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UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ (UNIFESSPA)

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS

ROSELLI SCHEIDEGGER OLIVEIRA

RELIGIÕES DE MATRIZES AFRICANAS NO COMPONENTE CURRICULAR DE


HISTÓRIA:
a BNCC e a Prática Docente (Marabá- PA, 2017-2019)

MARABÁ
2023
ROSELLI SCHEIDEGGER OLIVEIRA

RELIGIÕES DE MATRIZES AFRICANAS NO COMPONENTE DE HISTÓRIA:


a BNCC e a Prática Docente (Marabá- PA, 2017-2019)

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em História da Unifesspa como
requisito para a obtenção do título de Mestra em
História.

Orientadora: Profa. Dra. Karla Leandro Rascke.

MARABÁ
2023
ROSELLI SCHEIDEGGER OLIVEIRA

RELIGIÕES DE MATRIZES AFRICANAS NO COMPONENTE DE HISTÓRIA:


a BNCC e a Prática Docente (Marabá- PA, 2017-2019)

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em História da Unifesspa como
requisito para a obtenção do título de Mestra em
História.

Data de aprovação: Marabá (PA), 28 de julho de 2023.

Banca examinadora:

____________________________________________
Profa. Dra. Karla Leandro Rascke – PPGHIST-Unifesspa
(Orientadora)

_____________________________________________
Prof. Geovanni Gomes Cabral – PPGIST-Unifesspa
(Membro interno ao Programa)

_____________________________________________
Prof. Dr. Julio César do Rosa – SED-SC
(Membro externo ao Programa)
AGRADECIMENTOS

Abrindo caminhos no meio de pedras, primeiramente a Deus, tão perene no curso desta
jornada desde o mais simples sorriso ao inacreditável sim. À família, e pelo valor do
aprendizado agridoce de meus pais, que são uma bússola para minha vida, meu forte. Ao meu
esposo Ricardo, que sempre me apoiou e valoriza a busca pelo conhecimento, pela sensibilidade
da companhia na travessia da noite escura. À minha filha Amanda Hadassa e ao meu filho Lucas
Ricardo, que me motivam a seguir sempre. Sendo estes mencionados os amores da minha vida.
Aos meus irmãos Walber Scheidegger de Oliveira, Wdson Scheidegger de Oliveira em especial
a minha irmã Ângela Maria Scheidegger Laia, por toda a força, coragem e determinação que
ela tem e contagia todos à sua volta. Agradeço ainda a sobrinha Cristiane Scheidegger Laia e
seu esposo Leonardo Maia que sempre me deram força nesse caminhar.
À Universidade Federal Sul e Sudeste do Pará e ao Programa de Pós-Graduação em
História (PPGHIST). À professora Dr. Karla Leandro Rascke, pela orientação, ideias e estímulo
na caminhada dessa pesquisa, sempre eficiente, disposta, presente e amiga. Aos professores Dr.
Geovanni Gomes Cabral e professor Dr. Júlio Cesar da Rosa, que junto a professora Karla
foram os membros da banca examinadora, pela acolhida e grande colaboração e contribuições
para a realização desta pesquisa. Bem como ao professor Dr. Erinaldo Cavalcanti, pelas
contribuições para elaboração desta pesquisa.
À amiga Jackeline Viana e ao amigo Ewerton Corrêa, pela tríade que realizamos no
período do mestrado. E à amiga Raimunda Fontes (Ray) que em meio a alegria de fazer o tão
sonhado mestrado, enfrentamos a dura realidade de enfrentar a tão cruel pandemia (COVID-
19), no entanto, da tríade passamos a formar um quarteto que muitas vezes serviu como alívio,
“ouvidos”, amigo(a)s, disponíveis a ouvir e ajudar, motivar um ao outro, simplesmente para
termos a alegria de ver um ao outro(a) tendo a vitória da defesa.
Aos meus amigos de trabalho (na Semed) Professores Pedro Corrêa, André Vianeli,
Daniel Oliveira, José Charles, em especial professor Dr. Aldair Carneiro, o qual desde o início
sempre foi uma inspiração e ao mesmo tempo me deu suporte na elaboração do projeto de
pesquisa. E às minhas amigas de trabalho, Eva Bueno, Gabriela de Oliveira, Sandriana
Rodrigues, Maiana Maia, Shirley Calandrini, Fidelayne Sousa. Aos meus amigos e amigas que
são meus superiores no trabalho, Professora Mestre Regina Batista, Professor Izaque de
Oliveira, e o nosso coordenador geral professor Dr. Fábio Rogério, seres humanos que
gerenciam com grande profissionalismo o que fazem, onde a razão é atrelada ao coração. Ao
Fábio Rogério, que em um momento de dificuldades que passei, teve sensibilidade, a
generosidade, a bondade de acreditar em mim. Alguém que foi capaz de enxergar com o
coração. E digo, hoje que me sinto realizada por trabalhar num ambiente confortável, de pessoas
solidárias, amáveis. Grata pela delícia e revigoração em fazer parte dessa equipe, no caminhar
pela educação.
Aos professores da Rede Municipal de Educação, professora Ray e Ewerton, citados
anteriormente, professor Adílio de Oliveira e o Professor Cícero, que gentilmente deram
entrevistas para a escrita desta pesquisa.
“O nome de Deus pode ser Oxalá
Jeová, Tupã, Jesus, Maomé,
Maomé, Jesus Tupã, Jeová,
Oxalá e tantos mais,
sons diferentes, sim, para sonhos iguais”.
GIL, 1997
RESUMO

As discussões e manifestações da intolerância religiosa nos contextos sociais


contemporâneas têm sido alvo de debates sobre suas problemáticas em ambientes educacionais,
sendo a escola um dos principais lugares onde se manifesta o racismo religioso. Nesse sentido,
objetivamos na presente pesquisa, compreender como as religiões de matrizes africanas
constam no componente de História da BNCC e como têm sido as práticas docentes no
município de Marabá-PA, com recorte temporal para os anos de 2017 até 2019, direcionadas
ao Ensino de História do segundo seguimento do ensino fundamental. Para essa pesquisa foi
mobilizada um corpus documental pautado em um levantamento bibliográfico, documentos
oficiais e entrevistas. Enquanto fontes históricas escritas, trouxemos a BNCC, as Diretrizes
Curriculares Nacionais de Educação Básica (DCN) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB). Outras fontes importantes para essa pesquisa foram as entrevistas realizadas
com 4 (quatro) professores efetivos da rede pública de ensino de Marabá. Através de um roteiro
semiestruturado com questões orientadoras para a abordagem, enfatizamos elementos da
trajetória docente desses profissionais, intentando a compreender como discutiam a temática
das religiões de matrizes africanas no componente de História em suas aulas. Percebemos que,
em relação a temática da diversidade religiosa de matrizes africanas no componente de História,
muitos são os desafios, uma vez que a BNCC trata de forma superficial a temática referida e a
atuação docente quanto ao tema também enfrenta retaliações, dado o fato de a intolerância
religiosa ser tão presente nos espaços pedagógicos. As reflexões abordadas sobre essa temática
assumem uma importante relevância na educação, apontando a necessidade de revisão de
documentos normativos, formação de professores e discutir a relevância de se considerar a
diversidade cultural e religiosa presente em nossa sociedade, especialmente quando se trata das
tradições religiosas de matrizes africanas em sala de aula.
Palavras-chave: Ensino de História; BNCC; Prática docente; Diversidade; Religiões de
matrizes africanas.
ABSTRACT

The discussions and manifestations of religious intolerance in contemporary social


contexts have been the subject of debates about their problems in educational environments,
with schools being one of the main places where religious racism manifests itself. In this sense,
the objective of this research is to understand how religions of African origin are included in
the History component of the BNCC and how teaching practices have been in the municipality
of Marabá-PA, with a time frame for the years 2017 to 2019, directed to Teaching of History
of the second segment of elementary school. For the development of this research, it was
necessary to base it on scientific readings, data collection, document mapping and conducting
interviews with teachers from the Municipal Education Network. As written historical sources,
we brought the BNCC, the National Curriculum Guidelines for Basic Education (DCN) and the
Law of Guidelines and Bases of National Education (LDB). Other important sources for this
research were the interviews carried out with four effective teachers of the public teaching
network of Marabá. Through a semi-structured script with guiding questions for the approach,
we emphasize elements of the teaching trajectory of these professionals, trying to understand
how they discussed the theme of religions of African matrices in the History component of their
classes. We noticed that, in relation to the theme of religious diversity of African matrices in
the History component, there are many challenges, since the BNCC deals superficially with the
mentioned theme and the teaching performance on the theme also face retaliation, given the
fact that religious intolerance being so gift in pedagogical spaces. The reflections addressed on
this theme assume an important relevance in education, pointing to the need to review
normative documents, teacher training and discuss the relevance of considering the cultural and
religious diversity present in our society, especially when it comes to religious traditions of
African matrices in the classroom.
Keywords: History Teaching; BNCC; Teaching practice; Diversity; African origin religions.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Marcos legais e políticas decorrentes da BNCC...................................................... 32


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - A Idade Média nas primeiras versões da BNCC (2015). ....................................... 75


Quadro 2 - A Idade Média na segunda e terceira versão da BNCC (2016 e 2017) .................. 76
Quadro 3 - Habilidades BNCC/2017, referente ao 6º ano. ....................................................... 81
SIGLAS

ABEA-ÁFRICA Associação Brasileira de Estudos Africanos


ANPEd Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação
ANPUH Associação Nacional de História
BNCC Base Nacional Comum Curricular
CCIR Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro
CEFOR Centro de Formação de Profissionais da Educação Básica do Estado do
Pará
CENPEC Centro de Estudos, Pesquisa, Educação, Cultura e Ação
Comunitária
CNE Conselho Nacional de Educação
Consed Conselho Nacional de Secretarias de Educação
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica
DECENERER Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
raciais
EPSJV/FIOCRUZ Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (Unidade técnico-
científica da Fundação Oswaldo Cruz)
GT Grupo de Trabalho
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisa
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC Ministério da Educação
MPB Movimento pela Base Nacional Comum
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONU Organização das Nações Unidas
PA Pará
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
Penad Pesquisa Nacional por Amostra a Domicílios
PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
SEDUC Secretaria de Estado de Educação
SEMED Secretaria Municipal de Educação
UFPA Universidade Federal do Pará
Undime União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
UNIFESSPA Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................... 13
1 CURRÍCULO ESCOLAR E BNCC ......................................................................... 27
1.1 BNCC e currículo: uma perspectiva homogênea ..................................................... 27

1.1.1 A BNCC em construção e disputa ................................................................................ 33

2 TRADIÇÕES RELIGIOSAS DE MATRIZES AFRICANAS NA BNCC: ENTRE


O NORMATIVO E A PERCEPÇÃO DOCENTE .................................................. 68
2.1 BNCC e as Leis 10.639/03 e 11.645/08: abordagens de África e DIÁSPORA em
retrocesso ..................................................................................................................... 78

2.2 Religiões de matrizes africanas e a intolerância ...................................................... 86

2.3 Religiões de matrizes africanas e educação: percepção docente ............................ 90

3 DESAFIOS E POSSIBILIDADES SOBRE A PRÁTICA DOCENTE E AS


RELIGIÕES DE MATRIZES AFRICANAS EM MARABÁ .............................. 103
3.1 O papel do professor nas abordagens sobre a intolerância religiosa ................... 110

3.2 Religiões de matrizes aricanas: desafios e possibilidades no ensino de história . 114

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 123


REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 127
13

INTRODUÇÃO

Quando rejeitamos a história única, quando percebemos que nunca existe uma história
única sobre lugar nenhum, reavemos uma espécie de paraíso. (ADICHE, 2019, p. 33).

Como professores de História, entendemos que o Ensino de História deve possibilitar


uma educação libertadora, formativa e emancipadora, permitindo a formação de cidadãos
conscientes, críticos e reflexivos. Nesse sentido, é essencial que o Ensino de História estabeleça
uma reflexão crítica, com o intuito de construir nos sujeitos o reconhecimento de si também
como agentes históricos, partícipes atuantes da sociedade em que estão inseridos.
Concordamos com Fonseca (2012) a respeito das reflexões que faz sobre o Ensino de
História:

[...] partimos de duas premissas óbvias para os historiadores. A primeira é pensar a


História como disciplina fundamentalmente educativa, formativa, emancipadora e
libertadora. A História tem como papel central a formação da consciência histórica
dos homens, possibilitando a construção de identidades, a elucidação do vivido, a
intervenção social e praxes individual e coletiva. A segunda, é ter consciência de que
o debate sobre o significado de ensinar História processa-se, sempre, no interior de
lutas políticas e culturais. (FONSECA, 2012, p. 89).

Entendemos ainda, que o Ensino de História, possibilita um conhecer-se, relacionar-se


em grupo, reconhecer e respeitar as diferenças “contribuindo para o entendimento dos modos
de leitura e escrita no mundo em que vivemos e também no mundo em que gostaríamos de
viver” (FONSECA, 2009, p. 252).
Diante do exposto, na presente pesquisa nosso objetivo é refletir sobre a prática docente
de professores de História em Marabá, com relação ao ensino de matrizes religiosas africanas
no componente de História, após a homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC,
2017). Abordamos o recorte temático proposto, as religiões de matrizes africanas no
componente de História, discutindo a BNCC e a prática docente na cidade de Marabá, entre os
anos 2017 a 2019. Tal recorte temporal justifica-se, pois 2017 foi ano da promulgação da
BNCC, documento nacional com a proposta de um currículo comum para o país. Quanto ao
ano de 2019, trata-se de marco em âmbito municipal, quando Marabá aprova sua Proposta
Curricular Pensando em Rede1, após diálogos resultantes da análise da BNCC e das demandas
em termos de sua implementação.

1
Em julho de 2019, o município de Marabá construiu o seu currículo fundamentado na nova BNCC (2017). O
documento foi debatido em momentos distintos, reunindo professores e discutindo concepções de educação e de
avaliação. O documento foi aprovado ainda entre setembro e outubro do ano de 2019.
14

Como objetivos específicos, analisamos o que é proposto pela BNCC no componente


de História para o trabalho com as temáticas que envolvem religiões de matrizes africanas;
procuramos compreender como essas religiões têm sido abordadas em sala de aula no
componente de História, cujos professores e professoras entrevistadas, lecionam no ensino
público em quatro escolas (Deuzuíta Melo de Albuquerque, Escola Municipal de Ensino
Fundamental e Médio Pequeno Príncipe e Escola Municipal de Ensino Fundamental Acy de
Jesus Neves Barros Pereira), escolas estas pertencentes a rede municipal de educação de
Marabá.
Trazer à tona um pouco de minha trajetória de vida e pesquisa permite indicar os
caminhos que me levaram a este trabalho de mestrado. A Educação sempre faz parte de meu
viver, pois sou filha de uma mulher trabalhadora que atuou como professora e diretora, mãe,
dona de casa, a qual influenciou-me de forma de enxergar na educação a possibilidade de
mudanças. Meus pais criaram a família a partir do sustento da terra, com o trabalho árduo da
lida na roça. Cresci vendo o sofrimento, a luta e determinação de meus pais, que sempre
incentivaram os filhos a estudar, por acreditar que a educação é libertadora, inclusive de
pensamentos. Principalmente para as classes populares de onde muitos de nós fizemos parte. A
educação é um caminho para ascensão social.
O interesse por esta pesquisa de mestrado foi despertado com a experiência de vida que
tenho enquanto professora de História, cujo início se deu no ano de 1998, quando estava
cursando o magistério, na cidade que eu vivia na época, em Goianésia do Pará. Naquele período,
apenas duas opções de curso compunham as possibilidades para o Ensino Médio: Contabilidade
ou Magistério. Influenciada pela minha mãe, não tive dúvidas quanto ao interesse pela área
educacional, percurso que desenvolvo há vinte e quatro anos. Especificamente, nos últimos sete
anos, tenho atuado diretamente na Secretaria de Educação em Marabá, como professora
formadora dos Componentes de Ensino Religioso e História.
Entre os anos de 2017 a 2019 foi oportunizado trabalharmos focados na formação dos
professores promovida pela Secretaria de Educação (SEMED), na Rede Municipal de
Educação, pautando questões em torno da elaboração da BNCC e sua implementação em
Marabá. Tal fato despertou fortemente meu interesse em aprofundar a investigação sobre a
temática. Inicialmente, houve um encantamento com a proposta da BNCC, pois parecia
equilibrar o ensino no país, buscando uma equidade e igualdade.
15

No ano de 2018, em Marabá, deu-se o início a implementação2 da BNCC na Rede de


Ensino Municipal, coordenada pelo professor Fábio Rogério (Diretor de Ensino da Secretaria
Municipal de Educação – SEMED), sendo realizadas diversas formações, cujo objetivo era a
implementação do documento mencionado anteriormente.
Considerando que o Ministério de Educação tornou obrigatório que cada município
realizasse ou refizesse os seus currículos adequados a nova BNCC, isso ainda no final de 2017;
em janeiro de 2018 deu-se início aos trabalhos de estudo para a compreensão do documento, na
expectativa de construir o seu currículo. Dentro dessa situação, a partir dessa demanda ainda
no ano de 2018 (1º semestre), o município de Marabá montou um comitê gestor para pensar o
seu currículo com base na terceira versão do documento. Levou-se em média um ano e meio
para a elaboração do documento e somente em julho de 2019 o município construiu o seu
currículo fundamentado na nova Base Nacional Comum Curricular.
Importante reiterar que a construção da Proposta Curricular Pensando em Rede, no
município de Marabá, deu-se de forma interessante, visto a possibilidade de o município seguir
o currículo do Estado, por meio da Secretaria de Estado de Educação - SEDUC. Uma vez que
a SEDUC no Pará demorou um pouco para iniciar essa discussão em relação a BNCC, o
município de Marabá, isto é, a Rede Municipal de Educação, acabou se antecipando,
construindo seu currículo próprio. Nesse sentido, esse trabalho reuniu professores da Rede
Municipal de Educação, envolveu os diferentes componentes curriculares da Educação Infantil,
de 1º ao 5º ano e dos anos finais, 6º ao 9º ano, com exceção da educação de jovens e adultos.
A Secretaria Municipal de Educação promoveu encontros para o alinhamento de todos
envolvidos na educação, por meio da equipe de professores formadores do município,
juntamente com parceria como o Centro de Formação de Profissionais da Educação Básica do
Estado do Pará (Cefor3) e a Universidade Federal do Pará (UFPA), e a Universidade Federal do
Pará (UFPA), além do envolvimento de parceiros externos como a Fundação Lemann4 e a Elos

2
O Ministério da Educação lançou em 04 de abril de 2019, programa de apoio à implementação da Base Nacional
Comum Curricular (ProBNCC), que visava auxiliar estados, municípios para e o Distrito Federal na elaboração e
implementação de seus currículos alinhados à BNCC. O ProBNCC foi estabelecido pela portaria MEC nº 331/20
18, seguindo a homologação da BNCC para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, no fim de 2017. A
iniciativa foi uma das ações para a implementação da BNCC em regime de colaboração, envolvendo entidades do
Governo Federal, como o MEC e o Conselho Nacional de Educação (CNE), além de representantes estaduais,
como o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (Consed); o Fórum Nacional dos Conselhos
Estaduais de Educação (FNCEE), e representantes municipais, como a União Nacional dos Conselhos Municipais
de Educação (Uncme).
3
O Cefor é especializado na oferta de educação profissional e tecnológica em diferentes níveis de ensino, de cursos
técnicos a pós-graduações, bem como cursos relacionados à formação inicial e continuada de professores e técnicos
administrativos da educação.
4
A Fundação Lemann é uma instituição privada vinculada ao Grupo Lemann (GL), que vem atuando há cerca de
15 anos em diversas frentes das políticas públicas de educação no Brasil. Sua atuação e alcance tem atingido a
16

Educacional5. Todos somando para a discussão sobre Currículos, concepções de educação e


avaliação na busca de construir um novo currículo para este município.
A Secretaria Municipal de Educação montou uma comissão para validar as
contribuições da consulta pública para o currículo e, depois de validar essas contribuições o
currículo foi para a análise, aprovação e homologação do Conselho Municipal de Educação. O
documento foi aprovado ainda entre setembro e outubro do ano de 2019. Assim, a educação
pública municipal de Marabá possui atualmente um currículo alinhado à Base Nacional Comum
Curricular, que passou pelos trâmites mencionados. Em tempos de discussão, formulação e
formações sobre uma Base Nacional Comum Curricular, aflorou-se as resistências e as
problemáticas levantadas por grande número de professoras e professores quanto ao trabalho
com as temáticas relacionadas a religiosidades que fogem do chamado “padrão”, ou seja, que
fogem ao viés de origem cristã, centrada na cultura europeia.
Enquanto professora formadora pela Secretaria Municipal de Educação, foi uma
experiência desafiadora, quanto a orientação e construção da BNCC. No decorrer desse
processo estando à frente da Formação do Componente Curricular Ensino Religioso e História,
enfatizar a importância de se discutir as diferentes matrizes religiosas em especial as religiões
de Matrizes Africanas foi perceptível as resistências por parte de alguns professores. Ocorrendo
por falta de formação no Ensino de graduação da área de História, e que as discussões
relacionadas sobre essa temática é ausente, seja pelo desinteresse por parte do professor/a em
decorrência a sua opção religiosa diferir das manifestações religiosas de matrizes africanas.
Mediante a experiência na educação tida por mim, nesse período de implementação da BNCC,
surgiu o desejo e interesse pela pesquisa.
O componente de História tem como desafio fomentar o desenvolvimento de objetos de
conhecimento, em respeito à diversidade cultural, social, política e religiosa dos diferentes
povos. As questões que norteiam questões da pesquisa são: O que a BNCC propõe no
componente de História para trabalhar a temática da diversidade religiosa de matrizes africanas
no componente de História? Como tem sido a atuação docente em relação às abordagens sobre
tais práticas religiosas no componente curricular de História de 6º ao 9º ano?
Assim, venho apontar a relevância do tema proposto, na medida em que a BNCC é uma
política educacional nacional que tem como objetivo nortear todos os currículos escolares, em

formação docente, a construção e a reelaboração de documentos e normativas voltadas para a educação, a


realização de programas e outros junto a inúmeras redes públicas de ensino.
5
A Elos Educacional, criada em 2011, surgiu do desejo de contribuir com a melhoria da educação no país, através
da formação dos educadores. É uma empresa de Consultoria Educacional que tem como principal objetivo
contribuir com a formação de professores e equipes gestoras com ênfase na gestão e prática de sala de aula.
17

âmbito municipal, estadual e federal. Entender o que é a BNCC, trazer o currículo para pensar
essa dimensão das normativas e analisar as abordagens que o documento acarreta no trato com
a temática da religião, em especial as de matrizes africanas, constitui viés de nosso olhar crítico
sobre esse currículo.
Nosso direcionamento para essas fontes pauta-se em dimensões decoloniais (WALSH,
2013), uma perspectiva que permite evidenciar processos de lutas, insurgências, organizações
e estratégias capaz de subverter os processos de dominação, construindo novas formas de viver.
Procurando pensar/analisar estes documentos em uma perspectiva que questionam a
colonialidade, (MALDONADO, 2018) observando de modo especial se há evidencia que
demonstre a implementação da referida legislação nos “objetos de conhecimentos”. Como
também, verificando se as “habilidades” permitem perceber as cosmovisões das populações
afrodescendentes (PACHECO, 2012).
A colonialidade é um dos elementos constitutivos de um padrão mundial eurocêntrico,
que consolida uma concepção de humanidade segundo a qual a população do mundo diferencia-
se em inferiores e superiores, irracionais e racionais, primitivos e civilizados, tradicionais e
modernos” (QUIJANO, 2010, p. 86). Ela incide histórica e secularmente nas produções
científicas invisibilizando o conhecimento de povos tradicionais, de forma a reificar um modo
de compreender o mundo em detrimento do outro. Ou seja, privilegia-se um referencial teórico-
prático que segue a racionalidade da ciência moderna, reafirmando a cultura hegemônica em
detrimento da considerada subalterna.

[...] a atividade pedagógica produz e reproduz as complicações simbólicas (culturais,


linguísticas, sociais etc.) da comunicação, pela organização metódica de parâmetros
curriculares, de matrizes de um currículo que visa assegurar a assimilação e
interiorização do código simbólico da cultura dominante. De modo mais geral, fica
evidente que o modelo educacional reforça o privilégio para aqueles que
desenvolveram uma identificação, um nível de investimento educacional e uma
capacidade de incorporação e assimilação da cultura escolar (culturalmente colonial
branca e euro-norte- americana) e desse modo nega a possibilidade de outras
identificações com os outros grupos (indígena e africanos) que compõem a sociedade
brasileira e sua formação social e cultural (SOUZA, 2011, p. 56).

Reportando-se à crítica do eurocentrismo, Benedicto (2016) assinala que a “hegemonia


europeia dos últimos quinhentos anos fez com que a Europa impusesse seu paradigma
civilizatório a toda humanidade”. Para esse autor o eurocentrismo fez com que os povos
influenciados por esse paradigma se percebessem através dos olhos do dominador. Diante dessa
crítica ao eurocentrismo e pautados na dimensão da colonialidade, nossos referenciais teóricos
permitem vislumbrar perspectivas do Ensino de História num viés decolonial, o que implica
18

tensionar o currículo e seu caráter eurocêntrico, além de entender o currículo como um território
de disputa:

[...] na construção espacial do sistema escolar, o currículo é o núcleo e o espaço central


mais estruturante de função da escola. Por causa disso, é o território mais cercado,
mais normatizado. Mas também o mais politizado, inovado e ressignificado. Um
indicador é a quantidade de diretrizes curriculares para a Educação Básica, Educação
Infantil, Ensino Fundamental de 9 (nove) anos, Ensino Médio, EJA, Educação do
Campo, Quilombola, Indígena, Étnico Racial, Formação de Professores, etc. Quando
se pensa em toda a diversidade de currículos, sempre se pensa em suas diretrizes,
grades, estruturas, núcleos, carga horária, uma configuração política de poder
(ARROYO, 2011, p. 13).

Assim, ainda que se tenha avançado na proposição de políticas de atendimento à


diversidade, tais como as que se referem às relações étnico-raciais e às pessoas com deficiência,
nas propostas curriculares o avanço é bastante tímido.
De acordo com Andrade, Neves e Piccinini (2017), apenas na década de 1990, com a
adoção de políticas públicas que seguiam as diretrizes propostas por organismos internacionais,
como a Unesco e o Banco Mundial, que foram divulgados a partir de documentos oficiais como
o relatório Jacques Delores, por documentos advindos da Conferência Mundial sobre Educação
para Todos, entre outros. Esses documentos buscavam orientar uma educação de qualidade que
levasse ao desenvolvimento de capacidades e habilidades individuais, desenvolvimento social
e econômico, equidade e a universalização do acesso à educação (ANDRADE; NEVES;
PICCININI, 2017).
A educação brasileira tentou se estruturar por essas diretrizes que estavam sendo
difundidas para vários países do globo, principalmente os países em desenvolvimento. Uma
grande parte dessas mudanças aconteceu no decorrer dos últimos anos no Brasil e podem ser
vistas atualmente nas reformas educacionais. De acordo com Dourado e Oliveira (2018), alguns
avanços aconteceram nas políticas educacionais como a ampliação da educação obrigatória para
toda a Educação Básica; a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), em 2014, por
meio da Lei n. 13.005; aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica
e outras modalidades de educação. Porém, os autores afirmam que

No Brasil, sobretudo a partir do impeachment de Dilma Rousseff, aconteceram


importantes retrocessos nas políticas sociais e educacionais, mediante adoção de
novas práticas, programas e ações do governo federal. Além disso, essas medidas
passaram a ser tomadas de forma mais centralizada e sem a participação mais ampla
da sociedade civil organizada. Além disso, passaram a ser permeadas por concepções
privatistas, desconsiderando os acúmulos produzidos pelas entidades e instituições do
campo educacional comprometidas com a educação pública de qualidade socialmente
referenciada. (DOURADO; OLIVEIRA, 2018, p. 38)
19

Esses retrocessos também foram percebidos pelos autores em relação à educação. Não
diferente, o currículo a ser ensinado nas escolas é alvo especial de disputas. Muitas vezes regado
e regrado por normas e intenções. A educação no Brasil nesse século XXI continua sendo tema
de discussão em vários contextos. Discute-se sobre a qualidade ou falta de qualidade, sobre o
financiamento, sobre seu público e demanda, a forma de oferecer e a partir de que idade, seu
currículo, etc. As políticas educacionais6, sobretudo das últimas décadas, foram fortemente
influenciadas pela conjuntura política e econômica e, também, pelas mudanças sociais e
culturais ao qual o país tem passado.
Os estudos curriculares têm conceituado currículo de diferentes maneiras, tornando-o
um termo complexo e de difícil definição. Podemos compreender que cada definição de
currículo está baseada em diferentes concepções de educação e de diferentes influências
teóricas. Ao longo do tempo, a definição de currículo, passou por diferentes abordagens, tendo
a sua primeira definição ligada a preocupações com a organização e o método de ensino, para
posteriormente, ligar-se as questões culturais, políticas e subjetivas. O processo de conceituação
do termo considera o perfil de quem será formado, o tipo de conhecimento a ser ensinado a
determinada sociedade e tendo em vista a formação de sua sociedade. Assim sendo, pode-se
dizer que “o currículo é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de
conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo”
(Silva, 2002, p. 15).
O currículo deve ser sempre problematizado, constando de disputas intelectuais, sociais,
econômicas, políticas que são fruto de escolhas, tensões, interesses e conflitos. Concordamos
com Silva (2003), pois o currículo não é natural, mas resulta de embates de perspectivas,
omissões, superposições, sendo reflexo de políticas e ideologias que o forjaram. O currículo
detém poder transformador do ensino e da aprendizagem e, consequentemente, das relações
sociais.
A BNCC é um documento curricular que, em essência, deveria estabelecer um currículo
mínimo para garantir as aprendizagens essenciais a todos os estudantes no percurso da educação
básica. Ela está prevista nos documentos oficiais desde a Constituição Federal (BRASIL, 1988),
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, Lei nº 9.394, 20/12/1996),) e no

6
Sugiro: XAVIER, Antônio Carlos da R., Amaral Sobrinho, José, Plank, Davi (1992). Os padrões mínimos de
qualidade dos serviços educacionais: uma estratégia de alocação de recursos para o ensino fundamental.
20

Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 (BRASIL, 2014). E é com o PNE que as
discussões sobre a construção da BNCC ganham força no Brasil.
Seu processo de construção passou por muitas fases, mudanças e diversos entraves, além
da disputa política, cultural e de construção de narrativa - que discutimos ao longo da
dissertação. Com a homologação do documento curricular, em 2017, e a Lei nº 13.415/2017
(que altera a LDBEN), a BNCC passa a ter, também, um caráter normativo, definindo
obrigatoriedade nas competências, habilidades, objetivos de aprendizagem e devendo nortear,
inclusive, os currículos dos cursos de formação de professores e as avaliações institucionais de
professores e alunos. Deve, assim, contribuir para a constituição de uma escola democrática e
inclusiva, que valorize as diversidades e garanta o acesso, a permanência, o protagonismo, a
formação integral dos educandos e o direito à igualdade e à equidade.
Bill Green (2017) afirma que as questões relacionadas ao conhecimento no currículo
estão sempre ligadas a relações de poder. O autor afirma que o currículo nacional australiano
entrou em vigor em 2011 e que houve um grande questionamento sobre quais conhecimentos
deveriam ser validados por um currículo nacional. Assim, entendemos com Green que o
currículo é sempre político. Como prática de representação e de poder, o componente curricular
de História na BNCC representa legitimação de determinados conhecimentos.
Kátia Maria Abud (2017), no livro Ensino de História e Base Nacional Comum:
desafios, incertezas e possibilidades, sinaliza que o Ensino de História tem voltado à pauta. Por
certo, suas discussões não se encerram, mas, de tempos em tempos, há maior envergadura dos
debates, como aconteceu entre 1996 e 2006, da discussão e aprovação da última LDB, nas
deliberações sobre história e cultura africana e afro-brasileira, até os recentes debates sobre as
últimas 3 versões da BNCC. Tais questões deram novo fôlego a discussões e questionamentos
sobre a aplicação, ensino e reflexão sobre a História e sua escrita em sala de aula.
Essa relação entre conhecimento histórico escolar, currículo e poder é trabalhada
também por Gabriel e Costa (2011), ao defenderem no âmbito da produção, distribuição e
consumo do conhecimento histórico escolar em meio a um sistema de diferenças, no qual são
travadas diversas disputas pelo estabelecimento da verdade e pelo estabelecimento daquilo que
deve ser ensinado nas escolas.
De acordo com a autora, em geral, esses conteúdos são percebidos como prescrições,
como naturalizações, não sendo indicadas suas imbricações com as relações assimétricas de
legitima o status quo, reforçando o silenciamento ou apagamento de narrativas de minorias
culturais, sociais, étnicas e de gênero historicamente excluídas das práticas curriculares de
História.
21

Importa também pontuarmos que entendemos o Ensino de História como um “lugar de


fronteira” (MONTIERO, 2007). Nessa perspectiva, ensinar História, na escola, remete às
relações entre as concepções de currículo, de conhecimento histórico escolar, de produção e
distribuição desse conhecimento e dos saberes discente e docente. De acordo Monteiro (2007)
e Monteiro e Penna (2011):

A proposta de pensar a pesquisa sobre o Ensino de História como um lugar de fronteira


utiliza uma analogia com um elemento de geopolítica: a questão das fronteiras, que
podem ser entendidas no sentido norte americano de forntier, terra além da qual se
estende um vazio uma terra de ninguém, ou de border – “lugar de marcação de
diferenças, mas que também permite o encontro, as trocas” (SANTOS, 1994 apud
MONTEIRO, 2007, p. 76).

A fronteira é lugar onde são demarcadas diferenças, mas onde também é possível
produzir aproximações, diálogos, ou distanciamento entre culturas que entram em
contato (MONTEIRO; PENNA, 2011, p. 194).

Tanto o currículo quanto o Ensino de História são pensados como espaços fronteiriços,
irredutíveis a apenas um campo de saber, ou seja, são produzidos e funcionam na relação entre
campos distintos, entre saberes, e entre poderes múltiplos. O currículo de História pode ser
pensado, então, como um mapa, um rizoma, uma cartografia de saberes e de poderes como uma
territorialização provisória, como um terreno estriado que se constitui por linhas de saberes e
poderes, que são móveis e dinâmicos, objetivando conteúdos e subjetivando professores e
alunos.
Concordamos que a construção da História se relaciona com uma série de fatores, como
redes de saber-poder, relações de poder, embates políticos, econômicos, sociais e culturais. O
Ensino de História, enquanto um campo da ciência histórica, se constitui na produção de
saberes, fruto de lutas entre a reflexão, a crítica e a alienação. Freire (1984) em sua reflexão
sobre o papel da educação no processo de libertação intelectual dos sujeitos, afirmou:

Sua luta se trava entre eles serem eles mesmos ou seres duplos. Entre expulsarem ou
não o opressor dentro de si. Entre se desalinharem ou se manterem alienados. Entre
seguirem prescrições ou terem opções. Entre serem espectadores ou atores. Entre
atuarem ou terem a ilusão que atuam, na atuação dos opressores. Entre dizerem a
palavra ou não terem voz, castrados em seu poder de criar e recriar, no seu poder de
transformar o mundo... A libertação, por isto, é um parto. E um parto doloroso. O
homem que nasce desse parto é o homem novo que só é viável na e pela superação da
contradição opressor-oprimido, que é a libertação de todos (FREIRE, 1984, p. 36).

Este cenário contribuiu para a formação de um espaço escolar, cuja história e cultura
das populações marginalizadas social e historicamente, bem como suas expressões, foram
22

omitidas e silenciadas, o que acarreta, muitas vezes, a formação dos estereótipos


estigmatizados, preconceitos, intolerâncias e diferentes formas de discriminação.
Para além dos conteúdos programáticos, hoje chamados de Objeto de Conhecimento7,
o documento da BNCC, de caráter obrigatório, indica que se faz necessário promover nas
escolas espaços de debates sobre o desenvolvimento de uma pedagogia e uma política
educacional que construa as ideias e práticas voltadas contra o racismo, preconceito e
discriminação. Estas ações devem ser entendidas como instrumentos eficazes na formação de
uma educação antirracista e emancipadora e, por conseguinte, no desenvolvimento de sujeitos
críticos.

A educação constitui-se um dos principais ativos e mecanismos de transformação de


um povo e é papel da escola, de forma democrática e comprometida com a promoção
do ser humano na sua integralidade, estimular a formação de valores, hábitos e
comportamentos que respeitem as diferenças e as características próprias de grupos e
minorias. Assim a educação é essencial no processo de formação de qualquer
sociedade e abre caminhos para a ampliação da cidadania de um povo (BRASIL,
2005, p. 7).

A versão homologada da Base Nacional Comum Curricular pode ser entendida como
uma atualização das teorias tradicionais do currículo e um distanciamento das teorias pós-
críticas do currículo. Apple (2002a) afirma que o currículo não é neutro e sim um produto de
tensões, conflitos culturais, políticos e econômicos, capaz de organizar e desorganizar um povo.
É preciso des-folclorizar a presença negra nos currículos e conectar sua relação ancestral com
o continente africano, assim como des-inflamar e des-simplificar seus modos de formular a
vida. Como afirma Franz Fanon, em Pele Negra, Máscara Branca: “A simplicidade do negro
é um mito forjado por observadores superficiais” (FANON, 2008, p. 194).
Amilcar Araújo Pereira (2013), em O Movimento Negro Brasileiro e a Lei nº. 10.639/03,
criação aos desafios para a implementação, trata sobre essa construção ter sido possível,
grandemente, por conta das articulações definidas, principalmente a partir dos anos 1980, que
se deu entre os setores do movimento negro brasileiro8, bem como, as diferentes instâncias e/ou
organizações do Estado nos âmbitos municipal, estadual e federal, assim como deste com
partidos políticos e organizações da sociedade civil. Ficando clara e evidente a partir de 1980 a
mudança de perspectiva sobre as formas de condução da luta contra o racismo no Brasil.

7
Objeto de Conhecimento: anteriormente conhecido como conteúdo, diz respeito aos assuntos abordados ao longo
de cada componente curricular, ou seja, aquilo que será o meio para o desenvolvimento das habilidades.
8
A agenda do movimento negro era pela inclusão da África e da Diáspora nos conteúdos escolares para todas as
redes oficiais de ensino no país.
23

A Lei Federal 10.639/03, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura


africana e afro-brasileira nos currículos escolares suscita problematizar o eurocentrismo
historicamente presente nos currículos brasileiros, de grande potencial capaz de levar a
construção de uma educação intercultural que contribua para o alicerce de uma perspectiva
democrática na educação brasileira. Não há dúvidas quanto aos avanços e conquistas dessa Lei,
bem como os desafios quanto sua implementação nas escolas brasileiras.
Para o desenvolvimento da presente pesquisa foi necessário fazermos um levantamento
bibliográfico acerca do tema através do levantamento de dados, o mapeamento de documentos
e a realização de entrevistas. Assim como as outras fontes, foi necessário buscarmos uma base
teórica pertinente ao desenvolvimento de entrevistas, embasando-nos em perspectivas
metodológicas da história oral. Nesse sentido, Marieta de Moraes Ferreira (2012), em seu artigo
História do Tempo Presente, História Oral e Ensino de História, sinaliza importantes
contribuições para pensar a história do tempo presente e sua relação com o ensino de História,
a memória e a história oral, dando subsídios para análise das entrevistas realizadas. Segundo
Ferreira,

[...] as entrevistas precisam ser analisadas de forma crítica, submetidas a contraprovas,


para ser materiais capazes de fornecer pistas e informações preciosas [...] impossíveis
de serem obtidas de outro modo”. A autora acrescenta que, se a metodologia da
história oral permite acessar “o [...] universo simbólico dos indivíduos e grupos
sociais, as entrevistas também o permitem e devem ser utilizadas por historiadores
como fontes de informação.” (FERREIRA, 2012, p. 10; 134).

As entrevistas foram realizadas com quatro professores efetivos da rede pública


municipal de ensino de Marabá. Tais professores foram identificados como professores(as): A,
B, C e D. A opção por profissionais efetivos ocorreu porque se trata de professores que se fazem
presentes e atuantes na Rede Municipal de Educação, se fazendo presentes em todo o processo
da discussão de implementação da BNCC. Tivemos a preocupação de entrevistar tanto
professores quanto professoras, com práticas religiosas de diferentes concepções religiosas,
inclusive um profissional que opta por não comungar com nenhuma manifestação religiosa.
Nossa escuta passou por ouvir os relatos e olhares que cada profissional tem, e assim expressar
seus sentimentos e suas práticas em sala de aula. No entanto, procuramos entrevistar professores
de diferentes escolas presentes em distintos núcleos e bairros da cidade de Marabá.
Todos os 4 professores são da área de História. O primeiro professor entrevistado,
identificado como professor A, é licenciado em História pela Universidade Estadual Vale do
Aracau (UVA), também possui pós-graduação em: História e Cultura afro-Brasileira, pela
24

Universidade João Calvino, também concursado da Rede Municipal de Marabá desde o ano de
2011. Professor efetivo da rede, o qual trabalha em uma das escolas pertencentes ao núcleo da
Cidade Nova. Tal entrevista se deu na Biblioteca Municipal Velha Marabá, no núcleo da Velha
Marabá, no dia 30 de novembro de 2022.
A segunda professora entrevistada, a qual a identificamos como professora B, possui
Licenciatura e Bacharelado em História pela Universidade Federal do Pará (UFPA), também
mestra em História pela Universidade do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), professora B é
docente efetiva da Rede de Ensino do município de Marabá/PA, desde 2011. Esta professora
leciona em duas escolas da Rede Municipal de Educação localizadas no Núcleo Nova Marabá.
Esta entrevista se deu em uma praça no bairro da Nova Marabá, no dia 14 de dezembro de 2021.
O professor que identificamos como professor C, possui graduação em Pedagogia com
complemento no Ensino de História pela Universidade da Amazônia (UNAMA), pós-
graduação em Cultura Afro-Brasileira pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor
concursado na Rede Municipal de Educação desde o ano de 2000, estando lotado em uma escola
localizada no núcleo Cidade Nova. A entrevista aconteceu em uma lanchonete no núcleo Cidade
Nova, no dia 12 de janeiro de 2022.
O quarto e último professor, professor D, possui Licenciatura e Bacharelado em História
pela Universidade Estadual Vale do Aracau (UVA) e especialista pela Ipiranga em Belém em
Metodologia e História do Brasil. Professor concursado da Rede Municipal de Educação desde
o ano de 2010, estando lotado em duas escolas no núcleo Cidade Nova. A entrevista deu-se na
biblioteca da Escola Josineide Tavares, no dia 06 de fevereiro no ano de 2022.
Produzimos um roteiro semiestruturado com questões orientadoras para a abordagem e
enfatizamos elementos da trajetória docente desses profissionais, intentando compreender
como discutiam a temática das religiões de matrizes africanas no componente de História em
suas aulas.
Organizamos um dinâmica de encontros presenciais para a realização de cada entrevista
e procedemos com a transcrição desse material coletado. Concordamos com Montenegro
(2007) sobre a necessidade de compreensão da memória como uma um “caminho” que permite
“recuperar” determinados acontecimentos ou visões que dialoguem com os documentos
institucionais também analisados em nossa dissertação. Além disso, a obra de Montenegro
contribuiu como “um minucioso e didático manual” que orienta o processo de realização das
entrevistas, com “observações preliminares”, que devem ser seguidas/realizadas antes da
entrevista iniciar. O entrevistador deve esclarecer ao entrevistado quanto à entrevista, para que
este entenda os motivos de suas memórias estarem sendo coletadas e registradas.
25

O autor apresenta outras questões relevantes, como a autorização da entrevista e


questões referentes a postura do entrevistador. Segundo ele “a fala do entrevistado deve ser
absolutamente respeitada. [...] o entrevistado não deve ou não tem obrigação de atender a
quaisquer que sejam as expectativas teórica/metodológicas da pesquisa que então se realiza”
(MONTENEGRO, 2007, p. 150).
Enfatizamos que nossa pesquisa tomou como base a obra de Manzini (2004) quanto à
entrevista semiestruturada: “focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro
com perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias
momentâneas à entrevista.” (s/p). A defesa do autor quanto a esse formato se deve à
possibilidade de “[...] fazer emergir informações de forma mais livre e as respostas não estão
condicionadas a uma padronização de alternativas” (MANZINI, 2004, s/p).
Enquanto fontes históricas escritas, trouxemos a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC/2017), as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Básica (DCN/2013) e a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), enquanto documentos analisados e
compreendidos na dimensão de sua construção e contexto.
De posse desses documentos analisamos o lugar social da pesquisa, dos documentos e
o nosso próprio lugar como pesquisadoras/es e às instituições às quais a pesquisa se relaciona.
Nesse sentido, concordamos com Michel de Certeau, o qual afirma que “Toda pesquisa
historiográfica se articula com o lugar de produção socioeconômico, político e cultural”
(CERTEAU, 2007, p. 66). Assim, para analisarmos os documentos institucionais,
compreendemos, conforme expõe Certeau, que os documentos oficiais estão inseridos num
contexto político-social que influencia sua composição/constituição. Isso implica em olhar o
documento e interrogá-lo, ir aos arquivos, selecionar esses documentos, observando que os
mesmos foram produzidos em determinado momento, o que significa que trazem consigo uma
carga de informações e expressões de seu tempo histórico.
As reflexões desse autor são importantes também para o entendimento de que “é em
função do lugar que se instauram os métodos, que se delineia uma topografia de interesses, que
os documentos e as questões que lhes serão propostas, se organizam” (CERTEAU, 2007, p.
67). Sua análise é relevante, também, no que tange ao lugar social do historiador e à sua tomada
de consciência quanto ao seu discurso. Além disso, ele contribui em nossa pesquisa,
especialmente, no processo de interpretação dos documentos, chamando a atenção para alguns
cuidados necessários em termos de análise.
O trabalho está dividido em três capítulos, procurando contextualizar historicamente as
religiões africanas, apresentar uma análise crítica da BNCC e sua abordagem em relação ao
26

tema, além de investigar como os professores têm trabalhado essas questões em suas práticas
pedagógicas.
O capítulo 1 intitula-se Currículo Escolar e a BNCC, em que abordei de forma detalhada
o conceito de currículo e explorei a BNCC como um documento norteador para a construção
de práticas pedagógicas mais efetivas e inclusivas. Discuti a relevância de se considerar a
diversidade cultural e religiosa presente em nossa sociedade, especialmente quando se trata das
tradições religiosas de matrizes africanas.
No capítulo 2, Tradições Religiosas de Matrizes Africanas na BNCC: entre o normativo
e a percepção docente, foquei nas tradições religiosas de matrizes africanas presentes na
BNCC. Analisei o tratamento normativo dado a essa temática no documento e, paralelamente,
busquei entender a percepção dos docentes em relação à sua abordagem em sala de aula.
Apresentei as entrevistas com professores atuantes no ensino de História em Marabá, buscando
identificar desafios, concepções e eventuais lacunas no tratamento dessas tradições religiosas.
O capítulo 3 intitula-se Desafios e Possibilidades sobre a prática docente e as religiões
de matrizes africanas em Marabá, sendo que me dediquei a explorar os desafios e as
possibilidades relacionadas à prática docente no contexto das religiões de matrizes africanas.
Analisei os resultados das entrevistas e busquei compreender as dificuldades enfrentadas pelos
professores, assim como as oportunidades de aprimorar a abordagem dessas temáticas sensíveis
e enriquecedoras em sala de aula.
É importante ressaltar que a inserção das religiões africanas no currículo escolar não se
trata apenas de um aspecto histórico-cultural, mas também de uma questão de justiça social e
combate ao preconceito. Nesse sentido, minha pesquisa busca contribuir para a reflexão sobre
a importância de promover uma educação inclusiva, plural e que respeite a diversidade cultural
e religiosa do nosso país.
27

1 CURRÍCULO ESCOLAR E BNCC

Neste capítulo pretendemos entender o contexto social e educacional brasileiro no


período de 2017 a 2019, recuando no marco temporal também para compreender os caminhos
que culminaram na proposta da BNCC e sua aprovação em 2017, possibilitando perceber que
a sociedade contemporânea vivencia um contexto social aligeirado.
De acordo com Bauman (2007) esse contexto pode ser caracterizado como uma
sociedade líquida, na qual temos a impressão de que o sujeito se movimenta cotidianamente, de
que corremos sob uma camada fina de gelo, temendo que se pararmos podemos afundar. O
século XXI e suas novas tecnologias sociais, econômicas e materiais trouxeram uma dimensão
de aceleração do tempo, o que impacta a vida de todos os sujeitos humanos.
Tendo em vista o reflexo dessa aceleração em todas as dimensões da vida, também a
educação formal e suas instituições passam por transformações. Os desafios sobre qual
conhecimento deve ser ensinado, como deve ser ensinado e quais abordagens construímos tem
sido repensados no século XXI. Nesse sentido, procuramos discutir currículo e refletir sobre
seu delineamento no campo educacional e na História enquanto disciplina específica.

1.1 BNCC e currículo: uma perspectiva homogênea

Para Apple (2000), o currículo escolar é a expressão de um equilíbrio de pensamentos e


interesses transmitidos sobre o sistema educativo, em um determinado momento histórico. O
termo currículo é usado dentro e fora da sala de aula de várias maneiras e com vários sentidos,
conceitos ou definições. O currículo escolar é a base da prática pedagógica, que envolve os
conteúdos que serão estudados, as atividades realizadas e as competências a serem
desenvolvidas, com o objetivo da formação plena dos estudantes. Ele serve como referência
para a gestão e organização do conhecimento escolar, ao dispor sobre os conteúdos a serem
estudados e o modo como serão abordados em sala de aula, além de estabelecer as metodologias
e estratégias de aprendizagem adotadas pela escola.
Trata-se de um documento normativo que compreende os objetivos de aprendizagem e
a as habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos, além de orientar o trabalho dos professores
para cumprir esse propósito. O currículo escolar é parte integrante do Projeto Político
Pedagógico da escola, documento normativo que contém todas as atividades a serem realizadas
ao longo do ano letivo, compartilhado com toda a comunidade escolar.
28

Ele surgiu para organizar o projeto pedagógico e atender às diretrizes educacionais, com
a padronização dos conhecimentos a serem adquiridos pelos alunos, de modo a garantir uma
formação democrática que proporcione a humanização, a cidadania, o direito à educação e a
diminuição da desigualdade cultural. Com esse propósito, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) definiu o currículo escolar como o conjunto de competências a
serem desenvolvidas ao longo da Educação Básica, para fins de organização das atividades
escolares:

Estabelece, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,


competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino
médio, que nortearão os currículos e seus conteúdo mínimos, de modo a assegurar
formação básica comum. (LDB, 1996, art. 9 IV, n.p.).

O currículo escolar, na visão de diferentes teóricos (CHEVEL, 1990; GOODSON, 1995;


HAMILTON, 2001) é uma construção moderna, tendo em vista o movimento de civilizar a
sociedade. Avaliação, organização, distribuição e conteúdos programáticos (ou objetos de
conhecimento) originam-se de um vasto universo de conhecimentos e saberes acadêmicos ou
científicos e saberes organizados estruturalmente através de uma grade ou desenho curricular,
acontecendo aí, também a ligação dos saberes e/ou conhecimentos científicos com o processo
didático-pedagógico (SILVA, 1999).
Conforme Apple (2000), o conceito de currículo escolar vem sendo modificado durante
a história de acordo com cada ideologia presente em sua época de formulação, do tipo de cultura
e das relações de poder intrinsicamente ligadas a uma determinada sociedade (APPLE, 2000).
No decorrer das reflexões e apontamentos empreendidos nesta pesquisa, temos a oportunidade
de perceber o quanto a construção de um determinado currículo, é amparada por sua história e
contexto social, refletindo assim em seu modo de ver, agir e pensar o mundo, seu meio cultural,
político e ideológico.
As teorias do currículo tentam atender às necessidades atuais do mundo e sua
globalização, valendo salientar que este é substituído e/ou adaptado à realidade de cada
sociedade dentro do seu momento histórico vivenciado, segundo aspectos culturais e sociais.
Significa dizer que o currículo escolar é influenciado pelo contexto histórico, cultural, político
econômico. E assim, sendo,

[...] o currículo faz parte, na realidade, de múltiplos tipos de práticas que não podem
reduzir-se unicamente à prática pedagógica de ensino; ações que são de ordem
política, administrativa, de supervisão, de produção de meios, de criação intelectual,
de avaliação, etc., o que, enquanto são subsistemas em partes autônomas e
29

interdependente, geram forças que incidem na ação pedagógica (SACRISTÁN, 1998,


p. 22).

Negociação e uma escolha política do corpo docente ou individual apontam para


desafios no tocante ao currículo, que é justamente definir qual o conhecimento a ser ensinado
na teoria e na prática social, tendo em vista o caráter da multidimensionalidade do sujeito do
aprendizado, da natureza humana, da natureza da aprendizagem e/ou a natureza do
conhecimento, da cultura, da sociedade, da religião e/ou da natureza transcendental desse
indivíduo. Na concepção de Silva (1999), encontrar uma resposta para o que deve ser incluído
ou excluído, ensinado como conhecimento aceito como básico para a formação da sociedade,
consiste em negociação constante.
Diante da complexidade que permeia a sociedade atual, há uma concepção teórica que
permeia o currículo da escola e o saber docente. Refletir sobre o currículo exige entende-lo
como uma construção e uma invenção social, o que torna necessário analisar os valores e os
interesses sociais que levam à inclusão e à exclusão de determinados conhecimentos nos
processos de escolarização. Assim, defendo que o cotidiano e as experiências vividas e narradas
dos diversos espaços-tempos de formação de professores sejam tomados como centrais na
formação, enfocando a relevância das narrativas que habitam os cotidianos da profissão
docente, analisando os processos pelos quais nos tornamos professores, o que no caso docente
se torna peculiar porque o professor tem concepções prévias sobre o que é ensinar por ter vivido
uma socialização prévia na escola. Tudo isso é fundamental para pensar os currículos, a
didática, os conhecimentos e questionamentos identitários comuns à formação docente e para
refletir sobre as redes de conhecimento e subjetividades, parcerias, cotidianidade na relação
universidade-escola, bem como a indissociabilidade entre pesquisa educacional e prática
educativa.
O repensar do currículo favorece esta dimensão social e relevante: a diversidade. Como
afirmam Fernandes e Freitas (2007, p. 23),

a escola, portanto, não é apenas um espaço onde se aprende a construir relações com
as “coisas” (mundo natural) e com as “pessoas” (mundo social). Essas relações devem
propiciar a inclusão de todos e o desenvolvimento da utonomia e autodireção dos
estudantes, com vistas, com vistas a quem participem como construtores de uma nova
vida social.

Assim, atender a diversidade no currículo envolve reconhecer a pluralidade presente na


escola e entender que a diversidade é muito mais do que um conjunto de diferenças. “Sugerimos
que se procure, no currículo, reescrever o conhecimento escolar usual, tendo-se em mente as
30

diferentes raízes étnicas e os diferentes pontos de vista envolvidos em sua produção”


(MOREIRA, 2007, p. 32). Tratar a diversidade no currículo com essa perspectiva significa
buscar um currículo contra a homogeneização e a padronização.
Como analisar e perceber se a prática pedagógica e inclusiva ou excludente? A inclusão
escolar para acontecer é necessário ser de forma a atender as necessidades de aprendizagens de
todos os estudantes, sejam eles com deficiência ou não, diferentes etnias e culturas, diferentes
condições socioeconômicas. Porém, para que de fato, esse processo de inclusão escolar possa
ocorrer conforme diretrizes das políticas públicas, é de suma importância compreender os
discursos que norteiam as práticas educativas, bem como, compreender como se dão o processo
de formação inicial e de formação continuada dos profissionais escolares, sobretudo dos
docentes.
Em suma, não se pode pensar em uma proposta de currículo escolar sem a
intencionalidade dos envolvidos no processo educacional e cientes do contexto social em que
estão inseridos, pois, este é elaborado tendo como premissa os aspectos sociais, políticos,
econômicos, culturais e de formação humana, de acordo com seu tempo histórico. Diante dessa
percepção social, passamos a conhecer os caminhos que conduziram à formulação e à
aprovação da BNCC, tensionando seu percurso e escolhas.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento normativo que trata das
aprendizagens consideradas mínimas em âmbito nacional, pretensamente de maneira orgânica
e progressiva. O documento normativo é aquele que estabelece regras para determinadas
atividades, normalmente com especificações técnicas e um conjunto coerente de práticas para
os profissionais da área. A Base Curricular discutida e construída há alguns anos passou por
três versões, aspecto que desenvolvemos no texto a partir de agora.
A BNCC é um documento importante para a educação e para as políticas da área em
todo o país, visto que é dela que emana a Política Nacional de Formação de Professores, a
Política Nacional de Materiais e Tecnologias Educacionais, a Política Nacional de
Infraestrutura Escolar e a Política Nacional de Educação Básica (BRASIL, 2016). Logo, não se
trata apenas de discutir as bases de formação do currículo, mas o que está em jogo também são
instrumentos essenciais para a qualidade da educação nacional e para a formação das futuras
gerações.
Faz-se necessário um recuo temporal para compreensão da constituição de uma proposta
de BNCC. Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no artigo 210, está
previsto que serão fixados conteúdos mínimos para a aprendizagem nas escolas no ensino
31

fundamental.9 Esse desejo de construir um documento unificado daquilo que se ensinaria nas
escolas, aparece em vários outros documentos, como a Lei que rege a educação no Brasil, a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação de 1996.10
A BNCC é apresentada à sociedade como uma medida que reflete a necessidade de
igualdade, interferindo diretamente na vida de todos os educandos do país. No documento
preliminar, seu formato denota certo equilíbrio entre unidade e diversidade e viabiliza a
formulação de programas curriculares que articulem as várias dimensões dos saberes.
Conforme podemos observar:

[...] espera-se que a BNCC ajude a superar a fragmentação das políticas educacionais,
enseje o fortalecimento do regime de colaboração entre as três esferas de governo e
seja balizadora da qualidade da educação. Assim, para além da garantia de acesso e
permanência na escola, é necessário que sistemas, redes e escolas garantam um
patamar comum de aprendizagens a todos os estudantes, tarefa para a qual a BNCC é
instrumento fundamental. (BNCC, 2022, p. 08)

Como era de se esperar, o processo de construção da Base Nacional Comum Curricular,


foi um processo de muitos conflitos e a situação da proposta de História apenas o explicitou,
tendo em vista a característica dessa disciplina da área de ciências humanas. Kátia Abud (2017)
alerta para o fato da publicação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ter seguimento
de uma série de programas e propostas curriculares, não recentes, mas que desde 1931 existe
essa busca de regulamentar o ensino (e não somente a organização curricular) das disciplinas
em nossas escolas, por meio da introdução direta de temas e conteúdos, objetivos e até métodos
e técnicas de ensino, dependendo da orientação governamental responsável pela organização
da Educação.
Vejamos o percurso histórico da BNCC11:

9
Constituição de 1988, Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a
assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
10
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9394/96) é a legislação que regulamenta o sistema
educacional (público ou privado) do Brasil (da educação básica ao ensino superior). Na história do Brasil, essa é
a segunda vez que a educação conta com uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que regulamenta todos os
seus níveis. A primeira LDB foi promulgada em 1961 (LDB 4024/61). A LDB 9394/96 reafirma o direito à
educação, garantido pela Constituição Federal. Estabelece os princípios da educação e os deveres do Estado em
relação à educação escolar pública, definindo as responsabilidades, em regime de colaboração, entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e nos municípios. Segundo a LDB 9394/96, a educação brasileira é dividida em dois
níveis: a educação básica e o ensino superior.
11
Conheça o documento na íntegra: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/
32

Figura 1 - Marcos legais e políticas decorrentes da BNCC

Política
Constituição
LDB Curricular
Federal
Nacional

Diretrizes
BNCC
Curriculares

Fonte: Brasil (2016, p. 26).

Apesar da determinação constitucional, a educação só passou a ter a configuração que


conhecemos hoje por meio da Lei de Diretrizes e Bases Nacionais da Educação (LDBN, Lei nº.
9.39412 de 20 de dezembro de 1996). Esse documento, assim como a Constituição Federal, em
seu artigo 9º, inciso IV, também aponta a necessidade de currículo comum para toda a Educação
Básica.

Art. 9º A União incumbir-se-á de: IV - estabelecer, em colaboração com os Estados,


o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil,
o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos
mínimos, de modo a assegurar formação básica comum. [...] os currículos da
Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio devem ter base
nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características
regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos (BRASIL,
1996, n.p.).

Após a criação da LDB, em 1997 estabeleceu-se os Parâmetros Curriculares Nacionais


(PCNs), com destaque a elementos fundamentais para o trabalho docente nas diferentes
disciplinas, incluindo perspectivas interdisciplinares. Em 2010, passados mais de uma década
dos PCN, na Conferência Nacional de Educação (CNE), estudiosos debateram a Educação
Básica e ressaltaram a necessidade de uma Base Nacional Curricular.

12
Esta lei estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Pode ser acessada na íntegra no site:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm.
33

Com base no artigo 26 da LDB, o Conselho Nacional de Educação elaborou as


Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica13 (DCN), que se referem a uma Base
Nacional Comum ao apontar conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente a
serem perpetuados nos programas e políticas educacionais. Essas diretrizes atuaram em
conjunto com as demais mudanças propostas pela LDB e que resultaram na Conferência
Nacional de Educação (Conae), em 2010, dos primeiros estudos sobre a BNCC por parte da
Secretaria de Educação Básica, no período de 2012 a 2014, e na criação do PNE, por meio da
Lei n° 13.00514, de 25 de junho de 2014, reafirmando a importância de uma base nacional
comum dos currículos, “com direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos (as)
alunos (as) para cada ano do ensino fundamental e médio, respeitada a diversidade regional,
estadual e local” (BRASIL, 2014).

1.1.1 A BNCC em construção e disputa

A primeira versão da BNCC foi produzida com o intuito de iniciar o diálogo com a
sociedade para que houvesse possibilidade de críticas e propostas, tornando-se pública em 2015.
Discussões dentro do Estado, entretanto, remontam há pelo menos os idos de 2011 sobre a
demanda de uma proposta de currículo comum. A segunda versão mantém parte da estrutura
da Base lançada um ano antes. A terceira versão, entretanto, fez-se absolutamente diferente das
duas primeiras, contendo vários conceitos que pareciam centrais e foram suprimidos, ao passo
que se apropriou de uma lógica do que chamamos interdisciplinaridade e que foi
transformada15.
O fato novo entre a segunda e terceira versão não foi exatamente uma revolução
educacional; com mudanças de última hora que suprimiram a questão da orientação sexual e o
conceito de gênero, por exemplo. A versão foi divulgada no dia 06 de abril de 2017, em coletiva
com o ministro da Educação Mendonça Filho, e a secretaria executiva do MEC, Maria Helena

13
Este documento estabelece a base nacional comum, responsável por orientar a organização, articulação, o
desenvolvimento e a avaliação das propostas pedagógicas de todas as redes de ensino brasileiras. Pode ser acessada
na íntegra no site: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=13448-
diretrizescuriculares-nacionais-2013-pdf&Itemid=30192
14
Esta lei aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. Pode ser consultada no site:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm.
15
Para mais informações, sugiro ler artigo: Um estudo comparativo das versões da Base Nacional Comum
Curricular para o Ensino Médio. Por Marcos Aurélio Dornelas da Silva e Patrícia Fortes de Almeida/Secretaria de
Educação do Estado de Pernambuco. Disponível em:
TRABALHO_EV117_MD1_SA2_ID1182_11092018224306.pdf (editorarealize.com.br) Acesso em: 20 ago.
2022.
34

Guimarães de Castro, a terceira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). No


primeiro momento, alguns temas chamaram a atenção. Entre eles,

A supressão da menção à orientação sexual, que constava do documento divulgado


sob o compromisso de embargo aos jornalistas que cobrem o tema. O MEC justificou
a ausência da menção a uma perspectiva de pluralidade em temas como gênero, raça,
sexo, mas optou por uma redação genérica (TERCEIRA..., 2017, n.p.).

No entanto, após a constatação de que a menção estava presente na versão enviada aos
jornalistas e depois modificada, circulou a informação de que a mudança ocorreu em função de
pressão da bancada evangélica16. A necessidade de debate coletivo para a implementação de
políticas curriculares é uma questão crucial. No entanto, a formulação da BNCC foi fortemente
criticada principalmente por não ter significado esse momento de parceria, bem como a
supressão das diversidades regionais, locais e pessoais, e a associação da BNCC com as
avaliações de sistema, reduzindo o currículo escolar àquilo que é mensurável, entre outros
aspectos. Sendo um documento normativo, um dos grandes problemas da Base Nacional
Comum Curricular é o fato de lidar com realidades socioculturais distintas e, desse modo, seus
objetos são gerais o bastante para abarcar especificidades locais e regionais. Na primeira versão
da BNCC, aberta a consulta pública em 2015, está posto que seu objetivo é:

Sinalizar percursos de aprendizagens e desenvolvimento dos estudantes (...) Para que


possa cumprir este papel, ao longo da educação básica serão mobilizados recursos de
todas as áreas de conhecimento e de cada um de seus componentes curriculares, de
forma articulada e progressiva, pois em todas as atividades escolares aprende-se a
expressar, conviver, ocupar-se da saúde e do ambiente, localizar-se no tempo e no
espaço, desenvolver visão de mundo e apreço pela cultura, associar saberes escolares
ao contexto vivido, projetar a própria vida e tomar parte na condução dos destinos
sociais (BRASIL, 2015, p. 8)

Ainda, na versão de apresentação se coloca que a “BNCC é constituída pelos


conhecimentos fundamentais aos quais todo/toda estudante brasileiro/a deve ter acesso para que

16
Os evangélicos começaram a se envolver na prática política brasileira na década de1960, por meio da
denominação O Brasil para Cristo, que à época, elegeu um deputado federal em 1961 e um estadual em 1966.
Entretanto, as igrejas evangélicas, só passaram ter presença efetiva em nosso sistema político, na década de 1980,
com uma maior inclusão de parlamentos cristãos em 1986, com o fim do Regime Militar e início da Constituinte.
Naquele período, a igreja Assembleia de Deus foi a força propulsora da organização política dos evangélicos, se
organizando desde a cúpula para lançar um deputado em cada unidade da federação. Emplacando o slogan “Irmão
vota em mim’’, as igrejas evangélicas (em sua maioria pentecostais), entraram de “corpo e alma’’ no jogo político.
A formação de uma Bancada Evangélica só viria a ter preeminência no cenário político nacional no início da
década de 1990, quando a igreja Universal do Reino de Deus (IRUD) formulou um plano político estruturado
fazendo uma interface entre a igreja e a política por meio da aquisição (1989) da Rede Record de Televisão e Rádio
e de sua utilização como ponte de comunicação com as massas. Por meio dos programas da TV Record os pastores
midiáticos representantes da IURD e de outros grupos pentecostais e neopentecostais (como Silas Malafaia) e
começaram a abordar mais fortemente pautas políticas.
35

seus Direitos à Aprendizagem e a desenvolvimento sejam assegurados” (BRASIL, 2015, p. 15).


Tais direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento considerados como fundamentais para toda
a Educação Básica, sendo eles: Pluralidade das práticas culturais; Valorização dos saberes;
Compreender e utilizar linguagens; Preservação de patrimônios; Formação e atuação política;
Integração entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura; Apropriação de conceitos e
procedimentos; Historicidade, Reflexão crítica, Cuidado de si, Autonomia frente a situações
problema, Atuação consciente, Integração de interesses e motivações e compreensão da
centralidade do trabalho.
Nesta versão inicial, a Base está organizada em quatro áreas de conhecimento:
Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Ciências da Natureza. “Tal organização visa
superar a fragmentação na abordagem do conhecimento escolar pela integração e
contextualização desses conhecimentos, respeitando-se as especificidades dos componentes
curriculares que integram as diferentes áreas” (BRASIL, 2015, p. 15). A interdisciplinaridade
entre os componentes de uma mesma área e mesmo entre as áreas se orienta por meio dos
princípios que norteiam a Educação Básica. Deles emanam os Objetivos de Aprendizagem para
todas as áreas, construídos com base nas características dos estudantes, suas experiências e
contextos de atuação na vida social.
Considera-se ainda, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica
na construção desses objetivos que são materializados por meio de eixos articuladores dos
componentes. “Esses eixos têm a função de articular tanto os componentes de uma mesma área
de conhecimento quanto as diferentes etapas de escolarização ao longo das quais esse
componente se apresenta” (BRASIL, 2015, p. 16).
A integração entre os componentes de uma mesma área do conhecimento e entre as
diferentes áreas é estabelecida, ainda, pelos Temas Integradores, que podem ser entendidos
como “questões que atravessam as experiências dos sujeitos em seus contextos de vida e
atuação e que, portanto, intervêm em seus processos de construção de identidade e no modo
como interagem com outros sujeitos, posicionando-se ética e criticamente sobre e no mundo
nessas interações” (BRASIL, 2015, p, 16). Estes temas atravessam os objetivos de
aprendizagem dos diversos componentes curriculares: “Consumo e educação financeira; Ética,
direitos humanos e cidadania; Sustentabilidade; Tecnologias digitais e Culturas africanas e
indígenas” (BRASIL, 2015, p. 16).
Nesta primeira versão da Base, os Objetivos de Aprendizagem dos componentes são
apresentados ano a ano, com a ressalva de que essa apresentação não pretende impor uma
progressão, na medida em que outras formas de arranjo são possíveis e até desejáveis, tendo em
36

conta especificidades locais. Espera-se com a apresentação dada “oferecer uma orientação mais
precisa aos sistemas, escolas e professores com relação à progressão desses objetivos ao longo
do processo de escolarização” (BRASIL, 2015, p. 16).
No documento, as áreas são tratadas de modo amplo, mas também a partir de suas
especificidades. As ciências humanas, segundo a Base, têm por função permitir que as pessoas
reflitam sobre sua própria experiência, sobre autonomia individual, sobre direitos humanos e
sobre responsabilidade coletiva, com o meio ambiente e o meio social herdado e que
deixaremos às futuras gerações. As unidades de conhecimento das ciências humanas na BNCC
são:

a terra e os territórios; o espaço e sua territorialização pelas sociedades; as


territorialidades; as diversidades; o trabalho e a relação com a natureza; a formulação
do tempo histórico, do sentido de pertença e de intervenções de sujeitos nas
transformações das sociedades; as identidades e as alteridades; as memórias; a ética;
a estética; as desigualdades sociais; as ideologias; os modos de produção e de
apropriações; os modos de pensar, de crer e de agir das pessoas. (BRASIL, 2015, p.
236).

No caso da terceira versão da BNCC, os objetos de conhecimento são aqueles “que os


estudantes devem aprender na Educação Básica, o que inclui tanto os saberes quanto a
capacidade de mobilizá-los e aplicá-los” (BRASIL, BNCC, 2018, p.12). Estes saberes são
tratados na Base como as competências e a capacidade de mobilizá-los e aplicá-los como
habilidades. Cada área do conhecimento estabelece competências específicas, cujo
desenvolvimento deve ser promovido ao longo dessa etapa, tanto no âmbito da BNCC como
dos itinerários formativos das diferentes áreas.
Para assegurar o desenvolvimento das competências específicas de área, a cada uma
delas é relacionado um conjunto de habilidades, que representam as aprendizagens essenciais a
ser garantidas no âmbito da BNCC a todos os estudantes do Ensino Médio17. As Competências
Gerias substituem os Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento presente na primeira e na
segunda versão da Base. No nível do discurso, parece um ganho àqueles que supõem que a

17
O processo de discussão da BNCC foi iniciado ainda no governo Dilma Rousseff, em 2015, com rodadas de
discussão de escuta por regionais e online. No entanto, a partir da mudança para o governo de Michel Temer, o
debate foi reduzido e, antes mesmo de se finalizar uma proposta de BNCC para o Ensino Médio, o novo governo
sancionou a reforma do Ensino Médio por Medida Provisória publicada no início de 2017. Pouco mais de um ano
depois, em abril de 2018, o Ministério da Educação encaminhou a proposta da BNCC do Ensino Médio para
aprovação do Conselho Nacional de Educação (CNE). O Conselho então iniciou audiências públicas que seguiram
até setembro de 2018 e em 04 de dezembro do mesmo ano foi aprovada. Após a homologação pelo ministro da
Educação, a BNCC passou a ser referência obrigatória na elaboração dos currículos de escolas públicas e
particulares, em todo o Brasil.
37

liberdade e a autonomia são valores em si mesmos. Até a versão dois da Base, o foco recaía nos
direitos à apropriação de conhecimento, ao respeito à diversidade, ao desenvolvimento do
potencial criativo e a participação. O foco em direitos individuais, coletivos e sociais desloca-
se para o foco na operacionalização individual do conhecimento. Isto fica claro quando na
última versão se faz uso de verbos de ação para cada uma das competências: valorizar, exercitar,
desenvolver, utilizar, argumentar, conhecer-se e agir. A justificativa é a

maior explicitação, nesta versão, da visão curricular referenciada em competências


que sustenta a proposta da BNCC. Essa visão, já anunciada na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB) e presente na maior parte das propostas
curriculares desenvolvidas no Brasil, nas reformas curriculares das últimas décadas
empreendidas em diversos países e em avaliações internacionais, entende a
competência como o conhecimento mobilizado, operado e aplicado em situação.
(BRASIL, 2018, p. 8)

A última e terceira versão da BNCC, que discorre sobre a educação infantil e ensino
fundamental, foi aprovada pelo Ministério de Educação (MEC) em 2017, após a aprovação do
Conselho Nacional de Educação (CNE). O processo histórico que levou a criação da BNCC
demorou cerca de 2 anos para redigir três versões distintas do mesmo documento, passar por
consultas públicas, pela análise das consultas e audiências públicas. É um tempo histórico muito
curto se compararmos com outras leis que demoraram mais décadas para serem aprovadas,
como a LDB de 96, por exemplo.
Interesses políticos estavam em disputa para que o documento fosse aprovado. A partir
do percurso histórico da BNCC podemos deduzir que houve uma tentativa de democratização
na participação da população em geral no processo de leitura e reflexão sobre o texto,
principalmente na primeira versão, em 2015. Com o passar dos anos os canais de acesso e de
consulta pública foram estreitando, saindo de uma plataforma online, passando pelo envio de
e-mails até chegar às audiências públicas que aconteceram em uma cidade de cada região do
país.
A educação é um campo de disputas diversas, sejam elas políticas, ideológicas, político
partidárias, sociais, econômicas, entre outras. Ao se tornar um campo de disputas a educação
se vê entre os desígnios de diversos agentes como: o Estado; as instituições não estatais, como
empresas, organizações não governamentais, organismos internacionais; bem como, com
agentes contra hegemônicos que tentam pensar a educação por outra via, como professores do
ensino básico e do superior, as entidades ligadas ao ensino e a pesquisa, entre outros. O que nos
é evidenciado em uma matéria publicada no Jornal da Unicap, no dia 04 de dezembro de 2017,
38

intitulada “Base Curricular é conservadora, privatizante, e ameaça autonomia avaliam


especialistas – Processo de Construção da BNCC é marcado por divergências”:

A professora Maria do Carmo Martins, líder do Grupo de Pesquisa Memória, História


e Educação (memória) da Faculdade de Educação (Fe) da Unicamp explica [..] Ocorre
que as discussões se estenderam e foram desenvolvidas em um momento de profundo
conflito social, ao longo do qual houve acirramento entre os diferentes grupos que
participavam do processo. Em boa medida, o documento reflete essas divergências.
[...] Um aspecto perceptível na proposta da BNCC, prossegue Maria do Carmo, é a
presença de propostas que contemplam os interesses dos empresários da educação,
[...]. (MARTINS, 2017, n.p.)

Para tanto, a Base está presente na agenda de diferentes grupos sociais, inclusive os que
fazem uma forte defesa da escola pública de qualidade, um documento que tem caráter
conservador. Ao fazermos uma leitura mais minuciosa, é possível perceber que a BNCC é ainda
muito tímida e relação a direitos sociais, a ações de gênero, posição que está em consonância,
com a postura daqueles que defendem a Escola sem Partido. A sociedade precisa ter
conhecimento disso, para compreender como esses movimentos influenciam na formulação de
políticas públicas, principalmente as vinculadas à educação.
Essa forma de condução do texto da Proposta da BNCC pode ter gerado uma sensação
de pertencimento nas pessoas que fizeram suas contribuições, mas é extremamente complicado
mensurar em que medida essas contribuições foram escutadas ou desconsideradas. Acreditamos
que as contribuições populares não tenham sido levadas em conta, por causa do curto espaço
temporal que foi destinado para a análise das contribuições recebidas. Além disso, percebemos
o papel do Estado em acelerar a produção de um documento oficial que foi criado, quase que
exclusivamente, pela pressão feita por empresários, banqueiros, donos de mercado e o lócus
privilegiado de produção de mão de obra qualificada aos moldes neoliberais. Sendo assim, no
dia 15 de dezembro de 2017, o Conselho Nacional de Educação – CNE aprovou por meio do
parecer CNE/CP nº 15/2017 a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, o parecer
homologado na portaria nº 1.570 publicada no Diário Oficial da União no dia 21 de dezembro
de 2017.
Junto ao documento da terceira versão o governo teve o cuidado de lançar um estudo
comparativo entre a Versão 2 e a Versão Final da Base. Ao que nos parece, o documento cria
uma maneira de validar tais mudanças, constituindo um caminho para entendimento das
alterações tidas como necessárias. No documento que busca justificar inclusive algumas
supressões no texto da segunda versão, há uma discussão sobre o desaparecimento de uma
sessão inteira intitulada: “O papel dos movimentos sociais na conquista dos Direitos de
39

Aprendizagem e Desenvolvimento”. Argumenta-se que o tema passa a ser contemplado na


terceira versão na sessão “A BNCC e o pacto interfederativo”, sub-sessão ‘Base Nacional
Comum Curricular: equidade e igualdade’. Nos parece que se trata aqui de coisas bem distintas.
Na versão 2, há uma preocupação em dar visibilidade a grupos excluídos, na versão 3 se trata
de igualdade e pretensamente de equidade, mas, sequer a palavra movimento social é
mencionada, aliás não só nesta, mas em toda a BNCC.
Olhando para o perfil de sujeito que a segunda versão da BNCC pretendia formar, é
possível abstrair uma pessoa distinta da projetada em outras propostas curriculares. Tratava-se
de alguém com consciência histórica e sensível às diferenças, uma pessoa que interagia com os
outros, que seria colocada diante das grandes mazelas que afligem a sociedade brasileira,
convidada a olhar criticamente e posicionar-se. Os objetivos de aprendizagem presentes em
todos os componentes curriculares convidavam a combater o preconceito, o tratamento desigual
de gênero, de etnia, religião, classe social, condições de vida e cultura, pois estavam
comprometidos com a democracia, a segurança e a saúde. Todas as temáticas que tem
impactado a sociedade brasileira encontrava-se presentes na segunda versão da BNCC.
Um detalhe que não pode passar despercebido é que a segunda versão da BNCC não
sucumbe, não se deixa subjugar pela força dos grupos conservadores que acabam moldando,
através dos currículos escolares, sujeitos submissos, calados, quietos, característicos do
neoliberalismo e da ausência democrática. Homens e mulheres fadados a adquirirem somente
conhecimentos comercializáveis18, a baixo custo, visando a uma rápida inserção no mercado de
trabalho. O projeto formativo da BNCC direcionava-se à um sujeito que saiba ler a realidade
que o cerca e atuar fundamentado em conhecimentos variados, que reconheça sua própria
identidade cultural e que lute para transformar a sociedade atual. A explicação é muito simples.
Essa sociedade não satisfaz a maior parte da população. Ela é profundamente desigual e injusta.
Um sujeito desprovido de determinados conhecimentos, um sujeito que na escola não
aprendeu a enxergar os direitos, os valores e os saberes de todos os outros grupos como
equivalentes, não conseguirá unir-se aos demais para desestabilizar a força daqueles que detêm
o poder. Um sujeito que tenha sido instrumentalizado pela escola, como querem alguns, talvez
possua, ao final do ensino médio as competências necessárias para inserção do mercado de
trabalho, mas dificilmente terá se apropriado criticamente daquilo que é necessário para
construir uma sociedade digna para todos. A BNCC tinha esse papel. Ela representava uma

É o que se pode depreender da recente publicação da MP nº 746, de 22/09/2016, alardeada como “Novo Ensino
18

Médio’’.
40

visão ampliada de mundo. Ela propunha objetivos de aprendizagem que, se fossem alcançados,
permitiriam à escola organizar-se em direção a uma sociedade mais democrática.
A supressão da expressão movimentos sociais e de seu contexto de luta é
descaracterizado na chamada versão final, mas há outras ausências no documento comparativo
oficial. Devemos destacar a diversidade de gênero, que aparece apenas uma vez na terceira
versão, destacando a importância de conhecimentos da História para que os estudantes
“explorem diversos conhecimentos próprios das Ciências Humanas: noções de temporalidade,
espacialidade e diversidade (de gênero, religião, tradições étnicas, etc. (BRASIL, 2018, p. 547).
Na segunda versão por outro lado, até a página 100, a palavra gênero já havia sido empregada
com o mesmo sentido por sete vezes. Por exemplo, quando se trata dos Direitos de
Aprendizagem: “conviver com crianças e adultos e com eles criar estratégias de investigar o
mundo social e natural, demonstrando atitudes positivas em relação a situações que envolvam
diversidade étnico-racial, ambiental, de gênero, da religião.” (BRASIL, 2016, p. 81).
Outra ausência importante na versão final diz respeito a noção de alteridade. Na segunda
versão ele aparece sete vezes em seu sentido consagrado pelas ciências sociais. Ao tratar dos
conhecimentos da área de linguagens, para os anos finais da Educação Infantil, coloca que o
processo de descentração, que caracteriza esse período de vida, amplia a capacidade dos/das
estudantes tanto de desenvolver sua autonomia como de cultivar a alteridade. Grande parte das
vezes que o conceito alteridade aparece é relacionado a educação religiosa, temática que foi
totalmente suprimida da Base sobre o argumento que define essa questão deve ficar a cargo dos
municípios. Importante mencionar que, aqui no Estado do Pará, não há no currículo do Ensino
Médio o componente de Ensino Religioso, uma vez que, existe no ensino fundamental sob
responsabilidade do estado.
Na BNCC, a competência é definida como “[...] a mobilização de conhecimentos
(conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais). Atitudes e
valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, no pleno exercício da cidadania e
do mundo do trabalho” (BRASIL, 2018, p. 16). Concepção que está em consonância com aquela
defendida por Perrenoud e Magne (1999, p. 30), quando define a competência como “a
faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações,
etc.). Para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações”.
Historicamente, o termo competência foi apropriado do contexto empresarial e
gerencialista, passando, desde a década de 1990, a ser aplicado no campo educacional e
curricular, visando à preparação do estudante para o mundo do trabalho. Seu viés funcional e
instrumentalista tem sido criticado por vários autores (GENTILI, 1996; TANGUY e ROPÉ,
41

1998; MACEDO, 2020), pois, realiza-se uma lógica neoliberal voltada a “produtividade” das
políticas educacionais fomentadas no contexto de uma sociedade global e mercadológica.
Segundo Gentili (1996), as competências nas políticas curriculares surgem pela
necessidade de superar uma crise que se instala na escola e que, justificada pela ineficiência
dos agentes que nela atuam, seja na gestão ou mesmo no ensino, acabam provocando a evasão,
repetência, etc. Para o autor, essa noção de competência parece tentar responder a esses
problemas, evidenciando o mesmo caráter neoliberal de:

Transformar a escola supõe um enorme desafio gerencial: promover uma mudança


substantiva nas práticas pedagógicas, tornando-as mais eficientes; reestruturar o
sistema para flexibilizar a oferta educacional... reformar o perfil dos professores,
requalificando-os, implementar uma ampla reforma curricular, etc. (GENTILI, 1996,
p. 18).

No estudo realizado destacamos as condições de produção e incongruências de um


processo de construção política que tem realizado de um modo enviesado, que distorce
conceitos, apaga perspectivas teórico-conceituais, e que torna a política curricular alvo dessas
reformas, bastante difusas. Poderíamos ainda dizer que, tal como pontuamos, sua trajetória,
apesar de ser contínua, apresenta mudanças e supressões de categorias e concepções que tornam
frágil a construção e que nos fazem reconhecer o decisivo retrocesso, seja entre a primeira e a
última versão, seja entre a segunda e a última versão.
Sobretudo, o que se destaca nas tramas discursivas que se constituem através dos três
textos do documento, são as contradições, distorções e ausências que colocam, inclusive, sua
implementação sob risco. Tamanha a fragilidade de textos que apesar de normativos, pouco
potencial diretivo tem, o que denota um esvaziamento de seu poder de operar em favor de uma
educação e currículo escolar democratizantes, cedendo lugar a uma perspectiva instrumental e
alinhada com os interesses do mercado global.
Não há dúvidas de que o resultado de um processo tão acelerado, que se produziu a
partir de princípios tão questionáveis, tenha consequências danosas para a Educação brasileira
e em especial para a área das ciências humanas, especificamente para o Ensino de História.
Entretanto, o que também se pode esperar que ocorra é que de tal normativa seja enfrentada,
alvo da resistência e das respostas estratégicas dos professores(as) que atuam, ou melhor, que
reescrevem (junto ao estudante) e ao seu modo o currículo escolar.
Para Moreira (2008), o currículo há muito tempo deixou de ser apenas uma área
meramente técnica, voltada para questões relativas a procedimentos, técnicas, métodos. Ele
42

salienta que se pode falar em uma tradição crítica do currículo, que é guiada por questões
epistemológicas, sociológicas e políticas. O autor complementa que:

Embora questões relativas ao “como” do currículo continuem importantes, elas só


adquirem sentido dentro de uma perspectiva que as considere em sua relação com
questões que perguntem pelo ‘por quê’ das formas de organização do conhecimento
escolar (MOREIRA; SILVA, 2002, p. 7).

Nessa perspectiva do texto acima, o currículo é considerado um artefato social e cultural,


porque, currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do
conhecimento social, pois implica relações de poder, transmite visões sociais particulares e
interessadas, não é um elemento transcendente e atemporal.
O desafio diz respeito à construção de um currículo que leve em conta as diferentes
culturas que mediatizam os processos educacionais entre as pessoas, de modo que a educação
se torne criativa e criticamente inclusiva. Este currículo intertranscultural19, sempre em
movimento, “está sendo” a partir, com e como trama política, social e escolar carregada de
valores e pressupostos, os quais é preciso desvendar.
Talvez a premissa inicial esteja nas interfaces do currículo, nas intencionalidades a que
está respondendo, o que está explícito e implícito – o currículo “real” e o currículo “oculto”.
Consegue a escola se “aproximar” do meio no qual e do qual o educando faz parte? É viável à
escola organizar e desenvolver um ambiente de aprendizagem significativo ao educando? É
possível planejar um currículo a partir das variáveis sociais, econômicas, tecnológicas, morais
e de crenças, admitindo e refletindo as variações culturais dentro de cada uma delas? Como?
Conforme Kátia Kescke (2009), em seu artigo As dimensões da cultura na produção de
significados no currículo escolar: um olhar teórico, diversos são os debates sobre as questões
que envolvem o currículo escolar, reconhecidas a diversidade cultural e a multirreferencialidade

19
Intertranscultural - se faz necessário compreendermos o significado de tais expressões. De acordo com Padilha
(2004) a transculturalidade é o ponto de partida do ser humano, partindo das relações, reconhecer-se no outro em
suas semelhanças e em suas diferenças, a prática da alteridade tanto em relação ao outro como em relação ao meio
ambiente. Continua explicitando e esclarece que a expressão inter nos remente a uma interação da cultura, e trans
é mais subjetivo, é o espaço de encontro das subjetividades, é o que eu sou, o que você é, na relação humana do
que nós fazemos diante do mundo em que vivemos o que incide nas nossas vidas, na nossa escola, na nossa
aprendizagem. Nasce de uma perspectiva complexa de eficiência e perde a visão linear de uma ciência clássica,
como a priorizada no currículo formal da escola, mas se aprende com a emoção. Passamos a chamar de Pedagogia
Intertranscultural (PADILHA, 2009) a “procurara por aproximações, na perspectiva de uma visão de totalidade,
das ações propostas nos processos educativos”, considerando a complexidade dos mesmos e evitando nos
conformarmos com as práticas pedagógicas tradicionais geralmente monoculturizantes, ignorando assim a
heterogeneidade cultural presente na escola. A intertransculturalidade apresenta-se como uma perspectiva
educacional que trabalha com as diferenças e com as semelhanças culturais, visando assim, a todo tipo de inclusão
e às “aproximações, às interações e interconexões de experiências educacionais, individuais e coletivas, objetivas,
subjetivas e intersubjetivas”, que se constrói no espaço escolar, na localidade e no planeta em que vivemos.
43

teórica que decorrem os processos educativos. Em (des)continuidades teóricas e metodológicas,


o currículo vem sendo articulado às questões culturais, econômica, políticas e sociais das
diferentes épocas, constantemente atravessado pelas relações de poder que conduzem nessas
esferas. A questão que se faz necessária é de que maneira os currículos vêm sendo organizados
e se têm alcançado as especificidades e demandas dos diferentes sujeitos que lhes dão vida,
“praticando-os”, na perspectiva do que é proposto pela BNCC.
Em síntese, as teorias do currículo buscam responder às seguintes questões: Quais
conhecimentos devem ser ensinados? O que ensinar? O que os educandos devem saber? Quais
conhecimentos e saberes são importantes e/ou válidos, a ponto de “merecerem” fazer parte do
currículo? Enfim, qual é o “tipo” de ser humano desejável para um determinado “tipo” de
sociedade? Com base nesses questionamentos, “a teorização sobre o currículo deve ocupar-se
necessariamente das condições de realização do mesmo, da reflexão sobre a ação educativa [...]
em função da complexidade que se deriva” (SACRISTÁN, 1998, p. 17).
Nesse viés, e considerando que as teorias, do ponto de vista pós-estruturalista, não
passam de afirmações sobre como as coisas deveriam ser e acontecer a partir de uma dada
descoberta e descrição de um objeto, seria mais coerente falar em discursos, como propõe
Tomaz Tadeu da Silva (2002, p. 12-13). Discursos entendidos enquanto supostas asserções
sobre a realidade e que acabam funcionando como se fossem assertivas de como deveriam ser
(2002, p. 13), até mesmo porque “tendências curriculares não podem ser concebidas como um
conjunto homogêneo de temas, metodologias e propósitos” (MOREIRA, 1997, p. 79). Assim:

[...] pedir uma teoria estruturada do currículo, que é por sua vez, integradora de outras
subteorias, capaz de guiar a prática, é tão utópico como pedir uma conjunção dos
saberes pedagógicos sobre a educação que sejam capazes de explicar a ação e de guiá-
la quando a escola desenvolve um projeto cultural com os alunos (SACRISTÁN,
1998, p. 30).

Segundo Moreira, “torna-se difícil entender mudança curricular quando não se faz uma
análise da formação social e do papel da educação nela” (MOREIRA, 1997, p. 40). Ao conectar
estrutura e fatores processuais no estudo da redefinição de um currículo é fundamental que as
instituições sejam relacionadas às especificidades do contexto socioeconômico do qual fazem
parte. Em toda essa discussão há ainda as relações – intrínsecas – entre a educação, a cultura e
o currículo, entre as formas de dominação cultural e social e as relações de poder.
Recorrendo a Michael Apple (2002b, p. 54), este alerta que “transgredir é um pré-
requisito para avançar”, uma vez que enquanto não levarmos a sério a intensidade do
envolvimento da educação com o mundo real das alternantes e desiguais relações de poder,
44

estaremos vivendo em um mundo divorciado da realidade. “As teorias, diretrizes e práticas


envolvidas na educação não são técnicas. São intrinsecamente éticas e políticas, e em última
análise, envolvem [...] escolhas profundamente pessoais” (APPLE, 2002, p. 41).
Entretanto, compete discutir como construir um currículo de forma a abarcar todas estas
questões e sem perder de vista a concepção de educação como processo dialógico e
participativo, em que todos podem ampliar e ressignificar seus conhecimentos? Giroux e
McLaren mencionam a necessidade de “apelar a uma política da diferença e do fortalecimento
do poder, que sirva de base para o desenvolvimento de uma pedagogia crítica através das vozes
e para as vozes daqueles que são quase sempre silenciados” (GIROUX; MCLAREN, 2002, p.
95-96). Apelar “para que se reconheça que, nas escolas, os significados são produzidos pela
construção de formas de poder, experiências e identidades que precisam ser analisadas em seu
sentido político-cultural mais amplo” (Id. 2002, p. 95 - 96). E reconhecer ainda que:

[...] a escola é um território de luta e que a pedagogia é uma forma de política cultural.
(...) as escolas são formas sociais que ampliam as capacidades humanas, a fim de
habilitar as pessoas a intervir na formação de suas próprias subjetividades e a serem
capazes de exercer poder com vistas a transformar as condições ideológicas e
materiais de dominação em práticas que promovam o fortalecimento do poder social
e demonstrem as possibilidades da democracia (Id. 2002, p. 95).

Compreender o currículo enquanto artefato social e cultural garante que ele não seja
considerado um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada de conhecimento
social, uma vez que produz identidades individuais e sociais particulares, não sendo
transcendente e atemporal (MOREIRA; SILVA, 2002, p. 7-8). Michael Apple alerta ainda que
a definição do “conhecimento de alguns grupos como digno de ser transmitido às gerações
futuras, enquanto a história e a cultura de outros grupos mal vêem a luz do dia, revela algo
extremamente importante acerca de quem detém o poder na sociedade” (APPLE, 2002b, p. 42),
de quem, consequentemente, estabelece os “porquês” e “para quê” da educação. Assim
entendido, o conhecimento sobre como o currículo vem sendo concebido nos diferentes espaços
e lugares, pode trazer significativas contribuições aos educadores que desejam implicar-se com
as “questões” curriculares e seus significados. Daí emerge:

[...] a importância de uma pedagogia crítica por meio da análise de suas relações
potencialmente transformadoras com a esfera da cultura popular [...] contraditório
terreno de luta, mas também um importante espaço pedagógico onde são levantadas
relevantes questões sobre os elementos que organizam a base da subjetividade e da
experiência do aluno (GIROUX; MCLAREN, 2002, p. 96).
45

No sentido de coletividade, contextualização e processualidade, o currículo pressupõe a


percepção das trajetórias de vida e da realidade cultural dos/as educandos/as, o respeito aos
ritmos e aos tempos pedagógicos de todos os envolvidos/as. Nessa perspectiva, valorizam-se
os saberes e a cultura popular, reconhecida a cultura como matriz da educação e incorporada à
pluralidade de tempos, espaços e relações, em que os seres humanos se constituem sujeitos
sociais, cognitivos e culturais.
O currículo é formado pela cultura e pelo que é popular. Para Stuart Hall (1997, p. 16),
a cultura tem lugar na estrutura empírica real e na organização das atividades, das instituições
e das relações culturais na sociedade em qualquer tempo. Nesse “movimento” ocorre a
constituição de circuitos culturais, regulados e desregulados pela sociedade. Os meios de
produção, circulação e troca cultural, segundo Hall, expandem-se por meio das tecnologias e
da revolução da informática, as quais possibilitaram a síntese do tempo e do espaço,
introduzindo mudanças na consciência popular, mediatizada por mundos crescentemente
múltiplos e “desconcertados”.
As análises de Hall (1997) comprovam que com histórias, modos de vida, fusos
horários, estágios de desenvolvimento distintos e diversos, as sociedades acabam por constituir
uma “teia” que, complexamente, “vive” e “faz viver” as revoluções da cultura em âmbito
global. Neste contexto emergem e efetivam-se impactos sobre os modos de viver e sobre o
sentido que as pessoas dão à vida e suas aspirações. As revoluções culturais têm sua importância
no impacto democrático e popular, quando “a integração de minorias sociais, étnicas e culturais
ao processo de escolarização constitui uma manifestação muito concreta [...] da educação
multicultural para o ensino, manifestação particular de um problema mais amplo: a capacidade
da educação para acolher a diversidade” (SACRISTÁN, 1995, p. 82).
O currículo como campo cultural, de construção e produção de significações e sentidos,
é um terreno central da luta de transformação das relações de poder (MOREIRA; SILVA, 2002,
p. 30) e as relações entre currículo e identidades sociais e individuais têm levado os educadores
a formular projetos educacionais que se contraponham às características que reforçam
desigualdades da estrutura social vigente (MOREIRA; SILVA, 2002, p. 33).

Silva (1995) adverte que o currículo é campo de lutas, uma vez que os diversos
posicionamentos em conflito buscam a hegemonia enquanto estabelecem relações de
poder. Assim sendo, o trabalho docente precisa também ser concebido como produto
de um debate que objetiva a legitimação das concepções em jogo. Ao ampliar a
participação para outros atores como os leitores críticos e a sociedade civil que
encaminhou suas atribuições, experimentou-se uma desnaturalização constante das
concepções que talvez estivessem enrijecidas. Sendo compreendida e elaborada nessa
perspectiva, a segunda versão da BNCC estabelecia um posicionamento político
46

envolvendo visões de mundo, sociedade, escola e docência contra hegemônicas.


(MOREIRA, 2002, p. 8).

Para tanto, o que nos parece é que a autonomia das escolas está ameaçada. Uma vez que
nos é apresentado um sistema único de educação num país com dimensões continentais, provido
de diversidade cultural, de desafios diversos, de riqueza de conhecimento e de livres iniciativas.
Essa BNCC, em sua terceira versão, apresentada pelo MEC, ignora o art. 15 da LDB que garante
“progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira” às
escolas, restringindo a autonomia conquistada ao longo do processo democrático da história da
educação brasileira.
A formatação da Base e toda a sua estrutura edificada, quando determina
detalhadamente, ano, disciplina por disciplina, uniformemente o que deve ser ensinado em todo
o território, implica que, na prática cada unidade escolar, independente onde se encontre, e de
quem quer que seja seu gestor público ou privado, haverá um sistema único de ensino
obrigatório, ainda que um discurso ou por meios escritos se diga outra coisa. Ao homologar a
BNCC, o MEC também ignora o artigo 210 da Constituição que, blindando a democracia,
garante que haja currículo nacional comum sim, porém, mínimo e não máximo.
Este currículo mínimo garante a flexibilidade de uma educação democrática (Cf. LDB
de 1996 art. 26) para a regionalização, para a discussão dos problemas sociais que envolvem a
escola, o bairro, a cidade, o estado; garantir o pluralismo do ensino, inclusive, o democratiza;
garantem às escolas públicas e privadas, de não serem manipuladas e, até salvaguarda aqueles
sistemas de ensino particulares de possíveis de possíveis punições injustas e de serem regulados
com braço forte do Estado.
Pelo exposto até o momento percebe-se que nossa legislação educacional aponta para
uma base comum, pautada em diretrizes federais, pontos de chegada e não de partida. Assim
determina o parecer 38/2006 do CNE:

É importante compreender que a Base Nacional Comum não pode constituir


uma camisa-de-força que tolha a capacidade dos sistemas, dos
estabelecimentos de ensino e educação de usufruírem da flexibilidade que a
lei não só permite, como estimula. Essa flexibilidade deve ser assegurada tanto
na organização dos conteúdos mencionados em lei, quanto na metodologia a
ser desenvolvida no processo de ensino-aprendizagem e na avaliação (MEC,
2016, n.p.).

O MEC apresenta um currículo tão detalhado e obrigatório (documento de quase 400


páginas) e indica que os estabelecimentos de ensino acrescentem 40%, na prática sabemos por
47

experiência que não há como incorporar no dia a dia da escola, e que tal currículo nacional não
deixa margem para muitos acréscimos, culminando em um sistema de educação centralizado e
monopolizado. Quanto à estratégia de implementação, há na relação entre a proposta da BNCC
(unificar e centralizar) os meios aplicados para tal finalidade um distanciamento do tamanho do
país. Ocorreram audiências públicas entre julho e setembro de 2017, em apenas 4 estados, a
saber, Manaus, Recife, Florianópolis, São Paulo e Distrito Federal20.
Por que não Minas Gerais, estado com maior número de municípios do país? E o Rio de
Janeiro, por onde começou o processo educacional formal no Brasil? Apenas Recife representa
a realidade nordestina rica em patrimônio cultural, artístico e educacional? Onde está a
democratização defendida pelo MEC nas mídias e redes sociais? BNCC que foi homologada
em 27 de novembro, após, escassas audiências públicas, com o tempo limitado em 3 minutos
apenas, as contribuições e pedidos de revisões dos textos, dos que ali se manifestaram,
encontrando respaldo na estrutura planejada para rever o contraditório, que entre, outubro e
novembro, considerado um tempo favorável para a releitura da BNCC e passar novamente para
a aprovação do CNE.
É notório que a estratégia ignorou a LDB, no inciso IV de seu artigo 9º, onde afirma que
cabe à União “estabelecer em regime de colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, competências e diretrizes para a Educação Infantil, O Ensino Fundamental e
Ensino Médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar
formação básica comum” (BRASIL, 1996).
Tendo em vista que a educação constitui um campo em disputa, a BNCC, homologada
em 2018, disseminada em redes de ensino por todo o país se apresenta como um documento-
referência, que assume uma postura universalista e homogeneizante, de caráter obrigatório. A
proposta enuncia em sua apresentação que:

Com ela, redes de ensino e instituições escolares públicas e particulares passam a ter
uma referência nacional obrigatória para a elaboração ou adequação de seus
currículos e propostas pedagógicas. Essa referência é o ponto ao qual se quer
chegar em cada etapa da Educação Básica, enquanto os currículos traçam o caminho
até lá. (BRASIL, 2018 p. 5, grifo nosso).

20
Síntese das exposições da Audiência Pública ministrada pelo Prof. Leandro Soares, da Comunidade Mãe do
Verbo Divino. Disponível em: A BNCC e suas implicações na Educação Brasileira - Comunidade Mãe do Verbo
Divino (cmvd.org). Acesso em: 26 mar. 2022.
48

A aspiração do texto, que rejeita assumir a nomenclatura de currículo, é promover a


padronização, em alguma medida, dos currículos escolares, estabelecendo as habilidades
que os estudantes devem desenvolver em cada ano de ensino. Por essa via, também reduz a
pluralidade educacional em um país com proporções continentais à “fragmentação das políticas
educacionais”, algo que se propõe superar. A BNCC é construída com objetivos e habilidades
apresentados de maneira definida, visando precisão, o que supõe pouca margem a variações,
reitera o controle, como adverte Lopes (2015).

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo


que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos
os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica,
de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento,
em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). Este
documento normativo aplica-se exclusivamente à educação escolar, tal como a define
o § 1º do Artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº
9.394/1996), e está orientado pelos princípios éticos, políticos e estéticos que visam à
formação humana integral e à construção de uma sociedade justa, democrática e
inclusiva, como fundamentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Básica (DCN). (BNCC, 2022, p. 07, grifo nosso).

Para tanto, o documento elegeu a aprendizagem como núcleo central, mas como o
ensino está interligado a primeira, fica implicado também e deve ser articulado nos currículos.
As aprendizagens essenciais21 definidas na base são orgânicas e progressivas. A partir das
aprendizagens22, o aluno desenvolve sua compreensão, isto é, aprender a aprender.
Assim como tantos outros documentos que regeram e regem a educação, a BNCC tem
como elementos norteadores documentos maiores do país como as Diretrizes Curriculares, a
LDB e a Constituição Federal (1988). Com a BNCC há uma construção mais ampla no sentido
do que o educando, de fato, constrói em cada etapa e percurso formativo entendido na sua
construção, tendo a educação básica como elemento fundante da educação nacional. Isto é, a
orientação estabelece conhecimentos, competências e habilidades que devem ser desenvolvidos
por todos os estudantes ao longo da escolaridade básica. Na prática, a BNCC pretende que o
aluno obtenha além do conteúdo tradicional de sala de aula. Orientada pelos princípios éticos,
políticos e estéticos traçados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, a
Base soma-se aos propósitos que direcionam a educação brasileira para a formação humana
integral e para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.

21
Aprendizagens essenciais são definidas na Base, o restante ficando a cargo do currículo.
22
As aprendizagens asseguram o desenvolvimento das competências, que são expressas pelas habilidades.
49

A BNCC veio para regulamentar as estratégias e dinâmicas de ensino, que infelizmente


acabou se tornando um enorme conjunto de matérias determinando o que se deve ser ensinado.
Como nos aponta Abud (2017):

A publicação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) dá, portanto, seguimento


a uma já longa série de programas e propostas curriculares, que desde 1931 vem
procurando regulamentar o ensino (e nação somente a organização curricular) das
disciplinas em nossas escolas, por meio da introdução direta de temas e conteúdos,
objetivos e até métodos e técnicas de ensino, dependendo da orientação
governamental responsável pela organização da Educação (ABUD, 2017, p. 21).

Importante destacar que o ensino de História sempre foi um campo de batalha.


Currículos, livros didáticos e o ensino de História em geral compõem um campo de intensa
discussão ideológica sobre o uso do passado nas sociedades contemporâneas. Isso nos leva a
compreender que há constante presença de ideias e regulamentações na produção de
documentos educacionais pelo poder público, que apresentam novas formas de organização
escolar e novas estruturas curriculares. Há um esforço do poder político na educação, consoante
a pressões de grupos hegemônicos da sociedade civil, o que explica o fato de não ser incomum
reformas curriculares. Conforme afirma Laville:

É interessante notar quanto interesse, quanta vigilância e quantas intervenções o


ensino da História suscita nos mais altos níveis. A História é certamente a única
disciplina escolar que recebe intervenções diretas dos altos dirigentes e a consideração
ativa dos parlamentos. Isso mostra quão importante é ela para o poder. (LAVILLE,
1999, P.130).

Laville (1999) problematiza experiências de reformulação curricular em inúmeros


países, nas mais diversas conjunturas históricas, mostrando que o ensino de História sempre é
alvo de críticas ou denúncias, indicando alterações também nos programas escolares, “como se
o ensino da história continuasse sendo o veículo de uma narração exclusiva que precisa ser
assimilada, custe o que custar” (LAVILLE, 1999, p. 127). Há distância considerável entre o
plano normativo/ prescrito das políticas públicas e o plano concreto/interativo dos processos
escolares de ensino aprendizagem. Seria ingênuo acreditar no poder de regular as consciências
e os comportamentos por meio do ensino de História, e nessa direção quaisquer esforços para
controlar os conteúdos do ensino da História estariam, de certo modo, alicerçados numa ilusão.
Acreditamos que o texto introdutório da BNCC é um dos terrenos férteis no que tange
à identificação de ideologias e “ilusões” nas quais estão calcadas a Base, e cuja análise, para
nós, é indispensável, tendo em vista que:
50

Quando uma ilusão desempenha um papel na reprodução ideológica de uma


sociedade, ela não deve ser tratada como algo inofensivo ou de pouca importância por
aqueles que buscam a superação dessa sociedade. Ao contrário, é preciso compreender
qual o papel desempenhado por uma ilusão na reprodução ideológica de uma
formação societária específica, pois isso nos ajudará a criarmos formas de intervenção
coletiva e organizada na lógica objetiva dessa formação societária (DUARTE, 2008,
p. 13).

É importante salientar que a introdução do documento, em especial, traz um conjunto


de palavras-chave conhecidas no âmbito educacional e que apresentam inegável carga
ideológica enquanto peça de um discurso retórico e persuasivo a respeito de uma questão central
para a reprodução do poder da classe dominante. Neste caso, a educação e a organização das
instituições escolares, uma vez que, de acordo com Althusser (2008), a escola é instrumento
capaz de manter pessoas na mesma classe e condição social, contribuindo para a manutenção
da sociedade de classes indispensável ao funcionamento do regime capitalista. Acreditamos
ainda que tal discurso visa à legitimidade de ideias e a promoção de interesses em detrimento
da resolução de problemas reais, como a “crise” na educação, o que corrobora o seu caráter
ideológico.
Embora a BNCC seja um documento recente, desde o final do século XX observamos a
ancoragem de determinados preceitos para as reformas educacionais na América Latina.
Considerando as reformas educacionais como parte de uma totalidade histórica que a constitui
e entendendo a esfera econômica como base fundamental da sociedade capitalista, é preciso
mencionar que tal ancoragem se dava em um cenário de “crise” política, social, econômica e
educacional, sobretudo após o fracasso do “Milagre Econômico”23 já que a promessa de
“crescer o bolo para depois dividi-lo” não se concretizou. Tais reformas são propostas, portanto,
no bojo de uma crise do capital derivada sobretudo do excesso de liquidez, que por sua vez
torna indispensável os ajustes estruturais que abram espaço para novas formas de exploração e
para a acumulação e escoamento de capital diante da globalização.
A cada troca de grupos nos órgãos de poder, a cada posse de novos líderes políticos,
surgem propostas de modificação de sistemas de ensino, a introdução de novos métodos ou
alterações nos conteúdos, especialmente no ensino das Ciências Humanas (ABUD, 2017, p.

23
O Milagre Econômico ou “Milagre Econômico Brasileiro” corresponde ao crescimento econômico ocorrido no
Brasil entre os anos de 1968 a 1973. Esse período foi caracterizado pela aceleração do crescimento do PIB (Produto
Interno Bruto), articulando industrialização e inflação baixa. Contudo, por trás da ideia de prosperidade, houve o
aumento da concentração de renda, corrupção e exploração da mão de obra, momento histórico complexo do país,
tendo em vista o regime militar vigente e o caráter regressivo da distribuição de renda. Para maiores informações,
consultar: BARONE, Ricardo Stazzacappa; BASTOS, Pedro Paulo Zahluth; MATTOS, Fernando Augusto
Mansor. A distribuição de renda durante o “milagre econômico” brasileiro: um balanço da controvérsia. Texto
para Discussão. IE/Unicamp, Campinas, n. 251, fev. 2015. Disponível em:
https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/artigos/3386/TD251.pdf. Acesso em: 14 ago. 2023.
51

14). A História, enquanto disciplina escolar, pelo fato de o conhecimento histórico ser a
principal ferramenta na construção da consciência histórica, conecta o passado com as
orientações do presente e com as determinações de sentido com as quais o agir humano organiza
suas intenções e expectativas no fluxo do tempo. Sendo justamente no ambiente escolar que se
estuda a História e onde se cruzam de modo comprometido o conhecimento científico e o
conhecimento escolar.
No que concerne à narrativa do texto introdutório da BNCC, acreditamos que o
documento não apresenta inovação; pelo contrário, reitera, internaliza e difunde as diretivas
educacionais do final do século passado. É preciso ponderar que falar e acreditar em igualdade
no que concerne a qualquer componente curricular dentro de uma lógica da sociedade
capitalista é ilusório, tendo em vista que as desigualdades são inerentes ao modo de produção
capitalista24. A desigualdade social que sustenta a sociedade de classes é característica
fundamental da sociedade capitalista, e o “bom” funcionamento desta não pode acontecer sem
que uma grande massa seja expropriada da sua força de trabalho por uma minoria detentora dos
meios de produção, o que por si só já se constitui como a primordial desigualdade desta
sociedade refletindo invariavelmente em todos os seus outros componentes, inclusive as
oportunidades de ingressar e permanecer na escola.
Compete observar que entre o discurso oficial sobre as transformações educacionais e a
sua realização há uma distância considerável. Essa distância é representada pelas instâncias
pelas quais uma lei, resolução ou deliberação deve passar até chegar ao cotidiano escolar.
Depois de formulada pelos órgãos planejadores, cada iniciativa de mudança percorre todos os
trâmites que a dinâmica burocrática impõe. Nesse circuito se transforma, vai se transmitindo
anexada a relações de poder e opressão, construídas historicamente, sofre influências das
interações entre sujeitos e diferentes grupos dentro da estrutura institucional e torna-se síntese
de relações contraditórias.
O segundo problema da supracitada concepção é que, ainda que houvesse alguma
possiblidade de construção de oportunidades iguais para permanência e acesso à escola, é
preciso problematizar o que se chama de “patamar de aprendizagem e desenvolvimento”, tendo
em vista as diferentes necessidades e ritmos individuais de aprendizagem. Mais do que
estabelecer esse patamar seria necessário pensar o que fazer com aqueles que não atingirem as
metas para que seja garantida a mesma igualdade preconizada pela BNCC, de forma a subverter

24
Visando lucro, o capitalismo envolve meios de produção que podem ser máquinas, terras, ou instalações
industriais, utilizando-se da mão de obra ou serviços de outrem para geração de bens e produtos.
52

as políticas em vigor. De acordo com Rummert, Algebaile e Ventura (2013), tais políticas não
resolvem as desigualdades educacionais; pelo contrário,

[...] encobrem, sob a forma de múltiplas e renovadas possibilidades, o que permanece


constante: a ausência de compromissos efetivos do Estado, tal como compreendido
por Gramsci (1999, 2000a), com a garantia de acesso igualitário às bases do
conhecimento científico e tecnológico. Tais cisões não se assentam mais no binômio
ingresso/não ingresso na escola, mas no ingresso em vias formativas diferenciadas
que, também de forma desigual e combinada, visam a tornar mais próxima a
universalização de índices de escolaridade sem universalizar condições de
permanência e sucesso nem padrões socialmente referenciados de qualidade
pedagógica (RUMMERT, ALGEBAILE; VENTURA, 2013, p. 724).

Não menos importante, e estritamente relacionada com o já exposto, a BNCC, embora


reafirme o compromisso de “reverter a situação de exclusão histórica”, não traz à tona o debate
sobre os mecanismos construídos historicamente e que geram a exclusão. Nesse sentido, torna-
se pouco palpável a proposta de resolver um problema historicamente grave sem propor
alternativas concretas para a resolução ou mesmo diminuição de um problema real e
socialmente consolidado.
Acrescentamos, ainda, que a BNCC oculta a exclusão histórica relativa à dualidade
educacional, que destina diferentes classes sociais a diferentes itinerários educacionais,
resultando sobretudo, na separação entre exercício do trabalho manual e intelectual e,
consequentemente, em diferentes graus de reconhecimento social, remuneração e ascensão. A
equidade nos termos da BNCC não é, portanto, compatível com o modelo de sociedade vigente.
Vale lembrar, contudo, que a noção de equidade não é definida nas versões anteriores como
ocorre na terceira versão, embora apareça sempre acompanhada da noção de qualidade, que,
por sua vez, aparece de forma bastante semelhante nas três versões, embora bastante alterada
quando comparada às definições dos relatórios educacionais, na medida que se dá uma diretiva
clara nesse sentido:

[...] espera-se que a BNCC ajude a superar a fragmentação das políticas educacionais,
enseje o fortalecimento do regime de colaboração entre as três esferas de governo e
seja balizadora da qualidade da educação, isto é, da garantia do direito dos alunos a
aprender e a se desenvolver, contribuindo para o desenvolvimento pleno da cidadania
(MEC, CONSED E UNDIME, 2017, p. 8).

Importante compreender o que se quer para a educação com a obrigatoriedade imposta


pela BNCC25. A versão homologada da BNCC difere substancialmente das duas versões

25
Jair Araújo mostra em um artigo: ‘Esquizioanálise Aplicada à Educação: introdução ao Estatuto Político-
Linguístico da Educação Brasileira’, duas grandes disputas no campo da educação, que podemos dizer ainda
53

anteriores e, em que pese tenha gerado menos debates públicos, apresenta inúmeros pontos
passíveis de questionamento. Cabe recordar que a primeira versão da BNCC de História foi
vetada publicamente, em 2015, pelo então ministro da educação Renato Janine Ribeiro, sob a
afirmação de que a versão preliminar do documento praticamente “ignorava o que não fosse o
Brasil e a África” e queria “partir do presente para ver o passado”26.
Além disso, historiadores profissionais das áreas de História Antiga e História Medieval
reclamavam da “retirada” de conteúdos clássicos de seu campo de estudo. A despeito disso,
objetiva-se problematizar a versão homologada do currículo. Nesse sentido, um primeiro
aspecto a ser questionado diz respeito à representatividade regional dos elaboradores do
documento. Como se sabe, um dos grandes desafios à elaboração de um currículo nacional em
um país de grande dimensão como o Brasil é exatamente o equacionamento entre a diversidade
cultural e as demandas de uma estrutura curricular comum.
Concordamos com Caimi (2016) quanto a uma dimensão: a possibilidade de uma
composição curricular que considere as especificidades locais, nos levando refletir ao risco ao
admitir a necessidade de estabelecer uma base curricular para o país. Olhando para a BNCC,
esse quesito é garantido na proposta ao estipular um percentual de 40% de conteúdos para a
parte diversificada27 e de 60% para uma base comum. Isto é, a BNCC ocupar 60% dos
currículos, restando 40% que serão definidos pelos estados, pelo município, consequentemente

presentes na Base. Tivemos por um lado uma educação progressista, e por outro lado uma educação voltada para
o mercado de trabalho, chamada por ele de educação neoliberal. Ainda segundo ele essa educação neoliberal, ela
enfatiza preparação para a vida do aluno especificamente para o trabalho, ensinando os alunos o básico, para que
esse educando, quando se formar possa agir da melhor forma no mercado de trabalho. Para Dardot e Laval essa
visão neoliberal do mercado de trabalho, é o desejo de criar um sujeito que atue de forma neoliberal. Isto é, um
sujeito criativo, proativo, que é o que justamente as empresas estão exigindo. Trabalhadores proativos, criativos
que de conta do trabalho sem a necessidade de supervisores por exemplo. Dessa forma as empresas podem demitir
os supervisores rendendo mais lucros a elas. Este sujeito seja flexível e adaptável, tendo a capacidade exclusiva
de adaptar-se as necessidades e exigências da empresa e do mercado de trabalho.
26
Conferir a entrevista concedida por Ribeiro logo após deixar o cargo, que pode ser sintetizada na seguinte
passagem: “Não havia História Antiga, não havia História Medieval. No caso do Brasil, o conteúdo partia de
fenômenos atuais, como a discriminação racial, e daí partia para a questão da escravidão e dos indígenas. Mas
deixava de lado a economia colonial e o que seria uma cronologia. Muitas pessoas discordam dessa visão, porque
ela não dá ao aluno o repertório básico para discutir a história” (MORENO, 2015).
27
A Base Comum deve ser contemplada em sua totalidade nos currículos estaduais, municipais e das instituições
de ensino. A parte diversificada, por sua vez, pode corresponder a até 40% dos currículos locais. Dentro desta
margem, cabe aos profissionais da educação a definição dos objetos do conhecimento que são relevantes para a
realidade em que estão inseridos. Enquanto a BNCC traz definições pertinentes a todos os estudantes e instituições
de ensino do país, a parte diversificada pode trazer aos currículos das escolas conteúdos complementares, a serem
definidos pelas próprias redes, instituições e sistemas de ensino. A parte diversificada complementa e enriquece a
Base Comum, respeitando características regionais e locais da sociedade. Isso não significa alterar aquilo que já
está previsto no documento da BNCC, e sim inserir novos conteúdos integrados a ele, que estejam de acordo com
as competências previamente estabelecidas. Isto conota preocupação: pensando no ensino de História, diante do
turbilhão de habilidades a ser contempladas obrigatoriamente pelo professor, como será possível inserir novos
conteúdos (objetos do conhecimento)? Será mesmo que o professor em sala de aula terá condições e tempo para
desenvolver os 40% destinado a parte diversificada?
54

pelos professores, porém, deve-se seguir primeiramente à risca os 60% das habilidades do
documento BNCC.
A diversidade de temas cotidianos que podem ser alcançados à categoria de saber a ser
trabalhado na escola é vasta e essa seleção pode ser realizada considerando um espaço de
liberdade para a organização de outros conteúdos (objetos do conhecimento), conforme a
demanda local.

Em países federativos como o Brasil, como já anunciado, de grande dimensão


territorial e de enorme diversidade regional e cultural, sabemos que são difíceis os
consensos e como são complexas as tomadas de decisões a cerca de uma estrutura
curricular comum. A complexidade toma proporções ainda maiores se considerarmos
o momento de profunda polarização econômica que vivemos no país, aliado a graves
desigualdades econômicas e sociais que vêm sendo enfrentadas. (CAIMI, 2016, p.
69).

Então, em 2015, entre os dias 17 e 19 de junho, aconteceu o 1º Seminário


Interinstitucional para elaboração da BNCC28. Esse Seminário foi importante no processo de
elaboração da BNCC, já que reuniu todos os assessores e especialistas envolvidos na elaboração
da Base. Além disso, a Portaria n. 592, de 17 de junho de 2015, instituiu uma Comissão de
Especialistas para a Elaboração de Proposta da Base Nacional Comum Curricular.
Após muitos trâmites e discussões, que vêm desde as disposições na Constituição
Federal de 1988, em 16 de setembro de 2015 a primeira versão da BNCC foi disponibilizada.
Uma questão a se pensar é o formato da consulta pública, ou seja, adotou-se uma concepção de
base curricular, inclusive processo de construção de bases em que esta concepção fosse
colocada em discussão na própria consulta pública29. Ainda em 2015, dos dias 2 a 15 de
dezembro, aconteceu uma mobilização das escolas de todo o Brasil para a discussão do
documento preliminar da BNCC.
Em 2016, no dia 3 de maio, a segunda versão da BNCC foi disponibilizada. Ainda em
2016, entre os dias 23 de junho a 10 de agosto, 27 Seminários Estaduais com professores,
gestores e especialistas aconteceram. Esses Seminários foram promovidos pelo Conselho

28
BNCC, lançada em sua primeira versão pelo Ministério da Educação (MEC) em setembro de 2015, está prevista
desde a Constituição Federal de 1988, através do artigo 210 (BRASIL, 2017a), e foi reafirmada na Lei de Diretrizes
e Bases (Lei 9.394/96), nos Parâmetros Curriculares Nacionais, nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Básica e no Plano Nacional de Educação. Conforme o texto da BNCC, decorrem da Base políticas como: Política
Nacional de Formação de Professores; Política Nacional de Materiais e Tecnologias Educacionais; Política
Nacional de Avaliação da Educação Básica; e Política Nacional de Infraestrutura Escolar.
29
A primeira versão foi bastante polêmica, cercada de sérios problemas, debatida por diversos especialistas,
submetida a consulta pública, com certas limitações. A consulta olhou especificamente para o debate de conteúdos
(objetos de conhecimento), competências a serem deduzidas nos currículos, outro problema de consulta que de
fato houve uma mobilização forte de associações científicas, educadores, remeteram propostas.
55

Nacional de Secretários de Educação (Consed) e pela União Nacional dos Dirigentes


Municipais de Educação (Undime). O objetivo era debater a segunda versão da BNCC. Em
agosto de 2016 começa a ser redigida a terceira versão da Base Nacional Comum Curricular,
em um processo colaborativo embasado na segunda versão do documento.
Em 2017, no mês de abril, o Ministério da Educação (MEC) entregou a versão final da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ao Conselho Nacional de Educação (CNE). O CNE,
por sua vez, elaborou um parecer e um projeto de resolução sobre a BNCC, posteriormente
encaminhados ao MEC. Após todos esses trâmites, e a partir da homologação da BNCC, deu-
se o início ao processo de formação e capacitação de professores e ainda o estabelecimento de
apoio aos sistemas de Educação estaduais e municipais, a fim de que as escolas
pudessem elaborar e adequar os currículos escolares da Educação Básica.
No dia 20 de dezembro de 2017 a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi
homologada pelo ministro da Educação, Mendonça Filho. Já no dia 22 de dezembro de 2017, o
CNE apresentou a Resolução CNE/CP nº 2, de dezembro de 2017, que instituiu e orientou a
implantação da Base Nacional Comum Curricular. Em 06 de março de 2018, a Base Nacional
Comum Curricular começa a ser conhecida pelos educadores, que correspondia às etapas da
Educação Infantil e Ensino Fundamental. O objetivo deste debruçar sobre o documento era
compreender sua implementação e seus impactos na educação básica brasileira.
Também em 2018, no dia 02 de abril, o Ministério da Educação entregou ao Conselho
Nacional de Educação (CNE) a terceira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
do Ensino Médio. A partir de então, o CNE iniciou um processo de audiências públicas para
debater essa versão específica para o Ensino Médio. No dia 5 de abril de 2018 instituiu-se o
Programa de Apoio à Implementação da Base Nacional Comum Curricular – ProBNCC.
No segundo semestre de 2018, no dia 02 de agosto, escolas de todo Brasil se
mobilizaram para discutir e contribuir com a Base Nacional Comum Curricular,
especificamente, na etapa do Ensino Médio. Essa mobilização envolveu professores, gestores e
técnicos da educação, que criaram comitês de debate e preencheram um formulário online, onde
sugeriram melhorias ao documento. Então, em 14 de dezembro de 2018, o ministro da
Educação da época, Rossieli Soares, homologou a BNCC para a etapa do Ensino Médio. E a
partir de então, o Brasil passou a possuir uma Base Comum com as aprendizagens previstas
para toda a Educação Básica30.

30
Compilamos todas essas informações para que ficasse mais fácil de você enxergar o passo a passo para o
desenvolvimento e para a homologação de cada parte da BNCC. Tiramos todas estas informações do site do MEC
na parte voltada à Base. Fique à vontade se quiser visitar o site e conferi-las.
56

Na BNCC homologada em 2018, afrodescendentes surgem em alguns tópicos, numa


história que é recuperada na perspectiva da sociedade dominante, de forma que, a discussão e
eventual combate a temas como o racismo e exclusão social não se incluem entre os temas e
objetivos do Ensino de História. Encarada como conhecimento meramente formal, a História
perde sua função mais expressiva como disciplina formadora de cidadãos (ABUD, 2017, p. 24).
Pela primeira vez no Brasil temos um documento normativo que orienta sobre o que
deve ser feito, obrigatoriamente em todas as escolas no país, por exemplo, em relação às
habilidades contidas no documento que supostamente foram decididas de forma ampla e
democrática31.
À exceção dos grupos ligados ao movimento Escola sem Partido, cujas patologias
discursivas não serão objeto deste texto, três grandes linhas de opiniões sobre a BNCC têm
dominado os debates: as que questionam a própria existência da Base; as que questionam
aspectos específicos do texto, mas entendem ser necessário definir uma BNCC; e as que
celebram a Base e o seu processo de construção. Com efeito, dirão alguns, essa é a tensão
inescapável dos debates sobre o currículo, a disputa pela hegemonia das narrativas escolares.
O discurso celebratório dos grandes entusiastas da BNCC — o MEC e institutos e
fundações empresariais como a Lemann — tem sido acompanhado por uma série de dados que
comprovariam as virtudes democráticas do processo de construção da Base, notadamente as 12
milhões de contribuições oriundas da consulta pública32 on-line à primeira versão do
documento, coletadas entre outubro de 2015 e março de 2016.
Ao mesmo tempo, entidades científicas como a Associação Nacional de Pós-Graduação
e Pesquisa em Educação e a Associação Brasileira de Currículo, para citar apenas dois
exemplos, insistem que o processo de construção da Base “subalterniza o diálogo com as
comunidades escolares” (ANPEd, 2014) e a ausência de uma “efetiva discussão democrática
do que poderia ser uma base nacional curricular inclusiva, respeitosa e plural” (ABdC, 16 set.

31
Um tanto quanto questionável essa ideia se “democrático”. Link para matéria:
https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/Participa%C3%A7%C33Ao-e-participacionismo-na–
constru%C3%A7%C33Ao-da-Base-Cumum-Curricular.
32
Durante o primeiro período de consulta pública, previsto para ocorrer entre outubro de 2015 e março de 2016, a
primeira versão mobilizou mais de 12 milhões de contribuições (BRASIL, 2017b, p. 5), todavia dividiu os
profissionais da educação em, ao menos, dois grandes grupos: os que são contrários à existência de uma base
nacional e aqueles que são favoráveis ao currículo comum nacional. Nesse cenário de embates, a Base foi alvo de
inúmeras críticas, em especial, relacionadas ao componente curricular História, o último componente a ser
divulgado para consulta. Além dos posicionamentos de historiadores atuantes na Educação Básica e,
principalmente, no Ensino Superior, houve também manifestações contrárias do ex-ministro da educação, Renato
Janine Ribeiro, e de outras personalidades, alcançando publicidade em jornais, revistas e sites de ampla divulgação
como O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e O Globo. Sem pretender recuperar o conjunto desses
apontamentos, assinalam-se algumas críticas relativas à primeira versão.
57

2017). A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e a


Associação Brasileira de Currículo (ABdC), através de Ofício em novembro de 2015,
publicaram uma avaliação da Base classificando-a como “problemática e imprópria para as
finalidades a que se destina” (ANPEd; ABdC, 2015, p. 1).
O mesmo Ofício denunciou a posição do MEC na condução dos debates, indicando que
o Ministério tem privilegiado um “projeto unificador e mercadológico na direção que apontam
as tendências internacionais de uniformização/centralização curricular + testagem em larga
escala + responsabilização de professores e gestores” (ANPEd, 2014, p. 2). O documento
colocou-se contrário à metodologia de construção da Base, indicando que ela foi guiada pela
pressa, com debates minimizados, participações reduzidas a seminários de audiência muda e
consultas eletrônicas para a legitimação de um processo sem roteiro definido33.
Em fevereiro de 2016, o GT de História da África da Anpuh e a Associação Brasileira
de Estudos Africanos (ABE-África) manifestaram-se contrários à Base. Segundo a nota
coletiva, a primeira versão parece desconsiderar os conhecimentos apresentados por uma
historiografia contemporânea internacional, inclusive africana e brasileira sobre África, crítica
à perspectiva eurocêntrica, sobretudo no que se refere à abordagem das sociedades africanas
que privilegia as noções de estado e formações políticas centralizadas e hierarquizadas.
A nota apontou que, ao excluir algumas temporalidades e privilegiar os processos
históricos localizados entre os séculos XVI e XIX, a Base promove uma visão reducionista da
História da África em duas dimensões relacionadas, geográfica e temática, tratando da África
pelas relações estabelecidas por meio dos nexos com a História do Brasil, isto é, uma África
restrita aos espaços de intervenção de portugueses e brasileiros e, notadamente, ao tema do
tráfico de escravos (ANPUH; ABE-África, 2016).
Outros manifestos, notas, cartas e textos diversos poderiam ser arrolados a fim de expor
um levantamento detalhado das críticas à primeira versão da BNCC, assim como um estudo
mais aprofundado demandaria considerar as manifestações em apoio ao texto da Base, tanto ao
documento em geral como no item relativo ao ensino de história (ROCHA; PEREIRA, 2016).

33
A ANPEd lançou a campanha Aqui já tem currículo no intuito de demonstrar que os professores já praticam
currículos plurais e não foram ouvidos pela Base. Para outras críticas gerais sobre o documento, ver:
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO (ANPAE). Comentários
iniciais para a discussão do documento preliminar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Goiânia, 2 nov.
2015. Disponível em: https://www.anpae.org.br/website/ documentos/ANPAE-Doc-Preliminar-de-analise-da-
BNCC-02-11-2015.pdf. Acesso em: 27 out. 2018; CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE TRABALHADORES
EM EDUCAÇÃO (CNTE). Considerações da CNTE sobre o Projeto de Base Nacional Curricular, elaborado
preliminarmente pelo MEC. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 9, n. 17, p. 411-420, jul./dez. 2015.
58

Dito isso, cabe considerar a referida polêmica que consiste, basicamente, na ausência
dos conteúdos de Antiga e Medieval na proposta, afinal, como ressalta Flávia Caimi: “a tarefa
de construir uma base curricular comum para o conhecimento histórico escolar implica trazer
ao âmbito do debate público as disputas em torno de ideias quanto ao que, do passado, é válido
e legítimo ensinar às novas gerações” (CAIMI, 2015 apud CAIMI, 2016, p. 88).
O Brasil possui 208 milhões de habitantes, em dados projetados de 2017, e 2,2 milhões
de professores nas redes públicas e privadas do País (Censo Escolar 2016). Há um problema de
escala na afirmação de que as contribuições à consulta pública sobre a BNCC seriam
numericamente iguais a 5,8% da população brasileira. É como se cada professor atuante no
Brasil contribuísse mais de cinco vezes com a consulta.
O cadastro no Portal da Base podia ser feito em três categorias: “indivíduos”,
“organizações” e “escolas”. Para a categoria “indivíduo”, não há dados disponíveis que
permitam saber a quantidade de “indivíduos” que são professores, nem mesmo estimar a
quantidade de professores que contribuíram com a consulta por meio da categoria “escolas”. A
menção do ex-secretário a 1 milhão de professores que teriam participado do processo também
padece de um problema de escala: a assunção de que 45% dos professores atuantes no Brasil
teriam participado da consulta pública é claramente inverossímil.
A BNCC elaborada em 2015 responde tanto aos interesses neoliberais, quanto aos
interesses progressistas, constituindo documento mais equilibrado em relação a versões
posteriores, pois, as versões posteriores foram uma virada no sentido do neoliberalismo34. A
BNCC e a lógica empresarial aplicada à educação constituem uma ameaça à democratização
no ensino de História. Claudia Piccinini (2017), professora da UFRJ que vem estudando os
interesses privados por trás da discussão da BNCC, acredita que o documento implementado
no país deve reforçar a hegemonia de uma concepção de educação que relaciona qualidade do
ensino com as necessidades do mundo do trabalho. “Quando lemos o texto da Base, o tempo
inteiro, o que justifica sua formulação é a necessidade de ampliar a qualidade do sistema
educacional brasileiro e com equidade, garantir acesso.
Mas tudo isso está vindo sem uma contrapartida financeira. O Brasil não está cumprindo
as metas do Plano Nacional de Educação. Então, essa ideia de qualidade, na verdade, é uma
grande interrogação”, observa Piccinini, para logo em seguida completar: “O que a gente tem

34
É inevitável não falar de um neoliberalismo do currículo da BNCC. Pesquisadores da área, na obra Política
Curriculares e financeirização da vida: elemento para uma agenda investigativa, trazem a discussão da
neoliberalização do currículo da BNCC, em que evidencia a financeirização da educação. O qual culmina com
uma publicação em 2018, da BNCC sob o governo Temer que é profundamente marcado pelo neoliberalismo.
Assim como as políticas que o governo Temer assumiu.
59

de concreto é o conceito de qualidade preconizado pelos documentos da Organização para a


Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE35, do Banco Mundial, e também em
documentos do empresariado brasileiro, como a Confederação Nacional da Indústria, que
defendem que a qualidade na educação está diretamente ligada ao aumento na produtividade no
trabalho como forma de ampliar a competitividade na indústria, nos serviços”. “O que nós
percebemos nesse processo é que a BNCC foi incorporando as bandeiras do movimento
empresarial” (PICCININI, 2017, n.p.).
No foco das disputas está o movimento de um dos partidos, reconhecido como
Movimento pela Base Nacional Comum (MPB),36 na colaboração para a construção do
currículo nacional. Identificamos que os articuladores do Movimento são organizações do
terceiro setor37 e instituições privadas, representantes de banqueiros e empresários (como a
Fundação Lemann), com grande articulação com políticos e acadêmicos. Para efeito desta
análise, é válido trabalhar com a caracterização de que o documento, em suas diferentes versões,
sintetiza interesses plurais de grandes grupos empresariais, dentre os quais muitos
multinacionais, sendo grande parte de matriz nacional.

A Base Nacional Comum Curricular define os conhecimentos e habilidades essenciais


que todos os estudantes brasileiros têm o direito de aprender, ano a ano, durante sua
trajetória na Educação Básica. Adotar uma base curricular comum é fundamental para
reduzir as desigualdades educacionais de uma nação. Ao definir o que é essencial ao
ensino de todos os alunos em cada uma das etapas da vida escolar, as expectativas de
aprendizado e critérios de qualidade ganham transparência e podem ser aplicadas e
cobradas com maior eficiência (MOVIMENTO PELA BASE NACIONAL COMUM,
2016, n.p.).

André Antunes, em uma reportagem no site da EPSJV/Fiocruz (2017), traz em questão


sobre a quem realmente interessa a BNCC. Especialistas em educação apontam que a terceira
versão do documento aprofunda a sintonia entre a Base Nacional Comum Curricular e as
formulações defendidas por fundações e institutos empresariais que prestam serviços para a
educação pública. A capacidade de articulação é um ponto forte do Movimento pela Base. As

35
A OCDE é a sigla para Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, na sigla em
inglês), um órgão internacional composto por 37 países que trabalham juntos para compartilhar experiências e
buscar soluções para problemas comuns. A OCDE é responsável pelo Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), voltado para estudantes a partir do 8º ano do ensino fundamental na faixa
etária dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países.
36
Apesar de não ser novo o movimento em prol de um currículo nacional, discussão que foi iniciada na década de
1970, as autoras afirmam que nunca houve um movimento com tanta força e com tantos atores envolvidos no
processo. O Movimento pela Base Nacional Comum (MPB) seria, portanto, o principal ator dessa reforma.
Disponível em: http://movimentopelabase.org.br/. Acesso em: ago. 2022.
37
O terceiro setor é o conjunto de atividades desenvolvidas em favor da sociedade, por organizações privadas
não governamentais e sem o objetivo de lucro, independentemente dos demais setores (Estado e mercado) –
embora com eles possa firmar parcerias e deles possa receber investimentos (públicos privados).
60

organizações ligadas ao empresariado, juntando-se também por meio de diversos programas,


figuram com destaque entre seus integrantes. A estas empresas, juntam-se também
organizações não governamentais que atuam em diversas esferas do campo educacional, em
especial na educação pública, como as amplamente conhecidas Fundação Cesgranrio, Instituto
Ayrton Senna, Fundação Lemann, Fundação Roberto Marinho, Instituto Natura, Instituto
Unibanco, Itaú Social. Destaque à Organização Social “Todos Pela Educação”, expoente
ideológico do empresariado contemporâneo que busca dirigir a educação pública, precursora e
que figura no Movimento pela Base38.
Claudia Piccinini, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que
fez estudos sobre os interesses privados por traz da discussão da BNCC, acredita que o
documento publicado em 2017 no país reforçou a hegemonia de uma concepção de educação
que relaciona qualidade do ensino com as necessidades do mundo do trabalho. Observa
Piccinini: “O que a gente tem de concreto é o conceito de qualidade preconizados pelos
documentos da OCDE, do Banco Mundial” e, em seguida completa “e, documentos do
empresariado brasileiro, como a Confederação Nacional da Indústria que defendem que a
qualidade na educação está diretamente ligada ao aumento na produtividade do trabalho como
forma de ampliar a competitividade na indústria, nos serviços.” (PICCININI, 2017. P. 11).
Além dessas, constam também outras organizações como prestadoras de serviços
pedagógicos, como CENPEC39, Comunidade Educativa CEDAC40 e o Grupo Mathema, de
acadêmicas da PUC-SP41, especializadas em educação matemática. Destacamos desse rol de
organizações de serviços pedagógicos o Laboratório de Educação, vinculado ao Grupo Carioca,
que por sua vez realiza ações sociais em “comunidades”. Este ‘Laboratório’ funciona com o

38
A capacidade de articulação é um ponto forte do Movimento pela Base. As organizações ligadas ao
empresariado, e que atuam na educação pública por meio de diversos programas, figuram com destaque entre seus
integrantes: além da Fundação Lemann, participam representantes do Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura,
Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Instituto Unibanco, Fundação Itaú Social, Fundação Roberto Marinho,
Fundação SM e Itaú BBA, entre outras. A União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e o
Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed) representam os gestores da educação no Movimento,
que conta também com a participação de parlamentares, como Alex Canziani e Thiago Peixoto (PSD-TO).Outro
grupo importante de instituições participantes do movimento são as organizações prestadoras de serviços
pedagógicos como o Centro de Estudos, Pesquisas, Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), a
Comunidade Educativa Cedac e o Laboratório de Educação, todas financiadas por grandes grupos econômicos,
como Itaú Unibanco, Bradesco, Santander, Votorantim e Carioca Engenharia.
39
O CENPEC – Centro de Estudos, Pesquisas, Educação, Cultura e Ação Comunitária - é financiado por grupos
empresariais como Itaú, Itaú Unibanco e Bradesco, e com instâncias do governo federal e estadual.
40
Organização que tem como linha de ação apoio a escolas públicas, prestando consultoria pedagógica a diversas
prefeituras dos estados do espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Pará. A organização é financiada por grupos
empresariais diversos, como o Banco Santander e o Grupo Votorantim.
41
Produzem livros, cadernos e textos em publicações especializadas em parcerias com outras editoras e prestam
consultoria pedagógica a escolas, redes de ensino e professores.
61

apoio de outra série de empresas de considerável peso político e econômico42 e tem parceria
com organizações com fins “sociais”: a própria Comunidade Educativa CEDAC, a ONG
multinacional Ashoka, o Centro Ruth Cardoso, o Instituto Arapyaú, o Instituto Arredondar e O
Polen.
A perspectiva política e ideológica, pode-se apontar a existência de um certo currículo
oculto43. Do ponto de vista estrutural, os autores do campo do Ensino de História, que seguem
linhas teóricas críticas e pós-críticas compreendem a versão homologada da BNCC como uma
atualização das teorias tradicionais do currículo, onde não se reconhece uma dimensão do
campo curricular a articulação entre currículo – relações de poder – política. Porém, à medida
que os contextos políticos no Brasil mudam, alterações são feitas nas propostas curriculares
visando a formação de um cidadão que atenda aos interesses governamentais do momento
(BITTENCOURT, 2008. P. 301).
O discurso das habilidades e competências foi apropriado pela lógica neoliberal a tal
ponto que, na última versão da BNCC, a noção de competência aparece como sendo a
mobilização e aplicação dos conhecimentos escolares para resolver demandas ligadas à
cidadania e ao mundo do trabalho em situações práticas44. Sobre as habilidades e competências
aprofundamos um pouco mais à frente.
Assim, a educação pode acabar sendo reduzida ao seu uso pragmático e à aquisição de
conteúdos para finalidades imediatas. A escola se transforma em uma prestadora de serviços
como outra qualquer. Aliás, Michael Apple (1999) alerta que, no caso dos Estados Unidos e da
Inglaterra, a ideia de um “currículo nacional” está enraizada nos interesses de grupos da
chamada direita neoconservadora orientada pela ideologia neoliberal45:

42
O Laboratório, além de apoiado financeiramente pelo Instituto João e Maria Backheuser, do Grupo Carioca.
(Fonte: http://www.cariocaengenharia.com.br/v3/?page_id=51)
43
Na perspectiva da teoria crítica, o currículo oculto é constituído por atitudes, comportamentos e valores que não
estão explicitados no currículo oficial e conduzem os estudantes a se ajustarem às estruturas sociais injustas e
muitas vezes antidemocráticas do mundo contemporâneo. O currículo oculto pode veicular valores como o
individualismo, o consumismo, o conformismo e a obediência dócil às hierarquias sociais. (Cf. SILVA, 1999).
44
À época da divulgação da BNCC do Ensino Médio, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação (ANPED) divulgou um documento em seu site oficial no qual aproxima a noção de aprendizagem
baseada em competências presente no documento curricular ao movimento de mercantilização da educação: “a
ênfase na aprendizagem para desenvolver competências, sabemos, está articulada com as políticas que o Banco
Mundial e outros organismos internacionais vêm desenvolvendo nos últimos tempos, e tem a ver com pensar a
escola como se fosse uma empresa. Se o produto da empresa escolar são estas aprendizagens, ela tem que ser
medida e avaliada principalmente pelos seus resultados. Não há uma preocupação com a formação integral do
estudante, com um desenvolvimento omnilateral dessas novas gerações. Pelo contrário: se trata de um
desenvolvimento estreitamente ligado à inserção produtiva das novas gerações” (Cf. ANPED, 2014).
45
O Michael Apple define da seguinte forma a tensão entre neoconservadorismo e neoliberalismo própria da Nova
Direita: “o neoliberalismo defende um Estado fraco. Uma sociedade que deixa a ‘mão invisível’ do livre mercado
guiar todos os aspectos de suas interações sociais é vista não só como eficiente, mas também como democrática.
Por outro lado, o neoconservadorismo orienta-se pela visão de um Estado forte em certas áreas, sobretudo, no que
62

Uma nova aliança foi constituída, e vem tendo sua influência nas políticas
educacionais e sociais aumentadas. Esse bloco de poder associa o mundo dos
negócios, a Nova Direita e os intelectuais neoconservadores. Seus interesses
concentram-se muito pouco na melhoria das oportunidades de vida das mulheres, das
pessoas de cor ou da classe trabalhadora. Em vez disso, está empenhado as condições
educacionais tidas como necessárias para não só aumentar a competitividade
internacional, o lucro e a disciplina, mas também para resgatar um passado
romantizado de lar, família e escola “ideais” (APPLE, 1999, p. 66-67).

De acordo com Flávia Caimi (2016), na ausência de uma política curricular nacional,
nos últimos anos, foram os livros didáticos e os sistemas apostilados que, muitas vezes,
estabeleceram o que seria ensinado nas aulas de História, quase como se houvesse uma espécie
de “currículo editado” ligado aos interesses políticos e econômicos do mercado editorial.
É sabido, entretanto, que paralelamente ao avanço da retórica da “crise causada pela
ineficiência do Estado” e da necessidade da parceria público-privada, vários atores, sobretudo
da esfera privada, trazem a narrativa da necessidade de um novo trabalhador pelo mercado.
Maria Helena Guimarães de Castro, do Grupo Abril, sintomaticamente, aponta essa
perspectiva:

Em uma pesquisa recente realizada pelo MEC, sobre o que o mercado de trabalho
esperava dos alunos ao final do Ensino Médio de cursos profissionalizantes, revelou-
se que as empresas querem que esses estudantes tenham domínio de Língua
Portuguesa, saibam desenvolver bem a redação e se comunicar verbalmente. Esta
é uma das competências gerais que o ENEM procura avaliar e que a Reforma do
Ensino Médio procura destacar. Em segundo lugar, os empresários querem que os
futuros trabalhadores detenham os conceitos básicos de matemática e, em
terceiro lugar, que tenham capacidade de trabalhar em grupo e de se adaptar a
novas situações. Portanto o que os empresários estão esperando dos futuros
funcionários são as competências gerais que só onze anos de escolaridade geral
podem assegurar (CASTRO apud FRIGOTTO E CIAVATA, 2003, p.109, grifos
nossos).

Entretanto, destacamos que embora o discurso da Base se apresente em diversos


aspectos como uma continuidade das políticas ditadas a partir da década de 1990 – tendo em
vista que reproduz muito das suas ideologias, como a concepção salvacionista da educação,
melhorar a qualidade, assegurar a equidade, dentre outas, as ressignificando para apenas
reeditar as suas promessas desmentidas pela realidade antes da virada do século XXI –, é preciso
destacar que a BNCC traz à tona novos paradigmas, embora não estejam apartados das políticas
antecedentes.

se refere à política das relações com o corpo, gênero e raça, a padrões, valores e condutas e ao tipo de conhecimento
que deve ser transmitido às futuras gerações” (APPLE, 2011, p. 82-83).
63

Considerando que as políticas ditadas pelos organismos internacionais já inseriam os


“valores e atitudes” nos componentes essenciais da Educação Básica, a BNCC não pode ser
entendida como descontinuidade, mas como um refinamento das bases ideológicas e
educacionais compatíveis com as necessidades atuais do capital e com a formação do
trabalhador desejado, além da manutenção da tão imprescindível coesão social necessária ao
bom funcionamento do mercado.

Na linha propositiva e de intervenção da qual não se afastou nos anos subsequentes, e


coerentemente com as diretrizes formuladas para a educação da classe trabalhadora
no âmbito do capital-imperialismo, a Confederação Nacional da Indústria (CNI)
enfatiza, atualmente, o caráter comportamental a ser priorizado na educação, em
detrimento da apropriação das bases do conhecimento científico e tecnológico, tendo
em vista a empregabilidade dos trabalhadores: “São valorizadas competências que vão
além dos conhecimentos científicos e tecnológicos e incluem habilidades básicas,
específicas e de gestão, atitudes relacionadas à iniciativa, criatividade, solução de
problemas e autonomia” (RUMMERT; ALGEBAILE; VENTURA, 2013, p. 722).

As competências socioemocionais parecem ser fundamentais para a formação do


trabalhador desejado hoje pelo mercado, atendendo aos interesses neoliberais, resultando, em
alguns aspectos, na necessidade de mudanças educacionais compatíveis com as mudanças no
regime de acumulação de capital, tendo em vista que está inequivocamente relacionada à
manutenção da ordem social e ao apaziguamento de insatisfações da classe trabalhadora. O
texto da BNCC, em uma de suas competências, caminha nessa dimensão:

10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade,


resiliência e determinação, tomando decisões, com base nos conhecimentos
construídos na escola, segundo princípios éticos democráticos, inclusivos,
sustentáveis e solidários (BRASIL, 2017, p.19).

É imprescindível frisar que a organização da BNCC em competências gerais e


específicas, assim como a determinação e inclusão explícita das competências socioemocionais
é um dos – senão o mais gritante – rompimento com as duas versões anteriores46. Sabemos que
a organização em competências gerais garante a inserção das competências socioemocionais
que aprofundam o individualismo, a meritocracia e a culpabilização do trabalhador por não
conseguir se inserir no mercado de trabalhado.
Dessa forma no Brasil, a inserção do modelo de competências na organização curricular
está calcada na matriz teórico-conceitual do funcionalismo, tende a um caráter pragmatista,

46
Organização do documento sofre alterações significativas estando somente a terceira versão organizada na forma
de competências e habilidades. Para maior detalhamento ver Andrade e Piccinini (2017) e Piccinini, Neves e
Andrade (2017).
64

utilitarista, imediatista e de adaptabilidade à realidade do contexto social. Segue a lógica do


mercado de trabalho, exigindo resultados e eficiência que sejam demostrados a partir de
atividades bem definidas e desempenhos traduzidos em ações específicas. Essa tendência
poderá ter seu curso desviado a partir das reflexões profundas sobre as matrizes teórico-
conceituais na organização curricular por competências e dos reais objetivos educacionais e de
cidadania que se deseja alcançar.
Segundo Popkewitz (1997, p. 21) evidencia, a realidade o ensino por competências
parece responder à globalização em curso, à nova ordem econômica mundial, visando criar uma
hegemonia ideológica conservadora. Tratando-se mais de um instrumento para realizar a
regulação social. No Brasil, por exemplo, com uma formação social baseada na exclusão dos
negros, das mulheres e dos mais pobres das agendas decisórias, assiste-se uma reapresentação
de práticas conservadores de “enfrentamento” à pobreza – geralmente atribuindo a culpa da
miséria brasileira aos moradores das “favelas”. Esse contexto ajuda a explicar a simplificação
e o reducionismo de uma linguagem que restringe o tratamento dos problemas (no caso, a
manutenção da ordem pública) a uma guerra contra atividades que perturbam o prosseguimento
rotineiro da vida social. (SILVA, 2010, p. 293).
Quanto a isso, cabe lembrar que uma das bases das “teorias tradicionais do currículo”,
surgidas na primeira metade do século XX nos EUA, é, precisamente, a analogia entre a escola
e a empresa. Portanto, a ênfase recai sobre os métodos a serem empregados para o alcance dos
objetivos e a garantia da qualidade da produção. O currículo se resume, desse modo, a uma
questão de organização dos conteúdos. Acredita-se que é por ter uma orientação tecnicista que
a BNCC não se detenha de maneira satisfatória na reflexão sobre os sentidos para estudo da
disciplina como faziam, por exemplo, os PCN.
Embora não seja possível estabelecer uma relação mecânica e simplista entre o mercado
educacional e a BNCC, sem dúvida, os interesses políticos e econômicos desse lucrativo
mercado são uma das forças em disputa nesse território contestado que é o currículo. Ao se
considerar o diagnóstico de André Machado e Maria Rita Toledo (2017), em recente publicação
patrocinada pela ANPUH, torna-se possível compreender que o ano de 2016 colocou em xeque
não apenas a democracia no Brasil, mas também a concepção de História como uma disciplina
socialmente reconhecida.
De modo mais incisivo, na interpretação exposta neste capítulo, a versão homologada
da BNCC do Ensino Fundamental desperdiçou a oportunidade de uma reforma mais profunda
na concepção de História ensinada nas escolas. Na contramão do que estava sendo proposto
pelas primeiras comissões que mobilizavam o projeto de ensino cujo eixo norteador era mais
65

temático e tinha como ponto de partida aquilo que está mais próximo de seu público (História
do Brasil, História da África e História indígena), ao fim e ao cabo, o que aconteceu foi um
reforço da perspectiva eurocêntrica e cronológica. Na versão final do documento, o pensamento
histórico ou a “atitude historiadora” parecem ter sido reduzidos aos processos metodológicos
de identificação, comparação, contextualização, interpretação e análise. A contextualização,
por exemplo, é resumida ao simples gesto de saber localizar momentos e lugares específicos de
um evento para evitar o anacronismo:

A contextualização é uma tarefa imprescindível para o conhecimento histórico. Com


base em níveis variados de exigência, das operações mais simples às mais elaboradas,
os alunos devem ser instigados a aprender a contextualizar. Saber localizar momentos
e lugares específicos de um evento, de um discurso ou de um registro das atividades
humanas é tarefa fundamental para evitar atribuição de sentidos e significados não
condizentes com uma determinada época, grupo social, comunidade ou território.
Portanto, os estudantes devem identificar, em um contexto, o momento em que uma
circunstância histórica é analisada e as condições específicas daquele momento,
inserindo o evento em um quadro mais amplo de referências sociais, culturais e
econômicas (BRASIL, 2017, p. 399).

Pela BNCC, nos anos finais do Ensino Fundamental, o processo de ensino e


aprendizagem da História deve ser pautado apenas por três procedimentos básicos, a saber:

1) Identificação de eventos considerados importantes na História do Ocidente,


ordenando-os de forma cronológica e localizando no espaço geográfico; 2)
Desenvolvimento das condições para que os alunos analisem e compreendam os
documentos históricos registrados em vários tipos de linguagem; 3) Reconhecer a
possiblidade de diversas interpretações de um mesmo fenômeno, avaliando as
hipóteses para a elaboração de suas próprias proposições (BRASIL, 2017, p. 414).

Em texto recente, a historiadora Kátia Abud observou, ainda, que do ponto de vista da
periodização e da seleção da listagem de conteúdos, a BNCC está muito próxima dos programas
de ensino vigentes no país em 1915 e 1931, pois toma a “História Antiga” como ponto de partida
único para o estudo da disciplina, “apesar das orientações inovadoras, fundamentadas na
moderna Psicologia da Educação, que recomenda que se inicie com o que é próximo do aluno,
pois ele terá melhor compreensão” (ABUD, 2017, p. 22).
Não existe, na literatura que aborda a base Nacional Curricular Comum, nada que deixe
explícito na política curricular sobre as Religiões Afro-brasileiras ou sobre o Ensino de História
e Cultura Afro-brasileira. Houve debates contrários e a favor, porém não se tinha uma discussão
aprofundada sobre essa questão.
Considera-se que a institucionalização da obrigatoriedade dessa temática é uma política
curricular de afirmação da população negra e é também um referencial na luta por uma educação
66

antirracista47 no Brasil. A BNCC vem sendo discutida desde 2013, em meio a muitas críticas,
que se aprofundaram com sua homologação, em 2017, atravessadas por um conjunto de
acontecimentos, distanciando a maioria dos pesquisadores que estavam no primeiro momento.
Essa discussão integrou a 3ª versão produzida da BNCC. Cabe ressaltar que existe uma 4ª
versão que incorpora o Ensino Médio, no entanto, não é o enfoque deste trabalho, no entanto,
a parte da educação infantil e do ensino fundamental é a mesma, agregando apenas o ensino
médio. Essa terceira versão é homologada, trazendo um traço muito forte das fundações
empresariais, uma fala centrada desses representantes, bem como da versão do governo naquele
momento.
Diante do quadro exposto, os professores podem manifestar sua resistência no chão da
escola. Isto é, o currículo é um discurso cujo significado precisa ser interpretado e atualizado
pelos docentes. Sendo assim, existe uma certa margem de atuação no cotidiano da sala de aula
na qual será possível expressar uma prática de ensino de História voltada para a cidadania e não
para o tecnicismo dos valores empresariais de mercado. Isso significa, como bem apontado por
Nilton Pereira e Mara Rodrigues (2018), questionar a clivagem entre o passado histórico48 e o
passado prático49 que o recorte da versão homologada da BNCC parece reforçar, ao optar pelo
quadripartismo histórico50:

[...] a história proposta pela terceira versão da BNCC uma busca anódina por
explicação e compreensão de um “passado histórico”, sem considerar os efeitos das
narrativas, as lutas em torno delas e os usos do passado que impõem a perspectiva de
um “passado prático”, atenta ao elemento ético-político do ensino. Verifica-se que a
aula de história foi cada vez mais esvaziada do seu potencial crítico em relação às
identidades dominantes e/ou tradicionais e do seu papel de construção/reconstrução
da memória. É dessa forma que as listas de conteúdos e competências apresentadas
para o ensino fundamental, apesar de incluírem tópicos alusivos às histórias de negros
e indígenas, não denunciam as marcas de sua invisibilização e silenciamento, muito
menos aquelas que atingem os movimentos LGBT, os quilombolas etc. (PEREIRA;
RODRIGUES, 2018, p. 13).

47
“Uma Educação antirracista é aquela que entende que vivemos em uma sociedade racista, em que as relações
entre as pessoas são pautadas também a partir do lugar social e racial que elas ocupam, e se preocupa em preparar
indivíduos que possam se colocar contra esse sistema, gerador de maior desigualdade”.
48
“O passado histórico é uma construção de ordem teórica, que existe somente nos livros e nos artigos dos
historiadores: é construído como um fim em si mesmo, possui pouco ou nenhum valor para entender ou explicar
o presente e não fornece nenhum guia para atuar no presente ou prever o futuro” (WHITE, 2014, p. 20).
49
O passado prático refere-se à compreensão do passado experimentado no transcorrer da vida diária e às quais se
recorre para orientação em situações do campo prático que envolvem desde questões éticas pessoais até o
engajamento em programas políticos: “é o passado da memória, do sonho e do desejo, assim como da resolução
dos problemas, das estratégias e das táticas para a vida, seja pessoal, seja coletiva” (WHITE, 2014, p. 19).
50
“A opção pela lista de conteúdos tornou a BNCC muito próxima de uma história sem corpo e sem política, uma
vez que estabelece conteúdos considerados ‘canônicos’ e obrigatórios ao conhecimento dos estudantes das novas
gerações. Essa ideia supõe que determinados conteúdos são indispensáveis, mas, ao mesmo tempo, não
problemáticos e com pouco ou nenhum sentido em relação ao tempo presente” (PEREIRA; RODRIGUES, 2017,
p. 41).
67

Ao mesmo tempo em que a BNCC pretende não se apresentar como o currículo a ser
adotado de forma homogênea em todo o extenso território nacional brasileiro, há afirmações no
próprio documento que acenam para o contrário.

Referência nacional para a formulação dos currículos dos sistemas e das redes
escolares dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das propostas
pedagógicas das instituições escolares, a BNCC integra a política nacional da
Educação Básica e vai contribuir para o alinhamento de outras políticas e ações, em
âmbito federal, estadual e municipal, referentes à formação de professores, à
avaliação, à elaboração de conteúdos educacionais e aos critérios para a oferta de
infraestrutura adequada para o pleno desenvolvimento da educação. (BRASIL,
2018, p. 8)

O documento é enfático quando diz ser o balizador de elementos decisivos na educação,


como na formação de professores, na avaliação e na elaboração de conteúdos educacionais. É
interessante destacar que estes são campos de interesse de agências privadas, que oferecem
serviços que abarcam estes três elementos, entre outros, por meio de orientações educativas
sobre competências, como aqueles disponíveis no site do “Movimento pela Base Nacional
Comum”51, apoiado pela Fundação Lemann, Revista Nova Escola, Instituto Inspirare, entre
outras instituições. Esse documento não deve ser colocado como currículo, a política de
estabelecer uma base nacional e comum para os currículos produz, sim, um significado de
currículo e é por isso que algumas instituições, pessoas e grupos estão atendendo a BNCC como
um conjunto de conteúdos prontos que precisam ser adquiridos e aplicados à sua realidade. “Os
chamados pacotes de conteúdos para dar conta dessa aplicação”.

51
Para maiores informações sobre a cooperação entre as instituições em torno do movimento, indicamos o acesso
a: http://3movimentopelabase.org.br/quem-somos/
68

2 TRADIÇÕES RELIGIOSAS DE MATRIZES AFRICANAS NA BNCC: ENTRE O


NORMATIVO E A PERCEPÇÃO DOCENTE

A religião é uma instituição social por estar presente na sociedade ao longo da história
da humanidade. Compondo o meio social, faz parte da cultura consistindo assim em um sistema
de símbolos que propiciam intensas motivações e experiências sociais. Segundo Geertz (2008),
o conceito de religião está ligado ao conceito de cultura como:

Um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporado em símbolos, um


sistema de concepções herdadas expressas em forma simbólicas por meio das quais
os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades
em relação à vida (GEERTZ, p. 103, 2008).

O Brasil é multicultural, composto por diversas formas de organização social em


diferentes grupos. Podemos observar essa diversidade e suas variações, por exemplo, no campo
religioso. Porém, é possível perceber uma discriminação mascarada ou simplesmente negada.
Principalmente no ambiente escolar, lugar que deveria ser um espaço aberto para o debate sobre
a diversidade cultural que faz parte da história da formação do nosso país.
De acordo com o dicionário de conceitos históricos, a palavra “religião vem de religare,
termo latino que originalmente se referia a qualquer conjunto de regras e interdições”. É algo
que liga o ser humano ao sagrado, segundo Geertz. Estudiosos da religiosidade sabem que a fé
nasce da participação dos cultos coletivos. Eles permitem ao que crê se reaquecer moralmente,
vivenciando a fé como calor, vida e o entusiasmo que transportam o indivíduo para além de si
mesmo, como já escreveu Émile Durkheim, (1996).
A BNCC é um documento curricular oficial proposto para embasar os currículos nos
diversos municípios e estados do Brasil. Nesse sentido, observamos como sua construção e
narrativa destacam diferentes questões quanto às diversidades, em especial no que tange às
religiões de matrizes africanas. O texto considera as temáticas específicas e descreve alguns
aspectos no documento, ainda que de forma superficial, de forma mais presente na
apresentação.

A BNCC expressa o compromisso do Estado brasileiro com a promoção de uma


educação integral voltada ao acolhimento, ao reconhecimento e desenvolvimento
pleno de todos os estudantes, com respeito às diferenças e enfrentamento da
discriminação. (BNCC, 2017, p. 5).
69

Em seguida, o documento cita todas as áreas temáticas, inclusive a educação para as


relações étnico-raciais, educação ambiental, em termos de reflexões e legislações, exceto a
questão de gênero, que foi retirada completamente do documento.

(...) educação das relações étnico-raciais e ensino de história e cultura afro-brasileira,


africana e indígena (Leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008, Parecer CNE/CP nº 3/2004 e
Resolução CNE/CP nº 1/2004. Na BNCC, essas temáticas são contempladas em
habilidades dos componentes curriculares, cabendo aos sistemas de ensino e escolas,
de acordo com suas especificidades, tratá-las de forma contextualizada. (BNCC, 2017,
p. 19).

Quando analisamos o texto para o período que remete à educação infantil, percebe-se
que, apesar de não ter nada específico, o documento afirma que a instituição precisa conhecer
e trabalhar com as culturas plurais, dialogando com a riqueza, com a diversidade cultural das
famílias e comunidades, isto de forma ampla.

Nessa direção, e para potencializar as aprendizagens e o desenvolvimento das


crianças, a prática do diálogo e o compartilhamento de responsabilidades entre a
instituição de Educação Infantil e a família são essenciais. Além disso, a instituição
precisa conhecer e trabalhar com as culturas plurais, dialogando com a
riqueza/diversidade cultural das famílias e da comunidade. (BNCC, 2017, p. 34-35).

Em relação ao respeito à cultura e diferenças entre as pessoas, bem como a possibilidade


de se reconhecer e construir sua identidade pessoal, social e cultural, constitui-se como
elemento a construção de uma imagem positiva de si e seus grupos de pertencimentos – sendo
apresentados como direitos de aprendizagem na educação infantil. A “convivência e o
conhecer-se”, nessa perspectiva, são apresentados como direitos na educação infantil.
Ao olharmos especificamente para o ensino fundamental, é possível encontrar
referências também superficiais nos diversos componentes curriculares. Especificamente em
História, as habilidades referentes ao 6º ano assim destacam:

EF06HI05 – Descrever modificações da natureza e da paisagem realizadas por


diferentes tipos de sociedade, com destaque para os povos indígenas originários e
povos africanos, e discutir a natureza lógica das transformações ocorridas.
(...) EF06HI07- Identificar aspectos e formas de registro das sociedades antigas na
África, no Oriente Médio e nas Americanas, distinguindo alguns significados
presentes na cultura material e na tradição oral dessas sociedades. (BNCC, 2017. p.
417).

Em referência a esse mesmo ano, ao se vislumbrar um dos objetos de conhecimento,


tem-se: “O papel da religião cristã, dos mosteiros e da cultura na Idade Média” (BNCC, 2017,
p. 416). Em decorrência, tem-se a habilidade: “EF06HI18 – “Analisar o papel da religião cristã
70

na cultura e nos modos de organização social no período medieval”. (BNCC, 2017, p. 417).
Isso traz uma reflexão sobre o citar e focar apenas nas religiões de matrizes cristãs. Não haveria
outras formas de manifestações religiosas, crenças que também influenciaram a cultura e os
modos de organização social dos povos no mundo e o Brasil? Por que não aparecem?
Ao se analisar o documento, não é possível dizer que esse desconsidera a temática, mas
a presença da educação para as relações étnico-raciais e o Ensino de História e cultura afro-
brasileira e africana na BNCC é superficial. Como evidência, pode-se olhar para o 7º ano:

Habilidade EF07HI12 – “Identificar a distribuição territorial da população brasileira


em diferentes épocas, considerando a diversidade étnico-racial e étnico-cultural
(indígena, africana, europeia e asiática)”. (BNCC, 2017, p. 419).

A nova versão não apresenta uma reflexão sobre a questão do eurocentrismo;


populações negras diversas e povos indígenas voltaram a um lugar periférico; a história do
Brasil perdeu a centralidade para voltar a isolar-se da dita história geral; há um enfoque
cronológico e uma manutenção da grande narrativa centrada na matriz europeia. Em linhas
gerais, há um retrocesso envolto em objetos do conhecimento conservadores e tradicionais na
História, sem inovações, revisões e modificações. Caimi (2016) tece duras críticas à versão que
corrobora a perspectiva conservadora da BNCC:

Trata-se de uma proposta que se refugia nos conteúdos convencionais e canônicos,


tomando a cronologia linear como eixo central do discurso histórico, ou seja,
desconsidera os postulados, princípios e proposições oriundos da pesquisa acadêmica
nacional e estrangeira dos últimos trinta anos, representando um flagrante e
lamentável retrocesso (CAIMI, 2016, p. 10-11).

É necessário pensar sobre o fato de o documento afirmar o respeito à diversidade, mas


não apresenta discussão conceitual sobre essa temática que sustenta e fundamenta. A BNCC,
na etapa do Ensino Fundamental, na área das ciências Humanas, utiliza o termo “diversidade”
três vezes:

(...) Cabe, ainda, às Ciências Humanas cultivar a formação de alunos intelectualmente


autônomos, com capacidade de articular categorias de pensamento histórico e
geográfico em face de seu próprio tempo, percebendo as experiências humanas e
refletindo sobre elas, com base na diversidade de pontos de vista. (...)Os
conhecimentos específicos na área de Ciências Humanas exigem clareza na definição
de um conjunto de objetos de conhecimento que favoreçam o desenvolvimento de
habilidades e que aprimorem a capacidade de os alunos pensarem diferentes culturas
e sociedades, em seus tempos históricos, territórios e paisagens (compreendendo
melhor o Brasil, sua diversidade regional e territorial). (...)Nessa fase, as noções de
temporalidade, espacialidade e diversidade são abordadas em uma perspectiva mais
71

complexa, que deve levar em conta a perspectiva dos direitos humanos. (BNCC, 2017,
p. 352, 354, grifo nosso).

O termo diversidade, que gradualmente foi incorporado ao discurso dos educadores e


projetos pedagógicos das escolas, passa a fazer parte do cotidiano escolar expandindo seu uso
nas redes de ensino, também presente no documento da BNCC, aparece, vazio em seu
significado.
Jackekine Susann Sousa da Silva (2021), em seu artigo Deficiência, Diversidade e
Diferença: Idiossincrasias e Divergências Conceituais, expõe existir o consenso público de que
a inclusão é um princípio regulador das políticas nacionais. Embora sejam partes da pauta
emergente, diante do complexo quadro de barreira e exclusões sociais, os discursos oficiais em
defesa da inclusão e diversidade apresentam idiossincrasias e contradições que inclusive,
camuflam intencionalidades políticas, muitas vezes, desconectadas das lutas dos coletivos que
são focos das políticas de inclusão.
A noção de diversidade humana nas diretrizes internacionais para inclusão é mais do
que um texto oficial, pois é contraponto para entender a subjetividade dos arranjos culturais e
fronteiras humanas – ainda que essas últimas não sejam mencionadas diretamente na categoria
de todos. Segundo Lopes (2004), a narrativa de diversidade é constituinte da ordem reguladora
das relações humanas, que inclui para incluir e inclui excluindo. Em outras palavras, mais do
que naturalizar a diversidade humana como referência para as políticas de inclusão, é necessário
pensá-la como parte da ordem social de organização e funcionamento das relações humanas
frente à materialização da inclusão/exclusão, uma vez que

[...] Inclusão e exclusão estão articuladas dentro de uma mesma matriz


epistemológica, política, cultural e ideológica. Todo o espaço determinado por uma
determinada ordem é delimitado e governado pela norma. Norma esta que classifica,
compara, avalia, inclui e exclui. Toda a lei mantém aqueles que denominamos de
excluídos fora de seu controle, pois não cabe a ela pensar o excluído, mas cabe prever
o incluído (LOPES, 2004, p. 11).

Para tanto o uso indiscriminado do termo diversidade não foi, paralelamente,


acompanhado pela sua problematização ou aprofundamento teórico. Enquanto as diretrizes
internacionais ou políticas nacionais identificam em seus textos os grupos em desvantagem
social (mulheres, negros, pessoas com deficiência, camponeses, etc.) que deveriam ser foco de
atenção, hoje o crescimento desses grupos e de suas demandas específicas já não permite a
mesma clareza de foco. Por exemplo, quem, de fato, está incluído na “diversidade” definida
72

pelas políticas públicas brasileiras? Quais são os grupos que, por sua organização civil e agenda
de lutas, já conseguem assegurar alguns direitos?
Termos como igualdade, diversidade, e equidade circulam no documento, mas sem
aprofundamento que sustente essa temática. Há inúmeros outros conceitos relevantes, tais como
os citados na BNCC: tolerância, aceitação, atitude, inclusão e raça, que estão associados ao
termo diversidade porque esse termo sempre “insinua” o reconhecimento da diferença, o direito
de ser diferente e enseja o respeito à diferença.
Mesmo que haja combinação conceitual entre esses termos/conceitos, a definição do
termo diversidade é bastante ampla, distante de algum consenso. Pelo contrário, os chamados
“diferentes” permanecendo numa omissão teórico-conceitual e social. Tomaz Tadeu da Silva
(1999) faz a seguinte observação: “Como se configuraria uma pedagogia e um currículo que
estivessem centrados não na diversidade, mas na diferença, concebida como processo, uma
pedagogia e um currículo que não se limitassem a celebrar a identidade e a diferença mas que
buscassem problematiza-la”.
Em um país de dimensões continentais e intensas diferenças culturais regionais, a
ausência de problematização e teorização acerca do conceito de diversidade e seu uso contínuo
como retórica apenas gera especulações em torno das especificidades das demandas dos grupos
aos quais esse termo se refere, assentando, dessa forma, um solo para disputas. Qual das
diversidades humanas está mais ou menos representada?
De acordo com Silva (1999), faz-se importante problematizar, estando atentos aos
mecanismos envolvidos nessa produção. Torna-se necessário questionar os sistemas de
diferenças em seus significados, problematizando a partir da dimensão de sua produção, e de
estar atentos aos mecanismos envolvidos nessa produção. Trata-se de questionar nossos
próprios sistemas de diferença em seus significados, reconhecendo que podem ser considerados
igualmente incomuns ou incoerentes em diversos pontos de vista. Burbules (2003) conduz-nos
“a perceber a arbitrariedade de pelo menos em parte do que aceitamos sem questionamento em
relação a nós próprios e aos outros, junto com o entendimento de que, a partir de outro quadro
de referências, esses pressupostos vão parecer bem diferentes” (BURBULES, 2003, p. 182).
Incorporar esse conceito sem fundamentá-lo teoricamente, ou apenas como um
conteúdo curricular ou tema transversal, significa esvaziá-lo e reduzi-lo à retórica política, que
desconsidera e negligencia questões sociais, econômicas e culturais prementes existentes no
cerne desse conceito, porque refletem a luta em promoção de direitos e chances igualitárias para
todos os membros da sociedade, independentemente de sua origem, raça, gênero, posição
73

social, renda, orientação sexual, papel social, condição física, cognitiva ou intelectiva, motora,
neurológica, sensorial etc.
O conceito de diversidade, segundo Nilma Lino Gomes Silva (2012), ao discutir
currículo, considera o ponto de vista cultural, entendido “como a construção histórica, cultural
e social das diferenças.” Isto é, a construção das diferenças vai além das características
biológicas. Pois, segundo a autora, as diferenças podem ser construídas pelos sujeitos sociais
no decorrer de todo o processo histórico e cultural, bem como, nos processos de adaptação ao
meio social, além dos contextos das relações de poder. De forma que, tudo aquilo que fomos
treinados a enxergar desde o nosso nascimento como diferentes, tornam-se distintos, porque
nós, seres humanos e sujeitos sociais, no contexto da cultura, dessa maneira os nomeamos e
identificamos. Para Nilma Lino Gomes Silva:

O debate sobre a diversidade se diferencia nacionalmente e internacionalmente de


acordo com o seu período de emergências, as causas principais que geram ou impõem
a discussão sobre determinados grupos, identidades culturais, espaciais e territoriais,
discriminação, entre outros. Imigração, gênero, sexualidade, raça, etnia, religião,
língua, espaços/territórios são os principais fatores e temáticas que desencadearam um
processo de mobilização e discussão sobre a diversidade, sendo que em vários
contextos eles estão inter-relacionados ou interseccionados. (GOMES, 2012, p. 1127).

Vale ressaltar, que a temática da diversidade já esteve presente entre as edições da


revista Educação & Sociedade, no Dossiê “Diferenças”. A partir daí, pode-se dizer que a
construção das diferenças foi um processo amplo, tornando as práticas educativas ainda mais
em um capo de tensões, bem como o Estado e suas políticas, através da ação dos sujeitos sociais.
Podemos assim dizer que novos entendimentos sobre o tema surgiram, com diferentes
perspectivas de análise, o que tem contribuído para um denso debate teórico e político. Para
tanto, a compreensão das diferenças enquanto constitutiva da diversidade, bem como a sua
imbricação com as desigualdades, é um grande desafio, em especial no âmbito das políticas
públicas.
Uma dimensão desse vocábulo pode ser mais delineada, amparada em análise de Stuart
Hall:

A luta social e política está na base do conceito de diversidade. Se no passado havia


uma clara divisão entre os grupos sociais privilegiados e aqueles sem privilégios, hoje
essa divisão encontra-se cada vez mais tênue, porque os indivíduos que se identificam
– em suas diferenças – com seus pares, reconhecem experiências semelhantes,
organizam-se enquanto grupo social e lutam pelo reconhecimento de seus direitos. O
popular passa a ser referência cultural (HALL, 1997, p. 1008).
74

O esvaziamento do uso do termo diversidade e tensões inerentes à sua definição, gera


um vácuo no debate sobre a Base Nacional Comum Curricular. Sobretudo, gera um sério risco
quando se trata de – mais uma vez – incorporar esse termo a um documento oficial sem a devida
explicitação teórico-metodológica indispensável no presente cenário da educação brasileira.
Base é uma referência nacional que indica conhecimentos mínimos esperados de todos
os estudantes do país. Compreendendo que todo currículo, e, no caso específico dessa pesquisa,
o currículo de História, é um produto de escolhas e disputas, a BNCC expressa os embates em
torno do que deve ser recortado e considerado do passado. Nas últimas décadas são crescentes
as investigações acerca do currículo, formando, inclusive, um campo de pesquisas acerca da
temática. Assinala-se que o currículo é “um campo de batalha”, que expressa lutas corporativas,
políticas, econômicas, de identidade, culturais etc.
Trata-se de um artefato social e cultural, implicado em relações de poder e que transmite
visões sociais particulares e interessadas, produzindo identidades individuais e sociais
particulares52. Ao apontar para a ruptura com o modelo eurocêntrico quadripartite de História,
a primeira versão acabou por invisibilizar os conteúdos acerca da antiguidade e do medievo.
Na primeira versão da base, em 2015, o foco era nas constituições do povo brasileiro,
nos povos africanos, indígenas e nas contribuições dos povos europeus. A ideia era propiciar
mais debates sobre os povos que nos formaram enquanto sociedade, diminuindo um pouco a
influência hegemônica da história europeia na História Nacional. Ainda, o Currículo de História
problematizaria a própria forma como dividimos o tempo, a partir de habilidade direcionadas à
sua problematização. Conhecer, problematizar, diferentes formas de periodização dos
processos históricos, tais como o modelo quadripartite francês, Idade Antiga, Idade Média,
Idade Moderna e Contemporânea. Identificando como o Brasil está inserido na periodização,
ou seja, dentro dessa forma de dividir a História tradicional, problematiza trazendo em debate
a forma como o Brasil se encaixa nesse processo de divisão do tempo. As tradicionais formas
de periodização da História do Brasil, isto é, a divisão do tempo histórico em períodos ou épocas
são constantemente alvos de críticas acadêmicas, dada a complexidade de se eleger eventos ou
datas específicas, que possam caracterizar a transição de um período para o outro. A discussão
temática sobre o tempo articulava diferentes tempos, lugares e povos. Tal proposição não seguiu
adiante, como vemos nos quadros dispostos a seguir.

52
Em relação às discussões acerca do currículo, ver: MOREIRA, António Flávio; TADEU, Tomaz (org.).
Currículo, cultura e sociedade. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2013; SACRISTÁN, José Gimeno (org.). Saberes e
incertezas sobre o currículo. Tradução Alexandre Salvaterra. Porto Alegre: Penso, 2013.
75

Quadro 1 - A Idade Média nas primeiras versões da BNCC (2015).


Versão Itens sobre Idade Média
(CHHI6FOA66) Conhecer e reconhecer diversas maneiras de contagem e
registro do tempo — calendários e formas consagradas —, dos astecas, dos
maias, dos egípcios, dos diferentes povos indígenas brasileiros, entre outros,
discutindo usos e adequações.
(CHHI6FOA71) Conhecer e problematizar as diferentes formas de periodização
1ª versão dos processos históricos tais como o modelo quadripartite francês (Idade Antiga,
Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea), identificando como o
Brasil se insere nesta periodização.
(CHHI6FOA072) Identificar e discutir características, pessoas, instituições,
ideais e acontecimentos relativos a cada um desses períodos históricos: Idade
Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea.
Fonte: Elaborado pela autora com base na 1ª versão da BNCC.

A segunda e a terceira versão, ainda que com abordagens diferentes, optaram por um
viés conteudista, recolocando fortemente a sociedade medieval europeia no currículo
obrigatório. Como exposto, a Idade Média foi contemplada no texto da Base, porém apenas no
6º ano do Ensino Fundamental, numa faixa etária média entre 10 e 12 anos, sendo a maior parte
da História Antiga limitada ao Ensino Fundamental.
Diante da reação de algumas áreas da História, em tensões que envolvem temáticas
consolidadas há muito tempo no currículo, bem como os contextos políticos do Golpe de 2016
(que retirou do governo a Presidenta Dilma Rousseff) e a própria ascensão da extrema direita
ao poder em 2018, trouxeram modificações ao texto da BNCC final. Em 2018 foi diminuído
radicalmente a presença de povos indígenas e africanos no componente de História, mantendo
concentração maior nos povos europeus. Conforme podemos observar o Quadro 2:
76

Quadro 2 - A Idade Média na segunda e terceira versão da BNCC (2016 e 2017)


(continua)
Versão Itens sobre Idade Média
(EF06HI16) Reconhecer as origens do Islamismo na Península Arábica no
século VIII.
(EF06HI17) Compreender a desestruturação do Império Romano e a formação
do mundo medieval na Europa.
(EF06HI19) Identificar aspectos do conceito de feudalismo.
(EF06HI20) Identificar a fragmentação do poder político e a primazia cultural e
política da Igreja católica.
(EF06HI21) Classificar a estrutura da sociedade feudal definida a partir de três
ordens, dos oratores, bellatores e laboratores, representadas pelas figuras do
sacerdote, do cavaleiro e do camponês.
(EF06HI22) Identificar o papel do comércio e das cidades na Idade Média.
(EF06HI23) Identificar aspectos de manifestações culturais e artísticas do
mundo medieval, destacando a construção das catedrais, de castelos e o
nascimento da Universidade.
2ª versão (EF06HI24) Analisar e problematizar o conceito de Idade Média como
periodização da História Universal.
(EF06HI25) Estabelecer as relações do mundo medieval com o mundo árabe,
com o Império Otomano e com as populações judias.
(EF06HI26) Compreender o papel da biblioteca de Alexandria, das Cruzadas e
da presença de judeus e árabes na Península Ibérica.
(EF06HI27) Conhecer marcos fundamentais das Histórias Antiga e Medieval,
incluindo contraposições, conexões e trocas que se estabeleceram entre
“Ocidente” e “Oriente” ao longo desses séculos (cerca de 3 mil a.C. a fins do
século XV).
(EF06HI28) Produzir textos que discorram sobre o desenvolvimento dessas
civilizações e sociedades.
(EF06HI29) Identificar diferentes fontes de conhecimento sobre as cidades
medievais.
(EF06HI30) Compreender a noção de “era cristã”.
(EF06HI14) Identificar e analisar diferentes formas de contato, adaptação ou
exclusão entre populações em diferentes tempos e espaços.
(EF06HI15) Descrever as dinâmicas de circulação de pessoas, produtos e
culturas no Mediterrâneo e seu significado.
(EF06HI16) Caracterizar e comparar as dinâmicas de abastecimento e as formas
de organização do trabalho e da vida social em diferentes sociedades e períodos,
3ª versão
com destaque para as relações entre senhores e servos.
(EF06HI17) Diferenciar escravidão, servidão e trabalho livre no mundo antigo.
(EF06HI18) Analisar o papel da religião cristã na cultura e nos modos de
organização social no período medieval.
(EF06HI19) Descrever e analisar os diferentes papéis sociais das mulheres no
mundo antigo e nas sociedades medievais.
Fonte: Elaborado pela autora com base na 2ª e na 3ª versão da BNCC.

Outra ausência importante na versão final diz respeito a noção de alteridade. Na segunda
versão ele aparece em seu sentido consagrado pelas ciências sociais sete vezes. Ao tratar dos
conhecimentos da área de linguagens, para os anos finais da Educação Infantil, coloca que o
processo de descentração, que caracteriza esse período de vida, amplia a capacidade dos/das
estudantes tanto de desenvolver sua autonomia como de cultivar a alteridade. Grande parte das
77

vezes que o conceito alteridade aparece é relacionado a educação religiosa, temática que foi
totalmente suprimida da Base sobre o argumento que definir essa questão deve ficar a cargo
dos municípios.
A aprovação da Base ocorreu sob críticas diversas que abordam desde a concepção de
currículo e o modelo curricular pautado na pedagogia das competências, aos conteúdos ou
ênfases que foram suprimidas do documento, com destaque para as discussões de gênero.
Especificamente sobre o componente curricular História, Pereira e Rodrigues (2018) afirmam:

Importa, portanto, reconhecer dois elementos centrais que fazem parte dessa versão:
o primeiro diz respeito ao modelo curricular conhecido como lista de conteúdos, o que
se pôde observar já na segunda versão; o segundo [...] diz respeito ao modo como esse
currículo proposto ao ensino de história trabalha a temporalidade e constrói narrativa
a partir dele, na sua relação “prática” com o passado (PEREIRA; RODRIGUES, 2018,
p. 11).

Deste modo, a Base reafirma a opção pela lista de conteúdos, viés presente na segunda
versão e que tinha sido alvo de críticas, e parece tornar a aula de História um “microlaboratório
da história profissional”, distanciando-se dos conflitos e lutas sociais, perspectiva que, para os
autores, resulta no esvaziamento do potencial crítico da disciplina em relação às identidades
dominantes e/ou tradicionais.

- A BNCC é um documento inspirado em experiências de centralização curricular, tal


como o modelo do Common Core Americano, o Currículo Nacional desenvolvido na
Austrália, e a reforma curricular chilena – todas essas experiências amplamente
criticadas em diversos estudos realizados sobre tais mudanças em cada um desses
países;
- A retirada do Ensino Médio do documento fragmentou o sentido da integração entre
os diferentes níveis da Educação Básica, ao produzir centralização específica na
Educação Infantil e Ensino Fundamental;
- É preocupante também a retomada de um modelo curricular pautado em
competências. Esta “volta” das competências ignora todo o movimento das Diretrizes
Curriculares Nacionais construídas nos últimos anos e a crítica às formas
esquemáticas e não processuais de compreender os currículos; - A retirada de menções
à identidade de gênero e orientação sexual do texto da BNCC reflete seu caráter
contrário ao respeito à diversidade e evidencia a concessão que o MEC tem feito ao
conservadorismo no Brasil; - A concepção redutora frente aos processos de
alfabetização e o papel da instituição escolar na educação das crianças (ANPEd, 2014,
p. 1).

Lopes e Macedo53 (2011) problematizam essa noção de currículo comum e trazem a


reflexão quanto à inexistência de um conhecimento comum nacional “puro”. Para elas, na
verdade, não existe um conhecimento comum nacional, pois há uma expressão de conhecimento

53
O livro Teorias de Currículo é uma obra das professoras Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo, publicada
no ano de 2011.
78

local, particular, de um determinado grupo que tema a hegemonia e que, portanto, impõe aos
outros grupos; na realidade, isso acontece normalmente a partir dos grandes centros.
Reconhecendo que o discurso majoritário na religiosidade brasileira está associado a
cristandade católica e/ou protestante e também uma imensa maioria de neopentecostais, vemos
que as demais manifestações religiosas encontram-se debeladas no limbo da inferioridade ou
impropriedade, fruto da intolerância religiosa e da forma como tempos discutido essa questão
nas escolas. Algo especialmente exacerbado quando observamos as religiões de matriz africana,
marcada por uma história envolta em séculos de exploração, inferiorização e demonização de
suas divindades.

2.1 BNCC e as Leis 10.639/03 e 11.645/08: abordagens de África e DIÁSPORA em


retrocesso

Escravizados africanos, vítimas do senhorio cristão europeu, trazidos a ferro pelos


portugueses para o Brasil, amontoados em navios asfixiantes e em condições
ultrajantes. Sob o tilintar dos grilhões, desembarcaram com eles, além da dor do exílio
da diáspora africana, a saudade de Oyó. Sua garra, suas raízes, como armas de lutas e
resistência. Seus elementos identitários, que os açoites do capitão do mato e as
senzalas invisíveis, o racismo e a intolerância, não conseguiram silenciar ou apagar
(FERREIRA, 2021, n.p.).

Queremos aqui trazer um ponto importante para essa pesquisa, o que diz respeito a
analisar o que é proposto pela BNCC no componente de História para o trabalho com as
temáticas que envolvem tradições religiosas de matrizes africanas. Para isso, precisamos
primeiramente pensar como a África e a diáspora aparece na BNCC, especificamente na terceira
e última versão, homologada em 2018.
Geovani da Silva e Marinalva Meireles, em Orgulho e Preconceito no Ensino de
História (2017), enfatizam que nas outras versões da BNCC, a visão da diferença foi diminuída.
A diferença referida por eles envolve os povos indígenas e africanos, que são vistos como
diferentes ainda atualmente, trazendo em questão da posição de indígenas e africanos na Base
foi extremamente diminuída. Os autores possibilitam refletir que parecem inexistir as Leis
Federais 10.639/03 e 11.645/08, por exemplo, considerando à quase inexistência tanto indígena
quanto africana no documento. A Europa voltou a ser a norma e demais povos como os
“diferentes”, não interessantes, ou pouco interessantes.
Torna-se preocupante que, a BNCC de caráter obrigatório, carregada de um conteúdo
tão extenso da parte comum proposto, transbordando habilidades focadas na Europa. Isto é, a
BNCC é dividida entre a Base Comum e a parte Diversificada. A Base comum deve ser
79

contemplada em sua totalidade nos currículos estaduais, municipais e das instituições de ensino.
A parte diversificada, por sua vez, pode corresponder a até 40% dos currículos locais. Em que
tempo e de que forma os professores e professoras, conseguirão inserir aquilo que
corresponderia os 40%, que corresponde a parte diversificada?
O documento BNCC é claro sobre o objetivo da parte diversificada, que é enriquecer e
contemplar a parte comum. A ideia é inserir novos conteúdos aos currículos que estejam de
acordo com as competências estabelecidas documento e também com a realidade local de cada
escola (BNCC, 2017). Apesar disso, o mesmo documento ressalta importância de que a “Base
Comum” deve ser contemplada, em sua totalidade, nos currículos que estejam de acordo com
as competências estabelecidas pela BNCC e com a realidade local de cada escola.
Diante do contexto de um currículo comum bastante centrado na Europa e pautado em
inúmeras habilidades e competências, preocupa-nos onde e como discutir debater,
problematizar os povos afro-brasileiros e africanos e suas diversidades no que tange às tradições
religiosas de matrizes africanas no Componente de História?
Na BNCC de 2018, trata-se do preconceito e diversidade de forma superficial, não
havendo aprofundamento sobre o assunto, aparecendo apenas um texto vazio. Quando o
documento pensa apenas nas relações pessoais, na convivência e no respeito às diferenças, o
conceito de racismo sequer é mencionado. Considerando a imensa lista de conteúdos voltados
à competências e habilidades, quando se olha o documento, o termo racismo aparece duas
vezes, ambas no componente de História. Na primeira vez, aparece como objeto de
conhecimento para o 8º ano – “Pensamento e cultura no século XIX: Darwinismo e racismo”
(BNCC, 2017, p. 07); na segunda vez, aparece para o 9º ano, na composição da uma habilidade:
(EF09HI35) Identificar e discutir as diversidades identitárias e seus significados históricos no
início do século XXI, combatendo qualquer forma de preconceito e violência. (BNCC, 2017,
p. 11).
Aparecendo de forma diminuta, ressaltada como preconceito, de forma geral, o racismo
é um sistema de dominação e poder. Adilson Moreira (2021), em uma entrevista na revista
“Carta Capital”, mencionou: a “população em geral, incluindo políticos, gestores públicos e
acadêmicos, tem uma visão estreita do racismo. Muitos só conseguem enxergar a discriminação
direta, o ato de hostilidade de um indivíduo contra outro pertencente a uma minoria racial”. O
racismo é, porém, um sistema de dominação social, que tem por objetivo justificar a
concentração de poder e riqueza (MARTINS, 2021).
Bernardino-Costa, Maldonado-Torres e Grosfoguel (2020, p. 10), organizadores da obra
Decolonialidade e Pensamento Afro-diaspórico, afirmam:
80

Uma das vantagens do projeto acadêmico-político da decolonialidade reside na sua


capacidade de esclarecer e sistematizar o que está em jogo, elucidando historicamente
a colonialidade do poder, do ser e do saber e nos ajudando a pensar em estratégias
para transformar a realidade.

A compreensão de Costa e Grosfoguel destaca que re-existências africanas e indígenas,


permitem estratégias de transformação da realidade. O saber acadêmico ainda necessita
compreender conhecimentos outros e seus impactos nas sociedades. E quando articulamos
diferentes saberes, compete também observar como os documentos oficiais mobilizam tais
conhecimentos.
A BNCC não apresenta argumentos e contextos, em especial no Componente de
História, em perspectiva decolonial que evidencie as lutas e as estratégias das populações
africanas e das populações afro-diaspóricas. Evidenciar a luta política das mulheres negras, dos
quilombolas, dos diversos movimentos negros, do povo de santo, dos jovens da periferia, da
estética e arte negra, assim como ativistas e intelectuais.
O papel institucional das redes de ensino e dos órgãos competentes e sua esperada
postura antirracista para superação desse racismo não apareceu no texto. Ou seja, a BNCC trata
a temática em vários componentes curriculares, mas não traz de forma a reconhecer o racismo
como elemento estruturador das relações sociais, raciais, pedagógicas e nem o eurocentrismo
que esteve orientando um modelo único de escola e aprendizagem.
Por meio de currículo, em espaços como as escolas de educação básica e no campo da
produção científica a colonialidade continua a operar. O racismo é determinante enquanto
princípio distintivo, capaz de estabelecer uma linha divisória entre aqueles que têm direitos e
outros que não têm. Conforme Bernardino-Costa, Maldonado-Torres e Grosfoguel (2020, p.
59):

O racismo também será um princípio organizador daqueles que podem formular um


conhecimento científico legítimo e daqueles que não o podem. É aqui que nos
deparamos com outro conceito sistematizado pelos teóricos da decolonialidade: a
noção de geopolítica e corpo-política do conhecimento como crítica ao eurocentrismo
e ao cientificismo.

Nesse sentido, é preciso pensar o racismo como um princípio constitutivo que organiza,
a partir de dentro, diferentes relações de dominação da modernidade, desde a divisão
internacional do trabalho, até as hierarquias epistêmicas, sexuais de gênero, religiosas, médicas,
junto com as identidades e subjetividades, de tal maneira que divide tudo entre as formas e os
seres superiores e seres inferiores. Na perspectiva decolonial, o racismo organiza as relações de
81

dominação, sem reduzir umas às outras, porém, ao mesmo tempo sem poder entender uma sem
as outras.
Quando olhamos para o documento da BNCC, é possível perceber a permanência da
colonialidade do poder, na qual a ideia de raça ou de racismo é um instrumento de dominação
ou um princípio organizador do capitalismo mundial e de todas as relações de dominação e
poder (identitárias, religiosas, de autoridade política, entre outros). Sobre esta questão, Silva
(1995, p. 136) destaca:

[...] As narrativas contidas nos currículos explicitam ou implicitamente corporificam


noções particulares sobre conhecimento, formas de organização da sociedade, sobre
os diferentes grupos sociais, sobre a sexualidade. Essas narrativas são potentes. Elas
dizem qual conhecimento é legítimo e qual é ilegítimo, quais formas de conhecer são
válidas e quais não o são, o que é certo, o que é errado, o que é moral, o que é imoral,
o que é bom e o que é mau, o que é belo e o que é feio, quais vozes estão autorizadas
a falar e quais não o são. São silenciadas.

Importa destacar que o conhecimento proposto para ser ensinado legitima determinados
saberes e invisibiliza outros. A colonialidade do poder é evidenciada no currículo também
quando sua proposta expõe padrões únicos que reforçam formas válidas de organização social,
política, econômica, cultural e ética em perspectivas totalizante ou que reforça estereótipos e
mantém hegemonias culturais intactas. Na sequência destacamos as habilidades referentes ao
6º ano, constantes na BNCC, com destaque para aquelas que se referem a povos indígenas e
africanos.

Quadro 3 - Habilidades BNCC/2017, referente ao 6º ano.


(continua)
Unidades
Objetos de conhecimento Habilidades
temáticas
(EF06HI01) Identificar diferentes
A questão do tempo, sincronias e
formas de compreensão da noção de
diacronias: reflexões sobre o sentido das
tempo e de periodização dos processos
cronologias.
históricos (continuidades e rupturas).
(EF06HI02) Identificar a gênese da
produção do saber histórico e analisar o
Formas de registro da história e da
significado das fontes que originaram
produção do conhecimento histórico
determinadas formas de registro em
História: tempo,
sociedades e épocas distintas.
espaço e formas
(EF06HI03) Identificar as hipóteses
de registros
científicas sobre o surgimento da
espécie humana e sua historicidade e
As origens da humanidade, seus analisar os significados dos mitos de
deslocamentos e os processos de fundação.
sedentarização (EF06HI04) Conhecer as teorias sobre a
origem do homem americano.
(EF06HI05) Descrever modificações
da natureza e da paisagem realizadas
82

por diferentes tipos de sociedade, com


destaque para os povos indígenas
originários e povos africanos, e
discutir a natureza e a lógica das
transformações ocorridas.
(EF06HI06) Identificar
geograficamente as rotas de
povoamento no território americano.
(EF06HI07) Identificar aspectos e
formas de registro das sociedades
antigas na África, no Oriente Médio e
Povos da Antiguidade na África
nas Américas, distinguindo alguns
(egípcios), no Oriente Médio
significados presentes na cultura
(mesopotâmicos) e nas Américas (pré-
material e na tradição oral dessas
colombianos)
sociedades.
A invenção do
(EF06HI08) Identificar os espaços
mundo clássico e Os povos indígenas originários do atual
territoriais ocupados e os aportes
o contraponto território brasileiro e seus hábitos
culturais, científicos, sociais e
com outras culturais e sociais
econômicos dos astecas, maias e incas e
sociedades
dos povos indígenas de diversas regiões
brasileiras.
(EF06HI09) Discutir o conceito de
Antiguidade Clássica, seu alcance e
O Ocidente Clássico: aspectos da
limite na tradição ocidental, assim como
cultura na Grécia e em Roma
os impactos sobre outras sociedades e
culturas.
As noções de cidadania e política na (EF06HI10) Explicar a formação da
Grécia e em Roma Grécia Antiga, com ênfase na formação
• Domínios e expansão das culturas da pólis e nas transformações políticas,
grega e romana sociais e culturais.

• Significados do conceito de (EF06HI11) Caracterizar o processo de


“império” e as lógicas de conquista, formação da Roma Antiga e suas
conflito e negociação dessa forma de configurações sociais e políticas nos
organização política As diferentes períodos monárquico e republicano.
formas de organização política na (EF06HI12) Associar o conceito de
África: reinos, impérios, cidades- cidadania a dinâmicas de inclusão e
Lógicas de
estados e sociedades linhageiras ou exclusão na Grécia e Roma antigas.
organização
aldeias
política (EF06HI13) Conceituar “império” no
mundo antigo, com vistas à análise
As diferentes formas de organização
das diferentes formas de equilíbrio e
política na África: reinos, impérios,
desequilíbrio entre as partes
cidades-estados e sociedades
envolvidas.
linhageiras ou aldeias
(EF06HI14) Identificar e analisar
diferentes formas de contato,
adaptação ou exclusão entre
A passagem do mundo antigo para o
populações em diferentes tempos e
mundo medieval A fragmentação do
espaços. O Mediterrâneo como
poder político na Idade Média
espaço de interação entre as
sociedades da Europa, da África e do
Oriente Médio.
83

(EF06HI15) Descrever as dinâmicas


O Mediterrâneo como espaço de de circulação de pessoas, produtos e
interação entre as sociedades da culturas no Mediterrâneo e seu
Europa, da África e do Oriente Médio significado.

(EF06HI16) Caracterizar e comparar


Senhores e servos no mundo e no as dinâmicas de abastecimento e as
Trabalho e medieval Escravidão e trabalho livre formas de organização do trabalho e
formas de em diferentes temporalidades e da vida social em diferentes
organização espaços (Roma Antiga, Europa sociedades e períodos, com destaque
social e cultural medieval e África) lógicas comerciais para as relações entre senhores e
na antiguidade romana e no mundo servos.
medieval
(EF06HI17) Diferenciar escravidão e
trabalho livre do mundo antigo.

O papel da religião cristã, dos (EF06HI18) Analisar o papel da


mosteiros e da cultura na Idade religião cristã na cultura e nos modos
Média de organização social no período
medieval.
O papel da mulher na Grécia e em Roma, e (EF06HI19) Descrever e analisar os
no período medieval diferentes papéis sociais das mulheres
no mundo antigo e nas sociedades
medievais.
Fonte: BNCC (2017). (grifo nosso).

Currículo é disputa, enfrentamento e conflito por ideias, concepções de mundo e


sociedade. Conforme afirma Apple (2002), o currículo não é neutro, e sim um produto de
tensões, conflitos culturais, políticos e econômicos, capaz de organizar e desorganizar um povo.
As narrativas do currículo estão carregadas de noções sobre quais grupos sociais podem
representar a si aos outros e quais grupos socais podem apenas ser representados ou se excluídos
de qualquer representação. A questão é que, muitas vezes, acabam por valorizar alguns e
desvalorizar outros (sua história, conhecimentos, cultura, política, sexualidade, religião).
Muitas vezes as narrativas do currículo contam histórias coloniais e fixam noções particulares
de raça, classe, gênero e sexualidade, embasadas em perspectiva imperialista, racialista,
capitalista e colonialista.
Como podemos observar no objeto de conhecimento, disposto no quadro: “O papel da
religião cristã, dos mosteiros e da cultura na Idade Média”, relacionada a habilidade
“(EF06HI18) Analisar o papel da religião cristã na cultura e nos modos de organização social
no período medieval.” (BNCC, 2017, p. 2); onde está presente a contextualização com a
realidade do aluno? Por que falar somente da base religiosa de matriz cristã, uma vez que dentro
da sala de aula, muitas vezes se fazem presentes alunos e alunas que não comungam dessa
concepção de mundo? Compete manter atenção, pois, essas noções consolidadas pelo currículo
84

escolar são reforçadas pelas relações de poder, pela pobreza, pela exploração capitalista, pelo
racismo e pelo sistema patriarcal, forjando subjetividades. Por esta razão se faz importante
descolonizar o currículo.
Franz Fanon (2005) alerta para a persistência dos sintomas do colonialismo no modo
como se travam as relações sociais. Analisando o colonialismo e seus impactos na sociedade
argelina, o autor possibilita compreendermos como os efeitos da colonização criam rupturas,
tensões, explorações e desafios para as sociedades coloniais. A realidade da formação da
sociedade brasileira é semelhante, pautada sobre o extermínio e neutralização da população
autóctone e dominação dos povos africanos escravizados. A divisão social do trabalho
determinada por critérios étnicos provocou a miséria e alienação de grande parte da população
negra e, concomitantemente, o alargamento dos privilégios de senhores de escravos e seus
descendentes. Esses sintomas são facilmente perceptíveis hoje e sentido com um grau maior de
intensidade pelas populações negras na diáspora brasileira, alocados nos bolsões de pobreza e
nas prisões.
Temos observado a recrudescência das hostilidades dirigidas à população negra e às
suas manifestações culturais. Alguns fatos refletem tal processo: o crescimento das religiões
neopentecostais que promovem uma verdadeira “caça às bruxas” sobre as religiões de matrizes
africanas (utilização do cristianismo como instrumento de dominação), o assolamento da
juventude negra, promovida pela polícia (aparelho de repressão do Estado, organizado para a
manutenção da ordem estabelecida e consequentemente subalternidade da população negra), os
avanços conseguidos pelos Movimentos Negros também colocaram em xeque a permanência e
naturalização dos privilégios.
Conforme aponta Nilma Lino Gomes (2020), em uma atitude de coragem, compromisso
político e epistemológico, “o movimento negro54 e a intelectualidade negra brasileira trouxeram
para o campo das Ciências Humanas e Sociais, principalmente para a educação, um diferencial:
a perspectiva negra decolonial brasileira, uma das responsáveis pelo processo de
descolonização dos currículos e do conhecimento do Brasil.” (GOMES, 2020, p. 223). Porém,
diante de um documento como a BNCC, parece um desafio encontrarmos o protagonismo
negro, denunciando esse mesmo colonialismo e sua colonialidade. Maldonato Torres (2007)
traz o fato de que o colonialismo se manteve presente em todo o processo de construção da
sociedade moderna e democrática, e como a colonialidade se perpetua: “ainda se mantém viva

54
Entende-se por “movimento negro” as mais diversas formas de organização e articulação de mulheres e homens
negros, politicamente posicionados na luta contra o racismo, bem como os grupos culturais e artísticos com o
objetivo explícito de superação do racismo e da valorização da história e da cultura negra no Brasil.
85

em textos didáticos, nos critérios para o bom trabalho acadêmico, na cultura, no senso comum,
na autoimagem dos povos, nas aspirações e em muitos outros aspectos de nossa experiência
moderna” (TORRES, 2007, p. 131).
Para tanto, a perspectiva negra de decolonialidade é um processo construído e nos
remete ao pensamento emancipatório pelos movimentos sociais nas lutas diárias na sociedade
e nas escolas. Dessa forma, inevitavelmente falamos em tensões, disputas de práticas e de
conhecimentos. Isto é, falamos de currículo. Discutindo currículo, consideramos que a
discussão das questões das tradições religiosas de matrizes africanas no componente de
História, representam em certa medida, um retrocesso, pela sua quase ausência, e pela forma
como o currículo proposto na História não considera tal dimensão uma concepção de mundo e
de sociedade para os diferentes povos ao longo da história da humanidade.
Antes da BNCC, quando o documento norteador eram os PCN, havia uma discussão
acerca das questões raciais a partir da ideia de pluralidade e diversidade, apesar de estarem
contidas no caderno de pluralidade cultural, perspectiva ainda muito restrita. O texto dos PCNs
sustentava a necessidade de a escola posicionar-se em busca de superação do racismo e da
discriminação. O que é fundamental para essa discussão, inclusive do ponto de vista curricular:
“A escola deve se posicionar criticamente em relação a esses fatos mediante as atitudes corretas,
cooperando no espaço da história de superação do racismo da discriminação”. (PCN, 1997, p.
06). Então, a despeito das críticas em relação à pouca discussão e ao pouco avanço obtido com
os PCNs, faz-se necessário destacar sua garantia.
A BNCC, há um retorno para o foco da igualdade, propondo-se ser possível superar as
desigualdades a partir da ideia de igualdade de aprendizagem e igualdade de ensino. Portanto,
o desfalque da discussão de racismo pode ser visto como evidência de um retrocesso. Isto é, na
BNCC há um retrocesso em relação às relações étnico-raciais, ao ensino de História da África
e da diáspora e, principalmente, no que tange às religiões de matrizes africanas. O que existe
no documento da BNCC é garantido pela mediante as Leis n. 10.639/03 e 11.645/08, uma
sancionada em 2003 e regulamentada em 2004, através do Parecer do CNE que institui as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Culturas Afro-Brasileiras e Africanas; a outra sancionada em 2008 e
incluindo as culturas e as histórias dos povos indígenas como objetos de conhecimento
necessários ao currículo escolar.
Então, como construir um currículo mediante um conjunto de conteúdos sendo colocado
como política curricular? O documento é uma normativa, assim, é preciso estar vigilante e
atentos para continuar com o que sempre foi feito durante a luta por uma educação antirracista.
86

2.2 Religiões de matrizes africanas e a intolerância

Desde o período Imperial do Brasil, observa-se a manutenção de relações diretas entre


o poder político e a religião católica, sendo esta a religião oficial desde o período colonial,
alterando-se tal contexto apenas com a instauração do regime republicano em 1889. O próprio
Código Criminal do Império de 1830 punia a “celebração, propaganda ou culto de confissão
religiosa que não fosse a oficial (art. 276)” (SILVA, 2007). Este código punia diretamente os
negros, fossem eles escravos, livres ou libertos, visto que uma forma de controlar as suas vidas
era impor a cultura ocidental, incluindo a religião católica, desconstituindo suas referências
culturais africanas.
Contudo, os negros escravizados ou livres mantinham suas manifestações culturais de
diversas formas, inclusive, preservando regras e condutas próprias relacionadas às religiões.
Segundo Roger Bastide (1974), mesmo existindo essa resistência da cultura africana, as
religiões de matrizes africanas sofreram impactos do contato com outras culturas, sendo
recriadas ao Novo Mundo, tendo que se posicionar de diferentes formas de acordo com a região
e reatualizar em diferentes contextos.
As religiões de matrizes africanas impactaram sobremaneira outras expressões
religiosas, inclusive o catolicismo, compreendido como popular e leigo, em especial pela
atuação das irmandades religiosas. O catolicismo praticado por populações de origem africana
era um catolicismo dinâmico, inserido em universos culturais de matrizes africanas. A força das
representações negativas sobre os cultos africanos marcou as trajetórias de muitos indivíduos
que precisaram encontrar mecanismos para, ao mesmo tempo, manter os cultos afro-ancestrais
e professar a religião socialmente aceita, o catolicismo. Possuindo visões de mundo distintas,
suas relações com os antepassados e as tradições constituíam-se de perspectivas diversas
(RASCKE, 2013, p. 168).
Em 1889, quando se proclamou a República no Brasil, temos a introdução do princípio
de laicidade do Estado, onde há a separação formal entre o Estado e a Igreja Católica. Isso
significou a inserção do Brasil em novos ideários, caracterizada por novas ideias referentes à
moralidade, a ética, entre outras, sendo também a fase histórica de secularização do espaço
religioso. E como aponta Giumbelli (2008, p. 81), “a presença do religioso na sociedade está
sempre relacionada com os dispositivos estatais, apesar ou por causa da laicidade”.
Foi na Constituição de 1891 que se aboliu formalmente o conceito de religião oficial e
se proporcionou a liberdade de culto, o que, no entanto, na prática não se efetivou, visto as
muitas leis e perseguições oficiais a práticas religiosas destoantes ou consideradas
87

“subversivas”, “diabólicas” ou “perigosas”. Diversas religiões existentes no Brasil, que tiveram


um caráter diferente da religião católica, sofreram perseguições, discriminações e preconceitos
tanto no espaço público como no meio estatal e policial.
As religiões chamadas mediúnicas, nas quais se encontram a umbanda, o batuque, o
candomblé, entre outras, foram as que mais sofreram ataques intolerantes, pois as suas
atividades e práticas não eram reconhecidas pelo Estado como tendo um estatuto de religião,
tal como este a concebia (MONTERO, 2006; GIUBELLI, 2008). Desse modo, depreende-se
que esta “liberdade religiosa”, “concedida” pelo Estado republicano, não foi efetiva, pois o
Estado necessitava enquadrar todas as formas de religiosidades, diferentes da matriz cristã, e o
fez por meio de posturas e controle.
Sendo assim, os praticantes das religiões afro-brasileiras usaram como estratégia se
enquadrar na noção de “religião” por meio do argumento que suas práticas eram realizadas sem
fins lucrativos, obedecendo ao princípio da caridade. Deste modo, como apontam Giumbelli
(2008) e Montero (2006), o formato que essas religiões passaram a assumir, especialmente nas
suas manifestações rituais, foi o resultado do enquadramento que o Estado impôs.
Em relação à legitimidade das práticas mediúnicas (contempladas, principalmente, pela
religião espírita e as religiões afro-brasileiras) perante o Estado, autores como Giumbelli
(2008), Maggie (1992) e Monteiro (2006) apontam diversas dificuldades de manifestação
destes cultos no espaço público, pois as atuações intolerantes compõem tanto aparatos estatais
–jurídicos e policiais –, quanto a própria medicina e o controle sanitarista. Estas ações
repressivas eram mais severas e rigorosas quando se tratava de manifestações culturais de
origem africana, pois era numa época em que as teorias raciológicas constituíam um consenso.
Segundo Mariano (2007), “na segunda metade do século XIX, a escravidão e o racismo
– incluindo o racismo científico – resultaram em franca perseguição religiosa ao candomblé e
punição a seus seguidores” (MARIANO, 2007, p. 126). O caráter racista das perseguições às
religiões de matrizes africanas é evidente se considerarmos que no Código Penal de 1890
(vigente até 1942), previa-se também a punição ao crime de capoeiragem (art. 402); ao crime
de vadiagem (art. 399); ao crime de curandeirismo (art. 158); ao crime de espiritismo (art. 157).
Este Código Penal, com os artigos 156, 157, 158 é muito importante para compreendermos a
relação da legislação com as formas religiosas e suas práticas. Entre os “Crimes contra a Saúde
Pública”, consta o seguinte: “Art. 157: [...] praticar a magia e seus sortilégios, usar de talismãs
e cartomancias, para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis
ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credibilidade pública” (GIUMBELLI, 2003, p.
254).
88

Estes três artigos (156, 157, 158) do Código “tiveram até o início do século um tribunal
especial – o Juízo dos Feitos da Saúde Pública” (MAGGIE, 1992, p. 43). A partir da década de
1920, a expressão “baixo espiritismo” (associado ao curandeirismo, espiritismo, magia) começa
a aparecer nos registros policiais, geralmente associados à acusação do exercício ilegal da
medicina e também ao lado de outras categorias como: “macumba”, “candomblé”, “magia
negra”. Yvone Maggie constata que essas acusações contra práticas mediúnicas eram realizadas
a partir de um critério moral, que relacionava os acusados dessas práticas diretamente ao mal.
Segundo pesquisa de Maggie (1992, p. 22), a repressão estatal em relação às
manifestações afro religiosas contra a “crença na magia e na capacidade de produzir maléficos
por meios ocultos e sobrenaturais”, ajudou a constituí-las a defini-las. Isso reforça a visão de
Kant de Lima (2009), de que o “direito aparece como um caso privilegiado de controle social,
não só para reprimir comportamentos indesejáveis, mas também como produtor de uma ordem
social definida. A instância jurídica não só reprime, mas produz” (LIMA, 2009, p. 9).
Já a década de 1940, com o novo Código Penal, os centros espíritas voltam a sofrer
repressões por parte do Estado, o qual impõe regras para o funcionamento dos centros e uma
das regras era o centro ter cede própria e não permitir a “possessão” (ou manifestações
sonambúlicas) durante as sessões públicas. Isso mostra como o Estado, além de impor regras,
determina as formas ritualísticas, pois normatizava por exemplo, as “atividades das sociedades
espíritas a partir de uma lógica que garantisse, tal como determinava a Constituição de 1937, a
adequação do espaço religioso às exigências de ordem pública” (GIUMBELLI, 2003, p. 274).
Na atualidade, o preconceito e perseguições persistem após a nova Constituição Federal
de 1988, na qual se reitera o princípio de laicidade do Estado. É nesta Constituição de 1988 que
se assegura o direito de liberdade a qualquer culto e/ou religião, ao mesmo tempo em que se
proíbe, conforme art. 19, inciso I, que o Estado estabeleça alianças ou relação de dependência
com qualquer culto e que embarace o funcionamento de culto de qualquer natureza. Deste
modo, é com o art. 5º, VI, dos direitos e garantias fundamentais, que se consagra a liberdade de
crença, a liberdade de culto e de organizações religiosas. Ademais, o Código Penal Brasileiro
de 1940 com a Lei nº 9. 459/1997, considera crime a prática de discriminação ou preconceito
contra religiões, como aponta no artigo 203; também consta no mesmo Código, no capítulo I
Dos Crimes Contra o Sentimento Religioso, art. 208, punição ao ultraje a culto e impedimento
ou perturbação de ato a ele relativo55.

55
Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar
cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena - detenção,
89

O reconhecimento das manifestações afro-brasileiras pelo Estado, através da


Constituição Federal de 1988, ocorreu especialmente nos artigos 2155 e 2166, produto de
intensa mobilização do movimento negro, o qual estava se reorganizando neste período e que
exigia do Estado reparação pelos séculos de escravidão e, consequentemente, uma reavaliação
do papel negro na história brasileira. Uma elucidação desta luta por reconhecimento do Estado
foi a efetivação do primeiro tombamento de um terreiro, localizado no estado da Bahia. O
tombamento do terreiro Casa Branca mostrou o reconhecimento da importância das
manifestações culturais das camadas populares, reconhecendo o candomblé como um sistema
religioso fundamental à constituição da identidade de uma grande parcela da sociedade
brasileira. Neste caso, também foi solicitado uma “reparação às perseguições e a intolerância
manifestadas durantes os séculos pelas elites e pelas autoridades brasileiras contra as crenças e
os rituais afro-brasileiros” (VELHO, 2006, p. 240).
Contudo, atualmente, apesar destes dispositivos constitucionais, observa-se a
persistência de manifestações qualificadas como intolerância religiosa, principalmente, contra
as religiões de matrizes africanas. Além disso, ressurgiu nas últimas décadas manifestações de
intolerância contra estas religiões no próprio meio religioso, com advento das religiões
neopentecostais. Estas religiões se utilizam dos meios de comunicação para divulgar a ideia de
que a cauda dos males deste mundo é atribuída à presença de demônio, o qual está associado
aos deuses das religiões afro-brasileiras (ORO, 2007).
Isso acontece especialmente com a linha designada “povo da rua”, “que foi associada
inicialmente ao diabo cristão e posteriormente aceita nessa condição por uma boa parcela do
povo-de-santo, principalmente o da umbanda” (SILVA, 2007, p. 11). Contudo, atualmente, uma
das ações repressivas mais pertinentes por parte dos neopentecostais se dá no espaço político,
no qual políticos evangélicos criam leis para inviabilizar as práticas das religiões afro-
brasileiras (SILVA, 2007).
Diante de relatos e comentários, muitos omitem seu credo e sua orientação religiosa,
bem como, parte de sua identidade, por medo de sofrer represálias, ofensas e discriminação por
seu credo. Percebemos que não há o respeito pela religião, por sua particularidade diversa da
maioria, e isso independe da aceitação de outros, mas do respeito ao ser humano que, nesse
momento, tornando-se alvo negativo por sua diversidade.

de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa. Parágrafo único – Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um
terço, sem prejuízo da correspondente à violência.
90

O desenvolvimento da personalidade humana ocorre em várias fases em que o


indivíduo aprende a fazer e retratar o seu eu, tendo o seu corpo como o seu significado,
originando suas percepções de afetividade e intelectualidade que formam sua
identidade de acordo com suas condições socioculturais e do seu meio [...]. Todas as
atividades cognitivas básicas do indivíduo ocorrem de acordo a sua história social e
acabam se constituindo no produto do desenvolvimento histórico-social de sua
comunidade. (SANTOS JUNIOR, 2010, p. 5-9)

Diante desse pensamento, deve-se compreender que, para a criança que adere à religião
de matriz africana, seu contexto de fé é o mesmo que para uma criança católica e/ou evangélica
e que seus cultos são tão sagrados quanto qualquer outro, de qualquer denominação religiosa.

A tradição religiosa afro-brasileira é a parte do legado deixado por homens e mulheres


que contribuíram de forma significativa para a diversidade do país em que vivemos.
A sabedoria e os valores das religiões de matriz africana é um expressivo elemento da
cultura brasileira que foi mantido por gerações. (HIGINO, 2011, p. 14)

Ser professor implica apoiar e valorizar a criança negra ou branca, adepta das mais
distintas religiões. Não se trata de gesto de bondade, mas a preocupação com a nossa própria
identidade de brasileiros, das diversas matizes africanas que perpassam culturalmente o país.
Se insistimos em desconhecê-las, ou fingirmos não as observá-las, não as assumimos e nos
mantemos alienados dentro de nossa própria cultura. “Triste é a situação de um povo, triste é a
situação de pessoas que não admitem como são e tentam ser, imitando o que não são” (SILVA,
1996, p. 175).

2.3 Religiões de matrizes africanas e educação: percepção docente

[...] a transformação radical do sistema educacional herdado do colonizador exige um


esforço inter-estrutural, quer dizer, um trabalho de transformação a nível da infra-
estrutura e uma ação simultânea a nível de ideologia. A re-organização do modo de
produção e o envolvimento crítico dos trabalhadores numa forma distinta de
educação, em que mais adestrados para produzir, sejam chamados a atender o próprio
processo de trabalho (FREIRE, 1984, p. 21).

Freire (1984) chama atenção para um adestramento do sistema educacional produzido


em bases coloniais e a necessidade de transformação. Em nossa compreensão, tal transformação
envolve superarmos o racismo e a intolerância, incluindo novas abordagens em perspectivas de
trabalho com as temáticas de pluralidade cultural o ensino. Quando lidamos com a temática das
religiões de matrizes africanas, utilizamos a expressão de modo a incluir diferentes práticas e
rituais, desde candomblés, umbandas, batuques, terecôs, omolocôs, dentre outras.
Compreendemos que a expressão constitui uma maneira genérica, porém, o objetivo é menos
91

detalhar classificações conforme adeptos e literatura e mais chamar atenção para o fato de que
tratamos de religiões que possuem elementos africanos em maior ou menor medida, em suas
conformações.
Apesar da divergência semântica (sentido e referente) do uso do termo religiões de
“matriz” ou “matrizes” africanas na literatura especializada, etimologicamente, ambas as
palavras são derivadas do mesmo radical (matr-), costumeiramente, são atribuídos os mesmos
significados como designação do continente africano, e não a localização geográfica ou os
territórios dos grupos religiosos geradores das religiões afro-brasileiras. Não podemos atribuir
os mesmos significados aos dois termos, o sentido, ou representação simbólica em relação à
origem deve ser compreendido como um continente e sua população em razão da segmentação
da experiência humana; já o referente, necessário se faz considerar como diferentes, dispondo-
lhes de valores distintos em razão da localização, da história, da língua a da cultura. Portanto,
optamos pelo uso de religiões de matrizes africanas como forma de designação das diversas
tradições religiosas transmitidas pelos(as) africanos(as) para o Brasil a partir de traços56,
culturais, linguísticos57, históricos58 e geográficos59.
Conforme Lopes (2004, p. 566), “os traços culturais determinantes da africanidade no
Brasil provêm basicamente, de dois grandes extratos civilizatórios”, que se costumam
classificar como bantos e sudaneses, consequentemente, a existência de uma matriz sudanesa e
de outra matriz bantu como forma de representação das diversas vertentes religiosas afro-
brasileiras (LOPES, 2004, p. 567-571). No Brasil essas religiões formaram-se a partir da
diáspora negra quando pessoas vieram de várias regiões do continente africano, foram trazidos
e escravizados. Como comenta Goldman (2005, p. 3), são “resultantes de um processo criativo
de reterritorialização (...), de uma recomposição, em novas bases, de territórios existenciais”.
Entendemos que algumas características são comuns a elas e podem auxiliar a identifica-las.

56
Aqui referimo-nos ao conceito de fronteiras proposto por Barth (op. cit., p. 226) em relação as diferenças
culturais e não o entendimento de nação atribuído as religiões afro-brasileiras.
57
Conforme Greenberg (1982, p. 314) as línguas africanas classificam em quatro famílias principais (Línguas afro-
asiáticas, Niger-Kordofaniano, Nilo-Saariana e Khoisan), no Brasil destacaram-se tão-somente as influências dos
falantes do Niger-Kordofaniano, as línguas do grupo kwa (ioruba, fon, ewe, ibô, etc) e do grupo Bantu (Kimbundo,
Kikongo, etc).
58
A história das religiões afro-brasileiras e sua origem no continente africano, conforme Luz (op. cit., p. 25) por
ser “a civilização mais antiga do mundo”, deve ser observada a partir do historicismo das vertentes religiosas
transferidas para o Brasil.
59
Em razão do relevo geográfico, com exceção da África do Norte, o continente permaneceu por vários séculos
fora das principais rotas de comércio, é certo que não completamente, o que só ocorreu com maior intensidade a
partir do século XV (DIARRA, 1982, p. 337), portanto, a predominância das religiões seriam àquelas referentes
as regiões geográficas-econômicas e políticas dos quatros ciclos da escravidão incluído o tráfico clandestino para
o Brasil, como bem assinalou Anjos (2009, p. 58) sendo “o território étnico seria o espaço construído, materializado
a partir das referências de identidade e pertencimento territorial e, geralmente, a sua população tem um traço de
origem comum”.
92

Márcio Goldman (2005) apontou a presença de divindades (orixás, voduns ou inkices),


a possibilidade de existir processos de iniciação, oferendas e sacrifícios animais. Acrescentaria
a presença do transe ou incorporação como alguns adeptos da umbanda nomeiam. Portanto,
utilizamos para essa pesquisa o termo “religiões de matrizes africanas” entendendo as
influências de diferentes localidades do continente africano, bem como as distintas expressões
que se formaram no Brasil, algumas com maior presença dos elementos africanos e outras
menos. Cabe ressaltar que colocamos em questão o conceito de tolerância, pois, entendemos
que este pode ser traduzido como uma falsa aceitação do outro. Aceitar a diferença não significa
concordar com ela, ou mesmo “aceitá-la”, mas, muitas vezes, se mantém a ideia de hierarquia
entre saberes, culturas e modos de ser. Compreendemos a intolerância como não aceitação do
outro, da cultura, da diferença e de valores éticos de povos que provém, em especial, de
experiências socioculturais distintas das matrizes cristãs. Também assumimos aqui, que
historicamente a intolerância religiosa se abate particularmente sobre as religiões de matrizes
africana que se traduz como uma das faces do racismo. (SILVA, 2015. P. 3).
O preconceito referente às religiões de matriz africana, que por muitas vezes o docente
também contribuiu para de forma velada ou declarada sua posição em relação a temas como
esse abordado, bem como à sua história que, por sua vez, se agrega à própria história do Brasil,
ainda é persistente em nossa sociedade, refletindo sua maior característica – a intolerância. Não
pretendemos aqui exaltar esta ou aquela religião, mas compreender como as tradições religiosas
de matrizes africanas têm sido abordadas em sala de aula no ensino público em Marabá. Não
pretendemos aqui exaltar esta ou aquela religião, mas compreender como as tradições religiosas
de matrizes africanas têm sido abordadas em sala de aula no ensino público em Marabá.
Em uma matéria divulgada pela BBC News Brasil, por Jefferson Puff, no dia 21 de
janeiro de 2016, foi abordado o seguinte tema: Porque as Religiões de Matriz Africana são o
principal alvo da intolerância no Brasil? De acordo a matéria constatou-se:

Dados compilados pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de


Janeiro (CCIR) mostram que mais de 70% de 1.014 casos de ofensas, abusos, e atos
violentos registrados no Estado entre 2012 e 2015 são contra praticantes de religiões
de matrizes africanas. (PUFF, 2016, n.p.).

A BBC News ouviu especialistas sobre as razões da hostilidade contra as religiões de


origem africana, para eles, há duas explicações. Por um lado, o racismo e a discriminação que
remontam à escravidão e que desde o Brasil colônia rotulam tais religiões pelo simples fato de
serem de origem africana, e, pelo outro, a ação de movimentos neopentecostais que nos últimos
93

anos teriam se valido de mitos e preconceitos para “demonizar” e insuflar a perseguição a


umbandistas e candomblecistas. A matéria aponta também que “70% das agressões são verbais
e incluem ofensas como macumbeiro e filho do demônio,” as manifestações também incluem:
“Pichações em muros, postagens na internet e redes sociais, além das mais grave que chegam a
invasões de terreiros, furtos, quebra de símbolos sagrados, incêndios e agressões físicas.”
A Lei11.645/08, em seu artigo 1º, diz que “nos estabelecimentos do ensino fundamental
e médio, oficiais e particulares, tornam-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-
Brasileira e Indígena”. Seguindo a linha do disposto na referida lei, ressalta-se a importância
do estudo de raiz histórica da população brasileira, que se construiu também com o povo negro
africano (BRASIL, 2008). No meio escolar/educacional, os professores enfrentam dificuldade
para agir frente às formas de preconceito e da não aceitação da diversidade/diferença.
Em relação à dimensão da tolerância e das abordagens em sala de aula, entrevistamos
professores da rede municipal de educação de Marabá, todos professores da Educação Básica,
servidores públicos, no intuito de conhecer suas percepções e compreender as práticas
desenvolvidas. Ao conversarmos com o professor de História que aqui o chamamos de
professor C, observamos que a opção pelo silêncio – por ignorar a discriminação religiosa e
qualquer debate envolvendo aspectos religiosos – é a mais disseminada.
Muitas/os professoras/es sequer abordam esta questão na sua prática docente, não
inserindo em nenhum conteúdo curricular previsto. As tensões religiosas e as discriminações
presentes na escola não são reconhecidas por estes professores e, quando são, não são vistas
como questões que merecem ser enfrentadas em sala de aula. Muitas vezes, trata-se de um
assunto considerado polêmico e controverso demais e, portanto, é “mais confortável não
discutir”. Conforme em nossas entrevistas com o/a Professor/a C:60

Como nós sabemos isso fica um pouco a desejar, não se fala muito nessa linha de
religiões de matrizes africanas, se fala muito em questão cultural, as variedades
culturais que se tem, [...] e assim, isso fica muito especificamente de acordo o
professor, de acordo a religião que o professor tem [...]. Uma coisa que não avançou
muito, pelo menos até onde eu conheço, do qual as pessoas, professores de Ensino
Religioso, tendem trabalhar a questão religiosa, na escola, a questão da amizade, do
respeito, etc. Mas, a religião em si, o trabalho das religiões de matrizes africanas, no
caso, a umbanda, o candomblé, aquilo que é essencial das religiões de matrizes
africanas a conhecer, como é, ninguém tem muito feito esse trabalho não. (Professor/a
C)

60
Professor/a C. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: lanchonete núcleo
Cidade Nova, 2022.
94

A narrativa do docente traz o desafio da escola e das dimensões culturais múltiplas, o


que confirma a posição de Moreira e Candau (2003, p. 161), quando afirmam que “a escola
sempre teve dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferença. Tende a silenciá-las e
neutralizá-las”. A homogeneização e a padronização, aliadas à noção de disciplina, tornam a
escola um espaço mais “controlado”. Interessante a preposição levantada pelo professor D, onde
ele levanta a problemática da BNCC, quando ela trata a questão da diversidade de forma muito
geral. Conforme relata o/a professor/a D:61

Primeiro, cada região do nosso país, que compõe uma diversidade negra ela traz
consigo a bagagem cultural, a bagagem étnica de um determinado território da África.
Então, eu não tenho como generalizar questões afro ou afro-religiosas de uma forma
geral a nível de Brasil, a BNCC para mim, ela peca nesse quesito, então ela passa
assim, de uma forma muito superficial, pra mim, poder pensar por exemplo, num
projeto pro norte do Brasil, Pará, sobre uma questão afro-religiosa. Eu tenho que
primeiro pensar em qual etnia essa negritude ela se apresenta, ou não posso dizer que,
o componente curricular ela pode contemplar, uma mesma ação pra uma cultura, se
são de etnias diferente. Exemplo, posso pensar num projeto pro Pará as questões afro-
religiosas são as mesmas que eu posso implantar com mesmo sucesso com mesmo
desempenho para Salvador, pra Bahia? [...] são todas iguais? Então, ela não é uma
questão homogênea. (Professor/a D)

O/a professor/a D continua, em seu relato, questionando o fato da BNCC trazer um


“Currículo de unificação”, desconsiderando a diversidade das diferentes regiões do Brasil.

A BNCC também devia pensar nessa diversidade negra, não é porque são negros que
são todos iguais, não é porque é uma etnia negra que são todos iguais, não é porque
tem um culto afro, uma afro-religiosidade, que são todos iguais, [...] isto é uma questão
séria, negro, não é tudo igual. (Professor/a D)

A questão da religiosidade é controversa e em uma sociedade cuja maior parte da


população é cristã, abordar religiões de matrizes culturais diferentes tem se tornado difícil.
Especialmente quando se evidencia casos constantes de intolerância, racismo religioso e
cultural. Que acontece por vezes de forma violenta simbólica e fisicamente, como o
apedrejamento de alunos adeptos de religião de matriz africana, bem como o afastamento de
professores que, por sua vez, também professam essa fé (FRAZÃO, 2010).
Em se tratando da temática que determina o artigo 26ª da LDB, professoras/es revelam
que uma das principais dificuldades para trabalhar esse conteúdo está na abordagem sobre as

61
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
95

religiões de matrizes africanas. Trazemos à tona os aspectos narrados por professoras/es “D”62,
“B”63 e “C”64

Uma experiência foi dentro da formação há muito tempo atrás, uns 10 anos atrás, a
determinada profissional que ela disse que já havia pertencido ao culto afro e que ela
já havia sido “convertida” e por conta disso ela não tinha interesse em trabalhar essas
temáticas, porque ela havia encontrado uma ação libertadora dentro da vida dela [...]
ela simplesmente fechou uns pontos [...] a filosofia que ela escolheu para a vida dela
acabou, uma questão pessoal, ela acabou interferindo dentro da questão profissional.
[...] Já teve situações, onde eu estava dando aula e falando sobre uma das religiões de
matrizes africanas “candomblé”, um aluno se levantou e se retirou da sala de aula [...]
e a mãe dele, acho que que ele deve ter comentando para a mãe e a mãe resolveu não
permitir que ele acompanhasse as aulas. (Professor/a D).

Pelo meu olhar a BNCC, ela não traz tanta contribuição assim, pra implementação da
Lei 10.639/03. Logo que isso significa também, que essas políticas de debater as
religiões de matrizes africanas também vai ficar a desejar. (Professora/a B)

Se trabalhava mais essa questão do cristianismo. Lógico que eu enquanto professor


praticante da religião de matrizes africanas (umbanda), eu não poderia falar
exclusivamente de umbanda em sala de aula, por causa do preconceito. Então, eu
procurava fazer um trabalho meio camuflado em dizer, não é coisa do diabo, mas fica
muito a questão do professor. (Professor/a C)

Se a sala de aula pode ser vista como um espaço de disputa, entre falas, barulhos e
conversas paralelas, e de poder, o silêncio poderia ser compreendido como algo positivo ou
negativo. De acordo com Marcelo Andrade (2015), o silenciamento faz com que as diferenças
sejam negligenciadas. O autor define uma diferenciação entre o silêncio e o silenciamento. O
silêncio poderia ser ainda uma tentativa de expressar uma denúncia às condições inadequadas
de comunicação. Porém, ressalta que o silêncio também pode significar algo negativo quando
aponta para a falta de diálogo e intervenção sobre aquilo que discordamos. Nesse sentido,
estaria mais próximo do conceito de silenciamento, que segundo o autor expressa a manipulação
do discurso, de não querer escutar o que o outro, o diferente, expõe ou manifesta:

[...] Aqui percebemos que o silêncio pode ser silenciamento, o propósito de manipular
o discurso, de não deixar falar ou de não ouvir o outro, o diferente, o discordante, o

62
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
63
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá , 2022.
64
Professor/a C. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: lanchonete núcleo
Cidade Nova, 2022.
96

dissonante, o destoante. Assim, devemos reconhecer que enfrentar o conceito do


silêncio nos coloca diante de compreensões e/ou situações, muitas vezes, paradoxais.
De fato, precisamos diferenciar o silêncio do silenciamento 65. (ANDRADE, 2015, p.
63).

Este silenciamento é uma via de mão dupla na escola: se por um lado os alunos muitas
vezes escondem suas ideias e suas religiosidades, o fazem por entenderem que há uma falta de
abertura à comunicação na escola; de outro, a escola finge que estas diferenças não existem
para, entre outros motivos, não de ter que lidar com os conflitos religiosos. Assim, como
constataram Moreira e Candau, “questionar o ‘silêncio’ que aprisiona é fundamental. Falar
abertamente sobre a discriminação com os(as) alunos(as), para alguns dos(as)professores(as)
entrevistados(as), assumiria quase um caráter antipedagógico”. (MOREIRA; CANDAU, 2003,
p. 164).
O silêncio da escola e o silêncio de alunas/os na sala de aula sobre as questões religiosas
são fatores que não poderiam ser ignorados. Defendemos que uma prática pedagógica
antirracista deve ser de enfrentamento ao racismo e à intolerância no cotidiano escolar quando
se trata das diferenças. A escola possui uma missão cultural, tornando-se elemento-chave para
a articulação de interesses, de gostos e de socialização cultural de aspectos históricos, sociais e
culturais, sendo os professores os seus catalizadores, acelerando ou retardando o processo. A
atuação do professor é estratégica, exercendo um papel de tradutor da ideia oficial para o
contexto da prática.
Nessa perspectiva, a prática docente no contexto da sala de aula não pode ser encarada
como um exercício meramente técnico, marcado pelo atendimento às prescrições curriculares
desenvolvidas por outrem. Os aspectos que perpassam o ofício do professor são múltiplos e
complexos, inviabilizando qualquer tentativa de redução da sua ação. No plano da formação e
do exercício profissional, o que caracteriza o professor não é exclusivamente o domínio de uma
disciplina, mas o de um conjunto de conhecimentos, que chamados de saber docente (TARDIF,
2000.P. 15), que inclui uma gama não só de saberes, mas também de práticas relativas ao ofício
de ensinar.
Nessa direção, o ofício do professor implica um saber fazer que assegure a
aprendizagem da disciplina e a transmissão do que lhe é confiado pela via das diretrizes
curriculares e que, inevitavelmente, expressa uma determinada concepção de mundo. As

65
Ver também: ORLANDI, E. As formas do silêncio. Campinas, SP, Editora Unicamp, 2007; LAPLANE, A, L.
F. Interação e silêncio na sala de aula. Ijuí; Ed. UNIJUÍ, 2000.
97

dificuldades apresentadas por eles e a falta de formação são fatores que em grande medida
podem contribuir para esses silêncios e silenciamentos. Em especial, com a falta de formação
continuada sobre o tema religiões de matrizes africanas.
No entanto, ainda ao escutar a entrevista do/a professor/a D66, ele relata no decorrer da
fala que trabalha em duas escolas que ele prefere de chamar de escola A e escola B, e este
professor nos coloca que as escolas se diferenciam do padrão de pensamento, sendo uma mais
aberta sobre as questões religiosas, enquanto a outra não demostra essa abertura.

A gente vê atualmente nas escolas a presença muito forte do cristianismo evangélico


e católico. Há uma ausência em detrimento das demais manifestações religiosas [...]
tem uma questão que é muito séria: [...] há uma grande falta de protagonismo negro e
indígena dentro das escolas. [..] o protagonismo é insuficiente para que os espaços
escolares e os alunos entendam da importância que a questão afro ela exerce dentro
da sociedade brasileira. (Professor/a D).

Nessa mesma perspectiva, quando foi perguntado sobre o que a BNCC propõe no
componente de História para trabalhar a temática da diversidade religiosa de matrizes africanas,
o professor/a A67 relata:

Essa temática geral da BNCC, é de forma ampla que ela pega todo esse contexto. [...]
eu, ainda acredito que não contempla. Porque devia ser, principalmente quando tange
a questão cultural, né, musica, religiosidade, festividade, e principalmente aquele que
se trata especificamente da parte cultural religiosa, a herança cultural afro brasileira,
ela se restringe ainda. (Professor/a A)

A laicidade é um conceito que podemos discutir quando debatemos as temáticas das


diferentes religiões e suas concepções de mundo presentes no cotidiano escolar.
Compreendemos que essa discussão é necessária quando refletimos sobre em que momento ou
como a escola pública laica deve tratar a religião. Também entendemos que a análise do que
envolve a laicidade do Estado e de suas instituições remete ao momento em que se constitui a
instituição escolar republicana laica, obrigatória e gratuita. Ou seja, compete analisar a maneira
como a laicidade na escola foi pensada e incorporada nos debates do Estado.
Luiz Antônio Cunha (2018) em uma matéria publicada na Nova escola, defende o que
denomina princípios de uma educação pública laica, isto, é, uma educação para todos, em cujo

66
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
67
Professor/a A. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca
Municipal, Núcleo Cidade Velha, 2022.
98

espaço escolar não pode haver qualquer tipo de doutrinação. A construção de uma prática
pedagógica que tenha como referência a interculturalidade na escola deveria eleger como pauta
prioritária valores como tolerância, respeito ao diferente e à diversidade, e o entendimento de
que podemos e somos sempre influenciados por aquelas/es que divergem de nossas identidades.
Como nos lembra Molar (2012, p. 215), “a escola é o lugar para o qual convergem as
tensões expostas pela sociedade, apresentando em sua estrutura uma pluralidade que é sentida
de modo amplificado, no contato permanente e diário entre alunos e professores”. Nesse
sentido, na escola as diferenças apresentam maior visibilidade, e principalmente, o contato com
o “diferente” se dá de modo permanente, diário e inevitável. É nela que os conhecimentos
produzidos pela humanidade são transmitidos e também onde os conflitos que possam surgir
no seu cotidiano são mediados. Algumas ideias defendidas na educação como a
interculturalidade (CANDAU, 2008.p. 19), que seria a busca pela construção da diversidade, a
qual tenta provocar uma leitura positiva do outro e o respeito à diferença, amplia o olhar para
uma educação que visa trabalhar com as questões de identidade e alteridade.
A educação intercultural68 seria um caminho para isso, uma vez que coloca como
evidência uma nova consciência dos direitos as diferenças. Mas ressaltamos aqui a importância
de não enxergamos o/a professora como o/a grande redentor/a ou articulador/a de todas as
demandas da sociedade. Reafirmamos que existe ainda uma larga distância entre o que é
aprendido nos cursos de formação de professores/as com o cotidiano escolar ao qual a/o recém-
formada/o é lançada/o. Porém, dentro da perspectiva deste estudo, podemos afirmar que o
conceito de laicidade deve estar presente no Ensino de História, principalmente nos cursos
voltados para a formação docente para a educação pública.
No decorrer da entrevista com a professora B, ela relata sobre a ausência dessa discussão
em relação a temática das religiões de matrizes africanas no Ensino Superior, na formação
inicial de professores. Conforme vemos o relato do/a Professor/a B69:

Não aprendi nada na graduação, nada disso! A graduação foi muito voltada para um
currículo eurocêntrico. Então, a gente aprendeu muito da cultura eurocêntrica, da
cultura grega, romana e enfim, não teve assim, uma coisa que achei positivo na
graduação foi que estudei pelo menos Estudos Amazônicos. História da Amazônia
pelo menos agente teve contato. Isso foi positivo. Mas assim, nessa questão da história
africana e até a história da Ásia, por exemplo, né, eu acho que a gente deve muito. A

68
A interculturalidade na educação aparece como uma proposta pedagógica que busca envolver relações de
cooperação, respeito e aceitação, entre diferentes culturas e sujeitos, visando, dessa forma, respeitar as identidades
culturais, com o objetivo de propiciar a troca de experiências e o crescimento mútuo.
69
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
99

graduação não abordou esses assuntos. De uma maneira muito superficial então acho
que isso é um problema, foi um problema que me fez ficar nessa situação de me sentir
insegura, de não debater o assunto, de não ter tanta leitura sobre o assunto que precisa
leitura e vivência, né? (Professora/a B)

O Ensino de História pode ter grande relevância no papel de problematizador de


conceitos e ideias do chamado senso comum. A/o professor/a de História pode, em sua atividade
pedagógica, incluir debates sobre os discursos de intolerância religiosa e racismo, levando a
possibilidade de reflexões, almejando mudanças de pensamentos e atitudes.
Conforme nos relata o/a professor/a D70:

O professor em sala de aula tem que trazer essas questões de culto afro-brasileiro, [...]
muitos tem a curiosidade, mas muitos alunos eles tem medo, o preconceito de se tornar
protagonista e agenciador do saber, porque, eles são os produtores do saber junto aos
professores, então falta essa consciência desse protagonismo. (Professor/a D)

A escola deve ser o lugar mediador dos conflitos entre as identidades e o significado das
mesmas, assumindo o compromisso com identidades plurais e fluidas. A escola consiste nesse
espaço de construção de identidades, sabendo que essas não são fixas, mas mutáveis e que a
interação com o outro é o que permite a constituição da nossa identidade.
O professor de História pode ensinar o saber-fazer, lançar questões e reflexões, captar e
valorizar a diversidade, levantar problemas e reintegrá-los num conjunto de outros problemas
procurando transformar temas em problemáticas, dando condições para que o aluno possa
participar do processo do fazer, do construir a História. É preciso compreender e aceitar que
“os africanos influenciaram profundamente a sociedade brasileira e deixaram contribuições
importantes para o que chamamos hoje de cultura afro-brasileira” (MATTOS, 2012, p. 155) e
as formas que os descendentes africanos possuem para expressar sua fé são apenas uma parte
da sua cultura, que precisa ser valorizada, para assim dar fim ao racismo existente atualmente
no Brasil. O relato do/a Professor/a D71, aponta:

São essas informações, que faltam para a sociedade brasileira, a sociedade brasileira
é muito fechada, a mente do aluno é muito fechada e influenciada, principalmente do
6º ao 9º ano, que ainda não tem aquele amadurecimento religioso, vem influenciado
pela família, pelo pai, pela mãe, e a escola ela deve entrar como agente gerenciador
no processo educativo. Essas questões elas são altamente pertinentes. (Professor/a D).

70
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
71
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
100

Na percepção do/a professor/a D, faz-se necessário estimular o respeito e a prática da


convivência na diversidade, já que toda religião é iminentemente social, todas nascidas no seio
de grupos sociais que embora distintos, têm o intuito de suscitar, refazer ou manter certos
estados mentais desse grupo (SAMPAIO, 2009). Temos hoje um documento normativo
chamado BNCC, temos discussões dentro das universidades, temos palestras, porém o
protagonismo negro, ainda é invisibilizado, de acordo Professor/a D72.

Se discute a questão do negro como contribuição cultural, cujas contribuições são,


construções de pontes, mão de obra, praças, igrejas. Só essa contribuição? [...] eles
ensinaram a feijoada, a capoeira. O protagonismo fica onde? Não há protagonismo!
Professor em sala de aula tem que trazer essas questões do culto afro-brasileiro, [...]
ela é protagonista, ela age, ela interage. (Dando protagonismo ao negro e ao culto
afro-brasileiro). (Professor/a D)

Um importante passo para isso é o estudo da História da África e da cultura afro-


brasileira nos estabelecimentos de ensino do Brasil, os quais possuem uma função muito
importante para a compreensão da importância e das contribuições que os povos africanos
trouxeram tanto para o desenvolvimento da cultura afro-brasileira quanto para a formação da
sociedade brasileira, desenvolvendo uma consciência de respeito e valorização para com essa
cultura e, consequentemente, para com as religiões de matrizes africanas.
Portanto, é preciso achar meios que contribuam para acabar com o preconceito e com a
discriminação contra as religiões de matrizes culturais africanas e a educação possui um papel
fundamental para a construção de uma sociedade mais tolerante, que respeite e aceite as
diferenças, que saiba valorizar a cultura africana na sociedade brasileira e assim faça com que
a intolerância religiosa deixe de existir. Enfatizamos aqui que a pluralização de identidades que
perpassam o ambiente escolar não pode ser negligenciada, sendo necessária para atender a
demanda por uma sociedade mais justa e igualitária em direitos e deveres. Sendo assim, o
debate sobre as religiões de matrizes africanas no Ensino de História, na escola pública só pode
ocorrer coerente com um ensino laico e se colocar como agregador da religiosidade como
dimensão humana, e não em seu caráter confessional ou doutrinário.
No que se refere à dimensão educacional, considera-se importante situar as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais (DCNERER) (2004)
determinam o estudo do patrimônio, da história da cultura africana e afro-brasileira no Brasil,
como fundamental para todos. Neste sentido, faz-se mister apontar o caráter educativo presente

72
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
101

nas formas de organização das religiões de matrizes africanas, pois o sistema cultural negro-
brasileiro:

[...] na sua complexidade e dinâmica, expressa excelentemente bem as possibilidades


curriculares encruzilhadas na formação e nas estabilizações das ruas, dos territórios,
das rodas de samba e de capoeira, entre tantas outras manifestações culturais, em que
os traços culturais comuns, a rigor uma cosmogonia, exigem o reconhecimento e, ao
mesmo tempo, delineiam uma noção de currículo expandindo desse sistema cultural
e dos seus princípios estruturantes (ANTONIO, 2010, p. 123).

Segundo compreensão de Domingos (2014), Cunha Júnior (2010), Silva (2018) há uma
dimensão pedagógica na forma como o conhecimento dentro dos terreiros são transmitidos, na
medida que a educação articula processo de comunicação e interpretação social. Para Domingos
(2014, p. 134), a “pedagogia efetiva dentro do barracão funciona como fator determinante de
manutenção, continuação da cultura e da religião negra, exerce a função de inclusão social e
refúgio para sujeitos discriminados”. Assim, defende-se uma formação educacional a partir do
complexo cultural que emerge da ancestralidade, como forma identitária para a comunidade
escolar, em especial para aqueles estudantes que fazem parte da experiência religiosa de
matrizes africanas e seus desafios na prática escolar (CAPUTO, 2016. P. 178).
No “caso da escola pública, é importante destacar que não se trata de negar seu caráter
laico, mas, sim, de pautar a questão da religiosidade de matrizes africanas de forma ética,
entendendo-a como uma dimensão da experiência humana e do sagrado que emerge das
relações entre sujeitos sociais” (GOMES, 2015, p. 12). No entanto, no vasto universo
multidisciplinar a que se destina, observam-se constantes desafios para discutir uma dimensão
específica, as religiões de matriz africana, por conta de um olhar redutor de seu significado
como reveladora de um universo filosófico e civilizatório.
No entanto, também se evidenciam enormes dificuldades em se lidar com um aspecto
essencial dessa tradição cultural, que são as religiões de matrizes africanas, por conta de
diferentes argumentos. Como pontua Santos (2015), para ele há pelo menos três pressupostos
básicos no debate sobre a intolerância no espaço escolar: “O primeiro é de que a educação
escolar constitui-se em espaço e tempo de formação de identidades socioculturais, de
reprodução e enfrentamento de preconceitos e também formas correlatas de intolerância”
(SANTOS, 2015, p. 61), indicando seu papel contraditório ao lidar com esse tema. O segundo
pressuposto “[...] é o de que, em vários segmentos da sociedade brasileira, encontram-se
atitudes de preconceitos e de intolerância com relação aos adeptos e às religiões de matrizes
102

africanas”, elementos que se vinculam ao debate de que a educação é atravessada por injunções
sociais e políticas.
O terceiro pressuposto “[...] é o de que a hegemonia das religiões de matrizes judaico-
cristã, a discriminação racial e a satanização de entidades espirituais produzem uma
invisibilidade das religiões de matrizes africanas pelas políticas educacionais” (SANTOS,
2015, p. 61), contribuindo para o desinteresse de educadores(as) sobre as práticas vivenciadas
pelos sujeitos que frequentam a sala de aula. Assim, deixam de compreender que essas
vivências são produções da humanidade como quaisquer outras e que afetam a relação entre as
pessoas e delas com o mundo. Como podemos perceber no relato do/a professor/a C73, há uma
visão muito deturpada e estigmatizante na escola sobre as religiões de matrizes africanas:

Quando você fala da religião de matrizes africanas, ela é menosprezada, é o que não
presta, é marginalizada, é do demônio, é do cão, é do capeta. [...] As pessoas dizem
assim, os orixás são demônios! Os orixás não são demônios, as pessoas acham isso
porque não tem conhecimento. [...] As crianças não se assumem como praticante de
nenhuma religião de matrizes africanas, porque têm medo. Tem uma criança que tem
uma prática religiosa de matriz africana, só que ela falou só pra mim, ela não falou no
geral. (Professor/a C)

Revela-se cada vez mais urgente a necessidade da promoção de espaços articuladores


para essas reflexões, que possibilitem a elaboração de saberes, pesquisas e transformações na
prática docente, em relação ao debate das relações raciais brasileiras, em especial sobre o
significado dos valores atribuídos as formas religiosas de matrizes africanas no Brasil. Isso
significa, como bem nos lembra Fanon (1997), romper com o estatuto colonial herdado com a
escravidão, o extermínio físico, psicológico, simbólico de povos indígenas, bem como dos
negros africanos e de seus descendentes.

73
Professor/a C. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: lanchonete núcleo
Cidade Nova, 2022.
103

3 DESAFIOS E POSSIBILIDADES SOBRE A PRÁTICA DOCENTE E AS RELIGIÕES


DE MATRIZES AFRICANAS EM MARABÁ

A religiosidade é pouco tratada durante as aulas de História nos anos finais do Ensino
Fundamental. Olhando para a última versão da BNCC, é possível perceber que dentre as
inúmeras habilidades propostas no componente de História, não há espaço evidente para asa
religiões de matrizes africanas. De acordo a percepção do/a professor/a D74, nosso
entrevistado/a, “há uma problemática muito séria na BNCC, porque ela trata de uma forma
muito geral. O próprio nome de diversidade matriz africana te propõe que existe uma gama de
questões a serem abordadas”. A variedade de religiões é pouco conhecida pelos professores e
retratada de forma superficial nos livros didáticos e, ainda, de forma muito eurocêntrica.
De acordo com o que foi relatado pelo/a professora/a B75 e o professor A, fica evidente
que em sua prática docente, em relação a essa temática das religiões de matrizes africanas, há
muito ainda o que aprender, e que a BNCC após a sua implementação, pouco contribuiu para
suas práticas em sala de aula, conforme podemos constatar abaixo:

Então, vou falar da minha prática [...)]a BNCC não tem sido tão positiva [...] eu tenho
muito a aprender ainda, sabe, sobre esse tema, não vou negar, eu acho assim, que me
sinto mais segura em debater na educação étnico-racial, nessa linha que não aborde
muito as religiões de matrizes africanas, então quando eu vou falar das Leis 10.639/03
e 11.649/08, a questão do continente africano, quando eu vou falar dos movimentos
negros e aquilo que ele tem feito eu me sinto mais segura para debater esses assuntos
porque tenho mais tempo de leitura e envolvimento com esse movimento. Mas, eu
confesso, que nessa questão ai de religiões de matrizes africanas, candomblé e
umbanda e outras demais, acho que devo muito ainda, devo no sentido de que tenho
déficit de conhecimento sobre esse assunto, eu me sinto ainda engatinhando.
(Professor/a B)

E de acordo com o que foi relatado pelo/a professora/a A76:

Tudo o que acompanhei, é bem complicada a nossa realidade aqui em relação a BNCC
de contribuição, é muito distante da nossa realidade, sinceramente. Nem superficial,
porque infelizmente na educação você vê, não especificamente, mas infelizmente a
gente ainda tem uma relação com o livro didático. Pelo menos eu ainda tenho uma
relação com o livro didático. E infelizmente, (...) ele engessa agente, e a abertura é
muito pouca. (...). (Professor/a A)

74
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
75
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
76
Professor/a A. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca
Municipal, Núcleo Cidade Velha, 2022.
104

E conforme o relado do/a Professor/a B77:

Quando olho para a BNCC e a própria proposta fico pensando o que fazer com isso?
[...] A frustação se dá porque a gente vê que é tantos anos, é 20 anos praticamente da
Lei 10.639/03 e tantos anos que os movimentos negros vêm lutando pra que o
currículo mude, pra que o currículo tenha a cara das pessoas que, como um todo, que
ele consiga abordar a história regional, a história local. [...] a gente não percebe essa
preocupação de contemplar todos esses sujeitos dentro do documento. Vem com umas
palavras bonitas, diversidade. O que é diversidade? (Professor/a B)

Diferentemente, o/a professor/a D78, se manifesta em relação à BNCC afirmando que


contribui para a abordagem da temática das religiões de matrizes africanas. Para ele, colabora
da seguinte forma:
Ela vai institucionalizar um currículo, então, a base ela vem para isso, [...] para que a
gente pensasse, repensasse essa questão proposital, [...] apresentar o currículo,
exemplo, todas as cidades elas tinham um currículo pensando em várias questões
nacionais, e numa questão regional. Agora, a gente tem que pensar num todo. E a
questão afro-religiosa ela é uma questão de suma importância. Mas, muitos [...] não
trabalham. Você tem o que? A obrigatoriedade de participar desse processo de
unificação. [...] agora, você é obrigado, a base veio para isso. [...] pra você repensar
[...] na questão negra. (Professor/a D)

Ao ser perguntado sobre a homologação da BNCC, que se deu em 2017, e após a


implantação do documento no município de Marabá, se isso acrescentou algo na sua prática de
ensino, referente ao ensino de História, o/a professor/a D79 respondeu que “a BNCC veio
contribuir, esclarecendo como o currículo pode trabalhar essas questões. Colaborando de forma
legal, legitimando, institucionalizando. Na prática, ele continua trabalhando como sempre”. No
entanto, este professor continua, dessa vez relatando que em relação às habilidades de História,
destacando uma ausência nas questões afro-brasileiras, em especial por conta da hegemonia de
temas e abordagens:

Não vejo contemplação, não está acontecendo, [...] o profissional de História, ele tem
que repensar como é que fica a questão da hegemonia, então da verdade, é lima “faca
de duas pontas, por quê? Você é obrigado, mas será que o profissional de certa forma
ele está preparado para esse tipo de abordagem? Será que as questões e concepções
pessoais elas acabam interferindo pra que não sejam trabalhados? [...] tem

77
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
78
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
79
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
105

profissionais que fazem a rigor da lei e tem profissionais que se ele tiver abertura para
não trabalhar, ele não trabalha. (Professor/a D)

Hoje, o Brasil constitui o segundo país em população negra no mundo de acordo o


Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 56%, esse é o percentual de pessoas que
se declaram negras no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
Contínua do IBGE. Dos 209,2 milhões de habitantes do país, 19,2 milhões se assumem como
pretos, enquanto 89,7 milhões se declaram pardos. Nos deparamos com vários casos de
intolerância, principalmente em relação às religiões de matrizes africanas. Tais tensões são
apresentadas como conflito e intolerância nas entrevistas dos professores, conforme
evidenciado no relato do/a professora B80: “Tem caso [...] de um aluno do 8º ano, [...] a aluna
[...] por conta da discussão da professora com essa temática chamou a professora de
macumbeira, [...] e escreveu na carteira que a professora é macumbeira”.
Há um preconceito expressivo em relação a essa temática, expondo o racismo latente,
evidenciando como as crianças estão encharcadas de uma visão racista, entranhada na sociedade
desde o processo de colonização, que continua vivo na sociedade e nas famílias atualmente. Em
outro momento, o/a professor/a B81 traz o seguinte relato:

Se eu for discutir religiões de matrizes africanas no 9º ano, vai ter um momento que o
aluno não vai ouvir, que aquilo a religião dele não permite. [...] não vou ficar ouvindo
porque a minha família não me permite ficar ouvindo história de religião de macumba.
[...] Nos 6º e 7º anos, teve um ano especificamente, que veio muito à tona esta questão
de macumba. (...) trabalhamos o ano todinho e, assim tentando desmistificar essa
ideia. (Professor/a B)

Portanto, torna-se evidente que a diversidade religiosa presente em nosso país é bastante
geradora de conflitos, marcadamente pelo viés racista da sociedade e da pouca compreensão
sobre ritos e práticas de religiões que não contenham formação cristão, ocidental e europeia.
São inúmeras religiões e práticas culturais que precisam ser reconhecidas e valorizadas porque
fazem parte da história nacional.
Sabemos que atualmente o Brasil é um Estado laico, ou seja, legalmente o Estado é
independente e não está submetido aos propósitos de qualquer confissão religiosa. Além disso,
os cidadãos têm a garantia constitucional de poder confessar a religião que desejarem, sem

80
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
81
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
106

discriminação. No cotidiano, entretanto, o cenário que encontramos apresenta um número


elevado de intolerância, algumas vezes acompanhada de violência e, constantemente de
violência simbólica.
Os estereótipos são os que mais se reproduzem em relação à representação sobre o negro
em nossa sociedade, motivados por inúmeros fatores articulados ao racismo. Sobre os
significados e as representações dos estereótipos na sociedade brasileira e a importância de
desmitifica-los, o/a professora B82 destaca a importância de desmistificar esses estereótipos:

Importante desmistificar [...] porque esses símbolos, tanto ligado a cultura africana do
povo negro quanto indígena, costuma ser muito estereotipado. Costuma ser muito
colocado como uma coisa inferior, como ruim também, por isso, importante
desmistificar essas representações, dá um outro sentido pra esses símbolos e trazer
eles pro nosso cotidiano, pra as aulas, na nossa vida, [...] importante o outro ver na
gente que não venha carregado com esse preconceito em relação a essas culturas.
(Professor/a B)

Nessa mesma perspectiva, o/a professor/a D83, o que trabalha com o componente de
História em turmas do 6° e 9° ano, em Marabá, verificou alguns constrangimentos de alunos ao
se assumirem como afrodescendentes ou que pertencem a uma religião de matriz africana. Os
colegas da turma os rotulavam de macumbeiros, visivelmente num discurso de alunos
carregados de preconceitos. O/a professor/a D84 relatou:

Hoje me sinto mais seguro, mas, alguns anos atrás eram pouquíssimas pessoas que
sabiam (o fato de ser professor ser candomblecista), primeiro, entendia que era um
lado extremamente pessoal meu, então, não tinha por que dar satisfação. Com o passar
do tempo vim entendendo que essa questão de não querer dá satisfação, que na
verdade tinha um “Q” de receio de ser desrespeitado, de perder uma certa valorização
social que eu tinha, de não ser compreendido, de ser retalhado, porque eu era
praticante do cristianismo católico. Então, com o passar do tempo, eu fui percebendo
que as pessoas que tem esse tipo de comportamento acabam retardando os avanços
das discussões pelo respeito a prática do culto afro-brasileiro no Brasil. (Professor/a
D).

Outro traço marcante das falas dos professores e professoras entrevistados é a ideia de
que as práticas religiosas de matrizes africanas pouco são retratadas em sala de aula. Nas aulas

82
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
83
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
84
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
107

de História o assunto é limitado, restringindo-se, de maneira geral, à questão cultural. Durante


seus cursos de graduação, muitos professores não tiveram acesso a disciplinas sobre o ensino
de história da África e sua influência na formação da sociedade brasileira, principalmente em
relação à religiosidade. “Intransigência com relação a opiniões, atitudes, crenças, modo de ser
que reprovamos ou julgamos falsos”, assim é definida a palavra intolerância no Dicionário
Houaiss. Ao longo da História, não faltam exemplos em que ela possa ser aplicada,
principalmente quando envolve questões religiosas. O/a professor/a B85 traz a dimensão da
sensibilidade e da:

Olhando os conceitos que a BNCC traz, que é esse conceito da diversidade fortemente
presente possibilita. [...] pode-se basear nele pra fazer por exemplo, se a diversidade
é um tema que tem que ser debatido então eu posso também discutir a diversidade
religiosa, ao invés de ficar só falando a religião cristã, eu tenho que trazer por
exemplo, elementos [...] imagina uma pessoa que nem eu ou outro professor(a) que
tenha uma sensibilidade, que tenha essa relação com movimentos sociais negro, ela
vai sim utilizar essas brechas que vai ter na BNCC para trabalhar o tema das religiões
de matrizes africanas. Só que aí a gente, tem que ver pras pessoas que não tem essa
sensibilidade, o que elas vão fazer entendeu? Porque ao mesmo tempo que esse
conceito contribui pra uma abertura [...], um conceito amplo demais assim, um
conceito amplo que eu posso muito bem fugir pra uma outra linha, por exemplo, ao
invés de discutir as religiões de matrizes africanas que é que tem que esse embate
assim mais expressivo, e agente, sofre mais o preconceito de maneira expressiva. Eu
posso por exemplo debater o hinduísmo que é um assunto que você vai discutir no 6º
ano por exemplo que não tem muita resistência. Eu posso até discutir o islamismo
gente, você vai discutir na sala de aula e não sente o impacto do preconceito como
quando você vai dizer, por exemplo, do candomblé, da umbanda. Pronto! Falou de
umbanda e candomblé a gente, sente a rejeição por parte dos alunos. (Professor/a B)

Em tempos de intolerância e retrocesso, abordar temas voltados à religião constitui um


trabalho difícil de ser realizado diante da massificação do pensamento que se inclina à negação
da diversidade religiosa e toda contribuição dos povos africanos na diáspora. Portanto, o papel
do professor pode fazer a diferença. O/a professor/a B86, quando perguntada acerca de como a
BNCC acrescentou em sua prática em sala de aula em relação as religiões de matrizes africanas
foi contundente em responder:

Toda a minha experiência [...] ela está muito mais ligada com minhas experiências
com os movimentos sociais, com o movimento negro. É essa experiência que faz com
que eu tenha esse olhar, essa preocupação do que com esses documentos. Esses
documentos, eu sinceramente tenho dificuldades de perceber algum acréscimo [...]

85
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
86
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
108

positivo desses documentos com essas temáticas que eu estou debatendo aqui, eu
tenho muita dificuldade em perceber melhorias sabe? (Professor/a B)

A importância dos africanos e seus descendentes para a história do Brasil demanda


reconhecimento e valorização. “Aos africanos trazidos foram impostas a língua e a religião dos
colonizadores para poder melhor servir aos interesses dos proprietários da terra”87
(BRANDÃO, 1986. p.29). Desde o período colonial se tem notícias de cultos africanos em
terras brasileiras. Como os africanos foram trazidos para o Brasil como escravos e a religião
oficial era católica, todos foram proibidos de cultuar suas divindades livremente. “A princípio
proibiram os cultos, sob a alegação de que as práticas religiosas eram demoníacas, utilizando o
batizado para libertar os negros do poder do demônio e dar-lhes uma alma, que os aproximasse
do Deus dos brancos”88 (SILVA, 20011, p. 11).
A partir daí, a repressão dos colonizadores e das autoridades oficiais às religiões
africanas e afro-brasileiras, levaram seus adeptos a fazerem adaptações para escapar da
perseguição. Entidades divinas foram associadas a santos católicos, por exemplo. A intolerância
é generalizada. No imaginário popular todos que professam religiões afrodescendentes são
rotulados de macumbeiros ou seguidores do diabo. Isso, fica evidente nas falas dos professores
e professoras que entrevistei. O/a professor/a B89 atribui ao fato de ter sido formada numa
família que o cristianismo era a base, e que no geral as pessoas se identificam dessa forma, o
cristianismo historicamente contribuiu para uma imagem ruim das religiões de matrizes
africanas, sendo fortemente responsável pelo racismo expressivo em relação a essas religiões.
De certo modo, a vida dessa docente também foi afetada, uma vez que ela foi uma pessoa muito
ligada à Igreja Católica e percebe muito condicionada com as coisas que aprendeu dentro
daquilo que a religião cristã ensinava. E o que seriam esses ensinamentos? Tais ensinamentos
eram:

Que as religiões de matrizes africanas não são religiões, e quando são, estão sempre
ligadas com coisas do demônio. Enfim, a gente, aprende a não reconhecer essas
experiências religiosas, populações como uma coisa positiva. Agente aprende que
aquilo é tudo coisa negativa. E o cristianismo, infelizmente, faz esse papel de
demonização do outro e da religião do outro. (Professor/a B)

87
BRANDÃO, Carlos. Identidade & Etnia. São Paulo: Brasiliense, 1986.
88
SILVA, Ana Célia da. A representação social do negro no livro didático: o que mudou? Por que mudou?
Salvador: EDUFBA, 2011, p. 84.
89
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
109

A abordagem religiosa é um dos tabus a serem discutidos quando falamos em África.


Pode ser extremamente espinhoso o desenvolvimento dessa temática se não houver meios para
um aprofundamento teórico. Para os adeptos das religiões de matrizes africanas, a principal
dificuldade concentra-se no receio de um professor, aluno ou diretor de escola que seja
praticante da religião assumir suas crenças e práticas no ambiente escolar, pois são
estigmatizados. Além do mais, sabemos que os cristãos (católicos e protestantes) são maioria
nas escolas. De acordo o relato do/a Professor/a B90: “Na minha experiência de sala de aula
aqui em Marabá, nunca encontrei um aluno que tivesse coragem de dizer que pertence a religião
de matrizes africanas. Pra mim isso é um problema!”
A fala da professora B remete muito ao pensamento do professor D, uma vez que ambos
problematizam o fato de a escola não ser um ambiente seguro na visão desses alunos e alunos
que embora, tenham alguma ligação a uma prática religiosa de matriz africana, não se
identificam com tal prática religiosa, suscitando diretamente a questão da insegurança. Mesmo
que, apesar do esforço de alguns professores em debater o assunto, ainda é algo insuficiente.
Daí a relevância do Ensino de História local, incluindo a religiosidade, apresentando-se
como um ponto de partida para a aprendizagem histórica e reconstrução das identidades.
Segundo Gaddis, “O estabelecimento da identidade requer o reconhecimento de nossa relativa
insignificância no grande esquema das coisas.91 Com a introdução da História local como objeto
de estudo nas aulas de História, requer que o professor explore a religiosidade afro-brasileira
local. A abordagem da religiosidade afro-brasileira local pelo professor em sala de aula dá
sentido de inclusão. Falar sobre a vida cotidiana contempla reflexões das representações
construídas socialmente, como aponta Agnes Heller:

A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida


cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Nela,
colocam-se ‘em funcionamento’ todos os seus sentimentos, paixões, ideais e
ideologias.92

90
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
91
GADDIS, John Lewis. Paisagens da História. Como os Historiadores Mapeiam o Passado. Rio de Janeiro:
Campus, 2003.
92
HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. São Paulo: Paz e Terra 2008.
110

Segundo Silva, a “realidade, o cotidiano do outro pode conter uma trama de construções
que visam ocultar o real vivido, porque esse real pode ser visto Não como diferente, mas como
desigual”93. Isso significa que é preciso desconstruir nossos preconceitos para entender o outro.

3.1 O papel do professor nas abordagens sobre a intolerância religiosa

O respeito e a prática da convivência na diversidade constituem desafios em sociedade


e na escola, já que toda religião é iminentemente social, nascidas no seio de grupos sociais que,
embora distintos, e possuem o intuito de suscitar, refazer ou manter certos estados mentais desse
grupo (SAMPAIO, 2009. P. 685).
No caso do ensino de história e cultura africana nas aulas de História, na maioria das
vezes, para Marabá, recente trabalho de mestrado de Maria Raimunda Santana Fonte apontou
o desafio de implementação da Lei Federal n. 10.639/03, tanto em termos de formação de
professores, ausente nas políticas do município, como da prática docente em sala de aula
(FONTE, 2022). Temas sobre história e cultura afro-brasileiras não costumam ser tocados
porque acreditam em uma democracia racial94.
Em nosso país, a presença marcante do mito da democracia racial vem sendo
reproduzida pela mídia e até mesmo pelas instituições de ensino, o que leva acreditar que
religião não se discute. Pensar em democracia racial requer, portanto, pensar em uma sociedade
em que todas as pessoas, independentemente de sua origem étnico-racial e da cor, sejam livres
e tenham direitos iguais. Quando falamos de democracia em sentido amplo não estamos falando
apenas de possibilidade de participação política, mas também de igualdade de direitos,
igualdade social, igualdade racial e liberdade garantida a todas as pessoas.
A ideia de democracia racial foi construída pela intelectualidade negra brasileira na
metade do século XX, após leituras e interpretações da obra do sociólogo Gilberto Freyre. Isso
porque, em sua obra “Casa Grande e Senzala” (1933), Freyre foi um grande propagador da ideia
de democracia racial ao defender que, ainda que a colonização tenha sido marcada pela
imposição dos valores europeus, supostamente a “miscigenação” no Brasil teria contribuído
para proporcionar uma relação menos conflituosa entre as raças (SPAGNA, 2022).

93
SILVA, Ana Célia da. A representação social do negro no livro didático: o que mudou? Por que mudou?
Salvador: EDUFBA, 2011.
94
SANTOS, Joel Rufino dos. A Questão do Negro na Sala de Aula. São Paulo: Global Editora, 2016.
111

O problema é que essa teoria desconsidera a condição inicial de exploração


entre negros e brancos, que produziu relações desiguais ao longo do tempo. E
o passado de abuso, submissão e exploração econômica e imposição cultural,
não foi completamente superado, portanto, essa ideia acabaria contribuindo
para camuflar as desigualdades raciais. (SPAGNA, 2022, p. 3).

A escravidão, o racismo e a exploração de territórios africanos por parte de nações


europeias deixaram cicatrizes de preconceito e discriminação em nossa sociedade, e, em 1948,
após os horrores da Segunda Guerra e do Holocausto, a Organização da Nações Unidas (ONU),
promulgou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A declaração enfatiza a igualdade
de direitos entre todos os seres humanos, independente de raça, cor, religião, nacionalidade ou
gênero.
O Brasil enfrenta o racismo estrutural, aquele que não é explícito em um preconceito e
uma discriminação claros e distintos, ele está enraizado na sociedade. O racismo estrutural
finca-se nas bases da sociedade brasileira, e só é perceptível por um olhar apurado que veja a
discrepância de renda, de empregabilidade e de marginalização da população negra em relação
a população branca. Pelo fato, de o Brasil não ter um projeto oficial governamental de
segregação entre negros e brancos, houve aqui a disseminação de uma ideologia (ou mito) da
democracia racial.
Silvio Almeida, em seu livro Racismo estrutural (2019) aborda reflexões acerca dos
conceitos raça e racismo. O autor debate os conceitos de racismo, preconceito racial e
discriminação racial, além de apresentar três concepções sobre o racismo: individualista,
institucional e estrutural. Quanto à concepção de racismo estrutural, Almeida discute a relação
entre o racismo e a economia.

O racismo está presente na vida cotidiana dos indivíduos e, portanto, será reproduzido
dentro das instituições caso elas não criem políticas internas que barrem essa
reprodução. O autor defende que algumas atitudes internas podem ser tomadas, como
promover o debate interno e externo sobre diversidade, remover os obstáculos para
ascensão em cargos de prestígio, revisão das práticas institucionais. (ALMEIDA,
2019. p. 23).

A tese do autor é: “O racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, de


modo ‘normal’ com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até
familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é
estrutural.” (ALMEIDA, 2019, p. 15). Contudo, quando dizemos que o racismo é estrutural,
não estamos retirando a responsabilidade do indivíduo com a manutenção do racismo. Para
Almeida, o reconhecimento de que o racismo é estrutural aumenta a nossa responsabilidade
enquanto sujeitos de combater o racismo e todas as suas formas correlatas.
112

Os temas sobre África e diáspora, quando abordados em sala de aula, não consideram a
religião como dimensão sociocultural. Quando muito, alguns mitos egípcios são trazidos à tona.
O debate em torno da memória e histórias das religiões afro-brasileiras nos espaços de
aprendizagem no ensino fundamental, no ensino de História, envolve a falta de formação inicial
e continuada de professores para o tema das africanidades e suas concepções de mundo.
A falta de formação dos professores dificulta a abordagem teórica de temas étnico-
raciais e também sobre a diversidade religiosa. Uma justificativa para não ter conhecimento dos
documentos que regem o trabalho com a temática é o fato de terem concluído os estudos, seja
em nível de graduação ou pós-graduação há alguns anos, é quando não se era data tanta ênfase
à temática. Pouco ainda discutimos a respeito da intolerância religiosa e falta um
aprofundamento teórico sobre o tema numa sala de aula, fruto também dos enfrentamentos e da
resistência que envolve outras matrizes religiosas. Com a falta da motivação pessoal dos
educadores, muitos acabam seguindo os apenas os didáticos, seguindo as habilidades propostas
pela BNCC, e tratam o tema de forma superficial, fazendo com que os alunos tenham
dificuldade e desinformação sobre o assunto. Na perspectiva do/a professor/a B95, o problema
da BNCC e como isso reflete na proposta pedagógica do município de Marabá, reformulada em
2019, são as ausências:

Que eu não debata um assunto, é não especificar, [...] porque esses assuntos chamados
de sensíveis, precisa está muito bem explícito, ele precisa estar lá debatido, mostrado,
dizendo: esse assunto tem que ser trabalhado, é dessa forma, ou ter uma habilidade
que possa expor mesmo o assunto de uma maneira bem evidente. Pro sujeito não fugir.
(Professor/a B)

Na prática, nota-se a dificuldade de abordagem, em sala de aula, da temática das


religiões afro-brasileiras nos anos finais do Ensino Fundamental. O primeiro desafio é
conquistar e chamar a atenção dos alunos, além do próprio estigma que há sobre tais religiões
e que chega aos alunos de forma estereotipada e equivocada. Como professores, o exercício
constante é compartilhar conhecimentos sobre África e diáspora e construir, junto do corpo
discente, novas perspectivas, sendo que valores das religiões de matrizes africanas conectam-
se à própria experiência de vida dos povos africanos e de sua presença e atuação em terras
brasileiras há séculos. “Não há, pois, no fundo religiões que sejam falsas. Todas são verdadeiras
à sua maneira”.96

95
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
96
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
113

Diante de relatos e comentários intolerantes, muitos omitem seu credo e sua orientação
religiosa na escola, parte de sua identidade, por medo de sofrer represálias, ofensas e
discriminação por seu credo, que alcançavam, por vezes, agressão física. Na escola, quando
uma criança chega com um pano na cabeça (torso) e trajando vestes brancas, torna-se motivo
de chacota, ocasião em que se percebe que não há respeito pela religião, por sua particularidade
diversa da maioria, e isso independe da aceitação de outros, mas do respeito ao ser humano que,
nesse momento, torna-se o alvo negativo por sua diversidade.

O desenvolvimento da personalidade humana ocorre em várias fases em que o


indivíduo aprende a fazer e a retratar o seu eu, tendo o seu corpo como o seu
significado, originando suas concepções de afetividade e intelectualidade que formam
sua identidade de acordo com suas condições socioculturais e do seu meio [...]. Todas
as atividades cognitivas básicas do indivíduo ocorrem de acordo com sua história
social e acabam se constituindo no produto de desenvolvimento histórico-social de
sua comunidade. (SANTOS JUNIOR, 2010, p. 5-9)

As religiões de matriz africana, seus contextos de fé seus cultos são tão sagrados quanto
de qualquer denominação religiosa. Essa dimensão é importante, pois, além do respeito e da
tolerância, aponta para saberes e valores de universos culturais amplos.

A tradição religiosa afro-brasileira é parte do legado deixado por homens e mulheres


que contribuíram de forma significativa para a diversidade do país em que vivemos.
A sabedoria e s valores das religiões de matriz africana é um expressivo elemento da
cultura brasileira, que foi mantido por gerações. (HIGINO, 2011, p. 14)

Para o trabalho em sala de aula pode ser proveitoso associar passado e


contemporaneidade das religiões, trazendo formas de abordagens mais interativas. Uma opção
de abordagem constitui comparação das imagens do período colonial e imagens recentes das
diversas religiões de origens africanas. De acordo com Danielle Basto Lopes,

O Ensino de História herda o dever de ressaltar a pluralidade de povos vindos daquele


continente, como os bantos e os sudaneses – estes incluindo grupos diversos, como
yorubás, nagôs, gegês, ewes e haussás, entre outras relações étnicas. São legados
culturais complexos e diversificados, o que torna a proposta de um ensino de História
da África desafiadora e ao mesmo tempo estimulante (LOPES, 2014, p. 72).

O investimento na formação de professores, em especial nessas temáticas das


religiosidades africanas, destoantes de crenças e doutrinas cristãs, da qual boa parte dos
discentes e docentes fazem parte, e o pensamento eurocêntrico enraizado no Brasil, trazem
novos horizontes formativos à escola.
114

Visto que o racismo faz parte da estrutura brasileira e se conserva até aos dias atuais,
torna-se um desafio para o(a) professor(a) trabalhar as religiões de matrizes africana na sala de
aula nos últimos anos do fundamental e fazer com que os alunos reconheçam à pluralidade
cultural, trazidas pelos africanos escravizados que chegaram a este país. “Os africanos
trouxeram seus credos para a América portuguesa”97, passaram a influenciar com elementos
religiosos a cultura brasileira. Desenvolver esses conteúdos nas aulas, com embasamento
teórico e seriedade no tratamento dos temas, contribui para a formação de todos os alunos,
oportunizando visões e valores múltiplos, dentro dos princípios democráticos.
Gadotti diz que “o poder do professor está tanto na sua capacidade de refletir
criticamente sobre a realidade para transformá-la, quanto na possibilidade de construir um
coletivo para lutar por uma causa comum”.98 É de suma importância que o professor aborde,
em sala de aula e também fora dela, aspectos das culturas africanas e indígenas, fazendo um
trabalho de conscientização para a relevância desse legado, constituinte da identidade brasileira.
As discussões sobre as religiões de matriz africana nas escolas, especificamente nas aulas de
História, deveriam abrir espaço para um debate mais amplo sobre o próprio papel que as
religiões desempenham na formação do povo brasileiro. Essas discussões são necessárias. É
mais do que na hora de mudar esse quadro e transformar através da educação, o Brasil em um
país tolerante.

3.2 Religiões de matrizes aricanas: desafios e possibilidades no ensino de história

Para refletir sobre as possibilidades e os desafios da prática docente com relação às


matrizes religiosas de matrizes africanas no componente de História, após a homologação da
BNCC, queremos primeiramente refletir de que forma as Leis 10.639/03 e 11.645/08, numa
perspectiva decolonial, estão introduzidas no currículo escolar? A Lei 11. 645/08 em seu artigo
1º diz que “nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-
se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
A educação antirracista é decolonial. O que a faz ser decolonial é exatamente o seu
comprometimento com o combate contra o racismo. Importante pensar as Leis 10.639/03 e
11.645/08, as quais, tanto uma como a outra, não existem sozinhas, constituindo-se parte da

97
DEL PRIORE, Mary; VENANCIO, Renato. Uma breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do
Brasil, 2010.
98
GADOTTI, Moacir; FREIRE, Paulo & GUIMARÃES, Sérgio. Pedagogia: diálogo e conflito. 7. ed. São Paulo:
Cortez, 2006.
115

LDB, que é algo maior define e regulamenta o sistema educacional brasileiro, seja ele público
ou privado. As duas Leis citadas anteriormente alteram a LDB, então, não implementar tais lei,
implica infringir a Lei das Diretrizes e Bases da Educação.
Há desafios epistemológicos e políticos (QUINTANA, 2016) que envolvem a
implementação de ambas as leis em perspectivas decoloniais. Desafios que trazem no seu bojo
rupturas necessárias com postulados epistemológicos de um modelo explicativo de sociedade
que não encontra sustentação no atual momento educacional brasileiro, em especial no que diz
respeito às religiões de matrizes africanas. Santana (2005) observa com muita propriedade que
no caso brasileiro, coube ao candomblé, como religião étnica, através de suas múltiplas
linguagens, e ao terreiro, com suas geografias e suas paisagens, a função de preservação do
legado africano, visando a autoidentificação de um grupo social específico.
Por isso, sua importância como repositório dos saberes e conhecimentos ancestrais que
precisam fazer parte do cotidiano de nossas escolas. De acordo o/a Professor/a B99, nossa
entrevistada, um problema crônico que se apresenta como dificuldade é a questão do racismo e
da rejeição no que toca a trabalhar essa temática:

Sempre foi um problema, uma dificuldade, sempre foi uma questão porque, tem uma
questão da rejeição e do racismo muito forte. E principalmente nos últimos anos, que
a gente percebe um avanço expressivo das religiões pentecostais, das religiões
evangélicas, estão em crescimento. A gente percebe mesmo que, porque quando
agente, vai trabalhar em sala de aula, como a gente da aula de História e Ensino
Religioso, a gente acaba fazendo essa pesquisa na sala de aula, para descobrir quais
são as religiões que tão presentes ali com os alunos, a religião de cada um, agente,
sempre constata que a maioria sempre são evangélicos. [...] de forma que a grande
maioria sempre se identifica com o cristianismo, seja católico ou evangélico. O que
prioriza é o cristianismo. Quando tem um aluno que diz que não é ou que não segue
nenhuma, geralmente produz assim um estranhamento, por parte dos outros.
(Professor/a B)

O/a mesmo/a professor/a (Professor/a B100), além do apontamento sobre os desafios de


determinadas discussões, tendo em vista as construções neopentecostais do que são as religiões
dos “outros”, ainda traz uma outra dificuldade, a partir do olhar que ela tem sobre a BNCC, que
na sua opinião o documento engessa o trabalho do professor de História. Mas, ao mesmo tempo
em seu relato, apresenta que em meio às dificuldades, que remete ao desafio do professor por
meios de estratégias para debater essas temáticas:

99
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
100
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
116

Eu não tenho muitas expectativas positivas da BNCC, na verdade não tenho. [...] eu
quero crer que mesmo ela não trazendo tantos elementos importantes para debater
esse assunto, eu quero crer que nós professores vamos dar um jeito de debater esses
assuntos. Porque a gente, sempre já fez muito, historicamente falando. A gente sempre
deu um jeito. É claro que agora está muito mais amarrado, muito mais direcionado, é
uma preocupação que você não pode fugir, vem as habilidades você não pode fugir
daquela habilidade, [...] A BNCC, ela trouxe um pouco de engessamento, ela engessou
um pouco a nossa ação. Então, a gente vai ter que ter muita estratégia assim, pra
conseguir continuar a discutir esses assuntos para debater essas temáticas “sensíveis”.
[...] a maneira como ela (BNCC) foi construída, a maneira como ela está sendo
implementada não tá sendo tão positivas, [...] na pegada de fazer com que a gente
controle um pouco o nosso, as nossas aulas, o nosso planejamento, aquilo que a gente,
vai debater nas escolas. (Professor/a B)

A docente faz uma crítica ao documento e forma engessada que constitui a base do
currículo. Ao mesmo tempo, aponta dificuldades e limites do documento, dada sua limitação
quanto a “temas sensíveis”, incluindo a temática das religiões de matrizes africanas e seus
universos culturais. Professor/a C101, também discutindo o tema, relatou uma intolerância
presenciada por ele, por parte da família da aluna ao desenvolver um projeto cujo título era
Diversidade: a identidade brasileira.

Eu fiz um projeto, gosto de trabalhar projetos, e nesse projeto o título era diversidade:
a identidade brasileira, o meu objetivo era especificamente as religiões de matrizes
africanas. Como eu não pude chegar diretamente falando do candomblé e da umbanda,
procurei fazer um apanhado da identidade das religiões mais conhecidas no Brasil,
catolicismo e evangélicas, aí fui inserindo, as práticas religiosas [...] dos negros e tal.
Então, eu pedi pra eles fazerem bonecos grandes e com esses bonecos nós iríamos
explorando a religião de cada um, de cada etnia - do negro, europeu e tal. Aí em uma
dessas conversas os alunos fizeram uma baiana bonita, aí lá conversando, teve uma
aluna que falou pra mim assim, professor, a partir desse momento aqui eu não assisto
mais a sua aula. Aí eu não entendi e perguntei pra o porquê? Ela disse, sou evangélica,
meu pai é pastor, e ele me proibiu de participar de suas aulas. (Professor/a C)

O mal-estar nas discussões que remetem a responsabilidade das escolas de educação


básica em praticar uma educação antirracista e antidiscriminatórias pelo viés das relações
étnicas, persiste. Sobretudo, quando estas discussões são acompanhadas do debate sobre as
crescentes manifestações de intolerância religiosa contra as religiões de matrizes africanas.
Algo que não é novo, pois, segundo Braga (1995), Lühning (1996) e Silva (2011), esse processo
passou por reconfiguração com o advento da República, se consolidando nas primeiras décadas
do século 20, quando as religiões de matrizes africanas passam a ser sistematicamente
desqualificadas e demonizadas pela imprensa brasileira, que, engajada num projeto pautado no

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Professor/a C. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: lanchonete núcleo
Cidade Nova, 2022.
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ideário eugenista e higienista, converte essa herança ancestral num dos principais fatores do
atraso da sociedade brasileira.
Ecos e reverberações dessa intolerância manifestam-se em sala de aula, representando
mais um desafio, de acordo com o relato do/a professor/a B102, em que ela faz a seguinte
observação: “o fato de pensar minha religião que os verdadeiros valores [...] a ética estão, que
a salvação da alma, como modelo de pessoa, de como [...] ser. Esse é um problema grave, [...]
as pessoas querer converter o outro.” A entrevistada aponta não apenas o desafio em relação a
valores, mas a própria questão de uma disputa por salvação.
De acordo uma Matéria Como era o Brasil no 1º centenário da Independência há 100
anos, por Evanildo da Silveira, de São Paulo para BBC NEWS Brasil, em 11 de janeiro de
2022, evidencia que hoje, cem anos depois da instauração da República, observamos na
imprensa, e nos relatos dos praticantes das religiões de matrizes africanas um aumento de
práticas de intolerância religiosa contra o candomblé e a umbanda, acompanhada de uma
sistemática campanha de demonização de suas práticas. Os casos de intolerância contra as
religiões de matrizes africanas, antes apenas episódicas e sem grandes repercussões, hoje se
avolumaram, saindo da esfera das relações cotidianas menos visíveis para ganhar visibilidade
pública (SILVA, 2015, p 12).
Nesse caso, estamos diante de uma disputa política e comercial, uma “cruzada
evangelizadora”, organizada e deflagrada pelas Igrejas evangélicas, que tem por base a
“teologia da guerra espiritual” surgida na década de 1980 no meio evangélico norte americano,
que propõe a demonização das religiões não cristãs (ORO, 2007).103 Nessa perspectiva, o/a
professor/a D104 apresenta um outro desafio:

102
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
103
Essa “cruzada evangelizadora, e por que não dizer, uma cruzada de apagamento étnico” não deve ser analisada
por um viés homogeneizador das igrejas evangélicas no Brasil. Devemos observar que uma das características das
igrejas evangélicas brasileiras é seu caráter heterogêneo, onde podemos identificar três grupos principais: as igrejas
evangélicas tradicionais e históricas (Luterana, Batista, Metodista e Presbiteriana, e Congregacional), as igrejas
pentecostais (Congregação Cristã no Brasil, Assembleia de Deus, Igreja Deus é Amor, “Casa da Benção”,
Evangelho Quadrangular), e igrejas neopentecostais (Universal do Reino de Deus, Igreja da Graça, Igreja Renascer
em Cristo, Sara Nossa Terra etc.). Grosso modo, podemos afirmar a existência de três grupos distintos em sua
fundamentação e tradição teológica: as igrejas “históricas” que se consideram herdeiras da reforma protestante; os
pentecostais, “herdeiros” dos movimentos avivalistas surgidos nos Estados Unidos; e os neopentecostais que
surgem da teologia da prosperidade originária nas igrejas do sul dos Estados Unidos. São grupos heterogêneos que
ao pôr em prática seu fundamentalismo religioso promovem um apagamento étnico, cujo alvo principal são as
religiões de matrizes africanas com seu legado ancestral.
104
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
118

Por mais que seja proibido por lei, uma escola que tem uma ideologia política, isso
quer queira quer não, permeia o processo educativo da instituição quer seja pública,
estadual, municipal ou particular, sempre isso por parte da gestão e da coordenação,
quando não da própria secretaria de educação. Essa questão de ideologia política. Esse
é um primeiro desafio, quando a gestão entende de uma concepção diferente, ela
“quebra tuas pernas”. Ela não te possibilita empreender a questão dentro da escola,
[...] lidar com as problemáticas da diversidade religiosa dentro da sala de aula.
Segundo desafio, você fazer entender que os seres humanos não são iguais que fazem
parte de uma mesma sociedade e que o estado brasileiro ele é laico. Ou pelo menos
deveria. (Professor/a D)

Evidentemente, há várias possibilidades desse não cumprimento, de modo que se sabe


que, de fato, as Leis Federais 10.639/03 e 11.645/08 têm sido pouco incorporadas nos
currículos. Entretanto, seria errôneo afirmar que não estejam sendo implementadas. Para o/a
professor/a B105, a BNCC, não traz tantos elementos que contribuam no componente de História
para trabalhar a temática da diversidade religiosa de matrizes africanas, por mais que mencione
as Leis 10.639/03 e 11.645/08, ao se tratar da temática especialmente étnico-racial.

Acho que as questões religiosas de matrizes africanas elas vão ter problemas de ser
implementadas [...] pelo meu olhar, eu acho que de modo geral, a BNCC ela tem essa
representação [...] como posso dizer ela na verdade pensando nas minhas ações, ela é
como se fosse, vou usar uma metáfora esquisita, como se fosse jogar um “balde de
água fria”. Porque, a gente, esperava mais da BNCC, especialmente nessa temática
étnico-racial, nessa questão das religiões de matrizes africanas, e eu acho que essa
espera que foi assim, que tem essa expectativa que ia ser contemplada, ela meio que
frustrou, [...] Os objetos de conhecimento eu não percebo nenhum tipo de abordagem
direta para debater essa questão das religiões de matrizes africanas. (Professor/a B)

A crítica do/a professor/a é pautada nas ausências de determinadas possibilidades, dado


o engessamento da BNCC, seu foco nas práticas e experiências das populações africanas no
currículo, bem como um desafio diante das exigências que a BNCC faz e não permite diálogos
mais profundos com ações e discussões que, por vezes, o docente já realizava no âmbito da
implementação das Leis, em suas aulas de História. Um outro desafio, destacado pelo/a
professor/a A106, traz à tona como pôr em “prática o currículo local, que envolve a questão afro-
brasileira, bem como a questão nacional. [...] Mas a abertura dificulta um pouco a prática”.
Para tanto, se faz de extrema importância trazer discussões que possibilitem pensar
sobre quais perspectivas discute-se essa questão? A primeira preocupação deve ser, com que
compromisso se fará isso? De qual África se quer falar? Qual a perspectiva epistemológica se

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Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
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Professor/a A. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca
Municipal, Núcleo Cidade Velha, 2022.
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quer oferecer para tratar essa temática pedagogicamente? Algo deve ficar evidente, não se pode
folclorizar a luta racial. Nilma Lino Gomes ressalta:

Não bastam apenas o reconhecimento e a vontade política para descolonizar a mente,


a política, a cultura, os currículos e o conhecimento. Essa descolonização tem de ser
acompanhada por uma ruptura epistemológica, política e social que se realiza também
pela presença negra nos espaços de poder e decisão; nas estruturas acadêmicas; na
cultura; na gestão da educação; da saúde e da justiça: ou seja, a descolonização, para
ser concretizada, precisa alcançar não somente o campo da produção do
conhecimento, como também as estruturas sociais do poder. (GOMES. 2012, p. 225).

De modo que, as ações afirmativas, derivadas de políticas outras educacionais,


reconhecidas e implementadas como políticas de Estado, desvelam o quanto o racismo, somado
e reeditados pelo capitalismo e alimentado por uma série de outras violências e discriminações,
produz historicamente uma perversidade abominável que se sustenta no pensamento, nas
práticas sociais e no conhecimento.
Como articular currículo e a formação docente quando lidamos com as abordagens sobre
religiões de matriz africana? No relato do/a professor/a B107, em relação ao currículo, há uma
menção: “A maneira como a BNCC [...] está sendo implementada, não está sendo tão positiva
assim, ela tá deixando agente, muito amarrados e engessados, [...] o documento que vem depois
dela que são as propostas do município”. A mesma docente ainda apresenta dificuldades no
olhar sobre Áfricas e Ásia, por exemplo, em dimensões que nem sempre chegaram na educação
e possibilitaram novas visões.

Eu consigo hoje apesar de toda a dificuldade [...] olhar um tema curricular, olhar um
conteúdo [...] que agente usava essa expressão antigamente, e quando olhar pra ele
entender que aquele assunto, ele faz parte de um víeis, se é europeu e entender que ali
não está toda a história como um todo, [...] fragmentado, digamos assim. Que faltam
contemplar a Ásia, falta contemplar a história do continente africano e da própria
américa latina, ou até o Brasil. [...] Isso tudo vem dos movimentos que participo desde
a década de 90 e não da BNCC. (Professor/a B)

Enquanto processo político e sociocultural, o currículo escolar apresenta-se intimamente


articulado com às comunidades e/ou à sociedade com as quais interage mais de perto. Não só
reproduz como produz conhecimentos, valores, formas para responder às exigências sociais e,
por sua vez, produz inovações. Por isso, Sacristán (1998b, p. 207) define o desenvolvimento do

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Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
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currículo escolar na prática como indeterminado, passível de alterações e imprevisível antes de


ser realizado.
Nessa concepção, não se admite a precisão de planos, nem de resultados previstos, mas
passamos a contar, para a tomada de decisões, com outros fatores que interferem na organização
curricular, nas práticas pedagógicas e nos resultados. A prática educativa é uma realidade
complexa e indeterminada. Em relação a formação do docente, o/a professor/a relata como
possibilidade:

No município de Marabá, a formação de História nos possibilitou, o formador de


História nos possibilitou fazer essa aproximação com os terreiros de Marabá. Isso
achei muito positivo pra agente fazer visita, agente visitou um terreiro lá no São Félix,
e um outro aqui no Laranjeiras e Liberdade. Claro, que é uma visita combinada [...]
mas, achei esse movimento interessante [...] que na minha opinião deveria continuar
esse movimento. Porque essa vivência é muito positiva pra desmistificar essas crenças
que agente, tem de que a religião não deve ser considerada, mas, respeitada. [...] Esse
movimento de visitar, de se aproximar é um movimento interessante, porque permite
conhecer melhor, porque não adianta a gente conhecer só a leitura, ou a partir daquilo
que aprende dentro do cristianismo ou dentro dessa cultura eurocêntrica. É importante
que tenha um pouco da vivência. Se aproximar e estar aberto a conhecer. E a partir
daí, fazer essa questão da simbologia, dar um sentido diferente. [...] Por exemplo,
trazer uns símbolos que representa a cultura negra, é muito importante. Se aproximar
dessa população, fisicamente falando e culturalmente falando, pra que ele não fique
só com as imagens estereotipadas que o livro didático passou e que muitos de nossos
antepassados passaram. [...] os símbolos e as representações ligadas a religião de
matrizes africanas, ela é muito mais desafiadora pra você desconstruir, porque está
super contaminada pela cultura eurocêntrica e pelo cristianismo. (Professor/a B)

A cada instante, o docente lida com circunstâncias novas e imprevistas, que exigem dele
múltiplos conhecimentos, incluindo-se aí o bom senso: “continuamos instalados na incerteza
como forma de pensar, o que não significa improviso, na qual os protagonistas da prática se
destacam por seu valor mediador” (SACRISTÁN, 1998b, p. 210).
Sobre outras possibilidades de prática docente em relação às tradições religiosas de
matrizes africanas, a/o professor/a D108 apresenta a necessidade de: “chamamento para
compreensão do culto afro-brasileiro, mais do que uma cultura, mais do que uma contribuição.
O chamamento para a tolerância e o respeito”. E em segundo lugar, segundo o/a professor/a
D109, “tem que haver um esclarecimento, tem que ser elencado, problematizado a importância
de se conhecer o culto afro-brasileiro. O que não se conhece, não se respeita!”.

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Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
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Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
121

Na sua dimensão criativa, o currículo escolar e as práticas de sala de aula são produzidas
mais pelas circunstâncias, pelas formas peculiares de cada docente e discente reagirem diante
do inesperado do que pelo plano elaborado a priori. Além do mais, é essa dimensão do currículo
que mais poderá interferir no sistema social e que está contextualizado e/ou inserido, rompendo
com conhecimentos, valores e formas de agir, e por isso, podemos atribuir-lhe um lugar especial
para a mudança e para a inovação, aceitando o novo.
Nesse espaço, onde o currículo é traduzido em atividades que configuram as práticas
educativas, o docente insere o novo, o específico, o diferente, o modificando as determinações
de saberes curriculares e planos que vêm de fora: “[...] é que não se planeja esta prática ex-
novo, desde o nada, já que se desenvolve historicamente em circunstâncias determinadas; o
professor não cria as condições de ensino, muitas vezes vêm dadas” (SACRISTÁN, 1998B, P.
206). Isto, nos apresenta como um desafio. Como podemos observar no relato do/a professor/a
A110:

Os meus desafios são muitos. Eu ainda tenho dificuldades de trabalhar em sala de aula
[...], principalmente a questão voltado principal da cultura. Quando eu digo cultura,
eu falo a questão que tem uma herança ainda no Brasil sobre a questão afro-brasileira.
[...] Não consigo ter paciência com as outras áreas de conhecimento para trabalhar
isso, seja no 6º, 7º, 8º ou 9º ano. (Professor A)

O mesmo professor, ainda discorre sobre a questão da transdisciplinar que é proposto


pela BNCC, evidenciando um outro desafio, em relação a sua prática em sala.

A realidade de Marabá e cada questão específica de cada escola, ela traz um pouco e
posso até dizer que haja alguma contradição sem especificar profissionalmente
nenhuma área do conhecimento, ou pessoa que tenha uma função na escola, mas há
uma série de dificuldades relacionadas a essa questão. Infelizmente em relação a mim,
ainda há uma distância da prática em sala de aula local com o que a BNCC propõe.
(Professor A)

Outro desafio que o/a professor/a C111 nos relata, em sua prática na sala de aula, é o fato
da pressão não só da comunidade, mas também por parte da direção escolar, que por motivos
não difíceis de imaginar, o obrigou a mudar o projeto que estava sendo desenvolvido:

110
Professor/a A. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca
Municipal, Núcleo Cidade Velha, 2022.
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Professor/a C. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: lanchonete núcleo
Cidade Nova, 2022.
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Trabalhando com os orixás, [...] foi outro problema, que aí quando os meninos fazendo
essa pesquisa, vieram os pais nas escolas porque a minha religião não permite e tal.
Aí a direção me chamou e pediu pra eu mudar, tu pode passar outro trabalho pra esses
meninos, porque os pais estão reclamando [...] falei, sinto muito, não dá! Essa direção
era católica com base no cristianismo. (Professor C)

Os problemas, as inovações e as transformações que acontecem, quer nos costumes, nas


práticas religiosas, nos recursos e/ou nas decisões políticas e/ou econômicas de uma sociedade,
atingem as práticas educativas da sala de aula antes de atingir as outras dimensões do currículo,
pois, é nelas que interagem os docentes e os discentes com outros ambientes e/ou instâncias
sociais das quais participam. Por isso, o primeiro lugar onde atuam as mudanças é na prática e
na sala de aula. Muitas delas unem-se e/ou defrontam-se com mudanças propostas pelos
docentes, e/ou questionamentos e inovações trazidas pelos discentes a partir de sua própria
cultura. Nessa perspectiva, podemos pensar como uma possibilidade a presença de
determinações sociais, quer inovadoras, quer conservadoras, dando significado às práticas
pedagógicas. Convivem, portanto, as várias dimensões do currículo na sala de aula, mesclando-
se ora com predominâncias prescritivas, ora avaliativas, envolvendo conhecimentos, crenças e
valores a serem conservados e/ou transgredidos.
Além disso, enquanto ação, a sala de aula apresenta-se impregnada de desejos de
transformação e busca de soluções criativas para os problemas apresentados pela sociedade.
Nesse espaço, onde atuam forças, às vezes, antagônicas, insere-se as abordagens sobre religiões
de matriz africanas. Se hoje está presente na sala de aula, significa que existe uma necessidade
de compreensão e adequação do currículo escolar à forma de as abordagens sobre religiões de
matriz africanas produzir sentido, o que exigirá da escola, dos docentes e discentes aprender de
que forma ela pode integra-se às propostas curriculares. A sua presença na sala de aula gera
tensões, que precisam ser compreendidas, avaliadas e estudadas, até para dimensionarmos a
abrangência das transformações que ela pode impor aos outros elementos que fazem parte do
processo. As reflexões abordadas sobre essa temática assumem uma importante relevância na
educação, apontando a necessidade de reforçar e vencer muitos desafios no campo da
diversidade cultural e religiosa presentes nas escolas e na sociedade.
Podemos assim, dizer que esse apagamento étnico, fez da escola seu alvo principal
afetando substancialmente seu cotidiano, interferindo no seu currículo, legitimando as
manifestações de intolerância religiosa, transformando-as numa prática pedagógica efetiva. O
impacto gerado por essa “cruzada evangelizadora e/ou cruzada de apagamento étnico” faz com
que a escola pública perca uma das suas principais características: o papel de estimuladora de
uma concepção de cidadão livre e de indivíduo independente.
123

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O preconceito com as religiões de matrizes africanas presentes nas escolas referentes


também ao racismo, suas ações e consequências, requer enfrentamentos. Mesmo por meio do
entendimento de que o Brasil é um Estado laico, a sociedade ainda vivencia forte resistência
quanto às questões religiosas que remetem à cultura africana e, com isso, tolhe as vertentes
históricas das quais essas religiões fazem parte. Várias tentativas de mudanças têm sido
abordadas em situações surgidas em sala de aula, mostrando como e quando ocorre a
discriminação no espaço escolar.
Mesmo com as mudanças provindas da era da globalização e das tecnologias, cada vez
mais avançadas, como a internet, por exemplo, as manifestações de discriminação ainda
existem em vários espaços virtuais ou reais. No meio escolar/educacional, os professores
enfrentam dificuldade para agir frente às formas de preconceito e da não aceitação da
diversidade/diferença.
Mediante o uso de ferramentas como, por exemplo, a internet, inserida pelo professor(a),
no espaço escolar apresenta mais argumentos na abordagem desses temas, como origem da
intolerância em suas diversas vertentes, para conseguir alcançar o aspecto principal que é a
cultura negra, em todas as suas nuances, perpassando pelo contexto social, que por sua vez
abarcará a religião, a economia e a raça em si e sua interculturalidade em nossa realidade.
De início, podemos afirmar que apesar de toda a discussão existente em torno do
advento da BNCC, Ensino de História, das Leis nº 10.639/03 e 11.645/08 e o Ensino de História,
as Religiões de matrizes africanas continuam a ser relegadas a um plano inferior na escala de
valores da sociedade brasileira, em especial no currículo praticado nas escolas. Seja por
despreparo, vontade política ou preconceito, o fato, é que manifestações de discriminação e
intolerância contra o candomblé e a umbanda ainda persistem.
Historicamente, a escola pública brasileira viveu sob o véu cínico de uma laicidade112
dúbia, resultado da evolução “natural” de nossa escola republicana, com sua organização
escolar e seu pensamento pedagógico. O desafio que se impõe em uma sociedade pautada por
direitos individuais, mas que não se identifica como sociedade plural, é o de produzir políticas
públicas para atores singulares distintos. A sociedade brasileira cria mecanismos de
representação e a formação identitária como as Leis nº 10.369/03, 11.645/08, bem como um

112
A laicidade por ser um fenômeno político e não religioso deriva das ações do estado e não da religião. No caso
brasileiro, em especial na educação, o fenômeno da laicidade não implicou, necessariamente, na neutralidade do
Estado em relação a religião.
124

documento na dimensão da BNCC, mas não atua e não se compreende como coletiva
pluriétnica.
Sendo a escola entendida como um espaço construído socialmente, ela é também lugar
de conflitos entre diferentes grupos sociais. O problema surge quando a relação
integração/conflito é direcionada para uma relação de ódio religioso, cenário de um projeto
político e de poder, capitaneado por algumas lideranças de poder, como apresentado
anteriormente no texto.
É nesse contexto, que uma postura sectária se evidencia, tornando imperativo a
constituição de um debate em torno de uma cidadania étnica-religiosa capaz de possibilitar aos
sujeitos portadores do legado ancestral africano e afro-brasileiro o direito a narração. Um direito
que deve vir acompanhado de uma relação dialógica simétrica, pois todo diálogo sem simetria
é uma forma de violência. Permanecendo essa situação, podemos afirmar que a intolerância
religiosa na escola (des)humaniza suas relações, tornando a concepção de cidadão livre, capaz
de desempenhar um papel cultural crítico, aberto e sem travas, assetado no pluralismo, em letra
morta.
As religiões de matrizes africanas sempre foram vistas como cercadas de mistérios, seus
ritos, não são conhecidos pela grande maioria da população brasileira, o que por certo contribuiu
para o processo de intolerância religiosa, uma vez que seus mitos são preservados e
retransmitidos de geração em geração, através de processos iniciáticos. Nesse contexto
sociocultural, a escola por estar inserida no sistema de transmissão cultural no processo de
aprendizagem, historicamente, “cumpre a função de ensinar e educar”, em que a igualdade e
diferença face a diversidade e singularidades da sala de aula, por ser o modelo de “transmissão
de conhecimentos verdadeiros”.
Mais do que pela discussão e reflexão dos seus conteúdos, dos textos de conhecimentos
verdadeiros”, mais do que pela discussão e reflexão dos seus conteúdos, dos textos no processo
de aprendizagem, a importância da participação das Religiões de Matrizes Africanas em
História fomenta a liberdade de religião e o combate ao racismo, portanto, não há como ficar
ausente no processo de construção da disciplina .O ambiente educacional, considerado como a
“instituição de reprodução da cultura legítima, determinando entre outras coisas, o modo
legítimo de imposição e de inculcação da cultura escolar”, também pode fomentar a exclusão
ou a inclusão das religiões de matrizes africanas no processo de aprendizagem.
No que se refere à temática da religião, a BNCC aborda a diversidade cultural e religiosa
como um dos princípios fundamentais para o desenvolvimento da educação brasileira. O
documento reconhece a importância de respeitar as diferentes manifestações religiosas
125

presentes na sociedade brasileira e considera o tratamento dessa temática como um componente


essencial da formação cidadã dos estudantes. No entanto, de forma rasa.
A BNCC destaca que a abordagem das religiões deve ocorrer de maneira laica, ou seja,
sem favorecer ou privilegiar nenhuma religião específica, garantindo a liberdade de crença e
respeitando o princípio da laicidade do Estado. Para tanto, no decorrer do documento final,
temos um documento que não deixa explícito na política curricular das religiões afro-brasileiras
ou sobre o ensino de História e cultura afro-brasileira. Não havendo uma discussão aprofundada
sobre essa questão.
Quanto atuação de docentes de Marabá em relação às abordagens sobre as práticas
religiosas de matrizes africanas no componente curricular de História, foi possível constatar
que muitas/os professoras/es sequer abordam esta questão na sua prática docente, não inserindo
em nenhum conteúdo curricular previsto. As tensões religiosas e as discriminações presentes
na escola não são reconhecidas por estes professores e, quando são, não são vistas como
questões que merecem ser enfrentadas em sala de aula. Muitas vezes, trata-se de um assunto
considerado polêmico e controverso demais e, portanto, é “mais confortável não discutir”.
Há diversos desafios que dizem respeito a prática docente sobre religiões de matrizes
africanas em Marabá, como por exemplo, a ausência de espaço evidente na BNCC para as
religiões de matrizes africanas. Representando um desafio importante relacionado à BNCC é a
falta de espaço explícito para a abordagem das religiões de matrizes africanas, como o
Candomblé, a Umbanda e outras crenças afro-brasileiras. Podendo levar a um apagamento
cultural e religioso dessas tradições, impactando negativamente a construção de uma educação
inclusiva e respeitosa com a diversidade religiosa presente na sociedade brasileira.
Um outo desafio remete a hegemonia de temas e abordagens. A hegemonia de
determinados temas e abordagens na BNCC, pode resultar em uma visão parcial da história e
cultura brasileira. É necessário garantir a inclusão de perspectivas que valorizem a pluralidade
cultural, dando espaço para que as religiões de matrizes africanas e suas contribuições sejam
reconhecidas e devidamente representadas nos currículos escolares. Outro desafio se refere ao
preconceito e ao estereótipo da população brasileira contra a cultura africana, pois,
infelizmente, o Brasil ainda enfrenta questões estrtuturais relacionados à cultura africana e afro-
brasileira. Isso se reflete no ambiente educacional e pode influenciar a forma como são tratadas
as religiões de matrizes africanas nas escolas. É fundamental combater esses preconceitos e
promover uma educação que valorize todas as culturas presentes no país.
126

O reconhecimento e valorização da importância dos africanos e seus descendentes para


a história do Brasil, aparece como mais um desafio, isto se dá ao fato, do Brasil está
profundamente ligada à presença e influência dos africanos e seus descendentes. Essa
contribuição é muitas vezes negligenciada ou minimizada nos currículos escolares. A BNCC
deve incluir de forma mais abrangente e precisa o papel dos africanos na formação do país, bem
como a relevância de suas religiões e culturas para a identidade brasileira. E por fim, um último
desfio é referente a conscientização da diversidade e intolerância religiosa. A BNCC pode ser
uma ferramenta importante para promover a conscientização sobre a diversidade religiosa
presente no Brasil. Ao incluir as religiões de matrizes africanas nos currículos, a BNCC pode
ajudar a combater a intolerância religiosa, estimulando o respeito e a compreensão mútua entre
diferentes crenças. Essa abordagem contribui para a formação de cidadãos mais tolerantes e
inclusivos, capazes de conviver harmoniosamente em uma sociedade plural.
Portanto, é preciso achar meios que contribuam para acabar com o preconceito e com a
discriminação contra as religiões de matrizes culturais africanas e a educação possui um papel
fundamental para a construção de uma sociedade mais tolerante, que respeite e aceite as
diferenças, que saiba valorizar a cultura africana na sociedade brasileira e assim faça com que
a intolerância religiosa deixe de existir. Enfatizamos aqui que a pluralização de identidades que
perpassam o ambiente escolar não pode ser negligenciada, sendo necessária para atender a
demanda por uma sociedade mais justa e igualitária em direitos e deveres.
É de uma suma importância que o professor aborde, em sala de aula e também fora dela,
aspectos das culturas africanas, fazendo um trabalho de conscientização para a relevância e a
grandeza desse legado, constituinte de nossa identidade brasileira. Assim, é preciso analisar
cada cultura, sem posicionamento individual quanto a credo, raça ou etnia, uma vez que, não
se está discutindo a religião em si, ou uma raça/etnia, mas sociedades que existiram e que ainda
existem, com toda sua complexidade e riqueza de relações. Mais do que isso, é necessário que
se cultive o respeito pelo outro, em sua diversidade e diferença.
127

REFERÊNCIAS

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