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O Gigante Deitado
Matão, SP
7ª edição
2016
CARÍSSIMOS LEITORES!
1. Coube-nos a honrosa tarefa de fazer a apresentação deste excelente
trabalho, elaborado pela companheira Dra. Jane Martins Vilela.
O nosso venerável e amado Hugo Gonçalves traz, em seu inspirado
prefácio, o perfil da respeitável autora, induvidosamente, credora da estima e
admiração de todos quantos a conhecem, seja pelo seu modus vivendi, seja por
sua imensa contribuição à Causa do Espiritismo Cristão.
À autora, nossa imorredoura gratidão.
Estas páginas, estamos certo, farão imenso bem a todos os que se
debruçarem sobre elas. Os que conhecemos Jerônimo Mendonça Ribeiro,
relembrá-lo-emos nas muitas experiências e situações, aqui relatadas com graça
e beleza. Aqueloutros que o não conheceram antes, terão agora esta preciosa
oportunidade. Não nos privemos desta alegria!
A autora, com acerto, anotou:
“Não é nossa intenção a de criarmos um mito e nem endeusarmos um
homem. Não. O nosso modelo maior para a nossa conduta será sempre Jesus.
Através dos séculos, no entanto, muitos passaram numa trajetória exemplar
para aqueles que os conheceram. Grande número ganhou fama, grande parte
permaneceu no anonimato. Jerônimo Mendonça, de Ituiutaba, merece a
lembrança honrosa pela lição que deixou na sua vida. O exemplo da resignação
ante a dor”.
Podemos afirmar, com segurança, que a Dra. Jane foi extremamente
parcimoniosa, comedida. Conhecendo Jerônimo, como conhece, sabe ela que
poderia ter dito e escrito mais, muito mais. Atenta, no entanto, ao dever de
humildade (uma das lições deixadas pelo inspirador da obra!), preferiu adotar
modesta postura, o que a engrandece aos olhos de todos. Sim, porque
Jerônimo foi e é um Gigante no exemplo, um Gigante no testemunho, no
bem, na fé, na coragem, na resignação...
2. Privamos da intimidade de Jerônimo Mendonça.
RETROSPECTO
(escrita quando encarnado)
A vida que agora estou vivendo,
sobre este leito à forma de prisão,
é o resgate do pretérito horrendo
no qual gerei tristeza e humilhação.
NOVO RETROSPECTO
(inédita)
Quando atravessava a carnal vilegiatura,
ressarcindo e reajustando tenebroso passado
guardava eu íntima convicção de que toda amargura
por mais longa pareça, tem o seu tempo contado.
Nos primeiros tempos da áspera expiação, reconheço
surgiram o pranto oculto, o receio mudo, a insegurança
depois, agradecendo a Deus o abençoado recomeço
enchi-me de coragem, de fé, de resignação, de esperança.
Amando profundamente a Jesus, a Kardec e ao Chico
neles inspirei-me para melhor compreender e servir
embora reconhecesse ser eu menos que um qualquer cisco
entreguei-me ao labor do bem, sem outro bem nunca pedir.
Não entendais o que digo como uma autopromoção. Não!
O anelo destas linhas despretensiosas é, tão-somente,
dizer que a dor será loucura para o atormentado coração
que enclausurar-se em si mesmo, e viver egoisticamente.
Passaram as agruras, as dificuldades, todas as dores.
“Quase dois mil anos se passaram, mas a humanidade ainda se afigura como a
mulher samaritana com sede de água viva”
Gabriel – do livro Diretrizes Espíritas.
Num mundo onde a sensibilidade desaparece dos corações dando lugar à
ganância pelo poder é natural que a sede da humanidade continue sendo a sede
da mulher samaritana.
Apesar dos séculos que se sucederam, a situação continua sendo a mesma: o
homem sempre propenso a ter mais, sem se aperceber de que, além de ter,
precisa também ser.
Mas no meio de tudo isso alguém se levanta munido de paz e de
sensibilidade, disposto a enaltecer os princípios de amor, na mensagem de
Jesus.
Jane, autora deste livro, nos convidou para prefaciá-lo. Pensamos muito na
responsabilidade. Não podendo deixar de atender a tão amável convite,
atrevemo-nos a rabiscar estas linhas, arremedo de prefácio.
Alguém poderá perguntar quem é Jane. É mineira, de Ituiutaba, médica,
clínica geral e homeopata. Reside em Cambé, frequentando assiduamente o
Centro Espírita Allan Kardec. É médium de passe, oradora competente,
colaboradora do jornal “O Imortal” e atende com muito carinho as crianças
do Lar Infantil Marília Barbosa.
Como escritora teve a louvável lembrança de reunir subsídios e compôs este
livro, por ela denominado “O Gigante Deitado”, vida e parte da obra de
Jerônimo Mendonça, de saudosa memória. Manuseando as páginas deste livro
o leitor atento vai descobrir um mundo novo.
A autora consegue através desta obra tornar Jerônimo Mendonça bastante
conhecido e, na verdade, ele não pode ficar no esquecimento.
Jerônimo Mendonça: Quem foi esse homem?
Alguém que, acometido de uma artrite reumatoide progressiva, ficou cerca
de 32 anos preso ao leito, paralítico, com a agravante perda da visão.
Quando eu partir
Um Projeto Superior
O “gigante deitado”, como Jerônimo Mendonça era chamado pelas pessoas
que o ficavam conhecendo e se assustavam com o seu otimismo, com sua
força de vontade, com sua resignação, recebeu, nesta última roupagem física,
uma oportunidade de reparar, com eficácia, um passado difícil. Todos temos
esse passado, indubitavelmente. O Jerônimo conseguiu reunir condições para,
através de intensa dor, vencer o “homem velho” e acender a luz de seu
coração, como espírito.
Muita gente há que ainda levará séculos e séculos até criar condições de
poder sofrer com proveito.
O Jerônimo conseguiu. Perseverou no bem até o fim. Apesar da dor
vigorosa, insistente.
Há um aspecto de grande interesse, no sentido doutrinário, na trajetória de
sofrimento e de trabalho do Jerônimo Mendonça Ribeiro.
No livro “Obreiros da Vida Eterna”, de André Luiz, da psicografia de
Francisco Cândido Xavier, encontramos, no capítulo XVII, uma preciosa
informação a respeito da dilatação de prazo para a desencarnação de Albina.
Para que se cumprisse importante “projeto superior”, Albina, uma
personagem do livro, que deveria desencarnar em data aprazada, teve dilatada a
sua permanência no corpo.
Essa questão é passível de apreciação, quando sabemos que a utilidade da
vida física, assinalando interesses de ordem superior, pode dilatar o período da
programação feita antes da reencarnação. Essa questão pode ser examinada
num estudo aprofundado da questão de número 854 de “O Livro dos
Espíritos”.
Do mesmo modo que o trabalho e a dedicação ao bem podem dilatar o
prazo para a desencarnação, a ociosidade pode abreviá-la.
ESBOÇO DE AUTOBIOGRAFIA
Ele pretendia escrever a sua biografia através de mãos amigas que usariam a
caneta por ele, mas, talvez por modéstia, interrompeu o trabalho e não o
continuou após isso. Com suas palavras ditadas, aqui está o que relatou:
Ituiutaba – Minas Gerais, 13 de abril de 1980.
“Meu nome é Jerônimo Mendonça, nasci em Ituiutaba, Triângulo Mineiro, no ano
longínquo de 1939, sendo o nono filho de uma irmandade de dez. Meus pais: Altino
Mendonça e Antonia Olímpia de Jesus. Meu nascimento se deu no dia primeiro de
novembro, à rua 16 entre as avenidas 5 e 7, num modesto ranchinho de capim, tão pobre
que não possuía numeração.
Assim que contava sete anos, comecei a conhecer a profunda penúria de meus pais; a luta
e o sacrifício de ambos, com uma prole tão numerosa de dez filhos. Também senti a
necessidade de alguma coisa fazer, não obstante as minhas totais limitações.
Meu pai não conheceu escola, era um homem simples, modesto lavrador, carreiro que foi
de muita gente e eu passei a ajudá-lo como candeeiro até a idade de nove anos. Trabalhei com
ele muito tempo no ambiente rural de Ituiutaba.
Minha mãe era modesta lavadeira de roupas da freguesia local, lutadora, corajosa, firme,
de uma honra e de um caráter invencíveis. Não obstante a sua total pobreza, jamais se
deixou vencer pelo desânimo ou pelo desalento. Nunca quis dar quaisquer de seus filhos para
terceiros, não obstante o conselho de muita gente para que ela fizesse doação de alguns. Sua
fibra de mãe sobrepujou as angústias e percalços daquele lar pobre.
Meu pai, como disse, era um trabalhador, mas muito modesto, de caráter honrado, porém
de parcos recursos econômicos. De todos os nossos irmãos, apenas eu pude chegar ao quarto
ano primário. Trabalhei muito tempo no armazém do senhor Valmo Muniz, na avenida 7,
depois fui balconista da loja de tecidos do senhor Fued Farha; a seguir fui secretário do
senhor Demerval Borges, no escritório de contabilidade, não por méritos intelectuais, mas por
bondade do mesmo, que nos adiantava salários sem exigir trabalho, coisa “sui generis”;
As lutas e o sexo
Conhecemos vários amores, conhecemos várias ilusões, naquela tentativa de encontrar a
felicidade. Mas quem pode encontrar a felicidade, infelicitando, quem pode ter paz, criando
desespero, a intranquilidade... Jovem, sentindo toda a força vibrante do erotismo, era o
conflito entre o espírito e a matéria, era o conflito entre o céu e a terra, era o conflito entre a
luz e a sombra, era o conflito entre o amor e a paixão, numa ânsia de equilibrarmo-nos, de
sujeitarmo-nos a um ponto ideal de equilíbrio emocional de todas as aventuras. Neste campo,
confessamos ao leitor que de todas elas saímos vencido, triste, decepcionado, mais infeliz, mais
sozinho, mais solitário, até que um dia, cansado de debater-nos nesses paroxismos, surgiu
Trabalho
Agradecemos ao Espiritismo a fé racional e o fato de ele não nos ter permitido julgarmo-
nos uma pessoa inválida, inútil.
Começamos a sentir o imperativo do trabalho desde o momento em que nos tornamos
espíritas. Enxugar lágrimas, consolar as dores maiores, trazer os aflitos ao coração; falar-
lhes de Deus, de Jesus, da imortalidade da alma; atender os estômagos famintos, os corpos
desnudos, os pés descalços foi sempre nosso grande sonho. Começamos uma nova etapa na
doutrina, no campo da filantropia. Começamos a fazer campanhas, solicitar recursos para
ajudar os necessitados. Andamos nas zonas rurais abordando fazendeiros, apelamos através
11 - Propago – termo regional no Triângulo Mineiro – alto-falante acoplado em carro que passeia pela cidade, dando
notícias de missas de 7o dia, velórios etc.
A grande maioria das pessoas sonha um dia ter ao seu lado um ser amado. Jerônimo
não era diferente. Apesar da cegueira e da paralisia, idealizava alguém que o amasse
e a quem ele pudesse dedicar o amor que tinha na alma. Muitas vezes confidenciou-
nos que se pudesse escolher, numa próxima encarnação gostaria de ser professor, ter
uma esposa e muitos filhos.
Para esse ser que ele idealizava no amor e que a experiência reencarnatória não
colocou ao seu lado, a sua FLOR AZUL do livro “Nas Pegadas de um Anjo”, que
o filósofo Saad amava em segredo, não correspondido, ele escreveu as “Poesias
Românticas”, que muito poucas pessoas já puderam ler e que aqui colocamos neste
livro.
Era ainda criança, com saúde. Naquela época o Cine Ituiutaba, hoje Bristol,
tinha uma exigência: “Não era permitido entrar lá descalço”.
O Jerônimo estava com muita vontade de ver um filme que passava, mas
não tinha sapatos para entrar.
No Grupo “João Pinheiro”, sito na Rua 20 com Avenida 17, havia uma boa
quantidade de entulhos sob as suas galerias. Ele correu até lá, rebuscou,
revirou, até achar um enorme par de botinas de adulto, com bicos para cima.
Não titubeou. Limpou-as, calçou-as e foi para o cinema, valentemente
exibindo o ingresso. João, o porteiro, olhou aquelas botinas de adulto, ridículas
nos pés da criança, e exclamou:
– Cruz credo, menino! Tira já essas botinas e entra depressa.
Naquele momento João foi uma nobre alma que venceu uma norma
diretora do cinema para fazer a felicidade passageira daquele menino. Às vezes
é necessário, para ser um bom samaritano, superar a burocracia.
Certa ocasião, um grupo teve que quase implorar ao porteiro de um
albergue que permitisse a entrada de uma criança que dormia ao relento,
sozinho, na noite fria. O albergue não permitia a entrada de crianças
desacompanhadas. Graças a Deus, também o porteiro ouviu a voz da caridade
e, após as instâncias do grupo, abriu o portão para que o menino dormisse lá
naquela noite.
Nessa época enxergava. Padecia dores terríveis. Até o lençol que lhe cobria
o corpo provocava dores onde encostava.
Quando sua cama definitiva ficou pronta, os amigos se viram diante de um
impasse: Como transferi-lo para o leito sem que ele sofresse tanta dor?
Havia um hipnotizador com fama em Uberaba. Resolveram levá-lo de
Ituiutaba até lá, para que o hipnotizador o fizesse dormir e o pudessem mover
sem sofrimento.
Foram três horas de tentativas, após o que o hipnotizador, desconsolado,
afirmou:
– Ele não é hipnotizável.
Os companheiros se olharam entristecidos. Foram se aproximando dele
mansamente, com olhares cúmplices, e, quando Jerônimo menos percebia,
pimba! Pegaram-no de uma vez e o puseram na cama, rapidamente.
Foi um grito só de dor. Mas imediatamente o alívio. A cama havia sido
desenhada por inspiração.
Anos após, médicos abismados, depois dos costumeiros “check-ups”, lhe
diziam que a cama tinha a inclinação exata para que ele permanecesse vivo – se
ele estivesse de pé, morria – se a cama fosse mais inclinada, morria, pelos
problemas cardíacos.
Fato que o mundo espiritual já previra.
Houve uma época, em meados de 1960, quando ele ainda enxergava, que
quase desencarnou.
Uma hemorragia acentuada, das vias urinárias, o acometeu. Nada a cessava.
Estava internado num hospital de Ituiutaba quando o médico, amigo, chamou
seus companheiros espíritas que ali estavam e lhes disse que o caso não tinha
solução. A hemorragia não cedia, ele ia desencarnar.
– Doutor, será que podemos pelo menos levá-lo até Uberaba, para despedir-se de Chico
Xavier? Eles são muito amigos.
– Só se for de avião. De carro ele morre no caminho.
Um de seus amigos tinha um avião. Levaram-no para Uberaba.
O lençol que o cobria era branco. Quando chegaram em Uberaba, estava
vermelho, tinto de sangue.
Chegaram na Comunhão Espírita, onde o Chico trabalhava então. Naquela
hora ele não estava, participava do trabalho de peregrinação, visita fraterna,
levando o pão e o Evangelho aos pobres e doentes.
Naquela época o Waldo Vieira era espírita. Ele chegou na frente, com o
recado do Chico de que estava muito feliz com a sua vinda.
Na hora o Jerônimo se esqueceu da mediunidade do Chico e pensou:
“Como é que ele sabe?” Aí, lembrou. Os espíritos foram avisar.
Ao chegar, vendo o amigo vermelho de sangue, disse o Chico:
– Olha só quem está nos visitando! O Jerônimo! Está parecendo uma rosa vermelha!
Vamos todos nós dar um beijo nesta rosa, mas com muito cuidado, para ela não
“despetalar”.
Um a um os companheiros passavam e lhe davam um suave beijo no rosto.
Ele sentia a vibração da energia fluídica que recebia em cada beijo. Finalmente,
o Chico. Deu-lhe um beijo, colocando-lhe a mão no abdome, permanecendo
assim por alguns minutos. Era a sensação de um choque de alta voltagem
saindo da mão do Chico o que Jerônimo percebeu. A hemorragia parou.
Ele que, fraco, havia ido ali se despedir, para desencarnar, acabou fazendo a
explanação evangélica, a pedido do Chico, em seguida.
E vem a explicação:
Ele estava numa fase difícil, de intensa dor devido à artrite reumatoide que
lhe acometia as articulações, atrofiando seus músculos em desuso. Qualquer
socorro lhe seria uma bênção.
Assim ele foi informado da existência do inesquecível José Arigó, médium
de cura, e esperançoso, na companhia de amigos, foi à sua procura.
Lá chegando, Jerônimo foi colocado numa sala repleta de corações
esperançosos em busca do alívio de suas dores e enfermidades.
Nesse ínterim, Arigó adentra e o cumprimenta com especial atenção e
carinho e se afasta para seus deveres.
Foi quando Jerônimo ouviu uma voz forte clamar:
– “Manda entrar o primeiro... rápido, não temos tempo a perder”.
Era o Dr. Fritz.
Vários foram atendidos quando o Dr. Fritz, referindo-se a ele, disse:
– “Traz o homem”.
A porta, porém, era estreita para a cama do Jerônimo. Os auxiliares
tentavam em vão explicar que naquela porta a cama não teria condições de
passar.
– “Traz o homem”... “Este é espírito de porta estreita mesmo”.
Após algumas manobras, colocado defronte ao Dr. Fritz, este inquiriu-lhe:
– O que aconteceu?
Jerônimo tenta explicar num palavreado científico, com o coração pulsando
acelerado:
– Ah! Dr. Fritz, dizem os médicos que sofro de um mal denominado de Artrite
Reumatoide.
– Você tem é a doença dos três cês.
– Três cês? – inquiriu Jerônimo, não entendendo a evasiva do Dr. Fritz.
– É... cama, carma e calma.
E foi assim mesmo. Ele voltou resignado para casa. Pelo menos havia
tentado. Sem possibilidades, o remédio era conformar-se. Há aqui uma
diferença colocada por Emmanuel numa de suas mensagens. O espírita deve
ser conformado e não conformista.
Foi para São Paulo, com dois companheiros, a fim de fazer palestra na
Federação Espírita de São Paulo. Chegando à cidade, foi recebido com muita
alegria pelo proprietário do hotel, que, dirigindo-se ao encarregado de preparar
os quartos, disse:
– Por favor, prepare uma suíte para o Jerônimo com os companheiros.
Ao ouvi-lo o Jerônimo rapidamente redarguiu:
– Não, faça o favor de arrumar um só para mim, que eu estou morrendo de fome.
(Risos...)
Ele confundiu suíte com sanduíche.
Quem nunca cometeu enganos, plagiando Jesus, seja o primeiro a atirar a
pedra. Situações assim, mais tarde relatadas, provocam risos em quem talvez
participe do fato e que tenha ficado constrangido no momento. Naquela hora
todos riram e ele, também, ao perceber o erro. Era fácil rir na presença de
quem sempre ria.
Era assim que chamava a dona Terezinha Vilela Carvalho, que havia sido
sua professora no terceiro ano primário. Em meados de 1976, após anos sem
vê-lo, ela lhe fez uma visita. Ele a convidou a sentar-se e, após reconhecê-la,
uma trovinha:
– Hoje minha sala se ilumina, com a presença querida da mestra Terezinha.
Ela passou a frequentar-lhe a casa e ler para ele. Todos os dias eles se
comunicavam por telefone, ora ele, ora ela; um dos dois ligava, às vezes só
para conversarem. Quando dizemos que ele ligava é que alguém o fazia por
ele, que, paralítico, não movia as mãos. Seguravam-lhe o telefone próximo à
boca. Breves diálogos se travavam:
– Jerônimo, o que é que você está fazendo?
– Ah!, mestra, estou exausto! Plantei um canteiro imenso de alface, reguei a horta toda,
agora deitei um pouquinho para descansar.
E ria... Afinal, estava sempre deitado, na paralisia, que não o prendia,
trabalhador de Jesus que era. Outras vezes:
– Sabe, o médico recomendou-me repouso, agora estou deitado.
E a gargalhada explodia. Ele sabia ocultar as dores e banhar os outros com
alegria.
Estávamos lendo para ele um dos livros de André Luiz, psicografado por
Francisco Cândido Xavier, quando percebemos que ele ressonava. Uma de
suas irmãs entrou e, com admiração, notou que ele dormia, chamando outra
para ver.
Naquela época, havia pouco tempo que convivíamos e não sabíamos ainda
da sua terrível insônia, que permitia que dormisse apenas cerca de duas horas
por dia, por isso a admiração da irmã. Éramos muito jovem, então pensamos:
“O quê! dormir no melhor do livro?!” E o tocamos de leve:
– Jerônimo, acorde! Você dormiu na parte mais emocionante!
Que ignorância a nossa! Deveríamos tê-lo deixado dormir.
Ele humildemente disse, com a voz mansa:
– Jane, perdoe-me. É que a sua voz é uma canção de ninar.
Aquilo foi uma lição. Que paciência! Outro talvez reclamasse. Nunca
dormia e, quando o fez, foi acordado.
Certa feita, a caminho para uma palestra em Porto Alegre, Rio Grande do
Sul, a Kombi que o levava passou dos 80 Km/hora. Foram parados pela
polícia rodoviária por excesso de velocidade.
Na hora da multa, seus amigos que dirigiam pediram desculpas, afirmando
que estavam levando um doente para Porto Alegre. O guarda foi ver.
– Nossa Senhora! Que acidente feio! Podem deixar que eu vou na frente!
E foi mesmo, com a moto abrindo caminho. O Jerônimo contava isso
dando boas risadas. A sua cruz nesta hora tornava-se um fardo um tanto mais
leve. Quantos não sucumbem, vergados ao peso das suas, sem cegueira ou
paralisia?
Certa ocasião, em São Paulo, uma senhora aproximou-se de seu leito. Quem
sabe que provas ocultas estaria sofrendo, sem revelar?
Quando viu que o Jerônimo tinha um “peso” com areia sobre o peito, para
suportar a dor que sentia e, mesmo com dor, sem queixumes, ela chorou
copiosamente.
Piedade? Talvez.
Ou quem sabe percebeu que o sofrimento que lhe ia no peito não seria tão
grande quanto o daquele paralítico que jazia cego no leito, com dores que nem
poderíamos pensar, superlativas...
Uma jovem, chegando perto de sua cama, reclamava que não tinha afinidade
com a sogra.
Perguntou-lhe o que fazer para encarar a sogra com mais carinho.
– Minha filha, quem ama o açúcar tem que amar a cana.
Aí fica uma lição. É melhor amar que ser amado, compreender que ser
compreendido, pois quem doa é quem mais recebe.
Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado, dizia Jesus.
Certa noite uma perereca pulou em seu travesseiro e começou a esfriar a sua
orelha.
Sem poder movimentar-se, clamou socorro à sua mãe.
– Mãe, venha aqui, por favor, tem uma perereca no meu travesseiro.
Sua genitora, prestativa, mas com medo, pegou uma fronha e deu mais de
vinte fronhadas, tentando afugentar a perereca.
Jerônimo, sufocado entre as fronhadas, inutilmente a avisa que a perereca já
tinha ido.
Depois que apanhou bastante, sua mãe acende a luz para certificar-se que a
perereca tinha mesmo ido embora e, surpresa, exclama:
– Meu filho, mas você está tão corado!...
“Também, pensa ele, depois de vinte fronhadas, quem pode ficar pálido?!” E se educa:
“Se eu tivesse mais paciência com a perereca não tinha apanhado tanto”.
É uma história engraçada, mas mostra os dissabores que ele sofria com
resignação.
Júlio César França estava junto a Jerônimo, que dava uma entrevista. Em
determinado momento o radialista perguntou-lhe sobre sua família.
– Somos dez irmãos, todos casados.
– Você é casado?!
– Claro, casei-me com a Doutrina Espírita no civil e com a dor no religioso.
(Risos...)
Maria José Nascimento estava com ele quando o telefone tocou. Era para
ele. Do outro lado, uma amiga comum, companheira espírita, indignada, com
raiva devido a uma falta que ocorrera contra ela, por outra pessoa. Falava com
muita indignação, quando Jerônimo em resposta lhe fez esta trova:
– Da chispa o incêndio lavra,
Devorando o matagal.
Cuidado com a má palavra
Que é combustível do mal.
Já antes ouvíramos de um grande amigo que o espírita deve ser o ponto
terminal da fofoca.
A palavra repercute com grande intensidade sobre quem ouve e grande é a
responsabilidade de quem a emite. Poderá edificar ou destruir.
É melhor ser instrumento da paz do que da discórdia.
Jerônimo dizia que Chico Xavier tem os “lindos casos” e ele os engraçados.
Dizia que não havia comparação: uma flor e um sapo.
Em uma das viagens a São Paulo, após sua palestra, atendendo à fila de
amigos, como sempre o fazia, aproximou-se chorando uma jovem, que lhe
pedia palavras de conforto e esperança.
Esta jovem comentou com Jerônimo:
– Durante sua palestra tive uma visão interessante; vi atrás de você um calhambeque,
desses bem antigos; queria que você me explicasse o significado disto.
Com seu bom humor e inteligência notável, ele disse:
– Minha filha, isto significa que nós, mesmo na condição de um calhambeque,
devemos trabalhar muito, até virar um santana.
A jovem, que estava triste, deu uma boa risada esquecendo até mesmo seus
problemas, levando consigo aquele bom humor e uma boa lição.
Aprendamos com Jerônimo – o trabalho nunca deve ficar para depois das
dificuldades; deve-se trabalhar mesmo perante os problemas e obstáculos que
enfrentamos em nossa jornada.
O espírito Jair Presente ensina que quem não trabalha dá trabalho.
Jerônimo, com todas as dificuldades e limitações, teria toda a desculpa para
ficar em casa, mas como dizia ele: trabalhar mesmo na condição de um
calhambeque.
Certa tarde, D. Terezinha lia para ele, quando o telefone tocou. Era uma voz
de homem chamando o Jerônimo. Ao término da conversa ele sugeriu:
– Diga o número de uma mensagem. A Dona Terezinha vai ler para você.
– Quero a número 8.
Dona Terezinha abriu o livro na mensagem oito. O título: A Resposta. Era
o livro “Amizade”, de Meimei, psicografado por Chico Xavier. Em síntese, a
súplica de uma mãe, lamentando-se com o Criador, pedindo uma resposta do
porquê ela tinha que aguentar o filho, difícil e boêmio. Ela termina
perguntando: “Meu Deus, quem pôs este filho nos meus braços?” Aí vem a
resposta de Deus: “Minha filha, fui eu.”
Desligado o telefone, após lida a página, o Jerônimo comentou:
– “Mestra”, estou estarrecido! Todo o tempo que conversamos, ele só sabia dizer: “Quero
uma resposta, responda Jerônimo! Por que sou obrigado a tolerar esse filho problema,
judiando de mim, da mãe, extorquindo dinheiro e nos atormentando! Quero uma resposta!
Responda Jerônimo! Dê-me a resposta!” Aí eu lhe disse que escolhesse uma mensagem e deu
tudo em cima, o título, a mensagem, tudo!
Estavam os dois conversando quando o dito cidadão entrou:
– Isto não pode! Eu quero ver! Vocês estão fazendo mutreta comigo!
Dona Terezinha mostrou-lhe o livro. Ele leu, cabisbaixo, pensativo, e
perguntou:
– Então não há nada que eu possa fazer?
Ao que Jerônimo respondeu:
– Há, meu filho: ame-o um tanto mais. Dê-lhe ternura, compreensão. Confie em Deus.
Emmanuel nos diz: “Em tudo o que acontece, Deus está fazendo por nós o
melhor”. Vamos confiar. A Misericórdia Divina nunca nos desampara.
Dona Terezinha saiu, deixando-os a conversar. O filho que foi causa de
tantos sofrimentos, hoje está bem, não oferece mais problemas. O tempo
passa e, com paciência, muitas situações penosas também passam. Às vezes
fica apenas uma lembrança distante de uma época que serviu de lição, nas lides
evolutivas.
Estava o jovem Júlio César França lendo algumas páginas psicografadas por
Chico Xavier, quando o telefone os interrompeu:
– Ah! Jerônimo! “Tem”piedade de mim; meu filho foi reprovado no vestibular. Isto é o
fim! Vou dar cabo de minha vida! Eu estou desesperada! Ai, Meu Deus!...
Após a orientação de Jerônimo, reiniciada a leitura, novamente o telefone
toca. Era outra pessoa:
– Jerônimo, acabo de chegar de São Paulo e infelizmente o câncer se generalizou, mas
Deus tem sido tão bom para mim! Sempre tive uma vida tão boa, que hoje só posso
manifestar gratidão. Olha, se você precisar de mim para as suas caridades, estou aqui!
Jerônimo deu-lhe atenção confortadora. Depois comentou:
– Sabe, Julinho, cada um resiste à dor como pode. Um, com a unha encravada, pensa em
suicídio, outro, com câncer terminal na cabeça, abençoa a vida!...
Assim é realmente. Cada pessoa no seu degrau evolutivo, com a sua
capacidade frente aos imperativos da jornada. Para um o que é tristeza para
outro pode ser alegria. Depende do ponto de vista, do momento, do
entendimento.
Há muitos que clamam em vão por socorro direto dos espíritos. Sem
merecimento, este não vem tão evidente. Há outros que o recebem
diretamente, sem pedir.
Estávamos em Ituiutaba, meses antes da desencarnação do amigo. Este
estava com terríveis dores no peito.
Trinta quilos de peso sobre o peito, massagens, Isordil, passes várias vezes
ao dia, sem resultado eficaz. Chegava a suar frio de dor, mas não esmorecia.
Nessa época, no período da tarde, no Centro Espírita Antusa Martins, havia
um trabalho de evangelização e passe, seguido da psicografia de Antônio
Baduy Filho, diariamente, às 14 horas. Sempre repleto. Jerônimo, com dor e
tudo, quando havia quem lhe carregasse a cama, não deixava de ir. O Centro
Antusa Martins fica na mesma rua e quarteirão de sua casa.
Naquela tarde de dores silenciosas em que não havia socorro eficaz, fomos
juntos ao “Antusa Martins”. Ele nada pediu ali. Ao terminar o trabalho,
“Toninho” Baduy se aproximou e comentou:
– Jerônimo, meu filho, Bezerra de Menezes se aproximou e me disse o nome de um
remédio homeopático para você.
Anotamos o nome – eram três medicamentos juntos. No mesmo dia a
receita foi aviada. Algumas horas mais tarde quisemos saber se o espírito havia
“acertado”. Que presunção a nossa! Jerônimo comentou que estava bem
melhor, as dores haviam diminuído.
Merecimento, sem dúvida. O socorro veio por um espírito de alta estirpe,
Bezerra, que sempre socorria Jerônimo, um missionário da resignação.
Jerônimo Mendonça com um saco de areia (30kg) para aliviar a dor no peito. Foto: gentileza de Roldão Tavares
Castro, Belém, PA
Jerônimo durante entrevista na TV Morada do Sol (Rede Manchete, na época), acompanhado de Maria Luiza Freire
(Lu). Araraquara, SP
Entrada principal do Lar Espírita Pouso do Amanhecer com as crianças amparadas pela entidade. Ituiutaba, MG,
outubro de 1994
Visita de amigos à residência de Jerônimo Mendonça Ribeiro. Da esquerda para a direita: Eduardo de Freitas Franco
Neto, Maria José Nascimento Rosa, Maria Gertrudes Coelho Maluf, Antonia Mendonça Ribeiro (mãe de Jerônimo),
Rafael Massoca e Eurídece Mendonça Ribeiro (irmã de Jerônimo). Visita efetuada em 03-03-90, aproximadamente 4
meses após o desencarne de Jerônimo (26-11-89). Vê-se ainda, no alto, à esquerda, pôster de Jerônimo com
Roberto Carlos, no “Canecão”
Vista externa da residência da família de Jerônimo Mendonça. São as mesmas pessoas mencionadas na foto anterior