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Copyright©2010 by os autores
CAPA
Xico Fialho
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
F.A.S. Artes e Edições
REVISÃO
Domingos Dias Pereira
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Ricardo Alaggio Ribeiro (Presidente)
Des. Tomaz Gomes Campelo
Prfª. Drª. Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz
Prof. Dr. José Renato de Sousa
Prof. Manoel Paulo Nunes
Profª. Iracildes Maria de Moura Fé Lima
Profª. Vânia Soares Barbosa
Prof. Dr. João Renôr Ferreira de Carvalho
FICHA CATALOGRÁFICA
Serviço de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauí
Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco
ISBN: 978-85-7463-295-7
CDD 610.73
2
Aos cuidadores familiares de idosos com Alzhei-
mer, pela contribuição na construção desta obra.
3
4
Sumário
Prefácio........................................................................................7
Apresentação...............................................................................9
5
Capítulo 5: Os saberes e práticas dos cuidadores familiares
de idosos com Alzheimer.........................................................51
Referências ...............................................................................91
6
Prefácio
E
ste livro não é uma manual para cuidadores. Ao
contrário, ao invés de trazer respostas prontas,
permite que os profissionais atuem no sentido de
estimular que os cuidadores familiares extroje-
tem de dentro de si, e por si mesmo, o conhecimento necessário
para a sua prática de cuidar. De tal forma que o seu cuidar se faça
de forma autêntica, empoderada e empoderadora.
É notável a sensibilidade das autoras. Percebe-se em
cada linha deste texto que são pessoas que lidam, observam e
descrevem os fenômenos a partir do olhar do cliente, neste caso,
os familiares. Ao oferecerem como proposta de abordagem a te-
oria dialógica libertadora de Paulo Freire, surge uma alternativa
original e criativa para os profissionais de saúde, particularmente
aqueles que atuam na comunidade.
Eronice e Maria do Livramento construíram esta experi-
ência pedagógica aprendendo dos cuidadores, de suas falas, e de
seus jeitos de ler o mundo. Mas este trabalho incluiu também na
dialog-ação outros atores e autores, que deram sustentação teóri-
ca a este estudo.
Abordando os saberes e as práticas de cuidadores fami-
liares de idosos, tendo como base teórica o pensamento de Pau-
lo Freire, as autoras realizam uma verdadeira dialog-ação destes
cuidadores entre si e com a realidade que vivem ao cuidar de seu
familiar. Neste processo, aprendemos todos, tornando-nos par-
ceiros na construção coletiva de uma outra história de suporte aos
idosos e suas famílias.
7
Além disso, a Educação traz esperança. E cuidar de um
familiar que vivencia um processo demencial é uma situação que
não se sustenta sem uma disposição esperançosa. Como diz o
Mestre Paulo Freire (2009):
“... sem negar a desesperança como algo concreto e sem
desconhecer as razões históricas, econômicas e sociais que a ex-
plicam não entendo a existência humana e a necessária luta para
fazê-la melhor, sem esperança e sem sonho. A esperança é neces-
sidade ontológica.” (In: Freire P. Pedagogia da Esperança.16ª. Ed.
Rio de Janeiro:Paz e Terra, 2009. P:9)
Para Paulo Freire, uma das tarefas do educador é desve-
lar as possibilidades, não importam os obstáculos, para a esperan-
ça, sem a qual pouco podemos fazer. Este é o grande mérito deste
estudo: trazer esperança às famílias que cuidam de idosos que
vivenciam um processo demencial. A esperança vem da certeza de
que eles podem cuidar. Podem no sentido de ter poder. Poder que
vem do saber e saber que vem pela força do amor ao seu familiar
que está vivendo um processo de deterioração neurológica, mas
permanece amado e merece ser cuidado da melhor maneira pos-
sível. Quando estes familiares descobrem que este “melhor possí-
vel” está dentro de si mesmo eles vivenciam uma libertação. Eles
sentem o poder de saber e de saber que sabem e, portanto, saber
que podem saber mais. O que não podem é parar de aprender e
de buscar.
Embora tão rico, tanto em conteúdo quanto como expe-
riência a ser reproduzida, este livro se mantém em processo de
contínua construção a partir dos próprios cuidadores, que deverão
tornar-se sujeitos de sua própria história e construí-la de maneira
independente. Pois ao se conscientizarem do valor do seu saber e
de suas práticas tomam as rédeas de sua vida. Esta é a verdadeira
liberdade – a liberdade de autodeterminação que só a verdadeira
Educação traz.
8
Apresentação
O
s saberes e as práticas de cuidadores de ido-
sos com Alzheimer é um livro resultante de uma
Dissertação de Mestrado desenvolvida em um
ano e nove meses, aprovada com especial lou-
vor em defesa pública, o que demonstra a dedicação integral e a
capacidade investigativa da autora e mestra, Eronice Ribeiro Mo-
rais, bem como, a minha permanente e disciplinada orientação na
produção científica desta obra.
Embora seja um livro acadêmico e científico, o texto foi
cuidadosamente escrito para torna-se compreensível e acessível
a todos os profissionais de saúde e a qualquer leitor interessado
na problemática que envolve o cuidado familiar a idosos depen-
dentes, em especial aos portadores de Alzheimer. Assim, mostra-
-se como um excelente guia de orientação para os profissionais
de saúde da Estratégia Saúde da Família (ESF), em especial, os
enfermeiros na assistência domiciliar, pois mostra a dinâmica do
cuidado familiar a partir da perspectiva dos próprios cuidadores, e
ressalta a importância do compartilhamento de conhecimento, do
respeito e da valorização das crenças e cultura no planejamento
das ações de saúde voltadas para o idoso/cuidador.
A obra é composta por seis capítulos, no primeiro, apre-
senta-se a contextualização do problema com a delimitação do
objeto de estudo focalizado no fenômeno do envelhecimento e da
Doença de Alzheimer como uma das patologias de grande impacto
sanitário, epidemiológico e social. Neste ponto, emergem questões
9
e pressupostos acerca da atuação dos cuidadores familiares que
se configuram como os verdadeiros objetivos da pesquisa, para
responder a curiosidade investigativa sobre os saberes e práticas
de quem lida no dia-a-dia com o doente, que vê o agravamento da
patologia, com perdas e fragilidades que exigem do familiar cuida-
dor uma dedicação cada vez maior para garantir uma certa quali-
dade de vida para o idoso..
O segundo capítulo traz o fenômeno do envelhecimento
populacional brasileiro, destacando a Doença de Alzheimer dentre
as demências mais prevalentes entre os idosos, além de eviden-
ciar o importante papel do cuidador familiar na manutenção da vida
do idoso com DA. Destacam-se também nesta seção as políticas
públicas de suporte aos idosos, cuidadores e aos portadores de
DA, bem como, as intervenções terapêuticas de Enfermagem que
se mostram relevantes para os cuidadores de idosos, pois quem
cuida diuturnamente de um idoso com tantas debilidades e perdas,
certamente, necessita ser cuidado.
Na terceira seção, a obra traz o referencial teórico que em-
basa o estudo. Esta é uma parte primorosa, pois a teoria dialógica
libertadora de Paulo Freire enfatiza que em todo homem existe um
ímpeto criador que nasce da sua inconclusão, assim, o indivíduo
deve participar e buscar a transformação de sua realidade para ser
mais, passando a se constituir sujeito e não objeto de sua própria
realidade. Desse modo, essa teoria se mostrou apropriada para
desvendar o objeto de investigação, pois se percebeu que a partir
das necessidades sentidas, estes cuidadores buscaram estraté-
gias para transformar sua dinâmica de vida e, conseqüentemente,
sua ação de cuidar.
No quarto capítulo, ressalta-se o passo a passo utiliza-
do para desvelar o objeto de estudo, sendo enfocada a caracte-
rização dos familiares cuidadores selecionados como sujeitos da
investigação e ainda se evidencia a importância da escolha do ce-
nário domiciliar, por ser um espaço de convivência e permanente
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atuação dos mesmos junto aos idosos dementes que a cada dia
tornam-se mais dependentes dos cuidados para realização inclusi-
ve de atividades de vida diária, tais como, alimentar-se, banhar-se
e vestir-se.
Após a atentiva leitura das transcrições das falas dos cui-
dadores entrevistados foi possível mapear informações de conteú-
dos convergentes para formulação de quatro categorias temáticas
que analisadas e interpretadas à luz do referencial freiriano, consti-
tuíram o quinto capítulo desta produção científica. Estas categorias
temáticas foram entituladas das seguintes formas:
11
ou sentidos pelos cuidadores familiares, bem como, destaca-se o
importante papel da mulher como provedora desse cuidado.
É imprescindível ressaltar que o rico e articulado conhe-
cimento produzido na investigação somente tornou-se possível
graças à determinada e incessante busca de referências sobre a
multidimensionalidade do envelhecimento e a Doença de Alzhei-
mer. Além da disciplinada e meticulosa forma que se conduziu a
metodologia para o alcance dos objetivos.
Finalmente, no sexto capítulo, foram apresentadas as
contribuições do estudo na assistência aos cuidadores familiares e
idosos com DA e apontas sugestões de estratégias que melhorem
a qualidade de vida do binômio cuidadores/ idosos. Além do mais,
espera-se que este livro possa ser utilizado no ensino de Enfer-
magem, tanto na graduação e pós-graduação, bem como, sirva
de bases para futuras pesquisas que focalizem essa problemática.
Desta forma, as autoras: Eronice Ribeiro Morais e Maria
do Livramento Fortes Figueiredo desejam e esperam que os leito-
res possam ampliar seus conhecimentos sobre os fenômenos do
envelhecimento, a Doença de Alzheimer e a dinâmica que envolve
o cuidado familiar de um idoso com Alzheimer.
Encerro a apresentação desta obra com o coração cheio
de alegria e satisfação, por ter realizado com muito sucesso a mis-
são de orientar um estudo inovador e relevante que, certamente,
será referência para outras pesquisas congêneres e para nortear
a atenção aos idosos com Alzheimer e, principalmente, aos seus
cuidadores familiares.
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Capítulo 1
O desafio de desvendar os saberes e práticas
dos cuidadores familiares de idosos com alzhei-
mer
O
desafio de desvendar o cotidiano que envolve
o cuidado familiar ao idoso portador de doen-
ça de Alzheimer emergiu a partir da vivência
e experiência profissional, como enfermeira da
Estratégia Saúde da Família (ESF) no município de Teresina, por
um período de quatro anos, onde desenvolvi ações assistenciais
de Enfermagem dirigidas à promoção da saúde do idoso na família
e na comunidade.
Ao realizar o diagnóstico situacional da área, a equipe da
qual participava, identificou um alto índice de idosos portadores
desse agravo que se apresentavam dependentes dos cuidados da
família. Este fato permitiu a programação de visitas domiciliares
a estes idosos, conforme as ações preconizadas pela Estratégia
Saúde da Família.
As visitas domiciliares possibilitaram ouvir depoimen-
tos de familiares acerca das dificuldades enfrentadas, como, por
exemplo: a falta de informação para o desempenho do cuidado, a
incompreensão das orientações prescritas pelos profissionais de
saúde, a sobrecarga de trabalho para um único indivíduo, a dispo-
nibilidade da família na sociedade atual, dificuldades financeiras e
o fato de muitas vezes a cuidadora também ser idosa.
Nessa perspectiva, foi possível observar, empiricamente,
que essas dificuldades vivenciadas pelo núcleo familiar submetiam
os cuidadores familiares a uma sobrecarga psicológica acompa-
nhada de depressão, estresse, queda da resistência física e pro-
13
blemas de ordem conjugal. Paralelamente a isso, o idoso apre-
sentava declínio nas condições de vida que sinalizavam, muitas
vezes, dentre outros, negligência e maus-tratos.
Assim, ao interagir com essas situações e me relacionar
com essas pessoas, senti que precisava compreendê-las para
assim buscar desenvolver um cuidado integrado ao contexto das
crenças e valores que são relevantes para elas. Dessa forma, co-
mecei a interessar-me pelos saberes que fundamentam as suas
práticas de cuidados com esse idoso, pois é notório que estes co-
nhecimentos, aceitos socialmente, transcendem as práticas bio-
médicas.
Além disso, foi possível perceber que esse universo que
me era desconhecido, era também ignorado pelo sistema formal
de saúde, exigindo do profissional de saúde, sobretudo do enfer-
meiro, olhares que revelem uma preocupação e motivem investi-
gações voltadas para a prática de cuidado orientados pelos pró-
prios saberes e práticas dos sujeitos envolvidos.
Atualmente, como docente da disciplina Atenção à Saúde
do Idoso no Curso de Graduação em Enfermagem, desenvolvo
atividades práticas voltadas à assistência a esta clientela, tanto na
área ambulatorial como na hospitalar. Neste contexto, observa-se
que muitos profissionais de saúde, inclusive o enfermeiro, ainda
continuam prestando orientações técnicas, fragmentadas e pres-
critivas, sem levar em consideração a multidimensionalidade do
cuidado, principalmente em relação aos aspectos sociais, culturais
e históricos do idoso, da família e dos próprios cuidadores.
Essa postura dos profissionais de saúde, provavelmente,
está ancorada em sua formação acadêmica, baseada no modelo
biomédico, que não valoriza as atitudes, costumes, e crenças da
população, reforçando, desse modo, a dependência aos serviços
de saúde.
Baseado nessas observações, procurou-se discutir sobre
quais saberes e práticas os cuidadores familiares utilizam no seu
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cotidiano ao cuidar de um idoso com Alzheimer. Questionou-se
também se esses conhecimentos foram adquiridos a partir de vi-
vências e experiências de cuidados com outros membros da famí-
lia, de amigos e/ou de vizinhos, ou seja, saberes provenientes da
própria prática, do senso comum, ou ainda se este cuidado se faz
baseado em informações provenientes dos serviços de saúde ou
veiculados pela mídia.
Esta problemática tornou-se ainda mais instigadora a
partir da inserção no Programa de Pós-Graduação Mestrado em
Enfermagem da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Após su-
cessivas leituras e reflexões acerca do tema, compreendi que os
cuidadores familiares de idosos com Alzheimer apresentam uma
sobrecarga física e psicológica mais significativa do que os demais
cuidadores de idosos com outras doenças crônicas, uma vez que
a DA proporciona ao portador uma perda da autonomia com insta-
lação da dependência, necessitando de um cuidador vigilante às
24 horas do dia, sendo estes essenciais à sobrevivência do idoso.
Vale ressaltar que a Doença de Alzheimer (DA), dentre
todas as demências, é a de maior incidência, acometendo milhões
de pessoas em todo o mundo, tendo sido eleita como o principal
foco de pesquisas sobre as demências que afetam o cérebro nas
últimas duas décadas (CANINEU, 2003).
Estima-se que este agravo atinja mais de 15 milhões de
pessoas no mundo; no Brasil, existem aproximadamente cerca de
um milhão de indivíduos portadores da doença, muitos dos quais
ainda sem diagnóstico, porque geralmente é aguardado um deter-
minado tempo para tomar providências, quando se tem um idoso
com “problemas de memória” no domicilio (CAOVILLA; CANINEU,
2002).
Pesquisadores como Caramelli e Barbosa (2002), afir-
mam que esta desordem neurológica possui um caráter degenera-
tivo, progressivo e incapacitante, que inicialmente afeta a memória
recente, mas com a evolução da doença outras funções cognitivas
15
são alteradas, como a orientação, linguagem, julgamento, função
social e habilidades de realizar tarefas motoras, levando a perda
da autonomia e a instalação da dependência.
É importante lembrar que a prevalência da DA na velhice
extrapola o evento biológico em si, uma vez que tem diferentes
representações e repercussões no contexto econômico, político,
social e cultural das pessoas e famílias por elas afetadas, espe-
cialmente porque a família ainda é o lócus preferencial no proces-
so de cuidar dos idosos, sejam eles dementes ou não (SANTOS;
RIFIOTIS, 2003).
Contudo, para esses autores, o que difere, no caso dos
idosos com Alzheimer, é o fato de esses idosos requererem cui-
dados integrais diuturnamente, uma vez que perdem a autonomia
e a independência, necessitando de pessoas que os auxiliem nas
atividades de vida diária, como: tomar banho, vestir-se, alimentar-
-se, dentre outras ações.
Nesse cenário, emerge na família a figura do cuidador,
que conviverá diariamente com o enfermo, e assumirá os cuida-
dos e as atividades relacionadas ao idoso, tornando-se o princi-
pal apoio para auxiliar na manutenção da identidade e autonomia,
configurando-se em um importante elo entre o idoso e o mundo,
sendo constituídos, entre outros, na sua maioria, por familiares,
amigos e vizinhos, (LUZARDO, 2006).
Assim, a função de cuidador familiar de idoso com Alzhei-
mer não é um papel transitório, porque na maioria dos casos o
portador irá viver 10 a 20 anos em situação de crescente depen-
dência, requerendo atenção ininterrupta durante as 24 horas do
dia. As formas como as famílias lidam e se organizam para assumir
esses cuidados são muito variadas e eventualmente envolvem ou-
tras pessoas que fazem parte do entorno familiar (SANTOS; RI-
FIOTIS, 2003).
Desse modo, vivenciar uma experiência de cuidar de um
familiar, que na evolução da doença chega a não reconhecer o seu
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ente querido, proporciona no cuidador familiar desenvolvimento de
sentimentos ambíguos e contraditórios que, necessariamente, te-
rão que buscar apoio em crenças e valores e na própria fé para,
assim, manter o equilíbrio e a energia capaz de propiciar a realiza-
ção do cuidado.
A esse respeito, Luzardo e Waldman (2004) levantaram
sentimentos manifestados pelos cuidadores familiares dos mais
variados matizes, estando presentes em suas mensagens a culpa,
o medo, a ansiedade, o pesar diante de uma doença totalmente in-
capacitante, o mergulho na insegurança do caos do desconhecido,
a estranheza frente à troca inevitável de papéis sociais, o senti-
mento de impotência frente à evolução da doença, a tristeza diante
da falta de infra-estrutura e de condições financeiras, além da rai-
va originada pela sensação de chegada lenta da morte. Contudo,
também estavam presentes sentimentos de aceitação da vontade
de Deus, de amor e de solidariedade para com seu idoso, que se
apresentava tão fragilizado.
O cuidador familiar foi considerado pelas autoras como
um herói anônimo, pois sua ação se dá no espaço doméstico, onde
parte significativa da vida das pessoas transcorre e onde se man-
tém segredos, verdades, mentiras, memórias, fatos, fotos e rela-
ções importantes. Dessa forma, esses sujeitos escondidos em sua
grandeza, são heróis invisíveis e solitários, pois nem sempre são
percebidos como fundamentais ou valorizados como cuidadores,
quer seja pela própria família, quer seja pelos serviços de saúde.
Fonseca e Soares (2006) revelam também que os dile-
mas, conflitos, dúvidas, medos e inseguranças que permeiam a
prática de cuidados prestada aos portadores de Alzheimer tam-
bém podem ser provenientes de orientações prescritivas, vertica-
lizadas, dos profissionais de saúde, nas quais pouco se privilegia
ou estimula a participação da família nas ações de cuidado, tendo
como conseqüências, muitas vezes, incompreensão do processo
evolutivo da doença, o que contribui para o desgaste físico e psi-
17
cológico nessa relação de cuidado.
Nessa perspectiva, é preciso compreender que os cuida-
dores não se configuram como “quadros em branco”, em que o
profissional pode imprimir suas conclusões e prescrições, pois es-
ses cuidadores trazem para o serviço de saúde suas concepções,
valores e crenças em práticas alternativas de cuidados. Desse
modo, a contextualização social e cultural do cliente que procura
as instituições de saúde vem tornando-se uma exigência para os
profissionais de saúde que pretendem oferecer uma assistência
melhor qualificada em saúde (SIQUEIRA et al., 2006).
Assim, é fundamental que o profissional de saúde, em
particular o enfermeiro, em sua prática assistencial, busque co-
nhecer o contexto social, cultural e histórico no qual cuidador e
idoso encontram-se inseridos. Para tanto, é essencial para este
profissional, integrar-se ao ambiente familiar e identificar as poten-
cialidades e limitações, significados e vivências permeadas nessa
relação de cuidados. E, dessa forma, viabilizar, em parceria com
a família, a produção de novos conhecimentos, de caráter eman-
cipador, constituídos a partir do movimento de troca e construção
entre os saberes científico e popular.
Esse conhecimento emancipador, para Santos (2001), se-
ria aquele no qual a relação sujeito-objeto é substituída pela reci-
procidade entre os sujeitos e onde a solidariedade e a participação
estão presentes. Essa forma de pensar a ciência e a produção de
conhecimentos propõe a idéia de um saber não apenas voltado
para as necessidades do mercado, mas abre-se para a importân-
cia da experiência, do compartilhamento de saberes, ampliando os
cenários de geração de novos conhecimentos.
Nesse sentido, Acioli (2008) aponta que o enfer-
meiro deve ir à busca de práticas de educação em saúde que se
baseiam em um enfoque crítico e emancipador, o que implica no
reconhecimento do caráter histórico dos determinantes sociais,
culturais, políticos e econômicos do processo saúde/doença.
18
Para a autora, essa proposta pressupõe a compreensão
do outro como sujeito, detentor de um determinado conhecimento
e não mero receptor de informações, o que resulta no respeito ao
universo cultural dos participantes e, principalmente, na ideia de
saberes popular e científico pensados de forma dinâmica. Pois,
nesse processo contínuo de interação, a “escuta atenta” e a aber-
tura ao saber do outro possibilitará a construção compartilhada do
conhecimento e de formas de cuidado diferenciadas a partir dessa
construção.
Nesse enfoque, ao buscar conhecer os saberes e práti-
cas dos cuidadores de idosos com Alzheimer, fundamentou-se o
estudo na teoria dialógica libertadora de Paulo Freire, pois na con-
cepção desse teórico, todas as pessoas são dotadas de saberes
e esses conhecimentos provêm da reflexão que o homem faz do
contexto concreto, isto é, das experiências vividas na realidade na
qual está inserido, cumprindo também a função de analisar e refle-
tir essa realidade, no sentido de apropriar-se de um caráter crítico
sobre ela (FREIRE, 1979).
Na compreensão de Freire (1979; 1980), é necessário não
só conhecer o mundo, é preciso transformá-lo. Em outras palavras,
saber/conhecer é uma atitude ativa do homem frente ao mundo,
é, antes de tudo, conscientização, envolve intercomunicação, in-
tersubjetividade, que pressupõe a educação dos homens entre si
mediatizados pelo mundo, tanto da natureza como da cultura.
A prática, na visão de Freire (1980), não pode se restringir
à leitura descontextualizada do mundo, ao contrário, vincula o ho-
mem nessa busca consciente de ser, estar e agir no mundo, num
processo que se faz único e dinâmico, melhor dizendo, é apropriar-
se da prática, dando sentido à teoria. Assim, este autor expressa a
práxis como o ato de ação e reflexão dos homens sobre o mundo
para transformá-lo. Nesse sentido, deve-se ressaltar que a função
da prática é a de agir sobre o mundo para transformá-lo.
E assim, refletindo, pois, sobre as necessidades, limita-
19
ções, possibilidades e estratégias de enfretamento que os cuidado-
res familiares vivenciam na sua rotina diária, ao cuidar de um idoso
dependente, foi focalizado como objeto deste estudo: os saberes
e práticas de cuidadores familiares de idosos com Alzheimer.
Diante da problematização acerca do objeto delimitado
neste estudo, foi elaborada a seguinte questão que serviu para
nortear e estruturar este estudo: Quais os saberes e práticas dos
cuidadores familiares de idosos com Alzheimer?
Tomando como base a questão norteadora que conduziu
a elaboração desta pesquisa, bem como o enfoque de que o sujei-
to é um pensador ativo, que age de acordo com as suas necessi-
dades, concepções e experiências históricas, pessoais, sociais e
culturais, constituíram objetivos deste estudo: Descrever os sabe-
res e práticas dos cuidadores familiares de idosos com Alzheimer
e discutir à luz do referencial dialógico de Paulo Freire os saberes
e práticas dos cuidadores familiares de idosos com Alzheimer.
20
Capítulo 2
O contexto epidemiológico social e político da
doença de Alzheimer no Brasil
O
envelhecimento é um processo inerente a todo
ser vivo, inicia-se após a maturidade sexual e
finaliza-se com a morte. Conforme a Organi-
zação Panamericana de Saúde (OPAS), é um
processo dinâmico, progressivo, individual, acumulativo, irrever-
sível, não patológico, de deterioração de um organismo maduro,
próprio a todos os membros de uma espécie (BRASIL, 2006a).
No Brasil, o envelhecimento da população acontece de
forma rápida, manifestando um comportamento semelhante aos
países em desenvolvimento. Segundo as constatações da Pesqui-
sa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), a população bra-
sileira, no ano de 2007, era constituída por 189,8 milhões de pes-
soas e os idosos representavam 10,6% dessa população (IBGE,
2008).
Essa pesquisa também aponta que a faixa etária com 80
anos ou mais é o segmento populacional que mais cresce atual-
mente. Para se ter uma visualização desse crescimento, é válido
destacar que em 1940 existiam 166 mil pessoas idosas e em me-
nos de um século esse contingente chegou a atingir quase 1,6
milhões em 2007. Isto leva a uma heterogeneidade do segmento
idoso e aumenta a demanda por cuidados de longa permanência
(IBGE, 2008).
21
Vale ressaltar que o Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
tatística (IBGE) ao realizar a Síntese de Indicadores Sociais em
2008 constatou uma “feminização da população idosa”, visto que
houve uma proporção de 100 mulheres para cada 79 homens na
zona urbana brasileira no ano de 2007. Essa predominância do
sexo feminino é atribuída à redução da mortalidade feminina que
vem ocorrendo nas últimas décadas (IBGE, 2008).
Essas mudanças no perfil demográfico da população bra-
sileira são perceptíveis desde 1940, e são resultantes da queda da
mortalidade, concomitantemente, com a redução da taxa de fecun-
didade que elevou as outras faixas etárias, repercutindo, assim, no
aumento da expectativa de vida, sendo que em 2000 a esperança
de vida ao nascer era de 65 anos para os homens e 73 anos para
as mulheres (CHAIMOWICZ, 2005).
Além das modificações populacionais, o Brasil tem viven-
ciado uma transição epidemiológica, com alterações relevantes
nos índices de morbi-mortalidade. Para melhor se perceber essa
transição epidemiológica, destaca-se que em 1950, as doenças
cardiovasculares causavam 12% das mortes e, atualmente, repre-
sentam mais de 40% dos óbitos. Essa inversão do perfil epidemio-
lógico no Brasil é fruto dos avanços tecnológicos na área da saúde,
da melhoria nas condições sócio-econômicas, do controle parcial
das doenças preveníveis por imunizações e da incorporação do
saneamento básico ao espaço urbano (GORDILHO et al., 2000).
Essa transição epidemiológica evidenciada no Brasil é vi-
sualizada também mundialmente, como mostra o relatório da Or-
ganização Mundial de Saúde (OMS) para os agravos crônicos, que
são responsáveis por 60% de todo o ônus decorrente de doenças
do mundo. O crescimento é tão significativo que as projeções para
o ano de 2020 apontam que 80% da carga de doenças dos países
desenvolvidos devem advir das morbidades crônicas (OMS, 2003).
Dentre os agravos crônicos existentes no mundo, atual-
mente, cabe ressaltar as demências que vêm se destacando em
função da sua incidência e prevalência, as quais aumentam expo-
22
nencialmente com a idade, dobrando, a cada 5 anos, a partir dos
60 anos de idade. Desse modo, após 65 anos, a prevalência é
de cerca de 5 a 10%, e a incidência anual é em torno de 1 a 2%,
aumentando progressivamente após os 75 anos, respectivamente,
para 15 a 20% e 2 a 4% (MACHADO, 2002).
As demências acometem principalmente a memória, mas
pode-se observar prejuízo de pelo menos uma das seguintes capa-
cidades de cognição: atenção, imaginação, compreensão, concen-
tração, raciocínio, julgamento, afetividade, percepção, bem como,
também pode se verificar afasia, apraxia, agnosia e perturbações
nas funções de execução, como: planejamento, organização, se-
qüência e abstração por um período superior a seis meses (AME-
RICAN PHYCHIATRIC ASSOCIATION, 2002; CANINEU, 2003).
A causa mais comum de demência em idoso é a doença
de Alzheimer, responsável por mais de 50% dos casos em vários
países. Este agravo é caracterizado clinicamente por sintomas de
debilidade mental progressiva e, anatomicamente, pela presença
de placas de “Redlich-Fisher” no córtex cerebral. É uma enfermida-
de neurológica, lenta e degenerativa, que leva à perda progressiva
das habilidades domésticas diárias e de todas as funções até che-
gar ao final, com a perda total da fala e dos movimentos, ausência
do pensamento e da capacidade de comunicação (GUTERMAN,
2002).
Esse tipo de demência apresenta-se em três estágios: o
inicial, que é leve e o individuo manifesta confusões e perda da
memória, desorientação espacial, dificuldade progressiva no coti-
diano, mudanças na personalidade e na capacidade de julgamen-
to; o segundo, considerado moderado, evoluindo para incapaci-
dade na realização dos atos de vida diária, ansiedade, delírios,
alucinações, agitação noturna, alterações do sono, dificuldades
de reconhecimento de amigos e familiares; e, por fim, o terceiro
e mais grave estágio, caracterizado pela redução acentuada do
vocabulário, diminuição do apetite e do peso, descontrole esfincte-
riano e posicionamento fetal (CAOVILLA; CANINEU, 2002).
23
Embora a etiologia da DA ainda não tenha sido elucida-
da, fatores genéticos são extremamente relevantes, pois além da
idade, a existência de membro da família com demência é o único
fator sistematicamente associado, presente em 32,9% dos casos
diagnosticados (BRASIL, 2002a).
Além de dificuldades em precisar a etiologia, o diagnós-
tico da DA também é complicado, considerando que é feito por
exclusão. Os critérios para o diagnóstico clínico provável deste
agravo são: presença de demência estabelecida por teste objetivo;
prejuízo da memória e de pelo menos outra função cognitiva; piora
progressiva da sintomatologia; ausência de distúrbio do nível de
consciência; início dos sintomas entre 40 e 90 anos; ausência de
distúrbios sistêmicos e/ou outra doença do sistema nervoso cen-
tral que poderiam acarretar déficit cognitivo progressivo, como, por
exemplo, hipotireoidismo (BRASIL, 2002a).
Em relação ao tratamento, nos dias atuais, são instituí-
dos dois tipos de terapias: a medicamentosa, que visa corrigir os
déficits cognitivos e os distúrbios psicocomportamentais; e as te-
rapias não-medicamentosas, consideradas um grande avanço em
relação ao retardo da progressão da doença, ambas executadas
por uma equipe multiprofissional. A combinação dessas terapias
demonstra resultados satisfatórios tanto no cuidar do idoso como
da família (CAOVILLA; CANINEU 2002)
Portanto, compreender a doença no seu aspecto biológi-
co e clínico, de certa forma, já está sendo buscado pela ciência e
vem contribuindo nas estratégias para a terapêutica medicamen-
tosa desses doentes. No entanto, saber lidar com o doente inse-
rido no seu contexto social é o que se precisa melhor investir e,
assim, anunciar que o diálogo com a família cuidadora acerca das
estratégias de cuidar, a partir de suas vivências, pode sinalizar as
diferentes maneiras de cuidar do doente de Alzheimer e produzir
discussões sobre a implementação de políticas de cuidados a esse
grupo (COELHO, 2004).
24
• O Cotidiano do Cuidador Familiar de Idoso com Al-
zheimer no Domicílio
25
se encontra em todas as culturas no mundo e que diz respeito a
modos naturais de ser e estar. O ato de cuidar, independentemente
do seu grau de complexidade ou profissionalização, implica nas
ações humanas úteis para as pessoas e se baseia em modos de
ajudar os indivíduos culturalmente definidos.
Para a autora, cuidar é indispensável à vida do indivíduo e
à própria manutenção de toda a sociedade, permitindo a sua con-
tinuidade. O cuidar e os cuidados são essenciais à sobrevivência
dos homens, assim como para o seu crescimento, saúde, bem-
estar, cura e capacidade de lidar com as deficiências e a morte.
Leininger (1991) afirma que os homens são considera-
dos capazes de cuidar e de preocupar-se com as necessidades,
o bem-estar e a sobrevivência dos outros. O cuidado humano é
universal, ou seja, está presente em todas as culturas. Assim, os
homens são universalmente seres cuidadores que sobrevivem em
uma diversidade de culturas pela sua capacidade de proporcionar
a universalidade do cuidado de várias maneiras e de acordo com
os diferentes contextos, necessidades e situações.
Esse cuidado, na perspectiva de Caldas (2003), tem um
caráter existencial, considerando que emerge quando o cuidador
compreende a sua subjetividade e a do outro, vivenciando essa
relação e expressando-a de tal forma que a individualidade, a au-
tonomia e a liberdade do outro seja respeitada.
E nesse enfoque, cujo cuidado existencial transcende o
tempo e o espaço, como afirma essa autora, bem como indepen-
de de sociedades e culturas, é importante acrescentar que o ser
humano sempre necessita de cuidados. Considerando certos es-
tágios de sua vida, esse cuidado deve corresponder, dentre outros
aspectos, a uma melhor e maior interação com o outro que, por
sua vez, busca uma assistência mais ampla de seus problemas.
Pode-se citar como exemplo disso a velhice, a qual quando acom-
panhada de doenças passa a exigir ainda mais cuidado.
O envelhecimento populacional conduziu a uma crise dos
26
sistemas de proteção social e de saúde, recaindo unicamente so-
bre as famílias a responsabilidade de cuidar dos seus idosos. Esse
cuidado desenvolvido no contexto domiciliar fez ressurgir no nú-
cleo familiar os cuidadores familiares, que são pessoas que ofere-
cem cuidados para suprir a incapacidade funcional temporária ou
definitiva do individuo.
Neste estudo, foram focalizados os cuidadores familiares
de idosos com Alzheimer, cujas tarefas envolvem o acompanha-
mento das atividades diárias do idoso e seu auxílio na alimenta-
ção, higiene pessoal, medicação de rotina e outras práticas neces-
sárias, excluídas aquelas para as quais sejam requeridas técnicas
ou procedimentos identificados com profissões legalmente esta-
belecidas, particularmente na área de Enfermagem (CAMPINAS,
2005).
Esses cuidadores recebem denominações conforme o
vínculo com a pessoa que dispensam o cuidado. Dessa forma,
entende-se por cuidadores formais os profissionais de saúde que
prestam cuidados e são remunerados por estes serviços, ao pas-
so que os cuidadores informais são todos aqueles que prestam
cuidados no âmbito domiciliar, mas não recebem nenhuma remu-
neração, podem ser familiares, amigos, vizinhos e membros da
comunidade (SOMMERHALDER, 2001).
Em seu estudo sobre o impacto nas relações familiares
causadas pelo Acidente Vascular Cerebral, Karsch (2003) mostra
que em 98% dos casos pesquisados, o cuidador informal era al-
guém da família, predominantemente do sexo feminino (92,9%). A
maioria eram esposas (44,1%), seguida de filhas (31,3%); as noras
e as irmãs não foram freqüentes.
Para a autora, o cuidador familiar se revelou o ator social
principal nos cuidados aos idosos incapacitados, sendo que 67,9%
desses indivíduos prestavam cuidados sem nenhum tipo de ajuda.
É importante destacar que a faixa etária de 50 anos foi a mais fre-
qüente, com 59% contra 41% daqueles que tinham idade superior
27
a 60 anos. Os dados mostram também que 39,3% de cuidadores,
entre 60 e 80 anos, cuidavam de 62,5% de pacientes da mesma
faixa etária, ou seja, que pessoas idosas estão cuidando de idosos.
No contexto familiar, a função de cuidador tende a ser
assumida por uma única pessoa, denominada de ”cuidador prin-
cipal”, o qual se responsabiliza pelas tarefas de cuidados, sem
contar com ajuda de outros membros da família. Essa posição é
assumida, geralmente, por esposas, filhas e noras. Assim, a mu-
lher evidencia-se como a “grande cuidadora”, a quem foi atribuída
esse papel cultural e socialmente, ao cuidar dos filhos, do marido,
dos doentes e dos velhos (DIOGO; CEOLIM; CINTRA, 2005; NERI
et al., 2002).
Entretanto, Karsch (2003) alerta que cuidar de um idoso
dependente em casa é certamente uma condição que deve ser
preservada e estimulada. Todavia, estes cuidados não podem
restringi-se somente aos encargos da família, tendo em vista que
atualmente as mesmas sofrem mudanças significativas em seus
papéis, ocasionadas por diversos motivos como: divórcios e novas
uniões; instabilidade econômica e migrações em busca de opor-
tunidades de trabalho; maior tempo de vida das gerações e um
aumento do contingente de viúvas; idosos exercendo chefias de
famílias; e a participação da mulher no mercado de trabalho.
Essa mesma autora ressalta a importância de se analisar
o envelhecimento com dependência dentro de um contexto históri-
co, social, político, econômico e cultural a fim de que sejam imple-
mentadas políticas públicas mais eficazes e viáveis de suporte aos
cuidadores de idosos com dependência.
Estudos científicos revelam duas concepções sobre as
experiências dos cuidadores familiares no domicílio. A primeira se
baseia no enorme impacto de conviver com o doente, que cada vez
torna-se mais dependente, o que provoca uma série de alterações
na saúde física, emocional e social deste cuidador, pois o cuidado
é contínuo, exige conhecimento específico e habilidades. A outra
28
concepção revela os aspectos positivos que envolvem essa rela-
ção de cuidados, que se mostra como uma experiência enrique-
cedora, na qual se faz uma auto-avaliação acerca dos conceitos
e concepções de vida, ganhando-se em aprendizado e reconheci-
mento social, além de renovação espiritual e fortalecimento da fé
(SENA; GONÇALVES, 2008; SOMMERHALDER, 2001; LAHAM,
2003).
A esse respeito, autores como Néri e Carvalho (2002)
apontam que o cuidar envolve questões financeiras, motivações
e afetos, fazendo emergir conflitos e ambivalências. No início do
exercício desta prática, as exigências parecem mais fortes, mas
ao longo do tempo, em virtude de processos adaptativos e da va-
riedade de processos que ocorrem na vida do familiar que cuida,
o senso de sobrecarga pode se estabilizar ou diminuir. Nesse sen-
tido, não se deve pensar no cuidado como uma atividade que ne-
cessariamente traz efeitos nocivos. Apesar de ser tarefa onerosa
em muitos aspectos, nem todos os cuidadores ficam sobrecarrega-
dos, doentes ou estressados, bem como existe a possibilidade de
transformar cognitivamente a situação de modo a lidar com o ônus.
Assim, enquanto prestadora de cuidados ao seu fami-
liar idoso com DA, a família constitui-se em matriz cuidadora que
merece apoio e valorização por parte dos profissionais de saúde,
representando sua importante aliada. A valorização do processo
de cuidar, conduzido pelas famílias, representa uma contrapartida
para o profissional de saúde trabalhar em parceria, atendendo-a
como cliente também em suas necessidades de saúde, minimi-
zando, assim, a vulnerabilidade tanto dos idosos quanto dos seus
familiares cuidadores. Assim, é possível prevenir a institucionali-
zação desses idosos e orientar os cuidadores para que possam
lidar melhor com os desafios que a doença de Alzheimer determina
(PELZER, 2005).
Desse modo, conforme destaca Guterman (2002), é fun-
damental preparar o cuidador e habilitá-lo ao exercício dessa fun-
29
ção e ajudá-lo na missão que lhe cabe, que é a de estar ao lado do
idoso dando-lhe o apoio necessário, servindo-lhe de suporte para
minimizar os seus problemas. Também é necessário preparar os
demais familiares, pois embora seja individual, esta doença, pelos
seus efeitos econômicos e sociais, acomete o próprio núcleo fa-
miliar do idoso, ou seja, a todos aqueles que fazem parte do seu
ambiente domiciliar.
30
lidade (BRASIL, 1994).
Nesse sentido, foi estabelecida, em 1994, através da Lei
8.842, (BRASIL, 1994), a Política Nacional do Idoso (PNI), que
considera idosa toda pessoa com idade maior ou igual a 60 anos
e prioriza em suas diretrizes o atendimento a esse grupo popula-
cional por intermédio de suas próprias famílias ao invés do aten-
dimento asilar. Contudo, é valido lembrar que a família necessita
de uma rede de amparo social e de saúde que se constitua em um
suporte para lidar com o idoso à proporção que este se torne mais
dependente.
Foi nessa política que, pela primeira vez, viram-se efetiva-
mente contemplados os direitos dos idosos de uma maneira mais
ampla, buscando envolver todos os segmentos da esfera federal,
estadual e municipal com o intuito de garantir o bem-estar físico,
emocional e social do idoso em todo o território nacional. (BRASIL,
1994)
Como um detalhamento da PNI, foi criada, em dezembro
de 1999, a Política Nacional de Saúde do Idoso (PNSI), regula-
mentada através da portaria ministerial nº 1.395. O foco central
dessa política é a promoção do envelhecimento saudável através
da manutenção da capacidade funcional, isto é, valorizando a au-
tonomia e preservando a independência física e mental do idoso
(BRASIL, 1999).
Uma das diretrizes da PNSI propõe o apoio à formação
dos cuidadores informais. Desse modo, o governo brasileiro, no
intuito de atender integralmente o idoso e seus familiares, instituiu,
em 7 abril de 1999, a portaria interministerial nº 5.153, tendo, entre
outros, o objetivo de instituir o Programa Nacional de Cuidadores
de Idosos, cujo o foco é formar cidadãos que ofereçam cuidados
adequados aos idosos, bem como conceder suporte aos familiares
cuidadores (BRASIL, 1999).
A Política Nacional de saúde do Idoso foi também respon-
sável pela criação do Programa de Assistência aos Portadores de
31
Alzheimer, através da portaria ministerial nº 703, que entrou em
vigor a partir de 12 abril de 2002. Esse programa foi implantado
no âmbito do SUS, o que determinou que sua abrangência se es-
tenda em todo território nacional. Conforme a portaria, os Centros
de Referências em Assistência à saúde do idoso passam a ser
responsáveis pelo diagnóstico, tratamento, distribuição gratuita de
medicamentos, acompanhamento dos pacientes, além da orienta-
ção a familiares e cuidadores (BRASIL, 2002b).
Outro dispositivo que nasceu dos anseios da sociedade
foi o Estatuto do Idoso, aprovado em setembro de 2003 e sancio-
nado pela lei 10.741, mais abrangente que a PNI, institui penas
severas para quem desrespeitar e abandonar o idoso. Esse esta-
tuto incentiva a permanência desses cidadãos no domicílio, junto à
família e na comunidade, desestimulando as internações em servi-
ços de longa permanência, casas de apoio e afins (BRASIL, 2003).
Vale ressaltar como um marco no Sistema Único de Saú-
de (SUS), em relação atenção à pessoa idosa, a portaria minis-
terial nº 399, de fevereiro de 2006, que divulgou as Diretrizes do
Pacto pela Saúde, a qual agrega três eixos: o Pacto em Defesa do
Sistema Único de Saúde, o Pacto em Defesa da Vida e o Pacto de
Gestão (BRASIL, 2006b).
No Pacto em Defesa da Vida, a saúde do idoso é contem-
plada como uma das prioridades pactuadas entre as três esferas
do governo, sendo apresentadas uma série de ações que objeti-
vam a implementação de algumas das diretrizes da Política Nacio-
nal de Atenção à Saúde do Idoso (BRASIL, 2006c).
No decorrer do processo de pactuação, foi assinada uma
nova portaria ministerial, a de nº 2.528, de 19 de outubro de 2006,
que estabeleceu a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa,
que teve como um dos grandes diferenciais a orientação dos servi-
ços públicos de saúde a identificar o nível de dependência do idoso
e atribuir um acompanhamento diferenciado para cada situação.
Assim, os serviços de saúde, para fornecer um atendimento ade-
32
quado, devem fazer a distinção entre idosos independentes daque-
les que apresentam algum nível de fragilidade (BRASIL, 2006c).
Neste sentido, os profissionais da saúde devem avaliar as
pessoas idosas de acordo com a sua capacidade funcional. E vale
ressaltar que aos idosos frágeis ou dependentes serão destinadas
ações de reabilitação, prevenção secundária e atenção domici-
liar, ao passo que aos considerados independentes caberá receber
ações de prevenção e promoção da saúde, reabilitação preventiva,
atenção básica e suporte social (BRASIL, 2006c).
33
dadores familiares de idoso com Alzheimer, facilitar a expressão
dos problemas, dificuldades e constrangimentos sentidos, valori-
zando o trabalho desenvolvido pelos mesmos. Estes profissionais
deverão mostrar disponibilidade e abertura para o diálogo e aju-
dar os cuidadores a enfrentar e resolver os conflitos resultantes do
processo de cuidar, demonstrando respeito pelas suas crenças e
valores. (DUARTE; DIOGO, 2000)
Essa postura, segundo Acioli (2008), resulta na constru-
ção de um novo saber, que nasce do entrelaçamento do conheci-
mento científico com o saber popular, fruto da reflexão do cotidiano
e da práxis individual ou coletiva, com possibilidade de transfor-
má-la, que é denominada de conhecimento compartilhado. Essa
prática educativa fomenta a interdisciplinaridade, a autonomia e
a cidadania, e privilegia a interação dialógica, na qual os sujeitos
detentores dos diferentes saberes transformam-se e vão transfor-
mando a sua realidade.
A enfermagem, pela proximidade que tem com a popula-
ção, assume um papel fundamental no apoio desses cuidadores,
constituindo-se como o elo entre os mesmos e a equipe multidisci-
plinar. Contudo, a prática evidencia que essa relação nem sempre
é observada, considerando que em muitas situações não há essa
interação entre o enfermeiro e os cuidadores. O projeto de manter
um doente no domicílio é necessariamente pluridisciplinar, exis-
tindo a necessidade de articular os saberes de diferentes grupos
profissionais (PEREIRA, 2008).
Para essa autora, o apoio no domicílio ao idoso e ao cui-
dador deve centrar-se em uma perspectiva holística, no sentido de
manter o doente o mais independente possível, minimizando as
perturbações comportamentais, em um ambiente pouco restritivo,
tendo como referência as seguintes linhas orientadoras: manter
a máxima qualidade de vida; apoiar as famílias e os doentes nas
suas casas; minimizar a mobilidade; diminuir o sofrimento; melho-
rar a autoestima e a integridade pessoal; otimizar o papel da famí-
34
lia e dos cuidadores na prestação de cuidados.
O cuidador não deve ser objeto de intervenção, ser sub-
metido a um tratamento, mas sim sujeito de intervenção, desenvol-
vendo sinergias com os serviços de saúde. Ele deve ser encarado
como aliado na recuperação e manutenção da saúde das pesso-
as de quem cuidam, detentor de um potencial determinado pelas
percepções das experiências vividas, que irão influenciar o seu
comportamento quando da gestão dessas mesmas experiências
(MENDES, 2005).
Essa perspectiva passa de um paradigma, cujos sujeitos
assumem um papel passivo e de simples receptor de cuidados,
conferindo-lhes um papel ativo na vivência do cuidado e na to-
mada de decisões. Mendes (2005) considera que as intervenções
dos profissionais de saúde devem ser dirigidas para os cuidadores,
encarando-os não unicamente como receptores de cuidados, mas
também e principalmente como parceiros do cuidar.
Tais condutas permitem ao enfermeiro trabalhar com os
cuidadores familiares em diversas estratégias como os grupos de
auto-ajuda, palestras, consultas de enfermagem, entre outros, no
sentido de investir no apoio emocional das pessoas que cuidam
para fortalecê-las, melhorando a sua qualidade de vida e do idoso
com Alzheimer.
A esse respeito, Caldas (2002) relata sua experiência em
uma instituição pública ao cuidar de pessoas idosas com demência
e suas famílias ao nível ambulatorial. A autora revela que se reúne
com o cuidador familiar no início do tratamento para esclarecer
acerca da patologia, estabelecer estratégias de cuidado e orientar
para necessidades de adaptação da dinâmica familiar, levando em
conta as necessidades do idoso e da familia.
Caldas (2002) ressalta que continua acompanhando e
reunindo-se com o cuidador sempre que necessário, para esclare-
cer alterações que possam ocorrer na evolução da doença. Os cui-
dadores familiares são também encaminhados ao grupo de apoio
35
à família, ao qual se reúnem semanalmente com a equipe multi-
profissional para esclarecimento de dúvidas e questões relativas
ao cuidado.
Os cuidadores destacam a melhoria no desempenho em
lidar com o idoso demenciado, através da busca de novas estra-
tégias para lidar com o seu ente querido, fazendo ajustes no seu
dia-a-dia, na tentativa de não se anular enquanto ser com as suas
possibilidades de continuar vivendo a sua própria vida. Nesse sen-
tido, essa abordagem de cuidado reafirma a preocupação dos pro-
fissionais nessa área, na tentativa de não somente compreender a
complexidade dessa questão, mas, sobretudo, de buscar soluções
e estratégias que irão ajudar as pessoas que cuidam a enfrenta-
rem essa condição com prazer e alegria de viver (CALDAS, 2002).
Em vista disso, enfatiza-se que para Pereira (2008) ne-
nhuma ação resultará em benefício para o idoso, se o cuidador
não for devidamente apoiado e integrado à equipe de saúde. Estes
atores necessitam que os profissionais de saúde atuem como su-
pervisores e potencializem as suas habilidades pessoais para que
aprendam não só a cuidar do seu doente, mas também a cuidar
de si.
36
Capítulo 3
A teoria dialógica libertadora de Paulo Freire
apoiando a investigação
38
ticipar e buscar a transformação de sua realidade para ser mais,
passando a se constituir sujeito e não objeto de sua própria reali-
dade (FREIRE, 1980).
Baseado nesses princípios, Freire apóia sua teoria em
seis pressupostos designados por ele como idéias-força: toda
ação educativa deve estar precedida de reflexão sobre o homem
e de uma análise do seu meio; o homem só será sujeito a partir
da reflexão de sua situação e do seu ambiente; a educação deve
levar o individuo a uma tomada de consciência e atitude crítica no
sentido de haver mudança da realidade; através da integração do
homem com o seu contexto, haverá a reflexão, o comprometimen-
to, construção de si mesmo e o ser sujeito; à medida que o homem
se integra às condições de seu contexto de vida realiza reflexão
e obtém respostas aos desafios que se lhe apresentam, criando
cultura; o homem é criador de cultura e fazedor da história, pois
na medida em que ele cria e decide, ele a transforma; a educação
deve pressupor que o homem chegue a ser sujeito, construir-se
como pessoa, transformar o mundo, estabelecer relações de reci-
procidade, fazer cultura e história.
Dessas idéias-força, propostas por Freire, emergiram al-
guns conceitos que são utilizados na área da saúde, dentre elas
a Enfermagem. Para nortear este estudo houve uma aproximação
com alguns conceitos propostos por este autor, que se julgou im-
prescindíveis para a análise do objeto de investigação, como: o
diálogo, a cultura, a história, a conscientização e a libertação:
Para Freire (1997), o diálogo é entendido como a própria
palavra, que possui suas dimensões de ação e reflexão. É o encon-
tro fraterno em que há troca de idéias sobre essas experiências, a
partir do saber que cada cidadão/cliente é portador. É o encontro
em que se solidarizam a ação, a reflexão e a ação de seus sujeitos
direcionados ao mundo a ser transformado e humanizado.
Nessa perspectiva, Freire (1997, p. 43) afirma que “o di-
álogo é uma necessidade existencial, é o encontro amoroso dos
39
homens que, mediatizados pelo mundo, o ‘pronunciam’, isto é, o
transformam, e, transformando-o, o humanizam para a humaniza-
ção de todos”.
O diálogo é uma comunicação verdadeira entre os ho-
mens, é ação e reflexão. E com base nesse conceito, deve-se con-
siderar que não há palavra verdadeira que não seja práxis, que
por sua vez significa ação transformadora que desvela a realidade,
permitindo a sua compreensão. É importante lembrar que a com-
preensão serve de instrumento de releitura coletiva da realidade,
onde acontece a relação entre os homens. E, assim, para se man-
ter o diálogo é necessário amor, humildade, fé no homem, criativi-
dade, criticidade e esperança (ESPINOZA, 2007).
Com base nesse enfoque, foi importante a articulação do
diálogo libertador de Freire com os cuidadores de idosos com Al-
zheimer, pois foi possível estabelecer, através dessa comunicação,
uma relação de reciprocidade, de trocas de ideias e de interativida-
de. Além disso, permitiu buscar no universo histórico-social e cultu-
ral dos cuidadores saberes e práticas de cuidados na perspectiva
de contribuir para a transformação da realidade.
Nesse aspecto, deve-se tomar como um dos princípios
orientadores para esta investigação, as dimensões cultural, social
e histórica dos sujeitos, que permeiam suas práticas e saberes,
uma vez que o contexto no qual estes indivíduos se encontram
inseridos é constituído, dentre outras, por desigualdades políticas,
sociais, econômicas, éticas, religiosas, construídas através de di-
versos olhares, em diferentes épocas históricas e por isso compre-
endidas de várias formas por estes atores, conforme seus interes-
ses nas relações sociais (FIGUEIREDO, 2005).
Nesse contexto, Freire (1980) define cultura como todo o
resultado da atividade humana, do esforço criador e recriador do
homem, de seu trabalho por transformar e estabelecer relações de
diálogo com outros homens. Resultado da aquisição crítica, cria-
dora e sistemática da experiência humana, a cultura não pode ser
40
interpretada como a justaposição de informações armazenadas na
inteligência ou na memória e não “incorporadas” no ser total e na
vida plena do homem.
Atrelada à cultura, deve-se destacar a história, a qual, na
compreensão de Freire (1980, p. 38), é vista a partir do princípio
de que:
42
Capítulo 4
O passo a passo para desvendar os saberes e
práticas dos cuidadores familiares de idosos
com alzheimer
44
restrições. Ao aceitarem participar da pesquisa, foram informados
sobre o estudo mediante a leitura do Termo de Consentimento Li-
vre e Esclarecido, que foi lido, discutido e assinado por todos, me-
diante as devidas explicações sobre os objetivos, a metodologia e
as contribuições dos sujeitos para o desenvolvimento do trabalho.
E para melhor descrição e apresentação, foi elaborado
um quadro ilustrativo com as características sócio-demográficas
dos sujeitos, as quais são bastante heterogêneas, conforme de-
45
monstra-se a seguir:
Assim, após a definição de quem seriam os sujeitos da
pesquisa, buscou-se uma aproximação com pessoas e locais que
facilitassem o acesso aos cuidadores familiares de idosos com DA.
Elegeu-se então a ABRAz, regional Piauí. A escolha inicial desta
associação foi pelo fato de ser mais acessível à obtenção da con-
fiança e o aceite por parte destes associados em contribuir com a
pesquisa.
Vale destacar que a ABRAz – PI é uma sub-regional que
está interligada à ABRAz nacional, entidade jurídica, sem fins lu-
crativos, que atua na área de educação e saúde, formada por fami-
liares de portadores de Alzheimer e profissionais da área de saúde
e outras áreas afins e voluntários.
A ABRAZ – PI foi criada em 21 de setembro de 2002, com
a missão de ser o núcleo central de todos aqueles envolvidos com
a DA, permitindo o intercâmbio e apoiando ações voltadas ao bem-
estar do portador, da família, do cuidador e dos profissionais. Pos-
sui atualmente 55 integrantes, dentre os quais 38 familiares e 17
profissionais das diversas áreas de saúde.
Assim, foi por intermédio dessa associação que foi possí-
vel participar das reuniões e contatar com os cuidadores familia-
res, passando a conhecer mais de perto suas experiências e vivên-
cias frente a essa relação de cuidados e a partir daí selecionar os
participantes do estudo.
Após a escolha dos sujeitos, buscou-se um local apro-
priado para a coleta de dados, e o ambiente que se mostrou mais
adequado para realização das entrevistas foi o próprio domicílio
dos cuidadores, garantindo a eles a permanência junto ao idoso.
Além disso, as suas residências se mostraram um ambiente favo-
rável à interação pesquisador e sujeitos, possibilitando a estes se
sentirem mais à vontade ao revelar suas experiências, crenças,
valores, bem como seus saberes e práticas construídos através
da relação de cuidado que mantém com o idoso portador da doen-
46
ça. É importante destacar que os domicílios visitados localizam-se
nas diversas regiões do município de Teresina.
Em seguida, iniciou-se a coleta de dados, através da en-
trevista semi-estruturada que, segundo Minayo (2007), constitui
um diálogo entre dois ou mais interlocutores, no qual o pesqui-
sador vai estimulando os sujeitos a expor suas opiniões, pensa-
mentos e expectativas acerca de uma temática, com intuito de
construir informações pertinentes para o objeto de pesquisa.
As informações foram originadas através de um roteiro
de entrevista que, segundo a autora, conteve elementos essen-
ciais e suficientes dispostos em tópicos que contemplou os objeti-
vos propostos na pesquisa.
Essa técnica se mostrou adequada e contribuiu para nor-
tear a investigação, uma vez que possibilitou estabelecer vínculos
com o entrevistado e, desse modo, aprofundar-se no universo que
envolve as relações de cuidado entre o binômio cuidador e idoso
com DA.
Após a autorização do Presidente da ABRAz - PI e a
aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade
Federal do Piauí (UFPI), deu-se início à coleta de dados que ocor-
reu durante os meses de abril e maio de 2009.
Inicialmente, para a ambientação da pesquisadora e ade-
quação do roteiro de entrevista semi-estruturada, aplicou-se um
teste piloto com o intuito de realizar correções neste instrumento.
Em seguida, as entrevistas foram conduzidas pela pesquisadora
e gravadas em Mp3. Esse levantamento ocorreu até alcançar a
saturação dos discursos, isto é, o ponto de saturação no qual se
percebe que as informações se tornaram repetitivas.
Posteriormente à realização das entrevistas e suas trans-
crições na íntegra, buscou-se desvendar os significados manifes-
tos e latentes que permeiam o objeto de estudo proposto. Desse
modo, elegeu-se a análise de conteúdo de Bardin (2006), que é
um conjunto de técnicas de análise parciais, mas complementa-
47
res, a qual consiste na explicitação e sistematização dos conteú-
dos das mensagens e da expressão dos mesmos.
Nessa perspectiva, foi essencial categorizar as narrativas
dos sujeitos para sistematizar as unidades de significação. Assim,
priorizou-se a análise categorial, que consiste no desmembramen-
to do texto em unidades e categorias conforme reagrupamentos
analógicos (BARDIN, 2006).
Para a autora, a análise de conteúdo basicamente des-
dobra-se em três fases, a saber: a pré-análise; exploração do ma-
terial; tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. E
acrescenta que em cada uma dessas fases deve ser dada priori-
dade a uma etapa das análises, a qual deve manter uma imbricada
relação com as demais.
Na pré-análise, inicialmente, o pesquisador organiza o
material para, em seguida, realizar a leitura flutuante, na qual se
estabelece o primeiro contato com o corpus, que é o conjunto de
documentos a serem submetidos aos procedimentos analíticos.
Nesta fase, o pesquisador passa a ter uma visão globalizada dos
dados (BARDIN, 2006).
A segunda etapa consiste na exploração do material que
compreende a codificação, que corresponde à transformação dos
dados brutos por recorte, agregação e enumeração em unidades
de sentido, permitindo uma descrição exata das características
pertinentes do conteúdo (BARDIN, 2006).
Neste estudo, o material codificado originou unidades te-
máticas como saberes, práticas, necessidades e sentimentos que
envolvem a prática de cuidados dos sujeitos cuidadores dos ido-
sos com Alzheimer. Após o recorte, procedeu-se à contagem das
unidades de significação, conforme as regras estabelecidas pelo
codificador que, posteriormente, classificou-as e as agregou em
quatro categorias: os saberes sobre a Doença de Alzheimer na voz
dos cuidadores familiares; a essencialidade e a individualidade do
cuidado familiar do idoso com Doença de Alzheimer; as necessida-
48
des e os sentimentos que envolvem a prática do cuidador familiar
de idoso com Alzheimer e a influência das questões de gênero na
determinação do cuidado familiar.
Por fim, a terceira fase refere-se ao tratamento, inferên-
cia e a interpretação das categorias de análise obtidas a partir dos
depoimentos dos cuidadores familiares de idosos com Alzheimer
acerca das suas práticas e saberes, tendo como base o referencial
teórico dialógico de Paulo Freire.
É importante ressaltar ainda que o Termo de Consenti-
mento foi elaborado de acordo com as Normas do Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí (CEP/UFPI), as
quais são baseadas na Resolução do Conselho Nacional de Saú-
de nº. 196, de 10 de outubro de 1996, que trata dos procedimentos
éticos das pesquisas envolvendo seres humanos. Essa resolução
incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, os referen-
ciais básicos da bioética, autonomia, não maleficência, beneficên-
cia e justiça, visando assegurar os direitos e deveres que dizem
respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao
Estado. Os participantes foram ainda informados de que esse Pro-
jeto de Pesquisa foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética da
UFPI, através do parecer nº 0017.0.045.000-09 (BRASIL, 1996).
Destaca-se que nesse termo, como forma de assegurar o
sigilo e o rigor aos aspectos éticos da pesquisa, foi estabelecido e
garantido aos sujeitos do estudo o anonimato de suas identidades,
sendo resguardados, para tanto, os seus nomes originais, os quais
passaram a ser identificados e referidos através da terminologia
depoente acrescida da ordem numérica crescente de acordo com
a seqüência das entrevistas.
49
50
Capítulo 5
Os saberes e práticas dos cuidadores familiares
de idosos com alzheimer
A
partir de suas vivências com os portadores da do-
ença, os cuidadores familiares revelaram uma va-
riedade de necessidades e sentimentos gerados
pela relação com o idoso portador de Alzheimer,
que permeiam seus saberes e práticas e nas quais foi possível ob-
servar a marcante presença da mulher nessas ações de cuidados.
Através do diálogo com os cuidadores familiares, mergu-
lhou-se no universo de saberes e práticas dos mesmos e pôde-se
extrair dos seus discursos as unidades de significação que possi-
bilitaram a construção das categorias temáticas a serem analisa-
das, as quais expressam as diversas formas de conhecimentos e
os diferentes modos de cuidados construídos pelos sujeitos deste
estudo.
Os discursos sobre as práticas e os saberes dos sujeitos
convergiram para a formação de quatro categorias temáticas de-
nominadas: a Doença de Alzheimer na voz dos cuidadores fami-
liares; a essencialidade e a individualidade do cuidado familiar; as
necessidades e os sentimentos do familiar cuidador e a influência
das questões de gênero na escolha do cuidador familiar.
A análise e discussão dos dados foram embasadas na
teoria dialógica de Paulo Freire, como já explicitado, com enfoque
nas concepções e conceitos de diálogo, cultura, história, conscien-
tização e liberdade, identificando uma articulação entre os dados
emergentes dos sujeitos referentes aos saberes e práticas dos cui-
dadores de idosos e os elementos teóricos que sustentam esta
51
investigação.
52
com o dia a dia. É só com a necessidade (...) (Dep.04).
53
cas percebidas no dia-a-dia dos portadores, originados concomi-
tantemente ao desenvolvimento das fases da doença, que foram
se somando a uma diversidade de informações adquiridas ao lon-
go da trajetória deste agravo, como mostram os discursos a seguir:
55
em fase terminal, exige dos cuidadores, dentre outras, a capacida-
de de observação e de tomada de decisão, o que deve ser capaz
de superar até a falta de comunicação e expressão de sintomas
por parte do doente. Essas sintomatologias referentes à fase ter-
minal da doença foram mencionadas pelos depoentes 01 e 06.
Contudo, é pertinente acrescentar que em relação às ca-
racterísticas das três fases descritas por Barreto (2005), Coelho
(2004) acrescenta que não são bem delimitadas, considerando que
os sintomas se interpenetram e o tempo de cada fase é variável
de um indivíduo a outro. Nesse sentido, as diferenças individuais
e evolutivas da doença fazem com que os cuidadores aprendam e
cuidem de modos e formas distintas a depender das especificida-
des de cada doente.
Trazendo a discussão para os relatos desta pesquisa, de-
ve-se ressaltar que os cuidadores atribuíram um significado para
a doença relacionando com suas respectivas fases de evolução,
em que se pôde identificar uma diversidade de saberes que emer-
giram das falas, embora com um número limitado de cuidadores,
pois cada um dos participantes teve uma realidade diferenciada re-
pleta de sinais e sintomas, comportamentos, sentimentos e perdas
que demandaram atitudes também diferenciadas.
Esses cuidadores revelaram saberes empíricos, porém
ricos de informações sobre os sinais e sintomas, evolução da do-
ença nas diferentes fases, destacando as perdas nessa trajetória
evolutiva.
Além disso, cabe enfatizar que os relatos apresentaram-
se repletos de saberes com formas alternativas de tratamento, ba-
seados, sobretudo, no amor, carinho, dedicação e atenção. Esse
aprendizado sobre os modos de tratar/cuidar, traduziram-se em
práticas que foram construídas ao longo da doença, a partir das
especificidades da convivência individualizada e das necessidades
cotidianas subjetivas de cada portador, como descrevem os depoi-
mentos seguintes:
56
[...] Mas pra ser descoberto o tratamento que prolongue só o
amor, o carinho e a dedicação que a gente tem com o paciente,
porque remédio pode dar uma ajuda, mas eu acho que deixa
ele mais lento, por causa dos remédios que dão pra acalmar,
dormir. Porque eles ficam mais é dormindo, mas ajuda. Mas é o
carinho mesmo e o amor que ajuda a tratar, porque meu espo-
so está com 8 anos, e ele ainda não perdeu assim. É você dar
amor, carinho e atenção, se lhe chamou, você diz o que é, se é
pra repetir três, quatro vezes repita (Dep. 04).
Olha este cuidado tem que ter muita dedicação, renúncia, ca-
rinho, amor, são estas coisas pra nortear este cuidado, se não
você não consegue, porque é muito pesado, eu acho que só o
amor (Dep. 06).
57
Alem da dimensão afetiva, foi possível identificar nos con-
teúdos das falas dos cuidadores a riqueza de informações que po-
voam o contexto sócio-cultural e histórico, conforme descrevem os
conteúdos das falas a seguir:
58
ABRAz, a mídia televisiva, revistas e a rede mundial de computa-
dores, a Internet.
E a partir dessa articulação entre teoria e prática, o cuida-
dor familiar, como ser social, adota uma postura crítica de forma
que vai tornando-se cada vez mais capaz de construir o seu pró-
prio conhecimento. Assim, a aprendizagem é a construção desse
saber e a constatação da necessidade de transformação, que se
incorpora a aspectos variados de sua vida, de sua casa, de seu
modo de conviver, que se traduz na incoporação e reconstrução
de novas práticas. Este movimento corresponde à passagem da
consciência ingênua à consciência crítica (FREIRE, 1994).
Na maioria dos relatos dos cuidadores, mostrou-se evi-
dente o desejo de aprender acerca da evolução da patologia, que
se reflete pelas buscas em diferentes fontes, fazendo, inclusive,
com que passassem a se associar a ABRAz – PI, por ser um es-
paço de convivência de grupos de auto-ajuda para os cuidadores.
No entanto, mesmo após estes esforços e estratégias de compre-
ensão da doença, o conhecimento evidenciado nos depoimentos
ainda se mostrou superficial e carente de informações acerca da
evolução e manejo da DA, o que, de certa forma, prejudica a instru-
mentalização do familiar para um cuidado mais eficiente e seguro e
a conseqüente minimização de desgastes físicos e/ou emocionais.
Como pode-se identificar nestes depoimentos:
59
dos transtornos que essa doença causa, tanto para o portador
como para o cuidador (Dep. 08).
Eu não sei de nada, só sei que é uma doença que trás muito
esquecimento, a pessoa esquece tudo. Às vezes ela já almoçou
e ai ela não lembra (Dep. 11).
Primeiro tem que dar tudo na mão. Ela tem que tomar medica-
ção, é eu quem dou, o alimento na hora ela não se lembra, às
vezes ela se alimenta e esquece que se alimentou e como no
caso da minha mãe, esta engordando explosivamente, porque
às vezes eu dou alimentação no horário, daí a pouco ela diz que
não comeu, e aí eu como não estou em casa, ela esquece e
repete novamente, e vai engordando. Também a outra questão
do asseio, banho não quer tomar, é preciso a gente lembrar. Eu
digo “olha mãe tem que tomar banho”. Às vezes ela fica irritada,
muito irritada, e aí ela diz assim: “ah, eu fui mãe, agora sou
filha?” (risos) (Dep. 14).
62
Tem que ter cuidado com remédio, com a alimentação, provi-
denciar uma pessoa para ajudar nas atividades domésticas,
porque como eu trabalho, fica difícil ter um só cuidador. Então
eu sou a cuidadora principal, tô olhando a medicação, alimen-
tação. Eu tenho que voltar na hora pra ver se ela almoçou, eu
tenho que estar à noite em casa, ver como foi à noite dela, como
foi que ela dormiu, quantas vezes acordou de noite (Dep.08).
63
que tornam o cuidado específico para aquele indivíduo ao qual se
destina.
Essa individualidade do cuidado familiar apresenta uma
diversidade de posturas que vão desde uma atitude protetora,
mantendo o idoso dependente de sua ação e supervisão, até ou-
tras que estimulam a participação e o auto-cuidado, com vistas a
reduzir o grau de dependência do idoso com DA. Esses diferentes
modos de cuidado familiar podem ser identificados nos depoimen-
tos descritos:
O médico disse que pra pessoa que cuida de quem tem Al-
zheimer não tem que dar tudo de bandeja pro doente, quando
ela pergunta uma coisa, você faz outra pergunta, pra vê se ela
bota a mente pra funcionar, tem sempre que está estimulando
(Dep. 14).
64
soal e locomover-se (BRASIL, 2008).
Partindo desse enfoque, pode-se destacar que os cuida-
dores têm conhecimento de que a seleção da estratégia de cuida-
do familiar mostra-se como uma ação individualizada, devendo se
adaptar a cada portador, ao estágio evolutivo da doença e ao grau
de dependência, como se constata nas falas a seguir:
Quando ela está irritada, eu procuro dançar com ela, faço uma
brincadeira com ela para sorrir, não se irritar, porque foi uma
coisa que o médico disse: “não deixe ela ficar irritada, a gente
procura não contrariar, porque ela esquece” (Dep. 11).
Então agora eu criei uma maneira dela tomar banho sem gritar,
é só dizer que vai passear de carro que ela fica bem quietinha
(Dep. 12).
Tinha que ser tudo trancado, ele abria a casa à noite. Tive que
colocar cadeado, esconder chaves, tirei tudo que fosse arma
de casa, talher, louça, cadeira, foi tirado tudo de dentro de casa
(Dep. 01).
66
determinado saber. Essa forma de construção compartilhada do
conhecimento nasce da relação entre o senso comum e a ciência,
sendo entendida como uma metodologia desenvolvida na prática
da Educação e Saúde que considera a experiência cotidiana dos
atores envolvidos e tem por finalidade a conquista, pelos indivíduos
e grupos populares, de maior poder e intervenção nas relações so-
ciais que influenciam a qualidade de suas vidas (ACIOLLI, 2008).
Desse modo, quando a enfermeira troca conhecimentos
e experiências com a família, ambos crescem e novas estratégias
no cuidar se apresentam e tendem a minimizar os conflitos dos
encontros e desencontros desses saberes e práticas. A esse res-
peito, Freire (1994, p. 29) afirma que “o diálogo não pode excluir o
conflito, sob pena de ser um diálogo ingênuo. Eles atuam dialetica-
mente, e o que dá força ao diálogo entre os oprimidos é sua força
de barganha frente ao opressor”.
Nesse sentido, o profissional de saúde, sobretudo o en-
fermeiro, deve continuamente procurar despertar possibilidades
de dimensionar, através de saberes e práticas dos cuidadores, o
cuidado e o auto-cuidado, despertando a conscientização, a qual
por sua vez é capaz de se revestir de transformações da própria
realidade social e cultural desse indivíduo.
67
apresentadas, inicialmente, as necessidades vivenciadas pelos
cuidadores familiares nesta relação de cuidado.
Com propósito de possibilitar uma melhor compreensão a
respeito das necessidades vividas pelos sujeitos, buscou-se con-
ceituá-las na perspectiva teórica de Horta (1979), que considera o
ser humano como agente de mudanças, um ser de transformação,
que causa desequilíbrio em seu próprio dinamismo. Por sua vez,
esse desequilíbrio gera necessidades, caracterizadas por estados
de tensão conscientes ou inconscientes, que os levam a satisfazê-
las para manutenção do equilíbrio.
É importante lembrar que as necessidades, neste estudo,
são entendidas não apenas como exigências, mas principalmente
como aquilo que é essencial à sobrevivência do individuo, e quan-
do não são atendidas ou atendidas inadequadamente podem tra-
zer desconforto que, por sua vez, se for prolongado, pode provocar
doença, seja de ordem física ou mental.
Sobre as necessidades vivenciadas pelos cuidadores fa-
miliares, pôde-se constatar que elas apresentam características
que se aproximam das descritas por Wanda Horta, quais sejam: a
universalidade, pois são comuns aos seres humanos, sendo que
neste estudo foi evidenciada nas falas de todos os participantes; e
a individualidade, sendo específica de cada indivíduo, inclusive até
na maneira de satisfazê-la, o que também foi demonstrado no dis-
curso dos depoentes desta investigação. Cabe enfatizar que cada
sujeito expressou as demandas e dificuldades próprias do cotidia-
no familiar e apontou as estratégias utilizadas para superá-las.
Em relação às necessidades da família, sabe-se que di-
versos fatores influenciam no modo de satisfazê-las, dentre os
quais, destacam-se: o ciclo de vida familiar, a cultura, a raça, além
dos fatores sociais e econômicos. E assim, para que a assistên-
cia à família seja integral e resolutiva, torna-se imperativo que os
profissionais de saúde, em especial, o enfermeiro, considerem as
necessidades básicas de cada individuo dentro do seu contexto
68
familiar, histórico, social e cultural (WAIDMAN, ELSEN, 2004).
Partindo, pois, desses pressupostos, revela-se a impor-
tância de se ter buscado iluminar os achados desta investigação
nas concepções teóricas e filosóficas de Freire (1980) acerca da
historicidade do ser humano, o qual apresenta no seu ciclo vital
possibilidades e limitações próprias de sua cultura, que o capacita
ao aprendizado e à transformação para superação das demandas
e dificuldades cotidianas, o que foi observado nas informações dos
sujeitos participantes deste estudo, que revelaram diferentes ne-
cessidades resultantes de sua vivência com o portador de Alzhei-
mer, conforme descrevem os relatos seguintes:
69
atividades sociais; de ordem financeira; de compartilhamento de
responsabilidades e de cuidar da sua própria saúde.
Nesse depoimento, a participante do estudo expressa
com muita ênfase a necessidade financeira vivenciada desde o
início da doença do seu cônjuge, que se acentuou com evolução
das dependências e impossibilitou a contratação de serviços de
terceiros. Atrelado a isso, pôde-se identificar outros conflitos como
a renúncia à vida profissional e dificuldades referentes à perda da
integridade física da cuidadora, decorrente da sobrecarga de ativi-
dades no cuidado ao doente, tendo como resultante a instalação
de patologias osteoarticulares.
Como já foi dito, cada pessoa tem necessidades específi-
cas, assim como também utiliza estratégias próprias para atendê-
-las. A depoente (Dep. 01), diante da desestruturação financeira
e familiar, buscou o diálogo e a integração da família com vistas
ao compartilhamento de responsabilidades, minimizando, assim, a
sobrecarga física e emocional no cuidado ao doente. Além do mais,
a cuidadora, desde o início do quadro clínico até os momentos de
intensificação dos sintomas, principalmente aqueles referentes à
agressividade e à fuga do lar, manteve o equilíbrio emocional e
utilizou o mecanismo de aceitação da realidade para superar as
dificuldades impostas no cotidiano do cuidado familiar do cônjuge
portador de DA.
Com base na problemática deste estudo, pode-se ressal-
tar que os achados convergem aos de outros estudos que apontam
com maior evidência algumas necessidades dos familiares, princi-
palmente, do cuidador, que se caracterizam como de ordem física,
psíquica, econômica, social e emocional. É importante acrescentar
que é pertinente a esse cuidador receber apoio e ajuda da família
e dos profissionais de saúde no sentido de cuidar de sua própria
saúde, de ter atividades sociais e de lazer e de satisfazer suas pró-
prias necessidades como ser humano (ALVAREZ, 2001).
Atrelado às necessidades vivenciadas no cotidiano do cui-
70
dado domiciliar, também se constatou a marcante desestruturação
do núcleo familiar, decorrente do impacto social e psíquico provo-
cado a partir da confirmação do diagnóstico da doença em um ente
querido. Esse fato desencadeia, entre os familiares, sofrimento e
dor, principalmente por ser a doença de Alzheimer despersonali-
zante e incapacitante, emergindo a partir daí conflitos e estresses
que acometem os diversos membros da família, em especial, o
cuidador familiar principal, como se evidenciam nos depoimentos
a seguir:
71
truturação do núcleo familiar, visualizadas por importantes mudan-
ças na dinâmica e nas relações familiares que resultaram na rede-
finição ou trocas de papéis.
A necessidade de informações adequadas sobre a do-
ença e de uma melhor instrumentalização da rede de suporte de
saúde para atender o portador e a família, emergiu no depoimento
abaixo. Esta demanda encontrou articulação nos estudos de Cal-
das (2000), que retratou a importância do suporte emocional e de
uma rede de cuidados que ligue a família aos serviços de apoio
e aos meios que garantam qualidade de vida aos cuidadores e
portadores.
Acho que todo mundo deveria ter formação, para poder saber
trabalhar, lidar com o portador dessa doença. Às vezes, sinto
dificuldades em compreender as explicações dele (profissional
de saúde), em relação à medicação, ele fala umas palavras que
não entendo o significado (Dep. 13).
72
gico e curativista contempla apenas aspectos intervencionistas da
doença, tais como: procedimentos e terapias medicamentosas,
deixando de valorizar outras orientações que visam à compreen-
são acerca do evento, uma vez que se considera que estas são tão
importantes quanto a terapia medicamentosa.
Com relação à atitude de transmissão de conhecimento
de forma unilateral presente na conduta desses profissionais de
saúde, cabe ressaltar o que defende Paulo Freire (1987) ao des-
tacar que neste caso o saber é entendido como “uma doação dos
que se julgam sábios aos que julgam nada saber” (FREIRE, 1987,
p.67).
Vasconcelos (2001) reporta-se a este tipo de orientação
como “toca boiada”, referindo-se à imposição de normas e compor-
tamentos considerados adequados pelos técnicos, que conduzem
a um caminho previamente determinado. Estabelece-se uma rela-
ção vertical e autoritária entre o profissional e a população, basea-
da na crença de que quem detém o saber é o educador e que é ele
quem deve transmitir suas informações e ensinamentos.
A esse respeito, observa-se que, atualmente, no Brasil
há uma exigência social para que se modifiquem as posturas dos
profissionais de saúde. O Sistema de Saúde vigente vislumbra prá-
ticas de educação em saúde embasadas no princípio de que o
individuo tem um saber prévio, adquirido através de sua história
de vida, de sua prática social e cultural e de que este é o ponto de
partida para a aquisição de novos conhecimentos. A relação que
se estabelece entre profissional de saúde e população deve ser
necessariamente dialógica, baseada no reconhecimento da exis-
tência de diferentes saberes e na possibilidade de aprendizagem
mútua (BORNSTEIN, 2006).
O autor destaca também outro elemento fundamental nes-
sas práticas educativas, caracterizado pelo entendimento da edu-
cação como um processo de busca e de invenção ou reinvenção,
que parte da ação e da reflexão do homem sobre o mundo para
73
transformá-lo. A problematização das experiências ou situações
vividas se constitui em desafio para a transformação e, portanto,
também em fonte para a organização do conhecimento.
Nesse enfoque, analisando o atual quadro precário e in-
suficiente dos serviços do sistema de saúde brasileiro, constata-se
que os idosos portadores da DA sobrevivem com poucos recursos
pessoais e sociais, bem como suas famílias. Além das necessida-
des materiais, tais como: recursos financeiros, questões de mora-
dia, transporte e acesso a serviços de saúde, evidenciam-se ca-
rências expressas pelos cuidadores que vão desde as informações
sobre sinais e sintomas, evolução e tratamento da doença até uma
rede de serviços de saúde instrumentalizada para o atendimento
do portador e de sua família.
É importante acrescentar sobre as necessidades sentidas
pela família em relação ao cuidado de um idoso portador de Alzhei-
mer que se faz essencial para o profissional de saúde, em particu-
lar o Enfermeiro, conhecer as necessidades da família, suas cren-
ças, valores e costumes para facilitar a construção de um plano
de assistência digno e individualizado a cada família (WAIDMAN;
ELSEN, 2004).
Diante de todas essas necessidades apontadas e des-
critas pelos cuidadores, emergiram sentimentos que envolvem a
prática desses sujeitos. De acordo com os conteúdos das falas
dos depoentes, pôde-se identificar emoções e reações afetivas di-
versificadas, que se refletem através da culpa, medo, ansiedade,
pesar diante de uma doença totalmente incapacitante, o mergulho
na insegurança do caos do desconhecido e a estranheza frente
à troca inevitável de papéis sociais. Além disso, caracterizam-se
como freqüentes, o sentimento de impotência frente à evolução da
doença, a tristeza diante da falta de infra-estrutura e de condições
financeiras, a raiva contida pela lenta chegada da morte.
Para superar esta diversidade de sentimentos, evidencia-
ram-se mecanismos de defesa tais como: a aceitação da vontade
74
de Deus, bem como, o amor e a solidariedade ao seu ente querido
que se apresenta fragilizado, conforme expressam estes relatos:
75
sofrem uma sobrecarga física e psíquica que pode levar a uma má
qualidade de vida e por isso também precisam ser alvo de preo-
cupações e cuidados, já que, em caso de sobrecarga, poderão se
mostrar muito cansados, apresentar irritação e baixa tolerância,
o que certamente irá influenciar no cuidado prestado, bem como
poderá levá-los a um estado de exaustão.
De acordo com Neri e Carvalho (2002), no cuidar mis-
turam-se questões práticas, financeiras, motivações e afetos, fa-
zendo emergir conflitos e ambivalências. Em outras palavras, isso
significa dizer que o cuidado não é uma situação linear vivenciada
sempre da mesma forma. No início do exercício do papel, as exi-
gências parecem mais fortes, mas ao longo do tempo, em virtude
de processos adaptativos e da variedade de enfretamentos que
ocorrem na vida do familiar que cuida, o senso de sobrecarga pode
se estabilizar ou diminuir.
Partindo dessa mudança de paradigmas e da sobrepo-
sição de sentimentos que se instauram com o desenvolvimento
dessa prática, não se deve pensar no cuidado como uma atividade
que necessariamente traz efeitos negativos. Apesar de ser tarefa
onerosa em muitos aspectos, nem todos os cuidadores familiares
ficam insatisfeitos, doentes ou estressados, bem como existe a
possibilidade de transformar cognitivamente a situação de modo
a lidar com o ônus.
Dessa forma, também foram evidenciados sentimentos
positivos, gratificantes e prazerosos produzidos nas experiências e
nas mudanças significativas ocorridas na vida de alguns dos cuida-
dores familiares participantes desta investigação, como se observa
nestas falas:
76
porque é dos meus pais, de maneira alguma eu abro mão de
cuidar deles, é bom a gente conviver juntos, é muito bom. Por
outro lado é ruim, porque a gente não gostaria que isto tivesse
acontecendo, como no caso de meu pai, ele é normal, toma de-
cisões, ela não, tudo eu tenho que decidir por ela, por isso tem
horas que eu fico aperreada. Mas apesar de cansativa é uma
experiência que considero boa, pois são os meus pais (Dep.
14).
78
A maior queixa é em relação a minha família, meus irmãos não
ajudam, é uma situação muito difícil. Eles acham que como eu
sou mulher, tenho o dever de cuidar (...) (Dep. 07).
A minha mãe foi uma pessoa que casou muito nova, casou-se
com 12 anos, ficou viúva com 14 anos e casou-se novamente
com meu pai com 15 anos, ficou viúva aos 36 anos com 7 filhos
para criar. Ela só tem o primário e formou os 7 filhos. Então se
hoje eu sou dentista, a outra professora e a outra filósofa, a
gente tem que agradecer a ela, pois quando meu pai morreu
eu tinha apenas 5 meses, ele só fez me pegar. Então o que nós
temos e o que nós somos, temos que agradecer a ela, foi nosso
pai e nossa mãe. Eu acho que é por isso que o carinho é maior
(Dep. 11).
79
Este cuidado como retribuição foi investigado por Som-
merhalder (2001) que destacou como uma possibilidade de retri-
buir valores e a oportunidade de dar exemplo de solidariedade,
relacionando-os ao senso de crescimento pessoal e de auto-rea-
lização, e interpretando-os como benefícios psicológicos, eviden-
ciados no papel de cuidar das mulheres.
Sobre o predomínio das mulheres como cuidadoras de
familiares com Alzheimer, identificado nesta investigação, encon-
trou-se similaridades em outros estudos congêneres, nacionais e
internacionais, como os realizados por Caldas (2000), Sommerhal-
der (2001), Santos (2003) e Pereira (2008) que relacionaram este
papel feminino aos determinantes sócio-culturais, os quais estabe-
lecem para mulheres as atividades domésticas e de cuidados da
saúde.
No entanto, emergiram informações específicas e particu-
lares do grupo de sujeitos investigados que não foram evidencia-
das em outras produções acerca da temática em foco. Pois a maio-
ria das cuidadoras eram casadas, com curso superior, exercendo
atividades profissionais liberais, percebendo renda mensal familiar
que variava entre quatro a dez salários mínimos.
Portanto, apresentavam uma condição sócio-econômica
e cultural diferenciada e positiva, porém paradoxalmente, determi-
nava situações e conflitos negativos, pois ao estarem exercendo
atividade fora do lar, vivenciavam a sobrecarga da responsabiliza-
ção com o familiar com DA na esfera doméstica.
Essa dupla jornada de trabalho e de responsabilidades
desencadeavam alterações físicas e emocionais, inclusive com o
estabelecimento de doenças, especialmente, as de cunho emo-
cional. Este fato foi mencionado na fala da depoente, conforme
ressaltado a seguir:
80
plano de saúde dela é em torno de 600 reais, tem uma alimenta-
ção toda especial (...) é um conflito, é um conflito muito grande
(...) (Dep.03).
82
Capítulo 6
Considerações finais
O
s saberes e práticas de cuidadores familiares
de idosos com a Doença de Alzheimer (DA) é
uma obra resultante de uma Dissertação do
Programa de Pós-Graduação de Mestrado em
Enfermagem da Universidade Federal do Piauí, que se propõe a
apresentar um conhecimento novo e emergente da articulação de
saberes provenientes das experiências e vivências práticas e co-
tidianas de familiares e as informações científicas de estudos que
abordam esta síndrome.
Para produção deste conhecimento, mostrou-se impera-
tivo a construção de um marco contextual a partir de conceitos e
concepções acerca do fenômeno do envelhecimento populacional
e suas vertentes demográficas, políticas e epidemiológicas, com
destaque para a DA, patologia de alta prevalência e elevado im-
pacto fisiológico, psicológico, social e familiar.
Neste sentido, foram levantados em estudos científicos
bases referenciais sobre a trajetória evolutiva da patologia, nas
diferentes fases de desenvolvimento, bem como as condutas e
atitudes adotadas pelos cuidadores familiares em cada uma das
etapas de agravamento do quadro clínico desta morbidade. Con-
vergindo para informações identificadas no grupo de cuidadores
familiares estudados, que evidenciaram a importância destes para
sobrevivência e qualidade de vida do idoso com DA. Outra caracte-
rística dos sujeitos desta investigação também referida nas pesqui-
sas consultadas, evidenciaram que a maioria dos cuidadores são
83
mulheres, que assumem de forma solitária e anônima a responsa-
bilidade pelo cuidado do idoso.
Uma das riquezas desta obra trata-se da apresentação do
passo a passo metodológico da investigação, no qual foram apon-
tadas as diversas formas de abordagens e de aproximações com
os sujeitos do estudo, considerando-se as dificuldades, experiên-
cias e subjetividades que revertem os saberes e práticas destes
familiares no cuidado do seu idoso, que a cada dia apresenta uma
variada e progressiva gama de sintomas que crescem e fragilizam
cada vez mais o indivíduo portador da Doença de Alzheimer.
Nesta parte da obra, o leitor tanto irá ter acesso a infor-
mações que servirão para orientar outros cuidadores que buscam
esta atenção nos serviços de saúde, como também, poderão ser
úteis para os leigos, amigos, vizinhos e comunidade em geral que
possam constituir a rede de apoio social de pessoas que enfren-
tam no seu dia-a-dia a dura realidade de cuidar de um idoso com
Alzheimer.
Além do mais, esta meticulosa trajetória metodológica
poderá ser utilizada como guia de orientação para novos e futu-
ros pesquisadores da área de saúde, principalmente, na linha ge-
riátrica e gerontológica. Pois, além da preocupação dos autores
em manter o rigor descritivo das pesquisas qualitativas, também
se inovou na flexibilização da entrevista domiciliar que seguiu um
roteiro semi-estruturado, sem impor uma rigidez nas perguntas,
dando-se voz e vez à livre expressão dos sujeitos investigados, ao
tempo em que a entrevistadora manteve uma postura empática e
atentiva. O que gerou confiança e segurança nos depoentes, de-
mais familiares e até para os próprios idosos com Alzheimer que se
encontravam presentes no ato da entrevista.
Esta vasta produção dos dados apontou para a necessi-
dade da delimitação de um referencial teórico capaz de iluminar as
análises e interpretações destes saberes e práticas provenientes
do cotidiano de cuidado do idoso com DA, neste sentido os conte-
84
údos filosóficos e epistemológicos sobre o conhecimento da Teoria
de Paulo Freire mostraram-se adequados nesta missão. Principal-
mente, os postulados de sua teoria que se apóiam na inconclusão
do homem e na existência de um saber proveniente do senso co-
mum e da capacidade de aprendizado a partir da conscientização.
Portanto, na leitura desta obra, os leitores irão identificar
uma riqueza de informações sobre os saberes e práticas de cuida-
dores familiares construídas a partir do próprio diálogo estabeleci-
do entre os sujeitos e a pesquisadora nas entrevistas domiciliares.
Logicamente, que outros aspectos contribuíram para que se che-
gasse a estes resultados, dentre os quais, destam-se: a obediên-
cia aos critérios científicos e metodológicos, a utilização da análise
de conteúdo de Bardin e a identificação de um referencial teórico
adequado ao objeto de estudo.
Mesmo sendo o livro resultante de uma produção acadê-
mica, desenvolveu-se um raport positivo que propiciou uma am-
bientação empática e sensível, favorecendo a expressão de vivên-
cias, valores, sentimentos e crenças que envolvem esta relação
de cuidado por parte do familiar investigado. Isto tornou possível o
uso de uma linguagem mais coloquial e simplificada na produção
do texto desta obra, o que permitirá a compreensão do conheci-
mento emergente na dissertação de mestrado, não só por parte de
profissionais, professores, estudantes e pesquisadores da área da
saúde, com destaque, os da Enfermagem, mas também, por leigos
interessados nesta temática do cuidado de idosos com demências,
principalmente, a de Alzheimer.
As autoras trazem informações sobre a prática dos fami-
liares no cuidado ao idoso demente que apontam para a essen-
cialidade destes no atendimento das necessidades básicas dos
portadores e na conseqüente manutenção da vida. Constatou-se
também que essas ações de cuidar são individualizadas, cotidia-
nas, contínua, trabalhosas e desgastantes, e são determinadas
pelo estágio evolutivo da patologia e do grau de dependência do
85
portador. Além do mais, essas ações de cuidados mostraram-se
revestidas de disponibilidade, boa vontade e respeito com o idoso,
embora em alguns momentos se intercalem sentimentos de adver-
sidades.
Logicamente que uma prática tão desgastante e exausti-
va como a de cuidar de idoso, que progressivamente torna-se cada
vez mais dependente e frágil, não se desenvolve de forma tão fácil
e linear, são variadas as dificuldades e demandas expressadas e/
ou sentidas pelos cuidadores familiares, destacando-se as neces-
sidades materiais e financeiras, rede de apoio social e profissional,
a divisão de tarefas com os demais membros da família e o reco-
nhecimento de sua ação de cuidar.
Atrelado a essas necessidades, ressalta-se a importância
das orientações dos profissionais de saúde para melhoria da prá-
tica de cuidado. Pois evidenciou-se no estudo a carência de infor-
mações destes cuidadores, que vão desde a desinformação sobre
o processo evolutivo da doença, os sinais e sintomas, às compli-
cações e agravamentos, embora os sujeitos do estudo fossem ca-
dastrados na ABRAz-PI, entidade que tem como missão assisti-los
em suas necessidades, principalmente no tocante a informações e
orientações sobre a patologia.
A obra aponta com clareza as repercussões negativas da
prática de cuidado destes familiares, que vão desde o comprometi-
mento de sua própria saúde física e emocional, à sobrecarga física,
alterações emocionais e as limitações da vida social, que compro-
metem o bem-estar destes indivíduos e do próprio doente. Estes
familiares, embora demonstrem as conseqüências do árduo labor
com seus idosos com DA, paradoxalmente, evidenciaram que esta
prática produz efeitos satisfatórios, traduzida e expressada por al-
guns dos participantes como uma ação enriquecedora, gratificante
e capaz de produzir mudanças positivas na vida pessoal.
Os leitores, ao ter acesso aos depoimentos perceberão a
influência das questões de gênero na seleção e determinação do
86
familiar do sexo feminino como cuidador principal do idoso com
DA. O que vem reforçar os valores e papéis de homens e mulhe-
res em nossa sociedade, estabelecendo que na prática esta ação
de cuidar é uma tarefa feminina, e o modo de cuidar foi, é e será
aprendido, ensinado à mulher, em diversas culturas, com destaque
a brasileira. Certamente, estas determinações das questões de gê-
nero presentes nas sociedades latino-americanas associadas ao
aprendizado do cuidado da saúde próprio da condição feminina,
induzem as mulheres a realizarem uma prática responsável, res-
peitosa e fraterna.
A obra produzida a partir desta dissertação de mestrado
baseou-se no novo paradigma da saúde e aponta formas de cuidar
que deverão transcender a dimensão biológica, portanto, conhe-
cer os saberes, práticas, necessidades e sentimentos dos cuida-
dores familiares possibilitou vislumbrar outros modos de atuação
dos profissionais da saúde, com destaque para o enfermeiro, no
que tange à necessidade de suporte técnico mais adequado e com
maior possibilidade de efetivação de uma intervenção terapêutica.
As entrelinhas deste livro mostram ser essencial a sensi-
bilização dos enfermeiros acerca das repercussões que envolvem
o processo de cuidar de um idoso com Alzheimer, considerando-se
que estes profissionais deverão ter um papel ativo no planejamento
de programas de apoio e acompanhamento dos cuidadores fami-
liares e idosos, devendo constituir-se como o elo entre a família e
os demais membros da equipe multidisciplinar, assumindo, assim,
uma postura de disponibilidade e escuta atenta que lhes permita
compreender as necessidades, os sentimentos, e as dificuldades
do binômio cuidador/idoso.
Obviamente que os profissionais de saúde, com destaque
os Enfermeiros, devem saber ouvir, oferecer informação, treinar ta-
refas e habilidades. Por sua vez, o cuidador familiar conduz a equi-
pe de saúde ao encontro de uma situação compatível com as suas
necessidades pessoais e do familiar que cuida. Surge, então, um
87
dos maiores desafios para os profissionais de saúde: proporcio-
nar práticas educativas e atendimento significativo para o doente e
seu cuidador, pois cada experiência é individualizada, tornando-se
extremamente importante o contexto, nomeadamente no que diz
respeito a percepções culturais, o papel dos outros elementos da
família, amigos e comunidade em que estão inseridos, aspectos
econômicos, entre outros.
Portanto, a falta de informação e o desconhecimento que
são freqüentemente referidos pelo cuidador afetam de forma sig-
nificativa o desempenho e a continuidade do cuidado. O trabalho
aponta para a necessidade de investimentos na área de educação
em saúde com vistas à capacitação destes cuidadores para um
melhor desempenho deste papel, tornando-os elementos mais ati-
vos no processo de cuidar e na tomada de decisões. Nessa nova e
ainda utópica proposta assistencial configura-se o paradigma ino-
vador da prestação de cuidados que se assenta na parceria entre
o cuidador e o enfermeiro.
Como forma de contribuição prática e objetiva, o livro
aponta algumas sugestões com vistas a operacionalização de so-
luções de alguns problemas levantados na investigação, que cer-
tamente seriam superados com estratégias operacionais inovado-
ras capazes de melhorar a atenção ao idoso e ao cuidador familiar,
dentre as quais, destacam-se:
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mações sobre o quadro clínico do paciente, como o apoio nas suas
tarefas de cuidar.
3. Elaboração, produção e distribuição do Manual de
Orientação Técnica para o Cuidado Familiar ao Idoso com Alzhei-
mer para os Profissionais de Saúde da ESF, com DVD de auto-
orientação em anexo.
4. Elaboração, produção e distribuição de material edu-
cativo de orientação aos cuidadores familiares de idosos com DA
(Cartilha “O Passo a Passo do Cuidado de Idosos com Alzheimer”).
5. Implantação de Grupos de Auto-Ajuda nos diversos
territórios de saúde pelas Equipes da ESF, com vistas a capaci-
tar cuidadores familiares de idosos com DA, através de Oficinas e
Práticas de Educação em Saúde.
6. Implantação de Serviços de Aconselhamento e Apoio
através de linha telefônica gratuita – 0800 nas 24 horas. Bem como
pela Internet em Blogs e/ou sites de orientação e comunicação on
line, possibilitando aos cuidadores e/ou interessados informações
necessárias para o cuidado do idoso com Alzheimer e o esclareci-
mento de dúvidas.
Desta forma, acredita-se que esta obra poderá servir para
instrumentalizar não somente o cotidiano de familiares cuidado-
res, como também, trará grandes benefícios à prática dialógica do
enfermeiro educador. Afinal, cuidar de um idoso com Alzheimer re-
presenta um desafio não só para a família, mas também para os
enfermeiros e profissionais de saúde de modo geral.
Longe de esgotar os cuidados domiciliares ao idoso com
Alzheimer, esse livro traz os depoimentos dos cuidadores familia-
res, nos quais retratam a sutileza e a sensibilidade do que é fun-
damental no cuidado, revelando situações e sugestões de estraté-
gias que podem facilitar o cuidado junto ao doente e melhorar sua
qualidade de vida e a de seus cuidadores.
Além do mais, espera-se que este livro, enquanto produto
de uma dissertação de mestrado, possa ser utilizado no ensino
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de graduação e pós-graduação, bem como, sirva de bases para
futuras pesquisas que focalizem a problemática dos idosos com
Alzheimer e as experiências e vivências de seus cuidadores fami-
liares.
Finalmente, as autoras desta obra sentem-se felizes em
poder divulgar o conhecimento científico que propiciou a conver-
gência de saberes e práticas provenientes de mundos diversos,
quais sejam: o senso comum e as ciências, o informal e o formal,
extraindo daí necessidades e dificuldades, mas também, capaci-
dades, potencialidades e experiências de familiares que cuidam e
precisam ser cuidados.
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