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AMIANTO NO BRASIL Artigo de Revisão

AMIANTO NO BRASIL: CONFLIT


MIANTO OS CIENTÍFICOS E ECONÔMICOS
CONFLITOS
*V. WÜNSCH F ILHO, H. NEVES, J.E. M ONCAU
Departamento de Epidemiologia, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, SP.

UNITERMOS: Amianto. Asbesto. Resultados conflitantes de pesquisas. Interesses econômicos do asbesto.

KEY WORDS: Asbestos in Brazil. Research conflicting results. Asbestos economic interests.

Embora os efeitos do amianto (asbesto) cer de laringe e alguns tumores gastroin- o amianto é, em muitos aspectos, similar à
sobre a saúde humana sejam conhecidos testinais também foram relacionados ao ocorrida em alguns países no período ante-
desde a Antiguidade, as evidências clínicas e amianto em alguns estudos8. rior ao banimento. O uso do asbesto está
epidemiológicas remontam ao início do sé- A consulta na base bibliográfica Medline praticamente encerrado nos Estados Uni-
culo XX1. As diferentes fibras de amianto, permite constatar a grande quantidade de dos e outras nações industrializadas desen-
tanto do grupo dos anfibólios (amosita, estudos epidemiológicos com enfoque nos volvidas2. Exemplo próximo foi o ocorrido
crocidolita, antofilita, actinolita e tremolita) efeitos do amianto sobre a saúde realizados na França, em 1997, que proibiu a importa-
quanto das serpentinas (crisotila), estão nos últimos cinco anos em diferentes ção, fabricação e comercialização de produ-
implicadas na ocorrência de câncer e outras regiões do mundo. A Agência Internacional tos derivados do amianto após a divulgação
doenças em humanos. A crisotila é a mais de Pesquisa em Câncer (IARC), da Organi- de um relatório pelo Instituto Nacional de
importante comercialmente, respondendo zação Mundial da Saúde, classifica o amianto Saúde e Pesquisa Médica (INSERM) sobre
por mais de 90% da produção mundial como definitivamente carcinogênico para os efeitos nocivos do amianto5. No Brasil, o
atual2. Os efeitos da exposição ao amianto os humanos (Grupo 1), com base na consis- debate galvaniza-se em torno dos resulta-
são variados: asbestose, uma fibrose pul- tência de resultados gerados por pesquisas dos de um estudo epidemiológico realizado
monar progressiva; placas pleurais; câncer epidemiológicas que se acumularam desde entre trabalhadores da única mineração de
de pulmão; e mesoteliomas de pleura e os clássicos estudos de Doll9 que relacio- amianto atualmente em operação no país. A
peritônio3,4,5. O risco aumenta linearmente nou o câncer de pulmão à exposição ao pesquisa não teria identificado nestes traba-
com a exposição cumulativa e com o tempo asbesto e Wagner et al10. que identificaram lhadores diferenças de mortalidade em re-
desde a primeira exposição3,4. O meso- a ocorrência de mesoteliomas da pleura em lação à população de referência e teria de-
telioma de pleura é uma neoplasia maligna mineiros e trabalhadores na indústria de tectado que a prevalência de asbestose foi
especificamente relacionada com a exposi- processamento de asbesto; e ainda nos decrescente ao longo do tempo de obser-
ção ao asbesto, cujo risco é dependente do resultados de experimentos conduzidos vação13. Com base nestes resultados, a argu-
tempo de latência e do tipo de fibra, sendo em modelos animais, que mostraram de mentação dos defensores brasileiros do uso
três vezes maior nos expostos aos anfi- forma inequívoca a carcinogenicidade dos do amianto fixa-se agora nos riscos distintos
bólios quando comparado aos expostos à diferentes tipos de fibra de amianto8. atribuídos aos vários tipos de fibra de amian-
crisotila2-6. Exposições ambientais não-ocu- Apesar destas evidências, mantém-se to, sugerindo-se a liberação do uso da cri-
pacionais ao amianto também têm sido as- no Brasil um vivo debate sobre as cons- sotila devido ao seu suposto baixo potencial
sociadas ao risco de mesotelioma7. O cân- tatações dos efeitos do amianto sobre a de provocar danos à saúde humana. Ressal-
saúde. A polêmica é alimentada por claros te-se, entretanto, que não há qualquer refe-
*Correspondência:
interesses econômicos11,12. O Ministério da rência nas publicações da IARC que isente a
V ictor Wünsch Filho Saúde mantém-se alheio ao assunto, em- fibra crisotila de efeitos sobre a saúde.
Depto. de Epidemiologia, FSP, USP.
Av. Dr. Arnaldo, 715 - Cep: 01246-904
bora o tema tenha implicações profundas na A identificação e relatos de casos de
São Paulo - SP - Fax: 3081-2108 saúde da população. A atual discussão sobre asbestose, de placas pleurais, câncer de

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WÜNSCH FILHO V ET AL.

pulmão e de mesoteliomas no Brasil têm no relatório final entregue à Fundação de população estudada, cujo risco mostrou
sido constante desde o relato de seis casos Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo uma relação linear com o tempo de latência.
de asbestose em 1956 em trabalhadores de (FAPESP) em dezembro de 200013. O prin- O autor salientou que a presença de placa
mineração em Minas Gerais. Porém, estu- cipal aspecto a ser destacado dos resultados pleural não pode ser assumida apenas como
dos com número de observações mais ex- diz respeito à condução da coorte, que um marcador de exposição ao asbesto, mas
pressivo são raros. Até onde foi possível perdeu do seguimento mais de 50% dos como uma doença profissional que conduz a
obter informações das bases bibliográficas trabalhadores. Este nível de perdas pode ter conseqüências clínicas e funcionais distintas,
existentes e de acordo com recentes revi- induzido sérias distorções no estudo, compro- que interferem na qualidade de vida dos
sões feitas sobre o tema1,5, apenas três metendo sua validade. Por exemplo, os traba- portadores. O estudo, exemplarmente con-
estudos epidemiológicos populacionais bus- lhadores que foram perdidos podem cons- duzido e analisado, sofre entretanto de uma
caram explorar diretamente a associação de tituir-se num segmento da força de trabalho limitação principal, um possível viés de sele-
determinadas doenças com a exposição ao nas minerações que experimentou as expo- ção, pois a população examinada constituiu-
asbesto5,13,15. sições mais intensas. Por outro lado, se o se de trabalhadores que espontâneamente
Em 1998, foram publicados os resulta- rastreamento foi particularmente ineficaz procuraram o serviço de pneumologia ocu-
dos de um estudo caso-controle de base para os trabalhadores que foram demitidos pacional da Fundação Jorge Duprat Figuei-
hospitalar sobre os efeitos da ocupação na ou aposentados antes da idade habitual de redo de Segurança e Medicina do Trabalho
ocorrência de câncer de pulmão na Região aposentadoria, e se uma doença atribuível (FUNDACENTRO).
Metropolitana de São Paulo15. Foi cons- ao asbesto foi a razão suspeita da aposenta- Uma maioria irrefutável de estudos epi-
truída uma matriz de exposição ocupacional doria precoce ou demissão, então uma es- demiológicos e experimentais apontaram
com o objetivo de investigar o risco da timativa inaceitável de mensuração das taxas os múltiplos danos para a saúde decorren-
doença entre os expostos a seis agentes da condição vital poderia resultar em um tes da exposição ao asbesto8. Quando
reconhecidos como carcinogênicos para o risco subestimado dos efeitos que se estu- acontece de uma investigação científica re-
pulmão, entre os quais o amianto. Não foi da. No seu relatório, os autores não co- velar resultados antagônicos aos que seriam
encontrada associação entre amianto e cân- mentam estes aspectos. Também é impor- esperados em consonância com o conheci-
cer de pulmão. O principal problema meto- tante considerar, de acordo com o que foi mento existente, é mais adequado conside-
dológico deste estudo foi a provável ocor- possível concluir da leitura do relatório final rar que a origem provável destes achados se
rência de erro de classificação não diferen- à FAPESP, que a análise epidemiológica está encontra nas insuficiências do desenho e da
cial, uma situação que afeta particularmente ainda incipiente, faltando, por exemplo, in- análise17. É, portanto, lastimável que a dis-
os estudos caso-controle e na qual o méto- formações sobre procedimentos de padro- cussão do que fazer com relação ao amianto
do de avaliação da exposição mostra-se nização de populações. Os autores fazem no Brasil venha assumindo por parte de
inadequado e insuficiente para separar os referência à aplicação da regressão logística alguns este caráter simplificador e com ar-
indivíduos expostos dos não expostos, im- aos dados, porém os resultados não foram gumentos fundamentados nos resultados
pedindo assim a identificação de possíveis apresentados no relatório. É possível que a de um único estudo.
associações entre determinado fator de ris- continuidade do estudo com o aumento da Mendes1, em recente revisão sobre o
co e uma doença. proporção de recrutamento de participantes amianto, menciona os seus inúmeros usos
O segundo estudo trata-se de uma da coorte permita chegar a resultados mais na vida moderna. Isto multiplica o número
coorte histórica realizada em duas minera- consistentes. dos indivíduos expostos nas diferentes fases
ções de asbesto no Brasil, pertencentes à Finalmente, há no Brasil o estudo trans- de manufatura e uso de produtos oriundos
mesma empresa, em Poções, Estado da versal conduzido por Freitas5 entre ex-tra- deste agente. Deve-se ressaltar que estu-
Bahia, cuja produção já foi encerrada, e em balhadores de uma empresa de cimento- dos epidemiológicos estabeleceram que o
Minaçu, Estado de Goiás, ainda em ativida- amianto no município de Osasco, Estado de risco de câncer na atividade de mineração é
de. O estudo não teria identificado riscos São Paulo, que permaneceu em operação inferior ao observado entre os expostos nas
para a saúde entre os mineiros. Os resulta- de 1941 a 1992. O objetivo do estudo foi indústrias de processamento do amianto2.
dos não foram ainda publicados em periódi- rastrear a doença pleural nestes trabalhado- Sem dúvida, haverá implicações econô-
co científico, assim os comentários aqui res. Foi encontrada uma prevalência de micas com o banimento de uma matéria
expressos limitam-se aos dados descritos cerca de 30% de espessamento pleural na prima de uso milenar e com tão ampla

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AMIANTO NO BRASIL

aplicação, mas o que representa tudo isso da exposição zero20. Assim, é bastante pe- Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Univer-
sidade de São Paulo; 2001.
se formos incapazes de tomar decisões que rigoso e insustentável do ponto de vista 6. Rees D, Myers JE, Goodman K, Fourie E,
preservem a vida humana com qualidade? científico afirmar que a crisotila possa ser Blignaut C, Chapman R, et al. Case-control
study of mesothelioma in South Africa. Am J
A história mostra que durante o século usada sem riscos para a saúde dos trabalha- Ind Med 1999; 35:213-22.
passado a indústria de amianto, em colabo- dores e de seus familiares. 7. Camus M, Siemiatycki J, Meek B. Nonoccu-
pational exposure to chrysotile asbestos and
ração com alguns líderes acadêmicos de Legislações acerca do banimento do the risk of lung cancer. N Engl J Med 1998;
medicina ocupacional, buscou desqualificar amianto foram aprovadas nos Estados de 338:1565-71.
as evidências que gradativamente foram Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rio 8. IARC. International Agency for Research on
Cancer. Overall evaluations of carcinogenicity:
sendo demonstradas contra o uso do as- Grande do Sul e São Paulo. Este movimento an updating of IARC Monographs Volumes 1
besto. Resultado de pressões públicas e das deverá confluir para uma legislação federal to 42. IARC Monographs on the evaluation of
the carcinogenic risks to humans. Supplement
proibições legais impostas, a exploração e para impedir o uso comercial do amianto no 7. Lyon: IARC; 1987.
utilização do asbesto foram descontinuadas país. A indústria, sem dúvida, saberá encon- 9. Doll R. Mortality from lung cancer in asbestos

em muitos países desenvolvidos. Desde trar as alternativas para sua substituição e workers. Br J Ind Med 1955; 12:81-6.
10. Wagner JC, Sleggs CA, Marchand P. Diffuse
então, os países subdesenvolvidos se viram muitas destas substâncias já se encontram pleural mesothelioma and asbestos exposure
em uso em outros países. Os epidemio- in the North Western Cape Province. Br J Ind
submetidos a uma intensa e agressiva campa-
logistas deverão continuar exercendo o seu Med 1960; 17:260-71.
nha desencadeada pelos produtores de cri- papel de vigilância e buscar identificar novos
11. Perillo M. A verdade e hipocrisia sobre o
amianto. Folha de São Paulo, Seção Opinião.
sotila, particularmente de origem canadense, riscos à saúde que possam advir do uso 2001; mar19.p.A3.
que buscam estabelecer que o danos causa- destas novas substâncias. E, se deletérias, 12. Governo de Goiás. Informe Publicitário.
Amianto. O pior mal é a desinformação. Re-
dos pelo uso desta fibra seriam baixos. Neste deverão também ser substituídas. Para os vista Veja, edição 2001; maio16.p.96-9.
cenário, procuram recuperar nos países em profissionais da saúde permanecerá ainda 13. Bagatin E. Projeto asbesto-mineração. Morbi-
desenvolvimento, que atualmente formam o uma outra tarefa de vigilância, pois o longo dade e mortalidade entre trabalhadores ex-
postos ao asbesto na atividade de mineração
seu único e último mercado potencial, a período de latência dos diversos agravos à 1940-1996. Relatório final de projeto temá-
estratégia que vinha sendo utilizada no passa- saúde relacionados ao asbesto permite su- tico. Dezembro 2000. (Processo FAPESP Nº
96/10416-6).
do nos países desenvolvidos, para a legi- por que após o banimento muitos casos de 14. Costa JLR, Ferreira Jr. YM. As doenças rela-
timação de seus argumentos19. doenças deverão emergir. E este tempo de cionadas ao asbesto (amianto). Rev Bras Saúde
No final do prefácio do relatório do latência, considerando-se o incremento do Ocup 1984; 47:21-30.
15. Wünsch Filho V, Moncau JEC, Mirabelli D,
estudo de Poções/Minaçu apresentado à uso do asbesto na indústria no Brasil, come- Boffetta P. Occupational risk factors of lung
FAPESP, assinado pela Professora Margaret ça a se cumprir agora1, 5. Os custos decor- cancer in São Paulo, Brazil. Scand J Work
Environ Health 1998; 24:118-24.
Becklake, da Universidade McGill do Cana- rentes do tratamento destes trabalhadores, 16. Checkoway H, Pearce NE, Crawford-Brown
dá, há a sugestão de que os resultados do como sempre, ficarão a cargo do estado. DJ. Research methods in occupational epide-
miology. New York: Oxford University Press;
estudo poderiam vir a contribuir na decisão 1989. p. 103-69.
internacional do uso da crisotila dentro do REFERÊNCIAS 17. Hill AB. The environment and disease: associa-
tion or causation? Proc R Soc Med 1965;
contexto da saúde pública. Implícito neste 1. Mendes R. Asbesto (amianto) e doença: revi- 58:295-300.
argumento a sugestão da liberação do uso são do conhecimento científico e fundamen- 18. Lilienfeld DE. The silence: the asbestos industry
tação para uma urgente mudança da atual and early occupational cancer research – a case
do amianto crisotila desde que sob condi- política brasileira sobre a questão. Cad Saúde study. Am J Public Health 1991; 81:791-800.
ções controladas e seguras. Entretanto, Pública 2001; 17:7-29. 19. Berman DM. Asbestos and health in the Third
2. Landrigan PJ. Asbestos – still a carcinogen. N
para substâncias cancerígenas, as agências Engl J Med 1998; 338:1618-9.
World: the case of Brazil. Int J Health Serv
1986; 16:253-63.
internacionais não mais aceitam o conceito 3. Green FH, Harley R, Vallyathan V, Althouse R, 20. Gustavsson P. Cancer. Prevention. In: Ency-
Fick G, Dement J, Mitha R, Pooley F. Exposure
de limite de tolerância como sinônimo de and mineralogical correlates of pulmonary fi-
clopaedia of occupational health and safety. 4 th
ed. Geneva: International Labour Office;
exposição segura para os seres humanos. O brosis in chrysolite asbestos workers. Occup 1998. V.1. (Printed version). p. 2.1-2.18.
Environ Med 1997; 54:549-59.
objetivo é, desde o momento em que uma 4. Boffetta P. Health effects of asbestos exposure
substância seja considerada cancerígena in humans: a quantitative assessment. Med Lav
Artigo recebido: 10/06/2001
1998; 6:471- 80.
como resultado de estudos experimentais e 5. Freitas JBP. Doença pleural em trabalhadores Aceito publicado: 05/08/2001
epidemiológicos, atingir o risco zero a partir da indústria do cimento-amianto [tese]. São

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