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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE

PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH

FRANCISCO BENTO DA SILVA

AS RAÍZES DO AUTORITARISMO NO EXECUTIVO


ACREANO – 1921/1964

RECIFE
PERNAMBUCO
UFPE
Universidade Federal de Pernambuco

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

AS RAÍZES DO AUTORITARISMO NO EXECUTIVO


ACREANO — 1921/1964

FRANCISCO BENTO DA SILVA

RECIFE – 2002
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

FRANCISCO BENTO DA SILVA

AS RAÍZES DO AUTORITARISMO NO EXECUTIVO


ACREANO – 1921/1964

Dissertação de Mestrado
apresentada ao Departamento de
História da Universidade Federal de
Pernambuco, como requisito parcial
para obtenção do Grau de Mestre em
História, sob a orientação do Prof.
Dr. Pedro Martinello.

RECIFE – PE
2002
Tipologia do texto: Times New Roman
Fonte do texto: letra 12
Espaço: 1,5
® Francisco Bento da Silva
e-mail: chicobento_ac@yahoo.com.br

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA


BIBLIOTECA CENTRAL DA UFPE
SILVA, Francisco Bento da. As raízes do autoritarismo no executivo
acreano - 1921/1964. Recife – PE. UFPE/Programa de Pós-
S_____R Graduação em História, 2002. 123 pp. Dissertação de Mestrado -
Universidade Federal de Pernambuco.

Orientador: Pedro Martinello. Dissertação de Mestrado -


Universidade Federal de Pernambuco. Departamento de História.

1. Política - Acre – Ditadura militar, 2. Autoritarismo – Acre, 3.


Política governamental, 4. Poder executivo. I. Título.

CDU—____________
FRANCISCO BENTO DA SILVA

FRANCISCO BENTO DA SILVA

AS RAÍZES DO AUTORITARISMO NO EXECUTIVO ACREANO -


1921/1964

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade Federal de Pernambuco
como requisito parcial para obtenção do
Grau de Mestre em História do Brasil,
área de concentração: História do Norte e
Nordeste do Brasil, sob a orientação do
Prof. Dr. Pedro Martinello.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________
PROF. DR. ANTÔNIO TORRES MONTENEGRO
MEMBRO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIA HUMANAS

_______________________________________________
PROF. DRA. SILVANA MARIA BRANDÃO DE AGUIAR
MEMBRO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

_______________________________________________
PROF. DR. GÉRSON RODRIGUES ALBUQUERQUE
MEMBRO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

_____________________________________________
PROF. DR. LUIZ ANASTÁCIO MOMESSO (SUPLENTE)
MEMBRO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO

____________________________________________
PROF. DRA. MARIA DO SOCORRO FERRAZ BARBOSA (SUPLENTE)
MEMBRO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Este exemplar corresponde à


redação final da Dissertação de
Mestrado defendida por Francisco
Bento da Silva e aprovada pela
Banca Examinadora em 21 de março
de 2002.
RECIFE – PE
2002
ii

Agradecimentos

Às universidades federais do Acre - UFAC e de Pernambuco – UFPE, pela


oportunidade desta pós-graduação e à Coordenação do mestrado interinstitucional, na pessoa
do professor Carlos Alberto Alves de Souza;

Ao amigo e mestre maior Elder Andrade de Paula, não só pelo apoio inestimável na
consecução deste trabalho mas, na minha formação acadêmica. No entanto eximo-o dos erros
aqui cometidos, sua contribuição foi nos acertos;

Ao meu dileto amigo Sérgio Roberto Gomes de Souza. Que o espírito epicurista
prevaleça, que a sanha dionisíaca nunca acabe e que a razão pessimista nos guie. Obrigado
por tudo, em Rio Branco e em Recife;
Ao meu prezado amigo Mauro César pelas divagações e preocupações compartilhadas
entre nós;
Ao meu orientador, professor Pedro Martinello pela liberdade e confiança que me deu
nos caminhos que escolhi e ao meu dileto e diletante amigo Gérson Albuquerque, pelo apoio
de sempre e por tecer observações substanciais ao trabalho;
À minha amiga professora Alderlândia Maciel e sua família, — em especial D. Linei —
amigos em todas horas durante minha jornada em Cruzeiro do Sul. Obrigado pelo apoio, sem
vocês tudo seria mais difícil;
Ao professor Mark Clark e ao professor Vicente Cerqueira, obrigado pela dileta
amizade forjada na luta sincera e honesta. A este último, agradeço ainda pela tradução do
Resumo para a língua de Shakespeare;
Aos colegas do Departamento de Filosofia e Ciências Sociais: Sérgio Roberto dos
Santos, João Lima, Coracy Sabóia, Marcos Inácio, Elane Correia e Eloísa Winter;
Aos professores José Porfíro e Sheila Palza, pela paciência e compreensão em me
acolherem em sua casa, onde parte deste trabalho foi escrito;
A Jorge Félix e Teresa Ribeiro, em Epitaciolândia, que sempre me ofereceram acolhida
carinhosa quando lá estive e onde finalizei este trabalho;
Aos meus amigos de todas as horas: Marineide, Tinho, Jô Luís, Lenira Pontes,
Vanessa Paula, Julliana Paula e Josenilda (Pio);
Enfim, à todos meus colegas de mestrado com quem convivi durante alguns meses na
“stressante” cidade de Recife: Hélio, Teresa, Geórgia, Nilda, Michele, Ormifran, Orlandine,
Eldo, Ialdo, Valmir, Fátima e Euzébio.
iii

―Os vivos se vêem no meio-dia da história. Eles se sentem obrigados a


oferecer um banquete ao passado. O historiador é um arauto que
convida os mortos para a mesa‖. Walter Benjamin

―Articular o que se passou na história não significa reconhecê-lo como


ele de fato ocorreu. Significa apropriar-se de uma reminiscência, como
ela lampeja num momento de perigo‖. Walter Benjamin
iv
v

―Há 500 anos caçamos índios e operários


há 500 anos queimamos árvores e hereges
há 500 anos estupramos livros e mulheres
Há 500 anos sugamos negros e aluguéis

Há 500 anos dizemos:


que o futuro a Deus pertence,
que Deus nasceu na Bahia,
que são Jorge que é guerreiro,
que o amanhã ninguém sabe,
que conosco ninguém pode,
que quem não pode se sacode.

Há 500 anos somos pretos de alma branca,


não somos nada violento,
quem espera sempre alcança
e quem não chora não mama
ou quem tem padrinho vivo não morre nunca pagão.

Há 500 anos propalamos:


este é o país do futuro,
antes tarde do que nunca,
mais vale quem Deus ajuda
e a Europa ainda se curva.

Há 500 anos:
Somos raposas verdes
Colhendo uvas com os olhos,
Semeando promessas e vento
Com tempestade na boca,
Sonhamos com uma paz da Suécia
Com suíças militares, vendemos siris na estrada
E papagaios em Haia,
Senzalamos casas-grandes
E sobradamos em mucambos,
Joaquim Silvério e derrama,
A polícia nos dispersa e o
Futebol nos conclama,
Cantamos salve-rainhas
E salve-se quem puder,
Pois Jesus Cristo nos mata
Num carnaval de mulatas".

Que país é este? Afonso Romano de Sant’ana


vi

RESUMO

Procuro neste trabalho intitulado As raízes do autoritarismo no executivo acreano –


1921/1964, discutir as bases formadoras de práticas políticas de cunho autoritário e
personalistas existentes durante o período acima citado. É a partir de 1921 que o Acre
consegue sua unificação administrativa, já que antes predominava a descentralização
administrativa, com a existência de Departamentos situados nos vales geográficos do
território acreano. Com a unificação, aparece a figura do governador territorial, indicado
pelo Ministério da Justiça e confirmado pela presidência da República. Estes governadores
forâneos, geralmente portadores de patente militar, irão comandar a política local durante
décadas, pois enfeixavam em suas mãos poderes amplos e comumente exorbitavam a
liturgia do cargo. O poder executivo predominava com uma ascendência impar e única,
pois o judiciário era muito fragilizado e incipiente, já o legislativo se mostrava inexistente
devido a própria forma como a esfera pública no Acre foi implementada. Foi dado um
poder público ao Acre que obedecia acima de tudo interesses externos, caucionados
localmente por oligarquias internas em consonância com a ingerência da União. Discuto
também as várias fases do movimento autonomista, que com suas diversas faces procurou
dar ao Acre o status de Estado federado, em substituição a figura do Território Federal.
Enfocamos ainda, as práticas políticas de cunho personalista presentes na política acreana,
que aliadas à uma rede de corretagem clientelistas, proporcionada pelo uso da máquina
estatal tornaram se comum. E por último, abordo o governo de José Augusto, primeiro
governador constitucionalmente eleito após a elevação do Acre a Estado. Teve um governo
conturbado e fragilizado por uma série de fatores e antes de terminar seu mandato, foi
deposto com interferência do ordenamento político que se instaurou com o golpe militar
de 1964.

PALAVRAS-CHAVE: Autoritarismo, Acre, clientelismo, democracia, ditadura militar, autonomia,


Território, Estado.
vii

ABSTRACT

This work aims at discussing the bases that modeled the authoritarian and

person-centered political practices in vigor during the period from 1921 to 1964. It is

only after 1921 that Acre gains administrative unification; before that its administration

comprised several Departaments located in the geographical valleys of its territory. This

unification brings into being the figure of territorial governors nominated by the

Ministry of Justice and confirmed by the Presidente of the Republic. Those governors,

usually military officers, will control the local politics for decades, for they had the

power in their hands and often exerted it beyond legal limits. The executive power

prevailed in a singular manner, for the Judicial power was fragile and incipient, and the

legislative power was almost non-existing due to the way public administration was

implemented in Acre; Acre was given a public power thet obeyed the interests of the

Federation above all and was backed by the local oligarchies it also seeks to discuss the

various phases of the autonomy movement which, in its diverse faces, struggles to given

Acre the status of federated state in place of federal territory. In this respect, some light

is shed on the person-centered political practices held in the state, favored by the state

administrative machinery. Finally it focus on the period of Governor José Augusto, the

first constitutionally elected governor after Acre gained federative status; its mandate

was disturbed and weakened by several factors, and he was impeached by the

interference of the new political re-ordering established with the military dictatorship

installed after the 1968 coup d’état.

KEY WORDS: Acre, Authoritarianism, clientelism, democracy, military dictatorship,


autonomy, Territory, State.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 13
CAPÍTULO I: A PRESENÇA DO ESTADO E SUA CONFORMAÇÃO COMO CENTRO 22
DE PODER POLÍTICO: A HIPERTROFIA DO EXECUTIVO.
1.1 — ESTADO E TERRITÓRIO: UMA DISCUSSÃO PRELIMINAR SOBRE O 22
CASO ACREANO.
1.2 — UM POUCO ANTES: A GÊNESE POLÍTICA DO TERRITÓRIO DO 25
ACRE — 1904/1920.
1.3 — A CENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA TERRITORIAL E OS 29
GOVERNOS A PRESTAÇÃO.
1.3.1 — A PRIMEIRA FASE DOS GOVERNADORES NOMEADOS — 30
1921/1930.
1.3.2 — O PERÍODO DOS INTERVENTORES FEDERAIS — 1930/1937. 37
1.3.3 — A SEGUNDA FASE DOS GOVERNADORES NOMEADOS — 39
1937/1962.
1.4 — OS FESTEJOS DE POSSE DOS GOVERNADORES: A 40
TEATRALIZAÇÃO DO PODER.
1.5 — A FORÇA POLICIAL TERRITORIAL COMO BASE DA BUROCRACIA 45
COERCITIVA.
CAPÍTULO II: O MOVIMENTO AUTONOMISTA E A ELEVAÇÃO DO ACRE A 48
ESTADO: MUDANÇAS E CONTINUÍSMOS.
2.1 — A GÊNESE E AS VÁRIAS FACES DO MOVIMENTO 48
AUTONOMISTA ACREANO.
2.2 — OS EMBATES EM TORNO DO PROJETO AUTONOMISTA DE 58
GUIOMARD SANTOS.
2.3 — GUIOMARD SANTOS VERSUS OSCAR PASSOS: APOGEU DO 66
PODER PERSONALISTA E DO CLIENTELISMO POLÍTICO.
2.4 — AS ÚLTIMAS CENAS DO REGIME TERRITORIAL E A TRANSIÇÃO 70
PARA ESTADO.
CAPÍTULO III: DE JOSÉ AUGUSTO AO CAPITÃO CERQUEIRA: FRAGILIDADE 72
POLÍTICA, FALTA DE HEGEMONIA E EXACERBAÇÃO DO
AUTORITARISMO NO EXECUTIVO.
3.1 — ELEIÇÃO E QUEDA DE JOSÉ AUGUSTO: LUTA PELO PODER E A 72
BUSCA FRUSTRADA DE UMA NOVA HEGEMONIA.
3.2 — A DITADURA MILITAR NO ACRE: UM NOVO RÓTULO EM UM 79
VELHO CONTEÚDO.
3.3 — OS VÁRIOS GOLPES: CASUÍSMO DO PODER LEGISLATIVO, 80
TRAIÇÃO PARTIDÁRIA E INSTAURAÇÃO ―LEGAL‖ DO ARBÍTRIO E DA
EXCEÇÃO.
3.4 — (O)CASO DO ACRE: GOLPE MILITAR, HIPERTROFIA DO 86
EXECUTIVO E ―CAÇA ÀS BRUXAS‖.
3.5 — O AUTORITARISMO E A DITADURA MILITAR NO PANAROMA
BRASILEIRO. 100
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 105
BIBLIOGRAFIA...................................................................................................... 110
APÊNDICES .......................................................................................................... 118
13

INTRODUÇÃO

―Desde que há mundo, nenhuma autoridade ainda teve boa vontade para se deixar tomar
como objeto de crítica‖. Nietzsche, Aurora.

Ao se tomar contato com a discussão em torno do autoritarismo é comum vincular a sua


manifestação como sendo algo que se identifica somente com regimes de força oriundos da caserna ou de
ditaduras civis. Especificamente sobre a ocorrência das ditaduras militares, há um vasto olhar acerca deste
fenômeno, principalmente em relação à América Latina e ao Brasil, seja no volume de obras ou nas
1
distintas visões interpretativas .
Em parte, isto contribui de maneira significativa às várias tentativas que buscam
compreender tal questão. Mas é meu intento fazer uma discussão mais ampliada sobre os pressupostos
teóricos e conceituais que dizem respeito a esse problema. Pois, embora toda ditadura — civil ou militar
— careça do componente autoritário, o autoritarismo político não se expressa somente em uma situação
de ditadura. Nesta, ele se exacerba.
Tanto o adjetivo autoritário, quanto o substantivo autoritarismo, são empregados
regularmente em três contextos a saber: estruturas de sistemas políticos, disposições psicológicas de
2
certos indivíduos ou para ressaltar determinadas ideologias políticas . Na perspectiva política que irei
trabalhar, são chamados de autoritários os regimes que privilegiam a autoridade governamental e
declinam em gradações diferenciadas o consenso, mantendo o poder político nas mãos de uma só pessoa,
de um órgão ou de um grupo específico, colocando em posição secundária as instituições representativas
e exacerbando de maneira significativa o predomínio do poder executivo.
Para melhor compreensão é necessário afirmar, que mesmo fora de situações específicas
relacionadas aos acontecimentos que discuto neste trabalho, a possibilidade de ocorrência dos conflitos
abertos — bem como a adoção de procedimentos autoritários na esfera pública — estão presentes na
própria formação dos Estados Nacionais no ocidente, que comporta a idéia de uma ordem essencialmente
de origem burguesa. Uma Razão de Estado construída a partir de meados do século XVII para combater a
―desordem‖, impedir e controlar os conflitos originários das classes em luta, garantindo assim a
reprodução de uma ordem idiossincrática, baseada objetivamente nas doutrinas legitimadoras do status
quo do chamado Estado Moderno.
Ao tratarem especificamente do caso brasileiro e de suas peculiaridades, autores das mais
variadas matizes ideológicas e interpretativas sugerem em seus estudos, que o fenômeno autoritário é algo
intrínseco ao Estado erguido no período colonial/escravista, marcado sobremaneira por uma rede variada
de relações sociais complexas que envolviam personalismo, autoritarismo, clientelismo, patrimonialismo,

1Ver capítulo III, tópico 3.3.


2Cf.: Stoppino (1993), pp. 94 e ss.
14

3
corporativismo e compadrio . Este legado perdurou posteriormente, sofrendo somente alterações e
recombinações; mas, na sua essência, permaneceu sendo um elemento duradouro e indelével na formação
4
e desenvolvimento da ―sociedade nacional‖ .
Florestan Fernandes (1975) ao estudar alguns processos sociais brasileiros demonstra que
eles sempre ocorreram pelo alto, sem participação ou clamor popular que pudessem dar a estes
acontecimentos, um verniz de autonomia e mobilização das classes sociais subalternas.
Para ele, a revolução burguesa ocorrida no Brasil aconteceu sem rupturas políticas fortes,
não sendo capaz de construir uma institucionalidade democrática com incorporação social. A guisa de
ilustração, assim foi com a abolição da escravidão, — que embora extremamente necessária e justa, foi
resolvida por um Decreto-Lei — e, com a adoção do regime republicano, implantado através de um golpe
militar. Partindo destes pressupostos, isto reforça ainda mais a característica excludente, hierárquica e
centralizadora do exercício do poder existente na formação da Nação brasileira e em particular, do Estado
Nacional.
Analisando as experiências do período pós 1930, comumente batizado de Segunda
República, Wanderley G. Santos (1988) destaca três formas de experiências autoritárias na política
brasileira: a primeira seria o Integralismo, que oriundo do império, sobrevive na República e é baseado
nas desigualdades naturais entre os homens e no direito diferenciado; a segunda é caracterizada pelo
Estado Novo, que é marcado pela acentuada intervenção e uso de mecanismos regulatórios do Estado, no
intuito de disciplinar as questões sociais e assegurar certos níveis de eficácia econômica através do
processo de industrialização. Conjugando ainda um grau acentuado de paternalismo e a busca de
subordinação dos trabalhadores urbanos, ao chefe político; por último, o autoritarismo instrumental com
seu viés pragmático e temporário — geralmente de cunho militar —, onde os procedimentos autoritários
visam edificar uma sociedade liberal, estabelecendo mecanismos de um Estado forte como sendo
momentâneos e necessários para corrigir, dissolver desvios, fragilidades e tendências de desagregação da
ordem social e nacional.
A partir dessa sumária exposição, quero apontar para questão de que no Brasil se conviveu
muito pouco com a manifestação e prática democrática. Deixando de lado o período anterior a 1889, e
concentrando o enfoque nestes poucos mais de cem anos republicanos, percebe-se que até os anos trinta o
conceito de democracia também não se aplica aos procedimentos e práticas políticas existentes até então.
Entre 1931 e 1934 passa a funcionar um regime provisório muito frágil do ponto de vista
político e institucional; somente de 34 a 37 há a primeira e breve experiência de democracia formal de
fato, substituída pela ditadura estadonovista que subsiste até 1945. Na seqüência, ocorreu a

3Interessantes reflexões acerca dos conceitos destes termos, podem ser encontradas em Faoro (2000); Prado
Júnior (2000); Holanda (1976); Freyre (1973); e, Leal (1997). Cf. Bibliografia.
4O termo ―sociedade nacional‖, remete a um conjunto de universais abstratos muito próximos: Estado, Nação,

Povo, País e Identidade nacional. Vistos como totalidades uniformes onde as pessoas se sentem ligadas por uma
rede de vínculos percebidos como sendo comuns, que os mantém unidos e os fazem sentirem se diferentes
dos ―outros‖, provocando uma alteridade coletiva. Estes termos, geralmente estão ligados à idéia de uma
sociedade sem oposição, na qual os conflitos foram dissimulados na identidade da sociedade consigo mesma,
produzindo ideologicamente uma fusão que procura coincidir indivíduo, sociedade e Estado.
15

5
implementação da chamada democracia populista (45/64) , rompida com o golpe de 1964 e legando a
ditadura militar que perdurou até metade dos anos oitenta. Ou seja, durante todo o último decênio do
século XIX e todo o século XX, conviveu-se de forma alternada pouco mais de trinta anos com a
6
democracia representativa em seu sentido moderno e universalista .
Levantadas essas questões preliminares e de ordem mais geral, quero deixar patente que são
a partir destas considerações maiores que irei discutir, dentro da temática do autoritarismo político, o
assunto que abordarei neste trabalho. Do ponto de vista pessoal, a escolha e os caminhos a serem
percorridos estão ligados à minha formação acadêmica. Por isso, estas problematizações advêm de
7
reflexões sobre as quais me debrucei durante a minha graduação em Ciência Política , ao abordar dentro
desta perspectiva, a transição política de 1982 no Acre.
Nesta monografia, ficou a preocupação de que práticas autoritárias também eram comuns e
se explicitaram durante o interstício em que vigorou a ditadura militar no período pós 64 e a chamada
abertura política. A princípio, a meta para o mestrado era fazer uma abordagem que englobasse somente
os anos em que vigoraram os governos biônicos indicados pela ditadura militar (64/82). Mas ao olhar para
o caso acreano, me deparei com a presença destas práticas como já presentes no período de formação
política do Território do Acre, no início do século passado. É em função disto, que o trabalho aqui
apresentado busca modestamente discutir as ―As raízes do autoritarismo no executivo acreano —
1921/1964‖.
Passarei agora para o ponto fulcral deste trabalho, que procurará colocar em relevo algumas
questões – tanto de ordem geral quanto específica – sobre como se deu no Acre a convivência da
8
sociedade com procedimentos de cunho autoritário emanados a partir do Estado , onde este passa a
conformar e dominar os espaços públicos através de suas instituições.
O Acre como Unidade da Federação brasileira se insere no contexto nacional — geográfica
e politicamente — de forma gradativa, conflituosa e tardia. Contribuíram para isto acontecimentos como
9
a República independente de Luís Galvez ; o levante liderado por Plácido de Castro visando a anexação,
10
posteriormente ratificada com o Tratado de Petrópolis; a luta autonomista ; a unificação departamental e

5Cf. entre outros, Weffort (1980); Ianni (1988) e, Ianni (1989).


6Para este caso, e a título de didatismo, explicitarei alguns elementos mínimos, sine qua non, apontados por
diversos autores para se caracterizar, sem definir, a existência da democracia: eleições livres e regulares para
cargos executivos e legislativos, sufrágio universal, universalização do direito, liberdade de expressão e de
associação a todos cidadãos. Como não cabe fazer aqui uma discussão acerca da democracia representativa,
indicarei aqui apenas alguns autores que lançam distintos enfoques sobre esta questão: em um plano mais
geral Sartori (1986), Hirst (1992), Bobbio (1986) e Dahl (2001). Sobre as democracias latino-americanas ver,
entre outros, O’ Donnell (1993) e O’ Donnell (1997). Cf. Bibliografia.
7Cf.: Silva (1998).
8Reporto-me aqui ao sentido amplo de Estado, que engloba tanto o poder público federal (União); quanto

territorial (Acre).
9Luiz Galvez Rodrigues de Árias, espanhol que trabalhou na embaixada de seu país em Buenos Aires; depois

seguiu para o Brasil e se estabeleceu em Manaus, onde trabalhou primeiramente como jornalista e depois no
Consulado boliviano em Belém, quando toma contato com a ―Questão acreana‖. Figura folclórica e
controversa que em 14 de julho de 1899, proclamou o Acre Independente (Governo do Estado do Acre,
1999). A intencionalidade da data coincidindo com a revolução francesa de 1789 e as compras adquiridas
previamente em Manaus não foram por acaso.
10Embora o Projeto de Lei nº 4.070 que redundou na elevação do Acre a Estado tenha sido apresentado em
16

a elevação a Estado federado ocorrida somente em 1962. Acontecimentos complexos e de abordagens


amplas, que acabaram forjando a ―invenção‖ de uma certa identidade ao Acre e aos acreanos.
Mesmo após sua inserção no mapa brasileiro, os desígnios políticos-administrativos do
11
Acre ficaram sob a incumbência da União, representada pelas oligarquias dirigentes da chamada
República Velha e seus pares locais. Estas oligarquias, se expressavam na concentração do poder nas
mãos de um grupo restrito de pessoas, ligadas entre si por interesses ou privilégios particulares, que se
serviam de todos os meios ao seu alcance para conservá-los através de influências conjugadas com o
apoderamento da máquina estatal.
Com a revolução de 30 e a posterior instauração do Estado Novo varguista, o Acre, na
condição de Território Federal, não teve essa característica alterada: continuou sob governos que não
expressavam a vontade manifesta dos governados. Todos estes sendo todos formados basicamente por
militares ou profissionais liberais, — como médicos e advogados — até mesmo durante a fase da
chamada democracia populista brasileira.
Somente no ocaso do período conhecido por populismo democrático é que ocorre a
elevação do Acre a Estado federado (15/06/62), se efetivando, de fato e de direito, algo que já existia em
forma de luta primária desde o momento da anexação do território à União. Ou seja, a busca de uma
maior autonomia política do Acre e sua formal independência administrativa, que se implementou,
permeada de contradições e peculiaridades, a partir do Projeto de Lei apresentado na Câmara Federal pelo
12
então deputado José Guiomard Santos .
No seu conjunto, a proposta desta dissertação é colocar em relevo essas questões,
procurando evidenciar alguns aspectos sobre a gênese da formação política do Acre e das práticas
autoritárias presentes no seio do poder executivo, como marca singular da faceta do Território acreano.
Inicio minha análise traçando um panorama mais amplo sobre as bases formadoras do
autoritarismo no Acre, percebendo-o como sendo uma prática originária de um processo longo e
duradouro, indelevelmente associado à própria formação política desta unidade federativa. Tendo
prevalecido como algo constante ao longo do seu desenvolvimento, exacerbando-se de maneira mais
evidente no período posterior a 64 com a instituição do autoritarismo militar explícito.
Intenciono analisar, na esfera do poder executivo estadual, as características mais gerais das
adoções de medidas políticas de cunho autoritário durante o período compreendido entre os anos de 1921
e 1964. Este recorte temporal se justifica por englobar um período bastante significativo do ponto de vista
da organização burocrática e administrativa do Acre.

1957; muito antes, em 1908, o deputado cearense Francisco Sá já tinha apresentado semelhante Projeto na
Câmara Federal, depois reapresentou com algumas alterações o mesmo Projeto no Senado Federal em 1915,
ambos foram rejeitados. Somente em 1919 seu Projeto é reapresentado e aprovado com substanciais
alterações, dando ao Acre a centralização administrativa, mas negando-lhe o estatuto de Estado. Cf. Craveiro
Costa (1974).
11Semânticamente deriva do grego e significa governo (arché) de poucos (oligos). Para Ianni (1989), as

oligarquias no Brasil são compostas por lideranças políticas e econômicas onde o poder é exercido pelo
mesmo grupo e pessoas interpostas, em nome ou em benefício de uma classe social bastante reduzida e
solidária no controle do poder (ibidem, p. 47).
12Cf. Costa (1998).
17

Se entre 1904 e 1920 o Território era dividido em Departamentos administrativos, é a partir


de 1921 que ocorre a unificação de fato do Território e a centralização do poder executivo. Os anos 40 e
50 são marcados pelas disputas entre Guiomard Santos e Oscar Passos e, a posterior elevação do Acre a
Estado federado em 1962 coincide com as primeiras eleições diretas para governador, tendo sido eleito o
professor José Augusto de Araújo. Em seguida vem o golpe militar, marcado pela vigência de governos
biônicos impostos pela ditadura, tanto no plano nacional quanto local.
Procuro acompanhar ainda, questões relacionadas à forma de atuação e o papel
desempenhado pelo Estado a partir do norte que as classes dirigentes lhe imprimiram. Este Estado
procura acima de tudo assegurar uma ordem vigente, intencionando manter sob seu controle o conflito
entre grupos e interesses antagônicos. Consignado a isto, busco identificar também os interesses, as
principais forças e atores políticos envolvidos no período citado, mostrando ainda o impacto do
13
autoritarismo e do burocratismo e o ―legado‖ que ambos deixaram a posteriori no conjunto da
14
―sociedade acreana‖ .
Por fim, me baseio em um entendimento ex-anti e empírico que me leva a dizer que no
Acre, pelas suas características peculiares, as práticas de cunho autoritário remontam o Território,
sobrevivem no momento em que este se eleva a Estado e se reforçam com mais intensidade a partir do
golpe de 64. Por isso, o meu interesse em problematizar estas questões circunscritas no período supra
citado.
Acredito que as questões levantadas aqui como relevantes, já servem como base para
justificar o meu interesse pelo assunto proposto, buscando uma reflexão e uma compreensão mais acurada
a respeito dessa temática. Por outro lado, o presente trabalho se constitui e se insere numa perspectiva que
busca dialogar e refletir, com e sobre a história política acreana, a partir das questões preliminarmente
apontadas.
Procuro trilhar em uma linha historiográfica voltada para uma abordagem política, no
intuito de interpretar as relações e contradições existentes entre as oligarquias dirigentes e outros grupos
sociais que compuseram e construíram a ―sociedade acreana‖. Sem com isto me pautar em
determinismos, dogmatismos ou em uma visão maniqueísta do problema.
Ao fazer preliminarmente essas digressões mais gerais, ressalto que a discussão dessas
categorias e conceitos até agora citados devem ser considerados antecipadamente de acordo com o
sentido que eles possuem no seu contexto histórico, bem como suas transformações e a incorporação de
novos significados que passam a adquirir. Considero de suma importância fazer estas ressalvas para
melhor caracterizar os constructos utilizados na análise interpretativa.

13Para Saes (1992), em A formação do Estado burguês no Brasil, o “burocratismo” é um sistema de organização dos
servidores do Estado (civis e militares) que os enquadra em determinadas práticas e regras jurídicas,
construindo uma tendência ideológica própria desta categoria, baseada na impessoalidade e não-monopólio
das funções, hierarquia vertical. Ou seja, qualquer um a partir da competência profissional pode desempenhar
as mais variadas funções dentro do aparelho estatal; com isto, procura-se descaracterizar o caráter de classe
do Estado.
14 O termo sociedade acreana encontra-se ao longo do trabalho ―aspado‖ devido ser muito amplo e vago

conceitualmente, assemelha-se ao termo sociedade nacional, já comentado na nota 04 desta introdução.


18

A intenção é não concebê-los como sendo abstratos e deslocados de materialidade, nem


destituí-los de estarem intimamente ligados a modos de vida distintos. Portanto, não tendo eles uma
aplicabilidade automática sem que se faça uma discussão entre o referencial teórico e os processos
históricos que estão em análise
Mesmo assim, se os múltiplos paradigmas estão postos, talvez seja preciso abordá-los tendo
como pressuposto que eles não explicam nem atribuem conexões absolutas, que tornem a compreensão
imediata e total entre o sujeito e o anacrônico ―objeto‖. Isso ocorre porque os sujeitos históricos, e o
historiador em particular, não chegam nunca a finitude da narrativa e da interpretação a respeito do
passado. Não são dados a conhecerem todas as alternativas possíveis do amanhã e não têm controle sobre
as situações do presente. Com isto, o saber histórico se torna o singular e o relevante de um passado
reconstruído a posteriori.
Desta forma, embora o presente temporalmente seja um produto do passado, inversamente
o passado ao ―ser dito‖ se torna algo construído a partir do presente, através das múltiplas visões daqueles
15
que procuram interpretá-lo . Segundo José Luiz Fiori (1995), ―são as expectativas que fazem do futuro
um elemento ativo no presente, possibilitando a coexistência de uma dimensão que embora não seja
ainda vivida e conhecida, comporta uma certa lógica e é fundamental para a compreensão daquilo que
está sendo vivido‖ (idem, p.17). Assim, o presente está sempre ―prenhe‖ de uma perspectiva futura que já
existe como potestade neste mesmo presente sem, no entanto, este futuro ser conhecido e entendido
antecipadamente. Talvez devido a essas complexidades o fardo da história seja tão pesado.
No tocante ao processo de pesquisa, me ative fundamentalmente em leituras de jornais e
documentos dos Arquivos do CDIH/UFAC, Museu da Borracha, Instituto Lígia Hammes, Arquivo Geral
do Estado do Acre, Assessoria de Comunicação da Policia Militar do Acre, Biblioteca da Assembléia
Legislativa do Acre e Biblioteca do Tribunal de Justiça do Acre, além de acervos em Cruzeiro do Sul e da
Biblioteca Nacional (RJ). Como fica evidente nesta relação, todos os Arquivos notadamente estão
vinculados a órgãos estatais, construídos e mantidos pelo Estado e pelos poderes constituídos.
Lugares por definição, que guardam certas ―memórias‖, que estabelecem o que deve ser
preservado e lembrado; por oposição, o que deve ser silenciado e esquecido. Além, do material
bibliográfico — geral e regional — em que me apoiei para discutir os princípios teóricos-metodológicos
que nortearam e fundamentaram este trabalho. Junto a estas observações, tenho a compreensão de que os
documentos e outras fontes não ―falam por si mesmo‖, contém intencionalidades subjetivas e objetivas,
silêncios, leituras invertidas e discursos de práticas sociais permeados de interesses, estratégias e
propósitos.
Um outro ponto a ser explicitado na decorrer da pesquisa, refere-se a dois problemas que se
colocaram a priori como entraves na consecução deste trabalho. O primeiro deles se configurou na
escassez de fontes escritas. Além dos jornais, não há quase nada escrito e desconheço a existência
significativa de documentos oficiais disponíveis. Devido essas singularidades, fui levado em certa medida
a dialogar e discutir as interpretações destes acontecimentos, a partir de relatos jornalísticos, entrevistas e

15Discussão levantada por Carl Becker, in Wehling, (1994, p. 128).


19

depoimentos. No caso destes últimos, isto foi proporcionado por aqueles que, em maior ou menor grau,
vivenciaram estes eventos e processos sociais em graus diferenciados de atuação e olhar interpretativo.
Desta forma, um alento para esta deficiência documental primária nos é dada por Fustel de
Coulanges (apud Paz, 1996) ao afirmar que embora o historiador deva permanecer próximo ao
documento, alerta que o mundo histórico não pode necessariamente ser reduzido a um texto. Contudo não
se pode abrir mão, como ressaltou Michel de Certeau (1995, p. 19), de um sistema de referências. Sistema
este que sempre contém uma filosofia implícita e particular que remete à subjetividade do autor. Esse
entendimento se aproxima em muito da visão de Hayden White, (1994) que afirma ser o ―fato histórico‖
algo que não é antecipadamente dado, mas que elaboramos a partir de certas indagações que fazemos ao
passado.
Outro fator está relacionado com os marcos temporais, que embora do ponto de vista macro
já estejam delimitados, existem micro-tempos que evidenciam a indefinição clara de limites.
Simultaneamente, isto leva a optar em reduzir fatores e atores, implicando assim que se considera a priori
alguns, dentre muitos, como efetivamente significativos em relação a um determinado acontecimento a
ser analisado. Inspirado em Fernand Braudel, José Luís Fiori (1995) indaga, ―se os inúmeros ‗rios do
tempo‘ correm de forma integrada, conquanto estabeleçam curvas e confluências não coincidentes, será
possível a cada navegante descobrir a lógica de sua vertente sem que conheça a dos demais?‖ (idem,
p.32). Certamente, este é um problema que aflige a todos aqueles que se voltam para o interpretar das
ações humanas. Uma resposta metafórica e pessoal a esta pergunta, seria afirmar que nos é dado a
conhecer apenas trechos ínfimos de alguns dos inúmeros ―rios do tempo‖ e as águas estão sempre turvas,
onde cada um observa e analisa aspectos singulares dentre os diversos existentes.
Compreendo que a abordagem é complexa e a diversidade de interpretações que ela
comporta é muito grande. Isto também ocorre pelas implicações e injunções de ordem
teórico/metodológica que se inserem em tal abordagem, como também pelas singularidades presentes em
qualquer evento histórico e pelas escolhas das veredas que foram feitas.
Concomitante a isto, entendo que a percepção do social não pode ser encarada como sendo
neutra, sem produzir estratégias e práticas pelo historiador, pelos sujeitos e pelos diversos grupos sociais
envolvidos. Assim, ―fugirei‖ das prenoções rankeanas de uma história isenta, de falar do passado pelo
passado, como se este não tivesse uma conexão com o presente e com aquele que a escreve.
Contrapondo-se a esta ótica, parecem ser bastante apropriadas as observações de Michel de
Certeau (1995, p. 17) ao afirmar não existir considerações e leituras capazes de apagar as particularidades
do tópos de onde falo, domino e conduzo minha investigação. Porque na escrita da História, e para o
historiador, o sistema de pensamento está intimamente ligado a ―lugares‖ que englobam aspectos sociais,
econômicos, políticos e culturais.
Os tópicos levantados aqui não comportam explicações definitivas, nem é minha pretensão
procurá-las. Isso recoloca todos aqueles que lidam com a dimensão humana, inclusive o historiador, em
uma posição de construtores de visões particulares e interpretações que jamais podem adquirir a etiqueta
de absolutas.
20

No entanto, deve-se tomar cuidado com as visões enviesadas como a de White, que
concebe a história como sendo feita da forma que o historiador achar melhor e que este faça dela o que
quiser (apud Paz, 1996, p. 194). Não concordo com esta assertiva da negativa radical de um mínimo de
pressupostos no estudo da História.
Entendo que é somente a busca do conhecimento, a problematização e a dúvida metódica
que constroem algumas certezas, que embora parciais e discutíveis são necessárias. Como afirma Agnes
Heller (1981) com bastante propriedade, compreender a história significa trazer os fenômenos e as
experiências vividas para dentro do nosso mundo, procurando explicar e conhecer o que antes era obscuro
e com isto, promovendo uma certa inteligibilidade sobre o passado.
Traçadas estas observações, considero de vital importância discutir o contexto histórico dos
acontecimentos a serem analisados em meu estudo, articulando-os com os constructos que também são
comuns a outras ciências, notadamente a Ciência Política e a Sociologia. Pois, dialogando com as suas
respectivas categorias e paradigmas, entendo que se possa fazer uma análise fundamentada em torno do
político e do social de maneira mais consistente. Como bem observou Fernand Braudel (1980), ―todas as
ciências sociais se contaminam umas com as outras; e a História não escapa a estas epidemias. Daí,
essas transformações de ser, de modos ou de rostos‖ (p. 125).
Após essas explanações e considerações em torno da história enquanto área de produção e
entendimento dos acontecimentos, e das múltiplas visões dos determinados autores aqui citados, ressalto
que procurei me ater e manter uma proximidade maior com aqueles autores que considero importantes
para o desenvolvimento, tanto teórico quanto metodológico, de meu estudo.
Reconheço, como já foi antecipadamente colocado, que há uma proximidade argumentativa
com a Sociologia e a Ciência Política, que contribuíram para a execução deste trabalho proposto. Assim
como Carr, entendo que ―quanto mais sociológica a História se torna, e quanto mais histórica a Sociologia
se torna, tanto melhor para ambas‖ (in Hunt, 1992, p. 02).
Acredito que essa percepção da contribuição e das trocas entre as disciplinas são essenciais
para o surgimento de novas abordagens e perspectivas analíticas, que em vez de anular, somam e tornam
o conhecimento sobre os eventos passados mais ricos através dos múltiplos olhares. Talvez haja aí a
complementaridade que Max Weber achava existir entre as ciências humanas, que segundo ele se
orientam em duas direções: uma relacionada às causalidades históricas, daquilo que só ocorre uma única
vez; e a outra seria a causalidade sociológica, que reconstruiria funcional e conceitualmente as
instituições sociais.
Estruturalmente este trabalho está organizado e dividido em três capítulos, a saber:

— Capítulo I – A presença do Estado e sua conformação como centro do poder político: a hipertrofia do
executivo — Procuro neste tópico ressaltar o caráter autoritário da formação e o direcionamento político
16
do Território do Acre nas suas diversas fases, que vai desde sua anexação ao Brasil em 1903 , passando

16Após a vitória do exército liderado por Plácido de Castro contra os bolivianos, o governo federal temendo
uma retomada dos conflitos, envia para o Acre um destacamento militar comandado pelo general Olímpio da
Silveira, que obriga os acreanos a deporem as armas e leva a questão para o âmbito diplomático. Do
momento em que termina o conflito armado entre brasileiros e bolivianos e a assinatura do Tratado de
21

pelas várias organizações administrativas, dando maior ênfase no período após 1920, quando ocorre a
unificação administrativa. Para efeito didático, compreendo este período como sendo composto de quatro
17
fases: a primeira está circunscrita entre 1904 e 1920, quando o poder executivo era descentralizado nos
Departamentos; a segunda entre 1921 e 1930, quando os governadores (Delegados da União) passam a
ser nomeados; a terceira vai de 1930 até 1937, com a figura dos Interventores Federais e a última de 1937
a 1962, quando novamente os governadores voltam a serem nomeados;
— Capítulo II – Do Movimento Autonomista à elevação do Acre a Estado: mudanças e continuísmos —
procuro colocar em evidência a luta do Movimento Autonomista, que desde os primórdios da anexação
do Acre ao Brasil começou a tentar elevar o Território à condição de Estado federado. Ressaltando
aspectos relevantes que marcaram a trajetória dos grupos em luta, contra ou a favor da autonomia;
incluindo ainda as disputas políticas entre Guiomard Santos e Oscar Passos. Entendendo por princípio,
que o desfecho desta contenda pouco acrescentou para diferenciar o legado autoritário oriundo dos
tempos do Território;
— Capítulo III – De José Augusto ao capitão Cerqueira: fragilidade política, falta de hegemonia e
exacerbação do autoritarismo no executivo — Aqui ressalto alguns aspectos relacionados aos conflitos e
embates, — de cunho partidário e de busca de hegemonia política — enfrentados pelo governo de José
Augusto. Este foi o primeiro governador constitucionalmente eleito e logo deposto pelo golpe de 64 em
virtude do rearranjo político que ocorreu em âmbito nacional, açodado mais ainda pelas peculiaridades da
política local. Após sua queda, assume o poder o capitão do Exército Edgard Pedreira Cerqueira, que
imprime inicialmente uma série de medidas, visando punir os atos ―subversivos‖ praticados por José
Augusto e seus auxiliares durante o curto mandato frente ao executivo acreano.

Petrópolis, o Acre foi dividido em duas zonas administrativas: o Acre Setentrional (Juruá/Tarauacá),
governado pelo general Olímpio da Silveira e o Acre Meridional (Acre/Purús), governado por Plácido de
Castro. Cf. Souza (1994, p. 134).
17Tenho como ponto de partida o Decreto 5.188, de 07 de abril de 1904 que instituiu a criação dos três

Departamentos administrativos (vide mapa 01 em Anexos).


22

Capítulo I – A presença do Estado e sua conformação como centro do


poder político: hipertrofia do executivo.

―A região e o Estado são uma loucura coletiva que penetram no público e privado, nas
dimensões de existência social de um povo‖. Mikhail Bakhunin.

1.1 - Estado e Território: uma discussão preliminar sobre o caso acreano.

Primeiramente, a título de demarcar algumas terminologias e conceitos


utilizados, procurarei situar alguns termos para uma melhor compreensão acerca da
definição de Estado e território explicitados no decorrer do texto. Basearei-me na
definição de Estado em seu sentido amplo. Entendendo-o como o conjunto dos meios de
direção e dominação, que exercidos por uma classe — ou frações de classes —,
possibilitam o exercício da hegemonia 18 dentro de uma determinada sociedade e a sua
manifestação se dar através de equilíbrios e compromissos, que visam salvaguardar o
controle e o exercício do poder político. Desta forma, o Estado é percebido como
portador de um conjunto de atividades teóricas e práticas, possibilitando que a classe
dirigente — ou fração dela — busque exercer uma dominação e um consenso sobre os
governados através dos seus instrumentos de controle. Consenso e dominação que por
definição são permeados de fissuras e contradições, nunca são plenos nas suas formas
idealizadas (Buci-Glucksmann, 1980, pp. 128/129).
Empregarei para o termo território, dois sentidos ao longo do trabalho: a)
Território entendido enquanto campo político e administrativo, dotado de prerrogativas
jurídicas e constitucionais específicas, que se assemelha também com a idéia de Estado
em seu sentido abordado anteriormente; b) território designando eminentemente uma
figura geográfica, delimitada espacialmente com suas fronteiras externas e internas.
Embora reconheça que a discussão sobre o termo pode ser pensada em outras
perspectivas analíticas, me limitarei em ressaltar estas duas.

18Sem querer ser profundo e prolixo, o termo hegemonia se insere neste contexto, próximo as concepções de
Gramsci, que entende o conceito como sendo o exercício da dominação (força) e direção (consenso) de uma
classe – ou fração dela – sobre o restante da sociedade. Esta hegemonia procura se estabelecer tanto no
campo político, quanto moral, cultural e ideológico. Cf.: Portelli (1977).
23

Desta maneira, entendo que na região acreana a presença do Estado se fez


presente desde o primeiro momento quando, após a anexação do Acre ao Brasil através
do Tratado de Petrópolis (1903), o poder público federal organizou e assumiu a direção
administrativa através dos dirigentes nomeados pela presidência da República 19. Assim,
a figura do Território Federal antes de tudo está subordinada ao Estado Nacional, que
através de suas prerrogativas passa a instituir e designar administradores de sua inteira
confiança para dirigir a nova unidade federativa. Este Estado Nacional procurará se
colocar no papel de promotor da integração nacional, agente por excelência da formação
da nação brasileira. ―Euclidianamente‖ falando, dar uma história a quem estava à
margem dela nos confins da Amazônia.

Esta é a base em que se fundamenta a gênese do autoritarismo político no


Acre, emanado a partir de vontades externas e sem ligação mais forte com o lugar em
que elas se realizam. Para exercer a administração nos diferentes níveis, pessoas sem
ligação nenhuma e conhecimento idem, são enviadas para a região e, em uma
composição necessária e tensa com os grupos ―hegemônicos‖ locais — comerciantes,
seringalistas e militares —, passam a exercer o domínio político de forma plena,
marcado por práticas desenfreadas de autoritarismo (Calixto et alli, 1985, p. 129). Esta
característica já tinha sido ressaltada por Craveiro Costa (1974), ao afirmar que na fase
do Acre territorial ―os homens do sul monopolizaram desde então, os cobiçados cargos
da administração e da justiça: alguns mesmo se aboletaram nele vitaliciamente. Fazem
e desfazem, impunemente. Exorbitam e prevaricam sem que ninguém lhes vá às mãos‖
(Idem, p. 131). Nestes termos parece ser lícito afirmar comparativamente, de acordo
com Murilo de Carvalho 20 (1996), que a elite política local — que prefiro
conceitualmente chamar de oligarquia — se confundia ao mesmo tempo com a alta
burocracia, composta de letrados e militares 21, que influenciavam e eram influenciados
pelos setores dominantes da ―sociedade acreana‖ ligados ao comércio e a extração da
seringa.

19Entre 1904 e 1920 o Acre era administrado pelos prefeitos departamentais, que exerciam o poder de forma
descentralizada e extremamente autoritária nos Departamentos do Território.
20O estudo de Carvalho — A construção da ordem: a elite imperial/Teatro das sombras: a política imperial — é

referente ao período imperial brasileiro.


21Faziam parte de uma elite rebuscada nos saberes acadêmicos da ilustração e do pensamento positivista, que

ganha prestígio com a implantação da República em 1889. Segundo o escritor Márcio Souza (1994), na
Amazônia, os mandatários da República,“instalaram militares no poder, já que eles aparentemente encarnavam o ideal
positivista, rápido e regenerador, inexistente nos políticos locais (idem, p. 137).
24

Usarei como ponto de partida e para dar maior clareza a este intento
analítico, a unificação administrativa do Acre ocorrida em 1921 22. É a partir deste
momento que começa a se delinear um corpo burocrático mais consistente, uma
ascendência impar dos governadores (Delegados da União) sobre as prefeituras
municipais e uma cristalização maior dos atos destes, expressos na figura do chefe, do
mandatário maior que era o dirigente do executivo acreano.
Em certo sentido, isso explica a opção de centrar a análise no período após
esta unificação, mesmo reconhecendo que as práticas personalistas e autoritárias
remontam a própria formação e organização política do Acre na sua fase embrionária do
regime de Departamentos. Onde para Craveiro Costa, os munícipes e as cidades nada
mais eram do que ―presas do mandonismo de autoridades arbitrárias ou de chefes
detestáveis, teatro de cenas degradantes (...) burgos que apodrecem corroídos pela
politicagem‖ (idem, p. 193).
A título de exemplo, é significativo um ―entrevero‖ ocorrido em princípio
dos anos dez em Sena Madureira, entre o então prefeito e os representantes da Justiça
Federal23 que trabalhavam naquela cidade. Consta no relatório, publicado em forma de
livro24, que o então prefeito José Inácio da Silva, em conjunto com o seu filho, Luiz
Ignácio da Silva (tesoureiro), e o seu genro Luiz Americano da Costa (oficial de
gabinete), foram denunciados por ex-funcionários da prefeitura junto a Justiça Federal
pelo crime de peculato, após estes anexarem uma farta documentação que comprovava
tais denúncias.
Como forma de se opor às determinações judiciais, os acusados não
compareceram à sessão de audiência e passaram a fazer pressão em cima do Juiz
Federal. De acordo com o relatório, o prefeito colocou em estado alerta a Força Policial
e soltou alguns presos para servirem-lhe de capangas. Em função destes
acontecimentos, os magistrados dizem que ―a justiça não capitulou, mas não podia
deixar de retirar-se, em presença da polícia prefeitural, armada até os dentes e

22Através do Decreto n.º 14.383, de 1º de outubro de 1920, o poder político-administrativo do Território do


Acre passa a ser centralizado. Sendo que o primeiro governador desta fase foi o médico e veterano da
insurreição acreana, Epaminondas Jácome, que assume em janeiro de 1921.
23Os representantes da magistratura em Sena Madureira nesta época eram: Alberto Augusto Diniz, Alfredo

Curado Fleury, Antônio Cesário de Faria Alvim Filho, José Lopes de Aguiar e Jorge Serpa. Sobre a relação
entre executivo e judiciário, Craveiro Costa (1974) faz o seguinte comentário: “prefeitos e juízes chocavam-se
constantemente. Pelo critério de alguns prefeitos, os juízes lhes eram inteiramente subordinados. E se juntarmos a tudo isso as
ausências constantes e prolongadas dos juízes preparadores e promotores públicos, a incompetência dos substitutos leigos, a
corrupção que raros magistrados escapam, teremos no quadro as verdadeiras cores” (idem, p. 151).
25

predisposta a toda sorte de attentados, inclusive as eliminações pessoaes‖ 25. É citado


também, o fato de dois oficiais de justiça que, ao tentarem cumprir suas obrigações,
foram presos pela policia local a mando do prefeito. Os ecos destes acontecimentos
chegaram a ser registrados pelo jornal O Paiz no final daquele ano, após telegrama
expedido de Manaus, da seguinte maneira: ―notícias chegadas do Departamento do
Alto Purus referem que ali reina a mais completa anarquia. As famílias estão
abandonando Senna Madureira. O desembargador Távora está sendo esperado aqui
[em Manaus] a toda hora. A força federal está anarchisada. A justiça acephala‖26
Qualquer chefe do poder executivo parecia ter nas paragens acreanas um
poder com o qual ele achava-se capaz de tudo. De acordo com um cronista da época, os
prefeitos departamentais se assemelhavam aos donatários das capitanias hereditárias,
pois ―enfeixavam em suas mãos poderes ditatoriais‖. (Craveiro Costa, 1974, p. 137).
Eram próximos daquilo que o historiador Perry Anderson (1988) nominou de ―governos
de caudilhos de origem militar‖, pessoas propícias para lugares onde as práticas
democráticas ainda não haviam emergido, nem na sua mais fugídia forma.

1.2 – Um pouco antes: a gênese política do Território do Acre — 1904/1920.

Após a assinatura do Tratado de Petrópolis que põe termo diplomático ao


conflito entre brasileiros e bolivianos, a inserção do Acre no mapa brasileiro ocorre de
fato e de direito. No entanto, um problema precisava ser resolvido: que estatuto jurídico
aplicar na nova unidade federativa que se anexava à Nação? Três alternativas estavam
postas para aquela questão: a) ser o novo território administrado pela União; b) anexá-lo
ao Estado amazonense; ou, c) elevá-lo à condição de Estado autônomo da Nação
brasileira27.
Prevaleceu a primeira alternativa, uma saída que antes de tudo beneficiava o
poder federal no âmbito econômico e político, desagradando por sua vez tanto às
oligarquias locais quanto as regionais, ligadas ao extrativismo da borracha e que tinham
enorme interesse em ter o controle sobre o novo território.

24Justiça Federal do Acre, (1917) - Desmandos de um prefeito.


25Idem, p. 05.
26 Jornal O Paiz, ano XXVII, nº 9570, 18 de dezembro de 1910, p. 04.
27Estas questões estão mais detalhadas na obra de Craveiro Costa, Op. Cit.
26

Por um lado, as oligarquias locais desejavam que o Acre fosse elevado a


condição de Estado para conformarem e exercerem o poder de uma maneira mais
autônoma entre seus membros28; já os dirigentes e comerciantes amazonenses estavam,
sobretudo ávidos pelos lucros advindos da exploração gumífera e dos impostos que
seriam incorporados ao tesouro do Amazonas29caso se efetivasse a segunda alternativa.
Com a implementação da administração via União, esta passou a indicar os
governantes territoriais e os membros do corpo judiciário, centralizando e mantendo sob
seu controle o recolhimento dos impostos advindos da produção de borracha, que à
época representava uma fonte de divisas considerável na balança comercial brasileira 30.
Segundo Craveiro Costa, ―ao Acre foi imposta a simples vida política de Território
unicamente porque o governo federal queria reaver, do próprio Território, o dinheiro
gasto com as despesas feitas com a incorporação‖ (idem, p. 121). Por isso, a
necessidade de um controle sobre o território recém adquirido a partir do Tratado de
Petrópolis.
Mas a adoção da figura do Território Federal era algo estranho a
Constituição republicana de 1891, pois a mesma não versava sobre a possibilidade dessa
entidade político-administrativa31. A discussão em torno da validade jurídica desta ação
rendeu debates calorosos entre os vários juristas e parlamentares da época, seja
criticando ou defendendo o aspecto legal do estatuto outorgado ao Acre.
Nessa querela o presidente Rodrigues Alves foi um árduo defensor do
domínio da União sobre o novo território, onde a fonte matriz e inspiradora que
permitiu a criação do Território do Acre foram os EUA, que adotavam no seu direito
constitucional, unidades federativas com esta denominação, mas como algo excepcional
e não regular. Porém, lá os Territórios tinham autonomia para elaborarem uma
constituição própria, através do princípio Enabling Act. Como se percebe, vem de longe

28Aqui poderemos ressaltar essas oligarquias como sendo composta de grupos políticos e econômicos
inseridos, ou não, dentro da burocracia do aparato administrativo: sendo os grupos mais significativos
formado por comerciantes, militares, profissionais liberais e seringalistas. Segundo Carvalho (1996), — no seu
estudo clássico das elites imperiais no Brasil, — o ponto central da análise deve ser sobre ―quem manda?‖.
Por isso, devemos nos ater sobre dois princípios básicos: posição e decisão. A posição está relacionada com as
pessoas que ocupam os espaços formais de poder; já decisão, tem a ver com o poder real e concretamente
exercido. (idem, p. 55).
29A Constituição Federal determinava que qualquer solo público salvo o Distrito Federal, deveria pertencer a

algum Estado da Federação. Por isso, a tentativa do Amazonas em anexá-lo.


30O volume em impostos arrecadados pela União na região acreana era apenas menor que dos Estados de

Minas Gerais e São Paulo (Craveiro Costa, ibidem).


31Território era entendido unicamente como expressão geográfica para designar espaços físicos dos

municípios, estados e do próprio País.


27

o velho axioma já repetido inúmeras vezes: o que é bom para os EUA é bom para o
Brasil32.
Esta discussão se alongou por muito tempo. Em 1909, políticos ligados ao
Acre, procuram justificar a legalidade da nova condição acreana, apelando para a
opinião de dois renomados juristas americanos conhecidos como George F. Curtis e
Thomaz Coolley. Curtis afirmava em seu relatório o caráter de exceção a respeito do
caso americano, pregando a necessidade de uma progressiva autonomia institucional,
política e econômica para os Territórios; Coolley, por sua vez, entendia ser uma
anomalia democrática a existência de Territórios nos EUA: eram apenas uma exceção,
algo transitório (Craveiro Costa, 1974, p. 120).
Mas o governo central se mostrou resoluto em manter o regime instituído
em 1904, por entender que o Acre, devido algumas peculiaridades idiossincráticas, não
poderia ser elevado ao grau de Estado. Entre as questões alegadas configuravam o
aspecto territorial, considerado muito amplo; baixa densidade populacional; a cultura
local, ainda vista como ―atrasada‖ e ―despreparada‖ para se inserir nos moldes do sul do
país; deficiência de comunicação; falta de organização social, entre outros fatores que
seguiam esta mesma ótica.

É a partir deste ponto de vista, que o sociólogo Oliveira Viana, em sua obra
―Pequenos Estudos de Psicologia Social‖, faz referência à questão acreana de maneira
bastante contundente, defendendo este quadro instaurado pelo governo federal, ao dizer
que no Acre:

―O recente de sua história, as origens e a índole de sua população, a sua extrema


rarefação demográfica, e a regressão evidente de sua cultura; a única forma de poder
público apta a realizar, dentro de alguns decênios, esse alto objetivo educacional,
seria, não um governo livre, autônomo, descentralizado, emanado do próprio escrutínio
da soberania local. Mas, ao contrário, feito e aparelhado aqui (no Distrito Federal),
absolutamente estranho àquela população: governo marcial, à Lacedemônia, espécie
de czarismo legal ou estado de sítio permanente‖ (apud Craveiro Costa, idem, p. 130).

Esta referência ao caso acreano retrata, em um sentido mais amplo, as


leituras que Oliveira Viana 33 fez do processo de formação da Nação brasileira. No seu

32Élícito informar também que a própria Carta republicana brasileira é inspirada na Constituição norte-
americana, bem como a primeira bandeira da República.
28

entendimento, existiria um determinismo sociológico e cultural que condicionaria o


desenvolvimento democrático das sociedades. Como este componente não estava
presente em nosso país, houve uma disfunção na implantação das instituições
republicanas pós 1889. Por isso, a solução seria uma política autoritária, implantada de
cima para baixo como ele preconizara para o caso acreano. Ou seja, a democracia futura
dependeria do autoritarismo no presente (Bastos & Moraes, 1993). O mesmo Oliveira
Vianna preconizava ainda ―uma organização vigorosa do poder, educação civil e legal
para o seringueiro da Amazônia — o mais rebelde, o mais indisciplinado, o mais
apolítico dos brasileiros‖ (ibidem, p. 130).

Durante este período, a administração fragmentária do Território acreano


fazia jus ao famoso axioma de ―dividir para governar‖ 34. O exercício do poder
executivo, nos três Departamentos, era realizado pelos prefeitos departamentais,
designados pelo presidente da República. Esta fórmula permaneceu inalterada até 1912,
quando há uma nova reorganização administrativa (vide mapa 02, em Anexos).
Assim, passam a existir quatro Departamentos com a criação do Alto
Tarauacá35 e a presença de cinco municípios, cada um com a figura dos chamados
Intendentes Municipais, que tinham o status de prefeitos locais, sendo vedado a estes a
implementação de quaisquer tipos de tributos. Passam também a existir em cada um
deles os chamados Conselhos Municipais — espécie de câmara municipal controlada
pelo intendente de plantão —, sendo seus membros escolhidos pelo presidente da
República a partir de uma lista prévia enviada por cada Intendente Municipal 36, bem
como a criação de um Tribunal de Apelação em Rio Branco.

33Mais tarde, Oliveira Vianna se aproxima de algumas idéias arianas e passa a ver no Estado Novo varguista
um modelo de democracia autoritária (sic) como ele preconizara (Bastos & Moraes, 1993, pp. 87 e ss).
34Esta fórmula no principio serviu para desestabilizar a organização dos movimentos autonomistas que

estavam surgindo. A criação do Departamento do Alto Tarauacá se insere nesta ótica, pois vinham do Alto
Juruá as mais fortes oposições enfrentadas pelo governo em relação ao modelo político adotado. Confira
capítulo II e mapas em Anexos.
35O Acre entre 1904 e 1912 teve três Departamentos administrativos com suas respectivas sedes: Alto Acre

(Rio Branco); Alto Juruá (Cruzeiro do Sul); Alto Purús (Sena Madureira) e após 1912, um novo
Departamento é criado em conjunto com a figura dos municípios: Alto Tarauacá, cuja sede ficava na vila
Seabra (atual Tarauacá), que recebeu este nome em homenagem ao Ministro da Justiça Joaquim J. Seabra. O
quinto município era Xapuri, que ficava no Alto Acre. Em relação às homenagens personalistas, outras
nomeiam os principais municípios acreanos, denotando esta característica como sendo uma constante ao
longo da história: Rio Branco (Barão do Rio Branco), Sena Madureira (general homônimo), Manuel Urbano
(desbravador da região), Rodrigues Alves, Epitaciolândia (Epitácio Pessoa), Senador Guiomard (Guiomard
Santos), Plácido de Castro, Assis Brasil (diplomata) e Marechal Thaumaturgo (fundador da cidade de Cruzeiro
do Sul).
36Cf. Calixto (1985); SEPLAN/DGE (1971). As primeiras eleições para os membros dos Conselhos

Municipais só irão ocorrer no início dos anos 20.


29

Em 1920, é instalada a Mesa de Rendas Federais, ficando a cargo da União


o controle sobre a cobrança e recolhimentos de impostos oriundos, principalmente da
exploração da borracha37. Dessa forma, com os tributos centralizados pelo governo
federal, o Território não tem orçamento próprio para as despesas administrativas, que
são controladas pelo Ministério da Justiça, que fiscaliza os gastos através das prestações
de contas oriundas dos relatórios produzidos pelos intendentes municipais e prefeitos
departamentais, até o ano de 1920. Depois desta data, pelos governadores nomeados.
Isso faz com que os interesses federais sejam garantidos através dos organismos da
administração pública federal que se instalam e são controlados exclusivamente pela
União através dos seus prepostos locais.

1.3 – A centralização administrativa territorial e os governos a prestação.

Para efeito analítico, este período das nomeações de governadores


compreende o momento que vai da posse de Epaminondas Jácome 38 em 1921 até a
administração de Aníbal Miranda, em 1963, último governador indicado pela
presidência da República para governar o Acre, quando o antigo Território já
configurava como Estado da federação brasileira. Neste intervalo de 42 anos passaram
pela cadeira do executivo acreano nada menos que 41 governadores, sendo 16 efetivos,
18 substitutos39, 05 interventores e 02 provisórios. Alguns, como Francisco de Oliveira
Conde e o major João Câncio Fernandes, chegaram a ocupar a cadeira de governador
em três momentos diferentes como chefes substitutos. Embora no geral a média de
tempo de governo seja em torno de 01 ano, Epaminondas Martins (1937/1941) e José
Guiomard Santos (1946/1950) conseguiram completar mais de 04 anos de mandato,
cada um (vide em Anexos). Esta alta rotatividade denota o caráter instável dos

37No final do século XIX somente a região do Purus, ―uma das mais ricas da Amazônia‖, chegou a exportar
5.423.164kg de borracha, 40.749hl de castanha, 34.253kg de óleo de copaíba e 307.103kg de pirarucu (Cunha,
1998, p.184).
38Sobre a escolha de Epaminondas Jácome, Craveiro Costa (1974) faz o seguinte comentário sarcástico: “O

Sr. Epitácio Pessoa lembrou-se de pôr na cabeceira do moribundo (o Acre) um médico, acreano honorário, clínico de escassa
ciência (...). Nada se sabia da capacidade administrativa do facultativo nomeado governador. A inferir pela sua ciência, não
deveria ser grande coisa (...)” (Idem, p. 203).
39Quando o governador se encontrava impedido ou licenciado, era substituído pelo secretário-geral ou alguém

indicado pelo presidente da República. Em caso de renúncia ou abandono, assumia o presidente da Corte de
Apelação ou o Desembargador que estivesse no exercício do cargo.
30

administradores executivos, que na sua maioria assumiam sem saber quando seriam
substituídos.
Quando não tomavam a rara iniciativa de deixarem o cargo, eram demitidos
ad nutum. Isto geralmente era algo determinado pelos arranjos políticos emanados da
capital federal, muitas vezes pautados pelos momentos instáveis da República e
consignados aos interesses localizados nas unidades federativas.
Este fator relacionado à alta rotatividade do cargo, foi levantado na
imprensa acreana em 1953 em um artigo do advogado Mário de Oliveira 40, onde ele
ressaltava o aspecto da nomeação dos governantes e a intermitência da permanência no
cargo, que ele alude como ―governos a prestação‖. Alguns administradores que subiram
e desceram escadas do palácio Rio Branco 41, praticamente ―sem ter tido tempo de abrir
suas malas‖42.
Mas o objetivo aqui não é fazer uma análise sobre a administração de cada
um desses governantes e sim, realçar alguns aspectos significativos que se inserem
dentro dos propósitos que já foram especificados.

1.3.1 - A primeira fase dos governadores nomeados — 1921/1930.

A ―sociedade acreana‖ que se inseriu neste novo ordenamento institucional,


continuou sendo marcada, indubitavelmente, por uma falta significativa de
organicidade, regulada por um arcabouço legal instável e pouco independente nos seus
destinos. Contava com governos de baixa legitimidade, onde os atores políticos e
sociais encontravam-se fragmentados, desestruturados e portadores de uma inconstância
visível; como no caso dos partidos políticos, fluídos e regionalizados.
A efetivação das Intendências Municipal era deficiente; as Comarcas e as
Varas de Justiça estavam fora do seu local devido; ocorrência de eleições
idiossincráticas, raras e inconstantes; e, partidos políticos capengas, regionais e com
uma dinâmica sem correspondência com seus conteúdos programáticos. Ou seja, no

40Era filho do coronel João Donato de Oliveira, seringalista (dono do seringal Amapá) ex-comandante da
Força Policial do Território do Acre - FPTA e ex-intendente de Rio Branco. ―Governos intermitentes‖. O
Acre, n° 1119, p. 01. 03/05/53.
41Sede do poder executivo acreano.
42Varadouro, ano I, n° 06, p. 03, dezembro de 1977.
31

território acreano as instituições ditas formais (parlamentos municipais, partidos,


tribunais), basilares no tradicional modelo de democracia representativa, eram difusas,
errôneas e mutáveis.
Desse modo, são a partir destes elementos singulares, que passo a discutir a
formação política do Acre, inserindo este debate dentro da abordagem do autoritarismo.
Tenho como ponto de partida a administração do primeiro governador, Epaminondas
Jácome, que é descrito por seus opositores como sendo um administrador relapso e
pouco afeito às suas obrigações e ainda, avesso às representações partidárias.
Epaminondas Jácome — embora não fosse acreano nato, — há muito tempo
estava Acre, tendo inclusive participado do movimento irredentista contra os bolivianos
na qualidade de médico 43. Por outro lado, seus correligionários com exacerbada
obviedade e truísmo, destacam-no como um dirigente excepcional e exemplar. Mas o
intento não é discutir o caráter e as qualidades destes homens e sim, seus atos enquanto
governantes.
A imprensa desde aquele período, como ainda é de praxe, já se caracterizava
por estar a serviço de grupos e interesses políticos estabelecidos, onde cada grupo tinha
um órgão de comunicação para atacar seus desafetos políticos. Uma pincelada nos
jornais da época atestam estas afirmações, como no caso das publicações oficiais ―O
Acre‖ e ―Diário Official‖, descritos pelo jornal ―O Norte‖, como tendo a função
primordial de ―queimar incensos e entoar louvores ao budha ou christo que estiver no
altar‖44.
Isto significava dizer, que qualquer governante de plantão, não importando
quem fosse, controlava uma parte significativa da imprensa. Existia à época, um outro
jornal, intitulado A Capital45, que era essencialmente governista e aliado de
Epaminondas Jácome, servindo como contraponto aos que se opunham ao governador e
seus correligionários. Mesmo assim, este jornal enfatizava em editorial de um ano que

43Epaminondas Jácome, juntamente com Francisco Mangabeira (autor do hino acreano), era auxiliar médico

do Chefe de Saúde do exército irredentista acreano, Dr. Batista de Moraes.


44O Norte, n° 12, p.01, 08/01/22. Este jornal, ligado aos comerciantes de Rio Branco, tinha em seu

frontispício a seguinte frase: “Orgam dos interesses comerciaes” e era ferrenho opositor de Epaminondas Jácome.
45Órgão oficioso de Epaminondas Jácome. Seu proprietário legal era o coronel Manoel Vasconcellos, tendo

como redator chefe o jornalista e advogado Porto da Silveira (oficial de gabinete do governador) e redator-
secretário o advogado Francisco Pereira. Manoel Vasconcellos era ainda proprietário da fábrica de cigarros
Victória e da casa noturna High Life. Foi acusado pelos seus opositores de se beneficiar da amizade com
Jácome, sonegar impostos e não ter alvará de funcionamento de seus empreendimentos comerciais. Este
jornal mantinha um contrato com o governo para a publicação das mensagens e atos administrativos, circulou
somente durante o mandato de Epaminondas Jácome, quando foi fechado a pedido deste em 10/12/22.
32

se afirmava como ―sem compromissos partidários, prestigiando apenas uma situação


administrativa altamente operosa e patriótica‖46.
Esta oposição embora existisse em Rio Branco, era muito mais ferrenha em
Cruzeiro do Sul, cidade situada no Alto Juruá e que se sentia preterida pelo governo de
Jácome. A oposição cruzeirense acusava-o de se voltar somente para as regiões do vale
do Acre-Purús, principalmente para a capital Rio Branco. Tornou-se ainda mais
ferrenha quando Epaminondas Jácome demitiu o funcionário público em Cruzeiro do
Sul, João Craveiro Costa47, que exercia também as atividades de jornalista e escritor.
Este escreveu um artigo contra Epaminondas Jácome intitulado ―O coveiro do Acre‖,
em função disto foi demitido e acusado de ―fazer no Território uma política de
prevenção ao governo constituído‖48. Como se percebe, liberdades de imprensa e de
opinião nada valiam.
Em 21 de julho de 1921, ocorrem em todos os municípios as primeiras
eleições para escolha dos conselheiros municipais 49, agora eleitos. Em cada município,
era composto de sete membros, cargo que correspondia ao de vereador e servia para
―auxiliar‖ o prefeito na sua administração. Em Rio Branco, administrada pelo
Intendente e coronel da Força Policial do Território do Acre - FPTA João Donato de
Oliveira, foram escolhidos três representantes do Partido Construtor Acreano – PCA;
três da União Operária – UO; e um do Partido Republicano do Acre Federal - PRAF50.
Na prática, os Conselhos Municipais na sua grande maioria eram peças fantasiosas
subordinadas aos prefeitos, que regiam a orquestra do poder nos municípios acreanos.
É com o advento da unificação que começam a se estruturar os primeiros
partidos políticos no Acre, sendo inicialmente organizado o Partido Evolucionista
Acreano - PEA em 28 de agosto de 1921. Este partido é o primeiro a ter uma penetração

46A Capital, p. 01, 28/07/22.


47Era natural de Alagoas, mas residia em Cruzeiro do Sul desde o momento de sua fundação em 1904.
Exerceu no Departamento do Alto Juruá diversos cargos públicos. Entre eles o de presidente do Conselho
Municipal (equivalente a presidente da câmara), foi inspetor de ensino, fundou o jornal O Cruzeiro do Sul, que
circulou entre 1906 e 1918, foi um dos membros fundadores do Partido Autonomista do Juruá em 1910 e,
escreveu o livro “O fim da epopéia” em 1924, mas publicado em 1936 com o famoso título: “A conquista do
deserto ocidental” (vide bibliografia).
48A Capital, n° 43, p. 04, 18/06/22. Após estes acontecimentos, Craveiro Costa retornou para Alagoas. O

jornal Folha do Acre (ano XII, n 411, p. 01, 11/05/22) acusou-o ainda de ser fugitivo da justiça paulista.
49Segundo palavras do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, os conselhos municipais eram uma forma de

―preparar o Território para constituir futuramente o Estado, o que seria um grande inconveniente no
momento‖. A Capital, n° 23, p. 01, 08/01/22.
50A Capital, p.01, nº 01, 29/07/21. O PRAF foi fundado no dia 06 de agosto de 1918, sua convenção ocorreu

no Cine Éden onde compareceram 427 pessoas. Sua primeira diretoria era constituída de 27 pessoas, sendo
19 militares, 04 médicos e os restantes, comerciantes (Costa, 1992, p. 48).
33

em todo Território, já que ele surge da fusão do PCA, de Rio Branco; do Partido
Republicano Juruaense - PRJ, de Cruzeiro do Sul e do Partido Democrata - PD, de
Tarauacá. Estes dois últimos partidos, do vale do Juruá, embora com pouca expressão
regional, estavam ao largo do movimento separatista liderado pelos membros do Partido
Autonomista do Juruá - PAJ.
Segundo documento divulgado no dia de sua fundação, o PEA tinha como
meta ―substituir os grupos desconexos e sem ligação com outros do Território (...) nada
mais representando do que pequenos aglomerados de sympathias pessoaes‖ 51. A
matéria parecia fazer referência indireta aos membros do Partido Autonomista do Juruá.
Desde seu primeiro momento o PEA foi um aliado fiel do governador Epaminondas
Jácome, pois no ato de sua fundação, foi divulgada uma moção de solidariedade ao
governador em virtude dos ―ataques‖ que estes sofria da oposição. A composição de
seus quadros era majoritariamente de militares, alguns profissionais liberais e
comerciantes da elite política, econômica e social local52.
De acordo com Costa (1992), em um estudo sobre os partidos no Acre, após
1945, surgiu no Território ―um sistema partidário que sempre excluiu os trabalhadores
de participação, tanto no nível de direção quanto de participação como candidatos em
pleitos eleitorais‖. Se nos anos 40 prevalecia esta prática excludente, podemos fazer
uma ilação mais aguda da situação nos anos 20, —momento da unificação —, quando
se formaram de fato as primeiras agremiações partidárias no Acre.
Quando ocorre a unificação departamental em 1921, no Território já haviam
sido instalados os seguintes órgãos públicos federais, todos em Rio Branco: Justiça
Federal; Tribunal de Apellação; Mesa de Rendas Federaes; Capitania do Porto;
Collectoria Federal; Assistência Pública; Agência Postal; Estação Rádio-telegráphica e
Quartel da Força Policial. Nesta situação, ―o mais comum é o poder central dar a sua
população os órgãos de sua administração‖ (Oliveira Vianna, 1987, p. 221).
Foi o que ocorreu: uma forte presença do Estado Nacional e o poder político
nas mãos de pessoas com pouco ou nenhum compromisso com a administração pública

51A Capital, p.01, 28/08/21.


52Fizeram parte do primeiro diretório as seguintes pessoas: coronel Honório Alves, Paulino Pedreira
(presidente e secretário da chefatura de polícia), coronel João Donato (presidente de honra e Intendente de
Rio Branco), coronel Francisco Manoel, major Campos Pereira, Dr. Francisco de Oliveira Conde (secretário
de governo), coronel José Pereira, Raymundo Viera, Dr. Mário Alvarez, Dr. Francisco Pereira (advogado),
coronel Joaquim Victor (dono do Seringal Bom Destino), Luiz Barreto de Menezes, Porto da Silveira
(advogado), Nahum Vieira (dentista), coronel Silvino Coelho, coronel Sérvulo do Amaral e coronel Antônio
34

e sim, mais preocupados em agradar quem lhes nomeou e voltarem ao fim do mandato
para ―merecidas‖ férias na capital federal. Era o que acontecia com todos os
governadores e a maioria dos seus secretários, que ao chegar um novo governador
nomeado, com sua troupe, os que aqui estavam faziam imediatamente o caminho
inverso dos adventícios.
Assim, todos mais pareciam aves de arribação que ao Acre chegavam
somente para se acasalarem com o poder e garantir uma gorda aposentadoria em função
de servirem em local tão ermo e rarefeito de ―civilização‖, como alguns afirmavam.
Assumir qualquer compromisso no Acre era um meio de ―consertar as avarias
financeiras, um estágio para promoção de oficiais com o soldo dobrado pelo doloroso
sacrifício de viver entre os índios‖ (Craveiro Costa, ibidem, p. 148). Mas o sonho de
todos, quando acabava o prazo da nomeação era baixar o rio 53.
A partir da nomeação de Epaminondas Jácome54, tornou-se norma o
governador trazer consigo o restante do corpo administrativo auxiliar, que lhe
acompanhava desde o Rio de Janeiro até ao Acre. Aos governadores competia ainda,
nomear e expedir licenças para os praças e oficiais da Força Policial do Território.
Este tipo de ação remonta à época do poder descentralizado, quando os
prefeitos tinham a prerrogativa de exercício amplo do poder político. Era comum o
conflito entre o poder judiciário e poder executivo no Acre Território, que advinha do
fato de em alguns momentos o prefeito ou governador não aceitarem submeter-se aos
ditames da lei. Um prefeito, segundo Craveiro Costa (1974), era no Acre uma
autoridade maior do que aquela que a nomeava — o presidente da república —, ―pois
enfeixava em suas mãos os três poderes soberanos‖ (P. 140) e, como já foi visto no
exemplo de Sena Madureira, no Acre nada significavam os aludidos poderes soberanos.
Esta afirmativa é corroborada por um prefeito local da época, que em seu relatório
enviado ao ministro da justiça, assume categoricamente: ―os prefeitos enfeixam em suas

Pereira Brasil. A Capital, ibidem.


53Talvez o termo ―descer a balsa‖, usado no Acre a cada eleição como pilheria e ironia com os candidatos

derrotados remonte esta época, já que aqueles que deixavam o poder desciam o rio para retornarem de onde
vieram.
54Todos os governadores, nomeados pelo presidente da república e empossados no Rio de Janeiro, estavam

subordinados ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores - MJNI. Ao serem nomeados e empossados,


deslocavam-se de navios pela costa brasileira até Belém (PA), de lá subiam em embarcações da companhia
inglesa“The Amazon Rivers Steam Navegation” até Manaus e posteriormente à Rio Branco. A viagem demorava
em média cerca de quatro semanas e quando chegavam a capital acreana, assumiam o cargo em meio a
efusivas festas que duravam até três dias seguidos (ver tópico 1.4 neste capítulo). Anualmente eram obrigados
a enviar ao MJNI um relatório de suas atividades administrativas.
35

mãos presentemente, e enfeixarão porventura, por longos meses, os poderes executivo,


legislativo e judiciário‖ (apud Craveiro Costa, p. 144).
Isto remete às discussões levantadas por Oliveira Vianna (1987), acerca do
mandonismo local, presente na política brasileira. Diz ele que ―os prefeitos chamam
para si a execução da lei e a nomeação dos empregados, duas atribuições que
figuravam como a base da sua força e do seu prestígio‖ (p.191). Longe de ser uma
crítica, é uma defesa que o autor faz desta prática.
Isso levava a uma confluência do poder público com o privado, permitindo
que ocorressem as mais variadas práticas políticas por aqueles que estavam na posição
de mando. No caso acreano, isso se explicitava quando ocorriam denúncias de
nepotismo, corrupção e desvios de dinheiro público. Embora nas raras vezes em que tais
denúncias vinham a público, elas só ocorriam quando o governador acusado já não tinha
mais o poder nas mãos.
O primeiro governador do Acre unificado não ficou imune. Epaminondas
Jácome fora acusado de desviar o dinheiro do pagamento do funcionalismo público e
pagá-lo com verbas oriundas da rubrica ―socorro público‖. Descoberta a fraude, e para
regularizar os gastos indevidos, foram feitas novas folhas de pagamentos e ficou
determinado que os funcionários devolvessem dois meses de salários. Quem não tinha
dinheiro, era aconselhado a dar uma procuração em branco dos seus vencimentos
vindouros para a casa comercial Sadalla Khoury e Cia, que se tornou procuradora de
boa parte dos funcionários públicos para salvar a pele do governador 55.
Um outro caso semelhante, relatado na imprensa carioca — no jornal Diário
do Rio — dava conta que o ex-governador Cunha Vasconcelos (1923/1926)56 fora
acusado pelo jornalista Augusto Pamplona de enriquecimento ilícito e de ter vários
imóveis no Rio de Janeiro. O ex-governador processou o jornalista e exigia uma
indenização por danos morais de 766$000 contos de réis. Posteriormente, ele retirou o
processo quando o caso passou a ser utilizado pelos seus adversários locais como um
fato para capitalização política.

55O Norte, n° 20, 25/02/22.


56Cunha Vasconcelos, que tinha o sugestivo apelido de ―Surucucu‖, antes de assumir o governo do Território
tinha sido juiz de direito no Paraná, deputado federal (PE), delegado no Rio de Janeiro, prefeito do Alto Acre,
do Alto Purús e intendente de Tarauacá. Quando veio do Rio de Janeiro para assumir o governo, trouxe junto
o Secretário geral de governo e o chefe de polícia.
36

O governador Hugo Carneiro (27/30)57, doou ao referido jornalista 200$000


e o prefeito Flávio Batista, 100$000, para ajudá-lo no pagamento da indenização
requerida. Mas deixando de lado qualquer ação altruísta, o que interessava para ―os
doadores‖ era criar um fato político com repercussão local em cima do ex-governador e
dos seus aliados 58. Estando no Rio de Janeiro, pouco tempo depois, Cunha Vasconcelos
foi acusado ainda, de ter agredido um condutor de bonde e para livrar-se da prisão
resolveu passar por senador da república, cargo que nunca exerceu.

Mas, estas denúncias só vinham a público quando o administrador da hora


deixava o poder, pois durante seu mandato não havia nenhum tipo de desconfiança ou
desabono acerca da honestidade e comportamento do governador, nem mesmo por parte
de seus adversários. O próprio Cunha Vasconcelos, só passou a ser denunciado pela
imprensa local após deixar o cargo e mudar-se para o Rio de Janeiro, pois segundo um
jornal da época, tratava-se de ―um homem intolerável, que aqui nada mais fez do que
sugar os cofres públicos em proveito próprio e dos seus, saindo rico da administração
acreana. (...) Nós os acreanos temos elementos sobejos para amaldiçoar o senhor
Cunha Vasconcelos‖ 59. Estas denúncias tardias só eram divulgadas quando havia a
certeza, por parte do denunciante, de não sofrer sanções advindas do acusado.

O último governador da primeira fase política foi o major João Câncio


Fernandes, que assumiu o restante do mandato de Hugo Carneiro, quando este pediu
exoneração em julho de 1930. Em virtude dos acontecimentos nacionais e das
acomodações políticas que se iniciavam no país, em outubro deste ano ocorreu um
levante, que partindo do município de Xapuri, objetivava derrubar o governador
substituto, este não ofereceu nenhum tipo de resistência ao intento de depô-lo do cargo.
De pronto, se constitui uma ―Junta Revolucionária‖, composta pelo juiz de
direito Jayme Mendonça; Delegado de Hygiene Heitor Gomes de Almeida; Intendente
em Comissão Aldeziro Leite; e, o tenente Ildefonso Araruna, comandante da Força
Policial naquela cidade. Imediatamente eles enviaram um radiograma ao então

57Governador do Acre entre 1927 e 1930. Na sua administração foram construídos diversos prédios públicos,

como o mercado municipal, o quartel da FPTA e o atual palácio Rio Branco. Antes de assumir, foi deputado
federal pelo Ceará e superintendente da cidade de Manaus (AM).
58Folha do Acre, n ° 660, 20/09/28 e n° 661, 23/09/28.
59 ―A queda de um régulo‖. Folha do Acre, n° 531, 10/06/26. Este jornal, a partir de 1925, passou a ser

administrado pelo coronel Sérvulo do Amaral e Flávio Batista, membros do PEA. Este último, em 1926, foi
37

governador, intimando-o a desocupar o posto que diziam não mais lhe pertencer e
delegam os poderes governativos do Território ao desembargador José Martins de
Souza Ramos, presidente do Tribunal de Appellação. O desembargador assumiu
imediatamente o posto, em caráter provisório, e exigiu que não acontecesse nenhum tipo
de solenidade de posse, fato único dentre todos que assumiram o poder executivo no
Acre. 60

1.3.2 - O período dos Interventores Federais — 1930/1937.

Estas injunções políticas ocorridas com o fim da Primeira República 61, os


reflexos da chamada ―Revolução de 30‖ e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder,
propiciaram um novo ordenamento político no país e fez surgir, — também no Acre, —
a figura dos Interventores Federais 62, chefes executivos com poderes semelhantes aos
governantes anteriores.
Os Interventores podiam, demitir, promover e nomear funcionários.
Escolhiam diretamente o prefeito da capital e influenciavam na escolha dos prefeitos do
interior, já que todos prefeitos dependiam do governo territorial e eram obrigados a lhe
enviar balancetes semestrais63 de receitas e despesas das verbas liberadas pela União,
via administração territorial.
Pouco tempo depois, em 1933, no âmbito legislativo, o Acre elege seu
primeiro representante para a Câmara Federal: o ex-governador Hugo Carneiro, da
Legião Autonomista Acreana e, um ano depois, o advogado Mário de Oliveira, pela
mesma facção política. Foram estes dois parlamentares que participaram como
membros da Assembléia Nacional Constituinte, que elaborou a carta de 1934.

indicado prefeito de Rio Branco pelo major João Câncio.


60―O novo governador do Território: movimento que precedeu sua posse‖. O Acre, p. 02, 06/11/30.
61Para Saes (1985) a ―revolução de 1930‖ corresponde uma segunda etapa da transição burguesa no Brasil e

teve como conseqüências políticas a liquidação da hegemonia política da burguesia mercantil agro-
exportadora; instauração de uma crise no interior das classes dominantes e orientação de uma política
econômica e social pelo Estado nacional.
62
“Para substituir os „carcomidos‟ e governar os estados, os interventores tiveram de firmar coalizões com facções das oligarquias
estaduais, o que enfraqueceu o ímpeto revolucionário das novas administrações”. Nunes (1997, p. 51).
63Para Craveiro Costa (1974), “prefeitos desfrutáveis e perdulários apresentam relatórios pomposos (...) para justificar seus

esbanjamentos” (idem, p. 195).


38

O primeiro Interventor acreano foi Francisco de Paula Vasconcelos (30/34),


que, no momento de chegada ao Acre, recebe um telegrama enviado pelo então general
Juarez Távora64, com algumas recomendações: ―o governo federal confiando vos a
gerência dos negócios do Acre, nesta phase de dictadura, espera que sabereis cumprir
inflexivelmente o programa revolucionário mandando abrir rigorosa sindicância na
sede do governo e prefeituras a fim de apurar os deslizes políticos administrativos.‖ 65
O certo, é que não se sabe de nenhum resultado prático das orientações dadas pelo
general Juarez Távora. Mas dar para perceber que o governo central tinha conhecimento
dos atos políticos e das condutas desabonadoras dos seus comandados enviados ao
Acre, principalmente no que tange as improbidades administrativas.
Martiniano Prado (35/37), o segundo Interventor nomeado para o Acre, no
dia 1º de maio de 1935, ―dia do trabalho‖, lançou a pedra fundamental de construção do
Aeroporto de Rio Branco e um ano depois, ironicamente, pousa o primeiro avião no
Acre, no rio homônimo: o anfíbio Taquary. Para construir o campo de aviação o
interventor Martiniano Prado dividiu uma área em 600 lotes, com cada um deles
medindo 400m².
Sorteou os lotes em solenidade pública no dia do trabalho, onde cada
―beneficiado‖ se comprometia em entregá-lo limpo dentro de um prazo determinado.
Um mês após este ato, em seu discurso, o Interventor afirmava que ―desde o
funcionário de categoria mais elevada, até o mais humilde operário; do oficial ao
soldado ali estiveram ombro a ombro empunhando ferramentas de trabalho‖66.
Mas em uma breve análise na listagem do sorteio dos terrenos, percebe-se
que o discurso pomposo não corresponde à realidade, pois entre os militares quanto
menor a patente maior o ônus: 73 lotes foram sorteados para soldados, 15 para
sargentos, 09 para cabos, 02 para capitães, para um solitário major 01 lote e o coronel
João Donato ficou com 11 para ―distribuir‖ aos amigos67. Para os civis, foram
destinados 116 lotes e 156 ficaram sem interessados, já os cerca de 30 restantes não há
referência sobre o que foi feito. Mais uma vez a ―casa-grande‖ dava ordens e a senzala
obedecia, aceitando a contragosto o que lhe determinavam. Mais uma demonstração

64Denominado o ―imperador do norte‖ (ou vice-rei do norte, conforme o escritor Márcio Souza, [1994]), pela
influência que tinha para nomear e indicar seus amigos de confiança para cargos nos Estados e Territórios da
Amazônia e do nordeste, em geral militares. Iglésias, (1993, p. 234).
65O Acre, 1930.
66O Acre, n° 280, 09/06/35.
39

clara da delimitação dos espaços e das obrigações estabelecidas de forma descendente e


hierárquica.
Com a finalização das obras do aeroporto, o Acre passa a ser atendido por
vôos aéreos, que embora irregulares, significava que os governantes já não precisavam
mais viajar durante semanas, nos gaiolas, pelos rios inconstantes da Amazônia.

1.3.3 – A segunda fase dos governadores nomeados — 1937/1962.

Esta fase compreende, no cenário político brasileiro, ao período do chamado


Estado Novo (1937/1945) e da Democracia populista (1945/1964), que marcaram
momentos de transformações e mudanças significativas no interior do Estado brasileiro.
Com o advento da ditadura varguista, finda a fase dos Interventores Federais. Porém, o
Acre permaneceu sendo governado por indicações emanadas do palácio do Catete,
mesmo na fase de ocaso do Estado Novo.
Contudo, é neste período, após o fim do Estado Novo, o Acre passa ter
partidos políticos68 de expressão nacional organizados em todo o Estado69. Sendo que os
de maior significado e peso serão o Partido Social Democrático - PSD e o Partido
Trabalhista Brasileiro - PTB, tendo a frente figuras que serão sem dúvidas as maiores
referências personalistas da política local nos anos 40 e 50: José Guiomard Santos70
(PSD) e Oscar Passos71 (PTB). Ambos irão travar juntamente com seus seguidores
disputas acirradas não só em épocas de eleições, como também nas indicações dos

67O Acre, n° 279, 02/06/35.


68
“Terminado o Estado Novo, os Interventores nos Estados e seus prefeitos nomeados se reuniram para dar forma ao PSD,
enquanto os burocratas do sindicalismo e do sistema previdenciário oficiais formaram o PTB. Eram partidos que dependiam
essencialmente, para subsistir, da companhia do poder, e que desagregaram tão logo perderam o controle do Estado”.
Schwartzman (1982, p. 136).
69Nesta época também se organizaram os seguintes partidos: Partido Democrático Cristão – PDC; Partido

Republicano Progressista – PRP; Partido Social Progressista – PSP; União Democrática nacional - UDN e
Partido Comunista do Brasil - PCB. Cf. Costa (1992).
70 Major, depois promovido a coronel, governou o Acre entre fevereiro de 1946 e junho de 1950, depois foi

eleito deputado federal por três mandatos (1951/1962) e senador eleito em 1962 e 1970, em 1978 foi
escolhido senador biônico e faleceu em 1982. Ou seja, ficou no poder durante 36 anos. Foi o autor do
Projeto de Lei que elevou o Acre a Estado.
71Oscar Passos nasceu no Rio Grande Sul e era militar. Quando veio para o Acre assumir o cargo de

governador (agosto de 1941 a agosto de 1942) tinha a patente de coronel. Após deixar o governo, ficou cerca
de sete anos fora do Acre e retorna em 1949 para candidatar-se a deputado federal. Eleito, dedica-se ao
parlamento federal de 1950 a 1962. Foi eleito senador em 1962 e posteriormente presidente nacional do
MDB. Em 1970 não é eleito e desiste da vida partidária. Irá ser durante cerca de duas décadas o principal
adversário político de Guiomard Santos e a figura central do PTB acreano.
40

cargos federais para seus correligionários e na luta pela viabilidade, ou não, da


autonomia acreana (vide capítulo II).

Em abordagem sobre a escolha dos chefes executivos enviados para o Acre,


Barros (1981) enfatiza que a listagem dos governadores acreanos parecia algo emanado
a partir do Ministério do Exército, devido a constante da patente militar marcar os
ombros dos governantes. O referido autor procura fazer uma referência direta ao modelo
paternalista imperial, que na sua opinião se transferiu para o presidente da república,
com a política dos governadores, durante a ―Primeira República‖. Segundo esse autor,
em sua alusão comparativa, o titulo de nobreza imperial passou a dar lugar a patente
militar no período republicano, como elemento característico das benesses do poder,
outorgada a uma camarilha apta a bajular e apoiar qualquer governante.

No Acre, esta característica sempre foi uma marca constante durante toda
sua vida territorial, tanto entre governadores e interventores, quanto entre prefeitos e
intendentes. Entre 1921 e 1964 a regra era encontrar tais homens exercendo os mais
diversos cargos na vida administrativa territorial, suas ausências eram exceções

1.4 - Os festejos de posse dos governadores: a teatralização do poder.

A chegada de um governador ao Acre, era um acontecimento singular que


alterava o cotidiano da cidade de Rio Branco. As expectativas eram geradas desde a
possível nomeação de uma determinada figura política, que ao se confirmar era fonte de
comentários contínuos na imprensa local. Esta passava a relatar desde a saída do navio,
com a comitiva, do Rio de Janeiro até sua chegada ao Acre.

Os jornais, oficial e oficiosos, passavam a tratar com distinção única o novo


governante, exaltando sua personalidade e suas ―qualidades‖ como homem público. O
governador substituído ficava no cargo apenas esperando o nomeado chegar para voltar,
o mais breve possível, no trajeto inverso, rumo ao Rio de Janeiro e ser alvo de
comentários nada abonadores sobre sua administração pregressa, tanto na imprensa
como no meio político local.
41

Os festejos já começavam com a chegada da comitiva executiva à montante


do rio Acre, quando salvas de fogos de artifícios e apitos da Usina anunciavam a
embarcação, apontando nas curvas do rio, e esta era ladeada até o porto por uma
comitiva de ―figuras importantes‖ que iam ao encontro do governador, antes do
desembarque. Ao desembarcar, este era recepcionado pelas autoridades locais, pela
banda de música da FPTA e pelos alunos das escolas locais. Logo após, dirigia-se à
residência oficial ou ao palácio para a cerimônia de posse e os festejos oficiais.

Quando Cunha Vasconcelos chegou ao Acre, em 1923, para assumir o


governo, ocorreram festas durante três dias seguidos para homenageá-lo e dar-lhes as
―boas vindas‖, num misto de festa cívica, demonstração de servilismo e apoio irrestrito.
Tudo era promovido pela oficialesca ―Comissão Central de Festejos‖, encarregada de
preparar e programar todos os detalhes dos festejos, que incluíam queima de fogos,
paradas militares, convite aos correligionários do interior do Acre, jantares, festas
dançantes e outros salamaleques imprescindíveis, bancados em boa parte por alguns
comerciantes de Rio Branco e pelos políticos locais, que tinham a partir daquele
momento um novo chefe para beijar a mão.

Ser próximo do governador, não importando qual, era fundamental para


muitos comerciantes manterem seus negócios particulares, bem como para os
tradicionais políticos darem continuidade a seus projetos de poder e ao mesmo tempo
garantirem os empregos de seus afilhados na máquina estatal. Na verdade, o Estado se
configurava como o pai e a mãe de todos72.

A posse do governador Hugo Carneiro 73 em 1927, ocorrida um dia após sua


chegada, e relatada em pormenores pelo jornal Folha do Acre, com o seguinte título

72Confira artigo de Guiomard Santos, intitulado “O Estado socialista do Acre” e reproduzido parcialmente no
capítulo II.
73Logo que assumiu o governo, Hugo Carneiro imprimiu uma série de medidas para ordenamento do espaço

urbano da cidade de Rio Branco, capital do Território. Construiu vários prédios públicos em alvenaria, adotou
um código de posturas para o município e procurou ―higienizar‖ a cidade com suas medidas profiláticas. Sua
meta era exatamente circunscrever, ordenar, classificar e delinear a vida em sociedade. Durante seu governo,
foi criada a agência local do Banco do Brasil. A partir daquele momento, o governador passou a controlar de
forma direta os recursos enviados pela União. Outro acontecimento importante no seu governo foi a criação
do Tribunal de Contas local, livrando o governador de ser fiscalizado pelo Tribunal de Contas do Amazonas.
Assim, passa o governador a enfeixar um poder muito maior do que seus antecessores. Sobre estas
afirmações, agradeço as conversas que tive com o professor e historiador Sérgio Roberto Gomes de Souza
(2002), que escreve dissertação de mestrado, intitulada Fábulas da modernidade: a utopia modernista de Hugo
Carneiro – 1927/1930, onde aprofunda estas questões.
42

abrindo a matéria: ―Apotheose glorificadora‖74, é um outro exemplo significativo


destas festividades rotineiras que marcavam a troca de poder local. E este jornal relata
que cerca de cinco mil pessoas, se aglomerava na praça Tavares Lyra (atual Eurico
Dutra), em frente ao Palácio Rio Branco para recepcionar o governador, todos
antecipadamente cônscios das atividades oficiais programadas com antecedência 75.

Este mesmo jornal, afirmava ainda, que o povo ao receber carnes, cigarros e
pães, ―bendiziam o nome do benemérito governador‖, com louvor e entusiasmo. Era
comum também, o envolvimento da Associação Comercial através de seus dirigentes e
da própria Igreja Católica nos festejos, esta última também uma ―eterna‖ aliada do
poder político.

O médico Epaminondas Martins (37/41), primeiro governador nomeado


após o período dos Interventores Federais, resolveu inovar nos festejos, realizando três
grandes festas em dias alternados. O primeiro evento foi denominado de ―Festa das
Classes Laboriosas‖ e aconteceu no salão de festas da Polícia Militar, quando foram
distribuídos diversos brindes, gelados doces e teve seu encerramento marcado com um
baile dançante para os populares.

A segunda atividade foi chamada de ―Festa da Mocidade Acreana‖, onde a


grande atração foi à exibição de diversos filmes na praça em frente ao Palácio Rio
Branco. Por último, ocorreu a ―Festa da Sociedade Riobranquense‖, marcada pôr um
baile a rigor no Palácio Rio Branco somente para o denominado ―alto escol social
local‖76. Um evento exclusivo para determinados segmentos sociais, onde ficava claro a
delimitação dos espaços que cada um podia freqüentar: festas distintas para os
populares, em ambiente da ―ordem‖, que era o clube militar; para a juventude, na praça;
e, o interior do Palácio Rio Branco, somente acessível à autodenominada ―sociedade
acreana‖, a ―nobreza das selvas‖.

Era a expressão máxima da velha fórmula tantas vezes repetida pelos


políticos: dar pão e circo aos governados, como maneira de amainar certos conflitos

74Folha do Acre, p. 01, n 636, 21/03/37.


75As atividades programadas eram: 5:30 – alvorada da FPTA no palácio do governador; 6:30 – distribuição de
carnes (500 kg) e de pães aos pobres, aos presos e ao colégio Servos de Maria, distribuição de cigarros
(5000un) aos presos, pobres e internos do leprosário; 7:30 – missa campal na praça Tavares Lyra; 8:30 –
parada militar e desfile das escolas; 9:30 – cumprimentos do governador; 10:30 – inaugurações; 12:00 –
almoço íntimo oferecido pelo governador; 16:00 – jogo de futebol (taça Hugo Carneiro); 19:00 – retreta pela
banda da FPTA; 20:00 – cinema ao ar livre e fogos de artifício; 21:00 – passeata cívica. Folha do Acre, ibidem.
43

silenciosos e buscar tê-los sob controle. É ainda, a busca de introjetar nos governados, e
levá-los a acreditar nisso, que eles devem gratidão àqueles que têm atos ―generosos‖
para com eles.

Mas mesmo com o advento do transporte aéreo, todos os governadores


posteriores, ao pousarem no antigo aeroporto, — onde fica hoje o bairro do Aeroporto
Velho — localizado na margem oposta do bairro Quinze, desciam o porto e seu séqüito
seguia em embarcações do SNAPP77 e da flotilha do governo. Seguiam o trajeto
soltando rojões, que anunciavam a chegada do governador, até aportarem nas
proximidades do mercado municipal, onde a recepção oficial era recomeçada com os
salamaleques de sempre pela chegada de uma nova troupe, ou mesmo devido apenas o
retorno do governador de uma viagem ao sul do país.

Ou ainda, como na época de Guiomard Santos (46/50). Toda vez que este
chegava de viagem ao sul, desembarcava com sua comitiva e atravessava o rio Acre até
o Porto do bairro Quinze, e seguiam todos caminhando pelas ruas do Segundo Distrito 78
até ao antigo centro comercial na proximidade da Tentamem79 e do Cine Recreio
(antigo Cine Éden). Daí, atravessavam novamente para o Primeiro Distrito, em direção
ao Palácio Rio Branco, onde o ritual de sempre era repetido.

Outra novidade festiva introduzida durante o governo de Guiomard Santos


foi à comemoração do ―Aniversário do governador‖, realizado com todas as pompas,
com direito a feriado estadual e com o comércio fechando as portas como atitude cívica
e respeitosa80. Era o poder sendo posto em evidência perante a população, transfigurado
na figura do ―líder popular‖ e ―bem quisto‖ pela população, através de uma série de atos
destituídos de espontaneidade e organizados pelo aliados do homenageado.

Durante o governo de Guiomard Santos, mais precisamente no ano de 1948,


foi instituída a disputa futebolística anual no dia do funcionalismo, denominada ―Taça

76O Acre, p. 06, 28/03/37.


77Serviço de Navegação e Administração dos Portos do Pará.
78A cidade de Rio Branco, capital do Acre, é composta de dois Distritos, delimitados pelo rio Acre. Na

margem esquerda, o Primeiro Distrito, antigamente denominado de Penápolis, fica o centro administrativo e
para onde a cidade mais se expandiu. No Segundo Distrito, ficava o antigo centro comercial e foi onde cidade
se originou a partir do antigo seringal Empresa, depois elevado a condição de vila e posteriormente, Rio
Branco.
79Clube social fundado nos anos 20 e freqüentado pela elite acreana da época.
80Eram realizados torneios de futebol, festas dançantes e distribuição de brindes. “Tais manifestações revelam que

Guiomard Santos tinha o apoio dos coronéis seringalistas e dos altos comerciantes”. ―A herança dos caciques‖, Varadouro,
n° 06, p. 03, dezembro de 1977.
44

Governador do Acre‖. Neste dia, jogava o time dos funcionários do Território contra a
equipe da Guarda Territorial. O troféu em disputa, confeccionado no Rio de Janeiro, era
de posse transitória e sempre entregue após o jogo pelo governador, que o assistia como
―convidado‖ ilustre81.

No entanto, festas pôr motivos opostos também ocorriam, embora com


menos freqüência. É o que se percebe de algo ocorrido em 1946, durante a partida de
alguns membros da extinta Polícia Militar do Território do Acre - PMTA, que rumavam
com destino ao Rio de Janeiro após o ―exílio‖ em terras acreanas. De acordo com a
imprensa da época, oficiais militares ao embarcarem na chata ―Sapucaia‖, soltavam
rojões para demonstrarem a alegria incontida diante da partida do Acre, que levava
somente um acreano como passageiro 82. A Folha do Acre, uma semana depois,
afirmava que o foguetório fora providenciado pelo ex-intendente de Rio Branco, major
João Donato de Oliveira, e pelo tenente Francisco Costa. Este último, ao tomar
conhecimento da matéria mandou ao diretor do jornal, Wilson Aguiar, um telegrama da
cidade de Boca do Acre (AM), com o seguinte teor de ameaças: ―cachorro, sua raça só
morde pelas costas e a pequena altura só alcança calcanhar. Para ajustes de contas
das notícias infamantes, aviso que até as pedras se encontram. Espero vê-lo o mais
breve possível‖83. Comemorações e arrogâncias em um mesmo barco.

Esses badulaques festivos sempre ocorreram e foram uma constante no meio


político acreano. Ao recuar nos eventos comemorativos, vê-se que o próprio Luiz
Galvez, ao proclamar em 14 de julho de 1899 o ―Acre Independente‖, gastou mais de
seis mil contos de réis em três dias de festas, regadas a cerveja americana, champagne
Veuvet Clicquot e charutos Daneman, para a Junta Governativa. Enquanto o restante se
esbaldava com cachaça, vinhos Collares, cerveja Rifle e charutos Vilar. Para ―os de
cima‖ tudo importado, para o ―populacho‖, tudo nacional, previamente adquiridos na
casa comercial amazonense Martin Calveras & cia 84.

81―Taça governador do Acre‖. O Acre, n° 908, p. 08, 30/01/49.


82―Os foguetórios pôr ocasião da saída da sapucaia‖. Folha do Acre, 24/03/46. Nesta época, a Folha do Acre,
cujo slogan era ―porta-voz das aspirações coletivas‖, tinha como diretor Wilson Aguiar, que exerceu a chefia
do Departamento de Transportes Públicos (DTP) no governo de Silvestre Coelho (42/46). Este último
descrito como ―nordestino de fibra, homem de têmpera rija e de costumes severos, disciplinado e
disciplinador‖. O Acre, n° 664, p. 01, 18/10/42.
83Folha do Acre, n° 70, p. 01, 31/03/46.
84Ao todo foram gastos 6:550$000 e teve ainda um banquete para 107 pessoas, cujo cardápio era feijão, arroz,

carne seca e bananas. Para a junta, lanches mais refinados. Tudo isso financiado pelos comerciantes de
45

Tudo isso me leva a concordar com Balandier (1981), quando afirma que o
mundo político comanda o real através do imaginário social, por meio de um teatro que
regula a vida cotidiana e aproxima a arte de governar, que Maquiavel preconizava, da
arte da encenação. Pois, ―o poder só se realiza e se conserva pela transposição, pela
produção de imagens, pela manipulação de símbolos e sua organização em um quadro
cerimonial‖ (idem, p. 07). Ou seja, o poder só adquire sentido se for exercido, mostrado
e divulgado.

1.5 – A Força Policial do Território como base burocracia coercitiva.

A origem do aparelho militar no Território do Acre se assenta a partir dos


veteranos da insurreição acreana, liderada por Plácido de Castro. Vem daí o núcleo
formador do aparelho policial militar, que marca de forma indelével as bases do poder
político no Acre. Tendo inclusive uma presença incisiva e permanente na estrutura
burocrática de poder que se formou no Território. A grande maioria dos chefes
executivos — governadores, prefeitos, intendentes e interventores — acreanos do
período territorial era composta de militares e juristas, ligados ao chamado Aparelho
Repressivo do Estado, para usar uma expressão empregada amiúde por Louis Althusser
(1989).

Em grande medida estavam preocupados em defender e reproduzir uma


ordem estabelecida, um modelo político-governamental forâneo e caucionador de um
status quo que interessava a um circuito fechado de beneficiados e beneficiantes.
Mesmo excetuando os Intendentes e os prefeitos departamentais, todos os catorze
governantes da primeira fase se enquadram nesta situação, bem como a maioria da
segunda fase e dos Interventores Federais. Era difícil não existir a presença da toga e da
farda no curriculum dos chefes executivos acreanos, eram acima de tudo homens da ―lei
e da ordem‖ e que transfiguravam isso de maneira visível em muito dos seus atos
administrativos.

Manaus, que deram apoio logístico à empreitada de Luiz Galvez. Cf. Tocantins (1979, p. 280).
46

Esta característica se reforça com a centralização do poder político em 1921.


É de acordo com a resolução n° 59, que a FPTA85 começa a ser regulamentada com
normas estatutárias. A partir deste momento cabia ao governador nomear o
comandante86 da FPTA, que precisava ser oficial do Exército ou da Polícia Militar do
Distrito Federal (RJ). Assim, os comandantes da FPTA, eram pessoas que vinham do
Rio de Janeiro acompanhando cada novo governador indicado. Além de controlar o
executivo, o governo federal mantinha ao lado deste, e controlava, a força militar.

A partir de 1926, em ato assinado pelo marechal Setembrino de Carvalho, a


FPTA passou a ser considerada como força auxiliar, legalmente subordinada ao
Exército brasileiro. Em 30 de junho de 1934 a FPTA deixou de existir e surgiu a Polícia
Militar do Território do Acre – PMTA, que em 06 de setembro de 194587, adquiriu um
novo nome: Guarda Territorial – GT. Em 1962 com a criação do Estado, a GT passou a
ser designada Polícia Militar do Estado do Acre – PMAC88. Alteravam-se os nomes,
mas as características mais gerais de simbiose com o poder executivo eram a tônica
predominante.

No entanto, a partir da análise de alguma documentação existente, foi


possível perceber esporádicos relatos de sublevações de oficiais da Polícia Militar, em
função de se sentirem desprestigiados diante de alguns governadores. Neste sentido,
chama a atenção um caso ocorrido quando o desembargador Alberto Augusto Diniz 89 —
recém nomeado — trouxe, como era de praxe, vários oficiais para ocuparem postos de
comando na sua breve administração.

Este acontecimento foi relatado pela imprensa, em tom apocalíptico e irreal,


da seguinte maneira: ―está prestes a irromper um movimento subversivo contra as
atividades administrativas e judiciárias, visando o saque das casas comerciais e do
Banco do Acre, a proclamação da autonomia, bem como a eliminação de membros da

85Oficialmente, a data de fundação da Polícia Militar do Acre – PMAC é 25 de maio de 1916, quando são
formadas as chamadas Companhias Regionais – CR’s, localizadas em cada Departamento e subordinadas aos
Intendentes. Em 1921, com a unificação departamental, as CR`s dão origem a FPTA. Cf. Aguiar (1998).
86O primeiro comandante da FPTA foi o major Duarte de Menezes, designado pelo general Silva Pessoa para

organizar a Força Policial no Território do Acre. A Capital, 25/06/22.


87Com a criação dos Territórios do Guaporé, Rio Branco, Foz do Iguaçu e Amapá, o decreto do presidente

Getúlio Vargas alterou a denominação anterior.


88“Polícia Militar do Estado do Acre: história e ação. Vídeo VHS. 1997.
89Foi governador entre julho e dezembro de 1926.
47

magistratura‖90. Os possíveis saques ao comércio e ao Banco do Acre não passavam de


subterfúgio do jornal, para colocar em descrédito o movimento e tirar dele o aspecto
político e a insatisfação de alguns membros do oficialato, imputando-lhe algo que não
fazia sentido.

Por sinal, o Banco do Acre pertencia a Flávio Batista, intendente de Rio


Branco e proprietário do jornal Folha do Acre. Frente a este quadro, as declarações do
chefe de polícia (civil) do governador asseguravam que as medidas preventivas seriam
duras ―para assegurar a ordem em qualquer emergência‖ 91.

Dois meses depois, em outra notícia, o mesmo jornal voltava a atacar


dizendo que o ex-governador ―governou o Acre despoticamente, transformou os
elementos da FPTA em capangas armados para empreitadas sinistras‖ 92. Era uma clara
alusão ao princípio de insubordinação ocorrido em julho de 1926 e da possível
utilização de membros da FPTA para atos de vinganças pessoais, oriundas das brigas e
disputas políticas nas hostes do Estado, que vez ou outra se exacerbavam no uso
abusivo do poder pôr parte de algumas autoridades investidas momentaneamente em
algum cargo de comando.

90―Movimento subversivo?‖ Folha do Acre, n° 537, p. 01, 25/07/26..


91O governador ao tomar conhecimento, mandou prender o comandante da FPTA, Affonso de Azevedo,
juntamente com outros oficiais (dois capitães, um tenente e um sargento), um suplente de Juiz, um comissário
de polícia chamado Pedro Guerra e um tal Dr. Ganot.
92Folha do Acre, n° 538, p. 01, 08/08/26.
48

Capítulo II – O movimento autonomista e a elevação do Acre a Estado:


mudanças e continuísmos.

―Quanto mais um poder dura, maior é a parte irreversível com a qual terão de contar
aqueles que conseguirem derrubá-lo‖. Pierre Bourdieu.

2.1 – A gênese e as várias faces do movimento autonomista acreano.

Desde a epopéia de Luiz Galvez no apagar do século XIX, e a partir dos


primeiros momentos em que o Acre se constituiu como membro do território nacional, a
questão autonomista foi algo que sempre se aventou como uma necessidade por certos
grupos internos. Muitos autonomistas começam a se organizar, nesse contexto, no
intuito de requererem um direcionamento político da ―sociedade acreana‖ de maneira
mais autônoma, que passasse preferencialmente por uma decisão final das oligarquias
locais e o controle do poder executivo sendo decidido a partir de uma escolha emanada
pelos auto-intitulados homens das ―classes conservadoras‖ do Acre. Internamente, as
maiores brigas se estabeleceram entre os grupos políticos e econômicos dos vales do
Acre - Purús e do Juruá. Onde neste último, ocorreram as mais fortes tentativas de
contraposição à unificação departamental e intentos separatistas em relação ao vale do
Acre - Purús.
Em princípio, não havia um movimento autonomista unificado e sim, vários
focos autonomistas que foram surgindo ao longo dos anos: nos seus primórdios são
movimentos dispersos e inconsistentes, em alguns momentos exacerbados em revoltas
nos Departamentos — como as ocorridas no Alto Juruá e no Alto Purús — onde
predominavam como justificativa os elementos políticos — principalmente ligados às
diversas concepções de autonomia; — e, econômicos — vinculados à taxação elevada
de impostos sobre a exportação de borracha.
Somente a partir dos anos 20 é que irão surgir, com certa regularidade, os
jornais e panfletos autonomistas; nos anos 30 surgem os partidos e associações
autonomistas e, a partir de meados dos anos 40, já com o fim do Estado Novo, a tese
ganha força através de Guiomard Santos, dos seus partidários do PSD e alguns poucos
membros do PTB, não alinhados a figura de Oscar Passos.
Todavia, já em 1904, surge na cidade de Cruzeiro do Sul, o chamado
Movimento Autonomista do Alto Juruá, composto pelos comerciantes e personalidades
49

locais. Estes primeiros ecos contestatórios conseguiram chegar à capital federal e


―sensibilizar‖ algumas vozes parlamentares acerca da causa acreana. Pouco tempo
depois, dois Projetos de Lei foram apresentados no Congresso Nacional, levantando a
questão da autonomia dentro do ambiente legislativo brasileiro. Como o Acre não
contava com representantes legislativos, o primeiro Projeto autonomista foi apresentado
em 1908 pelo deputado cearense Francisco Sá e um outro, em 1910 por Justiniano
Serpa, ambos foram devidamente ―esquecidos‖ e engavetados no Congresso Nacional.
Pois não havia interesse nenhum do poder central em dar a pretendida autonomia
política ao Território do Acre.
Mas, umas das primeiras medidas, coletiva e organizada, ocorreu em 1910,
quando vários comerciantes de Sena Madureira enviaram uma carta, datada em 11 de
abril, tratando da questão autonomista, ao presidente Nilo Peçanha. Esta missiva, que
foi publicada na íntegra na Folha Official, abria com um texto da seguinte forma:
―mensagem da maioria dos proprietários e commerciantes e industriaes,
representantes da classes conservadoras do Alto Purús‖ e era assinada por 7893
personalidades, os auto-intitulados ―homens de bem daquela localidade‖.
Como fica claro, o texto ressalta acima de tudo a condição econômica e a
posição social daqueles que se consideravam ―homens de bem‖. Proprietários e,
portanto, no entendimento deles, detentores de direitos que lhes eram negados enquanto
cidadãos de fato. Isto relembra as bases do liberalismo clássico inglês, baseado no
famoso lema ―no representation, no taxation‖. Nesta acepção, aqueles que pagam
impostos e que têm propriedade a zelar, devem em correspondência ter seus direitos
políticos assegurados e a cidadania apta a ser exercida em sua plenitude. Se isto não
acontece, ocorre um cerceamento e uma incompletitude a partir da não correspondência
entre direitos e deveres do cidadão. Acima de tudo, era isso que estava posto por essas
vozes dissonantes do Território acreano.
Contudo, no período em apreço ocorreu um dos mais significativos levantes
com signo autonomista. Foi a chamada ―Revolta do Alto Juruá‖, que teve seu início em

93Examinado o conjunto da lista que compunha estas 78 assinaturas, existem nada menos 49 militares de altas
patentes, 42 seringalistas, 38 comerciantes, 01 capitalista, 03 advogados, 01 tabelião, 01 agrimensor e 02
industriais. O número evidentemente excede as 78 assinaturas e se explica devido ao fato de muitos se auto-
intitularem como pertencentes a mais de uma categoria profissional e/ou social. Folha Official, p. 04, abril de
1910. (este jornal era o órgão oficial da prefeitura do Alto Acre).
50

01º de junho de 1910, quando uma Junta Governativa 94 toma o poder e declara criado o
Estado do Acre. Este movimento teve seu estopim quando chega à Cruzeiro do Sul, o
novo prefeito nomeado pelo governo federal, João Cordeiro, ―que a população recebeu
com desagrado, acirraram os ânimos dispostos à insuflação de idéias subversivas‖
(Craveiro Costa, 1974, p. 164). Diante do quadro de animosidade que se instaurou, o
prefeito, que só existiu formalmente no papel, embarcou de volta para o Rio de Janeiro.
O movimento era composto basicamente por seringalistas e comerciantes
locais, ligados ao chamado Partido Autonomista do Juruá – PAJ. Teve inclusive o apoio
inicial da Força Policial Federal, comandada pelo então capitão Fernando Guapindaia.
O movimento contou ―com apoio de todos os proprietários, dirigidos pelo venerado
Francisco Freire de Carvalho‖ (ibidem, p. 164), presidente da Associação Comercial
do Alto Juruá. Para tentar ganhar apoio do Departamento do Alto Purús, os insurretos
do Alto Juruá propuseram nomear Sena Madureira capital do ―Estado do Acre‖ e ainda,
o coronel Antônio Antunes de Alencar, então prefeito do Alto Acre, governador do
aludido Estado. Este, encontrava-se em viagem à Manaus e se mostra pouco interessado
em assumir a cadeira de governador que lhe ofereceram, preferindo ficar ao largo do
movimento juruaense. Com esses entraves iniciais, provocados pela indiferença dos
outros Departamentos, o movimento cruzeirense começou natimorto, pois fragmentado
e sem o apoio dos dois co-irmãos era impossível lograr êxito nos seus intentos
autonomistas. Mesmo assim, levaram-no adiante isoladamente.
Abaixo está transcrito fragmentos do intitulado Manifesto Autonomista,
apresentado pela Junta Governativa em 01º de junho de 1910:

―É conhecida do país inteiro a situação humilhante e


excepcional que o poder legislativo entendeu de criar para os
brasileiros que habitam o Acre (...) banidos da constituição;
relegados ao tempo da treda justiça d‘El-Rei; considerados
incapazes de intervirem nos negócios nacionais; exilados
dentro da pátria; carecidos de tudo os acreanos (...) vêem o
produto do imposto que pagam — o mais exorbitante do mundo

94A Junta Governativa foi formada pelos coronéis Francisco Freire de Carvalho, João Bussons e Mâncio
Lima. Tinha como suplentes o major Francisco Borges de Aquino, coronel Alfredo Teles de Menezes e o
major Glicério de Vasconcellos Pessoa (Cf. Craveiro Costa, 1974, cap. 18).
51

inteiro — aplicar-se em serviços que não lhes aproveitam, em


melhoramentos que não lhes beneficiam, em prazeres de que
não gozam, em suntuosidade, que nem sequer imaginam. (...) Se
todos os brasileiros são iguais perante a lei, não deve haver
exceção para os 120.000 homens que habitam as terras
acreanas (...) e se o governo, cerrando os ouvidos ao
julgamento nacional, pretender impedir esse grande movimento
de liberdade, que sobre ele recai a responsabilidade do que
acontecer; que o sangue que se derramar fique como um
estigma eterno na história da nossa nacionalidade95‖.

Este levante durou cerca de três meses, com intensas negociações entre os
segmentos políticos dos Departamentos acreanos. Causou ainda fortes preocupações
junto aos comerciantes de Belém e Manaus, que se manifestaram contrários ao
movimento96 após a interrupção do envio da produção de borracha 97 dos seringais
acreanos para estas praças, um duro golpe ao sistema de aviamento 98. De acordo com
um conhecido comerciante e seringalista da época chamado Gentil Norberto99, residente
no Alto Acre, esta ―revolução visa escangalhar o fabrico e dar enorme prejuízo às
praças do Pará e Manaus‖ (apud Craveiro Costa, p. 170).
O governo federal, preocupado com os acontecimentos, através do
presidente da República Nilo Peçanha, envia à Manaus um telegrama datado de 13 de
julho e endereçado ao prefeito destituído do cargo, com o seguinte teor: ―o governo da
República está disposto a agir resolutamente no sentido de fazer respeitar a autoridade
federal e manter as leis vigentes. Convém aconselhar nossos compatriotas, cessarem o

95Craveiro Costa (1974, p. 170).


96No dia 14 de junho de 1910 o jornal carioca A Gazeta de Notícias publica as reivindicações dos autonomistas
do Juruá: “entre essas medidas há notícias da prohibição da saída de borracha até a confirmação da autonomia; creação de
vários cargos judiciários; organização de um novo corpo de segurança; (...) imposição para que o imposto de 20% sobre a
exportação da borracha seja reduzido a 15%, cobrado na alfândega de Manáos e Pará e, pela União até o praso de 05 annos;
creação de uma câmara de deputados com 20 membros (...).
97“A vida do Acre era a borracha. Em torno dela gravitavam todos os interesses, todos os labores, todas as ambições”.

Craveiro Costa (1974, p. 185).


98O sistema de aviamento era toda uma cadeia de relações que envolvia a produção de borracha na Amazônia.

Genericamente era baseado numa pirâmide de relações e compromissos que envolvia de forma descendente
grandes empresas européias que importavam a borracha amazônica, as casas comercias e exportadoras de
Belém e Manaus, que supriam os seringais com as mercadorias, o seringalista e por último, o seringueiro,
imprescindível para a extração do látex e quem menos se beneficiava dele.
99Formado em engenharia, Gentil Tristão Norberto veio para o Acre em 1900, fazendo parte da famosa

―expedição Floriano Peixoto‖, patrocinado pelo governo do Amazonas para dar combate aos bolivianos.
52

movimento insurrecional com o qual o governo não transigirá‖ (ibidem, p. 170). Esta
questão só chegou ao fim na primeira semana de setembro, quando o movimento foi
sufocado pela Força Policial Federal, que no início tinha dado apoio aos chamados
autonomistas. Mais uma vez, a força se sobrepôs ao consenso e a fugaz autonomia, sem
alicerces sólidos, ruiu ao primeiro confronto. Ruiu porque, do ponto de vista
econômico, estava causando um enorme prejuízo ao comércio local e regional pela
interrupção da comercialização da borracha. Pelo viés político, causava intranqüilidade
ao governo federal, que não poderia acatar movimentos de cizânia que colocassem em
xeque sua autoridade.
Pouco tempo depois, o exemplo vindo do Alto Juruá reaparece no Alto
Purús, cuja sede era a cidade de Sena Madureira. Em 1912 cerca de 350 pessoas,
segundo relatos da época, se insurgiram contra o prefeito Tristão de Araripe,
incendiaram a prefeitura, depuseram-no e proclamaram o Estado Livre do Acre. A
insurgência contra a municipalidade foi deflagrada pelos ―coronéis‖ e homens de poder
da localidade, que forneceram todo apoio logístico para tal intento, mas o movimento
logo foi sufocado e os insurretos foram obrigados a se refugiarem no seringal
Oriente100. Este embate terminou com dois soldados mortos, um tenente e nove
soldados feridos (Barros, 1981, p. 71). Mais uma vez, as aspirações autonomistas,
isoladas e esparsas, foram reprimidas e momentaneamente controladas.
Com estes acontecimentos, a questão acreana ganha cada vez mais
amplitude. No âmbito legislativo, em 1921, o deputado amazonense Aristides Rocha
apresentou um Projeto na Câmara Federal, onde visava anexar o Acre ao Amazonas. O
deputado Juvenal Antunes, do Rio Grande do Norte, apresentou parecer favorável ao
referido Projeto. É o estopim para a fundação em 17 de novembro daquele ano da Liga
contra a anexação do Acre101, composta pelos chamados homens de bens e dignos
representante das classes ―conservadoras‖, como se auto-denominavam. Frente a esta
oposição, o referido Projeto não foi adiante. Este procedimento reforça mais ainda a
idéia de que o governo federal não queria abrir mão do controle sobre o Território do
Acre, dando lhe a autonomia.

100A Gazeta do Purús, 1981.


101A primeira reunião ocorreu no Cine Éden e tinha como participantes os membros do PRAF e do PEA. A
Capital, nº 16, p. 01, 27/11/21.
53

No ano de 1927, em um artigo intitulado ―Pró-alforria‖ e assinado pelo


Juiz de Direito Giovanni Costa, a questão autonomista foi mais uma vez colocada em
evidência. Dentre outras coisas, ele afirmava nos seguintes termos:

―somos cerca de 100 mil brasileiros sem direitos políticos, sem


dispor de nossas rendas, lutando com toda sorte de
agressividades, atrophiados pela indifferença da união,
reduzidos a mera condição de colonos na própria pátria.
Nunca tivemos a gestão de nosso bens, organização agrícola,
formação industrial, estímulo para applicação das nossas
atividades; pelo contrário, temos sido sempre um povo
infelicitado pelas imposições do governo central, impingindo-
nos governantes, sem capacidade econômica e social, sem
amor pelos irmãos na raça‖102.

Um ano depois, no dia 08 de julho, foi organizado no Rio de Janeiro o


Comitê Pró-autonomia do Acre, sendo eleita na ocasião a primeira diretoria cujo
presidente era Octávio Steiner, que tinha como vice Paulino Pedreira. Os demais
membros da direção eram Pedro Timótheo, Povoas de Siqueira, Laudelino Benigno 103 e
Clodoveu Gadelha.104 Todos eles considerados personalidades do meio político-social
acreano, embora morassem na Capital Federal.
Mas, nem todos sem colocavam como defensores do intento autonomista de
forma contundente. Em seu relatório de governo 105, apresentado ao Ministro da Justiça,
Augusto Vianna do Castello, o governador Hugo Carneiro (27/30) afirma que a questão
da autonomia não era oportuna, pois só uma diminuta parte dos habitantes acreanos
aspirava tal intento e que ―a maioria não está preparada para recebê-la e exercitá-la‖. No
entanto, em seu relatório ele advoga que sejam dados para acreanos os mesmos direitos
políticos que ao restante dos brasileiros: o voto para elegerem os seus representantes
legislativos federais e escolherem o presidente e o vice-presidente da república.

do Acre, nº 565, p.01, 27/03/27.


102Folha
103Ex-governador interino, vide em Apêndices.
104―Comitê pró-autonomia‖. Folha do Acre, n° 642, 12/07/28.
105―Governo do Território do Acre‖, (1930, pp. 126/134).
54

Ironicamente, ele foi o primeiro parlamentar do Acre no Congresso Nacional,


representando a facção política Legião Autonomista Acreana.
Embora fosse advogado, Hugo Carneiro não encarava a figura do Território
Federal como algo inconstitucional ou extra-constitucional, como muitos à época viam
a questão. Para ele, ―a organização política do Acre tem sido e continua a ser uma
instituição tutelar e de estágio, pela qual se vae preparando a formação de um futuro
Estado autonômo na grande pátria commum‖ (ibidem, p. 128). Sua justificativa era
eminentemente política, em consonância direta com a postura do governo federal.
Como chefe do executivo designado pelo poder central, seu discurso não
poderia ser diferente. Era natural que todo e qualquer governador estivesse afinado com
os ordenamentos vindo da capital federal, a quem deviam prestar contas do cargo que
exerciam e gratidão política. Este ponto de vista se opondo à criação do Estado do Acre,
Hugo Carneiro manteve muito tempo depois. Em 1958, ao conceder entrevista ao jornal
carioca O Globo106, o mesmo defende a manutenção do instituto do Território e faz
criticas ao Projeto de Guiomard Santos, acusa-o ainda de pretender ser senador com a
criação do Estado. Além destas questões colocadas anteriormente, no seu entender a
criação do Estado do Acre serviria antes de tudo, para benefício político do seu autor.
Mas recuando um pouco no tempo, um limitante às pretensões autonomistas
se deu com um entrave jurídico criado em 1934, quando foi aprovada a nova
Constituição Federal. Versava a Carta em seu artigo 16, parágrafo 1°, que para ser
eregido a Estado, o Território Federal teria que ter no mínimo 300 mil habitantes e
recursos suficientes para manutenção dos seus serviços públicos107. Um duro golpe aos
propósitos autonomistas, pois o Acre tinha menos de um terço da população mínima
exigida. Passou ainda, ter taxas decrescentes de crescimento demográfico (vide em
Apêndices, Tabela III), provocadas pela crise no volume produtivo da borracha
amazônica e a derrocada do seu preço no mercado internacional, produto este que
sempre foi o principal elemento impulsionador da economia local e o atrativo que fixou
as bases colonizadoras da região acreana.
Com a crise extrativista dos anos 20 e 30, conseqüentemente, a dependência
dos recursos repassados pela União se agravou ainda mais. Um alento fugaz à crise da

106Apud Bezerra (1992, p. 197).


107O parágrafo terceiro, deste mesmo artigo, denominava constitucionalmente a figura do governador do
Território de ―Delegado da União‖.
55

borracha foi o advento da Segunda Guerra Mundial, ao permitir que a Amazônia, — e o


Acre em especial —, adquirissem por razões estratégicas uma importância impar, após o
domínio dos países do Eixo sobre os seringais de cultivo da Ásia. Desta forma, o Brasil
e os EUA pactuam os famosos ―Acordos de Washington‖, que visavam acima de tudo a
produção de borracha para atender a demanda dos países aliados no conflito.
Novamente vêm para Amazônia uma leva nordestinos trabalhar como ―soldados da
borracha‖ nos declinantes seringais nativos nortistas (Martinello, 1988).
Com o fim da Segunda Guerra, as pressões locais frente ao governo federal
sobre ―a questão acreana‖ surgem novamente como assunto primordial. O setor do
comércio, — que sempre foi um elemento importante na economia acreana —, em
meados dos anos 50, também se manifestou no intento de requerer ao presidente da
república um governador autóctone, não no sentido de nascimento; mas que residisse e
não fosse uma pessoa estranha às hostes locais. Em uma carta enviada em 1953 ao
presidente Getúlio Vargas, a Associação Comercial do Acre reforça esta tese ao afirmar
ser que ―o referido governador seja escolhido entre os homens aqui radicados para
atender um pedido justo e um apelo angustioso‖108.
As vozes contrárias, embora em menor número e com menor intensidade e
eco, também se manifestavam em âmbito local e nacional. Em Rio Branco, no final de
1960 o jornalista Foch Jardim, do jornal O Liberal, defendia em editorial a
inconveniência da tese autonomista ao afirmar que

―somos de opinião que na atual conjuntura política e


econômica do Acre, governador a ser nomeado pelo presidente
da República deverá ser um estranho ao nosso meio e pessoa
de inteira confiança, para que possa haver modificações na
máquina administrativa, para que possa ser consertada muita
coisa errada, o que qualquer pessoa ligada ao Acre não fará
por questões de ordem política e social‖109.

108―Pede a Associação Comercial do Acre‖. O Acre, n° 1118, p.01, 26/04/53.


109O Liberal, datado de 24/12/60. Era um semanário irregular auto-intitulado ―um jornal em defesa dos
interesses populares‖ e que fazia oposição a Guiomard Santos. Foch Jardim era militante da UDN e por
―coincidência‖ Jânio Quadros assumiria a presidência da República alguns dias depois.
56

De acordo com esse jornalista udenista, por mais paradoxal que possa
parecer — já que todos governadores anteriores eram forâneos — somente um
governador com total desvinculação com as questões políticas locais poderia romper
com uma ordem de coisas que foi construída ao longo dos anos, por esses mesmos
governadores em consonância com grupos locais. Para mudar, era preciso continuar
aquele modelo. Naquela conjuntura, talvez um udenista de inteira confiança de Jânio
Quadros, recém eleito presidente.
Na mesma época, em Cruzeiro do Sul, o jornal O Juruá110 reproduziu uma
reportagem originária do jornal carioca Tribuna da Imprensa cujo título era: ―porque
ainda é cedo para o Acre ser Estado‖. Mas divergia deste em alguns pontos do referido
artigo, principalmente no tocante a honestidade dos ex-governantes vindos para o Acre,
pois segundo a Tribuna ―era difícil apontar qual governador menos roubou‖ e ainda,
―as verbas que o governo federal enviava para o Acre nunca chegavam lá‖. O Acre era
para o Diário de Noticias, um outro jornal carioca, retratado como ―um Marrocos mal
disfarçado‖, talvez para fazer alusão ao aspecto colonizador e tendo no Acre uma
situação semelhante111 com a existência de governos intermitentes, quase rotativos e,
vindos de fora.
Em editorial, o jornal O Juruá concordava com a tese da inconveniência do
Acre ser elevado a Estado, pois segundo sua avaliação não haviam ainda condições para
alcançar tal objetivo se não fosse modificada a forma de administração territorial. De
acordo com o artigo, o Acre deveria ser dividido 112 em dois governos regionais devido
as suas peculiaridades geográficas: Bacia do Juruá–Tarauacá e Bacia do Acre– Purús.
Administrativamente os juruaenses requeriam uma atenção maior, sentiam-se
diminuídos em relação ao Vale do Acre–Purús, região mais beneficiada devido
facilidade de acesso e por ser a sede do governo territorial.
Preconizavam que ao se bipartir administrativamente o Acre, cada
Departamento teria dois municípios com seus respectivos prefeitos e Câmara de
vereadores, e o Território passaria a ter representantes nas duas casas do Congresso
Nacional. Defendiam que todos os cargos administrativos fossem preenchidos a critério

110O Juruá foi fundado no ano de 1953 em Cruzeiro do Sul. Seu proprietário era João Mariano da Silva. Na
Tribuna da Imprensa a matéria foi publicada dia 10/04/61 e n’ O Juruá dia 28/06/61, n° 116, pp. 01/03/04.
111Diário de Noticias, 28/03/56.
112Esta proposta tardia soava como café requentado. Em 24 de maio de 1927, o coronel Mâncio Lima, então

Intendente de Cruzeiro do Sul (1927/1934), envia telegramas ao Senado e à Câmara Federal, pedindo a
57

do Ministério da Justiça, com pessoas residentes há pelo menos dois anos no Acre e,
após decorridos dois anos da implementação desse sistema, os Departamentos se
tornariam Estados federados da República brasileira (Barros, 1981). Como se percebe,
não houve interesse nenhum da União de atender tal proposta.
Em Cruzeiro do Sul, um sujeito chamado Aluísio de Carvalho e alcunhado
de Lulu Parola113, fez em forma de versos nas páginas de O Cruzeiro do Sul114 uma
crítica ao intento da autonomia. Dizia o seguinte, o verso Cantando e Rindo:

―Não sei como é que vão reorganizar


O Território do Acre tão falado
Há vontade autônomo o tornar?
Querem fazê-lo Estado?
Dar-lhe assento na câmara e no senado
Por si mesmo, fazer-se governar?
Se é isso: oh! Território celebrado,
Que presente de grego vão te dar!
Não queiras não! Prefere essa tutela
em que estás, da união!‖115
Soberania hoje é muito melhor passar sem ela.
Sim! Que mal sabes tu, Acre inocente
Quanto custa hoje em dia
Viver qualquer Estado.... independente!‖

No tom hilário e gozador do autor destes versos, percebe-se que a discussão


autonomista era também vista com ressalvas, principalmente pelas obrigações
constitucionais que ela trazia embutida, caso acontecesse. Mas, uma questão que sempre
vinha à tona para os autonomistas cruzeirenses era optar entre Estado ou Território, e
como promover a integração entre os dois vales distintos que eram separados por
dificuldades geográficas imensuráveis. Por isso, no Alto Juruá sempre vingou e veio à

divisão do Acre em duas administrações (Alto Tarauacá e Alto Juruá/Alto Acre e Alto Purús).
113 Parola vem do verbo parolar e significa sujeito falastrão, tagarela.
114Órgão oficial do Departamento do Alto Juruá, criado na administração do marechal Gregório

Thaumaturgo de Azevedo. Circulou entre os anos de 1906 e 1918.


115In Barros (1982, p. 72). O autor do livro não faz referência à data de publicação no jornal O Cruzeiro do Sul,
58

tona a possibilidade de separação em relação ao restante do Acre. Esta propalada e


necessária integração não era uma novidade naquela época de acontecimento insurretos
que explicitei anteriormente.

Euclides da Cunha (1998), quando empreendeu viagem de reconhecimento


à região acreana em 1906, ressaltava este aspecto limitante entre as duas regiões. Como
engenheiro que era, propõe a construção de uma estrada de ferro, chamada
Transacreana116, que ligaria os Vales do Juruá e do Acre-Purús entre si. Serviria no seu
entender como uma via auxiliar aos rios da Amazônia Ocidental, cortando-os de forma
transversal e reduzindo a viagem entre Cruzeiro do Sul e Rio Branco para apenas um
dia. Já que pelo deslocamento fluvial, era necessário um mês de navegação para ir de
Tarauacá à Rio Branco, percorrendo quase sete mil quilômetros de águas. Era preciso
para isso encampar uma verdadeira odisséia, descendo o rio Tarauacá até entrar no rio
Juruá, depois sair no Solimões baixá-lo até encontrar as águas do Purús em viagem até a
foz do rio Acre e subir para Rio Branco (Tocantins, 1998).
Era a natureza imprimindo seu ritmo e suas dificuldades aos homens 117.
Sem cair em determinismos geográficos, sou tentado a concordar que o tempo nestas
paragens se exacerba e adquire contornos próprios, a geografia se apresenta adversa ao
homem em todo instante. O tempo geográfico braudeliano parece ser vivido
cotidianamente. Os rios sinuosos eram e ainda são as medidas de distâncias das viagens
que ligam locais isolados pela floresta, onde para os ―intrusos impertinentes‖ de
Euclides da Cunha, a forma mais usual de percorrer a distância entre dois pontos não é
seguindo uma reta, mas através das curvas dos rios.

2.2 – Os embates em torno do Projeto autonomista de Guiomard Santos.

A luta pela integração e emancipação acreana, se origina nos primeiros anos


do século XX, depois se implementa dispersa e fragmentada em movimentos isolados
nos Departamentos do território. Só tardiamente parece interessar aos representantes do

certamente ocorreu após a revolta do Juruá, provavelmente entre os anos 1912 e 1915.
116Pelos cálculos de Euclides da Cunha a estrada teria 29.040.000m² (726 mil metros de extensão com 40

metros de largura) com um custo aproximado de 1:1:452.000$000. Cunha (1998, p. 133).


117Para Euclides da Cunha, o homem amazônida “é um intruso impertinente. Chegou sem ser esperado e querido –
59

Acre na Câmara Federal. É somente no final de 1950 que o ex-governador Guiomard


Santos, num tino de oportunismo político, adota para si a bandeira da elevação do Acre
a Estado e tenta capitalizar o êxito desta empreitada a seu favor no campo político local.
É dele a autoria do Projeto de Lei n°2654/57, que originou a ―emancipação
política‖ do Acre. Este Projeto foi apresentado em 1957, tendo sido aprovado e
sancionado em 15 de junho 1962 por força do Decreto n° 4070/62, após discussões
acaloradas no Acre e no Congresso Nacional. Mas a gênese deste Projeto pode ser
encontrada em um discurso proferido pelo então deputado federal Guiomard Santos, no
dia 17 de novembro de 1953, em alusão ao cinqüentenário do Tratado de Petrópolis 118.
Isto demonstra que na maioria das vezes, uma mudança para se realizar necessita
produzir no imaginário coletivo algo que encontra no passado as bases de sua coerência
ou justificativa. Assim, se meio século antes o Acre se tornara brasileiro, agora
precisava deixar o estatuto de Território e se igualar às demais unidades federativas.
Nesse discurso, recheado com apartes de apoio, o ex-governador defende a
criação de um Território Federal Independente. Território porque, segundo ele, não
podia o Acre abrir mão das verbas federais que lhes sustentavam. Independente, porque
deveria ter os mesmos direitos políticos que os outros Estados da União. No plano
político, isto daria ao Acre o direito de eleger seu governador e dispor de uma
Assembléia Legislativa, três senadores e sete deputados federais no Congresso
Nacional, todos escolhidos de forma direta pelos acreanos.
Mais tarde, ao apresentar seu Projeto de Lei, Guiomard Santos passa a
defender a idéia de um Estado federado à nação brasileira e afirma em defesa de seu
intento, que o Território não possibilita um caminho para a democracia e sim, ―conduz a
fórmulas totalitárias‖ e que o fato do governador não depender do povo, ―tudo estimula
a prepotência e a arbitrariedade‖ 119. É em cima de um discurso prometendo novos
horizontes para o Acre, que Guiomard Santos consegue arrebatar na mesma intensidade
apoiadores e críticos ao seu Projeto.
Dentre os críticos, alguns correligionários seus como João Mariano —
ligado a Associação Rural e dono do jornal O Juruá —, residente em Cruzeiro do Sul e
que através de algumas cartas enviadas120 ao próprio Guiomard Santos explica o porquê

quando a natureza ainda estava arrumando o seu luxuoso e vasto salão” (idem, p. 66).
118Bezerra {(coord.) 1993, p. 50}.
119O Jornal, 10/02/57.
120Datada de 03/03/57, apud Bezerra, 1992, p. 77.
60

de sua oposição ao Projeto. Para João Mariano, Guiomard Santos deveria insistir na
saída mais sensata para aquele momento: elevar a região do Acre-Purús a Estado e que
o Juruá em separado formasse um outro Território. Para sustentar sua opinião, afirma
textualmente: ―seria oportuno que se fizesse o Território do Juruá, uma vez que nossa
condição não nos permite continuar unificados a Rio Branco, nem como Estado, nem
como Território‖.
Em Cruzeiro do Sul esta concepção também foi adotada pela Associação
Comercial do Juruá, Associação dos Seringalistas, Centro Operário e Associação Rural,
que criam em 1957 o Comitê Pró Território do Juruá para rivalizar com o Comitê Pró
Autonomia do Acre, este último ligado à defesa do Projeto de Guiomard Santos. Os
juruaenses inclusive, mandam uma carta ao presidente da República e outra ao relator
do Projeto na Comissão de Constituição e Justiça, deputado Tarso Dutra. Ambas as
cartas121, com o mesmo teor e, intituladas ―Memorial das classes conservadoras do
Juruá Federal‖, estavam assinadas pelos presidentes122 das organizações classistas e
patronais acima citadas, onde estes expressavam suas preocupações com a possível
autonomia acreana e dos problemas advindos dela.
Os comerciantes e seringalistas, tanto do vale do Acre quanto do Juruá
tinham um receio em comum, que fazia sua grande maioria ser contra ou ver com certa
desconfiança a possibilidade do Acre ser elevado a categoria de Estado. Este receio era
em relação a um possível aumento dos impostos sobre as mercadorias que
comercializavam e sobre a industria extrativa da borracha. Em um evento ocorrido em
Rio Branco, patrocinado através da Associações Comercial e Associação dos
Seringalistas, que reuniu os dois grandes opositores políticos — Guiomard Santos e
Oscar Passos, — isto fica patente quando os dois grupos patronais manifestam suas
preocupações diante de ambos deputados.
O próprio presidente da Associação Comercial, Abrahim Isper Júnior, ao
abrir a solenidade ressaltava que

―o grande medo são os impostos que fatalmente surgirão com a


transformação do nosso Território em Estado. Medo também da

121Datadasde 30/04/57, apud Bezerra, 1992, pp. 148/150.


122Manoel Borges de Paiva - Centro Operário; Raimundo Quirino Nobre – Associação Comercial; Moacir
Rodrigues – Associação Comercial e João Mariano – Associação Rural.
61

burocracia, de uma máquina estatal que trará para aqui Alfândega,


Ministério do Trabalho, Delegacia do Imposto de Renda,
Capitania dos Portos, Instituto de Previdência Social, Sindicatos e
quanta coisa mais que das vezes dificulta, embaraça e por demais
aperreia os homens que querem liberdade de trabalho, liberdade
de ação‖123.

Como fica evidente nesta fala, o maior temor para a maioria dos
comerciantes e seringalistas era que o Estado traria novos ordenamentos fiscais e
jurídicos através de órgãos reguladores e burocráticos. Isto iria alterar de sobremaneira
toda estrutura na qual se assentavam os procedimentos comerciais e as relações de
trabalho não formalizadas em contrato. Além da diminuição da suas margem de lucros,
bem como a possibilidade de uma fiscalização sobre suas atividades econômicas, que
durante longo tempo permaneceram ao largo de qualquer injunção estatal de caráter
regulatório. Liberdade era ficar livre de qualquer ingerência do poder público que
pudesse ―prejudicar‖ seus negócios.

Quando a palavra é passada ao deputado Guiomard Santos, ele afirma


categoricamente: ―tenho a coragem de defender de público o imposto. Há quem queira
passar por cima do assunto‖. Era indubitavelmente uma alfinetada indireta ao deputado
Oscar Passos, seu ―inimigo‖ fidalgal, que se encontrava presente. E complementa
tentando acalmar os ―intranqüilos‖ homens de negócios: ―não vou enganar o povo
dizendo que não haverá imposto. Haverá, mas certamente pequeno e não será para já,
mas para quando for possível, para quando se puder taxar‖ e de forma direta se dirige
a platéia dos ―homens de bem‖ e representantes das ―classes conservadoras‖,
continuando o seu discurso nos seguintes termos:

―afirmo aos seringalistas: quem vai pagar o imposto não é o


seringalista acreano, e sim quem consome, quem compra a
borracha.(...) Não creio, seringalistas e comerciantes, que
numa hora em que o Acre deseja ser progressista, deseja

123 Este debate aconteceu no ano de 1957, não sabemos precisar o dia. Apud Bezerra (1992, pp. 290/291).
62

avançar, que vossas senhorias, por medo, por carrancismo124,


não queiram colaborar com o Estado do Acre. Não quero
acreditar que nenhum acreano, em sã consciência, diga ‗não
pago, porque só quero viver para minha família‘, quando devia
dizer: ‗pago, com prazer, porque posso pagar, porque estou
ganhando mais e, por conseguinte, devo um tributo também ao
povo e à coletividade‘‖125

O discurso de Guiomard Santos deixa claro que na sua visão, a permanência


do estatuto do Território, bem como aqueles que se colocavam contra seu Projeto,
estavam presos e situados a um passado superado. Era agora momento de uma nova
etapa para o Acre, de novos horizontes, um caminho rumo ao ―progresso‖ e para isso,
era necessário a negação da velha ordem que claudicava. Guiomard Santos parece
apelar para um fraternalismo e um espírito público dos comerciantes, em torno do seu
Projeto, que talvez nem ele acreditasse ser possível angariar.
Oscar Passos por sua vez, utilizava como justificativa em sua oposição ao
Projeto de Guiomard Santos, o subterfúgio de que o Acre não tinha recursos
econômicos para caminhar em direção a uma autonomia nos moldes que seu opositor
desejava. Com isso, ele procurava granjear para si o apoio dos seringalistas e
comerciantes acreanos, que nas suas palavras ―desde muito há essa mania de perseguir
esses homens sem os quais o Acre não seria nada‖126. Mas ressalvava que não era um
opositor da autonomia acreana e sim, contra a proposta de Guiomard Santos. Na sua
contradita, dizia ele em tom indagativo: ―que vantagem advirá da imediata autonomia
do Acre? Positivamente nenhuma. Vantagens terão os mandões atuais, que tudo farão
para se manter no poder e sugar mais e mais a anemia (sic) da economia acreana‖.
Nestas duas falas percebe-se que embora ambos façam a defesa dos seus pontos de
vista, também procuram deixar margem para relativizar os pontos mais polêmicos. Há
uma certa dubiedade para não desagradar pôr completo os ânimos inquietos de uma
platéia tão especial.

124Apego ao passado.
125Idem, ibidem, pp. 313/320.
126Idem, ibidem, p. 344.
63

Excetuando a oposição mais ferrenha dos membros do Partido Autonomista


do Juruá - PAJ, na verdade, a elevação do Acre a Estado era algo que todos
concordavam. Mas esta era obstaculizada por interesses pessoais e de grupos: os
comerciantes e seringalistas devido o medo de sentirem no próprio bolso uma sensível
avaria nos seus lucros e uma mudança em torno das relações de trabalho que se
encontravam baseadas em um certo tradicionalismo 127; a turma do PTB liderada por
Oscar Passos, porque se opor ao PSD e a Guiomard Santos significava acima de tudo
sobrevivência política e a manutenção de uma aura de confronto perante parte da
população. Assim, as oposições estavam pautadas em interesses imediatistas e
pragmáticos, jamais ideológicos.
Para ilustrar, de antemão, destaco quase na integra, um artigo do deputado
Guiomard Santos que considero bastante relevante. Importante acima de tudo pelos
aspectos, abordados pelo seu autor, a respeito de como ele via o Acre nas suas diversas
variantes, principalmente em relação a hegemonia plena do poder público. Afirma ele
em seu texto intitulado o Estado Socialista do Acre, que

―o governo é tudo; é infelizmente, o dono de tudo. Eis, pois, um


pequeno Estado socialista. A telha, o cimento, os caminhões são
do governo. Todos os estabelecimentos de instrução são do
governo. Todos os trabalhadores da cidade ganham pelo governo.
Quem não trabalha nas obras do governo, é funcionário do
governo, que detém assim, todos os empregos, quase sem
exceção. Acrescentemos o avião, a Guarda Territorial, os médicos,
os dentistas, os agrônomos, os mecânicos, os choferes, os
eletricistas, os carpinteiros, os pedreiros, os pintores, os
encanadores, etc. tudo está engrenado ou depende do governo.

Relevando um pouco o tom hiperbólico do seu texto, de certa maneira, era


isso o que acontecia. Existia no Território do Acre um poder público que abarcava
quase todas as dimensões da existência social, constituído-se em uma seara privilegiada

127Ouso deste termo remete a Weber (1998). Para ele, a dominação tradicional ocorre quando a legitimidade
repousa nos poderes senhoriais em virtude de regras tradicionais não inclusas em estatutos universalizantes,
impessoais e abstratos. Neste caso, não existe a figura do ―funcionário‖, mas do ―servidor‖ (idem, p. 148).
64

para a manutenção de interesses restritos a grupos reduzidos de pessoas, que


amealhavam todas as vantagens e prerrogativas que este modelo possibilitava. É
substancial aqui aludir, de modo paralelo e comparativamente, à uma passagem em que
Marx (1997) comenta algo similar sobre o mesmo fato, acerca da nação francesa em
meados do século XIX. Diz ele que lá ―o poder executivo controla um exército de
funcionários e portanto mantém uma imensa massa de interesses e de existências na
mais absoluta dependência, onde o Estado, enfeixa, controla, regula, superintende e
tutela a sociedade civil desde suas mais amplas manifestações de vida‖ (idem, p. 66).
Sem cair em anacronismos, era isso que ocorria no Acre comentado por Guiomard
Santos em seu artigo.
Ao fazer esta constatação tardia, talvez Guiomard Santos não quisesse
destruir esse modelo que o beneficiava politicamente, mas reduzi-lo à esfera do
essencial, de uma pretensa res publica palidamente liberal, sem destruir
estruturalmente a galinha dos ovos de ouro que era a máquina executiva estatal.
Liberar o poder público do fardo de ter que se ater com tudo e todos. Parecia querer
que o Estado passasse a se preocupar com as suas funções básicas enquanto tal,
porque

―o povo está de fato convencido que o governo é para guardar,


cuidar, limpar, curar, dar, melhorar, resolver ou salvar tudo! E
sozinho! Uma letra protestada, uma desavença entre amigos,
alguém que ficou sem casa, um pobre que não encontra comida,
uma tábua que faltou na construção particular, uma viagem
imprevista por motivo de saúde, enfim até uma carta que
desgostou o seu destinatário, qualquer coisa assim pode originar
consultas a sua excelência o mais atribulado dos governadores,
o governador designado da União no Território Federal do Acre.

Mas como já foi ressaltado, era assim que os governadores territoriais


comandavam o poder local. Exorbitavam nas suas funções ao agirem através de uma
rede variada de compromissos que assumiam diante de seus apadrinhados. Por isso o
executivo parecia, para todos, ser apto a resolver os interesses mais comezinhos, ser
65

capaz de delegar, mandar, manter e concentrar para si as ações mais elementares de


regulamentação do cotidiano. Essa capacidade exacerbada de atos do chefe executivo
era oriunda do modelo de governo territorial implantado décadas antes: um poder
executivo forte, sem o elemento legislativo presente e um sistema judiciário deficiente,
geralmente atrelado ao primeiro. Expressado ainda no fato do chefe executivo ser uma
escolha do presidente da República e que só a ele prestava conta dos seus atos. A sua
lealdade era mais significativa com os interesses da União do que com os governados e
com a unidade federativa. Junto a isso, os órgãos federais instalados no Acre Territorial
foram desde o início transformados em agências de empregos, de locus para a troca de
favores políticos e econômicos. Tudo bem articulado, contando com o beneplácito do
governo federal e das oligarquias locais.
Depois de já ter sido governador e ocupando uma cadeira no parlamento
federal, Guiomard Santos reconhece tardiamente que o modelo implantado em 1921 era
de um

―Estado árbitro, o Estado intervencionista, coordenando e


burocratizando a sociedade, a economia, as finanças e a vida
material do Território. Sistema patriarcal com suas pequenas
vantagens e as suas grandes desvantagens de carregar o peso
monstruoso de todos os interesses particulares e particularistas.
Do lado de fora restam apenas uma dúzia de seringalistas –
comerciantes e a massa de seringueiros párias. Estes são
compradores forçados de seus patrões, assim como os patrões se
acham algemados aos bancos e as casas aviadoras. Do
panorama acima deduzem-se os malefícios de semelhante estado
de coisas. Todas as pessoas que vieram para o Acre, desde o
seringueiro aos governadores e magistrados traziam a idéia de
voltarem aos seus estados no mais curto espaço de tempo‖128.

O emprego público era a vocação de todos e o Estado o elemento que


possibilitava essa realização. Este discurso contém um elemento central, que o explica

128―O Estado socialista do Acre‖. O Rebate, n° 1011, pp. 02/04. 18/05/52.


66

parcialmente: a partir da decadência do modelo extrativista, grupos hegemônicos da


economia acreana, tanto empresários seringalistas quanto os grandes comerciantes
urbanos, inclinam-se em influir diretamente na máquina estatal. Passam a ver este
espaço como um locus privilegiado para manutenção dos seus negócios e imprimem
um direcionamento que passou a visar o poder político como garantidor de interesses
particularistas. Isso nos leva a concordar, que no Acre ocorreu também o caso clássico
em que ―a partir da decadência econômica de seus empreendimentos, a elite local
inclina-se por substituir as externalidades econômicas por externalidades políticas‖
(Souza, 1999, p. 68). Ao se adotar essa prática, ficava explícito que o importante era
continuar expressando a distinção e o poder, seja no âmbito privado ou público; que no
caso acreano, não estava claro onde terminava um e começava o outro.
Antes, a máquina pública estava em um patamar secundarizado em relação
ao modelo econômico, depois gradativamente passa a ser o inverso que interessa: os
próceres do modelo econômico, baseado no comércio capenga e no extrativismo
decadente, passam a ver no Estado uma arena crucial que daria possibilidade de
sobrevivência de seus negócios, poder e status. O concreto é que a organização do
aparato público e do aparelho de Estado, não era universalista nos seus procedimentos,
nem meritocrático na arregimentação dos servidores. Por não existir concurso público,
predominava o esquema de conexões políticas em detrimento à competência, o Título e
o saber. Era um modelo acima de tudo com fortes cores clientelistas, baseado no
compadrio e nos interesses das oligarquias — internas e externas — que o
comandavam.

2.3 - Guiomard Santos versus Oscar Passos: apogeu do poder personalista e do


clientelismo político.

Durante cerca de duas décadas (40/60), estes dois personagens que


militavam em campos partidários opostos, irão monopolizar a vida política acreana.
Tanto Oscar Passos como Guiomard Santos, foram primeiramente governadores
nomeados do Território do Acre, depois passaram a dedicar-se ao parlamento federal e
se tornaram-se as principais lideranças de seus partidos — respectivamente PTB e PSD
—, sendo que, em torno de ambos tudo e todos gravitavam. Enquanto estiveram em
67

cena, procuraram monopolizar as indicações dos principais cargos federais, inclusive


influenciando na escolha dos governadores indicados para o Acre neste período.

Personalizaram em suas pessoas as vantagens do poder, mantendo sobre


controle os seus apadrinhados subalternos, todos inseridos em uma rede de relações
fisiológicas e clientelistas, explicitadas nos recursos estatais. Para Edson Nunes (1997),
em um estudo singular sobre esta temática, o clientelismo é um processo de troca de
favores que impregna as instituições formais do Estado, através de uma burocracia que
opera este sistema de trocas e que suplanta o sistema partidário, colocando-o em posição
secundária (idem, p. 33). No Acre, esses homens estavam acima dos partidos e estes, a
serviço de seus intentos políticos, que se confundiam ao ponto de não se separar os
interesses públicos dos privados.

Em períodos eleitorais, as disputas eleitorais entre Guiomard Santos e Oscar


Passos eram sempre acirradas e com acusações de ambas as partes dando o tom. Em
1954, quando ocorreram a eleições para a escolha dos dois únicos representantes
acreanos para a Câmara Federal, eles lançam-se candidatos pelos seus respectivos
partidos. Oscar Passos (PTB) concorre em uma chapa tríplice, que era complementada
por Ruy Lino (PTB) e Adalberto Sena (UDN). Guiomard Santos, do PSD, encabeça a
chapa Coligação Democrática Acreana, tendo ainda como candidatos — apenas para
lhe ―puxar votos‖ — Manoel Fontenele de Castro (PSP) e frei Peregrino Carneiro
(PDC), o primeiro tenente-coronel e o outro ligado a Igreja Católica. Aliança nada
inusitada em se tratando da política brasileira.
Em um dos panfletos de propaganda da chapa, publicado no jornal O
Rebate, estava estampado: ―o comunismo lutará e empregará todas as forças para
impedir a nossa eleição. Eleitor acreano, pensa na tua família, no futuro dos teus
filhos, na tranquilidade do teu lar, votando nos candidatos que acima de tudo obedecem
o lema: Deus e família"129. Em um outro panfleto, estampado no mesmo jornal e na
mesma data, lia-se: ―empunhando em uma mão a arma branca do voto e na outra a
cruz de cristo, haveremos de expurgar de uma vez por todas a horda vermelha‖ 130.
Estes slogans visavam minar a candidatura de Oscar Passos, ligado a PTB, partido cujo
o epíteto à época era de ter em seus quadros partidários do ―credo comunista‖, um bom

129O Rebate, nº117, p. 01.


130Idem.
68

elemento naquele período para tentar colocar adversários em descrédito. Oscar Passos
era acusado ainda de ser favorável ao divórcio, tese combatida principalmente por
grupos conservadores e pela Igreja Católica através do jornal ―Mensageiro cristão‖.
Com as eleições finalizadas, mais uma vez estavam eleitos Guiomard Santos e Oscar
Passos131.
Mas os acordos entre os dois grupos políticos132 também eram comuns,
principalmente quando era para conformar certos arranjos políticos que beneficiavam
um e outro. Em 1953, o PSD e o PTB pactuam um acordo amplo que visava a
nomeação do novo governador que substituiria João Kubitschek, que pedira exoneração
do cargo.
O próprio presidente do PTB acreano, Wagner Eleutério, em entrevista 133
confirmou de forma detalhada as bases dessa combinação, que estava estruturada da
seguinte maneira: o PSD indicaria o governador 134 e teria ainda ao seu dispor os
Departamentos de Obras e Viação, Educação e Cultura, Produção, Chefia do Gabinete e
as prefeituras de Cruzeiro do Sul, Tarauacá e Brasiléia. Com a partilha acertada em
comum acordo, coube ao PTB a Secretaria Geral, os Departamentos de Saúde,
Administração, Geografia e Estatística e ainda, as prefeituras de Rio Branco, Feijó,
Xapuri e Sena Madureira. Era a explicitação do chamado ―Estado de compromisso‖
originado no Brasil a partir do período Vargas, caracterizado pelo fato de nenhum ator
ou facção política ter uma supremacia clara sobre os outros e não poder sobreviver
isoladamente e sem dispor da corretagem estatal (Nunes, 1997, p. 26). Desta forma,
constituía-se um círculo fechado e restrito, que embora marcado por contradições
internas, se mantinha no poder através de acordos e compromissos.
Após aparar as arestas e feito os acertos locais, era a vez de Guiomard
Santos e Oscar Passos usarem de suas influências e bom trânsito junto ao MJNI para a
concretização daquilo que beneficiava além de ambos, os dois maiores grupos políticos

131Pela chapa de Guiomard Santos, este obteve 4.178 votos, frei Peregrino 1.185 e o coronel Fontenele 1.755.
Já Oscar Passos teve 3.998 votos, Adalberto Sena 1.174 e Ruy Lino 234. Votaram ao todo 12. 551 eleitores. O
Juruá, ano 02, n° 35, p. 03, 01/01/55.
132Em âmbito nacional também ocorriam acordos semelhantes entre esses partidos. Nunes (1997) ao analisar

o governo de Juscelino Kubitschek neste mesmo período afirma que: “João Goulart (vice-presidente) controlava
a política trabalhista através do Ministério do Trabalho e de uma rede corporativista que unia sindicatos, institutos de
previdência social. O PSD controlava outras redes clientelistas na administração, através de ministérios como Viação e Obras
Públicas, Justiça, Agricultura e Fazenda” (p. 109).
133―Acordo amplo‖. O Acre, nº 1119. P. 01, 03/05/53.
134O PSD indicou o nome do major Adolfo Barbosa Leite, como segunda opção tinha o do coronel Manoel

Fontenele de Castro. Getúlio Vargas acabou indicando Abel Pinheiro para o cargo (vide em Apêndices,
69

do Acre que estavam sob seus domínios. O próprio Guiomard Santos comentou de
forma clara este conluio político ao dizer que ―fez-se apenas um esquema inter-
partidário visando os cargos em comissão‖135. Afirmava ainda de maneira incisiva que o
esquema ―não envolve compromissos eleitorais futuros (...) mas reforça muito a
autoridade dos partidos e o nobre gesto do governador (indicado por eles!) em
conceder aos partidos de expressão eleitoral no Território, o direito natural de
pleitearem os altos posto políticos, está sendo mal interpretado pelos saudosistas‖ 136.
Eis a admissão de um poder centralizado nas mãos de grupos restritos, que vêem com
uma ―naturalidade orgânica‖ o enfeixamento e a partilha do poder sob seus domínios.
Com isto, estes acordos pragmáticos e momentâneos, procuram colocar à margem
outras forças políticas, que ficam impossibilitadas de emergirem diante de tal quadro.
Por sua vez, Oscar Passos corrobora o que Guiomard Santos dissera e
coloca a questão da seguinte forma: ―não há nada de indecoroso e humilhante no
acordo para governador (...) esses acordos incluem, obrigatoriamente, cláusulas de
distribuição equitativa de postos de governo, para evitar o que se passava
anteriormente, quando um só partido monopolizava todos os cargos‖ 137. Formava-se
assim um rede ampla de ―corretagem política‖ 138 que se espraiava por toda máquina
governamental e prefeituras dos municípios acreanos, pautada na distribuição de cargos
entre partidários do PTB e PSD.
É evidente que além dos cargos de comissão no primeiro escalão, haviam
também acertos para cargos do segundo escalão, bem como os cargos nas prefeituras.
Era a cristalização da utilização da máquina pública ―com bastante eficácia nas
disputas eleitorais do mercado político para garantir a continuidade dos detentores do
poder‖ (Schwartzman, 1982, p. 67). ―Governo‖ e ―oposição‖ eram termos sem grandes
significados de conteúdos que indicassem e demarcassem campos claros de ação
política ou consistência ideológica, o que importava antes de tudo era o ―controle das
agências governamentais para o exercício do clientelismo‖ (idem, p. 136), que ocorria
uniformemente em todo o Território. Sem sombra de dúvida, o que existia era uma teia
ampla de acomodações políticas e compromissos que eram essenciais existirem para

Tabela V). No entanto, isto não redundou em nenhum empecilho para o acordo previamente estabelecido.
135―Exploração em torno do acordo político no Acre‖. O Acre, nº 1134, p. 01. 06/09/53.
136 Ibidem. Os grifos são meus.
137 ―Desmascaramento‖. O Acre, nº 1135, p. 04. 13/09/53.
138Termo cunhado por Nunes (1997).
70

conformar grupos e sujeitos hierárquicos e diferenciados, que não conseguiam subsistir


fora desta ordem de coisas que era vista como ―natural‖ e necessária.

2.4 – As últimas cenas do regime territorial e a transição para Estado.

Com o modelo territorial em vias de extinção e as turbulências e tensões


políticas que aconteciam no país, agravadas mais ainda pela renúncia do presidente
Jânio Quadros no segundo semestre de 1961, o quadro político local também sofre
alterações no seu tabuleiro. Logo que recebe a notícia relatando o cenário político
nacional, o governador Altino Machado, junto com seu secretário imediato, que exercia
também o papel de vice-governador, ―solidariamente‖ renunciam e o presidente
interino, Ranieri Mazzili indica, também interinamente, Oswaldo Pinheiro de Lima para
o cargo de governador do Acre.

Ao se acomodarem momentaneamente as turbulências nacionais, no Acre a


pauta volta ser novamente a procura para uma definição da questão da autonomista.
Após aprovação do Projeto no Congresso Nacional e assinatura de João Goulart, novo
presidente que assumia a vaga do renunciante, o Decreto que elevou o Acre a Estado
determinava que as eleições para governador e cargos legislativos deveriam ocorrer em
um prazo de três meses. Ficava aos deputados estaduais eleitos e empossados, a função
de Constituintes e o governador tomaria posse somente no dia da promulgação da nova
Constituição Estadual. Caso a Constituição não fosse promulgada quatro meses após a
posse dos deputados, o Acre passaria a fazer uso da Constituição do Estado do
Amazonas até a aprovação da sua carta magna.

Nesse período de transição, era governador do Acre o agrônomo e Delegado


da União Ruy da Silveira Lino, que além de ser o primeiro governante nascido no Acre,
assumiu o poder em 29/10/61 quando ainda predominava o regime territorial e deixou-o
em 06/07/62, — quando o Acre já tinha sido elevado à categoria de Estado, — por força
e necessidade de desincompatibilização para candidatar-se a deputado federal. Com isto,
o último governante nomeado para o período de transição foi Aníbal Miranda, que
assume durante sete meses até a posse do primeiro governador eleito 139.

139Confira nos Apêndices a Tabela V.


71

Esta decantada autonomia, requerida durante décadas, foi um parto difícil e


implementada após longos embates entre grupos privilegiados, internos e externos. Foi
acima de tudo uma transição passiva e controlada pelas mesmas pessoas que se
beneficiavam no regime anterior, foi uma mudança de cunho conjuntural e permeada
por exclusões. Organizada e conduzida de forma descendente e que trouxe consigo as
entranhas do modelo territorial, baseado em práticas autoritárias e personalistas. Uma
mudança com continuísmos, vícios e sem rupturas, características que sempre
predominaram na política brasileira, no Acre não foi diferente.
Este longo e duradouro parto autonomista, embora necessário, ocorreu de
cima para baixo, sem participação ou clamor popular e dirigido por grupos políticos
internos, que viam na autonomia o deslocamento e a definição do poder para a esfera
local. Deve-se pensar que junto a isto, houve vontade do governo federal em mudar o
estatuto acreano. Também não parecia ser mais interessante à União manter e
administrar os problemas acarretados pelas demandas acreanas, Território cujo modelo
econômico já não justificava mais a tutoria exercida durante mais de meio século. Foi
dada ao Acre uma alforria semelhante àquela concedida aos escravos em 1888:
paradoxalmente ser ―livre‖ para se submeter às novas amarras, tirando o peso da
responsabilidade do seu então tutor, o Estado nacional.
72

Capítulo III – De José Augusto ao capitão Cerqueira: fragilidade


política, falta de hegemonia e exacerbação do autoritasimo no
executivo.

―Não há forma de poder que não se baseie em último recurso no domínio físico‖.
Hans Ulrich Gumbrecht.

3.1 – Eleição e queda do governo José Augusto: luta pelo poder e a busca frustrada
de uma nova de hegemonia.

Logo após a elevação do Acre a Estado, são realizadas as primeiras eleições


diretas para governador, senadores, e deputados estaduais 140. Excetuando a novidade da
escolha direta dos seus representantes, isto significou ainda a continuação da restrição
participativa de grande parte da população local141, que em 1960 despontava com um
índice absurdo de analfabetismo para 68,6% dos acima de 05 anos. Em 1962, quando
ocorre a primeira eleição (07/10/62), o número de eleitores representava somente
12%142 da população acreana; e destes, 24% não compareceram para votar nas primeiras
eleições gerais do novo Estado da federação brasileira (Oliveira, 2000).

A recém adquirida autonomia trouxe em seu bojo as eleições gerais,


permitindo que as forças políticas locais passassem a se organizar no sentido de
conduzirem politicamente os destinos do Estado e da construção de uma ordem política
legitimada nas urnas, via voto popular. Não se deve esquecer que o resultado disso foi a
efetivação continuada dos mesmos segmentos políticos hegemônicos anteriores.
Ligados ao latifúndio extrativista e ao comércio, ou indissociavelmente caudatários
desses grupos.

Para Oliveira (2000), isto propiciou a ascensão de uma sociedade civil


representada pela oligarquia rural, decadente economicamente e que procurava
ascendência política (idem, p.40), possibilitando comparativamente a reprodução, em

140
Antes, só haviam eleições para a escolha dos deputados federais.
141
Formalmente, para votar era preciso ser alfabetizado. Na prática, para obter o Título eleitoral era só
preciso ―saber assinar‖ o nome, declarar a profissão e o local de residência.
142
Cerca de 20 mil eleitores, dos quais cerca de 15 mil votaram (vide Tabela V em Apêndices).
73

âmbito urbano, da relação de compadrio e dependência entre patrão/seringueiro, oriunda


dos seringais.

A efetivação dessas mudanças trouxeram consigo práticas políticas de longa


data, travadas a partir daquele momento em um novo ambiente institucional. Isto leva o
poder privado, ligado principalmente aos interesses econômicos, a se opor com uma
forte resistência à formação e desenvolvimento de um Estado com autonomia relativa
enquanto poder público. O poder pessoal do seringalista, com a criação do espaço
público — Estado — passa a ser transfigurado no chefe político local, que encastela em
sua pessoa poderes e compromissos que o colocam em uma posição privilegiada e de
destaque perante aqueles que lhe são próximos, seja por dependência ou redes variadas
de compromissos e prodigalidades. Aos agregados havia a dispensa de diversos
―favores‖; em contrapartida, exigia-se fidelidade e retribuição pela ajuda concedida.

Isto de certa maneira impediu a formação de uma relação baseada em


estatutos universalizantes entre o governante e os governados, ou para usar uma
expressão weberiana143, a implementação de um poder pautado no princípio racional-
legal. Questões estas que já foram levantadas no capítulo anterior, especificamente
sobre o período de Oscar Passos e Guiomard Santos; mas, podem muito bem ser
pensadas com existentes antes e depois de ambos como uma constante na política local,
sofrendo apenas mutação de grau, mas não de rosto.

Certamente isto acabou travando e obstaculizando a formação de uma


relação impessoal entre estas duas categorias e consequentemente, a formação do
Estado e do cidadão. O Acre Estado trouxe em seu bojo um poder público tutelado e
fraco; no oposto, um poder privado fortalecido pelo domínio da máquina pública, onde
as oligarquias lutavam para manter as estruturas e práticas políticas e econômicas
preexistentes, sem concessões aos grupos alijados de participação no poder estatal. Ou
seja, o Estado federado, criado em 1962, se assentou na herança do arcabouço territorial
e nas práticas idiossincráticas presentes anteriormente. Resumindo, nasceu fraco e
conservou um poder executivo forte — exceto José Augusto, por razões aqui colocadas
—, poder este que se exacerbou ainda mais com o golpe militar.

143
Cf. in Max Weber, (1998, pp. 142/148).
74

Na zona urbana esta relação se dava de forma incipiente entre o chefe


político e o eleitor, geralmente vindo dos seringais — mal sabendo assinar o nome — e
morador de bairros periféricos, onde o primeiro reproduzia na política, práticas de
dominação e subordinação aos que lhe serviam como base de apoio e sustentação,
alicerçada em laços de amizade, promessas atendidas e, em contrapartida, gratidões
devidas.

Essas práticas eram mais incisivas ainda, entre os membros das categorias
intermediárias, expressas na figura dos servidores públicos. Estes além de simples
eleitores lhe deviam o emprego adquirido na máquina administrativa e, em épocas
eleitorais, eram convocados a trabalhar para determinados candidatos. E como já foi
ressaltado antes, o emprego na máquina pública do Estado era uma espécie de
―vocação‖ de todos, onde um funcionalismo geralmente inerte e apegado à redes de
lealdades, se encastelava no aparelho estatal. Formava-se assim uma rede corporativa,
limitada em certas categorias hierárquicas dentro da burocracia do estatal, ―que são
permitidas e subsidiadas pelo Estado‖ (Nunes, 1997, p. 37).

É neste quadro mais geral, que acontece a eleição do primeiro governador


escolhido de forma direta. O candidato José Augusto de Araújo era da coligação União
Social Trabalhista (PTB/UDN/PSP/PP), cujo slogan ―O Acre para os acreanos‖,
agradava aos brios daqueles que durante muito tempo tiveram seus destinos traçados
pelo poder político da República e ao mesmo tempo, ele era o primeiro acreano nato que
poderia ser eleito de forma direta para o cargo de governador.

Este fator faz com que a candidatura de José Augusto passe a ser defendida
pelos seus partidários como um embate entre um acreano de fato, contra um outro
candidato — Guiomard Santos, que embora há muito tempo no Acre exercendo cargos
públicos e sendo autor do Projeto de Lei que elevou o Acre à categoria de Estado, não
era acreano ―autêntico‖, ou seja, de nascimento. Talvez este fator tenha influenciado de
alguma forma no resultado eleitoral, pois no imaginário local estava posto de maneira
incisiva, ao longo de décadas, a questão de jamais um acreano 144 ter exercido o poder

144
Esta questão foi colocada, entre outros, por Eloy Abud, membro do antigo PSD e do movimento
autonomista. Foi eleito deputado estadual em 1962 e se pautava por uma ferrenha oposição a José
Augusto, tornou-se defensor imediato do golpe de 1964. Por ironia do destino, teve seu mandato cassado
pelos militares. Entrevista realizada pelo autor em 24/08/01.
75

executivo. Ampliada ainda mais, através da possibilidade de elegê-lo de forma direta e


sem interferência da União na escolha do nome.

José Guiomard Santos (PSD), ex-governador territorial, era considerado


antecipadamente pelos seus correligionários como imbatível nas urnas, pelo fato de ter
sido o autor do Projeto autonomista sancionado pelo presidente João Goulart e também,
porque quase todos os governos anteriores foram de pessoas ligadas ao PSD. Mas pela
primeira vez, o seu partido não contava com a máquina administrativa nas mãos. Os
últimos governantes do Acre Território foram pessoas ligadas ao PTB e alinhados ao
governo do então presidente Jango.

Embora os dois candidatos militassem em partidos diferentes no espectro


político local, — e como já foi ressaltado, — estas agremiações não tinham
diferenciações substanciais de ordem ideológica e doutrinária, mas diante da população
os dois grupos políticos demonstravam ser ferrenhos opositores145. No plano individual,
José Augusto tinha concepções políticas e ideológicas que divergiam em muito da
postura política de Guiomard Santos. Mas ele e seu grupo político, eram vistos com
ressalvas dentro do próprio PTB, pelos grupos mais conservadores liderados por Oscar
Passos. Isto se corrobora, pelo próprio fato de mais tarde o PTB entrar em confronto
com José Augusto e fazer à revelia dele, conluio com o PSD e abandonar o então
governador à própria sorte.

Mas realizadas as eleições, a hegemonia do PTB e PSD ficou cristalizada


pela votação que esses partidos receberam. Na eleição 146 para governador esses dois
partidos tiveram juntos 92,92% dos votos, sendo que a diferença entre o candidato do
PTB e do PSD foi de 4,98% em favor do primeiro. Na escolha dos deputados estaduais
o PSD elegeu oito deputados e obteve 47,82% dos votos, o PTB ficou com seis
deputados e 46,94% dos votos e a UDN elegeu apenas um deputado. Para a Câmara
Federal das sete cadeiras, ao PTB coube três e o PSD arrebatou o restante e juntos
obtiveram 95,27% da preferência do eleitorado. No Senado, o PTB emplaca ocupando
duas cadeiras e o PSD uma somente. Já Guiomard Santos, pela primeira vez não logrou
êxito em uma eleição e conseguiu somente se eleger para o Senado Federal, pois a
legislação eleitoral permitia um mesmo candidato disputar cargos legislativos e

145
Cf.: Mendes (1996).
146
Os números percentuais foram realizados a partir de dados levantados por Mendes (1996). Nos cálculos
76

executivo simultaneamente. Este resultado deixa transparecer que os dois partidos, por
uma longa tradição segmentada durante quase duas décadas, eram as únicas
agremiações hegemônicas na política acreana.

Em 01º de setembro de 1963, quase um anos depois deste pleito eleitoral,


ocorrem as eleições para a Câmara Municipal e Prefeituras. Contando com a máquina
pública sob seu domínio, o PTB sai amplamente favorecido deste processo eleitoral e
conquista todas as sete prefeituras acreanas, elege também vinte e três vereadores em
todo Estado. O PSD conseguiu ainda eleger dezesseis vereadores e o PSP, juntamente
com a UDN, apenas um cada. Aqui, o quadro já se altera um pouco. O conservador PSD
e a aura poderosa de Guiomard Santos, que tiveram suas estruturas abaladas um ano
antes, agora pareciam entrar em declínio.

José Augusto ao ser eleito e tomar posse, teve sua administração marcada
por conflitos dentro e fora de seu partido, onde jamais encontrou neste o apoio
necessário para realizar seus intentos governamentais. Internamente os empecilhos se
davam, principalmente, entre os ―históricos‖ do PTB, ligados a Oscar Passos e a
Goldwasser Santos, este último derrotado por José Augusto na convenção do partido
antes do pleito eleitoral para governador. Parecia haver um certo ressentimento,
originado pelo surgimento de uma nova liderança no interior do PTB, que
indubitavelmente colocava em xeque o poder de Oscar Passos. Essas eleições parecem
ter sido o começo do fim do apogeu de Oscar Passos e Guiomard Santos, que embora
tenham conseguido mandatos parlamentares, foram os grandes derrotados nestes dois
processos eleitorais.

Externamente, a base de apoio do governador encontrava-se mais


segmentada em estratos sociais da classe média urbana, seringueiros, posseiros e
colonos. Neste plano, buscava em outros atores sociais sua referência. Devido esta
característica, procurou realizar um governo de bases populistas, vinculando-o às
reformas de base de João Goulart. Voltando-se para o atendimento de certas demandas
daqueles que historicamente ficaram à margem de interesses dos grupos dirigentes do
período territorial. Essa matriz populista, comum durante muito tempo e ainda presente
na política brasileira, aparece com força, segundo Octávio Ianni (1989), quando ―os
humilhados e os ofendidos, os homens simples, os esquecidos, adquirem alguns

estão inclusos os votos nulos e brancos.


77

direitos‖ (p. 89). Estes direitos geralmente não são conquistados e sim, outorgados
pelas classes dirigentes — através de um poder público paternalista — como um favor
àqueles que estão a margem do processo político, social e econômico. De acordo com
Marcos Aurélio Nogueira (1998, p. 55), o populismo brasileiro visava de maneira geral
incluir os trabalhadores, — embora passivamente, — dando-lhes ares de atores
relevantes da política brasileira e fundar utopicamente uma pretensa democracia política
e social. O intuito político de José Augusto parecia estar voltado para uma nova relação
com a denominada sociedade civil, por isso o interesse em se voltar para novos
objetivos e demandas até então esquecidas, e a tentativa de implementá-las via Estado.

O novo governador do Acre, logo após tomar posse, passou a sofrer


oposição interna — por parte de segmentos do PTB — e externamente, pôr grupos que
não viam com bons olhos a ação político-ideológica de alguns assessores e secretários
do governador, principalmente Hélio Khoury (assessor político), Luís Cláudio
(Educação) e Ariosto Miguéis (SUPRA). Os três ligados a concepções consideradas de
esquerda e acusados pelos seus opositores de serem comunistas.

O primeiro, era sociólogo e o principal interlocutor intelectual e político


com quem José Augusto mantinha conversas; o segundo, à frente da SEC procurou uma
política de alfabetização popular e utilizava semanalmente a Rádio Difusora Acreana 147
para se comunicar com a população, principalmente colonos e seringueiros. Isto vai
desagradar de maneira geral os seringalistas, que se mostram contrários à instalação de
escolas alfabetizadoras em seus seringais. Pois para eles, isto tornava mais complicado
continuar mantendo uma série de práticas antigas de subordinação e logro, diante de um
seringueiro que soubesse ler e fazer as operações matemáticas básicas. Logo, esse
programa de alfabetização, ligado ao método Paulo Freire 148, encontrou fortes
resistências junto aos homens que exerciam o domínio nos vastos seringais acreanos.
Por sua vez, estes confrontos também encontram ressonância na zona urbana juntos aos
opositores de José Augusto.

147
Rádio estatal pertencente ao governo do Estado do Acre.
148
Em entrevista concedida ao autor, Hélio Khoury afirmou que ele antes de vir para o Acre fez um curso
sobre o método Paulo Freire na cidade de São Paulo. Ao chegar ao Acre, assessorou a SEC neste projeto.
Entrevista concedida no dia 21/10/2001.
78

Outra centelha de conflito político foi a criação da Superintendência da


Reforma Agrária - SUPRA, que tinha a frente Ariosto Pires Miguéis 149. Este afirmava
contar com apoio do PTB nacional para implementar no Acre, uma política fundiária
que alterasse a estrutura agrária, baseada então no latifúndio extrativista. Esta
perspectiva, necessariamente causava medo aos grandes latifundiários locais,
principalmente os seringalistas. Estes por sinal, eram freqüente e publicamente
nominados pelo superintendente como alvos da política fundiária 150.

Com estes descontentamentos internos e externos, José Augusto inicia um


governo fragilizado e instável. Para completar, logo no início de seu mandato é
acometido com problemas de saúde e, é obrigado a viajar para o Rio de Janeiro em
tratamento médico. Antes de partir, tentou costurar a eleição do deputado Francisco
Thaumaturgo (PTB) para a presidência do parlamento estadual.

Logo, parte da sua frágil base de apoio no legislativo se alia a oposição e


juntas, elegem o deputado José Akel Fares (PTB) presidente da Assembléia Legislativa.
Em troca, Akel Fares se compromete em ceder as secretarias de Educação e Segurança
Pública ao PSD151, quando assumisse interinamente o governo na iminente viagem de
José Augusto. Estes eram exatamente postos chaves no processo de disputa
interpartidárias: a primeira pelo controle ideológico e direcionamento do saber formal,
onde certamente se visava barrar ou implementar políticas educacionais em sentido
oposta à implantada na SEC por Luís Cláudio e seu grupo; a segunda, representava o
controle sobre a força repressora do Estado (polícia), através dos órgãos ligados a
manutenção da ordem. Foi o que aconteceu. Feito isto, José Augusto interrompe seu
tratamento de saúde e volta imediatamente ao Acre para reassumir o governo.

Além disso, como inexistia a figura do vice-governador, Akel Fares como


presidente do legislativo tornava-se automaticamente governador na ausência de José
Augusto, causando um embate entre os dois poderes agora em oposição, que vai

149
Era Diretor da SUPRA e foi indicado para o cargo através de J. Augusto. Era ainda dirigente do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Branco, sindicato este criado e instrumentalizado pelos
dirigentes de esquerda do PTB na época.
150
Quem confirmou isto foi Hélio Khoury. Entrevista citada.
151
Segundo Hélio Khoury, pelo acordo a SEC ficaria com o deputado Omar Sabino de Paula (PSD) e a
SEJUSP com o também deputado, Aluízio Queiroz (PSD). Entrevista citada.
79

configurar de forma indelével o curto mandato de José Augusto 152 e impedindo-o de


governar com tranqüilidade.

O conluio firmado entre o PSD e o PTB foi um duro golpe contra o


governador, que já vinha enfrentado pedidos de intervenção federal e solicitações de
CPI por partes de seus opositores, sem no entanto estes lograrem de forma definitiva o
seu desejado afastamento pela via constitucional. Isto só veio acontecer com o golpe
militar ocorrido no país em 1964, que serviu como catalisador para pôr fim a querela
acreana e, em princípio, facilita os intentos da oposição e altera o quadro político
estadual.

3.2 – A ditadura militar no Acre: um novo rótulo em um velho conteúdo.

Nas plagas acreanas, como nas demais unidades federativas, os reflexos da


ditadura militar foram simultâneos ao golpe sofrido pelo governo central. José Augusto
de Araújo — primeiro governador eleito de forma direta em 1962 e empossado em 1963
—, após uma conturbada administração, foi deposto em maio de 64 por um golpe
implementado pela 4ª Cia. do Exército, tendo a frente capitão Edgard Pedreira de
Cerqueira Filho, que obriga-o a entregar sua carta de renúncia à Assembléia
Legislativa153 e este assume o executivo estadual154.
Vale aqui fazer um parêntesis e ressaltar que as questões políticas locais, as
disputas travadas entre o PSD e o PTB, a briga entre Guiomard Santos e José Augusto
iam além das querelas locais. Estavam antenadas com os embates em âmbito nacional,
que remetiam ao oposicionismo ferrenho dos grupos mais conservadores ao governo de
João Goulart, visto como representado no Acre pelo então governador José Augusto. O
golpe e sua justificativa vieram abreviar e por termo a estas questões, tanto de ordem
nacional quanto local.

152
José Augusto tomou posse em 01º/03/63 e foi deposto em 08/05/64. Cf. Mendes op.cit.
153
Para maiores informações cf.: Mendes (1996).
154
Cerqueira governou o Acre de 08/05/64 até 14/08/66. Cf. Silva (1998).
80

3.3 – Os vários golpes: casuísmo do poder legislativo, traição partidária e


instauração ―legal‖ do arbítrio e da exceção

O golpe militar dado no Brasil em 01º de abril de 1964 teve conseqüências


imediatas Estado do Acre, pois aprofundou ainda mais a oposição ao governo de José
Augusto, que desde o dia 25 de fevereiro tinha se ausentado do Acre e estava de licença
médica por 25 dias, fazendo tratamento de saúde no Rio de Janeiro. De imediato, no dia
31 de março, o médico Aarão Burlamaqui Benchimol lhe concede alta médica e o
governador retorna imediatamente ao Acre para reassumir o governo, antes do tempo
previsto155. De imediato, seus adversários passaram a ser mais incisivos nas suas
acusações e tentativas de abreviar seu mandato legitimado via urnas. Mas frente ao novo
rearranjo nacional, a legitimidade e o direito constitucional dos adversários pouco valia.

Pouco mais de um mês após o golpe que derrubou João Goulart, na tarde do
dia 08 de maio, às 14:35 horas, o então governador José Augusto, que de antes já vinha
sofrendo acusações perante os setores militares, feitas principalmente por seus
opositores na ALEAC, envia um telegrama 156 ao comandante da 8ª Região Militar em
Belém (PA), general Orlando Ramagem, se dizendo sabedor das denúncias feitas pelos
deputados estaduais Aluízio Queiroz (PSD) e Eloy Abud (PSD) 157, que acusavam-no de
comunista. Na sua defesa, o governador atribui as denúncias ao ódio político cultivado
pelos seus adversários e afirma que se dispõe a um exame minucioso dos seus atos
frente à administração pública acreana. Este telegrama talvez represente a última
tentativa institucional do governador, junto às autoridades militares, para buscar reverter
ou adiar o que se mostrava cada vez mais como inevitável: o abreviamento do seu
mandato e sua conseqüente substituição frente ao executivo acreano.

Esgotava-se a cada hora que passava as exíguas possibilidades de


sustentação diante do quadro político cada vez mais adverso desde o golpe de 01º de
abril. Horas depois, por volta das 21:00 horas158 (Diário Oficial, pp. 02/03, 1964), cai
também o governo de José Augusto, que é obrigado a entregar sua carta de renúncia a

155
Atestados médicos do Fundo documental de José Augusto de Araújo (códigos de identificação nº
JA064 e nº JA067).
156
Telegrama nº 290, 08/04/64 (JA077).
157
Estes dois deputados eram também militares de carreira (o primeiro do exército, o segundo da polícia).
158
Os horários foram extraídos das Atas das referidas sessões legislativas, constantes no Diário Oficial da
81

ALEAC, que de imediato então empossa, em menos de 12 horas, o capitão do Exército


Edgard Pedreira Cerqueira Filho como governador do Acre (1964/1966).

O deputado Adonay Santos, do partido do governador, duas décadas depois


em entrevista, disse que no dia da renúncia, horas antes da entrega do Ofício à ALEAC,
presenciou quando o governador José Augusto foi procurado pelo capitão Cerqueira, até
então apenas o recém nomeado comandante da 4ª Companhia Militar. Este então disse:
―governador, estou no comando há alguns dias e não o visitei devido que (sic) a minha
missão é difícil. Eu vim para Rio Branco para esperar este movimento (golpe militar) e,
quero mostrar para o senhor que sou seu amigo, mas que sua bancada, que agora está
reunida com o PSD em sessão secreta para votar seu impeachment. Eu quero
demonstrar minha lealdade. Se o senhor renunciar, cai mas cai de pé e eu lhe dou toda
a minha proteção. Agora, se a bancada votar seu impeachment, não vou lhe
garantir‖159. Se verídicas as afirmativas tal qual lembrou o deputado, o capitão
Cerqueira veio ao Acre com uma missão clara: o objetivo principal não foi para assumir
o comando da 4ª Companhia do Exército e sim, o governo do Acre.

Neste aludido dia, a ALEAC estava em sessão permanente desde as 14:00


horas de um 08 de maio atípico e fatídico, tanto para o governador José Augusto como
para aqueles que tinham votado nele nas primeiras eleições formalmente livres da
história do Acre. Um dia em que os deputados acreanos e todas as forças políticas e
sociais que apoiavam o infante regime militar, estavam empenhadas em agir para
obterem a renúncia forçada do governador José Augusto de Araújo. Nos bastidores
aconteciam as pressões e ameaças contra o governador; às claras, a oposição procurava
dar ares de formalismo e legalismo ao arbítrio, ao exigirem por escrito uma carta
renúncia do governador. Ou seja, teatralmente a deposição precisava parecer renúncia,
fundamentada nos rearranjos jurídicos e institucionais criados ad hoc. Seria, na
expressão feliz do jornalista Élio Gaspari, a fase da ―ditadura envergonhada‖, ainda em
ciosa de dar um verniz de ―legalidade constitucional‖ aos seus atos iniciais.

O primeiro ato deste teatro começou com a abertura da sessão extraordinária


pelo presidente da ALEAC, o deputado José Akel Fares (PTB), que constatando haver

ALEAC.
159
Entrevista citada.
82

quorum regimental160 declarou aberta a sessão para apreciação da matéria referente à


proposta de Emenda Constitucional nº 03. A matéria propunha que em caso de vacância
definitiva do cargo de governador do Estado do Acre, a ALEAC elegeria, em um prazo
máximo de dois dias, por maioria absoluta de votos, um novo governador para terminar
o mandato tornado vago. Vale ressaltar que não existia o cargo de vice-governador e na
ausência do governador, quem assumia era o presidente da ALEAC. Para esta Emenda
passar a vigorar, a matéria teria que ser aprovada em dois turnos de votação.

Aberta a primeira sessão para discussão da matéria, nenhum deputado fez


uso da palavra. Instaurou-se um silêncio tumular no plenário: provocado talvez pela
vergonha e constrangimento de uns; possivelmente pelo medo em outros das possíveis
conseqüências e, desnecessário dizer, da alegria contida de outros. Com o início da
votação nominal e declarada, todos os deputados presentes votaram pela aprovação da
matéria e quarenta e cinco minutos depois de iniciada a sessão, casuisticamente estavam
dados os primeiros passos, através de um expediente jurídico, para ―legalmente‖ exigir
que o governador José Augusto renunciasse.

Quinze minutos depois, foi aberta a segunda sessão extraordinária para a


votação em segundo turno da mesma matéria. Era só para ratificar o que já tinha
ocorrido na primeira sessão. Desta vez ocorrem manifestações, os deputados parecem
mais a vontade, e quem pede a palavra é o deputado Eloy Abud, que começa sua fala
afirmando da satisfação dos acreanos diante da Emenda proposta pela ALEAC, e que a
partir daquele momento os ―deputados acreanos e o Acre estavam amoldados ao
Movimento Revolucionário de 01º de abril, bem como proporcionando um grande
benefício em prol do povo acreano‖(Diário Oficial, pp. 02/03, 1964). O deputado
Joaquim Cruz também não destoa e segue na mesma linha laudatória do seu antecessor,
ao afirmar que ―após o triunfo da revolução de 01º de abril tem havido um saneamento,
reparo e ajuste por parte do Movimento Revolucionário‖(Idem, Ibidem).

Em seguida, quem faz uso da tribuna para tecer suas considerações é o


deputado Benjamim Ruella161, do partido do governador, que não só vota a favor da

160
Estavam presentes em ambas sessões extraordinárias os deputados José Akel Fares (PTB), Geraldo
Fleming (PTB), Augusto Hidalgo (PSD), Benjamin Ruella (PTB), Carlos Afonso (PSD), Francisco
Taumaturgo (PTB), Aluízio Queiroz (PSD), José Fonseca (UDN), Joaquim Cruz (PSD), Eloy Abud
(PSD), Omar Sabino (PSD), Adonay Santos (PTB), José Chaar Filho (PSD) e Antônio de Barros (PTB).
O único ausente em todas as sessões foi o deputado Guilherme Zaire (PTB).
161
Candidata-se a deputado pelo PSD e fica como primeiro suplente. Com a morte do deputado Milton de
83

emenda como faz loas ao golpe militar recém instalado no país. Diz o deputado que não
poderia se furtar em cooperar naquele momento com as forças revolucionárias, para que
o Acre tivesse dias melhores. Como diz um velho ditado na política brasileira: ―em
tempo de murici, cada um por si‖. Às 13:55 horas, após estas três manifestações, o
presidente colocou novamente em votação a matéria, que foi aprovada outra vez por
unanimidade162.

Após aprovarem o expediente para resolver o problema da vacância do


cargo de governador, os deputados ficam de ―vigília‖ aguardando o envio da carta
renúncia do governador para ser votada de imediato. A terceira sessão extraordinária
começou então às 22:00 horas, com os quatorze deputados presentes para ratificarem a
destituição forçada e arbitrária de um governador constitucionalmente eleito pelos
acreanos. Quem leu a carta renúncia em plenário foi o deputado Geraldo Fleming,
primeiro-secretário da Mesa Diretora da ALEAC. Na verdade, a carta era um Ofício
circular sintético, com o seguinte texto encaminhado em nome do governador, pelo
chefe da Casa Civil capitão Sebastião Farias de Araújo: ―De acordo com a alínea B,
item II, do artigo 24, da Constituição do Estado, comunico a esta Assembléia que, nesta
data, renuncio ao cargo de governador do Estado do Acre, para o qual fui eleito em 07
de outubro de 1962‖163.

Após a leitura da carta, o presidente da ALEAC fazendo o uso da palavra


declarou vago o cargo de governador do Estado do Acre e facultou a palavra ao demais
deputados, mas ninguém quis se pronunciar, nem para indagar talvez, porque o
governador tinha renunciado. Certamente esta seria uma indagação pueril, e o que
menos tinha ali naquele momento eram pessoas agindo com inocência. Todos se
calaram, não houve manifestação de nenhuma ordem. Ocorreu uma renúncia onde os
motivos dela não aparecem nos documentos oficiais, nas falas dos deputados e das
outras pessoas envolvidas. Um ato onde se negou inclusive o direito à explicação dos
porquês pela vítima.

Matos Rocha, assume e muda-se em seguida para o PTB. Era próximo ao governador José Augusto. Este,
junto com sua esposa Maria Lúcia, era padrinho de uma de suas filhas.
162
Note-se que o Telegrama de José Augusto para o comandante da 08ª Região Militar é enviado as 14:35
horas. Ou seja, depois de encerrada a aprovação da Emenda nº 03 na ALEAC. Nestas alturas, não havia
mais possibilidade de mudar o quadro que se encaminhava para interrupção de seu mandato.
163
Ofício nº 180/64, 08/0564, (JA113).
84

Dando continuidade ao jogo de cartas marcadas, o presidente José Akel


Fares comunica ao plenário que recebeu, através dos lideres de bancadas, o nome de
Edgard Pedreira Cerqueira como candidato ao cargo de governador. Feita a chamada
nominal de cada deputado, todos votaram afirmativamente, elegendo de forma unânime,
indireta e casuística o novo governador do Acre. Resumindo, a ALEAC já tinha um
nome para substituir o governador José Augusto muito antes de sua renúncia e os
deputados só foram imbuídos, e se imbuíram, de fazer a Emenda Constitucional para
permitir e dar posse imediata ao capitão Cerqueira. Com isto, o Executivo encampa o
Legislativo.

Novamente, não houve nenhuma manifestação dos deputados ao ser


facultada-lhes a palavra. Então, o presidente designou os lideres das bancadas
parlamentares, Carlos Afonso (PSD) e Antônio Barros164 (PTB), para comunicarem ao
capitão Cerqueira que este tinha sido eleito para exercer o cargo de governador do Acre.
A sessão é suspensa para que os dois deputados se desloquem até a residência do
capitão Cerqueira, onde comunicam formalmente a este de sua eleição e pedem para que
o mesmo se dirija até a Assembléia para tomar posse. O capitão-governador então
sugere que a posse seja transferida para o dia seguinte, às 11:00 horas da manhã, na
ALEAC. Os deputados voltam então à Assembléia legislativa com a posição de
Cerqueira, de imediato o plenário acata a proposição e assim, a sessão se encerra às
23:40.

O último ato do dia anterior tem continuidade numa manhã de sábado,


quando ocorre a posse de Cerqueira e assim, o desfecho do casuísmo perpetrado pelo
legislativo estadual. A posse transcorreu também de forma célere, como os outros atos
do poder legislativo do dia anterior. Diante de autoridades representativas dos poderes
municipais, religioso, judiciário e militar, a sessão foi aberta para a leitura do Termo de
Posse lido pelo deputado Geraldo Fleming. Facultada a palavra, o formalismo da casa
parlamentar exigia que os representantes das bancadas partidárias se pronunciassem:
pelo PSD a palavra coube ao deputado Carlos Afonso e pelo PTB ao deputado
Benjamin Ruella. O deputado Carlos Afonso, entre outras coisas, destacou que o
governador-capitão representava naquele momento a esperança de reformas políticas,

164
Era suplente do deputado Nabor Telles da Rocha Júnior, que se afastou inexplicavelmente do
legislativo acreano naquele momento conturbado.
85

instauração da moralidade e da justiça. Encerrou seu discurso dando vivas ―ao Brasil, ao
Acre e a democracia cristã‖ (Diário Oficial, p. 06, 1964).

O representante da ―oposição‖, procurou deixar claro que a eleição do


capitão Cerqueira significava uma reafirmação dos elevados propósitos democráticos
(sic) e encerrou desejando que um governador fizesse uma administração que agradasse
―gregos e troianos‖ (Idem, Ibidem), subliminarmente isto significava o desejo de que
todas as forças partidárias fossem ―lembradas‖ no novo rearranjo institucional e de
poder, inclusive a ―oposição‖. Complementado e na seqüência, o deputado Eloy Abud
afirma que a posse de Cerqueira significava a ―adaptação tardia do Acre ao regime
democrático e de plena liberdade que há pouco vigorava no país pelo Alto Comando
Revolucionário‖ (Idem, Ibidem). Talvez o deputado-miltar acreditasse piamente nestas
palavras que proferiu, mas por ironia do destino ele também teve seu mandato cassado
menos de um ano depois quando se indispôs com o governador Jorge Kalume,
substituto de Cerqueira.

Discursando por último, o governador empossado cumpriu as formalidades


e foi sintético na sua breve fala, pois afirmou ser um homem de poucas palavras. Com
ênfase, prometeu um governo de honestidade e trabalho, que seria formado por um
corpo de secretários ―escolhido sem distinção de cores políticas‖ e, que manteria ―as
portas do palácio Rio Branco abertas para todos, sem distinção de raça, credo ou cor‖.
Finalizou lembrando (ou exigindo), que assumia o governo do Acre com carta branca e
o apoio irrestrito de todos os partidos políticos (Idem, Ibidem). Esta pretensa busca de
unidade e união de todos, era uma forma de demarcar claramente que o seu governo não
admitiria oposição, divergências partidárias ou ideológicas. E foi o que aconteceu.

3.4 – (O)caso do Acre: golpe militar, hipertrofia do executivo e a ―caça as bruxas‖

Logo que assume com plenos poderes o cargo de governador, Cerqueira


Filho e sua base parlamentar na ALEAC iniciaram uma ―caça as bruxas‖, reavivando as
denúncias e implementando as perseguições contra o ex-governador José Augusto,
alguns de seus assessores, parte de sua base partidária na ALEAC (que meses antes
86

votou favorável à Emenda 03 e acatou a renúncia de José Augusto) e funcionários


públicos acusados de serem comunistas.

Em um plano mais geral, como é de praxe, as liberdades de expressão e


manifestação passaram a sofrer injunções do novo poder instituído, que procurou calar
até os comentários mais banais da oposição ao governo Cerqueira e à ―Revolução de
64‖. Um exemplo prosaico: em novembro de 1964 o funcionário público Estanislau
Siqueira foi preso acusado de ―destratar‖ publicamente o governador e ser também
comunista (Silva, 2002, p.98).

Na articulação com as autoridades nacionais, o próprio governador


Cerqueira, através de vários telegramas 165, se encarregava de comunicar imediatamente
aos militares do Comando Militar da Amazônia – CMA (sediado em Belém) do
Grupamento Especial de Fronteiras – GEF (sediado em Manaus) a situação da oposição
no Acre, dos chamados ―anti-revolucionários‖ e ―inimigos da revolução de 64‖. A
maior quantidades de telegramas enviados aos seus superiores foram registrados nos
dias 12 (cinco), 13 (um) e 16 de novembro de 1965 (dois), tendo como destinatários o
presidente da república, o ministro da Justiça, o ministro da Guerra, o Conselho de
Segurança Nacional - CSN, o comandante do GEF, a bancada parlamentar do Acre no
Congresso Nacional e o CMA.

As querelas locais logo eram transformadas em informações denuncistas


que, travestidas de importância nacional e dramatizadas pelo medo comunista,
oportunamente chegavam aos superiores militares e aliados do capitão Cerqueira em
Brasília. Pelos telegramas, percebe-se que o governador passou a exercer com mais
intensidade, e praxe, o papel de delator oficial do regime militar no Acre, do que ter
preocupações com as atribuições litúrgicas do cargo que ocupava.

No dia 12 de novembro de 1965, em um comunicado telegráfico com as


principais autoridades nacionais, o governador-capitão entra em contato com o então
presidente da república, marechal Castelo Branco, com o presidente do CSN (coronel
Wilberto Luiz Lima), com o comandante do GEF (general Lauro Alves), com o
comandante do CMA (general Jurandir Bizarria Mamed), com o ministro da Guerra

165
Estes telegramas, bem como os demais documentos citados, encontram-se sob guarda do Centro de
Documentação e Informação Histórica – CDIH e fazem parte do Fundo Documental pertencente ao ex-
governador José Augusto de Araújo, doado pela sua família para UFAC. Neste texto utilizo apenas os
87

(general Costa e Silva) e o ministro da Justiça (Juracy Magalhães), informando a todos


que a ALEAC causava tumulto à vida do Estado através da bancada de ―anti-
revolucionários‖, composta por deputados do ex-PTB. Expostas as suas considerações,
ele sugestiona então ao presidente da república, com base no AI-2166, a cassação dos
deputados de oposição e o ―recesso‖ (na verdade, o fechamento) da ALEAC.

A quantidade de telegramas expedidas no dia 12 é sintomática por que foi


neste dia, que a bancada de oposição 167 apresentou à Mesa Diretora da Assembléia o
pedido de impeachment168 do governador Cerqueira, que só não entrou em votação
porque sua bancada de apoio (Arena) levantou questão de ordem e conseguiu através
dessa manobra suspender a sessão 169. Mas com os ânimos exaltados, se aprofundaram
ainda mais as fissuras entre o governo e a oposição, que naquele momento estava
restrita a um grupo parlamentar que ainda tinha voz, mas que meses antes tinha elegido,
através do casuísmo jurídico-político, o próprio capitão Cerqueira governador do Acre.

Mesmo com a metade dos 14 deputados da ALEAC contra, se o pedido de


impedimento fosse posto em votação, seria derrotado porque ele precisava ter no
mínimo 10 votos para ser aprovado. Mas o que o governador não admitia era a
―oposição‖ — mesmo sendo cerceada, fluida e pragmática — exercer o seu papel
constitucional, permitido quando da existência de regimes formalmente democráticos.

Tornou-se a comum remessa de informações e de denúncias contra os


―inimigos‖, como atestam as correspondências enviadas para o comandante militar do
GEF, general Lauro Alves Pinto. Em um desses telegramas 170, o governador Cerqueira
acusa deputados estaduais do ex-PTB de causarem tumultos nas sessões parlamentares,
confundirem a opinião pública e de terem medo do AI-2. Tudo teria começado quando
em uma sessão legislativa, o líder do governo perguntou aos deputados do MDB se
eram verdades algumas afirmações atribuídas a eles e, se fossem homens respondessem:

telegramas relacionados à temática em discussão.


166
O pluripartidarismo foi extinto em 27/10/65, através do AI-2, que passou a permitir a existência apenas
de duas agremiações políticas: a ARENA e o MDB. Estabelecia ainda outras restrições: decretar Estado
de Sítio sem consulta prévia ao Congresso, intervenção federal nos Estados, recesso do Congresso e
demissão funcionários civis e militares ―incompatíveis com a revolução‖.
167
A bancada de oposição era formada pelos deputados ―emedebistas‖ Nabor Júnior, Guilherme Zaire,
Adonay Santos, José Akel Fares, Benjamin Ruella, José Fonseca de Araújo e Francisco Taumaturgo.
168
O pedido de impeachment, consubstanciado pela denúncia crime, foi formalizado pelo advogado
Eduardo Assef e apresentado em plenário pela bancada do PTB.
169
Telegrama nº 518, 12/11/65, (JA080).
170
Telegrama nº 586, 12/11/65, (JA073).
88

―ter chamado os generais lideres do ‗movimento de 64‘ de gorilas e de estarem ―a


soldo de grupos internacionais‖ (deputado Geraldo Fleming); do governador ―ter feito
uma revoluçãozinha‖ (deputado Nabor Júnior); de incitar o povo ―à luta armada contra
o governo estadual e fazer justiça com as próprias mãos‖ (deputado Benjamin Ruela).

O capitão Cerqueira finaliza o telegrama em tom de quem sabe mais coisas,


afirmando que mantém um serviço de informações sobre os seus adversários e alerta ao
seu interlocutor hierárquico que possui dossiês completos contra vários prefeitos,
vereadores e deputados. Reitera, novamente, que vê com bons olhos uma possível
decretação do ―recesso‖ na ALEAC, metáfora para o fechamento do legislativo acreano.
Em outra correspondência171 sobre o mesmo assunto, Cerqueira comenta com o general
Lauro Alves que possuía informações seguras que os deputados do ex-PTB
intencionavam votar seu impeachment, inclusive estes deputados tinham, em reunião
com o capitão Bustamante, da 4ª Companhia de Fronteira172, prometido-lhe o cargo de
governador caso o impedimento do capitão Cerqueira fosse aprovado no parlamento
acreano. Para reforçar esta tese, o governador afirma que o capitão Bustamante tinha ido
a sessão da ALEAC para assistir a votação, que não ocorreu, do pedido de
impeachment.

Em outro telegrama173, ainda no dia 12 de novembro de 1965, é a vez dos


deputados situacionistas — que se intitulam ―bloco parlamentar revolucionário‖ —
praticarem a caça às bruxas e o exercerem o denuncismo, ao enviarem ao ministro da
justiça, Juracy Magalhães, acusações contra a bancada de oposição. Acusavam seus
―pares‖ de estarem atrapalhando a vida administrativa do Estado; de terem dado apoio
ao governador José Augusto, um ―comunista e corrupto‖ e terem aceitado denúncias
contra o governador Cerqueira na ALEAC, com o intuito de tirá-lo do poder.

É o mesmo teor e tom utilizado pelo governador Cerqueira em suas


correspondências, do qual os parlamentares situacionistas tinham virado bedéis. Os
deputados finalizam em tom laudatório ao ministro, chamando-o de ―ilustre nordestino
que bravamente participou da revolução de 1930‖ e afirmam que, ―como
revolucionários, não permitirão que o Acre volte a domínio daqueles que vinha
comunizando a mocidade‖. O telegrama é assinado pelos deputados estaduais Eloy

171
Telegrama nº 519, 12/11/65, (JA079).
172
Secção militar do Exército brasileiro situada na cidade Rio Branco - AC.
89

Abud, Carlos Simão, Chaar Filho, Omar Sabino, Joaquim Cruz, Aluízio Queiroz e
Gesner Lemos, eleitos pelo PSD e membros recentes da Arena, agremiação política
criada para apoiar a ditadura militar.

Novamente, em outro telegrama174, expedido quatro dias após o citado


acima, Cerqueira comunica ao comandante do GEF que os deputados da oposição
foram, no dia anterior (15/11/65), até a 4ª Companhia do Exército e se reuniram com o
capitão Bustamente, que numa atitude ―esquisita‖, recebeu-os. Mais uma vez, o uso do
arbítrio se justifica pela tese de uma possível conspiração. Ameaça ainda prender os
deputados da oposição, por fazerem um movimento ―anti-revolucionário e subversivo‖,
caso a ALEAC não cumpra o mandado de segurança expedido pela justiça, que deu lhe
deu ganho de causa, obrigando a ALEAC trancar a denúncia contra o governador.

Neste mesmo dia, o próprio Cerqueira, através de um telegrama, comunica


em tom febril e exultante ao comandante do CMA que a ―paz e a tranqüilidade voltaram
a reinar no Acre‖ e que ele tinha obtido liminar da justiça suspendendo o processo de
impeachment que estava em curso na ALEAC. Comunica que devido a ―extinção dos
partidos‖ provocada pelo AI-2, os parlamentares do antigo PTB não poderiam mais
constituir maioria na Mesa Diretora, fato que tornava nula a composição da Mesa e
passível de cassação os mandatos dos deputados que acataram o pedido de
impeachment175, pois não tinham mais respaldo regimental para isto.

No mesmo dia o governador Cerqueira também envia telegrama ao


representante do governo Acre em Manaus, Luis Higino, onde relata os problemas com
a ALEAC e afirma que a vinda do general (provavelmente Lauro Santos) ao Acre seria
a ―pá de cal em todas agitações‖ 176 existentes. Ou seja, a vinda de um general era
simbolicamente um ato de apoio e desagravo ao governador pelos seus superiores
hierárquicos e ainda, a demonstração do suporte que ele contaria caso fosse preciso
tomar medidas mais duras frente aos opositores e, conseqüentemente inimigos do
regime militar instaurado no Acre e no Brasil.

Em mais um telegrama enviado aos parlamentares acreanos em Brasília pela


bancada do PSD na ALEAC, os parlamentares estaduais se auto-intitulam novamente de

173
Telegrama nº 521, 12/11/65, (JA075).
174
Telegrama nº 591, 16/11/65, (JA074).
175
Telegrama nº 595, 16/11/65, (JA084).
90

―Bloco Parlamentar Revolucionário‖ e através do radiograma fazem denúncia contra os


parlamentares da ALEAC pertencentes ao extinto PTB. A acusação era em relação ao
apoio que esses últimos tinham dado ao ―governo comunista e corrupto de José Augusto
de Araújo‖177.

No dia seguinte ao imbróglio na ALEAC, já com as questões resolvidas ao


seu favor, o capitão Cerqueira envia um telegrama 178 ao presidente da república,
marechal Castello Branco, onde procura demonstrar a inconsistência das acusações que
lhe foram imputadas na denúncia crime apresentada à ALEAC. As acusações eram
várias, eis as principais: não ter passado o governo para o presidente da ALEAC
(Guilherme Zaire), quando se ausentava do Estado; ter empregado dez parentes no
executivo estadual e o fato do PTB ter proposto a cassação de seu mandato.

Justificava o primeiro questionamento da denúncia afirmando que o próprio


Tribunal de Justiça do Acre amparava-lhe ao ter dado parecer favorável a não
transmissão do cargo para o presidente da ALEAC. Nada mais óbvio, pois em um
regime de exceção o aparato judiciário é de imediato encampado e tutelado pelo
executivo. Em relação aos parentes, admite ter empregado-os, mas apenas a metade
anunciada pelos denunciantes. Ou seja, o problema do nepotismo era de grau
quantitativo e não de ordem legal e moral. E por último, alegava que o quorum
regimental da ALEAC tinha sido alterado com o fim dos partidos políticos no Brasil,
faltando pois a Constituição acreana ser adequada ao AI-2 e portanto, a composição da
ALEAC não deveria ser mais aquela em voga quando os parlamentares foram
empossados, quando vigorava o pluripartidarismo.

Era o recomeço no Acre dos governadores eleitos/escolhidos de forma


indireta, que vigorou até 1982 quando novamente ocorreram eleições que permitiram
aos acreanos, depois de duas décadas, escolherem novamente o governador do Estado
via processo eleitoral direto. Pois de 1904 até 1962 o Acre, como Território Federal,
sempre teve governos forâneos, indicados pelo governo central através do Ministério da
Justiça, denotando o caráter de tutela que o Estado brasileiro mantinha não só sobre o
Acre, mas sobre outros Territórios criados posteriormente na região amazônica.

176
Telegrama nº 593, 16/11/65, (JA089).
177
Telegrama s/n, 12/11/65, (JA085).
178
Telegrama s/n, 13/11/65, (JA091/091a).
91

Portanto, as práticas restritivas à participação nas escolhas eleitorais via


processo eletivo, não eram de todo estranhas aos acreanos, já estavam presentes e
arraigadas no próprio processo de inserção do Acre, em particular (e da Amazônia de
uma maneira geral) ao Brasil, como partes integrantes da Nação e do Território
nacional. Uma integração marcada pela instauração de governos e estruturas de poder
controladas pelo Governo Federal (União), politicamente caracterizada pelo envio de
pessoas — geralmente militares — para exercerem o poder político principalmente na
esfera executiva, o que não excluía-os de estarem presentes nos demais poderes. Outro
aspecto é que o próprio termo designativo do governador Territorial era ―Delegado da
União‖, o que reforça ainda mais o que chamamos aqui do predomínio de uma
hipertrofia do executivo, que existia antes de 1962 e teve continuidade com o golpe
militar de 1964. Coube então ao capitão Cerqueira como governador, dar continuidade
ao papel exercido pelos ―Delegados da União‖ no executivo acreano, mandatários não
eleitos e que exerciam o poder de forma extremamente autoritária.

Depois da única sua experiência eletiva para governador e da fugaz


administração de José Augusto, o Acre se vê novamente diante de um chefe executivo
que caiu de pára-quedas e que trazia outra vez o signo militar, que tanto marcou as
administrações da época territorial, só que agora indisfarçável e às claras. Para
Guiomard Santos deve ter ficado a certeza tardia de que, com o estatuto do Estado, o
poder executivo também pode se efetivar sem consentimento público 179.
As cassações logo são implementadas e atingiram ainda uma gama de
deputados federais e estaduais, vários membros da equipe de governo de José Augusto e
pessoas ligadas aos movimentos sociais campesinos e urbanos. Os direitos democráticos
de liberdade de imprensa, de reuniões, de contestação política, de partidos de esquerda e
de associações sindicais foram proscritos e, suas lideranças presas ou colocadas sob
vigilância contínua pelos aparelhos repressivos. A restrição à liberdade de expressão,
como é típico em uma ditadura, logo de início limitou a já não tão livre imprensa
acreana, que passou a sofrer injunções com este cenário estabelecido pelo novo governo
que se instalou no poder (Silva, 1998).

179
Em discurso na Câmara Federal no ano de 1952, ao defender a autonomia acreana, Guiomard Santos
afirmava que a diferença entre Estado e Território era que neste o poder executivo era nomeado sem
consentimento público. O Povo, nº 02, p. 03, 28/12/52.
92

As Ligas Camponesas, que de maneira incipiente começava a ter uma


penetração no meio rural, teve seu jornal Liga fechado e suas atividades políticas
suspensas. 180 De imediato estas são as medidas tomadas pelo regime militar que se
implanta no Acre, um regime de exceção nos moldes e, em perfeita sintonia com o
modelo federal.
Dentro deste novo ordenamento institucional, com forte verniz autoritário e
repressivo, as forças de contestação só começarão a se organizar tardiamente, por volta
dos anos setenta. Resumiam-se inicialmente a setores da Igreja Católica no vale do
Acre, dos recém fundados sindicatos de trabalhadores rurais e de outros movimentos
urbanos. Estes atores sociais, conjuntamente, irão se constituir em elementos
fundamentais de apoio e defesa da democracia, construindo resistências contra o arbítrio
que se estabelecera a partir de 1964.
É dentro deste panorama mais abrangente, que se inserem os
acontecimentos acreanos, que não podem ser dissociados do contexto nacional para não
se incorrer em erros maiores. No caso acreano, o golpe militar veio antecipar, de forma
prematura, aquilo que as forças oposicionistas, principalmente ligadas ao PSD, não
tinham conseguido: abreviar o governo de José Augusto. Por isso, estas forças são desde
o primeiro momento entusiastas do regime de exceção instalado no país e no Acre em
1964.

O novo poder instituído passa a fazer uma ampla investigação em torno do


breve governo de José Augusto, principalmente procurando apresentar ―provas‖
irrefutáveis dos seus deslizes administrativos e ideológicos. Pôr sua vez, José Augusto
foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional - LSN, acusado de não coibir os
―excessos‖ de seus auxiliares; ao contrário, ter facilitado-os. Como no caso da SUPRA,
ao permitir que seu diretor, Ariosto Pires Miguéis utilizasse a rádio Difusora Acreana
para ―insuflar‖ os trabalhadores rurais, — geralmente posseiros e seringueiros —, com
questões ligadas a transformações de uso e posse da terra. De permitir que fosse
publicado no Diário Oficial do Estado, o estatuto das Ligas Camponesas, considerada
pelas forças militares como organização de dissensão no campo181. Estes elementos

180
Cf.: Costa Sobrinho (1992).
181
O Estado, nº124, ano VI, pp. 03/04, 19/07/64. Este jornal, de linha conservadora e pertencente a
pessoas ligadas ao PSD, tinha como proprietário José Guiomard Santos. Os redatores eram Omar Sabino,
Augusto Hidalgo, Joaquim Cruz, Chaar Filho e Elóy Abud, personalidades políticas que faziam oposição
ferrenha a José Augusto e que mais tarde, no bipartidarismo, se alojaram na Arena.
93

acusatórios, diante do ordenamento político autoritário que se instaurou, eram por si só


suficientemente graves e ―justificavam‖ as medidas implementadas.
A restrição à liberdade de expressão, como é de praxe nestes casos, atingiu
logo de início a imprensa acreana. Jornais como O Rio Branco e A Tribuna do Povo, —
este último pertencia a pessoas ligadas ao PTB, — passam a sofrer limitações com este
novo quadro político estabelecido pela ditadura. Contudo, outros órgãos de imprensa
acreanos aderiram de imediato ao golpe militar, louvando-o como sendo necessário para
o restabelecimento da ordem, que estava passando naquele momento por uma
momentânea perda de legitimidade. Quase de forma unânime, o golpe militar foi tratado
como uma revolução, que restabeleceu o principio da autoridade, colocado em risco
pelas forças oposicionistas que defendiam ideologias ―socializantes‖.
Esta visão não ocorreu de forma isolada. Na verdade, a grande imprensa
nacional também viu o golpe militar como portador de um conteúdo moralizador e
ordenador, em um ambiente de conflito político latente, que poderia redundar em quebra
da legitimidade e do status quo vigente no país.
Logo após o golpe, noticias veiculadas no Jornal O Estado182 informavam
que o exército tinha realizado prisões e aberto inquéritos policiais contra prováveis
comunistas, entre eles estavam Ariosto Pires Miguéis 183, Hélio Khoury, ambos
membros da equipe administrativa do ex-governador José Augusto e acusados de
realizarem ―atividades comunistas‖ durante o governo do petebista. Entre os
enquadrados também estavam João Moreira de Alencar (vice-presidente das Ligas
Camponesas) e Guilhardo Geraldo Gonçalves, acusados de distribuírem o folhetim João
Boa Morte e o jornal Terra Livre, considerados panfletos de agitação das ―massas
camponesas‖. O próprio jornal afirmava ainda que não podia acrescentar mais detalhes
sobre a referida matéria, o que demonstra a filtragem e controle de informações nos
poucos meios de comunicação que não foram fechados e que tornaram-se subservientes
aos ditames dos caudatários do regime militar.

182
O Estado, nº 116. Ano VI, 26/04/64.

183
Ariosto Miguéis, junto com Hélio Khoury, foi preso quando embarcava em direção a Brasiléia, portava
passaporte e pretendia ir para a Bolívia. Lá, seu contato seria com Eliseo Aguillar (Palomita). Entrevista
realizada pelo autor no dia 14/08/01.
94

O Jornal de Guiomard Santos, alguns dias após o golpe, em matéria


intitulada ―liberdade pela democracia‖, tecia loas ao ―principio de autoridade
restabelecido‖ e ao freio colocado às ―ações corrosivas‖ e às ―agitações‖ que não foram
reprimidas pelo ex-presidente Goulart, tachado pelo referido diário de governante
omisso e reticente. O semanário informava ainda, de um suposto apoio prometido por
Jango à direção local da SUPRA, no sentido de garantir, através do Exército, as
desapropriações de terras para fins de reforma agrária. A referida matéria finalizava nos
seguintes termos: ― parabéns aos chefes do movimento pela legalidade, pela
democracia, restituindo a ordem ao país, combatendo os comunistas que desejavam
implantar em nossa pátria cristã o credo moscovita, e que pretendiam, como os
assalariados de Cuba, subtrair ao povo brasileiro os direitos que ele já conquistou184‖.

Como já foi colocado, estes setores que se denominavam e se assumiam


como forças conservadoras, se expressavam com mais nitidez no meio político, entre os
comerciantes e os seringalistas. Esse conservadorismo era um ato acima de tudo de
oposição a qualquer tipo de mudança, um receio em relação a qualquer alteração do
status quo e da ordem que estava posta, na qual esses grupos se beneficiavam.

O temor agora encontrava uma justificativa para se apoiar: a possibilidade


de ―contaminação‖ da sociedade pela ideologia de cunho socialista, que causava temor
em todos os grupos conservadores. Qualquer proposta mais incisiva de mudança, logo
era vista como sendo tentativas ―esquerdizantes‖ de aproximação com movimentos
comunistas.

O jornal O Estado, em matéria intitulada ―como as coisas mudam!!!‖ 185, faz


um comentário irônico a respeito de como a Rádio Difusora era utilizada antes do golpe
militar. Segundo a matéria, durante o governo de José Augusto, a rádio era usada para
desagregar a população rural e tecer elogios ao governo de João Goulart e Miguel
Arraes, considerados políticos com princípios ideológicos de esquerda e defensores do
comunismo.

O golpe militar, por parte das forças que o implementaram, foi designado
como ―revolução‖ e José Augusto, de vítima, passou a ser réu diante dos golpistas

184
O Estado, ano VI, nº 116, p.01, 26/04/64.
185
Idem, 26/04/64, p.03.
95

locais. Isto está retratado nas páginas d’O Estado186, que afirmava ter José Augusto
trazido para o Acre ―um bom número de comunistas‖. dando à eles polpudos cargos na
administração pública e hospedado-os às custas do erário público. Segundo a tese do
referido Jornal, o ex-governador ao se aliar aos ―comunistas‖, intencionava dar um
golpe e permanecer no governo após o término do seu mandato constitucional. Tendo
inclusive o apoio de Carlos Lacerda e da UDN, que no Acre estava coligada com o
PTB.

Os embates e perseguições políticas eram comumente mostradas nas


páginas da imprensa ―oficial‖, que antenada e subalterna com às ações do executivo,
relatava os casos que considerava mais exemplares. Essas punições chegaram inclusive
para alguns membros do poder judiciário. O caso mais notório aconteceu com Juiz da
comarca de Xapuri, Daniel Israel, colocado em disponibilidade pelo capitão Cerqueira.
Eis o relato da imprensa sobre este caso: ―atendendo inúmeras denuncias contra o juiz
de Xapuri, o governador Edgard Cerqueira enviou para àquela cidade uma Comissão
Especial de Inquérito. A comissão julgou procedentes as denúncias devido ter ouvido
inúmeras pessoas, que assinaram e reconheceram a firma em documentos
comprometedores contra aquele juiz187‖. Este juiz, segundo afirmação altiva do mesmo
semanário, foi a primeira pessoa a sofrer as conseqüências do AI-1 no Estado do Acre.

As perseguições iam desde juiz, deputados até pessoas de ocupações


simples como o marreteiro e ex-seringueiro Estanislau Siqueira 188, preso no 1º Distrito
Policial acusado de ter sido ―flagrado‖ detratando o governador e capitão, Edgard
Cerqueira. Na verdade, e certamente o principal motivo para tal ocorrência policial, era
o fato de Estanislau Siqueira ser ligado ao proscrito Partido Comunista e as Ligas
Camponesas.

Nesta mesma época foi instalado um Inquérito Policial Militar - IPM na 4ª


Cia. de Fronteira do Exército, tendo a frente o coronel Thales da Paz Monteiro. O
referido inquérito tinha como objetivo fazer um levantamento das ―atividades
subversivas‖ que ocorreram até então no Acre. Dentre os Investigados estava Hélio
Khoury, um dos membros mais notórios do governo de José Augusto, acusado de ter

186
―Golpe do Governador José Augusto‖. O Estado, 26/04/64, p.04.
187
―Juiz de Xapuri fora do Acre‖. O Estado, ano VI, nº 120, 14/06/64, p.01.
188
Estanislau Siqueira era ligado ao PC e as Ligas Camponesas de Francisco Julião. ―Comunista recolhido
ao xadrez‖. O Estado, nº 139/ano VI, 14/11/64, p.01.
96

sido enviado ao nordeste189 pelo governador, com financiamento público, para se


atualizar em técnicas de ―agitação‖, além de ter fundado no Acre um núcleo do
Movimento de Cultura Popular - MCP e de possuir obras literárias consideradas
subversivas, apreendidas no ato de sua detenção.

As obras eram: ―Que são Ligas Camponesas‖; ―Como atua o imperialismo


ianque‖; ―Porque os ricos não fazem greve‖; ―Como agem os grupos de pressão‖,
livros que Hélio Khoury tinha conseguido junto a uma universidade carioca e trazidos
para o Acre para divulgá-los. Além de correspondências que Hélio Khoury mantinha
com aludidos comunistas da Bolívia, entre eles Eliseo Aguillar Alvarez, conhecido pelo
codinome de ―Palomita‖.

Em uma dessas cartas, enviadas por ―Palomita‖, o mesmo faz referências


elogiosas a duas pessoas que ele apresenta a Hélio Khoury, por meio da referida carta
apreendida: são os bolivianos Guido Saucedo e Geraldo Giralles 190, que portavam
também outros documentos destinados a Hélio Khoury. Na missiva, Eliseo Aguillar
finaliza dizendo que ―qualquier ayuda que pueda proporcionarle no será estéril, mas
beneficiosa para la marcha de liberacion que hemos emprendido. Le ruego
disculparme, y le pido se digne aceptar los saludos revolucionários de quien lo aprecia
muy deveras191‖. De acordo com informações da imprensa, os referidos documentos
eram relações de seringueiros e colonos, que seriam arregimentados para as hostes das
Ligas Camponesas, entidade da qual Hélio Khoury seria conselheiro. Hélio Khoury
confirma em grande medida os fatos arrolados na imprensa. Mas nega que participasse
ativamente das Ligas Camponesas e segundo ele, Guido Saucedo era membro do
Partido Comunista Boliviano e Geraldo Girales, um dentista prático que trabalhava com
seringueiros. A tal lista, de acordo com sua versão era composta de pessoas que Geraldo
Girales tinha feito atendimento dentário.

189
Em entrevista, Hélio Khoury confirmou que antes de vir para o Acre passou alguns meses em uma
fazenda de maracujá, no Estado de Alagoas. Idem.
190
Em meu trabalho de campo, procurei por estas pessoas nas cidades de Brasiléia (Brasil) e Cobija
(Bolívia), no entanto sem lograr êxito, pois todos já estão falecidos. Segundo informações dos familiares
de Eliseo Aguillar, que moram Cobija, este pertencia ao Partido Comunista Boliviano, tendo inclusive
passado algum período na então URSS.
191
Esta carta, datada de 06/0164, foi enviada para Hélio Khoury aos cuidados de Guido Saucedo e
Geraldo Giralles, também identificados pela imprensa e pelos militares como ligados a atividades
comunistas. ―Agitação e subversão‖. O Estado, nº 124, ano VI, p. 03-04, 19/07/64.
97

Como se pode perceber, o teor das cartas a luz de hoje não contém
elementos que resultassem em ações de tamanha dimensão. Mas levando em
consideração o contexto político nacional e a correlação das forças políticas locais na
luta pelo poder, pela busca de espaços e de influências, qualquer elemento acusatório
que pudesse enfraquecer o inimigo era usado com ênfase e rigor, como ficou
demonstrado, em muitos atos implementados pelos militares e o seus aliados nos
âmbitos dos poderes executivos, legislativos e judiciários. Esta intencionalidade era
clara: quando convenientes, estas medidas eram divulgadas pela imprensa como atitudes
exemplares contra aqueles que procuravam trilhar um caminho diferente daquele
defendido pelas forças conservadoras que se estabeleceram no poder após o golpe
militar.

Outras pessoas também foram investigadas no IPM realizado pela 4ª Cia. do


Exército, dentre elas Lourival Messias do Nascimento, funcionário público federal e
secretário das Ligas camponesas. Ele era o responsável pela publicação do jornal
―Vanguarda‖, que segundo o Exército, seria subversivo por publicar artigos como: ―Os
ricos fazem greves?‖, ―O socialismo é a única maneira de devolver ao Brasil a sua
liberdade‖ e ―Saudações aos estudantes‖. Para o exército, artigos subversivos que
buscavam de forma clara incitar à violência e para completar, foram impressos na
gráfica da Imprensa Oficial, órgão de divulgação estatal. Tudo isso, fazia com que se
traçasse um paralelismo entre estas pessoas incriminadas de ações subversivas e o ex-
governador José Augusto, acusado de ser conivente com os atos destes durante a sua
administração.

Até mesmo o deputado José Akel Fares, presidente da Assembléia


Legislativa e que por força constitucional era vice-governador, sofreu perseguição
política, quando o poder judiciário solicitou à Assembléia Legislativa licença para
processá-lo em face da queixa crime apresentada contra aquele pelo governador Edgard
Cerqueira192, que se sentiu melindrado pôr alguns atos tomados pelo referido deputado.

Em matéria que seguia sua tônica editorial de apoio ao regime militar, o


jornal O Estado, fazendo um balanço destes acontecimentos iniciais, afirmava que a
―revolução‖ não tinha ainda parado e deveria continuar ―na sua marcha vitoriosa,

192
―Licença para processar‖. O Estado, nº 136, ano VII, p. 01. 24/10/64.
98

combatendo corruptos e comunistas (...) pois a obra ainda não foi concluída e aqui no
Acre há ainda muito o que fazer193‖.

Em uma matéria mais incisiva afirmava textualmente nos seguintes termos:

―caminha a revolução democrática de 1º de abril para a fase


que reputamos mais importante no seu processo revitalizador e
moralizador: o julgamento dos criminosos comuns. Sabe o
povo, pelos amplos noticiários da imprensa, dos nomes
daqueles que desmereceram sua confiança. Dos nomes daqueles
que procuraram nos dias negros do desgoverno de João
Goulart, conturbar a nação, levando-a a beira de um abismo
vermelho de sangue, foices e martelos. (...) terá ido a revolução
por água abaixo se a justiça não proceder com rigor. Será o fim
de tudo de bom que em tão boa hora veio revitalizar o país. O
povo espera que a justiça, à maneira dos outros poderes, saiba
cumprir com seu dever revolucionário. Do contrário será o fim.
Restará apenas uma luta aberta. Será melhor, então,
chamarmos de volta os comunistas e ladrões, e acabarmos com
eles no peito e na raça. A bala, porque por bem não terá dado
certo194‖.

Neste relatos percebe-se que havia a intenção de querer um aprofundamento


investigativo e punitivo para todos os envolvidos em denúncias de insubordinação e de
crimes políticos. Para os defensores da ―revolução‖, não bastava somente alijar do poder
seus inimigos. Era necessário silenciá-los, dar uma reprimenda exemplar que os
afastasse de vez com suas idéias e posturas políticas, consideradas um anátema para
uma sociedade ―ordeira, progressista e democrática‖.
É no bojo dessas características mais gerais, que se implanta, no Acre, um
regime de exceção nos moldes do que estava ocorrendo em todo o país. Porém, de

193
―A revolução não parou‖. O Estado, ano VII, nº 137, p. 01. 31/10/64.
194
―Balança aferida‖. O Estado, nº 140, ano VII, p.01. 21/11/64.
99

acordo com Abrahim Farhat Neto195, só vai ocorrer uma repressão mais incisiva quando
o Serviço Nacional de Informação - SNI e a Polícia Federal se instalam no Acre. O
jornal Varadouro, alguns anos depois, em matéria intitulada ―quem são os ‗secretas‘ no
Acre‖, traça mais detalhadamente quem eram e como agiam os órgãos de repressão no
Estado do Acre. Segundo o jornal, atuavam no Estado os seguinte órgãos: SNI, Polícia
Federal - PF, Exército, Polícias Civil e Militar, e Assessorias de Informações de alguns
órgãos federais. Sendo os setores mais visados a Igreja, os Sindicatos Rurais e a
Universidade.196 Exatamente onde as forças de contraposição e resistência procuraram
abrigo e para se organizarem de forma coesa contra o arbítrio estabelecido pelos
militares.
Todos esses componentes, dependendo do viés que se queira analisar,
indicam um feixe inesgotável de caminhos e campos analíticos diferenciados. Como
bem afirma Anderson (1988) com propriedade, os golpes militares foram medidas de
prevenção para colocar freios nos movimentos de esquerda no continente e eliminar a
perspectiva socialista, deter o populismo em suas formas pré-socialistas.
No caso acreano, esses elementos foram usados como subterfúgio para
resolver uma disputa de poder oriunda da fraqueza política dos grupos em luta e
competição, onde nenhum conseguia predominar e imprimir um poder hegemônico
sobre os demais, instalando-se um vazio conciliatório onde foi impossível pactuar a
partir das normais institucionais vigentes.

Como eles não tinham internamente as bases sólidas em torno de uma


hegemonia para suplantar seus adversários, — principalmente porque durante muito
tempo predominou no Acre a política dos acertos clientelistas, — quando surgiu no
horizonte a possibilidade de resolver a questão pela via externa, ela foi utilizada e aceita
sem ressalvas.

O golpe militar veio servir para isso: funcionou como um catalisador, que
abreviou uma disputa entre duas frentes que se mostravam extremamente fragilizadas
no arcabouço institucional implementado pelo Projeto autonomista. Somente o
surgimento de um terceiro elemento — externo e militar—, consegui estabelecer o

195
Abrahim Farhat Neto é militante antigo das lutas populares no Acre. Foi um dos fundadores do Partido
dos Trabalhadores no Acre. Fez parte do 01º Diretório Nacional do PT e foi candidato ao senado nas
eleições de 1982. Entrevistado pelo autor em 28/10/97.
196
Varadouro, ano IV, n.º 21, p.04, dezembro de 1981.
100

diferencial e conformar novamente os interesses contrariados dos setores conservadores


da política acreana. Assim, velhos atores políticos bastantes conhecidos dos acreanos,
passam a atuar numa arena política que passava por transformações; senão radicais, mas
que incutiam incertezas entre eles. Por isso, o golpe militar foi tão louvado e apoiado
pelos opositores de José Augusto, pois se fossem depender de suas próprias forças não
teriam imaginado um cenário como o que se configurou com a deposição do governador
petebista. Um cenário de açodamento exacerbado, onde todos perderam, inclusive a
infante democracia representativa que tardiamente tentava se implantar no Acre. Se
houve alguma vitória, foi de Pirro. Do ponto de vista político-administrativo, logo após
o golpe, o Acre volta a ser governado por dirigentes designados pelo poder central.
Condição semelhante à época do Território, só que agora sob uma ditadura militar. Era
o que se poderia chamar de um novo rótulo em um velho conteúdo.

3.5 – O autoritarismo e a ditadura militar no panorama político brasileiro.

Em se tratando de Brasil, o período em que vigorou a ditadura militar foi de


aproximadamente duas décadas (1964/1985). Com advento da ditadura militar em 1964,
chega ao fim a experiência política comumente denominada de democracia populista,
que teve seu apogeu circunscrito no período entre 1945 e 1964. No Brasil, bem como na
maioria dos países latino-americanos197, foi implantado e instituído um poder político
que tinha como principal objetivo reprimir e acabar com quaisquer tipos de ações
contestatórias vindas da chamada sociedade civil.

De antemão, vale ressaltar que em cada um desses países que passaram por
experiências ditatoriais, estas variaram e adquiriram especificidades próprias em relação
às outras, que aqui não cabe pormenorizá-las por não ser o intento, pois são irrelevantes
no esboço traçado ao longo do trabalho. Mas como característica básica de todas as
ditaduras latino americanas, pode-se afirmar de forma resumida, que elas apresentaram
certos pontos homogêneos entre si: os espaços governamentais que antes eram ocupados

197
Na Argentina, Onganía ascende ao poder em 1966 e após um breve intermezzo peronista, ocorre um
novo golpe militar em 1976 que se alonga até 1983; Na Bolívia Ovando Candiá sobe ao poder em 1969 e
é sucedido por Torres (70/71), Banzer (71/78) e Meza (79/82); No Uruguai o golpe é dado em 1973 e
perdura até 1984; No Chile, em 1973, Allende é derrubado pelo general Pinochet que governa até 1988;
No Paraguai, sobe ao poder Alfredo Stroessner em 1974 e governa até 1989. Cf. Borges (1999).
101

por civis eleitos de forma direta, passaram a dar lugar a sucessivos governos militares,
que durante boa parte das décadas de 60 e posteriores, implementaram uma nova ordem
interna respalda pelo uso arbitrário da força e de expedientes contestáveis do ponto de
vista democrático-institucional.

Para efeito analítico passarei a explicitar resumidamente, algumas


concepções sobre a temática aqui em discussão, procurando situar à luz destes
acontecimentos certos olhares lançados por alguns dos diversos teóricos, acerca do
autoritarismo e de outros procedimentos correlatos. Uma interpretação bastante utilizada
ad hoc é a análise estratégica ou teoria dos jogos, que vê o campo político como uma
arena de conflitos e interesses divergentes, no qual os oponentes buscam sempre
maximizar ganhos e minimizar perdas. Onde o importante na análise é identificar o
porque e interpretar as motivações que levam determinados protagonistas em pugna a
tomarem certas decisões e, se poderiam implementar outras que porventura também as
dispusessem.

É neste sentido que Argelina Chebuib Figueiredo (1993)198 procura analisar


a fragilidade do governo de João Goulart (61/64), frente às disputas políticas que
marcaram seu conturbado e curto mandato encerrado com o golpe militar. Para esta
autora o compromisso democrático no Brasil se esvaneceu frente aos interesses
conflitantes dos atores políticos, que em determinado momento não conseguiram mais
estabelecer o consenso em torno de um ideal: no caso a democracia representativa,
secundarizada pelas chamadas reformas de base. Configurado este quadro, os conflitos
existentes não poderam mais ser dirimidos dentro das normas do aparato institucional
vigente, instaurou-se então, um vazio conciliatório 199 que abriu possibilidades a um
golpe de baixo custo200, em relação ao rompimento das regras institucionais vigentes à
época.

Dentro de uma perspectiva instrumental, a ditadura militar, implantada após


a deposição de João Goulart, teve como foco central à busca de uma estabilização

198
Sobre esta temática ver, entre outros, a interpretação dos seguintes autores: Przeworski (1984); Stepan
(1975); Dreifuss (1981) e Zaverucha (2000).
199
O "vazio conciliatório" surge quando a possibilidade de pactuar deixa de existir entre os atores sociais
em conflito.
200
A idéia de baixo custo refere-se a ação dos setores golpistas das Forças Armadas brasileiras, que
aproveitaram o momento de crise para surgirem como guardiões de uma ordem que estaria em xeque.
Figueiredo (ibidem) afirma que o golpe militar foi tentado em 1961, mas como o vazio conciliatório não
102

conservadora e coercitiva através do aparelho estatal para responder a uma crise de


dominação que a burguesia estava passando naquele momento (Oliveira 1994, p. 28).
Assim, percebe-se o golpe militar como uma resposta que os grupos dominantes usam
para situações congêneres: quando há possibilidade da perda de hegemonia e se
porventura a democracia necessite ser suprimida para conformar certos arranjos, esta se
torna desnecessária.

Além do mais, setores das Forças Armadas com suas tendências


conservadoras e direitistas tinham um projeto de reorganização da sociedade e de
modernização do Estado brasileiro através de fortes vínculos com o sistema capitalista
internacional. Complementando esta interpretação, existiam ainda os fatores de ordem
exógena, que Francisco Weffort (1989) ressalta ao observar que a ditadura militar foi
também, no princípio, uma reação a possibilidade de implantação do projeto histórico
que os movimentos populares e revolucionários de inspiração socialista, propuseram aos
países da América Latina nos anos 60/70. Consubstanciados pela bipolaridade da
―guerra fria‖ entre URSS e EUA, ambos países com seus projetos hegemônicos que se
estendiam em escala global.

O advento e consolidação das ditaduras militares foi, nessa época, uma


marca constante não só nos países do chamado Terceiro Mundo, mas inclusive em
alguns países europeus, — Grécia, Espanha e Portugal especificamente. Sobre esses
países, Nicos Poulantzas (1976) desenvolve uma análise sobre aquilo que ele designou
de ―Estados de exceção‖, marcados por algumas similaridades: violação do regime
jurídico; os partidos políticos são suprimidos ou condicionados; o princípio do sufrágio
universal é suprimido ou aceito com certas restrições; há um deslocamento do papel
dominante do aparelho de Estado para o aparelho repressivo – força se sobrepõe ao
consenso; reforço do centralismo burocrático no âmbito executivo; adoção da hierarquia
e recuperação dos centros de poder real do Estado (Idem, pp.72/73).
Com a implantação da ditadura militar reduz-se a participação formal das
oposições partidárias, o voto se torna restrito e há um crescente reforço do poder
executivo. Genericamente isto vai caracterizar os procedimentos do Estado autoritário,
denominado por Poulantzas (1981) de estatismo autoritário. Ou seja, o Estado passa a

estava instalado a saída foi a adoção momentânea do parlamentarismo.


103

ter o controle do conjunto da vida econômico-social, articulado com o declínio e o


esgarçamento das instituições da democracia representativa.
Estas concepções são abonadas por Fernando H. Cardoso (1975), quando
ele comenta as características do modelo político, burocrático e repressivo implantado
pelos militares no Brasil pós 64. Cardoso (Ibidem) 201 explicita pontos semelhantes
àqueles já alencados por Poulantzas e afirma que esse modelo possibilitou uma
reorganização do aparelho de Estado ao liquidar o sistema partidário 202 e incorporar, no
seu interior, o processo político sob novas condições, assumindo a forma burocrático-
autoritária e tendo dois eixos não excludentes: um tecnocrático e outro militar.
Isso possibilitou a ocorrência de uma centralização crescente do poder
político, com preponderância do executivo sobre o judiciário e o legislativo;
convivência entre a ordem jurídica e o arbítrio corporificado no interior do aparelho de
Estado; censura à liberdade de imprensa e condicionamento da cultura à aprovação
prévia do Estado. Para resumir, um regime de liberdades restritas e prescritas, cujas
arbitrariedades se tornaram rotineiras (Idem, p. 188).
Ao abordar o fenômeno do autoritarismo, Adam Przeworski (1989), afirma
que a principal característica de todos os regimes autoritários, ―qualquer que seja a
combinação de induções e limitações que utilizem, é a de que não toleram, nem podem
tolerar, organizações independentes. Pois o que ameaça os regimes autoritários não é
a quebra da legitimidade, mas a organização da contra-hegemonia‖ (Idem, p. 23). Isso
porque, logo após o rompimento com a ordem vigente, os regimes autoritários também
procuram tornar suas ações legitimas, construindo expedientes jurídicos e
constitucionais que dêem base para o uso da força, como por exemplo: lei de segurança
nacional, estado de sítio, decretos extemporâneos e medidas provisórias. Estes
instrumentos servindo como forma de neutralizar e impedir a ascensão de quaisquer
forças opositoras e questionadoras; ou senão, mantê-las sob controle contínuo.
No caso brasileiro, alguns intelectuais irão falar da ocorrência de uma crise
de hegemonia no bloco de poder203, que possibilitou a ruptura com os pactos existentes
e as regras democráticas consensualmente aceitas, abrindo espaço no seio das elites para

201
Embora a obra de Poulantzas (1976) tenha sido lançada no Brasil posterior a de Cardoso (1975), a obra
do primeiro era conhecida na França, onde Cardoso se auto-exilou, desde a segunda metade dos anos 60.
202
No Brasil o pluripartidarismo foi extinto por força do AI-2 em 27/10/65.
203
Para Poulantzas (1977), o bloco de poder constitui uma unidade contraditória de classes politicamente
dominantes, que se efetiva sobre a égide da sua fração hegemônica na sua relação com uma forma
104

a adoção do autoritarismo como elemento regulador do cotidiano e o uso da força como


fundamento de estabilização da ordem política 204.
Por outro lado, ao se explicitarem as ações dos grupos sociais e políticos
que estavam em luta, eles refletem a condensação de um passado. Essas mesmas forças
em oposição, também planejavam construir um futuro que desejariam prever e
antecipar. Ao mesmo tempo, retratam uma luta que busca construir uma possível
hegemonia — que não deixa de estar atravessada por contradições, relações de poder
diferenciadas e resistências entre os diversos atores sociais. Com isto, as estratégias e
projetos entram em choque e não se chega a um denominador comum devido o
aparecimento de um vazio conciliatório, determinando a quebra daquilo que Bobbio
(1986) chama de ―regras do jogo‖.
Posteriormente, se estabelece um grau baixíssimo de reconhecimento legal
— por parte dos indivíduos e grupos afetados negativamente — frente a nova ordem
estabelecida. A estabilização resultante, baseada no arbítrio e na força, necessariamente
leva ao estabelecimento de um clima de incertezas e receios, fazendo com que a
antecipação e o conhecimento prévio dos passos do ―inimigo‖, seja uma procura
incessante dos grupos em luta, cada um visando alicerçar uma pretensa hegemonia. Isto
leva a uma crescente belicização da política, como afirmaria Clausewitz 205.

particular de Estado capitalista.


204
Fiori, ibidem, (1995, p. 14).
205
Karl Von Clausewitz (1780-1831), militar e escritor prussiano. É considerado o grande teórico da estratégia militar
moderna. Escreveu a obra Da guerra.
105

CONSIDERAÇÕES FINAIS

―Onde existe poder, existe resistência‖.


Michel Foucault.

Neste balanço final do trabalho, ressalto antecipadamente que este opúsculo


contém erros e acertos, reconhecidos e de inteira responsabilidade deste autor.
Considero que de modo deliberado, muitos outros aspectos importantes foram deixados
de fora desta exposição. Pois o intento foi enfocar de maneira mais incisiva questões em
torno da disputa política das frações de grupos dirigentes em luta pelo poder no Acre,
dando ênfase na forma como se estabeleceram e que contornos adquiriram as práticas
políticas no executivo acreano durante o momento que vai da unificação departamental
até a deposição do governador José Augusto de Araújo.

Por isso, procurei nesta modesta dissertação levantar algumas questões


relativas às preocupações e indagações que nortearam a construção e consecução do
referido trabalho. Pautei-me principalmente descrevendo e analisando, a partir de certos
referenciais, elementos que foram colhidos através de entrevistas, leituras de jornais
antigos, depoimentos e trabalhos acadêmicos. Ao fazer estas considerações prévias,
reconheço que há necessidade de um aprofundamento analítico maior sobre esta
temática abordada, inclusive com novos olhares e significados de outros trabalhos que
venham somar ou contrapor o que aqui acabei de explicitar.

Porém, considero o que aqui foi modestamente apresentado nestas páginas


configura-se em subsídios extremamente estimulantes para se pensar novas abordagens
e, talvez seja, o ponto de partida para uma elaboração teórica mais acurada sobre
eventos e práticas tão singulares, e ao mesmo tempo marcantes na história política e
social do Acre. Singular, porque todo acontecimento por definição é único.

Por sua vez, tornam-se instigantes e adquirem significâncias porque podem


ser pensados em suas múltiplas dimensões através de recortes e dos distintos caminhos
escolhidos.

Como me centrei em discutir a questão da presença do componente


autoritário na política acreana, realcei que este traço se expressava ainda, senão pelos
seus atributos clássicos, através das deficiências do seu oposto — ou seja, a democracia.
106

Isto se evidenciava de forma incisiva como algo constante nos atos das autoridades
públicas durante este período abordado, que na sua totalidade eram indicações externas.
E como é sabido, quanto maior um poder, mais perigoso é o seu abuso.

Não haviam eleições livres e limpas; o sufrágio era limitado; o direito de


competir pelos cargos públicos era rarefeito, já que a maioria do corpo burocrático do
Estado era preenchido por indicações políticas. Havia ainda pouca liberdade de
expressão e inexistência de órgãos de informações alternativas ou livre das injunções do
poder estabelecido, já que a imprensa sempre esteve aliada aos grupos políticos, herança
que perdura claramente nos dias atuais. Havia ainda, pouca liberdade de associação
classista dos grupos subalternos ou, para usar uma expressão de Gramsci, ―dos
debaixo‖.

Os próprios movimentos organizados — notadamente os autonomistas —


aconteceram de forma bastante restritiva e elitista, conduzidos e feitos por setores
reduzidos e estabelecidos de alguma forma nas estruturas de poder, seja econômico ou
político, que por sua vez se caracterizavam por serem fechados em torno de uma
pequena clientela. Traçado este quadro, pareciam ser incapazes de se universalizarem,
de se democratizarem e absorverem demandas dos setores majoritários que se
encontravam alijados deste quadro como sujeitos ativos. Era uma sociedade cindida em
uma ampla base destituída de tudo e no vértice, uma espécie de aristocracia que tutelava
e conduzia ao seu modo o chamado ―interesses público‖, geralmente conjugado com os
particulares.

Nesse processo de continuísmos erráticos e tortuosos, a formação do Acre


enquanto unidade federativa e brasileira, dificultou e inibiu uma tradição democrático-
representativa de linhagem universalista. Sempre predominou a cooptação, a regulação
da cidadania em uma cultura política impregnada de procedimentos autoritários,
clientelistas e troca de favores como forma de se sobressaírem de situações adversas ou,
para reforçar determinadas práticas.

Os governantes indicados para governar o Acre tinham suas lealdades e


fidelidades orientadas para o governo central, que controlava essas pequenas confrarias
rotineiras de poder, onde esses homens ora eram prefeitos, em outras eram governadores
e terminavam geralmente como deputados ou senadores na dolce vita da capital da
107

República. Estas práticas têm forte semelhança com algumas questões analisadas por
Schwartzman (1982), quando ele aborda a mesma temática em âmbito nacional e afirma
que esses mandatos executivos eram espécies de degraus que os homens públicos
compartilhavam e que não dependiam, no caso do executivo, acreano, de ―bases locais
de sustentação para subsistir e se firmar‖ (idem, p. 106).

O golpe militar ocorrido em 1964, contribuiu em muito para dar


continuidade a uma série de processos oriundo do período territorial, que a breve e
fugaz experiência eleitoral e administrativa iniciada dois anos antes não conseguiu
interromper, e nem poderia pelos fatos alencados no último capítulo deste trabalho. O
Estado que emergiu dos estertores do Território trouxe e conservou em seu bojo, essa
tradição política cultivada e arraigada desde a integração ao território nacional, tradição
esta que se espraiava por todos alicerces da máquina pública. Se antes havia um
autoritarismo mais fluído, com o golpe militar ele se exacerba e mostra-se em sua
plenitude. Já o clientelismo e o personalismo presentes na política acreana e brasileira,
parecem ser uma constante que acompanha todos nós há muito tempo, tornando-se
―naturalizados‖ e aceitos por muitos.

Com a elevação do Acre a Estado, a idéia era que ele passasse de objeto a
sujeito — ou de tutelado a autônomo — construtor da sua própria história. Ao adquirir a
ansiada autonomia, se pensara que o filho problemático e enjeitado da nação ganharia
liberdade. Foi uma breve liberdade interrompida pelo golpe militar, que novamente lhe
outorgou governos indicados. Gerou-se, de fato, como bem afirmou o pensador Karl
Marx, ―uma sociedade atormentada pelos vivos e pelos mortos, presa de um passado
que não se consome, porque continua‖ (in Nogueira, 1998, p. 12). Parecer haver um
encadeamento não linear de coisas que emergem hora ou outra, colocando sempre
diante de todos velhos problemas que parecem recentes, porque ressurgem geralmente
com uma nova roupagem e adquirem o caráter de novidade.

Em certo sentido, procurei neste trabalho de análise política, levantar alguns


pontos sobre certas características de cunho estrutural e conjuntural da formação do
poder autoritário e personalista no Acre, demonstrando como este sistema político-
administrativo perdurou durante tanto tempo. Abordando ainda as disputas, negociatas,
composições e polarizações ocorridas dentro deste sistema político que acabei de
enfocar.
108

Como é sabido, a própria inserção do Acre como parte integrante da nação


brasileira se deu através de conflitos abertos, onde o uso da força se sobrepôs ao
consenso. Foi herdado e legado um forte viés autoritário, que permeou as estruturas de
mando e os centros de poder e que acabou sendo o signo maior dos atos implementados
pelos mandatários locais. Essas práticas ocorreram tanto no espaço dos Departamentos,
Intendências e Prefeituras no período pré anos vinte; como também no Território
unificado, onde me debrucei de maneira mais acurada. Junto a estes procedimentos de
autoridade exacerbada, surgiram suas congêneres políticas: práticas personalistas,
corporativistas e clientelistas que visavam garantir e manter certos procedimentos,
declinando e impedindo o florescimento de ações democráticas no seio do poder público
e também da ―sociedade acreana‖.

Durante todas suas trajetórias política, — Brasil e Acre — houve esta marca
que imprimiu de maneira indelével um rosto pouco julgado, geralmente visto como
glorioso, ufanizante e aceitável pelo orgulho que pretensamente causa a todos. De
sermos diferentes e, em grande medida, melhores que o ―outro‖.

De uma maneira geral, talvez isso tenha ocorrido porque é comum não
olharmos de maneira crítica para nossas imperfeições, preferimos sempre ver no outro
aquilo que negamos e discordamos. Somos narcisistas, inclusive no campo da história,
com datas comemorativas, heróis e passados gloriosos. Ao falar isto, não quero e nem
pretendo silenciar estes eventos e personagens, mas ter a possibilidade de questioná-los.

Metaforicamente, nas análises historiográficas tradicionais é isso que


ocorre: procura-se glorificar e realçar aspectos formadores de uma identidade
uniformizante, de uma história homogênea e pasteurizada pelos grupos majoritários e
pôr intelectuais compromissados com o status quo. Para se contrapor a isso, é
necessário olhar da periferia para o centro, debaixo para cima, da planície para a
montanha, fazendo o caminho inverso que sempre predominou e ainda predomina em
muitas análises sociais. E aqui, não estou querendo estabelecer um debate entre
―verdade‖ e ―falsidade‖ mas, que outras perspectivas analíticas possam surgir e revisitar
determinados processos históricos.

A este respeito, o filósofo alemão Nietzsche, tem um aforismo que se


enquadra no que estou falando. Textualmente ele afirma que, daquilo que nós julgamos
109

conhecer e amar, é preciso que nos afastemos pelo menos uma vez na vida, pois ―é
somente ao sairmos da cidade que veremos a que altura se elevam suas torres‖. Ou seja,
procurar ver estas novas perspectivas nos incute a necessidade de movimentar-se, não se
engessar, inclusive nos julgamentos e nas leituras que fazemos dos outros e de nós
mesmos.

Em época de comemoração de centenários acreanos é preciso repensar se


fomos e somos aquilo que achamos ser. Questionarmos primeiramente a nós mesmo é
um exercício que somente nos fará bem, pois alimenta o debate onde existe a harmonia
silenciosa.
110

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delimitação pelas respectivas origens‖. In Arno WEHLING. A invenção da história. Rio
de Janeiro. Gama Filho.
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ZAVERUCHA, Jorge. (2000), Frágil democracia: Collor, Itamar, FHC e os militares.
Rio de Janeiro. Civilização Brasileira.
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b) Bibliografia regional

AGUIAR, José Wilson. (1998), Evolução histórica da Polícia Militar do Acre:


antecedentes históricos e assunção dos comandantes. Rio Branco. mimeo
BARROS, Glimedes Rêgo. (1981), A presença do capitão Rêgo Barros no Alto Juruá
(1912-1915). Brasília. Centro Gráfico do Senado Federal.
BEZERRA, Maria José (coord.). (1992), Dossiê - Acervo: Guiomard Santos (Acre) -
Elevação do Acre à Estado. Rio Branco. Gráfica Globo.
CALIXTO, Valdir de Oliveira, SOUZA, Josué Fernandes de & SOUZA, José Dourado
de. (1985), O Acre: uma História em construção. Rio Branco. S.ed.
________, Valdir de Oliveira [org.]. (1997), ―Levantamento preliminar da história
político-administrativa do Estado do Acre e município de Rio Branco‖. Relatório final -
CDIH/UFAC. mimeo
CRAVEIRO COSTA, João. (1974), A conquista do deserto ocidental. 2ª edição. São
Paulo. Companhia editora nacional.
COSTA, Homero de Oliveira. (1992), ―Os partidos políticos no Acre (1945-1978)‖. In
Cadernos da UFAC, série A - Estudos Sociais. Rio Branco. Gráfica Tico-tico.
COSTA, Manoel Freire da. (1998), A elevação do Território do Acre a condição de
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Rio Branco. mimeo
COSTA SOBRINHO, Pedro Vicente. (1992), Capital e trabalho na Amazônia
ocidental: Contribuição à história social e das lutas sindicais no Acre. Rio Branco -
AC/São Paulo. Cortez Editora.
CUNHA, Euclides da. (1998), Um paraíso perdido. Rio Branco. Fundação Cultural do
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extrativista. Tese de doutorado. Departamento de Geografia/UFRJ. mimeo
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Officinas Gráphicas da Papelaria Velho Lino.
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MARTINELLO, Pedro. (1988), A batalha da borracha na Segunda Guerra mundial e


suas conseqüências para o vale amazônico. Rio Branco. Cadernos da UFAC 01, série
estudos e pesquisas.
MEIRA, Alfredo. (1998), Autonomia acreana. Rio Branco. Fundação Cultural do
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MENDES, Francisco C. Nogueira. (1996), Governo de José Augusto: Amor ao povo ou
paixão pelo poder? Monografia. Rio Branco - Acre. DFCS/UFAC. mimeo
OLIVEIRA, Edir Figueira Marques de. (2000), Educação básica no Acre, 1962-1983:
imposição política ou pressão social? Rio Branco. EFM Oliveira.
SEPLAN/DGE. (1971), Conheça o Acre e sua História. VII edição. Rio Branco.
Governo do Estado do Acre.
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SOUZA, Márcio. (1994), Breve história da Amazônia. São Paulo. Marco Zero.
SOUZA, Sérgio Roberto Gomes de. (2002), Fábulas da modernidade: a utopia
modernista de Hugo Carneiro; 1927/1930. Dissertação de Mestrado. Recife-PE.
UFPE/CFCH. mimeo
TOCANTINS, Leandro. (1979), Formação histórica do Acre. Volume I. 3ª edição. Rio
de Janeiro. Civilização brasileira.
_________, Leandro. (1998), Estado do Acre. Rio Branco. Fundação Cultural do Estado
do Acre.

c) Periódicos/Revistas/Relatórios/vídeos

REVISTA DA POLÍCIA MILITAR DO ACRE, nº 01, agosto de 1996;


GOVERNO DO ESTADO DO ACRE. (1999), Galvez e a República do Acre. Rio
Branco. Fundação Elias Mansour;
GOVERNO DO TERRITÓRIO DO ACRE. (1930), Relatório apresentado a
Augusto Vianna do Castello (Ministro da Justiça e negócios Interiores) por Hugo
Ribeiro Carneiro. Período: 01/1928 - 10/1930. Rio Branco. mimeo;
116

PREFEITURA MUNICIPAL DE CRUZEIRO DO SUL/UFAC. (1994), A cidade de


Cruzeiro do Sul. Rio Branco. Gráfica Estrela;
POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO ACRE: HISTÓRIA E AÇÃO. Vídeo VHS.
1997.

d) Jornais

 Folha Official;
 O Juruanse;
 O Varadouro;
 O Acre;
 Tribuna do Povo;
 O Rio Branco;
 O Liberal;
 O Estado;
 O Rebate;
 O Juruá;
 O Norte;
 Folha do Acre;
 A Capital;
 Diário do Rio;
 Diário Official;
 Estado do Acre;
 A Gazeta do Purús;
 Jornal do Povo.

c) Entrevistados

 Ariosto Pires Miguéis;


 Abrahim Farhat Neto;
 Eloy Abud;
 Hélio Khoury.
117

d) Acervos consultados

 Biblioteca Pública Estadual (Rio Branco);


 Museu da Borracha (Rio Branco);
 Instituto Lígia Hammes (Rio Branco);
 Arquivo Geral do Estado do Acre (Rio Branco);
 CDIH/UFAC (Rio Branco);
 Assessoria de Comunicação da PMAC;
 Biblioteca dom José Hascher (Cruzeiro do Sul);
 Biblioteca padre Trindade (Cruzeiro do Sul);
 Biblioteca da Assembléia Legislativa do Estado do Acre;
 Biblioteca do Tribunal de Justiça do Estado do Acre;
 Associação Comercial do Alto Juruá – ACAJ (Cruzeiro do Sul);
 Biblioteca Nacional (RJ).
118

APÊNDICES
Tabela I – Governadores nomeados – 1ª fase (1921/1930)
Nome Função Formação/ocupação Nascimento Período206 Tempo de governo

Epaminondas Jácome207 GE médico-militar RN 01º-01-21/13-11-22 39 meses e 03 dias


Major Manoel Duarte de Menezes GS militar/cmdte.FPTA/1º vice-gov. BA 26-05-22/23-06-22 28 dias
Francisco de Oliveira Conde GS jurista * 23-06-22/13-11-22 04 meses e 21 dias
Major João Câncio Fernandes208 GS militar RN 13-11-23/17-02-23 02 mês e29 dias
Major Ramiro Guerreiro GS militar/Intendente da capital * 12-02-23/17-02-23 05 dias
José T. da Cunha Vasconselos GE jurista PE 17-02-23/19-05-26 39 meses e 02 dias
Cel. Antônio Ferreira Brasil GS militar/Intendente da capital * 19-05-26/22-05-26 03 dias
Major João Câncio Fernandes GS militar/1º vice-governador RN 22-05-26/26-07-26 02 meses e 04 dias
Alberto Augusto Oliveira Diniz209 GE desembargador MG 26-07-26/16-12-26 04 meses e 20 dias
Major João Câncio Fernandes GS militar/2º vice-gov. RN 16-12-26/06-01-27 21 dias
Cel. Laudelino Benigno GS militar/advogado/1º vice-gov. CE 06-01-27/15-06-27 05 meses e 10 dias
Hugo Ribeiro Carneiro GE advogado/engenheiro PA 15-06-27/03-07-30 36 meses e 18 dias
Major João Câncio Fernandes GS militar RN 03-07-30/29-10-30 03 meses e 26 dias
José Martins de Souza Ramos GP desembargador * 29-10-30/08-12-30 02 meses e 09 dias
Fonte: jornais O Acre, O Norte, Folha do Acre e A Capital. Calixto (1997).
Legendas: GE-Governador Efetivo; GS-Governador Substituto; GP-Governador Provisório
* dados não encontrados

206
O período refere-se a data que cada governante assumiu e deixou efetivamente o governo, pois antes disso existia a nomeação pelo presidente da república e em
seguida a posse se dava no Ministério da Justiça em Negócios Interiores, só após estes dois atos é que a viagem para o Acre era empreendida.
207
No período de 26/05/22 à 23/06/22, realizou viagem ao Alto Juruá via Manaus e foi substituído por Duarte de Menezes. Posteriormente, pediu licença do cargo e
empreendeu uma viagem à capital federal que se estendeu até o fim do seu mandato, neste período foi substituído por Oliveira Conde.
208
Foi presidente do Tribunal de Apellação em Sena Madureira (Alto Purus) em 1908.
209
No dia 16/12/26 parte para o Rio de Janeiro no intuito de buscar sua família. Chegando a capital federal pede renúncia do cargo, que não é aceita pelo ministro da
justiça. Sua volta ao Acre estava programada para junho de 1927, mas em 08/03/27 pede novamente renúncia do cargo em caráter irrevogável, desta vez aceita. (Folha
do Acre, nº 563, 14/03/27).
119

Tabela II – Interventores Federais – (1930/1937)


Nome Formação/ocupação Nascimento Período TEMPO DE GOVERNO
Francisco de Paula Assis Vasconcelos Advogado PE 08/12/30 – 21/09/34 45 meses e 14 dias
José M. B. Castelo Branco Sobrinho Magistrado RN 21/09/34 – 11/02/35 04 meses e 21 dias
João Felipe Sabóia Ribeiro Médico * 11/02/35 – 14/04/35 02 meses e 03 dias
Manoel Martiniano Prado210 bancário (BCESP) SP 14/04/35 – 11/02/37 21 meses e 28 dias
Manoel Quintino Bezerra de Araújo211 * * 11/02/37 - 15/03/37 01 mês e 03 dias
Fonte: jornais O Acre.
* dados não encontrados

TABELA III – ETAPAS DA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DO TERRITÓRIO ACRE (1904-1920)


Organizações Data Decreto nº Presidente Conteúdo
1ª 07/04/04 5188 Rodrigues Alves Criou os três Departamentos administrativos
2ª 26/03/08 6901 Afonso Pena Criação do 1º Tribunal de Apellação e da seção da Justiça Federal em Sena
Madureira
3ª 23/10/12 9831 Hermes da Fonseca Criação do quarto Departamento (Alto Tarauacá), da figura dos Intendentes
Municipais e dos municípios.
4ª 28/02/17 13405 Wenceslau Brás Criação do Tribunal de Apellação em Rio Branco com jurisdição em todo
Território e organização judiciária
5ª 04/10/20 14383 Wenceslau Brás Unificação dos Departamentos e centralização do poder
Fonte: Craveiro Costa (1974).

Tabela IV – Evolução da população acreana (em mil hab.)


1920 1926 1940 % 1950 % 1960 % 1970 % 1980 % 1991 % 2000 %
Rural — — 65.631 82,28 93.483 81,46 126.210 78,77 155.992 72,45 169.134 56,07 159.198 38,11 187.541 33,65
Urban — — 14.137 17,72 21.272 18,54 33.998 21,23 59.307 27,55 132.169 43,93 258.520 61,89 369.796 66,35
a
Total 92.379 106.374 79.768 100 114.755 100 160.208 100 215.299 100 301.303 100 417.718 100 557.337 100
Fonte: IBGE (1980); IBGE (2001); Gonçalves (1998); O Acre, nº 1484, 26/03/61.

210
Pediu exoneração do cargo devido a demissão do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Vicente Rao; seu amigo particular.
211
Era secretário-geral de Martiniano Prado.
120

Tabela V – Governadores nomeados – 2ª fase (1937/1962)


Nome Partido função Formação/ocupação Natural Período Tempo de governo
Epaminondas de Oliveira Martins PP GE médico BA 15/03/37 – 21/08/41 52 meses e 06 dias
Oscar Passos212 PTB# GE militar/capitão RS 21/08/41 – 22/08/42 12 meses e 01 dia
Francisco de Oliveira Conde PTB# GS jurista * 22/08/42 – 25/10/42 02 meses e 03 dias
Luis Silvestre Gomes Coelho PTB GE militar/coronel CE 25/10/42 – 14/02/46 39 meses e 20 dias
José Guiomard Santos PSD GE militar/major MG 14/02/46 – 01/06/50 52 meses e 17 dias
Raimundo Pinheiro Filho PSD GS militar/ten.-coronel MA 01º/07/50 – 31/01/51 05 meses e 30 dias
Edson Stanilaw Afonso PSD GS médico AM 31/01/51 – 25/04/51 02 meses e 25 dias
Amilcar Dutra de Menezes PSD GE militar/ten.-coronel RJ 25/04/51 – 04/01/52 08 meses e 10 dias
Dehork de Paula Gonçalves213 PSD GS militar/major AM 04/01/52 – 29/01/52 25 dias
João Kubitschek de Figueiredo214 PSD GE engenheiro-civil MG 29/01/52 – 25/05/53 15 meses e 26 dias
Abel Pinheiro Maciel Filho215 PSD GE médico CE 25/05/53 – 14/09/54 15 meses e 20 dias
Francisco de Oliveira Conde PTB GS jurista * 14/09/54 – 27/03/55 05 meses e 22 dias
Paulo Francisco Torres216 - GE militar/coronel/adv. RJ 27/03/55 – 11/04/56 13 meses e 09 dias
Adilar dos Santos Teixeira * GS militar * 11/04/56 – 06/05/56 25 dias
Valério Caldas Magalhães PSD GE agrônomo RR217 06/05/56 – 02/07/58 25 meses e 26 dias
Manoel Fontenele de Castro218 PSD GE tenente-coronel CE 02/07/58 – 28/03/61 32 meses e 26 dias
Jorge Félix Lavocat219 PSD GS advogado * 28/03/61 – 13/04/61 16 dias
Altino Machado PTB GE advogado SP 13/04/61 – 25/08/61 04 meses e 12 dias
Fernando Paulo Pessoa de Andrade * GS * CE 25/08/61 – 04/09/61 11 dias
Oswaldo Pinheiro de Lima * GS * AC 04/09/61 – 29/10/61 01 mês e 25 dias
José Ruy da Silveira Lino PTB GE agrônomo AC 29/10/61 – 06/07/62 08 meses e 23 dias
Aníbal Miranda Ferreira da Silva220 PTB GP agrônomo AM 06/07/62 – 01º/03/63 07 meses e 24 dias
Fonte: jornais O Acre; SEPLAN/DGE (1971); * Dados não encontrados; # A filiação partidária de ambos ocorre somente em 1949, quando o PTB é fundado.

212
Afastou-se do governo para assumir a direção do Banco de Crédito da Borracha – BCB.
213
Era secretário geral do governador Amílcar Menezes e irmão do deputado federal Joaquim de Paula Gonçalves (AM).
214
Irmão de Juscelino Kubitschek, foi diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP, no Rio de Janeiro, até 1945.
215
Embora ligado ao PSD, foi indicado para o cargo após Getúlio Vargas ter vetado os nomes indicados por Oscar Passos e Guiomard Santos. No dia da posse se declarou apolítico.
216
Como militar, participou da campanha da FEB na Itália.
217
O atual Estado de Roraima chamava-se à época Território do Rio Branco.
218
Entre 02/07/58 e 10/11/58 foi governador substituto, posteriormente foi efetivado no cargo.
219
Ex-prefeito de Rio Branco e ex-presidente da Associação Comercial do Acre.
220
Exerceu o mandato em caráter provisório até a promulgação da Constituição estadual e da posse do novo governador. Nas eleições de 1963, foi eleito prefeito de Rio Branco .
ANEXOS

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