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HISTÓRIA, LITERATURA E BIOGRAFIA:

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO ÊXITO EDITORIAL


DE ISABEL ALLENDE NO BRASIL DOS ANOS 1980

LÍLIAN FALCÃO DE ARAÚJO1

Resumo: Esta comunicação analisa as possíveis relações entre biografia e o “sucesso editorial”
do primeiro romance da chilena Isabel Allende, publicado no Brasil em 1984. Pretende-se
examinar a construção do sucesso de Isabel Allende nos anos 1980, por meio da análise de sua
biografia histórica e das representações do Chile, do socialismo, da ditadura militar chilena e
da referência ao feminismo que constam em seus escritos. Tomamos como ponto de partida e
fontes seu primeiro romance La Casa de los Espirítus (1982) e a autobiografia Mi País
Inventado (2003). Recorrendo aos estudos de Giovanni Levi e Benito Bisso Schmidt sobre
biografia histórica e de Carlo Ginzburg sobre micro história, esta pesquisa busca produzir uma
compreensão mais aprofundada sobre o percurso biográfico de Isabel Allende, elucidando os
mecanismos e estratégias empregados pela autora que resultaram na transformação do seu livro
de estreia num best-seller coroado de êxito no mercado editorial. Trata-se de situar também as
disputas do campo literário latino-americano, bem como as dificuldades e possibilidades de
sucesso de uma mulher escritora na América Latina naquele contexto histórico. O que esta
comunicação se propõe a abordar, em última instância, é a seguinte questão: como se pode
explicar o êxito editorial de um romance através de uma pesquisa desenvolvida no campo da
história? Quais as relações entre um romance bem-sucedido do ponto de vista editorial e
comercial e a biografia da autora, bem como seu contexto de produção?

Palavras-chave: Isabel Allende, La Casa de los Espíritus, biografia histórica, literatura.

1. Introdução

A presente comunicação surgiu no bojo de nossa discussão no mestrado em história (na


Unifesp), no qual temos como problemática central explicar como e porque a obra literária A
Casa dos Espíritos, da chilena Isabel Allende, se tornou um best-seller no Brasil, após seu
lançamento em abril de 1984.
Neste trabalho pretende-se examinar a construção do sucesso de Isabel Allende nos anos
1980, por meio da análise de sua biografia histórica e das representações do Chile, do
socialismo, da ditadura militar chilena e da referência ao feminismo que constam em seus

1
Mestranda em história pelo Programa de Pós-graduação em história da Unifesp-Guarulhos.
2

escritos. Tomamos como ponto de partida e fonte para tal análise o primeiro romance de Isabel
Allende – La Casa de los Espíritus - publicado pela primeira em vez na Espanha e depois no
Chile pela editora Plaza y Janés, ambos em 1982, e a seguir em vários outros países da América
Hispânica. No Brasil foi publicado somente em 1984 pela Difel (hoje um dos selos do grupo
editorial Record). A segunda fonte central para nossa análise é o livro Mi País Inventado, de
Isabel Allende. Este livro consiste numa autobiografia publicada pela primeira vez em 2003, na
Espanha, pela Editora Areté; é uma narrativa de suas memórias, carregada de nostalgia em suas
recordações do Chile de sua infância e juventude. Como a maior parte das informações sobre a
autora, incluindo sua autobiografia, são posteriores ao seu sucesso, entendemos que a narrativa
e as memórias de sua trajetória se mesclam aos elementos que a tornaram famosa e que foram
usados para divulgá-la mundo afora.
O questionamento feito às fontes pode ser sintetizado da seguinte forma: quais as
relações entre um romance bem-sucedido do ponto de vista editorial e comercial e a biografia
da autora, bem como seu contexto de produção? E disto surge mais dúvidas como: será que a
legitimidade que a literatura da Allende alcançou deu-se devido ao seu parentesco com Salvador
Allende, o que lhe garantiu fama antes de que sua escrita ganhasse tal dimensão?
Entendemos que isso implica em situar o que foi a via chilena para o socialismo ou o
socialismo em democracia, como foi chamado o programa de governo do Salvador Allende e
da Unidade Popular, que deram destaque ao Chile e ao próprio Allende, naquele contexto de
Guerra Fria. Porém, a base de nossa pesquisa será por meio do estudo da biografia histórica e
micro história, o que explicaremos mais à frente. Com isso, queremos dizer que a trajetória da
escritora se conecta a do Salvador Allende, ainda que um não tenha influenciado diretamente
em suas respectivas vidas, e que estudar a biografia histórica da Isabel Allende por meio de tal
recorte nos permite pensar nos limites e possibilidades de uma mulher ser escritora na América
Latina.
A obra La Casa dos Espíritus é um romance “fantástico”2 e narra a história do Chile do
início do século XX (data imprecisa, por volta de 1910) até o início da ditadura militar chilena

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Utilizamos esse termo, partindo da noção de Tvzvetan Todorov no texto Narrativas fantásticas, do livro
Estruturas narrativas, que propõe que o fantástico surge como forma de transgressão à “lei natural” ou ao que
seria o “real” para aqueles personagens, mudando o pensamento, a ordem e a vida daqueles que estão a sua volta.
Ao longo do texto, identificaremos algumas especificidades da narrativa fantástica na América Latina, dentre elas
a de realismo mágico e a de realismo maravilhoso, para que possamos entender a associação do romance de Isabel
3

em 1973, a partir do olhar de mulheres de quatro gerações da família del Valle-Trueba: Nívea,
Rosa, Clara, Blanca, Alba. Duas figuras são centrais para encadear a narrativa das quatro
mulheres –a avó e a neta – Clara Trueba e Alba Trueba, respectivamente. Por meio do diário
de sua falecida avó clarividente, Alba Trueba reconta a história de sua família começando pela
lembrança da família Del Valle e de Nívea, sua bisavó. As memórias de Clara Del Valle
remetem a seu casamento com Esteban Trueba – o patriarca tradicional que tenta dominar as
figuras femininas – sua vida como Clara Trueba, o nascimento dos filhos – dentre eles, Blanca
Trueba – e a vida de sua neta, Alba, remontando a várias fases da história do Chile.
Situar os gêneros literários nos quais tal literatura é classificada se faz necessário, pois
tem implicações na sua vendagem e circulação. A vinculação com o gênero fantástico, mais
especificamente com o realismo mágico, torna-se um tema importante em nossa pesquisa
devido ao “boom” literário latino-americano da década de 1960-19703.
A escritora Isabel Allende nasceu no Peru, mas ainda criança foi para o Chile, onde veio
a se tornar jornalista. Antes de começar com os romances, escreveu contos infantis e textos para
o público feminino na revista Paula4. No momento em que escreve a sua primeira obra literária,
vive na Venezuela, lugar escolhido como exílio após ter sido colocada na lista negra pelo regime

Allende com outros autores de correntes literárias do gênero “fantástico”. É importante esclarecer que nossa
preocupação em situar tais correntes surge no afã de entender a construção do sucesso da autora e que é necessário
entender que havia um campo literário anterior de sucesso na América Latina, ao qual a obra dela foi associada,
para não fragilizarmos o entendimento da dimensão do sucesso da Allende.
3
Durante as décadas de 1960-1970, ocorreu o chamado boom da literatura latino-americana. Essa expansão foi
um fenômeno comercial proporcionado pela qualidade literária dos escritos, pela difusão e financiamento pelas
editoras, principalmente europeias, da literatura da América Latina para além dos seus países, ficando conhecida
nos Estados Unidos e países da Europa. Além disso, consistiu num momento de agrupamento de escritores e
intelectuais em torno do programa político da Revolução Cubana, politizando a arte com uma produção que se
vale do gênero chamado de realismo mágico para se expressar. A Revolução Cubana foi um evento histórico que
fez com que o olhar do mundo se focasse naquele momento para esta parte do globo e isso também contribuiu para
maior difusão da cultura e literatura dessa região geográfico-cultural. O postboom é a fase posterior na história da
literatura latino-americana, após meados de 1970, onde há menor difusão da literatura latino-americana e poucos
novos autores tem sucesso com a sua produção literária. Ver em: COSTA, Adriane Vidal, O boom da literatura
latino-americana, o exílio e a Revolução Cubana, in: Intelectuais, política e literatura na América Latina: o
debate sobre revolução e socialismo em Cortázar, García Márquez e Vargas Llosa (1958-2005), 2009. Tese
(Doutorado em história). UFMG: Belo Horizonte, 2009, p. 131-185. Isabel Allende é situada nessa fase, pois foi
uma das poucas entre os literatos que teve ampla difusão e comercialização para além do seu país de origem nessa
fase posterior ao boom, isto pensando na década de 1980.
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ISABEL ALLENDE, página pessoal da autora, disponível em < www.isabelallende.com> acesso em 25-07-2017.
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militar de Augusto Pinochet, após o fim trágico do governo de seu tio e ex-presidente socialista
do Chile, Salvador Allende5, morto no momento do golpe militar chileno, em 1973.
O seu primeiro romance a consagra na literatura latino-americana devido ao sucesso que
fez, pouco depois de sua publicação. Hoje a obra está na 34ª edição no Brasil6, tendo sido
adaptada para o cinema em coprodução entre Estados Unidos, Alemanha, Dinamarca e
Portugal, dirigido por Bille August em 1993. O livro também recebeu tradução em diversos
países do continente americano e europeu e foi publicado também no Japão e China. A escrita
jornalística e a forma de comunicação de Allende influenciam no perfil de seu primeiro livro,
assim como nos demais.
Os livros seguintes foram: De amor e de Sombra (1984) e Eva Luna (1987) e daí em
diante Allende continuou escrevendo e diversificando os tipos de textos, entre romances
históricos, de aventura, autobiográficos e outros, totalizando hoje vinte e três romances e três
filmes baseados em seus livros, sendo seu livro mais recente, Muito Além do Inverno, publicado
em 2017 no Brasil. Para dar uma dimensão do seu sucesso, na página da autora na internet 7
lemos que seus romances foram traduzidos para 37 idiomas e tiveram mais de 57 milhões
exemplares vendidos.
Allende é vista como uma das primeiras mulheres a conseguir destaque na literatura
latino-americana no século XX e “teve voz” e sucesso igual aos literatos8; o que veio
acompanhado de fortes críticas, pelo texto dito popular, por não ter uma maior elaboração
estilística.

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A partir deste momento do texto, quando nos referirmos ao Salvador Allende, citaremos o nome inteiro, para
diferenciar das referências constantes à escritora.
6
As edições deste livro vendidas pelas livrarias Saraiva Cultura já estão na 34ª edição, ainda que no site do Grupo
Editorial Record só conste até a 30ª edição. Conseguimos fazer uma breve entrevista com e-mail com um dos
funcionários da Bertrand Brasil, Marcelo Vieira, e ele nos informou que está na 44ª edição e que já teve mais de
63 mil exemplares vendidos até 2014. Porém, ressaltou a dificuldade de obter os arquivos que informam isto com
precisão, pois houve um incêndio “recente” (2015) em parte do acervo do Grupo Editorial Record, ao qual pertence
o selo Bertrand Brasil.
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ISABEL ALLENDE, página pessoal da autora, disponível em <www.isabelallende.com> acesso em 25-07-2017.
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São vários os lugares em que se repete de alguma forma esta observação. No texto da Estelle Gacon, somos
informados que um dos primeiros editores da Isabel Allende, Mario La cruz, da Plaza & Janes, havia dito que não
havia até então uma mulher no “boom da literatura latino-americana”(2012, p. 579) lugar que ela com certeza
ocuparia; já Bela Josef, umas das pesquisadoras da história da literatura da América Hispânica, identifica um
número menor de mulheres escritoras e que elas foram tendo maior espaço no século XX, Isabel Allende é uma
das que tem maior sucesso, com seu primeiro livro se tornando best-seller. No Chile, há outras literatas
reconhecidas internacionalmente, antes mesmo da Allende fazer sucesso, como a poeta Gabriela Mistral, mas não
haviam tido tanto sucesso de “vendas” e reconhecimento do público.
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2. A conjuntura histórica do Chile de 1970-1990 e a trajetória biográfica de Isabel


Allende.

Pensar a trajetória biográfica da escritora chilena se faz importante para nós, pois nos
traz elementos para compreender o impacto da ditadura militar chilena em sua vida e como
reverberou em sua narrativa literária, ao mesmo tempo que nos permite refletir sobre que
mecanismos acessou para conquistar um espaço no mercado editorial e se configurar como uma
autora de “best-sellers”. Ou seja, a apresentação/reflexão sobre a história de vida de Isabel
Allende visa mirar mais de uma face do problema, pensando um movimento dialético entre
sociedade e indivíduo, tendo como intenção “verificar o caráter intersticial (...) da liberdade que
dispõem os agentes e para observar como funcionam normalmente os sistemas normativos (...)
que jamais estão isentos de contradições” (LEVI, 1996: 17); compreendendo

Que não se pode analisar a mudança social sem que se reconheça previamente a
existência irredutível de uma certa liberdade vis-a-vis as formas rígidas e as origens
da reprodução das estruturas da dominação (LEVI, 1996: 17).

A partir das palavras de Giovanni Levi, queremos dizer que há um lugar ambíguo no
qual o ser humano em sua complexidade tem uma parcela de irredutibilidade no social, mas por
outro lado é contingenciado pela mesma sociedade em que está inserido. Identificar os
interstícios nesse caso significa identificar por meio das fontes a rede complexa de relações na
qual a Isabel Allende está inserida e em que medida a ação individual dela nessa teia provoca
uma mudança em dado contexto, assim como o modo com que é vinculada, de acordo com as
fontes e com a bibliografia selecionada, a Salvador Allende pode ter modificado sua
possibilidade como escritora na América Latina.
Trazendo as palavras de Benito Bisso Schmidt (SCHMIDT , 2012), a biografia histórica
é uma área de conhecimento dentro da macro área “história” e por isso, enquanto tal, precisa
seguir certos procedimentos de pesquisa, amparada em fontes e visa o entendimento de algum
processo histórico/do passado. Além disso,
6

Uma biografia não se justifica por si só, mas pelo que ela pode contribuir para o
avanço das discussões próprias ao conhecimento histórico. (...) Por vezes, a
importância da atuação do indivíduo biografado em determinado contexto histórico
parece legitimar a investigação sobre sua vida, já que, sem a compreensão de suas
experiências, seria impossível compreender/ explicar certos processos e
acontecimentos (LEVI, 1996: 17).

Diante do que foi exposto, o uso da biografia como estudo de caso ou como
representativa de uma comunidade maior não pode se sobrepor ao lugar do biográfico como
indivíduo que constrói sua própria história, ou seja, há um “campo de possibilidades”
(SCHMIDT , 2012: 196) e buscaremos o movimento histórico dela nesse “campo”.
Apesar de haver muitas narrativas sobre a Allende, espalhadas pela internet, em vídeos,
blogs, livros e outros, optamos pelo blog e página pessoal da autora “isabelallende.com” para
divulgação de sua obra e história de vida (com versões em inglês e espanhol) e uma história
resumida e autorizada de si auxilia na nossa orientação da trajetória da autora.
Partindo do conceito de memória de Jacques Le Goff, temos a seguinte frase “a memória
como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um
conjunto de funções psíquicas graças às quais o homem pode atualizar impressões ou
informações passadas, ou o que ele representa como passadas (LE GOFF, 2013: 387)”. Usar
das memórias da biografada implica em entender que ela está num emaranhado de relações no
momento da escrita de suas memórias e distante daquilo que rememora, tendo elementos que a
mesma recorda, outros que são esquecidos, outros que prefere silenciar e ainda aqueles que se
confundem por questões psíquicas e neurológicas. Portanto, fazemos uso de sua narrativa
memorialística tendo em vista que esta é parcial, incompleta e difusa, mas que ainda assim,
pode iluminar questões e contribuir na elucidação de processos históricos.
Numa síntese da trajetória de vida que nos é apresentada, vemos que a Isabel Allende
nasceu no Peru, em 1942, mas voltou muito criança junto com a mãe para o Chile, onde viviam
seus avôs, após a separação de seus pais - Francisca Llona e Tomás Allende, primo-irmão de
Salvador Allende. Seu pai abandonou a família e apenas seu tio Salvador Allende, dentre os
7

parentes da família paterna, se preocupou com ela e sua mãe e manteve algum contato nos anos
posteriores9.
Suas referências de Chile na infância são muito vagas, pois viveu em constante mudança
de país, devido ao fato de seu padrasto ter sido diplomata. Morou na Bolívia, vários anos no
Líbano, até que veio a guerra civil e ficou perigoso o país. Foi enviada pela mãe e pelo padrasto
de volta ao Chile para morar com avô, isto por volta de 1958, quando tinha seus 15 anos. Sempre
em constante peregrinação, considera que sua atividade mais constante foi a escrita em diários
quando criança e juventude, material este desconhecido do público, mas cuja repetição em
entrevistas e reportagens sobre a mesma funciona como uma forma de encadeá-la no lugar da
“narradora”.
Ao voltar ao Chile, não muda sua relação de estranhamento com as moradias, afinal
foram anos longe dali. Seu avô é que a auxilia a ler e escrever num espanhol correto de novo,
pessoa com a qual tinha maior proximidade, mas que sempre se chocava por Allende defender
ideias que remetiam ao nascente feminismo, sendo ele muito machista.
Teve um período curto de morada na Europa, acompanhando seu marido Miguel Frias
e depois voltam ao Chile. Tendo conseguido espaço no jornalismo, decide-se por essa profissão
e começa a despontar na mídia chilena. Influenciada pelo feminismo com o qual havia entrado
em contato na Europa, começa a escrever na revista feminina Paula, na coluna intitulada Los
Impertinentes10 e em artigos diversos; considera esta revista como um espaço para discutir
questões como o aborto, uso da pílula anticoncepcional, coisas que ainda eram um tabu no Chile
e não aceitas, assim como o feminismo. Após seu início no mundo jornalístico, consegue espaço
também num jornal para crianças chamado Mampato, de Santiago, bem como inicia sua carreira
na televisão como entrevistadora em um programa humorístico entre 1970-1975 (RODDEN,
2004: xv-xvi).
Isabel Allende ainda demorará alguns anos para começar a se empenhar na escrita de
seu primeiro livro, e seu sucesso como produtora de uma revista feminina não ultrapassará as
fronteiras do Chile desta época e seu rosto será conhecido na mídia televisiva que está surgindo,

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Reforçamos que estamos fazendo referência sempre a literata Isabel Allende Llona, pois há a Maria Isabel Allende
Bussi, chamada de Isabel Allende, que é a filha do Salvador Allende e atualmente, 2017, é senadora no Chile. É
comum a confusão nas pesquisas feitas em mídia impressa ou on line, por isso nossa necessidade de explicitar
isso; caso venhamos a referir a Isabel, filha do Allende, especificaremos.
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ISABEL ALLENDE, página pessoal da autora, disponível em < www.isabelallende.com> acesso em 25-07-2017.
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mas a escritora e entrevistadora é ainda uma figura local. Quando começa a escrever La Casa
de los Espíritus, está no exílio na Venezuela e tem diante si uma ditadura vigorando em sua
“terra natal” e um tio e ex-presidente do Chile, Salvador Allende, morto, e ainda que ela não
fosse envolvida com “política”, o sonho com a mudança no seu país por meio da proposta
socialista do ex-presidente, havia sido destruído pelo golpe militar em 1973.
Voltando um pouco temporalmente, cumpre-nos traçar alguns pontos da história do
Chile, do início do governo de Salvador Allende e do golpe militar, haja vista que ao analisar o
tema, poderemos refletir sobre o modo como a violência aparece na memória, na trajetória de
vida e na literatura da Isabel Allende, indicando uma visão sobre o Chile da década de 1970 e
também entender porque ser associada ao seu tio lhe permitiu outro espaço no mundo afora,
após seu primeiro livro ser publicado, em 1982.
A valorização que a figura de Salvador Allende (ex-presidente socialista chileno)
conquista no próprio Chile e mundo afora começa a ser construída anteriormente ao sucesso de
Isabel Allende ( de 1982 em diante), pois o primeiro tem seu destaque ligado a proposta política
de atingir o socialismo de modo pacífico e democrático – o socialismo pela via democrática –
cuja tentativa de pôr em prática tem início quando é eleito como presidente, como representante
pela Unidade Popular (UP) em 1970, no Chile. Ademais disso, há um contexto macro-regional
e global que interfere diretamente na construção deste momento da história do Chile, de pós
Segunda Guerra Mundial e início da Guerra Fria.
Observamos que o século XX é marcado por uma sequência de golpes de estado no
mundo. Para o historiador inglês Eric Hobsbawn, a “predominância de regimes militares, (...)
unia Estados do Terceiro Mundo de diversas filiações constitucionais e políticas. (...) É difícil
pensar em quaisquer repúblicas que não tenham conhecido pelo menos episódicos regimes
militares depois de 1945” (HOBSBAWN, 1995: 140-141), ou seja, considera que se tornaram
comuns as ditaduras militares, inclusive na Europa, mas na América Latina faziam até parte da
tradição. Deste modo, podemos tomar a violência deste período, decorrente de regimes
repressivos, como uma tendência em muitos países da América latina. Tal “tendência” é
fomentada no bojo da guerra fria, que é marcada pela polarização ideológica e disputa
econômica entre capitalismo e socialismo, sob a liderança dos EUA e URSS, respectivamente.
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Até a década de 1970, o Chile se caracterizava pela estabilidade política, seguindo um


regime democrático e pluripartidário de cerca de 40 anos, com tradição política de alternância
no poder, voto feminino desde 1949 e sufrágio universal em 1970. Um país urbanizado (75%
de população urbana), com 80% com escolaridade de nível básico e médio (AGGIO, 1993: 16-
18), diferente em todos esses aspectos de outros países do mesmo recorte geográfico cultural.
Na descrição do historiador latinista Peter Winn (WINN, 2010), era um país dependente
do capital externo via Estados Unidos, para maquinário e tecnologia; com concentração dos
meios de produção, de comunicação e dos bancos nas mãos da elite chilena, ou seja, havia um
descompasso entre política e economia se considerarmos que a estrutura política tendia a um
caráter progressista com relativa participação popular, enquanto a economia era atrasada e
dependente de investimento externo11. Chegando a década de 1970, a economia estava
estagnada, mas com a expansão do acesso à educação e da cidadania política, aumentavam as
exigências das classes populares e ao mesmo tempo, começava a se consolidar a chamada classe
média chilena, urbana e letrada.
O presidente anterior a Salvador Allende, foi Eduardo Frei da Democracia Cristã (DC),
partido considerado de centro no espectro político. Nas eleições de 1970, vence Salvador
Allende com cerca de 36% dos votos, pela Unidade Popular (UP), partido de esquerda,
socialista, cujo programa político propunha a transição para o socialismo através da democracia.
Apesar de expressivo apoio da população nas eleições (36%), isso não garantiu governabilidade
por muito tempo, diante de um congresso conservador e de divisões no meio das forças armadas
Cabe observar que o mesmo foi eleito com a promessa de levar o país ao socialismo de
modo pacífico, mas antes de chegar a isso já tinha uma trajetória na política. Salvador Allende
Gossens era médico e sua militância começa na faculdade de medicina; foi um dos que
fundaram o PS – Partido Socialista – e senador por esse partido (três vezes entre 1945-1970),
havia sido também deputado (1937), Ministro da Saúde (1938) e presidente do partido (AGGIO,
1993: 16).

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Apesar de Winn e Aggio – os dois historiadores que estamos utilizando aqui para discutir a história do Chile no
período do golpe militar – terem perspectivas diferentes em relação ao programa político de Salvador Allende e
os anos de seu governo, a visão sobre a dependência econômica do Chile e a concentração de renda e dos meios
de produção nas mãos da elite é algo observável na discussão de ambos.
10

Concorrendo a presidência da república desde 1952, somente em 1970 que ele vence
pela UP. A extrema direita procura desestabilizar seu governo, mas a UP firma um acordo com
a DC – Democracia Cristã – que era maioria no Congresso Nacional e sua vitória é confirmada,
assumindo assim o poder. Para Winn (WINN, 2010: 75), Salvador Allende foi uma
personalidade hábil aos moldes de um reformador e que tinha profundo conhecimento das
instituições políticas do Chile. Mas isso não seria suficiente considerando um Congresso
conservador, o domínio dos meios de comunicação e produção pela direita e a conspiração dos
EUA. Tendo vencido as eleições presidenciais em 1970, pela UP, Salvador Allende manteve
no discurso a proposta de fazer tal transição, mas como era um projeto novo para a política
carecia ainda de medidas concretas e efetivas para sua realização.
Como foi após a Revolução Cubana de 195912, essa eleição despertava um duplo
movimento; de um lado um fôlego para as ideias ligadas ao socialismo e ao comunismo na
América Latina; de outro lado, a constante vigilância da CIA, agência de espionagem dos
Estados Unidos e financiamento deste país às forças armadas e setores pró-
capitalismo/militarismo e neoliberalismo. Cada vez mais cercado e barrado nas propostas
distributivas de renda e terra, como a reforma agrária; atacado pela proposta socialista, com
auxílio de um “medo do comunismo” disseminado pela mídia, Salvador Allende teve que lidar
com o boicote dos Estados Unidos e sua influência nas forças armadas.
Nessa conjuntura, “os olhos do mundo estavam voltados para o Chile”, países da
América Latina e da Europa estavam atentos no processo político chileno pelo duplo
movimento de ser um país subdesenvolvido que havia conseguido estabilidade política, num
regime democrático com sufrágio universal e, pela ideia da “via chilena para o socialismo”, nas
palavras do historiador brasileiro Aggio (AGGIO, 1993), ou seja, a proposição de fazer
transição para o socialismo dentro de um regime democrático. Em 11 de setembro de 1973, os
militares tomam o Palácio La Moneda, o presidente socialista é deposto e morto e tem início a
ditadura do general Augusto Pinochet.

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A Revolução Cubana é colocada como um marco para pensar as ditaduras militares, pois impulsionou o debate
e as lutas políticas em torno do socialismo e do comunismo no continente ao mesmo tempo que deixou mais alerta
o EUA, pois tornou mais concreta a possibilidade de instaurarem-se mais regimes comunistas na América Latina.
Ressaltamos algumas datas iniciais das ditaduras militares em países do Cone Sul – Argentina, 1966 e 1976;
Bolívia, 1964; Brasil, 1964 – dentre outros (PRADO, 2010: 115-137).
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Disto e dos demais fatores ditos acima, resultou aquilo que fez com que este país
continuasse em cena na mídia internacional. Com o golpe militar se encerra essa tentativa de
chegar ao socialismo pela via democrática (ao menos no Chile), e o mundo se chocou ao ver
um país com histórico de estabilidade política tornando-se uma ditadura militar sangrenta em
1973 (uma das mais violentas da América Latina), pondo fim a utopia do socialismo em
democracia.
Com o início do regime militar, começa o movimento de saída do Chile em busca de
exílio político em outros países. Para a historiadora Carmen Norambuena Carrasco
(CARRASCO, 2010), de 1973 a 1980, foi um período de saída massiva de chilenos para o
exílio, sendo os principais lugares Argentina, Venezuela e Estados Unidos (mas outros também,
como o México e o Brasil). Segundo pesquisas dessa historiadora, os principais motivos para
emigrar nesse período foram: perseguição direta do governo e/ou por serem ex-presos políticos,
uns 50% daqueles que saíram. Outros motivos são asilo político, expulsão, perda de trabalho
(também por motivos políticos), dentre outros (CARRASCO, 2010: 183-184).
Isabel Allende e família serão um dos afetados pelo processo antidemocrático, são
diversos os motivos que fazem com que ela e sua família entre na lista negra do regime militar
do general Augusto Pinochet, logo no início da ditadura. Dentre os fatores, temos seu
parentesco com o ex-presidente Salvador Allende, morto no momento em que o Palácio La
Moneda é tomado; bem como porque seu padrasto fora embaixador no governo de Salvador
Allende e por fim, a família de Isabel Allende havia abrigado pessoas perseguidas
politicamente. Isso a leva a buscar exílio junto com sua família, o que marcará a sua vida e será
um tema que perpassará suas primeiras obras, pois considera inevitável falar da violência da
ditadura. A escritora pode ser classificada no grupo dos que pediram asilo político e a opção de
sua família foi a Venezuela por ser um país democrático nos idos de 1975.
A Venezuela já havia passado por mais de um período ditatorial, desde sua
independência em 1811. Somente em 1958, após um levante popular apoiado pela marinha, que
volta a democracia de modo estável neste país (entre os períodos ditatoriais havia curtos
períodos de tentativa de reestabelecimento da democracia). Assim, em 1975, era um dos
principais países da América Latina a receber exilados chilenos, dentre eles Isabel Allende
(BACK, 2012: 51-52). Nos primeiros anos na Venezuela consegue trabalho como jornalista,
12

mas após um curto período na Espanha, numa separação temporária de seu marido, retorna a
Venezuela e não consegue nada na sua área, indo trabalhar numa escola na parte administrativa.
Ao saber que seu avô está moribundo e que não poderá voltar ao Chile para vê-lo, começa a
escrever uma carta para ele, à noite, após o trabalho. Essa carta se converte no seu primeiro
romance – assim temos uma explicação que ela mesma, Isabel Allende, constrói em torno da
escrita de La Casa de los Espíritus, explicação esta que se repete nos jornais que a apresentam,
na entrevistas e etc.
Foi recusada por várias editoras, não só na Venezuela (CORTINEZ, 2002:1), e veio a
ser publicada pela Plaza & Janés Editores, de Barcelona, Espanha, graças à agente literária
Carmen Balcells, que foi umas das primeiras agentes de autores do chamado “boom latino-
americano” – romances do realismo fantástico de autores como Gabriel García Márquez e Julio
Cortázar. Segundo a pesquisadora estadunidense Verônica Cortinéz (especialista em literatura
hispano-americana13 e principalmente chilena), a agente literária Balcells viu na obra de
Allende uma possibilidade de retomar parte do sucesso do boom latino-americano da década
de 1960-1970 e para o qual faltavam novos autores que mantivessem o fôlego; tanto que Isabel
Allende é classificada no post-boom (CORTINEZ, 2002:1), fase posterior – década de 1980 –
da literatura latino-americana que se caracteriza por menor difusão nos meios internacionais e
uma queda no mercado consumidor de livros de literatura, mas ainda com alguns elementos do
realismo fantástico do “boom”.
O livro entra para a lista dos mais vendidos assim que é lançado nos mais diversos países
– na Espanha e na França, entre 1982-1983, no Brasil, em 1984, nos Estados Unidos, em 1985,
na Alemanha, em 1986 – e outros mais. Em 1987, separa-se de seu marido Miguel Frías e em
1988, casa-se com Willie Gordon, e vai morar em São Francisco, na Califórnia (EUA), quando
já havia publicado seu terceiro livro.
Diante disso que foi apresentado e da continuidade de sua trajetória como romancista,
na sua autobiografia se vê instada a justificar a relação que ainda tem com o Chile, mesmo
morando na Califórnia desde 1988. A escritora chilena define a sua relação com o Chile por

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Observemos que literatura hispano-americana se refere somente a literatura de língua espanhola, diferente de
quando nos referimos a literatura latino-americana que engloba países de línguas diferentes, situadas num mesmo
espaço geográfico-cultural da América.
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meio da “nostalgia” e como tal é o que impulsiona a sua escrita, mas já não se entende mais
como chilena.

Si me hubieran preguntado hace poco de dónde soy, (…)que de ninguna parte, o


latinoamericana, o tal vez chilena de corazón. (…) porque mi marido, mi hijo (…) mis
libros y mi casa están en el norte de California, sino también porque no hace mucho
un atentado terrorista destruyó las torres gemelas del Word Trade Center (…) Esta
tragedia me ha confrontado con mi sentido de identidad; me doy cuenta que hoy soy
una más dentro de la variopinta población norteamericana, tanto como antes fui
chilena (ALLENDE, 2003: 13).

Logo a seguir, ela nos lembra que tanto o golpe militar no Chile em 1973, quanto o
ataque as torres gêmeas em 2001, ocorreram num fatídico 11 de setembro; afirmando também
que o do Chile foi um golpe orquestrado pela CIA. Para ela, ambos são similares nas suas
primeiras imagens, pelo pânico gerado e por ver em chamas no que era um marco em ambas as
cidades, o Palácio La Moneda e as Torres Gêmeas, no Chile e nos EUA, respectivamente. Ela
completa esse entrecho narrando que

Esse lejano martes de 1973 mi vida se partío, nada volvió a ser como antes, perdi a
mi país. El martes fatídico de 2001 fue también un momento decisivo, nada volverá a
ser como antes y yo gané un país (ALLENDE, 2003: 14).

Ela só se esquece que o país que vive atualmente e considera como “lar” foi o
responsável pelo seu primeiro desterro e grande trauma. Isso ela retomará no final do livro
apenas, se justificando por ser “uma esquerdista que vai morar nos Estados Unidos da América”
(ALLENDE, 2003: 14), não que haja uma incompatibilidade em ser de esquerda e viver nos
Estados Unidos, mas para Allende, no momento em que discorre sobre sua vida nesta
autobiografia (1995), pode ser complicado aceitar a contradição de ir para o país que financiou
a violência em sua terra natal. Cabe observar que a mesma se torna cidadã norte-americana em
14

200314. Em poucos momentos cita Salvador Allende como parente e pessoa familiar e não
somente figura política. Como no trecho a seguir

Salvador Allende era primo de mi padre y fue La única persona de la familia


Allende(…). Era muy amigo de mi padrastro, de modo que tuve varias ocasiones de
estar con él durante su presidencia. Aunque no colaboré con su gobierno (…) Nunca
me he sentido tan viva (…) ni he vuelto a participar tanto en una comunidad o en el
acontecer de un país (ALLENDE, 2003: 176).

Só que não fazia ideia da popularidade da figura do Allende até chegar no exílio na
Venezuela. Segundo ela antes dos processos políticos que discorremos, da vitória de um
presidente socialista e do destaque que a figura do Salvador Allende teve, o Chile não era tão
conhecido para além das suas fronteiras, incluso na Europa, segundo a Isabel Allende. Mas após
isso e os demais acontecimentos políticos, o se tornou um país muito comentado nos círculos
intelectuais e jornalísticos, além do fato dos demais países da América Latina e da Europa
receberem muitos exilados chilenos.

La estricta censura de prensa impidió a la mayoría de los chilenos dentro del país
darse cuenta de que ese movimiento de solidaridad existía. Yo había pasado año y
medio bajo esa censura y no sabia que afuera el nombre de Allende se había
convertido en un símbolo, por eso al salir de Chile me sorprendió el respeto
reverencial que mi apellido provocaba (ALLENDE, 2003: 198).

Com isso podemos ver que, não há um esforço da escritora chilena (como se identificava
na época) e hoje em dia estadunidense, em se associar a figura de seu tio, para além do que
lembra e opta por trazer na sua narrativa de memórias, recordações e nostalgia, mas o inevitável
elo com esta figura emblemática e torná-lo personagem principal de seu primeiro romance
potencializam o espaço que é dado a ela, segundo a percepção da autora. Mas essa “não
associação” é anterior ao sucesso mundial da autora, afinal Isabel Allende chega na Venezuela
em 1975, quando ainda não havia começado a escrever romances; e quando seus livros

14
ISABEL ALLENDE - Página pessoal da autora. História. Disponível em: <http://www.isabelallende.com/>
acesso em 25-07-2017.
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começam a ser publicados e vendidos mundo afora, o seu discurso e o discurso da mídia
associarão cada vez mais “tio famoso” e sobrinha.
Isabel Allende se entende enquanto uma mulher feminista e preocupada em falar da
violência da ditadura militar em seu país, mas tanto no seu feminismo quanto no modo de
retratar a violência mesclando ao romance dos personagens, aparecem contradições. No que diz
respeito ao relato do golpe militar e da ditadura chilena, vemos que é banalizado o drama da
realidade chilena ao dar solução romantizadas para cenas emblemáticas de tortura, por exemplo.
De outro modo aparece o feminismo, que como comentamos no tópico anterior, é um olhar
burguês sobre o ser mulher e que constrói um imaginário empoderado apenas para as mulheres
desta classe social, ficando as mulheres indígenas, camponesas e de classes sociais mais baixas
num patamar estereotipado de mulheres submissas e sem voz. Ou seja, é uma figura cercada de
contradições e nesse sentido, temos que colocá-la na ambiguidade de sua imagem e do que
efetivamente ela constrói com sua escrita e como se posiciona.

Considerações finais

Assim, essa análise inicial conjunta da autobiografia e das condições sociais de


publicação de seu primeiro romance, bem como do contexto histórica da época não desvelou
uma associação tão grande entre as duas figuras, Isabel e Salvador (Allende), por parte da autora
na época em questão de publicação de seu primeiro romance, porém que Salvador Allende tem
um simbolismo forte para a comunidade internacional de modo geral e este se mostrou um dos
elementos mais marcantes para o destaque que a autora conquistou no mercado editorial, bem
como pode ter auxiliado a ultrapassar as “fronteiras invisíveis” que haviam para mulheres serem
escritoras na América Latina.
A biografia histórica da escritora nos levou a reafirmar a dimensão que o golpe militar
tem na sua vida, narrativa e na sua inserção no meio literário, influenciando que ela, uma mulher
latino-americana, tivesse espaço como escritora e fosse publicada por uma editora seja na
América Latina ou na Europa. Sua trajetória se liga a figura de seu tio mais no âmbito político,
as ações da UP, do Salvador Allende enquanto presidente e defensor da “via chilena ao
socialismo” e os desdobramentos da ditadura militar ensejam um conjunto que reações que até
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parecem em cadeia, devido à dimensão do impacto de uma ditadura nos moldes que foi a de
Augusto Pinochet (pela violência, duração, etc.). Isso nos trouxe possibilidades de análise, mas
conclusões ainda deveras parciais com a quantidade de fontes que foi possível analisar no
presente artigo.
Apesar dessas parcas evidências, a própria fala da autora já insinua o que formulamos
como problema central, seu tio e ex-presidente do Chile havia se tornado um símbolo de uma
luta democrática e pacífica pelo socialismo, distribuição das riquezas e igualdade social. Por
isso, podemos dizer que o sobrenome Allende antecede a pessoa da escritora, não determinando
seu sucesso, mas abrindo caminho para sua fala ou para sua narrativa. Acrescente-se aqui que
esse caminho que se abre se dá na Europa, onde aceitaram publicar seu primeiro romance; algo
que não foi possível na Venezuela que era onde estava naquele momento.
Em relação a autobiografia, podemos dizer que no momento em que a Isabel Allende
escreve sua autobiografia, seu sucesso já está garantido; as disputas globais entre socialismo e
capitalismo não são mais foco de atenção; e as ditaduras na América Latina já acabaram. Por
isso, pode ser que o interesse da mídia que acerca e da própria Allende em responder sobre essa
associação já havia diminuído. A autora já estava consagrada nos meios literários, da cultura de
massa.
O que nos leva a pensar que o próximo passo, para aprimorar a pesquisa aqui feita é
problematizar a co-relação de forças externas ao discurso (interno) do romance e aos elementos
que a escritora pode agregar enquanto indivíduo de dado contexto histórico.

Referências:

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Cubana, in: Intelectuais, política e literatura na América Latina:o debate sobre revolução e
socialismo em Cortázar, García Marquez e Vargas Llosa (1958-2005), 2009. Tese (Doutorado
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WEBLIOGRAFIA
GRUPO Editorial Record, <www.record.com.br/>, acesso em 15-09-2016.
ISABEL ALLENDE – Página pessoal da autora. In: <http://www.isabelallende.com/> acesso
em: 25 de julho de 2017

Fontes:
ALLENDE, Isabel. La Casa de los Espíritus, 3ª edição, 1ª reimpressão, coleção Delbolsillo,
Espanha: Penguin Random House Grupo Editorial, 2015.
________________. Mi Pais Inventado – Un paseo nostálgico por Chile. Espanha: Rayo,
2003.

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