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Correio da Manhã

Quando os mortos falam connosco

Na Associação Espírita Luz e Amor, em Setúbal, os médiuns consultam espíritos a pedido

Na Associação Espírita Luz e Amor, em Setúbal, os médiuns consultam espíritos a pedido

10 DE JUNHO DE 2012 ÀS 15:00

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Médiuns e espíritas têm um dom muito procurado: comunicar com os que deixaram o mundo dos vivos.
Não faltam clientes.

Acreditam que a vida não finda no funeral. Sabem que ao corpo sobra duas hipóteses: apodrecer na
terra ou reduzir-se a cinzas. Mas a alma é o que conta, sendo defendida como imortal e capaz de
comunicar com os vivos. Os médiuns, que se apresentam como o elo entre o plano espiritual e o mundo
terreno, assumem que têm a capacidade para tal. Os entendidos confirmam que a mediunidade é a
responsável que permite a correspondência entre quem está a sete palmos abaixo do solo e aqueles que
continuam a pagar impostos. Com a variante de se manifestar de várias maneiras e feitios, a suposta
aptidão de falar, ouvir e, até, ver criaturas que já partiram, enche os consultórios dos ditos especialistas
da matéria imaterial.

O anúncio de Ana Duarte é directo: "Médium ou guia espiritual. Dou consultas em escritório na zona de
Alvalade, Lisboa". A entrevista é feita nas imediações da avenida de Roma, num espaço em que, às
vezes, recebe clientes. Na mesa redonda cabem o anjo Miguel, um livro e um cristal quartzo. As mãos
carregam uma custódia de prata, os dedos ficam entrelaçados, os olhos fecham, a nuca curva-se e
palavras saem em sonância baixa: "Entre outras coisas, pedi ao meu anjo para que o seu espírito ficasse
presente e para que não sejamos perturbados por espíritos menos agradáveis".

ESPÍRITOS TEMPERAMENTAIS

Ana, nascida no ano de 1954, avisa que há espíritos inconformados, desestabilizadores, rebeldes,
revoltados com a morte que os sugou; atrevidos que entram sem serem convidados e que ainda restam
outros, poucos, agressivos. Um certa madrugada despertou-a com uma bofetada. "Fiquei com a cara
marcada. Mas este episódio não faz a regra." A experiência de duas décadas atesta que a maioria dos
seres incorpóreos não é tormentosa. A viagem transcendental surgiu aos 17 anos, num Dezembro que
antecedeu um Janeiro que a marcaria. "Senti uma inexplicável tristeza e só me apetecia chorar."
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Levada ao médico, o diagnóstico recaiu em depressão. O pior estaria por vir, quando, após trinta dias,
um fulminante acidente cardiovascular mata o pai. Relacionou a estranha angústia com a terrível
notícia. A premonição induziu-a a experimentar inúmeras feições de mediunidade, até encontrar a
angeóloga Lizete Soares, que lhe assegurou que a angelologia – o ramo da teologia que estuda os anjos
– se adequava à sua personalidade.

"O meu anjo entra em contacto com o anjo do cliente, que por sua vez, traz a mensagem de quem já
desencarnou." Digamos que os querubins servem de agentes, embora haja excepções, raras, em que o
defunto se expressa directamente. "Quando recebo mensagens através do meu anjo já a reconheço, se
são via entidades vem torcida". Os anjos não têm sexo, embora o que diz que ouve não venha de uma
boca, a voz aproxima-se da masculina. "É mental." René Descartes, já apostara que a glândula alojada no
centro do cérebro, a pineal, é o ponto da união substancial entre corpo e alma. Sob a conspecção
esotérica, ela funciona como um ‘terceiro olho’ e é a responsável pelas intuições transcendentes.

Ana nunca viu nenhuma alma do Além, apenas um vulto, uma sombra branca, na casa da mãe. A
inibição visual não lhe tira as marcações na agenda. Mulheres, homens, de todas as idades e credos,
procuram respostas. Sinais. Provas. "Já tirei tantas e tantas dúvidas que, durante muitos anos, tiravam o
sono a muita gente". Pais de suicidas que insistem em receber uma pista da causa que os terá conduzido
à sepultura por espontânea vontade. Viúvos e viúvas em busca da confirmação de um detalhe sigiloso
sobre o cônjuge. A revelação de palavras-chaves e de características pessoais consola o cliente. "Houve
um dia em que demorei a transmitir a mensagem e havia uma razão". O espírito que fora chamado
mantinha a gaguez que tivera o respectivo corpo.

UM DOM "IMPECÁVEL"

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O discurso de um médium com oitenta anos é veloz. Não dá o rosto, não autoriza que seja publicada o
endereço onde recebe amigos, ou amigos de amigos, se estiver bem-disposto. O consultório reduz-se a
um minúsculo quinto andar sem elevador de um velho prédio lisboeta. A consulta custa vinte euros e
dura sete minutos. "Esta coisa de falar com os mortos é um dom impecável."

Desde muito novo que vê parentes falecidos. A tia chamou-o de louco. O pai, também. Mas quando lhes
disse que a mãe estava na cozinha a cantar ‘Fado da Mocidade’, de Ercília Costa, enquanto cosia um
botão de uma camisa de flanela, promoveram-no a "nosso menino". A senhora Elisa morrera durante o
parto. José, baptizado nesse mesmo sábado de Março de 1932, não tinha como saber do pormenor. "Era
a camisa preferida do meu pai e a canção que ela mais gostava. A partir daí, até ficaram com medo de
mim." Recebe com uma frase inquietante: "Já estávamos à sua espera". O plural do verbo intimida, mas
não resta saída. Se assim for, que venham eles, elas. E num ápice vieram, ou então o senhor com apelido
de uma árvore é um detective espectacular que descobre e imita a peculiar dicção de alguém que
morreu nos anos 90.

A pele branca escureceu, a pronúncia beirã transformou-se em francesa, a sua face metamorfoseou-se
para uma conhecida e uma conversa outrora inacabada pôde ser concluída. Estranho. Ou ilusão. O
tempo acorda com relógio da parede a tocar. A cara de José deixou de ter barba. Um papel com uma
frase é para ser lida e destruída mal a portada do prédio feche.

ESCRITA DO ALÉM

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Alda Maltez abriu a porta da mediunidade há dez anos. Depois de a sua saúde ter sofrido sérias
complicações, a antiga empresária da indústria têxtil deparou-se com algo que não designa de
coincidências: "Eu via em todo o lado os algarismos 2.22. 3.33, 4.44. Eram sinais". O processo, difícil,
alastrou-se no trabalho e no casamento. Saiu da empresa e separou-se. Devagar e dolorosamente
chegou à psicografia: "Canalizo por escrito as mensagens que os guias espirituais e os anjos me dão."

Contudo, a tradicional escrita mediúnica, em sua opinião, abarca um sentido maior: "É também uma
técnica de comunicação com outras dimensões que se encontra ao alcance de todos".

A pioneira em Portugal do Curso Psicografia da Alma defende uma nova consciência, a colectiva, que
não se limita a falar com aqueles que vivem nos cemitérios. No início surgiam "entidades brincalhonas
com intentos menos bons". Foram varridos com a prática. Alda regista na folha e no computador e
distingue o que ela própria redige e o que lhe é ditado. "As mensagens que recebo são mais bonitas."
Quando se estreou, necessitava de ouvir para escrever, mas com a experiência, basta-lhe escutar as
primeiras palavras e desata a escrever. A linguagem começou por ser arcaica e a seguir deu-se um
ajuste, tendo desenvolvido um tipo de letra, maiúscula, para acompanhar o compasso acelerado. "Eles
falam rápido."

Já transmitiu recados de espíritos, apesar de isso não ser a sua vertente preferencial: "Faço
aconselhamento. Peço ao guia e ele ajuda a pessoa encarar o momento actual". Para passar a
comunicação é necessário sintonizar – evocar. "Eu vejo." Aliás, tem visões que só residem na mente. "O
que eles, os guias, me têm dito é o seguinte: no dia em que eu tiver essa capacidade irei ver outras
coisas que não iria gostar." Poupam-na, digamos. A estudante de Psicologia tem 52 anos, mas a idade
não lhe tirou a fama: "Sou um bocadinho medricas".

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MÉDIUM DE INCORPORAÇÃO

O calor de Maio é travado na rua dos Bombeiros de Setúbal, número 27. Uma inesperada brisa provoca
à corajosa que me acompanhou nesta reportagem uma inofensiva quebra de tensão. Subirá, de
imediato, com a simpatia de João Baptista, o presidente da Associação Espírita Luz e Amor. As honras da
casa estão à vista num rés-do-chão que dispensa a EDP para ter luz.

João Baptista é aquilo que os espíritas denominam doutrinador: "Eu falo com entidades." Que se
perceba: o telefone só toca do lado de "lá". Esta metáfora traduz que os espíritos não devem ser
convocados, aparecem só se quiserem. António, reformado da função pública, explica-se: "Sou um
médium de incorporação".

Para entender um pouco sobre o assunto, comecemos, por definir espiritismo, que em nada está
relacionado com os anteriores depoimentos, não apenas por ofertar um auxílio gratuito. Segundo o
pedagogo francês Allan Kardec, é a ciência que trata da natureza, origem e destino dos espíritos. Já a
psicofonia (incorporação) é o fenómeno pelo qual o médium empresta seu aparelho fonador (cordas
vocais, boca, etc.) para emitir as frases do espírito. A comunhão entre a mente do espírito e a do
médium é telepática e obtida por perispíritos (uma espécie de segundo corpo que o encarnado possui,
semelhante ao corpo físico).

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EXPERIÊNCIA REVELADORA

A história de António começou em 1981 aquando o falecimento de um parente. Em dez meses


emagreceu dezassete quilos, a medicina deu-lhe calmantes, mas o mal-estar não ia embora. Um dia foi.
"Um amigo meu levou-me a esta associação espírita, e o que presenciei, só devo ter visto duas vezes,
em trinta e um anos de vida espírita". Sentou-se no banco, fizeram-lhe o passe espírita – "o acto de
passar as mãos repetidamente ante os olhos de uma pessoa para magnetizá-la, ou sobre uma parte
doente de uma pessoa para curá-la" – e uma médium incorporou, de tal maneira, que o rosto dela
alterou-se: "Ficou igual ao do meu familiar que tinha morrido".

A ligação com o espiritismo brotou naquele momento. Por ter sido fiel à certeza de que a mediunidade
não se aprende; expressa-se, António adverte: "As entidades andam e funcionam connosco e ao
trespassarem o corpo uma energia magnética vibrará". Se as sente a aproximar fora do centro espírita,
desvia-se, consciente que os guias dar-lhes-ão a mão.

ECOS DO ALÉM NA TELEVISÃO E NA INTERNET

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Todas as semanas, na TVI, Iva Domingues leva a estúdio Janet Parker, uma das mais famosas médiuns do
Mundo e a sua auxiliar Su Wood, através das quais os convidados – muitos deles caras conhecidas –
contactam com os seus entes queridos. O programa estreou em Maio de 2010 e, desde logo, gerou
tanta polémica quanto interesse. Neste Verão, andará em digressão por cidades portuguesas.

A temática fascina cada vez mais o público e já existem canais on-line, especializados na abordagem das
questões do espírito. É o caso da TVCEI, a primeira webtv espírita do Mundo, com programação em oito
idiomas, inclusivamente português e à qual se pode aceder através do endereço www.tvcei.com. O
canal oferece notícias, conteúdos explicativos e relatos de comunicação com outros mundos. Outros
canais web disponíveis na net são www.canalespirita.com e www.mundoalem.co, ambos produzidos por
conhecidas comunidades espíritas.

O Biography Channel apresentou recentemente a série de documentários ‘My Ghost Story’, onde
diversos especialistas abordavam a questão do espiritismo.

No que diz respeito ao cruzamento do tema com a ficção há dois bons exemplos: a série ‘Fact or Faked’,
transmitida pelo canal de TV por cabo Syfy ou o filme ‘Hereafter – Outra Vida’, onde o realizador Clint
Eastwood se revela um apaixonado pelos mistérios da vida para além da morte física.

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O PODER CURATIVO DOS ESPÍRITOS

Prática difundida entre os espíritas, o passe espírita consiste na imposição das mãos feita por um
indivíduo (Passista), sobre outro (Recebedor) que se encontra sentado à sua frente, num ambiente à
meia-luz. Segundo a doutrina Espírita, este acto tem o poder de canalizar energias benéficas,
conseguindo a cura, o conforto, o alívio da dor e o reequilíbrio orgânico e psíquico.

Os médiuns assumem terem uma capacidade maior de absorção e armazenamento dessas energias, que
emanam do fluido cósmico Universal e da própria intimidade do Espírito. Tal aptidão coloca-os em
condições de transmitirem essas vibrações a outras criaturas que, eventualmente, estejam a necessitar
de ajuda.

NOTAS

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DISTINTOS
O espiritismo estuda a natureza das entidades. Os médiuns dão-lhes uma voz.

PREÇOS

Uma consulta com um médium custa entre 40 a 70 euros. Mas há quem ajude de graça.

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ANÚNCIOS

A actividade não está regulamentada. Muitos dos médiuns usam os classificados para anunciar
consultas.

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