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Tese Sujeito Contemporaneo
Tese Sujeito Contemporaneo
Aprovada por:
_____________________________________
Profa. Tania Coelho dos Santos - Orientadora
Doutora
____________________________________
Profa. Ana Lydia Santiago
Doutora
____________________________________
Profa. Márcia Mello de Lima
Doutora
____________________________________
Profa. Ana Cristina Figueiredo
Doutora
____________________________________
Prof. Marcus André Vieira
Doutor
Rio de Janeiro
2005
9
Ficha Catalográfica
DEDICATÓRIA:
AGRADECIMENTOS:
RESUMO
que ao final de uma análise o sujeito se identifica a seu próprio gozo. O Seminário,
ABSTRACT
Our purpose is to work the clinic of the sinthome, an ulterior postulation of Jacques
sense, we have studied the symptom as Freud had formulated, emphasizing the
topics that were profitable to Lacan in his sinthome’s formulation. In the Lacanian
specific teaching, we point out two different symptom‘s precedent moments, which
are: the symptom as a message and the symptom as sense and enjoyment
understanding that, at the end of an analysis process, the subject identifies himself
to his own enjoyment. The Seminary 23 is studied through the selection of the
main modifications that were made in order to take the sinthome’s theory into
contemporaneous subjects.
14
Sumário
Introdução: 01
Conclusão 196
Referências 201
15
Introdução
começar tudo de novo. Esse foi o impacto que me causou a leitura de textos como
d' Antibes (DE GEORGES et al., 1999), L'Autre qui n'existe pas et ses comités
momento que não me deixou ver o quanto o Lacan clássico era importante, e
desenvolvimentos dos anos 70. No entanto, foi desse entusiasmo que surgiu a
Mental. Em todos esses âmbitos, vivia situações que não se enquadravam nas
para entender o que acontecia na minha clínica. Por isso, pedi ajuda à Profa Ana
num campo mais amplo. Minha esperança não foi em vão. A experiência no IPUB
foi um marco importante no meu percurso pelas questões que me abriu. Comecei
pela estranheza da Saúde Mental até chegar à estranheza de casos para os quais
a clínica atual, que antes era sentida apenas como um desconforto diante de
investimento.
orientação a qual sigo, também estava empreendendo uma série de estudos sobre
familiar. A moral vai perdendo força como o bem maior de um indivíduo. É nesse
moral.
simbólica que ela transferiu ao pai de família também decai. É do pai ―faça o que
eu digo, mas não faça o que eu faço‖ que Freud trata. Sua autoridade é
nomeava o desejo da mãe. A época de Lacan foi outra. No início, era um crente
exceção. Nesta posição ele era o transmissor dos ideais da época. O neurótico
freudiano era um sujeito moral e, por isso, mesmo culpado em relação aos ideais
freudiano era não conseguir renunciar a ele para alcançar o bem supremo da paz
individual como bem maior. Hoje, vivemos as conseqüências dessa ruptura. Se,
perderam valor.
funcionam mais no sistema ad hoc, onde, a cada situação e momento, surge uma
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regra. Se não há universal, não há uma exceção que venha confirmar a regra.
que, pelo seu modus operandi, cria produtos para gerar demandas, invertendo a
Vemos, assim, que o desejo não se situa mais como causa e o gozo passa
modificações promovidas por Lacan, a partir dos anos 70, nos orientam melhor no
reconhecer soluções particulares para questões que antes tinham soluções mais
mais do que nunca, essa máxima precisa ser observada, cabendo ao analista os
destacando o lugar dado por Freud à pulsão, que, a princípio, não foi muito
valorizado por Lacan. Faço isso através dos casos paradigmáticos das duas
sintoma e como ela foi entendida e tratada por Freud. Em seguida, apresento as
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sinthoma.
freudiana de que ela é ―a mais remota expressão de um laço emocional com outra
com um depoimento de passe, como uma análise pode se orientar pelo real.
Capítulo I
A carne do sintoma.
casos Dora e O homem dos ratos, a partir da orientação de Lacan, para enfatizar
sintoma.
histérico como modelo do sintoma neurótico. Esse foi o modelo usado para a
análise das histéricas nos Estudos sobre a histeria de 1895. O caso de Elizabeth
pensamento lhe advém: ―ele está livre para mim‖ (FREUD, 1895/1977). Pouco
depois adoece, passa a ter fortes dores na perna que fica paralisada. No decorrer
queria dar um mau passo. O que acontece aqui é uma substituição do recalcado
pelo sintoma, o que mais tarde Lacan identificará como sendo uma metáfora.
22
produto de uma idéia, desejo ou pensamento que havia sido recalcado. A incidência
do recalque num dado conteúdo tinha como efeito a formação de um sintoma. Este
efeito, então, mostra que o recalque deixa um resto que tenta se fazer expressar de
sintoma, porém ela não é o sintoma propriamente dito (BRODSKY, 1999, p. 23). O
realidade, desejos, e que estes sim sofriam recalque. Desejos que, por alguma
razão, não podiam se realizar e, por isso mesmo, eram recalcados. Essa não
realização era creditada à moral, fosse esta da própria pessoa em função de seus
a perceber que essa divisão entre ideais pessoais e sociais era sem sentido, pois os
ideais são todos pessoais com forte influência do social ou pelo menos apoiados
tinha conhecimento dele. Era um desejo não reconhecido como próprio, um desejo
inconsciente.
recalque. O recalque, porém, tem função de defesa e toda defesa é produzida pelo
eu. O eu se defende daquilo que ele supõe poder abalar a homeostase do aparelho
trabalho analítico visava fazer com que o sujeito reconhecesse esse desejo, para
Contudo, esse modelo não servia para a neurose obsessiva, uma vez que
como paradigma, e diz que o obsessivo lava as mãos para livrar-se da culpa pela
1
Cf. Freud, S. (1917/1977c) Conferência XXIV - O Estado neurótico comum e Freud, S. (1931) O mal-estar na
civilização.
24
toma o lugar da primeira, assim, o próprio lavar as mãos passa a ser fonte de
posso parar de fazer isso‘. O ‗não posso parar de fazer isso‘ é uma resposta ao
pensamento obsessivo. Há aqui uma força impelindo o sujeito a fazer algo que
Podemos então dizer que a pulsão sempre se satisfaz, mesmo que de forma
no recalcado:
histérica que se transforma em sintoma por não obter satisfação (Ibid., p. 139).
Aqui, o obsessivo obtém satisfação, portanto, não se trata de um desejo dado que
desejo é, por estrutura, insatisfeito. Então, o que é que faz o sintoma? Sendo essa
não é o desejo, mas sim a pulsão que se satisfaz no sintoma. O sintoma vem no
à pulsão, possibilitando que ela se infiltre no sintoma. A defesa, nesse caso, atua
sintoma – satisfação e defesa – é o ponto utilizado por Lacan para dizer que há
Desde 1905, Freud percebeu que havia uma articulação entre sintoma e
era motivada por dois tipos de ganho: um primário e outro secundário. O ganho
XXIV das Conferências Introdutórias, Freud situa o ganho secundário como não
sendo só prazer, diz que o ego ―pagou caro demais por um alívio do conflito‖
haveria um certo prazer no qual o sujeito ficaria fixado, fazendo com que o ego,
circuito, a pulsão está sempre buscando satisfação e sempre a alcança, o que não
Todo desejo é por definição insatisfeito, já a pulsão não, ela sempre obtém
desenvolvimento no qual a libido ficou fixada. Aqui, podemos observar que não se
trata de um ganho advindo do sintoma, secundário a ele, mas sim que a própria
Barcelona (1997) onde ele dirá que a Conferência XXIII complementa a dimensão
tece alguns comentários sobre o título em alemão da Conferência XXIII: Die Wege
Sobre Wege, diz que o que caminha é a libido, ela se caracteriza por
Para Freud, o sintoma não é o único caminho possível para a libido, ela também
e até mesmo se articulam. Para provar essa tese, Miller utiliza o texto de Lacan De
(p.70), ou seja, há um limite a partir do qual o caminho se inverte. Até este ponto,
o sentido, Sinn, e a obra de arte seguem o mesmo percurso, pois até então se
obra de arte há uma inversão de curso: o que se dirigia ao Outro, podemos pensar
assim, retorna ao sujeito mesmo. Para Miller isso denota que o criador toma para
si o querer dizer do sintoma, o considera como seu desejo decidido, sua própria
Sinthoma, no qual Lacan diz que Joyce se identifica com seu próprio sinthoma.
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Para Freud, a libido se desenvolve no tempo, ela pode andar para frente ou
para trás, mas ela também pode acontecer na forma de um circuito. Esta última
fazer veicular como mensagem. A idéia de circuito pulsional foi utilizada por Lacan
para explicar como a pulsão contorna o objeto 'a' criando uma zona de borda entre
são semblantes. De acordo com Freud, a libido sofre Versagung, ela daria o passo
inicial em busca de satisfação, mas teria seu caminho bloqueado por um veto. Por
estado anterior. Para prosseguir seu caminho em busca da satisfação ela sofre
uma série de transformações, só então poderá alcançar o que Freud chama uma
escape por alguma outra direção (Ibid., p.420). Ele usa a expressão: ―Não, pelo
contrário‖ para representar essa interceptação ( Ibid., p.421). Miller (1997), por sua
p.421). Segundo Miller (Ibid.), esse é o mesmo percurso descrito por Lacan no
grafo do desejo, no qual a demanda se articula com a pulsão, fazendo com que a
utilizado por Lacan, mas assinala que, nesse caso, está mais do lado do Sinn do
que da Bedeutung (Ibid., p.43). Faz essa observação para mostrar que o sintoma
tênue, diz que no ser humano existem ―tendências além do Princípio do Prazer‖
para pensar a relação entre prazer e desprazer. Nelas, ele observa que há um
pela pulsão.
paradoxal, característico de uma forma de satisfação pulsional, que está para além
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do prazer, do qual o sujeito não pode abrir mão tendendo a buscá-lo através da
independe do prazer, algo que pode inclusive situar-se como desprazer e até
mesmo atentar contra o sujeito. A dualidade pulsional, em Freud, nos serve para
aos atos falhos, é decifrável. Ele está inscrito na cadeia significante, permitindo que
a interpretação aja sobre ele. Por outro lado, o sintoma como satisfação pulsional
destaca na segunda concepção apresentada acima. Ela mostra que o que resiste
não é o inconsciente - este está sempre pronto ―a irromper através da pressão que
pesa sobre ele, a abrir seu caminho à consciência ou a uma descarga por meio de
da satisfação obtida por ele. Isso equivale a dizer que Freud reconhecia que, pela
palavra, não era possível dar conta inteiramente do sintoma, ou seja, havia algo da
satisfazer com aquilo que o faz sofrer. É o que demonstram a neurose traumática, a
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eliminamos também o que satisfaz ou, como diz Freud: ―as formas que os sintomas
assumem tornam-se muito valiosas para o ego porque obtêm para este, não certas
vantagens, mas uma satisfação narcísica sem a qual, de outra forma, poderia
sujeito passa a querer o que o fazia sofrer, o que lhe era insuportável. Por mais que
sintoma uma satisfação que é a mesma que deveriam obter com a relação sexual.
Mais ainda, ele diz que os neuróticos se satisfazem mais com seus sintomas do que
na relação com o outro sexo. Essa idéia é enfatizada por Miller no texto A teoria do
não o seu cônjuge, já que do sintoma o sujeito obtém gozo. Isso não ocorre na
relação conjugal onde, quanto ao gozo, cada um tem o seu sem compartilhá-lo.
Brodsky (1999) nota como os parceiros falam disso. Com freqüência eles se
queixam de terem sido preteridos em prol do sintoma, ou seja, o outro está mais
dos pensamentos. Esse padecer denuncia uma satisfação e faz com que o sujeito
se dedique a ele. O que o faz sofrer lhe propicia mais gozo (satisfação) do que o
parceiro sexual. Nessa perspectiva, é natural que Freud não seja muito otimista em
também o fato de haver algo no sintoma que não cessa de obter satisfação. No que
pode ceder ele cede, no que não pode o sujeito deve mudar sua posição em
Desse ponto de vista, o sintoma é sempre uma solução e, por isso, é tão
difícil fazer com que desapareça. Ele é uma solução para o desejo, para a pulsão e
para a relação sexual. O sintoma é resistente porque algo se resolve nele. Para
enigma sobre o desejo do Outro, como veremos mais adiante. De todo modo, para
Caso do Homem dos Ratos para examinar as duas concepções de sintoma que
aparecem em Freud.
Freud viu Dora (1905/1977a) pela primeira vez com dezesseis anos, ela
anos quando apresentava desânimo e uma alteração de caráter que, segundo ele,
tinham se tornado os principais traços de sua doença: a relação difícil com a mãe e
uma atitude hostil para com o pai. Dora procurava evitar os contactos sociais e,
mais sérios. A segunda busca por tratamento foi ocasionada por uma carta em que
Dora se despedia do mundo e por uma perda de consciência após discutir com o
pai.
um taedium vitae que provavelmente não era muito levado a sério.‖ (Ibid., p.
21)
É nesse período que Dora relata a cena do lago, quando o Sr. K lhe faz uma
proposta amorosa. Ofendida, Dora pede ao pai que corte relações com o casal K. O
pai se recusa e Dora passa a se contrapor a ele acusando-o de ter relações extra-
conjugais com a Sra. K, e de usá-la como moeda de troca com o Sr. K de modo
A partir das investigações de Freud, Dora relata uma outra cena, ocorrida
aos 14 anos, quando o Sr. K. lhe deu um beijo nos lábios. Freud pondera que tal
situação teria despertado, numa moça virgem, uma sensação de excitação sexual.
Freud pontua essa repugnância, e identifica ter havido nela: 1 - uma inversão
provocada pelo beijo. Esse processo de deslocamento deixou como seqüela uma
com mulheres como sintomas a serem analisados. Ele assim o faz por entender que
a inter-relação entre eles é que torna possível a formação dos sintomas, explicando
recalcada‖ (Ibid., p. 28). Nesse contexto, Freud usa a sua primeira concepção do
Devemos ressaltar que o que Freud recortou como sintomas não faziam
Podemos dizer que eles adquiriram uma significação especial a partir da incidência
os com os períodos de ausência do Sr. K., já que Dora admitiu a coincidência dos
ataques com os períodos de viagem do Sr. K.. Como os sintomas não cedessem,
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Freud percebeu que eles tinham uma ligação estreita com as acusações dirigidas
ao pai, que também não cediam. Essa observação, aliada ao fato de ele já haver
firmado sua convicção de que todo sintoma tem uma vertente que corresponde à
Freud construiu uma ligação entre a atividade sexual, tal como Dora pensava
ser praticada entre a Sra. K e seu pai - fellatio - , e os seus sintomas. Em ambos, a
mucosa oral era privilegiada como zona erógena, sendo que, em Dora, a mucosa
oral havia se fixado como uma zona primária de satisfação. A associação dessas
pensamento recalcado que tenta, assim, se expressar: ―os sintomas são dissolvidos
de ela ter sido, quando pequena, uma chupadora de dedo e apresenta uma cena
enquanto com a mão direita puxava o lóbulo da orelha do irmão, sentado quieto a
seu lado‖ (id.). A cena nos aponta para uma satisfação pulsional que estaria na
base dos sintomas de Dora: tosse, afonia, repugnância, dispnéia... A mucosa dos
lábios e da boca se constituiu na infância como uma zona erógena primária, dando
Dessa forma, a tosse de Dora pode ser entendida como uma demanda ao pai, isto
modo que Freud pôde estabelecer uma conexão entre a fantasia perversa da
chupadora de dedo e o tipo de relação que ela supunha existir entre seu papai e a
ocultava o seu oposto unvermögender. Dora atribuía o interesse da Sra. K por seu
pai em razão de ele ser um homem de posses – vermögender - , mas sabia que seu
pai não podia tirar proveito desse relacionamento por ser impotente - sem recursos,
unvermögender. Diante dessa interpretação, Dora admitiu saber que haviam outras
formas de obter satisfação sexual que não pelo coito. Freud não perdeu a
tosse cessara.
Ela foi eficaz quanto à remissão dos sintomas, conforme o relato do caso nos
primárias, que permitiu ao sintoma se instalar, não desapareceu junto com eles.
qualquer ocasião.
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como o modelo histérico do sintoma, assim como a base pulsional sob o qual ele se
ergue.
Para Lacan, o aparelho pulsional é um vai e vem, um abre e fecha que traça
no seu percurso uma volta em torno do objeto. Isso destaca o fato de não se tratar
sua vez, caracteriza-se por um vazio que é contornado. Lacan propõe escrever
esse lugar vazio como 'a', ou seja, como causa de desejo. Portanto, não se trata de
não há, de um objeto que é pura ausência. Lacan enfatiza que a satisfação da
pulsão não se dá no encontro com um objeto, mas no próprio vai e vem pulsional.
Nesse momento de seu ensino, esse vai e vem passa pelo campo do Outro de onde
paradigmas do gozo, nos explica que esse objeto é o objeto perdido, sempre
presente no ensino de Lacan, e é também um ―ser ambíguo‖ (id.), uma vez que ele
significante. Hoje, com base nessa observação, podemos entender como Freud, no
ponto de conexão do sintoma com o gozo. Mais ainda, que ele tenha, a partir disso,
ligado o gozo à satisfação própria da pulsão pela via de uma zona erógena.
corpo todo funciona como uma zona erógena e não somente partes dele. O que dá
como simbólico inclui o corpo naquilo que ele tem de estrutura de borda, ou seja, no
abre e fecha. Inconsciente e corpo são homólogos porque ―há uma comunidade de
1999, p.94). Por essa comunidade de estrutura, intuída por Freud, esclarecemos a
inclusive poder, a partir disso, dizer que Freud já considerava o sintoma como uma
queixava de sofrer de obsessões desde sua mais tenra idade, tendo elas se
Sua vida sexual havia começado aos quatro ou cinco anos de idade. Ele
relata uma cena em que se arrastara para debaixo da saia de uma governanta e
manipulara seus genitais. Isso lhe causou uma impressão muito forte, decorrendo
dela uma curiosidade ―ardente e atormentadora de ver o corpo feminino‖ (p. 165).
devesse fazer todo tipo de coisas para evitá-lo‖. (...) ―Por exemplo, que meu pai
medo obsessivo, ou seja, o desejo fazia par com um afeto aflitivo. Essa seqüência
se completava com medidas de proteção tomadas pelo sujeito contra esse desejo –
os atos obsessivos.
Freud o explica desta forma: ―Um instinto erótico e uma revolta contra ele; um
desejo que ainda não se tornou compulsivo e, lutando contra ele, um medo já
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seus óculos. Pediu que outros lhe fossem enviados pelo correio. No mesmo dia,
ouviu uma história escabrosa contada por um capitão tcheco afeito a crueldades. O
capitão disse ter lido sobre um tipo de castigo em que o criminoso era amarrado a
um vaso virado sobre suas nádegas, no vaso haviam muitos ratos que cavavam
O paciente conta essa história com muita dificuldade. Mas Freud observou
variada. Eu só podia interpretá-la como uma face de horror ao prazer todo seu do
sua mente, como um relâmpago: ―a idéia de que isso estava acontecendo a uma
pessoa que me era muito cara‖ (id.). A princípio, instigado por Freud, reconheceu
que essa pessoa seria a dama, mas logo adiante teve de admitir que pensara
também em seu pai já morto. Uma vez mais Freud aponta para o fato de que,
fazendo par com o desejo, vinha uma sanção - o medo -, como medida defensiva
contra o desejo.
Tenente A pelas despesas com o envio. No mesmo instante, ele pensou que não
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deveria fazer o reembolso senão a fantasia sobre os ratos poderia se realizar com
seu pai e com a dama. A fim de combater esse pensamento, surgiu-lhe uma ordem
(p.172). Não nos deteremos nos detalhes das tentativas sempre frustradas de fazer
pelo paciente para não cumprir o prometido. Ele estava em um dilema: tinha jurado
pagar, mas se pagasse seu pai e/ou a dama sofreriam o castigo dos ratos. O fato
de seu pai já está morto em nada contribuía para a tranqüilidade do paciente, pois
ele desenvolveu a idéia de que a punição poderia ocorrer mesmo no outro mundo.
Outro dado importante é que antes mesmo do capitão cruel lhe entregar os
óculos e dizer-lhe para fazer o pagamento ao Tenente A, ele havia encontrado com
nome. Esse oficial lhe disse que a jovem do correio tinha pago as despesas postais
por ele.
Freud conclui que o paciente fizera seu juramento em cima de uma premissa
que ele já sabia ser falsa. Seu juramento já foi feito para não ser cumprido. Assim, a
dívida se tornaria impagável, ou seja, por mais que ele fizesse para pagá-la ele
Freud considera como sintoma do Homem dos ratos uma dívida que ele não
ao mesmo tempo, é impedido por seus pensamentos. A própria situação foi armada
de modo a possibilitar que uma ação anulasse a outra, que nada se resolvesse, ou
melhor, que o próprio sintoma fosse uma solução: com ele, o Homem dos ratos
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paga e não paga a sua dívida, o que assinala uma característica do desejo
obsessivo - a impossibilidade.
Freud vai encontrar como base para esse sintoma uma fantasia: a fantasia
significante ratten/rate, o que se torna claro diante das recordações trazidas pelo
Homem dos ratos em relação a seu pai. Este havia contraído uma dívida de jogo
quando ainda era um jovem oficial. O paciente não sabe ao certo se o pai havia
pago essa dívida. Freud localiza uma conexão significante entre os ratos e a dívida
quer dizer jogo e ratte significa rato, ratão, havendo homofonia entre ratte e rate que
xinga ao modo das crianças: sua lâmpada, sua toalha. Esse ódio é recalcado e
(heiraten = casar) com uma certa dama e seu pai se opõe a isso.
O Homem dos ratos era profundamente ligado ao pai. Nutria por ele um
extremo amor e um imenso ódio recalcado. Essa ambivalência fazia com que seus
fantasia. Nesse aspecto, ele também funciona como uma solução ao conflito
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psíquico, porém, não pela via da realização do desejo e sim pela via da repetição da
satisfação experimentada. É bem verdade que essa satisfação aparece sob a forma
constituição da dívida como sintoma, já que o Homem dos ratos não se queixava
dela, mas sim dos medos. A segunda: a conexão entre o sintoma e a satisfação
pulsional através dos significantes spielratte, rate, ratte, heiraten, ligando o pai aos
ratos da prática cruel, que, por sua vez, se ligam ao pagamento dos óculos a ao
casamento. Nesse caso, a zona erógena privilegiada é a anal, por onde os ratos
objeto 'a' que vem no lugar do vazio contornado pela pulsão. Como objeto, os ratos
encarnam o objeto perdido; como significante, mostram sua ligação com o Outro.
Segundo Miller (1999), essa é a forma com que Lacan, no Seminário 11, chega a
significantizar o gozo sem com isso reduzi-lo ao simbólico (p.95). O objeto 'a' é
assim, que Freud pode ter identificado na história dos ratos o que Lacan chama de
alienação do sujeito sob a forma do objeto, ―uma face de horror ao prazer todo seu
sintoma se estrutura.
2 - O sintoma em Lacan:
ensino, submetido às leis da linguagem, ora pela via do imaginário, quando tendia a
tomar a fala como intersubjetiva, ora pela via do simbólico, quando mais fortemente
perspectiva da fala como intersubjetiva, Lacan entende que ―toda fala pede
resposta‖ (Id.), ou seja, está dentro de uma estrutura comunicacional, supõe uma
emissão e um retorno dessa emissão sob a forma de resposta. Mas não é na fala
propriamente dita que ele vai identificar a emergência do inconsciente, e sim naquilo
46
que não é falado, mas veiculado pela fala. Desse modo, a realidade, sob o ponto de
vista da verdade, está para além da fala, ela encerra um apelo à verdade.
inconsciente, sua emergência, sob a forma do equívoco, tem valor de verdade. Mas
o equívoco em si não diz nada se não houver alguém que possa interpretá-lo.
mensagem para aquele que puder lê-la. Lacan (Ibid.) parte do pressuposto de que
se o sintoma pode ser dissolvido através da fala, é porque sintoma e fala guardam
270). Dessa forma, ele vai entender que todo sintoma é constituído de um duplo
presente não menos simbólico‖ (p. 270), e que se acompanharmos o texto das
formas verbais, permitirá que o ―sintoma se resolva por inteiro numa análise
linguajeira, por ser ele mesmo estruturado como uma linguagem, por ser a
sintoma pode ser tratado por esse dispositivo, foi necessário ampliar a idéia de
47
uma exterioridade inclusiva, porquanto é a ele que toda fala se dirige, é a ele que
toda fala se endereça, é a ele que toda fala visa. Essa dimensão do Outro faz com
que o sujeito receba sua própria mensagem de forma invertida, o que cria uma
inconsciente se demonstra como uma verdade ―que não diz sua última palavra‖
que o inconsciente, como Outro da fala do sujeito, comparece naquilo que é dito
Para situar uma fala própria ao inconsciente foi necessária a distinção entre
da verdade no real‖ (Ibid., p. 253). Ao valorizar na análise a fala plena, Lacan quis
do imaginário sobre o simbólico. Não é que este último não entre em cena, mas o
faz secundariamente. É pela produção de sentido, para além do que é dito, que se
produzir nos ditos do sujeito. Este sentido esclarecerá o sintoma e situará o sujeito
O espaço analítico se constitui como uma outra cena onde se joga o jogo
intersubjetividade sai do encontro entre dois eus para ser o encontro entre dois
decide o sentido a ser dado à fala do paciente. Nessa outra cena, situa o analista
ordem simbólica. Essa concepção se manterá por um longo período, chamado por
ordem simbólica. Nele, Lacan apresenta o grafo do desejo onde articula a pulsão à
demanda, de modo que o gozo possa ser incluído na cadeia significante. Essa
operação faz com que a pulsão sofra os efeitos da linguagem e, portanto, entre
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demanda dirigida ao sujeito, e ―não há demanda que não passe de algum modo
o aliena, pois ―é como Outro que ele deseja‖ (Ibid., p.815). Assim, seu desejo
No texto A psicanálise e seu ensino (1957/1998a), Lacan diz que a fala não
por ele à letra, entendendo-a como pura forma. Toma, então, o significante como
letra: ―se o sintoma pode ser lido, é porque ele mesmo já está inscrito em um
significação, mas sim sua relação com uma estrutura significante que o determina‖
(Ibid., p. 445-446). O sintoma deixa de ser entendido apenas como mensagem para
apontar como a principal delas o fato de que o sintoma, assim entendido, não pode
Lacan visa apontar que há algo no sintoma que transcende a significação, algo
inerte, fixo e resistente à interpretação. São essas considerações que levarão Lacan
a entender que, se há sentido no sintoma, nele também há gozo. Miller justifica esta
Princípio do Prazer e, segundo Miller, pelo próprio Lacan, em seu texto A Instância
intimamente ligado: ―já se pode apreender uma função significante que ultrapassa
Para além desta significação, há uma vertente do sintoma que se liga ao significante
na sua forma de letra, significante enigmático que coordena o gozo do corpo com o
gozo.
bastando, por ora, ressaltar que é da concepção do sintoma como sentido mais
modalidade de gozo que lhe é própria‖ (COELHO DOS SANTOS, 2002, p.161).
53
Capítulo II
A identificação
nos servirá para distinguir o que ocorre na atualidade e as dificuldades que isso
nos cria.
condutor que o fará, ao longo de seu ensino e a cada vez, ressaltar um aspecto ou
outro.
segundo momento, teremos o grande Outro ocupando esse lugar. Quando define
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que o sujeito está em relação com o Outro, Lacan passa a investigar qual é a
modalidade de laço que os une. Primeiro, ele responderá com a teoria do sujeito
como efeito do significante do Outro. Mais tarde, ele entenderá que nessa relação
concepção.
orgânica, tenta estabelecer uma relação do seu organismo com sua realidade (p.
doravante, uma divisão, porquanto essa imagem na qual ele se precipita é uma
questão quando diz que essa forma primordial do sujeito, presente na matriz
Lacan fará intervir nessa identificação o Outro simbólico, poderemos entender que
que, neste momento, ao utilizar o termo imago, Lacan o faz em relação à matriz
que dará origem ao simbólico. O que o estádio do espelho vem inaugurar, a partir
abstrata pela concorrência de outrem‖ (p.101). Esta mediatização terá seu apogeu
semântica.
2- A identificação ao Outro:
o fez para tentar corrigir uma certa versão da psicanálise, chamada de relação de
56
objeto, que reduzia a análise à retificação do par imaginário (LACAN, 1956, p. 58).
Nesse esquema, ele traça dois vetores que se cruzam num determinado ponto.
eixo simbólico cuja função será a de furar o par imaginário. Ao fazer o simbólico
imaginários.
complexo esquema ótico no qual o sujeito, diante do espelho, terá sua imagem
representado no esquema pelo olho fora do quadro. Com isso, teremos uma
imagem de si que se conjuga com uma presunção do modo pelo qual se é olhado.
uma imagem ideal, para além de uma imagem puramente refletida. Desse modo, o
olho cria um espaço virtual onde o sujeito vai se localizar no olhar do Outro.
estar no Outro.
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O Outro interfere na imagem que o sujeito tem de si, que nunca será uma
imagem pura, pois terá sempre a intervenção de uma imagem presumida vir do
feito pela criança àquele que a segura, pedindo que confirme e testemunhe que
ela é de onde ele a olha. A relação imaginária com o outro e a aspiração de ser,
ideal de eu, que funcionará como um modelo, fazendo o sujeito existir no lugar do
Outro.
Outro pode ser vista também no grafo do desejo, onde as identificações do eu,
significante e não à pessoa. Vamos começar justamente por aí, entendendo o que
é o traço unário e como nele subjaz a concepção do sujeito como conjunto vazio.
58
assunto vão estar relacionados ao einziger zug freudiano. Ele entende que o traço,
denominado por Freud traço único, é um traço significante que tem a função de
baseia no conjunto vazio, o que nos obriga a entender que o Um do traço unário
não é o da unidade, pois ele tem por base o conjunto vazio - termo com o qual
vazio vai aparecer em todo o percurso do ensino de Lacan. Nos anos setenta ele
irá introduzir a série dos números inteiros, indicando ser o zero o iniciador da série
Pólo Sul relata suas desventuras ao desbravar o mar Antártico e diz que, diante
mais o menos um da falta. Nessa época, Lacan quer provar que nesta contagem –
que conta como mais um aquele que falta - há a ―aparição em estado desnudo do
sujeito que não é nada mais que isto, a possibilidade de um significante a mais
considerações podemos concluir que não importa o viés pelo qual Lacan abordou
a questão do Um, pois ele sempre a considerou como tendo por base uma
conta que um significante é definido como aquilo que marca uma diferença,
entenderemos porquê ele não promove a unidade. Neste momento de seu ensino,
Lacan usa o termo signo para falar de uma identidade que remete à semelhança e
usa o termo significante para falar de uma marca que presentifica uma diferença.
O significante não representa algo para alguém, não cria uma unidade entre algo e
por já ter se tornado clássica, pode embaçar a sutileza que ela comporta, ou seja,
significante. Uma vez reconhecidas as suas nuances, essa definição bastaria para
Vamos incluir uma breve discussão sobre o traço unário e o Um, para
variação que ultrapasse o próprio traço (id.). Ele é pura marca significante que não
Esta notação mínima é o Einziger zug. Assim, podemos dizer que a identificação
trata da relação desse traço com o ideal, mas ela não faz disso uma unidade.
mereceu, por parte de Miller, alguns capítulos de seu Seminário Los signos del
goce de 1986-87/1998. Neles, o autor nos leva aos neoplatônicos para esclarecer
Em primeiro lugar, Miller (Ibid.) aponta a diferença entre o traço unário, aqui
chamado de S1, e o binário S1-S2 (p.35). Com o binário se diz que o S1 só terá
sentido a partir do S2; quando, porém, o S1 está sozinho, isolado de S2, ele pode
momento está num passado apenas dedutível, pois sempre já se terá dito tudo. O
lugar ocupado por esse dito nos dará o seu valor de unário. Esse significante
representará o sujeito, mas não estará em conexão com S2, com um outro
Outro como ideal; ele é um significante que fica fora da série. É num segundo
61
atreverei a ir muito longe, mas acho importante entender a base dessa discussão
Parmênides de Platão não se trata de uma aporia simples, ela comporta nove
primeiras é que são essenciais, são elas: o ‗Um é um‘, o ‗Um é‘ e o ‗Um é e não é‘.
ao dizer que o ‗Um é um‘ estaríamos predicando o Um. Platão conclui que o Um
―não possui nenhum nome‖, ou seja, ele não se predica porque ele não é nem um
o ‗Um é‘ - já conota uma existência. Miller (Ibid.) assinala o fato de que para se
que a questão se ele é um seja formulada. Ele é o Um. Foi esta a forma
privilegiada por Lacan para falar do Um, derivada da segunda hipótese. Miller a
considera uma excelente fórmula para traduzir o ‗Um é‘, uma vez que nela não há
parte de: o ‗Um é‘, e se ele é, pode deixar de ser. Miller cria uma teologia para
62
não é.
primeira hipótese e foram hierarquizando os termos. Mas parece que Miller tenta
identificação.
conjuga com o ser e outra que o isola, ou seja, nos termos da alienação-
no Outro. Ao se afirmar como aquilo que o Outro quer, o sujeito se perde como
ser, isto é, conforme à metáfora utilizada por Lacan, ele fica com a bolsa e perde a
vida. Se ele não se deixa recobrir pelo significante do Outro, busca uma existência
sem predicados, ou seja, resta-lhe a vida sem a bolsa. Tomando esse viés,
como diferença e, exatamente por isso, pode se incluir no Outro. Antes, porém,
Lacan vai retomar o cogito de Descartes para dizer que no ―eu sou‖ o Outro
com o Outro (aula de 22/11/61). Ele citará sua cadela Justine para mostrar que
entre ela e ele há uma relação, mas que esta não supõe o Outro. Justine, segundo
Lacan, fala, mas não tem acesso à linguagem porque, para ela, não há senão o
Outro. Isso significa que, ao falarmos, esperamos uma resposta. É o que ele
significante.
sendo o delta que dá início ao grafo do desejo de Lacan, diz que ele é uma
emissão significante em estado bruto só podendo ser concebida como uma ficção
dirigido ao Outro e que recebeu deste uma resposta, ainda que esta resposta seja
representa o sujeito. Essa ligação pode ser representada pelo algoritmo S1-S2,
desde que se entenda que o índice 1 de S1 não significa que ele antecede S2. Na
ressonância. Essa origem comum permitirá a Lacan afirmar, anos à frente, que no
Pautado nesse raciocínio, Lacan dirá que ―o Um como tal é o Outro‖ (aula
se dar uma certa consistência. O significante lhe serve como garantia de sua
modo, o traço unário coincide com o ideal do eu. Aqui, porém, não devemos
anteriormente.
S1, a fim de mostrar como essa relação é lógica, pois de uma se deduz a outra.
aparecem no sujeito. Com isso ele avança sobre um ponto importante que nos
ajudará a entender do que se trata no traço unário. Ele diz que essa dependência
do sujeito em relação ao Outro não apaga o que a clínica só faz ressaltar: o sujeito
manipula o Outro, pois é ele que constitui um pequeno outro como grande Outro.
O sujeito cria o espaço do Outro no qual ele mesmo está incluído (p.115).
capítulo IV, em que o sujeito fixado a uma frase do Outro paterno pauta suas
vamos observar que o laço com o Outro não tem poder de fixá-lo em uma
esse motivo, a construção em que o sujeito faz do outro um Outro merece nossa
684). Seria um erro, ressalta ele, acreditarmos que o Outro não está presente na
ao Outro.
porém, não se substancializa nesse ideal, assim como não o faz na imagem. O
ideal funciona como uma abstração tomada como real, uma hipóstase do sujeito.
Desse modo, o ideal como significante está no Outro. Miller (1986) nos esclarece
que Lacan se reporta ao ideal do eu ora como significante, ora como efeito. O
com ele, o próprio sujeito. Dessa forma, podemos pensar a constituição do sujeito
a partir de um Outro que não localiza um ideal, portanto, que não responde com
hoje, dado que o Outro da cultura contemporânea não mais veicula ideais. A
não há um S1 balizador que fixe o sujeito em uma identificação pela via do pai.
representação significante, mas essa conjunção não supõe uma confusão. É como
diferença - pois é isto que um significante marca - que o sujeito se inclui no campo
do Outro. Esse fato é muito bem exemplificado pela frase ―queria ser um alho-poró
para ser colocado em fila como as cebolas‖, recolhida por Miller de um caso
toxicomanias.
Segundo Miller (Ibid.), essa frase resume todos os desejos, ela expressa o
desejo dos desejos (p.17). Primeiro, expressa o desejo de ser um alho-poró, o que
68
já denota que não se é um alho-poró. Depois ela mostra que é como alho-poró
que se quer fazer fila, tal como as cebolas se põem em fila numa réstia. O
problema é que o alho-poró é um tipo de salsa, portanto, não tem as raízes que
atributo, ele quer ser colocado em fila. Isto mostra o paradoxo do sujeito que se
desafortunada‘, pensa ser o que não é, não se percebe incluído no Outro porque
faz dessa distinção radical o seu bem maior. O que é afirmado sobre o Um é: ‗há o
Um‘, e este se situa na interseção do Um com o ser. Miller (Ibid.) diz que esse
que o Um é um, ou seja, que há um significante que nos recobre por inteiro como
o sujeito extrai seu ser da linguagem, mas, como no Outro sempre falta o
significante que seja próprio ao sujeito, podemos então perceber que o sujeito ex-
com o Outro, que é negada por uma miragem de distinção, colocando-o sob o
comando do Outro tanto mais quanto ele o negue. Nas novas subjetividades essa
significante que dê conta dele inteiramente. Porém, subsistirá sempre uma sombra
para outro significante, o sujeito desaparece sob esse outro significa nte, e precisa
um eterno vir a ser, razão pela qual tem sempre de retomar o caminho.
(p.115). Se esse operador é sempre o Outro, podemos definir a paixão pela falta-
a-ser como um efeito dela sobre o sujeito. Não nos estenderemos agora sobre
Para resumir o que foi dito até aqui, vamos situar a identificação ao traço
e, assim, buscar nele a sua significação. Por essa via, o sujeito é lançado em
sujeito é correlata da constituição do Outro, não nos é então difícil deduzir que o
deslocalização desse Outro, ou melhor, uma enunciação que não nomeia aquele
que bate. Por outro lado, aquele que apanha também não é localizado: pode ser o
sendo o próprio sujeito. Destacamos esse fato para demonstrar que nada nos
nos serve para nos fazer perceber que a fantasia produz um gozo só suportável se
atribuído ao Outro. Senão vejamos: quem constitui o Outro? Quem goza da cena?
que a fantasia concorre para a identificação ao ideal do eu, pois a significação que
fantasia paralisa o sujeito no sem sentido denotado por ela: ―Bate-se‖. Segundo
mas sim em recusar-se a deslizar na via do sentido. Segundo esse autor, a frase
pergunta Che vuoi?, que aparece no patamar de cima do grafo do desejo (aula de
imagem do eu, o eu ideal, que vem a resposta ao Che vuoi?. Por essa razão, ele
situa a fantasia como tendo valor imaginário, ou seja, o sujeito tenta responder ao
desejo do Outro com o i(a). Na fantasia, o lugar que seria do sujeito é ocupado por
72
p.349 e 350).
Esse momento pode ser localizado tanto no texto Posição do Inconsciente como
de 1964.
Para entender melhor como a união opera, precisamos saber o que é união
na lógica matemática, da qual Lacan extrai esse termo promovendo-lhe uma certa
modificação.
a,b,c, o segundo é composto dos elementos b,c,d. Se fizermos operar sobre eles
comuns são recobertos contando-se apenas uma vez, já que eles estão no campo
próprio da união. Assim, com relação à adição, a união parece uma subtração.
73
Hegel, a fim de mostrar que, em relação ao sujeito, o fato de haver uma exclusão
sujeito é definido pela união do conjunto ser com o conjunto sentido. Essa união
implica um campo no qual, se optarmos pelo lado do ser, o sujeito perde o sentido
e, sem sentido, ele nos escapa. Por outro lado, se escolhermos o sentido, o sujeito
sujeito.
Nesse esquema, o binário S1-S2 é usado para definir o Outro, querendo dizer com
entre o sujeito e o Outro se localiza 'a'. Esse esquema nos mostra que o sujeito é
identificação do sujeito ao gozo do Outro faz com que nesse gozo esteja implicado
algo que rateia, que não é todo. Assim, a separação é a interseção de duas faltas.
74
traço unário. Assim, define a insígnia como sendo não apenas o S1, o traço
unário, porém o traço unário mais 'a'. Desse modo, o que faz insígnia resulta da
Dentro dele, desenhou outro triângulo, desta vez de ponta-cabeça, onde localizou
relaciona. Ele define o sujeito barrado ( s ) como aquele com quem nos
vazio, ou seja, sob o domínio do significante. Para que se possa dizer que o
por Lacan, ao final do Seminário 11, como aquela em que o sujeito se vê como
76
gostaria de ser visto pelo Outro. Miller se reporta ao último capítulo desse
referência formando assim seu eu ideal, ―ponto em que ele deseja comprazer-se
ideal e fornece a imagem que o sujeito quer ter para o Outro, a partir do ponto
preenchimento.
forma, esse esvaziamento requer um preenchimento que não mais será feito por
um significante.
do outro, Miller (op.cit.) deduz que há uma relação do sujeito com o gozo pela via
da fantasia e outra pela via da pulsão. Tratar o sujeito do gozo só pela fantasia é
fantasia e a pulsão segundo a relação do sujeito com o gozo, assim como opor a
dizer que o Outro é corpo. Para tanto, recorremos ao texto de Miller Biologia
esse Outro não existe, porém tem um corpo. Para dizer isso, Lacan parte da
fantasia Uma criança é espancada (FREUD, 1919/1976) e diz que nela aquele que
espanca não é nomeado. Essa observação o leva a afirmar que o que não é
forma que o sujeito recebe do Outro sua mensagem de forma invertida, Lacan vai
dizer que na fantasia o sujeito recebe ―seu próprio gozo sob a forma do gozo do
Outro‖ (LACAN, op.cit., p.62). Esse ―corpo pode ser sem rosto‖ (Id.), o que o torna
apreensível somente como corpo. O Outro, mesmo não existindo, tem um corpo.
afirmar que ―a única chance da existência de Deus é que Ele goze, que ele seja o
gozo‖ (Id.).
Outro o seu corpo pois, se ele goza, é porque tem corpo, mesmo que não exista.
Trata-se, então, do Outro que habita a fantasia e que, através dela, goza do
sujeito, do mesmo modo como para Schreber Deus era um corpo que gozava
servem de chave para entender a escrita ( s ). Visto assim, podemos entender que
79
há um único termo para designar o sujeito ( s ), existindo, porém, dois termos para
designar o que o complementa: S1 e 'a'. Ainda segundo Miller, Lacan, nos anos
70, chegou a um modo de grafar o sujeito no qual estão indicados os dois valores
que o designam, a saber, mediante a letra sigma (∑). A tese de Miller é que
Lacan foi conduzido, ao final de seu ensino, a introduzir uma nova maneira de
significante e o gozo. Embora ele aqui não o enuncie, podemos dizer que se trata
valores para o sujeito (S1 e 'a'), tanto no ensino de Lacan como na própria
'a'.
representação.
uma vez que nela ele se situa com seu valor de gozo, como 'a'. Este valor provém
80
Outro, e nesse lugar que falta no Outro o sujeito irá se alojar como 'a'. Desse
que isso não tenha sido dito por Lacan, seus desenhos indicam essa distinção
analista. Por sua vez, o lugar ocupado por 'a' no discurso do mestre é ocupado por
observamos que 'a' está na posição da produção de gozo, na qual, por mais que
vir nesse lugar será o significante (S1) com o qual o sujeito goza do sentido.
(1921/1976), cujo título é Estar amando e hipnose. Nele, Freud investigará o tipo
paralelo entre essa ligação e a ligação amorosa. Destacaremos o ponto que nos
como nosso próprio ego, para o qual converge uma quantidade considerável de
libido narcísica, servindo como sucedâneo para um ideal não atingido por nós
passo que no segundo foi hipercatexizado. Freud diz ser possível comparar o
apaixonamento à hipnose porque há, em ambos, uma sujeição humilde (p. 144), o
Freud chega ao grupo isolando a ligação com o líder: ―Um grupo primário desse
82
outros em seu ego‖ (p.147). É neste momento final do texto que Freud apresenta o
esquema: três linhas retas e paralelas que saem do ideal do eu, passam pelo eu e
chegam ao objeto do eu. Uma linha em arco marca o vetor que retorna do objeto
ao ideal do eu. Num ponto virtual está apontado um objeto externo para onde as
Faz uma série de considerações sobre a identificação ao ideal do eu, tal como
acima descrito dizendo que nele se destaca o objeto, o eu e o ideal. Diz também
que o objeto é o seu objeto 'a', e que as linhas curvas fazem a conjunção de 'a'
com o ideal. O objeto externo é o denominador comum que ocupa em cada sujeito
por sua vez, está situada em um universal. Para Lacan, a conjunção de 'a' com o
chama ideal do eu‖ (Ibid. p.257). Entende que, para Freud, o nó da hipnose é o
olhar do hipnotizador e considera que definir a hipnose ―pela confusão, num ponto,
mais segura que já foi avançada‖ (p.258). Argumenta, porém, que se a psicanálise
dará uma indicação clínica importante, ao dizer como o analista deve operar para
separar I de 'a':
momento em que se destacar o objeto 'a' do ideal. Essa citação implica uma
passo que o segundo leva à pulsão. Essa diferença também constitui uma
analista poderia ser situado no campo da pulsão. Este último aspecto será objeto
de uma longa discussão no capítulo V, quando será abordada a prática clí nica
analista.
compreender a lógica que permite superpor essa ligação, ou seja, como o objeto
'a' pode ocupar o lugar de uma referência significante essencial, que é I, ficando
84
grafo do desejo. Segundo ele, o grafo nos mostra que se sabe da transferência
compromete com o Outro pela via da palavra, pela demanda, e a saída, então, é a
possível é o discurso do mestre, que entra na alienação e que Lacan articulou nos
demanda passa por A e vai, pela transferência, até a identificação I(A), separando-
(vide acima). Pulsão e fantasia têm relações específicas com o gozo. Se o sujeito
ao seu objeto 'a'. Como vimos anteriormente, a separação situa o sujeito com
valor de 'a', ou seja, o sujeito está identificado ao objeto de gozo e, como tal, ele
se constitui como ser de gozo. Para que o plano da identificação seja superado, o
sujeito necessita separar-se do objeto de gozo. A fantasia revela que entre sujeito
e gozo há uma relação imaginária unindo-os pela identificação ao objeto. Por isso,
A identificação pelo Ideal do eu I(A) mostra que a pulsão está mascarada pela
fantasia.
a fantasia trata o gozo sob o prisma do imaginário, a pulsão, por sua vez, lida com
o que do gozo é real, o objeto 'a'. Se a fantasia serve para mascarar a pulsão, ao
diz que, no fundo, o objeto 'a' fica mais evidente quando se trata da pulsão,
mesmo que isso não esteja escrito no grafo. O autor, então, propõe que se
grafo. Segundo Miller, Lacan grafou a fantasia com caracteres em itálico, a fim de
assinalar que ela é imaginária, mas, quando a grafamos do lado direito, devemos
fazê-lo com letras redondas para mostrar que se trata da pulsão, portanto, do real.
relação do sujeito com o objeto, onde o vetor vai de 'a' a s (a → s ). Desse modo,
sujeito que, na sua indeterminação primordial, sem dispor de nada que diga o que
sujeito, constituindo o seu ideal do eu. O significante primordial do sujeito, seu S1,
traço unário. Segundo Miller, isso ressalta o fato de que, para Lacan, a estrutura
básica da transferência não implica o objeto 'a', mas apenas o traço unário
significante, ou seja, do sujeito suposto saber. Podemos dizer, então, que o objeto
haverá uma troca da significação pelo objeto 'a'. Assim, Miller afirmará que na
teoria do sujeito suposto saber está implícita a conjunção S1-a, uma vez que o
efeito de significação pode ser trocado por um produto real. Podemos dizer que o
qual, evidentemente, tem uma ligação com aquilo que ele supõe ser o gozo do
Outro, mas que, todavia, dele estará destacado. No caminho para a pulsão haverá
desejo do analista.
que em um texto posterior será abolida, quando o autor dirá explicitamente que o
aquele que define o inconsciente como linguagem. Miller (Ibid., p.249) enfatiza que
sintoma também o é, portanto, é passível de ser interpretado, uma vez que ele
dizer que o sintoma é sustentado pela linguagem: ao dizer que é uma estrutura
idêntica à da linguagem, podemos incluir o corpo como elemento que tem função
Miller (Id.) diz que essa significação não basta para produzir um sintoma,
nem mesmo aqueles que estão na série das formações do inconsciente. A esse
symptôme, de 1986. Nele, o autor usa o exemplo de uma ação que se quer
Ele o explica da seguinte maneira: quando se tem uma queixa e se quer levá-la à
justiça, devemos adequar nossa queixa aos termos do Outro, ou seja, devemos
que, então, será emitida do lugar do Outro e dentro da linguagem própria a esse
Outro. Assim, passamos a existir de uma maneira nova no campo do Outro, pois
que falará por nós nas formas previstas. Transformar a queixa em mensagem, na
campo, há o que se pode dizer e o que não se pode dizer, ou seja, há uma lógica
Esse é o apólogo usado por Miller visando explicar como uma necessidade
vira demanda. Embora não seja o objetivo deste nosso trabalho, vale a pena
seguir mais algumas linhas desse texto para entendermos também como uma
porque ela pode se configurar como demanda de amor, como mal entendido,
Somente depois das elaborações sobre o passe é que Lacan poderá definir
o sintoma a partir do gozo, dizendo que ele é uma verdade que resiste ao saber,
que, por sua vez, mantém o sujeito satisfeito pela via do gozo. Só então a
91
distinção entre sintoma e fantasia pode ser superada e questionada. É o que faz
fantasias. No Seminário 19, ...ou pior, Lacan fala da inexistência da verdade como
visava uma definição do sintoma que englobasse tanto a verdade quanto o gozo,
não cessa de se escrever. Miller (Ibid., p. 252) deduz que, para fazê-lo, Lacan
precisou deixar de definir o sintoma somente como efeito de verdade, pois como
Em RSI Lacan define o sintoma como o modo com que cada um goza do
muda por completo a perspectiva até então traçada para o sintoma. ‗Enquanto o
pensar ao mesmo tempo o significante e o gozo. Foi por conceber o sintoma como
'a' e como I, como função de gozo e função significante, que usou a letra sigma
como símbolo desta conjunção S1-a. O sinthoma é o termo mais adequado para
entender o título dado por Lacan: Joyce o sinthoma. Segundo Miller (Ibid.), as
considerações que levam Lacan a designar o nome próprio de James Joyce como
Joyce o sinthoma continuam ―bastante obscuras‖ (p. 254). Com isso, assinala
Miller, Lacan dizia que o que faz insígnia para um sujeito é seu próprio sintoma, o
Capítulo III
Gozo
Neste capítulo, tomaremos como eixo o estudo feito por Miller (1999) sobre
parecer que estamos excluindo o primeiro paradigma proposto por Miller, o que,
em parte, estará correto, uma vez que não o consideramos tão representativo do
mortificação do gozo.
podemos deixar de apontar que na divisão proposta por Miller observamos uma
significante.
94
1 - A mortificação do gozo:
não só porque foi o mais duradouro, como também porque seus desenvolvimentos
É preciso entender que Lacan não partiu daí, ele começou fazendo uma
termos que antes eram tratados pelo imaginário. De acordo com Miller (op.cit.), no
imaginário, mas que ficaram velados pela importância dada por Lacan à função da
palavra permitia acesso a ele por serem ambos feitos da mesma matéria – a
linguagem. Assim, a história do sujeito era tomada para produzir, com esses
em suas formulações.
na produção de sentido, pois é ele quem interpreta. A fim de dar conta dessa
sujeito.
central desse período. Esse predomínio fez com que o simbólico fosse
completo a cena teórica do ensino de Lacan. Tudo era simbólico, tudo era
significante.
imagem no espelho, agora partem do sujeito simbólico que se constitui entre dois
96
linguagem. Não podemos deixar de perceber que, desse modo, se promove uma
certa degradação da pulsão freudiana, que não se encerra na palavra. Mais tarde,
qual poderemos perceber algo que se escreve, mas não necessariamente se fala.
A afirmação de Lacan: ―não há demanda que não passe de algum modo pelos
até o Seminário 11, aonde Lacan vai considerá-la um dos conceitos fundamentais
97
todavia, considera que essa operação não ocorre na sua totalidade, ela deixa uma
significado, porém, que ultrapassa o significante, uma vez que o desejo vem no
lugar do absoluto da demanda de amor (Id.). Segundo Miller (2005b, p.51), o que
desejo, como significado recalcado, fica fora da cadeia significante só podendo ser
famosa frase de Lacan: ―o desejo deve ser tomado ao pé da letra‖, em seu texto A
ser tomado nas entrelinhas, por alusão, sem tradução, como desejo mesmo, não
como demanda.
inconsciente faz dele uma metonímia, o que situa sua realização sempre num
porvir, sempre num tempo futuro. Portanto, nele não há satisfação a não ser por
seja, o gozo é mortificado pelo significante porque o desejo volta sempre para
poderíamos pensar que não há satisfação, não há gozo, ou, como propõe Miller
comporta tudo o que é da vida, mas se encerra numa imagem, é um gozo gerador
gozo a não ser pela transgressão. É o que Miller (1999) nos mostra no terceiro
desejo, Lacan poderia ter abolido o termo pulsão, mas ele não o fez porque havia
momento que Lacan escreveu a pulsão freudiana como s ◊D. Temos então a
serve para dizer que há um empuxo da pulsão à linguagem que não se concretiza,
1958/1998b, p.697). No Seminário 11, de 1964, Lacan nomeou esse resto como
A fantasia, antes situada no eixo a-a', passa a ser assimilável a uma cadeia
foi relido por Lacan nos termos do estádio do espelho, o que restringe a libido ao
eu e aos seus objetos. Este é um dos problemas de Lacan: entender a libido como
imaginária foi seu ponto de partida e teve como conseqüência entender o gozo
(p.89), a fim de que este ascenda a uma escolha de objeto sexual. O caminho não
sobre o eu. O eu não existe desde o começo, ele precisa ser desenvolvido. Assim,
corpo, fragmentado em diversos órgãos, não constituindo uma unidade. Esta não
unidade é o corpo antes de sua unificação pelo eu. Sobre essa pulsão incidirá
corpo se dirija aos objetos, promovendo assim a diferenciação eu – não eu. Nessa
que uma nova ação é impetrada e, com ela, o eu é engendrado. Segundo Freud
narcísisca. A primeira estaria mais dentro das características masculinas por ser
uma escolha propriamente de objeto. Nesse caso, o objeto é escolhido por ser
aquele que cuida tal como um dia o sujeito fora cuidado pela mãe. Já o tipo
narcísico é mais característico do feminino, dado que as mulheres não teriam, por
modo, esse tipo de escolha se caracteriza por amar aquele que a ama. Os
ainda estariam ligadas ele. Mesmo declarando que o narcisismo se esclarece pela
vida erótica, podemos perceber que a distinção mais clara se dá quando Freud
algum fator externo veio perturbar esse arranjo, o que Lacan apontou como o
momento do desencadeamento.
quando Lacan diz que a intuição de Freud sobre a libido ser masculina se
passagem.
Nesse texto, Lacan diz que a relação do sujeito com o falo desconsidera a
para ambos os sexos. Ele começa por fazer a distinção entre significante e
condição diz respeito ao inconsciente como a Outra cena, tal como lido por Freud.
Outro. É porque o isso fala no Outro que o sujeito encontra ali seu lugar
acima.
102
quer sujeitos de uma necessidade, sob o ponto de vista masculino, quer objetos
significante que, como bom significante, marca a presença de uma falta. O falo
tem enunciado a não ser o que da necessidade pode ser veiculado pela demanda.
no Outro. Nesse capítulo, vimos igualmente que é pelo Outro que o sujeito tem
acesso ao seu desejo, o que é uma função do falo como significante – ―média e
razão extrema‖ do desejo (Ibid., p. 700). O fosso entre demanda e desejo faz com
(Id.). Na relação da criança com a mãe, o falo se situa neste ponto: o desejo da
mãe é o falo e a criança quer ser o falo para satisfazer a mãe. Mas, como esse
desejo não pode ser satisfeito, pouco importa se a criança quer ter ou não esse
falo, porquanto ela jamais poderá ser o que falta à mãe. Instaura-se, então, uma
que podem ser localizadas tanto no homem quanto na mulher. No seu efeito
do Outro, pela via da abdicação de seu próprio desejo, o que corresponde a ser
amada pelo que não tem. O que ela não tem é localizado no corpo do homem, a
quem não é demandado o pênis, mas sim o amor, o tal significante estranho do
desejo do qual padece a demanda de amor. Seria natural entender que ao ganhar
ocorre com a mulher. Para ela, a importância do falo está em lhe propiciar a
vida amorosa, restringindo-a à satisfação pela via do objeto fetiche, que, como tal,
pode estar presente tanto na santa quanto na puta. Lacan enfatiza esse quadro
empenho, pois em ambas se afirma que a libido está referida ao falo como
significante.
significante e gozo: se, por um lado, há conjunção, ou seja, o gozo pode ser
: ― o fato de o desejo não ser articulável não é razão para que ele não seja
situação de desejo, ele veicula um desejo que só pode ser reconhecido, jamais
satisfeito.
situa o gozo como real, o identifica à das Ding colocando-o fora do alcance do
mantém.
barreira ao gozo, o gozo real só pode ser alcançado pela via da transgressão. O
gozo como impossível inscreve a mãe ocupando o lugar de das Ding. Portanto, o
desejo pela mãe não pode ser satisfeito porque isso representaria o fim da
87). Lacan usa Kant e Sade para mostrar que qualquer lei tomada como universal
tem o mesmo valor: ―o mundo sadista é concebível (...) como uma das efetivações
possíveis do mundo governado por uma ética radical, pela ética kantiana‖ (Ibid., p.
101). Ao dizer que Kant tem a mesma opinião de Sade (Ibid., p. 102), Lacan
pretende nos mostrar que o extremo do prazer é a dor e que ele não é possível de
fantasia engana o sujeito quanto à das Ding (p. 126), isto é, o gozo produzido pela
como real está em oposição ao simbólico, uma vez que ―não há nada entre a
sob o qual o campo da Coisa (...) se apresenta para nós‖ (p. 149). Assim, a Coisa,
entendida como o gozo absoluto, não é acessível nem pelo imaginário, nem pelo
simbólico, muito pelo contrário, essas duas ordens lhe impõem barreiras visando
defesa contra o gozo. A defesa se distingue do recalque porque ela existe antes
defesa designa uma orientação primeira do ser, como uma mentira originária que
uma linguagem‘. A disjunção implica que o inconsciente não inclui o gozo, dado
que ele está fora da simbolização e, pelo mesmo argumento, poderíamos ser
Lacan irá responder a esse impasse ao criar o conceito de objeto 'a', e ao retomar
Outro. Foi o que ele fez no Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais
da psicanálise, de 1964.
sua invenção: o objeto 'a'. Para tanto, ele distinguiu o inconsciente freudiano do
apontar a nova conjunção entre o significante e o gozo e mostrar como elas ainda
regido por uma lei, a do significante, lei que determinaria o modo pelo qual se
(Ibid., p. 27), ou seja, o inconsciente é algo que fica à espera, não nascido (p. 28),
hiância. O inconsciente é determinado pelo real, que, por sua vez, não é
determinado (p. 27). Seu funcionamento se dá pelo tropeço (p.29). O que Freud
rupturas que aparecem na cadeia significante evidenciam não haver ali nada que
existisse antes, não há ser no inconsciente, ele é evasivo (p. 36). A clínica nos
107
produzir o sujeito, faz com que ele se ache e se perca a cada enunciação. Por
isso, Lacan vai dizer que o ―estatuto do inconsciente é ético, e não ôntico‖
(1964/1979, p.37). Não há nele nada que lhe seja anterior, nada que se constitua
como uma ontologia, e a cada aparição do sujeito uma nova lógica estará em jogo,
pulsional, pois, como nos diz Miller (1999), nesse Seminário ―há uma comunidade
fecha, nos moldes de uma zona erógena. É pelo fato de haver no aparelho do
corpo algo que se estrutura como a pulsão que esta terá seu papel no
Para que essa aliança se desse, foi necessário romper com o caráter
promover a sua fragmentação em objetos 'a'. O que encaminhou Lacan para esse
Ele parte da indagação sobre o que leva alguém a buscar análise se seu sintoma ―é
feito para lhe trazer certas satisfações‖ (LACAN, 1964/1979, p. 131). Justifica que a
demanda de análise já comporta uma dupla face na qual, através de uma mentira,
se instaura a dimensão da verdade, uma vez que ela mesma faz parte dessa
dimensão. Ele toma o exemplo do eu minto para mostrar que, a essa afirmativa, o
analista deve responder com: você diz a verdade. Não prosseguiremos nesse
108
comentário uma vez que ele nos basta para apontar a origem do questionamento
sobre a satisfação.
produzida pela contemplação de uma obra de arte. Ele observa que a arte tem um
poder calmante, apaziguador, que lhe é conferido não pelo que é retratado, mas
pela satisfação da voracidade do olho – ―há um apetite do olho naquele que olha‖
como centro o objeto 'a', aquilo que falta ao sujeito e que ele supõe encontrar no
Outro. A satisfação produzida pelo objeto 'a' é deduzida do circuito traçado pela
percurso, ele entenderá que a pulsão se satisfaz ao chegar ao seu Ziel, seu alvo (p.
157), o qual, todavia, não é o objeto. Como Freud ressalta, o objeto não tem
nenhuma importância, ele é indiferente. Portanto, a satisfação oral nada tem a ver
com o alimento e sim com a própria boca. A pulsão se satisfaz ao contornar o objeto
e voltar ao próprio corpo, ela se satisfaz com seu próprio percurso. Desse modo,
nos diz Lacan: ―o que é fundamental, no nível de cada pulsão, é o vaivém em que
ela se estrutura‖ (LACAN, Ibid., p. 168). Esse vaivém é designado por Freud no ver
e ser visto, porque ―parte alguma desse percurso pode ser separada de seu vaivém,
mostrando assim que a reversão do ver em ser visto reduplica o trajeto na direção
109
presença de um vazio projetado pelo circuito em arco da pulsão é o objeto 'a', lugar
poderia pensar, a origem da pulsão não é o objeto perdido, que criaria, com o vazio,
uma necessidade a ser satisfeita por um objeto - no caso da pulsão oral a satisfação
viria do alimento. A conceituação do objeto 'a' formula que ―nenhum alimento jamais
As pulsões são parciais, para cada uma há um modo de satisfação próprio, todas,
porém, têm no circuito em arco o seu modelo básico de satisfação. O que quer dizer
isso? Além de dizer que não há objeto que satisfaça a pulsão, o modelo em arco
freudiana de que a pulsão é uma konstante Kraft. Ao situar o objeto 'a' no centro
como um espaço a ser circundado, Lacan mostra que desse circuito não resulta um
sujeito. Assim, ele poderá dizer que a pulsão é acéfala, pois tudo se articula em
lacaniano.
explicam, cada uma a seu modo, a constituição do sujeito a partir da sua relação
com o Outro. Como esse item já foi tratado em detalhe no capítulo da identificação,
também de uma parte do próprio sujeito que foi perdida. A separação, por sua vez,
justamente na falta do Outro. Essa noção será muito importante mais adiante para
seu‘.
não como completo, como ocorre na alienação, mas como faltoso, pois se o Outro
quer alguma coisa de mim é porque a ele algo falta. A isso Lacan chamou de
que surgiu como inconsciente, mediante a falta que produz no Outro‖ (LACAN,
111
significante, pelos efeitos de sentido que possam ser produzidos, pois o que o
Assim, conforme Miller (1999) assinala no texto que nos serve de eixo,
crucial para o que se pretende nesta tese, pois somente quando entendermos que o
objetos 'a' visando recuperar o objeto perdido, fazendo com que o sujeito dividido,
Segundo Miller (1999), o objeto perdido está referido a uma falta natural.
Portanto, ele diz respeito ao corpo vivo mais do que ao sujeito dividido, conjunto
vazio (p.94). Como conjunto vazio, o sujeito está reduzido à falta de significante e,
para articulá-lo ao gozo, teríamos de pensar o sujeito como um corpo vivo vitimado
órgão‖ (p.177), quer tão somente reforçar a idéia de que ela está articulada à pulsão
como ser vivo, como ser sexuado que, como tal, tem na reprodução uma perda de
vida (p.186). No lugar da perda natural, perda de vida, Lacan introduzirá o objeto 'a'
já sofremos uma perda pelo fato de estarmos fadados à morte, diferentemente dos
protozoários que podem multiplicar-se sem que se dissipe seu material genético.
Assim, conforme propõe Lacan, podemos dizer que o objeto 'a' tem duas vertentes:
responde ao vazio de significação e ao recalque, podemos deduzir que ele deve ter
objeto também provém do Outro. Miller deduz, então, que o objeto 'a' faz uma
ambíguo, a saber, encarnar a Coisa e provir do Outro: ―é como se, pelo objeto 'a', o
objeto 'a'. Esse caráter ambíguo favorece que ele seja substância de gozo e
dele gozo e permite que ele se encarne na cadeia significante. Sem isso, a
em que Lacan vai postular uma relação primitiva entre significante e gozo ao
―A repetição tem uma certa relação com aquilo que, desse saber, é o limite
– e que se chama gozo‖ (LACAN, Ibid., p.13). Mediante essa frase Lacan introduz
satisfação. Aqui, o saber entraria fazendo barreira ao gozo uma vez que este é
pulsão de morte, mas, por outro lado, o gozo também barra o saber pois o saber
não avança sobre o campo do gozo. O que aparentemente poderia ser entendido
como uma oposição, foi entendido por Lacan como uma juntura (1969-70/1992, p.
16), uma relação primitiva que já estaria justificada pelo processo alienação-
No momento do Seminário 17, ele propõe uma nova maneira, uma releitura
gozo, o laço entre eles está desde sempre (Ibid., p.239). Ainda segundo Miller,
para fazer essa articulação foi necessário a Lacan pensar não só o sujeito, mas
outro significante. Com essa fórmula, Miller (1999) ressalta a inclusão da pulsão e
Assim, ele pode fazer com que S2 tenha o valor de S ( A ), impulsionando o sujeito
significante não ser completa, ela tende a se repetir (1998-99/2004, p. 247). Desse
sujeito. Somando-se a isso a novidade trazida por Lacan no Seminário 17, onde
ele diz que o significante é um aparelho de gozo (p.46), podemos concluir que a
repetição é gozo.
significante ―que faz surgir ali o sujeito do ser que ainda não possui a fala‖
significante do Outro. A separação, porém, difere da alienação, pois nela não está
em jogo o significante, ela opera sobre a falta que é perda de vida do corpo.
Podemos então dizer que o significante é a causa do sujeito, não há sujeito no real
a não ser representado por uma descontinuidade, por uma falta. Esta é a face
encadeada do objeto 'a', a face, por assim dizer, significante do objeto 'a'. Desse
modo, o sujeito se declina em duas formas da verdade (que nunca darão uma
descrição do real):
sujeito;
o sujeito como barrado do desejo, fazendo com que o desejo entre em uma
116
de um desejo morto.
gozo com o significante. Para tanto, usa o menos phi (-) como significação e o
grande phi () como significante. Mas, mesmo assim, restava algo da libido. As
considerações sobre o desejo não cobriam toda a libido freudiana, restava a parte
interdito, porém com a possibilidade de ser dito nas entrelinhas. O gozo ―se
significante porque sua origem é o traço unário. Se, ao entrar na cadeia, produz
autoriza Miller a dizer que o significante representa o gozo para outro significante.
significante é o gozo.
não por uma transgressão, porque esse ―pequeníssimo desvio‖ ocorre no sentido
do próprio gozo (Ibid., p.47). O que Lacan quer dizer com isso? Ele quer apontar
para o fato de que o gozo é entrópico, ou seja, ele tende à degradação. O sujeito
busca o gozo para poder desperdiçá-lo. Assim, o gozo é um excesso que precisa
ser gasto. Pelo fato de o gozo ser inicialmente apreendido como perda – objeto
mais-de-gozar, a saber: tentar recuperar o gozo, razão pela qual ele se repete
aquilo que era perda de vida em função da natureza sexuada virou perda de gozo,
que se produz na cadeia pouco tem a ver com a fala, ele tem a ver com a
estrutura, com aquilo que faz o aparelho da linguagem funcionar. Parece-nos que
Lacan ressalta que a verdade é inseparável dos efeitos da linguagem, ela é irmã
do gozo interdito, ela só pode ser meio-dita, ela é a irmã querida da impotência
Miller (1999) chama atenção para o fato de que ao instituir o sujeito como
um ser de gozo, Lacan irá reconsiderar o final de análise. Antes, o final de análise
valor, ele é repetição e repetição de gozo. A fantasia pode ser atravessada, o que
mostra o sintoma como uma constância de gozo que não se extingue, co m o qual
Para podermos entender este ‗saber fazer‘, que abordaremos mais adiante,
supõe haver mais objetos com os quais se possa gozar do que aqueles
aparece como um objeto de gozo, mas, nesse caso, se trata de um objeto inteiro,
um objeto em si. Já no Seminário 11, o objeto 'a' faz com que o gozo seja parcial,
uma vez que estes apontam mais decididamente para o caráter de desperdício do
esta tese pois, como veremos no capítulo V, o sujeito contemporâneo faz dos
comandar.
Os objetos da cultura se prestam muito bem a essa função que, mesmo sob
de que tamponarão a falta. Como a satisfação produzida por eles é fugaz, eles só
fazem promover mais e mais demanda, fazendo com que a repetição retome seu
76), dado que os produtos produzidos em abundância pela indústria forjam o mais-
de-gozar.
não é necessariamente uma parte do corpo, nem uma função deste. Miller (1999)
nos orienta no sentido de entender que é preciso fazer um corte entre a libido e a
natureza para podermos conceber objetos culturais que produzem gozo, que
apresenta sua face morta, ou seja, a relação primitiva do significante com o gozo
2- A vivificação do gozo:
realidade era abordada pelo sistema significante. Será essa a inversão? Não nos
significante é gozo.
Seminário 17, toma agora uma forma mais radical. O significante mortifica o corpo
significante como gozo, podemos perceber que essa nova articulação faz com que
esse corpo seja marcado pelo gozo produzindo um efeito que não é de
no campo da cultura. Essa idéia não é nada estranha, já que podemos comprovar
satisfação que não advém nem da simbolização, nem das partes do corpo pelas
reduzido pelo significante, mas sim de um gozo que vivifica, anima a vida, ainda
de maneira mais específica ao gozo, tomando-o como aquele que marca a virada
no seu ensino.
fazer pôr em função uma outra forma de substância, a substância gozante‖ (p.35).
Diz também que a experiência analítica recai justamente sobre o corpo, porquanto
é dele que se goza pela via do significante. Ao dizer que o corpo do qual se goza é
um corpo que é simbolizado pelo Outro, Lacan está querendo ressaltar que o
assim que, mais adiante, ele dirá que ―o significante se situa no nível da
tomando, porém, neste momento, um outro valor. Essa é a sua tese central.
tese da alíngua, podemos notar que a língua não é uma estrutura primária, mas
sim alíngua. Ele entende que a linguagem é feita de alíngua, sendo esta última
saber-fazer com alíngua. E o que se sabe fazer com alíngua ultrapassa muito o
alíngua serve para o diálogo e responde que ―nada é menos garantido do que
isto‖(Ibid., p.189).
última não serve para o diálogo, podemos então entender a definição proposta por
diálogo, não se presta à comunicação. Ela nem mesmo é uma estrutura, pois não
Alíngua é formada por uma espécie de depósito daquilo que fica à margem
do código e que é reutilizado pelo ser falante de forma original. De acordo com
essa formulação, alíngua visa o gozo e não o sentido, pois o que a move é a
pulsão. No início do ensino de Lacan, a pulsão estava inserida numa rede onde o
Outro. Isto pode ser verificado no grafo do desejo quando a pulsão, ao passar pelo
campo do Outro, toma dele um significante para dar nome ao objeto de satisfação.
Por outro lado, sob o ponto de vista de alíngua, a fala – denominada por Miller de
endereça ao Outro, não supõe sequer um Outro com quem tente dialogar.
123
"Apparola é um monólogo" (MILLER, 1998a, p.72), uma fala que visa um gozo
Seminário que Lacan propõe o axioma 'a relação sexual não existe', para apontar
feminino: "Não há relação sexual porque o gozo do Outro, tomado como corpo, é
obtido é o gozo fálico, o melhor de gozo que podemos alcançar. Pelo viés da
diferença dos modos de gozo, Lacan toma por base as fórmulas da sexuação em
que o sujeito masculino está inserido na lógica do todo, enquanto o feminino está
O capítulo VII, Letra de uma carta de Almor, se abre com um quadro onde
figura uma partição dos modos de gozo masculino e feminino. Esse quadro nos
mostra que todo ser falante está inscrito em um dos lados, e que a máxima
Lacan desta forma: ―Tais são as únicas definições possíveis da parte dita homem
linguagem‖ (p.107). Assim, do lado masculino, temos um sujeito que toma o pai
124
s ◊ a), fazendo com que o parceiro do sujeito masculino ocupe esse lugar. O gozo
masculino é regido pela lógica segundo a qual para todo homem há um objeto que
o complementa, o seu parceiro de gozo. Para Lacan, essa lógica faz com que o
homem só atinja ―seu parceiro sexual, que é o Outro, por intermédio disto, de ele
ser a causa de seu desejo‖ (p.108), tal como está representado no quadro pela
seta ligando o s ao 'a', do outro lado. No início do ensino de Lacan o Outro era o
parceiro privilegiado do sujeito. Nessa frase, todavia, ele diz que o parceiro do
sujeito não é o Outro, mas sim o que no Outro causa o desejo do sujeito, ou seja,
o Outro passa a ser meio de gozo e só toma o lugar de parceiro porque é gozo.
nessa redefinição o sujeito está além do sujeito barrado porque, agora, em sua
definição, está incluído o corpo (p.89). Se o corpo está incluído, o gozo também
está. O Outro não deixa de ser o lugar do significante, porém a ele se acrescenta
fetichista, dado que ele visa o outro sexo como objeto parcializando, assim, o
corpo feminino (p.109). Isto impõe ao homem que seu desejo só se satisfaça pela
via fantasística, uma vez que apenas através dela o traço do objeto se mantém,
mesmo que encarnado por suportes variáveis. O caráter pouco variável do objeto
fetiche caracteriza bem o modo de gozo masculino, chamado por Lacan de gozo
do órgão (1972-73/1985, p.15). O homem não goza com a mulher que tem, mas
sim com aquela – ou parte dela - que está na sua fantasia. Na fantasia, todo
homem é fiel, pois ele goza sempre com a mesma mulher, independentemente do
fantasia.
submetida à castração, ou seja, o modo de gozo feminino não toma o pai como
feminino. Ao ser regida pela lógica do não-todo fálica, a mulher não tem um
motivos de Lacan dizer que A Mulher não existe, grafando A Mulher para ressaltar
esse aspecto do feminino. Outro motivo dessa grafia é o fato de o gozo feminino,
126
por ser não-todo fálico, ter como direção o Outro, e não o objeto. É o que Lacan
é o parceiro da mulher. O Outro, este ―lugar onde vem se inscrever tudo que se
73/1985, p. 109). O S( A ) quer dizer justamente que o gozo feminino não tem
significante, ou seja, dele nada se pode dizer, razão pela qual a seta parte de A
quem a mulher faz parceria quanto ao gozo é a sua própria falta e, ao buscar do
lado masculino o seu complemento, este toma o valor de falo simbólico, o para
mulher se duplica, ou seja, por não ser toda fálica, ela se dirige ao S( A ), mas
―pode ter relação com ‖ (p.109). Por não poder ser todo significantizado, o gozo
(Ibid., p.112). Desta estrutura resulta uma exigência de ser amada, na tentativa de
fazer com que seu gozo se inscreva no Outro. Nessa exigência Lacan reconhece
amada, é o modo como a mulher tenta se fazer consistir no Outro, dado que nele
não existe‖. Como conseqüência, o gozo feminino é ilimitado pois, sendo demanda
de amor, nunca é suficiente, o que faz com que essa demanda retorne ao mesmo
desvastação.
127
quando essa demanda retorna, ela põe o sujeito feminino frente a frente com o
final da análise leva o sujeito a se identificar com seu gozo – tal como vimos no
qual se apoiava para fazer consistir A Mulher. Sem esse apoio só resta a
pois, ao dirigir ao ser do parceiro uma demanda que afirmaria a sua existência, ela
poderá reconhecer no feminino um gozo que está além do objeto. Esta nos parece
ser a base do raciocínio que o leva a entender o modo de gozo feminino como
73/1985, p.114), formulando então que ―o amor visa o ser, isto é aquilo que, na
128
nos esclarece Miller (1998b), ―para amar é preciso falar; o amor é inconcebível
como suplência à relação sexual que não existe. Disso decorre a exigência
feminina de que o parceiro lhe fale. De acordo com essa seqüência, para gozar, é
preciso amar, e o amor deve ser falado. Assim, a exigência feminina recai sobre a
fala de amor, não só a declaração de amor, pois a mulher prefere a fala, mesmo
que mal falada, ao silêncio. Desse modo, o não-todo se manifesta fazendo incidir
enfatiza ao dizer que a mulher acredita mais no juiz do que na lei (p.104). Esta é a
no falasser feminino, o S( A ).
que dá corporiedade ao corpo, isto é, que faz do corpo uma substância gozante. O
homem goza falicamente devido ao fato de ter um órgão no qual esse gozo pode
se encarnar imaginariamente, ao passo que a mulher, por não ter esse substrato
o que não cessa de não se escrever, como podemos pensar um final de análise
sem levar em conta esta impossibilidade? A tese aqui anunciada, mas que só irá
uma nova concepção do sintoma, desta vez, como solução para uma análise.
Capítulo IV
130
O osso do sinthoma
marca uma concepção de clínica que já vinha sendo anunciada desde 1969/70.
1.1 - A foraclusão:
131
seguida, relativizá-la, embora jamais a tenha negado. A foraclusão, por sua vez, é
Esta idéia nos impõe duas deduções: a primeira, relativa ao ‗de fato‘ e a segunda
clínica que não trabalha com a idéia de déficit. Isso equivale a dizer que se, na
todos. Há realmente uma foraclusão que está para todos, mas seria ela a do
Nome-do-pai?
essa pista. Ele se refere a uma falta primordial que não cessa de se escrever. Esta
falta é significada como uma falha, algo da própria estrutura do ser falante, o que a
132
Essa falha é real, ou seja, ela toca algo do real na medida em que é impossível de
simbólico, o que nos faz supor que tanto um quanto outro sejam interpretações.
Essa falha real não é uma interpretação, portanto, não pode ser qualificada nem
pode cessar de se escrever pela via do semblante, já a falha real é necessária. Ela
sinthoma, porém, parece-nos que em Joyce houve mais do que uma defesa à ex-
sistência do real.
qual não se pode ceder, aquilo que não cessa, que não pode ser tratado pela
linguagem porque é êxtimo à cadeia significante. Isto difere do que acontece com
Joyce. Nele, o que opera não é o sinthoma como recurso à falha real, mas sim um
Joyce não faz exatamente um sinthoma, ele usa sua arte como estratégia
para suprir a contenção fálica da qual é vítima. A arte teria suprido a função fálica
Uma das formas de nó utilizada por Lacan a fim de localizar o que acontece
torna-se um oito e amarra o nó, não permitindo que este se afrouxe. Para Lacan,
ocupassem por anos a fio, o que compensaria a falta da função paterna, isto é,
aquilo que situa o sujeito no mundo como fazendo parte de série geracional.
fato‖ do Nome-do-pai, foi seu nome que veio em lugar dessa foraclusão,
também chamado nó bo. Mais do que como significante mestre, seu nome
funcionou como um nome comum fazendo a sutura necessária para que o nó não
desatasse.
desejo do Outro, cifração, todavia, inanalisável, por mais que se dêem sentidos
para ele. Segundo Lacan, o que se operou em Joyce foi da ordem de uma
invenção: tomar o nome próprio como nome comum. O escritor irlandês fez de sua
obra o seu nome, o que equivale a tomar o nome próprio por um nome comum, o
nome de sua arte. Para exemplificar este tipo de uso, Lacan faz uma joycianada
(p.89).
de ‗não há‘, utilizadas por Lacan para falar do limite imposto ao ser falante a
134
sexual‘, a outra é ‗não há A Mulher‘. O ‗Não há‘ significa não haver um sentido
para isso no real – a relação sexual e A Mulher. No real não há sentido porque
não há lei.
pelo avesso para mostrar o modo peculiar de Joyce lidar com a não relação entre
os sexos e, em especial, com sua mulher, Nora. A imagem feita por Lacan é a de
uma luva da mão esquerda calçada pelo avesso na mão direita. Temos, assim,
uma total inversão, sem, contudo, impedir o encaixe: a luva fica pelo avesso, a
palma da luva fica no dorso da mão e o botão fica virado para dentro. Joyce e
Nora têm uma relação sexual, o que Lacan acha bastante estranho. Por isso,
compara Nora à luva pelo avesso que cabe muito bem em Joyce. O raciocínio de
Lacan é bastante sutil. Segundo ele, para Joyce, A Mulher existe e é Nora com
quem ele se enluva tal como a mão na luva invertida da metáfora, ou seja, Joyce
faz a relação sexual existir entre ele e Nora. Ela é a luva que lhe serve, lhe aperta,
o contém, mesmo que esse enluvamento tenha por base a repugnância, como
exemplo da maneira peculiar como esse escritor lidou com a foraclusão do sentido
pedaços de várias línguas utilizadas de modo a não fechar um sentido. Muito pelo
contrário, o sentido fica tão aberto que se torna incompreensível, resultando ser
leitor que não desiste, mesmo diante de tantos obstáculos, mantendo-se preso
135
como a um jogo de enigmas, achando que se ler de novo, uma vez mais e mais
outra, conseguirá apreender tudo. Este efeito de gozo sobre o leitor é o mesmo
leitor, efeito apaziguador no escritor. Seu modo de escrever desafia o limite entre
sentido e real, é uma escrita que não é para ser lida – expressão utilizada por
Lacan ao se referir a seus próprios escritos (1964/79, p.263) -, é uma escrita que
Wake, percebemos a voz imprimindo uma leitura diferente daquilo que está
operada pela escrita e como efeito de fonação. Conclui, então, ser esta última que
1. 2 - O nó:
concepção, o nó está mais afeito ao real porque não se presta ao sentido. Desse
nó Lacan tenta fazer uma transmissão e não um ensino, ao que ele vai completar
dita, meio-entendida, aquela que toca o real. Só há verdade como buraco, é como
buraco na linguagem que se captura o real. A verdade tanto quanto o real são
impossíveis.
constatamos que há desejo. É esta constatação que permite deduzir que o desejo
foi causado, portanto, que ele tem como ‗origem‘ um objeto, ou melhor, a
causa, ele encarna a impossibilidade quanto ao objeto. Ele permite conceber uma
relação entre um objeto suposto existir e um desejo suposto causado por esse
objeto, por um lado ele é abstrato, mas deve ser concebido como concreto, isto é,
a causa do desejo deve ser concebida como concreta, como tendo um objeto.
estão entrelaçados de tal forma que, quando um de seus aros se solta, os demais
se desprendem.
um quarto, o qual fará uma costura através dos buracos formados pelo encontro
teoria do sucessor para falar do nó borromeano: são três elos distintos que
também o pai, uma das versões do pai, e ―o Pai não é senão um sintoma, ou um
sinthoma, como queiram‖ (p. 19). Temos aqui duas vertentes do pai: como
quarto elemento que dá estabilidade ao nó de quatro. Esta função não precisa ser
exercida pelo pai do Édipo, ou seja, pelo significante extraído na metáfora paterna.
De acordo com Lacan, o nó borromeano não é a norma para a relação das três
neurose, talvez.
que, nele, os elos se entrelaçam por uma trajetória de tal forma que ao se cortar
um deles, os outros dois ficam soltos. Há, portanto, uma interdependência das três
três elos. Nele, os três elos – real, simbólico e imaginário – estão soltos. Eles são
138
personalidade e a paranóia, dizendo que elas não têm relação porque são a
mesma coisa, fazendo, assim, uma crítica à sua tese de doutorado. O nó de trevo
qualquer sujeito. Isso nos autorizaria a pensar que o enlaçamento pelo sinthoma
porém, dirá que nada indica que a personalidade seja paranóica, pois, na verdade,
três. Assim sendo, tal cadeia não constitui mais uma paranóia. Ora, como nó, o
trevo é uma linha contínua, mas, se tomarmos a trança subjetiva formada pela
cadeia de nós, constatamos haver nela um ponto limite: o sinthoma consiste nisso.
termos na forma do nó. Por serem análogos, não se pode supor que sejam
haver três suportes para o quarto de apoiar. Aqui, interessa-nos o fato de Lacan
dizer que os três são independentes e iguais, isto é, três são análogos e há um
quarto que difere. O sinthoma, então, não é da mesma ordem dos outros três,
razão pela qual Lacan faz um esquema onde inscreve todas as combinações entre
no simbólico e participam do real porquanto o real ex-siste aos outros dois. Nessa
1.3 - O real:
―Inventei o que se escreve como real‖ (p. 129). A escrita inventada por
o real. RSI são três elementos que fazem metáfora. A essa metáfora Lacan chama
de cifra, e diz que existe um certo número de modos de traçar as cifras, a mais
O que Lacan inventou não foi uma idéia, foi um modo de escrever o que
não pode ser absorvido pelo sentido. Ele o faz com o nó, escrevendo nele o real e
poder ser absorvido pelo sentido que o real tem valor traumático. O real é o
forçamento de uma nova escrita que não deixa florescer o sentido. Assim, o
forçamento da nova escrita do real faz metáfora, portanto, tem alcance simbólico.
As idéias florescidas dessa nova escrita não são do tipo das que florescem
imaginário.
conta de dizer o real. A reta infinita é a melhor ilustração do buraco porque ela vai,
buraco.
sintoma se enganchar na linguagem que ele subsiste e que podemos ter uma
ação sobre ele através da interpretação, isto é, jogando com o sentido. O real não
surge o sintoma.
ao fazermos uma costura entre imaginário e simbólico, fazemos uma outra entre o
sinthoma e o real parasita do gozo. Isto é o que caracteriza nossa operação‖ (p.
73). O sintoma seria um gozo que parasitaria o real. A direção do real é fazer uma
sintoma: isto seria o sinthoma. O j’ouïs sens – ouço sentido - é tornar esse gozo
encontrá-lo, devemos costurá-lo bem, ponta com ponta. Essa costura é feita
(p. 73).
sem, todavia, se reatar a nada. O real é concebido como pedaços que aparecem
O real está num campo distinto do sentido. O sentido está ali e o real lá, o
Mas, o verdadeiro buraco está entre simbólico e real, na interseção entre os dois
simbólico e onde se revela que não há Outro do Outro. No lugar do Outro do Outro
porque é sem lei; o verdadeiro real implica a ausência de lei, o real não tem
ordem. Da mesma forma, a consistência não é dada pelo ponto comum, o real não
do verdadeiro (p. 85), ou seja, ali onde há nó entre real e simbólico. O real é o
construção verbal.
A metáfora só indica a relação sexual que, mesmo não existindo, pode ser
indicada pela linguagem. O fato de a relação sexual poder dizer alguma coisa
sobre o sexo não quer dizer que diga a verdade – isto engana. A metáfora não faz
a relação sexual existir. ―Uma bexiga pode passar por uma lanterna sob a
condição de se pôr fogo no interior‖ (p. 121), expressão utilizada por Lacan para
exprimir uma confusão, um engano, mas, neste contexto, ele a usa para falar do
real. Diz ele: ―O fogo é o real. O real põe fogo em tudo. Mas é um fogo frio‖
(p.121). E prossegue: ―O fogo que queima é uma máscara do real. O real deve ser
procurado do outro lado, do lado do zero absoluto‖ (p. 121). Assim, segundo
143
Lacan, o que ilumina a bexiga é o real, mas o que aparece é uma máscara desse
real. É um engano tomar alguma coisa pelo real visto que, por definição, o real é
impossível. O real é uma orientação e, de acordo com Lacan, essa orientação não
louco. Ele parece exaltar de tal forma a peculiaridade de Joyce – no uso da língua,
delimitar o que é peculiar e o que é ruptura. Responder a essa questão não é fácil
e, por isso mesmo, Lacan não o faz. Não acredito que Lacan não tivesse uma
porém, que, neste momento de seu ensino, não importava tanto fazer um
conectado com o mundo. Importava saber que recursos Joyce utilizou para não
surtar. Aqui, não estou considerando Joyce como um caso de psicose não
respeitando o que Lacan fez, até para poder seguir seu raciocínio. Provavelmente,
Lacan não tinha o menor interesse em entrar num debate já em vigor sobre a
interessantes. Jung fez o dele ao afirmar que não haveria dificuldade em ―traçar
144
Esse veredicto foi dado em um artigo que o discípulo de Freud escrevera sobre
Ulisses, portanto, baseado numa psicobiografia que Lacan tanto condenava. Cito
Jung para ficar entre os próximos à psicanálise. Segundo Laia, outros autores, de
outros campos, também fizeram considerações dessa ordem. Esse era um terreno
Campo Freudiano que percorri. Assim, levantarei apenas os pontos nos quais
escritos de Joyce. Para tanto, evoca um artigo seu junto com dois outros
dizia que seus escritos lhe teriam sido inspirados ―no sentido forte do termo
todo delírio: a convicção absoluta do valor dos seus escritos, a perplexidade diante
uma missão a ser cumprida. É nesse contexto que Lacan pergunta: ―Joyce era
louco? Pelo quê seus escritos lhe foram inspirados?‖ (p. 78). E mais adiante: ―Ele
escreve isso. O que ele escreve é a conseqüência do que ele é‖ (p. 79). Nesse
redentor. Lacan diz que isso não está claro e dá como exemplo o Retrato do
artista quando jovem no qual, segundo Lacan, Joyce não era um redentor, mas
145
ele é um Deus, não um redentor, pois redentor é aquele que liberta, que redime, é
Jesus e não Deus, é o filho e não o pai. Com os nós, Lacan espera esclarecer até
averiguar a relação de Joyce com Nora. Diz que é uma relação sexual estranha,
pois essa relação sexual existe (p. 83). Usa, então, a metáfora da luva calçada
pelo avesso, em que Nora é a luva, conforme já citada no início deste capítulo.
na neurose, não há relação sexual, um sexo não serve ao outro como uma luva;
com Joyce, sua mulher – Nora especificamente – lhe cabe muito bem. Dirá então
que, para Joyce, não existem as mulheres, existe só uma, Nora. Ele se enluva
que, tal como definiu anteriormente, não serve para nada (depreciação), mas o
aperta, o suporta, lhe dá consistência. ―Entre Jim (numa referência a Jeems Joke,
modo como Joyce assina uma carta para sua editora) e Nora, as coisas não
A luva virada é denunciada pelo botão que fica para dentro. Lacan se refere
a este fato quando diz que a maneira como se chama um órgão pode ter a ver
botão da luva virada com o qual uma mulher pode não querer se ocupar.
para ser um redentor (filho) deve haver um pai, uma versão do pai. Nora não é
polaridade. Segundo ele, a reta infinita que penetra no toro precisa ser tomada
como uma realidade para que se considere o sadismo e o masoquismo como ativo
e passivo. A reta infinita que penetra no toro aponta para um dentro que é fora,
momentos, dirá que essa carência é compensada por sua obra, mas não no
sentido de uma frustração que se compensa com uma satisfação. Trata-se de uma
compensação através do nome que Joyce forja para si, que ao mesmo tempo é
irlandês jamais admitiu que sua filha sofresse de uma doença mental. Para ele,
Lúcia era uma telepata, embora ela demonstrasse uma clarividência, pois percebia
o que viria a acontecer. Lacan entende que tanto a recusa em aceitar a doença da
seu próprio sintoma. Assim, por carecer da função paterna em si mesmo, Joyce
pai quanto a filha sofreriam dessa imposição. Vale lembrar que Lúcia escrevia
poemas considerados geniais por Joyce, mas só por ele. O pai também conseguia
entender os intrincados raciocínios propostos pela filha. Disso Lacan deduz que o
147
impostas.
Joyce alguma coisa lhe era imposta. Lacan o argumenta dizendo ser muito difícil
não perceber, no esforço contínuo da obra de Joyce, que sua relação com a
no nível da escrita impondo uma deformação que, segundo Lacan, fica ambígua:
isso ocorreria por ele ter se livrado do parasita da linguagem ou por ter se deixado
invadir pelas propriedades fonêmicas? De qualquer forma, Lacan diz que o fato de
Joyce não reconhecer em sua filha uma doença é indicativo da sua própria
1.5 - O sinthoma:
Joyce, Lacan usa o termo sinthoma para dizer que, na carência de um pai, Joyce
fez do seu nome um sinthoma, ou seja, o recurso que utiliza para se enodar não é
em Joyce é uma das versões do pai. Nessa versão, o que o Pai- sinthoma faz,
aparece em Joyce através da sua arte. Com ela, Joyce ilustra e faz subsistir tanto
seu pai quanto ―o espírito incriado de sua raça‖ (p. 22). Fazer subsistir o pai
denota que ele não pode se servir do pai a ponto de prescindir dele, ele é o
incriado, o que denota que ele tem uma missão a cumprir. Não entrarei nos dados
biográficos de Joyce, mas indico a leitura de Aubert (Ibid.) para este fim.
podemos deixar de notar que Lacan usa o mesmo termo para se referir a um outro
caso apresentado por ele, que chamou de psicose lacaniana, dizendo que o
referido caso ―começou pelo sinthoma palavras impostas‖ (LACAN, 2000, p. 95).
Isso nos levaria a pensar que o sinthoma não se especifica em ser neurótico.
Porém, Lacan não é simples assim. Seguindo sua investigação sobre essa
questão, mostra-se surpreso indagando como pode ser possível que não
tenhamos, todos nós, tal como Joyce, o sentimento de que palavras nos são
impostas, uma vez que elas são parasitas, funcionam como um revestimento para
o gozo, são uma forma de câncer que atinge o ser falante. Podemos deduzir que,
se todos somos parasitados pela linguagem, a solução de Joyce para isso não foi
a norma, foi uma solução muito peculiar. Seja por ter se livrado do parasita da
linguagem ou porque era invadido por ela, o que Joyce soube fazer com as
Joyce, onde falta o pai, onde algo no traçado do nó falha, produz-se o sinthoma.
Onde há lapso do nó há sinthoma. Se, por um lado, Lacan declara que em Joyce
há sinthoma no lugar onde o nó falha, por outro diz: ―o nó, isso falha‖ (p. 98),
deixando entender que todo nó tem sua falha. Diz ainda que ―é a partir da
sua arte estão no lugar onde o lapso se produziu, enquanto Nora e seu ego
sinthoma, nada há para ser analisado. Joyce faz mais que reencontrar, ele ‗sabe
fazer com isso‘ um sinthoma. É o que diferencia Joyce do neurótico uma vez que
este não acredita em Deus, caso acreditasse, não faria análise: Joyce é um
verdadeiro católico, aquele que tem uma verdade que não pode vacilar. Uma
verdade que não vacila aponta para uma solução de certa forma dramática, uma
forma de defesa contra o real que não é a solução neurótica da divisão subjetiva
falado, por isso ele é interpretável, pode ser redutível a um saber. O saber exige
como tal, isto é, representa o sujeito conforme a realidade, que não é o real.
inconsciente é S2 e, como tal, não supõe o real. Lacan diz ter inventado o real, ele
é o elemento que pode juntar o simbólico e o imaginário. Afirma que o real é o seu
(1975-76 b/1986). Há um lapso entre real e simbólico que é suprido pelo ego,
inconsciente.
O buraco formado entre simbólico e sintoma é falso. Todavia, uma vez que
interpretado, desde que essa interpretação jogue com o sentido. Isso é possível
porque há simbólico no real. Assim, o real tem e não tem sentido, ele é corpo em
e com o qual devemos saber o que fazer, pois ele não pode ser extinto.
Há, para todos, uma falta primordial que na verdade é uma falha e não
cessa de se escrever. Ela é um buraco no real que constitui o próprio real. Não se
trata de um buraco no sentido da falta, mas sim no sentido da falha. Esta falha diz
151
respeito ao sentido, pois não há sentido no real propriamente dito. Lacan usa a
expressão ‗tudo menos isso‘ para falar desse buraco, um ponto limite à
interpretação, aquilo que não pode ser tratado pela linguagem porque é êxtimo à
cadeia significante e, precisamente por isso, não cessa. Isso que permanece fora
Lacan dá a entender que Joyce não faz propriamente um sinthoma por ter
precisado suprir com sua arte a função fálica da qual era carente (p.15). Ao
colocar a arte no lugar da função fálica ele defendeu o seu falo. Esta defesa foi
feita mediante uma interdição que se denuncia no fato de ele ter se concebido
como herói através de seu personagem Stephen Héro. Por que Joyce não se
declarou Stephen Héro como muitos loucos fazem ao se dizerem Napoleão? Algo
especial ocorreu com ele levando-o a criar, mesmo que sob o modo de um outro
eu, um herói ficcional, cujos vários dados biográficos eram os seus, como
artimanha do ego. O ego é uma artimanha que Lacan cogitou situar em torno de
artifício, entendemos que o ego pode se prestar para enlaçar um nó. Talvez seja a
isso que Lacan chega no último capítulo, quando considera o ego de Joyce como
quarta consistência.
152
1.6 - O savoir-faire:
verdade diz que a verdade principal do ser é o valor que se dá àquilo que se é
capaz. Se não há Outro do Outro, como entender que há valor no que se faz? Não
há Outro para autorizar o gozo obtido com o que se faz, por isso somos por ele
responsáveis.
enigma do homem. Diante do ato sexual nos imaginamos ativos, nos imaginamos
modo singular de fazer alguma coisa com o que põe limite ao sentido. Lacan usará
o exemplo bíblico do oleiro e dirá que este cria para manter o buraco, o vazio que
forma o vaso. ‗Há o Um‘ significa que é desse vazio que se cria. O Um não é um
153
número no sentido contável, não evoca uma totalidade, nem uma identidade. ‗Há o
Um‘, mas não se sabe onde, pois ele não tem consistência, não é contável e nem
tampouco o traço unário, porquanto este último inicia uma série. O Um do ‗Há o
Um‘ é sozinho, não está encadeado. Ele não preenche o buraco da significação,
invenção, saber-fazer. O artifício é um fazer que nos escapa sob a forma do saber,
ele é um saber que se sabe ao fazer. Ele transborda o gozo que podemos ter dele,
pensamento.
1.7 - A escrita:
não tem nada a ver com a escrita e muda o sentido da escrita. A voz como um
dizer no corpo que faz consoar (consonne) o corpo com o significante (p.17). Aqui,
Lacan utiliza a homofonia em consoar – com + soar - e extrai a voz como o som
que ressoa ou consoa no corpo. Em outro momento (p.144), Lacan dirá vai que os
desliza mention para mensionge (menção = mentira). Lacan usa essas palavras a
fim de, pelo equívoco, incluir a mentira no dito. Todo dito diz uma mentira, o que é
próprio da metáfora.
sustenta no traço unário e outra do nó que se sustenta na reta infinita. Esta última
154
é uma escrita que tende ao real, é uma escrita para não ser lida, mas que tem
especial. Lacan destaca que nesta escrita o enquadramento sempre tem uma
uma homonínia entre Cork, a cidade, e cork a cortiça que enquadra a paisagem de
escrita tem um papel essencial para o ego de Joyce, é através dela que ele ganha
capítulo III, esta relação vivifica o corpo. O corpo tem buracos dos quais a
enunciação faz buracos abstratos. Lacan usa a surra que Joyce levou dos colegas
para situar um certo modo dele lidar com o corpo: ele não guardou magoa do
relação com seu corpo fazendo deste uma casca. Lacan pergunta se algum de
nós sabe o que se passa no seu corpo, apontando para uma disjunção entre corpo
e saber.
com que o corpo seja suportado como imagem. No caso de Joyce, Lacan percebe
que essa imagem não é o que conta para ele na relação com seu corpo: ele o
deixa cair. Isto, para Lacan, sinaliza que o ego de Joyce tem uma função muito
155
particular. Se, para Freud, tudo se apóia na função do pai, resta saber em Joyce
qual é a versão de pai e até onde ela está implicada nessa relação com o corpo.
que é através dele que o imaginário foge, desliza. Com isso, a relação imaginária
uma perversão, pois Joyce não gostou da surra (p. 149). Para entender isso,
então, seria o artifício usado por Joyce para restituir a relação do real como
mediante um artifício. No seu caso, o artifício foi o seu próprio ego. O texto de
Joyce demonstra o lapso, mas não o mostra, não o evidencia, o que, para Lacan,
ou seja, é pelo equívoco que algo se expressa, não pelos sentidos presumíveis. O
esclarecimento do enunciado não leva a nada, uma vez que o enigma está na
enunciação sob a forma de uma escrita, uma escrita que não é para ser lida
reparatória do seu nó bo. O modo como ele usa o enigma em sua escrita seria a
Quando Lacan diz que Joyce é o sinthoma de Joyce, ele o afirma no plano
Seminário, é ao ego de Joyce, e não ao eu, que Lacan se refere para dizer qual é
o elemento que enlaça. O nome de Joyce lhe dá corpo, lhe dá consistência, mas
com a sua arte. Dizer que Joyce é psicótico parece-nos pouco, se pensarmos no
artifício criado por ele para suprir o Nome-do-pai com seu próprio nome. Todavia,
devemos distinguir o que Joyce fez daquilo que o neurótico clássico faz: a
primeira clínica. Lacan lia e se interessava por Joyce desde seus primeiros
dos anos 70 é que ele pôde utilizar Joyce como um paradigma. Sob o ponto de
vista da primeira clínica, Joyce não é neurótico nem psicótico, pois não se encaixa
conceito de sinthoma, fruto do último ensino, Lacan pôde considerar Joyce como
157
radicalmente o singular de cada caso. Este novo passo de Lacan nos serve para
conexões simbólicas, ou seja, de ligar S1 a S2. Por essa razão, os sujeitos não se
aparece sob a vertente da suposição de saber porque o Outro não ocupa um lugar
sentido – o sujeito dessupõe o Outro de saber e toma seu próprio fazer como um
sinthoma – ele se identifica com sua forma de gozo e faz com ele um tipo de laço.
neurose clássica. Sob esse aspecto, o que o último ensino traz de novo é uma
estruturas clínicas freudianas se transfere para a solução encontrada por cada um,
simbólico com o real. Acho interessante esta perspectiva do lapso pois ela nos
põe diante de algo que foi recomposto/composto sem a ajuda da análise. A partir
psicoses onde há um franco desenlaçamento. O lapso, por sua vez, pode servir
Joyce, por exemplo, a consistência é dada pelo imaginário, cabendo ao ego essa
função.
sentido no real e está para todos. A foraclusão do sentido no real está na origem
do ‗não relação sexual‘ e de ‗A Mulher não existe‘. Dois pontos que marcam a
Separando essas duas questões fica mais fácil entender porquê o sinthoma
imaginário - Cork significa cork. Quando Lacan usa o termo sinthoma referindo-o a
Joyce, é para marcar que o famoso escritor fez com seu ego a função que poderia
ter sido desempenhada pelo sinthoma. É interessante notar que, nos últimos
capítulos, Lacan passa a usar o termo lapso para designar o erro de amarração
pontuações:
Nome-do-pai que não teve função de amarrar os três registros. O que fez essa
função foi o ego. Não se trata, porém, de uma psicose clássica, desencadeada,
parece mais uma psicose tratada, estabilizada. Lacan suspeita que seus escritos
é a única forma de fazer suplência à falta de sentido no real. Existem outras que
formas de amarração nas quais há um laço com o Outro, porém muito frouxo,
sujeitos que se pautam por identificações ad hoc, que não têm a potência
esperada de um S1.
o que amarra os três registros antes da análise. Podemos argumentar que sempre
exigência mostrou sua fragilidade –, o sujeito, então, busca uma análise. Sim,
pesquisar que relação há entre o sintoma com o qual se inicia uma análise, ou
resposta.
Lacan (1975-76a/2005) indica que uma análise bem sucedida prova ser
mesmo Seminário, diz ele: ―não se é responsável senão na medida de seu saber-
Vamos examiná-las.
redução ao real, chega-se a um limite do saber pela via significante. Este limite é o
2 Partes da argumentação que se segue foram apresentadas também em dois trabalhos já publicados. Ver MACHADO, 2004 e
2005.
161
partir desse ponto, o que restaria é da ordem da invenção. Poder servir-se do pai
suposto no Outro. Mas, se a invenção dispensa o pai, foi porque soube dele se
no sentido de nunca ter estado ali e de ter sido criado pela análise.
engendra a potência que já estava lá: primeiro vem o ato e, a partir dele, surge a
sinthoma como algo produzido no final de uma análise, ou seja, só no final de uma
análise é que se pode reconhecer ali uma potência. Essa articulação é coerente
com a idéia de inconsciente tal como proposta por Lacan no Seminário 11. Nele,
Lacan diz que o inconsciente é ético e não ôntico (p. 37). Em outras palavras, no
que concerne ao inconsciente, não se trata de saber se ele é ou não, se ele tem
162
ou não existência, mas sim de que o ato cria o inconsciente. Quando o simbólico
emerge, ele cria o passado. Isso quer dizer que o passado não estava lá, só pôde
de redução ao real as vai reduzindo ao seu osso, ao objeto 'a', ou seja, ao seu
ponto de fixação. Feita essa redução, caberia nos perguntarmos o que fazer com
isso que, mesmo reduzido, não se extinguiu. A resposta seria justamente o saber-
Essa ‗solução‘ é sem dúvida paradoxal: como vamos lidar com o que restou
de toda operação possível com o significante pela via do saber? De que saber se
trata aqui? Miller (1998b) nos responde dizendo que não é um saber da ordem
saltar o pequeno córrego, César não é mais o mesmo sem que, para isso, tivesse
de emitir uma só palavra, apenas saltar. Nesse caso, não havia dificuldade em
relação a saber como atravessar o Rubicão, uma vez que a questão em jogo era
Tomemos o final de análise e seu inevitável resto de gozo. O que fazer com
ele? Se ele não pode servir ao discurso, ou seja, se ele não se conformou à
que quer dizer puro fazer sem significação? É o mesmo que um saber sem Outro,
3 Rubicão era “o rio que separava a Itália da Gália Cisalpina. César o transpôs quando decidiu abandonar a legalidade para marchar
sobre Roma. A expressão “transpor o Rubicão” serve para designar decisão audaciosa e definitiva”. Ref. KOOGAN/
HOUAISS. Enciclopédia e dicionário, ilustrado. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1995.
163
um saber que não se acumula, um saber que só é sabido em ato. Justamente por
não se dirigir ao Outro é um saber-fazer, um saber que não é antecipado por uma
sinthoma. Lacan se serviu de Joyce para entender isso. Hoje, contudo, dispomos
entendimento.
privilegiada por nós diz respeito apenas ao terceiro tempo de uma experiência
analítica que durou mais de 25 anos, com dois analistas diferentes. Como
acontece em todo caso clínico, daremos crédito ao relato, sem, todavia, fazer dele
ato do analista a separação entre as duas vertentes do objeto 'a', que, no seu
caso, era a voz: na via do sentido e na via do gozo. ―É o ato do analista, que
uso do significante mestre e seu modo de gozo foram então modificados‖ (2003, p.
27).
Mariage relata uma frase de seu pai que lhe foi evocada após ouvir uma
lembramos delas... quando o sujeito é absorvido por sua marca, ele não se
distingue mais aí‖. A frase do pai foi: ―O trabalho é uma punição do bom Deus‖
analista. Justo naquele momento, o analista tomou a frase, fez incidir sobre ela um
equívoco e a escreveu dizendo: ‖Ora veja! Eu aposto que todos os seus filhos
uma punição do bom Deus, não sou eu que digo, está escrito‖. Percebeu também
que, até então, só havia entendido essa frase como um estímulo ao trabalho
contrária ao sentido literal da frase, pois nela está dito que o trabalho é uma
sujeito faz incidir nele uma significação própria, fruto da fantasia, na qual já está
condenação foi denegada e utilizada como defesa contra o real, defesa que caiu
pela ação analítica. A defesa atuava contra o gozo pulsional, ela sempre atua
contra a satisfação, essa é a face de horror. O que faz a função de defesa contra a
pulsão é a fantasia.
165
Vamos nos permitir uma breve digressão a fim de ressaltar que a ação do
analista não partiu de um único registro. A enunciação foi sustentada por uma
ação, o que equivale a dizer que o corpo do analista estava em jogo dando
capítulo V.
sido levado para a análise logo depois de ela ter faltado a duas sessões: ―seu
irmão olha na direção do pé de uma árvore – uma árvore bem particular, cujo fruto
era proibido por seu pai. Ele lhe mostra um cadáver impossível de identificar. Ela
chama seu pai para que identifique esse cadáver. Mas ele não pode ajudá-la
A frase do pai que fora extraída do Gênesis – cabe ressaltar que essa
―Por ter querido saber, por ter provado o fruto proibido da árvore, ela descobre o
que não queria saber, ou seja, a voz da sentença de seu pai que condena o
delimitando, ao mesmo tempo, a borda entre gozo e sentido. Com o ato analítico,
ela considera que as duas faces da sua relação com a voz se separaram. Uma
Como gozo, a voz escutada lhe propiciava satisfação pulsional, tanto na relação
166
com o pai quanto com o analista. Aqui, no que concerne ao conjunto dos
não é também sem relação com ele. Neste ponto, podemos observar que a
tinha sido sua escolha pela via da identificação ao gozo do Outro – a criança
Isso decorre da articulação desse modo novo de usar o S1 com o objeto de gozo
‗voz‘. Nesta articulação, é a sua própria voz que se coloca no lugar vazio do objeto
'a'. Da voz do Outro, que só lhe restava ouvir, ela passa a falar fazendo
transmissão. Agora, a voz que se escuta é a dela. A voz escutada era o objeto de
gozo da fantasia, a voz falada é a voz da pulsão. Antes, esse sujeito estava
ao sinthoma (a→ s ).
Temos, assim, os elementos S1 e 'a'. Resta-nos saber o que foi feito deles,
objeto. Sob o ponto de vista de S1, o trabalho deixa de ser uma punição e a voz,
como borda do vazio, passa a ser a sua no trabalho de transmissão. Vemos, aqui,
criança morta ao pé da árvore, momento em que seu pai aparece sem voz, a
autora frisa não ter sido o fato de não poder identificar a criança que a acordou. O
analista concorda com ela e direciona a investigação para o objeto, diz ele: ―é,
antes, o fato de seu pai não poder mais lhe falar, ter perdido a voz, que é
insuportável para você‖ (2002, p. 29). Essa passagem nos evidencia a postulação
coisa, porém, a interpretação não pode ser qualquer uma (LACAN, 1964/1979, p.
237). A interpretação precisa tem de ter como mira o objeto para não se perder
é qualquer coisa para essa analisanda, tanto é assim que isso a direcionou
profissionalmente. Todavia, cabe ao analista não perder o rumo do real. Este pode
mostra o que foi feito com o gozo no final da análise. Em S1, o trabalho estava
trabalho ao Outro-Escola. Em 'a', a voz do Outro era ouvida, enquanto a sua era
calada; agora, é a sua voz que se faz ouvir como ser falante, agente da voz. Isso
168
significante ímpar, capaz de criar um real que se sustenta por si mesmo (COELHO
analista não atira para qualquer lado, ele visa um certo ponto que orientará sua
ação. Isso vale para todo o percurso de uma análise, não só no final. A prática
psicanalítica, seja ela pura ou aplicada, tem como orientação o real. É o desejo do
analista que sustentará essa direção. É ele também que irá ‗saber-fazer‘ com cada
Outro na atualidade e a orientação possível para fazer frente aos desafios que nos
Capítulo V
Algumas questões devem ser levantadas para que possamos situar o que
pensarmos uma prática que tente atender às novas demandas por eles
estar à frente de seu tempo, pois ela só pode lidar com aquilo que se apresenta a
inócua nas configurações subjetivas. Freud teve sucesso em sua empreitada pelo
fato de ela ter se dado num certo momento cultural em que seu discurso causava
surpresa. Não podemos afirmar que o mesmo aconteça hoje. O ―Freud explica‖ foi
de tal forma banalizado que, em geral, os sujeito já chegam para análise com
análise.
desde quando estamos desbussolados. Esta expressão tem sido usada para falar
desde que a moral civilizada foi abalada – tema explorado por Freud nas suas
dissolução da moral, pois, se antes a moral inibia e regulava o gozo, depois das
Foi esta fenda que Freud chamou de desejo recalcado. Para tentar manter a moral
e não deixar proliferar a fenda, a era vitoriana exacerbou suas exigências como
171
uma formação reativa à ameaça que já pairava sobre ela. Se, na era vitoriana, a
sendo, portanto, anterior a ela. Sua suposição é de que essa fenda seja
antes o real era a natureza, aquilo que os céus mandavam – chuvas, ventos e
tempestades –, agora o real passa a ser pouco a pouco devorado pelos artifícios,
pelos produtos construídos pela indústria – os guarda chuvas. Desse modo, ele
considera que a natureza foi substituída, como uma metáfora, pelo real.
quanto ao real de que se trata. Antes, para Freud, o real era regido por leis
naturais. Depois, passou a ser um real sem lei, isto é, um real sobre o qual não é
ocidental. Todavia, não devemos esquecer que se essa revolução foi possível, ela
Coelho dos Santos (2001), em seu livro Quem precisa de análise hoje?, faz
modernidade se caracterizaria por esse corte promovido pela ciência, tendo dele
172
―todo homem é racional‖, visando mostrar que o corte que promoveu a igualdade
entre os homens tem o mesmo porte daquele que promoveu o declínio do mito. A
escolha pessoal, apresentando, porém, como seu avesso, o fato de que ―o espírito
uma exceção – Deus. Desse modo, o espírito cristão que se abre para múltiplas
um lugar com força simbólica que, se por um lado denuncia a morte do Pai, por
bússola é o objeto 'a'. Para desenvolver essa idéia, o autor proporá inscrevê-lo no
se impõe ao sujeito desbussolado. Disto resulta que na busca por este objeto, já
definido por Lacan como objeto mais-de-gozar, o sujeito ultrapassa inibições e faz
e como já vimos no capítulo III, com o qual o sujeito tenta resolver o vazio próprio
ao ser falante; ele funciona como semblante daquilo que o sujeito se supõe em
falta. A diferença em relação ao que ocorria com o neurótico freudiano está no fato
A tese de que a agricultura foi substituída pela indústria mostra aqui a sua
o parentesco existente entre ele e o supereu. Desse modo, temos um sujeito que
obrigação de gozar.
direito. Zizek (2004) faz uma interessante demonstração do que ele chama de
seguida, ele nos mostra como cada um dos direitos do homem dá permissão à
(p.103).
sujeito com sua determinação significante. Nos dias de hoje, isso se expressa
incrementando um relativismo onde tudo pode ser tudo, o que pode redundar em
tudo é nada.
impõe algumas questões sobre o lugar da psicanálise nos dias de hoje. Se os dois
discursos têm a mesma estrutura, que lugar resta para a psicanálise hoje?
Tal discussão nos interessa vivamente, pois ela nos ajudará a pensar
imaginário como defesa ao real que se impõe; na terceira, essa prática se daria
todas elas há uma preocupação própria ao discurso do mestre: que isso funcione.
Como assinala muito bem Juan Carlos Indart (2005), ―em nossa época o
uma longa análise da ciência e de suas relações com a filosofia e com a magia, a
fim de demonstrar que o discurso universitário é um aparato para fazer com que
ciência trabalha eminentemente com suposições e que uma grande parte dos
universitário. A importância dada por Indart à suposição é por ela evidenciar que,
por traz dela, há um sujeito. A diferença está no que Lacan expressa no Seminário
17, quando diz que o S2 em posição de dominância não quer dizer saber-de-tudo,
176
mas sim que tudo é saber (p.29). Articulando a idéia de Lacan com a de Indart,
podemos perceber que a suposição iria mais pela via do tentar saber tudo, o que
saber, pois nele não há um sujeito que saiba e que possa se retificar. Parece-nos,
então, que o tudo-saber é uma instituição, é saber sem sujeito, idéia coerente à
define o desejo pelo objeto desejado rejeitando o laço entre o sujeito, o desejo e o
gozo (p.35). Esse laço estabelece que, para um sujeito desejar, é necessário que
ele renuncie ao gozo, que se instale uma falta de modo que o conseguido não seja
jamais o esperado. Se o desejo for definido pelo objeto desejado, essa defasagem
não acontecerá, a falta ficará em falta. Para a autora, o discurso universitário tenta
do que foi chamado por Laurent (2005) de efeito de ―falsa ciência‖ (p.47). O que
apontadas por ele nenhuma nos serve para lidar com o que se apresenta em
lacaniana?
ser inventada, levando em conta o último ensino de Lacan. Claro que o autor não
177
está se referindo a uma prática única, standard, para todos. Essa formulação nos
indica que a prática não só é única para cada sujeito, como também é única em
utilizada proposta pelo autor, já que não se trata de pôr ―isso para funcionar‖, deve
levar em conta que a contingência atesta o impossível, pois não há lei no real.
Lacan, a saber, o real sem lei, termo que expressa a base foraclusiva do sentido
no real. O autor declina essa foraclusão para um ―real fora do saber‖. Ao mesmo
tempo em que distingue sentido e saber dizendo que este último está além do
sentido, mostra que em relação ao real, saber e sentido estão fora. Sua
argumentação é que o sentido é algo que se põe em cima do real e dele se extrai
desse ponto de vista, um não vale mais que o outro. Para isolarmos o real temos
de questionar o que faz sentido e o que constitui saber (p.13). Tanto é assim que
Lacan fez uso do nó dizendo que ele é o real, ou seja, aquilo que não se presta a
ser colocado na rede significante. Miller diz que o nó escapa ao saber, que é o
23, para enfatizar que se trata de um saber que não se constitui como lei, sendo
segundo a qual nem sequer a falha é uma lei do real (p.12) porque é a
contingência que prova a falha. Portanto, não se trata de lei, não é da ordem do
necessário – se há contingência ela prova a falha, se não há, não prova nada.
2 - O Outro não-todo:
em conformidade com a cultura própria à sua época. Qual é a nossa época? Qual
posição de dominância porque o falo vem lhe dar sustentação. Pautados nessa
tese, podemos deduzir que o discurso do mestre tem relação com a lógica do
todo, tal como Lacan propõe no Seminário 20 através das fórmulas da sexuação.
do gozo, sendo o pai aquele que, na cultura, o representa. Como já vimos que
esse elemento não se distingue mais por sua potência nem por sua autoridade,
regime de gozo nos remete à lógica do não-todo - inscrita no lado feminino nas
179
referidas fórmulas de Lacan -, porque não regulado pelo falo, pela identificação ao
S1.
ordenado segunda a função fálica, portanto, o gozo era regulado. Pela lógica do
como referência a exceção paterna, não tem como referência nenhuma exceção.
A conseqüência dessa lógica, por mais paradoxal que pareça, é que tudo é
limite ao gozo, prevalecendo a idéia de que para cada sujeito há um gozo próprio
e totalmente singular.
esclarecer que isso não significa um ‗liberou geral‘, em que todos têm acesso ao
gozo e podem gozar o tempo todo. O que se observa nos dias atuais não
corresponde a isso, pelo contrário. Paradoxalmente, a clínica nos revela que, hoje
Outro 24 horas, ou seja, um Outro sem limites, um Outro não barrado que
contemporâneo revela, a fantasia está a céu aberto, ela é pública e não gera
vergonha, o que põe em xeque a própria noção de fantasia. Se o sujeito goza com
a nudez das crianças, com animais, ou com excrementos, isso não precis a ficar
confinado ao âmbito privado, pois seu gozo pode ser veiculado, encontrado e
do todo pôde ser representado pelo pai porque ele, como exceção, formava a
regra para os demais, não para ele, dado que, afinal ele era a exceção. Claro que
esta condição de ‗faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço‘ era alvo de
justamente ela que dava humanidade ao pai, ou seja, embora ele estivesse na
lógica do todo, isto não significa que ele fosse Todo Poderoso. Sua ação em rota
alguém que também fazia parte do universal, para quem algo estava proibido. Sua
dependência geracional que sustentava essa posição: o pai era exceção enquanto
pai, todavia, ele já fora filho, o que o incluía no universal. Na verdade, o pai Todo
fantasia fundava o pai como exceção. O conflito presente nas relações pai-filho
denunciava que nem um nem outro acreditavam piamente nessa exceção, todos
reagiam ao fato de não haver um Outro não barrado pela castração. Qual a
não-todo é o paraíso, pois sem exceção não haveria conflito, pais e filhos
vivenciariam uma relação horizontal. Pois bem, este parece ser o problema atual.
Primeiro porque o não-todo não é a negação do todo, ele é uma modalidade, uma
Outro que impõe, não sendo, contudo, localizável, não se encarna em uma
pessoa. Ele emana ordens que são incorporadas sem que haja conflito, sem
dialética, sem que o sujeito se dê conta de que está sob jugo. Voltaremos ao não-
perversão impera, o que nos parece um equívoco. O autor nos explica que o
182
fantasmático imaginário e aquilo que o sonho oculta, o vazio por detrás do sonho.
neurótico ―se serve de sua fantasia para fins particulares‖ (p.62), pois, ao se
dividir, ele se defende da angústia recobrindo-a com a fantasia (p.63), ou seja, ele
está totalmente situado no lugar do Outro (p.61). Isso equivale a dizer que ele está
identificação do sujeito pela via do ideal, ao S1, mas sim pela via de uma cola com
agente mostra que o sujeito está investido neste significante de exceção, aquele
significante, ele está investido em um gozo que lhe é cobrado pelo Outro.
Segundo Laurent (2004), a angustia de hoje tenta refazer o todo, mas fracassa
ter.
com Sade (1963/1998), Lacan nos mostra como Sade está submetido à lei, sendo
por isso comparado a Kant: tanto um quanto o outro são sujeitos da moral que
vislumbram um modo de ideal. Com isso eu quero dizer que as formas atuais de
relação com o Outro não são da ordem da transgressão, elas não são uma forma
alimentares, lidam com um Outro que não tem uma localização precisa: onde
localizar o mercado de consumo? Lidam também com o ilimitado deste Outro que
ele não dá conta, é preciso sempre outro e mais outro e mais outro. Lacan (1969-
como o sujeito, impelido ao consumo, volta a comprar, ―ele repete sua compra‖
(p.78) porque ‗não há‘ objeto que dê conta do gozo. Algo do gozo insiste sob a
forma de fracasso (p.44), pois nenhum objeto é capaz de fazer cessar o circuito,
3 - O sujeito contemporâneo:
plenamente justificado pelo fato dos modos de gozo serem particulares. Nessas
pai como exceção e outras que não estão, ou não se apresentam coordenadas a
referindo aos que estão especialmente excluídos do regime do pai. Essa exclusão
não leva em conta o fato de haver acesso ou não aos bens de consumo, na
Lembremos que a falha de sentido no real é uma das formas do ‗não há‘, que
também aparece no ‗não há relação sexual‘ e no ‗a mulher não existe‘, como foi
também é uma defesa, porém, sob a forma do recalque, e, assim, tenta fazer
existir a relação sexual, tenta fazer existir o sentido no real pela renúncia ao gozo.
Explico melhor: a relação sexual não existe, mas podemos responder a isso, por
financeiro, ao que no real não tem sentido nem nunca terá. Mas, para tanto,
o qual os ideais não contam para nortear suas escolhas. É exatamente isso que o
derivativos.
não da falta, pois na via do recalque se lidava com uma falta – o pai não dava
conta. Sob o ponto de vista do Goza! a falha fica evidente, daí a descrença.
sujeito não está afeito a acordos, devendo prevalecer sua vontade de gozo sob o
gozo seja exibido e valorizado. Pela via da moral civilizada, o pudor e a vergonha
186
angustia, pois ela franqueia o ato sem, contudo, impedir o fracasso. Voltaremos a
este ponto mais adiante. Resta-nos agora apontar que, de acordo com essa
prevalece é a angústia.
tomado do Outro não é a única forma de laço, há uma identificação com a falta de
xeque o sintoma como metáfora, uma vez que o poder da metáfora se esvaziou.
Põem em xeque a identificação que estabelecia o laço com o Outro dos ideais
parentais, que inscrevia o sujeito em uma ordem geracional. Hoje, ela está
sujeito a se lastrear por aquilo que o mercado de consumo oferece, este também
187
múltiplo. Isso faz do sujeito contemporâneo alguém que não tem uma identificação
fixa e sedimentada nos laços familiares, mas que, justamente por isso, faz da não
Ousamos dizer que essa foi a intuição de Lacan no Seminário, livro 10: A
falar sobre a angústia, mas acaba se dedicando ao objeto 'a' por entender que a
angustia é uma experiência que se anuncia no discurso, sem contudo ser por ele
vai considerar o objeto 'a' um objeto sem nome. Só assim poderá dizer que a
angústia ―não é sem objeto‖ (p.185). Se Lacan precisou do objeto para situar a
angústia, podemos concordar com Miller quando diz que ―o objeto 'a' vale como o
simbolização‖ (2005a, p. 67). Vemos nesse fato o que ora observamos: uma
onde a falta promovia o mal-estar. O pai como exceção fazia com que sua
(LACAN, 1962-63/2004, p.92), que não produz enigma, que leva o sujeito ao plano
da certeza.
188
A angustia aparece como prevalente nos dias de hoje porque entre o sujeito
mercê do supereu porque a distância entre ele e o desejo do Outro não é mediada
pelo objeto 'a' como causa, e sim como gozo. Utilizando uma metáfora de Lacan
seja, ele se confunde com o objeto. No Seminário: A angústia, Lacan diz que esta
se interpõe entre o desejo e o gozo, não como mediadora, mas como mediana
entre os dois (p.203). Mediana é o segmento que parte do meio de um dos lados
de um retângulo e vai até o meio do outro lado, ela liga um lado ao outro, mas, na
verdade, ela corta a figura ao meio. A angústia aparece quando essa distância se
falta essa distância, que o desejo do sujeito está cada vez mais submetido ao
gozo do Outro e que o Outro não cria obstáculos ao gozo, pelo contrário, o
incentiva.
o amo, ou mestre, e o pai: o primeiro faz o escravo trabalhar para ele, enquanto o
segundo, regido pelo lugar do pai na religião, é aquele que trabalha para todos,
que ele exige do escravo é o consumo. O pai fazia sintoma porque era um ideal a
ser alcançado. O mestre moderno, a rigor, não faz sintoma, ele promove a
não podemos esquecer que ―o gozo é tóxico‖, como diz Tarrab (2004, p.60), e a
o Outro dos nossos dias não faz barreira ao gozo pela exigência da renúncia, a
laço simbólico do sujeito com o Outro, dele restando apenas a face violenta do
como um apelo lançado ao Outro, o que aparece é a falta da falta, o objeto mais-
estruturam em função do que falta ao campo dos ideais paternos e sim do que
falta ao próprio corpo e ao próprio eu‖ (COELHO DOS SANTOS, 2000, p.315).
insuficiência era do pai, agora a insuficiência é do próprio sujeito, feito órfão pela
como o modo hegemônico nos dias atuais, temos motivos para pensá-la como
que os quadros atuais são uma outra solução, diferente da via do pai, para dar
conta do real. Esta nos parece uma boa forma de não cairmos em um neo-
configurações. Esses novos quadros, por mais estapafúrdios que nos pareçam,
procuram um analista. Qual é o estatuto desses novos sintomas, uma vez que
supereu: pela via do recalque e pela via da pulsão. Neste último caso, o supereu
recebe sua força da própria pulsão. Por isso, deixa de reprimir o gozo e passa a
encorajá-lo – Goza!. Seguindo essa linha, podemos entender que o novo ideal, o
ideal contemporâneo, é gozar. Assim, deduzimos que o novo ideal coincide com o
o objeto, produz na mesma operação o gozo como dever. Coelho dos Santos
sujeito a fazer uma torção: exibir a vertente masculina da fantasia, isto é, aquilo
passo que hoje, é isso o que se exibe. A exibição de 'a' faz dele o agente do
vertente do caráter do que na vertente do sintoma. Esta foi a hipótese dos pós-
interior psíquico, precisaram separá-la do sintoma, pois não podiam supor que
De todo modo, nos parece útil acompanhar essa distinção, mesmo que
pulsional. Segundo Miller (Ibid.), Freud era sensível a esse aspecto, porém não o
fantasia, ou seja, como sentido e gozo. Argumenta que a fantasia estaria apenas
na vertente masculina da sexuação e que, para dar conta do gozo nos dois sexos,
Penso que a noção de caráter esclarece a dificuldade dos sujeitos não regidos
vista que este último abarca tanto o sentido quanto o gozo, parece-nos suficiente
para expressar o sintoma como solução nos dois sexos. Entendo que, em 1986,
quando Miller se refere à fantasia, ele ainda não havia desenvolvido a idéia de que
como sinthoma é o gozo como real. É o real que não cessa de não se escrever, é
como estratégia principal o silêncio, hoje cabe nos perguntarmos se esse lugar
do sujeito o peso dos ideais paternos, as limitações que o supereu impunha sob a
A prática de hoje nos exige criar um laço do sujeito com o Outro a partir de
seu próprio gozo, ou seja, instalar ou reciclar, como propõe Vieira (2005a e b), o
uma causa, ele se conecta tão somente ao próprio objeto. Como fazer o sujeito
suportar, já que não dá para voltar a fita, essa inconsistência? Como fazer para
contemporâneo.
Uma indicação clínica geral pode ser colhida no texto ―Uma fantasia‖
agente, ela propõe o consumo como forma de gozo, mas isto por si só não
estrutura um discurso, pois os objetos são tão diversos e sua utilização tão
podemos deduzir o segundo, mas não penso que eles sejam coincidentes.
Quando Lacan formula os quatro discurso, ele o faz tomando o discurso do mestre
significante mestre, podendo fazê-los girar porque há um eixo. Considero isso uma
manobra coerente com a lógica do todo porque o sujeito está fixado em uma
possível dele deduzir um discurso de sujeito porque ele rompe com a idéia do
oferecer, buscando para cada um uma fixação, uma ordenação. Parece-nos que
sinthoma daria corpo ao sujeito desbussolado ao conectá-lo com seu próprio gozo.
apontando, porém, para dois aspectos do fazer do analista, hoje: o seu fazer
196
que:
lança como sintoma da civilização para poder recolher o que lhe for enviado, ou
forma de inclusão proposta por Laurent visa fazer-se destinatário dos enunciados
do sujeito, mas neste caso, penso que essa indicação implica em tomar o que é
dito tal como é, ou seja, não há interpretação do dito, há o dito. Desse modo, a
interpretação que convém, aquela que é oportuna, tem como direção colocar o
dito no lugar do S1, tentando promover uma aproximação do sujeito com o que ele
diz de si mesmo. Isso pode parecer ingênuo, mas se entendemos que o sujeito
respeito àquilo que o determina, à sua causa como sujeito, poderemos apreciar
Em nossa compreensão, tomar o dito pelo que é nos remete a uma forma de
saber que não é suposto, que está mais afeito à invenção, pois fazer coincidir o
197
dá chance a um saber que, mais do que novo pode ser mesmo inédito.
Sua tese é de que a interpretação pela via do sentido perdeu sua força, ela não
surpreende mais, e, assim, deixa de ter efeitos. Além disso, mostra que a
interpretação pela via do sentido não alcança o real, sítio do gozo que não entrou
na rede significante. A palavra oracular tem a função de ser uma frase que não se
presta ao julgamento sobre sua verdade ou falsidade. Ela tem como característica
um modo de dizer do qual não se faz uso no dia a dia; o que importa não é seu
àquilo do poético que está no campo da criação. Assim, o analista não é o que fala
refere a isso quando diz: ―é preciso pôr corpo para elevar a interpretação à
Miller, do efeito semântico nem do efeito de sujeito suposto, mas tão somente de
tônus, a ditadura da higiene e da boa forma, até a propagação das formas atuais
Se o significante tem essa potência, ela poderá também ser usada para
tocar o gozo. Todavia, precisamos ter clara a idéia de que para conseguir esse
capítulo IV, é o gesto do analista de escrever aquilo que a analisante lhe conta
materializar a interpretação, penso eu, vai além dela, pois coloca em ato o analista
usada como real (COELHO DOS SANTOS, 2004b). Entendo que usar a
satisfazê-la, acompanhar o movimento do sujeito sem lhe fazer oposição a fim de,
assim posicionado, poder operar sobre o gozo. Logo a seguir daremos dois
199
dimensão do equívoco.
insere nesta última visando perturbar a defesa e não produzir sentido. O contexto
em que Miller faz essa distinção tem por base a idéia de que o último Lacan define
o real como disjunto do sentido e até mesmo que o sentido tampona o real.
simbólico, ou seja, ela não cede ao simbólico, mas faz uso dele para chegar ao
real. Segundo Miller, essa interpretação deve levar em conta o ser-falante e não o
questão não é o corpo simbólico nem o imaginário, é aquilo que o corpo tem de
real. Esse modo de interpretação visa o corpo e exige que o analista coloque seu
Esse tipo de manejo da transferência indica uma prática que se orienta pelo
real do sintoma, mas o real sem lei, não o real das regras. Portanto, sabendo-o
impossível, tomaremos dele apenas seus pedaços para extrair deles aquilo que é
oferecemos Um gozo, aquele que é próprio ao sujeito e através do qual ele goza
ressaltar esse fato porque ele nos dará a real medida implicada na perspectiva
vimos no capítulo IV, Lacan enfatiza que, nesse caso, não podemos contar com as
fantasia. O que constatamos hoje não está longe disso, pois o Outro da civilização
atual não tem potência simbólica para engendrar um discurso que se oponha a ele
pela via sintomática clássica. A partir dessa constatação nos orientaremos pelo
Porém, nos ensinamentos extraídos por Miller do último Lacan, temos uma
indicação de que ela pode ocorrer também nos casos em que o simbólico aparece
esvaziado, com valor tendendo a zero. Não é difícil localizar essa referência em
Lacan pois Joyce era um desabonado do inconsciente que não surtou, ou seja,
usou seu fazer muito particular com a língua inglesa como um modo de se
como o desvelamento da relação sexual que não há. Nas formas clássicas da
porém, Miller nos traz um dado novo ao dizer que ela é também tributária da
questão feminina brilha‖ (LAURENT & MILLER, 1997, p.18). A articulação em jogo
ética (MILLER, 1996-97/2005), mostra que ―as mulheres são mais sensíveis ao
significante do Outro que não existe‖ (p. 108) porque elas se pautam menos pelos
ideais do que os homens. Na falta dos ideais como guia, as mulheres teriam mais
caminho temos os exemplo das feministas mais aguerridas e das damas de ferro
que têm surgido na cena política contemporânea. Ambos apontam para um modo
Outro a puro semblante: se não há exceção, cabe sempre um acordo, ou, se não
de prescindir dos ideais como norte estando mais afeita a soluções particulares.
no caso a caso, com o saber-fazer a cada momento, tem uma dívida de gratidão
com a clínica do feminino, pois ela pode nos ensinar a lidar com os sujeito em
tempos de não-todo.
entender que fazer o sujeito crer em seu sintoma é o mesmo que colocá-lo na ―via
sintoma ―em ponto de apoio para que o sujeito reinvente seu lugar no Outro‖
anteriormente, o não-todo é o Outro que tem tudo, a quem nada falta, assim, para
extrair do Outro um objeto ‗para chamar de seu‘. Vieira (Ibid.) nos indica que ―o
sinthoma faz o não-todo tomar corpo‖ (p.80) por haver extração do objeto e porque
sujeito coloca a sua libra de carne, ou seja, ascende ao gozo aceitando pagar o
New Yorker sobre Woody Allen. Nela, Diane Keaton relata um momento muito
especial na sua relação com Allen: ―Há algo que conservarei comigo, sua imagem
MILLER, Ibid., p.114). Segundo Laurent, o que interessou Diane Keaton foi que,
(id.) diante de uma obra que era seu ideal – a admiração de Woody Allen por
Ingmar Bergman é pública e notória. Mas não foi como ideal que Allen interessou
à Diane, o que a fascinou foi vê-lo como 'a', foi vê-lo subtraído de 'a', passivisado,
do objeto 'a' no ponto em que o Outro não existe‖ (id.). Não consigo resistir a fazer
objeto localizou um lugar para ela na relação com aquele homem tão admirado,
tão especial aos olhos do mundo. Para amá-lo, ela precisou descompletá-lo
O exemplo nos faz retomar a idéia de que diante de um Outro a quem nada
falta, não há lugar para o sujeito, a extração do objeto fura o Outro, conecta o
falta no Outro. Ele conecta o sujeito com o mundo, com o Outro da cultura,
204
mediante uma solução singular, mas isso tem um preço, não sai de graça uma vez
problema é como fazer para que essa singularidade não enseje segregação, pois
que quer ‗pegar mosca com vinagre‘, ou seja, exigir que o Outro aquiesça à sua
própria destituição, à exibição de seu furo. Esse modo de proceder pode levar à
novas subjetividades demonstram que o laço possível a elas é sempre frouxo, por
isso a emergência da angústia é inevitável, dado que o Outro não lhes dá o lastro
pela extração do objeto criando um furo no Outro, mas não pela via do imaginário:
descrença generalizada. Não adianta furar o Outro sem dele extrair nada, isso
leva à angústia porque esse furo não será correlativo ao real e não implicará o
sujeito responsabilizando-se por seu gozo. Por essa razão, acho interessante o
transformação, mas há também resto. O resto do resto é o real que a cultura tenta
absorver a todo custo reciclando o lixo, por exemplo. Assim, o sinthoma seria
205
alguma coisa entre o resto e o resto do resto, seria uma reciclagem que não
Ousamos dizer que a operação de reciclagem que deixa resto, que destaca
sinthoma, sob o ponto de vista do que funciona como causa para um sujeito. Dar
pulsão com o simbólico, são operações que podem definir um fazer analítico nos
tempos atuais.
Que lugar o analista deverá ocupar para dar conta dessas operações?
Voltemos à tese de Coelho dos Santos (2005) a fim de investigar quais são
sexuação‖ (p.46). Quando, logo acima, recorremos a essa tese, foi para ligá-la à
feminino. Essa idéia foi extraída do texto de Miller Uma repartição sexual (2003),
inscreve a fantasia do lado do masculino. Coelho dos Santos (Ibid.) frisa que o
possível através de um objeto 'a' e, nesse lugar, coloca a mulher como objeto
Santos (Ibid.) ressalta que se a mulher não toma o S1 como exceção com o qual
se identifique, isso quer dizer que sua lógica não se coordena ao traço e sim ao
feminino não se limita pela identificação, não entra nas coordenadas da ameaça
de castração, o que faz com que seu gozo já pressuponha que o Outro é barrado,
que não há exceção. É nesse contexto que a mulher reivindica para si a posição
de exceção: ser a única para um homem. Sobre esse pano de fundo, podemos
vimos no capítulo III, muitas outras conseqüências advêm desse fato para a
mulher. Mas, para nossa argumentação sobre o fazer do analista, basta indicar
todos reivindicam essa condição, o que pode apontar para a falta de velamento da
sujeito comandado por S1, aquele que fazia da fantasia a sua janela para o
207
mundo. Nos dias atuais temos um sujeito comandado pelo objeto, à caça do mais-
esmo, pois seu alvo não comparece na fala do sujeito. Por outro lado, temos a
entonação sustentando uma fala que não vise o sentido, mas sim o gozo. Mas
qual posição o analista deve ocupar para que essas táticas surtam efeito? Qual a
estratégia possível?
para um analista como causa de sintoma. O analista, nessa posição, estará mais
Para tanto, mais que nunca, o desejo do analista será a base de sua ação
porque, para colocar seu corpo a serviço do sintoma, é preciso que seu desejo
inconsciente, ao invés de crer no Outro como o vizinho com más intenções (ibid.,
p.153).
208
Laurent (2004) nos adverte que não devemos pretender trazer alívio da
culpa em relação aos ideais porque o sujeito já está aliviado. ―Trata-se sobretudo
psicanálise. Por exemplo: um homem procura Graciela Brodsky (2004) por ela ser
mulher e lacaniana, mas diz não aceitar que as sessões sejam cortadas porque
essa situação porque seu avô havia abusado de sua mãe. Graciela propôs trinta
minutos e ele aceitou. No começo, a analista se guiou pelo relógio, depois passou
não mais em análise, mas em psicoterapia. A analista avalia como não se tratando
de uma resistência e consente. Em suas palavras, ela diz que fez ―um semblante
de psicoterapia‖ (p.192).
209
Bachelard que ―uma prática esclarecida não se degrada, nem abandona em nada
seus princípios, ao deformar seus conceitos para ampliar o campo da experiê ncia‖
(p.29). Ele relaciona quatro aspectos nos quais a psicanálise é aplicada às novas
princípios. O autor toma por base a experiência dos atendimentos com tempo
sujeitos que hoje nos procuram. Os aspectos são os seguintes: 1 - pôr limite à
analista deve se presentificar como objeto no face a face e não se limitar à escuta
Estas nos parecem indicações precisas e sábias para a prática clínica atual,
tendo em vista que elas ―favorecem uma clínica da suplência por intermédio da
isso será o início de um trabalho, que poderá ou não se desenvolver para uma
Conclusão
contemporâneo.
Nele, vimos que, desde Freud, há uma preocupação com o que do sintoma
não pode ser extinto. O mestre vienense não nos disse claramente, mas podemos
análise.
podem ser construídos ao longo de uma análise, mesmo que está não chegue a
psicanálise pura, tendo como orientação o real e podendo encerrar-se muito antes
mestres vão circunscrevendo o gozo a pontos cada vez mais próximos daquele
que faria o sujeito prescindir do Outro e, assim, poder gozar com seu sinthoma.
chegar a esse ponto, e não me refiro às interrupções. Penso nas análises em que
seu sofrimento em algo produtivo e que, muitas vezes, lhe traz prazer. Penso
também nas pessoas que nos procuram em determinados momentos de sua vida.
211
com o outro sexo, adultos diante de uma separação conjugal ou da morte, podem
depararem com outras questões para as quais já sabem que podem contar com a
psicanálise.
como um processo que tem de ter um fim determinado, quando qualquer saída
entender um final sem idealizações, sem pré-concepções. Ela nos permite avaliar
o que cada sujeito pôde fazer com seu sintoma, a partir do encontro com um
sujeito. Com ela podemos acolher soluções sintomáticas fora dos padrões e
mesmo análises que não têm fim, e considerar que essa é a solução para o
sujeito.
psicanalítica porque estava fora dos padrões. Lacan já havia ampliado o campo de
da prática analítica, já havia lhe dado novos ares. Todavia, um novo efeito
imaginário surgiu, sob a forma do ―isso não é psicanálise‖, e acabou impondo uma
outra ortodoxia. Não estamos dizendo que tudo pode ser psicanálise. Afinal,
212
de ação se ampliou.
polícia. Os que já trabalhavam nessas áreas não produziam sobre seu trabalho, se
quanto esse desconforto tinha menos a ver com a psicanálise e mais com os
próprios psicanalistas.
Minha empolgação com o tema não me cega aos seus dilemas. Eles são
muitos. Esta conclusão, como toda conclusão, só faz relançar questões, por isso,
desmedida de sentidos e o gozo com o blablablá. Mas ela não deve ceder ao
empuxo pós-moderno das soluções rápidas, que fixam mais ainda o sujeito na sua
posição de gozo sem se responsabilizar por ele. A pressa deve ser um recurso,
de curta duração demonstra que a psicanálise não precisa durar uma eternidade
para fazer efeitos. Existem efeitos rápidos e até imediatos, qualquer analista sabe
pesquisa está em curso, com seus sabores e dissabores. Ela visa saber como
produzir esses efeitos, quais podem ser produzidos mais rapidamente e quais os
seus limites. Tenho certeza que esse campo não só vai contribuir para a prática
de não cair na rede dos fast e fundar uma fast terapy não pode deixar de ser uma
contradiz a clínica do sinthoma. Nosso trabalho visa o real pela via do simbólico, o
admitir que soluções imaginárias podem ser o possível para alguns sujeitos.
Penso nas adições que, muitas vezes, se resolvem em grupos de auto-ajuda. Isso
esse tipo de grupo pode ter efeito devastador e pôr em risco o próprio sujeito. Do
fazem laços imaginários importantes que, dependendo do caso, não devem ser
A clínica do sinthoma nos dá mais liberdade na medida em que ela não tem
análise. Intervenções ousadas são raras, mas podem e devem ser feitas desde
precisam sempre ser avaliadas pelos seus efeitos. Sua adequação, assim como
atentos para não fazermos da revolução uma boa maneira de não mudar nada,
como dizia Dom Helder Câmara, mas também não fazer da renovação uma
descaracterização completa.
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