
não podes voltar para trás. — O tom de Jake era muito aborrecido.
O Ferrari arrancou, Ashley olhou disfarçadamente para o relógio e viu
que mal passava das nove. Como era possível levá-la já para casa àquela hora?
Sentiu o coração pesar-lhe de tristeza. Que final tão a condizer com o resto
da noite!

CAPÍTULO X

Ashley não deu grande atenção ao caminho que estavam a fazer, mas
quando Jake desceu do carro para abrir um portão deu-se conta de que não iam
para o Golden Lion. Contudo, não se atreveu a fazer perguntas. O ar

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macambúzio dele não era de molde a encorajar grandes interrogatórios.
Continuou calada, sem saber para onde ele a levava. Teve a sensação de já ter
estado naquele sítio. Havia uma luz ao fundo e podia distinguir-se o chalé, a
brilhar no meio das árvores. Jake tinha-a trazido à casa do caseiro, Joe
Pearson.
O carro parou e ouviu-se o cão, Bess, a ladrar. Jake abriu a porta.
— Vamos. O Joe já deve saber que somos nós. A cara dele, escondida na
noite, não indiciava emoção alguma. Como não lhe tinha dado qualquer
explicação, Ashley ficou dentro do carro, infelicíssima, sem perceber porque
preferia ele estar com o caseiro em vez de com ela. Mas, mesmo assim,
continuou a não ter coragem de fazer perguntas. Só disse:
— Acho que já é um bocadinho tarde.
Sentia-se pouco à vontade. Jake saiu do carro sem dar mostras de a ter
sequer ouvido e bateu com a porta. Não teve outro remédio senão ir atrás dele.
Estava bastante enervada, mas, quando viu Joe assomar à entrada da casa,
sentiu-se melhor.
— Ah, logo vi que eras tu! Entra! Entre também, Ashley. Como está esse
tornozelo?
Ela assegurou-lhe que o pé estava óptimo. Joe indicou-lhes o sofá e foi
pôr a chaleira ao lume. A casa cheirava bem, a sopa ou ensopado. Ashley estava
constrangida e achou que tinha interrompido o jantar ao caseiro.
Sentou-se muito hirta, com os braços cruzados. Quando Joe veio para ao
pé deles, teve a sensação de que arqueava uma das sobrancelhas, como quem
pergunta qualquer coisa. Jake estava na outra ponta do sofá, de pernas
estendidas e mãos nos bolsos, e a sua atitude deixava claro que havia um
problema no ar.
Joe quebrou o silêncio.
— Então? Foram ao solar?
— Sim — respondeu Jake.
— Estou a ver. E não têm fome?
— Não, obrigada — respondeu Ashley rapidamente.
O nó que lhe apertava a garganta aumentava a cada segundo que passava.
— Cheira bem? O que é? — perguntou Jake.
— Uma sopa que eu estive a fazer. Querem um bocadinho? Jake hesitou,
mas depois encolheu os ombros:
— Ora, porque não?
Ashley olhou para ele, escandalizada. Ele tinha coragem para comer o
jantar do velho caseiro? Jake sentiu-lhe o olhar e encarou-a.

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— O que foi? Achas que o Joe não tem comida que chegue para todos?
Não te preocupes.
Ela desviou o olhar.
— Obrigada, mas não tenho fome. Só isso. Joe esfregou as mãos
enormes e avermelhadas.
— Bem, Jake, a chaleira está quase a ferver e o bule preparado. Há
pratos na bandeja e também há pão, se quiserem. Agora vou deixar-vos.
— D... deixar-nos?! — gaguejou Ashley.
— Sim, minha menina. Vou-me deitar. Já são quase dez horas e preciso
das minhas horinhas de sono para me manter em forma. E não se preocupem
com a loiça que eu amanhã lavo isso tudo.
Ashley olhou para Jake, que não parecia nada surpreendido com a saída
inopinada de Joe. Pouco à vontade, começou a dizer:
— Sinceramente... Não tem de se ir deitar...
— Ah, isso é que preciso, menina. Estou cansado. Ah, Jake, não te
esqueças de deixar o Bess ir à rua um bocado antes de saírem, está bem?
Jake levantou-se.
— Claro, Joe. E... e obrigado.
Joe sorriu, deu-lhes as boas noites e subiu para o quarto. Ashley
levantou-se também, enervada.
— Acho que está na hora de eu ir também. Como tu muito bem explicaste
ao teu pai, prometeste a tia Mona que me levavas cedo.
Jake nem olhava para ela.
— Não sejas tola. Que cheiro maravilhoso! Tens de provar desta sopa.
Ashley cerrou os punhos.
— Jake, quero ir para casa. Se é assim que costumas fazer as coisas,
trazer para aqui mulheres, eu não tenho nada a ver com isso!
— Eu não trago para cá mulheres. Nunca trouxe nenhuma antes. E avisei
o Joe de que éramos capazes de cá vir hoje.
— Bem, eu não quero cá ficar.
— Porque não?
— Sabes perfeitamente! Oh, Jake, porque me levaste a conhecer a tua
família? Tu, no fundo, não querias. Arrependeste-te no preciso instante em que
eu entrei para o carro.
— Não é verdade.
— Então qual é a verdade? Que não me ligaste nenhuma, que deixaste a
tua mãe estar para ali a fazer-me aquelas perguntas...
— Tu já estavas à espera de qualquer coisa no género, ou não?

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— Talvez. Mas senti a falta de um apoio teu.
— De um apoio meu?! Bem, Ashley, já ouvi que chegue sobre o que devo
ou não devo fazer a teu respeito.
— O que quer isso dizer? Jake passou a mão pela testa.
— Sabes que o Mark esteve a falar comigo, não sabes?
— Não — Ashley estava perturbada.
— Tu sabes que ele falou comigo! — resmungou ele irritado.
— Sim. Mas... mas o que te disse ele?
— Não interessa o que disse exactamente, mas, resumindo, acha que tu
és muito nova para saberes o que queres. Uma opinião que, conforme me foi
comunicado esta noite, é partilhada pela tua tia.
— Mas...
Ele continuou:
— Se tu fosses como a Karen, se estivesses influenciada pelo facto de
eu ser... filho de Sir James Seton, pela minha posição social, isso era aceitável.
Mas, pelos vistos, não é o caso. Aliás, tu própria lhes disseste que não querias
nada viver ”com esse tipo de gente”. Logo, eles concluíram que a tua atracção
por mim só pode ser qualquer coisa de passageiro. Uma fixação psicológica
qualquer com homens mais velhos, que tem a ver com a morte inesperada do teu
pai!
— Jake! Estás a falar a sério?! — perguntou, chocada.
— Não estou para brincadeiras! — retrucou áspero. — Bem, e agora
vamos lá a comer essa sopa.
Ashley quase gritou:
— Jake! Oh, Jake! Tenho muita pena!
— Eu também.
Virou-se e foi buscar pratos.
— Ao menos prova um bocado da sopa, senão o Joe fica ofendido.
Durante breves segundos, ela não se conseguiu mexer. Mas levantou-se e
foi ter com ele, abraçando-o pelas costas. Jake parecia muito tenso, mas ela
não desistiu. Encostou a cara às costas dele e murmurou:
— Jake! Se fazes favor! Não fiques zangado comigo. Se falei das minhas
dúvidas em relação a nós e em relação aos meus sentimentos, é porque quero
ter a certeza absoluta de que... do que o que estamos a fazer está certo.
Num impulso, desabotoou-lhe dois botões da camisa e pôs a mão em cima
da pele quente do corpo dele. Tocar-lhe assim, sentir-lhe o sangue pulsar nas
veias era uma experiência enlouquecedora. E, pelo ritmo crescente da sua
respiração, ela percebeu que Jake também estava muito alterado.

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Mas, num gesto brusco, repeliu-a e encarou-a para lhe dizer,
violentamente:
— Eu sou um homem, Ashley. Não sou nenhum menino. Se estás à procura
de divertimentos, sugiro que arranjes outra pessoa.
— Mas tu achas que eu estou à procura disso? — protestou.
— Parece-me evidente! Não foste tu que disseste que não te querias
casar tão depressa?!
Ela estendeu as mãos num gesto de desalento.
— Oh, Jake! Tu sabes perfeitamente que isso foi só um desabafo.
— Pois eu acho que foi para me magoares. Porquê, Ashley?
— Eu não te quis magoar! Só quis demonstrar-te que, bem, que não me
estavas a prestar a atenção que devias.
— Que devia?! Não fiz nada que se comparasse a isso!
— Tu... tu deixaste a tua mãe dizer-me aquelas coisas horríveis sem
sequer dizeres nada.
— Só quis deixar-te livre para formares a tua própria opinião, como me
foi pedido.
— Não percebo. O que quer isso dizer?
— Oh, Ashley: a tua tia e o Mark queriam ter a certeza de que tu ias
decidir por ti, sem nenhuma interferência minha. Perceberam que eu te podia
dar uma visão completamente distorcida da realidade da minha família. E
pediram-me que não te influenciasse, para poderes tirar as tuas conclusões. Foi
o que eu fiz.
Parou, por momentos. Estava com a boca torcida num trejeito que podia
ser de raiva ou de tristeza. Depois, acrescentou:
— Mas tu, que te portaste como uma criança atrasada mental,
estragaste tudo. Fizeste-me passar por um imbecil, por um idiota!
Ashley sentia-se no meio de um redemoinho sem saber o que fazer.
— Oh, Jake! O que posso dizer? Não sei...
— Acho que não, não sabes. — Ele desencostou-se da mesa.
— Tu nunca me falaste em casamento!
— E era preciso falar?!
— Acho... acho que sim.
— Porquê? Sabes muito bem quais são os meus sentimentos a teu
respeito. Achas que eu ia romper com a Bárbara se estivesse só interessado
em sexo?
— Jake!
— É verdade e tu sabes isso! Mas talvez a tua tia tenha razão. Talvez tu

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sejas muito nova. Mas uma coisa é certa: apesar de tudo, mudaste de opinião a
meu respeito, não mudaste?
— Não compreendo.
— Não confias em mim! Por mais que eu me esforce, não confias em mim!
— Confio, sim! Confio!
— Muito bem. Então, se é assim, passa a noite comigo! Ashley corou até a
raiz dos cabelos e engoliu em seco.
— Passar a noite contigo aonde, aqui?
— Onde havia de ser?
— Eu... eu não posso.
— Não podes porquê? Não queres?
Os olhos dele percorriam-na da cabeça aos pés em ar de provocação.
— Não é uma questão de querer ou não. Os meus tios... nunca iam
autorizar...
— Telefona-lhes! Dizes que a minha mãe te convidou para passar a noite
no solar.
— Eu... eu não posso.
— Estás a ver? Não confias em mim.
— Confio! Oh, Jake! O que queres que te diga? É por dormir contigo que
te vou provar alguma coisa? Pensei que... que tu me respeitavas.
— Ah, esta agora é de mais!
Ele falou em tom de não dar azo a mais conversa e ela virou-se para ele,
alarmada. Sem sequer lhe retribuir o olhar, Jake declarou: ”— Vamos embora.
Perdi o apetite.
Ashley não teve outro remédio senão concordar. Desceu os degraus
acabrunhada enquanto ele tratava do cão. Depois, Jake apagou as luzes, fechou
a porta e deitou a chave de Joe na caixa do correio.
Entraram no carro em silêncio. Ashley tinha imensa vontade de discutir,
de argumentar, de se defender, mas não foi possível. Não lhe saía da cabeça
aquele convite inesperado dele, não conseguia decidir se tinha sido a sério ou
não.
Apetecia-lhe que aquela noite nunca tivesse existido, que pudesse voltar
ao dia anterior, em que se sentira tão feliz. Porque fora tão leviana e estúpida?
Tudo despeito, por achar que ele não lhe estava a dar atenção.
Respirou fundo, estremecendo. Ele tinha razão, ela era tola e infantil.
Mas e agora? Qual seria o preço a pagar? E o que era isso comparado ao amor
que sentia por ele? Sim, amor, porque agora ela sabia. Apesar dos incidentes,
aquela noite revelara-lhe que o amava. Amava-o desesperada e

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apaixonadamente e não havia nada no mundo mais importante do que esse seu
amor.
Ele parou o carro em frente ao Golden Lion, sem fazer tenção de a ir
ajudar a descer. Ela saiu devagarinho, na expectativa de que ele dissesse
qualquer coisa. Jake ficou calado e tudo o que fez foi inclinar-se para lhe
fechar a porta. A seguir arrancou sem sequer lhe dar as boas-noites.
Ainda havia muita gente no bar e, em casa, estavam todos acordados.
Eram só dez da noite. Ashley estacou à entrada, desejosa de ir directamente
para o quarto. Como iria contar à tia que se tinha divertido se só lhe apetecia
chorar?
Nem de propósito, a tia Mona apareceu nesse preciso instante,
surpreendida de ver ali a sobrinha.
— Olá! Vieste muito cedo?
— Chegámos mesmo agora.
— Chegaram? Onde está o Jake?
— Ele... ele já foi.
A tia Mona encolheu os ombros.
— Então? Divertiste-te?
Ashley olhou para a tia. Não conseguia articular palavra. Então, sem se
poder conter, desatou a chorar convulsivamente. A tia Mona ficou assustada.
— Ashley! Então o que foi? O que aconteceu? Oh, meu Deus, Ashley! Ele
não tentou...
— Não, não. Nada disso! Nós... nós tivemos uma discussão, mais nada. A
tia importa-se se eu me for já deitar?
— Foste apresentada à família?
— Fui! Claro! Oh, porque teve de ir contar ao Jake... coisas a meu
respeito?
A tia Mona parecia escandalizada.
— Ele... contou-te a nossa conversa?!
— Fui eu que lhe perguntei! Oh, eu não sou nenhuma criança! Sou uma
pessoa muito madura, sabia?
— Ashley! Eu só lhe disse que achava que tu és muito nova para te
envolveres a sério com uma pessoa como ele!
— Mas porquê? Porquê? Eu não sou infantil, ou sou?
— Bem, não és propriamente muito vivida, pois não?
— O que quer isso dizer? Vivida? Acha que a Karen sabe mais do que eu
só porque sai com um rapaz diferente todas as semanas? Acha que é disso que
eu preciso?

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— Não te zangues, Ashley. A Karen... bem, a Karen não é como tu, e é
mais velha dois anos. Além disso, se discutiram só porque eu lhe estive a dar
uns conselhos, isso não quer dizer que...
— Não foi por causa disso! Oh, o que hei-de fazer? — exclamou Ashley,
lavada em lágrimas.
A tia Mona olhou em redor e declarou:
— Anda comigo beber um chá à cozinha.
— Prefiro ir dormir.
— E chorar até que rompa o dia? Pois com certeza. Anda. Uma chávena
de chá só te fará bem. Depois podes ir para a cama. Vais ver que dormes
melhor.
Mas Ashley não pregou olho. Passou uma noite agitada, às voltas na cama.
No dia seguinte, acordou com péssima cara. Vestiu umas calças e uma camisa de
lã e desceu. Estava a lavar a loiça do pequeno-almoço na cozinha quando
bateram à porta.
Sentiu o coração acelerar-se. Seria Jake? Correu para a porta e
estacou, surpreendida, ao ver um homem com farda de motorista.
— É a menina Ashley Calder? — perguntou com deferência.
— Sim.
Ashley não fazia a mínima ideia de quem pudesse ser.
— Eu sou o motorista de Sir James Seton, menina. Sir James está à sua
espera no solar.
Sir James! Bateu com a mão na testa. Claro! Tinha-se esquecido
completamente!
— Mas... ainda não estou pronta.
— Eu espero, menina.
Muito educado, o motorista inclinou a cabeça e afastou-se. Os tios
ficaram muito admirados quando souberam que Ashley ia ao solar outra vez.
— Não tens medo de que o Jake ache que estás a correr atrás dele? —
perguntou a tia Mona, muito directa.
— O Jake não está lá. Eu... Sir James convidou-me também para o
almoço, mas eu não fico. Devo... devo voltar daqui por uma hora.
— Porque vais, se não te apetece? Não tens de te curvar aos desejos de
Sir James — disse o tio David.
— Eu sei que não. Mas ele foi muito simpático comigo e eu não o quero
desiludir — sorriu Ashley, enquanto vestia o casaco de camurça.
— Claro que não! — A tia Mona sorriu também, na tentativa de lhe dar
segurança.

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— E se o Jake aparecer por cá enquanto estiveres fora, vou dizer-lhe
que saíste e que deve ter cuidado com a concorrência.
— Não tio David! Não faça isso! — disse Ashley, aflita, sem ver que o tio
só estava a brincar.
Foi uma aventura atravessar as ruas de Bewford no banco de trás do
Bentley cinzento. O carro chamava a atenção e ela fazia os possíveis para não
ser reconhecida, encostada no assento o mais que podia.
Sir James veio recebê-la com a filha mais nova. Os nervos de Ashley
começaram a dar sinal. Fez um esforço para não revelar o estado de tensão em
que estava.
— Ashley! Minha querida! Já começava a pensar que não vinhas! — disse
Sir James, enquanto lhe dava um afectuoso e longo aperto de mão.
— Eu... eu esqueci-me. Ainda não estava pronta quando chegou o
seu motorista... — murmurou Ashley, envergonhada.
— Bem, isso não interessa! O importante é que chegaste! Já conheces a
Hilary, não conheces?
Ashley esforçou-se por sorrir.
— Sim. Como está, Hilary?
Antipática, ela respondeu com um ”olá” e depois virou-se para o pai.
— Pronto! Posso ir-me embora?
— Pode, pode. A Hilary vai a casa dos Forrest jogar ténis com a Bárbara.
Num esforço supremo, Ashley conseguiu manter uma expressão
impassível. Bem feitas as contas, era um alívio. Depois de Hilary seguir no
Bentley, Sir James indicou-lhe o caminho para a estrebaria.
Quando lá chegaram, um cavalo aproximou-se deles e Sir James tirou
uns torrões de açúcar do bolso e, colocando-os na palma da mão, deu-os a
comer ao animal. Ashley estava pouco à vontade no meio daqueles animais tão
altos. Já tinha ido à estrebaria uma vez e lembrava-se bem de ter visto Jake e
Bárbara de regresso de um passeio a cavalo pelo campo, com ar feliz e
confiante.
A égua Sofia era toda branca e parecia muito dócil. Ashley estendeu-lhe
uma maçã e ela ficou por ali. Não se percebia se tinha gostado de Ashley ou se
só queria mais presentes. Encostou a cabeça ao pescoço da égua e, pela
primeira vez, sentiu o consolo que pode dar a amizade com um animal: sem pedir
nada em troca, sem fazer exigências. Simples e claro.
Sir James tinha-a observado atentamente e, quando saíram da
estrebaria, perguntou:
— O que aconteceu?

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— Como? — perguntou, surpreendida.
— O que aconteceu? Não estás a mesma. Estás mais sensível, mais
emotiva. Foi o meu filho, ontem à noite, quando saíram de cá?
Ashley encolheu os ombros, tentando mostrar um ar despreocupado.
— Claro que não. Estou muito contente por me ter convidado. Gostei
muito.
— Até parece que te queres despedir. Estás convidada para o almoço, ou
já te tinhas esquecido?
— Infelizmente, não posso.
— Porquê?
— Prometi aos meus tios que ia almoçar a casa.
— Telefona-lhes, diz-lhes que ficas cá. Além disso, o Jake volta cedo e
há-de querer encontrar-te cá, ou não?
Ashley suspirou.
— Acho que é melhor explicar-lhe. O Jake e eu tivemos uma discussão
ontem à noite.
— Também me queria parecer. — Sir James não pareceu nada
surpreendido.
— Como percebeu?
— Diz-me uma coisa Ashley... Amas o meu filho? Ashley hesitou um pouco
e depois disse:
— Muito!
— E ele sabe?
— Ele acha que eu sou tola e infantil.
Sir James não parecia lá muito convencido.
— Acha? Deve ser por isso que esta noite não foi à cama. Encontrei-o
hoje de manhã caído numa cadeira com uma garrafa de conhaque vazia ao lado.
— A sério?
— Muito a sério! Santo Deus, Ashley! Não percebes que o Jake está
perdido de paixão por ti? Não adianta negar as evidências. Hoje saiu daqui com
má cara, tristíssimo. Não o achei sequer com cabeça para ir tratar de negócios.
Tu não poderás fazer qualquer coisa que acabe com esta depressão?
— Claro que, se pudesse, fazia! — Ashley apertou as mãos com força.
— Bem, a meu ver, se há alguém que possa, és tu.
— Mas... mas ontem à noite... bem, ele disse que eu o obriguei a fazer
figura de imbecil, que estraguei tudo, que era irremediável.
— Duvido muito, que, bem no íntimo, seja isso que ele pensa. Seja como
for, assim que voltou para casa houve para aí uma discussão como não há

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memória!
— Por... por minha causa?
— Sim. Por causa da maneira como foste tratada. Ashley, volto a dizer-
te o que te disse ontem à noite: o meu filho não é fácil, mas tu sabes com
certeza o que ele sente por ti.
— Acho que estou a perceber... Oh, Sir James, eu... eu estava tão
deprimida quando cá cheguei esta manhã e agora...
— Agora o quê?
— Agora acho que também o amo a si — respondeu timidamente, com um
sorriso no canto dos lábios.
Sir James parecia satisfeito.
— Bem, vamos até casa beber um café. Depois ligas para os teus tios.
Ficas para o almoço, está bem?
— Sim — assentiu Ashley.
Quando se dirigiam para casa, caminhava a passos leves, como se
flutuasse numa nuvem de felicidade. Nem o encontro iminente com Lady Seton
era capaz de lhe alterar este estado de espírito.
O almoço foi mais fácil do que tinha pensado. Hilary não estava e Lady
Seton fora obviamente industriada para não fazer comentários desagradáveis.
Não se desmanchou em amabilidades, mas também não a tratou como uma
intrusa, usurpadora.
Depois do almoço, Ashley foi até à biblioteca e escolheu um livro de
poemas de Tennyson para ler. Sir James desculpou-se por a deixar sozinha,
mas teve de ir tratar de negócios. Lady Seton saiu para jogar golfe e não havia
rastos de Jennifer ou de Hilary.
Ashley ficou satisfeita por poder ficar ali sossegada à espera de Jake.
Começou a imaginar qual seria a reacção dele quando voltasse e a visse ali.
Tentou ensaiar o que lhe queria dizer, mas sorriu ao perceber que lhe bastava
mostrar o muito que o amava e dizer-lhe que casavam assim que os papéis
estivessem prontos.
Às quatro da tarde veio uma criada trazer-lhe o chá e anunciar que Sir
James ia ter com ela dentro de quinze minutos. Ashley serviu-se de uma
chávena de chá e de uma sanduíche. Estava a sorrir para si própria quando Sir
James entrou.
— Huumm. Que belo quadro — comentou ao vê-la aninhada numa das
enormes poltronas de couro. E acrescentou: — O Jake não deve demorar. Aliás,
já devia ter chegado há mais de meia hora.
Ashley serviu-lhe uma chávena de chá.

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— Deve ter tido mais coisas para fazer do que pensou. Quer açúcar e
natas?
— Sim, se fazes favor. Mas não contes à Helen. Ao pé dela só bebo café
com leite.
Estava-se muito bem na biblioteca, com as suas cortinas de veludo verde
e os pinheiros a espreitarem, lá fora. Era bom trocar o ambiente movimentado
e barulhento de Golden Lion por aquele sossego. Ashley soltou um suspiro de
satisfação. Sir James olhou-a.
— Não estás preocupada, pois não?
— Por causa de me ir encontrar com o Jake? Não. Mal posso esperar
para o ver.
Sir James fez um gesto de aprovação com a cabeça. Tirou do bolso o
pesado relógio de ouro e franziu a testa.
— Já são cinco horas... O Jake devia ter chegado há uma hora. Onde se
terá enfiado?
Às cinco e meia Ashley estava com os nervos em franja. Onde estaria
Jake? Porque nunca mais chegava? Não podia ter descoberto que ela lá estava,
nem decidido, por isso, não ir a casa até ela sair... Ou podia?
Hilary voltou uns minutos mais tarde. Olhou com curiosidade para as
caras preocupadas de Ashley e do pai e rematou, com o sarcasmo que lhe era
peculiar:
— O que aconteceu? Ainda estão à espera do Jake? Porque têm essa
cara?
— O seu irmão ainda não voltou. Por acaso viu o carro dele? Hilary
hesitou e, por um momento terrível, Ashley achou que ela ia contar que Jake
estava em casa de Bárbara. Mas, depois de olhar para o pai, a rapariga abanou a
cabeça.
— Não. Não o vejo desde esta manhã. Mas o que tem? Ainda nem são seis
horas.
— Ele devia ter voltado para casa às quatro, ou antes. Se não chega
rapidamente, vou ligar para Hastings. Pode ser que se tenha demorado mais do
que pensava.
Enquanto ele falava, tocou o telefone e Hilary correu disparada para
atender a chamada.
— Deve ser ele, vai ver. Digo-lhe que a namoradinha cá está? -
indagou, maldosa, olhando para Ashley.
— Passe-me o telefone imediatamente.
Sir James alcançou-a no preciso momento em que ela levantava o

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auscultador.
Por momentos, nem Ashley nem Hilary notaram fosse o que fosse de
anormal na expressão de Sir James, mas, à medida que ouvia o que lhe diziam
do lado de lá da linha, ele ia ficando mais e mais pálido. Depois, procurou uma
cadeira e sentou-se, como se lhe tivessem posto mais trinta anos em cima.
Ashley esperou ainda um pouco... Depois, sem se conter, levantou-se e
foi ter com ele, agarrando-lhe as mãos.
— O que foi? É o Jake? É, não é? Diga-me o que aconteceu. Está ferido?
Está morto?
Tinha o coração a disparar e o sangue martelava-lhe as veias. Sentia-se
tão mal que nem conseguiu ouvir o que Sir James respondeu. Quando ele acabou
por desligar o telefone, levantou os olhos em súplica. Ele falava devagar.
— O Jake teve um desastre... Na estrada de Ripon. Levaram-no para um
hospital ali ao pé. Não está morto, nem está a morrer mas... Oh, meu Deus, está
muito mal.

CAPÍTULO XI

O décimo oitavo aniversário de Ashley passou quase despercebido. Ela


viveu uns dias horríveis, a recriminar-se pelo desastre de Jake. Achava que ele
tinha ficado alterado e enervado por culpa dela e só por isso é que sofrera
aquele acidente. Os tios repetiam-lhe que a culpa não podia ser dela, que o
outro carro vinha fora de mão, mas Ashley convenceu-se de que, se Jake não
estivesse tão cansado por não ter dormido, teria tido os reflexos suficientes
para evitar o choque.
Ao que parecia, os Seton eram da mesma opinião. As acusações que
Hilary lhe tinha lançado na biblioteca, quando recebeu a notícia, ainda agora a
faziam estremecer de pânico.
O próprio Sir James, apesar de não a ter acusado, não fez nada para
calar a boca a Hilary. Limitou-se a dar ordem ao motorista para levar Ashley a
casa.
Ela quis protestar, quis ficar lá, ir com eles ao hospital, estar perto de
Jake, mas foi impossível. Voltou para casa pálida e completamente desfeita.
Passou a noite numa cadeira da sala e nada nem ninguém a conseguiu arrastar
dali para ir descansar umas horas. Ligou para o hospital, mas informaram-na de
que ainda não havia nenhum diagnóstico definitivo sobre o estado do senhor
Seton. Pretenderam saber quem ela era, porque a família não queria que os

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jornais dessem notícias sobre o caso, e informaram-na de que, dali para a
frente, teria de ligar para o solar, a fim de saber notícias.
No dia seguinte, Ashley telefonou para o solar e uma criada disse-lhe
que Jake fora operado na noite anterior e que os pais dele estavam no hospital.
A informação ainda a deixou mais preocupada, quase histérica, porque não tinha
maneira de saber o resultado da operação. Porque o teriam operado? A quê?
Passou o resto do dia em estado de choque.
Acabou por pagar o preço de não dormir e não comer e, na segunda-feira
à noite, teve um colapso. O tio David telefonou para o solar e insistiu em falar
com Sir James. Ashley nunca soube qual o teor da conversa, mas, pelo menos, o
tio tinha notícias de Jake.
— Ele vai ficar bom, mas está muito mal e só Deus sabe quando vai sair
do hospital — declarou o tio com voz sombria.
Ashley estava deitada no sofá, com os olhos vermelhos de chorar,
enormes no seu rosto muito pálido.
— Posso vê-lo? Perguntou-lhes?
— Perguntei. Mas Sir James acha que é melhor não o veres, por agora.
Ele não está propriamente com bom aspecto...
Ela levantou-se um pouco, apoiada nos braços.
— E acha que eu me importo alguma coisa com isso? Tio David, não lhes
explicou? Não lhes disse que... que eu estou desesperada?
Ele sentou-se na borda do sofá ao lado dela.
— Claro que lhes expliquei. Ouve, Ashley, tens de ser compreensiva. Há
alturas em que as pessoas da família têm preferência. És capaz de
compreender isto, não és?
— Mas... E se o Jake me quiser ver? Se chamar por mim?
— Bem, se ele quiser, aí... sem dúvida que eles te hão-de chamar.
— O tio acha que o Jake não me quer ver, não acha?
— Ashley... Tens de admitir essa hipótese. Quando se despediram pela
última vez as coisas não corriam bem, não é verdade?
— Sim.
A voz dela estava embargada pelo choro. O tio David fez-lhe festas no
cabelo desalinhado, tentando consolá-la.
— Tens de reagir, Ashley. Não adianta nada ficares assim. Pensa que o
Jake vai ficar bom e que, seja o que for que houve entre vocês... há-de acabar
por se resolver, com o tempo...
— Acho... acho que o tio tem razão.
— Eu sei que tenho. Agora é melhor ires deitar-te. A tia Mona ou a

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Karen levam-te qualquer coisa quente para beberes.
Nessa noite chegou uma visita inesperada: Jennifer. Já veio muito tarde,
depois de o bar estar fechado e quando todos se preparavam para dormir.
Ashley tinha tentado manter uma aparência tranquila e descansada
durante o dia todo, mas estava esgotada e só queria poder ficar sozinha com a
sua dor e chorar até adormecer, como fazia todos os dias desde o desastre.
O tio David foi à porta atender e Ashley, quando o viu voltar com
Jennifer, deu um grito de desespero. Para ela, a visita de Jennifer só podia
significar uma coisa...
— O que aconteceu? É o Jake, não é? Oh, meu Deus. Ele não está morto,
pois não? — perguntou, com o corpo todo em agonia.
Jennifer olhou para ela cheia de compaixão ao reparar no seu rosto
magro e pálido, nos olhos encovados e vermelhos. Aproximou-se e passou-lhe o
braço pelos ombros. Falou baixo, a acalmá-la.
— Não. Não está morto. Ele quer vê-la. Ashley sentiu a respiração parar.
— Porquê? Ele... ele vai morrer?
— Espero que não, Ashley, mas teve uma recaída... e está a chamar por
si. Vem? — disse Jennifer tristemente.
— Claro que sim. Onde está o meu casaco?
A tia Mona sacudiu a cabeça, preocupada.
— Vai levá-la, menina Jennifer?
— Sim.
— Sir James sabe disto? — perguntou Mark com o rosto alterado.
— Sim, sabe.
A viagem até ao hospital de Chalfont parecia que nunca mais acabava,
mas Jennifer conduzia com todas as cautelas, pois não podia permitir que
acontecesse fosse o que fosse à pessoa de quem o irmão mais gostava neste
mundo.
As duas raparigas pouco falaram pelo caminho, mas, quando se
aproximavam do hospital, Jennifer disse:
— Tenho de lhe contar que o Jake chamou por si sem parar assim que
recuperou os sentidos, há uma semana atrás.
Ashley olhava para ela, sem acreditar no que ouvia.
— O quê? Mas... mas porque não me avisaram?... Porque não me
deixaram...
— A minha mãe proibiu-nos.
— E Sir James...
— O meu pai tem estado muito abalado. Nunca o tinha visto assim. Não

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está em condições de enfrentar a minha mãe. Ela é uma mulher muito forte,
Ashley.
— Mas é a vida do filho dela que está em jogo.
— Não. Naquela altura não era. Parece que é muito normal as pessoas que
estão a acordar de operações chamar por alguém conhecido, às vezes até por
pessoas que não vêem há muito tempo. Ninguém achou que o facto de não te
ver pudesse afectar a recuperação dele. E... realmente, durante a semana,
quando já reconhecia as nossas vozes, ele nunca mais voltou a falar em si.
— Reconhecer as vozes? Não percebo?
Os olhos foram atingidos por estilhaços de vidro. Tem os olhos
vendados, não consegue ver nada. Tem de estar preparada, Ashley. Tente
dominar-se e controlar as suas emoções.
— E ele tem os olhos muito feridos? Vai ficar com a visão afectada?
— Temos de estar preparados para isso.
Ashley sentiu uma tontura por breves instantes. Não podia suportar a
ideia de Jake poder vir a ficar cego.
O quarto de Jake, no hospital, era o mais agradável que podia ser um
quarto de hospital, mas agora, de noite, sem flores, parecia mais árido e triste.
Tudo contribuía para dar um ambiente frio e impessoal, desde a estreita cama
de ferro, com os lençóis muito brancos e engomados, até à garrafa de soro
pendurada sobre a cama com os tubos a entrarem no braço de Jake.
À porta, Ashley vacilou, tentando arranjar forças para enfrentar a
situação. Estava com uma irreprimível vontade de chorar, mas tinha de se
mostrar forte e confiante. Não podia deixá-lo perceber que se sentia triste e
desanimada. Isso podia prejudicar-lhe a recuperação.
Contudo, o aspecto de Jake deixou-a chocada. Tinha a parte superior da
cabeça envolta em ligaduras e o nariz e os lábios estavam cinzentos. Por baixo
do pijama podia ver-se o gesso que continuava pelo tronco todo. Tinha os
braços estendidos, inertes sobre o cobertor.
Sentiu-se invadir por uma onda de amor e compaixão. A um aceno do
médico que as acompanhara com uma enfermeira, aproximou-se da cama e
pegou nas mãos de Jake. Disse com voz tímida:
— Jake. Jake, sou eu. A Ashley.
— Ash... Ashley?
— Sim, sim sou eu. Estou aqui.
Ele não acreditava e repetiu, passando a língua pelos lábios ressequidos.
— Ashley. És mesmo tu?
Ela encostou a mão à cara dele.

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— Sim, sou eu. Não me reconheces? Não reconheces a minha voz?
De súbito, a mão dele pareceu ganhar vida própria e passou-lhe pela
garganta e pela cara, parando sobre a boca. Desta vez, a alegria de a
reconhecer estava presente na sua voz.
— Ashley. Sim, és tu.
Mas, repentinamente, a mão caiu-lhe sobre o cobertor. Alarmada, Ashley
virou-se para o médico, que deu um passo em frente e a afastou da cama, com
firmeza.
— Não se preocupe, menina Ashley. Está tudo bem.
— O senhor Seton está a dormir. Qualquer esforço, por mais pequeno
que seja, deixa-o esgotado — disse a enfermeira.
— Tem a certeza? — perguntou Ashley que não estava completamente
convencida.
— É verdade, Ashley — disse Jennifer, com os olhos rasos de lágrimas.
— Mas ele estava acordado... O médico sorriu.
— Sugiro que a menina vá com a menina Jennifer e com a nossa
enfermeira até à sala de espera. Ela arranja-lhes uma chávena de chá. Depois
podem voltar cá.
Ashley obedeceu. Também estava a começar a sentir-se cansada. Era
mais duro do que esperava. Mal se tinha nas pernas e sentiu-se grata quando a
enfermeira a tomou pelo braço para a conduzir a uma pequena sala, ao fundo do
corredor.
Enquanto bebiam o chá, Ashley perguntou quanto tempo achavam que
Jake ainda ia dormir.
— É difícil de prever. Talvez uns minutos... Talvez várias horas... O
melhor é passarem a noite aqui — respondeu a enfermeira.
— Oh, sim. Claro que sim, se for possível, mas só queria telefonar aos
meus tios para os avisar. Já devem estar preocupados comigo.
Conforme Ashley tinha previsto, a tia Mona estava à espera de que
telefonasse e achou bem que a sobrinha passasse a noite no hospital.
Apesar de haver camas disponíveis para as duas num quarto ao lado,
nenhuma se chegou a despir. Ashley deitou-se, mas não dormiu, atenta ao
mínimo ruído que pudesse vir do quarto de Jake.
Por volta das três horas da madrugada, veio a enfermeira chamá-la. E,
quando entrou no quarto, Jake devia ter ouvido porque a chamou com a voz
fraca e hesitante.
— Ashley? És tu, Ashley?
Ashley correu para a cama e ajoelhou-se ao lado dele, apertando-lhe a

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mão contra a cara.
— Sim, sou eu. Estou aqui — murmurou. — Oh, Jake, meu amor,
pregaste-nos um susto horrível.
Os lábios dele moveram-se, tentando sorrir.
— Dei, não dei?
O rosto contraiu-se-lhe e teve de fazer um esforço enorme para lhe
indicar um lugar na cama.
— Vem... Vem sentar-te aqui ao pé de mim.
Ashley sentou-se cuidadosamente na borda da cama para não a sacudir.
Ele levantou o braço e puxou-lhe a cabeça para si.
— Tenho... tenho medo de te magoar — disse ela baixinho.
— Só quero dar-te um beijo — disse ele sem muita firmeza. Ashley não
lhe opôs resistência. Teve apenas o cuidado de se apoiar nas mãos para não lhe
fazer peso.
Os lábios dele estavam quentes e tremiam contra os dela. Nunca o tinha
visto tão vulnerável. Sentiu-se transbordar de amor por ele. Só queria ajudá-lo
no que pudesse para ele ficar bom outra vez, mesmo que cegasse... mas Deus
não ia permitir. Contudo, se isso acontecesse ela continuaria ao lado dele, seria
o seu olhar. Tinha de se concentrar e transmitir-lhe este desejo de viver e de
resistir.
— Jake, eu... eu amo-te — murmurou, emocionada, ao ver que ele
estremecia.
Por um breve instante a mão dele apertou a sua e os lábios curvaram-se
numa pergunta.
— A sério? É verdade?
Ela respondeu-lhe veementemente:
— Oh, sim. E sei agora que sempre te amei.
Minutos depois a enfermeira voltou e viu que o doente tinha adormecido
outra vez, de mão dada com Ashley.
Já era dia claro quando a jovem acordou com o barulho de vozes que
vinham do corredor, numa discussão mal abafada. Saiu da cama e abriu a porta
do quarto. As vozes estavam mais fortes e sentiu-se invadir por um pânico
angustiado.
Os pais de Jake estavam no corredor, com Jennifer, e, pelos vistos,
tinha sido a voz de Lady Seton que a acordara. Quando esta a viu, assumiu uma
expressão de raiva incontrolável, e Jennifer virou-se ao adivinhar a sua
presença.
— bom dia, Ashley. Acordámo-la, não foi? Desculpe — disse com um riso

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nervoso.
— Eu... eu... Que horas são? O meu relógio parou. Sir James respondeu-
lhe:
— Passa um bocado das dez.
— Já? E Jake? Como está ele?
Os olhos dela iam de um para outro, em súplica, até que Jennifer
respondeu:
— Está bem.
— Não está nada bem, não. E tudo graças a si. Como se atreveu a vir cá?
A interferir? Se não fosse a menina, o Jake nunca sofreria este desastre
horrível — desfechou Lady Seton em fúria.
— Isso não é verdade... — começou Sir James. Mas ela ignorou-o
completamente.
— A menina Ashley não tem nada que estar aqui. Agradeço-lhe que saia e
rapidamente.
— Oh, mãe. Não percebe que a Ashley salvou a vida ao Jake?
interrompeu Jennifer, com as mãos cerradas.
— Não diga disparates.
— Não são disparates. Quando cá cheguei, ontem à noite, eles iam
telefonar-vos para avisar de que o Jake tinha tido uma recaída e já não havia
esperanças...
— E era o que deviam ter feito.
— O quê? E deixá-lo a morrer?
— Ele não ia morrer. Eu tomaria conta dele. A menina desobedeceu às
minhas ordens... — disse Lady Seton entredentes.
A voz de Jennifer soou baixa e zangada, mas ouvia-se pelo corredor
todo.
— Tive de desobedecer.
Abriu-se uma porta e a enfermeira saiu disparada, com cara de poucos
amigos.
— Sir James, Lady Seton. Tenho muita pena mas não posso permitir este
tipo de discussões à porta do quarto do meu doente. Não sei se ele consegue
ouvir o que dizem, mas o som das vossas vozes é suficientemente hostil para o
perturbar. Como o doutor Lindsay já vos explicou, ele agora está a caminho da
recuperação total, mas, de qualquer modo...
— Está? Está mesmo? — Ashley não se conteve.
— Sim, vai ficar bom — disse Jennifer.
Ficou felicíssima e, virando-se para Sir James, disse:

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— Obrigada por ter deixado que eu viesse.
Sir James estava com uma expressão confusa, e Jennifer interveio:
— O meu pai não sabia de nada, Ashley. Eu decidi tudo sozinha.
— Uma atitude imperdoável — declarou Lady Seton, que parecia
asfixiada com tudo o que ouvia.
Ashley sentiu-se pior do que nunca. Olhou para a enfermeira, em busca
de ajuda, com os olhos cheios de lágrimas. Esta, parecendo ter chegado a uma
conclusão, afirmou em voz determinada:
— Concordo com a menina Seton. Duvido muito de que o senhor Jake
tivesse melhorado sem a ajuda da menina Ashley.
Lady Seton fez um estalido depreciativo com a língua, dando a entender
que não acreditava no que tinha ouvido. Mas Sir James parecia não estar de
acordo com a mulher.
— Talvez... Se me tivesse perguntado, Jennifer, talvez concordasse
consigo. Nunca saberemos. Mas há uma coisa que eu gostava que percebesse,
Helen. Devíamos agradecer à Ashley em vez de estar contra ela.
A mulher virou-se para ele:
— Cada vez que penso no que podia ter acontecido! Ele podia estar
morto. Morto. E porquê? Por causa de uma miúda imbecil que não sabe pôr-se
no seu lugar.
— Helen, os rancores não levam a nada. — reprovou Sir James.
— Não consigo evitar. Não posso disfarçar os meus sentimentos. Tanta
desgraça, tanta. E tudo desde que o Jake começou com... com essa aí. Coitada
da Bárbara, a sofrer tanto... — Lady Seton chorava.
— Duvido — ripostou Jennifer, irónica.
— Olha a Hilary diz que sim, que ela está muito mal.
— Nem a Hilary podia dizer outra coisa. Sir James interrompeu a
conversa.
— É verdade. Helen, minha querida, o importante é que o Jake vai ficar
bom.
Agarrada a um lenço, Lady Seton perguntou:
— Vai mesmo?
— Claro que sim — respondeu a enfermeira. — Olhem, eu sugiro que vão
todos até à cantina do hospital beber um café.
Ashley concordou, mas sentia-se presa de uma angústia insuportável.
Teria autorização para o voltar a ver? Agora que ele estava a melhorar... Sir
James era muito simpático, mas a mulher dominava-o. E Jennifer... Bem, era a
sua única aliada, só que faria o que achasse mais conveniente. Lady Seton não a

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deixava ver o filho, mas o que fazer se Jake a chamasse de novo? Não podiam
impedi-la, tinham de a deixar lá ir.
O café estava forte e amargo, mesmo depois de duas colheres de
açúcar, Ashley não foi capaz de o beber. Jennifer disse-lhe que comesse
qualquer coisa, mas ela não conseguia engolir nada. Só de pensar em comida
sentia uma volta no estômago.
Finalmente, Sir James levantou-se e olhou para os outros.
— São quase onze e meia. vou ver se o Jake já acordou. Jennifer, é
melhor ir levar a Ashley a casa. Ela deve querer tomar um banho e mudar de
roupa. Não há necessidade de ficarmos todos aqui.
Ashley hesitou.
— Mas... E se o Jake me quiser ver?
— Nessa altura, nós avisamos-te com toda a certeza. Então, Jennifer?
Pode levá-la?
No regresso, Jennifer mostrou-se muito simpática e compreensiva.
Talvez tivesse percebido que Ashley, afinal, estava tão infeliz como eles todos.
Declarou-lhe que se ia manter em contacto com ela e a avisava assim que Jake
a chamasse.
Deixou-a entregue aos cuidados da tia Mona e despediu-se
calorosamente.
Mas Jennifer nunca mais a procurou. Nem nesse dia, nem no outro, nem
no dia seguinte. Ashley devia começar a trabalhar na biblioteca na quarta-
feira, mas não pôde. Ninguém esperava outra coisa. Passava os dias à espera de
um telefonema, de notícias de Jake, mas nunca mais lhe disseram nada e
acabou por se entregar a um desespero tão completo que teve um esgotamento
nervoso.
Uma manhã não conseguiu encontrar o jornal. Procurou-o por todo o lado
sem êxito. O tio disse-lhe que, por engano, o usara para limpar umas nódoas de
cerveja, no bar. Ashley não suspeitou de nada, não ligava assim tanta
importância ao jornal, apesar de agora o folhear todos os dias à espera de
encontrar uma notícia sobre Jake. Mas, nessa noite, Jeffrey trazia um jornal
vespertino quando veio buscar Karen e, naturalmente, emprestou-o a Ashley
quando ela lho pediu.
Só aí é que ela percebeu porque o jornal da manhã tinha desaparecido
sem deixar rasto. Na primeira página vinha uma fotografia de Jake, sentado na
cama do hospital, com uns óculos escuros que lhe escondiam os olhos. Mas não
fora por isso que o tio lhe escondera o matutino, a razão estava sentada ao
lado de Jake: era Bárbara St. John Forrest, com um ar esplêndido e

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sorridente. Na legenda podia ler-se: ”O filho de Sir James Seton, Jake, e a sua
noiva, a menina Bárbara St. John Forrest, em recente fotografia tirada no
hospital de Chalfont, onde o senhor Seton está a recuperar de um desastre de
automóvel...”

CAPÍTULO XII

Queria um livro de terror, menina Ashley! Já sabe do que eu gosto, não


é? — a Sra. Rose sorriu, confiante, para Ashley, e ela retribuiu o sorriso.
— Sim, senhora Rose. Gosta muito de livros com crimes e mortos, não
gosta?
A Sra. Rose sorriu. Era uma velhinha aí com uns setenta e tal anos, com
ar de quem nunca fez mal a uma mosca.
— Quando chegares à minha idade verás que os livros são muito mais
excitantes do que a própria vida.
Ashley foi examinar as prateleiras onde estavam os livros de terror.
— Talvez este. Veja — disse, após um pequeno intervalo. — O Mistério
do Furacão. Que tal lhe parece?
A senhora pegou no livro e folheou-o.
— Hum! Acho que é exactamente isto que eu quero. Pode carimbá-lo,
minha querida.
Ashley carimbou o livro e entregou-o de novo à velhinha.
— Espero que goste.
— De certeza que sim. Até quinta-feira.
Ashley continuou a tarefa que estava a fazer antes da chegada da Sra.
Rose. Tinha de actualizar cartões de livros antigos. Não era das coisas que
mais gostava de fazer, mas também não lhe custava muito. Desde que começara
a trabalhar na biblioteca, havia seis semanas, já fizera praticamente de tudo,
desde servir o chá até catalogar livros acabados de chegar. Esta última função
era a que mais apreciava, mas, em geral, não tinha razão de queixa. Gostava do
trabalho que fazia e, pelo menos, enquanto ali estava conseguia tirar Jake da
cabeça.
As outras raparigas que trabalhavam com ela não sabiam da sua ligação
com ele e, por isso, nunca houve razão para falatórios. Mas Ashley perguntava-
se quanto tempo aguentaria viver assim, conhecendo as mesmas pessoas que
ele, estando com elas todos os dias sem que soubessem da sua relação. Neste
momento não era muito complicado, uma vez que ele continuava de cama, mas

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quando tudo voltasse ao normal, de certeza que iam surgir dificuldades. Ashley
duvidava de que conseguisse suportar viver ali quando ele casasse com Bárbara.
Mas que fazer? Talvez entrar para a universidade, não nesse ano mas no
próximo. Era tão nova, tinha perfeitamente tempo para iniciar uma carreira.
Mas, até lá, como poderia viver ali em Bewford sem que, mais tarde ou mais
cedo, encontrasse a pessoa que mais temia ver?
Haviam passado oito semanas desde aquela noite horrível em que vira a
fotografia de Jake e da Bárbara no jornal e que o mundo parecia ter-se
desmoronado. Tinha a certeza de que o jornal não iria publicar uma mentira,
especialmente tratando-se de pessoas ali da cidade. Certamente, Jake também
vira a foto e, se não fez nada que o negasse, é porque só podia ser verdade.
Na altura, entregou-se totalmente ao desespero, mas, com o passar do
tempo, percebeu que o seu comportamento era prejudicial, não só a ela mas a
toda a família. Foi então que decidiu tentar refazer a sua vida.
Quando começou a trabalhar na biblioteca, as coisas tornaram-se mais
fáceis. As pessoas que conviviam com ela eram óptimos colegas. Sabiam que
sofrera um esgotamento nervoso e desconfiavam de que tivesse sido motivado
por um excesso de trabalho no período final das aulas. Rapidamente se tornou
amiga deles. Destacava-se pelo seu sentido de responsabilidade e pela
paciência com que atendia as pessoas. Claro que os outros não podiam adivinhar
que se dedicava inteiramente ao trabalho para afastar os problemas.
Estava quase a acabar a classificação dos livros antigos e olhou para o
relógio. Passava pouco das quatro. Era a hora de menor movimento,
especialmente às terças-feiras. A um canto da biblioteca, estavam apenas dois
senhores já de idade, que tinham o hábito de se instalarem ali a ler.
Inesperadamente, a porta abriu-se e uma mulher entrou, com ar de quem
procurava alguém. Era Bárbara! Que poderia querer? E porque havia de vir logo
hoje, quando a sua colega, Sheila, tinha ficado em casa, doente, e o chefe a
deixara a ela encarregada de tudo?
Bárbara, muito elegante, vestia um conjunto de linho branco e trazia um
lenço vermelho ao pescoço. Olhando para um lado e para o outro, viu de repente
Ashley, magra e nervosa, atrás do balcão.
com passos rápidos, aproximou-se. Tinha um sorriso antipático, que lhe
desfeava um pouco o rosto.
— Ah! Ainda bem que te encontro.
Enquanto falava pousou as mãos sobre o balcão, mostrando umas unhas
muito compridas e vermelhas, que contrastavam com a madeira escura.
— Queres fazer-te sócia da biblioteca, Bárbara? — Ashley conseguiu

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controlar-se e falar naturalmente.
— Eu? Que disparate! — sacudiu a cabeça. — Para que faria eu uma coisa
dessas? Já tenho tão pouco tempo para o que preciso, como ia ainda arranjar
tempo para ler? — Da forma como falava parecia que se estava a referir a
qualquer coisa vergonhosa.
— Então, sobre o que me queres falar? — perguntou Ashley, bem-
educada mas fria, enquanto continuava a ocupar-se dos cartões.
— Não sabes? Se calhar não sabes mesmo. — Bárbara encolheu os
ombros. — Onde podemos conversar? Quero dizer, em particular.
— Lamento imenso, mas não há nenhum lugar apropriado. — Ashley
alegrou-se por a colega não estar ali. — Não posso abandonar o balcão, hoje
estou encarregada de atender o público.
Bárbara olhou à volta com um olhar reprovador. Reparando nas duas
pessoas que liam a um canto, voltou-se para Ashley e disse:
— Bem, acho que é o mesmo que estarmos sozinhas.
— Estou com pressa. Se me queres falar, agradecia que fosses rápida.
— Ah, é? Quando souberes o que tenho para te contar duvido de que
fiques com grande disposição para continuar a trabalhar.
— O que queres dizer com isso? — Ashley sentiu que um nó se formava
na garganta.
— Sabias que o Jake vai ficar cego, provavelmente para o resto da vida?
— Não acredito! — Ashley sentiu que entrava em pânico. Olhava para
Bárbara, recusando-se a aceitar o que ela lhe dissera. Mas a outra parecia
entediada pela sua reacção.
— Ora, não sejas tão dramática! Não é o fim do mundo! Lá porque os
Seton te acham culpada do acidente não quer dizer que sejas realmente a
responsável. Eu própria não concordo com isso.
Ashley sentia dificuldade em ficar de pé e apoiou-se no banco.
— Tens a certeza disso? — perguntou-lhe aflita. — É mesmo definitivo?
— Nunca se sabe se estas coisas são definitivas — Bárbara parecia
muito aborrecida com o tom da conversa.
— E como está o Jake a aceitar isso?
— O Jake? Acho que já se resignou.
— Mas há tantos especialistas... podia fazer uma operação.
— E achas que ainda não estudaram todas as possibilidades?
— Claro. Claro que sim. — Ashley levou as mãos aos olhos. Não posso
aceitar. O Jake, cego?.
— Pois é. Desagradável, não achas?

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A pedra da feiticeira (Witchstone) Anne Mather
Julia no. 4
— Não é bem a palavra que eu usaria... Mas Bárbara já não a ouvia.
— É é assim! Claro que fui obrigada a dizer-lhe, directamente que estava
tudo acabado entre nós...
— O quê?
— Ouviste bem. Não consigo admitir a ideia de casar com um homem
cego...
— Mas tu amas o Jake! — Ashley estava perplexa.
— Gosto dele, muito até, mas não posso passar o resto da minha vida a
tratar de um inválido...
— Mas o Jake não é um inválido. Os cegos levam uma vida normal.
— Ah, levam? — disse Bárbara, mordaz. — Eu gosto de jogar golfe, de
esquiar, de andar a cavalo... Achas que um cego pode fazer este tipo de coisas?
— Mas há outras que podias fazer...
— Mas eu gosto é destas. — Bárbara falava intensamente, quase
exaltada. — E já agora um conselho. Se fosse a ti ia-me embora antes que o
Jake ficasse a pé outra vez!
— Porquê? — Ashley estremeceu. — Porque me dizes isso?
— Usa a cabecinha! Não percebes que quando se souber como as coisas
aconteceram e que tu foste a culpada...
— Mas tu vais abandoná-lo! — exclamou Ashley.
— Não tem nada uma coisa a ver com a outra. Eu posso afastar-me por
uns tempos e depois voltar. Mas tu não. Não vês que tenho razão? Todos o
conhecem e gostam dele. Como achas que vão reagir quando souberem o que
aconteceu?
— Mas como saberão?
— Lady Seton encarrega-se de tornar o caso público, não te preocupes.
— Bárbara falava com ironia e veemência. — Sabes muito bem o que ela pensa
de ti!
Ashley respirou fundo.
— Já disseste tudo o que tinhas para me dizer? Bárbara olhou-a com
desprezo.
— Parece-te pouco?! bom, o que vais fazer? — Passava as unhas pelo
balcão. — Não sei porquê, mas apetece-me ajudar-te.
— Ajudares-me? — Ashley sentiu-se confundida.
— Sim. A arranjar outro emprego, por exemplo. Parecido com este mas
longe daqui, claro.
— Porque me hás-de ajudar? Bárbara corou um pouco.
— Sei lá. Acho que estou com pena de ti.

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A pedra da feiticeira (Witchstone) Anne Mather
Julia no. 4
Ashley mordeu os lábios e, depois de uma breve pausa, disse:
— Obrigada, mas não preciso.
— Porque não aceitas?
— Se eu me resolver a fazer outra coisa, será ir para a universidade.
— Mas já não te aceitam este ano, as aulas já começaram...
— Tento no próximo.
— E ficas um ano à espera? — Bárbara parecia mesmo aborrecida.
— Espero — encolheu os ombros. — Acho que consigo aguentar a
situação até lá.
— És mesmo parva, sabias? — zangou-se Bárbara. — Idiota!
— Pareces muito incomodada com isso...
Ashley começava a suspeitar das boas intenções dela. Porque havia de vir
oferecer-lhe ajuda? Teria sido mais natural que se mantivesse afastada, a
assistir ao seu sofrimento.
Bárbara começou a calçar umas luvas vermelhas.
— Nem sei porque fiz isto! — falava com desdém. — Já devia calcular
que vinha perder o meu tempo tentanto ajudar uma pessoa como tu!
— É melhor ires-te embora. — Ashley sentia as pernas a tremer, mas
fez um esforço e levantou-se, apoiando-se no balcão com ambas as mãos. —
Seja qual for a verdadeira razão da tua vinda aqui, é melhor que saibas que eu
vou decidir sozinha o que devo fazer. Se a tua visita foi bem-intencionada,
então muito obrigada. Agora desculpa, mas tenho muito que fazer!
Os lábios de Bárbara torceram-se num esgar.
— Olha, não te armes em santa, está bem? Disseram-me que o Jake
chamou por ti quando estava no hospital. Aliás, foi ele que me contou, e riu-se
disso. Agora, quando fala de ti, é só com desprezo, mais nada.
— Vai-te embora, por favor.
Ashley não aguentava aquilo por mais tempo. Desde que estava na
biblioteca tinha vindo a recompor-se, num processo lento e difícil, e agora, em
alguns minutos apenas, sentia que se estava a deixar ir abaixo e que os efeitos
disso seriam mais desastrosos do que antes.
Bárbara deve ter percebido que os dois homens sentados à mesa do
canto começavam a mostrar uma certa curiosidade pela sua voz alta e, sem
dizer mais nada, virou-se, atravessou a sala e saiu. Ashley sentou-se, tremendo
com o choque que aquela conversa lhe provocara.
Jake estava cego! Nunca mais veria! Nunca mais podia conduzir o seu
carro de desporto, ou jogar golfe, ou andar a cavalo! Era horrível! E tudo por
culpa dela. Era o que ele pensava, e a mãe também.

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A pedra da feiticeira (Witchstone) Anne Mather
Julia no. 4
O resto do dia foi um inferno. Quando chegou a casa, a tia percebeu que
se passava qualquer coisa de muito grave. Desesperada, Ashley contou-lhe
tudo. Mona, ouvindo em silêncio, não conseguia encontrar palavras que a
consolassem. Por fim disse:
— Tu sabes que não é verdade! Os jornais afirmaram claramente que o
Jake não tinha tido culpa do acidente. Foi o outro carro que se despistou...
— Eu sei que disseram isso...
— O que queres dizer? Foi isso que aconteceu.
Karen entrou na sala e viu o rosto da prima coberto de lágrimas.
— O que aconteceu?
A mãe contou-lhe o sucedido em poucas palavras, mas Karen interpretou
as coisas de forma diferente.
— E tu acreditaste nela? — perguntou, olhando para Ashley, quando a
mãe terminou.
— Porque não havia de acreditar! — exclamou Mona. — Não é verdade?
Sabes mais alguma coisa, Karen?
Ashley teve esperança que sim, mas desiludiu-se quando Karen abanou a
cabeça, negando.
— Não. Mas acho que há aqui qualquer coisa esquisita. Porque diabo se
daria a Bárbara ao trabalho de ir à biblioteca oferecer ajuda à Ashley quando
nunca gostou dela?
— Se calhar, queria só dar-me notícia da cegueira do Jake, para ver a
minha reacção.
— Mas porquê? Porque havia de te avisar e de te dar a oportunidade de
escapares antes que se soubesse tudo? Não faz sentido.
Mona franziu a testa.
— Então, na tua opinião, qual era o verdadeiro motivo dela?
— Não tenho a certeza mas desconfio cá de uma coisa.
— O quê — Ashley olhava atentamente para a prima.
— O Jake deve ter-lhe dito de uma vez por todas que não quer casar, e
ela, com medo de que vocês se encontrassem de novo, resolveu mexer os
pauzinhos. Essa história de te ajudar a sair de Bewford foi só para ficar com o
caminho livre.
— Mas ela disse que não casava com um cego...
— Estás a brincar? A Bárbara casava com o Jake nem que ele fosse cego
e paralítico! Ela só quer ser a futura Lady Seton e acho-a capaz de tudo para o
conseguir.
— Estás quase a convencer-me!

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— Porque não tentas descobrir a verdade?
— O quê?
— Não finjas que não me ouviste. Vais ao solar e pedes para ver o Jake.
Se ele se recusar a receber-te... pelo menos ficas com a certeza. Se não fores
continuas a acreditar num monte de mentiras e intrigas. Uma coisa é certa: se
ele estiver mesmo cego, duvido de que venha procurar-te.
— Porquê?
— Tu ias? Achas que alguém gostava de se ligar a uma pessoa cega?
— Mas tu acabaste de dizer...
— Eu estava a falar da Bárbara, mas ela é um caso à parte. Tu não és
como ela e o Jake sabe disso.
— Como se eu me importasse que ele estivesse cego ou não — disse
Ashley, emocionada. — Eu adorava... poder cuidar dele. Amo-o tanto!
Karen emocionou-se também com a sinceridade e o amor que
transpareciam na voz de Ashley. Virando-se para a mãe, perguntou:
— E tu, mãe? O que fazias se estivesses no lugar dela? Mona hesitou.
— Ir ao solar? Não sei. Ashley pode sofrer muito se o que a Bárbara
disse for verdade.
— Mas não é melhor assim? Ir lá? Se tiver de sofrer é por uma vez só. É
melhor do que passar o resto da vida a imaginar o que podia ter acontecido e
não haver feito nada por isso.
— Acho que tens razão. — Mona virou-se para a sobrinha. O que achas,
querida?
Ashley passou as mãos pelos olhos, vermelhos de tanto chorar.
— Ele não me vai querer ver. Deve odiar-me.
— Como podes saber isso? — Karen começava a ficar impaciente.
— Por favor, Ashley, ganha coragem e vai lá! Não tens nada a perder.

CAPÍTULO XIII

Ao fim da tarde, Mark levou Ashley ao solar, apesar de não ter


concordado com a ideia. Achava que a atitude da prima era precipitada.
Preocupava-se com ela e não queria que sofresse mais do que até então.
Parou o jipe em frente da casa e, quando Ashley desceu, disse-lhe:
— Queres que vá contigo?
Ashley fez-lhe uma festa na mão, agradecendo o seu interesse.
— Não, Mark, desta vez não. Mas obrigada na mesma.

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— Então espero aqui — resmungou.
Um pouco receosa, Ashley subiu os degraus que a separavam da porta
branca. Olhou para a roupa que trazia vestida, uma saia azul e uma blusa
branca, simples. Agora achava que se podia ter enfeitado um pouco mais, mas,
na altura, pensara que era o mais adequado à ocasião.
Tocou à campainha e esperou. A porta foi aberta quase de imediato.
Será que a criada a espreitara à janela?
— Desejava ver o senhor Jake Seton, por favor — disse, articulando
bem as palavras.
— Quem devo anunciar?
Tinha a certeza de que a criada sabia quem ela era, até lhe servira o
jantar na noite em que viera ao solar, mas não era altura de dar importância a
estas coisas.
— Sou Ashley Calder. Posso entrar?
A criada afastou-se, de má-vontade, e Ashley ficou à espera enquanto
ela entrava numa sala à direita. Onde teria ido? com quem estaria a falar?,
perguntava-se Ashley. Jake devia estar no andar de cima, portanto não seria,
por certo, com ele. Onde ficaria o seu quarto? Se tivesse coragem, aproveitava
a oportunidade de a criada ter desaparecido e subia.
Mas a oportunidade passou. A criada voltou para o pé dela.
— Por favor, menina Ashley. Por aqui.
Ashley olhou para as escadas, mas seguiu a criada para uma sala que
parecia ser um escritório. Havia muitas estantes e uma escrivaninha de mogno
com uma cobertura de pele. Sentada atrás da escrivaninha estava Lady Seton.
Todo o entusiasmo e esperança de Ashley se desfizeram como o ar de
um balão que se esvazia. Pensou que não a deixariam ver Jake.
— Boa noite, Ashley — Lady Seton indicou-lhe uma cadeira. Não se quer
sentar?
— Gostava de ver o Jake, por favor — disse Ashley, indo directa ao
assunto.
— Foi o que me disseram. Posso saber para quê?
— Para quê? — Ashley fez um gesto de desconsolo. — Porque... porque o
quero ver. É preciso mais alguma razão?
— Não podia ter esperado que ele a procurasse? — a sua voz elevou-se
um pouco.
Ashley franziu a testa.
— E acha que ele o faria? Depois... depois de me terem mantido longe
dele, propositadamente?

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Não sabia onde arranjara coragem para falar assim, mas, de certa
forma, sentia-se forte para enfrentar a situação. Lady Seton sacudiu a cabeça.
— Será que nunca tentou ver as coisas do meu ponto de vista?
perguntou. — O Jake é meu filho, gosto muito dele, e não quero que arrisque a
sua felicidade por causa de uma rapariga que o mais provável é estar apenas
interessada no seu dinheiro. Calculo que passados os primeiros tempos, em que
tudo é novo e fascinante, quando o dinheiro já não for novidade, deixará de se
interessar por ele.
Ashley quase gritou.
— Mas eu não sou desse género! — protestou.
— Como sabe? Como pode saber quais serão os seus sentimentos daqui a
um ou cinco anos?
— Lady Seton, eu amo o Jake. Isto nunca vai mudar. Eu só quero ficar
com ele, partilhar a sua vida. Não me importo de não ter o vosso dinheiro. Posso
perfeitamente trabalhar. Posso até sustentá-lo a ele e a mim.
Lady Seton repetiu:
— Sustentar-se a si e a ele? Acha que o meu filho ia consentir nisso?
— Dadas as circunstâncias, talvez seja obrigado a consentir. Ashley
encarou Lady Seton. — Eu sei que não gosta de mim, que me culpa pelo que
aconteceu. Era capaz de tudo para o compensar disto. De tudo!
— Está a deixar-me confusa — Lady Seton tinha a voz enrouquecida de
emoção. — O meu marido bem me avisou de que isto ia acontecer. E agora que a
Bárbara se foi embora, ele não iria aceitar... não conseguiu continuar a falar
para desgosto de Ashley.
Inclinando-se sobre a escrivaninha, Ashley disse:
— Eu não sou como a Bárbara. Não me importo. Eu amo o Jake. Lady
Seton olhou-a sem entender. Depois sacudiu a cabeça como se o esforço de
pensar fosse demasiado para ela.
— O meu marido deve estar a chegar. Ele e a Hilary foram à cavalariça
ver a Sofia... a égua que teve uma cria há dois dias.
Ashley endireitou-se. Sentia o peito contraído. Parecia tão longe do dia
em que viera ao solar para ver a égua...
— O que é? — os seus olhos brilhavam imperceptivelmente. Quero dizer,
a cria?
Lady Seton suspirou.
— É um potro. — Aproximou a mão de uma campainha. — Quer tomar
alguma coisa? Um licor ou um café...
Ashley surpreendeu-se. Lady Seton convidando-a para tomar uma

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Julia no. 4
bebida? Não fazia muito sentido e não combinava de todo com o que a Bárbara
lhe tinha dito.
— Eu preferia ir ver o Jake — insistiu. Lady Seton encolheu os ombros.
— Está bem. — Tocou a campainha. — vou dizer à Mary que a leve lá a
cima. Mas lembre-se, o meu filho ainda não está completamente bom.
— Eu não me esqueço.
Ashley seguiu a criada pelas escadas. O seu coração estava muito
acelerado. Teve receio de que a criada o ouvisse.
— No patamar havia um tapete de fundo rosa e várias portas brancas. A
criada dirigiu-se a uma delas e bateu levemente. Ashley ouviu Jake dizer:
— Quem é?
O seu coração quase parou. A sua voz parecia tão sombria, tão longe da
alegria que sempre lhe tinha conhecido... Será que fora isso que a cegueira lhe
fizera? Teria Bárbara razão? Se calhar desprezava-a. Provavelmente a mãe
dele só a deixara subir para que Jake terminasse o que ela começara. Seria
essa a sua vitória, a sua vingança. Estes pensamentos passaram-lhe pelo
espírito durante uma fracção de segundo apenas. A criada segurava agora a
porta aberta e indicava-lhe que entrasse.
— A menina Ashley, senhor! — disse respeitosamente, e saiu fechando a
porta atrás de si.
Ashley hesitou, indecisa. Esperava encontrar Jake deitado, mas não.
Estava sentado, ao lado da janela, de costas para a porta. Quando ouviu o seu
nome, voltou-se e ela reparou que usava óculos escuros tal como na fotografia
que tinha saído no jornal, ao lado de Bárbara, e que a fizera sentir-se tão
infeliz.
— Ashley? — disse ele com sofreguidão, como se não acreditasse no que
ouvira. — Ashley! Que raio estás aqui a fazer?
Ela avançou alguns passos.
— Sim, sou eu, Jake — começou a dizer. — Como estás?
A aparência de Jake perturbava-a. Estava magro, mais magro do que
alguma vez o vira. Os ossos do rosto pareciam querer saltar e o bronzeado
tinha desaparecido quase completamente dando lugar à palidez.
Ignorando a pergunta, Jake disse-lhe:
— Eu perguntei o que vieste cá fazer. Que eu saiba ninguém te convidou.
Ashley olhou para ele sem saber o que dizer ou fazer. Mesmo por detrás
dos óculos, sentia os seus olhos intensos, quase lhe parecia que ele a observava,
que notava a sua insegurança. Avançou um passo.
— Eu tinha de vir, Jake.

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— Porquê? Porque não vieste antes? O que te fez mudar de opinião?
— Mudar de opinião? — Ashley não compreendeu. — Não percebo. Eu não
mudei de opinião.
— Ah! Então é uma visita de cortesia. Não era preciso. E podes dizer ao
Mark...
— O Mark não tem nada a ver com o facto de eu ter vindo aqui. Só me
trouxe.
— Eu sei.
— Sabes como?
Jake voltou-se e inclinou a cabeça.
— Acho melhor que te vás embora. Não temos nada para dizer um ao
outro. A não ser... — o coração de Ashley deteve-se, mas Jake prosseguiu — a
não ser que estejas à espera de que eu te agradeça por teres ido ver-me ao
hospital quando eu estava quase a morrer. Embora eu não ache que tenha sido
um favor muito especial.
— Jake! — Ashley estava horrorizada com o que ouvia. — Não podes
falar a sério.
Jake levantou a cabeça.
— Porquê?
— Tens... tens tantas razões para gostares de viver! — falava depressa,
magoada pelo que ele dizia e pela expressão de desdém que lhe vislumbrava no
rosto. — Lá porque a Bárbara... quero dizer... nem todos são como ela. Nem
todos fariam o que ela fez.
Não pode continuar. Apetecia-lhe chorar. Ficou contente por ele não
poder ver as lágrimas que lhe corriam pela cara. Mas Jake deve ter percebido
a sua emoção pela voz:
— De que estás a falar? Pareces uma criança. O que fez a Bárbara?
Ashley sacudiu a cabeça.
— Não me apetece falar sobre ela. — Avançou na direcção dele.
— Por favor, Jake, não fiques zangado comigo. Eu sei que me culpas pelo
que aconteceu...
As faces pálidas de Jake coloriram-se um pouco. Levantou-se, irado, e
encarou-a.
— Não digas asneiras! — disse, violento. — Não culpo ninguém pelo
acidente. O carro que me bateu despistou-se, ninguém podia fazer nada. E se é
só por isso que cá vieste, para te justificares, mais vale que te vás embora.
Estás absolvida.
Ashley estremeceu. A distância entre eles era tão pequena e, no

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entanto, parecia que estavam separados por quilómetros. Olhou para o rosto
dele, tentando ver além dos óculos. Era incrível que Jake não a pudesse ver.
Por outro lado, era melhor assim, pois não conseguia controlar-se e a sua cara
devia estar disforme.
— Não, não foi por isso que eu vim — continuou, esforçando-se por falar
com clareza. — Queria ver-te. Nem que fosse só para te pedir que me
perdoasses.
— Perdoar? O quê?
— Tudo — sentia dificuldade em continuar. Nesse momento, Jake
segurou-a pelos ombros e aproximou-a de si.
— Meu Deus, Ashley. — A sua voz parecia um gemido. — Deixa-me
beijar-te só mais uma vez...
Ashley levantou os olhos, surpreendida. Jake beijou-a ardentemente,
aproximando o seu corpo quente do dela.
Chorando baixinho, Ashley abraçou-o e retribuiu o beijo. Jake beijava-
lhe o pescoço e ela murmurava palavras de amor enquanto também lhe beijava
as orelhas, a cara, os cabelos.
Sentiam-se perdidos de amor um pelo outro. Mas, de repente,
Jake afastou-se um pouco e procurou apoio na cadeira. Ashley lembrou-
se de que ele estava doente e ajoelhou-se a seu lado, preocupada. Beijou-lhe as
mãos enquanto lhe afagava os cabelos.
— Oh, Jake! Amo-te tanto — falava com uma voz enrouquecida.
— Tanto!
Jake segurou-lhe no queixo e levantou-o à altura dos olhos, como se o
quisesse ver de frente.
— Amas-me? — perguntou. — Não consigo acreditar.
— Porquê? Porquê? — Os olhos de Ashley imploravam uma resposta. —
Sabes muito bem que é verdade.
— Não sabes o que dizes! — disse Jake secamente. — Não preciso que
tenhas pena de mim!
— Pena? — ainda de joelhos, aproximou-se dele. — Jake, eu já te amava
mesmo antes de precisares que alguém tivesse pena de ti. Sabes que não sou
como a Bárbara. Eu era incapaz de fazer o que ela fez.
com os olhos fechados, Jake perguntou:
— E o que foi?
— Tu deves saber. Mesmo sendo difícil para ti...
— A única coisa que sei é que acabámos de vez, ela e eu. Mas isso já tu
sabias há muito tempo.

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— Não precisas de fingir ao pé de mim. Eu leio os jornais, sei muito bem
o que aconteceu. Mas já não me importo...
Jake cerrou os dentes.
— Pelo amor de Deus, Ashley. Fala de uma vez. Factos, quero factos. —
Estava quase a gritar. Ashley sentiu-se alarmada.
— Está bem. — Respirou fundo. — A Bárbara contou-me. Foi ver-me,
acho que para se regalar com o meu sofrimento, mas a minha reacção não foi a
que ela esperava.
— A tua reacção a quê? — Jake parecia estar terrivelmente cansado.
— À tua cegueira...
— À minha quê? — Jake olhava-a intensamente, e Ashley era capaz de
jurar que ele a via. com dedos trémulos, tirou os óculos escuros e ela pode ver
as pupilas dilatadas nas órbitas feridas. Aqueles olhos tinham vida. — Mas eu
não estou cego! — gritou. — Ela disse que eu ficara cego? — Ashley estava de
boca aberta e assentiu com um gesto de cabeça, sem conseguir dizer palavra.
Jake passou a mão pelo cabelo.
— Eu não estou cego! — repetiu. — Fiquei com o olho esquerdo muito
ferido. Uso óculos escuros porque ainda não está completamente bom e a luz
magoa-me, é só isso. Vejo-te tão bem como sempre te vi.
— Oh, Jake! — As lágrimas corriam-lhe pela cara, livres. Eram lágrimas
de contentamento.
Jake, com muito esforço, conseguiu acalmar-se e, pondo de lado os
óculos, inclinou-se para a frente, cercando Ashley entre as suas pernas. Disse
com dificuldade:
— Vieste cá... a pensar que eu estava cego? Ashley disse que sim com a
cabeça e Jake continuou:
— Porquê?
— Para te dizer que não me importava. Que seria eu os teus olhos...
Jake respirou fundo.
— O que disse a Bárbara mais?
— Que não podia casar contigo.
— Por eu estar cego?
— Sim. Disse que todos me culpavam do acidente... que eu devia
abandonar Bewford antes que ficasses bom e se soubesse toda a verdade.
— Malvada! — disse Jake, num acesso de fúria. — Ouve, Ashley! A
Bárbara e eu rompemos antes do acidente. — Suspirou. — Pensei que soubesses
isso.
— Mas aquela fotografia no jornal... Jake passou a mão pela testa.

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— Sim, o que tem?
— A legenda dizia que ela era tua noiva.
— Dizia? — Jake abanou a cabeça. — Na altura, eu não devo ter
prestado muita atenção.
Olhou para Ashley, aninhada entre as suas pernas.
— E foi por isso que não me vieste ver?
— Em parte.
— E o resto?
— Querias ver-me?
— Que pergunta! — resmungou zangado. — Sabes muito bem que sim.
Nesse momento, Ashley percebeu que ia correr tudo bem. Mal podia
acreditar. Os seus olhos reflectiam estes pensamentos.
— Ninguém me disse... a tua mãe, toda a tua família... parecia que me
consideravam culpada.
— Eu também faço parte da família e nunca te culpei — a voz de Jake
estava embargada de emoção e acariciava Ashley na nuca.
— Mas eu não sabia.
— Pois não. — Jake olhou para ela com uma ternura imensa. E vieste cá a
pensar que ias encontrar um cego! — Abanou a cabeça, incrédulo. — Casavas
comigo, se assim fosse?
Ashley corou:
— Claro que sim!
— Mas as tuas ideias sobre independência e carreira...
— Percebi que não me apetecia ser assim tão independente. Jake
apertou-a contra si e Ashley abraçou-o pela cintura, pousando a cabeça no seu
peito.
— Quando acordei, depois do acidente, chamei por ti. Queria ver-te,
porque não foste?
— Só me contaram uma semana depois.
Jake afastou-a um pouco, examinando-a intensamente.
— Queres dizer que ninguém te disse que eu precisava de ti? Ashley
abanou a cabeça.
— Então a minha mãe vai ter muito que me explicar. — Jake apertou-a
contra si novamente. — Como te resolveste a ir ver-me?
— A Jennifer disse-me que chamavas por mim.
— E foi buscar-te...
— Sim... Jake fez um gesto de compreensão.
— Deve ter sentido a consciência pesada. Talvez o facto de o seu ex-

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noivo ter sofrido também um desastre de automóvel a influenciasse. Deve ter
percebido o que estavas a sentir. — Falava com amargura, mostrando a sua
decepção. — Surpreende-me que a minha mãe o tenha permitido.
— Não permitiu. A Jennifer tomou a decisão sem dizer nada a ninguém.
— Já percebi. — Inclinou-se e beijou-a na cabeça. — Oh, Ashley, se
soubesses como desejei este momento. Enquanto estive no hospital só
conseguia imaginar que tinhas encontrado alguém e que já não havia nada entre
nós. Às vezes apetecia-me matar-te...
— Oh, Jake.
— É que te amo tanto... — Sorriu de leve. — E agora, que vamos fazer?
— O que queres dizer com isso?
— Podem passar muitos meses até que eu fique completamente curado.
Mas... se quiseres... podemos casar antes disso.
— Quero. Claro que quero — Ashley estava entusiasmadíssima. De
súbito, franziu a testa. — O Mark deve estar preocupado. Não deve fazer ideia
do que me aconteceu.
— Ele ainda está lá fora?
— Está. Como sabes?
— A minha janela dá para o pátio da frente — respondeu Jake com um
sorriso. — Não imaginas como fiquei nervoso quando entraste. Não conseguia
perceber porque me vinhas visitar.
— E agora?
— Tenta ir embora que logo vês. — Jake acariciou-lhe a cara. Um
vestígio da antiga arrogância da sua voz fez-se sentir. — Quero que saibas que
não vai ser nada fácil. A minha mãe precisa de tempo para se habituar à ideia.
Mas, depois, vamos ter a nossa casa e poderás organizar a tua vida como
entenderes. Que tal?
— Parece-me o paraíso — murmurou Ashley.
— Hum! — Jake impediu-a de falar, dando-lhe um beijo apaixonado. —
Acho que o Mark vai ter de esperar mais um bocado...

FIM

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