O retrato do rei Era uma vez, um rei muito rico e poderoso, que se achava muito bonito. Na realidade, ele até tinha uma bela altura e um porte majestoso, mas o seu nariz... O seu nariz era um horror! Imenso, torto, vermelho, enrugado e, ainda por cima, tinha bem na ponta duas imensas verrugas com trés fios de cabelo em cada uma! No entanto, como ninguém tem a coragem de dizer verdades desagradaveis aos muito poderosos, [4 ia ele sentindo-se muito lindo, sem que ninguém ousasse dizer o contrario. Um dia, préximo ao aniversario da rainha, sua mae, ele reuniu os seus ministros e disse-lhes: — Que melhor presente poderia eu dar a rainha do que um retrato meu, pintado pelo melhor pintor do reino? Pois quem nao gostaria de ter pendurada em sua parede a imagem de um homem bonito como eu?! Os ministros se entreolharam preocupados que ele pudesse ler seus pensamentos, mas responderam em coro e bem alto: — Que bela ideia, majestade! Colossal! Supimpa! Fantastico! — E sairam correndo, contendo o riso, a procura de um homem que realizasse o trabalho. Ordenaram, entdo, a trés servigais do castelo que procurassem o melhor pintor que existisse para pintar tao majestosa tela. Os servos partiram e voltaram alguns dias depois, trazendo um pintor de uma cidade vizinha, que era muito conhecido. Ele era tao conhecido, que suas telas eram faladas por mais de vinte léguas. Tinha fama de pintar quadros tao perfeitos, que pareciam verdadeiros. O pintor chegou todo orgulhoso com o convite e pds-se a pintar com entusiasmo. Pintou o rei, tao parecido com o rei, que todos ficaram admirados! Todos, menos 0 rei, que ficou foi uma flria e gritava: — Como? Como pode alguém pintar meu belo rosto com um nariz torto, vermelho, enrugado e, ainda por cima, tendo bem na ponta duas imensas verrugas com trés fios de cabelo em cada uma? Scanned with CamScannerEle ficou téo furioso, mas tao furioso, que ordenou que aquele pintor fosse Mmandado para fora do reino imediatamente. Os ministros, um pouco aflitos, foram novamente pedir ajuda aos servos dizendo que aquele pintor nao tinha dado muito certo nao, que eles arrumassem outro. Eles novamente partiram, mas desta vez demoraram muitos dias, porque foram de navio a uma terra bem distante buscar um pintor que sabia fazer retratos lindos! Por mais horrorosa que fosse a pessoa que para ele posasse, ele sempre dava um jeito de embeleza-la. O rapaz chegou satisfeito com o convite, porém muito preocupado, pois sabia © que tinha acontecido ao primeiro pintor. O que ele nao sabia era o que fazer. Por fim, resolveu pintar 0 rei com um belo rosto de nariz arrebitado. Mas sua preocupagao era tanta, que acabou por tomar, como modelo, um jovem pajem da corte muito bonito. Quando 0 rei se viu retratado com 0 rosto de outra pessoa, olha... ele nao ficou furioso nao... ele ficou furibundo! Ele ja nao gritava, ele urrava: — Como?! Como pode alguém pintar meu belo majestoso corpo com o rosto de outra pessoa?! Ele ficou tao furibundo, mas tao furibundo, que ordenou que aquele pintor fosse preso imediatamente. Os ministros, a esta altura aflitissimos, foram novamente pedir ajuda aos servos, mas suplicaram que desta vez eles fossem bem cuidadosos na escolha, pois temiam que, dentro em breve, nao existisse mais nenhum pintor no reino. Estranhamente, logo desta vez, eles nao demoraram nadinha. Voltaram rapidinho trazendo um rapaz ali mesmo da aldeia, que estava comecando a criar fama, nao sé por suas telas belas e interessantes, como também por ter o dom de agradar a todos que para ele posavam. Nunca ninguém ficara desapontado com o resultado do seu trabalho. S6 que o jovem pintor nado chegou nem um pouquinho satisfeito com o convite, nao. Chegou foi apavoradérrimo, pois sabia o que havia acontecido aos outros dois pintores. Nao via saida. Se pintasse o rei tal qual ele era, seria certamente enforcado, e se o pintasse tentando embeleza-lo, nao teria melhor sorte. Seria fatalmente punido. Scanned with CamScannerPensou algum tempo, fingindo arrumar os pincéis, as telas, as tintas e, depois, disfargando o pavor com um largo sorriso e uma imensa delicadeza, chegou até o rei e disse-lhe: — Majestade, muito tenho ouvido falar de suas proezas como grande cacador. Suas aventuras e peripécias sao faladas por todo o reino. Sua pontaria infalivel é invejada por todos os reis e soberanos que dela ja ouviram falar. Nao gostaria, portanto, majestade, de ser retratado em seus trajes de caga? O rei, vaidoso como era, achou a ideia magnifica e ordenou que Ihe trouxessem de pronto suas botas de cano longo, seu casaco franjado, seu chapéu de couro com uma pluma de pavao e seu rifle reluzente. Vestiu-se e postou-se frente ao pintor para que ele o pintasse. O jovem trabalhou com capricho e afinco e, por fim, mostrou o quadro ao rei, que prontamente pés-se a berrar, mas desta vez de alegria! — Venham! Venham todos! — gritava ele — Venham ver que obra magnifica! Enfim, um pintor sensivel a minha beleza! E todos da corte, disfargando a admiragéo que sentiam pela esperteza do tapaz, diziam em coro: — Que maravilha, majestade! Que tela deslumbrante! O rei, entao, ordenou que recompensassem o rapaz com uma bolsa de ouro, duas de prata e trés cavalos. : O jovem agradeceu e partiu. E até hoje, na sala principal do castelo, bem acima do trono da rainha-mae real, pode-se ver numa imensa tela 0 retrato do rei, com suas botas de cano longo, com seu casaco franjado, seu chapéu de couro com uma pluma de pavao e, bem em frente ao seu nariz, tapando-o todinho, 0 rifle reluzente! Recontado por Maria Clara Cavalcanti Scanned with CamScanner