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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DO MAR - LABOMAR


DISCIPLINA: GESTÃO INTEGRADA DA ZONA COSTEIRA

gizc
Construindo o conceito de Zona Costeira
Prof. Dr. Fábio de Oliveira Matos
fabiomatos@ufc.br
DEFINIÇÃO E DELIMITAÇÃO DE ZONA COSTEIRA

A Zona Costeira (área de interface entre o ar, a terra e o mar) é uma das áreas
sob maior estresse ambiental, devido à excessiva exploração de seus recursos
naturais e o uso desordenado do solo. Existem várias definições de Zona
Costeira (ZC), algumas baseadas nas características físicas, enquanto
outras incluem aspectos demográficos, de funcionalidade
ecológica e considerações geográficas.
Visão clássica:

Segundo Rodríguez e Windevoxhel (1998), Zona Costeira é:

“o espaço delimitado pela interface entre o oceano e a terra, ou


seja, a faixa terrestre que recebe influência marítima e a faixa
marítima que recebe influência terrestre”, ou como sendo a
unidade territorial que vai “desde o limite da Zona Econômica
Exclusiva (ZEE) até o limite terrestre afetado pelo clima
marítimo” (CLARK, 1996; GESAMP, 1997).
DEFINIÇÃO E DELIMITAÇÃO DE ZONA COSTEIRA

Na Constituição Federal de 1988:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.

§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o


Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua
utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a
preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
A zona costeira brasileira é definida na Lei 7.661/88 (1º
PNGC) como sendo “o espaço geográfico de interação
do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos
renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e
outra terrestre”.
Trata-se, portanto, da
borda oceânica das
massas continentais e das
grandes ilhas, que se
apresenta como área de
influência conjunta de
processos marinhos e
terrestres, gerando
ambientes com
características específicas
e identidade própria
A revisão da bibliografia internacional e a análise de programas
similares mostra que o conceito de zona costeira conhece diferenciadas
definições. No geral, duas concepções predominam na literatura
especializada:
a primeira busca captar este espaço como uma
unidade natural, passível de ser
delimitada no terreno por aspectos físicos ou
biológicos;

a segunda visão entende tratar-se de uma


?
unidade político-
administrativa, que não
necessariamente se apresenta com limites
naturais evidentes.

Por razões óbvias, a concepção naturalista predomina nos trabalhos de


caráter acadêmico, enquanto a concepção administrativa está mais
presente nos programas governamentais de planejamento costeiro.
combinar critérios naturais
Na primeira versão do PNGC, tentou-se
com critérios métricos absolutos, chegando a uma definição que
propunha medidas quantitativas fixas na delimitação da zona costeira.

Tal proposta, ao passar pela aplicação prática,


revelou-se problemática e de difícil
operacionalização. Isto acontece porque a
extensa costa brasileira abriga situações
variadas, que propiciam o uso adequado de
distintos critérios, conforme as localidades
consideradas.
EXEMPLO:

No litoral da região Sudeste a presença


da Serra do Mar individualiza
claramente a zona costeira como um
compartimento geomorfológico,
constituído pela planície litorânea e
pela vertente oceânica da serra; em tal
contexto, o uso de uma cota altimétrica
ou mesmo da crista da serra como
limite mostra-se como um critério que
torna claro a segmentação da zona
costeira.
Em certas porções da costa, um
determinado tipo de formação
vegetal ou a presença de algum
ecossistema específico pode
fornecer um limite preciso (a
ocorrência de manguezais ou a
existência de campos dunares ou
lagoas e lagunas costeiras);
contudo, tais critérios não são
generalizáveis para todo o
litoral do país.
Arquipélago de São Pedro e São Paulo

Uma outra problemática: as ilhas oceânicas


Em função da problemática na delimitação de zona costeira, no PNGC II,
resolveu-se assumir os limites político-administrativos como critério
de delimitação da zona costeira, chegando-se à seguinte definição (atualmente
em vigor):

A B
Na faixa marítima, considera-se Na faixa terrestre, considera-se
todo o mar territorial como todo o território dos
inserido na zona costeira, sendo o
limite deste determinado pela municípios qualificados
Convenção das Nações Unidas como costeiros segundo
sobre o Direito do Mar nas 12 critérios estabelecidos no Plano.
Assim, as fronteiras internas
milhas náuticas contadas da municipais fornecem a delimitação
linha de base da costa. De acordo da zona costeira em terra.
com esse documento, trata-se da
área prioritária para a pesca
artesanal;
A opção pelo uso do território municipal apresenta duas vantagens práticas de
grande importância:

A B
O município é, em si mesmo, uma Na estrutura do planejamento
figura jurídico-administrativa e uma brasileiro, o município aparece
agência política do poder público, como uma unidade básica de
logo dotado de competência para o informação, em muitos casos sendo
ordenamento territorial e a gestão a menor unidade de
ambiental. Assim, ter o espaço desdobramento dos dados
municipal como unidade de existentes. Desta forma, enquadrar
intervenção facilita o envolvimento a zona costeira no marco municipal
desta esfera de governo e o favorece a utilização das
estabelecimento de parcerias informações disponíveis, em seu
locais, viabilizando a formato atual, fato que facilita
descentralização de ações. bastante a elaboração dos
diagnósticos e estudos necessários
à gestão.
O inventário desse conjunto de municípios foi realizado segundo os critérios
explicitados no PNGC, a saber:

- os municípios defrontantes com o mar, assim considerado


em listagem desta classe, estabelecido pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE);

- os municípios estuarino-lagunares, mesmo que não


diretamente defrontantes com o mar, dada a relevância destes
ambientes para a dinâmica marítimo-litorânea; e

- os municípios contíguos às grandes cidades e às capitais


estaduais litorâneas, que apresentem processo de
conurbação;
- os municípios que, mesmo não defrontantes com o mar,
tenham todos os seus limites estabelecidos com os municípios
referidos nas alíneas anteriores.

- os municípios próximos ao litoral, até 50 km da linha de costa,


que aloquem, em seu território, atividades ou infraestruturas de
grande impacto ambiental sobre a zona costeira, ou
ecossistemas costeiros de alta relevância;

- os municípios não defrontantes com o mar que se localizem


nas regiões metropolitanas litorâneas;
Assim ficava a ZC do Ceará

Chaval, Barroquinha, Camocim, Cruz, Jijoca de Jericoacoara, Acaraú, Fortim,


Itarema, Amontada, Itapipoca, Trairi, Paraipaba, Paracuru, São Gonçalo de
Amarante, Caucaia, Fortaleza, Maracanaú, Maranguape, Horizonte, Pacajus,
Itaitinga, Guaiúba, Pacatuba, Eusébio, Aquiraz, Pindoretena, Cascavel,
Beberibe, Aracati e Icapuí.
Contudo...

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) atualizou em 2021 a lista de


municípios abrangidos pela faixa terrestre da zona costeira brasileira.
Como ficou o Ceará?

Acaraú, Amontada, Aquiraz, Aracati,


Barroquinha, Beberibe, Camocim, Cascavel,
Caucaia, Chaval, Cruz, Eusébio, Fortaleza, Fortim,
Icapuí, Itapipoca, Itarema, Jijoca de Jericoacoara,
Paracuru, Paraipaba, Pindoretama, São Gonçalo
do Amarante e Trairi.
Saíram:

Chaval, Maracanaú, Maranguape,


Horizonte, Pacajus, Itaitinga, Guaiúba,
Pacatuba.
A década de 1990 traz novas metas de planejamento e gestão

Descentralização político-administrativa com fortalecimento da


instância municipal como ente da federação com recursos e
responsabilidades próprios.

Instituição de novos marcos legais consistentes, condizentes com


as demandas da realidade apoiadas em bases sociais amplas.

Instituição de novos marcos legais que dispõem sobre o Patrimônio da União


como a Lei Federal nº 9.636/98 que estabelece critérios de preservação
e conservação ambiental no uso de terrenos de marinha e acrescidos

Estruturação e implementação de políticas setoriais sistêmicas com


recursos, conselhos gestores e canais de controle público específicos,
a exemplo do SISNAMA.
Marcos brasileiros

Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro


Obedece às diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) e apresenta
critérios para a definição dos municípios da Zona Costeira cuja gestão participativa
deve integrar diferentes setores e instâncias governamentais. Aponta diretrizes
para a gestão da orla marítima.

Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001)


Através da constituição de um novo modelo de gestão e da sua missão
cujo princípio é fazer com que cada imóvel da União cumpra sua função
socioambiental.
CONHECIMENTO INTEGRADO: BASE PARA GESTÃO INTEGRADA NA ZC

O reconhecimento dos aspectos fisiográficos dos setores costeiros e marinhos


adjacentes, são de fundamental importância à elaboração de um planejamento
adequado para a Zona Costeira.

A observação de características específicas, com relação a aspectos


evolutivos geológico/geomorfológicos e a interação dos sistemas
marinhos e costeiros, proporcionam a base de um Manejo ou Gestão
Integrada da Zona Costeira (GIZC), aliando pareceres técnicos e base legal.

Fisiografia costeira

+ = Gestão Integrada

Planejamento
Planejamento
BASE PARA A GESTÃO INTEGRADA DA ZONA COSTEIRA

A organização desse território deve prever o zoneamento do uso e das


atividades na Zona Costeira, dando prioridade à conservação e
proteção dos recursos naturais, dos sítios ecológicos de relevância
cultural e dos monumentos que integram o patrimônio
natural, histórico, paleontológico, espeleológico,
arqueológico, étnico, cultural e paisagístico.
Os principais resultados dos trabalhos
científicos sobre os oceanos e suas
margens provam quão valioso é o mar;
quão promissoras são as perspectivas da
uso dos oceanos e suas margens... mas
provam também quão frágil e
vulnerável é a zona costeira.

Embora seja, já, em muitos lugares,


uma “área degradada”, uma “área
ameaçada”, uma “área perigosa”... as
margens dos oceanos são cada dia
mais cobiçadas, mais disputadas e...
mais congestionadas.
Regime patrimonial nos espaços litorâneos

Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (Lei Nº 7.661/88)

Definição de Praia: área coberta e descoberta


periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subsequente de
material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e
pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou,
em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.

Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo
assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em
qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de
interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas
por legislação específica.
E o que é o uso comum do povo?

Aqueles que, por determinação legal ou por sua própria natureza,


ser utilizados por todos em
devem, como regra,

igualdade de condições, tais como ruas, praças,


praias, rios, lagoas, mar territorial e recursos naturais da zona
econômica exclusiva e da plataforma continental.
Estratégia mundial para a Gestão Integrada das Zonas Costeiras

A importância das zonas costeiras passou a ser reconhecida em


escala mundial, recentemente, fazendo da gestão dos espaços
litorâneos alvo da preocupação de organizações internacionais e
regionais.

A tomada de consciência quanto à característica do litoral, de


patrimônio raro e frágil, é resultado de longo processo que se
desenvolveu no âmbito de algumas organizações internacionais
pioneiras, cuja importância inquestionável deve ser evocada.
Observação:

A apropriação dos espaços a proteger não implica na estatização do


território costeiro; a proposta é salvaguardar as opções, conferindo-se
ao Estado o poder de sustar
a ocupação dos
espaços até que seja tomada uma decisão
em bases adequadas, sobre os danos causados a esses
espaços por afetação dos diferentes usos e atividades.
Muro Alto (PE)
São terrenos acrescidos de marinha os que se
tiverem formado, natural ou artificialmente, para
o lado do mar ou dos rios e lagoas, em
seguimento aos terrenos de marinha.
O que é a Linha do Preamar Médio (LPM)?

Segundo o Ministério do Planejamento:

A linha do preamar médio é definida pela média das marés máximas,


do ano de 1831. Esse ano foi tomado como referência para dar garantia
jurídica às demarcações, pois, caso contrário, o Terreno de Marinha
poderia avançar cada vez mais para dentro do continente, ou das ilhas
costeiras com sede de Município, tendo em vista o avanço das marés ao
longo dos anos.
Vale dizer: a média da preamar atual não é a
mesma do ano de 1831.

Artigo 10: “a determinação será feita à vista de


documentos e plantas de autenticidade irrecusável,
relativos àquele ano, ou quando não obtidos, à época que
do mesmo se aproxime.”

Programa GLOSS (Global Observing Sea Level


System) da COI/UNESCO.

Estudos do Painel Intergovernamental sobre


Mudanças Climáticas
Sobre os terrenos de marinha:

1) A Marinha não tem relação alguma com a situação.

2) Os "terrenos de marinha" são imóveis de propriedade da União –


em alguns casos a propriedade pertence aos Estados e aos Municípios
– que são medidos a partir da linha do preamar médio de 1831
até 33 metros para o continente ou para o interior das
ilhas costeiras com sede de município. Além das áreas ao
longo da costa, também são considerados terrenos de marinha as
margens de rios e lagoas que sofrem influência de marés.
O desafio:

Os terrenos de marinha (a faixa dos


33m contados a partir da linha limite –
preamar – do leito das águas), não
obstante pertencerem ao domínio
privado da União federal (bens
patrimoniais relativamente alienáveis),
poderiam ser afetados ao uso comum
de todos os habitantes, isto é, ao
domínio público, em lugar de
concedidos aos particulares, a título de
ocupação privativa.
Considerações finais...

1 A partir do momento em que a preservação e a gestão integrada passem a


incorporar políticas públicas consistentes, será possível estabelecer os
condicionamentos necessários a fim de que a
utilização pública ou privada desses bens naturais se
realize consoante os princípios preconizados no plano internacional para o
gerenciamento das zonas costeiras
2 Uma política de gestão do patrimônio da União na Zona
Costeira, centrada no princípio da economia e raridade dos
espaços naturais que o constituem, e que lhes reconheça
um valor de uso coletivo como
pertencentes a uma universalidade,
reconhecida inclusive como bem de uso comum do povo (art.
225, da Constituição), coincide com os objetivos pretendidos
pela gestão integrada do litoral.
3 A outorga de prerrogativas de uso dos bens federais na Zona Costeira
pode não ser apenas perfeitamente conciliada com os programas de
gerenciamento costeiro, mas assumir o papel de verdadeiro
instrumento de efetivação das consequentes
políticas públicas.

(a luta contra a corrupção)


A criação de estruturas intersetoriais na administração brasileira,

4
com aproveitamento dos órgãos existentes, poderia solucionar as falhas
na gestão do patrimônio litoral brasileiro, harmonizando a atuação dos
órgãos públicos e controlando a atividade privada.

Sob o aspecto organizacional, é fundamental que a competência


atribuída ao órgão atualmente denominado Secretaria do Patrimônio
da União, esteja
em sintonia com as atribuições
dos órgãos federais, estaduais ou municipais cuja função
seja a proteção do meio ambiente,
destinando-se esses bens à conservação da natureza e à preservação
do equilíbrio ecológico das regiões litorâneas, sempre que necessário.
Nessa perspectiva, o patrimônio federal na Zona Costeira tornar-se-ia
mais apto a atender às necessidades sociais ou coletivas de maior
amplitude, do que a formar receitas de curto prazo para o erário.

Papel da GIZC na regularização fundiária...


permite ao poder público adotar uma política ativa de intervenção no
mercado fundiário, freando a especulação que, frequentemente, recai
sobre os próprios bens públicos.

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