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A ARARA E O GUARANÁ

Ana Maria Machado


Ilustrações Mariângela Haddad
Ed Ática

- Arara! Arara! Arara!


Lá na mata, a arara estava sempre chamando as amigas, Um
dia, o papagaio é que respondeu, rindo:
-Erera! Erera! Erera!
-Erera, não! Arara! – corrigiu ela.
E ele explicou:
- É uma história: erera uma vez uma arara...
- Então, conta – pediu ela.
O papagaio contou. Está história aqui.
Era – ou erera – uma vez uma arara.
Bem colorida, com muita pena vermelha e algumas azuis e amarelas.
Parecia um grito de cor no meio da mata verde. E adorava tudo o que fosse colorido.
Gostava das florestas, das borboletas, dos tiês, das saíras, dos periquitos, de tudo quanto
é passarinho cheio de cor.
Mas, mais do que tudo, ela gostava de guaraná. Não desses guaranás em garrafa ou lata
que a gente toma na cidade. Mas do guaraná da mata, uma frutinha redonda, bem vermelha e
brilhante.
Como o guaraná era vermelho e brilhante que nem ela, a arara achava que tinha de ser
todo dela. Não deixa ninguém chegar perto sem fazer um escarcéu e chamar as amigas:
- Arara! Arara! Arara!
Mas um dia ela se distraiu e, quando viu, o caxinguelê – que é uma espécie de esquilo –
já estava comendo uma porção de guaraná. Ficou furiosa.
- Arara! Arara! Larga esse guaraná!
Jacaré largou? Nem o caxinguelê.
Continuou comendo.
- Sai daí, seu caxinguelê guloso! Larga meu guaraná...
- Seu, coisa nenhuma. Guaraná está no mato, e de quem pegar...
- É meu, sim senhor, é da minha cor.... – insistiu a arara.
- Deixa disso, arara boba. Cor de fruta não é camiseta de time de futebol, isso não quer
dizer nada.
E continuou comendo.
A arara ficou mesmo furiosa. Para que aquilo não acontece nunca mais, resolveu
esconder todos os guaranás da mata. Ela e as amigas. Voavam para um lado e para o outro e,
toda vez que viam um cacho de guaraná, tiravam da árvore e escondiam. Sabe onde?
Enterravam onde bicho nenhum pudesse achar...
Daí a mais alguns dias, não se via mais guaraná na mata. E, quando as araras quiseram,
quem disse que encontravam?
Jacaré achou? Nem as araras.
É que elas não tinham marcado os lugares onde enterraram as frutas e esqueceram. Foi
uma gritaria, cada uma jogando a culpa na outra:
- Arara! Arara! Onde você guardou meu guaraná? Arara!
Mas não acharam.
E o tempo passou, passou. Veio a época da chuva, veio o tempo do sol.
E, em vários lugares da mata, as sementes enterradas dentro das frutas começaram a
brotar, as folhas foram apontando no chão, as plantas foram crescendo.
Daí a um tempo, tinha tanto guaraná na mata que dava pra tudo quanto é arara comer,
tudo quanto é caxinguelê, tudo quanto é bicho. Nunca mais foi preciso brigar por causa de
guaraná.
- Por isso, comadre arara, é que hoje a senhora não tem que criar casa quando alguém
come guaraná – disse o papagaio, terminando a história.
- Por isso, comadre arara, é que hoje a senhora não tem que criar caso quando alguém
como guaraná – disse o papagaio, terminando a história.
- Bobagem, compadre, isso é só história inventada, não é verdade?
- Tem razão, comadre, é história mesmo – disse o papagaio. – Mas tem um lugar onde
ela acontece de verdade. É nas matas lá do Sul...
- E lá tem guaraná? – quis saber a arara.
- Não tem, não. Mas tem gralha-azul e tem pinhão. E tanto elas enterram as castanhas
do pinhão, que acaba nascendo pinheiro em todo canto. E, se um dia as gralhas pararem de
plantar pinhão, vão acabar os bosques de pinheiro.
- E acabou a história.
-Acabou – confirmou o papagaio.
- Então tem que dizer assim: “entrou pelo pé do pato, saiu pelo pé do pinto, quem quiser
que conte cinto” – ensinou a arara.
Mas o papagaio corrigiu:
- Nada disso, a história é minha, eu acabo do jeito que eu quiser. E o jeito que eu quero
é assim: “entrou pelo pé da arara, saiu pelo pé da gralha, quem não trabalha só atrapalhar”.
E, como a história é sua também, invente o final que mais lhe convém.

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