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RUBEM BRAGA
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
FERNANDO SABINO
PARA GOSTAR DE LER
Volume 3
editora Ática
Paulo, maio 78 P.G.L.- Por que você escolheu ser escritor? (Silvia
F. S.- Gostaria de ser músico de jazz. Pelo fato de ser uma criação
coletiva, à base da improvisação, o jazz sempre exerceu sobre mim
uma atração especial. E o instrumento para o qual eu teria mais jeito
é a bateria. C. D. A.- Gostaria de ser caricaturista. P.G.L-Como foi a
Sua infância? (Miriam Terezinha Camarotto-Escola Estadual de 1.0
Grau de Vila Izabel - Osasco) P. M. C.- Boa: pais, irmãos, comida,
escola, futebol, leituras. E meio perigosa: gostava das
C. D. A.- Na escola primária, acho que dei bem o recado. Meu curso
médio foi irregular.
jeito para escrever, mas não passavam disso. Houve um a quem dei
meus contos para ler e que teve o bom gosto de gúardá-los sem
dizer o que achava; quando publiquei meu primeiro livro, anos mais
tarde, me disse que os contos do livro eram muito melhores do que
os que ele havia lido antes. P. M. C.- No terceiro ano de ginásio, o
professor Gilberto Luís de Barros escreveu no meu
A.- Não entendo nada de futebol, mas tenho simpatia pelo Vasco da
Gama, no Rio; pelo Cruzeiro, em Belo Horizonte, e pelo Corinthians,
em São Paulo. F. S. - Gosto de futebol, pela mesma razão que gosto
de jazz: porque é um ato de criação coletiva no qual entra muito de
árvores. De não fazer nada. R. B.- Viajar, pescar, ler, bater papo, ver
gente bonita e inteligente, andar à toa, encontrar velhos amigos.
Gosto de muita coisa. C. D. A.- Gosto de andar a pé, de comer
chocolate, de folhear livros ilustrados, de cultivar meus
bloqueadas. Assim eles não podem dar no pé. - É uma mulher que
chefia o bando! - Já sei. A tal dondoca loura. - A loura assalta em
São Paulo. Aqui é a morena. - Uma gorda. Está de metralhadora. Eu
vi. - Minha Nossa Senhora, o mundo está virado!
- Vai ver que está caçando é marido. Não brinca numa hora
direção: quem fugia dava marcha à ré, quem queria espiar era
Pega! Correu pra lá! - Olha ela ali! - Eles entraram na kombi ali
adiante! - É um mascarado! Não, são dois mascarados!
Bateu com o nó dos dedos: 16 - Maria! Abre aí, Maria. Sou eu-
chamou, em voz baixa. Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá
dentro. Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-
se, viu o ponteiro subir lentamente os andares. Desta vez, era o
homem da televisão! Não era. Refugiado no lanço de escada entre
os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta
de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o
embrulho de pão: - Maria, por favor! Sou eu! Desta vez não teve
tempo de insistir: ouviu passos na escada, lentos, regulares, vindos
lá de baixo.. . Tomado de pânico, olhou ao redor, fazendo uma
S.) 18 Salvo pelo Flamengo Desde garotinho que não sou flamengo,
mas tenho pelo clube da Gávea uma dívida séria, que torno pública
neste escrito. Em 1956, passei uma semana em Estocolmo,
hospedado em um hotel chamado Aston. Era primavera, pelo menos
teoricamente, havia um congresso internacional na cidade, os hotéis
estavam lotados,
Brasilzinho tão bom, fazer uma viagem imensa, para ser trucidado
sem explicação por um bêbado. O fato de ser na Suécia, onde
arbitrários atos 20 de violência não são comuns, ainda tornava mais
absurdo, um absurdo existencialista, o meu triste fim. Indaguei do
empregado o que se passava. Ficou mudo. Insisti na pergunta, e
ele, sussurrando desamparadamente, explicou-me que o gigante
estava a pensar: primeiro, que não conseguira vaga no hotel por ser
sueco e estar
americanos. Mas agora era o próprio gigante que bradava para nós
com sarcasmo e ira: - American! American! Fiquei um pouco mais
esperançoso, acreditando que ele falasse inglês, e disse-lhe,
exagerando minha alegria e meu orgulho por isso, que não éramos
- 1 Flamengo! 1 Rubens! Ele não era sueco, não era gigante, não
era bêbado, não era um ex-campeão de hóquei (conforme soube
depois), era Flamengo, era Rubens. Depois cutucou-me o peito,
tomado de perigosa dúvida: - You! Flamengo? Que o Botafogo me
perdoe, mas era um caso de vida ou de morte, e também gritei
descaradamente:- Flamengo!
Yes! Flamengo! The greatest one! (P. M. C.) 22 Nascer no Cairo, ser
fêmea de cupim Conhece o vocábulo escardichar? Qual o feminino
de cupim? Qual o antônimo de póstumo? Como se chama o natural
do Cairo?
- Não vim aqui para vender revólver-explodiu o outro - mas para lhe
avisar que esse barulho... - Não haverá mais barulho, esteja
tranqüilo. Agora, quanto ao revólver... Quer vender? - O
entendeu? Venha aqui outra vez reclamar e vai ver quem é que
acaba fazendo um estrago louco. (F.S.) 28 Marido e mulher -
Arnaldo, você é o fino: aqui em casa não tem uma gota d'água há
cinco dias e você está uma pilha. Acho perfeitamente normal, meu
bem, que você estej a nervoso. . Mas você está com raiva é de mim,
você está agindo como se fosse eu a responsável pelo fato de não
ter água no Rio de Janeiro.
Mas o caso é que a água não acontece dentro de casa: a água vem
lá de fora dentro dum cano. tá? - Teresa: quando um marido chega e
as torneiras estão secas, a culpa é exclusivamente da mulher. Você
não tenha sobre isso a menor dúvida. - Mas isso é uma injustiça que
clama aos céus: o que que eu posso fazer? - Não sei: o problema é
seu. - Você hoje está muito engraçadinho. -
Francamente, você como sociólogo não fazia nem para o café. Que
culpa tenho eu, a pobre Teresa, pelo fato dos prefeitos do Rio terem
Mas eu estou. Não estou brincando, não. A mulher tem muito mais
Agora, voce quer ver um homem feliz: manda, por exemplo, ele
organizar um almoço. Como é que ele faz tudo direitinho, muito
satisfeito, não se esquece de nada, sai tudo uma beleza! Olhe aqui:
um homem dentro duma cozinha é a imagem da felicidade! Mas a
mulher vai para a cozinha como se fosse para o inferno. Discussões
e Soluções-31 - Você está ficando biruta. - Biruta é a minha querida
sogra. Estou
dizendo uma coisa simples, uma coisa que a gente pode ver a toda
hora.
Isso ninguém me tira da cabeça. - Pois para mim esta sua idéia é
novidade. - Novidade ou não, é a pura verdade. Você já olhou bem a
cara dum homem quando ele lá um dia resolve encerar a casa? É
uma cara de absoluta plenitude. E como os homens enceram bem!
Agora, você reparou na cara duma mulher que vai trocar uma
lâmpada? É a cara da vítima! A cara do casamento fracassado! Ela
destorce a lâmpada queimada como se estivesse na cadeira
elétrica! - Ah, não, meu filho, isso é porque mulher tem medo de
choque. - Pois é: medo de choque... Mulher tem medo de choque
mesmo com a eletricidade
Amigo, tenho aqui esta mulher, este papagaio, esta sogra e algumas
baratas. Tome nota de seus nomes, se quiser. Querendo levar
todos, é favor. E outro: - Eu? Tinha um amigo e um cachorro. O
- Oh! sede bem-vindo. Aqui somos eu e ela, só nós dois. Mas nós
dois somos apenas um. Breve, seremos três. Oh! E outro: - Dois,
cidadão, somos dois. Naturalmente o sr. não a vê. Mas ela está
aqui, está, está! A sua saudade jamais sairá de meu quarto e de
meu peito! E
outro: - Aqui moro eu. Quer saber o meu nome? Procure uma
senhorita loura que mora na terceira casa da segunda esquina, à
- Para que, se não vai guardar dinheiro nele? - Para mostrar minha
boa-fé, se eles voltarem. Abro imediatamente o cofre, e verão que
não estou escondendo nada. Que lhe parece? - Que talvez o senhor
precise manter um estoque de esparadrapo em
canarinho, que não te quero mais. Mas ele fica, brincando de corvo,
dizendo never more. Este refrão (never more) me deixa meio
43 sua história: "o dr. Mereje disse que. . ."- mas não conta. Está
rindo, mas está triste. Os anjinhos todos querem saber. " Então o
menino diz: - Ora, pinhões! Eu nasci com o coração fora do peito.
Queria que ele batesse ao ar livre, ao sol, à chuva. Queria que ele
batesse livre, bem na vista de toda a gente, dos homens, das
moças.
quê? Voltou? Mas isso é hora de me visitar, filha? Está sem sono?
Que é que há? Gosto muito de criação, mas aqui no hospital, antes
do dia clarear... (Acaricia-lhe o pescoço.) Que é isso! Você está
molhada? Essa coisa pegajosa... O que: sangue?! Por que não me
disse logo, cabrinha de Deus? Por que ficou me olhando assim feito
boba? Tem razão: eu é que não entendi, devia ter morado logo. E
como vai ser? Os doutores daqui são um estouro, mas cabra é
diferente, não sei se eles topam. Sabe de uma coisa? Eu mesmo
vou te operar! Corre à sala de cirurgia, toma um bisturi, uma pinça; à
farmácia, pega mercúrio-cromo, sulf a e gaze; e num canto do
hospital, assistido por dois serventes,
neste mundo? Que tem isso, trocar umas palavrinhas com você?
Olhe, amanhã vou pedir ao Ariano Suassuna que escreva um auto
da cabra, em que você vai para o céu, ouviu? Que um dia Francis
Jammes abra lá no alto seu azul aprisco. Mande entrar Marcolina, a
cabra, e
Levou uns bons cinco minutos para descobrir com quem estava
pensando que ... - Fale mais alto! Sua voz está sumindo.
Espera! Entendi direitinho você falar que estava bêbado. Deve ser o
barulho. Espera um pouco. Ouvi pelo fone sua voz para os que o
- Você não volta! - Volto, ora essa, juro que volto, meu amor.
- Estela, você sabe que está com um vestido muito bonito? Estela
tirou a mão dos olhos, examinou o próprio vestido e não disse nada.
- Olha um gatinho. Ele mora aqui? - Mora. - E que é que ele come? -
Papel. - Mentiroso! - Então pergunte a ele. O gato acordou, deixou-
se afagar e tornou a dormir, desta vez nos braços de Estela. O
gerente olhou o relógio; tinham se passado quinze minutos, o
homem não aparecia. "Bonito se ele não vier mais. Que vou fazer
com esta garotinha, na hora de fechar?"
sortida, pobre. "Eu devia ter aberto uma loja de brinquedos, pelo
menos um bazar." Experimentou com Estela o apontador de lápis, o
grampeador. E o homem não vinha. É, não vem mais. Estela andava
de um lado para outro, dona do negócio. Ele, inquieto. - Não mexa
nas gavetas, filhinha. - Não sou sua filhinha. -
Ela assustou-se. Ele riu. "Se o homem não aparecesse mais, que
bom! Aliás a cara dele era de calhorda. Ainda bem que me
escolheu."
gerente virou o rosto, para não ver, mas chegou até ele a despedida
de Estela: - Até-logo, homem do balão! E a filha ficou mais longe
ainda, no Peru. (C . D. A.) Ações e Intenções -57 Na
- E quando não tem? - Quando não tem, não tem-e ela até parecia
sorrir, me olhando pela primeira vez. Na penumbra do carro, suas
feições de criança, esquálidas, encardidas de pobreza, podiam ser
as de uma velha. Eu não me continha mais de aflição, pensando
nos meus filhos bem nutridos - um engasgo na garganta me afogava
no que os homens experimentados chamam de sentimentalismo
burguês: - Mas não te dão comida lá?- perguntei, revoltado. -
Quando eu peço eles dão. Mas descontam no ordenado, mamãe
disse pra eu não pedir.
Como é que você foi parar na casa dessa... foi parar nessa casa?-
americanos serão vítimas do câncer este ano; destes, 260 mil estão
condenados à morte. Sabe-se ainda, por exemplo, que no Norte dos
Estados Unidos diminui a mortalidade por leucemia, mas no Sul
aincidência mortal vem sendo acrescida. O mal é misterioso e
aterroriza. Só não aterroriza o cientista escondido entre paredes
assépticas, a isolar vírus, a traçar esquemas táticos, a vislumbrar
esperanças, a chocar-se contra desilusões, a repetir, com o poeta,
que cada nova tentativa é um fracasso diferente. É preciso usaí
nesta guerra - fala agora um cientista famoso-de todas as coisas
que conquistaram mundos.
Solicitações - 65 - É meu avô paterno. - Então fala pra seu avô vir
ele mesmo, trazendo a carteira. - Isto eu não posso falar não
senhor. - Não pode por quê? - Porque ele já é falecido desde 1952. -
Se já é falecido, nada feito. A inscrição está cancelada. - Cancelada
como, se ele foi chamado pela
Espera aí. Tem mais. Meu pai guardou o papel 13 anos e também
embarcou, coitado. Na hora de despedida, me fez a mesma
recomendação. Estou
cumprindo 66 um mandado de família, uma coisa sagrada para mim.
Já lhe dei o talão. Me dá meu telefone, cidadão. - Esse talão é de
Abel Setembrino de Matos, homem! - Eu sei. Meu avô, pai de meu
pai. Me tocou como bem de família. - Tocou como? Por acaso
senão eu podia ficar com o talão, se sou filho único de filho único de
meu avô? - Eu sei lá se o senhor é único ou se faz parte de
escadinha. Nem interessa à Companhia saber quem é filho único de
quem.
Filho de mãe inglesa confunde fork e knife, mas sabe o que é seal e
walrus. Se pede um pedaço de papel é para desenhar a zebra ou a
baleia.
- Tenham paciência, mas está na hora do meu café. Agora era uma
questão de teimosia. Voltou à tarde, para encontrar fila