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UFJF/FACULDADE DE LETRAS

OFICINA DE CRIAÇÃO LITERÁRIA


ESCRITAS DO LUGAR
Prof. Fernando Fiorese

COMO COMECEI A ESCREVER

In: Para gostar de ler – Crônicas – Volume 4. São Paulo: Editora Ática, 1980.

RUBEM BRAGA

Já contei em uma crônica a primeira vez que vi meu nome em letra de forma: foi
no jornalzinho O Itapemirim, órgão oficial do Grêmio Domingos Martins, dos alunos do
colégio Pedro Palácios, de Cachoeiro de Itapemirim. O professor de Português passara
uma composição, “A Lágrima” – e meu trabalho foi julgado tão bom que mereceu a
honra de ser publicado.
Eu ainda estava no curso secundário quando um de meus irmãos mais velhos –
Armando – fundou em Cachoeiro um jornal que existe até hoje – o Correio do Sul. Fui
convidado a escrever alguma coisa, o que também aconteceu com meu irmão Newton,
que fazia principalmente poemas.
Eu escrevia artigos e crônicas sobre assuntos os mais variados; no verão mandava
da praia de Marataízes uma crônica regular, chamada Correio Maratimba. Quando fui
para o Rio (na verdade para Niterói) por volta dos 15 anos, mandava correspondência
para o Correio. Continuei a fazer o mesmo em 1931, quando mudei para Belo
Horizonte.
A essa altura meu irmão Newton trabalhava na redação do Diário da Tarde de
Minas. Em começo de 1932, ele deixou o emprego e voltou para Cachoeiro; herdei seu
lugar no jornal.
Passei então a escrever diária e efetivamente, e fui aprendendo a redigir com os
profissionais como Octavio Xavier Ferreira e Newton Prates. Quando terminei meu
curso de Direito, resolvi continuar trabalhando em jornal.
Fazia crônicas, reportagens e serviços de redação. Ainda em 1932 tive uma
experiência bastante séria: fui fazer reportagem na frente de guerra da Mantiqueira
missão aventurosa porque a direção de meu jornal era favorável à Revolução
Constitucionalista dos paulistas, e eu estava na frente getulista. Acabei preso e mandado
de volta.
A essa altura eu já era um profissional de imprensa, e nunca mais deixei de ser.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Aí por volta de 1910 não havia rádio nem televisão, e o cinema chegava ao
interior do Brasil uma vez por semana, aos domingos. As notícias do mundo vinham
pelo jornal, três dias depois de publicadas no Rio de Janeiro. Se chovia a potes, a mala
do correio aparecia ensopada, uns sete dias mais tarde. Não dava para ler o papel
transformado em mingau.
Papai era assinante da Gazeta de Notícias, e antes de aprender a ler eu me sentia
fascinado pelas gravuras coloridas do suplemento de domingo. Tentava decifrar o
mistério das letras em redor das figuras, e mamãe me ajudava nisso. Quando fui para a
escola pública, já tinha a noção vaga de um universo de palavras que era preciso
conquistar.
Durante o curso, minhas professoras costumavam passar exercícios de
redação. Cada um de nós tinha de escrever uma carta, narrar um passeio, coisas
assim. Criei gosto por esse dever, que me permitia aplicar para determinado fim o
conhecimento que ia adquirindo do poder de expressão contido nos sinais reunidos em
palavras.
Daí por diante as experiências foram-se acumulando, sem que eu percebesse que
estava descobrindo a literatura. Alguns elogios da professora me animavam a
continuar. Ninguém falava em conto ou poesia, mas a semente dessas coisas estava
germinando. Meu irmão, estudante na Capital, mandava-me revistas e livros, e me
habituei a viver entre eles. Depois, já rapaz, tive a sorte de conhecer outros rapazes que
também gostavam de ler e escrever.
Então, começou uma fase muito boa de troca de experiências e impressões. Na
mesa do café-sentado (pois tomava-se café sentado nos bares, e podia-se conversar
horas e horas sem incomodar nem ser incomodado) eu tirava do bolso o que escrevera
durante o dia, e meus colegas criticavam. Eles também sacavam seus escritos, e eu
tomava parte nos comentários. Tudo com naturalidade e franqueza. Aprendi muito com
os amigos, e tenho pena dos jovens de hoje que não desfrutam desse tipo de amizade
crítica.

FERNANDO SABINO

Quando eu tinha 10 anos, ao narrar a um amigo uma história que havia lido,
inventei para ela um fim diferente, que me parecia melhor. Resolvi então escrever as
minhas próprias histórias.
Durante o meu curso de ginásio, fui estimulado pelo fato de ser sempre dos
melhores em português e dos piores em matemática – o que, para mim, significava que
eu tinha jeito para escritor.
Naquela época os programas de rádio faziam tanto sucesso quanto os de televisão
hoje em dia, e uma revista semanal do Rio, especializada em rádio, mantinha um
concurso permanente de crônicas sob o título “O Que Pensam Os Rádio-Ouvintes”. Eu
tinha 12, 13 anos, e não pensava grande coisa, mas minha irmã Berenice me animava a
concorrer, passando à máquina as minhas crônicas e mandando-as para o concurso.
Mandava várias por semana, e era natural que volta e meia uma fosse premiada.
Passei a escrever contos policiais, influenciado pelas minhas leituras do gênero.
Meu autor predileto era Edgar Wallace. Pouco depois passaria a viver sob a influência
do livro mais sensacional que já li na minha vida, que foi o Winnetou de Karl May,
cujas aventuras procurava imitar nos meus escritos.
A partir dos 14 anos comecei a escrever histórias “mais sérias”, com pretensão
literária. Muito me ajudou, neste início de carreira, ter aprendido datilografia na velha
máquina Remington do escritório de meu pai. E a mania que passei a ter de estudar
gramática e conhecer bem a língua me foi bastante útil.
Mas nada se pode comparar à ajuda que recebi nesta primeira fase dos escritores
de minha terra – Guilhermino César, João Etienne Filho e Murilo Rubião – e, um pouco
mais tarde, de Marques Rebelo e Mário de Andrade, por ocasião da publicação do meu
primeiro livro, aos 18 anos.
De tudo, o mais precioso à minha formação, todavia, talvez tenha sido a amizade
que me ligou desde então e pela vida afora a Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e
Paulo Mendes Campos, tendo como inspiração comum o culto à Literatura.

PAULO MENDES CAMPOS

No primeiro ano de ginásio (num colégio que foi quartel colonial, perto de
Cachoeira do Campo e Ouro Preto) comecei a escrever e comecei, aos doze anos de
idade, por um capítulo das minhas memórias. No ano anterior, eu havia fugido de casa,
com dois amigos, buscando as aventuras de Mato Grosso. A fuga durou vinte e quatro
horas e foi relatada num caderno ao qual dei o título de “Fugindo de casa”. Pouco
depois, tomei conhecimento dos versos de Mário de Andrade sobre Belo Horizonte e
também escrevi o meu poema futurista com o mesmo tema.
Em seguida, influenciado pelo Winnetou de Karl May, criei o herói chamado
Motano, um índio dos Estados Unidos.
Foram minhas três primeiras obras. Perdi o poema, tenho ainda as outras duas.
Terminado o ginasial, passei a inventar contos mais ou menos humorísticos. E uns
poemetos mais ou menos dramáticos. Conheci então Ettiene Filho, um pouco mais
velho, Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino e Fernando Sabino. Através do primeiro,
publiquei num jornal meus dois primeiros artigos, um sobre poesia, outro sobre Raul de
Leoni. Continuei a fabricar artigos em Belo Horizonte e, em seguida, no Rio, para onde
me mudei.
A imprensa me pegou pelo pé e me sobrava pouco tempo para ajeitar os meus
poeminhas. Por fim, num belo dia, me casei, e os editores-poetas Geir Campos e Thiago
de Mello apareceram na minha festa improvisada com os primeiros exemplares do meu
primeiro livro: A palavra escrita.
Eu já tinha vinte e nove anos de idade. E dezessete anos de escrivinhações.

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