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UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS (ICH)


FACULDADE DE HISTÓRIA

JACLENE ALVES RIBEIRO

QUAIS ÁFRICAS? O ENSINO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA NA SALA DE AULA


(MARABÁ, 2015-2020)

MARABÁ/PA
2021
JACLENE ALVES RIBEIRO

QUAIS ÁFRICAS? O ENSINO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA NA SALA DE AULA


(MARABÁ, 2015-2020)

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado


à Faculdade de História do Instituto de
Ciências Humanas da Universidade Federal do
Sul e Sudeste do Pará, como requisito para
obtenção de grau de Licenciatura Plena em
História.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Karla Leandro Rascke

MARABÁ/PA
2021
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca
Setorial Campus do Tauarizinho da Unifesspa

Ribeiro, Jaclene Alves


Quais Áfricas? O ensino da história da África na sala de aula
(Marabá, 2015-2020) / Jaclene Alves Ribeiro ; orientadora, Karla
Leandro Rascke. — Marabá, PA : [s. n.], 2021.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) - Universidade


Federal do Sul e Sudeste do Pará, Instituto de Ciências Humanas,
Faculdade de História, Curso de Licenciatura Plena em História,
Marabá, 2021.

1. História (Ensino fundamental) - Estudo e ensino - Marabá (PA).


2. África - Civilização - Estudo e ensino - Brasil. 3. Livros didáticos. 4.
Livros didáticos - Influências tendenciosas. I. Rascke, Karla Leandro,
orient. II. Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. III. Título.

CDD: 22. ed.: 372.89

Catalogação na fonte: Alessandra Helena da Mata Nunes


Bibliotecária-Documentalista - CRB2/586
JACLENE ALVES RIBEIRO

QUAIS ÁFRICAS? O ENSINO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA NA SALA DE AULA


(MARABÁ, 2015-2020)

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado


à Faculdade de História do Instituto de
Ciências Humanas da Universidade Federal do
Sul e Sudeste do Pará, como requisito para
obtenção de grau de Licenciatura Plena em
História.

Data de aprovação: Marabá (PA), 15 de abril de 2021.

Banca Examinadora:

______________________________________
Prof.ª Dr.ª Karla Leandro Rascke
Orientadora

_______________________________________
Prof.º Dr.º Geovanni Gomes Cabral
Examinador Interno

_______________________________________
Prof.ª Me. Cristiane Mare da Silva
Examinadora Externa
Fonte: https://anchor.fm/nat341lia-franciele-pomi351/episodes/Reinos-Africanos-e-Americano-eik5il
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, quero externar minha eterna gratidão а Deus, pela minha vida, e
por me permitir ultrapassar todos os obstáculos encontrados ao longo da realização deste
trabalho. Permitiu que meus objetivos fossem alcançados durante todos os meus anos de
estudos. Restaurando minha saúde e determinação para não desanimar durante a realização
deste trabalho.
Fui acometida pelo coronavírus no período da escrita do último capítulo desse
trabalho. Passei dias e noites intermináveis, eu só chorava. No auge da minha dor nada me
consolava. Mas eu sobrevivi como a águia solitária e a sorte de novo sorriu para mim. Deus
me escondeu debaixo de suas asas e o poder de Deus na minha fraqueza se aperfeiçoou.
Sou grata aos amigos/familiares, por todo o apoio e pela ajuda, que muito contribuiu
para a realização deste trabalho e que sempre estiveram ao meu lado, pela amizade
incondicional e pelo apoio demonstrado ao longo de todo o período de tempo em que me
dediquei a este trabalho. Principalmente a minha mãe (Maria Djanira Alves) e esposo
(Rahfelson de Oliveira Barbosa), que me incentivaram nos momentos difíceis e
compreenderam a minha ausência enquanto eu me dedicava à realização deste trabalho.
Agradeço a professora Drª Karla Leandro Rascke, por ter sido minha orientadora e ter
desempenhado tal função com dedicação e amizade. Aos professores do curso de graduação
em História em História, pelas correções e ensinamentos que me permitiram apresentar um
melhor desempenho no meu processo de formação profissional ao longo do curso, obrigada
por todos os conselhos, pela ajuda e pela paciência com a qual guiaram o meu aprendizado.
Meus sinceros agradecimentos aos colegas de curso, com quem convivi intensamente
durante os últimos anos, pelo companheirismo e pela troca de experiências que me permitiram
crescer não só como pessoa, mas também como formada e por compartilharem comigo tantos
momentos de descobertas e aprendizado. Sou extremamente grata pelo ambiente amistoso no
qual convivemos e solidificamos os nossos conhecimentos, o que foi fundamental na
elaboração deste trabalho de conclusão de curso.
Por fim, agradeço aqueles que contribuíram, de alguma forma, para a realização deste
trabalho. A todos que participaram, direta ou indiretamente do desenvolvimento deste
trabalho de pesquisa, enriquecendo o meu processo de aprendizado. Obrigada UNIFESSPA
(Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará), por tudo o que aprendi ao longo dos anos do
curso e pela oportunidade de fazer parte do seu quadro de discente. Foi uma honra fazer parte
da sua história.
Por fim, não poderia deixar de agradecer a Escola Estadual de Ensino Fundamental e
Médio Profº Acy de Jesus Neves de Barros Pereira. Bem como aos professores – Ewerton
Correia e Alex, professores de História da escola, pelos livros didáticos cedidos, que foram
utilizados como fonte de pesquisa para esse trabalho de conclusão de curso.
RESUMO

O presente trabalho tem o intuito de analisar a maneira como a História da África é


retratada em textos e imagens de livros didáticos de História voltados para o Ensino
Fundamental II, na rede pública de ensino em Marabá/PA. Tomamos como espaço de análise
a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Prof. Acy de Jesus Neves de Barros
Pereira. Centramos a narrativa sobre livros didáticos, destinados ao 6º e ao 9º ano publicados
entre os anos de 2015 e 2018, aprovados pelo PNLD de 2017 e 2020, nossas fontes de
pesquisa. A análise aponta para alguns avanços, mas também para a permanência de
equívocos e estereótipos, característicos de uma representação negativa historicamente
construída sobre o continente africano. Procuramos refletir, neste sentido, sobre desafios e
possibilidades encontradas atualmente para abordar a temática africana em sala de aula.
Palavras-chave: Ensino de História. Livro Didático. História Africana. Representações.
ABSTRACT

The present work aims to analyze the way the History of Africa is portrayed in texts
and images of history textbooks aimed at Elementary School II, in the public school system in
Marabá/PA. We took as analysis space the State School of Elementary and High School
Teacher Acy de Jesus Neves de Barros Pereira. We focused on the narrative on textbooks,
destined to the 6th and 9th year published between the years 2015 and 2018, approved by the
PNLD 2017 and 2020, our sources of research. The analysis points to some advances, but also
to the permanence of misconceptions and stereotypes, characteristic of a negative
representation historically constructed on the African continent. We try to reflect, in this
sense, on the challenges and possibilities currently encountered to address the African theme
in the classroom.
Keywords: History Teaching. Textbook. African History. Representations.
SUMÁRIO
1 - INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 11
2 - MARABÁ, ENSINO DE HISTÓRIA, LIVRO DIDÁTICO E HISTÓRIA DA
ÁFRICA ................................................................................................................................... 16
2.1 - Todos os olhares para Marabá na atualidade .......................................................... 16
2.2 - Ensino de História e livro didático ............................................................................ 22
2.3 - O ensino da História da África .................................................................................. 27
3 - ANÁLISE DO CONTINENTE AFRICANO EM LIVROS DIDÁTICOS DE
HISTÓRIA .............................................................................................................................. 33
3.1 - O Continente africano entre representações nos livros didáticos de História ...... 37
3.2 - Análise de livros didáticos produzidos no século XXI............................................. 40
4 - CONSTRUÇÃO DE UMA ABORDAGEM DE ENSINO PARA A HISTÓRIA DA
ÁFRICA ................................................................................................................................... 60
4.1 - A Construção da abordagem ..................................................................................... 63
4.2 - Elaboração dos materiais e metodologia de ensino de história .............................. 65
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 70
REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 72
ANEXO I – Questionário aplicado na turma pesquisa – 8º ano “a” ................................. 74
ANEXO II – Plano de aula..................................................................................................... 76
ANEXO III – Texto produzido .............................................................................................. 78
ANEXO IV – Jogo Mancala .................................................................................................. 80
11

1 - INTRODUÇÃO

A globalização, a informação imediata, em tempo real, e a possibilidade de conectar-se


com qualquer parte do mundo a qualquer tempo, são características da sociedade
contemporânea. A reflexão mais cuidadosa, entretanto, introduz inúmeras dúvidas quanto à
abrangência desse mundo de informação e conhecimento. Quando voltamos nossos olhares
para o continente africano a dúvida se torna ainda mais explícita.
Quais são as imagens que o brasileiro possui atualmente sobre a África? Esse
continente continua praticamente desconhecido, submetido aos mesmos e velhos
preconceitos. É visto como uma África formada somente por selva, com populações isoladas,
famintas, aculturadas, vivendo em choupanas. Uma visão de suposta inferioridade do africano
e logo do negro, trazido ao Brasil na colonização e seus descendentes ao longo dos séculos.
Fortes imagens circulam no imaginário coletivo brasileiro sobre a África. Imagens
depreciativas advindas do imaginário europeu em relação aos povos africanos, visão
etnocêntrica, que impõem padrões culturais, sociais e econômicos de forma substancial,
produzindo estereótipos que se perpetuam com o passar dos séculos, ligados ao fardo negativo
da escravidão, do racismo e da invisibilidade da História da África.
Percebe-se um grande vazio no que se refere ao conhecimento sobre a África. As
referências ao continente ou a algumas de suas regiões são predominantemente relacionadas
ao tráfico de africanos trazidos ao Brasil para trabalhar como escravos. Da mesma maneira, e
talvez por isso, a ideia que possuímos de África hoje é, também, desprovida de pluralidade,
África como totalidade. Não conseguimos imaginá-la como um continente onde habitam
povos diferentes com culturas diversas, não conseguimos imaginá-la como uma região
marcada por uma diversidade ecológica que exigiu de seus habitantes respostas diferentes
para garantir sua integração e sobrevivência.
Ao conhecer a história da África, a partir das leituras da disciplina intitulada
Sociedades Africanas, ofertada no terceiro semestre da graduação, o continente africano me
chamou atenção pela sua diversidade e especificidade. Ao me deparar com sua imensurável
riqueza, econômica, cultural e social, percebi a importância dede me debruçar sobre a história
desse continente, bem como, aprender afinco a história africana. Razões essas que me levaram
a escolha do tema da monografia.
A história do continente africano acendeu uma chama no meu coração (amor à
primeira vista), que foi se intensificando a cada oportunidade que detive na graduação de
12

conhecer sua história. Assim como suas especificidades, que nos leva a imaginar a
imensurável importância do continente africano e seus povos para todo as demais sociedades.
Aprendemos de tudo um pouco com os povos africanos: costumes, crenças, línguas, gestos,
saberes, fazeres, línguas, gestos, tantas outras coisas.
Com ajuda da minha orientadora Prof.ª Dr.ª Karla Leandro Rascke, que sempre esteve
acessível para ajudar e direcionar o caminho a ser percorrido, indicando leituras e
compartilhando as que têm na sua biblioteca, foi possível a abertura a abertura de um leque de
conhecimentos no que tange a história do continente africano e seus povos. Partindo de tais
conhecimentos, passei a olhar a história da África com sentimento de pertencimento dessa
história, ou seja, eu faço parte dessa história. Pois, a história do continente africano e seus
povos fazem parte da minha história.
No Estágio Supervisionado, a partir do período da regência, meu primeiro contato com
alunos em sala de aula e tive a oportunidade de observar o livro didático, o Ensino de História
e Ensino da África na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Profº Acy de Jesus
Neves de Barros Pereira. Mediante atividades supracitadas pelo Estágio Supervisionado,
resolvemos elaborar e aplicar um questionário-diagnóstico na turma do 8º ano “A” (ver anexo
I). Partindo de uma prática que objetivou mapear o conhecimento dos alunos sobre o “A
História da África”, constituiu uma problematização a respeito da importância do “Ensino da
História da África na sala de aula”. O objetivo era identificar de que forma o Ensino da
História da África estava sendo apresentado e contemplado na sala de aula.
No resultado do questionário ficou visível o não conhecimento dos alunos sobre a
História da África. Resposta que norteou a escolha do tema desse trabalho. Visto que, detive o
cuidado de não abordar a história africana em termos de conscientização ou supervalorização,
mas, mas a fim de atuar na construção de relações étnico-raciais em prol da diversidade e da
promoção da igualdade racial que rendeu experiências muito valiosas para a prática docente
em História.
O ensino de História da África vem somar-se a valorização da diversidade étnica e
cultural de nosso país, trazendo para o estudo e para o debate o papel das populações negras
nos processos históricos. Aliado ao estudo da África insere-se em grande medida o papel da
instituição escolar no que se refere ao combate do preconceito e das diferentes formas de
discriminação, já que participa na construção de atitudes de cidadania e de valores
fundamentais para a vida em sociedade.
Este trabalho, intitulado “Quais áfricas? O ensino da história da África na sala de aula
(Marabá, 2015-2020)”, tem como objetivo analisar a maneira como a História da África é
13

retratada em textos e imagens de livros didáticos de História voltados para o Ensino


Fundamental II, na rede pública de ensino em Marabá/PA. Tomamos como espaço de análise
a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Prof. Acy de Jesus Neves de Barros
Pereira. Centramos a narrativa sobre livros didáticos destinados ao 6º e ao 9º ano publicados
entre os anos de 2015 e 2018. Buscamos compreender como duas coleções de história
aprovadas pelo PNLD 2017 e 2020, nossas fontes de pesquisa, abordam a história da África.
Diante do exposto, buscamos desenvolver uma proposta didática de ensino para abordar a
História da África no Ensino Fundamental II.
A escolha de analisar livros didáticos de um período posterior a lei 10.639/03, alterada
pela Lei 11.645/08, que trata sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana,
tornando obrigatório o ensino de História da África no Brasil, em todas as escolas, públicas e
particulares, do ensino básico. E refletir se as mudanças preconizadas pela lei podiam ser
percebidas nos livros de história do período em questão. Se deu ao fato de eu acreditar que a
discussão da história da África nos ambientes escolares contribui para dar visibilidade a um
continente que foi virtualmente apagado dos livros e da sociedade.
Por outro lado, por considerar o livro didático como um veiculador de conhecimento
na escola, em sala de aula e, um instrumento que legitima a consagração ou exclusão de
personagens, grupos sociais e continentes na história, o elegi para construir a partir dele a
reflexão proposta. Acredito que pesquisas neste sentido são importantes para promover a
desconstrução gradativa das representações preconceituosas veiculadas no senso comum e,
muitas vezes, reproduzidas em sala de aula.
Reflexões sobre a temática permitiram levantar questões sobre quais conteúdos devem
ser ministrados na sala de aula sobre as Áfricas? Quais temas são fundamentais em relação a
História da África e sua cooperação para a formação social, cultural e econômica para o
Brasil? Como fazer essa abordagem tratando o assunto com a devida importância e não
somente ligando a África e seus povos à escravidão? Concordamos com Antonacci, quando
aponta que:

No atual contexto crítico à produção etnocêntrica de conhecimentos, currículos,


práticas de ensino/aprendizagem, cronologia de uma história linear universal,
trabalhando narrativas em circuitos África/Brasil emergiram evidências da expansão
do mundo europeu além termos geográfico e econômico (ANTONACCI, 2016, p.
245).
14

Dessa maneira, pensarmos como está sendo abordado os conteúdos no livro didático
de História no que tange à História da África e problematizar como acontecem tais
abordagens, e quais suas contribuições para a crítica a estereótipos e preconceitos. Visto que:

O livro didático é um importante veículo portador de um sistema de valores, de uma


ideologia, de uma cultura. Várias pesquisas demonstram como textos e ilustrações
de obras didáticas transmitem estereótipos e valores dos grupos dominantes,
generalizando temas, como família, criança, etnia, de acordo com os preceitos da
sociedade branca burguesa (BITTENCOURT, 2002, p. 72).

Para José Barbosa da Silva Filho:

O preconceito e a discriminação que envolvem a população negra no Brasil é


reforçada no processo ensino-aprendizagem de história e isto se explicita na
ausência da história da África nos currículos e livros didáticos e na valorização dada
ao estudo da história geral, tendo por paradigma a história europeia (SILVA FILHO,
2007, p. 113).

O presente trabalho está estruturado em três capítulos, sendo que no primeiro capítulo
– Marabá Ensino de História, Livro Didático e História da África, abordamos aspectos da
cidade de Marabá, o ensino de história, o livro didático e a história da África. No primeiro
tópico apresentamos Marabá/PA, com suas diversidades e particularidades; ao passo que no
segundo tópico desenvolvemos algumas reflexões sobre ensino de história e livro didático,
bem como, dialogamos com os textos de autoria de Circe Bittencourt (2018). Circe
Bittencourt fala da importância de se apropriar de uma certa concepção de história. Traçamos
diálogo com Anderson Ribeiro Oliva (2003), que retrata as representações e imprecisões na
literatura didática. No terceiro e último tópico, refletimos sobre a História da África e seu
ensino, dialogando com pesquisadores da área, incluindo os citados no tópico anterior.
No segundo capítulo – Análise do Continente Africano em Livros Didáticos de
História, analisamos o continente africano no livro didático. No primeiro tópico desse
capítulo visamos diagnosticar de que maneira o continente africano está sendo representado
nos livros didáticos de História. No segundo tópico analisamos os livros didáticos produzidos
no século XXI (publicados entre os anos de 2015 e 2018, aprovados pelo PNLD de 2017 e
2020). Em síntese, nesse capítulo, buscamos contextualizar como o livro didático utilizado
pelos docentes e discentes retratam o continente africano. Se somente de forma tradicional, ou
seja, a partir de textos e imagens que demonstrem mitos e preconceitos, que durante muito
tempo ocultaram a real história deste continente; ou se hoje, com o ensino da História e
15

Cultura Afro-Brasileira tornado obrigatório através da Lei Federal 10.639/2003, a História da


África é mostrada de uma forma mais ampla.
De tal forma, no terceiro capítulo – Construção de uma Abordagem de Ensino para a
História da África, inspirada na elaboração do projeto de intervenção, requisitado pela
disciplina do Estágio Supervisionado IV, optamos por trabalhar nesse capítulo com uma
proposta de “construção de uma abordagem de ensino para a história da África”. No último
tópico - Elaboração dos materiais e metodologia de ensino de história, dialogamos com o
texto de Claúdia Zaslavsky - Jogos e atividades Matemáticas do Mundo Inteiro (2000), para
trabalhar em sala de aula com atividade do jogo Mancala de origem africana.
O desenvolvimento dessa proposta vem ao encontro da necessidade de inserir nos
currículos escolares o ensino de História da África. E, apesar do avanço teórico-metodológico
que a História da África vem apresentando nos últimos anos, os currículos escolares, bem
como os conteúdos previstos nos programas escolares, ainda são permeados por uma visão
eurocêntrica e monocultural da História africana.
16

2 - MARABÁ, ENSINO DE HISTÓRIA, LIVRO DIDÁTICO E HISTÓRIA DA


ÁFRICA

Ao longo do tempo, a História da África ocupou um papel secundário na


historiografia, sendo estudada enquanto continente repleto de pobreza, sem história, tornando-
se assim, um continente silenciado face a história. Pensada historicamente a partir de padrões
e referenciais europeus; considerada, pelos que detinham o poder de classificar, como
primitivo, inferior, selvagem, exótico e uma série de outros adjetivos pejorativos que, desde o
primeiro contato, com as dadas classificações, sobrepuseram sobre os povos africanos
diferentes tipos de violência.
Os europeus, na construção da história do Brasil, criaram inúmeras classificações para
tornar inteligível aquilo que para eles eram o “diferente”. Caracterizações e classificações,
carregadas de preconceitos e estereótipos. É necessário ter em vista que essas representações
não marcam apenas as narrativas da historiografia tradicional, mas estão na raiz do imaginário
que a sociedade brasileira nutre ainda hoje a respeito do continente africano. Essas
representações são evidentes tanto no senso comum, quanto nos livros didáticos que, às vezes,
são o único recurso didático disponível em escolas públicas espalhadas pelo país.
No que tangue a temática proposta, o objetivo desse capítulo é apresentar a cidade
Marabá/PA, com suas diversidades e particularidades; ao passo que também desenvolvemos
algumas reflexões sobre ensino de história e livro didático, a História da África e seu ensino.
No intuito de analisar a maneira como a História da África é retratada em textos e imagens
nos livros didáticos de história voltados para o Ensino Fundamental II utilizados na rede
pública de ensino em Marabá/PA, tomamos como espaço de análise a Escola Estadual de
Ensino Fundamental e Médio Prof. Acy de Jesus Neves de Barros Pereira. Centramos a
narrativa sobre livros didáticos destinados ao 6º e ao 9º ano do Ensino Fundamental II e
publicados entre os anos de 2015 e 2018, aprovados pelo PNLD de 2017 e 2020.

2.1 - Todos os olhares para Marabá na atualidade

Marabá, com denominação de origem indígena e que significa filho do prisioneiro


ou estrangeiro, ou ainda filho da índia com branco, têm-se história compreendida
tradicionalmente a partir do período da chegada dos comerciantes de drogas do
sertão e, chefes políticos deslocados do norte da província de Goyaz, até os dias
atuais.1

1
Almanaque100anosanosdemarabá/2013:umanoquevalepor100/banzeirocomunicação
17

Marabá não é uma única cidade. Marabá são muitas. É um perder as contas, no que
tange ao seu crescimento demográfico. Tantas ou mais quantas forem as pessoas que chegam
aos milhares a cada ano vindas das mais variadas e Estados do Brasil. Marabá, lugar de
disputas políticas, sociais e territoriais, de gente que ousou/ ousa estabelecer aqui seus
negócios e famílias e que fez da vila fundada oficialmente por “Francisco Coelho” 2, uma das
cidades que mais crescem nesse País. Marabá é uma experiência plural.
A história de Marabá é narrada em almanaques, jornais, principalmente, por relatos,
encontrados na Fundação Casa da Cultura de Marabá. Em uma visita ao Museu Municipal de
Marabá, no período da pesquisa, instalado nas dependências da Fundação Casa da Cultura, há
feiras, há bairros, há praças da cidade de Marabá, que permitem perceber diferentes aspectos
da cidade: do lambedor3 de ervas medicinais indicado pela vendedora da feira do Bairro
Laranjeiras ao mais tecnológicos dos consultórios médicos; do canoeiro do Bairro Amapá ao
maquinista de trem que transporta minério em mais de 200 vagões; do tacacá vendido na
praça do Hamburg das redes de Fast-Food; dos ciclos econômicos tão marcantes na sua
história, a política emblemática das oligarquias e coronelismo, a explosão demográfica, da
instalação do Grande Projeto Carajás e da descoberta do garimpo de Serra Pelada.
Marabá, aos 108 anos, onde o novo e o velho se contradizem, os tempos se misturam e
permitem o convívio num cotidiano de aprimoramento social e econômico, onde a feira livre e
o shopping Center não se apartam. O envelhecimento nem sempre é dado pelo tempo,
principalmente quando se trata de lugares. Marabá, impulsionada pelo movimento de
embarcações em frente à Praia do Tucunaré, de onde saíam os carregamentos de Caucho, na
década de 1898, anos depois com carregamentos de Castanha - por volta da década de 1920,
cresce sem detença números de casas e bairros.
Marabá terra indígena, com suas densas matas, nasceu na ponta do Cabelo Seco4 se
expandiu para formar a aglomeração chamada de Pioneira. Segundo almanaques e jornais,
existentes na Fundação Casa da Cultura, logo, surge a planejada Nova Marabá, no formato de
uma folha, acima da linha da enchente dos rios Itacaiúnas e Tocantins, ao mesmo tempo em
que se constituíram os bairros do Novo Horizonte, Amapá e Cidade Nova e se ramificou pelo
município, tornando-se conhecido mundo a fora pelas disputas e conflitos que, se dão sobre o
seu território de colonização do espaço rural.

2
De acordo com o livro “Viagem ao Tocantins” (autor desconhecido), escrito por ocasião da visita à região do
então secretário geral do Estado, Deodoro Mendonça, logo após a grande enchente de 1926, 7 de junho de 1898
foi o dia em que Francisco Coelho, após também deixar o burgo, instalou-se no pontal, atualmente, denominada
Marabá.
3
Lambedor – Preparados caseiros de xarope (São úteis no cuidado da tosse).
4
Cabelo Seco – Nome do bairro da Cidade de Marabá.
18

Os marcos históricos da cidade de Marabá são as chegadas dos tocantinenses tangidos


pelas refregas políticas do início da República, a implantação das atividades econômicas no
processo colonizador, a abertura das estradas resinificando a ligação com o país e a terra, a
mineração de diamante, ouro, ferro e manganês. Destacamos dois mapas, para que possamos
ter uma dimensão da localização da cidade de Marabá:

Figura 1 – Localização de Marabá

Fonte: https://www.google.com/search/mapa/Marabá-PA.
19

Figura 2 – Perímetro Urbano de Marabá

Fonte: https://www.google.com/search/mapa/Marabá-PA.

Na sua história Marabá se desenvolveu, paralelamente, a partir de duas comunidades


diferentes, uma no chamado Pontal, em cuja localização fica atualmente o bairro Francisco
Coelho; e outra na margem esquerda do rio Tocantins, denominada Burgo Agrícola do
Itacaiúnas, descendo rio abaixo da atual sede urbana do Município. O rio vai se tornando um
elemento estético da paisagem. Ele direciona, norteia a vida das pessoas e da cidade, que os
cercam. (Ver figura 3).

Figura 3 – “Y” Encontro dos Rio.

Fonte: https://www.google.com/search/maraba/PA.
20

O Y formado no encontro dos rios Tocantins e Itacaiúnas em Marabá se tornou o


símbolo da bandeira do município, conforme Figura 4.

Figura 4 – Bandeira do Município

Fonte: https://www.google.com/search/bandeirademaraba/PA.

No que tange à educação, segundo pesquisa no site da Secretaria de Educação


Municipal (SEMED) e, Estadual (SEDUC), Marabá conta com escolas em praticamente todas
as regiões do município totalizando aproximadamente 216 escolas. Podemos observar a partir
de dados coletados no site do INEP que o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica), partindo do cálculo sobre aprovação escolar, obtidos pelo Censo Escolar, e das
médias de desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), observados
entre 2005 a 2019, apenas no ano de 2007 - (3,4), 2009 - (3,7) e 2011 - (3,9), Marabá,
conseguiu atingir a meta de qualidade educacional. Visto que, no IDEB de 2013 - (3,7), 2015
– (40), 2017 – (3,8) e 2019 – (4,3), nos anos iniciais e finais da rede pública, Marabá não
conseguiu atingir a meta exigida, ou seja, nota 6,0, que é o mínimo que o MEC espera das
escolas do país.
Ao analisar os dados a partir do ano de 2019, observados a nível Brasil em relação às
escolas municipais referente aos anos finais do ensino básico, nesse período o IDEB
observado apresenta o índice de 4,3, metas projetadas 4,9; em 2021, 5,1. Entretanto, os níveis
sociais desses índices estão incoerentes com a realidade das escolas do município. Durante as
avaliações, percebe-se que as projeções são realizadas pelos sistemas com uma média de 0,3 a
cada dois anos. O sistema apresenta avanços para metas projetadas, mas que entram em
contradição com a realidade do município que apresenta um baixo índice em 2019. Porém,
21

não são verdades absolutas, pois são dados gerados sobre a perspectiva projetista para as
escolas, onde elas podem alcançar avanços educacionais futuros, ou não.
Ao analisar a Prova Brasil, criada pelo Governo Federal para avaliar os alunos nas
disciplinas de Matemática e Português percebe-se que o município se encontra em um nível
abaixo da média se comparada com outros municípios. Isso pode ser percebido nos dados do
ano de 2017 que contém 8 etapas de avalição para os alunos. Na primeira etapa, temos o item
de avalição da disciplina de Português com: 0 45.56%, 1, 18.43% 2, 17.32% 3, 10.45% 4,
4.74% 5, 3.61% 6, 0.0% 7, 0.0% e 8 0.00% todos esses índices pressupõem uma avaliação em
específico sendo que as inicias representam o menor peso da prova e, assim o nível de
eficiência dos alunos.
Quando comparado esses dados da escola do município com outras escolas, o
município está bem abaixo do nível de eficiência, pois na mesma avaliação dos municípios
paralelos têm no mesmo item: 0, 27.67% 1, 22.27% 2, 25.05% 3, 14.83% 4, 5.35% 5, 4.27%
6, 0.39% 7, 0.19% 8, 0.00%. (PROVA BRASIL, Avaliação do Rendimento Escolar, 2017).
No item 0 temos uma diferença no percentual de 9% a mais que os outros municípios e no 1%
a mais, no 2 +1%, no 3 +2, 4 -1%, 5 2,50%, 6 +4, 7 0,40% e 8 00. (PROVA BRASIL,
Avaliação do Rendimento Escolar, 2017).
Nos dados apresentados pela Prova Brasil, as escolas do município apresentam um
desenvolvimento baixo se comparada com as outras, entretanto, vale acrescentar que durante
a realização desses exames algumas escolas escolhem seus melhores alunos para realizar
avalições e, assim aumentar seus índices.
Vale ressaltar, sobre as avaliações da Prova Brasil que, as escolas estão cada vez mais
direcionadas para os exames das disciplinas Português e Matemática. Isso retoma as ideias
tradicionais de ensino. O que nos direciona para as avaliações do ENEM, que tem conteúdos
bem direcionados. Quando esses dados partem para o IDEB os desníveis são ainda maiores,
tendo em vista que a escola se encontra bem abaixo da média nacional com o IDEB 4,3.
Claramente esses paradoxos mostram as incoerências dos dados para com a realidade
das escolas do município. Tendo em vista que os dados do IDEB e da Prova Brasil são apenas
mecanismos de tentar monitorar os “avanços educacionais” das escolas, mas, não
compreendem a realidade o aprendizado como um todo.
É importante pontuar que a fórmula que quantifica este resultado é obtida a partir de
indicadores como o desempenho na Prova Brasil (aprendizagem), taxas de evasão e repetência
da unidade escolar. Cada escola possui suas metas diferenciadas, que são apresentadas
bienalmente por meio da Prova Brasil, ou seja, a cada dois anos, as escolas deverão melhorar
22

seus índices. Assim, com base nos dados apresentados, é perceptível que, a educação em
Marabá precisa de incentivos para melhoria de sua qualidade. Há muito para se mudar. Visto
que, qualidade em educação é algo a ser buscado com persistência perene e é muito mais
complexo do que os indicadores eleitos pelo IDEB.

2.2 - Ensino de História e livro didático

O ensino de História se destaca por mudanças marcantes em sua trajetória escolar


que a caracterizavam, até recentemente, como um estudo mnemônico sobre um
passado criado para sedimentar uma origem branca e cristã, apresentada por uma
sucessão cronológica de realizações de “grandes homens” para uma “nova”
disciplina constituída sob paradigmas metodológicos que buscam incorporar a
multiplicidade de sujeitos construtores da nação brasileira e da história mundial
(BITTENCOURT, 2018, p. 127).

Inclinar-se sobre toda e qualquer experiência humana, significa estudar História,


independentemente de condição social, renda, cor, gênero, orientação sexual, deficiência,
crença, idade, modo de falar e todas as demais particularidades pessoais que, eventualmente,
poderiam ser tratadas de forma preconceituosa. Essa afirmação revela um compromisso do
ensino de História de contribuir na formação dos estudantes.
Trabalhar temas concernentes ao ensino de História na Educação Básica está
associado historicamente à seleção de conteúdo para ensinar História. Segundo Circe
Bittencourt (2018), as escolhas e a delimitação dos conteúdos escolares implicam uma certa
concepção de história que abrange as exigências atreladas aos poderes constituídos, de tal
modo que a definição do conteúdo ensinado na disciplina de história, está pautada no debate
acerca da memória, constituição da na1ção e seus sujeitos. Visto que as escolhas dos
conteúdos eram feitas com base nos PCNs até recentemente e agora na BNCC.
Conforme Marlene Cainelli (2010), um dos debates mais importantes hoje quando
trabalhamos questões relativas ao ensino de História diz respeito à aprendizagem da história e
a seleção de conteúdo para ensinar. Uma vez que, o fato de termos que selecionar conteúdos e
fazer escolhas sobre o que ensinar, nos remete a importantes indagações, tudo seria história?
Como transformar esta imensidão de possibilidades em escolhas? Salvo que, é necessário
considerar as tensões concebidas no recôndito da cultura escolar, bem como a seleção cultural
os processos técnicos de ensino que emerge o conhecimento escolar.
Em meados do século XIX, quando a disciplina de História foi estabelecida no Brasil,
os conteúdos caracterizados como primordiais para serem ensinados remontaram a questões
da história da civilização europeia, mais precisamente da civilização ocidental. Assim como
23

as relações dos conteúdos estavam atrelados a História da civilização, a maneira de


desenvolve-los seguia a Ranqueana5 de que cada fato histórico é único e sem possibilidade de
repetição; a
História deveria ser reconstituída de forma objetiva sem subjetividades para ser
considerada como verdadeira e assim sendo científica.
Durante o período de constituição dos Estados Nacionais a história ganha seus
objetivos mais duradouros para servir de instrumento para consolidação do Estado-nação,
estabelecendo-se em espaços de propagação dos feitos de seus heróis por meio das atitudes
dos Estados representados por seus comandantes. De acordo com Circe Maria Fernandes
Bittencourt (2018), no Brasil, estas características dos conteúdos escolares se tornam
preponderantes após a Proclamação da República com a introdução de História do Brasil nos
currículos das escolas primárias e secundárias.

O ensino de História organizado nos colégios secundários, sob regime seriado


(variáveis entre 6 e 7 anos de estudos), pelos cursos preparatórios das academias e
pelas escolas normais criadas para a formação de professores das escolas primárias,
representou uma renovação das Humanidades clássicas e atingiu os propósitos
centrais dos cursos secundários: contribuir para a distinção cultural das classes
dominantes, composta por uma aristocracia agrária escravocrata e por comerciantes
submetidos à cultura europeia, e para quem a Europa, como declamou Castro Alves
na Academia de São Paulo em 1868, era “sempre a Europa, a gloriosa, a
mulher deslumbrante e caprichosa, rainha e cortezã” (“Vozes d’África”).
(BITTENCOURT, 2018, p. 133).

As escolhas dos conteúdos escolares foram incumbidas a um grupo de


professores do Colégio D. Pedro II, situado no Rio de Janeiro, e também a membros do
Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), que a partir de estudos realizados definiram
quais conteúdos sobre a história do Brasil seriam trabalhados na escola. Foram definidos
conteúdos relacionados à história nação e à constituição do povo brasileiro (BITTENCOURT,
2018).
Para Anderson Ribeiro Oliva (2003, p. 424): “[..] da criação da primeira cátedra de
História no país, em 1838, no Colégio Pedro II, até o final dos anos 1970, as mudanças no
ensino da disciplina foram limitadas pelo modelo positivista hegemônico em uso [...]”.
A consolidação da História Nacional, pautada a partir do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB), teria como modelo o descobrimento do Brasil, a
independência, entre outros feitos que são vistos dentro da perspectiva de marcos fundadores

5
Leopold Von Ranque (1795-1886) – Historiador alemão do séc. XIX, considerado o pai da “História
cientifica”.
24

da História do Brasil, narrada a partir de 1500, quando os europeus adentraram em nosso


território. Nessa perspectiva estes feitos acabariam por tornar-se referência, com um conjunto
de acontecimentos indicativos de conteúdo, corroborando com uma linearidade eurocêntrica,
reproduzida nos manuais didáticos, visibilizando determinadas histórias e silenciando outras.
A padronização do ensino que se tornou referência a partir da formação dos Estados
Nacionais auxiliou o ensino de História por diversos anos. Para Circe Bitencourt (2018), a
consolidação da disciplina de História no Brasil passou por longos processos de disputas nos
currículos das escolas de ensino básico e superior brasileiro em volta de uma história do
Estado, da nação.
Acerca de objetivos voltados para endossar um conjunto de leis de uma nação, a
história do Brasil oficializou-se enquanto conteúdo escolar como uma história
substancialmente associada a questões políticas. Dessa forma, os conteúdos sobre a história
política do então Império e da Europa foram selecionados nos livros didáticos tornando-se
referencial em suas narrativas.
Já os manuais didáticos destinados ao ensino básico, no século XX, favoreciam os
conteúdos sobre a história das instituições políticas brasileiras, a história dos governos, os
conflitos em busca do poder, sejam por guerras, revoluções ou revoltas. As variações na
maneira de ensinar história não conseguiram acompanhar nestes anos a mesma velocidade das
variações historiográficas.6 Os conteúdos ensinados em História tardam para serem alterados
e revisados. Os livros didáticos designados para o ensino público subsistem por mais tempo
inalterados, no diz respeito a sua estrutura e narrativa.
Segundo Anderson Ribeiro Oliva (2003, p. 424): “[...] outras perspectivas teóricas —
Marxismo e História Nova — passaram a inundar os livros didáticos, levando à incorporação
de abordagens econômicas estruturais e temáticas dos conteúdos tratados ou determinados
pelos currículos”. O livro didático sempre esteve na mira de estudiosos da educação, sua
história não é uma exceção, possui caráter de produto da indústria cultural, assim como,
vínculos com o Estado, sua didática, seus exercícios, as fontes utilizadas, sua ideologia, sua
concepção de história, entre outros tantos, são aspectos ligados à sua produção.
De tal modo, Circe Maria Fernandes Bittencourt (2004), define de forma objetiva e
simples o que é o livro didático:

6
Neste século, várias mudanças historiográficas repensaram a escrita da história e seus métodos. Como a história
marxista, história dos Annalles, Nova história cultural.
25

Uma concepção mais ampla e atual parte do princípio de que os materiais didáticos
são mediadores do processo de aquisição de conhecimento, bem como facilitadores
da apreensão de conceitos, do domínio de informações e de uma linguagem
específica da área de cada disciplina. (BITTENCOURT, 2004, p. 296).

Os livros didáticos fazem parte do cotidiano escolar há séculos. Por esta razão, a
familiaridade com seu uso faz com que seja fácil identificá-los e estabelecer distinções entre
eles e os demais livros (BITTENCOURT, 2004).
Lajolo (1996, p. 03) afirma que os livros didáticos no Brasil “são centrais na
produção, circulação e apropriação de conhecimentos, sobretudo dos conhecimentos por cuja
difusão a escola é responsável”. Choppin (2004) “alerta que o livro didático é bastante
complexo, podendo assumir diferentes funções, dependendo das condições em que é
produzido e utilizado, além de ter um papel de instrumento de controle do ensino pelos
agentes do poder”.
Circe Bittencourt (2004) também nos fala das diversas interferências na elaboração e
nos usos do livro didático. Para a autora, o livro didático caracteriza-se por ser um suporte de
conhecimentos escolares, suporte de métodos pedagógicos, veículo de sistema de valores e,
também, uma mercadoria. Ou seja, sintetizando:

As pesquisas e reflexões sobre o livro didático permitem apreendê-lo em sua


complexidade. Apesar de ser um objeto bastante familiar e de fácil identificação, é
praticamente impossível defini-lo. Pode-se constatar que o livro didático assume ou
pode assumir funções diferentes, dependendo das condições, do lugar e do momento
em que é produzido e utilizado nas diferentes situações escolares. Por ser um objeto
de “múltiplas facetas”, o livro didático é pesquisado enquanto produto cultural; com
mercadoria ligada ao mundo editorial e dentro da lógica de mercado capitalista;
como “suporte de conhecimentos e de métodos de ensino das diversas disciplinas e
matérias
escolares; e, ainda, como veículo de valores, ideológicos ou culturais”
(BITTENCOURT, 2004b, p. 471).

De acordo com Saab (1999), a indústria dos livros didáticos representa, em média,
54% da indústria nacional; em 1998, dos 369 milhões de livros produzidos, 244 milhões
referiram-se a livros didáticos, cujo segmento é o mais concentrado, ou seja, com o menor
número de editoras: Ática, Scipione, FTD, Saraiva e Moderna.
As editoras quando compradas com grandes multinacionais ocorre uma
internacionalização do mercado do livro didático como consequência do faturamento em cima
da área da educação, surgindo um maior embate de interesses comerciais e educacionais no
que diz respeito ao seu conteúdo e formato. A produção desses materiais envolve-se, então,
26

como uma parte do sistema, perdendo muitas vezes apenas a sua função educadora por ser tão
importante para o mercado editorial nacional.
Em consequência disso, o livro didático se torna uma “cartilha” das propostas
curriculares do Estado, face ao suporte de conhecimento escolares.

Essa característica faz que o Estado esteja sempre presente na existência do livro
didático: interfere indiretamente na elaboração dos conteúdos escolares veiculados
por ele e posteriormente estabelecem critérios para avaliá-los, seguindo, na maior
parte das vezes, os pressupostos dos currículos escolares institucionais. Como os
conteúdos propostos pelos currículos são expressos pelos textos didáticos, o livro
torna-se um instrumento fundamental na própria constituição dos saberes escolares
(BITTENCOURT, 2004, p. 301-2).

Nesse sentido, é impossível reunir em um único conjunto o acompanhamento de suas


múltiplas vertentes de abordagem que identifica diversas e distintas pesquisas históricas. Mais
recentemente, os livros didáticos têm sido objeto de diversas pesquisas, como afirma Circe
Bittencourt:

O livro didático tem despertado interesse de muitos pesquisadores nas últimas


décadas. Depois de ter sido desconsiderado por bibliógrafos, educadores e
intelectuais de vários setores, entendido como produção menor enquanto produto
cultural, o livro didático começou a ser analisado sob várias perspectivas,
destacando-se os aspectos educativos e seu papel na configuração da escola
contemporânea. O livro didático é um objeto cultural contraditório que gera intensas
polêmicas e críticas de muitos setores, mas tem sido sempre considerado como um
instrumento fundamental no processo de escolarização. (BITTENCOURT, 2004, p.
471).

Alain Choppin (2004), no seu trabalho, que tem o livro didático como objeto de
pesquisa, descreve além da função privilegiada de dar suporte educativo como portador de
conhecimentos, técnicas e habilidades, o livro didático tem também sua função ideológica.
Visto que, possuem visões de mundo, pois, devem ser entendidos enquanto portadores de
valores.

Função ideológica e cultural: é a função mais antiga. A partir do século XIX, com a
constituição dos estados nacionais e com o desenvolvimento, nesse contexto, dos
principais sistemas educativos, o livro didático se afirmou como um dos vetores
essenciais da língua, da cultura e dos valores das classes dirigentes. Instrumento
privilegiado de construção de identidade, geralmente ele é reconhecido, assim como
a moeda e a bandeira, como um símbolo da soberania nacional e, nesse sentido,
assume um importante papel político (CHOPPIN, 2004, p. 553).
27

O livro didático não é uma coletânea de aulas prontas e acabadas, ele não substitui o
trabalho dinâmico de professores e alunos em sala de aula. Este deve ser estimulado por
relações de trocas entre o que é estudado e o que é vivido, pela articulação com informações
interdisciplinares e pela construção de novos conhecimentos. Pois a preparação de uma aula e
sua efetivação são tarefas complexas. Afinal, é na sala de aula que surgem as questões, as
formas mais adequadas de lidar com o material de estudo, iniciativas de debates e trabalhos.
Assim, o livro didático não pode dar conta dessa dinâmica tão ampla e complexa.
No entanto, visto a história do continente africano e sua importância na construção de
sentidos e expressões dos alunos acerca das vivências no cotidiano e das variadas práticas que
os envolvem. Dessa maneira, nos livros didáticos pesquisados, busquei analisar como as
abordagens sobre a História da África estava sendo representada, nos respectivos capítulos,
direcionados a temática.

2.3 - O ensino da História da África

[...] exótica, terra selvagem, como selvagem são os animais e pessoas que nela
habitam: miseráveis, desumanos, que se destroem em sucessivas guerras fratricidas,
seres irracionais em meio aos quais assolam doenças devastadoras. Enfim,
desumana. (ZAMPARONI, 2004, p. 40).

Na atualidade, como ressalta Zamparoni (2004), ainda são estereotipadas e fortes as


imagens circulam no imaginário coletivo brasileiro sobre a África. Imagens depreciativas
advindas dos ideais civilizatórios europeus e seus racismos enveredados em discursos
coloniais em relação aos povos africanos. Visão etnocêntrica, que impõe padrões culturais,
sociais e econômicos de forma substancial, e gera estereótipos que vem se perpetuando ao
passar dos séculos, ligados ao fardo negativo da escravidão, do racismo e da invisibilidade da
História da África.
Dentre os inúmeros motivos que sobrepuseram um véu preconceituoso sobre os povos
africanos, como continente desconectado do mundo, conhecido pelos seus problemas
socioeconômicos, conflitos étnicos, subnutrição, doenças como o HIV, pouco se comenta da
riqueza de seu solo, de seu território e de suas populações. O continente africano é formado
por terrenos antigos apresentando condições favoráveis para a formação de minérios, solo rico
28

em reservas de petróleo, gás natural e urânio. Fato proporcionado em razão de sua formação
geológica, da idade pré-cambriana7.

No passado, Mama África foi explorada, recortada, colonizada. Hoje é lembrada nos
noticiários da tevê por suas tristezas. O coração das riquezas dos europeus no século
XIX transformou-se no coração da pobreza dos dias de hoje. O espetáculo de
horrores, que começou a ser encenado a partir do século XV, teve seu apogeu do
século XIX. E deixou sua herança. (CAMPOS; et al, 2002, p. 181).

Reflexões sobre a História do Continente Africano despertam o interesse em levantar


questões sobre quais conteúdos devem e/ou podem ser ministrados na sala de aula quando o
tema é esse continente. Quais conteúdos são substanciais em relação a História da África e
sua colaboração para a construção social, cultural e econômica para o Brasil? Como abordar
esse tema com a adequada importância, agregando a história dos povos africanos para além da
escravidão? São questões que ainda hoje desafiam a historiografia tradicional, os livros
didáticos e suas abordagens e também a prática docente.
Bittencourt (2002) chama atenção que às vezes os manuais didáticos podem privilegiar
uma cultura em detrimento de outras, que acabam por ser inferiorizadas e/ou invisibilizadas.
Estas, quando aparecem, não são abordadas como um todo, mas são apenas mostradas em
condição de subordinação, “dependência” em relação ao homem branco europeu. Assim
sendo, os livros didáticos também são transmissores e reprodutores de preconceitos e
estereótipos. Desse modo, ao invés de contribuir para a desconstrução de eventuais ideias
equivocadas dos alunos a respeito do continente africano, esses manuais podem reforçar o
preconceito.
Segundo Anderson Ribeiro de Oliva, “Em geral, quando no Brasil e na América
falamos da África, todos se lembram logo da escravidão e exploração impostas aos africanos
pelos europeus. É como se a história da África estivesse sempre presa à história dos povos
dominadores [...]”. (OLIVA, 2003, p. 39). Muitos desses instrumentos de ensino, chamados
de livros didáticos, ainda são fortes, conformadores de preconceitos e ideologias. O que é
preocupante, pois eles fazem parte do cotidiano escolar de vários alunos e tendem a
influenciar na formação de conceitos e estereótipos.
A presença de equívocos e preconceitos construídos sobre o Continente Africano no
Brasil é uma questão histórica. Está visível na historiografia tradicional presente até os dias

7
Pré-cambriana – Tempo geológico (cerca de 4,6 bilhões de anos atrás), período em que o planeta terra passou por um
conjunto de modificações que proporcionou diversas características, como a formação do oceano, da lua, de muitos minerais,
de sua oxigenação, da formação de algumas vidas multicelulares e das placas tectônicas.
29

atuais. Não somente nos livros didáticos como também fortes imagens que circulam no
imaginário coletivo brasileiro sobre a África. Imagens que desvalorizam e desqualificam tanto
o continente quanto os povos africanos, partindo de uma visão etnocêntrica, que impõem
padrões culturais, sociais e econômicos de forma substancial.

Rotulados como corpos de sociedades primitivas, julgados incapazes de criar


relações profundas com seu entorno natural e seus parceiros do passado/presente,
povos e culturas que detinham no corpo seus rituais, tradições de saberes e poderes
memoráveis, continuamente atualizados, foram barbarizados e seus corpos ocupados
(enquanto racialmente inferiores) em tempos de colonização e intensificação do
tráfico negreiro ao Novo Mundo, moldado à imagem do “homem europeu” e sua
cristandade (ANTONACCI, 2016, p. 249).

No princípio da colonização as representações sobre o “outro” ficaram bem evidentes,


pois diversas delas se delinearam através do olhar europeu o então “diferente” e “exótico”.
Durante séculos, permaneceu, e ainda permanece enraizada na história e no imaginário da
sociedade a ideia de que o continente africano é o mais pobre do mundo, repleto de doenças,
fome e miséria. Esse continente, segundo Leila Leite Hernandez (2008), foi caracterizado
como lugar aonde o civilizado ainda não chegou, cujos moradores, em geral, apresentam-se
como seres selvagens, repugnantes, debilitados, imorais e, por isso, incapacitados de edificar
ou propagar qualquer tipo de conhecimento válido.
O Norte da África, desde tempos remotos, anteriores ao séc. XV, já estabelecia contato
com os europeus. Enquanto, a África subsaariana teve seu primeiro contato com os europeus a
partir das as grandes navegações, pois as embarcações vindas da Europa, contornava a África
para chegar até a Índia, onde podia comercializar seus produtos. Em seu segundo contato, os
europeus com suas colônias na América, nas ilhas do Atlântico, por meio do tráfico negreiro,
sistema lucrativo, passaram a ir em busca de mão – de - obra escrava e matéria-prima. O
discurso colonizador europeu não levou em conta que os africanos tinham inúmeras culturas,
religiões e ideais de vida e os dominavam através da força física e simbólica.
A construção dessas inverdades a respeito dos povos africanos é complexa, pois
envolve uma visão, sempre de sentido pejorativo, preconceituoso, sobre o continente africano.
O fato de a história “oficial”, dita universal, da humanidade ser baseada nos padrões europeus,
ou seja, eurocêntricos, colonialistas e racistas, nos distancia de uma visão otimista e impede a
identificação dos traços do passado intelectual e científico desses povos em nossa realidade.

No atual contexto crítico à produção etnocêntrica de conhecimentos, currículos,


práticas de ensino/aprendizagem, cronologia de uma história linear universal,
30

trabalhando narrativas em circuitos África/Brasil emergiram evidências da expansão


do mundo europeu além termos geográfico e econômico. (ANTONACCI, 2016, p.
245).

Observamos na escrita da história uma persistência, ainda, de pesquisadores que


mesmo estudando o tema “África”, seguem a História dita ‘oficial”, tradicional, ou
eurocêntrica de análise. O africano é o diferente, e, lidar com isso, antes de tudo, requer
compreender um debate racial, cultural e político, além do interesse econômico. A visão do
outro, no que diz respeito a dominação, criou estratégias através do preconceito e da crença de
que a brancura é sinal de aptidão e inteligência.
José Barbosa da Silva Filho (2007) defende a hipótese de que o preconceito e a
discriminação que envolvem a população negra no Brasil são reforçados no processo ensino-
aprendizagem de história e isto se explicita na ausência da história da África nos currículos
escolares e nos livros didáticos, incluindo a exagerada valorização dada ao estudo da história
geral, tendo por paradigma a história europeia. Assim a História da África foi silenciada e
excluída da História. As abordagens privilegiam a História europeia, suas ações, suas culturas
e seus costumes. O enaltecimento dos europeus é visível nas obras didáticas analisadas.
Para Anderson de Oliva (2003, p. 39), “silêncio, desconhecimento e representações
eurocêntricas. Poderíamos assim definir o entendimento e a utilização da História da África
nas coleções didáticas de História no Brasil”. No que concerne ao estudo da História da
África, não podemos ignorar o fato de que após o processo de independência do continente
africano, ocorrido na segunda metade do século XX, principalmente entre as décadas de 50 e
70, ocorreu uma expansão — quantitativa e qualitativa — significativa das pesquisas
realizadas sobre a história do continente, tanto por africanistas como por historiadores dos
países recém-formados (DIFUILA,1995).
No caso brasileiro, a promulgação da Lei Federal 10.639/03, que trata sobre o ensino
da história e cultura afro-brasileira e africana, tornando obrigatório o ensino de história da
África no Brasil, em todas as escolas, públicas e particulares, de diferentes níveis de ensino,
começou-se a pensar em políticas educacionais. Também a escola em geral passou a pensar,
incluindo tanto o quadro de professores, bem como os alunos e a comunidade, pois estes
também se inserem no contexto escolar.

É neste contexto que no início de 2003, foi sancionada pelo Presidente da República
a Lei Federal nº 10.639 de 09 de janeiro de 2003, que altera a Lei Federal no 9.394,
de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) -, determinando a inclusão no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras
providências. (PAULA e PERÓN, 2006).
31

Segundo Paula e Perón (2006), a Lei ganhou o reforço de dois documentos, a saber:

ƒ O Parecer do Conselho Nacional de Educação – Câmara Plena (CNE/CP) nº 03,


de 10 de março de 2004, que institui as Diretrizes Curriculares para a Educação das
Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e
Africana e; ƒ A Resolução do Conselho Nacional de Educação – Câmara Plena
(CNE/CP) nº 01, de 17 de junho de 2004, que institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de
História e; ƒ A Resolução do Conselho Nacional de Educação – Câmara Plena
(CNE/CP) nº 01, de 17 de junho de 2004, que institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-brasileira e Africana. (PAULA e PERÓN, 2006)

Embora a Lei Federal 10.639/03 traga benefícios no que diz respeito ao tratamento
dado às relações étnico-raciais, até que ponto a criação dessa lei e sua implementação nas
escolas têm o respaldo e o apoio das políticas educacionais que regem a educação no Brasil?
Visto que a quantidade de matérias didáticos produzidos sobre o assunto são abundantes e,
revisões nos conteúdos a serem realizadas a fim de desenvolver a prática pedagógica sem as
deturpações que fizeram parte do estudo da África nas escolas durante anos?

[...]tem sido muito importante as iniciativas institucionais e particulares dos


inúmeros setores e agentes sociais no sentido de fazer valer a lei, e no sentido de se
superar a herança “racista” das nossas instituições escolares e consequentemente dos
currículos educacionais. (PAULA e PERÓN, 2006).

Não há como negar a importância da Lei Federal 10639/03, assim como, o aumento de
especialistas e pesquisas voltadas para a temática, pois o conhecimento sobre o tema está em
construção, crescendo gradativamente. Apesar das dificuldades no que tangue ao processo de
ensino-aprendizagem em relação à temática, sem sombra de dúvida, a Lei é uma conquista e
impacta na construção de novas relações sociais, podendo assim quem sabe no futuro mudar
essa ordem cronológica linear tradicional de ensino.
Conforme Paula e Perón (2006), ganham também destaque, os inúmeros projetos de
implementação das políticas de ações afirmativas para a população negra a afrodescendentes,
entre elas: a implementação de cotas nas Instituições de Ensino Superior e nos concursos
públicos; políticas específicas de inserção do negro no mercado de trabalho; programas
especiais voltados a saúde da população negra; programas específicos para ingresso na
carreira diplomática, e; ações específicas na área da cultura e da educação.
Desta feita, ao analisar os manuais escolares da editora Saraiva e FTD do 6º ao 9º -
publicados entre os anos de 2015 e 2018, utilizados na EEEFM. Profº Acy de Jesus Neves de
32

Barros Pereira – Marabá/PA, escola onde realizamos o Estágio Supervisionado I, II, III e IV,
onde estou estagiando desde 2018.4, é perceptível que, mesmo com os ricos e grandes debates
envolvendo o ensino da história da África, gerados a partir da promulgação da Lei, a
linearidade europeia no conteúdo dos livros didáticos continua sendo ministrada na sala de
aula. Os conteúdos abordados sobre a História da África, por ano, são:
• 6º ano - é abordado a África Antiga: O Egito, os Cuxitas (O Reino de Cuxe / Reis e
rainhas cuxitas).
• 7º ano – Reinos e impérios africanos (O Continente Africano/ O Islamismo na África/
O reino de Gana/ O Império Mali/ O Império Songai/ Os Reinos Iorubás/ Máscaras Africanas/
O Reino do Congo).
• 8º ano – Imperialismo na África (Imperialismo/ Impérios coloniais).
• 9º ano – as Independências na África (O contexto das Independências/ As
independências na África/ Os países africanos independentes).
Desse modo, é visível nos livros didáticos analisados, a mesma linha cronológica
eurocêntrica (Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea), estática
até os dias atuais. Pois, tem muita questão em jogo, principalmente, como a editora seleciona
e pensa o seu livro didático. Por sua vez, não podemos deixar de mencionar a formação de
professores que de certa forma mantém essa linha de percepção. Contribuindo para essa
permanência.
33

3 - ANÁLISE DO CONTINENTE AFRICANO EM LIVROS DIDÁTICOS DE


HISTÓRIA

No capítulo anterior, ao discutir os olhares para Marabá na atualidade, o ensino de


História, o livro didático e ensino da História da África, tendo em vista a importância do livro
didático como um material didático, na mediação entre aluno e conteúdo, no processo de
ensino-aprendizagem, ficou perceptível a contribuição das narrativas e imagens contidas no
livro didático na invisibilidade da História da África.
Nas análises de trabalhos, como por exemplo “A História da África nos bancos
escolares. Representações e imprecisões na literatura didática”, escrito por Anderson Ribeiro
Oliva, a imagem negativa atribuída ao continente africano e aos africanos ficam bastante
evidente em suas pesquisas voltadas aos manuais didáticos. Narrativas e imagens que
depreciam e inferiorizam tanto o continente quanto as suas culturas são aspectos marcantes
nas obras analisadas.
A imagem do continente permanece no imaginário social/cultural das pessoas atrelado
a estereótipos e equívocos, historicamente reproduzidos ao longo dos séculos. Como
continente pobre, repleto de catástrofes, doenças, fome, miséria, etc. Infelizmente, muitas
dessas visões foram, e em alguns casos ainda são reproduzidas também pelos livros didáticos
destinados às escolas. Esses estereótipos preconceituosos, sobre o continente africano se
tornaram ponto comum em narrativas, reproduzidas pela historiografia tradicional, ao longo
da história, gerando o silêncio da História da África e enaltecendo a História europeia, voltada
aos grandes feitos e heróis.

Quantos de nós estudamos a África quando transitávamos pelos bancos das escolas?
Quantos tiveram a disciplina História da África nos cursos de História? Quantos
livros, ou textos, lemos sobre a questão? Tirando as breves incursões pelos
programas do National Geographic ou Discovery Channel, ou ainda pelas imagens
chocantes de um mundo africano em agonia, da AIDS que se alastra, da fome que
esmaga, das etnias que se enfrentam com grande violência ou dos safáris e animais
exóticos, o que sabemos sobre a África? (OLIVA, 2003, p. 423).

Complexa e diversa, a África, sua história e seus povos precisam ser mais bem
compreendidos, e seus papéis, na história do mundo, redimensionados. Com um reflexo, de
décadas de idas e vindas, superações e convencimentos a história da África não deve se
limitar ao estudo da tradição, do exótico ou das influências colonialistas das potências
europeias.
34

O continente africano é conhecido pela diversidade e pela riqueza de suas culturas e


religiões, mas sobre o período pré-colonial a maioria dos filmes e documentários
mostra uma imagem essencialmente primitiva e “bárbara”. No entanto, essa visão
não passa de um olhar racista e ideológico que busca descaracterizar o continente
para poder controlá-lo. Apesar disso, nenhuma dessas classificações pode apagar a
história da mais antiga região do mundo, que é, culturalmente, um conjunto plural,
um mosaico de nações étnicas correspondentes a identidades distintas. (VISENTINI;
RIBEIRO; PEREIRA, 2014, p. 21).

Nesse sentido, Anderson Ribeiro de Oliva (2003, p. 421), observa que: “[...] devemos
voltar nossos olhares para a África, pela sua relevância incontestável como palco das ações
humanas e pelas profundas relações que guardamos com aquele Continente [...]”.

[...] Uma das questões a serem resolvidas se refere às fontes utilizadas na produção
da história e, consequentemente, à análise feita sobre elas. ‘Povos sem história’,
‘sem escrita’ e ‘sem cultura’, entre outras representações, foram expressões
atribuídas aos povos que se encontravam fora do círculo restrito da história.8 Isso
tem sido reavaliado de forma crítica em relação ao modo pelo qual se construiu a
história que valeria a pena ser contada, no qual a produção europeia – e mais
recentemente a dos Estados
Unidos – se localiza em um centro difusor e orientador dos saberes. (SANTOS;
CRUZ, 2012, p. 195).

De tal forma, “[..] importa resgatar as culturas africanas do período anterior ao


colonialismo europeu, bem como suas relações com o resto do mundo, principalmente devido
às diferenças físicas, linguísticas e de organizações sociopolíticas que caracterizam a
realidade africana”. (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2014).
De acordo com Maria Walburga dos Santos e Ana Cristina Juvenal da Cruz (2012), os
estudos pós-coloniais, que ascenderam ao discurso teórico a partir dos anos 1980, se
configuraram como um espaço de crítica das maneiras pelas quais os conhecimentos são
construídos. Como escapar ao conjunto de discursos estereotipados e incompletos presentes
na construção historiográfica sobre os africanos e seus descendentes ao longo de séculos?
Anderson Ribeiro Oliva (2003, p. 423) afirma que se “a História da África, como um
campo do pensamento humano, se justifica por si só, no nosso caso, a responsabilidade
adquire um duplo peso. Primeiro, temos que reconhecer a relevância de estudar a História da
África”, independentemente de qualquer outra motivação.

A Convenção Nacional do Negro pela Constituinte, de 1986, recomendou à


Assembleia Constituinte de 1987: “o processo educacional respeitará todos os

8
Não esqueçamos o contexto e o impacto da análise de Hegel sobre a ausência da história dos povos negros
africanos à época, “A África não é uma parte histórica do mundo” (HEGEL, G. W. F. Filosofia da História.
Brasília: Ed. UnB, 1995, apud OLIVA, Anderson Ribeiro. A história da África nos bancos escolares:
representações e imprecisões na literatura didática. Est. Afro-Asiáticos, v.25, n.3 p.421-461, 2003; p.438) e o
fato de que textos como esses continuam ainda hoje a ser lidos nos cursos de formação de historiadores.
35

aspectos da cultura brasileira. É obrigatória a inclusão nos currículos escolares de I,


II, e III graus do ensino da história da África e da história do Negro no Brasil”. As
legislações em nível local mostraram um processo gradativo de incorporação do
ensino da temática étnico-racial como proposta de uma educação voltada para as
novas relações raciais. (SANTOS, 2005, p. 21-38).

A Constituição Federal de 1988 reconheceu a diversidade, os Parâmetros Curriculares


Nacionais (PCNs/MEC, 1997, p. 7), elaborados pelo Ministério da Educação e do Desporto,
estabeleceu a importância de um ensino voltado para a valorização da pluralidade cultural e
para o respeito dos princípios que norteiam a cultura dos grupos sociais. Reconheceu os
“aspectos socioculturais de outros povos, bem como se posicionando contra qualquer outra
forma de discriminação baseada em diferenças culturais, de classe, crenças, sexo ou etnia”.
Na Lei Federal 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996, chamada Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Básica – LDB que, estão previstos o direito à educação, o dever de educar,
as finalidades e os princípios da educação nacional, além de sua organização em modalidades
de ensino, dentre outras abordagens referentes ao sistema educacional, se observam também a
proposta de um ensino pautado na diversidade cultural.

No âmbito estatal, a criação do Grupo de Trabalho Interministerial População Negra


(1996), resultante da Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo pela Cidadania
e a Vida (1995), se insere nas medidas de incorporação dos conteúdos relativos à
história africana e afro-brasileira e nas Políticas de Ação Afirmativa. A promulgação
da Lei 10.639/2003 se consolida como o resultado de uma luta histórica dos
movimentos sociais negros por uma educação que contemple a diversidade e a
diferença. (SANTOS; CRUZ, 2012, p. 200).

Conforme estabelece a Lei Federal 10.639/2003, nos currículos da educação básica, é


obrigatório constar a história da África e dos africanos, bem como a cultura negra brasileira,
incluindo desde a luta dos negros no Brasil até a contribuição deste povo para as diferentes
áreas – social, econômica e política – referentes à História do Brasil. Tornou-se reflexo desse
contexto as mudanças por qual tem passado a sociedade brasileira e a educação desde a
promulgação da Constituição de 1988.

A forma escolhida para reivindicar os direitos foi a organização de fóruns e


seminários, como o III Encontro de Negros das Regiões Sul e Sudeste, em Vitória
(ES) no ano de 1990, o III Encontro de Negros da Região Centro-Oeste, em Cuiabá
(MT) no ano de 1991, e o Seminário Nacional “O Papel da CUT (Central Única dos
Trabalhadores) no combate ao Racismo” (cf. Santos, 2007, p.165) [...]. [...] A luta
pela inclusão da população negra na rede de educação formal corresponde, sem
sombra de dúvida, à principal bandeira a partir desta década, seja no campo da
melhoria da qualidade da educação como um todo, seja na inclusão da temática
racial e da cultura negra nos currículos escolares ou nas ações afirmativas para a
população negra nas universidades. (SANTOS; SOUZA; KELLY, 2012, p.186).
36

Com base no que está disposto nas leis supracitadas no parágrafo que antecede a
citação, de maneira especial na Lei 10.639/03, com olhar voltado com que a legislação
preconiza, neste capítulo nos atentamos se, com a lei em vigor, ocorreram mudanças
significativas em relação ao tratamento da temática africana nos livros didáticos pesquisados,
ou se continua sendo retratada de forma eurocêntrica e preconceituosa.
Consideramos os manuais didáticos como propagadores do conhecimento histórico e
responsáveis, de certa forma, pela percepção que os alunos constroem a partir das aulas, visto
que, segundo Circe Bittencourt (2002, p. 72), muitas vezes, esses manuais didáticos são
propagadores de “um sistema de valores, de uma ideologia” e “de uma cultura” que
inferiorizam determinados grupos sociais e enaltecendo os valores de outros, através da
exclusão, generalização e valorização da cultura de “grupos dominantes”.
Ao optar por analisar o livro didático, Izabel Gobbi enfatiza que:

[...] no Brasil, o contato de grande parte das crianças com o primeiro livro,
geralmente, se dá por meio da escola. Muitas vezes, o livro didático é o único livro
que as crianças terão em casa. Portanto, a preocupação com o conteúdo que
apresentam torna-se bastante relevante (GOBBI, 2006, p. 15).

O livro didático é um dos principais instrumentos de pesquisa, no que tangue ao


processo de ensino-aprendizagem, de suma importância para o professor e aluno, portanto,
não podemos usá-lo como muleta, mas como um ponto de partida, entendendo seus limites e
fazendo a devida crítica. Muitos desses instrumentos de ensino, chamados de livros didáticos,
ainda são fortes “[...] conformadores de preconceitos e ideologias”. O que é preocupante, pois
eles fazem parte do cotidiano escolar de vários alunos e tendem a influenciar na formação da
consciência histórica9 dos mesmos. Principalmente no que concerne à concepção sobre a
alteridade (GOBBI, 2006, p.16). Apesar do investimento de alguns docentes em recursos
alternativos para o desenvolvimento de sua prática no ambiente de ensino, “os livros
didáticos” servem como uma espécie de direcionamento para essa prática e também para a
seleção do conteúdo a ser ministrado (MATOS, 2012).
A seleção de conteúdos e a reprodução eurocêntrica sobre a História África nos livros
didáticos não é um assunto recente. Já vem desde a chegada dos primeiros manuais
importados da França para o Brasil, e privilegiavam a história das elites. Assim, ao considerar
que o Brasil é um país marcado pela diversidade social e que, vários povos fazem parte da

9
Consciência histórica é quando os alunos conseguem perceber o significado da história na sociedade e no meio
em que está inserido.
37

nossa identidade nacional, sobretudo, os negros - reconheceu-se a necessidade do respeito e


do reconhecimento às culturas africanas e dos povos da diáspora negra no mundo. Por essa
razão, foi promulgada a Lei Federal 10.639, em 2003.
Diante do exposto, podemos constatar que essa lei objetiva uma mudança no que tange
à compreensão da construção do Brasil, uma vez que visa mostrar que os diferentes povos
indígenas e de origens africanas, assim como os europeus, exerceram influência na história
brasileira, sobretudo na área social, política e econômica, o que corrobora a necessidade de se
rem estudadas na educação básica.
Em nosso entendimento, a implantação dessa normatização contribui para o abandono
do ensino sob a perspectiva eurocêntrica da formação da sociedade e valoriza os diferentes
povos e suas culturas, demonstrando ao aluno o quanto esses povos contribuíram para a
formação da sociedade brasileira e, principalmente, o quão necessário é que sejam
devidamente reconhecidos como atores sociais e partícipes da História.

3.1 - O Continente africano entre representações nos livros didáticos de História

O livro didático é também um depositário de conteúdos escolares, suporte básico e


sistematizador privilegiado dos conteúdos elencados pelas propostas curriculares; é
por seu intermédio que são passados os conhecimentos e técnicas considerados
fundamentais de uma determinada época. O livro didático realiza uma transposição
do saber acadêmico para o saber escolar no processo de explicitação curricular.
(BITTENCOURT, 2006, p. 72).

O livro didático em sua complexidade é um recurso metodológico que traz


questionamentos e problemáticas sobre a sua utilização, ou seja, entende-se o livro didático
enquanto um documento histórico. Como toda e qualquer fonte, possui uma historicidade e
como um objeto cultural e, segundo Fonseca (2003, p. 56), “é uma das fontes de
conhecimento e questionamentos”. Trata-se de uma importante ferramenta no auxílio ao
processo de ensino e aprendizagem e na formação do pensamento histórico do aluno.
Conforme afirma Paul Ricoeur, “se o conhecimento histórico se fundamenta no
reconhecimento de seus limites, sobre a renúncia em coincidir com a realidade passada, como
estabelecer o conhecimento histórico correto para a obra didática”?
Helenice Rocha (2013, p. 53) aponta que, o livro didático é composto minimamente
por um texto base, de natureza narrativa, e atividades de aprendizagem acerca dos conteúdos
apresentados na narrativa. Com a complexificação desse objeto e das exigências avaliativas,
tendo em vista sua dimensão econômica, como recurso público que aquece a concorrência das
38

editoras, vieram sendo introduzidos recursos de informação ao texto base: boxes, infográficos,
mapas, documentos de diversas naturezas. Outro item adicionado ao texto base são textos de
maior extensão, entremeados ou posteriores à narrativa principal, habitualmente denominados
como seções que aparecem ao longo dos capítulos.
Rocha (2013) afirma que a composição da narrativa principal do livro, ou texto base, é
o resultado de escolhas referentes a diversos aspectos. Assim, para Oliva (2009, p. 18), as
“abordagens acerca dos estudos africanos, presentes ou ausentes nas coleções de livros
didáticos de História, aparecem como ingredientes chaves na composição, transformação e
manutenção das referências e imagens que o público escolar constrói sobre aquele continente
e suas sociedades”.
Nos livros didáticos de História, como também na sociedade em geral, a presença de
equívocos e preconceitos construídos sobre o continente africano no Brasil é uma questão
histórica e que está presente até os dias atuais. Objetivando enriquecer a reflexão sobre o
assunto em questão, recorremos aos livros didáticos que foram analisados no contexto da
presente pesquisa, como também às reflexões de Anderson Ribeiro de Oliva que trabalhou
com a mesma temática analisando livros de outros períodos, também com recorte sobre a
história da África.
A obra “Olhares sobre a África: abordagens da história contemporânea da África nos
livros didáticos brasileiros” de Anderson Ribeiro Oliva (2009), por exemplo, constitui
trabalho de referência. Nele, o autor analisa livros didáticos produzidos entre 1999 e 2002, e
destinados ao Ensino Fundamental II. Assim, permite pensar criticamente de que forma a
História da África está representada nos livros didáticos de história. Dessa forma, a partir das
reflexões, busca-se estabelecer um contraponto entre livros didáticos de outros períodos com
aqueles analisados especialmente para esta pesquisa.
Oliva, ao analisar os livros didáticos, tem como enfoque as resistências africanas face
à ocupação colonial. Enfatiza que as narrativas começaram a serem contadas a partir do ponto
de vista europeu. No livro intitulado “Nova História Crítica, 7ª série”, de Mário Schmidt, o
autor diagnosticou problemas na classificação das ações históricas; no livro “Uma História em
Construção, volume 4”, foi diagnosticado que “a dominação só foi possível devido à
superioridade militar europeia”; no livro de Joelza Ester Rodrigue, “História em Documento:
texto e imagem, 8”, percebeu que “a perspectiva de denúncia ou crítica à ação europeia, foi
marcada, de acordo com a autora, pela “opressão”.
39

No livro “O jogo da História”, Anderson Ribeiro Oliva observou que “os autores
destacam o papel dos missionários e exploradores europeus na ação de reconhecimento e
ocupação do continente africano”. (CAMPOS et al, 2002, p. 173-175).

Grande parte das populações dos países ricos compartilhava ainda o preconceito da
superioridade sobre os outros povos. Era opinião comum entre a população dos
países industrializados que os povos dominados constituíam-se em raças inferiores,
por natureza incapazes de utilizar seus próprios recursos naturais; e que eles, povos
superiores, tinham o direito e o dever de explorá-los em benefício de toda a
humanidade. (BONIFAZI; DELLAMONICA, 2002, p. 213).

No que concerne ao processo de ocupação europeia na África, a fome e os conflitos


entre os africanos que teriam sido provocados pela “invenção” das fronteiras no continente a
partir da “partilha” europeia (SCHMIDT, 2002, p. 237), as narrativas do texto de Mário
Schmidt, constantes em “Nova História Crítica, 7ª série”, apontam equívocos em relação ao
papel da Conferência de Berlim na divisão da África.

A partilha da África foi feita de maneira arbitrária, sem respeitar as características


étnicas e culturais de cada povo. Em parte, isso tem contribuído para muitos dos
conflitos da atualidade no continente africano. (PILLETI; PILLETI, 2002, p. 185).

O livro intitulado “O jogo da História, 6ª série”, de Flávio de Campos, Lídia Aguilar,


Regina Claro e Renan Garcia Miranda, foi o único manual analisado por Anderson Ribeiro de
Oliva, que se aproxima dos novos estudos realizados acerca da temática.
Para Anderson Ribeiro Oliva (2009, p. 21), parece existir um consenso de que várias
imagens negativas e preconceituosas foram geradas sobre os africanos nesse recorte temporal
– primitivos, selvagens, tribais, atrasados, preguiçosos. E, mais do que isso, formatou-se uma
equivocada ideia geral de que as sociedades do continente sucumbiram passivamente à
ocupação europeia, por serem incapazes de opor resistência efetiva às ações colonialistas.
Leila Leite Hernandez (1999, p. 142) afirma que a “conquista ou partilha da África”
confirmaria de forma pragmática, pela mesma ótica eurocêntrica, as teorias que justificavam e
legitimavam a ação colonizadora de alguns países europeus. Diante disso, nota-se a total
depreciação às ações e às resistências dos povos africanos, face a supervalorização das ações
colonialistas. O enaltecimento das ações, cultura e costumes dos europeus aparece de maneira
nítida nas obras didáticas.
No entanto, percebe-se que todo o projeto editorial, que segue a Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), defendem uma educação voltada para uma exaltação europeia.
Visando a valorização dos padrões e valores europeus. Nos livros didáticos analisados por
40

Anderson Ribeiro Oliva, é perceptível a frequente atribuição à superioridade europeia nas


abordagens sobre as ações colonialistas, assim como, não é diferente quando analisamos a
abordagem dos conteúdos por completo nos livros didáticos do século XXI, sobre a História
da África. Assim faremos no tópico seguinte.

3.2 - Análise de livros didáticos produzidos no século XXI

Passados dezoito anos após a promulgação da Lei Federal 10.639/2003, uma das
questões que surgiram era a de como essa lei teria influenciado nas abordagens e na inclusão
da temática africana nos livros didáticos atuais. Para pensarmos como essa lei tem interferido
nos livros didáticos mais atuais, para além do conteúdo escrito, também as imagens
constantes nos livros emergem aqui como objeto de reflexão.
Para essa pesquisa foram selecionados 03 livros didáticos de duas editoras com
edições publicadas entre os anos de 2015 e 2018, para os anos finais do Ensino Fundamental
II. Todos esses livros passaram na seleção do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
e, portanto, foram considerados adequados a demandas e exigências da legislação educacional
vigente, pautando as abordagens e os conteúdos destinados a faixa etária de 6º ao 9º ano. A
escolha dos livros didáticos é feita por cada escola a partir do momento que o Ministério da
Educação (MEC) publica uma lista de livros aprovadas pelo PNLD em seu site.
De conformidade com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) que possuem
objetivos sobre o que o aluno deve aprender durante o Ensino Fundamental com base em
conceitos sobre relações sociais, da cultura e do trabalho relacionados às realidades da
História da América, da Europa, África e outros locais do mundo a partir de processos e que
consigam relacionar semelhanças e diferenças com sua própria vida.
Os livros analisados são produzidos por duas editoras: FTD, aprovado pelo PNLD de
2017 e Moderna, aprovado pelo PNLD de 2020. As duas editoras possuem focos no ramo de
educação e estão há muito tempo no mercado editorial de livros didáticos. Embora seja
possível identificar alguns avanços, o pouco espaço concedido à História da África ainda é
também característica de manuais publicados após a lei. A seguir busco fazer uma análise
específica de cada um dos livros selecionados para minha pesquisa.
O Livro intitulado “Vontade de Saber”, voltado para o 6º ano do ensino fundamental
II, publicado pela editora FTD, aprovado pelo PNLD 2017, tem como autores Marco César
Pellegrini, Adriana Machado Dias e Keila Grinberg. No que tange aos autores é importante
41

salientar que Marco César Pellegrini, Adriana Machado Dias e Keila Grinberg possuem
formação em História.
Marco César Pellegrini atuou como professor de História em escolas da rede particular
de ensino, é autor e editor de livros didáticos de História para Ensino Fundamental e Médio.
Adriana Machado Dias é especialista em História Social e Ensino de História pela
Universidade Estadual de Londrina (UEL-PR). Keila Grinberg é doutora em História Social
pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ) e professora do departamento de História da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO-RJ).
A obra observada conta com dez capítulos direcionados ao estudo da Europa. Uma vez
que disponibiliza dois capítulos da obra para a África Antiga: os Egípcios e Cuxitas.
Temáticas que dizem respeito a origens da humanidade, aos primeiros povos americanos, à
antiguidade no Oriente e na África, à construção da Antiguidade Clássica e suas
contraposições com outras sociedades, à Europa Medieval, ao mundo Islâmico e ao Império
Bizantino, dando seguimento a linha cronológica eurocêntrica.
Os autores trazem em sua apresentação, uma reflexão, sobre o que é História e sua
importância:

Para você, o que é História? Algumas pessoas pensam que História é o estudo do
passado. Outras, porém, afirmam que ela serve para entender melhor o presente. Nós
acreditamos que História é tudo isso e muito mais!
O estudo da História nos ajuda a perceber as ligações existentes entre o passado e o
presente. A escrita, a música, o cinema, as construções magnificas, os aviões, os
foguetes. Tudo aquilo que dispormos hoje [...]. A História nos permite conhecer o
cotidiano dessas pessoas e perceber como a ação delas foi importante para construir
o mundo como ele é hoje.
A história nos auxilia a conhecer os grupos que formam as sociedades, os conflitos
que ocorrem entre eles e os motivos de tais conflitos. Ela nos ajuda a tomar
consciência da importância de nossa atuação política e a desenvolver um olhar mais
crítico sobre o mundo. Assim, nos tornamos mais capazes de analisar desde uma
afirmação feita por um colega até uma notícia veiculada pela televisão.
“Ao estudarmos História, percebemos a importância do respeito à diversidade
cultural e ao direito de cada um ser o que é, e entendemos como esse respeito é
indispensável para o exercício da cidadania e para construirmos um mundo melhor”.
(PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2015, p. 2).

Marco César Pellegrini, Adriana Machado Dias e Keila Grinberg objetivam sondar os
conhecimentos prévios dos alunos, estimulando-os a comentar em que situações ouviram falar
dessas civilizações. Pois, segundo os autores é provável que muitos alunos já tenham entrado
em contato com a história do Egito antigo, por meio de filmes, histórias em quadrinhos,
livros, sites na internet, etc.
42

Na abertura dos capítulos encontramos imagens e um pequeno texto, como também


algumas questões que propiciam trocas de ideias entre alunos e professores, visando explorar
o conhecimento prévio do aluno sobre o assunto que será tratado no capítulo. Conforme,
segue a Figura 5.

Figura 5 – A África Antiga: os egípcios.

Fonte: PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2015, p. 80-81

No capítulo seguinte os autores dão continuidades a África Antiga, apresentando os


cuxitas. Reiterando que tanto o Egito antigo quanto o Reino de Cuxe foram sociedades
africanas poderosas na Antiguidade. (Ver Figura 6).
43

Figura 6 – A África Antiga: os cuxitas.

Fonte: PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2015, p. 98-99.

No primeiro capítulo referente a África antiga - Egito, os autores abordam a formação


da civilização egípcia, desenvolvida em uma região desértica da África, às margens do Rio
Nilo. Bem como o egípcio do passado, representado apenas pelos faraós e grandes nomes da
época (sacerdotes e escribas), os únicos nomes que aparecem nas narrativas, mencionando
brevemente os escravos e trabalhadores que construíram as grandes pirâmides e templos que
hoje aparecem como símbolos mais turísticos do que históricos. É o que podemos depreender
por intermédio da imagem presente junto ao texto escrito no ponto denominado “História em
construção”, conforme Figura 7.
44

Figura 7: Construção da pirâmide de Gizé

Fonte: PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2015, p. 86-87.

Ao falar sobre o “Egito”, na obra analisada, observamos que os autores procuram


mostrar muito mais conteúdo sobre grandes monumentos, a região desértica onde se situava
aquela civilização e a escrita hieroglífica. Narrativas sobre as vidas das pessoas que
construíram essa “civilização” ou dos que não possuíam acesso à escrita e à vida privilegiada
dos palácios e templos, pouco aparecem.
Uma vez que, de acordo com Diop (1999), a civilização do Egito Antigo é a base do
patrimônio cultural, filosófico e cientifico de todos os africanos do continente, influenciando
também a diáspora, chama atenção que ainda hoje se tenha uma visão bastante limitada sobre
o Egito, que ainda pouco o conecta à África, como já questionava Diop. Os livros didáticos
possuem abordagens que se articulam às correntes historiográficas, e em relação ao Egito,
ainda percebemos, mesmo após avanços na literatura sobre o tema e após a Lei Federal
10.639/03, ainda assim há muitas lacunas quanto ao que fica registrado nos livros didáticos.
Segundo Visentini, Ribeiro, e Pereira, (2014) o Egito abrigou a primeira grande
civilização surgida na África, embora fosse muito diferente das outras regiões africanas. Além
das terras férteis, a região possuía uma importância estratégia fundamental ao situar-se como
eixo de ligação entre o continente africano, a Ásia e o mundo mediterrâneo.
45

No capítulo seguinte referente a África antiga – Os Cuxitas, Marco César Pellegrini,


Adriana Machado Dias e Keila Grinberg apontam que os cuxitas desenvolveram sua
civilização na antiga região da Núbia, às margens do Rio Nilo. Uma região localizada ao sul
do território egípcio, governada por reis conhecidos como “faraós negros”, dado terem a tez
mais escuro que os egípcios. É o que podemos observar na imagem abaixo:

Figura 8 – Taraca, faraó negro

Fonte: PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2015, p. 101.

Outro fato observado na obra analisada é que os autores não fazem menção às
atividades exercidas pelos cuxitas, tais como agricultura, artesanato e universo de mercadores.
Tendo em vista que vendiam ouro, incenso, marfim, ébano, óleos, penas de avestruz e pele de
leopardo. Assim, centralizam a história somente na figura de reis e rainhas cuxitas, conquistas
(como a ampliação do seu domínio sobre a região da Núbia) e construção de pirâmides. (Ver
Figura 9).
46

Figura 9 - Necrópoles (pirâmides que serviam de túmulos)

1
Fonte: PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2015, p. 102-103.

Ao observarmos o livro didático do 6ª ano do Ensino Fundamental, onde é comum que


os alunos tenham seu primeiro contato com o Egito Antigo, existem conceitos e temas que são
mais recorrentes como: as pirâmides, religião politeísta, faraós e mumificação. Poucas vezes
vemos mencionados tópicos originais que se distanciem o suficiente do que já estamos
acostumados a ver sobre o passado faraônico do Egito. Figuras como camponeses, mulheres e
escravos aparecem em pequenos trechos durante os capítulos reservados para os egípcios e os
cuxitas, ocupando apenas caixas de texto (boxes) em separado, com títulos como
“curiosidades” e não como sujeitos principais da época.
Outro livro didático analisado foi o “Vontade de saber”, direcionado ao sétimo ano do
ensino fundamental, da mesma coleção da obra supracitada acima. No livro em questão, a
Europa e os europeus continuam a ocupar um lugar central, observando-se passagens e
imagens dando continuidade ao conteúdo da obra voltada para o sexto ano. O capítulo da obra
analisada narra a história dos Reinos e Impérios africanos, como Reino de Gana (Séc. VI ao
XIII), e a dada importância dos súditos; Reino do Congo (XIV ao XVIII); O Império Mali
(Séc. XIII ao XV) – uma mistura de povos, o Império Songai (XV e XVI), os reinos iorubas –
os anis e os obás, a arte em Ifé; o Reino de Benin; as máscaras africanas.
47

Os autores traçam discussões sobre a difusão do Islamismo na África, assim como a


escravidão nas sociedades islâmicas. Por conseguinte, mostram imagens de crianças africanas
estudando o Alcorão10 na escola, Chade, 2014. (Ver figura X)

Figura 10 – Crianças africanas estudando o Alcorão na escola

Fonte: PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2015, p. 125

A presença dessa imagem na obra analisada em discussões em torno do contato de


alguns povos africanos com o Islamismo, bem como a religião islâmica, constitui uma visão
hegemônica. Os autores deixam subtendido que a religião islâmica difundida em diferentes
regiões do continente africano conquistou muitos adeptos, assim como, a escravidão estava
presente em várias sociedades africanas islamizadas. Importa dizer que o continente africano
apresenta uma intensa variedade de religiões, que refletem o importante papel das crenças nas
organizações políticas e socioeconômicas, mas também na vida cotidiana de cada sujeito,
núcleo familiar ou comunitário.
De conformidade com Visentini, Ribeiro e Pereira (2014, p. 24), isso mostra a
importância da religião, da divindade ou do sagrado na vida dos africanos, bem como antes da
chegada das chamadas religiões reveladas (cristianismo e islamismo). Na mesma ótica Sylla
(1994) afirma que “[...] o lugar que ocupa o sagrado no sentimento religioso e nas práticas,

10
Alcorão – Livro sagrado do Islã.
48

bem como nas línguas, é tão amplo que não pode ser considerado como um aporte do
islamismo ou do cristianismo, apesar de certo desprezo das mesmas em relação às religiões
tradicionais africana”. Pois, segundo Sylla (1994), “[...] a moral, o respeito à vida em
conjunto, a proposta de harmonia entre os homens e a natureza é a base do comportamento de
muitos dos povos do continente africano e de suas religiões”.
No entanto, Visentini, Ribeiro e Pereira (2014, p. 25) enfatizam que, apesar da grande
presença do islamismo na África Subsaariana nos séculos que antecederam à chegada do
cristianismo e da colonização europeia, importa sublinhar que as religiões ancestrais ou
tradicionais dominavam os principais Estados ou impérios como Songhai, Mali e Benin.
Nessa perspectiva de crença aos ancestrais, as quais acreditavam em ser supremo, do qual
procedem todas as pessoas.
A rápida expansão do islamismo na África, ocorrida por conta da expansão árabe
desde o século VIII dado, em grande parte, ao comércio, implicou também no âmbito cultural,
ou seja, no sentido religioso, ao respeito e à tolerância inerente à cultura tradicional. Além
disso, vale ressaltar que a religião é um dos elementos cruciais para compreender a sociedade
africana desde do período pré-colonial até a atualidade. Pois, na importância de justificar a
presença estrangeira no continente africano, as sociedades africanas continuam sendo pouco
conhecidas e, encarada, a partir do etnocentrismo ocidental.
O livro “Aribabá Mais História”, da editora Moderna, foi escrito por Ana Claudia
Fernandes (2020-2023), bacharela em História e mestre em Ciências no programa de História
Social, pela Universidade de São Paulo. Trata-se de material voltado para o sétimo ano do
Ensino Fundamental, sendo possível verificar uma abordagem totalmente diferenciada
daquela presente no livro didático citado anteriormente.
A obra analisada inicia-se com os dois primeiros capítulos direcionados aos Reinos e
povos da África. Esse capítulo chama atenção para a diversidade cultural e as diferentes
formas de organização social que caracteriza esses povos, o que contribui para que suas
culturas e hábitos sejam reconhecidos e valorizados.
Ana Claudia Fernandes (2020-2023) faz um apanhado sobre os Reinos do Sahel, nome
de origem árabe, que significa “margem” ou “borda”; o contato e o comércio desses povos
africanos com os árabes; assim como o desenvolvimento na região de diversos reinos e
cidades mercantis, como o Reino de Gana - terra do ouro e a presença do Islã em Gana. (Ver
Figura 11)
49

Figura 11 – Árabes

Fonte: FERNANDES, 2018, p. 14

A imagem acima evidência uma relação amistosa e estratégica para o comércio no


contato entre os mercadores árabes com os Reinos do Sahel. Segundo Diop (1999), a
penetração do islã na África foi feita de forma pacífica, exceto o caso da islamização do
movimento almoravida11, durante a primeira metade do século XI, quando os berberes 12
tentaram impor o
Islã pela força das armas. O contato dos africanos com o mundo árabe marcou o início de
novos relacionamentos do continente com o exterior. Essas relações intensificaram,
resultando em formações sociais, políticas e culturais complexas, baseadas na diversidade que
caracteriza o continente. Assim, sem perder sua identidade, os africanos assimilaram
influência externa. (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2014).
O livro em questão dá continuidade ao capítulo apresentando o Império do Mali; as
cidades de Djenné e Timbuctu; o comércio caravaneiro; as rotas do comércio transaariano e
transaheliano; em debate – os contatos intercontinentais, o livro traz o lugar e a cultura da
tradição oral, inclusive utilizando fragmento de texto de um intelectual renomado no assunto,
Jan Vansina, publicado na Coleção História Geral da África (UNESCO, 2010). Segundo a
autora, “as técnicas e os rituais ligados a palavra, ao corpo e a musicalidade sempre foram
reconhecidos e valorizados, em diversas sociedades, como as da África ocidental”.
(FERNANDES, 2018, p. 15).

11
Movimento almoravida – Monges-soldados saídos de grupos nômades provenientes do Saara.
12
Berberes –povos nômades do Deserto do Saara.
50

No box reservado para “Lugar e Cultura”, nota-se a intenção da autora em mostrar que
atualmente a palavra falada, tanto quanto a palavra escrita, pode ser considerada uma fonte
histórica. Na figura, podemos observar mestres da tradição oral, na África Ocidental.

Figura 12 – Griots (mestres da tradição oral)

Fonte: FERNANDES, 2018.

No que concerne a linguística, o continente africano é dotado de numerosos e


diversificados idiomas, alguns não mais presente e outros que existem ainda hoje. Para
Visentini, Ribeiro e Pereira (2014), “[...] A maioria dessas línguas evoluiu com a tradição
oral”. Portanto, há carência de textos escritos nas línguas africanas, mas isso não significa
ignorância em relação a escrita, tampouco ausência de literatura (MWATHA, 2011).
Certamente, a formação de grupos linguísticos distintos dos povos africanos pertencentes as
várias regiões geográficas, do continente africano, explicam sua riqueza cultural.
No mesmo livro didático, no segundo capítulo, intitulado “povos iorubas e bantos” a
autora apresenta os Reinos Iorubás; a origem do mundo para os Iorubás; a diversidade dos
povos Bantos; o Reino do Congo; um box em duas páginas – ser no mundo: Quilombolas
brasileiros visitam a África, com reflexões que levam o aluno e o professor a perceber que,
conhecer a história da África e a cultura dos povos africanos é uma forma de compreender a
diversidade cultural brasileira e que os povos africanos tiveram um importante papel na
formação de nossa sociedade.
51

Os autores deixam claro a relação que os agudás estabelecem com o Brasil, e a cultura
afro-brasileira e, a importância dessa relação a construção de suas memórias e identidades.
Ressaltando que as influencias dos agudás, contribuem para o conhecimento de história da
África e nos leva a compreender como as culturas africanas influenciaram o mundo ocidental.
(Ver Figura 13).

Figura 13 – Missa de agudás

Fonte: FERNANDES, 2018, p. 30 - 31.

Em seguida, Ana Claudia Fernandes (2020-2023) fala sobre “o Projeto Pedra da


Memória”, iniciado por volta de 2011, que tinha o objetivo de reconhecer as relações de
ancestralidade e identidade que ligam os afro-brasileiros aos africanos. Nesse projeto, alguns
membros da comunidade religiosa de candomblé da Casa Fanti Ashanti, localizada na cidade
de São Luís, no Maranhão, viajaram ao Benin. Essa viagem deu origem a um livro, um
documentário e exposições fotográficas.
A presença africana nas obras analisadas, voltadas para o sétimo ano, de discussões
em torno da organização política e socioeconômica e de aspectos relacionados África atual
constitui um grande passo dado na medida em que contribui para desconstruir as imagens
cristalizadas na representação do continente, presentes nos manuais didáticos do século XIX e
início do século XX. Embora apenas algumas páginas sejam reservadas ao estudo dos grandes
Reinos e Impérios do Continente africano, identifica-se um pequeno avanço em relação ao
tipo de abordagem. Representações e reflexões que mostram o contato de alguns povos
52

africanos com outros povos, como também o “Projeto Pedra da Memória”, são utilizados para
enriquecer as informações.
O livro intitulado “Araribá Mais História”, da mesma coleção supracitada acima,
voltada para o oitavo ano, apresenta no décimo quarto capítulo, “O capital financeiro e a
expansão imperialista na África, na Índia e na China”. “Para refletir – quais são as relações
entre o imperialismo e o empobrecimento da África atual?”. A figura que segue, mostra uma
passividade no contato dos europeus com a África, sem violência (física e psicológica) por
parte dos europeus, e resistência por parte dos povos africanos. Conforme vejamos a figura
abaixo:

Figura 14 – Visita do vice-rei da índia

Fonte: FERNANDES, 2018, p. 174.

Enquanto a violência física e simbólica marcou as relações de conquista, as diferenças


entre as potências eram resolvidas entre diplomatas por meio de mapas incompletos e falhos.
Assim, “[...] durante a conquista foram sendo implantados os sistemas de dominação colonial,
que tinham como característica básica a transferência da soberania para a metrópole e seus
funcionários. Os africanos eram transformados em objeto de administração e sujeitos a leis,
regulamentos e normas subordinadoras [...]”. (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2014, p.65
- 69).
Ao dar seguimento a obra analisada, observa-se que a autora apresenta uma narrativa
sobre a chamada era do capital financeiro, e um box com uma charge que critica a grande
concentração do capital nas mãos dos bancos e dos financiadores, deflagrando a primeira
grande crise do capitalismo, iniciada em 1873, e uma caixa de diálogo com a seguinte
pergunta para o aluno: Qual é a crítica feita nessa charge? Essa crítica, no seu ponto de vista,
também é válida para os dias de hoje? Por quê? (Ver Figura 15).
53

Figura 15– Os chefes do senado

Fonte: FERNANDES, 2018, p. 175.

Na página seguinte, a autora apresenta uma outra charge, alusiva à dominação colonial
alemã em áreas da África. Bem como, evidencia uma narrativa sobre características da
colonização da África, em assunto extenso, e de suma importância para a compreensão do
imperialismo colonial, resumido em dois parágrafos. A imagem aponta o aspecto negativo da
expansão imperialista para os africanos. (Ver Figura 16).

Figura 16 – Dominação colonial alemã

Fonte: FERNANDES, 2018, p. 176.


54

Em adição ao ponto denominado imperialismo, Visentini, Ribeiro e Pereira (2014),


assinalam que:

Os defensores do imperialismo visavam explorar economicamente o continente


africano e adaptá-lo à nova divisão internacional do trabalho como região periférica
e subordinada. A riqueza produzida com o atendimento da demanda de minerais,
matérias-primas e gêneros tropicais da nova sociedade fabril, monopolista e
urbanizada devia ser acumulada na metrópole para garantir lucro e custo de
produção, além de reservas que possibilitassem a liberdade de ação e produção das
potências imperialistas. VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2014, p. 65).

Dado o exposto, observa –se na obra analisada que o extenso conteúdo sobre o
capitalismo financeiro e a expansão imperialista na África, se resumiu em onze páginas.
Ademais, vale ressaltar, um ponto importante e inovador, abordado na obra, que está no
tópico “ler os mapas - A partilha da África”. A partir do mapa exposto, Fernandes (2018),
procura retratar “a visão dos europeus sobre a ocupação do continente africano em 1880. Ela
se limita a pequenas áreas, geralmente nas regiões costeiras”. Nesse mesmo mapa a autora
instiga o leitor a “observar que o restante do território no mapa, não está ocupado, como se
fosse um imenso vazio. A visão europeia do período, portanto, ignorou a presença humana já
existente na África, bem como as formas internas de organização política no continente”
(FERNANDES, 2018, p. 180).
No outro mapa – África (1914), Ana Claudia Fernandes elenca observações que
chamam atenção do leitor para o mapa, deixando visível que “os países europeus, não só
preservaram suas possessões litorâneas na África como expandiram esses domínios em
relação ao cenário de 1880”. O mapa chama atenção para o modo como todo o território do
continente foi demarcado. As fronteiras que separam cada domínio colonial foram
estabelecidas pelos europeus na Conferência de Berlim (1885), com base na presença que
cada país já tinha naquela área ou de acordo com sua força política e econômica.
De tal forma, Visentini, Ribeiro e Pereira (2014) ajudam a pensar a esse respeito
quando explicam:

Tendo o Congresso de Berlim estabelecido as regras para a partilha da África e


reconhecido a supremacia das potências europeias, cabia realizar ajustes das
fronteiras e a incorporação do interior do continente. Diplomacia e armas modernas
seriam utilizadas. A dominação efetiva do continente gerou guerras de conquista
territorial e para a submissão dos africanos até as vésperas da primeira Guerra
Mundial. Os naturais do continente resistiam à perda de uma soberania e as
transformações econômicas, físicas e políticas que, junto com a exploração
predatória de recursos naturais, e demográficos, impunham a transformação da
África. (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2014, p. 65).
55

No tópico “Atividades”, Ana Claudia Fernandes faz várias indagações em relação a


Partilha da África. “A visão dos europeus, em 1880, sobre continente africano; o impacto da
partilha do continente na vida dos africanos; principais motivos que levaram a expansão
imperialista”; são alguns aspectos abordados. Para além disso, observa-se nas imagens um
esforço no sentido de problematizar o assunto, deixando visível a dominação das grandes
potencias sobre a África.
Os últimos livros de análise são da mesma coleção “Vontade de Saber” e “Araribá
Mais História”, direcionados ao nono ano do ensino fundamental II. Nestes livros são
abordados, bem rapidamente, no contexto de uma reflexão sobre o processo de independência
dos países africanos e, também os principais problemas e desafios dessas novas nações. Esse
tema envolve fatos ocorridos na segunda metade do século XX, em um contexto mundial de
Guerra Fria, período, em que grande parte dos países africanos conquistou sua independência.
Nesse momento, enfatiza-se que alguns países europeus perderam suas colônias na
África. A obra “Vontade de Saber” retrata a partir de narrativas e algumas imagens, o
enfraquecimento da Europa Ocidental; A contradição do colonialismo; a influência dos EUA
e da URSS; as ideias socialistas; o nacionalismo na África; o pan-africanismo e o pan-
arabismo; a luta dos africanos; as independências na África; os processos de independências;
a África e o mundo no séc. XX; o fim do domínio português, a África francesa; A retirada
belga; o fim do domínio inglês; alemães, italianos e espanhóis perdem suas colônias; os países
africanos independentes; a diversidade das etnias africanas; as relações de dependência
permanecem.
A obra analisada, conta com um box – “O sujeito da história: Nelson Mandela”,
retratando o esforço de Mandela, para aproximar negros e brancos na África do Sul, logo após
o fim do apartheid. Assim como, uma imagem recente, de estudantes em uma universidade
em Suazilândia, no sul da África. Retratando que antes do fim do apartheid, essa instituição
podia ser frequentada somente por pessoas brancas. (Ver Figura 17).
56

Figura 17 – Estudantes em universidade no Sul da África

Fonte: PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2015, p. 231.

Segundo os autores da obra analisada:

A África do Sul tornou-se mais conhecida internacionalmente pelo apartheid, um


regime que oficializou a segregação racial. Esse regime, implantado em 1948 pela
elite de origem europeia, privava a população negra de direitos e a impedia de
frequentar os mesmos lugares que os brancos. Graças as lutas promovidas pelo
Movimento Negro da África do Sul, e também por causa da pressão internacional, o
apartheid foi abolido no início da década de 1990 (PELLEGRINI; DIAS;
GRINBERG, 2015, p. 231).

De acordo com Visentini, Ribeiro e Pereira (2014), o Apartheid começou a ser


desativado pelo Presidente Frederik de Klerk, num tortuoso processo que iniciou com a
libertação de Nelson Mandela e culminou com sua eleição à presidência do país em 1994.
Este caminho foi difícil, com inúmeros conflitos internos, como a mobilização do grupo zulu
Inkhata (aliado ao regime racista) contra os militantes do Congresso Nacional africano, com a
finalidade de desestabilizar o processo e intimidar seus militantes. Dessa forma, os negros
ganharam direito de voto e puderam locomover-se livremente pelo país, geralmente em busca
de emprego e melhores condições de vida.
Apesar do pouco espaço reservado, que é preenchido no livro do nono ano, as
discussões e imagens nele presentes são eficientes para que o docente destaque a importância
de criticar e questionar aspectos das independências do continente africano. A obra conta com
57

a seção “Investigando na prática”, e nesse capítulo o tema é: Charges sobre as independências


na África. (Ver Figura 18).

Figura 18 – Investigando na prática

Fonte: PELLEGRINI; DIAS; GRINBERG, 2015, p. 232-233

Não obstante o livro analisado anteriormente, a obra “Araribá mais História”, ao levar
o leitor à reflexão sobre o que foi abordado em todo o capítulo, é bem atual e possui imagens
e sugestões de trabalho que prendem a atenção do aluno. Há também a preocupação em trazer
o assunto para a realidade de quem está lendo. Assim como busca aprofundar o assunto, ao
falar da crise do colonialismo; A relação entre a Guerra Fria e os movimentos nas colônias
africanas; os diferentes projetos relacionados às independências na África; o apartheid na
África do Sul.
Para além disso, Ana Claudia Fernandes, autora da obra analisada, no tópico “O Pan–
Africanismo: uma conquista ideológica, enfatiza que os movimentos de resistência contra o
colonizador atuaram durante todo o período de dominação europeia na África. No tópico
“migrações africanas na atualidade” a autora chama atenção na imagem recente de um mapa,
para o intenso fluxo migratório na África, ajudando a identificar os problemas políticos e as
disputas pelo poder no interior do continente africano, assim como as economias mais
prósperas e as que enfrentam mais dificuldades.
58

Figura 19 – Fluxos migratórios na África

Fonte: FERNANDES, 2018, p. 161

No tópico “O Apartheid na África do Sul”, “A resistência e o fim do apartheid”, para


além, das narrativas sobre os assuntos, no box ao lado, o livro didático ressalta um livro que
traz uma biografia bastante completa sobre Nelson Mandela – O prisioneiro mais famoso do
mundo, escrito por Seong Gang e um filme – Invictus -, que aborda o desejo de Nelson
Mandela em unir a África do Sul por meio do esporte, no período que ele tinha acabado de
assumir a presidência do país.
Portanto, dando sequência à análise dos livros, percebemos que os próximos capítulos
seguem para um estudo maior de povos da Europa, suas organizações e formas de vida.
Apesar da História da África estar incluída nos livros didáticos em questão, o que é um
avanço importante, ainda há grande dificuldade de percebê-la em outros eventos históricos.
Assim, a invisibilidade da História da África nesses eventos dificulta em vê-la dotada de suas
especificidades, como parte de nossas relações com o continente africano.
Embora possamos identificar avanços quando comparamos os livros atuais com
aqueles analisados por Anderson Ribeiro Oliva, por exemplo, se percebe que a História da
África ainda é tratada de uma forma estereotipada, privilegiando-se o europeu como
protagonista dos eventos históricos. Em alguns aspectos, a representação do continente
africano ainda surge de forma fragmentada e cristalizada. Destacando os avanços na área da
59

pesquisa e também as exigências da lei em relação a essa temática nas escolas, é inadmissível
que os alunos ainda se deparem com conteúdo escasso, genérico e preconceituoso.
Com exceção do livro didático denominado “Vontade de Saber”, da editora FTD, que
aborda a História da África de forma passiva e tradicional, sem mostrar a sua presença no
cenário atual, os outros três livros didáticos Araribá Mais História, da editora Moderna
analisados nesse capítulo já trazem uma abordagem diferente em relação a História da África.
Evidenciando a diversidade sócio-política do continente africano. Aborda as reivindicações
políticas, bem como a relação do povo africano com outros povos. As abordagens enfatizam o
caráter dinâmico das culturas africanas.
Em síntese, neste capítulo, analisamos como os livros didáticos utilizados pelos
alunos, retratam a imagem do continente africano. Se somente de forma tradicional, ou seja, a
partir de textos e imagens que demonstrem mitos e preconceitos, que durante muito tempo
ocultaram a história deste continente; ou se hoje, com o ensino da História e Cultura Afro-
Brasileira tornado obrigatório através da lei 10.639/2003, a História da África é mostrada de
uma forma mais ampla.
No capítulo posterior traremos uma proposta didática para o ensino da história da
África. A intenção é justamente pensar como trabalhar a história do continente africano em
sala de aula, tendo em vista que, como mostrado aqui, alguns livros ainda reproduzem
preconceitos e estereótipos em relação ao continente.
60

4 - CONSTRUÇÃO DE UMA ABORDAGEM DE ENSINO PARA A HISTÓRIA DA


ÁFRICA

O ensino da História da África nas escolas ainda é escasso e conta com poucas
ferramentas que possibilitem ao professor ampliar o conhecimento da cultura e da diversidade
do continente africano. Diante da realidade presenciada no período das observações do
Estágio Supervisionado I, II e III e IV, realizado na Escola de Ensino Fundamental e Médio
Profº Acy de Jesus Neves de Barros Pereira, localizada na Rua Américo Castanheira, nº 175,
bairro Amapá, na cidade de Marabá/PA. Partindo do primeiro contato que obtive em sala de
aula na regência do Estágio Supervisionado III, mediante aplicação do questionário e seus
resultados sobre o ensino da história da África na turma do 8º ano “A” (ver anexo II), na
escola pesquisa, percebeu-se a necessidade de elaborar uma proposta para construção de uma
abordagem de ensino para a história da África. Segue fotografia da frente da escola.

Figura 20 – Fotografia da frente da escola

Fonte: Jaclene Alves Ribeiro

A escola como objeto de estudo é uma instituição que se dedica ao processo de ensino
e aprendizagem entre alunos e docentes. Um espaço de saberes com trocas de experiências,
lugar de reflexão, ancorado na esperança e buscando mudanças. A escola tem uma função
específica, que é ensinar. E hoje, ensinar é contribuir com o desenvolvimento das capacidades
intelectuais e reflexivas dos estudantes, em face da capacidade do mundo moderno, em face
das influências fortes das mídias e em face de todo um conjunto de problemas sociais que
61

estão afetando a juventude. A escola precisa manter sua característica de ensinar, pois a escola
hoje não detém o monopólio do saber.
A experiência docente/discente estagiário traz consigo inúmeros desafios e
possibilidades, com problemáticas que são encontradas em relação ao papel e lugar do
Estágio. Procuramos respostas em teóricos como Pimenta e Lima (2004), que compreendem o
Estágio Supervisionado como “campo de conhecimento que se produz na interação entre
cursos de formação e o campo social no qual se desenvolvem as práticas educativas”.

É essencial, ao graduando, que a vivência do estágio seja proveitosa, ainda que


existam projetos de ensino, extensão e outros vividos no ambiente escolar, o
acompanhamento do cotidiano da escola contribui, de forma intrínseca, para a
formação acadêmica e profissional. (BATISTA, 2017, p. 209).

O Estágio é um modo especial de capacitação, caracterizado por conjunto de


atividades de prática, exercidas pelo acadêmico em ambiente real de trabalho, sob supervisão,
e que possibilita a apreensão de informações sobre o campo de trabalho (escola),
desenvolvimento de conhecimento e habilidades específicas à formação profissional, e ainda,
aperfeiçoamento cultural e de relacionamento humano. Levando em conta que é de
fundamental importância e oportuno o contato do discente com seu futuro espaço de trabalho
(escola), em meio ao seu processo de formação profissional.
O Estágio estabelece conexão entre a formação acadêmica e o campo de atuação do
futuro professor. As trocas de conhecimentos adquiridos durante o curso de graduação e as
habilidades, como conhecimento prático, ou seja, aptidão, que o futuro professor precisa
desenvolver frente as exigências das organizações, proporcionam ao professor/estagiário
experiências profissionais para o desenvolvimento de competências voltadas ao processo de
ensino-aprendizagem.
O desenvolvimento da proposta de ensino aqui esboçada conecta-se à necessidade de
inserir nos currículos escolares o ensino de História da África. E, apesar do avanço teórico-
metodológico que a História da África vem apresentando nos últimos anos, os currículos
escolares, bem como os conteúdos previstos nos programas escolares, ainda são permeados
por uma visão eurocêntrica e monocultural da História africana.
O ensino dessa temática apresenta desafios tanto para o professor quanto aos alunos.
Trabalhar com a África implica em descobrir um mundo de temas que nem sempre são
familiares ao professor. Para o aluno o desafio está em deparar-se com uma história que ainda
é pouco familiar ao meio escolar. Além disso, há de cumprir a tarefa da desconstrução –
62

desconstruir as imagens socialmente construídas que muitos alunos carregam, de que a África
é um continente marcado, sobretudo, pela pobreza, pela fome, por doenças e por conflitos
políticos.
É nesse sentido que o ensino de História da África vem somar-se a valorização da
diversidade étnica e cultural de nosso país trazendo para o estudo e para o debate o papel das
comunidades negras nos processos históricos. Aliado ao estudo da África insere-se em grande
medida o papel da instituição escolar no que se refere ao combate do preconceito e das
diferentes formas de discriminação, já que participa na construção de atitudes de cidadania e
de valores fundamentais para a vida em sociedade.
Estão no cerne desta proposta de ensino levar a sala de aula diferentes temas acerca da
História da África privilegiando os aspectos que, conforme as leituras feitas para o
planejamento e também atendendo a especificidade da história escolar, julgamos relevantes
para o estudo da temática como: relações de comércio, família, mitos, crenças, religiosidades,
mulheres e organização social, escravidão na África, África contemporânea, desenvolvimento
econômico e relações internacionais. Visto que, o ponto central dessa proposta é construir
caminhos com outros professores no fortalecimento dessa construção.
Diversas temáticas veem sendo discutidas pelos estudiosos do ensino de História,
analisando inclusive os Parâmetros Curriculares Nacionais. Destaco aqui o trabalho de Hebe
Maria Mattos, que traz um debate acerca do combate à discriminação racial e do ensino de
História em seu artigo “O ensino de História e a luta contra a discriminação racial no Brasil”.
Nele, a autora traz para discussão um assunto pouco abordado, que é justamente o ensino de
História da África. A autora chama a atenção para a necessidade de perceber a África e os
africanos, como também a identidade negra no Brasil, dentro de um contexto mais
abrangente, que é o mundo atlântico.
Muitos trabalhos sobre a história da África temática estão sendo produzidos, no
entanto o efetivo uso destas produções para o ensino de História da África ainda é bastante
pequeno. Outro importante conteúdo que buscamos enfatizar são as fontes históricas
existentes para o estudo da História da África. Portanto, as fontes, sua constituição, seus usos
como ferramenta de ensino de História da África figuram como ponto importante da proposta
de ensino.
Somado a isso, a valorização da tradição oral dos povos africanos, em nosso
entendimento, proporciona uma desconstrução da ideia de que somente as fontes escritas
trazem ou podem suscitar informações verdadeiras sobre a história de um povo ou de uma
cultura. Assim, está em nosso horizonte que os educandos reconheçam as tradições orais da
63

África como elemento que permeia as diferentes culturas existente se que possibilita
exatamente perceber a grande diversidade cultural existente no continente ainda hoje.

4.1 - A Construção da abordagem

Planejar e elaborar um conjunto de aulas que possibilita incorporar a história da África


no currículo escolar configura-se um grande desafio. Torna-se necessário aprofundar o
conhecimento adquirido durante a graduação que, embora conte com disciplinas específicas
de História da África no currículo não é suficiente para subsidiar uma proposta de ensino. Isso
implica em um profundo estudo da temática e das abordagens de ensino possíveis de serem
adotadas. Assim, após a leituras da bibliografia sobre a temática, procuramos privilegiar uma
abordagem geral de aspectos das culturas africanas e suas especificidades com a finalidade de
colaborar na construção de uma história escolar da África que propiciasse apreender as
culturas e a diversidade das sociedades africanas.
O trabalho com a abordagem geral de temas foi perpassado e combinado com
exemplos que contemplaram a diversidade e a pluralidade das sociedades africanas. A
proposição de conteúdos que permitissem aos educandos reconhecer as singularidades das
culturas e das trajetórias históricas da África fundamentou-se na reflexão sobre a importância
de relacionar o estudo do continente africano com a construção de um olhar crítico e avesso
aos padrões etnocêntricos, tornando a sala de aula um espaço de questionamentos de
conhecimentos prévios sobre a África pautados no senso comum e em preconceitos
socialmente construídos.
As leituras realizadas contribuíram muito para a elaboração e execução desta proposta
de ensino, pois evidenciaram a necessidade antes de tudo de reconhecer a importância de
estudar a História da África nos cursos de graduação e na educação básica. Minhas
investigações levaram-me a focar o continente dentro de sua própria trajetória, onde as
“histórias gerais” dos reinos ou povos foram utilizadas como exemplo da capacidade de
produção, organização e transformação, como acontece em outros espaços estudados.
Da mesma maneira, nos materiais didáticos foram abordados elementos como os
vestígios materiais e orais que permitem construir esse passado, as diversas técnicas
econômicas desenvolvidas, acultura material e a arte, visando tanto evidenciar a
especificidade da África quanto contribuir para a desconstrução da visão eurocêntrica que
durante muito tempo permeou a própria historiografia acerca do continente.
64

Exemplar dessa concepção é a afirmação do filósofo alemão Friedrich Hegel no século


XIX, com relação à inexistência da História da África:

A África não é uma parte histórica do mundo. Não têm movimentos progressos a
mostrar, movimentos históricos próprios dela. Quer isto dizer que sua parte
setentrional pertence ao mundo europeu ou asiático. Aquilo que entendemos
precisamente pela África é o espírito a-histórico, o espírito não desenvolvido, ainda
envolto em condições de natural e que deve ser aqui apresentado apenas como no
limiar da história do mundo (HEGEL, 1995, p. 174).

Embora essas ideias não tenham exercido grande influência nos estudiosos do século
XIX, continuaram repercutindo nas concepções elaboradas posteriormente, que só foram
rompidas com o avanço dos estudos das sociedades africanas, que contaram com a
contribuição de outras disciplinas como a geografia, as ciências políticas, a sociologia e mais
marcadamente da antropologia, disciplina esta que contribuiu com “as primeiras análises que
romperam com o universo de pensamento eurocêntrico e com os enunciados colonialistas”
(SERRANO & WALDMAN, 2008, p. 16). Mas essa é outra discussão que extrapola os
limites desse texto, aqui cabendo apenas ressaltar as contribuições que alguns autores
propiciaram para a construção da abordagem de ensino utilizada nos materiais didáticos.
Uma obra importante é a do historiador e político Joseph Ki-Zerbo (1972), “História
da África Negra”, que enfatiza a importância dos estudos acerca da África para todos, em
especial para os africanos, pois se trata da busca da identidade através da reunião de
elementos da memória coletiva. Neste sentido, Ki-Zerbo ressalta o valor da tradição oral e das
inúmeras mudanças sucedidas no continente ao longo de sua história, o que seguramente
delega aos africanos uma extraordinária contribuição para a história universal. Com esta
leitura foi possível elencar fatores que favoreceram a desmistificação da África como um
continente atrasado e sem história.
Alberto da Costa e Silva e Marina de Melo e Souza, ambos influenciaram
categoricamente a estrutura que adotei para o texto didático. Em seus relativos trabalhos,
esses autores, além de seguirem uma linguagem muito compreensível e agradável, também
usam exemplos que favorecem a compreensão de elementos das culturas africanas que à
primeira vista apresentam certa complexidade. Exemplificando algumas obras de Alberto da
Costa e Silva que fizeram parte das leituras preparatórias, destacamos “A enxada e a lança: a
África antes dos portugueses” de 2006, que apresenta uma análise da África, dos seus
primórdios até o século XVI, descrevendo como viviam os diversos povos e privilegiando os
variados aspectos culturais. No livro “A África explicada aos meus filhos”, de 2008, Costa e
65

Silva desmitifica aspectos eurocêntricos que permeavam a historiografia da África,


empregando como estratégia conversas, dez no total.
Neste conjunto de obras que vem a contribuir para os estudos da História da África,
destacamos também o livro paradidático de Marina de Melo e Souza, “África e o Brasil
Africano”, de 2007, que, partindo da história do continente africano e seus diversos aspectos,
chega à compreensão do Brasil, que é tão marcado pelas diversas culturas africanas. Além de
ser expressiva obra para os educadores, esse livro é ainda uma importante ferramenta no
ensino, pois conta com ricas imagens e mapas, que se configuram como interessantes fontes
de estudo para o conhecimento e compreensão do continente africano.
No entanto, é preciso lembrar que essas foram as leituras tomadas como base para a
elaboração dos textos didáticos, sem deixar de explicitar que existem muitos outros trabalhos
que podem enriquecer a construção de abordagens diversificadas da história da África para o
ensino escolar.

4.2 - Elaboração dos materiais e metodologia de ensino de história

A proposta de ensino é elaborar texto didático, selecionar fontes históricas e, por fim,
apresentar o jogo de tabuleiro – Mancala13. Para que possamos estudar a diversidade cultural
africana, para podermos proporcionar aos professores de história, uma atividade leve e lúdica
em sala de aula, para turma do 7º ano (ver plano de aula – anexo II). Com o objetivo não
apenas de abordar conteúdos, mas de discutir e enfatizar a construção do conhecimento
histórico. De forma semelhante, as atividades que visam perceber não apenas como os alunos
estão compreendendo os conteúdos abordados, mas principalmente como estão dialogando
com a proposta de desconstrução da visão da África como um lugar atrasado e sem cultura.
Para a aproximação dos educandos com as características das culturas africanas,
apresentaremos sucintamente os temas trabalhados, destacando apenas um texto didático que
produzimos para abordar alguns temas relacionados a história da África.
No texto “Para que estudar a História da África? ”, (ver anexo III), enfatizamos a
importância desse estudo e discutimos quais são as fontes históricas que viabilizam a
construção da história das sociedades africanas, destacando as fontes orais. Complementando
o texto, introduziremos a atividade “Trabalhando com documento histórico”, onde será

13
Mancala – Jogo de origem africana, tem seus registros no fragmento de um tabuleiro de cerâmica e diversos
cortes de rochas encontrados na Etiópia [...]. (GUERRA, 2009, p.1).
66

realizada a leitura em sala de aula do depoimento de um griot da Guiné, registrado pelo


escritor senegalês Djibril Niame, no livro “Sundjata ou epopéia mandinga”.
No livro conta-se a história de como um menino chamado Sundjata, que até os sete
anos de idade era impossibilitado de andar, e tornou-se o maior imperador do Mali, entre os
anos de 1230 e 1255. Deste livro foi extraído o texto utilizado, no qual o griot apresenta suas
funções e a importância de seu ofício num breve relato. Segue abaixo o relato extraído do
livro, o qual usaremos como documento histórico, procurando observar como um griot
apresenta as funções e a importância do seu ofício:

“(...) Sou griot. Meu nome é Djeli Mamadu Kuyatê, filho de Bintu Kuyatê e de
Djeli Kedian Kuyatê, Mestre na arte de falar. Desde tempos imemoriais estão os
Kuyatês a serviço dos príncipes Keita do Mandinga (o mesmo que Império do Máli);
somos os sacos de palavras, somos o repositório que conserva segredos
multiseculares. A Arte da palavra não apresenta qualquer segredo para nós; sem nós,
os nomes dos reis cairiam no esquecimento; nós somos a memória dos homens;
através da palavra, damos vida aos fatos e ás façanhas dos reis perante as novas
gerações.
Recebi minha ciência de meu pai Djeli Kedian, que a recebeu igualmente de
seu pai; a História não tem mistério algum para nós; ensinamos ao vulgo tudo que
aceitamos transmitir-lhes; somos nós que detemos as chaves das doze portas do
Mandinga.
(...) Os griots conhecem a história dos reis e dos reinos, motivo por que são os
melhores conselheiros dos reis. Todo grande rei quer ter um chantre para perpetuar
sua memória, visto que é o griot quem salva a glória dos reis, pois os homens têm a
memória muito curta.
Os reinos têm seu destino traçado, tal como os homens; só o conhecem os adivinhos,
que investigam o futuro, cuja ciência dominam. Nós outros, griots reais, somos os
depositários da ciência do passado; mas quem conhece a história de um país poderá
ler seu futuro. Há povos que se servem da linguagem escrita para fixar o passado;
mas
acontece que essa invenção matou a memória dos homens: eles já não sentem mais o
passado, visto que a língua escrita não pode ter o calor da voz humana. Todo mundo
acredita conhecer, ao passo que o saber deve ser algo secreto (os griots tradicionais
são muito criteriosos ao transmitir seu saber por considerá-lo um segredo). Os
profetas não escreveram, e sua palavra nem por isso é menos viva. Pobre
conhecimento, esse que se encontra imutavelmente fixado nos livros mudos...
Eu, Djeli Mamadu Kuyatê, sou o elo final de uma longa tradição: desde muitas
gerações nós transmitimos de pai para filho as histórias dos reis. A palavra me foi
transmitida sem alteração e eu passarei sem qualquer mudança, visto que a recebi
isenta de qualquer mentira. Ouvi, pois, a história de Sundjata, o Na’Kamma, o
homem que tinha uma missão a cumprir (...)”. (NIANE, 1982. p. 11 e 66).

Esse trabalho de análise de fontes possibilita o contato dos educandos com a fonte
oral. Durante muito tempo, as sociedades africanas foram vistas pelos europeus como
sociedades sem história. No entanto, tal interpretação e rotulação do continente condiz com o
colonialismo, mas não com a África e seus povos. Sabemos que as poucas referências do
passado referente a história do continente eram dadas a partir dos marcos da história Europeia.
Todavia, desde o processo de independência dos países africanos, nos primórdios da década
67

de 1950, historiadores africanos vêm buscando restabelecer o passado da África a partir das
perspectivas das sociedades que ali vivem.
De acordo com Hampaté Ba (2010), na região ao Sul do deserto do Saara – África
Sulsaariana, o saber era tradicionalmente transmitido pela palavra falada, ou seja, transmitido
oralmente. Razão essa que, basicamente até a década de 1950, grande parte dos historiadores
desprezou a história desta parte do continente que, não dispunha de fontes documentais
escritas. Contudo precisamos compreender que a habilidade não está atrelada a ausência da
escrita, porém, se relaciona ao valor atribuído à palavra nas sociedades da África Ocidental,
por ser depositária da sabedoria dos ancestrais.
Segundo Hampaté Ba (2010), é através da fala e da memória que a história da África é
contada e transmitida entre os povos africanos. Sendo assim, a tradição oral apresenta dois
tipos de portadores ou “guardiões da palavra falada”, que são os tradicionalistas e os griots.
Os tradicionalistas são conhecedores de um oficio, que tem como função guardar a palavra,
possuem o conhecimento da palavra falada, pois tem uma ligação com o divino e suas
revelações são sempre verdadeiras, sem a verdade perderiam o seu dom de colocar a ordem e
manter os povos unidos e em harmonia. Estes tradicionalistas possuem um grande
conhecimento da tradição, são portadores do conhecimento sobre a criação e de todas as
coisas.

O termo Griot, de origem francesa, recobre uma série de funções no contexto da


sociedade africana. Numa sociedade em que os conhecimentos eram
tradicionalmente transmitidos pela palavra – de forma oral – o griot tinha uma
posição de destaque, pois lhe cabia transmitir a tradição histórica: era o cronista, o
genelogista, o arauto, aquele que dominava a palavra (...) o griot ou dieli está
próximo do doma, o grande conhecedor das coisas. É uma autêntica biblioteca
pública, tal como o chamou. (HAMPATÉ BÂ, 2010, p. 195).

Os griots eram verdadeiras “bibliotecas vivas”, indivíduos encarregados de preservar


e transmitir as histórias, as lendas e canções de seu povo. A função de griot passava de pai
para filho. Existiam vários tipos de griots: griots músicos, que cantavam e tocavam vários
instrumentos e eram responsáveis pela preservação de canções importantes para o grupo; os
contadores de histórias, que eram capazes de trazer muitos detalhes das histórias que
ouviam quando eram crianças; haviam os que guardavam feitos de grandes guerreiros, lutas e
acontecimentos considerados importantes para serem repetidos em ocasiões especiais;
comediantes, que traziam contos engraçados para divertir o povo das localidades que
visitavam regularmente.
68

É extremamente importante trabalhar com fontes orais no estudo da história da África.


Os testemunhos de acontecimentos adquiridos através das fontes orais são tão confiáveis
quanto os testemunhos conseguidos das fontes escritas, pois o testemunho segundo Hampaté
Ba (2010), “seja oral ou escrita, no fim não é mais que testemunho humano”. Ou seja, um não
é melhor ou mais confiável que o outro, tem apenas a forma de transmissão diferente.
No entanto, com o mesmo texto e com base em leituras citadas no tópico anterior,
podemos trabalhar sobre “Economia, diversidade e influências nas sociedades africanas”,
destacando aspectos da organização social dos povos africanos e exemplificando algumas das
atividades econômicas desenvolvidas no continente antes do século XV. Nesse momento, a
ideia é trazer a percepção de que na África, desde tempos muito remotos, possuía caminhos
percorridos pelos comerciantes que propiciavam o intercâmbio não somente de mercadorias,
mas também de diferentes elementos de cada uma das culturas e sociedades envolvidas nas
atividades comerciais, permitindo intercâmbios culturais que influenciaram a diversidade do
continente africano.
As estratégias propostas são de utilizar mapas anteriores ao século XV, para apontar as
rotas de comércio, assim como, as relações entre os diferentes povos africanos. Para que
possamos refletir sobre a organização social, conhecer sobre as atividades econômicas
existentes no continente africano e alguns aspectos de sua geografia e perceber a importância
do comércio interno africano. Na África, alguns povos desenvolveram hábitos que permitiram
o deslocamento dentro do território. E, enquanto algumas regiões tinham um crescimento
expressivo, como na região do rio Nilo, em outras o desenvolvimento das técnicas de
agricultura e de criação de animais deu-se de forma lenta e gradual.
Em muitas regiões do Sul da África, prevaleceram as sociedades que viviam da coleta
de alimentos e da caça de animais. Porém, alguns povos logo começaram a se fixar e
passaram a construir moradias, a cultivar cereais como o trigo e o arroz, a criar animais para
seu sustento. Esses novos hábitos favorecem o aumento no número de pessoas. Essas
comunidades, mesmo que fossem ainda pequenas, foram abrindo rotas com o objetivo de
fazer um comércio de trocas entre si. Trocavam os excedentes por gêneros que não
produziam, e entre os produtos mais importantes estava o sal, pois com ele poder-se-ia
conservar os alimentos no clima quente.
Para realizar as viagens, período anteriores ao séc XV, os povos precisavam atravessar
o deserto do Saara. Essas atividades de trocas e comércio ficaram conhecidas como comércio
transaariano. E como o deserto pode apresentar diferentes obstáculos, como montanhas,
69

terrenos alagadiços e para que as viagens de comércio acontecessem os povos africanos


passaram a usar animais, especialmente o camelo.
O planejamento da metodologia de ensino parte do pressuposto que a participação dos
educandos é fundamental para que o estudo da história da África seja pautado no objetivo de
problematizar essas representações. Assim, trabalhar os temas acima citados de modo a
estimular que os educandos exponham o estranhamento diante de aspectos culturais tão
diversos, suas percepções e até mesmo juízos etnocêntricos, que serão constantemente
discutidos a partir da noção de diversidade cultural.
Os estudos dos aspectos colocados acima favorecem o entendimento da pluralidade
cultural e da heterogeneidade dos povos africanos e serão fundamentais para atividade
proposta para a sala de aula – o jogo lúdico Mancala14. Para estimular e desenvolver
habilidades, como a comunicação verbal e interação social. Segundo Claúdia Zaslavsky
(2000), “Com esses jogos e atividades as crianças e jovens aprendem a apreciar a história e a
cultura de muitas sociedades”.
Na aula será apresentado aos alunos o jogo de tabuleiro Mancala15, (ver anexo IV), de
origem africana. Construiremos os tabuleiros, individualmente cada aluno confeccionará o
seu, para que leve para casa e exercite as regras e ensine pelo menos um familiar, para que o
conhecimento apreendido em sala de aula seja reelaborado e repassado a terceiros, fazendo
com que a cultura africana seja rememorada, lembrada e perpetuada com o passar dos tempos.
Os alunos deverão registrar por escrito, as impressões e as experiências de como foi o
processo de ensinar um jogo de origem africana, estabelecendo relações com a cultura
africana e afro-brasileira, no que diz respeito ao plantio, colheita e partilha dos alimentos.
A proposta de ensino de História da África aqui apresentada busca explicitar a
diversidade cultural do continente africano partindo da abordagem de temas que buscam
trazer ao conhecimento dos educandos alguns aspectos que julgamos relevante para expor a
problemática a pluralidade cultural da África. A intenção é possibilitar conhecimentos que
não são privilegiados na grande parte das coleções de livros didáticos.

14
Aprenda a jogar Mancala disponível em: http://www.youtube.com/whatch? Acessado em 06/04/2021 às 20h.
15
Tabuleiros de jogos desse tipo foram encontrados desenhados nas pedras dos telhados de um templo egípcio
construído há 3.300 anos e em muitas outras construções antigas.
70

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino da história da África apresenta desafios, sendo de conhecimento comum que


existem muitas teorias que buscam explicar e esclarecer o modo, ou os modos, em que os
educandos se relacionam com o objeto ou conteúdo a ser conhecido. Nesse momento, em
grande medida, o professor torna-se o mediador de todo esse processo, de forma que suas
escolhas refletem em muito como o objeto de estudo vai ser inserido na vida dos educandos.
Desta maneira, o professor precisa trazer ao contexto sua prática e, além disso,
considerar o educando como um sujeito que possui, com sua história de vida, uma bagagem
cultural que se enriquece conforme este interage com o meio em que vive. Para tanto, se faz
necessário que o professor busque diferentes abordagens, e que estas possibilitem cada vez
mais uma ampliação do que se quer ensinar, ou seja, buscar novas formas de inserir um
assunto para que surjam também novas questões sobre um mesmo assunto.
Desta feita, no presente trabalho de conclusão de curso, buscamos compreender como
duas coleções de história destinados ao 6º e ao 9º ano publicados entre os anos de 2015 e 2018
aprovados pelo PNLD 2017 e 2020, nossas fontes de pesquisa, abordaram nos seus
respectivos capítulos a história da África. Logo, buscamos desenvolver uma proposta didática
de ensino para abordar a História da África no ensino fundamental II, com o intuito de somar
e passar adiante conhecimentos adquiridos com a pesquisa no que tange a essa temática.
Optamos por trabalhar com temas, que se relacionam entre si. Abordando por partes
temas propostos sobre a história da África - “Para que estudar a História da África? ”,
“Economia, diversidade e influências nas sociedades africanas” e “ Estrutura social na África
e a escravidão”. A construção de tal proposta foi se delineando melhor conforme fomos nos
aprofundando e debruçando em leituras citadas no trabalho.
Todos os textos utilizados para aprofundar meu conhecimento sobre a temática e os
livros didáticos analisados para a pesquisa, foram de extrema importância para que
pudéssemos relembrar questões aprendidas e apreendidas durante a graduação, mas também,
para que pudéssemos aprender algumas questões que ainda não havíamos tido um contato
mais profundo.
O período da pesquisa foi, assim, não apenas um momento em que poderíamos
adquirir novos conhecimentos sobre a África, mas um momento para que tivéssemos a
oportunidade de trabalhar a história da África, preenchendo o vazio diagnosticado, no objeto
pesquisa, no que se refere a história da Áfricas e dos seus povos.
71

A análise de livros didáticos de história utilizados, nos permitiu observar que, embora
haja permanências de percepção negativas sobre a História da África, congelada no tempo e
no espaço, alguns livros avançaram no sentido de procurar abordar a diversidade e aspectos da
questão africana no presente. Ressalta-se, entretanto, que mesmo que a história da África e
dos povos africanos estejam representados nos livros, o espaço reservado para o estudo da
temática africana ainda é ínfimo. Existem espaços maiores voltados para a Europa. O que faz
alusão a importância atribuída à história e padrões culturais europeus em detrimento daquele
de outros povos.
A pesquisa foi bastante desafiadora, mas acredita-se que ela tenha conseguido alcançar
o seu objetivo inicial. Ela tornou possível perceber que gradualmente mudanças importantes
vêm acontecendo no que diz respeito ao ensino da história da África. Permanece, entretanto, a
certeza que ainda há muito o que ser feito. Muitos são os desafios que precisam ser vencidos
para que haja um ensino da história da África que retire a invisibilidade a que ela foi relegada.
Portanto, é de suma importância desvincular a história da África da história
eurocêntrica, ou seja, devemos avançar nossa compreensão sobre o continente africano para
além do contexto do mercantilismo e do tráfico negreiro ou, séculos depois, do imperialismo
colonial. Frente às problemáticas levantadas nesse trabalho, torna-se imprescindível saber
quais áfricas estão sendo abordadas no livro didático e comtempladas no processo de ensino-
aprendizagem. Por essa razão, o desenvolvimento de uma nova proposta curricular pode se
apresentar como um importante instrumento que possibilite a compreensão da História da
África em toda as suas dimensões.
72

REFERÊNCIAS

ALVES, Christian; FERNANDES, Gabriel Marques. Formação Compartilhada: relato de


experiências sobre o Estágio Supervisionado em História no Colégio de Aplicação da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Caderno Pesquisa do Cdhis, Uberlândia, v.31,
n.1, p.122-147, jan./jun. 2018.

ANTONACCI, Maria Antonieta. Artes da memória de povos em diáspora: história e


pedagogia em? Condições de enunciação?. Fronteiras: Revista de História, v. 18, p. 244-
256, 2016.

BITTENCOURT, Circe. Em foco: história, produção e memória do livro didático. In:


Educação e Pesquisa, São Paulo, 2004b, v. 30, n. 3. pp. 471-473.

BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez,


2004.

BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula. 9.ed. São Paulo: Contexto, 2004.

BITTENCOURT, Circe. Reflexões sobre o ensino de história. Estudos Avançados, v. 32, p.


127-149, 2018.

BRASIL. Lei 10.639, de 9 jan. 2003. Altera a Lei 9.394, de 20 dez. 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 9 jan. 2003. Disponível em:
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.html; Acesso em: 20 out. 2010. p.1.

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais (PCNs). Objetivos do ensino fundamental.


Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CHOPPIN, Alain. Pasado y presente de los manuals escolares. Traduzido por Miriam Soto
Lucas. In Errio, Julio Ruiz (Ed.). La cultura escolar de Europa. Tendências históricas
emergentes. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva: 2000.

HAMPATÉ BÂ, Amadou. “A tradição viva”. História Geral da África. Vol. 1. Brasília:
MEC/UNESCO, 2010, pp. 167-210.

HISTÓRIA DE MARABÁ. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia


Foundation, 2019. Disponível em:<https://pt.wikipedia. org/w/index.php? title=Hist%C3%B
3riadeMarab% C3% A1&oldid = 55529740>. Acesso em: 19 jun. 2019.

KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra. Lisboa: Europa-America, 1972.

LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual didático. In: Em aberto. Brasília, DF,
v. 00, n. 69, 1996. pp. 40-49.

LEILA, Leite Hernandes. A África na sala de aula – visita à história contemporânea. SP:
Selo Negro Ed., 2005 (1ª. Ed.).
73

LOPES, Carlos. A Pirâmide Invertida – historiografia africana feita por africanos. IN: Actas
do Colóquio Construção e Ensino da História da África. Lisboa: Linopazas, 1995. p. 21-
29.

M’BOKOLO, Elikia. África Negra –História e Civilizações. Tradução de Alfredo


Margarido. Salvador: EDUFBA; São Paulo: Casa das Áfricas, 2009.

NIANE, Djibril. Sundjata ou a epopéia mandinga. São Paulo: Ática, 1982, p. 11 e 66.

OLIVA, Anderson Ribeiro. A História da África nos bancos escolares: representações e


imprecisões na literatura didática. Estudos Afro-Asiáticos (UCAM. Impresso), Rio de
Janeiro, v. 25, n.3, p. 421-461, 2003.

OLIVA, Anderson Ribeiro. A Invenção da África no Brasil: Os africanos diante dos


imaginários e discursos brasileiros dos séculos XIX e XX. Revista África e Africanidades,
v. 1, p. 1-27, 2009.

PAULA, Benjamin Xavier de. A lei federal 10.639/2003 e a implementação de políticas


públicas e ações afirmativas para negros e afro – descendentes. 2011. (Apresentação de
Trabalho/Comunicação).

SANTOS, S. A. A lei 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do Movimento Negro.


SECAD. Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília,
2005. p.21-38.

SILVA FILHO, José Barbosa da. História da África e História do Negro no Brasil. 2007.
(Curso de curta duração ministrado/Extensão).

SILVA, Alberto da Costa e. A África ensinada para meus filhos. Rio de Janeiro: Agir,
2008.

SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil Africano. São Paulo: Ática, 2007.

VISENTINI, Paulo Fagundes; RIBEIRO, Luiz Dario Teixeira; PEREIRA, Analúcia


Danilevicz. História da África e dos Africanos. 3 ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

ZASLAVSKY, Claúdia. Jogos e atividades Matemáticas do Mundo Inteiro. Porto Alegre:


Artes Médicas, 2000.
74

ANEXO I – Questionário aplicado na turma pesquisa – 8º ano “a”

Pesquisa – Aluno

1. Para você o que é História?


➢ 18 alunos compreendem o conceito de História;
➢ 11 alunos não compreendem o conceito de História.

2. Você gosta da disciplina de História?


a. (25) Sim;
b. ( 4) Não;
c. ( 0) Em parte,

3. O que você mais gosta na disciplina de História?


a. ( 2) Curiosidades sobre culturas diferentes da nossa;
b. (13) Aprender sobre o passado do nosso próprio povo;
c. ( 3) Aprender como as coisas foram inventadas;
d. ( 2) Saber mais sobre as guerras do passado;
e. ( 9) Descobrir mais sobre o mundo de hoje, olhando para o passado.

4. Referente aos conteúdos estudados na disciplina de História, qual deles você mais
gosta?
➢ 22 alunos - História Europeia; Independência do Brasil; Iluminismo.
➢ 07 alunos - História da Africana.

5. Sobre a História da África, o que você sabe da África?


➢ 16 alunos – compreensão estereotipada;
➢ 13 alunos - compreensão a partir da História Europeia (escravidão).

6. Somos todos iguais?


a. (16) Sim;
b. (13) Não;
c. ( 0) Em parte.
75

QUESTIONÁRIO REALIZADO COM 29 ALUNOS

COMPREENDE O CONCEITO DE HISTÓRIA


13 18
NÃO COMPRENDE O CONCEITO DE HISTÓRIA

16 GOSTA DA DISCIPLINA
11
NÃO GOSTA DA DISCIPLINA

13 CONTEÚDO DA HISTÓRIA DA EUROPA

26 CONTEÚDO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA

16 COMPREENSÃO ESTERIOTIPADA SOBRE


ÁFRICA
4 COMPREENSÃO A PARTIR DA HIST. EUROPEIA
7 (ESCRAVIDÃO)
22
SE RECONHECE COMO SERES IGUAIS

SE RECONHECE COMO SERES DIFERENTES

➢ RESPOSTA DA TERCEIRA QUESTÃO


76

ANEXO II – Plano de aula

PARTE INFORMATIVA
1.1 Disciplina: História
1.2 Tema: Para que estudar História da África?
1.3 Docente: Jaclene Alves Ribeiro
1.4 Duração: 150 minutos.
1.5 Público alvo: 7º ano do Ensino Fundamental
OBJETIVOS
Geral:
- Conhecer e refletir sobre as diferentes fontes acerca da história da África antes do século
XV. Como se organizam as atividades africanas e que atividades econômicas desenvolviam.
Específicos:
1. - Apresentar as diferentes fontes existentes para se estudar História da África;
- Utilizar um documento histórico como fonte de informação para o estudo da África;
2. - Explicar a importância da oralidade como característica da cultura dos povos da África;
3. - Perceber a importância da tradição oral e dos gritos;
4. - Explicar a atividade jogo de tabuleiro – Mankala, para ensinar a diversidade cultural
africana.
CONTEÚDOS
- A importância de se estudar a história da África e suas fontes históricas;
- Aspectos da organização social dos povos africanos e as principais atividades econômicas
desenvolvidas no continente antes do séc. XV;
- Origem e regras do jogo africano Mankala;
PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS
- Técnicas: Aula expositiva-dialogada;
- Recursos: quadro branco pincel e data show (se houver);

- Texto didático “para que estudar história da África?”

- Documento histórico fotocopiado;

- Texto impresso, material para registro, caixas vazias de ovos, tinta guache, sementes ou
botões, tesouras, garrafas pets, copos descartáveis, fita adesiva e demais matérias para
decorar o tabuleiro.
77

- Ações: Os alunos deverão expor seu conhecimento prévio sobre a história da África.

- Estratégia de ação prática em grupo: Para ampliar o debate acerca da diversidade da


cultura africana, será solicitado a construção de tabuleiros, individualmente cada aluno
confeccionará o seu, para que leve para casa e exercite as regras e ensine pelo menos um
familiar, para que o conhecimento apreendido em sala de aula seja reelaborado e repassado a
terceiros, fazendo com que a cultura africana seja rememorada, lembrada e perpetuada com
o passar dos tempos. Os alunos deverão registrar por escrito, as impressões e as
experiências de como foi o processo de ensinar um jogo de origem africana, estabelecendo
relações com a cultura africana e afro-brasileira, no que diz respeito ao plantio, colheita e
partilha dos alimentos.
DESENVOLVIMENTO:
1ª aula 50 min:
- Apresentação do assunto por meio do plano de ensino e aula;
- Leitura do texto produzido “Para que estudar história da África?”
- Exposição oral introdutória sobre a importância de se estudar a História da África
2ª aula 50 min:
- Breve exposição sobre a importância da tradição oral;
- Leitura e analise do documento histórico junto com os alunos.
3ª aula 50 min:
- Debate e produção do jogo africano Mankala.
BIBLIOGRAFIA

SILVA, Alberto da Costa e. A Enxada e a Lança – a África antes dos portugueses. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

Aprenda a jogar Mankala disponível em: http://www.youtube.com/whatch? Acessado em


06/04/2021 às 20h.

SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil Africano. São Paulo: Ática, 2007.

SILVA, Alberto da Costa e. A África ensinada para meus filhos. Rio de Janeiro: Agir,
2008.

ZASLAVSKY, Claúdia. Jogos e atividades Matemáticas do Mundo Inteiro. Porto Alegre:


Artes Médicas, 2000.
78

ANEXO III – Texto produzido

Para que estudar História da África?

Quando pensamos no continente africano e sua trajetória histórica, muitas vezes nos
deparamos com algumas imagens construídas com base naquilo que as mídias e redes sociais
em geral nos mostram fome, pobreza, atraso econômico, animais selvagens, entre outras
coisas. Atualmente a África tem tido destaque na TV e jornais por conta da Copa do Mundo
de futebol. Mas será que a imagem que temos da África ou mesmo aquelas imagens e
informações que recebemos por meio da mídia dão conta de nos informar sobre a África, sua
cultura, sua diversidade e principalmente sua história?
Torna-se importante saber que o continente africano é imenso, com inúmeros grupos
étnicos e sociedades. E, ao contrário do que se possa pensar, a África possui uma longa e
complexa história, com características próprias. E são justamente algumas dessas
características, próprias do continente africano, que iremos conhecer. A História da África
durante muito tempo foi escrita pelos seus colonizadores, europeus que chegaram ao
continente pelo oceano Atlântico a partir do século XV. Esses homens chegaram ao
continente e viram sociedades com organização, costumes, línguas, crenças, relações de
parentesco muito diferentes das suas, e passaram a interpretar essas características a partir da
comparação com a cultura europeia.
Desta maneira a imagem que difundiram do continente africano foi a de um
continente
primitivo, mergulhado no atraso. Assim, os europeus retrataram a África desconsiderando as
suas diferenças culturais, materiais e espirituais. O que foi relatado pelos europeus era
baseado na sua visão eurocêntrica – a Europa era o centro do mundo – e etnocêntrica – os
brancos eram
considerados superiores.
Por isso, a História da África, não pode ser compreendida tomando-se como referência
a organização social, econômica, política e cultural dos povos europeus. Geralmente devido a
ocupação e colonização praticada pelos europeus após o século XV, fica no esquecimento que
existe uma África anterior, que se convencionou chamar de África tradicional, rica em
diversidade, independente e com suas particularidades sociais, econômicas e culturais. Assim,
a degeneração da imagem das sociedades africanas, de seus saberes, de seus produtos foi por
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muito tempo resultado desta visão eurocêntrica e etnocêntrica, que difundiu a ideia de que o
continente africano é quente e cheio de tribos perdidas.
É necessário, abandonar antes da chegada dos europeus pelo Atlântico, muitas das
sociedades africanas possuíam uma divisão de obrigações e de direitos, técnicas próprias
baseadas em sua economia, fosse ela de subsistência ou de comércio. Algumas das sociedades
tradicionais baseavam-se na agricultura, outras na caça e na pesca e em muitas delas essas
atividades aconteciam simultaneamente. Desta maneira não podemos dizer que existiam
sociedades ou grupos africanos que não tivessem uma organização, pois essas sociedades
eram organizadas em aldeias ou grandes e prósperos reinos.
Para se escrever a História do continente africano, ou ainda, para compreendermos as
culturas e as sociedades africanas é preciso antes de tudo romper com a imagem que existe até
hoje da África, como se até a sua “descoberta” pelos europeus houvesse ali um continente
perdido e sem civilização. Muitos dos aspectos culturais dos diferentes povos africanos foram
sofrendo modificações ao longo dos séculos. Mas existem certos traços que são comuns a
todas as culturas de modo que podemos falar em uma cultura africana, mesmo que os modos
de vida
possam ser diferentes de uma região ou de um povo para outro.

Bibliografia:

SILVA, Alberto da Costa e. A Enxada e a Lança – a África antes dos portugueses. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

SILVA, Alberto da Costa e. A África ensinada para meus filhos. Rio de Janeiro: Agir,
2008.

SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil Africano. São Paulo: Ática, 2007.
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ANEXO IV – Jogo Mancala

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