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MARABÁ
2023
ROSELLI SCHEIDEGGER OLIVEIRA
MARABÁ
2023
ROSELLI SCHEIDEGGER OLIVEIRA
Banca examinadora:
____________________________________________
Profa. Dra. Karla Leandro Rascke – PPGHIST-Unifesspa
(Orientadora)
_____________________________________________
Prof. Geovanni Gomes Cabral – PPGIST-Unifesspa
(Membro interno ao Programa)
_____________________________________________
Prof. Dr. Julio César do Rosa – SED-SC
(Membro externo ao Programa)
AGRADECIMENTOS
Abrindo caminhos no meio de pedras, primeiramente a Deus, tão perene no curso desta
jornada desde o mais simples sorriso ao inacreditável sim. À família, e pelo valor do
aprendizado agridoce de meus pais, que são uma bússola para minha vida, meu forte. Ao meu
esposo Ricardo, que sempre me apoiou e valoriza a busca pelo conhecimento, pela sensibilidade
da companhia na travessia da noite escura. À minha filha Amanda Hadassa e ao meu filho Lucas
Ricardo, que me motivam a seguir sempre. Sendo estes mencionados os amores da minha vida.
Aos meus irmãos Walber Scheidegger de Oliveira, Wdson Scheidegger de Oliveira em especial
a minha irmã Ângela Maria Scheidegger Laia, por toda a força, coragem e determinação que
ela tem e contagia todos à sua volta. Agradeço ainda a sobrinha Cristiane Scheidegger Laia e
seu esposo Leonardo Maia que sempre me deram força nesse caminhar.
À Universidade Federal Sul e Sudeste do Pará e ao Programa de Pós-Graduação em
História (PPGHIST). À professora Dr. Karla Leandro Rascke, pela orientação, ideias e estímulo
na caminhada dessa pesquisa, sempre eficiente, disposta, presente e amiga. Aos professores Dr.
Geovanni Gomes Cabral e professor Dr. Júlio Cesar da Rosa, que junto a professora Karla
foram os membros da banca examinadora, pela acolhida e grande colaboração e contribuições
para a realização desta pesquisa. Bem como ao professor Dr. Erinaldo Cavalcanti, pelas
contribuições para elaboração desta pesquisa.
À amiga Jackeline Viana e ao amigo Ewerton Corrêa, pela tríade que realizamos no
período do mestrado. E à amiga Raimunda Fontes (Ray) que em meio a alegria de fazer o tão
sonhado mestrado, enfrentamos a dura realidade de enfrentar a tão cruel pandemia (COVID-
19), no entanto, da tríade passamos a formar um quarteto que muitas vezes serviu como alívio,
“ouvidos”, amigo(a)s, disponíveis a ouvir e ajudar, motivar um ao outro, simplesmente para
termos a alegria de ver um ao outro(a) tendo a vitória da defesa.
Aos meus amigos de trabalho (na Semed) Professores Pedro Corrêa, André Vianeli,
Daniel Oliveira, José Charles, em especial professor Dr. Aldair Carneiro, o qual desde o início
sempre foi uma inspiração e ao mesmo tempo me deu suporte na elaboração do projeto de
pesquisa. E às minhas amigas de trabalho, Eva Bueno, Gabriela de Oliveira, Sandriana
Rodrigues, Maiana Maia, Shirley Calandrini, Fidelayne Sousa. Aos meus amigos e amigas que
são meus superiores no trabalho, Professora Mestre Regina Batista, Professor Izaque de
Oliveira, e o nosso coordenador geral professor Dr. Fábio Rogério, seres humanos que
gerenciam com grande profissionalismo o que fazem, onde a razão é atrelada ao coração. Ao
Fábio Rogério, que em um momento de dificuldades que passei, teve sensibilidade, a
generosidade, a bondade de acreditar em mim. Alguém que foi capaz de enxergar com o
coração. E digo, hoje que me sinto realizada por trabalhar num ambiente confortável, de pessoas
solidárias, amáveis. Grata pela delícia e revigoração em fazer parte dessa equipe, no caminhar
pela educação.
Aos professores da Rede Municipal de Educação, professora Ray e Ewerton, citados
anteriormente, professor Adílio de Oliveira e o Professor Cícero, que gentilmente deram
entrevistas para a escrita desta pesquisa.
“O nome de Deus pode ser Oxalá
Jeová, Tupã, Jesus, Maomé,
Maomé, Jesus Tupã, Jeová,
Oxalá e tantos mais,
sons diferentes, sim, para sonhos iguais”.
GIL, 1997
RESUMO
INTRODUÇÃO........................................................................................................... 13
1 CURRÍCULO ESCOLAR E BNCC ......................................................................... 27
1.1 BNCC e currículo: uma perspectiva homogênea ..................................................... 27
INTRODUÇÃO
Quando rejeitamos a história única, quando percebemos que nunca existe uma história
única sobre lugar nenhum, reavemos uma espécie de paraíso. (ADICHE, 2019, p. 33).
1
Em julho de 2019, o município de Marabá construiu o seu currículo fundamentado na nova BNCC (2017). O
documento foi debatido em momentos distintos, reunindo professores e discutindo concepções de educação e de
avaliação. O documento foi aprovado ainda entre setembro e outubro do ano de 2019.
14
2
O Ministério da Educação lançou em 04 de abril de 2019, programa de apoio à implementação da Base Nacional
Comum Curricular (ProBNCC), que visava auxiliar estados, municípios para e o Distrito Federal na elaboração e
implementação de seus currículos alinhados à BNCC. O ProBNCC foi estabelecido pela portaria MEC nº 331/20
18, seguindo a homologação da BNCC para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, no fim de 2017. A
iniciativa foi uma das ações para a implementação da BNCC em regime de colaboração, envolvendo entidades do
Governo Federal, como o MEC e o Conselho Nacional de Educação (CNE), além de representantes estaduais,
como o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (Consed); o Fórum Nacional dos Conselhos
Estaduais de Educação (FNCEE), e representantes municipais, como a União Nacional dos Conselhos Municipais
de Educação (Uncme).
3
O Cefor é especializado na oferta de educação profissional e tecnológica em diferentes níveis de ensino, de cursos
técnicos a pós-graduações, bem como cursos relacionados à formação inicial e continuada de professores e técnicos
administrativos da educação.
4
A Fundação Lemann é uma instituição privada vinculada ao Grupo Lemann (GL), que vem atuando há cerca de
15 anos em diversas frentes das políticas públicas de educação no Brasil. Sua atuação e alcance tem atingido a
16
âmbito municipal, estadual e federal. Entender o que é a BNCC, trazer o currículo para pensar
essa dimensão das normativas e analisar as abordagens que o documento acarreta no trato com
a temática da religião, em especial as de matrizes africanas, constitui viés de nosso olhar crítico
sobre esse currículo.
Nosso direcionamento para essas fontes pauta-se em dimensões decoloniais (WALSH,
2013), uma perspectiva que permite evidenciar processos de lutas, insurgências, organizações
e estratégias capaz de subverter os processos de dominação, construindo novas formas de viver.
Procurando pensar/analisar estes documentos em uma perspectiva que questionam a
colonialidade, (MALDONADO, 2018) observando de modo especial se há evidencia que
demonstre a implementação da referida legislação nos “objetos de conhecimentos”. Como
também, verificando se as “habilidades” permitem perceber as cosmovisões das populações
afrodescendentes (PACHECO, 2012).
A colonialidade é um dos elementos constitutivos de um padrão mundial eurocêntrico,
que consolida uma concepção de humanidade segundo a qual a população do mundo diferencia-
se em inferiores e superiores, irracionais e racionais, primitivos e civilizados, tradicionais e
modernos” (QUIJANO, 2010, p. 86). Ela incide histórica e secularmente nas produções
científicas invisibilizando o conhecimento de povos tradicionais, de forma a reificar um modo
de compreender o mundo em detrimento do outro. Ou seja, privilegia-se um referencial teórico-
prático que segue a racionalidade da ciência moderna, reafirmando a cultura hegemônica em
detrimento da considerada subalterna.
tensionar o currículo e seu caráter eurocêntrico, além de entender o currículo como um território
de disputa:
Esses retrocessos também foram percebidos pelos autores em relação à educação. Não
diferente, o currículo a ser ensinado nas escolas é alvo especial de disputas. Muitas vezes regado
e regrado por normas e intenções. A educação no Brasil nesse século XXI continua sendo tema
de discussão em vários contextos. Discute-se sobre a qualidade ou falta de qualidade, sobre o
financiamento, sobre seu público e demanda, a forma de oferecer e a partir de que idade, seu
currículo, etc. As políticas educacionais6, sobretudo das últimas décadas, foram fortemente
influenciadas pela conjuntura política e econômica e, também, pelas mudanças sociais e
culturais ao qual o país tem passado.
Os estudos curriculares têm conceituado currículo de diferentes maneiras, tornando-o
um termo complexo e de difícil definição. Podemos compreender que cada definição de
currículo está baseada em diferentes concepções de educação e de diferentes influências
teóricas. Ao longo do tempo, a definição de currículo, passou por diferentes abordagens, tendo
a sua primeira definição ligada a preocupações com a organização e o método de ensino, para
posteriormente, ligar-se as questões culturais, políticas e subjetivas. O processo de conceituação
do termo considera o perfil de quem será formado, o tipo de conhecimento a ser ensinado a
determinada sociedade e tendo em vista a formação de sua sociedade. Assim sendo, pode-se
dizer que “o currículo é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de
conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo”
(Silva, 2002, p. 15).
O currículo deve ser sempre problematizado, constando de disputas intelectuais, sociais,
econômicas, políticas que são fruto de escolhas, tensões, interesses e conflitos. Concordamos
com Silva (2003), pois o currículo não é natural, mas resulta de embates de perspectivas,
omissões, superposições, sendo reflexo de políticas e ideologias que o forjaram. O currículo
detém poder transformador do ensino e da aprendizagem e, consequentemente, das relações
sociais.
A BNCC é um documento curricular que, em essência, deveria estabelecer um currículo
mínimo para garantir as aprendizagens essenciais a todos os estudantes no percurso da educação
básica. Ela está prevista nos documentos oficiais desde a Constituição Federal (BRASIL, 1988),
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, Lei nº 9.394, 20/12/1996),) e no
6
Sugiro: XAVIER, Antônio Carlos da R., Amaral Sobrinho, José, Plank, Davi (1992). Os padrões mínimos de
qualidade dos serviços educacionais: uma estratégia de alocação de recursos para o ensino fundamental.
20
Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 (BRASIL, 2014). E é com o PNE que as
discussões sobre a construção da BNCC ganham força no Brasil.
Seu processo de construção passou por muitas fases, mudanças e diversos entraves, além
da disputa política, cultural e de construção de narrativa - que discutimos ao longo da
dissertação. Com a homologação do documento curricular, em 2017, e a Lei nº 13.415/2017
(que altera a LDBEN), a BNCC passa a ter, também, um caráter normativo, definindo
obrigatoriedade nas competências, habilidades, objetivos de aprendizagem e devendo nortear,
inclusive, os currículos dos cursos de formação de professores e as avaliações institucionais de
professores e alunos. Deve, assim, contribuir para a constituição de uma escola democrática e
inclusiva, que valorize as diversidades e garanta o acesso, a permanência, o protagonismo, a
formação integral dos educandos e o direito à igualdade e à equidade.
Bill Green (2017) afirma que as questões relacionadas ao conhecimento no currículo
estão sempre ligadas a relações de poder. O autor afirma que o currículo nacional australiano
entrou em vigor em 2011 e que houve um grande questionamento sobre quais conhecimentos
deveriam ser validados por um currículo nacional. Assim, entendemos com Green que o
currículo é sempre político. Como prática de representação e de poder, o componente curricular
de História na BNCC representa legitimação de determinados conhecimentos.
Kátia Maria Abud (2017), no livro Ensino de História e Base Nacional Comum:
desafios, incertezas e possibilidades, sinaliza que o Ensino de História tem voltado à pauta. Por
certo, suas discussões não se encerram, mas, de tempos em tempos, há maior envergadura dos
debates, como aconteceu entre 1996 e 2006, da discussão e aprovação da última LDB, nas
deliberações sobre história e cultura africana e afro-brasileira, até os recentes debates sobre as
últimas 3 versões da BNCC. Tais questões deram novo fôlego a discussões e questionamentos
sobre a aplicação, ensino e reflexão sobre a História e sua escrita em sala de aula.
Essa relação entre conhecimento histórico escolar, currículo e poder é trabalhada
também por Gabriel e Costa (2011), ao defenderem no âmbito da produção, distribuição e
consumo do conhecimento histórico escolar em meio a um sistema de diferenças, no qual são
travadas diversas disputas pelo estabelecimento da verdade e pelo estabelecimento daquilo que
deve ser ensinado nas escolas.
De acordo com a autora, em geral, esses conteúdos são percebidos como prescrições,
como naturalizações, não sendo indicadas suas imbricações com as relações assimétricas de
legitima o status quo, reforçando o silenciamento ou apagamento de narrativas de minorias
culturais, sociais, étnicas e de gênero historicamente excluídas das práticas curriculares de
História.
21
A fronteira é lugar onde são demarcadas diferenças, mas onde também é possível
produzir aproximações, diálogos, ou distanciamento entre culturas que entram em
contato (MONTEIRO; PENNA, 2011, p. 194).
Tanto o currículo quanto o Ensino de História são pensados como espaços fronteiriços,
irredutíveis a apenas um campo de saber, ou seja, são produzidos e funcionam na relação entre
campos distintos, entre saberes, e entre poderes múltiplos. O currículo de História pode ser
pensado, então, como um mapa, um rizoma, uma cartografia de saberes e de poderes como uma
territorialização provisória, como um terreno estriado que se constitui por linhas de saberes e
poderes, que são móveis e dinâmicos, objetivando conteúdos e subjetivando professores e
alunos.
Concordamos que a construção da História se relaciona com uma série de fatores, como
redes de saber-poder, relações de poder, embates políticos, econômicos, sociais e culturais. O
Ensino de História, enquanto um campo da ciência histórica, se constitui na produção de
saberes, fruto de lutas entre a reflexão, a crítica e a alienação. Freire (1984) em sua reflexão
sobre o papel da educação no processo de libertação intelectual dos sujeitos, afirmou:
Sua luta se trava entre eles serem eles mesmos ou seres duplos. Entre expulsarem ou
não o opressor dentro de si. Entre se desalinharem ou se manterem alienados. Entre
seguirem prescrições ou terem opções. Entre serem espectadores ou atores. Entre
atuarem ou terem a ilusão que atuam, na atuação dos opressores. Entre dizerem a
palavra ou não terem voz, castrados em seu poder de criar e recriar, no seu poder de
transformar o mundo... A libertação, por isto, é um parto. E um parto doloroso. O
homem que nasce desse parto é o homem novo que só é viável na e pela superação da
contradição opressor-oprimido, que é a libertação de todos (FREIRE, 1984, p. 36).
Este cenário contribuiu para a formação de um espaço escolar, cuja história e cultura
das populações marginalizadas social e historicamente, bem como suas expressões, foram
22
A versão homologada da Base Nacional Comum Curricular pode ser entendida como
uma atualização das teorias tradicionais do currículo e um distanciamento das teorias pós-
críticas do currículo. Apple (2002a) afirma que o currículo não é neutro e sim um produto de
tensões, conflitos culturais, políticos e econômicos, capaz de organizar e desorganizar um povo.
É preciso des-folclorizar a presença negra nos currículos e conectar sua relação ancestral com
o continente africano, assim como des-inflamar e des-simplificar seus modos de formular a
vida. Como afirma Franz Fanon, em Pele Negra, Máscara Branca: “A simplicidade do negro
é um mito forjado por observadores superficiais” (FANON, 2008, p. 194).
Amilcar Araújo Pereira (2013), em O Movimento Negro Brasileiro e a Lei nº. 10.639/03,
criação aos desafios para a implementação, trata sobre essa construção ter sido possível,
grandemente, por conta das articulações definidas, principalmente a partir dos anos 1980, que
se deu entre os setores do movimento negro brasileiro8, bem como, as diferentes instâncias e/ou
organizações do Estado nos âmbitos municipal, estadual e federal, assim como deste com
partidos políticos e organizações da sociedade civil. Ficando clara e evidente a partir de 1980 a
mudança de perspectiva sobre as formas de condução da luta contra o racismo no Brasil.
7
Objeto de Conhecimento: anteriormente conhecido como conteúdo, diz respeito aos assuntos abordados ao longo
de cada componente curricular, ou seja, aquilo que será o meio para o desenvolvimento das habilidades.
8
A agenda do movimento negro era pela inclusão da África e da Diáspora nos conteúdos escolares para todas as
redes oficiais de ensino no país.
23
Universidade João Calvino, também concursado da Rede Municipal de Marabá desde o ano de
2011. Professor efetivo da rede, o qual trabalha em uma das escolas pertencentes ao núcleo da
Cidade Nova. Tal entrevista se deu na Biblioteca Municipal Velha Marabá, no núcleo da Velha
Marabá, no dia 30 de novembro de 2022.
A segunda professora entrevistada, a qual a identificamos como professora B, possui
Licenciatura e Bacharelado em História pela Universidade Federal do Pará (UFPA), também
mestra em História pela Universidade do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), professora B é
docente efetiva da Rede de Ensino do município de Marabá/PA, desde 2011. Esta professora
leciona em duas escolas da Rede Municipal de Educação localizadas no Núcleo Nova Marabá.
Esta entrevista se deu em uma praça no bairro da Nova Marabá, no dia 14 de dezembro de 2021.
O professor que identificamos como professor C, possui graduação em Pedagogia com
complemento no Ensino de História pela Universidade da Amazônia (UNAMA), pós-
graduação em Cultura Afro-Brasileira pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor
concursado na Rede Municipal de Educação desde o ano de 2000, estando lotado em uma escola
localizada no núcleo Cidade Nova. A entrevista aconteceu em uma lanchonete no núcleo Cidade
Nova, no dia 12 de janeiro de 2022.
O quarto e último professor, professor D, possui Licenciatura e Bacharelado em História
pela Universidade Estadual Vale do Aracau (UVA) e especialista pela Ipiranga em Belém em
Metodologia e História do Brasil. Professor concursado da Rede Municipal de Educação desde
o ano de 2010, estando lotado em duas escolas no núcleo Cidade Nova. A entrevista deu-se na
biblioteca da Escola Josineide Tavares, no dia 06 de fevereiro no ano de 2022.
Produzimos um roteiro semiestruturado com questões orientadoras para a abordagem e
enfatizamos elementos da trajetória docente desses profissionais, intentando compreender
como discutiam a temática das religiões de matrizes africanas no componente de História em
suas aulas.
Organizamos um dinâmica de encontros presenciais para a realização de cada entrevista
e procedemos com a transcrição desse material coletado. Concordamos com Montenegro
(2007) sobre a necessidade de compreensão da memória como uma um “caminho” que permite
“recuperar” determinados acontecimentos ou visões que dialoguem com os documentos
institucionais também analisados em nossa dissertação. Além disso, a obra de Montenegro
contribuiu como “um minucioso e didático manual” que orienta o processo de realização das
entrevistas, com “observações preliminares”, que devem ser seguidas/realizadas antes da
entrevista iniciar. O entrevistador deve esclarecer ao entrevistado quanto à entrevista, para que
este entenda os motivos de suas memórias estarem sendo coletadas e registradas.
25
tema, além de investigar como os professores têm trabalhado essas questões em suas práticas
pedagógicas.
O capítulo 1 intitula-se Currículo Escolar e a BNCC, em que abordei de forma detalhada
o conceito de currículo e explorei a BNCC como um documento norteador para a construção
de práticas pedagógicas mais efetivas e inclusivas. Discuti a relevância de se considerar a
diversidade cultural e religiosa presente em nossa sociedade, especialmente quando se trata das
tradições religiosas de matrizes africanas.
No capítulo 2, Tradições Religiosas de Matrizes Africanas na BNCC: entre o normativo
e a percepção docente, foquei nas tradições religiosas de matrizes africanas presentes na
BNCC. Analisei o tratamento normativo dado a essa temática no documento e, paralelamente,
busquei entender a percepção dos docentes em relação à sua abordagem em sala de aula.
Apresentei as entrevistas com professores atuantes no ensino de História em Marabá, buscando
identificar desafios, concepções e eventuais lacunas no tratamento dessas tradições religiosas.
O capítulo 3 intitula-se Desafios e Possibilidades sobre a prática docente e as religiões
de matrizes africanas em Marabá, sendo que me dediquei a explorar os desafios e as
possibilidades relacionadas à prática docente no contexto das religiões de matrizes africanas.
Analisei os resultados das entrevistas e busquei compreender as dificuldades enfrentadas pelos
professores, assim como as oportunidades de aprimorar a abordagem dessas temáticas sensíveis
e enriquecedoras em sala de aula.
É importante ressaltar que a inserção das religiões africanas no currículo escolar não se
trata apenas de um aspecto histórico-cultural, mas também de uma questão de justiça social e
combate ao preconceito. Nesse sentido, minha pesquisa busca contribuir para a reflexão sobre
a importância de promover uma educação inclusiva, plural e que respeite a diversidade cultural
e religiosa do nosso país.
27
Ele surgiu para organizar o projeto pedagógico e atender às diretrizes educacionais, com
a padronização dos conhecimentos a serem adquiridos pelos alunos, de modo a garantir uma
formação democrática que proporcione a humanização, a cidadania, o direito à educação e a
diminuição da desigualdade cultural. Com esse propósito, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) definiu o currículo escolar como o conjunto de competências a
serem desenvolvidas ao longo da Educação Básica, para fins de organização das atividades
escolares:
[...] o currículo faz parte, na realidade, de múltiplos tipos de práticas que não podem
reduzir-se unicamente à prática pedagógica de ensino; ações que são de ordem
política, administrativa, de supervisão, de produção de meios, de criação intelectual,
de avaliação, etc., o que, enquanto são subsistemas em partes autônomas e
29
a escola, portanto, não é apenas um espaço onde se aprende a construir relações com
as “coisas” (mundo natural) e com as “pessoas” (mundo social). Essas relações devem
propiciar a inclusão de todos e o desenvolvimento da utonomia e autodireção dos
estudantes, com vistas, com vistas a quem participem como construtores de uma nova
vida social.
fundamental.9 Esse desejo de construir um documento unificado daquilo que se ensinaria nas
escolas, aparece em vários outros documentos, como a Lei que rege a educação no Brasil, a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação de 1996.10
A BNCC é apresentada à sociedade como uma medida que reflete a necessidade de
igualdade, interferindo diretamente na vida de todos os educandos do país. No documento
preliminar, seu formato denota certo equilíbrio entre unidade e diversidade e viabiliza a
formulação de programas curriculares que articulem as várias dimensões dos saberes.
Conforme podemos observar:
[...] espera-se que a BNCC ajude a superar a fragmentação das políticas educacionais,
enseje o fortalecimento do regime de colaboração entre as três esferas de governo e
seja balizadora da qualidade da educação. Assim, para além da garantia de acesso e
permanência na escola, é necessário que sistemas, redes e escolas garantam um
patamar comum de aprendizagens a todos os estudantes, tarefa para a qual a BNCC é
instrumento fundamental. (BNCC, 2022, p. 08)
9
Constituição de 1988, Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a
assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
10
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9394/96) é a legislação que regulamenta o sistema
educacional (público ou privado) do Brasil (da educação básica ao ensino superior). Na história do Brasil, essa é
a segunda vez que a educação conta com uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que regulamenta todos os
seus níveis. A primeira LDB foi promulgada em 1961 (LDB 4024/61). A LDB 9394/96 reafirma o direito à
educação, garantido pela Constituição Federal. Estabelece os princípios da educação e os deveres do Estado em
relação à educação escolar pública, definindo as responsabilidades, em regime de colaboração, entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e nos municípios. Segundo a LDB 9394/96, a educação brasileira é dividida em dois
níveis: a educação básica e o ensino superior.
11
Conheça o documento na íntegra: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/
32
Política
Constituição
LDB Curricular
Federal
Nacional
Diretrizes
BNCC
Curriculares
12
Esta lei estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Pode ser acessada na íntegra no site:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm.
33
A primeira versão da BNCC foi produzida com o intuito de iniciar o diálogo com a
sociedade para que houvesse possibilidade de críticas e propostas, tornando-se pública em 2015.
Discussões dentro do Estado, entretanto, remontam há pelo menos os idos de 2011 sobre a
demanda de uma proposta de currículo comum. A segunda versão mantém parte da estrutura
da Base lançada um ano antes. A terceira versão, entretanto, fez-se absolutamente diferente das
duas primeiras, contendo vários conceitos que pareciam centrais e foram suprimidos, ao passo
que se apropriou de uma lógica do que chamamos interdisciplinaridade e que foi
transformada15.
O fato novo entre a segunda e terceira versão não foi exatamente uma revolução
educacional; com mudanças de última hora que suprimiram a questão da orientação sexual e o
conceito de gênero, por exemplo. A versão foi divulgada no dia 06 de abril de 2017, em coletiva
com o ministro da Educação Mendonça Filho, e a secretaria executiva do MEC, Maria Helena
13
Este documento estabelece a base nacional comum, responsável por orientar a organização, articulação, o
desenvolvimento e a avaliação das propostas pedagógicas de todas as redes de ensino brasileiras. Pode ser acessada
na íntegra no site: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=13448-
diretrizescuriculares-nacionais-2013-pdf&Itemid=30192
14
Esta lei aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. Pode ser consultada no site:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm.
15
Para mais informações, sugiro ler artigo: Um estudo comparativo das versões da Base Nacional Comum
Curricular para o Ensino Médio. Por Marcos Aurélio Dornelas da Silva e Patrícia Fortes de Almeida/Secretaria de
Educação do Estado de Pernambuco. Disponível em:
TRABALHO_EV117_MD1_SA2_ID1182_11092018224306.pdf (editorarealize.com.br) Acesso em: 20 ago.
2022.
34
No entanto, após a constatação de que a menção estava presente na versão enviada aos
jornalistas e depois modificada, circulou a informação de que a mudança ocorreu em função de
pressão da bancada evangélica16. A necessidade de debate coletivo para a implementação de
políticas curriculares é uma questão crucial. No entanto, a formulação da BNCC foi fortemente
criticada principalmente por não ter significado esse momento de parceria, bem como a
supressão das diversidades regionais, locais e pessoais, e a associação da BNCC com as
avaliações de sistema, reduzindo o currículo escolar àquilo que é mensurável, entre outros
aspectos. Sendo um documento normativo, um dos grandes problemas da Base Nacional
Comum Curricular é o fato de lidar com realidades socioculturais distintas e, desse modo, seus
objetos são gerais o bastante para abarcar especificidades locais e regionais. Na primeira versão
da BNCC, aberta a consulta pública em 2015, está posto que seu objetivo é:
16
Os evangélicos começaram a se envolver na prática política brasileira na década de1960, por meio da
denominação O Brasil para Cristo, que à época, elegeu um deputado federal em 1961 e um estadual em 1966.
Entretanto, as igrejas evangélicas, só passaram ter presença efetiva em nosso sistema político, na década de 1980,
com uma maior inclusão de parlamentos cristãos em 1986, com o fim do Regime Militar e início da Constituinte.
Naquele período, a igreja Assembleia de Deus foi a força propulsora da organização política dos evangélicos, se
organizando desde a cúpula para lançar um deputado em cada unidade da federação. Emplacando o slogan “Irmão
vota em mim’’, as igrejas evangélicas (em sua maioria pentecostais), entraram de “corpo e alma’’ no jogo político.
A formação de uma Bancada Evangélica só viria a ter preeminência no cenário político nacional no início da
década de 1990, quando a igreja Universal do Reino de Deus (IRUD) formulou um plano político estruturado
fazendo uma interface entre a igreja e a política por meio da aquisição (1989) da Rede Record de Televisão e Rádio
e de sua utilização como ponte de comunicação com as massas. Por meio dos programas da TV Record os pastores
midiáticos representantes da IURD e de outros grupos pentecostais e neopentecostais (como Silas Malafaia) e
começaram a abordar mais fortemente pautas políticas.
35
conta especificidades locais. Espera-se com a apresentação dada “oferecer uma orientação mais
precisa aos sistemas, escolas e professores com relação à progressão desses objetivos ao longo
do processo de escolarização” (BRASIL, 2015, p. 16).
No documento, as áreas são tratadas de modo amplo, mas também a partir de suas
especificidades. As ciências humanas, segundo a Base, têm por função permitir que as pessoas
reflitam sobre sua própria experiência, sobre autonomia individual, sobre direitos humanos e
sobre responsabilidade coletiva, com o meio ambiente e o meio social herdado e que
deixaremos às futuras gerações. As unidades de conhecimento das ciências humanas na BNCC
são:
17
O processo de discussão da BNCC foi iniciado ainda no governo Dilma Rousseff, em 2015, com rodadas de
discussão de escuta por regionais e online. No entanto, a partir da mudança para o governo de Michel Temer, o
debate foi reduzido e, antes mesmo de se finalizar uma proposta de BNCC para o Ensino Médio, o novo governo
sancionou a reforma do Ensino Médio por Medida Provisória publicada no início de 2017. Pouco mais de um ano
depois, em abril de 2018, o Ministério da Educação encaminhou a proposta da BNCC do Ensino Médio para
aprovação do Conselho Nacional de Educação (CNE). O Conselho então iniciou audiências públicas que seguiram
até setembro de 2018 e em 04 de dezembro do mesmo ano foi aprovada. Após a homologação pelo ministro da
Educação, a BNCC passou a ser referência obrigatória na elaboração dos currículos de escolas públicas e
particulares, em todo o Brasil.
37
liberdade e a autonomia são valores em si mesmos. Até a versão dois da Base, o foco recaía nos
direitos à apropriação de conhecimento, ao respeito à diversidade, ao desenvolvimento do
potencial criativo e a participação. O foco em direitos individuais, coletivos e sociais desloca-
se para o foco na operacionalização individual do conhecimento. Isto fica claro quando na
última versão se faz uso de verbos de ação para cada uma das competências: valorizar, exercitar,
desenvolver, utilizar, argumentar, conhecer-se e agir. A justificativa é a
A última e terceira versão da BNCC, que discorre sobre a educação infantil e ensino
fundamental, foi aprovada pelo Ministério de Educação (MEC) em 2017, após a aprovação do
Conselho Nacional de Educação (CNE). O processo histórico que levou a criação da BNCC
demorou cerca de 2 anos para redigir três versões distintas do mesmo documento, passar por
consultas públicas, pela análise das consultas e audiências públicas. É um tempo histórico muito
curto se compararmos com outras leis que demoraram mais décadas para serem aprovadas,
como a LDB de 96, por exemplo.
Interesses políticos estavam em disputa para que o documento fosse aprovado. A partir
do percurso histórico da BNCC podemos deduzir que houve uma tentativa de democratização
na participação da população em geral no processo de leitura e reflexão sobre o texto,
principalmente na primeira versão, em 2015. Com o passar dos anos os canais de acesso e de
consulta pública foram estreitando, saindo de uma plataforma online, passando pelo envio de
e-mails até chegar às audiências públicas que aconteceram em uma cidade de cada região do
país.
A educação é um campo de disputas diversas, sejam elas políticas, ideológicas, político
partidárias, sociais, econômicas, entre outras. Ao se tornar um campo de disputas a educação
se vê entre os desígnios de diversos agentes como: o Estado; as instituições não estatais, como
empresas, organizações não governamentais, organismos internacionais; bem como, com
agentes contra hegemônicos que tentam pensar a educação por outra via, como professores do
ensino básico e do superior, as entidades ligadas ao ensino e a pesquisa, entre outros. O que nos
é evidenciado em uma matéria publicada no Jornal da Unicap, no dia 04 de dezembro de 2017,
38
Para tanto, a Base está presente na agenda de diferentes grupos sociais, inclusive os que
fazem uma forte defesa da escola pública de qualidade, um documento que tem caráter
conservador. Ao fazermos uma leitura mais minuciosa, é possível perceber que a BNCC é ainda
muito tímida e relação a direitos sociais, a ações de gênero, posição que está em consonância,
com a postura daqueles que defendem a Escola sem Partido. A sociedade precisa ter
conhecimento disso, para compreender como esses movimentos influenciam na formulação de
políticas públicas, principalmente as vinculadas à educação.
Essa forma de condução do texto da Proposta da BNCC pode ter gerado uma sensação
de pertencimento nas pessoas que fizeram suas contribuições, mas é extremamente complicado
mensurar em que medida essas contribuições foram escutadas ou desconsideradas. Acreditamos
que as contribuições populares não tenham sido levadas em conta, por causa do curto espaço
temporal que foi destinado para a análise das contribuições recebidas. Além disso, percebemos
o papel do Estado em acelerar a produção de um documento oficial que foi criado, quase que
exclusivamente, pela pressão feita por empresários, banqueiros, donos de mercado e o lócus
privilegiado de produção de mão de obra qualificada aos moldes neoliberais. Sendo assim, no
dia 15 de dezembro de 2017, o Conselho Nacional de Educação – CNE aprovou por meio do
parecer CNE/CP nº 15/2017 a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, o parecer
homologado na portaria nº 1.570 publicada no Diário Oficial da União no dia 21 de dezembro
de 2017.
Junto ao documento da terceira versão o governo teve o cuidado de lançar um estudo
comparativo entre a Versão 2 e a Versão Final da Base. Ao que nos parece, o documento cria
uma maneira de validar tais mudanças, constituindo um caminho para entendimento das
alterações tidas como necessárias. No documento que busca justificar inclusive algumas
supressões no texto da segunda versão, há uma discussão sobre o desaparecimento de uma
sessão inteira intitulada: “O papel dos movimentos sociais na conquista dos Direitos de
39
É o que se pode depreender da recente publicação da MP nº 746, de 22/09/2016, alardeada como “Novo Ensino
18
Médio’’.
40
visão ampliada de mundo. Ela propunha objetivos de aprendizagem que, se fossem alcançados,
permitiriam à escola organizar-se em direção a uma sociedade mais democrática.
A supressão da expressão movimentos sociais e de seu contexto de luta é
descaracterizado na chamada versão final, mas há outras ausências no documento comparativo
oficial. Devemos destacar a diversidade de gênero, que aparece apenas uma vez na terceira
versão, destacando a importância de conhecimentos da História para que os estudantes
“explorem diversos conhecimentos próprios das Ciências Humanas: noções de temporalidade,
espacialidade e diversidade (de gênero, religião, tradições étnicas, etc. (BRASIL, 2018, p. 547).
Na segunda versão por outro lado, até a página 100, a palavra gênero já havia sido empregada
com o mesmo sentido por sete vezes. Por exemplo, quando se trata dos Direitos de
Aprendizagem: “conviver com crianças e adultos e com eles criar estratégias de investigar o
mundo social e natural, demonstrando atitudes positivas em relação a situações que envolvam
diversidade étnico-racial, ambiental, de gênero, da religião.” (BRASIL, 2016, p. 81).
Outra ausência importante na versão final diz respeito a noção de alteridade. Na segunda
versão ele aparece sete vezes em seu sentido consagrado pelas ciências sociais. Ao tratar dos
conhecimentos da área de linguagens, para os anos finais da Educação Infantil, coloca que o
processo de descentração, que caracteriza esse período de vida, amplia a capacidade dos/das
estudantes tanto de desenvolver sua autonomia como de cultivar a alteridade. Grande parte das
vezes que o conceito alteridade aparece é relacionado a educação religiosa, temática que foi
totalmente suprimida da Base sobre o argumento que define essa questão deve ficar a cargo dos
municípios. Importante mencionar que, aqui no Estado do Pará, não há no currículo do Ensino
Médio o componente de Ensino Religioso, uma vez que, existe no ensino fundamental sob
responsabilidade do estado.
Na BNCC, a competência é definida como “[...] a mobilização de conhecimentos
(conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais). Atitudes e
valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, no pleno exercício da cidadania e
do mundo do trabalho” (BRASIL, 2018, p. 16). Concepção que está em consonância com aquela
defendida por Perrenoud e Magne (1999, p. 30), quando define a competência como “a
faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações,
etc.). Para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações”.
Historicamente, o termo competência foi apropriado do contexto empresarial e
gerencialista, passando, desde a década de 1990, a ser aplicado no campo educacional e
curricular, visando à preparação do estudante para o mundo do trabalho. Seu viés funcional e
instrumentalista tem sido criticado por vários autores (GENTILI, 1996; TANGUY e ROPÉ,
41
1998; MACEDO, 2020), pois, realiza-se uma lógica neoliberal voltada a “produtividade” das
políticas educacionais fomentadas no contexto de uma sociedade global e mercadológica.
Segundo Gentili (1996), as competências nas políticas curriculares surgem pela
necessidade de superar uma crise que se instala na escola e que, justificada pela ineficiência
dos agentes que nela atuam, seja na gestão ou mesmo no ensino, acabam provocando a evasão,
repetência, etc. Para o autor, essa noção de competência parece tentar responder a esses
problemas, evidenciando o mesmo caráter neoliberal de:
salienta que se pode falar em uma tradição crítica do currículo, que é guiada por questões
epistemológicas, sociológicas e políticas. O autor complementa que:
19
Intertranscultural - se faz necessário compreendermos o significado de tais expressões. De acordo com Padilha
(2004) a transculturalidade é o ponto de partida do ser humano, partindo das relações, reconhecer-se no outro em
suas semelhanças e em suas diferenças, a prática da alteridade tanto em relação ao outro como em relação ao meio
ambiente. Continua explicitando e esclarece que a expressão inter nos remente a uma interação da cultura, e trans
é mais subjetivo, é o espaço de encontro das subjetividades, é o que eu sou, o que você é, na relação humana do
que nós fazemos diante do mundo em que vivemos o que incide nas nossas vidas, na nossa escola, na nossa
aprendizagem. Nasce de uma perspectiva complexa de eficiência e perde a visão linear de uma ciência clássica,
como a priorizada no currículo formal da escola, mas se aprende com a emoção. Passamos a chamar de Pedagogia
Intertranscultural (PADILHA, 2009) a “procurara por aproximações, na perspectiva de uma visão de totalidade,
das ações propostas nos processos educativos”, considerando a complexidade dos mesmos e evitando nos
conformarmos com as práticas pedagógicas tradicionais geralmente monoculturizantes, ignorando assim a
heterogeneidade cultural presente na escola. A intertransculturalidade apresenta-se como uma perspectiva
educacional que trabalha com as diferenças e com as semelhanças culturais, visando assim, a todo tipo de inclusão
e às “aproximações, às interações e interconexões de experiências educacionais, individuais e coletivas, objetivas,
subjetivas e intersubjetivas”, que se constrói no espaço escolar, na localidade e no planeta em que vivemos.
43
[...] pedir uma teoria estruturada do currículo, que é por sua vez, integradora de outras
subteorias, capaz de guiar a prática, é tão utópico como pedir uma conjunção dos
saberes pedagógicos sobre a educação que sejam capazes de explicar a ação e de guiá-
la quando a escola desenvolve um projeto cultural com os alunos (SACRISTÁN,
1998, p. 30).
Segundo Moreira, “torna-se difícil entender mudança curricular quando não se faz uma
análise da formação social e do papel da educação nela” (MOREIRA, 1997, p. 40). Ao conectar
estrutura e fatores processuais no estudo da redefinição de um currículo é fundamental que as
instituições sejam relacionadas às especificidades do contexto socioeconômico do qual fazem
parte. Em toda essa discussão há ainda as relações – intrínsecas – entre a educação, a cultura e
o currículo, entre as formas de dominação cultural e social e as relações de poder.
Recorrendo a Michael Apple (2002b, p. 54), este alerta que “transgredir é um pré-
requisito para avançar”, uma vez que enquanto não levarmos a sério a intensidade do
envolvimento da educação com o mundo real das alternantes e desiguais relações de poder,
44
[...] a escola é um território de luta e que a pedagogia é uma forma de política cultural.
(...) as escolas são formas sociais que ampliam as capacidades humanas, a fim de
habilitar as pessoas a intervir na formação de suas próprias subjetividades e a serem
capazes de exercer poder com vistas a transformar as condições ideológicas e
materiais de dominação em práticas que promovam o fortalecimento do poder social
e demonstrem as possibilidades da democracia (Id. 2002, p. 95).
Compreender o currículo enquanto artefato social e cultural garante que ele não seja
considerado um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada de conhecimento
social, uma vez que produz identidades individuais e sociais particulares, não sendo
transcendente e atemporal (MOREIRA; SILVA, 2002, p. 7-8). Michael Apple alerta ainda que
a definição do “conhecimento de alguns grupos como digno de ser transmitido às gerações
futuras, enquanto a história e a cultura de outros grupos mal vêem a luz do dia, revela algo
extremamente importante acerca de quem detém o poder na sociedade” (APPLE, 2002b, p. 42),
de quem, consequentemente, estabelece os “porquês” e “para quê” da educação. Assim
entendido, o conhecimento sobre como o currículo vem sendo concebido nos diferentes espaços
e lugares, pode trazer significativas contribuições aos educadores que desejam implicar-se com
as “questões” curriculares e seus significados. Daí emerge:
[...] a importância de uma pedagogia crítica por meio da análise de suas relações
potencialmente transformadoras com a esfera da cultura popular [...] contraditório
terreno de luta, mas também um importante espaço pedagógico onde são levantadas
relevantes questões sobre os elementos que organizam a base da subjetividade e da
experiência do aluno (GIROUX; MCLAREN, 2002, p. 96).
45
Silva (1995) adverte que o currículo é campo de lutas, uma vez que os diversos
posicionamentos em conflito buscam a hegemonia enquanto estabelecem relações de
poder. Assim sendo, o trabalho docente precisa também ser concebido como produto
de um debate que objetiva a legitimação das concepções em jogo. Ao ampliar a
participação para outros atores como os leitores críticos e a sociedade civil que
encaminhou suas atribuições, experimentou-se uma desnaturalização constante das
concepções que talvez estivessem enrijecidas. Sendo compreendida e elaborada nessa
perspectiva, a segunda versão da BNCC estabelecia um posicionamento político
46
Para tanto, o que nos parece é que a autonomia das escolas está ameaçada. Uma vez que
nos é apresentado um sistema único de educação num país com dimensões continentais, provido
de diversidade cultural, de desafios diversos, de riqueza de conhecimento e de livres iniciativas.
Essa BNCC, em sua terceira versão, apresentada pelo MEC, ignora o art. 15 da LDB que garante
“progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira” às
escolas, restringindo a autonomia conquistada ao longo do processo democrático da história da
educação brasileira.
A formatação da Base e toda a sua estrutura edificada, quando determina
detalhadamente, ano, disciplina por disciplina, uniformemente o que deve ser ensinado em todo
o território, implica que, na prática cada unidade escolar, independente onde se encontre, e de
quem quer que seja seu gestor público ou privado, haverá um sistema único de ensino
obrigatório, ainda que um discurso ou por meios escritos se diga outra coisa. Ao homologar a
BNCC, o MEC também ignora o artigo 210 da Constituição que, blindando a democracia,
garante que haja currículo nacional comum sim, porém, mínimo e não máximo.
Este currículo mínimo garante a flexibilidade de uma educação democrática (Cf. LDB
de 1996 art. 26) para a regionalização, para a discussão dos problemas sociais que envolvem a
escola, o bairro, a cidade, o estado; garantir o pluralismo do ensino, inclusive, o democratiza;
garantem às escolas públicas e privadas, de não serem manipuladas e, até salvaguarda aqueles
sistemas de ensino particulares de possíveis de possíveis punições injustas e de serem regulados
com braço forte do Estado.
Pelo exposto até o momento percebe-se que nossa legislação educacional aponta para
uma base comum, pautada em diretrizes federais, pontos de chegada e não de partida. Assim
determina o parecer 38/2006 do CNE:
experiência que não há como incorporar no dia a dia da escola, e que tal currículo nacional não
deixa margem para muitos acréscimos, culminando em um sistema de educação centralizado e
monopolizado. Quanto à estratégia de implementação, há na relação entre a proposta da BNCC
(unificar e centralizar) os meios aplicados para tal finalidade um distanciamento do tamanho do
país. Ocorreram audiências públicas entre julho e setembro de 2017, em apenas 4 estados, a
saber, Manaus, Recife, Florianópolis, São Paulo e Distrito Federal20.
Por que não Minas Gerais, estado com maior número de municípios do país? E o Rio de
Janeiro, por onde começou o processo educacional formal no Brasil? Apenas Recife representa
a realidade nordestina rica em patrimônio cultural, artístico e educacional? Onde está a
democratização defendida pelo MEC nas mídias e redes sociais? BNCC que foi homologada
em 27 de novembro, após, escassas audiências públicas, com o tempo limitado em 3 minutos
apenas, as contribuições e pedidos de revisões dos textos, dos que ali se manifestaram,
encontrando respaldo na estrutura planejada para rever o contraditório, que entre, outubro e
novembro, considerado um tempo favorável para a releitura da BNCC e passar novamente para
a aprovação do CNE.
É notório que a estratégia ignorou a LDB, no inciso IV de seu artigo 9º, onde afirma que
cabe à União “estabelecer em regime de colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, competências e diretrizes para a Educação Infantil, O Ensino Fundamental e
Ensino Médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar
formação básica comum” (BRASIL, 1996).
Tendo em vista que a educação constitui um campo em disputa, a BNCC, homologada
em 2018, disseminada em redes de ensino por todo o país se apresenta como um documento-
referência, que assume uma postura universalista e homogeneizante, de caráter obrigatório. A
proposta enuncia em sua apresentação que:
Com ela, redes de ensino e instituições escolares públicas e particulares passam a ter
uma referência nacional obrigatória para a elaboração ou adequação de seus
currículos e propostas pedagógicas. Essa referência é o ponto ao qual se quer
chegar em cada etapa da Educação Básica, enquanto os currículos traçam o caminho
até lá. (BRASIL, 2018 p. 5, grifo nosso).
20
Síntese das exposições da Audiência Pública ministrada pelo Prof. Leandro Soares, da Comunidade Mãe do
Verbo Divino. Disponível em: A BNCC e suas implicações na Educação Brasileira - Comunidade Mãe do Verbo
Divino (cmvd.org). Acesso em: 26 mar. 2022.
48
Para tanto, o documento elegeu a aprendizagem como núcleo central, mas como o
ensino está interligado a primeira, fica implicado também e deve ser articulado nos currículos.
As aprendizagens essenciais21 definidas na base são orgânicas e progressivas. A partir das
aprendizagens22, o aluno desenvolve sua compreensão, isto é, aprender a aprender.
Assim como tantos outros documentos que regeram e regem a educação, a BNCC tem
como elementos norteadores documentos maiores do país como as Diretrizes Curriculares, a
LDB e a Constituição Federal (1988). Com a BNCC há uma construção mais ampla no sentido
do que o educando, de fato, constrói em cada etapa e percurso formativo entendido na sua
construção, tendo a educação básica como elemento fundante da educação nacional. Isto é, a
orientação estabelece conhecimentos, competências e habilidades que devem ser desenvolvidos
por todos os estudantes ao longo da escolaridade básica. Na prática, a BNCC pretende que o
aluno obtenha além do conteúdo tradicional de sala de aula. Orientada pelos princípios éticos,
políticos e estéticos traçados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, a
Base soma-se aos propósitos que direcionam a educação brasileira para a formação humana
integral e para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
21
Aprendizagens essenciais são definidas na Base, o restante ficando a cargo do currículo.
22
As aprendizagens asseguram o desenvolvimento das competências, que são expressas pelas habilidades.
49
23
O Milagre Econômico ou “Milagre Econômico Brasileiro” corresponde ao crescimento econômico ocorrido no
Brasil entre os anos de 1968 a 1973. Esse período foi caracterizado pela aceleração do crescimento do PIB (Produto
Interno Bruto), articulando industrialização e inflação baixa. Contudo, por trás da ideia de prosperidade, houve o
aumento da concentração de renda, corrupção e exploração da mão de obra, momento histórico complexo do país,
tendo em vista o regime militar vigente e o caráter regressivo da distribuição de renda. Para maiores informações,
consultar: BARONE, Ricardo Stazzacappa; BASTOS, Pedro Paulo Zahluth; MATTOS, Fernando Augusto
Mansor. A distribuição de renda durante o “milagre econômico” brasileiro: um balanço da controvérsia. Texto
para Discussão. IE/Unicamp, Campinas, n. 251, fev. 2015. Disponível em:
https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/artigos/3386/TD251.pdf. Acesso em: 14 ago. 2023.
51
14). A História, enquanto disciplina escolar, pelo fato de o conhecimento histórico ser a
principal ferramenta na construção da consciência histórica, conecta o passado com as
orientações do presente e com as determinações de sentido com as quais o agir humano organiza
suas intenções e expectativas no fluxo do tempo. Sendo justamente no ambiente escolar que se
estuda a História e onde se cruzam de modo comprometido o conhecimento científico e o
conhecimento escolar.
No que concerne à narrativa do texto introdutório da BNCC, acreditamos que o
documento não apresenta inovação; pelo contrário, reitera, internaliza e difunde as diretivas
educacionais do final do século passado. É preciso ponderar que falar e acreditar em igualdade
no que concerne a qualquer componente curricular dentro de uma lógica da sociedade
capitalista é ilusório, tendo em vista que as desigualdades são inerentes ao modo de produção
capitalista24. A desigualdade social que sustenta a sociedade de classes é característica
fundamental da sociedade capitalista, e o “bom” funcionamento desta não pode acontecer sem
que uma grande massa seja expropriada da sua força de trabalho por uma minoria detentora dos
meios de produção, o que por si só já se constitui como a primordial desigualdade desta
sociedade refletindo invariavelmente em todos os seus outros componentes, inclusive as
oportunidades de ingressar e permanecer na escola.
Compete observar que entre o discurso oficial sobre as transformações educacionais e a
sua realização há uma distância considerável. Essa distância é representada pelas instâncias
pelas quais uma lei, resolução ou deliberação deve passar até chegar ao cotidiano escolar.
Depois de formulada pelos órgãos planejadores, cada iniciativa de mudança percorre todos os
trâmites que a dinâmica burocrática impõe. Nesse circuito se transforma, vai se transmitindo
anexada a relações de poder e opressão, construídas historicamente, sofre influências das
interações entre sujeitos e diferentes grupos dentro da estrutura institucional e torna-se síntese
de relações contraditórias.
O segundo problema da supracitada concepção é que, ainda que houvesse alguma
possiblidade de construção de oportunidades iguais para permanência e acesso à escola, é
preciso problematizar o que se chama de “patamar de aprendizagem e desenvolvimento”, tendo
em vista as diferentes necessidades e ritmos individuais de aprendizagem. Mais do que
estabelecer esse patamar seria necessário pensar o que fazer com aqueles que não atingirem as
metas para que seja garantida a mesma igualdade preconizada pela BNCC, de forma a subverter
24
Visando lucro, o capitalismo envolve meios de produção que podem ser máquinas, terras, ou instalações
industriais, utilizando-se da mão de obra ou serviços de outrem para geração de bens e produtos.
52
as políticas em vigor. De acordo com Rummert, Algebaile e Ventura (2013), tais políticas não
resolvem as desigualdades educacionais; pelo contrário,
[...] espera-se que a BNCC ajude a superar a fragmentação das políticas educacionais,
enseje o fortalecimento do regime de colaboração entre as três esferas de governo e
seja balizadora da qualidade da educação, isto é, da garantia do direito dos alunos a
aprender e a se desenvolver, contribuindo para o desenvolvimento pleno da cidadania
(MEC, CONSED E UNDIME, 2017, p. 8).
25
Jair Araújo mostra em um artigo: ‘Esquizioanálise Aplicada à Educação: introdução ao Estatuto Político-
Linguístico da Educação Brasileira’, duas grandes disputas no campo da educação, que podemos dizer ainda
53
anteriores e, em que pese tenha gerado menos debates públicos, apresenta inúmeros pontos
passíveis de questionamento. Cabe recordar que a primeira versão da BNCC de História foi
vetada publicamente, em 2015, pelo então ministro da educação Renato Janine Ribeiro, sob a
afirmação de que a versão preliminar do documento praticamente “ignorava o que não fosse o
Brasil e a África” e queria “partir do presente para ver o passado”26.
Além disso, historiadores profissionais das áreas de História Antiga e História Medieval
reclamavam da “retirada” de conteúdos clássicos de seu campo de estudo. A despeito disso,
objetiva-se problematizar a versão homologada do currículo. Nesse sentido, um primeiro
aspecto a ser questionado diz respeito à representatividade regional dos elaboradores do
documento. Como se sabe, um dos grandes desafios à elaboração de um currículo nacional em
um país de grande dimensão como o Brasil é exatamente o equacionamento entre a diversidade
cultural e as demandas de uma estrutura curricular comum.
Concordamos com Caimi (2016) quanto a uma dimensão: a possibilidade de uma
composição curricular que considere as especificidades locais, nos levando refletir ao risco ao
admitir a necessidade de estabelecer uma base curricular para o país. Olhando para a BNCC,
esse quesito é garantido na proposta ao estipular um percentual de 40% de conteúdos para a
parte diversificada27 e de 60% para uma base comum. Isto é, a BNCC ocupar 60% dos
currículos, restando 40% que serão definidos pelos estados, pelo município, consequentemente
presentes na Base. Tivemos por um lado uma educação progressista, e por outro lado uma educação voltada para
o mercado de trabalho, chamada por ele de educação neoliberal. Ainda segundo ele essa educação neoliberal, ela
enfatiza preparação para a vida do aluno especificamente para o trabalho, ensinando os alunos o básico, para que
esse educando, quando se formar possa agir da melhor forma no mercado de trabalho. Para Dardot e Laval essa
visão neoliberal do mercado de trabalho, é o desejo de criar um sujeito que atue de forma neoliberal. Isto é, um
sujeito criativo, proativo, que é o que justamente as empresas estão exigindo. Trabalhadores proativos, criativos
que de conta do trabalho sem a necessidade de supervisores por exemplo. Dessa forma as empresas podem demitir
os supervisores rendendo mais lucros a elas. Este sujeito seja flexível e adaptável, tendo a capacidade exclusiva
de adaptar-se as necessidades e exigências da empresa e do mercado de trabalho.
26
Conferir a entrevista concedida por Ribeiro logo após deixar o cargo, que pode ser sintetizada na seguinte
passagem: “Não havia História Antiga, não havia História Medieval. No caso do Brasil, o conteúdo partia de
fenômenos atuais, como a discriminação racial, e daí partia para a questão da escravidão e dos indígenas. Mas
deixava de lado a economia colonial e o que seria uma cronologia. Muitas pessoas discordam dessa visão, porque
ela não dá ao aluno o repertório básico para discutir a história” (MORENO, 2015).
27
A Base Comum deve ser contemplada em sua totalidade nos currículos estaduais, municipais e das instituições
de ensino. A parte diversificada, por sua vez, pode corresponder a até 40% dos currículos locais. Dentro desta
margem, cabe aos profissionais da educação a definição dos objetos do conhecimento que são relevantes para a
realidade em que estão inseridos. Enquanto a BNCC traz definições pertinentes a todos os estudantes e instituições
de ensino do país, a parte diversificada pode trazer aos currículos das escolas conteúdos complementares, a serem
definidos pelas próprias redes, instituições e sistemas de ensino. A parte diversificada complementa e enriquece a
Base Comum, respeitando características regionais e locais da sociedade. Isso não significa alterar aquilo que já
está previsto no documento da BNCC, e sim inserir novos conteúdos integrados a ele, que estejam de acordo com
as competências previamente estabelecidas. Isto conota preocupação: pensando no ensino de História, diante do
turbilhão de habilidades a ser contempladas obrigatoriamente pelo professor, como será possível inserir novos
conteúdos (objetos do conhecimento)? Será mesmo que o professor em sala de aula terá condições e tempo para
desenvolver os 40% destinado a parte diversificada?
54
pelos professores, porém, deve-se seguir primeiramente à risca os 60% das habilidades do
documento BNCC.
A diversidade de temas cotidianos que podem ser alcançados à categoria de saber a ser
trabalhado na escola é vasta e essa seleção pode ser realizada considerando um espaço de
liberdade para a organização de outros conteúdos (objetos do conhecimento), conforme a
demanda local.
28
BNCC, lançada em sua primeira versão pelo Ministério da Educação (MEC) em setembro de 2015, está prevista
desde a Constituição Federal de 1988, através do artigo 210 (BRASIL, 2017a), e foi reafirmada na Lei de Diretrizes
e Bases (Lei 9.394/96), nos Parâmetros Curriculares Nacionais, nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Básica e no Plano Nacional de Educação. Conforme o texto da BNCC, decorrem da Base políticas como: Política
Nacional de Formação de Professores; Política Nacional de Materiais e Tecnologias Educacionais; Política
Nacional de Avaliação da Educação Básica; e Política Nacional de Infraestrutura Escolar.
29
A primeira versão foi bastante polêmica, cercada de sérios problemas, debatida por diversos especialistas,
submetida a consulta pública, com certas limitações. A consulta olhou especificamente para o debate de conteúdos
(objetos de conhecimento), competências a serem deduzidas nos currículos, outro problema de consulta que de
fato houve uma mobilização forte de associações científicas, educadores, remeteram propostas.
55
30
Compilamos todas essas informações para que ficasse mais fácil de você enxergar o passo a passo para o
desenvolvimento e para a homologação de cada parte da BNCC. Tiramos todas estas informações do site do MEC
na parte voltada à Base. Fique à vontade se quiser visitar o site e conferi-las.
56
31
Um tanto quanto questionável essa ideia se “democrático”. Link para matéria:
https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/Participa%C3%A7%C33Ao-e-participacionismo-na–
constru%C3%A7%C33Ao-da-Base-Cumum-Curricular.
32
Durante o primeiro período de consulta pública, previsto para ocorrer entre outubro de 2015 e março de 2016, a
primeira versão mobilizou mais de 12 milhões de contribuições (BRASIL, 2017b, p. 5), todavia dividiu os
profissionais da educação em, ao menos, dois grandes grupos: os que são contrários à existência de uma base
nacional e aqueles que são favoráveis ao currículo comum nacional. Nesse cenário de embates, a Base foi alvo de
inúmeras críticas, em especial, relacionadas ao componente curricular História, o último componente a ser
divulgado para consulta. Além dos posicionamentos de historiadores atuantes na Educação Básica e,
principalmente, no Ensino Superior, houve também manifestações contrárias do ex-ministro da educação, Renato
Janine Ribeiro, e de outras personalidades, alcançando publicidade em jornais, revistas e sites de ampla divulgação
como O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e O Globo. Sem pretender recuperar o conjunto desses
apontamentos, assinalam-se algumas críticas relativas à primeira versão.
57
33
A ANPEd lançou a campanha Aqui já tem currículo no intuito de demonstrar que os professores já praticam
currículos plurais e não foram ouvidos pela Base. Para outras críticas gerais sobre o documento, ver:
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO (ANPAE). Comentários
iniciais para a discussão do documento preliminar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Goiânia, 2 nov.
2015. Disponível em: https://www.anpae.org.br/website/ documentos/ANPAE-Doc-Preliminar-de-analise-da-
BNCC-02-11-2015.pdf. Acesso em: 27 out. 2018; CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE TRABALHADORES
EM EDUCAÇÃO (CNTE). Considerações da CNTE sobre o Projeto de Base Nacional Curricular, elaborado
preliminarmente pelo MEC. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 9, n. 17, p. 411-420, jul./dez. 2015.
58
Dito isso, cabe considerar a referida polêmica que consiste, basicamente, na ausência
dos conteúdos de Antiga e Medieval na proposta, afinal, como ressalta Flávia Caimi: “a tarefa
de construir uma base curricular comum para o conhecimento histórico escolar implica trazer
ao âmbito do debate público as disputas em torno de ideias quanto ao que, do passado, é válido
e legítimo ensinar às novas gerações” (CAIMI, 2015 apud CAIMI, 2016, p. 88).
O Brasil possui 208 milhões de habitantes, em dados projetados de 2017, e 2,2 milhões
de professores nas redes públicas e privadas do País (Censo Escolar 2016). Há um problema de
escala na afirmação de que as contribuições à consulta pública sobre a BNCC seriam
numericamente iguais a 5,8% da população brasileira. É como se cada professor atuante no
Brasil contribuísse mais de cinco vezes com a consulta.
O cadastro no Portal da Base podia ser feito em três categorias: “indivíduos”,
“organizações” e “escolas”. Para a categoria “indivíduo”, não há dados disponíveis que
permitam saber a quantidade de “indivíduos” que são professores, nem mesmo estimar a
quantidade de professores que contribuíram com a consulta por meio da categoria “escolas”. A
menção do ex-secretário a 1 milhão de professores que teriam participado do processo também
padece de um problema de escala: a assunção de que 45% dos professores atuantes no Brasil
teriam participado da consulta pública é claramente inverossímil.
A BNCC elaborada em 2015 responde tanto aos interesses neoliberais, quanto aos
interesses progressistas, constituindo documento mais equilibrado em relação a versões
posteriores, pois, as versões posteriores foram uma virada no sentido do neoliberalismo34. A
BNCC e a lógica empresarial aplicada à educação constituem uma ameaça à democratização
no ensino de História. Claudia Piccinini (2017), professora da UFRJ que vem estudando os
interesses privados por trás da discussão da BNCC, acredita que o documento implementado
no país deve reforçar a hegemonia de uma concepção de educação que relaciona qualidade do
ensino com as necessidades do mundo do trabalho. “Quando lemos o texto da Base, o tempo
inteiro, o que justifica sua formulação é a necessidade de ampliar a qualidade do sistema
educacional brasileiro e com equidade, garantir acesso.
Mas tudo isso está vindo sem uma contrapartida financeira. O Brasil não está cumprindo
as metas do Plano Nacional de Educação. Então, essa ideia de qualidade, na verdade, é uma
grande interrogação”, observa Piccinini, para logo em seguida completar: “O que a gente tem
34
É inevitável não falar de um neoliberalismo do currículo da BNCC. Pesquisadores da área, na obra Política
Curriculares e financeirização da vida: elemento para uma agenda investigativa, trazem a discussão da
neoliberalização do currículo da BNCC, em que evidencia a financeirização da educação. O qual culmina com
uma publicação em 2018, da BNCC sob o governo Temer que é profundamente marcado pelo neoliberalismo.
Assim como as políticas que o governo Temer assumiu.
59
35
A OCDE é a sigla para Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, na sigla em
inglês), um órgão internacional composto por 37 países que trabalham juntos para compartilhar experiências e
buscar soluções para problemas comuns. A OCDE é responsável pelo Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), voltado para estudantes a partir do 8º ano do ensino fundamental na faixa
etária dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países.
36
Apesar de não ser novo o movimento em prol de um currículo nacional, discussão que foi iniciada na década de
1970, as autoras afirmam que nunca houve um movimento com tanta força e com tantos atores envolvidos no
processo. O Movimento pela Base Nacional Comum (MPB) seria, portanto, o principal ator dessa reforma.
Disponível em: http://movimentopelabase.org.br/. Acesso em: ago. 2022.
37
O terceiro setor é o conjunto de atividades desenvolvidas em favor da sociedade, por organizações privadas
não governamentais e sem o objetivo de lucro, independentemente dos demais setores (Estado e mercado) –
embora com eles possa firmar parcerias e deles possa receber investimentos (públicos privados).
60
38
A capacidade de articulação é um ponto forte do Movimento pela Base. As organizações ligadas ao
empresariado, e que atuam na educação pública por meio de diversos programas, figuram com destaque entre seus
integrantes: além da Fundação Lemann, participam representantes do Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura,
Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Instituto Unibanco, Fundação Itaú Social, Fundação Roberto Marinho,
Fundação SM e Itaú BBA, entre outras. A União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e o
Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed) representam os gestores da educação no Movimento,
que conta também com a participação de parlamentares, como Alex Canziani e Thiago Peixoto (PSD-TO).Outro
grupo importante de instituições participantes do movimento são as organizações prestadoras de serviços
pedagógicos como o Centro de Estudos, Pesquisas, Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), a
Comunidade Educativa Cedac e o Laboratório de Educação, todas financiadas por grandes grupos econômicos,
como Itaú Unibanco, Bradesco, Santander, Votorantim e Carioca Engenharia.
39
O CENPEC – Centro de Estudos, Pesquisas, Educação, Cultura e Ação Comunitária - é financiado por grupos
empresariais como Itaú, Itaú Unibanco e Bradesco, e com instâncias do governo federal e estadual.
40
Organização que tem como linha de ação apoio a escolas públicas, prestando consultoria pedagógica a diversas
prefeituras dos estados do espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Pará. A organização é financiada por grupos
empresariais diversos, como o Banco Santander e o Grupo Votorantim.
41
Produzem livros, cadernos e textos em publicações especializadas em parcerias com outras editoras e prestam
consultoria pedagógica a escolas, redes de ensino e professores.
61
apoio de outra série de empresas de considerável peso político e econômico42 e tem parceria
com organizações com fins “sociais”: a própria Comunidade Educativa CEDAC, a ONG
multinacional Ashoka, o Centro Ruth Cardoso, o Instituto Arapyaú, o Instituto Arredondar e O
Polen.
A perspectiva política e ideológica, pode-se apontar a existência de um certo currículo
oculto43. Do ponto de vista estrutural, os autores do campo do Ensino de História, que seguem
linhas teóricas críticas e pós-críticas compreendem a versão homologada da BNCC como uma
atualização das teorias tradicionais do currículo, onde não se reconhece uma dimensão do
campo curricular a articulação entre currículo – relações de poder – política. Porém, à medida
que os contextos políticos no Brasil mudam, alterações são feitas nas propostas curriculares
visando a formação de um cidadão que atenda aos interesses governamentais do momento
(BITTENCOURT, 2008. P. 301).
O discurso das habilidades e competências foi apropriado pela lógica neoliberal a tal
ponto que, na última versão da BNCC, a noção de competência aparece como sendo a
mobilização e aplicação dos conhecimentos escolares para resolver demandas ligadas à
cidadania e ao mundo do trabalho em situações práticas44. Sobre as habilidades e competências
aprofundamos um pouco mais à frente.
Assim, a educação pode acabar sendo reduzida ao seu uso pragmático e à aquisição de
conteúdos para finalidades imediatas. A escola se transforma em uma prestadora de serviços
como outra qualquer. Aliás, Michael Apple (1999) alerta que, no caso dos Estados Unidos e da
Inglaterra, a ideia de um “currículo nacional” está enraizada nos interesses de grupos da
chamada direita neoconservadora orientada pela ideologia neoliberal45:
42
O Laboratório, além de apoiado financeiramente pelo Instituto João e Maria Backheuser, do Grupo Carioca.
(Fonte: http://www.cariocaengenharia.com.br/v3/?page_id=51)
43
Na perspectiva da teoria crítica, o currículo oculto é constituído por atitudes, comportamentos e valores que não
estão explicitados no currículo oficial e conduzem os estudantes a se ajustarem às estruturas sociais injustas e
muitas vezes antidemocráticas do mundo contemporâneo. O currículo oculto pode veicular valores como o
individualismo, o consumismo, o conformismo e a obediência dócil às hierarquias sociais. (Cf. SILVA, 1999).
44
À época da divulgação da BNCC do Ensino Médio, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação (ANPED) divulgou um documento em seu site oficial no qual aproxima a noção de aprendizagem
baseada em competências presente no documento curricular ao movimento de mercantilização da educação: “a
ênfase na aprendizagem para desenvolver competências, sabemos, está articulada com as políticas que o Banco
Mundial e outros organismos internacionais vêm desenvolvendo nos últimos tempos, e tem a ver com pensar a
escola como se fosse uma empresa. Se o produto da empresa escolar são estas aprendizagens, ela tem que ser
medida e avaliada principalmente pelos seus resultados. Não há uma preocupação com a formação integral do
estudante, com um desenvolvimento omnilateral dessas novas gerações. Pelo contrário: se trata de um
desenvolvimento estreitamente ligado à inserção produtiva das novas gerações” (Cf. ANPED, 2014).
45
O Michael Apple define da seguinte forma a tensão entre neoconservadorismo e neoliberalismo própria da Nova
Direita: “o neoliberalismo defende um Estado fraco. Uma sociedade que deixa a ‘mão invisível’ do livre mercado
guiar todos os aspectos de suas interações sociais é vista não só como eficiente, mas também como democrática.
Por outro lado, o neoconservadorismo orienta-se pela visão de um Estado forte em certas áreas, sobretudo, no que
62
Uma nova aliança foi constituída, e vem tendo sua influência nas políticas
educacionais e sociais aumentadas. Esse bloco de poder associa o mundo dos
negócios, a Nova Direita e os intelectuais neoconservadores. Seus interesses
concentram-se muito pouco na melhoria das oportunidades de vida das mulheres, das
pessoas de cor ou da classe trabalhadora. Em vez disso, está empenhado as condições
educacionais tidas como necessárias para não só aumentar a competitividade
internacional, o lucro e a disciplina, mas também para resgatar um passado
romantizado de lar, família e escola “ideais” (APPLE, 1999, p. 66-67).
De acordo com Flávia Caimi (2016), na ausência de uma política curricular nacional,
nos últimos anos, foram os livros didáticos e os sistemas apostilados que, muitas vezes,
estabeleceram o que seria ensinado nas aulas de História, quase como se houvesse uma espécie
de “currículo editado” ligado aos interesses políticos e econômicos do mercado editorial.
É sabido, entretanto, que paralelamente ao avanço da retórica da “crise causada pela
ineficiência do Estado” e da necessidade da parceria público-privada, vários atores, sobretudo
da esfera privada, trazem a narrativa da necessidade de um novo trabalhador pelo mercado.
Maria Helena Guimarães de Castro, do Grupo Abril, sintomaticamente, aponta essa
perspectiva:
Em uma pesquisa recente realizada pelo MEC, sobre o que o mercado de trabalho
esperava dos alunos ao final do Ensino Médio de cursos profissionalizantes, revelou-
se que as empresas querem que esses estudantes tenham domínio de Língua
Portuguesa, saibam desenvolver bem a redação e se comunicar verbalmente. Esta
é uma das competências gerais que o ENEM procura avaliar e que a Reforma do
Ensino Médio procura destacar. Em segundo lugar, os empresários querem que os
futuros trabalhadores detenham os conceitos básicos de matemática e, em
terceiro lugar, que tenham capacidade de trabalhar em grupo e de se adaptar a
novas situações. Portanto o que os empresários estão esperando dos futuros
funcionários são as competências gerais que só onze anos de escolaridade geral
podem assegurar (CASTRO apud FRIGOTTO E CIAVATA, 2003, p.109, grifos
nossos).
se refere à política das relações com o corpo, gênero e raça, a padrões, valores e condutas e ao tipo de conhecimento
que deve ser transmitido às futuras gerações” (APPLE, 2011, p. 82-83).
63
46
Organização do documento sofre alterações significativas estando somente a terceira versão organizada na forma
de competências e habilidades. Para maior detalhamento ver Andrade e Piccinini (2017) e Piccinini, Neves e
Andrade (2017).
64
temático e tinha como ponto de partida aquilo que está mais próximo de seu público (História
do Brasil, História da África e História indígena), ao fim e ao cabo, o que aconteceu foi um
reforço da perspectiva eurocêntrica e cronológica. Na versão final do documento, o pensamento
histórico ou a “atitude historiadora” parecem ter sido reduzidos aos processos metodológicos
de identificação, comparação, contextualização, interpretação e análise. A contextualização,
por exemplo, é resumida ao simples gesto de saber localizar momentos e lugares específicos de
um evento para evitar o anacronismo:
Em texto recente, a historiadora Kátia Abud observou, ainda, que do ponto de vista da
periodização e da seleção da listagem de conteúdos, a BNCC está muito próxima dos programas
de ensino vigentes no país em 1915 e 1931, pois toma a “História Antiga” como ponto de partida
único para o estudo da disciplina, “apesar das orientações inovadoras, fundamentadas na
moderna Psicologia da Educação, que recomenda que se inicie com o que é próximo do aluno,
pois ele terá melhor compreensão” (ABUD, 2017, p. 22).
Não existe, na literatura que aborda a base Nacional Curricular Comum, nada que deixe
explícito na política curricular sobre as Religiões Afro-brasileiras ou sobre o Ensino de História
e Cultura Afro-brasileira. Houve debates contrários e a favor, porém não se tinha uma discussão
aprofundada sobre essa questão.
Considera-se que a institucionalização da obrigatoriedade dessa temática é uma política
curricular de afirmação da população negra e é também um referencial na luta por uma educação
66
antirracista47 no Brasil. A BNCC vem sendo discutida desde 2013, em meio a muitas críticas,
que se aprofundaram com sua homologação, em 2017, atravessadas por um conjunto de
acontecimentos, distanciando a maioria dos pesquisadores que estavam no primeiro momento.
Essa discussão integrou a 3ª versão produzida da BNCC. Cabe ressaltar que existe uma 4ª
versão que incorpora o Ensino Médio, no entanto, não é o enfoque deste trabalho, no entanto,
a parte da educação infantil e do ensino fundamental é a mesma, agregando apenas o ensino
médio. Essa terceira versão é homologada, trazendo um traço muito forte das fundações
empresariais, uma fala centrada desses representantes, bem como da versão do governo naquele
momento.
Diante do quadro exposto, os professores podem manifestar sua resistência no chão da
escola. Isto é, o currículo é um discurso cujo significado precisa ser interpretado e atualizado
pelos docentes. Sendo assim, existe uma certa margem de atuação no cotidiano da sala de aula
na qual será possível expressar uma prática de ensino de História voltada para a cidadania e não
para o tecnicismo dos valores empresariais de mercado. Isso significa, como bem apontado por
Nilton Pereira e Mara Rodrigues (2018), questionar a clivagem entre o passado histórico48 e o
passado prático49 que o recorte da versão homologada da BNCC parece reforçar, ao optar pelo
quadripartismo histórico50:
[...] a história proposta pela terceira versão da BNCC uma busca anódina por
explicação e compreensão de um “passado histórico”, sem considerar os efeitos das
narrativas, as lutas em torno delas e os usos do passado que impõem a perspectiva de
um “passado prático”, atenta ao elemento ético-político do ensino. Verifica-se que a
aula de história foi cada vez mais esvaziada do seu potencial crítico em relação às
identidades dominantes e/ou tradicionais e do seu papel de construção/reconstrução
da memória. É dessa forma que as listas de conteúdos e competências apresentadas
para o ensino fundamental, apesar de incluírem tópicos alusivos às histórias de negros
e indígenas, não denunciam as marcas de sua invisibilização e silenciamento, muito
menos aquelas que atingem os movimentos LGBT, os quilombolas etc. (PEREIRA;
RODRIGUES, 2018, p. 13).
47
“Uma Educação antirracista é aquela que entende que vivemos em uma sociedade racista, em que as relações
entre as pessoas são pautadas também a partir do lugar social e racial que elas ocupam, e se preocupa em preparar
indivíduos que possam se colocar contra esse sistema, gerador de maior desigualdade”.
48
“O passado histórico é uma construção de ordem teórica, que existe somente nos livros e nos artigos dos
historiadores: é construído como um fim em si mesmo, possui pouco ou nenhum valor para entender ou explicar
o presente e não fornece nenhum guia para atuar no presente ou prever o futuro” (WHITE, 2014, p. 20).
49
O passado prático refere-se à compreensão do passado experimentado no transcorrer da vida diária e às quais se
recorre para orientação em situações do campo prático que envolvem desde questões éticas pessoais até o
engajamento em programas políticos: “é o passado da memória, do sonho e do desejo, assim como da resolução
dos problemas, das estratégias e das táticas para a vida, seja pessoal, seja coletiva” (WHITE, 2014, p. 19).
50
“A opção pela lista de conteúdos tornou a BNCC muito próxima de uma história sem corpo e sem política, uma
vez que estabelece conteúdos considerados ‘canônicos’ e obrigatórios ao conhecimento dos estudantes das novas
gerações. Essa ideia supõe que determinados conteúdos são indispensáveis, mas, ao mesmo tempo, não
problemáticos e com pouco ou nenhum sentido em relação ao tempo presente” (PEREIRA; RODRIGUES, 2017,
p. 41).
67
Ao mesmo tempo em que a BNCC pretende não se apresentar como o currículo a ser
adotado de forma homogênea em todo o extenso território nacional brasileiro, há afirmações no
próprio documento que acenam para o contrário.
Referência nacional para a formulação dos currículos dos sistemas e das redes
escolares dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das propostas
pedagógicas das instituições escolares, a BNCC integra a política nacional da
Educação Básica e vai contribuir para o alinhamento de outras políticas e ações, em
âmbito federal, estadual e municipal, referentes à formação de professores, à
avaliação, à elaboração de conteúdos educacionais e aos critérios para a oferta de
infraestrutura adequada para o pleno desenvolvimento da educação. (BRASIL,
2018, p. 8)
51
Para maiores informações sobre a cooperação entre as instituições em torno do movimento, indicamos o acesso
a: http://3movimentopelabase.org.br/quem-somos/
68
A religião é uma instituição social por estar presente na sociedade ao longo da história
da humanidade. Compondo o meio social, faz parte da cultura consistindo assim em um sistema
de símbolos que propiciam intensas motivações e experiências sociais. Segundo Geertz (2008),
o conceito de religião está ligado ao conceito de cultura como:
Quando analisamos o texto para o período que remete à educação infantil, percebe-se
que, apesar de não ter nada específico, o documento afirma que a instituição precisa conhecer
e trabalhar com as culturas plurais, dialogando com a riqueza, com a diversidade cultural das
famílias e comunidades, isto de forma ampla.
na cultura e nos modos de organização social no período medieval”. (BNCC, 2017, p. 417).
Isso traz uma reflexão sobre o citar e focar apenas nas religiões de matrizes cristãs. Não haveria
outras formas de manifestações religiosas, crenças que também influenciaram a cultura e os
modos de organização social dos povos no mundo e o Brasil? Por que não aparecem?
Ao se analisar o documento, não é possível dizer que esse desconsidera a temática, mas
a presença da educação para as relações étnico-raciais e o Ensino de História e cultura afro-
brasileira e africana na BNCC é superficial. Como evidência, pode-se olhar para o 7º ano:
complexa, que deve levar em conta a perspectiva dos direitos humanos. (BNCC, 2017,
p. 352, 354, grifo nosso).
pelas políticas públicas brasileiras? Quais são os grupos que, por sua organização civil e agenda
de lutas, já conseguem assegurar alguns direitos?
Termos como igualdade, diversidade, e equidade circulam no documento, mas sem
aprofundamento que sustente essa temática. Há inúmeros outros conceitos relevantes, tais como
os citados na BNCC: tolerância, aceitação, atitude, inclusão e raça, que estão associados ao
termo diversidade porque esse termo sempre “insinua” o reconhecimento da diferença, o direito
de ser diferente e enseja o respeito à diferença.
Mesmo que haja combinação conceitual entre esses termos/conceitos, a definição do
termo diversidade é bastante ampla, distante de algum consenso. Pelo contrário, os chamados
“diferentes” permanecendo numa omissão teórico-conceitual e social. Tomaz Tadeu da Silva
(1999) faz a seguinte observação: “Como se configuraria uma pedagogia e um currículo que
estivessem centrados não na diversidade, mas na diferença, concebida como processo, uma
pedagogia e um currículo que não se limitassem a celebrar a identidade e a diferença mas que
buscassem problematiza-la”.
Em um país de dimensões continentais e intensas diferenças culturais regionais, a
ausência de problematização e teorização acerca do conceito de diversidade e seu uso contínuo
como retórica apenas gera especulações em torno das especificidades das demandas dos grupos
aos quais esse termo se refere, assentando, dessa forma, um solo para disputas. Qual das
diversidades humanas está mais ou menos representada?
De acordo com Silva (1999), faz-se importante problematizar, estando atentos aos
mecanismos envolvidos nessa produção. Torna-se necessário questionar os sistemas de
diferenças em seus significados, problematizando a partir da dimensão de sua produção, e de
estar atentos aos mecanismos envolvidos nessa produção. Trata-se de questionar nossos
próprios sistemas de diferença em seus significados, reconhecendo que podem ser considerados
igualmente incomuns ou incoerentes em diversos pontos de vista. Burbules (2003) conduz-nos
“a perceber a arbitrariedade de pelo menos em parte do que aceitamos sem questionamento em
relação a nós próprios e aos outros, junto com o entendimento de que, a partir de outro quadro
de referências, esses pressupostos vão parecer bem diferentes” (BURBULES, 2003, p. 182).
Incorporar esse conceito sem fundamentá-lo teoricamente, ou apenas como um
conteúdo curricular ou tema transversal, significa esvaziá-lo e reduzi-lo à retórica política, que
desconsidera e negligencia questões sociais, econômicas e culturais prementes existentes no
cerne desse conceito, porque refletem a luta em promoção de direitos e chances igualitárias para
todos os membros da sociedade, independentemente de sua origem, raça, gênero, posição
73
social, renda, orientação sexual, papel social, condição física, cognitiva ou intelectiva, motora,
neurológica, sensorial etc.
O conceito de diversidade, segundo Nilma Lino Gomes Silva (2012), ao discutir
currículo, considera o ponto de vista cultural, entendido “como a construção histórica, cultural
e social das diferenças.” Isto é, a construção das diferenças vai além das características
biológicas. Pois, segundo a autora, as diferenças podem ser construídas pelos sujeitos sociais
no decorrer de todo o processo histórico e cultural, bem como, nos processos de adaptação ao
meio social, além dos contextos das relações de poder. De forma que, tudo aquilo que fomos
treinados a enxergar desde o nosso nascimento como diferentes, tornam-se distintos, porque
nós, seres humanos e sujeitos sociais, no contexto da cultura, dessa maneira os nomeamos e
identificamos. Para Nilma Lino Gomes Silva:
52
Em relação às discussões acerca do currículo, ver: MOREIRA, António Flávio; TADEU, Tomaz (org.).
Currículo, cultura e sociedade. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2013; SACRISTÁN, José Gimeno (org.). Saberes e
incertezas sobre o currículo. Tradução Alexandre Salvaterra. Porto Alegre: Penso, 2013.
75
A segunda e a terceira versão, ainda que com abordagens diferentes, optaram por um
viés conteudista, recolocando fortemente a sociedade medieval europeia no currículo
obrigatório. Como exposto, a Idade Média foi contemplada no texto da Base, porém apenas no
6º ano do Ensino Fundamental, numa faixa etária média entre 10 e 12 anos, sendo a maior parte
da História Antiga limitada ao Ensino Fundamental.
Diante da reação de algumas áreas da História, em tensões que envolvem temáticas
consolidadas há muito tempo no currículo, bem como os contextos políticos do Golpe de 2016
(que retirou do governo a Presidenta Dilma Rousseff) e a própria ascensão da extrema direita
ao poder em 2018, trouxeram modificações ao texto da BNCC final. Em 2018 foi diminuído
radicalmente a presença de povos indígenas e africanos no componente de História, mantendo
concentração maior nos povos europeus. Conforme podemos observar o Quadro 2:
76
Outra ausência importante na versão final diz respeito a noção de alteridade. Na segunda
versão ele aparece em seu sentido consagrado pelas ciências sociais sete vezes. Ao tratar dos
conhecimentos da área de linguagens, para os anos finais da Educação Infantil, coloca que o
processo de descentração, que caracteriza esse período de vida, amplia a capacidade dos/das
estudantes tanto de desenvolver sua autonomia como de cultivar a alteridade. Grande parte das
77
vezes que o conceito alteridade aparece é relacionado a educação religiosa, temática que foi
totalmente suprimida da Base sobre o argumento que definir essa questão deve ficar a cargo
dos municípios.
A aprovação da Base ocorreu sob críticas diversas que abordam desde a concepção de
currículo e o modelo curricular pautado na pedagogia das competências, aos conteúdos ou
ênfases que foram suprimidas do documento, com destaque para as discussões de gênero.
Especificamente sobre o componente curricular História, Pereira e Rodrigues (2018) afirmam:
Importa, portanto, reconhecer dois elementos centrais que fazem parte dessa versão:
o primeiro diz respeito ao modelo curricular conhecido como lista de conteúdos, o que
se pôde observar já na segunda versão; o segundo [...] diz respeito ao modo como esse
currículo proposto ao ensino de história trabalha a temporalidade e constrói narrativa
a partir dele, na sua relação “prática” com o passado (PEREIRA; RODRIGUES, 2018,
p. 11).
Deste modo, a Base reafirma a opção pela lista de conteúdos, viés presente na segunda
versão e que tinha sido alvo de críticas, e parece tornar a aula de História um “microlaboratório
da história profissional”, distanciando-se dos conflitos e lutas sociais, perspectiva que, para os
autores, resulta no esvaziamento do potencial crítico da disciplina em relação às identidades
dominantes e/ou tradicionais.
53
O livro Teorias de Currículo é uma obra das professoras Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo, publicada
no ano de 2011.
78
local, particular, de um determinado grupo que tema a hegemonia e que, portanto, impõe aos
outros grupos; na realidade, isso acontece normalmente a partir dos grandes centros.
Reconhecendo que o discurso majoritário na religiosidade brasileira está associado a
cristandade católica e/ou protestante e também uma imensa maioria de neopentecostais, vemos
que as demais manifestações religiosas encontram-se debeladas no limbo da inferioridade ou
impropriedade, fruto da intolerância religiosa e da forma como tempos discutido essa questão
nas escolas. Algo especialmente exacerbado quando observamos as religiões de matriz africana,
marcada por uma história envolta em séculos de exploração, inferiorização e demonização de
suas divindades.
Queremos aqui trazer um ponto importante para essa pesquisa, o que diz respeito a
analisar o que é proposto pela BNCC no componente de História para o trabalho com as
temáticas que envolvem tradições religiosas de matrizes africanas. Para isso, precisamos
primeiramente pensar como a África e a diáspora aparece na BNCC, especificamente na terceira
e última versão, homologada em 2018.
Geovani da Silva e Marinalva Meireles, em Orgulho e Preconceito no Ensino de
História (2017), enfatizam que nas outras versões da BNCC, a visão da diferença foi diminuída.
A diferença referida por eles envolve os povos indígenas e africanos, que são vistos como
diferentes ainda atualmente, trazendo em questão da posição de indígenas e africanos na Base
foi extremamente diminuída. Os autores possibilitam refletir que parecem inexistir as Leis
Federais 10.639/03 e 11.645/08, por exemplo, considerando à quase inexistência tanto indígena
quanto africana no documento. A Europa voltou a ser a norma e demais povos como os
“diferentes”, não interessantes, ou pouco interessantes.
Torna-se preocupante que, a BNCC de caráter obrigatório, carregada de um conteúdo
tão extenso da parte comum proposto, transbordando habilidades focadas na Europa. Isto é, a
BNCC é dividida entre a Base Comum e a parte Diversificada. A Base comum deve ser
79
contemplada em sua totalidade nos currículos estaduais, municipais e das instituições de ensino.
A parte diversificada, por sua vez, pode corresponder a até 40% dos currículos locais. Em que
tempo e de que forma os professores e professoras, conseguirão inserir aquilo que
corresponderia os 40%, que corresponde a parte diversificada?
O documento BNCC é claro sobre o objetivo da parte diversificada, que é enriquecer e
contemplar a parte comum. A ideia é inserir novos conteúdos aos currículos que estejam de
acordo com as competências estabelecidas documento e também com a realidade local de cada
escola (BNCC, 2017). Apesar disso, o mesmo documento ressalta importância de que a “Base
Comum” deve ser contemplada, em sua totalidade, nos currículos que estejam de acordo com
as competências estabelecidas pela BNCC e com a realidade local de cada escola.
Diante do contexto de um currículo comum bastante centrado na Europa e pautado em
inúmeras habilidades e competências, preocupa-nos onde e como discutir debater,
problematizar os povos afro-brasileiros e africanos e suas diversidades no que tange às tradições
religiosas de matrizes africanas no Componente de História?
Na BNCC de 2018, trata-se do preconceito e diversidade de forma superficial, não
havendo aprofundamento sobre o assunto, aparecendo apenas um texto vazio. Quando o
documento pensa apenas nas relações pessoais, na convivência e no respeito às diferenças, o
conceito de racismo sequer é mencionado. Considerando a imensa lista de conteúdos voltados
à competências e habilidades, quando se olha o documento, o termo racismo aparece duas
vezes, ambas no componente de História. Na primeira vez, aparece como objeto de
conhecimento para o 8º ano – “Pensamento e cultura no século XIX: Darwinismo e racismo”
(BNCC, 2017, p. 07); na segunda vez, aparece para o 9º ano, na composição da uma habilidade:
(EF09HI35) Identificar e discutir as diversidades identitárias e seus significados históricos no
início do século XXI, combatendo qualquer forma de preconceito e violência. (BNCC, 2017,
p. 11).
Aparecendo de forma diminuta, ressaltada como preconceito, de forma geral, o racismo
é um sistema de dominação e poder. Adilson Moreira (2021), em uma entrevista na revista
“Carta Capital”, mencionou: a “população em geral, incluindo políticos, gestores públicos e
acadêmicos, tem uma visão estreita do racismo. Muitos só conseguem enxergar a discriminação
direta, o ato de hostilidade de um indivíduo contra outro pertencente a uma minoria racial”. O
racismo é, porém, um sistema de dominação social, que tem por objetivo justificar a
concentração de poder e riqueza (MARTINS, 2021).
Bernardino-Costa, Maldonado-Torres e Grosfoguel (2020, p. 10), organizadores da obra
Decolonialidade e Pensamento Afro-diaspórico, afirmam:
80
Nesse sentido, é preciso pensar o racismo como um princípio constitutivo que organiza,
a partir de dentro, diferentes relações de dominação da modernidade, desde a divisão
internacional do trabalho, até as hierarquias epistêmicas, sexuais de gênero, religiosas, médicas,
junto com as identidades e subjetividades, de tal maneira que divide tudo entre as formas e os
seres superiores e seres inferiores. Na perspectiva decolonial, o racismo organiza as relações de
81
dominação, sem reduzir umas às outras, porém, ao mesmo tempo sem poder entender uma sem
as outras.
Quando olhamos para o documento da BNCC, é possível perceber a permanência da
colonialidade do poder, na qual a ideia de raça ou de racismo é um instrumento de dominação
ou um princípio organizador do capitalismo mundial e de todas as relações de dominação e
poder (identitárias, religiosas, de autoridade política, entre outros). Sobre esta questão, Silva
(1995, p. 136) destaca:
Importa destacar que o conhecimento proposto para ser ensinado legitima determinados
saberes e invisibiliza outros. A colonialidade do poder é evidenciada no currículo também
quando sua proposta expõe padrões únicos que reforçam formas válidas de organização social,
política, econômica, cultural e ética em perspectivas totalizante ou que reforça estereótipos e
mantém hegemonias culturais intactas. Na sequência destacamos as habilidades referentes ao
6º ano, constantes na BNCC, com destaque para aquelas que se referem a povos indígenas e
africanos.
escolar são reforçadas pelas relações de poder, pela pobreza, pela exploração capitalista, pelo
racismo e pelo sistema patriarcal, forjando subjetividades. Por esta razão se faz importante
descolonizar o currículo.
Franz Fanon (2005) alerta para a persistência dos sintomas do colonialismo no modo
como se travam as relações sociais. Analisando o colonialismo e seus impactos na sociedade
argelina, o autor possibilita compreendermos como os efeitos da colonização criam rupturas,
tensões, explorações e desafios para as sociedades coloniais. A realidade da formação da
sociedade brasileira é semelhante, pautada sobre o extermínio e neutralização da população
autóctone e dominação dos povos africanos escravizados. A divisão social do trabalho
determinada por critérios étnicos provocou a miséria e alienação de grande parte da população
negra e, concomitantemente, o alargamento dos privilégios de senhores de escravos e seus
descendentes. Esses sintomas são facilmente perceptíveis hoje e sentido com um grau maior de
intensidade pelas populações negras na diáspora brasileira, alocados nos bolsões de pobreza e
nas prisões.
Temos observado a recrudescência das hostilidades dirigidas à população negra e às
suas manifestações culturais. Alguns fatos refletem tal processo: o crescimento das religiões
neopentecostais que promovem uma verdadeira “caça às bruxas” sobre as religiões de matrizes
africanas (utilização do cristianismo como instrumento de dominação), o assolamento da
juventude negra, promovida pela polícia (aparelho de repressão do Estado, organizado para a
manutenção da ordem estabelecida e consequentemente subalternidade da população negra), os
avanços conseguidos pelos Movimentos Negros também colocaram em xeque a permanência e
naturalização dos privilégios.
Conforme aponta Nilma Lino Gomes (2020), em uma atitude de coragem, compromisso
político e epistemológico, “o movimento negro54 e a intelectualidade negra brasileira trouxeram
para o campo das Ciências Humanas e Sociais, principalmente para a educação, um diferencial:
a perspectiva negra decolonial brasileira, uma das responsáveis pelo processo de
descolonização dos currículos e do conhecimento do Brasil.” (GOMES, 2020, p. 223). Porém,
diante de um documento como a BNCC, parece um desafio encontrarmos o protagonismo
negro, denunciando esse mesmo colonialismo e sua colonialidade. Maldonato Torres (2007)
traz o fato de que o colonialismo se manteve presente em todo o processo de construção da
sociedade moderna e democrática, e como a colonialidade se perpetua: “ainda se mantém viva
54
Entende-se por “movimento negro” as mais diversas formas de organização e articulação de mulheres e homens
negros, politicamente posicionados na luta contra o racismo, bem como os grupos culturais e artísticos com o
objetivo explícito de superação do racismo e da valorização da história e da cultura negra no Brasil.
85
em textos didáticos, nos critérios para o bom trabalho acadêmico, na cultura, no senso comum,
na autoimagem dos povos, nas aspirações e em muitos outros aspectos de nossa experiência
moderna” (TORRES, 2007, p. 131).
Para tanto, a perspectiva negra de decolonialidade é um processo construído e nos
remete ao pensamento emancipatório pelos movimentos sociais nas lutas diárias na sociedade
e nas escolas. Dessa forma, inevitavelmente falamos em tensões, disputas de práticas e de
conhecimentos. Isto é, falamos de currículo. Discutindo currículo, consideramos que a
discussão das questões das tradições religiosas de matrizes africanas no componente de
História, representam em certa medida, um retrocesso, pela sua quase ausência, e pela forma
como o currículo proposto na História não considera tal dimensão uma concepção de mundo e
de sociedade para os diferentes povos ao longo da história da humanidade.
Antes da BNCC, quando o documento norteador eram os PCN, havia uma discussão
acerca das questões raciais a partir da ideia de pluralidade e diversidade, apesar de estarem
contidas no caderno de pluralidade cultural, perspectiva ainda muito restrita. O texto dos PCNs
sustentava a necessidade de a escola posicionar-se em busca de superação do racismo e da
discriminação. O que é fundamental para essa discussão, inclusive do ponto de vista curricular:
“A escola deve se posicionar criticamente em relação a esses fatos mediante as atitudes corretas,
cooperando no espaço da história de superação do racismo da discriminação”. (PCN, 1997, p.
06). Então, a despeito das críticas em relação à pouca discussão e ao pouco avanço obtido com
os PCNs, faz-se necessário destacar sua garantia.
A BNCC, há um retorno para o foco da igualdade, propondo-se ser possível superar as
desigualdades a partir da ideia de igualdade de aprendizagem e igualdade de ensino. Portanto,
o desfalque da discussão de racismo pode ser visto como evidência de um retrocesso. Isto é, na
BNCC há um retrocesso em relação às relações étnico-raciais, ao ensino de História da África
e da diáspora e, principalmente, no que tange às religiões de matrizes africanas. O que existe
no documento da BNCC é garantido pela mediante as Leis n. 10.639/03 e 11.645/08, uma
sancionada em 2003 e regulamentada em 2004, através do Parecer do CNE que institui as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Culturas Afro-Brasileiras e Africanas; a outra sancionada em 2008 e
incluindo as culturas e as histórias dos povos indígenas como objetos de conhecimento
necessários ao currículo escolar.
Então, como construir um currículo mediante um conjunto de conteúdos sendo colocado
como política curricular? O documento é uma normativa, assim, é preciso estar vigilante e
atentos para continuar com o que sempre foi feito durante a luta por uma educação antirracista.
86
Estes três artigos (156, 157, 158) do Código “tiveram até o início do século um tribunal
especial – o Juízo dos Feitos da Saúde Pública” (MAGGIE, 1992, p. 43). A partir da década de
1920, a expressão “baixo espiritismo” (associado ao curandeirismo, espiritismo, magia) começa
a aparecer nos registros policiais, geralmente associados à acusação do exercício ilegal da
medicina e também ao lado de outras categorias como: “macumba”, “candomblé”, “magia
negra”. Yvone Maggie constata que essas acusações contra práticas mediúnicas eram realizadas
a partir de um critério moral, que relacionava os acusados dessas práticas diretamente ao mal.
Segundo pesquisa de Maggie (1992, p. 22), a repressão estatal em relação às
manifestações afro religiosas contra a “crença na magia e na capacidade de produzir maléficos
por meios ocultos e sobrenaturais”, ajudou a constituí-las a defini-las. Isso reforça a visão de
Kant de Lima (2009), de que o “direito aparece como um caso privilegiado de controle social,
não só para reprimir comportamentos indesejáveis, mas também como produtor de uma ordem
social definida. A instância jurídica não só reprime, mas produz” (LIMA, 2009, p. 9).
Já a década de 1940, com o novo Código Penal, os centros espíritas voltam a sofrer
repressões por parte do Estado, o qual impõe regras para o funcionamento dos centros e uma
das regras era o centro ter cede própria e não permitir a “possessão” (ou manifestações
sonambúlicas) durante as sessões públicas. Isso mostra como o Estado, além de impor regras,
determina as formas ritualísticas, pois normatizava por exemplo, as “atividades das sociedades
espíritas a partir de uma lógica que garantisse, tal como determinava a Constituição de 1937, a
adequação do espaço religioso às exigências de ordem pública” (GIUMBELLI, 2003, p. 274).
Na atualidade, o preconceito e perseguições persistem após a nova Constituição Federal
de 1988, na qual se reitera o princípio de laicidade do Estado. É nesta Constituição de 1988 que
se assegura o direito de liberdade a qualquer culto e/ou religião, ao mesmo tempo em que se
proíbe, conforme art. 19, inciso I, que o Estado estabeleça alianças ou relação de dependência
com qualquer culto e que embarace o funcionamento de culto de qualquer natureza. Deste
modo, é com o art. 5º, VI, dos direitos e garantias fundamentais, que se consagra a liberdade de
crença, a liberdade de culto e de organizações religiosas. Ademais, o Código Penal Brasileiro
de 1940 com a Lei nº 9. 459/1997, considera crime a prática de discriminação ou preconceito
contra religiões, como aponta no artigo 203; também consta no mesmo Código, no capítulo I
Dos Crimes Contra o Sentimento Religioso, art. 208, punição ao ultraje a culto e impedimento
ou perturbação de ato a ele relativo55.
55
Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar
cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena - detenção,
89
de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa. Parágrafo único – Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um
terço, sem prejuízo da correspondente à violência.
90
Diante desse pensamento, deve-se compreender que, para a criança que adere à religião
de matriz africana, seu contexto de fé é o mesmo que para uma criança católica e/ou evangélica
e que seus cultos são tão sagrados quanto qualquer outro, de qualquer denominação religiosa.
Ser professor implica apoiar e valorizar a criança negra ou branca, adepta das mais
distintas religiões. Não se trata de gesto de bondade, mas a preocupação com a nossa própria
identidade de brasileiros, das diversas matizes africanas que perpassam culturalmente o país.
Se insistimos em desconhecê-las, ou fingirmos não as observá-las, não as assumimos e nos
mantemos alienados dentro de nossa própria cultura. “Triste é a situação de um povo, triste é a
situação de pessoas que não admitem como são e tentam ser, imitando o que não são” (SILVA,
1996, p. 175).
detalhar classificações conforme adeptos e literatura e mais chamar atenção para o fato de que
tratamos de religiões que possuem elementos africanos em maior ou menor medida, em suas
conformações.
Apesar da divergência semântica (sentido e referente) do uso do termo religiões de
“matriz” ou “matrizes” africanas na literatura especializada, etimologicamente, ambas as
palavras são derivadas do mesmo radical (matr-), costumeiramente, são atribuídos os mesmos
significados como designação do continente africano, e não a localização geográfica ou os
territórios dos grupos religiosos geradores das religiões afro-brasileiras. Não podemos atribuir
os mesmos significados aos dois termos, o sentido, ou representação simbólica em relação à
origem deve ser compreendido como um continente e sua população em razão da segmentação
da experiência humana; já o referente, necessário se faz considerar como diferentes, dispondo-
lhes de valores distintos em razão da localização, da história, da língua a da cultura. Portanto,
optamos pelo uso de religiões de matrizes africanas como forma de designação das diversas
tradições religiosas transmitidas pelos(as) africanos(as) para o Brasil a partir de traços56,
culturais, linguísticos57, históricos58 e geográficos59.
Conforme Lopes (2004, p. 566), “os traços culturais determinantes da africanidade no
Brasil provêm basicamente, de dois grandes extratos civilizatórios”, que se costumam
classificar como bantos e sudaneses, consequentemente, a existência de uma matriz sudanesa e
de outra matriz bantu como forma de representação das diversas vertentes religiosas afro-
brasileiras (LOPES, 2004, p. 567-571). No Brasil essas religiões formaram-se a partir da
diáspora negra quando pessoas vieram de várias regiões do continente africano, foram trazidos
e escravizados. Como comenta Goldman (2005, p. 3), são “resultantes de um processo criativo
de reterritorialização (...), de uma recomposição, em novas bases, de territórios existenciais”.
Entendemos que algumas características são comuns a elas e podem auxiliar a identifica-las.
56
Aqui referimo-nos ao conceito de fronteiras proposto por Barth (op. cit., p. 226) em relação as diferenças
culturais e não o entendimento de nação atribuído as religiões afro-brasileiras.
57
Conforme Greenberg (1982, p. 314) as línguas africanas classificam em quatro famílias principais (Línguas afro-
asiáticas, Niger-Kordofaniano, Nilo-Saariana e Khoisan), no Brasil destacaram-se tão-somente as influências dos
falantes do Niger-Kordofaniano, as línguas do grupo kwa (ioruba, fon, ewe, ibô, etc) e do grupo Bantu (Kimbundo,
Kikongo, etc).
58
A história das religiões afro-brasileiras e sua origem no continente africano, conforme Luz (op. cit., p. 25) por
ser “a civilização mais antiga do mundo”, deve ser observada a partir do historicismo das vertentes religiosas
transferidas para o Brasil.
59
Em razão do relevo geográfico, com exceção da África do Norte, o continente permaneceu por vários séculos
fora das principais rotas de comércio, é certo que não completamente, o que só ocorreu com maior intensidade a
partir do século XV (DIARRA, 1982, p. 337), portanto, a predominância das religiões seriam àquelas referentes
as regiões geográficas-econômicas e políticas dos quatros ciclos da escravidão incluído o tráfico clandestino para
o Brasil, como bem assinalou Anjos (2009, p. 58) sendo “o território étnico seria o espaço construído, materializado
a partir das referências de identidade e pertencimento territorial e, geralmente, a sua população tem um traço de
origem comum”.
92
Como nós sabemos isso fica um pouco a desejar, não se fala muito nessa linha de
religiões de matrizes africanas, se fala muito em questão cultural, as variedades
culturais que se tem, [...] e assim, isso fica muito especificamente de acordo o
professor, de acordo a religião que o professor tem [...]. Uma coisa que não avançou
muito, pelo menos até onde eu conheço, do qual as pessoas, professores de Ensino
Religioso, tendem trabalhar a questão religiosa, na escola, a questão da amizade, do
respeito, etc. Mas, a religião em si, o trabalho das religiões de matrizes africanas, no
caso, a umbanda, o candomblé, aquilo que é essencial das religiões de matrizes
africanas a conhecer, como é, ninguém tem muito feito esse trabalho não. (Professor/a
C)
60
Professor/a C. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: lanchonete núcleo
Cidade Nova, 2022.
94
Primeiro, cada região do nosso país, que compõe uma diversidade negra ela traz
consigo a bagagem cultural, a bagagem étnica de um determinado território da África.
Então, eu não tenho como generalizar questões afro ou afro-religiosas de uma forma
geral a nível de Brasil, a BNCC para mim, ela peca nesse quesito, então ela passa
assim, de uma forma muito superficial, pra mim, poder pensar por exemplo, num
projeto pro norte do Brasil, Pará, sobre uma questão afro-religiosa. Eu tenho que
primeiro pensar em qual etnia essa negritude ela se apresenta, ou não posso dizer que,
o componente curricular ela pode contemplar, uma mesma ação pra uma cultura, se
são de etnias diferente. Exemplo, posso pensar num projeto pro Pará as questões afro-
religiosas são as mesmas que eu posso implantar com mesmo sucesso com mesmo
desempenho para Salvador, pra Bahia? [...] são todas iguais? Então, ela não é uma
questão homogênea. (Professor/a D)
A BNCC também devia pensar nessa diversidade negra, não é porque são negros que
são todos iguais, não é porque é uma etnia negra que são todos iguais, não é porque
tem um culto afro, uma afro-religiosidade, que são todos iguais, [...] isto é uma questão
séria, negro, não é tudo igual. (Professor/a D)
61
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
95
religiões de matrizes africanas. Trazemos à tona os aspectos narrados por professoras/es “D”62,
“B”63 e “C”64
Uma experiência foi dentro da formação há muito tempo atrás, uns 10 anos atrás, a
determinada profissional que ela disse que já havia pertencido ao culto afro e que ela
já havia sido “convertida” e por conta disso ela não tinha interesse em trabalhar essas
temáticas, porque ela havia encontrado uma ação libertadora dentro da vida dela [...]
ela simplesmente fechou uns pontos [...] a filosofia que ela escolheu para a vida dela
acabou, uma questão pessoal, ela acabou interferindo dentro da questão profissional.
[...] Já teve situações, onde eu estava dando aula e falando sobre uma das religiões de
matrizes africanas “candomblé”, um aluno se levantou e se retirou da sala de aula [...]
e a mãe dele, acho que que ele deve ter comentando para a mãe e a mãe resolveu não
permitir que ele acompanhasse as aulas. (Professor/a D).
Pelo meu olhar a BNCC, ela não traz tanta contribuição assim, pra implementação da
Lei 10.639/03. Logo que isso significa também, que essas políticas de debater as
religiões de matrizes africanas também vai ficar a desejar. (Professora/a B)
Se a sala de aula pode ser vista como um espaço de disputa, entre falas, barulhos e
conversas paralelas, e de poder, o silêncio poderia ser compreendido como algo positivo ou
negativo. De acordo com Marcelo Andrade (2015), o silenciamento faz com que as diferenças
sejam negligenciadas. O autor define uma diferenciação entre o silêncio e o silenciamento. O
silêncio poderia ser ainda uma tentativa de expressar uma denúncia às condições inadequadas
de comunicação. Porém, ressalta que o silêncio também pode significar algo negativo quando
aponta para a falta de diálogo e intervenção sobre aquilo que discordamos. Nesse sentido,
estaria mais próximo do conceito de silenciamento, que segundo o autor expressa a manipulação
do discurso, de não querer escutar o que o outro, o diferente, expõe ou manifesta:
[...] Aqui percebemos que o silêncio pode ser silenciamento, o propósito de manipular
o discurso, de não deixar falar ou de não ouvir o outro, o diferente, o discordante, o
62
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
63
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá , 2022.
64
Professor/a C. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: lanchonete núcleo
Cidade Nova, 2022.
96
Este silenciamento é uma via de mão dupla na escola: se por um lado os alunos muitas
vezes escondem suas ideias e suas religiosidades, o fazem por entenderem que há uma falta de
abertura à comunicação na escola; de outro, a escola finge que estas diferenças não existem
para, entre outros motivos, não de ter que lidar com os conflitos religiosos. Assim, como
constataram Moreira e Candau, “questionar o ‘silêncio’ que aprisiona é fundamental. Falar
abertamente sobre a discriminação com os(as) alunos(as), para alguns dos(as)professores(as)
entrevistados(as), assumiria quase um caráter antipedagógico”. (MOREIRA; CANDAU, 2003,
p. 164).
O silêncio da escola e o silêncio de alunas/os na sala de aula sobre as questões religiosas
são fatores que não poderiam ser ignorados. Defendemos que uma prática pedagógica
antirracista deve ser de enfrentamento ao racismo e à intolerância no cotidiano escolar quando
se trata das diferenças. A escola possui uma missão cultural, tornando-se elemento-chave para
a articulação de interesses, de gostos e de socialização cultural de aspectos históricos, sociais e
culturais, sendo os professores os seus catalizadores, acelerando ou retardando o processo. A
atuação do professor é estratégica, exercendo um papel de tradutor da ideia oficial para o
contexto da prática.
Nessa perspectiva, a prática docente no contexto da sala de aula não pode ser encarada
como um exercício meramente técnico, marcado pelo atendimento às prescrições curriculares
desenvolvidas por outrem. Os aspectos que perpassam o ofício do professor são múltiplos e
complexos, inviabilizando qualquer tentativa de redução da sua ação. No plano da formação e
do exercício profissional, o que caracteriza o professor não é exclusivamente o domínio de uma
disciplina, mas o de um conjunto de conhecimentos, que chamados de saber docente (TARDIF,
2000.P. 15), que inclui uma gama não só de saberes, mas também de práticas relativas ao ofício
de ensinar.
Nessa direção, o ofício do professor implica um saber fazer que assegure a
aprendizagem da disciplina e a transmissão do que lhe é confiado pela via das diretrizes
curriculares e que, inevitavelmente, expressa uma determinada concepção de mundo. As
65
Ver também: ORLANDI, E. As formas do silêncio. Campinas, SP, Editora Unicamp, 2007; LAPLANE, A, L.
F. Interação e silêncio na sala de aula. Ijuí; Ed. UNIJUÍ, 2000.
97
dificuldades apresentadas por eles e a falta de formação são fatores que em grande medida
podem contribuir para esses silêncios e silenciamentos. Em especial, com a falta de formação
continuada sobre o tema religiões de matrizes africanas.
No entanto, ainda ao escutar a entrevista do/a professor/a D66, ele relata no decorrer da
fala que trabalha em duas escolas que ele prefere de chamar de escola A e escola B, e este
professor nos coloca que as escolas se diferenciam do padrão de pensamento, sendo uma mais
aberta sobre as questões religiosas, enquanto a outra não demostra essa abertura.
Nessa mesma perspectiva, quando foi perguntado sobre o que a BNCC propõe no
componente de História para trabalhar a temática da diversidade religiosa de matrizes africanas,
o professor/a A67 relata:
Essa temática geral da BNCC, é de forma ampla que ela pega todo esse contexto. [...]
eu, ainda acredito que não contempla. Porque devia ser, principalmente quando tange
a questão cultural, né, musica, religiosidade, festividade, e principalmente aquele que
se trata especificamente da parte cultural religiosa, a herança cultural afro brasileira,
ela se restringe ainda. (Professor/a A)
66
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
67
Professor/a A. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca
Municipal, Núcleo Cidade Velha, 2022.
98
espaço escolar não pode haver qualquer tipo de doutrinação. A construção de uma prática
pedagógica que tenha como referência a interculturalidade na escola deveria eleger como pauta
prioritária valores como tolerância, respeito ao diferente e à diversidade, e o entendimento de
que podemos e somos sempre influenciados por aquelas/es que divergem de nossas identidades.
Como nos lembra Molar (2012, p. 215), “a escola é o lugar para o qual convergem as
tensões expostas pela sociedade, apresentando em sua estrutura uma pluralidade que é sentida
de modo amplificado, no contato permanente e diário entre alunos e professores”. Nesse
sentido, na escola as diferenças apresentam maior visibilidade, e principalmente, o contato com
o “diferente” se dá de modo permanente, diário e inevitável. É nela que os conhecimentos
produzidos pela humanidade são transmitidos e também onde os conflitos que possam surgir
no seu cotidiano são mediados. Algumas ideias defendidas na educação como a
interculturalidade (CANDAU, 2008.p. 19), que seria a busca pela construção da diversidade, a
qual tenta provocar uma leitura positiva do outro e o respeito à diferença, amplia o olhar para
uma educação que visa trabalhar com as questões de identidade e alteridade.
A educação intercultural68 seria um caminho para isso, uma vez que coloca como
evidência uma nova consciência dos direitos as diferenças. Mas ressaltamos aqui a importância
de não enxergamos o/a professora como o/a grande redentor/a ou articulador/a de todas as
demandas da sociedade. Reafirmamos que existe ainda uma larga distância entre o que é
aprendido nos cursos de formação de professores/as com o cotidiano escolar ao qual a/o recém-
formada/o é lançada/o. Porém, dentro da perspectiva deste estudo, podemos afirmar que o
conceito de laicidade deve estar presente no Ensino de História, principalmente nos cursos
voltados para a formação docente para a educação pública.
No decorrer da entrevista com a professora B, ela relata sobre a ausência dessa discussão
em relação a temática das religiões de matrizes africanas no Ensino Superior, na formação
inicial de professores. Conforme vemos o relato do/a Professor/a B69:
Não aprendi nada na graduação, nada disso! A graduação foi muito voltada para um
currículo eurocêntrico. Então, a gente aprendeu muito da cultura eurocêntrica, da
cultura grega, romana e enfim, não teve assim, uma coisa que achei positivo na
graduação foi que estudei pelo menos Estudos Amazônicos. História da Amazônia
pelo menos agente teve contato. Isso foi positivo. Mas assim, nessa questão da história
africana e até a história da Ásia, por exemplo, né, eu acho que a gente deve muito. A
68
A interculturalidade na educação aparece como uma proposta pedagógica que busca envolver relações de
cooperação, respeito e aceitação, entre diferentes culturas e sujeitos, visando, dessa forma, respeitar as identidades
culturais, com o objetivo de propiciar a troca de experiências e o crescimento mútuo.
69
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
99
graduação não abordou esses assuntos. De uma maneira muito superficial então acho
que isso é um problema, foi um problema que me fez ficar nessa situação de me sentir
insegura, de não debater o assunto, de não ter tanta leitura sobre o assunto que precisa
leitura e vivência, né? (Professora/a B)
O professor em sala de aula tem que trazer essas questões de culto afro-brasileiro, [...]
muitos tem a curiosidade, mas muitos alunos eles tem medo, o preconceito de se tornar
protagonista e agenciador do saber, porque, eles são os produtores do saber junto aos
professores, então falta essa consciência desse protagonismo. (Professor/a D)
A escola deve ser o lugar mediador dos conflitos entre as identidades e o significado das
mesmas, assumindo o compromisso com identidades plurais e fluidas. A escola consiste nesse
espaço de construção de identidades, sabendo que essas não são fixas, mas mutáveis e que a
interação com o outro é o que permite a constituição da nossa identidade.
O professor de História pode ensinar o saber-fazer, lançar questões e reflexões, captar e
valorizar a diversidade, levantar problemas e reintegrá-los num conjunto de outros problemas
procurando transformar temas em problemáticas, dando condições para que o aluno possa
participar do processo do fazer, do construir a História. É preciso compreender e aceitar que
“os africanos influenciaram profundamente a sociedade brasileira e deixaram contribuições
importantes para o que chamamos hoje de cultura afro-brasileira” (MATTOS, 2012, p. 155) e
as formas que os descendentes africanos possuem para expressar sua fé são apenas uma parte
da sua cultura, que precisa ser valorizada, para assim dar fim ao racismo existente atualmente
no Brasil. O relato do/a Professor/a D71, aponta:
São essas informações, que faltam para a sociedade brasileira, a sociedade brasileira
é muito fechada, a mente do aluno é muito fechada e influenciada, principalmente do
6º ao 9º ano, que ainda não tem aquele amadurecimento religioso, vem influenciado
pela família, pelo pai, pela mãe, e a escola ela deve entrar como agente gerenciador
no processo educativo. Essas questões elas são altamente pertinentes. (Professor/a D).
70
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
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Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
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Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
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nas formas de organização das religiões de matrizes africanas, pois o sistema cultural negro-
brasileiro:
Segundo compreensão de Domingos (2014), Cunha Júnior (2010), Silva (2018) há uma
dimensão pedagógica na forma como o conhecimento dentro dos terreiros são transmitidos, na
medida que a educação articula processo de comunicação e interpretação social. Para Domingos
(2014, p. 134), a “pedagogia efetiva dentro do barracão funciona como fator determinante de
manutenção, continuação da cultura e da religião negra, exerce a função de inclusão social e
refúgio para sujeitos discriminados”. Assim, defende-se uma formação educacional a partir do
complexo cultural que emerge da ancestralidade, como forma identitária para a comunidade
escolar, em especial para aqueles estudantes que fazem parte da experiência religiosa de
matrizes africanas e seus desafios na prática escolar (CAPUTO, 2016. P. 178).
No “caso da escola pública, é importante destacar que não se trata de negar seu caráter
laico, mas, sim, de pautar a questão da religiosidade de matrizes africanas de forma ética,
entendendo-a como uma dimensão da experiência humana e do sagrado que emerge das
relações entre sujeitos sociais” (GOMES, 2015, p. 12). No entanto, no vasto universo
multidisciplinar a que se destina, observam-se constantes desafios para discutir uma dimensão
específica, as religiões de matriz africana, por conta de um olhar redutor de seu significado
como reveladora de um universo filosófico e civilizatório.
No entanto, também se evidenciam enormes dificuldades em se lidar com um aspecto
essencial dessa tradição cultural, que são as religiões de matrizes africanas, por conta de
diferentes argumentos. Como pontua Santos (2015), para ele há pelo menos três pressupostos
básicos no debate sobre a intolerância no espaço escolar: “O primeiro é de que a educação
escolar constitui-se em espaço e tempo de formação de identidades socioculturais, de
reprodução e enfrentamento de preconceitos e também formas correlatas de intolerância”
(SANTOS, 2015, p. 61), indicando seu papel contraditório ao lidar com esse tema. O segundo
pressuposto “[...] é o de que, em vários segmentos da sociedade brasileira, encontram-se
atitudes de preconceitos e de intolerância com relação aos adeptos e às religiões de matrizes
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africanas”, elementos que se vinculam ao debate de que a educação é atravessada por injunções
sociais e políticas.
O terceiro pressuposto “[...] é o de que a hegemonia das religiões de matrizes judaico-
cristã, a discriminação racial e a satanização de entidades espirituais produzem uma
invisibilidade das religiões de matrizes africanas pelas políticas educacionais” (SANTOS,
2015, p. 61), contribuindo para o desinteresse de educadores(as) sobre as práticas vivenciadas
pelos sujeitos que frequentam a sala de aula. Assim, deixam de compreender que essas
vivências são produções da humanidade como quaisquer outras e que afetam a relação entre as
pessoas e delas com o mundo. Como podemos perceber no relato do/a professor/a C73, há uma
visão muito deturpada e estigmatizante na escola sobre as religiões de matrizes africanas:
Quando você fala da religião de matrizes africanas, ela é menosprezada, é o que não
presta, é marginalizada, é do demônio, é do cão, é do capeta. [...] As pessoas dizem
assim, os orixás são demônios! Os orixás não são demônios, as pessoas acham isso
porque não tem conhecimento. [...] As crianças não se assumem como praticante de
nenhuma religião de matrizes africanas, porque têm medo. Tem uma criança que tem
uma prática religiosa de matriz africana, só que ela falou só pra mim, ela não falou no
geral. (Professor/a C)
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Professor/a C. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: lanchonete núcleo
Cidade Nova, 2022.
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A religiosidade é pouco tratada durante as aulas de História nos anos finais do Ensino
Fundamental. Olhando para a última versão da BNCC, é possível perceber que dentre as
inúmeras habilidades propostas no componente de História, não há espaço evidente para asa
religiões de matrizes africanas. De acordo a percepção do/a professor/a D74, nosso
entrevistado/a, “há uma problemática muito séria na BNCC, porque ela trata de uma forma
muito geral. O próprio nome de diversidade matriz africana te propõe que existe uma gama de
questões a serem abordadas”. A variedade de religiões é pouco conhecida pelos professores e
retratada de forma superficial nos livros didáticos e, ainda, de forma muito eurocêntrica.
De acordo com o que foi relatado pelo/a professora/a B75 e o professor A, fica evidente
que em sua prática docente, em relação a essa temática das religiões de matrizes africanas, há
muito ainda o que aprender, e que a BNCC após a sua implementação, pouco contribuiu para
suas práticas em sala de aula, conforme podemos constatar abaixo:
Então, vou falar da minha prática [...)]a BNCC não tem sido tão positiva [...] eu tenho
muito a aprender ainda, sabe, sobre esse tema, não vou negar, eu acho assim, que me
sinto mais segura em debater na educação étnico-racial, nessa linha que não aborde
muito as religiões de matrizes africanas, então quando eu vou falar das Leis 10.639/03
e 11.649/08, a questão do continente africano, quando eu vou falar dos movimentos
negros e aquilo que ele tem feito eu me sinto mais segura para debater esses assuntos
porque tenho mais tempo de leitura e envolvimento com esse movimento. Mas, eu
confesso, que nessa questão ai de religiões de matrizes africanas, candomblé e
umbanda e outras demais, acho que devo muito ainda, devo no sentido de que tenho
déficit de conhecimento sobre esse assunto, eu me sinto ainda engatinhando.
(Professor/a B)
Tudo o que acompanhei, é bem complicada a nossa realidade aqui em relação a BNCC
de contribuição, é muito distante da nossa realidade, sinceramente. Nem superficial,
porque infelizmente na educação você vê, não especificamente, mas infelizmente a
gente ainda tem uma relação com o livro didático. Pelo menos eu ainda tenho uma
relação com o livro didático. E infelizmente, (...) ele engessa agente, e a abertura é
muito pouca. (...). (Professor/a A)
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Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
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Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
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Professor/a A. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca
Municipal, Núcleo Cidade Velha, 2022.
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Quando olho para a BNCC e a própria proposta fico pensando o que fazer com isso?
[...] A frustação se dá porque a gente vê que é tantos anos, é 20 anos praticamente da
Lei 10.639/03 e tantos anos que os movimentos negros vêm lutando pra que o
currículo mude, pra que o currículo tenha a cara das pessoas que, como um todo, que
ele consiga abordar a história regional, a história local. [...] a gente não percebe essa
preocupação de contemplar todos esses sujeitos dentro do documento. Vem com umas
palavras bonitas, diversidade. O que é diversidade? (Professor/a B)
Não vejo contemplação, não está acontecendo, [...] o profissional de História, ele tem
que repensar como é que fica a questão da hegemonia, então da verdade, é lima “faca
de duas pontas, por quê? Você é obrigado, mas será que o profissional de certa forma
ele está preparado para esse tipo de abordagem? Será que as questões e concepções
pessoais elas acabam interferindo pra que não sejam trabalhados? [...] tem
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Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
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Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
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Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
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profissionais que fazem a rigor da lei e tem profissionais que se ele tiver abertura para
não trabalhar, ele não trabalha. (Professor/a D)
Se eu for discutir religiões de matrizes africanas no 9º ano, vai ter um momento que o
aluno não vai ouvir, que aquilo a religião dele não permite. [...] não vou ficar ouvindo
porque a minha família não me permite ficar ouvindo história de religião de macumba.
[...] Nos 6º e 7º anos, teve um ano especificamente, que veio muito à tona esta questão
de macumba. (...) trabalhamos o ano todinho e, assim tentando desmistificar essa
ideia. (Professor/a B)
Portanto, torna-se evidente que a diversidade religiosa presente em nosso país é bastante
geradora de conflitos, marcadamente pelo viés racista da sociedade e da pouca compreensão
sobre ritos e práticas de religiões que não contenham formação cristão, ocidental e europeia.
São inúmeras religiões e práticas culturais que precisam ser reconhecidas e valorizadas porque
fazem parte da história nacional.
Sabemos que atualmente o Brasil é um Estado laico, ou seja, legalmente o Estado é
independente e não está submetido aos propósitos de qualquer confissão religiosa. Além disso,
os cidadãos têm a garantia constitucional de poder confessar a religião que desejarem, sem
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Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
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Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
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Importante desmistificar [...] porque esses símbolos, tanto ligado a cultura africana do
povo negro quanto indígena, costuma ser muito estereotipado. Costuma ser muito
colocado como uma coisa inferior, como ruim também, por isso, importante
desmistificar essas representações, dá um outro sentido pra esses símbolos e trazer
eles pro nosso cotidiano, pra as aulas, na nossa vida, [...] importante o outro ver na
gente que não venha carregado com esse preconceito em relação a essas culturas.
(Professor/a B)
Nessa mesma perspectiva, o/a professor/a D83, o que trabalha com o componente de
História em turmas do 6° e 9° ano, em Marabá, verificou alguns constrangimentos de alunos ao
se assumirem como afrodescendentes ou que pertencem a uma religião de matriz africana. Os
colegas da turma os rotulavam de macumbeiros, visivelmente num discurso de alunos
carregados de preconceitos. O/a professor/a D84 relatou:
Hoje me sinto mais seguro, mas, alguns anos atrás eram pouquíssimas pessoas que
sabiam (o fato de ser professor ser candomblecista), primeiro, entendia que era um
lado extremamente pessoal meu, então, não tinha por que dar satisfação. Com o passar
do tempo vim entendendo que essa questão de não querer dá satisfação, que na
verdade tinha um “Q” de receio de ser desrespeitado, de perder uma certa valorização
social que eu tinha, de não ser compreendido, de ser retalhado, porque eu era
praticante do cristianismo católico. Então, com o passar do tempo, eu fui percebendo
que as pessoas que tem esse tipo de comportamento acabam retardando os avanços
das discussões pelo respeito a prática do culto afro-brasileiro no Brasil. (Professor/a
D).
Outro traço marcante das falas dos professores e professoras entrevistados é a ideia de
que as práticas religiosas de matrizes africanas pouco são retratadas em sala de aula. Nas aulas
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Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
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Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
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Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
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Olhando os conceitos que a BNCC traz, que é esse conceito da diversidade fortemente
presente possibilita. [...] pode-se basear nele pra fazer por exemplo, se a diversidade
é um tema que tem que ser debatido então eu posso também discutir a diversidade
religiosa, ao invés de ficar só falando a religião cristã, eu tenho que trazer por
exemplo, elementos [...] imagina uma pessoa que nem eu ou outro professor(a) que
tenha uma sensibilidade, que tenha essa relação com movimentos sociais negro, ela
vai sim utilizar essas brechas que vai ter na BNCC para trabalhar o tema das religiões
de matrizes africanas. Só que aí a gente, tem que ver pras pessoas que não tem essa
sensibilidade, o que elas vão fazer entendeu? Porque ao mesmo tempo que esse
conceito contribui pra uma abertura [...], um conceito amplo demais assim, um
conceito amplo que eu posso muito bem fugir pra uma outra linha, por exemplo, ao
invés de discutir as religiões de matrizes africanas que é que tem que esse embate
assim mais expressivo, e agente, sofre mais o preconceito de maneira expressiva. Eu
posso por exemplo debater o hinduísmo que é um assunto que você vai discutir no 6º
ano por exemplo que não tem muita resistência. Eu posso até discutir o islamismo
gente, você vai discutir na sala de aula e não sente o impacto do preconceito como
quando você vai dizer, por exemplo, do candomblé, da umbanda. Pronto! Falou de
umbanda e candomblé a gente, sente a rejeição por parte dos alunos. (Professor/a B)
Toda a minha experiência [...] ela está muito mais ligada com minhas experiências
com os movimentos sociais, com o movimento negro. É essa experiência que faz com
que eu tenha esse olhar, essa preocupação do que com esses documentos. Esses
documentos, eu sinceramente tenho dificuldades de perceber algum acréscimo [...]
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Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
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Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
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positivo desses documentos com essas temáticas que eu estou debatendo aqui, eu
tenho muita dificuldade em perceber melhorias sabe? (Professor/a B)
Que as religiões de matrizes africanas não são religiões, e quando são, estão sempre
ligadas com coisas do demônio. Enfim, a gente, aprende a não reconhecer essas
experiências religiosas, populações como uma coisa positiva. Agente aprende que
aquilo é tudo coisa negativa. E o cristianismo, infelizmente, faz esse papel de
demonização do outro e da religião do outro. (Professor/a B)
87
BRANDÃO, Carlos. Identidade & Etnia. São Paulo: Brasiliense, 1986.
88
SILVA, Ana Célia da. A representação social do negro no livro didático: o que mudou? Por que mudou?
Salvador: EDUFBA, 2011, p. 84.
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Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
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Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
91
GADDIS, John Lewis. Paisagens da História. Como os Historiadores Mapeiam o Passado. Rio de Janeiro:
Campus, 2003.
92
HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. São Paulo: Paz e Terra 2008.
110
Segundo Silva, a “realidade, o cotidiano do outro pode conter uma trama de construções
que visam ocultar o real vivido, porque esse real pode ser visto Não como diferente, mas como
desigual”93. Isso significa que é preciso desconstruir nossos preconceitos para entender o outro.
93
SILVA, Ana Célia da. A representação social do negro no livro didático: o que mudou? Por que mudou?
Salvador: EDUFBA, 2011.
94
SANTOS, Joel Rufino dos. A Questão do Negro na Sala de Aula. São Paulo: Global Editora, 2016.
111
O racismo está presente na vida cotidiana dos indivíduos e, portanto, será reproduzido
dentro das instituições caso elas não criem políticas internas que barrem essa
reprodução. O autor defende que algumas atitudes internas podem ser tomadas, como
promover o debate interno e externo sobre diversidade, remover os obstáculos para
ascensão em cargos de prestígio, revisão das práticas institucionais. (ALMEIDA,
2019. p. 23).
Os temas sobre África e diáspora, quando abordados em sala de aula, não consideram a
religião como dimensão sociocultural. Quando muito, alguns mitos egípcios são trazidos à tona.
O debate em torno da memória e histórias das religiões afro-brasileiras nos espaços de
aprendizagem no ensino fundamental, no ensino de História, envolve a falta de formação inicial
e continuada de professores para o tema das africanidades e suas concepções de mundo.
A falta de formação dos professores dificulta a abordagem teórica de temas étnico-
raciais e também sobre a diversidade religiosa. Uma justificativa para não ter conhecimento dos
documentos que regem o trabalho com a temática é o fato de terem concluído os estudos, seja
em nível de graduação ou pós-graduação há alguns anos, é quando não se era data tanta ênfase
à temática. Pouco ainda discutimos a respeito da intolerância religiosa e falta um
aprofundamento teórico sobre o tema numa sala de aula, fruto também dos enfrentamentos e da
resistência que envolve outras matrizes religiosas. Com a falta da motivação pessoal dos
educadores, muitos acabam seguindo os apenas os didáticos, seguindo as habilidades propostas
pela BNCC, e tratam o tema de forma superficial, fazendo com que os alunos tenham
dificuldade e desinformação sobre o assunto. Na perspectiva do/a professor/a B95, o problema
da BNCC e como isso reflete na proposta pedagógica do município de Marabá, reformulada em
2019, são as ausências:
Que eu não debata um assunto, é não especificar, [...] porque esses assuntos chamados
de sensíveis, precisa está muito bem explícito, ele precisa estar lá debatido, mostrado,
dizendo: esse assunto tem que ser trabalhado, é dessa forma, ou ter uma habilidade
que possa expor mesmo o assunto de uma maneira bem evidente. Pro sujeito não fugir.
(Professor/a B)
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Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
96
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
113
Diante de relatos e comentários intolerantes, muitos omitem seu credo e sua orientação
religiosa na escola, parte de sua identidade, por medo de sofrer represálias, ofensas e
discriminação por seu credo, que alcançavam, por vezes, agressão física. Na escola, quando
uma criança chega com um pano na cabeça (torso) e trajando vestes brancas, torna-se motivo
de chacota, ocasião em que se percebe que não há respeito pela religião, por sua particularidade
diversa da maioria, e isso independe da aceitação de outros, mas do respeito ao ser humano que,
nesse momento, torna-se o alvo negativo por sua diversidade.
As religiões de matriz africana, seus contextos de fé seus cultos são tão sagrados quanto
de qualquer denominação religiosa. Essa dimensão é importante, pois, além do respeito e da
tolerância, aponta para saberes e valores de universos culturais amplos.
Visto que o racismo faz parte da estrutura brasileira e se conserva até aos dias atuais,
torna-se um desafio para o(a) professor(a) trabalhar as religiões de matrizes africana na sala de
aula nos últimos anos do fundamental e fazer com que os alunos reconheçam à pluralidade
cultural, trazidas pelos africanos escravizados que chegaram a este país. “Os africanos
trouxeram seus credos para a América portuguesa”97, passaram a influenciar com elementos
religiosos a cultura brasileira. Desenvolver esses conteúdos nas aulas, com embasamento
teórico e seriedade no tratamento dos temas, contribui para a formação de todos os alunos,
oportunizando visões e valores múltiplos, dentro dos princípios democráticos.
Gadotti diz que “o poder do professor está tanto na sua capacidade de refletir
criticamente sobre a realidade para transformá-la, quanto na possibilidade de construir um
coletivo para lutar por uma causa comum”.98 É de suma importância que o professor aborde,
em sala de aula e também fora dela, aspectos das culturas africanas e indígenas, fazendo um
trabalho de conscientização para a relevância desse legado, constituinte da identidade brasileira.
As discussões sobre as religiões de matriz africana nas escolas, especificamente nas aulas de
História, deveriam abrir espaço para um debate mais amplo sobre o próprio papel que as
religiões desempenham na formação do povo brasileiro. Essas discussões são necessárias. É
mais do que na hora de mudar esse quadro e transformar através da educação, o Brasil em um
país tolerante.
97
DEL PRIORE, Mary; VENANCIO, Renato. Uma breve História do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do
Brasil, 2010.
98
GADOTTI, Moacir; FREIRE, Paulo & GUIMARÃES, Sérgio. Pedagogia: diálogo e conflito. 7. ed. São Paulo:
Cortez, 2006.
115
LDB, que é algo maior define e regulamenta o sistema educacional brasileiro, seja ele público
ou privado. As duas Leis citadas anteriormente alteram a LDB, então, não implementar tais lei,
implica infringir a Lei das Diretrizes e Bases da Educação.
Há desafios epistemológicos e políticos (QUINTANA, 2016) que envolvem a
implementação de ambas as leis em perspectivas decoloniais. Desafios que trazem no seu bojo
rupturas necessárias com postulados epistemológicos de um modelo explicativo de sociedade
que não encontra sustentação no atual momento educacional brasileiro, em especial no que diz
respeito às religiões de matrizes africanas. Santana (2005) observa com muita propriedade que
no caso brasileiro, coube ao candomblé, como religião étnica, através de suas múltiplas
linguagens, e ao terreiro, com suas geografias e suas paisagens, a função de preservação do
legado africano, visando a autoidentificação de um grupo social específico.
Por isso, sua importância como repositório dos saberes e conhecimentos ancestrais que
precisam fazer parte do cotidiano de nossas escolas. De acordo o/a Professor/a B99, nossa
entrevistada, um problema crônico que se apresenta como dificuldade é a questão do racismo e
da rejeição no que toca a trabalhar essa temática:
Sempre foi um problema, uma dificuldade, sempre foi uma questão porque, tem uma
questão da rejeição e do racismo muito forte. E principalmente nos últimos anos, que
a gente percebe um avanço expressivo das religiões pentecostais, das religiões
evangélicas, estão em crescimento. A gente percebe mesmo que, porque quando
agente, vai trabalhar em sala de aula, como a gente da aula de História e Ensino
Religioso, a gente acaba fazendo essa pesquisa na sala de aula, para descobrir quais
são as religiões que tão presentes ali com os alunos, a religião de cada um, agente,
sempre constata que a maioria sempre são evangélicos. [...] de forma que a grande
maioria sempre se identifica com o cristianismo, seja católico ou evangélico. O que
prioriza é o cristianismo. Quando tem um aluno que diz que não é ou que não segue
nenhuma, geralmente produz assim um estranhamento, por parte dos outros.
(Professor/a B)
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Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
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Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
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Eu não tenho muitas expectativas positivas da BNCC, na verdade não tenho. [...] eu
quero crer que mesmo ela não trazendo tantos elementos importantes para debater
esse assunto, eu quero crer que nós professores vamos dar um jeito de debater esses
assuntos. Porque a gente, sempre já fez muito, historicamente falando. A gente sempre
deu um jeito. É claro que agora está muito mais amarrado, muito mais direcionado, é
uma preocupação que você não pode fugir, vem as habilidades você não pode fugir
daquela habilidade, [...] A BNCC, ela trouxe um pouco de engessamento, ela engessou
um pouco a nossa ação. Então, a gente vai ter que ter muita estratégia assim, pra
conseguir continuar a discutir esses assuntos para debater essas temáticas “sensíveis”.
[...] a maneira como ela (BNCC) foi construída, a maneira como ela está sendo
implementada não tá sendo tão positivas, [...] na pegada de fazer com que a gente
controle um pouco o nosso, as nossas aulas, o nosso planejamento, aquilo que a gente,
vai debater nas escolas. (Professor/a B)
A docente faz uma crítica ao documento e forma engessada que constitui a base do
currículo. Ao mesmo tempo, aponta dificuldades e limites do documento, dada sua limitação
quanto a “temas sensíveis”, incluindo a temática das religiões de matrizes africanas e seus
universos culturais. Professor/a C101, também discutindo o tema, relatou uma intolerância
presenciada por ele, por parte da família da aluna ao desenvolver um projeto cujo título era
Diversidade: a identidade brasileira.
Eu fiz um projeto, gosto de trabalhar projetos, e nesse projeto o título era diversidade:
a identidade brasileira, o meu objetivo era especificamente as religiões de matrizes
africanas. Como eu não pude chegar diretamente falando do candomblé e da umbanda,
procurei fazer um apanhado da identidade das religiões mais conhecidas no Brasil,
catolicismo e evangélicas, aí fui inserindo, as práticas religiosas [...] dos negros e tal.
Então, eu pedi pra eles fazerem bonecos grandes e com esses bonecos nós iríamos
explorando a religião de cada um, de cada etnia - do negro, europeu e tal. Aí em uma
dessas conversas os alunos fizeram uma baiana bonita, aí lá conversando, teve uma
aluna que falou pra mim assim, professor, a partir desse momento aqui eu não assisto
mais a sua aula. Aí eu não entendi e perguntei pra o porquê? Ela disse, sou evangélica,
meu pai é pastor, e ele me proibiu de participar de suas aulas. (Professor/a C)
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Professor/a C. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: lanchonete núcleo
Cidade Nova, 2022.
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ideário eugenista e higienista, converte essa herança ancestral num dos principais fatores do
atraso da sociedade brasileira.
Ecos e reverberações dessa intolerância manifestam-se em sala de aula, representando
mais um desafio, de acordo com o relato do/a professor/a B102, em que ela faz a seguinte
observação: “o fato de pensar minha religião que os verdadeiros valores [...] a ética estão, que
a salvação da alma, como modelo de pessoa, de como [...] ser. Esse é um problema grave, [...]
as pessoas querer converter o outro.” A entrevistada aponta não apenas o desafio em relação a
valores, mas a própria questão de uma disputa por salvação.
De acordo uma Matéria Como era o Brasil no 1º centenário da Independência há 100
anos, por Evanildo da Silveira, de São Paulo para BBC NEWS Brasil, em 11 de janeiro de
2022, evidencia que hoje, cem anos depois da instauração da República, observamos na
imprensa, e nos relatos dos praticantes das religiões de matrizes africanas um aumento de
práticas de intolerância religiosa contra o candomblé e a umbanda, acompanhada de uma
sistemática campanha de demonização de suas práticas. Os casos de intolerância contra as
religiões de matrizes africanas, antes apenas episódicas e sem grandes repercussões, hoje se
avolumaram, saindo da esfera das relações cotidianas menos visíveis para ganhar visibilidade
pública (SILVA, 2015, p 12).
Nesse caso, estamos diante de uma disputa política e comercial, uma “cruzada
evangelizadora”, organizada e deflagrada pelas Igrejas evangélicas, que tem por base a
“teologia da guerra espiritual” surgida na década de 1980 no meio evangélico norte americano,
que propõe a demonização das religiões não cristãs (ORO, 2007).103 Nessa perspectiva, o/a
professor/a D104 apresenta um outro desafio:
102
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
103
Essa “cruzada evangelizadora, e por que não dizer, uma cruzada de apagamento étnico” não deve ser analisada
por um viés homogeneizador das igrejas evangélicas no Brasil. Devemos observar que uma das características das
igrejas evangélicas brasileiras é seu caráter heterogêneo, onde podemos identificar três grupos principais: as igrejas
evangélicas tradicionais e históricas (Luterana, Batista, Metodista e Presbiteriana, e Congregacional), as igrejas
pentecostais (Congregação Cristã no Brasil, Assembleia de Deus, Igreja Deus é Amor, “Casa da Benção”,
Evangelho Quadrangular), e igrejas neopentecostais (Universal do Reino de Deus, Igreja da Graça, Igreja Renascer
em Cristo, Sara Nossa Terra etc.). Grosso modo, podemos afirmar a existência de três grupos distintos em sua
fundamentação e tradição teológica: as igrejas “históricas” que se consideram herdeiras da reforma protestante; os
pentecostais, “herdeiros” dos movimentos avivalistas surgidos nos Estados Unidos; e os neopentecostais que
surgem da teologia da prosperidade originária nas igrejas do sul dos Estados Unidos. São grupos heterogêneos que
ao pôr em prática seu fundamentalismo religioso promovem um apagamento étnico, cujo alvo principal são as
religiões de matrizes africanas com seu legado ancestral.
104
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
118
Por mais que seja proibido por lei, uma escola que tem uma ideologia política, isso
quer queira quer não, permeia o processo educativo da instituição quer seja pública,
estadual, municipal ou particular, sempre isso por parte da gestão e da coordenação,
quando não da própria secretaria de educação. Essa questão de ideologia política. Esse
é um primeiro desafio, quando a gestão entende de uma concepção diferente, ela
“quebra tuas pernas”. Ela não te possibilita empreender a questão dentro da escola,
[...] lidar com as problemáticas da diversidade religiosa dentro da sala de aula.
Segundo desafio, você fazer entender que os seres humanos não são iguais que fazem
parte de uma mesma sociedade e que o estado brasileiro ele é laico. Ou pelo menos
deveria. (Professor/a D)
Acho que as questões religiosas de matrizes africanas elas vão ter problemas de ser
implementadas [...] pelo meu olhar, eu acho que de modo geral, a BNCC ela tem essa
representação [...] como posso dizer ela na verdade pensando nas minhas ações, ela é
como se fosse, vou usar uma metáfora esquisita, como se fosse jogar um “balde de
água fria”. Porque, a gente, esperava mais da BNCC, especialmente nessa temática
étnico-racial, nessa questão das religiões de matrizes africanas, e eu acho que essa
espera que foi assim, que tem essa expectativa que ia ser contemplada, ela meio que
frustrou, [...] Os objetos de conhecimento eu não percebo nenhum tipo de abordagem
direta para debater essa questão das religiões de matrizes africanas. (Professor/a B)
105
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
106
Professor/a A. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca
Municipal, Núcleo Cidade Velha, 2022.
119
quer oferecer para tratar essa temática pedagogicamente? Algo deve ficar evidente, não se pode
folclorizar a luta racial. Nilma Lino Gomes ressalta:
Eu consigo hoje apesar de toda a dificuldade [...] olhar um tema curricular, olhar um
conteúdo [...] que agente usava essa expressão antigamente, e quando olhar pra ele
entender que aquele assunto, ele faz parte de um víeis, se é europeu e entender que ali
não está toda a história como um todo, [...] fragmentado, digamos assim. Que faltam
contemplar a Ásia, falta contemplar a história do continente africano e da própria
américa latina, ou até o Brasil. [...] Isso tudo vem dos movimentos que participo desde
a década de 90 e não da BNCC. (Professor/a B)
107
Professor/a B. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Praça no Núcleo
Nova Marabá, 2022.
120
A cada instante, o docente lida com circunstâncias novas e imprevistas, que exigem dele
múltiplos conhecimentos, incluindo-se aí o bom senso: “continuamos instalados na incerteza
como forma de pensar, o que não significa improviso, na qual os protagonistas da prática se
destacam por seu valor mediador” (SACRISTÁN, 1998b, p. 210).
Sobre outras possibilidades de prática docente em relação às tradições religiosas de
matrizes africanas, a/o professor/a D108 apresenta a necessidade de: “chamamento para
compreensão do culto afro-brasileiro, mais do que uma cultura, mais do que uma contribuição.
O chamamento para a tolerância e o respeito”. E em segundo lugar, segundo o/a professor/a
D109, “tem que haver um esclarecimento, tem que ser elencado, problematizado a importância
de se conhecer o culto afro-brasileiro. O que não se conhece, não se respeita!”.
108
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
109
Professor/a D. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca da
escola Josineide Tavares, Núcleo Cidade Nova, 2022.
121
Na sua dimensão criativa, o currículo escolar e as práticas de sala de aula são produzidas
mais pelas circunstâncias, pelas formas peculiares de cada docente e discente reagirem diante
do inesperado do que pelo plano elaborado a priori. Além do mais, é essa dimensão do currículo
que mais poderá interferir no sistema social e que está contextualizado e/ou inserido, rompendo
com conhecimentos, valores e formas de agir, e por isso, podemos atribuir-lhe um lugar especial
para a mudança e para a inovação, aceitando o novo.
Nesse espaço, onde o currículo é traduzido em atividades que configuram as práticas
educativas, o docente insere o novo, o específico, o diferente, o modificando as determinações
de saberes curriculares e planos que vêm de fora: “[...] é que não se planeja esta prática ex-
novo, desde o nada, já que se desenvolve historicamente em circunstâncias determinadas; o
professor não cria as condições de ensino, muitas vezes vêm dadas” (SACRISTÁN, 1998B, P.
206). Isto, nos apresenta como um desafio. Como podemos observar no relato do/a professor/a
A110:
Os meus desafios são muitos. Eu ainda tenho dificuldades de trabalhar em sala de aula
[...], principalmente a questão voltado principal da cultura. Quando eu digo cultura,
eu falo a questão que tem uma herança ainda no Brasil sobre a questão afro-brasileira.
[...] Não consigo ter paciência com as outras áreas de conhecimento para trabalhar
isso, seja no 6º, 7º, 8º ou 9º ano. (Professor A)
A realidade de Marabá e cada questão específica de cada escola, ela traz um pouco e
posso até dizer que haja alguma contradição sem especificar profissionalmente
nenhuma área do conhecimento, ou pessoa que tenha uma função na escola, mas há
uma série de dificuldades relacionadas a essa questão. Infelizmente em relação a mim,
ainda há uma distância da prática em sala de aula local com o que a BNCC propõe.
(Professor A)
Outro desafio que o/a professor/a C111 nos relata, em sua prática na sala de aula, é o fato
da pressão não só da comunidade, mas também por parte da direção escolar, que por motivos
não difíceis de imaginar, o obrigou a mudar o projeto que estava sendo desenvolvido:
110
Professor/a A. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: Biblioteca
Municipal, Núcleo Cidade Velha, 2022.
111
Professor/a C. Religiões de Matrizes Africanas no Componente Curricular de História: A BNCC e a Prática
Docente (Marabá-PA, 2017-2019). [Entrevista cedida a] Roselli Scheidegger Oliveira. Marabá: lanchonete núcleo
Cidade Nova, 2022.
122
Trabalhando com os orixás, [...] foi outro problema, que aí quando os meninos fazendo
essa pesquisa, vieram os pais nas escolas porque a minha religião não permite e tal.
Aí a direção me chamou e pediu pra eu mudar, tu pode passar outro trabalho pra esses
meninos, porque os pais estão reclamando [...] falei, sinto muito, não dá! Essa direção
era católica com base no cristianismo. (Professor C)
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
112
A laicidade por ser um fenômeno político e não religioso deriva das ações do estado e não da religião. No caso
brasileiro, em especial na educação, o fenômeno da laicidade não implicou, necessariamente, na neutralidade do
Estado em relação a religião.
124
documento na dimensão da BNCC, mas não atua e não se compreende como coletiva
pluriétnica.
Sendo a escola entendida como um espaço construído socialmente, ela é também lugar
de conflitos entre diferentes grupos sociais. O problema surge quando a relação
integração/conflito é direcionada para uma relação de ódio religioso, cenário de um projeto
político e de poder, capitaneado por algumas lideranças de poder, como apresentado
anteriormente no texto.
É nesse contexto, que uma postura sectária se evidencia, tornando imperativo a
constituição de um debate em torno de uma cidadania étnica-religiosa capaz de possibilitar aos
sujeitos portadores do legado ancestral africano e afro-brasileiro o direito a narração. Um direito
que deve vir acompanhado de uma relação dialógica simétrica, pois todo diálogo sem simetria
é uma forma de violência. Permanecendo essa situação, podemos afirmar que a intolerância
religiosa na escola (des)humaniza suas relações, tornando a concepção de cidadão livre, capaz
de desempenhar um papel cultural crítico, aberto e sem travas, assetado no pluralismo, em letra
morta.
As religiões de matrizes africanas sempre foram vistas como cercadas de mistérios, seus
ritos, não são conhecidos pela grande maioria da população brasileira, o que por certo contribuiu
para o processo de intolerância religiosa, uma vez que seus mitos são preservados e
retransmitidos de geração em geração, através de processos iniciáticos. Nesse contexto
sociocultural, a escola por estar inserida no sistema de transmissão cultural no processo de
aprendizagem, historicamente, “cumpre a função de ensinar e educar”, em que a igualdade e
diferença face a diversidade e singularidades da sala de aula, por ser o modelo de “transmissão
de conhecimentos verdadeiros”.
Mais do que pela discussão e reflexão dos seus conteúdos, dos textos de conhecimentos
verdadeiros”, mais do que pela discussão e reflexão dos seus conteúdos, dos textos no processo
de aprendizagem, a importância da participação das Religiões de Matrizes Africanas em
História fomenta a liberdade de religião e o combate ao racismo, portanto, não há como ficar
ausente no processo de construção da disciplina .O ambiente educacional, considerado como a
“instituição de reprodução da cultura legítima, determinando entre outras coisas, o modo
legítimo de imposição e de inculcação da cultura escolar”, também pode fomentar a exclusão
ou a inclusão das religiões de matrizes africanas no processo de aprendizagem.
No que se refere à temática da religião, a BNCC aborda a diversidade cultural e religiosa
como um dos princípios fundamentais para o desenvolvimento da educação brasileira. O
documento reconhece a importância de respeitar as diferentes manifestações religiosas
125
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