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UMA HISTÓRIA DE

30 DIAS
Viajando pela América do Sul

PEREGRINO LUNAR
Copyright © 2021 de Joao Paulo Ferreira
Todos os direitos reservados.

i
SUMÁRIO
CAPÍTULO I — O CAMINHO DO PEREGRINO

....................................................................................... 10

ITAPAGIPE .................................................. 10

SAINDO DE MINAS ....................................... 13

TERENOS ......................................................14

ANIMAIS SELVAGENS NA PISTA..................16

¿HABLAS ESPANHOL? ................................. 17

CAPÍTULO II — BOLÍVIA .................................... 19

PUERTO QUIJARRO .....................................19

SAMAIPATA ................................................. 23

CAPÍTULO III — O ALTIPLANO ....................... 27

QUINOA COM MAÇÃ EM COCHABAMBA .... 27

UMA OUTRA COPACABANA ........................ 32

ISLA DEL SOL .............................................. 33

CAPÍTULO IV — PERU ......................................... 38

ii
AMIGOS EM CUSCO..................................... 38

UM DIA ESPECIAL ........................................ 41

CAPÍTULO V — DESCENDO O LITORAL ...... 43

OCEANO PACÍFICO ..................................... 43

EL FISCAL.................................................... 45

ARICA .......................................................... 46

IQUIQUE.......................................................47

CAPÍTULO VI — VOLTANDO PARA CASA ... 58

ATRAVESSANDO O DESERTO ..................... 58

CARONA NA CEGONHEIRA ......................... 60

TERRAS ARGENTINAS ................................ 63

PASSAGEM PARA CIUDAD DEL ESTE ......... 66

BRASIL ........................................................ 68

PAUSA PARA DESCANSO ............................ 69

ARCOS .......................................................... 71

iii
iv
SOBRE O LIVRO E DEDICATÓRIAS

Esta é uma história real que aconteceu


no início de 2012. Os nomes de alguns
personagens foram modificados, porém os
fatos ocorridos são todos reais. Este livro
conta minha história mochilando por países
da América do Sul. Nele você encontrará
dicas para viajar de carona, ou de como
aproveitar as oportunidades que surgem na
estrada.
Dedico este livro a Jesus e aos que para
Ele trabalham, que estiveram por mim nessa
aventura. Dedico a todo aquele que gosta de
viajar, que pretende, que gosta ou vai fazer
um mochilão. Dedico aos meus amigos e
parceiros de vida, em especial ao Tiago, que
sempre revisava o texto buscando melhorias
e fez um belo trabalho de arte na
diagramação.

v
Também dedico este livro à minha
família, que suporta minhas ausências e com
sua presença faz qualquer canto do mundo
ser perfeito.
Quero dedicar ao Leo Carona, Cristian
Chavez, aos mochileiros e amigos que fiz
nessa trajetória. Dedico também a todos as
pessoas que hospedam o viajante do caminho
e o ajudam em sua jornada.

Por fim dedico este livro à todas as


pessoas que trabalham na estrada e dela
tiram seu sustento.

João Paulo Ferreira – O Peregrino Lunar

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vii
SOBRE O AUTOR

Joao Paulo estava com 19 anos quando viveu essa


aventura. Quase 10 anos depois decidiu
compartilhar essa história com vocês neste livro.
Este é o mais detalhado relato escrito desde que tudo
aconteceu.
Em 2011 ele havia saído de seu emprego
estável, de vendedor de artigos de pesca e camping,
e começou a perambular de carona pelas redondezas
da cidade de Arcos, que fica no estado de Minas
Gerais. A viagem descrita neste relato durou todo o
mês de janeiro e às vésperas de sair de casa, um casal
de argentinos se hospedou em sua casa e nas
conversas sobre planos de viagem, surgiu o
pseudônimo Peregrino Lunar.
Durante um mês na estrada ele conheceu a
cordilheira dos Andes e foi parar nas praias do
oceano Pacifico. João Paulo conheceu as ruinas dos

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povos incas e o lago Titicaca que é o mais alto do
mundo, tão grande que pode ser visto do espaço.
João fez muitos amigos pelo caminho.
Amizades que se mantém vivas até os dias hoje.

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VIAJANDO PELA AMÉRICA DO SUL –

CAPÍTULO I — O CAMINHO DO PEREGRINO

“O ser humano é um nômade por excelência, se fosse para


permanecer no mesmo lugar sempre, seriamos apenas uma diferente
variedade de planta”
Paulo e Tânia

ITAPAGIPE

Fazia frio apesar dos primeiros raios de um sol de verão


iluminarem a estrada enevoada que seguia a frente. Dei um
abraço de despedida em minha família. Minha mãe e minha avó
insistiram sem sucesso para que eu ficasse. O plano de viagem
era audacioso! Já na rodovia, conferi minhas coisas uma última
vez, afinal, qualquer coisa que fosse indispensável a viagem ainda
estava a poucos metros de onde eu estava pedindo carona. Tenho
problemas com ansiedade, mas na época era um problemão. Mal
havia dormido na noite anterior e não havia comido nada. Estava

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VIAJANDO PELA AMÉRICA DO SUL –

com uma estranha sensação. Conferi minhas coisas de novo e


pensei comigo que, voltar para minha cama quentinha e guardar
as coisas da mochila, não era uma má ideia. Peguei meu guia
rodoviário e dei uma olhada nas estradas para onde eu estava
indo. Aquele guia fazia todos aqueles quilômetros parecerem
demasiadamente próximos.
A primeira parte da viagem era solitária, mas eu havia
planejado, com membros de um site de mochilão, de pegar o
famoso Trem da Morte, que sai de Puerto Quijarro, junto com
eles. O combinado era nos encontrarmos em Corumbá e pegar o
trem que sairia no dia 10 de Janeiro de 2012 até Santa Cruz de La
Sierra, iriamos juntos até La Paz e depois disso eu iria conhecer
o lago Titicaca que é o mais alto do mundo. O meu plano era
chegar na fronteira com a Bolívia antes disso, para ter tempo de
reunir com a galera e me entrosar, pois prefiro ter companhia de
gente conhecida para compartilhar os momentos legais que a
estrada proporciona.
A neblina se dissipava a medida que o sol subia.
Aparentemente eu não me esquecera de nada, a não ser algo que
mais tarde eu sentiria muita falta. Se passaram
aproximadamente quarenta minutos desde que eu colocara o pé
na estrada, até que parou um caminhão modelo antigo com um
condutor bem simpático. Não me lembro o nome dele, mas me
perguntou assim:
_Aonde cê tá indo com essa mochilona ?
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_Lá pra cordilheira dos Andes, senhor!

Então o caminhão seguiu firme pela BR-354. Com um


caroneiro no início de sua viagem e um motorista com muitas
dúvidas se o rapaz estava dizendo a verdade.
Estava muito empolgado por ter saído de Arcos. Os
quilômetros passavam na atoada do caminhão. Ele me deixou no
trevo de Ibiá, o que significou 170km em uma única carona. A
carona seguinte me deixou em Uberaba, onde almocei e
atravessei a cidade. No caminho, pedi informações para um
taxista sobre a distância até o trevo, que além de postos de
gasolina e pedágios, são excelentes locais para pegar carona. Era
um pouco longe e ele me deu carona até lá. No caminho passamos
por várias instituições ligadas ao nome Chico Xavier, quando
então me lembrei que Uberaba fora o lar daquele sujeito
bondoso. Chegando nos limites da cidade, parecia ser um bom
local para pegar carona. Um homem em uma caminhonete estava
próximo ao acostamento, ajeitando uns móveis na carroceria.
Ofereci ajuda e perguntei para onde ele estava indo.
_Tô indo lá pra Frutal, mas vou passar em Água Comprida pra
deixar esses móveis.
Fui com ele e adorei ter conhecido aquela cidadezinha e
seus habitantes. Chegando lá me deram refrí e melancia e
acharam que eu era parente do motorista. Ele me deixou a

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tardezinha no trevo de Frutal. O sol iluminava a estrada em suas


últimas luzes e estava armando um temporal.
Pouco antes de escurecer por completo peguei carona com
um motorista de transporte de gado. Aquela região possui uma
estrada muito reta que se estende assim por vários quilômetros.
Desabou a chuva e agradeci por estar abrigado no
caminhão. Para cada carona eu repetia a mesma história. De onde
eu era, para onde estava indo, explicar que minha mãe sabia o que
eu estava fazendo e que mantínhamos contato. Chegamos a noite
na cidade dele, que se chama Itapagipe. A chuva havia passado
mas, o tempo ainda estava fechado. Decidi que iria passar a noite
ali e continuar a viagem no dia seguinte.

SAINDO DE MINAS

Acordei na manhã úmida da rodoviária de Itapagipe. Na noite


anterior, passando por um posto de gasolina, conheci dois
rapazes que lá trabalhavam e me perguntaram de onde eu vinha.
Ficamos um tempão conversando até que me fizeram a gentileza
de me deixar tomar banho ali. Dei uma volta na praça, que estava
cheia de jovens, tentei achar uma lan house para mandar
mensagem para minha mãe mas, não fui muito longe, porque
começou a cair uma garoa fina. Dezembro e janeiro são sempre
chuvosos e eu ainda estava no estado de Minas Gerais. Comi um
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cachorro quente, fumei um cigarro e fui para rodoviária. A cidade


fica no baixo vale do Rio Grande e já quase divisa dos estados de
São Paulo e Mato Grosso do Sul. Havia viajado 500km pedindo
carona em um único dia e me sentia bem confiante com esse novo
dia.

Depois de sair de Itapagipe peguei carona com um ônibus


de cortadores de cana que me deixou 48km a frente, em uma
cidadezinha muito pequena que não tinha estrada pavimentada
em muitos trechos. Fiquei ali mais de três horas. Havia outro
rapaz que chegou para pedir carona, mas era da região mesmo.
Conversamos e ele ligou para um sobrinho que estava indo para
cidade seguinte dali a pouco. Peguei carona com eles e me
levaram em uma caminhoneta até Iturama, onde atravessei a
rodovia por 4km debaixo do sol quente de Deus. Do outro lado
tive minha recompensa.

TERENOS

Um caminhoneiro cearense me levou de Iturama por todo o


estado do Mato Grosso do Sul até chegarmos em Campo Grande,
onde eu só esperava chegar no dia seguinte. Nosso amigo
caminhoneiro foi muito gente fina. Ficou muito preocupado
comigo, me deu almoço bem típico do Nordeste, uns pacotes de

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bolacha e me fez anotar o número dele enquanto dizia para ligar


quando eu voltasse para casa. Ele estava passando por problemas
amorosos. Os relacionamentos dele não duravam muito. Mas
como eu nunca havia namorado ou morado junto com alguém,
não sabia bem o que falar. Tentei ser um bom ouvinte e ele me
ofereceu de ir para o alojamento deles, mas decidi ir para a
rodoviária. Lá peguei um coletivo até Terenos, que me pareceu
um bom lugar para passar a noite e continuar a viagem no dia
seguinte.
Na rodoviária, enquanto esperava pelo coletivo, conheci o
Agnaldo, um sujeito muito estiloso. Ele estava com uma mala
cheia de livros da geração “beat” e eu tinha justamente um
exemplar do livro “On the Road” na mochila. Discutimos
Kerouak e política. Então ele me ofereceu uma nota de dinheiro.
No começo, não quis aceitar. Estava levando comigo oitocentos
reais dentro de minha botina e algumas notas pequenas na
carteira. Ele insistiu e disse que era para contribuir com a viagem.
Aceitei e acabei comprando um sanduba e refrí do outro lado da
rodoviária. O coletivo chegou e paguei quatro reais na passagem
até Terenos. Perguntei para o pessoal sobre algum posto de
gasolina e eles disseram que havia um próximo de lá. Eles foram
simpáticos e me alertaram que era perigoso pedir carona naquela
região. Fui para um daqueles box do posto onde se lavam veículos
e dormi tranquilo. Postos de gasolina sempre são sinônimo de
segurança para os viajantes da estrada!
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ANIMAIS SELVAGENS NA PISTA

Acordei bem cedinho e fui para a frente do posto. Havia tomado


café na lanchonete e comprado uma cumbuca de tomar tererê.
Agora que estava claro e cada vez mais eu avançava para os
limites do país, a vegetação se tornara bem exuberante. Nos dois
lados da estrada, paisagens muito bonitas com belas árvores
espaçadas e muitas palmeiras. Foi possível ver muitos animais
silvestres, como o tuiuiú, as araras, jacarés e veados. Muito
diferente mas, com algumas semelhanças à minha região nas
cheias do rio São Francisco. Uma brasília cheia de pescadores me
levou ao trevo de Aquidauana. Minha última carona antes de sair
do Brasil foi com um caminhoneiro gente boa, para compensar o
fato de uma moça que fechou o vidro do carro quando a perguntei
se poderia me levar. Atravessamos a ponte do rio Paraguai que
tem grandes dimensões, sendo este utilizado como via de
transporte, o que foi um dos principais fatores para o
desenvolvimento na região.
Chegamos em Corumbá as 14:30 do sábado.

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¿HABLAS ESPANHOL?

Corumbá tem um grande fluxo de caminhões e a cor da poeira


que estes levantavam na estrada era de um tom vermelho forte. O
motorista da minha carona, natural da cidade, parecia ser uma
pessoa muito tranquila. Quando entrei no caminhão me contou
histórias sobre o desenvolvimento da região. No passado,
Corumbá recebera muita influência do Rio de Janeiro e da
Europa por possuir um dos maiores portos fluviais do Brasil.

No caminho vi várias representações da fauna em


monumentos e construções. Havia chegado ao ponto de encontro
e tinha que esperar até a segunda feira para pegar o certificado
de vacinação e passar pela imigração. Havia decidido que ficaria
em Puerto Quijarro e com informações do caminhoneiro
consegui chegar a praça de Corumbá, que é bonita e tem muitos
casarões antigos em seu entorno. Vi dois senhores bem vestidos
conversando em um banquinho e tinha certeza de que eles
sabiam exatamente de onde partiam os coletivos para o outro
lado.
Cumprimentei os idosos e ouvi:

_¡Buenas tardes joven!

Congelei por um momento, pois estava estudando espanhol


pela internet há alguns meses, mas nunca tinha conversado no
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idioma pessoalmente com um nativo. Entendi o que eles me


informaram. Agradeci e perguntei de onde eram. Argentinos. O
coletivo fez uma viagem bem rápida. No lado boliviano eu paguei
um real em um táxi até a ferroviária de Quijarro. Achei um hotel
nas proximidades onde passei todo o fim de semana.

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CAPÍTULO II — BOLÍVIA

PUERTO QUIJARRO

Enfim era segunda feira. Aqueles dois dias no hotel boliviano


haviam sido bons para repor toda energia que fora gasta na
viagem. Fiz amizade com Allan, dono do hotel, e tomamos juntos
vários litros de tererê pois, fazia um calor intenso todos os dias.
Durante o fim de semana dei algumas voltas na cidade.
Quijarro não é grande, tem uma passarela que você atravessa e
sai em uma pracinha com parquinho. Existem muitos pés de
tamarindo nas ruas e mochileiros em todos os cantos. Havia
estado lá meses antes com um grupo de muambeiros. Muita
gente ia para a cidade comprar roupas baratas e revender no
Brasil. Na época eu fui como “laranja” mas, também comprei
algumas vestimentas para aproveitar. Achei uma lan house e fui
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nela várias vezes para verificar se os mochileiros do grupo viriam


e a cada ida eu ficava sabendo que um deles não viria por motivos
diferentes. Os pais da única moça integrante do grupo não
deixaram ela viajar com pessoas desconhecidas e um dos rapazes
que era do nordeste, mudou o roteiro de viagens e foi para Buenos
Aires. Mandei mensagem para minha família e também conversei
com alguns amigos de Minas Gerais. Acordei bem cedo e fui em
Corumbá pegar o certificado internacional de vacinação contra
febre amarela. Depois voltei na fronteira para passar pela
aduana, que é o local onde se faz o procedimento de imigração.
Muita gente me pergunta se é necessário passaporte para
entrar nesses países da América do Sul e a única coisa necessária
é o cartão internacional da vacinação contra febre amarela e um
documento de identificação com foto, que no meu caso foi a
identidade. A fila era enorme! Haviam pelo menos duzentas
pessoas e julgando pelas características delas e a forma que se
vestiam eram de muitos lugares diferentes. Busquei meu lugar no
fim da fila e a passos lentos esperei minha vez.
As horas passavam devagar e a fila mais devagar ainda.
Não almocei, mas comprei um suco de tamarindo de vendedores
ambulantes. Houve um alvoroço quando um carro que passava
atropelou um cachorro e em boa parte da fila não havia sombra
alguma. Quando finalmente chegou minha vez eu quase não
consegui autorização para entrar no país, por conta de um
comentário irônico que fiz com os guardas da imigração. Com um

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aviso de cautela, sai da aduana com um papelzinho colorido com


minhas informações pessoais, motivos de viagem e tempo de
estadia.
Quando cheguei no hotel decidi não esperar mais. O Allan
havia me sugerido a pegar um ônibus até Santa Cruz, ao invés de
pegar o trem. Encerrei minha estadia com certa tristeza, pois ele
era um rapaz legal. Quem sabe um dia talvez eu o veja
novamente!
Na estrada a frente, muitos outros amigos iriam surgir.

CRISTIAN

A ideia de pegar o ônibus foi uma boa opção. Ele saiu quase na
mesma hora em que eu cheguei na rodoviária. Não havia tido
tempo de tomar banho ou checar minhas mensagens para ver se
pelo menos um dos mochileiros havia chegado na fronteira. Não
conhecia ninguém para onde estava indo, mas tinha um amigo de
Minas Gerais que estava no Acre e iria para Cusco em alguns dias
e caso eu fosse para lá poderíamos nos ver.
Quando o ônibus chegou em Santa Cruz o dia estava
nascendo e fui trocar meus oitocentos reais que estavam na
botina. Naquela época eles me renderam mais ou menos uns 400
dólares. Voltei na rodoviária e comprei passagem para La Paz.
Enquanto esperava minha vez, notei que o rapaz da frente
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também parecia estar fazendo um mochilão e resolvi puxar


assunto. O nome dele é Cristian Chavez. Ele é chileno mas,
trabalhava e estudava sociologia em Buenos Aires. Ele me disse
que estava viajando há alguns dias por aquela região e que estava
vindo de Trinidad. Também estava comprando passagens para a
capital.
Decidimos viajar juntos a partir de ali. O nosso ônibus para
La Paz sairia a noite e ele me chamou para ir para o lugar que ele
estava hospedado. No caminho passamos pela praça central de
Santa Cruz. Pegamos um microbus e fomos para o lugar que ele
conhecia. Era a casa de uma senhora que tinha vários quartos em
sua cobertura, paguei bem baratinho para tomar banho e tirar
um cochilo. Não haviam mais quartos, mas tinha colchão
sobrando.
Acordei algumas horas depois com o barulho de outros
hospedes que já estavam lá. Pareciam estar animados sobre
alguma coisa e fui saber que estavam de saída. Havia o Windy que
é do Amazonas e me visitou em Arcos anos depois. Tinha o Ruan
e a esposa dele Maria que, são brasileiros e estavam viajando
juntos há dez anos vendendo artesanatos e agora seu filho
pequeno estava na aventura. Tinha um argentino de nome Joel
que tocava violão e havia outro chileno também. Eles disseram
que iriam para um povoado próximo chamado Samaipata passar
toda a semana e nos convidaram para ir com eles. O Cristian já
os conhecia e achou a ideia boa. Eu estava afim de aventuras e

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aceitei o convite. Fomos para a rodoviária e reembolsamos com


uma pequena taxa de desconto, nossas passagens para La Paz.
Voltamos para o alojamento e fomos todos para uma rua
onde havia um grande fluxo de microbuses. Um deles oferecia
transporte até Samaipata mas, disse que precisava de mais gente
para fazer a viagem ou então ficaria mais caro a divisão de valor.
Então começamos todos a anunciar o microbus e um
estadunidense, uma brasileira idosa e uma família de bolivianos
completou nosso veículo. Então fomos para um dos lugares que
mais me atraiu na viagem.

SAMAIPATA

Samaipata parece saída de um filme; casas de adobe pintadas


com cores vivas e altos-relevos artísticos nos muros. Em meio as
montanhas que rodeiam a cidade é possível ver casarões e
vinhedos. Existem cafés, casas de artesanato, pousadas e belos
jardins. A cidade estava com muitos turistas e uma senhora que
morava na cidade nos deixou acampar em seu quintal. Eu não
estava com minha barraca porque havia esquecido ela em Arcos
e até então eu não havia precisado dela, mas ali ela seria muito
útil para me abrigar a noite. Felizmente o Cristian tinha uma
barraca e não se importou em dividir ela comigo nos dias que se
passaram.

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A noite na cidade foi fantástica. Mari e Ruan deixou todo


mundo muito animado com a energia boa que tinha. A praça
possuía uma luz laranja que dava uma sensação de acolhimento.
Compramos folhas de coca em uma mercearia e ela realmente
provoca uma sensação de bem estar e relaxamento quando
mastigada. Comprei duas garrafas de rum e o pessoal comprou
um garrafão de vinho. Haviam, uma garota alemã chamada
Sabine, que fiz amizade e também franceses, outros alemães,
colombianos, argentinos, muitas pessoas nativas e mais alguns
brasileiros. Haviam muitos instrumentos sendo tocados e fiquei
completamente bêbado. Conversei com muita gente e aprendi
muito sobre a história da Bolívia e seu povo. Me contaram que a
folha de coca foi dada ao povo inca pelos deuses, para este
suportar a dureza da opressão espanhola e o que, para os
ameríndios era uma benção e conforto, só traria mal aos homens
quando estes tentasse explorar suas propriedades. As histórias
de Samaipata também eram interessantes. Comprei um livro de
escritores locais e ali perto estavam ruinas pré-colombianas
chamadas “El Fuerte” , também fiquei sabendo que o famoso
“Che Guevara” foi morto perto dali. Não me lembro o que
comemos, mas paramos em um lugar para jantar. Fui para a
barraca do Cris e ele já estava dormindo. Durante a madrugada
começou a chover forte, as barracas não ofereciam boa proteção
contra a chuva, então fomos para uma cobertura de um deposito
e dormimos até amanhecer o dia.

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MONTANHA E CACHOEIRA

Apesar de ter chovido o restante da noite, não havíamos


molhado. O sol estava brilhando e o céu azul. O ar da cidade era
muito agradável. Estava com um pouco de ressaca então bebi
toda água do meu cantil. Todo mundo já tinha acordado. Quando
cheguei na praça estavam todos lá. O Windy estava tomando café
da manhã e me deu um pouco de vitamina de chocolate. Ruan e
Mari estavam atendendo alguns turistas. Cristian estava
conversando com o outro chileno e quando terminaram a
conversa, me aproximei e perguntei o que iriamos fazer naquele
dia, então me contaram sobre uma cachoeira que ficava próximo
da cidade. Amo cachoeiras e me animei com a ideia. Chamamos
o Windy e a garota alemã para ir com a gente. A cachoeira fica no
parque ecológico de Cuevas e a entrada custava apenas cinco
bolivianos, mas Windy soubera de uma trilha que levava direto
para as cachoeiras e não precisaríamos gastar aquele pequeno
valor.
Pedir carona em grupo é difícil, mas conseguimos uma
carona-paga com um senhor nativo que nos deixou na entrada do

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parque que ficava a 20 quilômetros do povoado. Pulamos a cerca


e seguimos uma trilha que quase não era visível em meio ao
matagal. Andamos por algum tempo, sempre subindo, então de
repente a trilha terminava no meio do nada. Aquilo era o pé de
uma grande montanha e quando percebemos já estávamos há
mais de 90 metros acima do ponto que começamos a subir e a
montanha ainda continuava até atingir uma grande elevação em
meio ao terreno.
Desistimos de tentar economizar e fizemos toda a trilha de
volta. Pagamos a entrada e entramos no parque. Lá é bem bonito,
onde vi plantas que não existem em minha região e a cachoeira
estava muito convidativa apesar de ser bem rasa. Haviam muitas
famílias. Passamos o resto da tarde ali e quando voltamos para a
cidade decidimos seguir nosso caminho. Então me despedi do
pessoal e fomos para estrada pegar carona.

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CAPÍTULO III — O ALTIPLANO

QUINOA COM MAÇÃ EM COCHABAMBA

Com algum tempo de espera, uma caminhonete com dois nativos


parou para a gente. Eles estavam com um filhote de maritaca em
uma vasilha e nos levaram na carroceria por alguns poucos
quilômetros. Ganhávamos altitude e ver aquelas montanhas ao
ar livre como estávamos era incrível. Montanhas verdes
gigantescas e vales cultivados. Depois disso pegamos outra
carona-paga com uma kombi que por três vezes pegou e deixou
pessoas em lugares que pareciam totalmente ermos.
Quando estava chegando a noite chegamos em uma cidade
pequena chamada Mairana. Era triste ver que haviam muitas
crianças de sete anos e até menos vendendo comida, artesanato
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PEREGRINO LUNAR – UMA HISTÓRIA DE 30 DIAS
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e água. Comprei uma marmita de um casal de irmãos e


esperamos um ônibus que iria para Cochabamba. Esperando
pelo ônibus estava também um francês chamado “Jona” que,
estava há anos na Bolívia e tinha uma tática peculiar de viajar
pelo país. Ele fazia pulseiras e trocava com os motoristas em de
caronas por pequenas distâncias.
A viagem durou toda a noite. Durante a madrugada fez
muito frio. Com certeza eu precisava comprar mais agasalhos,
pois só havia levado um moletom e uma blusa de flanela. Não era
possível ver nada do lado de fora da janela. Quando chegamos em
Cocha, tivemos uma visão incrível. Uma gigantesca montanha
com o topo coberto de neve. Era a primeira vez que eu via neve
na vida e era a coisa mais alta que eu já havia visto. Fiquei
imaginando se o pessoal ia muito lá no alto, depois descobri que
sim. Acompanhamos o francês e fomos para uma rua
movimentada e cheia de tendas. Tomamos uma bebida típica e
deliciosa chamada quinua con manzana, é muito nutritiva e
aquece o corpo por ser servida bem quente. Compramos
passagens para La Paz e iriamos chegar lá a tarde se tudo corresse
bem. Então nos despedimos do nosso novo amigo e pegamos o
ônibus.

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LA PAZ

Existe, na Cordilheira dos Andes, uma grande variedade de povos


andinos. Algumas de suas comunidades ficam a mais de 4 mil
metros acima do nível do mar. Lá em cima existe pouca
vegetação, o ar é muito rarefeito e as pessoas levam uma vida
simples, vivendo em casas de barro e pastoreando suas criações.
Olhar pela janela e ver essa ausência de vida, simplicidade e
beleza iluminadas pelo sol são um descanso para a mente.
Chegando na rodoviária de La Paz, fomos a um hostel que
o Windy havia nos indicado. O dono foi muito receptivo e falava
um pouquinho de português. Me disse que havia visitado São
Paulo há muitos anos e já fora fluente em português mas, não
praticava tinha muito tempo. Pagamos duas diárias e fomos para
o quarto comunitário. Havia uma turma de argentinos e eles
estavam tomando chá de coca que, acabei tomando um pouco.
Tomei banho e saímos para comer algo e explorar a noite da
cidade.
Nuestra Señora de La Paz parecia ser feita de morros.
encontramos com algumas moças brasileiras e elas andaram um
pouco com a gente. Fomos na Rua das Bruxas que vendem coisas
muito exóticas como amuletos contra câncer e fetos de lhama.
Depois disso fomos em um museu e peguei vários livretos e
mapas turísticos da cidade que eram distribuídos gratuitamente.
Em um bazar eu gastei uma nota de vinte dólares. Comprei uma
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blusa azul de lã de alpaca e alguns cartões postais para dar de


presente aos amigos quando voltasse para casa. Despedimos das
moças e voltamos para o hostel. Era bom dormir em uma cama
depois de tanta aventura.
Acordei bem cedo e fiquei na área de lazer esperando por
Cristian. Uma das garotas argentinas era artista e me mostrou o
trabalho dela com malabares, fiquei bem impressionado e contei
para ela que eu havia hospedado um casal de argentinos que
faziam malabares em sinal. Na época eles estavam viajando para
o norte do meu país e foi minha primeira experiencia com troca
de hospedagem. O Cristian apareceu já pronto para sair.
Comemos algumas bolachas e então fomos explorar a cidade.
Fomos para um lugar maneiro chamado Vale de La Luna que
possui formações geológicas iradas, dava para se sentir em um
filme de jornada estelar. As rochas em erosão lembravam torres
misturadas a estalagmites. O perímetro do parque era fechado
mas, as formações se estendiam além. Nos muros haviam
bandeiras de diversos países incluindo o Brasil. Depois disso
passamos por um bairro de casas de alto padrão e então fomos
para o zoológico da cidade. Haviam harpias, lhamas, guanacos,
vicuñas e muitas aves e mamíferos nativos. A ala dos repteis era
arquitetada em forma de uma serpente e lá dentro haviam
exemplares magníficos dos mais diversos tipos.
No centro de La Paz comemos uma refeição dividida em
entrada, prato principal e sobremesa que saiu bem barato. La Paz

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tem seu centro histórico com antigas igrejas e casarões mas,


também havia prédios modernos e belas praças como a Plaza
Murillo. Fomos em um dos mirantes da cidade e tivemos uma
visão privilegiada do Illmani que é o oitavo monte mais alto da
América do Sul, e das casas, prédios e campos de futebol da
capital mais alta do mundo. Uma visão incrível nas tonalidades
marrons e verdes das encostas das montanhas que adornavam a
cidade e do topo nevado da imensa montanha. Depois disso
voltamos ao hostel, pegamos nossas coisas e fomos para perto do
cemitério da cidade, onde pegamos um coletivo para
Copacabana. O ônibus estava cheio, mas por metade do valor o
condutor nos levou na cabine. Junto estava a trocadora e um
senhor de idade, além do motorista que era um quarentão.
Apesar de não ter sido uma viagem muito confortável, foi legal
pois fomos conversando sobre muita coisa e em certo momento
o motorista e o homem idoso começaram a conversar em idioma
quéchua, a qual parecia uma língua interplanetária. No caminho
o ônibus pegou uma balsa para atravessar trechos do lago que
surgiam como braços do mar e era perceptível como o ar se
tornara mais úmido.

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UMA OUTRA COPACABANA

Chegamos a noite em Copacabana e sem dúvidas tinha muitas


características de uma cidade litorânea, Vários hotéis e muita
gente. Uma cidade pequena mas, efervescente de vida. A cidade
tem uma bela basílica e uma praça muito bonita. Quando uma
estátua da santa da cidade foi levada para o Brasil e fizeram uma
capela em homenagem a ela, a praia local ganhou esse nome e é
uma das mais conhecidas do Rio de Janeiro.
Encontramos um hotel bem baratinho, mas que não tinha
chuveiro, como estava muito frio e já tínhamos tomado banho na
noite anterior, deixar de tomar o banho não estaria mal. Não sai
para curtir a cidade a noite, pois estava tão cansado que dormi
quase que imediato e nada nos perturbou durante a noite.
A cama do hostel era agradável e poderíamos dormir outra noite
ali e explorar a cidade. Estava pensando em dormir um pouco
mais, quando Cristian abre a porta do quarto com um sorriso:
_Veja mochileiro, acorde vamos acampar hoje!

_Mas esse hotel é tão barato! – Disse eu.

Então ele me entregou dois bilhetes que davam acesso a


parte sul da Isla del Sol.
_É sério?!!

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Aceitei na hora. Explorar e acampar na Isla seria fantástico.


Lá é o berço da civilização inca e possuí mais de 80 sítios
arqueológicos. Eu pesquisei sobre o lugar mas, não cogitara a
ideia de dormir.
Saímos do hostel, comemos salsipapas como café da manhã
e fomos para o cais. Haviam muitos barcos indo e vindo com
muitas pessoas. Pegamos lugar em um, junto com pessoas de
vários países. O barco partiu de Copacabana e a viagem durou
mais ou menos uma hora e meia, então chegamos ao lugar mais
bonito que eu estive em toda minha vida.

ISLA DEL SOL

“Bem vindos a comunidade Yumani Ilha do sol, Parte

Sul”

Duas estatuas de antigos antepassados do povo inca estavam ao


pé de uma enorme escadaria. Encontrei alguns brasileiros que
pediram para eu tirar foto deles. Possuíam sotaque sulista e um

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deles tinha a tatuagem de uma araucária na perna. A vegetação


da ilha era bem verdinha, com muitos pés de eucalipto. As lendas
incas contam que existe um grande tesouro nas profundezas do
lago e muitos místicos usam suas águas para rituais ligados à lua.
A escadaria leva a uma trilha. Em certo momento pegamos
um atalho e ficamos meio perdidos. Cristian tem uma qualidade
que na época praguejei muito. Ele gostava de subir essas trilhas
pesadas, os caminhos íngremes e grandes desafios. Vasculhei
minha mochila e achei um dos pacotinhos de folha de coca que
eu havia comprado. Foi quase que uma trapaça, mas depois de
mascar algumas folhas, me senti renovado e respirando melhor.
Avançamos rápido e chegamos em uma trilha que então
seguimos.
Sentindo uma euforia estranha chegamos ao alto de um
morro com uma vista panorâmica da ilha. As encostas eram
niveladas para o cultivo de culturas, o que me fez imaginar que
pessoas viviam naquele lugar há milhares de anos e ali
civilizações floresceram e seus frutos ainda podiam ser
encontrados na ilha. As famílias que ali moravam, pescavam
trutas no lago e cultivavam milho. À distância pode se ver as
cordilheiras com brancos nevados em seu topo. A imensidão do
lago é incrível! Suas águas azuis que podiam ser comparadas ao
mar Adriático se perdiam de vista. O céu estava limpo e com
poucas nuvens, o que combinava ainda mais com a cor das águas.
Quando atingimos os limites da parte sul da ilha, era mais ou

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menos hora do almoço. No caminho passamos por um poço


antigo, onde haviam algumas ovelhas e um pouco a frente antigas
ruinas de uma vila inca. O lugar é chamado Pilkokayna, muito
conhecido como Palácio Inca por ter sido construído por Túpac
Yupanqui, um dos últimos líderes incas que vivera no século XV.
Haviam terraços, mesas, muitos aposentos e uma vista belíssima
do lago. Descendo pela encosta havia uma pequena praia e fomos
até lá e tomei um banho!
Com mais um pouco de caminhada chegamos a parte norte
da ilha, onde fica a comunidade Challapampa. Ali haviam
algumas vendas, acomodações e as casas da comunidade.
Comemos outra salsipapa e me deparei com uma cena inusitada.
Dezenas de barracas na praia do lago. Pessoas em grupo
conversavam, tocavam instrumentos e se divertiam
aproveitando as águas e brincando na areia. Começamos a
montar as barracas e quando acabamos o sol já estava baixo.
Anoiteceu e eu coloquei o casaco de alpaca que havia
comprado em La Paz. Não estava frio extremo, mas havia um
vento gelado que vinha de encontro da praia. Compramos uma
garrafa de rum e um refrigerante local e então bebemos juntos.
Sou muito fraco para bebidas alcoólicas e em pouco tempo eu já
estava em um grau muito forte. Dei uma volta e fui para a beira
do lago para tomar um ar e fumar um cigarro. Haviam dois
rapazes de cabelos grandes vestindo ponchos. Me aproximei
deles e os cumprimentei:

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_Hola señores, Buenas noches _


¿ Hola que tal ?
Então desembolamos um minuto de conversa. Mas havia
algo estranho na forma como falavam e quando perguntei de
onde eram, eles disseram:
_Nosostros somos del Brasil!

Rimos muito pela gafe e conversamos mais um pouco em


português dessa vez, então me despedi deles e voltei para onde o
Cristian estava e continuamos a beber. Havia um grupo de
argentinos assando um cordeiro e uma garota que acho que era
chilena cantando uma música muito bonita que falava sobre a
lua. Fomos para perto dela e muitas pessoas se aproximaram
também. Quando a madrugada veio, as pessoas foram aos poucos
indo para as suas barracas e ninguém mais alimentava as
fogueiras. Então decidi ir dormir também, coisa que foi muito
difícil por causa do frio que estava fazendo.
Acordamos o sol já estava alto. Desmontamos
acampamento, voltamos para Copacabana e decidimos que
seguiríamos para Cusco a partir dali. A imigração foi muito
rápida e tranquila. A fila era pequena e rapidamente nos deram
permissão de entrada no país. A Bolívia ficou para trás deixando
em mim boas recordações. Foi uma semana memorável e sem
dúvidas foi um país onde me diverti muito. Culturalmente rico,
com um povo acolhedor e uma grande variedade de tubérculos, o
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que faz da alimentação daquele povo um caminhão de


possibilidades gastronômicas. O país possui florestas,
montanhas, desertos de sal e o incrível Titicaca, que espero um
dia ver novamente suas águas azuis.

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CAPÍTULO IV — PERU

AMIGOS EM CUSCO

O ônibus chegou logo de manhã em Cusco. Foi uma viagem muito


tranquila. Primeiro passamos por Puno. O lance de viajar a noite
tem a desvantagem de você não conseguir ver as paisagens e se
torna muito cansativo depois de passado um tempo. Mas você
economiza tempo de viagem e acomodação.
Cusco estava acordando. As pessoas saiam para o trabalho,
o sol da manhã estava morno e havia um pouco de neblina.
caminhamos por uma longa avenida e vez ou outra aparecia
algum monumento que trazia para o presente a antiga história
daquele país. Chegamos a Plaza de Las Armas de Cusco que é
sem dúvida uma das mais bonitas do mundo. Havia a Igreja da
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Companhia de Jesus e a Catedral, também casas coloniais que


datavam dos períodos de dominação espanhola. Pensei como
devia ser a praça antes da chegada do homem branco. Sem
dúvidas o povo antigo daquela região possuía um alto nível de
conhecimento a respeito de engenharia e astronomia, pois antes
mesmo da chegada de Cristóvão Colombo nas Américas,
solstícios eram comemorados naquele local.
Fomos para uma lan house e entrei pela primeira vez na
internet desde que havia saído de Puerto Quijarro. Apenas um
dos mochileiros, além de mim fez a viagem para Corumbá. O Will
que é de São Paulo, havia me mandado mensagem há muitos dias
me dizendo que tinha passado pela imigração, mas naquela
altura eu já havia deixado a fronteira há muito tempo. Ele
também tem uma ótima história de viagem. Mandei mensagem
para minha família dizendo que estava bem, troquei mensagem
com um rapaz de Arcos que comecei a sair sem compromisso no
início do ano anterior e o meu amigo mochileiro que estava no
Acre, estava online e imaginei que ele pudesse estar na cidade.
Mandei mensagens e ele confirmou todas as minhas expectativas,
pediu para me encontrar com ele na praça em vinte minutos.
Cristian ficou na lan house e eu saí para encontrar meu amigo.
Agora o sol da manhã estava mais forte e haviam mais
pessoas na praça. Avistei o Léo entrando na praça e ele estava
com o celular na mão enquanto conversava. Eu sabia que ele
estava gravando algum vídeo para o canal dele. Naquela época eu

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era tímido demais. Ele até tentou fazer um vídeo comigo, me


perguntando como fora a viagem mas, as respostas saíram
engasgadas de nervoso e o vídeo não deu muito certo. Abraçamos
e conversamos. Agora sem vídeos sendo gravados me sentia à
vontade para conversar. O Léo é uma grande pessoa! Viajou
vários países pegando carona. Ele tem um canal no YouTube e
um blog. Inspirou a mim e a muitas outras pessoas a viajarem de
carona também.
O Cristian apareceu alguns minutos depois e fomos para
uma agência para ver quanto custava para ir a Machu Picchu. O
homem nos tratou muito bem e tinha um sotaque muito
agradável em seu espanhol. Mas eu estava enfrentando um
problema, não tirei nenhuma foto desde que saímos de
Copacabana porque minha câmera apresentou um defeito que só
foi piorando. Eu teria que comprar outra porque gosto muito de
registrar os lugares por onde passo, então decidi não ir em Machu
Picchu daquela vez e investir o dinheiro em uma câmera nova.
Saímos da agência e ficamos de frente para a praça quando
Léo fez um telefonema que marcou um ponto alto da viagem. Ele
pedira a seu anfitrião para que pudéssemos ficar na casa dele
aquela noite. Seguimos o Leo e passamos por uma rua onde as
bases das construções eram vestígios de um reino de outrora.
_Não toque nas pedras!!!

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Um Guarda advertiu quando Léo, despretensiosamente,


ergueu a mão para tocar na parede. Muita coisa ali tinha centenas
de anos, pensei.

UM DIA ESPECIAL

Léo foi o rei da camaradagem aquele dia. Fomos para casa que
ele estava hospedado e ele gentilmente pediu ao Carlos, o seu
anfitrião, para passarmos a noite lá. Com uma resposta positiva
fomos para a casa dele deixar nossas coisas e saímos para
explorar a cidade. Fomos ao mercado central de Cusco e
tomamos sopa acompanhada de uma bebida fermentada a base
de milho roxo chamada chicha. Ali, além de comida barata, se
vendem muitos tipos de roupas, artesanatos e suvenires. Sai de
uma loja com um gorrinho azul e um tabuleiro de xadrez em que
as peças são figuras incas e espanholas, sendo, até os cavalos
incaicos substituído por lhamas.
Depois do nosso passeio pelo centro histórico de Cusco
fomos a um lugar chamado Cristo Blanco e depois fomos para
Qenqo que, significa zigzag e era dedicado a ritos sagrados e é
uma das mais importantes construções do povo inca. É possível
pegar um microbus até lá, que sai do Cristo. A região fica nos
arredores da cidade e lá fizemos um passeio à cavalo com um

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senhor quéchua que foi muito legal. O templo é feito de rochas


calcarias esculpidas no formato de covas, escadas e mesas
ritualísticas. Aquele passeio compensou o fato de não ter ido a
Machu Picchu. Foi muito bom ver aquela região fantástica. De lá
se tem uma bela vista panorâmica da cidade.
Decidi que não iria fazer o caminho de volta pelo mesmo
lugar, então viajaria mais alguns dias com o Cristian que, iria
para o Chile visitar sua mãe. Quando voltamos para cidade já
estava escurecendo, então fomos ao supermercado e compramos
macarrão, carne, molho de tomate, muçarela, alho e algumas
cebolas. Fomos para casa do Carlos que, ainda não havia
chegado. Tomei banho e me senti limpo como em muitos dias não
ficava. O Léo estava preparando o macarrão e quando estava
quase pronto o nosso anfitrião chegou.
Carlos é um homem simpático e inteligente que tem uma
aparência jovial. Ele chegou com uma labradora muito bonita cor
caramelo. Nos prestigiou com suas histórias de quando ele ia em
povoados para realizar censos com pessoas que nem mesmo
falavam espanhol, mas eram peruanos descendentes dos antigos
povos pré-colombianos. Os Quéchuas e os Aimarás são os
maiores grupos originários do Peru antes do descobrimento das
Américas pelos europeus. Depois do jantar me deu muito sono,
assim como nos outros também. Ficamos conversando um pouco
sobre viagens e logo fomos dormir.

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No dia seguinte compramos passagens para Arequipa


saindo a tarde e almoçamos juntos com um casal de amigos do
Léo que eram do Acre e estavam ficando em um hostel. Passamos
uma tarde bem tranquila descansando para a viagem e depois de
despedir do pessoal entramos no ônibus.

CAPÍTULO V — DESCENDO O LITORAL

OCEANO PACÍFICO

A região de Arequipa é muito árida. O ônibus já estava na estrada


a horas e a paisagem mudara muito a medida que fomos
deixando Cusco para trás. Olhar pela janela era ver um mar de
areia que se perdia de vista. Arequipa é conhecida como a cidade
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branca por conta das pedras vulcânicas que foram usadas em


diversas construções. É a segunda maior cidade do Peru. Lá
passamos por uma rua onde haviam muitos livros sendo
vendidos na calçada e havia uma lanchonete onde comemos o
famoso ceviche que tem suas origens naquele país. A praça das
armas de Arequipa é realmente impressionante.
De Arequipa compramos passagem para uma cidade
litorânea chamada Mejia e no ônibus havia uma garota
dinamarquesa muito bonita que o Cristian sentou ao lado e foram
conversando até chegarmos na cidade. A paisagem era a mesma
e então subitamente avistamos o Pacífico. Aquilo era
assombroso. Era minha primeira vez no mar. Eu morava a 600
quilômetros da praia mais próxima e nunca tinha visitado as
praias brasileiras.
A cidade de Mejia é chamada de a joia do pacífico. Ondas
agradáveis, cidade pequena e tranquila. Pessoas acolhedoras.
Nunca me esquecerei do primeiro mergulho no mar ou do gosto
de sal na boca. Nossa alegria era compartilhar aquele momento
divertido e humano. A noite compramos uma caixa tetrapak de
vinho que, é uma das maneiras como ele vendido no país, e
armamos acampamento na praia. Mais um dia de viagem fora
concluído e para descansar havia o barulho das ondas do mar.

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EL FISCAL

Era surreal estar em meio aquela região desértica. Levantamos


dedão em busca de uma carona para nos tirar de Mejia, então um
carro modelo antigo nos levou até uma estação de serviço
chamada “El Fiscal, onde passa a Panamericana. Éramos dois
rapazes de bermuda com o corpo cheio de areia e duas mochilas
enormes. O condutor era um senhor muito simpático, bem
humorado e estava ouvindo música tradicional local. O Cristian
foi na frente conversando com ele e quando paramos o bondoso
senhor nos comprou dois bolinhos de batata e refresco. Ali
haviam muitas tendas e vi como as mulheres trabalhavam
vendendo coisas e fazendo artesanato. Nosso próximo destino
era Tacna que era uma das últimas cidades peruanas antes da
fronteira. Guardo boas memórias das mulheres da Panamericana
que da estrada tiram o seu sustento e dedico a elas essa memória,
pois ficaram muito felizes quando conseguimos sair dali.
Em uma rápida passagem por Tacna compramos câmeras
novas para poder registrar os lugares e pegamos um ônibus que
chegaria a noite no Chile onde seria meu destino final antes de
voltar para casa.

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ARICA

Depois de sair de Tacna eu estava bem feliz com a câmera nova.


O Cristian comprou uma para ele também, pois eram nossos
últimos dias viajando juntos. Ele sempre pegava minha câmera e
tirava centenas de fotos com ela. No começo isso me deixava um
pouco irritado, mas hoje agradeço muito , pois ele tinha um bom
olhar fotográfico e registrou algumas das melhores fotos.
Pegamos um ônibus sentido Arica e chegamos na fronteira
entre os dois países. A aduana era bem estruturada e haviam
cartazes informando que era proibido entrar com folhas de coca
no país. O guarda fez inúmeras perguntas sobre meus motivos
para estar no Chile e o que eu havia feito nos outros países. Me
perguntou a minha profissão e me olhou desconfiado quando eu
disse que estava desempregado. Por fim ele liberou minha
entrada no país e quando chegou a vez do Cristian usou um tom
mais amigável por serem conterrâneos. Terminada a imigração
dormi até chegarmos em Arica.
Quando chegamos na cidade, andamos por um largo
calçadão beira a praia e haviam muitas moças e rapazes. No Chile
é proibido consumir bebidas alcoólicas na rua, então compramos
um vinho seco e fomos para uma área mais remota. Haviam
outras pessoas na praia. Não armamos barraca. Estava calor e a
brisa do mar, apesar de cheiro forte era refrescante. Na manhã
seguinte fomos ao morro de Arica tirar umas fotos e lá tinha uma
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vista incrível do porto e do imenso deserto que cercava a cidade.


Tiramos fotos do centro e de uma bonita igreja. Comemos o
famoso “completo”, que é uma espécie de cachorro quente
chileno e fomos para estrada pedir carona para Iquique.

IQUIQUE

Para chegar descemos uma gigantesca encosta onde muitas


pessoas praticam atividades de asa-delta. Iquique é linda,
pessoas bonitas, praias animadas e altas ondas. Estava rolando
um festival de surfing e shows de música ao vivo. O clima estava
muito convidativo então fomos logo dar um mergulho. Quando
anoiteceu, fomos a um hostel. Deixamos nossas mochilas lá e
tomamos “banho” no lavatório. Colocamos nossas roupas mais
festivas e fomos curtir a noite praiana. Entramos em uma boate
noturna e estava tocando salsa. Haviam muitos casais e todos
estavam muito animados. Eu não gostei muito da música, mas
pedi uma bebida que estava excelente. Fizemos amizades com
um pessoal de Alto Hospício que ficava nas proximidades e
ficamos até bem tarde na rua.
A ideia de deixar as mochilas no hostel foi ótima. Mas na
hora de acordar o recepcionista do hostel o plano quase deu
errado. Então com muitos minutos batendo na porta, o rapaz do
hostel abriu a recepção e nos entregou as mochilas. Eram 4 horas

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da manhã, decidimos ficar ali mesmo no passeio e usando as


mochilas como travesseiro dormimos quase até amanhecer o dia.
Acordei ainda estava escuro e havia um homem mexendo
na minha mochila. Cristian acordou e gritou com ele e me
levantei para ajudar a defender nossos bens. Mas ao ver que
acordamos saiu em disparada pela rua e virou a esquina sem nos
molestar. Não dormimos mais e ficamos na praia até clarear o
dia.
Quando o sol apareceu, comemos outro completo e fui dar
um mergulho enquanto o Cristian conversava com um homem do
Chile sobre algo que eu já imaginava o que era. Quando voltei
para a praia minhas suspeitas se confirmaram. O chileno que
fumava um cachimbo conseguira para Cris uma passagem para
Santiago, saindo dali algumas horas de Iquique. Já havíamos
conversado que ali eu seguiria por outro caminho, mas quando
chegou a hora me deu muita tristeza ter que me despedir dele.
Ele me ajudou muito e isso me deixa eternamente grato. Fizemos
alguns câmbios de dinheiro e paguei a ele o que havia pegado
emprestado durante a viagem. Queria ter ido com ele para
Santiago, mas meu dinheiro estava no fim e já desejava voltar
para casa. Nos abraçamos e segui meu caminho desejando a ele
toda sorte do mundo.

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CAPÍTULO VI — VOLTANDO PARA CASA

ATRAVESSANDO O DESERTO

Caminhei e caminhei. Pensei sobre minha vida e as pessoas que


eu amava. Havia pessoas que eu já havia decepcionado e pessoas
que eu nunca vou querer decepcionar, pois são como ouro para
mim. Saí dos limites da cidade em direção a Tocopila e Calama
que eram meus próximos destinos. No caminho passei pelos
carabineiros do Chile e por encostas tomadas de conchas. Desci
em um rochedo isolado, onde tomei banho. É incrível como o
sabonete não funciona no mar. Comecei a pedir carona e nada.
Era domingo, passavam carros de família ou de moças lindas
de óculos de sol e o cabelo esvoaçando ao vento, com pranchas de
surf no teto. Todos passavam voando, parecia que nenhum dos
carros me notava e me sentia invisível, além disso fazia tempo que
não comia nada. Era quase nove da noite. O sol estava no
horizonte e logo escureceu por completo, voltei a praia e ali

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mesmo adormeci. Acordei na manhã seguinte com frio, fome e


sede.
Peguei a mochila e cai na estrada. Caminhei até chegar a uma
fábrica onde pedi água ao rapaz da guarita e ele me deu de sua
própria garrafinha. Percebi que não pegaria carona alguma
naquele lugar. As próprias pedras, residentes seculares, pareciam
odiar e amaldiçoar minha presença. Então um carro que saia da
fábrica me deu uma carona de volta a Iquique e quando me vi de
novo na cidade, cambiei alguns dólares e peguei um ônibus para
Tocopila. Me dirigi de imediato a estrada e dali iria pelo caminho
da fé.
Havia próximo a estrada de Tocopila um pequeno santuário
dedicado a San Lorenzo, padroeiro dos mineiros e sendo eu um
mineiro de nascença vi aquilo como um sinal positivo. Minha fé
no sobrenatural me deixou em terra e naquele momento rezei
pedindo ajuda para que meu caminho fosse bonito e abençoado,
que os homens pudessem ter amor e que eu pudesse chegar a
Arcos em segurança. Naquele momento minha alma estava
sincera e desnuda.
Voltei ao trecho e dali pegaria duas caronas que me levariam
para Calama. Sendo a segunda carona um tanto quanto peculiar.
O carro era um último modelo e extremamente limpo, o motorista
disse ter passado ali, ido 2 quilômetros adiante e retornado para
poder me ajudar. Paramos em uma venda na estrada e ele
comprou para mim um pacote de bolacha e soda e me deixou em

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frente a rodoviária, onde eu peguei um ônibus até San Pedro do


Atacama.

CARONA NA CEGONHEIRA

Amanheci cansado e com dor nas costas, a terra úmida da praça


em San Pedro não havia me deixado dormir direito. Como o lema
era economizar o máximo possível de dinheiro, não comprei nada
nem visitei as atrações turísticas que existem nos arredores da
cidade. Comi as sobras da bolacha, e dei uma volta. Como é
rústica San Pedro, cheia de casas e outras construções de barro,
sendo uma cidade totalmente turística com seus vales, salares e
cercada da natureza árida e incomum do Atacama. Fui rumo à
aduana para sair do Chile e ali enfrentei um problema. O rapaz da
imigração estava pedindo a identificação do meu ônibus:
_Estou pedindo carona. – E ele me disse que eu teria que
estar em um veículo identificado, então a solução seria pegar um
ônibus até a cidade mais próxima na Argentina; assim pelo menos
cruzaria legalmente a fronteira, mas quando fui nas agências
estava tudo cheio, só teria vaga no ônibus em fevereiro. Fiquei
sem chão! Então tentei os caminhoneiros na aduana mas,
nenhum quis me levar.
Estava prestes a agir de má fé. Anotei o nome de um ônibus
e entrei na fila novamente. Iria dizer que estava nesse ônibus, mas
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sucedeu que quando fui dizer isso, ele já estava carimbando meu
visto, acho que falou aquilo só de sacanagem. Então estou
legalmente permitido a entrar nas terras argentinas, agora só
faltava alguém para me levar.
Pedir carona na cidade do Atacama, não foi uma coisa fácil e
por horas a fio esperei. Os carros passavam cheios de gente e os
que passavam vazios não ligavam para minha presença na pista.
Não obstante o Sol do deserto estava se tornando insuportável e
havia mais de 30 caroneiros a me fazer concorrência, mas ali eu
teria sorte grande. Tinha um grupo de brasileiros, que eram
pessoas que não costumavam pegar carona mas, possuíam
consigo uma carta única. Eles eram puxadores de zero (levam
para um país um veículo novo dirigindo e voltam de ônibus). San
Pedro como eu mesmo havia verificado só havia ônibus dali uma
semana.
A cartada a mais era essa: conversariam com algum
caminhoneiro paraguaio, que eles sabiam passar a tarde levando
veículos seminovos em cegonheiras. Dito e feito! Às três da tarde
passaram três cegonheiras do Paraguai. Quando eles pararam na
aduana, meus companheiros de carona falaram com os
motoristas e ficou combinado. Eles sairiam de madrugada
oferecendo para os outros brasileiros e para mim, a melhor
carona que eu poderia desejar: centenas de quilômetros vencidos
a uma altura suficiente para ver os detalhes das paisagens e o
melhor de tudo, sozinho com horas e horas de silencio absoluto

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para descansar, sem ter que dizer ou ouvir nada, pois as vezes o
grande incomodo de viajar de carona é você ter que ficar ouvindo
o motorista por horas, para que ele se convença que não foi uma
má ideia ter parado o veículo para um estranho.
Enquanto não chegava a iluminada hora, nos juntamos a
um caminhoneiro brasileiro, e um dos puxadores de zero
chamado Ivan fez almoço para gente: um arroz com frango de um
jeito que só existe no Brasil. Fiquei o resto da tarde sem me
preocupar com absolutamente nada. Contei alguma histórias da
estrada e também ouvi outras. Quando a tarde estava no fim
apareceram alguns rapazes que estavam fazendo um percurso
parecido com o meu, vindo da Argentina rumo ao Chile e à
Bolívia. Eles vendiam artesanato e um deles levava um violão
para conseguir dinheiro tocando em praças e avenidas. Eram de
três países diferentes: França, Argentina e Chile. Dividi um
pouco de rapadura com eles, dei algumas dicas dos próximos
lugares para se pedir carona e lugares sossegados para acampar.
Trocamos sinais sinceros de boa sorte e eles se foram.
Era empolgante ver jovens de mente tão desprendida e
iluminada, dava vontade de seguir com eles, mais percebi que eu
não tinha naquele momento, meios de ganhar a vida nas ruas.
Me despedi do trio e voltei para nossos amigos brasileiros e um
deles havia preparado um molho de salsichas. O cara era gente
fina, muito inteligente e disposto a ajudar sempre. Depois disso
ele se foi e fomos ao encontro dos paraguaios. Estava tarde e

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tivemos um receio que se confirmou... os caminhoneiros estavam


dormindo. Tentamos sem sucesso acordá-los. A noite do Atacama
era fria e seca, seria impossível aguardar até as 04:00 do lado de
fora, então cada um se ajeitou em um carro e no interior quente
de um Nissan, adormeci.

TERRAS ARGENTINAS

Chegamos por volta das três da tarde em Jujuy e apesar da minha


insistência com os paraguaios para me levarem até Assunção, eles
nos deixariam ali mesmo. Estava de bom tamanho, afinal haviam
nos tirado do Atacama e nos levado por centenas de quilômetros
através dos Andes. Me despedi de toda a turma do Ivan, do Velho
e de todo resto. Dali eles pegariam um ônibus para Corrientes e
depois outro para o Rio Grande do Sul, onde estariam suas
residências. Me sentei em um muro próximo a autopista,
refletindo sobre o próximo passo, afinal esperava que os
paraguaios me levassem até a fronteira do Paraguai. Então decidi
sair de San Salvador de Jujuy que era a capital da província e
pegar um coletivo rumo Guemes, uma cidadezinha vizinha e ir em
alguma estação de serviço para tentar pedir carona.
Quando cheguei a rodoviária, para minha surpresa, Ivan
estava lá. O restante dos companheiros haviam pegado o ônibus,
mas ele iria para Guemes também. Então ele me propôs a mesma

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ideia que eu tive, só que muito melhor: iriamos pegar o coletivo


até Guemes e la havia um hotel que ele costumava se hospedar.
Dividimos um quarto e continuamos a viajar juntos no dia
seguinte. Fiquei maravilhado com a oportunidade de tomar um
banho de verdade e depois de dias voltar a dormir em uma cama.
Depois do banho dormi quase que de imediato. Na manhã
seguinte, fomos ao pedágio e depois de horas de espera por algum
caminhão brasileiro, surge o Rodrigo. Um sulista brasileiro que
nos levou até Resistência. Foi uma viagem tranquila, dormimos
em um posto de gasolina e foram horas agradáveis de boa
conversa, e paisagens vistas da cabine do caminhão. O Ivan tinha
tirado a sorte grande, porque o Rodrigo passaria praticamente na
porta da casa dele. Despedi deles e segui meu caminho. Do trevo
de Resistência caminhei algumas horas pela estrada até chegar a
uma capelinha de "Gauchito Gil".

"Gauchito Gil"

Na versão que ouvi dos caminhoneiros, Gauchito Gil foi uma


espécie de Robin Hood argentino, roubando dos ricos e dando aos
pobres. Procurado pela polícia, foi pego por um rastreador e nos
últimos momentos de vida, pediu para ser morto com seu próprio
punhal. Antes de morrer disse ao seu assassino que a filha do
mesmo estava muito doente e a única forma de salvá-la seria
pedindo perdão a ele, Gauchito. Na descrença de seu algoz,
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Gauchito foi morto e amarrado aos pés de uma árvore. Seu


assassino, tendo regressado ao lar, descobre que sua filha
realmente estava à beira da morte. Dizem que, após retornar e
pedir perdão frente ao corpo sem vida de Gauchito, teria a
enferma se recuperado. Desde então se tornou uma figura
popular entre os argentinos que constroem capelas vermelhas em
sua homenagem e fazem pedidos de cura deixando cigarros,
bebidas e flores, sempre junto às bandeiras e fitas vermelhas.
Saudando o velho espírito e pegando alguns cigarros
emprestado, continuei seguindo meu caminho. Então parou um
carro da polícia rodoviária e os policiais me levaram por 5km até
um posto de gasolina, me garantindo que ali conseguiria carona.
Logo que cheguei havia dois caminhoneiros argentinos:
_Oi senhores!
_Boa tarde!
_Senhores, por acaso vocês estão indo em direção à fronteira
do Paraguai?
_Sim, estamos indo para Formosa.
_Que máximo! Será que vocês podem me levar ?
_Sim claro, mas a gente ainda vai demorar.
_Sem problemas, vou ali pegar um pouco de água e volto.

Enquanto fui buscar água, tinha certeza que havia


conseguido. Então escutei barulho de motores e quando sai da

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loja de conveniência, eles haviam dado partida e fingiram não me


ver.
_Perros safados! Hijos de puta!
Depois disso me veio, o que eu chamo de a “depressão da
estrada”. Os carros vinham, ficavam para comer alguma coisa e
iam embora e para piorar havia um enxame de pernilongos que
estava me deixando irritado e cheio de bolhas. Peguei meu
repelente e sem querer mirei o jato no meu olho na hora de
aplicar. Pronto! Agora estava sozinho, cansado e quase cego de
um olho! Um jovem muito bonito que morava no posto havia me
oferecido sua casa para passar a noite, ele estava em uma moto
com sua filhinha, havia uma bondade ancestral e imensa em seu
olhar, mais eu não pude aceitar. Meu desejo de sair logo dali era
imenso. Quando anoiteceu, vi que não sairia dali aquela noite,
comi o pão que veio junto com meu almoço e umas quitandas que
um caminhoneiro havia me dado. Peguei meu saco de dormir e
ali mesmo, do lado da estrada, adormeci.

PASSAGEM PARA CIUDAD DEL ESTE

Acordei minutos depois de ter adormecido, pois havia parado um


caminhão ao meu lado e seu dono estava conferindo o estado dos
pneus com uma marreta. Quando ele passou para os pneus que
estavam ao meu lado, me perguntou:

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_Garoto, o que você tá fazendo deitado ai, igual a um


mendigo?!
_Estou aqui tentando carona desde cedo. Já conversei com
muita gente mas, estão todos cheios ou simplesmente não
quiseram me levar. Estou querendo chegar em Assunção, porque
sou brasileiro e quero ir para Foz do Iguaçu.
_Que situação ruim. Entra ai, estou indo para Formosa e te
levo!
_Oh sim, obrigado. Vamos!
Aquilo praticamente explodira em meu coração e na
madrugada argentina, o Peregrino pouco a pouco avançava para
casa. Fiquei em um posto de serviço em Formosa, onde de
imediato dormi até o amanhecer e pela manhã, com os primeiros
raios de sol, um argentino de nome Michel, me levou para
Assunção. Aquilo me soava divino e antes do almoço, eu estava
na fronteira. Assunção é bem desenvolvida e as moças são bonitas
e elegantes. Peguei um coletivo até a rodoviária e comprei uma
passagem para Ciudad del Este. A viagem foi rápida e atravessei
a Ponte da Amizade antes do pôr do sol.

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BRASIL

Senti a incrível sensação de voltar à minha pátria. Era uma


sensação de vitória. O sol começava a se por quando cheguei a Foz
do Iguaçu. Fui na rodoviária e comprei um bilhete para cidade
vizinha chamada Santa Terezinha do Itaipu, que sairia no dia
seguinte.
Vaguei pela rodoviária e comecei a bater papo com um
mototaxista, quando contei que ia dormir na rodoviária, ele me
disse que não longe dali eu encontraria um albergue de caridade,
onde eu poderia tomar banho, comer e dormir de graça. Aquilo
me soava extremamente agradável, principalmente quando ele
disse que me levaria na moto. Fui muito bem recebido no
albergue. Pegaram meus dados e me ofereceram jantar. Tomei
um banho quentinho para depois disso dormir em uma cama
agradável. Havia alguns moradores de rua no quarto, era incrível
as histórias que escutei deles. Às seis da manhã o pessoal estava
chamando a gente para tomar café e sair, pois as 07:00hr o
albergue fechava e voltava a abrir as 18:00hr. Voltei à rodoviária
e peguei meu ônibus para Santa Terezinha do Itaipu.

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Era domingo e pegar carona nesse dia como todo mochileiro


sabe, é quase inviável.
O sol avançava pelo céu e eu não havia saído dali. Fui em
uma lan-house, de onde novamente receberia ajuda do grande
Léo, aquele amigo que encontrei em Cusco. Ali perto ele tinha um
amigo chamado Alex, com o qual ele entrou em contato com a
família dele e pediu a eles para me hospedarem por um ou dois
dias. Alex estava viajando, mas sua mãe e irmã me receberiam de
braços abertos.
Apesar de ter voltado confiante ao pedágio, o sol já estava se
pondo e logo escureceu de vez. Aquele dia não cheguei na cidade
dele. Tentei dormir no pedágio, mais o segurança disse, que ali eu
não poderia ficar e como Santa Terezinha estava a 6 quilômetros
eu não animei a voltar. Me afastei uns 300 metros dali, comi
algumas bolachas e dormi debaixo de uma velha árvore.

PAUSA PARA DESCANSO

Acordei do mesmo jeito que havia dormido e a única diferença na


paisagem da noite anterior é que havia no horizonte uma linha
rósea no leste indicando que o sol nasceria logo e tinha um gambá
do tamanho de um cachorro olhando para mim. Na hora que ele
percebeu que eu havia acordado correu em disparada em direção
a árvore, não sendo possível tirar uma foto.
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Como era segunda-feira; tinha certeza que seria fácil sair


dali e em 15 minutos estava em um caminhão, indo direto para
Cascavel-PR. Chegando lá paguei dois reais num coletivo direto a
Corbélia e foi fácil pelas indicações do Léo encontrar a casa da
família do Alex. Sua mãe se mostrou uma mulher de força e
extrema bondade. Ela e a irmã do Alex me receberam de braços
abertos. Porém, como Alex estava viajando, não o conheci.
Fizeram um almoço maravilhoso e depois de comer fiquei
indeciso se seguia a estrada ou se passava o dia ali. Meu cansaço
estava me deixando frágil e já não levava a mochila com a mesma
disposição de 10 dias atrás. O desejo de chegar o mais rápido
possível em casa falou mais alto, me despedi da família do Alex e
fui ao banco da cidade. Era segunda-feira e eu havia recebido um
dinheiro que estava esperando. Decidi usá-lo para voltar mais
rápido para casa. Fui para a saída da cidade e em 20 minutos já
estava em uma carona. O motorista estava fazendo entregas na
região e ajudei ele a descarregar várias mesas. Ele me deixou em
Ubiratan, de onde peguei um ônibus até Londrina e de lá outro
para Ourinhos, em São Paulo. Fiquei em um hotel bem antigo e
os donos eram bem simpáticos. Durante a noite dei uma volta
pela cidade e fui em uma lan house.
O rapaz de Arcos com quem eu estava “ficando” havia se
mudado para os arredores de Brasília e me chamou para visitá-
lo. Convite que acabei aceitando mais tarde, sendo essa outra
história. Arcos agora estava às portas.

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ARCOS

Depois que sai do hotel em Ourinhos comprei uma passagem para


Ribeirão Preto e depois outra para Formiga. Ali eu já estava em
estradas conhecidas, podia praticamente sentir Arcos atrás dos
cerros. O ônibus chegou de madrugada em Formiga e então decidi
ir para os limites da cidade e sentir a adrenalina de pegar a última
carona desta aventura. Em menos de três minutos lá estava eu,
indo para Arcos e nem havia começado a pedir carona.

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EM CASA

Durante um mês viajei pelas estradas da América do Sul. Não


conhecia os lugares para onde estava indo e em vários momentos
o universo conspirou para que as coisas corressem bem. Sai de
casa em segurança e retornei da mesma maneira. Aprendi e evolui
muito durante a viagem. Depois de dias inesquecíveis, passei por
vários lugares diferentes, cada qual com seu povo e sua cultura.
Enfrentei o calor, o frio e as adversidades do caminho. Mas aqui
estou, sonhando com novas aventuras.

Quando você volta à sua terra, acaba percebendo que ela não
mudou nada. O que mudou foi você e cabe à sua obrigação
espalhar a mudança!

FIM.

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