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CURSO ELEMENTAR DE MAÇONOLOGIA

ANDRÉ OTÁVIO ASSIS MUNIZ

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Aos valorosos IIrm.˙. da Augusta, Respeitável, Benemérita, Grande
Benfeitora e Centenária Loja Simbólica “14 de Julho” n.0457, que
apoiaram e auxiliaram este projeto desde seu início.
À Melissa, minha grande companheira de todos os momentos.
À saudosa memória do Irmão João Carlos Costa Sousa, que tão cedo nos
deixou.

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A Franco-Maçonaria auxiliando a humanidade

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ÍNDICE

Histórico da ARBGBCLS 14 de Julho n.0457 Pág. 5

Introdução Pág. 8

Aula 1 - O que é Maçonologia? Por que estudá-la? Pág. 10

Aula 2 - Apontamentos sobre as origens da Franco-Maçonaria Pág. 14

Aula 3 - Os símbolos e sua linguagem Pág. 22

Aula 4 - Liturgia - Geral e Maçônica Pág. 26

Aula 5 - Os ritos maçônicos praticados no Brasil Pág. 36

Aula 6 - Noções fundamentais de Filosofia Pág. 96

Aula 7 - Noções fundamentais sobre o Estudo das Religiões Pág. 103


Aula 8 - A Cavalaria Medieval e a Maçonaria Pág. 114

Aula 9 - Maçonaria e desvios revolucionários Pág. 125

Aula 10 – Uma Franco-Maçonaria para novos tempos Pág. 130

Aula 11 - A Franco-Maçonaria como instituição iniciática Pág. 133

Aula 12 – Contribuições para o estudo maçonológico em Loja Pág. 138

Breve Nota Biográfica do autor Pág. 150

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Histórico da ARBGBCLS 14 de Julho n.0457

A ‘Augusta, Respeitável, Benemérita, Grande Benfeitora e Centenária


Loja Simbólica 14 de Julho, n.0457 é uma das estrelas mais brilhantes da
constelação maçônica do Brasil.
Fundada em 1893 por diversos francos-maçons ilustres, entre eles J.
Amandier e Jean Fender, funcionou a princípio no Rito Escocês Antigo e
Aceito, à Rua Santa Rosa, tendo trabalhado depois, durante algum
tempo nas ruas Quitanda, 7 de Abril, das Flores, Xavier de Toledo e
Tabatinguera, todas elas localizadas na parte antiga da Cidade de São
Paulo.
Naquele tempo, já desde outubro de 1889, o Grão Mestre do GRANDE
ORIENTE DO BRASIL – GOB, Visconde Vieira da Silva, estabeleceu a
GRANDE LOJA PROVINCIAL DE SÃO PAULO, que seria o embrião do que
se tornaria o Grande Oriente de São Paulo (GOSP).
A Maçonaria estava estabelecida em solo paulista desde 19 de agosto de
1831, quando foi fundada a Loja Maçônica Inteligência n.014, na cidade
de Porto Feliz/SP, então subordinada ao GRANDE ORIENTE BRASILEIRO
(ou "GRANDE ORIENTE DO PASSEIO") que passou ao GRANDE ORIENTE
DO BRASIL – GOB, em 19 de agosto de 1832.
No ano de 1914, portanto, 7 anos antes da fundação do Grande Oriente
de São Paulo (GOSP), fundado em 29 de Julho de 1921, a Loja 14 de
Julho mudou de rito, passando a adotar o Rito Adonhiramita. Trabalharia
nesse rito por 7 anos, ou seja, até o dia 14 de Julho de 1921, 15 dias
antes da fundação do já referido Grande Oriente de São Paulo.

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Nesse glorioso 14 de Julho de 1921, a Loja “14 de Julho” adotaria o Rito
Francês Moderno, no qual trabalha até a presente data, tendo
acumulado, portanto, 94 anos de prática ininterrupta do Rito.
Quando se decidiu pela fundação do Grande Oriente de São Paulo, já
existiam 53 Lojas Maçônicas funcionando no Estado.
Em 29 de julho de 1921, a maior parte delas se reuniu à Rua
Tabatinguera, 74, local onde também funcionava a Loja 14 de Julho, para
criar o GRANDE ORIENTE DE SÃO PAULO - GOSP.
A Loja ‘14 de Julho’ foi, portanto, uma das fundadoras da Franco-
Maçonaria obediencial regular paulista. Cabe aqui lembrar que o Estado
de São Paulo foi o pioneiro no sistema de obediências estaduais dentro
do Grande Oriente do Brasil. Sendo assim, a Loja ’14 de Julho’ insere-se
na constelação das fundadoras e precursoras de tal sistema que, mais
tarde, se disseminaria por todo o Brasil.
Hoje, continuadoras daquelas 53 Lojas iniciais, temos no Estado de São
Paulo, 862 Lojas Maçônicas em funcionamento.
Em 1922, comemorou-se o centenário da Franco-Maçonaria regular no
Brasil. Nas publicações relativas à data, figura a “Loja 14 de Julho”
trazendo, inclusive, o nome dos membros do quadro que naquela época
contava com 79 membros, entre eles alguns famosos como o Dr. José
Adriano Marrey Júnior (que é homenageado com uma Avenida em seu
nome na cidade de Bragança Paulista-SP).
Para se ter uma idéia do perfil dos membros da ’14 de Julho’ em 1922,
passo a narrar um pequeno resumo da biografia do Dr. José Adriano
Marrey Júnior. Mineiro de nascimento, filho do comendador José
Adriano Marrey e de Clara Monteiro de Barros Marrey, ele nasceu em
Itamarandiba, Minas Gerais, em 7 de agosto de 1885 e morreu aos 80
anos, em 14 de março de 1965.
Considerado político destemido e criminalista notável. Seu pioneirismo
ficou patente nos projetos que desenvolveu. As primeiras leis paulistas
de acidentes de trabalho, por exemplo, são de sua autoria. Atuou
também em favor da infância e dos menores abandonados – o que
acabou resultando na criação do Juizado de Menores de São Paulo. Os
direitos civis das mulheres casadas, a proteção às vítimas de delitos e o
apoio aos egressos das penitenciárias foram outros dos temas pelos
quais Marrey Jr. lutou.

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José Adriano Marrey Júnior tornou-se um ícone de idoneidade e
capacidade jurídica. A popularidade que sempre o acompanhou, ganhou
expressão também num fato curioso: muitos pais batizaram os filhos
com o sobrenome dele no lugar do nome.
Foi ele também Grão Mestre do Grande Oriente de São Paulo.
Também é notável a biografia do membro Arthur da Graça Martins, 1º
comandante, por 18 anos, do Quinto Batalhão da Polícia Militar do
Interior (na época chamado de “Força Pública”), unidade mãe das
organizações policiais militares do Vale do Paraíba e que desempenhou
papel de proa na Revolução Constitucionalista de 1932.
Não me estenderei mais aqui para não alongar em demasia a galeria de
membros ilustres.
No ano de 1955, foi inaugurado o luxuoso prédio (para os padrões da
época) ‘Benedito Pinheiro Machado Tolosa’ do Grande Oriente de São
Paulo, sito à Rua São Joaquim, n.457. Para a construção de tal
edificação, a Loja ’14 de Julho’ em muito contribuiu, arrecadando
dinheiro e envidando todo tipo de esforço para sua concretização.
Desde então, a Centenária ’14 de Julho’ aí se reúne e continua a tradição
que perdura por longos 120 anos.
Com muito orgulho, o autor dessas páginas, dedica a essa grandiosa e
operosa Loja Maçônica seu trabalho.

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Introdução
A presente obra é fruto de um projeto comum que há longo tempo vem
tomando corpo nas discussões e colóquios dos membros da Aug.˙.
Resp.˙.Ben.˙.Grand.˙. Benf.˙. e Cent.˙. Loj.˙. Simb.˙. 14 de Julho n. 0457.
Este projeto comum é a difusão de um conhecimento maçônico seguro e
lastreado em pesquisas sólidas que, além de aumentar a qualidade dos
trabalhos maçônicos e a erudição dos obreiros, pode resultar em uma
ação efetiva e fecunda na sociedade à qual estamos inseridos.
É comum ouvirmos IIrm.˙. que reclamam da falta de “ação efetiva” das
LLoj.˙., que lamentam a inatividade das instituições maçônicas ou que,
de alguma maneira, desejariam ter uma maior operosidade social,
política e cultural nos meios em que vivem, baseados em valores e
princípios maçônicos. É impossível agir sem ter uma base sólida. A ação
sem conhecimento conduz à ruína e ao insucesso. Sendo assim, nosso
trabalho pretende fornecer aos IIrm.˙. desejosos de partirem para a
ação, baseada em conhecimentos sólidos, os elementos básicos de que
necessitam.
Este não é um volume destinado especificamente aos obreiros de
qualquer rito ou obediência. É um livro para o maçom em geral, seja ele
de que rito ou instituição for.
A Maçonologia é uma ciência quase completamente desconhecida no
Brasil. É ciência no sentido clássico, ou seja, no de ser um saber
organizado que colige dados baseado em um método científico de
pesquisa. O método aplicado para a coleta das informações aqui
contidas é o de uma criteriosa pesquisa em fontes verificáveis e
documentais. Crenças inverificáveis pela observação direta, opiniões
desprovidas de lastro documental ou teorias sem base razoável estão,
portanto, descartadas de nosso estudo.
Nosso estudo foi organizado na forma de aulas. As aulas são
independentes entre si, podendo ser iniciadas sem que se siga a
sequencia numérica apresentada. No entanto, as organizamos de forma
que o leitor tenha um maior proveito se seguir tal sequência, podendo,
gradativamente, conectar os dados apresentados paulatinamente.

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Esperamos que os temas aqui apresentados suscitem vastas e ardorosas
discussões, agindo como o canto de um galo que desperta a casa toda...
O Autor

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Aula 1 - O que é Maçonologia? Por que estudá-la?
A Maçonologia é o ramo do saber que estuda, seguindo um método
científico, a Franco-Maçonaria em seus mais diferentes aspectos. Sendo
assim, a Maçonologia poderá se dedicar a estudar a Simbologia, a Ética,
a Lógica, a Liturgia, a História, a Psicologia, a Epistemologia e todos os
outros ramos de conhecimento que componham, de alguma maneira, o
conjunto de conhecimentos que se integram dentro da Franco-
Maçonaria. Para compreendermos o que isso quer dizer, teremos que
fazer um apanhado geral sobre alguns conceitos importantes implicados
no tema.
1º Conceito: O que é ciência?
A palavra ‘ciência’ tem alguns significados e, algumas vezes, é utilizada
de maneira incorreta ou imprópria.
Ciência pode ser sinônimo de saber e é nesse sentido que se diz “ter
ciência de algo” ou ser “cientificado”. Também pode ser usada com o
sentido de destreza técnica, particularmente em matéria de pintura, de
música, de versificação e também no sentido de que alguém tem
conhecimento de sua profissão.
O termo, para fins de nosso estudo, será aplicado no sentido de ser o de
um conjunto de conhecimentos e de investigações com suficiente grau
de unidade, de generalidade, e suscetíveis de trazer aos homens que
lhes consagram conclusões concordantes, que não resultem nem de
convenções arbitrárias, nem de gostos ou de interesses individuais que
lhes são comuns, mas de relações objetivas que se descobrem
gradualmente e que se confirmam através de métodos de verificação
definidos. Em outras palavras, a Maçonologia é um conjunto de
conhecimentos e de investigações que, baseado em observação direta,
pesquisa documental, analogias racionais, lógica etc., vai descobrindo
gradualmente novas informações sobre a Franco-Maçonaria e, à medida
que toma posse de tais informações, as verifica de várias maneiras
possíveis com a intenção de confirmá-las ou negá-las.
Nesse sentido, a Maçonologia é o oposto do “achismo”, do “ouvi dizer”
e das invencionices que, infelizmente, fazem com que o conhecimento

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sério da Franco-Maçonaria seja soterrado por uma avalanche de
informações desencontradas, falsas, inverificáveis etc.
2º Conceito: O que se entende por método e Metodologia?
Um método é um esforço direcionado para atingir um determinado fim,
uma determinada investigação ou um estudo. A idéia de método é
sempre a de uma direção definível e regularmente seguida numa
operação do intelecto. Podemos dizer que o método é o caminho pelo
qual se chegou a um determinado resultado, mesmo quando não
tínhamos previamente fixado esse caminho de maneira refletida.
No sentido que queremos para o estudo da Maçonologia, método é um
programa que regula antecipadamente uma sequência de operações a
executar e que assinala certos erros a evitar, com vista a atingir um
resultado determinado. Sendo assim, quando dizemos que algo é
metódico, ou que se fez algo metodicamente, quer dizer que usamos
uma preconcepção refletida de um plano a seguir.
A Metodologia é uma subdivisão da Lógica que tem por objeto o estudo
a posteriori dos métodos e mais especialmente, vulgarmente, o dos
métodos científicos. Isso quer dizer que, para conhecermos o método
adequado para uma determinada área de pesquisa, precisamos estudar
Metodologia.
3º Conceito: Como aplicar um método na pesquisa maçonológica?
A Maçonologia é uma ciência que se serve subsidiariamente de muitas
outras ciências. Sendo assim, deve utilizar-se dos métodos de pesquisa
da História, da Filosofia, da Arqueologia, das Ciências da Religião, da
Teologia, da Exegese Bíblica, das Ciências Sociais, da Ciência Política, da
Antropologia, das Ciências Jurídicas etc., à medida que essas ciências
supram conhecimentos necessários para a correta avaliação de fatos e
conceitos maçônicos.
Quando estudamos, por exemplo, um símbolo maçônico, é preciso que
saibamos a origem daquele símbolo e de sua formação (História), quais
elementos deram origem à sua configuração (estudo da Teologia, da
Exegese, das Ciências da Religião), quais os elementos antropológicos do
mesmo (Antropologia), quais as interpretações psicológicas (Filosofia e
Psicologia), quais elementos sociais, políticos ou conjecturais
possibilitaram aquilo (Ciências Sociais e Política). Em outras palavras, o

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estudo sério da Maçonologia é algo realmente amplo e que exige a
coordenação de conhecimentos multidisciplinares.
4º Conceito: Qualquer método vale?
Quando falamos em Maçonologia estamos falando de um estudo que
apresente um alto grau de fiabilidade. Quanto mais seguro o método
aplicado, maior a confiança nas informações que ele traz. É assim que se
constrói a ciência, em oposição à mera opinião.
Digamos que quero saber se uma determinada passagem de uma
estrada é segura. Posso perguntar para pessoas que passam por perto,
posso perguntar para alguém de um bairro vizinho o que ele acha, posso
ir ao jornaleiro e perguntar se já foi lá e, caso tenha ido, se viu algo
diferente. Tudo isso me levará a formar uma opinião sobre as condições
daquela passagem da estrada. No entanto, esses métodos não são
seguros e não têm um alto grau de fiabilidade. Para saber se aquela
determinada passagem da estrada é segura, devo me servir de outros
métodos: Ir até o local e observar, arranjar fotos aéreas do local, buscar
informações em agências públicas que atuam no local para saber sobre
as condições do solo, do asfalto, da ocorrência de acidentes naturais,
das condições meteorológicas etc. Baseado nessas informações diretas,
embasadas em um método adequado de coleta de dados, terei uma
segurança muito maior para afirmar se a tal passagem é segura ou não.
A Maçonologia também funciona dessa maneira, como toda ciência
propriamente dita. Quando queremos entender um símbolo, uma
prática ou um conceito maçônico, fazemos justamente como aquele
indivíduo que quis um método seguro para saber sobre as condições da
passagem na estrada. Vamos até as fontes mais fiáveis, aquelas que têm
documentação, aos registros, aos locais, aos documentos mais antigos,
aos costumes que deram origem ao que queremos saber, ao momento
histórico em que aquilo nasceu. Em vez de pedirmos a “opinião” dos
transeuntes ou do jornaleiro, vamos lá verificar pessoalmente.
5º Conceito: E quando não acharmos uma explicação?
Muitas vezes, apesar de diversos esforços realizados, não encontramos
uma explicação clara e inequívoca para um determinado objeto de
pesquisa. Muita gente, nesses casos, inventa uma explicação. Essa não
pode ser a postura do pesquisador maçonólogo. Quando, apesar das
muitas pesquisas e tentativas, não encontramos a explicação, devemos

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ser suficientemente humildes para afirmar simplesmente que não
temos, ainda, a resposta.
Tendo em vista os conceitos acima expostos, chegamos a algumas
conclusões sobre a utilidade de estudarmos a Maçonologia.
A construção de um conhecimento sólido é a base para qualquer
atividade realmente produtiva. Assim sendo, para que o franco-maçom
possa exercer seu papel junto da sociedade, é preciso que tenha
também um conhecimento claro, limpo e objetivo sobre os
fundamentos de sua ação e de sua ideologia.
A Maçonologia é uma forma de disciplinar a busca pelo conhecimento e,
com toda a certeza, influenciará de forma benéfica e positiva o modo de
pensar e agir do franco-maçom. Não só aumentará muito sua cultura
geral e maçônica como também descortinará novos horizontes e novas
perspectivas de ação diante de seus olhos.
A História é um profeta com os olhos virados para trás.

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Aula 2 - Apontamentos sobre as origens da Franco-Maçonaria
Não é o objetivo deste estudo trazer uma erudita descrição das teorias a
respeito da origem da Franco-Maçonaria e de seus subseqüentes
desdobramentos. Há muitos livros que o fazem e, de qualquer forma,
foge de nossa temática que é a apresentação geral da Maçonologia
como campo de estudo.
O objetivo dessa aula é apresentar ao leitor uma série de apontamentos
úteis para que, ele mesmo, baseado nos métodos e orientações que aqui
aprender, possa expandir suas pesquisas e adquirir um conhecimento
cada vez mais sólido e embasado sobre a história.
Vamos lembrar que, em se tratando de pesquisa maçonológica, teorias
baseadas em “visões místicas”, em teorizações sem bases documentais,
em crenças religiosas pessoais etc., são desprovidas de valor científico.
Teorias de Origem
Há algumas teorias sobre a origem da Franco-Maçonaria que podem ser
encontradas nos livros que tratam do tema. Até hoje, não há consenso
sobre as origens históricas da instituição, o que leva os pesquisadores a
formularem hipóteses diversas sobre o surgimento da mesma.
A primeira teoria é a de uma origem antiga, ou seja, a de que a Franco-
Maçonaria atual seria a continuidade de antigos grupamentos
profissionais ligados ao ofício da construção, como os “Collegia
Fabrorum” romanos. Segundo alguns defensores dessa teoria, as origens
poderiam ser ainda mais remotas, no Egito Antigo ou em outras
civilizações do Oriente. Segue-se daí uma verdadeira enxurrada de idéias
desencontradas e fantasiosas com faraós maçons, Jesus Cristo maçom,
essênios maçons etc.
A Franco-Maçonaria seria, então, uma mistura de conceitos “operativos”
e idéias surgidas no seio de sociedades secretas iniciático-religiosas
daquele tempo. Essa idéia é cara àqueles que adoram mistificar ou
sacralizar a Franco-Maçonaria.

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Essa teoria é desprovida de bases documentais sólidas e apresenta
problemas sérios quanto à sua fiabilidade. A Franco-Maçonaria não
reproduz em seu meio os chamados “mistérios” das religiões antigas.
Não são os franco-maçons os “órficos”, os “pitagóricos”, os “mitraicos”,
os “isíacos” ou “eleusínos” do mundo contemporâneo, e nem são as
lojas os “Telestérion” de Elêusis da modernidade. Basta estudar sobre
essas antigas religiões e se verá que há um mundo de distância entre
elas e a Franco-Maçonaria. Um ou outro elemento similar não justifica
essa aproximação forçada e artificial de “continuidade histórica”.
A Franco-Maçonaria atual não tem qualquer relação com técnicas do
ofício do construtor, utilizando, tão somente, a simbologia de alguns
poucos elementos desse ofício e em um sentido completamente alheio a
qualquer tipo de utilização profissional dos mesmos. Veremos também,
nas próximas teorias de origem, que a documentação histórica
disponível desmente essa idéia.
Uma segunda teoria seria a de uma “origem medieval” e de uma
“transição”. Com efeito, na Idade Média, havia grupamentos
profissionais de “pedreiros livres” (freemasons ou franco-maçons) que
se agrupavam em guildas profissionais, que se reuniam nos canteiros das
obras, dirigidos por um mestre do ofício. Sendo assim, aos poucos, essas
guildas teriam aberto as portas a indivíduos não diretamente ligados ao
ofício da construção e, lentamente, as guildas teriam se tornado as Lojas
Especulativas da Franco-Maçonaria atual.
Nessa teoria se baseiam os termos “Maçonaria Operativa” e “Maçonaria
Especulativa”. A “Maçonaria Operativa” seria aquela primeira, com os
maçons nos canteiros de obras dividindo entre si os segredos
profissionais. A “Maçonaria Especulativa” seria o fruto da
transformação, ou seja, daqueles indivíduos não ligados à profissão de
pedreiro que teriam sido “aceitos” (daí a denominação de “Maçonaria
dos Aceitos”) pelas lojas operativas que, lentamente, iriam se tornar a
maioria e transformar a Maçonaria “Operativa” em “Especulativa”.
Essa teoria foi uma das que maior sucesso popular obteve. De fato, até
as décadas de 1960-1970, era considerada a mais sólida e a que maiores
elementos verossímeis continha. Novas descobertas e novas teorias, no
entanto, viriam a destronar a “teoria da transição”.
O primeiro ponto questionável dessa teoria é que, se a Franco-
Maçonaria atual é fruto da transição das guildas de construtores

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medievais, então por qual motivo na Europa ainda existem tais guildas?
Ora, o Compagnonagge francês está bem vivo e atuante com seu “tour
de France”, e seus membros continuam transmitindo entre si os
segredos do seu ofício, sendo requisitados para trabalhos delicadíssimos
(como a restauração de igrejas antigas, palácios etc.), estando divididos
em especialidades, como era na Idade Média.
Outro ponto questionável seria a completa ruptura entre a Franco-
Maçonaria “especulativa” com os conhecimentos transmitidos pela
Maçonaria “operativa”. Há franco-maçons que não sabem pregar um
prego ou riscar um círculo utilizando um compasso. Essas habilidades
básicas do ofício de construtor teriam desaparecido completamente do
currículo das lojas por qual motivo? Os primeiros “maçons aceitos”,
estranhos ao ofício de construtor, teriam qual interesse em saber de
segredos profissionais que, em absoluto, não lhes diziam respeito? E
qual interesse teriam os construtores de receber e compartilhar
segredos com estranhos ao meio, sem nenhuma formação básica no
assunto?
Todas essas perguntas levaram os pesquisadores a buscar novas
alternativas para explicar as origens históricas da moderna Franco-
Maçonaria.
A terceira teoria é a mais comumente aceita hoje em dia pelos
estudiosos e foi chamada de ‘Teoria do Nascimento Original’. Segundo
ela, a Franco-Maçonaria atual é algo nascido no século XVII, como uma
idéia nova surgida na Inglaterra que, posteriormente, lançou sua
influência para outros locais como a Escócia (que teria um
desenvolvimento histórico maçônico diferente) e, posteriormente, a
França. A idéia seria a criação de uma sociedade de pensamento, que
cultuaria uma moralidade expressa pelo simbolismo da arte da
construção, altamente influenciada pelo clima de mistério e simbolismo
da Renascença e traria em seu bojo doutrinas neo-platônicas,
herméticas etc.
Essa teoria encontra apoio em documentos originais sobre a aceitação
de maçons da “Companhia de Maçons de Londres” (uma associação
estritamente profissional, ou seja, operativa) em lojas “especulativas”.
Ora, se o processo fosse de “continuidade”, por qual razão se “re-
iniciaria” um maçom operativo em uma loja especulativa?

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A criação da Franco-Maçonaria teria tido início com um indivíduo
(William Schaw?) ou um grupo que, a princípio, com ligações com a
Maçonaria profissional (operativa) teria tido a intenção de normatizar a
“arte do maçom”. A organização teria se estruturado em células (lojas) e
buscava a difusão de idéias de política de classe, reivindicando
benefícios reais para os pedreiros (um tipo de sindicato). Com o decorrer
do tempo, os objetivos iniciais teriam se diluído e o contato com
indivíduos interessados em simbologia, hermetismo, filosofia e política
(que, a princípio, foram recrutados como homens cultos para ajudar os
primeiros objetivos do “sindicato”), fariam com que houvesse uma
radical mudança de rumos na organização.
O clima de mistério e a fama que daí se seguiu começou a interessar a
indivíduos de todas as classes, que nada tinham a ver com a profissão de
pedreiro e, dessa maneira, as lojas começaram a crescer e se expandir
pelo território europeu.
A quarta teoria é denominada de “Teoria da Irmandade para
Conspiração”, ou seja, a de que alguns personagens históricos, entre
eles Elias Ashmole e Randle Holme III, para escapar da vigilância
governamental, teriam se organizado para formar uma elite que
conseguiria maior influência política, maior liberdade e uma extensa
rede de informantes através das Lojas, com sinais secretos de
reconhecimento e o objetivo de restaurar a monarquia. Depois da
“Restauração”, teriam mudado de objetivo e proibido as discussões de
cunho religioso e político, transformando a Franco-Maçonaria em um
lugar de boa convivência e lições de moral.
Essa teoria pode ser encaixada à Teoria do Nascimento Original.
A quinta teoria é chamada de “Teoria da Base Religiosa”. Segundo ela, a
Franco-Maçonaria teria nascido como um tipo de refúgio das contendas
religiosas, na época do reinado de Elisabeth (1560-1580).
Essa teoria é sustentada pelo tipo de moral encontrada nos documentos
maçônicos mais antigos, ou seja, um apelo constante à tolerância entre
os cristãos com invocações à Trindade e outros elementos comuns às
diversas denominações religiosas em choque naquele período.
A sexta teoria é chamada de “Teoria Templária”. Segundo ela,
cavaleiros templários em fuga da perseguição religiosa que se
desenvolvia contra eles em diversos países católicos, teriam chegado à
Escócia através de uma rota marítima segura e lá, em relativa segurança,

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teriam reconstruído suas vidas e constituído comunidades onde as
doutrinas da Ordem do Templo poderiam ser transmitidas sem maiores
problemas. Essas comunidades teriam se utilizado das lojas operativas
(de pedreiros profissionais) para difundir suas doutrinas de maneira
segura, graças à tradição de sigilo em relação aos segredos profissionais
que era conservada pelos maçons operativos. Isso explicaria uma série
de elementos cavalheirescos e cristãos (um tanto heterodoxos) no seio
da Franco-Maçonaria.
Há interessantes elementos para embasar essa teoria, entre eles
algumas constatações arqueológicas em Argyll, onde se encontram
símbolos templários misturados a símbolos maçônicos. Esses vestígios
materiais são datados de um período anterior à expansão da Franco-
Maçonaria e dos primeiros registros de lojas especulativas propriamente
ditas. Alguns desses vestígios trazem também uma simbologia cifrada,
com detalhes que só seriam conhecidos por membros da Ordem do
Templo.
Outro elemento bastante instigante é o fato de que, já no século XVIII,
entre 1742 e 1750, o Barão Karl Gottlieb Von Hund introduziu uma
vertente maçônica denominada de “Estrita Observância Templária”.
Muitos historiadores sérios, até pouco tempo atrás, acreditavam que as
supostas “origens templárias” alegadas por Von Hund eram invenção do
próprio que teria imaginado as tais origens para atrair pessoas
fascinadas pelas lendas de Cavalaria e sobre os Templários para sua
recém criada “Estrita Observância”. No entanto, pesquisas mais recentes
mostraram que o Barão Von Hund tinha muito mais que simples
imaginação...Von Hund nunca pode provar suas alegações em vida,
especialmente as que sustentavam que ele teria sido iniciado por
“superiores desconhecidos”. Até seus últimos dias de vida ele afirmou
sua integridade e a verdade do que sustentara.
Depois de três séculos descobriu-se que várias das alegações de Von
Hund não podiam ter sido inventadas por ele, pois eram, de fato,
informações internas da Ordem do Templo que, até então, eram
desconhecidas aos pesquisadores e ao público externo. Como Von Hund
teria tido acesso a essas informações desconhecidas até aos
pesquisadores modernos, que só as obtiveram depois da completa
abertura do processo movido contra os templários? A resposta mais
óbvia a essa pergunta seria: Tendo acesso às informações internas da
Ordem do Templo.

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A sétima teoria é denominada de “Teoria Rosacruz” e para compreendê-
la é necessário compreender um período específico da história da
Europa.
No século XVII, na Alemanha, foram publicados e notabilizados três
documentos que fariam um grande estardalhaço por toda a Europa. São
os chamados “manifestos rosacruzes”.
O primeiro, chamado “Fama Fraternitatis”, veio a lume em 1614,
apresentando um personagem mitológico chamado Christian
Rosenkreutz (cristão rosacruz) que personificava um tipo protestante
que, ao mesmo tempo, era um sábio alquimista e filósofo. Esse sábio,
através de uma linguagem bastante carregada de simbolismo hermético,
emite duras críticas contra o papado, a Igreja de Roma e a mentalidade
não científica de seu tempo.
O segundo, chamado “Confessio Fraternitatis”, é uma continuação do
anterior e, em termos bastante misteriosos, defende a existência de
uma fraternidade oculta de sábios, ao gosto de Francis Bacon em sua
“Nova Atlântida”.
O terceiro documento, “Casamento Alquímico de Christian Rosenkreutz”
é um relato alegórico sobre as virtudes dos sábios rosacruzes,
apresentando uma aventura fantástica cheia de símbolos e alegorias
dirigidas a um público bastante intelectualizado e familiarizado com os
temas alquímicos e herméticos.
A autoria desses documentos ainda causa alguma divergência, mas de
forma geral, é aceito que eles tenham sido compostos por Johann
Valentin Andrea, pastor protestante e estudioso alemão. Interessante
notar que o próprio nome “rosacruz” tem sua origem, provavelmente,
no selo pessoal de Martinho Lutero.
As idéias contidas nesses manifestos são a expressão viva do
pensamento dos meios protestantes intelectualizados da época. A
“Fraternidade Rosacruz”, na verdade, seria uma corrente de idéias e de
sábios que, trabalhando de maneira isolada e com pouca visibilidade
social (daí a idéia de “irmãos invisíveis”), conseguiriam diminuir as
influências do papado e das crenças católicas, expandindo um tipo de
Iluminismo Hermético que traria o saber científico e espiritual
redescobrindo a antiguidade clássica e unindo-a a um cristianismo
reformado, sofisticado, pretensamente puro e altamente subjetivo,
purificado de toda superstição e obscurantismo.

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Para se compreender todo o pano de fundo político desse pensamento,
recomendo vivamente o erudito estudo da professora da Universidade
de Londres, Frances Yates, chamado “O Iluminismo Rosacruz”.
Nunca é demasiado frisar que não houve nenhuma fraternidade
organizada que estaria por trás dos manifestos. A fraternidade que é
citada neles, da qual participariam “os invisíveis”, é justamente essa
corrente de idéias e de pessoas dedicadas a esse ideal de esclarecimento
e não algo organizado. É justamente aí que entra a “Teoria Rosacruz” de
origem da Maçonaria. Segundo tal teoria, a Franco-Maçonaria seria
justamente a tentativa de transformar a fraternidade invisível dos
rosacruzes em algo real, organizado, tangível. Sendo assim, diversos
pensadores teriam se agrupado e, aproveitando-se do sigilo tradicional
existente entre as fraternidades de ofício, apropriado-se de seu “modus
operandi” e se confundido, deliberadamente, com elas a fim de não
chamar a atenção.
A oitava teoria é chamada de “Teoria da Royal Society”. A “Royal Society
of London for the Improvement of the Natural Knowledge” é uma
instituição destinada à promoção do conhecimento científico. Foi
fundada em 28 de novembro de 1660. Entre os seus fundadores
encontra-se sir Christopher Wren, famoso arquiteto da Catedral de São
Paulo em Londres e outros cientistas famosos como Robert Boyle,
Robert Hooke etc. As origens mais remotas da Royal Society se
encontram no Greesham College.
Se buscarmos as origens dessas agremiações científicas, vamos nos
encontrar, sem dúvida nenhuma, com o grupo de sir Francis Bacon que,
além de seu enorme interesse científico, também nutria pretensões
políticas e idéias herméticas. A “Nova Atlântida” de sua autoria revela
seu ideal platônico de um Estado governado por sábios e é eivada de
simbolismo hermético.
A Franco-Maçonaria seria, de acordo com essa teoria, uma sociedade de
pensamento interna desses grupos, onde se desenvolveriam temas que
não poderiam ser tratados abertamente nos grupos de estudo comuns.
O simbolismo do ofício do pedreiro teria aí uma dupla função. A mais
elementar seria se utilizar da tradição de segredo das guildas
profissionais e, com isso, afastar desconfianças e olhares menos
discretos. Por outro lado, atribuindo-se significado simbólico e alegórico

20
aos elementos do ofício, constituiria-se um sistema de moralidade
interno, velado por símbolos e transmitido por alegorias.
Essa teoria desenvolve-se de maneira bastante complexa e sofisticada, e
para compreenda-la mais profundamente recomendamos o excelente
estudo de Christopher Hill, “Origens Intelectuais da Revolução Inglesa”.
Não vamos estender mais ainda essa aula. Sugerimos aos leitores que
busquem as fontes indicadas e também as seguintes referências: Harry
Car (Teoria da Transição), Eric Ward (Teoria do Nascimento Original),
Frederick E. Seal-Coon (Teoria da Fraternidade para a Conspiração),
Collin Dyer (Teoria da Base Religiosa), A. Cosby F. Jackson (Teoria da
Origem Rosacruz), A. Geoffrey Markham (Teoria Associada), Cyril N.
Batham (Teoria das Origens Monásticas), Michael Spurr (Teoria da Era
das Luzes), Michael Baigent (Teoria da Royal Society), Michael Baigent e
Richard Leigh (Teoria da Origem Templária).

21
Aula 3 - Os símbolos e sua linguagem
Dentro dos estudos maçônicos muito se fala em “símbolo”,
“simbologia”, “simbolismo”, “simbólico” e também em “alegoria”,
“alegórico” e “alegorismo”. O fato é que raras vezes se conhece o
sentido profundo de cada um desses termos e, de forma geral, há uma
tendência à confusão ao empregá-los. Vamos tentar, nessa aula,
estabelecer com clareza as diferenças de emprego e também avaliar, na
medida do possível, tendo em vista se tratar de questão altamente
complexa e que merece um estudo à parte, a importância do aspecto
simbólico na mente humana.
Já ouvimos alguns irmãos chamarem um símbolo de “emblema”, já
presenciamos a comparação de um símbolo com um “sinal de trânsito”,
já notamos a confusão de símbolo com alegoria, com metáfora e com
parábola. Justamente para evitar essas derrapadas terminológicas e
gnosiológicas é que vamos nos esforçar nessa aula.
Comecemos pelas definições:
O emprego da palavra símbolo revela significativas variações e é preciso
fazer distinções claras entre o que seja uma imagem simbólica e outras
imagens com as quais ela acaba se confundindo.
Quando confundimos o símbolo com outras coisas, acabamos
enfraquecendo e degradando o poder do mesmo, pois as outras
imagens não têm a mesma profundidade e alcance.
Quando dizemos ‘emblema’, estamos falando de uma figura visível, que
é adotada convencionalmente para representar uma idéia, um ser físico
ou moral: a bandeira é o emblema da pátria; a coroa de louros é o
emblema da glória.
Note-se aí que se trata de uma convenção, ou seja, de um acordo que
estabelece relações entre determinados elementos e aquilo que se quer
representar.

22
As bandeiras nacionais, por exemplo, trazem cores e elementos que
evocam idéias definidas sobre a pátria e são projetadas, votadas e
aprovadas por uma convenção de pessoas.
Os estandartes das Lojas são seus emblemas.
Quando dizemos ‘atributo’ estamos nos referindo à uma realidade ou
imagem que serve de signo distintivo a um personagem, uma
coletividade, um ser moral: as asas são o atributo de uma sociedade de
aviação; a roda de uma companhia de viagens rodoviárias; a balança é o
atributo de Themis, a deusa da Justiça e, por sua vez, acaba
representando a Justiça. Podemos dizer que o atributo é quando se
escolhe um acessório característico para designar o todo.
As Jóias utilizadas pelos Oficiais em Loja são atributos.
Quando usamos o termo ‘alegoria’ estamos nos referindo a uma
figuração, ou seja, uma figura humana, animal, vegetal, uma situação,
um feito heróico etc. que representam outra coisa.
Por exemplo, uma mulher alada é a alegoria da vitória. Uma cornucópia
cheia de frutas ou moedas de ouro é uma alegoria da abundância, da
riqueza, da opulência. Hermes com os pés alados é alegoria do
mensageiro veloz. Uma lenda que representa uma virtude ou muitas
virtudes através de personagens heróicos e emblemáticos é também
uma alegoria.
A alegoria é racional, ou seja, é analisada de maneira que não é
necessária uma passagem para um nível mais profundo de consciência. É
uma figuração de algo que pode até ser conhecido de outra maneira
(através de uma explicação doutrinária, por exemplo).
A ‘metáfora’ é uma comparação entre dois seres ou duas situações.
Uma tempestade, por exemplo, é uma chuva torrencial, muito forte e
violenta. Dizer que alguém realizou uma “tempestade verbal” é o
mesmo que dizer que a pessoa falou em demasia, com muita ênfase ou
de maneira forte, violenta e abundante.
A ‘analogia’ é uma relação entre seres ou noções que são semelhantes
em certo ângulo ou aspecto. Comparar, por exemplo, a situação de
países em certos aspectos: “A China é a Grécia do Oriente” (por ambas
terem dominado um vasto espectro cultural dos outros países de suas
regiões).

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O ‘sintoma’, termo quase desconhecido nesse emprego pela Franco-
Maçonaria atual, é uma modificação nas aparências ou funcionamento
atuais, que pode revelar um conflito, uma mudança, uma perturbação.
Uma fita negra de luto sobre um brasão ou um estandarte é um
sintoma.
A ‘parábola’ é um relato que contém um sentido próprio, particular,
destinado a demonstrar em sentido imediato, para além desse sentido
imediato, uma lição moral. Ela difere da alegoria por ser mais simples e
por não comportar tantos sentidos quanto aquela.
O ‘apólogo’ é quase igual à parábola. Trata-se de uma fábula didática,
uma ficção destinada a transmitir um determinado ensinamento por
meio de uma situação imaginária.
Todas essas maneiras de expressão são signos que não ultrapassam o
nível da significação. Trabalham com a imaginação, com a capacidade
intelectual de estabelecer pontes entre elementos que nos liguem ao
que querem significar.
O ‘signo’ estabelece uma ponte entre o significante e o significado. Por
exemplo: O esquadro é um objeto. Ele serve para traçar linhas retas e
ângulos retos. Quando empregado como atributo, significa a retidão
moral. O significante (o objeto esquadro) e o significado (a retidão
moral) não se misturam, ou seja, não ultrapassam o nível da significação.
Trata-se de uma convenção arbitrária que mantém bem claramente
diferenciados o significante (esquadro), que pode ser tomado fora desse
contexto, e o significado (a retidão moral), que também pode ser
exemplificada por outro atributo convencionado.
Estando claras essas terminologias básicas, voltemo-nos para a
compreensão do símbolo.
O símbolo se diferencia de outro signo qualquer porque, para ser
símbolo, pressupõe homogeneidade do significante e do significado. Em
outras palavras, o símbolo é baseado sobre a própria estrutura da
imaginação e transcende a dualidade entre significante e significado. A
ressonância entre os dois convida a uma transformação em
profundidade.
O símbolo está carregado de dinamismo, mobiliza a totalidade do
psiquismo e é, dessa maneira, um transformador de energias mentais. O
símbolo está no nível da imagem e do imaginário. Isso quer dizer que,

24
apesar de haver uma atividade intelectual envolvida para a
interpretação, todas as outras potências psíquicas entram em
movimento através dele.
Os símbolos podem também ser chamados de sintemas ou imagens
axiomáticas.
Quando desenhamos uma roda num boné para representar uma
empresa de ferrovias, a roda não passa de um signo ou sinal; quando
usada, porém, em relação ao Sol, aos ciclos cósmicos, aos
encadeamentos do destino, às casas do Zodíaco, ao mito do eterno
retorno etc., adquire o valor do símbolo. Ao afastar-se do significado
convencional, abre caminho a níveis profundos de interpretação
subjetiva.
O símbolo é, dessa maneira, uma ruptura de plano, uma
descontinuidade, uma passagem a outra ordem, ou seja, introduz uma
ordem nova, de múltiplas dimensões.
Os ritos que atualizam os mitos, ou seja, as transposições dramatúrgicas
dos arquétipos, dos quais a Franco-Maçonaria está repleta, são as ações
simbólicas por excelência. O rito conduz os envolvidos ao núcleo do
símbolo através do mito que, por sua vez, é o modelo arquetípico para
toda criação. O mito desenvolverá através de um teatro simbólico as
lutas interiores e exteriores a que o homem se entrega na conquista de
sua personalidade.
Para compreender perfeitamente a complexidade do símbolo, teríamos
que falar sobre os arquétipos, que são os protótipos de conjuntos
simbólicos presentes na mente como modelos pré-formados que se
manifestam com estruturas psíquicas quase universais. No entanto, essa
é apenas uma aula introdutória que visa clarificar as diferenças
terminológico-conceituais para a plena compreensão do pesquisador
franco-maçônico, e para que ele evite as confusões tão comuns entre os
termos. Sendo assim, convidamos nossos leitores à apaixonante viagem
pelo estudo do simbolismo e suas profundas implicações para o homem.
Estudemos, pois!

25
Aula 4 - Liturgia - Geral e Maçônica
A Franco-Maçonaria é uma instituição que se serve abundantemente da
liturgia. Todas as reuniões oficiais em Loja seguem um determinado
protocolo litúrgico em que os membros do quadro designados cumprem
papéis preestabelecidos em um ritual ou livro litúrgico próprio.
Nessa aula veremos de forma bastante ampla o que é liturgia, para que
ela serve, quais são seus princípios gerais etc.
O que é liturgia?
A palavra liturgia vem do grego leitourgia, que por sua vez é composta
das palavras leitos (popular, povo) e ergon (ação, obra, trabalho). Como
fica explícito, referia-se, já desde o seu uso grego, a uma ação, um
trabalho ou ofício que não visava à utilidade particular, privada, mas à
comunidade, ao povo, tanto no sentido social como religioso.
A tradução grega da Bíblia, no Antigo Testamento, aplica o termo para
designar o serviço cultual do Templo de Jerusalém. No Novo
Testamento, fala-se da liturgia judaica do Templo, mas quando se aplica
às próprias realidades cristãs, chama-se “liturgo” a Cristo, Sumo
Sacerdote e também à “liturgia da vida”, como o ministério de um
apóstolo.
No mundo ocidental, a palavra ‘liturgia’ voltará a aparecer, porém não
no uso propriamente litúrgico; a partir do século XVI da Era Comum ele
só reaparece no plano científico, em que passa a indicar ou os livros
rituais antigos (“Liturgica”: Cassander, 1558; Pamelius, 1571) ou em
geral tudo o que diz respeito ao culto da igreja, e isto até o presente (cf.
Cardeal Bona, Rerum liturgicarum libri duo, 1671). Neste sentido, com
Mabillon se começa a falar de ‘liturgia’ como de um complexo ritual
determinado (De liturgia gallicana libri tres, 1685), a que fará eco L.A.
Muratori com a sua Liturgia Romana vetus (1748), em que publicava em
coletânea os antigos ‘sacramentários’ romanos até então descobertos.
No sentido aplicado por esses autores supracitados, fala-se em rituais
maçônicos, ou seja, nos livros que contêm a ordem dos serviços para o

26
povo maçônico (ou ainda, propriamente, sua liturgia - serviço
comunitário).
Para que serve a liturgia?
Se nos utilizarmos do seu sentido lato, ou seja, o de serviço público,
podemos dizer que a liturgia é todo conjunto de atos organizados para o
desempenho de uma função ou ato público.
Há uma liturgia que se desenvolve em uma cerimônia de inauguração,
em uma formatura, em uma festa de aniversário (soprar as velas, cortar
o bolo, distribuir seus pedaços), em uma sessão do Poder Judiciário,
Legislativo ou Executivo, em uma recepção formal, em um jantar solene
etc.
A finalidade desse conjunto de atos pré-determinados é a de estabelecer
uma ordem no que se realiza, de maneira que os atos tenham uma
coerência interna, que conduza a assistência a perceber a finalidade a
que se propõe um determinado evento.
O conjunto dos atos deve conduzir a assistência à percepção de algo. No
caso de um aniversário, à percepção da passagem do tempo para o
aniversariante e a alegria que ele expressa por ter atingido mais um ano
de vida. No caso de uma inauguração, à percepção do sucesso atingido
pelos atos preparatórios para a consecução de uma empreitada que está
se inaugurando e da alegria que tal sucesso produz, assim como os votos
de que tal sucesso se estenda ao funcionamento daquilo que se
inaugura. No caso da liturgia do Poder Judiciário, o objetivo é, além de
impor uma ordem necessária para uma maior eficácia dos juízos e
debates, demonstrar à assistência a seriedade, a lisura e a objetividade
racional dos juízos e debates, baseados em uma interpretação coerente
das leis.
A liturgia religiosa não se afasta desse mesmo objetivo. Uma missa
católica romana deseja produzir em seus fiéis a percepção dos pontos
essenciais de seu conjunto de crenças, ou seja, da encarnação, morte e
ressurreição de Jesus Cristo e dos meios de salvação por ele deixados
aos que nele crerem e, com isso, incrementar sua fé e sua prática
religiosa. Um culto budista deseja produzir na audiência a percepção dos
ensinamentos fundamentais de Buda ou do fundador de uma Ordem
Budista específica e, dessa forma, orientar a vida dos indivíduos de
acordo com esses ensinamentos. Um culto judaico deseja produzir na
audiência a memória e a busca dos significados da revelação de seu deus

27
aos profetas hebreus e o que eles revelaram ao povo judeu como
vontade desse deus. E assim por diante.
É importante notar aqui que há uma diferença entre a liturgia voltada
para os atos cerimoniais e a liturgia voltada para o rito. O que chamamos
aqui de cerimônia, do latim caerimonia ou caeremonia, é o nome dado
às formas exteriores de aformoseamento ou solenização de um ato. A
cerimônia é distinta do rito. O rito comporta uma mensagem simbólica e
atos que estão relacionados com um mito ou com um comportamento
simbólico (em que os atos repetem um arquétipo heróico e/ou sagrado).
A cerimônia não.
Para exemplificar as afirmações acima, podemos dizer, tomando um
exemplo bastante comum que, em uma missa, os atos relacionados à
essência sagrada do ato, ou seja, a repetição do sacrifício eucarístico (a
consagração e todos os atos que fundamentalmente preparam para ela)
são atos rituais. Já as partes referentes a elementos como os cantos
usados, o modo de entrada do sacerdote, se há ou não flores no altar, se
os castiçais são longos ou curtos, se há acólitos ou não, se o sacerdote
usa fórmulas mais longas ou curtas, se é mais informal ou formal em sua
gesticulação etc., são partes cerimoniais.
Nas sessões da Franco-Maçonaria há muitos que confundem
grandemente esses dois elementos. A liturgia do rito é aquela que
organiza e estabelece as formas através das quais os ensinamentos
essenciais da moralidade e do simbolismo maçônico são transmitidos.
Estão relacionados com o simbolismo operativo e sua conseqüente
interiorização. Também estão ligados com as alegorias e os mitos de
morte e ressurreição das lendas maçônicas. Já a liturgia do cerimonial é
aquela que organiza e estabelece as formas de embelezamento e melhor
disposição das sessões, podendo variar sem maiores prejuízos das partes
essenciais.
Em uma sessão ordinária, as partes rituais consistem, propriamente, na
abertura e fechamento da loja com seus detalhes particulares
(disposição do painel simbólico do grau, disposição das Luzes Fixas, ou
seja, esquadro, compasso e Livro da Lei e atos rituais que estabelecem a
cobertura do local dos olhos profanos, bem como a inauguração de um
tempo iniciático, fora do tempo comum profano). Já as partes
cerimoniais são aquelas referentes a entradas com procissões floreadas,
músicas, adereços não essenciais, distinções de tratamento de
autoridades, formação de abóbodas, regras de onde pôr e onde tirar

28
paramentos, os ‘abre-e-fecha’ de portas, circulação em um ou outro
sentido etc.
Tanto o rito como a cerimônia têm sua própria liturgia. No entanto, para
se alterar ou reformar as partes litúrgicas referentes ao rito é preciso um
cuidado dez vezes maior do que quando se faz isso na liturgia do
cerimonial. Alterar a liturgia do cerimonial não afeta o sentido profundo
do rito e nem altera sua eficácia simbólica. No entanto, alterar a liturgia
do rito pode acabar por destruir completamente tal eficácia. Fica o
recado para as autoridades maçônicas que apreciam inovações sem
terem grandes critérios e sem, sequer, saber distinguir o rito da
cerimônia.
Quais são os princípios gerais da liturgia?
A liturgia, para atingir seus objetivos precisa se guiar por alguns
princípios elementares.
A liturgia, de maneira geral, deve se guiar pelo princípio de nobre
simplicidade, ou seja, nada apalhaçado, vulgar ou excessivo.
A liturgia deve ser voltada para o objetivo central, que é a transmissão
de um dado conteúdo para os que dela participam. No caso da liturgia
ritual é o conteúdo simbólico pertinente. No caso da liturgia cerimonial,
é a transmissão da sensação de ordem e de beleza do conjunto.
A utilização das músicas deve ser realizada com prudência e
circunspecção, de forma que os sons não abafem a mensagem que está
sendo passada. Excesso de música ou volume inadequado pode arruinar
um ato litúrgico.
Obviamente, os textos devem ser recitados de forma clara e audível.
Nem se recita baixo demais nem há necessidade de berrar. Também é
essencial que os que recitam os textos leiam bem, ou seja, sem gaguejar
ou se perder pelo meio do caminho. Pior ainda é ler errado.
Quando se utilizam os malhetes, nem se dá cacetadas sobre a mesa com
o objetivo de demonstrar força ou rachar o tampo, nem se bate como se
estivesse com medo de magoar a madeira. Uma batida média está de
bom tamanho.
A parte cerimonial da liturgia deve ser simples e objetiva, evitando
futilidades, deslocamentos desnecessários, gesticulação excessiva e
outras coisas do gênero. Quem preside a liturgia não deve chamar
atenção sobre si mesmo e nem distrair as pessoas que estão na
assistência com meneios, balancês, falas fora do contexto, maneirismos

29
etc. Obviamente que liturgias com "bicho-grilagem" do tipo violão,
dancinhas, balanços de mãos etc., estão completamente fora de
questão.
No caso das Lojas Maçônicas, deve-se evitar A TODO CUSTO, a
introdução de elementos estranhos ao que está estabelecido pela
tradição. Sendo assim, nada de rezas, orações, mentalizações,
concentrações etc., antes das sessões ou durante elas.
Não deve haver na assembléia durante as liturgias nenhum tipo de
coação ou "instrução" para que se faça isso ou aquilo. As pessoas devem
se inteirar naturalmente dos procedimentos litúrgicos sem que haja
alguém gritando ou "instruindo", pois tal conduta tende a distrair a
mente do ato em si. Uma ou outra instrução PONTUAL pode ajudar um
oficial que esteja um pouco perdido, mas isso é bem diferente de ficar
tentando interferir o tempo todo ou fazendo com que se voltem atos já
executados para que sejam executados “melhor” em novas tentativas.
Outro elemento bastante maléfico durante a execução dos atos
litúrgicos são as conversas paralelas ou as falas fora do contexto. Os
participantes devem se disciplinar para falar apenas o estritamente
necessário durante as liturgias.
O ideal é que as liturgias não sejam longas demais e que não desgastem
as pessoas que delas participam. Liturgias que passam muito de uma
hora, uma hora e meia, tendem a ser maçantes, desagradáveis e inúteis
(tendo em vista que a maioria das pessoas já está, há muito tempo,
querendo que aquilo acabe logo).
Muita afetação, como gesticulação a todo momento ou invencionismo
cerimonial, tende a tornar a liturgia um ato teatral de mau gosto que
não cumpre com seu objetivo.
Para resumir podemos dizer que nobre simplicidade é igual a
objetividade, bom senso, brevidade, falas claras e bem articuladas e
bom gosto.
O espaço litúrgico
Da mesma forma que a liturgia deve ser bem executada e baseada em
princípios claros, o espaço litúrgico deve ser resguardado de todo tipo
de coisa supérflua.
Templo maçônico não é lugar para enfiar toda e qualquer bagulhada
com cara “esotérica” e nem para se ficar improvisando.
Os objetos devem ser nobres e dignos, simples e sem excessos.
É melhor que se coloque poucos e dignos objetos, feitos de material

30
nobre e sólido, do que se encha o templo de coisas estranhas aos atos
litúrgicos ou de “adaptações” ridículas e de mau gosto.
Infelizmente, a qualidade de grande parte das alfaias litúrgicas
maçônicas (chamam-se alfaias litúrgicas todos os objetos que servem de
certo modo ao exercício da liturgia, as quais em geral, devem
apresentar, além de praticidade-funcionalidade, também certa beleza e
nobreza, unindo-se ao conceito de ornamentação e respeito com que se
quer cercar os atos litúrgicos) do Brasil deixa bastante a desejar.
Em geral, sobre a mesa dos oficiais devem estar apenas os objetos
necessários e indispensáveis para que exerçam suas funções.
Os templos maçônicos devem ser locais mais austeros do que
excessivamente ornamentados. Materiais sólidos, cores sóbrias, peças
de fina e adequada execução. Nada que distraia a atenção dos atos
litúrgicos ali realizados.
É recomendável que os objetos utilizados sejam realmente
confeccionados para uso em sessões maçônicas. Martelo de cozinha,
castiçais domésticos, peças destinadas a igrejas, estátuas ou imagens
religiosas, cadeiras de plástico, níveis utilizados na construção civil,
réguas de pedreiro dobráveis, formões e cinzéis de ferro utilizados para
obras etc., devem ficar longe dos templos maçônicos. Colar velas em
pires ou outras barbaridades do gênero também não se justifica.
Os objetos devem ser belos e convidar à reflexão. Coisas grosseiras ou
fabricadas para fins práticos não cumprem bem essa função.
Nada de fazer as mesas de depósito de papelada, ou espalhar livros
litúrgicos que não estão sendo usados sobre elas. O ideal é que cada
oficial tenha um pequeno atril (porta livros) sobre sua mesa para ali
dispor seu ritual.
Templo é espaço de prática litúrgica, de meditação e de reflexão. Não é
depósito.
Cada Loja deve ter o cuidado de verificar, de tempos em tempos, se
dispõe de todo o material litúrgico de que necessita. É péssimo que se
dê ocasião para o “corre-corre” antes de uma sessão atrás de um
material do qual não se dispõe e que será necessário dentro de poucos
instantes. Também é péssimo que se veja, durante a própria sessão,
aquela evidente gambiarra feita às pressas e que torna ridículo o seu
entorno.

31
É fundamental que se dê a adequada manutenção aos locais de reunião.
Cadeiras quebradas e com pernas bambas, mesas descascadas, castiçais
emendados ou colados, malhetes rachados, peças excessivamente
desgastadas pelo uso etc., dão a impressão de desleixo e de falta de
cuidado, ou seja, mostram que as pessoas responsáveis pelo local não se
importam muito com o que ali se realiza. Isso é a antítese do cuidado
necessário com os atos litúrgicos.
O material fundamental para os atos litúrgicos em Loja
A idéia de se construir um espaço específico para o funcionamento das
lojas maçônicas é algo bem recente e que pouco tem a ver com a
Franco-Maçonaria original.
Quando foi fundada a primeira potência maçônica, a Grande Loja de
Londres, as lojas fundadoras se reuniam em tavernas, como a famosa “O
Ganso e a Grelha”.
As lojas reservavam um pequeno salão das tavernas para se reunirem, e
lá tinham como instrumental essencial do trabalho maçônico o traçado
do painel simbólico no chão, que era apagado depois de terminados os
trabalhos. Não havia “delta”, sol e lua, dossel, mesas especiais, colunas
na porta e nem nada do gênero. Eram salas simples, comuns, com mesas
comuns e cadeiras que eram dispostas de forma a servirem aos
trabalhos da Loja.
Naquela época nem espada se usava para sagrar ninguém, e o que cada
franco-maçom levava consigo era o avental (bem mais simples que os de
hoje ou que os do século XIX). O Venerável e os vigilantes levavam seus
malhetes no bolso ou no alforje.
No painel simbólico estão presentes todos os símbolos essenciais ao
trabalho maçônico e, a quem entende tais símbolos, toda a doutrina do
grau que está sendo trabalhado se expressa ali de forma cristalina.
O grande Frederico da Prússia foi iniciado na Franco-Maçonaria em uma
sala alugada de um hotel. Foi ele, por isso, menos grandioso como
franco-maçom e como homem?
A idéia de se construírem templos específicos para os trabalhos
maçônicos surgiu do pensamento de que era necessário um tipo de
“parlamento” (de ‘parlare’ ou seja, local onde se fala, onde se debate).
Daí a idéia de se imitar o estilo do parlamento inglês, com “sala dos

32
passos perdidos” (que existe no parlamento inglês), assento elevado
para o presidente, degraus nivelando os assentos etc.
Os primeiros templos maçônicos ou “salas maçônicas” (masonic halls)
não tinham nenhuma uniformidade de decoração. Ainda hoje pode se
visitar esses templos em alguns lugares da Inglaterra, da Escócia, da
Irlanda e da França. Cada sala maçônica tinha sua própria decoração,
algumas com quadros representando personalidades importantes (como
a lindíssima sala maçônica da Grande Loja da Irlanda, que atrás da
cadeira do Venerável exibe o quadro de um duque maçom e não o delta
ou a letra G, como é costume nas lojas britânicas mais modernas).

Onde está o delta, o sol e a lua ou a letra G no Oriente? Não está...Todas essas coisas
são acréscimos posteriores!

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Também se pode observar que a loja de Viena, onde Mozart foi iniciado,
não tinha nenhum padrão específico de decoração:

Hoje, infelizmente, grande parte dos franco-maçons se preocupa demais


em seguir as instruções pouco originais e pouco autênticas dos rituais
modernos e se esquece de lembrar que a Franco-Maçonaria é um meio
para uma sociedade melhor e para homens melhores e não um fim em si
mesma. Para se fazer Franco-Maçonaria é preciso ter mente maçônica.
O resto vem por acréscimo.
O instrumental essencial para o trabalho de uma Loja é o painel
simbólico e os instrumentos de trabalho (malhetes, livro da lei, aventais
etc). A parte “decorativa” ou o aspecto estético da coisa, como paredes
coloridas, teto estrelado, mesinhas em triângulo, nozinhos nas paredes
etc. são detalhes que nada têm a ver com a essência iniciática dos
trabalhos maçônicos.
Particularmente, eu considero que o excesso de detalhes mais atrapalha
do que ajuda. Sou inimigo declarado de filigranas, rococós, rendinhas e
outras inutilidades que desviam a atenção daquilo que é essencial.
Em vez de gastar o dinheiro da Loja em aluguel de “templo especial”
para agradar visitantes, invistam em bons livros para a biblioteca da Loja
(ou para a formação de uma biblioteca) e na formação de seus obreiros.
É disso que a Franco-Maçonaria precisa. Templos cheios de badulaques

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temos aos montes. O que não temos aos montes, infelizmente, são
iniciados de verdade...
Se temos um bom espaço à disposição, botem-se lá cadeiras
confortáveis e dignas, decorem tudo com uma sã sobriedade e uma
austeridade iniciática e trabalhem com dignidade, decoro e seriedade.
Impressionem seus visitantes pela qualidade de seus debates, pelo nível
elevado de seus obreiros e pela vossa dedicação aos ideais maçônicos.
Deixem aos medíocres e aos pseudo-iniciados as preocupações fúteis
com exterioridades mundanas.
Cremos que se nossos valorosos leitores seguirem tais princípios, a
liturgia e o pleno sucesso de seus objetivos serão uma fonte de
ensinamentos, de prazer e de contentamento para todos os
participantes.

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Aula 5 - Os ritos maçônicos praticados no Brasil
A Franco-Maçonaria, ao penetrar em diversos ambientes e
nacionalidades diferentes, acabou desenvolvendo modos diferentes de
trabalho litúrgico e de enfoque doutrinário.
Ao longo do tempo podemos observar que não só os costumes se
transformaram, mas também, o próprio modo de vivenciar o simbolismo
maçônico, de acordo com os locais, as comunidades, as idéias, os
tempos e a situação política.
Apesar de seu caráter iniciático e, portanto, fechado, a Franco-
Maçonaria é composta de instituições que não são, e nem podem ser
encaradas como pequenas sociedades apartadas das grandes sociedades
nas quais estão inseridas. Ao contrário, cabe lembrar que seu trabalho
está voltado justamente para o aperfeiçoamento dessas grandes
sociedades e dos seres que nelas vivem e atuam. Se assim não fosse, a
Franco-Maçonaria se tornaria um organismo retro-alimentado, que vive
de si mesma e para si mesma.
O estabelecimento de “ritos”, tomados aqui no sentido de sistemas
maçônicos completos, com revelação sistemática e progressiva de
doutrinas e símbolos de acordo com os graus atingidos, tem a indelével
marca da Franco-Maçonaria francesa.
De fato, a Franco-Maçonaria Anglo-Saxônica não comporta um sistema
coordenado e coerente de graus que se estendam desde o Aprendiz até
um “último grau” do mesmo sistema doutrinário ou ritualístico. O que
há são diversas Ordens, denominadas de “Ordens de Aperfeiçoamento”,
que são independentes entre si e que têm como pré-requisito para o
ingresso a condição de Mestre Maçom e Companheiro do Arco Real (um
apêndice caracteristicamente anglo-saxônico do Grau de Mestre e que,
mesmo não sendo “stricto sensu” parte da Franco-Maçonaria Simbólica,
está à ela indissoluvelmente ligado).
O sistema ritualístico norte-americano, conhecido como “York Rite”,
apesar de se utilizar largamente dos materiais e temáticas simbólicas da
Franco-Maçonaria inglesa, organiza-se como um sistema francês, ou
seja, com a progressão dos graus que se iniciam no âmbito das Lojas

36
Simbólicas e se estendem ao denominado “Arco Real” americano (não
confundir com o Arco Real inglês!).
O Rito Schröder, nascido na Alemanha, também é filho de um
movimento de idéias francesas. A nobreza alemã da época falava francês
(o famoso “Almanach de Gotha”, que trazia a genealogia das casas
reinantes da Europa era editado na Alemanha e em francês, só mais
tarde ganhou uma versão em alemão), escrevia-se muito em francês e,
de fato, o próprio rito se identifica como uma versão alemã do
Iluminismo (Aufklärung) em contornos meio ingleses e meio franceses.
O Rito Brasileiro, mesmo tendo nascido em nosso território, baseou-se
largamente no chamado “Escocismo” que de escocês só tem o nome,
fruto que é dos sistemas maçônicos franceses dos séculos XVIII e XIX que
se estabeleceriam nos EUA.
A Franco-Maçonaria brasileira é filha da Franco-Maçonaria francesa.
Quando aqui se instalaram as primeiras lojas, a sociedade culta do Brasil
era francófila e assim permaneceria durante muito tempo. A primeira
instituição maçônica no Brasil adotaria o nome de “Grande Oriente”
justamente para emular seu mentor francês.
Tendo isso em mente, e considerando que as Ordens de
Aperfeiçoamento inglesas, bem como a própria disseminação dos
costumes da Franco-Maçonaria anglo-saxônica são bem recentes em
nosso país, vamos dar um “giro” pelos diversos ritos praticados no Brasil,
e também pelo sistema inglês recém-implantado.
Começarei pelo mais francês dos sistemas, ou seja, o rito que eu mesmo
pratico e que é o da A.R.B.G.B.C.L.S. 14 de Julho n.0457, madrinha da
presente obra.
5.1. O Rito Moderno
Na França a Franco-Maçonaria obediencial, ou seja, regulamentada por
um sistema institucionalizado, foi implantada por volta de 1725, através
de imigrantes ingleses exilados por razões políticas ou religiosas. Em
Paris é notável o número deles e sua origem, em geral, é Londres. Junto
com suas bagagens trazem os costumes e procedimentos maçônicos
utilizados na capital inglesa daquela época, da primeira Grande Loja de
1717. Esses primeiros costumes sofrerão significativas mudanças em
pouco tempo.

37
Em 1730, a Grande Loja de Londres introduz inovações em seus
procedimentos litúrgicos como reação ao tristemente célebre “Masonry
Dissected”, que seria traduzido e reeditado na França em 1745 como
“L’Ordre des Francs-Maçons trahi”.
Em 1735, as Lojas parisienses solicitaram da Grande Loja de Londres a
autorização necessária para fundar uma Grande Loja provincial, o que
foi negado. Em 1743, a autorização foi dada e uma instituição foi
constituída com o nome de “Grande Loja Inglesa da França”.
Os rituais transplantados de Londres a Paris são, obviamente, os já
modificados 13 anos antes.
O nome de “ritual dos modernos” só passará a ser utilizado depois de
1753, quando aparece em sentido pejorativo, utilizado pelos membros
da Grande Loja “dos Antigos”, ou mais propriamente Antient Grand
Lodge of England para diminuir a importância da Grande Loja de Londres
acusando-a de inovação e quebra das antigas tradições.

Selo da Antient Grand Lodge of England

Em 1755, essa primeira Grande Loja francesa declarou-se independente,


tomando o nome de “Grande Loja da França”.
Uma série de questões internas e pontos de atrito provocaram em 1773
a convocação de uma Assembléia Geral da “Grande Loja Nacional
Francesa” (não confundir com a atual Grande Loja Nacional Francesa,
que nem sonhava em existir nessa época, tendo sido fundada em 20 de
Novembro de 1913). Depois de acirrados debates, os antigos
regulamentos foram modificados.

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Em 26 de junho de 1773, sob a presidência do Duque de Luxemburgo,
são adotados os regulamentos da “Ordem Real da Franco-Maçonaria da
França”. Essa Ordem é conhecida, desde então, pelo nome de “Grande
Oriente da França”. Naturalmente, tais reformas não foram acatadas por
todos e os minoritários se recusam a obedecer, dando origem a duas
Obediências rivais (Grande Oriente da França e Grande Loja da França),
à semelhança do que se passava na mesma época na Inglaterra [Grande
Loja de Londres (chamados de “modernos”) e outra Grande Loja,
denominada “dos antigos”)]. Nesse ambiente de efervescente atividade
maçônica nasceu o Rito Moderno propriamente dito, que conhecemos
hoje como tal. Criado em Paris no ano de 1761, foi constituído em 24 de
dezembro de 1772 e proclamado em 09 de março de 1773, pelo
nascente Grande Oriente da França sob o grão-mestrado de Louis
Phelipe, Duque de Orleans e de Chartres. A princípio, compunha-se
apenas dos três primeiros Graus Simbólicos e adotava integralmente a
Constituição de Anderson (1723).
No que diz respeito aos Graus Simbólicos, o Rito Moderno é o mesmo
rito praticado pela Grande Loja de Londres, a dos “Modernos”, a partir
de 1730, antes da fusão com a dos “Antigos” que resultaria na Grande
Loja Unida da Inglaterra atual. Os modos de reconhecimento, o início da
marcha com o pé invertido (em relação aos outros ritos), a inversão da
posição dos Vigilantes e de suas colunas vestibulares etc., eram práticas
dos “Modernos”.
Usamos aqui o nome de “Rito Moderno” genericamente, uma vez que
na época de sua fundação era chamado de “Sistema do Grande
Oriente”.
O nome “Moderne” (moderno, em francês), obviamente faz referência
aos usos e costumes da Grande Loja de Londres, a dos “Modernos”,
termo que, mesmo tendo sido lançado com intenção de ter sentido
pejorativo, acabou sendo adotado de bom grado.
No século XVIII, havia um grande apreço aos Altos Graus inspirados nas
distinções profanas, nos títulos de nobreza e de cavalaria, ainda mais na
França, sua pátria de origem. A cada momento surgiam novos graus e
novos ritos, estabelecendo verdadeira “Torre de Babel” no edifício
maçônico. Devido a isso, o Grande Oriente da França começou a ser
pressionado no sentido de instituir Altos Graus para o seu sistema
ritualístico. Compelido pelo desejo de harmonizar as diferentes
doutrinas que, desordenadamente, alastravam-se por influência do

39
desejo de pertencer à “Cavalaria” e do misticismo impregnado de
hermetismo e rosacrucianismo, que serviam, na maioria das vezes, para
a vaidade dos que queriam adornar-se com títulos, comendas, fitões,
medalhas etc., o Grande Oriente da França nomeou uma comissão de
franco-maçons de ilibada cultura para, depois de estudarem todos os
sistemas maçônicos existentes, elaborarem um rito composto pelo
menor número possível de graus e que contivesse a totalidade dos
ensinamentos autenticamente maçônicos dos demais ritos.
Depois de três anos de estudo, a comissão desistiu. Concluiu que o ideal
era que o Grande Oriente continuasse praticando apenas os três Graus
Simbólicos dentro de seu sistema. Acatando as conclusões da comissão
de estudos, o Grande Oriente, no dia 03 de agosto de 1777, enviou um
aviso a todas as lojas de sua jurisdição afirmando que só reconhecia e
permaneceria reconhecendo aos Graus Simbólicos, ou seja, de Aprendiz,
Companheiro e Mestre. O resultado disso foi turbulento. Alguns irmãos,
furiosos com o resultado das pesquisas da comissão de estudos,
comparando o Sistema do Grande Oriente com o Rito de Perfeição
(Heredon) que já contava com 25 graus, começaram novamente a
pressão sobre o Grande Oriente que resolveu criar uma nova comissão
em 1782, chamada de ‘Câmara dos Ritos’.
A Câmara dos Ritos concluiu que o Sistema do Grande Oriente deveria
ser dividido da seguinte maneira:
Graus Simbólicos:
- 1º Grau – Aprendiz;
- 2º Grau – Companheiro;
- 3º Grau – Mestre.
Graus Superiores ou “Ordens Sapienciais”:
- Primeira Ordem – 4º Grau – Eleito;
- Segunda Ordem – 5º Grau – Eleito Escocês;
- Terceira Ordem – 6º Grau – Cavaleiro do Oriente ou da Espada;
- Quarta Ordem – 7º Grau – Cavaleiro Rosa-Cruz.
Essa divisão foi muito bem acolhida, pois, teoricamente, fornecia uma
certa “vantagem” na ascensão em relação aos outros sistemas.

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O 4º Grau equivale aos Graus 9, 10 e 11 do Sistema “Escocês”, que se
tornaria, depois, o Rito Escocês Antigo e Aceito. O 5º Grau equivale ao
Grau 14. O 6º Grau equivale ao Grau 15 e, por fim, o 7º Grau seria o
Grau 18. Os graus do Sistema do Grande Oriente eram mais amplos e
abrangiam um número maior de doutrinas e símbolos que os dos outros
sistemas.
Em 1785, foram editados os rituais oficiais para os Graus Simbólicos,
resultantes da uniformização ritualística das lojas. Já em 1788, o “Recueil
des Trois Premiers Grades de La Maçonnerie – Apprenti, Compagnon,
Maitre” traz o nome “Rite Français” (Rito Francês). Em 1801, todos os
graus do Sistema do Grande Oriente passaram a ter seus próprios
rituais.
No Brasil, os sistemas franceses de Franco-Maçonaria estariam
presentes desde antes da fundação do Grande Oriente do Brasil em
1822. A exemplo da Maçonaria Lusitana, que incorporou em dado
período de sua história (já no início do século XIX) mais um grau, tomado
do “Grande Eleito Cavaleiro Kadosh” de 1743, que se transformaria no
Grau 24 do “Rito de Perfeição de Heredom” e no Grau 30 do R.E.A.A.,os
Supremos Conselhos do Rito Moderno do Brasil adotaram-no também. É
ele o Grau 8 – Cavaleiro da Águia Branca e Preta Kadosh Filosófico.
No ano de 1861, publicou-se o ritual do Grau 8, Cavaleiro da Águia
Branca e Preta.
O Grau 9 – Grande Inspetor é criação brasileira e se deveu à necessidade
de equiparação com os outros ritos e também ao estabelecimento de
uma câmara administrativa dos Supremos Conselhos.
Filosofia do Rito Moderno
O Rito Moderno abebera-se, em grande parte, da Filosofia Grega antiga,
tal qual retomada nos moldes da Revolução Intelectual Inglesa que,
posteriormente, daria surgimento ao chamado “Século das Luzes”. A
racionalidade, o método crítico e científico, o uso da dialética e da lógica
sobrepujando as meras impressões ou crenças são sua marca distintiva.
Grande parte dos modernos críticos da Franco-Maçonaria Moderna,
atribuem a ela um tipo de pensamento revolucionário radical que, de
fato, ela nunca teve. Ao contrário, sempre pugnou pela tolerância,
tolerância essa que deve ser bem compreendida e não confundida com
passividade ou amordaçamento do pensamento crítico.

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Como abordaremos na aula que trata dos “desvios revolucionários”, é
preciso tomar muito cuidado nas análises mais superficiais. Grande
parte da própria Franco-Maçonaria se tornou vítima dos
desdobramentos mais radicais do pensamento Iluminista, que
considerava todo simbolismo e todo rito como inutilidade reacionária e
contra-revolucionária.
Em 1877, o Grande Oriente da França desobrigou suas Lojas a
trabalharem “À Glória do Grande Arquiteto do Universo” e possibilitou
que se usassem outras fórmulas como “À Glória da Humanidade” e isso,
infelizmente, causou enorme cisão e problemas junto à Grande Loja
Unida da Inglaterra, acarretando acusações de “irregularidade” e
rompendo as relações entre o Grande Oriente da França e a Grande Loja
Unida da Inglaterra.
O Brasil acompanhou essa reforma já em 1892, desobrigando suas Lojas
do Rito Moderno a trabalharem “À Glória do Grande Arquiteto do
Universo” e de abrirem a Bíblia sobre seu Triângulo dos Juramentos.
Atualmente, sobre a mesa do Venerável Mestre, são depositados os
livros sagrados de diversas religiões, todos eles fechados e
representando as crenças pessoais de todos os irmãos ali presentes.
Sobre o triângulo dos juramentos se encontram a Constituição de
Anderson e a Constituição do Grande Oriente ao qual está submetida a
loja em questão.
Cabe aqui fazer uma pequena, mas significativa observação. Ao
contrário do que se fala comumente, a Grande Loja Unida da Inglaterra
não é a “Grande Loja mãe” e a “detentora da regularidade” universal. A
primeira Grande Loja foi a Grande Loja de Londres, fundada em 1717 e
não a Grande Loja Unida da Inglaterra. Essa primeira Grande Loja sofreu
oposição e ataques acrimoniosos por parte de muitos Franco-Maçons
que, posteriormente, em 1753, fundaram a sua “Grande Loja dos
Antigos”.
Só em 1813, portanto 40 anos depois do estabelecimento definitivo do
Grande Oriente da França (1773), é que houve entendimento entre as
duas Grandes Lojas inglesas que se fundiram para inaugurar a Grande
Loja Unida da Inglaterra.
Vamos frisar: O Grande Oriente da França é 40 anos mais antigo que a
Grande Loja Unida da Inglaterra. Os fundadores da Grande Loja mãe de
LONDRES, ou seja, a dos “Modernos” (1717), eram vistos pelos seus

42
opositores como inválidos maçonicamente. E foram as idéias desses
opositores que prevaleceram por ocasião da união de 1813.
O que a primeira Grande Loja de Londres estabelecia era uma postura
deísta, muito diferente da postura teísta dos uniatas de 1813, bem
próxima das idéias retomadas pelo Grande Oriente da França em 1877.
Não foi o Grande Oriente da França que quebrou tradições em 1877,
mas sim a Grande Loja Unida da Inglaterra que, em 1815, para agradar
justamente àqueles que faziam oposição à verdadeira Grande Loja Mãe
de Londres (a de 1717), modificou o sentido de seu texto constitucional,
tornando-o de deísta em explicitamente teísta e dogmático. O que o
Grande Oriente da França fez foi simplesmente voltar às origens de 1717
e deixar a cada franco-maçom a sua Liberdade Absoluta de Consciência,
sem impor crenças nem idéias religiosas.
Quanto à “regularidade”, esse é um dos conceitos mais mal
compreendidos que existem entre os franco-maçons, mesmo entre os
que se julgam estudiosos no assunto. Loja Maçônica REGULAR é uma
loja que foi fundada por sete Mestres Maçons, sendo todos eles
oriundos de Lojas igualmente regulares e que funcionam seguindo
alguns princípios básicos. Quais princípios básicos?
- A obrigação de cada Franco-Maçom de professar a religião universal,
em que estão concordes todos os homens de bem;
- Não existem na Ordem diferenças de nascimento, raça, cor,
nacionalidade, credo religioso ou político;
- Cada franco-maçom torna-se membro de uma Fraternidade Universal,
com direito de visitar outras lojas;
- Para ser iniciado é necessário ser livre e de bons costumes;
- Todos os franco-maçons, de acordo com seus graus, são iguais em Loja;
- A obrigatoriedade de solucionar todas as divergências entre os Franco-
Maçons dentro da fraternidade;
- Os mandamentos de concórdia, amor fraternal e tolerância; proibição
de levar para a Ordem discussões sobre religião (sectarismo) e política
partidária;
- O sigilo;

43
- O direito de colaborar no governo da loja e da própria Franco-
Maçonaria como um todo.
Esses princípios foram expostos por Findel e resumem, admiravelmente
bem, o espírito maçônico.
O franco-maçom iniciado em uma loja fundada por sete mestres maçons
que funciona dentro desses princípios, e em cuja iniciação estavam
reunidos sete mestres, e na qual foram transmitidos os elementos
essenciais do rito de Iniciação, é um franco-maçom REGULAR, ou seja,
iniciaticamente é franco-maçom, ainda que sua loja não esteja filiada a
nenhuma organização maçônica (“Potências”, “Obediências” etc.) ou
que esteja filiada a uma organização maçônica com pouco ou nenhum
reconhecimento ou tratado de amizade.
Antes de 1717 não existiam Grandes Lojas, não existia sistema
obediencial, não existiam tratados de reconhecimento ou de amizade.
Existiam apenas lojas livres e maçons livres, sem uniformidade, que se
guiavam por princípios gerais e transmitiam elementos simbólicos nas
iniciações e nos ritos que executavam. Eram eles “irregulares”? Ou a
iniciação transmitida naqueles tempos era “inválida”? Se eram, então,
tudo o que chegou até nós é também “irregular” e “inválido”, tendo em
vista que deles recebemos a transmissão iniciática.
Diferente é o conceito de “regularidade” do de “reconhecimento”. O
reconhecimento é um ato de vontade entre uma loja e uma organização
maçônica que, baseados em termos previamente acordados,
reconhecem-se e passam a trabalhar em conjunto. Também é o ato
entre organizações maçônicas que, não interferindo no trabalho uma
das outras, relacionam-se amigavelmente e reconhecem mutuamente as
lojas filiadas às mesmas.
O reconhecimento se dá entre grupos mais ou menos grandes de
organizações e estabelece uma rede de contatos e de relacionamentos,
bem como de visitação mútua entre os membros participantes.
Há imensa confusão entre esses dois conceitos. É muito comum que se
ouça que um determinado indivíduo “não é maçom” porque foi iniciado
em uma “loja irregular”. Tais afirmações são, para dizer pouco, levianas.
Para se dizer se uma loja é regular ou irregular, é preciso avaliar toda
uma série de elementos de caráter iniciático como a fundação da loja, a
cadeia de iniciação de onde provêm os fundadores etc., e não

44
simplesmente olhar para ver se há um papel registrado de
reconhecimento nas organizações maçônicas majoritárias.
Na mesma categoria de leviandade se encontram aqueles que não
reconhecem o status iniciático de mulheres iniciadas em lojas mistas ou
femininas. Grande parte das lojas mistas e femininas é proveniente de
cadeias iniciáticas perfeitamente regulares, iniciadas na França, o que
levou o Grande Oriente da França, após acurados e cuidadosos estudos,
a reconhecê-las já no começo do século passado.
O veto à iniciação de mulheres, apesar do besteirol pseudo-esotérico
que quer falar em “cultos solares e lunares” ou entre iniciações
“ctônicas” ou “urânicas” (fazendo uma equiparação verdadeiramente
esdrúxula entre os mistérios religiosos e uma iniciação simbólica de
Ofício), ou ainda dizendo que o ofício do pedreiro é “masculino” (o que é
frontalmente negado por documentos históricos que demonstram que
mulheres herdavam o posto de “mestre” do marido nas guildas), tem
base APENAS no fato de que, à época da fundação da Grande Loja de
Londres, as mulheres não gozavam de direitos civis e, portanto, não
eram livres, o que as tornava inelegíveis para a iniciação. Existem vetos
semelhantes nas constituições de outras sociedades iniciáticas do século
XIX como, por exemplo, à iniciação de monges e frades (que não eram
livres, deviam obediência ao abade ou prior). Vide as “General
Regulations” da Ordem Martinista de Edouard Blitz, datada de 1896.
Justificar as causas pelas quais o veto, baseado em uma situação social
específica e já ultrapassada, permanece é um “pouco” mais complicado.
Hoje, a própria Grande Loja Unida da Inglaterra, apesar de não manter
tratados de amizade e nem permitir a intervisitação, já reconheceu
formalmente (desde 10 de Março de 1999, através de declaração oficial)
a regularidade de duas Grandes Lojas femininas na Inglaterra.
No Brasil, um país em que há tão pouco o hábito da leitura e da
pesquisa, muitos se metem a falar sobre o que nunca estudaram. Muitos
se crêem sabedores e adeptos, mas não têm quaisquer elementos
documentais ou justificativas embasadas para tecerem suas teorias.
Escutam falar, lêem aqui e ali frases soltas, escutam um ou outro irmão
e pronto! Já se julgam aptos a emitirem juízos e pareceres.
Ainda se ouve, aqui e acolá, um ou outro franco-maçom ignorante a
tecer considerações sobre uma suposta “irregularidade” do Rito

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Moderno. Há, inclusive, instituições maçônicas brasileiras que o
excluem, passando com isso um atestado de ignorância maçônica.
O Rito Moderno, apesar do nome, constitui-se num dos mais bem
preservados patrimônios da Franco-Maçonaria das origens, mantendo
ainda muitos dos costumes daquela primeira Grande Loja de Londres.
5.2. O Rito Escocês Antigo e Aceito
Trataremos agora do rito majoritário em toda a América Latina, ou seja,
o R.E.A.A.
Apesar de haver indícios de funcionamento de “lojas escocesas”
anteriores a 1725 na França, que teriam sido fundadas por partidários
dos Stuart cujo rei Carlos I fora decapitado (1649) pelos partidários de
Oliver Cromwell em uma disputa com fundo religioso, tendo em vista
que Carlos I era pendente para o absolutismo dos reis católicos e casado
com Henriqueta Maria de França, a documentação sobre esse período
não é muito abundante.
Carlos I nascera na Escócia, filho do rei James VI da Escócia que herdou o
trono da Inglaterra. As políticas religiosas de Carlos I junto com seu
casamento com uma católica geraram antipatia e desconfiança em
grupos oriundos da Reforma Protestante, como puritanos e calvinistas. A
partir de 1642, Carlos entrou em grandes conflitos com as forças dos
dois parlamentos, o Inglês e o Escocês, e se recusou a aceitar as
reformas que desejavam uma monarquia constitucional protestante. Ele
acabou preso e fugiu em novembro de 1647, sendo recapturado. Ele
criou uma aliança com a Escócia, porém o Exército Novo de Oliver
Cromwell consolidou seu controle da Inglaterra no final de 1648. Com
isso, Carlos foi julgado e condenado por traição, sendo executado por
decapitação em janeiro de 1649.
A viúva de Carlos, Henriqueta Maria de França, recebeu asilo de Luis XIV
na França, no castelo de Saint Germain e a ela se juntaram numerosos
nobres stuartistas da Inglaterra e da Escócia. Obviamente que entre eles
estavam aqueles que queriam uma resposta dura a Oliver Cromwell e
seu puritanismo. Entre esses nobres stuartistas imigrados, alguns eram
franco-maçons e estabeleceram lojas “escocesas” no país que lhes deu
asilo. Prova disso é que em 1661, pouco antes de restaurar a Monarquia
e subir ao trono da Inglaterra, Carlos II criou no castelo de Saint Germain
um regimento denominado “Regimento Real Irlandês”, cujo nome

46
depois seria mudado para “Guarda Irlandesa” e que tinha uma loja
maçônica.
Em 1777, o Grande Oriente da França admitiu que a constituição da loja
da Guarda Irlandesa datava de março de 1688. Essa é a única loja do
século XVII na França cujos vestígios nos alcançaram. Isso indica que,
muito provavelmente nesse mesmo período, outras lojas “escocesas”
stuartistas estariam funcionando em território francês.
Desde a implantação do sistema obediencial e institucional da Franco-
Maçonaria na França, em 1725, e bem antes do reconhecimento desta
pela Grande Loja de Londres, que se deu em 1743 somente, portanto
durante 18 anos, o desenvolvimento das lojas “escocesas” continuou.
Esse sistema não estava submetido ao sistema obediencial e não se
sujeitava aos regulamentos emanados pela Grande Loja de Londres,
desenvolvendo-se à margem das lojas de modelo londrino.
Em 1758, criou-se um sistema “escocês” de 25 graus, denominado de
“Rito de Heredom”, que se tornaria posteriormente o R.E.A.A.
Há duas hipóteses centrais para a utilização do nome “escocês”. Uma
delas é a de que seriam as lojas dos partidários jacobitas (stuartistas), ou
seja, dos que tinham por objetivo a restauração da Casa dos Stuart na
Inglaterra e na Escócia. Os Stuart eram tradicionalistas e absolutistas,
pró-católicos e eram oposição à Casa dos Hanover, liberais,
parlamentares e pró-protestantes. Os jacobitas seriam compostos, em
sua maioria, por escoceses e o termo acabou se generalizando e se
tornando o nome de um movimento político. A segunda hipótese é que
teria sido baseado no discurso de Ramsay, do qual falaremos adiante, de
que a Ordem Maçônica teria conservado todo seu esplendor na Escócia,
enquanto em outros locais ela teria caído na decadência. Essa última
hipótese é muito fraca, tendo em vista que o discurso de Ramsay é de
1737 e o termo aparece antes (pelo menos dois anos antes já se fala de
um grau de “Mestre Escocês”).
O sistema de “Altos Graus” é a característica mais marcante do
desenvolvimento do Escocismo ou Escocezismo. Todos os sistemas de
Altos Graus, em que há uma sequência coordenada e coerente de graus
que se desenvolvem em lendas que vão se revelando progressivamente
até atingirem um “ápice” iniciático, receberam influência dos Altos
Graus Escoceses. Apesar de se ter algumas teorias relativas ao seu

47
desenvolvimento ou sobre as possíveis causas que levaram à sua
criação, não há consenso sobre o tema.
O desenvolvimento da temática do Grau 3, o aprofundamento esotérico
das idéias contidas na Maçonaria Simbólica, as lendas em torno da
Cavalaria e suas ligações com a Franco-Maçonaria ou mesmo o amor por
títulos que soem grandiosos e nobilitantes, podem ter sido a causa ou
alguma das causas que levaram ao desenvolvimento dos Altos Graus.
Historicamente se sabe que tais Altos Graus são uma criação do século
XVIII e que tiveram como marcos de seu desenvolvimento alguns fatos.
Vamos a eles.
O primeiro fato marcante é a publicação, em 1738, do Discurso de
Ramsay. André Michel Ramsay (1686 -1743) era escocês de nascimento,
sendo sua cidade natal Ayr. Faleceu em Saint-Germain, França. Filho de
um padeiro, era um entusiasta da Cavalaria e dos títulos de nobreza, a
ponto de mentir sobre sua origem, afirmando que seu pai era um
baronete escocês.
Recebeu do Regente da França o título de “Chevalier de Saint Lazare”
(Cavaleiro da Ordem de São Lázaro) o que o enobreceu (o título de
cavaleiro de uma Ordem Dinástica, ou seja, recebida de um monarca ou
de um príncipe coroado, apesar de não ser stricto sensu um título de
nobreza, torna seu possuidor, se este já não portava anteriormente um
título de nobreza, um membro da gentry, ou seja, um gentleman ou
gentilhomme, alguém que é senhor ou dominus, que porta armas e tem
brasão de armas. Não é um peer, um ‘par’, ou seja, um membro da
nobreza titulada, mas é alguém que, legalmente, pertence à nobreza.
Veremos essas informações com mais detalhes na aula dedicada à
Cavalaria e suas ligações com a Franco-Maçonaria). Foi membro da
Royal Society e da Universidade de Oxford, além de ter sido preceptor
de Carlos Stuart (1724), que era filho de Jaime III.
Ramsay foi iniciado na Franco-Maçonaria em 10 de março de 1730, na
Loja Horn, no Palácio Hord de Westminster. Sendo discípulo,
companheiro e apologista das idéias de Fénelon, trouxe para a Franco-
Maçonaria stuartista o pensamento católico, com noções imperiais
calcadas em uma hierarquia de características religiosas e guerreiras.
Seu discurso reflete de forma cristalina tais idéias, estabelecendo uma
fantasiosa ligação entre a Franco-Maçonaria, os cruzados, os patriarcas
bíblicos e até fatos e mitos da antiguidade européia pré-cristã.

48
Tendo sido impedido de pronunciar seu famoso discurso em 1737 pelo
cardeal André Hercule de Fleury (1653-1743), publicou tal texto um ano
mais tarde. O Discurso de Ramsay estabelece, por assim dizer, um
código geral de pensamento para o que se tornaria o R.E.A.A., com seus
graus “cavalheirescos” e suas muitas referências cristãs e bíblicas.
O segundo fato foi a criação, em 1754, pelo cavaleiro de Bonneville, do
Capítulo de Clermont. Essa instituição se dizia uma Obediência Maçônica
(uma instituição que congrega lojas e para elas legisla, ou seja, à qual as
lojas congregadas devem obediência. O sinônimo é “Potência”,
demonstrando o poder de legislar e de se fazer obedecer pelas lojas nela
congregadas), e propunha-se a ser uma continuação da loja fundada em
1688, em Saint-Germain-en-Laye, praticar os Altos Graus que já se
popularizavam e não manter relações com Grande Lojas, que eram
menos “espirituais” e, acusando-as, paradoxal e ironicamente, de serem
demasiadamente “políticas”.
O Capítulo de Clermont teve existência bastante curta. Depois de seu
encerramento seguiu-se a fundação do ‘Conselho dos Imperadores do
Oriente e do Ocidente’, o terceiro fato ao qual nos dedicaremos a
estudar.
O supracitado Conselho foi fundado em 1758 em Paris por Pirlet e se
denominava também ‘Grande e Soberana Loja Escocesa de São João de
Jerusalém’. A nomenclatura carregada, cheia de pompas e referências
cavalheirescas, está bem em acordo com o Discurso de Ramsay.
No mesmo ano de sua fundação, o Conselho criou um sistema de graus
em número de 25, fato que recebeu um formato jurídico em 1762
através dos estatutos dessa organização.
A princípio todos os “graus superiores” eram chamados de ‘Graus de
Perfeição’ e daí veio o nome de ‘Rito de Perfeição’ ou ‘Rito de Heredom’.
O nome Heredom é uma referência ao Mons Magorum invisibilis (monte
dos magos invisíveis), descrito em um dos documentos rosacruzes e
explicado por Thomas Vaughan (1621-1666), que foi o tradutor do Fama
Fraternitatis para o inglês. É denominada de ‘Montanha da Iniciação’ e
mostra a influência recebida pelo sistema de Altos Graus do hermetismo
e rosacrucianismo.
Em 1761, Etienne Morin recebeu do Conselho dos Imperadores do
Oriente e do Ocidente, seção de Bordéus, uma patente que o autorizava
a fundar lojas escocesas na América. Vale lembrar que, nessa época, não

49
havia divisão entre as Lojas Simbólicas e os Altos Graus. Fundar uma loja
escocesa era fundar uma loja onde seriam conferidos os 25 graus do Rito
de Perfeição.
Ao contrário do que se pensava, Etienne ao chegar à América, descobriu
que lá já funcionava “uma respeitável Loja escocesa” e ele também
instruiu a essa loja já existente.
Graças ao trabalho de Morin e à sua patente (cuja autenticidade é
questionada por alguns autores), desenvolveu-se no Novo Mundo com
grande fluidez o Rito de Perfeição. Com o decorrer do tempo, aos 25
graus originais do Rito de Perfeição se juntaram mais oito, criando um
sistema de 33 graus. O acréscimo desse número de graus é atribuído a
várias causas diferentes. Uma delas é que pela cidade de Charleston,
onde seria fundado o primeiro Supremo Conselho do R.E.A.A., passaria o
paralelo 33 Norte. Na verdade é o 32. Para ser mais exato, as
coordenadas ali são 32°47’N 79°56’ O. Outra é que seria a idade de Jesus
Cristo.
O número é simbólico e, na mística cristã, significa perfeição por ser o
número de anos da vida de Jesus. Alguns dizem que segundo os
Evangelhos, Jesus teria realizado 33 milagres, o que é falso. Na verdade
foram 37 (somando-se os que são comuns aos quatro Evangelhos e os
que aparecem em um ou mais deles). Há também a versão de que os
graus seriam a ascensão pela escada mística de João Clímaco. Mas na
verdade, a escada mística de João Clímaco só tem 30 degraus e no
tempo de criação dos Altos Graus não havia divisão entre os Graus
Simbólicos e os Altos Graus, ou seja, não dá para dizer que a “Escada
Mística” são só os “Altos Graus”. Outros vão dizer que são os “degraus
da Escada de Jacó”, mas a Bíblia não fala em nenhum momento no
número de degraus dessa escada. Tudo isso reforça a hipótese de que
simplesmente tomaram o número como símbolo de perfeição cristã, ou
seja, da caminhada de Jesus sobre a Terra.
Uma terceira causa provável seria o número da unidade especial da
guarda escocesa do Rei da França era composta de 13 soldados e 20
arqueiros, num total de 33 membros...
O número 25, dos graus do Rito de Perfeição ou Heredom, é a soma de 1
(unidade indivisível, contido em tudo) + 3 (o número da perfeição divina,
a divisão trinitária platônica de Demiurgo, Idéias e Matéria, as trindades
divinas e o número da síntese, ou seja, tese, antítese e síntese) + 5 (o

50
número do Homem e da Quintessência que permeia a realidade) + 7 (o
número sagrado da integridade e totalidade, da plenitude e perfeição) +
9 (o número da iniciação, o último número de um dígito, o limiar e a
transição para um novo patamar, um plano mais elevado). Esses
números, na magia renascentista, eram chamados de números
“masculinos”. O 25 é também o quadrado do número de pontas da
Estrela Hominal, ou Pentagrama. Duplicar o número do homem pode
representar a polaridade entre o homem profano e o Iniciado, entre o
homem velho, que morre, e o Novo Homem, renascido.
Como se pode ver, o sentido esotérico do número 25 é mais amplo do
que o do número 33.
Os 33 Graus do R.E.A.A. são:
1 – Aprendiz;
2 - Companheiro;
3 – Mestre;
4 - Mestre Secreto;
5 - Mestre Perfeito;
6 - Secretário Íntimo;
7 - Preboste e Juiz;
8 - Intendente dos Edifícios;
9 - Mestre Eleito dos Nove;
10 - Mestre Eleito dos Quinze;
11 - Cavaleiro Eleito dos Doze;
12 - Grão-Mestre Arquiteto;
13 - Real Arco;
14 - Perfeito e Sublime Maçom;
15 - Cavaleiro do Oriente;
16 - Príncipe de Jerusalém;
17 - Cavaleiro do Oriente e do Ocidente;

51
18 - Cavaleiro Rosacruz;
19 - Grande Pontífice;
20 - Soberano Príncipe da Maçonaria;
21 - Noaquita ou Cavaleiro Prussiano;
22 - Cavaleiro do Real Machado;
23 - Chefe do Tabernáculo;
24 - Príncipe do Tabernáculo;
25 - Cavaleiro da Serpente de Bronze;
26 - Escocês Trinitário;
27 - Grande Comendador do Templo;
28 - Príncipe Adepto;
29 - Grande Escocês de Santo André da Escócia;
30 - Cavaleiro Kadosh;
31 - Grande Juiz Comendador;
32 - Sublime Cavaleiro do Real Segredo, Soberano Príncipe da
Maçonaria;
33 - Soberano Grande Inspetor Geral.
Voltemos aos nossos raciocínios históricos...
Reunidos na já citada cidade de Charleston, em 31 de maio de 1801, os
Irmãos Capitulares da administração das lojas escocesas nos EUA
fundaram o Supremo Conselho do Rito Escocês, concentrando ali todo o
governo e as patentes para as lojas do recém-criado rito.
Em 4 de dezembro de 1802, o tal Supremo Conselho expediu uma
circular auto-laudatória, glorificando seu sistema de 33 graus e contando
uma enorme mentira. A mentira era que o sistema havia sido organizado
pelo próprio Frederico II, da Prússia, em maio de 1786.
Segundo esse esdrúxulo testemunho “histórico”, Frederico teria sido
nomeado Grão-Mestre da Franco-Maçonaria “escocesa” por Carlos
Stuart, filho de Jaime III, que teria transmitido a Frederico a “sucessão”

52
no mando daquela forma de Franco-Maçonaria. Depois disso,
“Frederico” teria transmitido seu poder a um “Conselho de Inspetores
Gerais”, e, ao mesmo tempo, aumentara os graus de 25 para 33. Até
uma constituição falsa, em nome de Frederico II, foi criada. Tudo isso
para dar maior credibilidade ao novo rito.
A denominação de “Antigo e Aceito” foi produto da reação dos
membros das lojas escocesas à revisão dos Altos Graus pela Câmara dos
Ritos na França (da qual tratamos na parte sobre o Rito Moderno). A
redução dos graus ou mesmo a tendência de alguns franco-maçons
conservadores de não aderir aos Altos Graus não agradou aos escocistas
que tinham como marca distintiva de seu sistema, justamente, os Altos
Graus.
A política de redução dos graus, quando as lojas escocesas buscavam
aumentar os seus fez com que, numa imitação do que já acontecera na
Inglaterra entre as duas Grandes Lojas (a de 1717 e a de 1753), os
escocistas se denominassem “Franco-Maçons Antigos e Aceitos”. Note-
se que não era o rito que era o “aceito”, mas sim os maçons que se
diziam ‘os aceitos’, baseados na crença errônea de que os franco-
maçons especulativos teriam sido aceitos pelos operativos no seio de
suas lojas.
Com o passar do tempo, foi o próprio rito que mudou de nome. De ‘Rito
Escocês dos Antigos e Aceitos’, passou a ser ‘Rito Escocês Antigo e
Aceito’. O R.E.A.A. tendo sido oficialmente criado nos EUA teve seu
maior foco de expansão na França. Um segundo Supremo Conselho,
criado com uma patente dada pelo primeiro ao conde Alexandre de
Grasse-Tilly, foi formado na França. Em 1804, formou-se a Grande Loja
Geral Escocesa da França, do Rito Antigo e Aceito, com sede em Paris e
quarenta e nove dignitários portadores do Grau 33. Desse segundo
Supremo Conselho é que saiu a maioria das patentes que fariam com
que o R.E.A.A. fosse um dos ritos mais praticados em todo o mundo.
Em 1875 ocorreu o Congresso de Lausanne, nesta cidade Suíça, que foi
outro evento importante para a fortificação do rito em todo o mundo.
Filosofia do R.E.A.A.
O R.E.A.A. segue o que poderíamos chamar de um moralismo cristão
liberal ou liberalizante. Sua moralidade é completamente trabalhada em
valores cristãos e as citações bíblicas abundam em muitos de seus graus,

53
apesar de serem tomadas sempre em um sentido bastante elástico e
passível de muitas interpretações.
No Grau 30, por exemplo, considerado por muitos como o mais
importante de sua escalada iniciática, um grau cavalheiresco de
“vingança” e com claríssimas referências aos antigos Templários, tem-se
os temas de amor a Deus, amor ao próximo, prudência, firmeza na fé
etc., revelando aqueles elementos mais comuns do catecismo cristão.
Há também o simbolismo cristão da Cruz Teutônica e as referências a
cruzadas nos lemas (Deus o quer) etc.
No Grau 18 (praticado pelo Supremo Conselho do Brasil para o R.E.A.A.),
há a leitura do Evangelho de São João, há celebrações especiais previstas
para a Semana Santa dos católicos romanos, Jesus é citado, as virtudes
teologais da Fé, Esperança e Caridade são citadas pelo “Artezata”
(principal oficial) antes da extinção das luzes do Capítulo, apesar do
discurso de tolerância religiosa e de progresso do pensamento religioso
através “dos lentos progressos da razão humana”. O símbolo principal
do Grau 18 é um símbolo eucarístico antigo, o pelicano e seus filhotes. É
usado, ainda hoje, tanto pela igreja latina (Romana) quanto pelas igrejas
orientais (dos patriarcados ortodoxos). O sacramento eucarístico é
também lembrado na ceia dos Cavaleiros Rosacruzes, que é justamente
celebrada no dia da instituição da eucaristia para os católicos romanos,
ou seja, a Quinta-Feira Santa do calendário gregoriano.

O pelicano do Grau 18 do R.E.A.A.

54
O pelicano como símbolo eucarístico retratado em uma igreja

Há, obviamente, muitas infiltrações que não constavam nos rituais


originais, mas de maneira geral, o teor bíblico e cristão perpassa todo o
R.E.A.A. As idéias de tolerância, de fraternidade universal e de um amplo
acolhimento religioso não chegam ao ponto de explicitar, por exemplo,
um acolhimento expresso a religiões que não tenham uma figura divina
(como o Budismo). Obviamente que na prática, isso não é empecilho
para o acesso dos praticantes dessas religiões aos Altos Graus do
R.E.A.A.
Na América Latina, especialmente no Brasil, o R.E.A.A. tornou-se tão
enraizado que se confunde com a própria Franco-Maçonaria. É comum
ouvir pessoas que, para frisar a importância de alguém que sabem ser
franco-maçom, dizem: “Ele é Grau 33!”. Isso é comum entre alguns
franco-maçons menos esclarecidos também. Esse é um equívoco a ser
combatido, pois dissemina uma imagem enganosa da Franco-Maçonaria
que, na verdade, é composta por muitos ritos cuja maior parte não tem
33 graus.
Todos os Altos Graus, seja o nome que tenham ou o número que
atinjam, não podem ser tomados como a Franco-Maçonaria em si
mesma. São aprofundamentos, extensões, novas perspectivas e fazem
parte da caminhada maçônica mas não são “A” Maçonaria.
Frederico II, da Prússia, aquele ao qual foram falsamente atribuídos os
Altos Graus do R.E.A.A., era conservador e nunca foi favorável à
disseminação tresloucada ou à demasiada valorização dos Altos Graus.
Ele próprio conservou-se apenas nos Graus Simbólicos.

55
5.3. O Rito Adonhiramita
Pode-se tomar a história relativa aos dois ritos anteriores como uma
perspectiva geral da Franco-Maçonaria da França do século XVIII.
Longe de ser algo homogêneo e bem estabelecido, no panorama
maçônico de então pululavam os novos sistemas, os novos ritos e as
reformas do que já era conhecido, tudo em busca de se encontrar uma
maior originalidade e efetividade iniciática. Para se ter uma idéia ao que
me refiro, basta ter em mente que entre o começo do século XVIII e o
começo do século XIX se contavam 75 altos graus chamados “escoceses”
e mais de 135 sistemas ou ritos, divididos em instituições mais ou menos
independentes entre si. Isso explica a preocupação do Grande Oriente
da França em formar a “Câmara dos Ritos”, já citada na parte sobre o
Rito Moderno, para se estabelecer alguma distinção entre aquilo que era
realmente embasado e aquilo que era dispensável ou mero devaneio.
O Rito Adonhiramita nasce em meio a eclosão de sistemas maçônicos do
século XVIII e passa, como todos os ritos maçônicos, por fases pontuais
de desenvolvimento que, ao longo do tempo, vão cristalizando aquilo
que temos hoje como tal.
Em 1744 foi publicado o “Catechisme de Franc Maçons ou Le Secret Des
Franc Maçons” (Catecismo dos Franco-Maçons ou O segredo dos Franco-
Maçons), escrito por Louis Travenol que, utilizando o pseudônimo de
Leonard Gabanon, denominava “Adoni Hiram” (senhor Hiram, em
hebraico) ao arquiteto chefe das obras do Templo de Salomão, o qual
comumente é denominado nos mitos maçônicos apenas de Hiram.
A mim, como pesquisador maçônico, parece que houve alguma
confusão entre os personagens bíblicos Adoniram, que era chefe dos
trabalhados forçados para a construção do Templo (2Sm.20,24;
1Rs.5,14) e que acabou sendo morto a pedradas pela revoltada
população(1 Rs. 12,18) e Hiram Abi, filho de uma viúva da tribo de
Naftali e de um cidadão de Tiro, que era hábil no trabalho com bronze
(1Rs. 7, 13-22) e com muitos outros materiais (2Cr. 2, 13-14).
Em 1766, seguindo uma linha de pensamento muito próxima, o Barão
Theodore Henry de Tschoudy publicou sua “L’Étoile Flamboyant”,
também denominada de “Catecismo ou instrução para o grau de Adepto
ou Aprendiz Filósofo Sublime e Desconhecido” que, mesmo não tendo
ligação direta com o Rito Adonhiramita, acabou por se mesclar à sua
história, fato que comentaremos na sequência da aula.

56
Em 1780, como reação à publicação do “Catechism de Franc Maçons”,
uma obra medíocre que desagradou profundamente a um grande
estudioso maçonólogo da época, Louis Guillemain de Saint Victor, este
preparou um estudo contendo pesquisas relativas aos mistérios da
Antigüidade, e lançou dois anos depois a “Recueil Precieux de La
Maçonnerie Adonhiramite” (Compilação Preciosa da Maçonaria
Adonhiramita). A parte publicada em 1782 abrangia 4 graus, ou seja,
Aprendiz, Companheiro, Mestre e Mestre Perfeito. Em 1785 ele lança
uma segunda parte, onde outros graus eram tratados. Eram eles:
- Primeiro Eleito ou Eleito dos Nove;
- Segundo Eleito ou Eleito de Perignam;
- Terceiro Eleito ou Eleito dos Quinze;
- Aprendiz Escocês ou Pequeno Arquiteto;
- Companheiro Escocês ou Grande Arquiteto;
- Mestre Escocês;
- Cavaleiro da Espada ou Cavaleiro do Ocidente ou da Águia;
- Cavaleiro Rosa-Cruz.
Ao final dessa edição, constava também a tradução do alemão de um
grau denominado “Noaquita ou Cavaleiro Prussiano”, o qual era
atribuído a um autor maçônico denominado Bérage. Este “13º” foi
interpretado por alguns autores como o último grau da Maçonaria
Adonhiramita. No entanto, se bem analisado o contexto, fica claro que
não existe qualquer ligação entre os graus anteriores e esse 13º grau.
Além do mais o próprio autor, Louis Guillemain de Saint Victor, afirmou
que o grau de Cavaleiro Rosa-Cruz é o ápice e o término de seu sistema.
A obra de Louis Guillemain de Saint Victor teve repercussão
extremamente positiva ao ponto de em 1785, ou seja, apenas 3 anos
após o lançamento da primeira parte e no mesmo ano do lançamento da
segunda, já estava sendo publicada, em francês mesmo na Filadélfia,
EUA. Esta obra se tornou uma referência canônica do Rito Adonhiramita,
e com ela o próprio rito alcançou ampla divulgação e expansão na
Europa, chegando a se tornar o principal rito do Grande Oriente Lusitano
e sendo exportado para suas colônias na África, Ásia e Novo Mundo.

57
Alguns equívocos levaram a confusão entre o nome do autor de ‘A
Estrela Flamígera’, ou seja, o Barão Theodore Henry de Tschoudy, e o
autor da ‘Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita’, ou seja,
Louis Guillemain de Saint Victor. Esse equívoco foi disseminado pelo
autor Jean-Marie Ragon, que citava a essa última obra como sendo obra
do Barão de Tschoudy. Foi também Ragon que “entendeu” que o grau
de “Noaquita ou Cavaleiro Prussiano” seria um 13º grau da Maçonaria
Adonhiramita. Infelizmente o erro propagado por Ragon prosperou. No
Brasil, por exemplo, já em 1850 se publicava um “Cobridor dos Gráos
Capitulares” onde constava como o 13º grau o de “Noachita ou
Cavaleiro Prussiano”.
O livro de Tschoudy lançava as bases de um rito denominado de ‘Rito da
Estrela Flamígera’, de características alquímicas que posteriormente
muito influenciou as idéias doutrinárias do próprio Rito Adonhiramita
(até pela divulgação, através do erro de Ragon, do nome da obra e do
autor), mas que não pode se confundir com uma obra fundamental do
rito em si.
Filosofia do Rito Adonhiramita
Contando com uma ritualística bastante elaborada e sofisticada, o Rito
Adonhiramita acrescenta ao fato de ser um rito teísta, a respeito do qual
podemos dizer o mesmo que em relação aos outros ritos teístas, um
vasto repertório simbólico hermético.
Desde a circulação em Loja (que se dá de forma a reproduzir o símbolo
do infinito), até as sofisticadas cerimônias de incensação, o Cerimonial
do Fogo e demais passagens ritualísticas bastante vívidas (cena da
traição, cena da câmara ardente – TIRADA DO RITO FRANCÊS ORIGINAL
etc.), tudo no rito faz alusão à extensa simbologia referente à alquimia
interior e à gravidade dos juramentos maçônicos. A loja é, de certa
forma, preparada para ser um tipo de laboratório hermético.
Interessante notar, por exemplo, que no Grau de Mestre se faz alusão
direta ao mito do assassínio de Osíris, e se diz explicitamente que o
Mestre Arquiteto Adonhiram vive, na pessoa do novo mestre.
As passagens rituais mais essenciais vão sempre colocar ao candidato
tanto as sensações quanto os pensamentos e palavras. Corpo e mente,
razão e emoção são utilizados de maneira harmônica, de modo que os
ritos gravem uma forte marca sobre o recipiendário.

58
Pelo fato de ser um rito minoritário, apesar de ter experimentado algum
crescimento nos últimos anos, muitas vezes apresenta certa carência de
literatura e de referências seguras no Brasil. Isso, obviamente, ocasiona
um vasto repertório de invencionices que cabe aos franco-maçons
adonhiramitas, e a todos os franco-maçons cultos e conscientes,
combater.
5.4. Rito Schröder
Em 1782 ocorreu o Congresso de Wilhelmsbad, onde se procurou
eliminar futilidades, cerimônias excessivas e corrigir erros dos rituais
então em uso na Alemanha.
Friedrich Ludwig Schröder (1744-1816), franco-maçom culto e engajado,
foi convidado em 1788 a integrar a comissão, constituída em 1783, para
buscar uma forma ritualística maçônica mais pura, mais em acordo com
o espírito dos rituais das primeiras lojas do sistema obediencial iniciado
em 1717 em Londres.
A comissão contou com o Irm.˙. August Von Gräfe, que tinha de memória
os rituais ingleses, para que os colocasse por escrito (de fato, nesse
período da história maçônica não era costume se colocar os rituais por
escrito, apesar de que, por conta da obra “Masonry dissected”, lançada
em 1730 pelo perjuro Samuel Pritchard, já havia fontes escritas sobre os
usos e costumes ritualísticos em uso na Franco-Maçonaria inglesa).
Os resultados dos estudos dessa comissão se apresentaram a partir de
1790, quando foram reunidos todos os usos e costumes ritualísticos em
vigor.
Somente em 1799, no entanto, com a eleição do Irm.˙. Friederich Ludwig
Schröder para Grão-Mestre Adjunto, é que se abriram as oportunidades
para que se introduzisse o novo ritual, o que foi efetivado em 1801 no
Congresso de Hamburgo.
Apesar de em 29 de junho de 1801, com a Assembléia Geral dos Maçons
da Loja Provincial da Baixa Saxônia e Hamburgo, o novo ritual que daria
origem ao Rito Schröder já ter sido revisado e adotado, só depois de
1816, com o trabalho ininterrupto do Irm.˙. Schröder, é que ele teria sua
redação final.
O Irm.˙. Schröder faleceu nesse mesmo ano, 1816, e seu sucessor enviou
uma carta a Londres, para a Grande Loja Unida da Inglaterra (formada
em 1813) informando que:

59
“Schröder considerava a Constituição Inglesa e os velhos costumes do
Ritual Inglês como as únicas fontes das finalidades e da essência da
Maçonaria, e conscientizou as Lojas da jurisdição da Grande Loja de
Hamburgo e muitas outras sobre este entendimento, levando-as, em
1801, a adotarem o velho Ritual”.
Só depois de 1853, após mais revisões e estudos, a Grande Loja de
Hamburgo liberou o ritual para uso oficial. Foram esses rituais que
estiveram em uso até 1933, quando a Franco-Maçonaria Alemã, por
conta de decreto do governo Nacional-Socialista, entrou em período de
inatividade.
Em 1960, houve nova revisão e o resultado dessa revisão serviu de base
para a Comissão do Colégio de Estudos do Rito Schröder, que a viu como
perfeitamente adaptável ao uso da grande maioria das Lojas brasileiras
que mantêm a tradição do uso adotado pela Grande Loja de Hamburgo.

Friedrich Ludwig Schröder (1744-1816)

60
Filosofia do Rito Schröder
O Rito Schröder, assim como o Rito Moderno, é um autêntico filho da
Era das Luzes. Ele reflete, no entanto, as características próprias do
Iluminismo Alemão (Aufklärung) que, bastante similar ao Iluminismo
Inglês, caracteriza-se por uma maior tolerância em relação ao teísmo e
uma maior moderação em suas posturas políticas e ideológicas.
O Iluminismo Francês passou por um período de radicalização e
extremismo, o que não aconteceu nem no Iluminismo Alemão, nem no
Iluminismo Inglês.
Unindo uma visão científica e racional a uma ampla tolerância em
relação às crenças individuais, o Rito Schröder é um rito que une a
reflexão filosófica a uma visão bastante equilibrada da religião.
Foi o filósofo Immanuel Kant que formulou a mais completa definição do
Aufklärung em um opúsculo de 1784, "Uma resposta à questão: o que é
o Iluminismo?" onde lemos a famosa definição:
"Esclarecimento [Aufklärung] é a saída do homem de sua menoridade,
da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer
uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o
próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na
falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de
si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! [Ouse saber!] Tem
coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do
esclarecimento [Aufklärung]".
A prática do rito reflete muito bem isso. É um rito de nobre simplicidade,
despojado de todo atavio desnecessário, bastante prático e de uma
elegância e sobriedade tipicamente germânicas.
No Rito Schröder não há “Altos Graus” nem “Ordens Sapienciais” ou
equivalentes. Ele está completamente centrado no trabalho dos Três
Graus Simbólicos.
5.5. O “Rito” Inglês
Erroneamente chamado (ainda!) de “Rito de York” por alguns IIrm.˙., o
trabalho ritualístico inglês (craft – ofício) se divide em muitos livros
litúrgicos (rituais) diferentes.

61
No Brasil, só é praticado o chamado “Emulation Craft”, popularmente
chamado de “Ritual de Emulação”, mas na Grã-Bretanha e em outros
países onde há Lojas Ultramarinas da Grande Loja Unida da Inglaterra,
encontramos os seguintes rituais em uso:
- Complete Workings;
- Emulation;
- Goudielock;
- Logic;
- Oxford;
- Ritus Oxoniensis;
- Revised Working Craft;
- Stability;
- Taylor’s;
- Scottish Working;
- Universal;
- West End.
Esses são utilizados nos Três Graus Simbólicos. Cabe lembrar que na
Franco-Maçonaria inglesa, o “Royal Arch” ou “Arco-Real” é o
complemento obrigatório ao Grau de Mestre e faz parte, portanto, da
chamada “Pura Maçonaria”. Para os trabalhos do Arco-Real se
encontram os seguintes rituais:
- Aldersgate;
- Domatic;
- Metropolitan;
- Oxford;
- Perfect Ceremonies;
- Staffordshire;
- Standard Working.

62
Juntando-se os rituais utilizados nos Três Graus Simbólicos mais os
utilizados em seu complemento obrigatório (o Arco Real), chegamos a
19 rituais diferentes que compõem a diversidade litúrgica da Franco-
Maçonaria Inglesa.
Outros autores já explicaram, exaustivamente, os erros que levaram o
Grande Oriente do Brasil a estampar em seus rituais (uma tradução do
Emulation), o título de “Rito de York”. Não vamos aqui fazer uma cópia
das explicações que já foram dadas.
Cabe citar, a título de esclarecimento, que “Rito de York” ou “York Rite”
é um rito norte-americano e que é, por sinal, bem diferente do Craft
inglês.
Também cabe lembrar que no Rito de York (o verdadeiro, norte-
americano), a expressão “Arco Real” se refere a todo um conjunto de
Altos Graus que compõem o seu sistema, e não ao complemento do
Grau de Mestre da Franco-Maçonaria inglesa.
Diante desse quadro, a nós soa estranho que se use, por motivo de
“política da boa vizinhança”, o título errôneo de “Rito de York do Brasil”
quando se referindo às práticas das Lojas que se utilizam do ritual
traduzido de Emulação.
Erros são erros. Reconhecer os erros é parte do nosso trabalho de auto-
aperfeiçoamento. Estimular e continuar difundindo um erro, por
questão de não ferir sensibilidades exacerbadas de autoridades
maçônicas é, do ponto de vista INICIÁTICO, questionável, para dizer o
mínimo.
Vejamos algumas das gritantes diferenças entre “Rito de York” (Norte
Americano) e o “Freemasons Craft” (inglês):

63
Avental de Mestre do Rito de York (Norte-Americano)

Avental de Mestre da Maçonaria Inglesa

Paramentos do Arco-Real Americano

64
Avental, medalha e faixa de um Oficial de Capítulo do Arco-Real inglês

Avental e faixa de um Companheiro (membros dos capítulos do Arco-Real inglês são


chamados de “Companheiros do Arco-Real”) do Arco-Real inglês.

Avental do Arco-Real Norte-Americano (York Rite)

65
Voltemos ao nosso estudo...
Os procedimentos litúrgicos da Franco-Maçonaria inglesa atual são fruto
da união entre as duas Grandes Lojas inglesas ocorrida em 1813. De
fato, naquele período, uma das preocupações existentes era justamente
a conformação dos diversos usos e costumes de ambas as Grandes Lojas
(“Modernos” e “Antigos”) para que houvesse unidade doutrinária,
mesmo que na diversidade de rituais que citamos. Um dos pontos mais
delicados da questão era a questão do complemento do Grau de
Mestre, ou seja, o Arco-Real. Esse complemento de grau era praticado
na Grande Loja dos “Antigos”, mas não na Grande Loja dos “Modernos”.
A questão foi solucionada e se tornou pacífico o fato de que os Mestres
Maçons, dentro da tradição inglesa da Franco-Maçonaria, devem ser
exaltados ao Arco-Real para que tenham uma visão completa do 3º
Grau.
De fato, a Grande Loja Unida da Inglaterra foi muito bem sucedida nesse
aspecto. Dentro de seus diversos usos litúrgicos e mesmo nas Ordens de
Aperfeiçoamento (que não têm ligação direta com a Grande Loja Unida
da Inglaterra, mas que nascem dentro do contexto histórico da
Maçonaria Inglesa) há uma admirável unidade doutrinária.
Para o franco-maçom brasileiro ainda ficam nebulosas algumas questões
em relação às Ordens de Aperfeiçoamento que tendem, infelizmente, a
ser vistas como um tipo de “sistema de Altos Graus”, parecidas com os
ritos de origem francesa.
Na Franco-Maçonaria inglesa não há reconhecimento por parte da
Grande Loja Unida da Inglaterra em relação às Ordens de
Aperfeiçoamento ou “Side degrees” (Graus Colaterais). A Grande Loja
Unida da Inglaterra não firma “Tratados de Amizade e Mútuo
Reconhecimento” com quaisquer corpos que tratem de outros graus
que não sejam os Três Graus Simbólicos e o Arco-Real. E ainda cabe
notar que o Arco-Real é governado por um corpo separado (o Supremo
Capítulo), apesar de ter como suprema autoridade o mesmo Grão-
Mestre da Grande Loja Unida da Inglaterra.
O que ocorre é que as Ordens de Aperfeiçoamento são compostas por
Mestres Maçons da Grande Loja Unida da Inglaterra ou oriundos de
Obediências Maçônicas Simbólicas por ela reconhecidas. Em outras
palavras, é uma exigência que se seja Mestre Maçom oriundo da GLUI

66
ou por ela reconhecido como tal, mas não é a Grande Loja Unida da
Inglaterra quem reconhece esses graus...
Ao contrário do que acontece no Brasil, na Inglaterra a divisão entre os
Graus Simbólicos e os Graus Colaterais é bastante clara e tomada
realmente a sério. Cada Ordem de Aperfeiçoamento é completamente
independente e tem seu próprio sistema de Graus.
Atualmente, as Ordens de Aperfeiçoamento Maçônico na Inglaterra são:
- Maçonaria da Marca;
- Nautas da Arca Real;
- Cavaleiros Templários e Cavaleiros de Malta;
- Cruz Vermelha de Constantino;
- Mestres Reais e Seletos;
- Graus Maçônicos Associados;
- Monitor Secreto;
- Operativos;
- Cavaleiros Sacerdotes Templários e do Santo Arco Real;
- Real da Escócia;
- Eri;
- Augusta Ordem da Luz;
- Societas Rosicruciana in Anglia;
- Rito de Baldwin em Bristol.
Além dessas Ordens de Aperfeiçoamento, a Franco-Maçonaria inglesa
também conta com praticantes de ritos de origem não-inglesa que
seguem o sistema dos Altos Graus e estão disponíveis aos Mestres
Maçons. São eles:
- Rito Escocês Antigo e Aceito (chamado de “Rito Antigo e Aceito para a
Inglaterra e o País de Gales);
- Rito Escocês Retificado.
Filosofia da Franco-Maçonaria inglesa

67
A Inglaterra, assim como a Alemanha e os Países Baixos, não enfrentou a
radicalização do Iluminismo.
Depois de longas amarguras provocadas pelas guerras religiosas, a
tolerância e a moderação se tornaram virtudes verdadeiramente
apreciadas pela sociedade inglesa de maneira geral.
A Igreja Anglicana sempre foi uma igreja inclusiva, com uma longa
tradição de acolhimento de diversas correntes em seu seio, desde os
anglicanos da “Low Church” (Igreja Baixa) influenciados pela Reforma,
até os anglicanos catolicizantes da chamada “High Church” (Igreja Alta).
Sendo assim, nunca condenou formalmente os franco-maçons tendo,
inclusive, membros do seu Alto Clero declaradamente maçons.
A Franco-Maçonaria inglesa sempre esteve atrelada aos governantes e à
Monarquia. Isso evitou uma série de conflitos e de radicalizações. Até
hoje, o Grão-Mestre da Grande Loja Unida da Inglaterra é o Duque de
Kent.
Em muitos aspectos, a Franco-Maçonaria inglesa se reduz a um tipo de
clube para senhores, onde se partilham de reuniões com fundo moral
(um “sistema de moralidade velado por símbolos e alegorias” é uma das
mais comuns definições dadas pelos maçons ingleses para a Franco-
Maçonaria) e de atividades fraternais. Há um conservadorismo bastante
acentuado relativo às formas dadas no século XIX, e também um
pietismo religioso bastante moderado, mas que se expressa nas
constantes citações bíblicas, nas preces que permeiam todos os rituais,
nas referências cristãs etc.
Cabe citar também que a Franco-Maçonaria inglesa é radicalmente
apolítica. Dentro de suas Lojas não se discutem nem temas de macro-
política nem de política partidária. Tudo é uma forma de evitar atitudes
menos “fraternais”.
Diante desse quadro, podemos dizer que há um forte absenteísmo
político, religioso e social na filosofia maçônica inglesa. É um sistema
que serve a si mesmo, proporcionando aos membros momentos
agradáveis, fraternais e longe de olhos curiosos. Além disso, prega uma
moralidade cristã moderada que tem como objetivo a formação de bons
cidadãos e bons súditos dos monarcas.

68
O governo da Grande Loja é piramidal e os extratos mais baixos da
pirâmide não influenciam nos extratos mais altos, cujo cume é o Grão-
Mestre vitalício.
Dentro das Ordens de Aperfeiçoamento há diversas tendências, desde
certa obsessão “cavalheiresca”, até o hermetismo e a alquimia.
5.6. O Rito Brasileiro
Em 1834 na cidade de Lisboa foi lançado o livro "Instrução Completa do
Franco-Maçom" por Miguel Antônio Dias, sob o pseudônimo de UM
CAVALEIRO ROSA-CRUZ. Tal livro se inspirou num dos mais famosos
manuais franceses da época, o de François Etiene Bazot, que tratava do
Rito Francês e de Adoção. No prólogo dessa importante obra, Miguel
Antônio Dias solicitava aos Orientes de Portugal e do Brasil a criação de
um Rito novo e independente, que tendo por base os Três Graus
Simbólicos comuns a toda a Maçonaria tivesse, contudo, em seus Altos
Graus, matérias que abrangessem questões nacionais.
A princípio, a proposta foi tomada como descabida, tendo em vista que
se considerava que qualquer nacionalismo seria contrário ao espírito
universalista da Franco-Maçonaria. A proposta de Miguel Antônio Dias,
no entanto, não era a de um patriotismo ou nacionalismo vazio ou com
objetivos políticos. A intenção era a de adaptar tal rito de forma que
estivessem completamente adequados ao meio nacional de seus
praticantes. Os Altos Graus "seriam formulados sob a influência do meio
histórico e geográfico da Pátria em que se vive, sob sua índole,
inspiração e pendores".
O Grão-Mestre Álvaro Palmeira, figura histórica que consolidou o Rito
Brasileiro e seu Grande Instrutor-Geral, afirmava que a Maçonaria é
universal e una, mas em cada País assume características peculiares,
consoante com a história e a índole de cada povo, exatamente como
acontece com a Arte, a Ciência e a Religião. Tal fato é inegável. Até agora
temos visto que os diversos ritos sofrem indubitável influência dos
meios em que se desenvolvem.
Entre 1878 e 1882, o negociante José Firmino Xavier criou uma
sociedade secreta semelhante à Maçonaria, colocando-a sob os
auspícios de D. Pedro II, da Família Imperial e do Papa. Tal sociedade
tinha por finalidade defender a religião católica, sustentar a Monarquia
Brasileira, praticar caridade, desenvolver as ciências, as letras, as artes, a
indústria, o comércio, a agricultura e contribuir para a extinção da

69
escravidão. Era destinada somente a todos os brasileiros natos, sem
distinção de classe, como especificava o art. 3º da sua Constituição. A
base de tal sociedade era os Três Graus Simbólicos da Franco-
Maçonaria. Sobre essa base erguia-se uma hierarquia de 20 Graus.
Havia uma série de peculiaridades nessa sociedade. As Lojas eram
chamadas de “Casas” e tomavam o nome distintivo que preferissem,
mas não podiam substituí-lo sob pretexto algum. Quando uma Casa
fechava, era proibido se instalar outra com o mesmo nome daquela.
A Constituição dessa sociedade, em diversos artigos, referia-se à
emancipação dos escravos, com especial atenção à obtenção das cartas
de alforria, inclusive com a criação de um cofre especial para que fossem
feitas contribuições a bem da emancipação dos escravos. A entrega
solene das Cartas dos Libertos pelo respectivo cofre de emancipação era
comemorada com festa.
A administração das Casas durava o período de um ano. Havia um
singular quadro de oficiais composto da seguinte forma:
- Venerável ou Regente;
- Quatro Vigilantes (dois titulares e dois suplentes);
- Orador;
- Secretário;
- Tesoureiro;
- Fiel;
- Dois Guardas da Cruz;
- Quatro Defensores;
- Quatro Acusadores;
- Quatro Sindicantes;
- Quatro Mestres;
- Quatro Andadores;
- Dois Guardas do Templo.

70
O quadro de oficiais de uma casa era, portanto, composto por nada
menos que 33 membros.
O Venerável ou Regente só poderia ser reeleito novamente para tal
posto depois de passados, no mínimo, quatro anos da sua última
administração.
A nomenclatura das Casas também era bastante singular. Além do
Oriente, os Irmãos tomavam assento na Coluna do Norte do Vale do
Soberbo Amazonas, de responsabilidade do Primeiro Vigilante, e na
Coluna do Sul do Vale do Prata, sob os cuidados do Segundo Vigilante;
pediam a palavra por duas palmas ao Venerável.
O Orador se sentava ao lado esquerdo do Venerável. Era o relator de
todos os processos de admissão e de exclusão, que eram entregues ao
Acusador.
Os Acusadores se sentavam na Coluna do Norte do Vale do Soberbo
Amazonas e eram responsáveis pela acusação das faltas e erros dos
irmãos, sendo a escolha de um deles por votação da Regência. Os Irmãos
Defensores se sentavam na Coluna do Sul do Vale do Prata e eram
responsáveis pela defesa dos processados, sendo um deles escolhido
pelo acusado.
Os Sindicantes se sentavam na Coluna do Prata e na Coluna do
Amazonas e eram responsáveis "em bem examinar e indagar das faltas
chegadas quer pela voz pública, ou pelas pranchas que receberem".
Os Mestres se sentavam em ambas as Colunas e, entre outras funções,
eram eles os responsáveis "por ensinar aos Irmãos da sua Coluna os
toques e sinais e escrituração para bem poderem gozar e vencerem nos
mistérios da Santa Irmandade".
Os Guardas da Cruz sentavam-se em ambas as Colunas e eram
chamados pelo Venerável para junto do dossel quando tinha de
descerrar a imagem do Santo Padroeiro. Ficavam aí de pé até o fim do
ato.
Os Guardas do Templo eram em número de dois, um externo e um
interno. O que se encontrava no interior do Templo transmitia ao 2º
Vigilante tudo que de fora do mesmo lhe era comunicado pelo guarda
externo.

71
Em Pernambuco, foi criado um Supremo Conselho do Grande Oriente,
ao qual ficará sujeita a Maçonaria do Rito Brasileiro que tinha ao
Imperador D. Pedro II, ao Papa de Roma e aos Príncipes da Família
Imperial como Grandes Chefes e Protetores, aos quais era outorgado de
maneira honorífica o Grau 23 e como “Grande Chefe Propagador e
Vitalício”, com o Grau 22, o autor da idéia, José Firmino Xavier. Em caso
de sua morte o Grande Chefe Propagador seria substituído, por eleição
do Supremo Conselho, tomando o que o substituísse o título de “Chefe
Conservador”.
José Firmino Xavier encaminhou ao Imperador D. Pedro II uma cópia da
Constituição do Rito acompanhada de uma lista com 838 nomes de
irmãos, denominada de "Caderneta Nominal dos Sócios da Nobre e
Augusta Casa Maçônica do Especial Rito Brasileiro, Coração Livre e
Popular propagada e instalada em Pernambuco". Foi observado que
após o nome de muitos, havia a palavra ‘Republicano’, denotando o
caráter político e eminentemente monárquico da Ordem.
José Firmino Xavier provavelmente desejava fechar as feridas deixadas,
sobretudo em Pernambuco, pela "Questão Religiosa", e sonhando
ardentemente ver essa amizade restabelecida, colocou a sua Ordem
sob a proteção de D. Pedro II, da Família Imperial e do Papa.
Apesar de todos os esforços, a Ordem acabou se enfraquecendo e
terminou por se extinguir ainda no século XIX
Em 21 de junho de 1904, o General Lauro Sodré e Silva assumiu o Grão
Mestrado do Grande Oriente do Brasil e, durante quase treze anos,
desempenhou essa função tendo sido reeleito várias vezes.
Ao assumir o comando da Maçonaria Brasileira, Lauro Sodré já era uma
figura pública respeitada e admirada no cenário político nacional.
Destacou-se na campanha abolicionista e na propaganda republicana;
foi discípulo dileto de Benjamim Constant e seu secretário quando este
foi Ministro da Guerra; presidiu a Província do Pará, pela primeira vez,
aos 33 anos incompletos, em 1891; opôs-se incisivamente ao golpe
militar promovido por Deodoro, em 1891, contribuindo para a renúncia
do ditador; foi Senador pelo Pará (1897-1902) e pelo Distrito Federal
(1903).
Como Grão-Mestre, deteve o expressivo apoio de seus Irmãos,
produzindo inúmeras realizações, entre as quais destacamos: a criação
do Grande Oriente do Amazonas; a elaboração da nova Lei Magna do

72
Grande Oriente, conhecida como Constituição Lauro Sodré (1907); a
criação do Grande Capítulo do Rito de York (1913); promoveu o
estreitamento de relações com a Grande Loja Unida da Inglaterra,
celebrou Tratados de Paz e Amizade com o Grande Oriente da Argentina
(1904) e com o Grande Oriente Lusitano (1907); criou o ensino primário
obrigatório para filhos de Maçons (1915); registro do patrimônio
maçônico (1916) e a organização do Gabinete das Insígnias.
Além de tudo isso, seria o criador do Rito Brasileiro propriamente dito.
Não se sabe ao certo quais foram as razões que teriam levaram Lauro
Sodré a fundar o Rito Brasileiro. O que temos de mais concreto é que
várias reuniões de Maçons ocorreram na casa do General José Joaquim
do Rego Barros, no Quartel da Antiga Artilharia de Costa, em 1914, onde
o ideal trazido pelo General Lauro Sodré, o criador da idéia, tomou
corpo. Participaram dessas reuniões e de outras ocorridas no Grande
Oriente do Brasil, quando foi tratada a fundação do Rito, os Irmãos:
Lauro Muller, Dr. Nilo Peçanha, Dr. José Mariano Carneiro da Cunha,
Amaro Albuquerque, A. O. de Lima Rodrigues, Coelho Lisboa, Eugênio
Lopes Pinto, Evaristo de Morais, Firmo Braga, Floresta de Miranda, Horta
Barbosa, Joaquim Xavier Guimarães Natal, Leôncio Correia, Mário
Behring, Monteiro de Souza, Otacílio Câmara, Otávio Kelly, Ticiano
Corrégio Daemon, Tomaz Cavalcanti, Veríssimo José da Costa e Virgílio
Antonino. Todas essas personalidades eram destacadas figuras da
intelectualidade, da sociedade e da política.
Finalmente, o Conselho Geral da Ordem, presidido pelo Poderoso Irmão
Lauro Sodré, reuniu-se em Sessão Ordinária no dia 21 de dezembro de
1914 e deliberou pelo reconhecimento e adoção do Rito Brasileiro,
gozando das mesmas regalias concedidas aos demais Ritos reconhecidos
pelo Grande Oriente do Brasil, conforme proposta apresentada pelo
Irmão Grande Orador Interino Eugenio Pinto, aprovada pelos presentes,
havendo apenas um voto contrário à medida, do Poderoso Irmão Carlos
Duarte, que achava desnecessário mais um Rito. Participaram da
reunião, além dos já citados: Dr. Ticiano Daemon, Dr. Horta Barbosa, Dr.
Monteiro de Souza, Dr. Octacílio Câmara, Dr. Floresta de Miranda, Dr.
Loureiro de Andrade e Dr. Firmino Braga.
No dia 23 de dezembro de 1914, era baixado o Decreto nº 500, com o
seguinte texto:
"Lauro Sodré, Grão Mestre da Ordem Maçônica no Brasil;

73
Faz saber a todos os maçons e oficinas da Federação, para que cumpram
e façam cumprir, que em Sessão efetuada no dia 21 de dezembro deste
ano, o Ilustríssimo Cons:. Ger:. da Ord:. aprovou o reconhecimento e
incorporação do Rito Brasileiro entre os que compõem o Grande Oriente
do Brasil, com os mesmos ônus e direitos, regido liturgicamente pela sua
constituição particular, respeitado o dispositivo do art. 34º do Reg:.
Ger:., ficando autorizada a funcionar a sua Grande Loja, intermediária
das relações entre os Irmãos do Rito e entre estes e os Poderes
Maçônicos de que trata o art. 4º do Reg:. Ger:., o que é promulgado pelo
presente decreto".

Assinavam o decreto Lauro Sodré, Grão-Mestre da Ordem; Ticiano


Corregio Daemon, Grande Secretário-Geral da Ordem; e A. O. Lima
Rodrigues, Grande Chanceler. Contudo, Lauro Sodré, em decorrência de
ter sido eleito para a Presidência da Província do Pará, e por ter de fixar
residência fora da sede do Grande Oriente do Brasil, solicitou sua
renúncia ao cargo de Grão-Mestre. Consternado, o Conselho Geral da
Ordem, em março de 1916 a aceitou, assumindo interinamente o
Contra-Almirante Veríssimo José da Costa.
Felizmente, o Soberano Grão-Mestre em exercício Veríssimo José da
Costa, interessava-se bastante pelo Rito Brasileiro e graças a ele, em 16
outubro de 1916, o Decreto nº 500, de 23 de dezembro de 1914, foi
remetido para ser homologado pela Soberana Assembléia Geral, que
reconheceu, consagrou e autorizou o Rito Brasileiro, por estar em
harmonia com os princípios maçônicos, cumprindo-se, assim o preceito
do EX-VI do nº 13 do art. 35 da Constituição de 24 de fevereiro de 1907.
A homologação deu origem ao Decreto nº 536, de 17 de outubro de
1916, em cujo texto o Grão Mestre da Ordem em exercício, em
conformidade com a resolução da Soberana Assembléia-Geral,
reconhecia, consagrava e autorizava o Rito Brasileiro criado e
incorporado ao Grande Oriente do Brasil pelo Decreto nº 500, de 23 de
dezembro de 1914.
Em 17 de Junho de 1917, o Soberano Grão-Mestre Veríssimo da Costa,
baixou o Decreto nº 554, que adotava e incorporava ao patrimônio da
legislação do Grande Oriente do Brasil a Constituição do Rito Brasileiro,
contendo a sua Declaração de Princípios; Estatutos; Regulamentos;
Rituais e Institutos.

74
Em 1919, Veríssimo da Costa, antes de entregar o Grão-Mestrado do
Grande Oriente do Brasil a Nilo Peçanha, concedeu ao Irmão Lauro
Sodré o título de “Grande Benemérito da Ordem” pelos serviços
especiais, extraordinários e relevantes prestados aos ideais Maçônicos,
bem como o de Grão-Mestre Honorário do Grande Oriente do Brasil,
reconhecendo o profícuo trabalho deste insigne brasileiro em prol da
Maçonaria Brasileira.
O Rito Brasileiro, desde o seu surgimento, em 1914, foi se consolidando
aos poucos.
Com a eclosão da guerra de 1914-1918, bem como a intolerância de
Maçons que viam o Rito com desconfiança e má fé e argüiam que o rito
era “irregular” por não ter constituída uma Oficina-Chefe, entrou
novamente em inatividade.
Agravante notável da desconfiança dos outros maçons era o fato de não
existirem rituais, nem para os Três Graus Simbólicos. De fato, só em
1940, é que Octaviano Menezes Bastos redigiu e imprimiu o ritual do
Aprendiz, e Álvaro Palmeira redigiu e imprimiu o ritual do Grau de
Companheiro, ambos adotados pelo Conclave. Palmeira ainda redigiu o
ritual do Grau de Mestre, mas não o imprimiu.
O Rito Brasileiro adotou 33 Graus, sendo 3 Graus Simbólicos
obrigatórios, e 5 Ordens de “Altos Graus” que, de acordo com a
Constituição de 1917, eram: Cavaleiro do Rito; Paladino de Deus;
Apóstolo do Templo; Defensor do bem Público e Servidor da Ordem e da
Pátria.
Em 1919 foi impressa a primeira Constituição do Rito, sendo seu relator
Octaviano Bastos. Em tal constituição, além dos 3 Graus Simbólicos,
havia 4 “Títulos de Honra” correspondentes aos Graus 18, 21, 30, 33:
Cavaleiro do Rito; Paladino do Dever; Apóstolo do Bem Público e
Servidor da Ordem e da Pátria.
É notável o fato de que, desde suas primeiras manifestações, a
nomenclatura dos Altos Graus do Rito Brasileiro era diferente da
nomenclatura dos Altos Graus Escoceses.
Desde 1914, o Rito se declarou teísta, como o Emulation Ritual.
A primeira Loja do Rito foi fundada na Província de Pernambuco.

75
Em 1928, surgiu a “Loja Ypiranga”, em São Paulo. Aos poucos, aqui e ali,
iam surgindo Lojas do Rito Brasileiro.
Tais Lojas encontravam inúmeras dificuldades como a ausência dos
rituais, ausência de orientação por parte de uma Oficina Chefe etc. Isso
levava a uma curta existência, pois ou essas Lojas acabavam fechando
(abatendo Colunas, no jargão maçônico), ou simplesmente mudando de
rito. Essa situação manteve-se até a década de sessenta, quando
assumiu o Grão-Mestrado do Grande Oriente do Brasil Álvaro Palmeira,
grande responsável pela consolidação do Rito Brasileiro
Em 22 de julho de 1940, na Sessão Ordinária do Conselho Geral da
Ordem ocorrida, Octaviano Bastos fez a leitura do projeto da nova
Constituição do Rito, que foi aprovada com algumas emendas. Na
mesma sessão também é aprovado o Projeto de Lei que autorizava o
Grão-Mestre a:
a) Ativar o funcionamento do Rito Brasileiro em conformidade com a sua
Constituição e iniciar a formação do seu Conclave, nomeando seus
primeiros fundadores;
b) Estimular a instalação da primeira Oficina do Rito dispensando todas
as taxas a que estiver sujeita e os emolumentos dos três primeiros
profanos que nela se iniciarem;
c) Conceder favores idênticos às Oficinas que passarem a funcionar no
Rito Brasileiro dentro do prazo de 180 dias, renunciando ao regime
Capitular;
d) Providenciar junto ao Conclave para que aos Maçons Capitulares
dessas Oficinas sejam concedidos Títulos do Rito Brasileiro
correspondentes aos Altos Graus possuídos, com o fim de constituírem
os respectivos Altos Corpos.
Através do Ato nº 1617, de 03 de agosto de 1940, em atenção à
resolução tomada em Sessão Ordinária no dia 22 de julho pelo Conselho
Geral da Ordem, são nomeados Antônio de Oliveira Brito, Octaviano
Bastos, Álvaro Palmeira, Alexandre Brasil de Araújo, Romeu Gibson,
Pedro Ramos e Oscar Argollo para procederem a formação do "Conclave
do Rito".
Em janeiro de 1941 o Grão-Mestre Joaquim Rodrigues Neves, em
decorrência de a Comissão ter cumprido a sua missão, nomeia a
Comissão Instaladora do Conclave dos Servidores da Pátria do Rito

76
Brasileiro, sendo o seu presidente Octaviano Menezes Bastos, tendo
como demais membros Arthur Paulino de Souza, José Marcello Moreira,
Capitulino dos Santos Júnior e Aristides Lopes Vieira.
Em 1940 toda a base do Rito Brasileiro era eminentemente patriótica: a
aclamação (Ciência, Razão, Brasil!), a palavra de passe (Brasil), a
decoração verde-amarela dos templos (paredes, altares, dossel) e havia
inclusive a cláusula de "ser preferencialmente brasileiro".
No dia 30 de abril de 1941 deu-se a regularização do Rito Brasileiro da
“Loja Brasil”.
Em 10 de julho de 1941 o Grão-Mestre Joaquim Rodrigues Neves baixou
o decreto nº 1259, aumentando para 10 o número de profanos que
seriam dispensados dos emolumentos cabíveis ao se iniciarem no Rito
Brasileiro.
Foram reconhecidas as Lojas fundadas que preenchiam as exigências da
Constituição da Ordem e do Rito: Loja Ypiranga (SP, 1928); Loja Brasil
(RS, 1941); Loja Gonçalves ledo (MG, 1940; Loja Cruzeiro do Sul V (PI,
1949); Loja Renovação (RJ, 1956); Loja Clementino Câmara (RN, 1958),
que chegou a publicar por conta própria, em 1966, o Ritual do 3º Grau,
adaptando-o do escocês, para suprir a omissão que havia; Loja
Fraternidade e Progresso III (RJ, 1959; Loja Alvorada (SP, 1959), e Loja
Quatorze de Julho V (1961). Infelizmente, tais Lojas tiveram vida curta
ou mudaram de rito, pelas razões já citadas.
Esse quadro só começaria a ser mudado com a eleição de Álvaro
Palmeira, que como candidato único foi eleito em 1963.
Álvaro Palmeira, foi iniciado em 1920 na Loja “Fraternidade Española”,
do Rito Moderno do Grande Oriente do Brasil. Ocupou todos os cargos
dentro da Maçonaria. Em 1944, em decorrência de discordar da atuação
do Grão-Mestrado da época, ele abandona o Grande Oriente do Brasil e
funda o “Movimento Maçônico Restaurador” e, no ano seguinte, a
“Grande Loja do Brasil”. Em 1948 contribuiu decisivamente para a
fundação do Grande Oriente Unido, incorporando as Lojas Simbólicas da
Grande Loja do Brasil, ao Grande Oriente Unido. Em 1956, foi eleito
Grão-Mestre do Grande Oriente Unido. Em dezembro de 1956, cessando
os motivos que o afastaram do Grande Oriente do Brasil, ele retorna,
incorporando a ele o Grande Oriente Unido, já com 51 Lojas, entregando
ao GOB, inclusive, todo o patrimônio móvel e imóvel, os documentos e o
numerário existente no Grande Cofre. Após esse gesto, considerou-se

77
"simples Mestre Maçom do Grande Oriente do Brasil". Quando assumiu
o Grão Mestrado do Grande Oriente do Brasil, em 1963, restaurou as
finanças, intensificou as relações Maçônicas com quase todo mundo,
reorganizou e reabriu a Biblioteca Maçônica, aumentou o patrimônio
institucional adquirindo e construindo prédios, evitou a demolição do
Palácio Maçônico do Lavradio, instalou o Grande Oriente da Bahia
(1964), o Grande Oriente do Maranhão (1966), o Conselho de
Veneráveis do Distrito Federal, estreitou relações maçônicas internas e
celebrou Tratados com o Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e
Aceito, com o Grande Capítulo dos Cavaleiros Noaquitas e com o
Supremo Conclave do Rito Brasileiro (1968). Ainda, criou a Mútua
Maçônica e o Quarto de Hora de Estudos para as sessões maçônicas. Ao
deixar o Grão Mestrado em 1968, estava convencido de que a
Maçonaria não podia continuar alienada da vida contemporânea.

O Grão-Mestre Álvaro Palmeira

Para a existência do Rito Brasileiro pode-se dizer que há um período


antes de Álvaro Palmeira e um período depois de Álvaro Palmeira.
Contando com o apoio e a aprovação unânime dos membros do
Conselho Federal da Ordem, desencadeia o processo de implantação
regular do Rito Brasileiro ao baixar o decreto nº 2080, de 19 de março
de 1968, que teve o intuito de renovar os Superiores Objetivos do Ato
nº 1617, de 03 de agosto de 1940, como marco inicial da efetiva

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implantação do Rito Brasileiro, e determina a constituição de uma
Comissão Especial, composta por 15 membros, com a finalidade de
rever, com plenos poderes, a Constituição do Rito Brasileiro, publicada
pelo Grande Oriente do Brasil em 1940, de modo a colocar o Rito
rigorosamente em acordo com as exigências Maçônicas da Regularidade
Internacional, fazê-lo Universal, separar as Lojas Simbólicas dos Altos
Corpos tornando-o um verdadeiro veículo de renovação da Ordem,
conciliando a Tradição com a Evolução.
Álvaro Palmeira se designou assessor desta comissão, orientando seus
trabalhos, inclusive na redação da nova Constituição do Rito, aprovada
em 25 de Abril de 1968. Nela, os quatro Títulos de Honra, constantes na
Constituição de 1919, transladaram-se para as quatro Oficinas Litúrgicas:
Sublimes Capítulos - Mestres e Cavaleiros, Graus 4 a 18; Grandes
Conselhos - Missionários, Graus 19 a 30; Altos Colégios - Guardiões do
Bem Público e do Civismo, Graus 31 e 32; e Supremo Conclave - Servidor
da Ordem e da Pátria, Grau 33. A comissão constituída tinha por objetivo
organizar o Rito Brasileiro tendo em vista que o mesmo já era Legal,
Regular e Legítimo.
Em 10 de junho de 1968, o Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil
Álvaro Palmeira celebrou Tratado de Amizade e Aliança com o Supremo
Conclave do Rito Brasileiro, que foi ratificado pela Assembléia Federal
Legislativa, no dia 27 de julho de 1968, definindo, entre outras
importantes deliberações, que as Lojas Simbólicas do Rito pertencem à
obediência do Grande Oriente do Brasil e os Altos Graus são de
responsabilidade exclusiva do Supremo Conclave do Brasil.
Álvaro Palmeira, em 1968, deu estrutura ao Rito e escreveu todos os
rituais Simbólicos e Filosóficos, exceto o do Grau 33, cujo ritual próprio
foi aprovado pelo Supremo Conclave, em 1999, escrito por Carlos
Simões.
A história do Rito Brasileiro está permeada de ideais que enfatizam que
"a Maçonaria é universal, mas o Maçom tem uma Pátria".
A nós está claro que a filosofia do Rito Brasileiro está, justamente, na
preservação dos valores, da cultura e das particularidades do Franco-
Maçom brasileiro, sendo desnecessária uma maior explicação relativa à
filosofia do mesmo.

79
5.7. “Rito” Escocês Retificado
O Rito Escocês Retificado (R.E.R.) é, na verdade, a transformação do
REGIME Escocês Retificado para atender às exigências de regularidade
da Grande Loja Unida da Inglaterra e de outras Obediências a ela ligadas.
O Regime Escocês Retificado contava 4 Graus Simbólicos:
- Aprendiz;
- Companheiro;
- Mestre;
- Mestre Escocês de Santo André.
O Grau de Mestre Escocês de Santo André seria a reunião de todos os
temas pertinentes aos “Altos Graus” com a exclusão dos chamados
“Graus de Vingança”, e era dentro do Regime Escocês Retificado o fim
dos graus propriamente maçônicos. Com a exigência da separação
estrita das Lojas Simbólicas nos Graus 1, 2 e 3, o Quarto Grau do RER
ficou em uma espécie de “limbo” ao qual deram o nome de “Lojas
Verdes”. Nem é Grau Simbólico, nem é um “Alto Grau”, nem é parte dos
Graus Cavalheirescos do regime. Para termos de equiparação, na França
e outros países, equivale ao Grau 18 do R.E.A.A. e ao Grau 7 do Rito
Moderno, sendo os portadores do mesmo recebidos diretamente nesses
graus caso desejem praticar esses outros ritos.
No Brasil a situação ainda é nebulosa, pois o R.E.R. está recém instalado
e os reconhecimentos dependem da política interna das Oficinas Chefes
dos Ritos.
Dito isto, vamos dar um passeio geral pela história do R.E.R.
A figura central na concepção desse regime maçônico foi Jean Baptiste
Willermoz (1730-1824) que era, por sua vez, discípulo de Martinez de
Pasqually (1727-1779).

80
Jean Baptiste Willermoz

Martinez de Pasqually concebeu um sistema maçônico ao qual


denominou “Reau-Croix” e que ficou geralmente conhecido como
“Ordem dos Elus-Cohen” (Elus=eleitos em francês e Cohen= sacerdote
em hebraico).
O sistema maçônico de Pasqually girava em torno de três eixos centrais:
Teurgia (magia cerimonial voltada ao contato com o divino), a
Reintegração do Homem ao seu estado espiritual original e a temática
dos “Graus de Vingança”.
A origem do Martinezismo enquanto estrutura maçônica é ainda incerta.
Alguns afirmam que Martinez de Pasqually teria herdado uma patente
maçônica datada de 1738, concedida a seu pai por Carlos Stuart para
que ele, como “Delegado do Grão-Mestre”, erigisse Lojas Maçônicas. Tal
patente seria transmissível, como certos títulos de nobreza, ao filho mais
velho do titular. Martinez de Pasqually supostamente herdara essa
patente aos 28 anos, e a partir disso teria se desenvolvido o sistema dos
Elus-Cohen.
Outros autores lançam suposições diversas. O imaginoso Gerard
Encausse, conhecido como “Papus”, defendia a tese de que Martinez de
Pasqually fora iniciado em Londres no sistema de Maçonaria Sueca de
Emanuel Swedenborg (1688-1772), místico, maçom e cientista. Papus
defende inclusive que Martinez de Pasqually teria mantido os mesmos
títulos dos graus do Rito de Swedenborg em sua Ordem dos Elus-Cohen.

81
Seja qual for a verdade, a Ordem fundada por Martinez de Pasqually
teve existência curta. Em 1807, ou seja, apenas 28 anos após a morte de
seu fundador, encontrava-se extinta.
No século XX, através dos esforços de Robert Ambelain, foram feitas
tentativas de “reviver” a Ordem dos Elus Cohen, mas a primeira
tentativa fracassou fragorosamente e, em 1964, Ambelain declarou o
fechamento da Ordem. Posteriormente, uma nova tentativa foi feita
pelo próprio Ambelain na década de 1990. Hoje, os grupos que dizem
pertencer aos “Elus Cohen” são subprodutos dessas tentativas de
“reviver” a Ordem original, sem ligação linear.
Jean Baptiste Willermoz permaneceu por um longo tempo na Ordem de
Pasqually e era, inclusive, muito próximo de seu mestre. Willermoz não
apreciava os Graus de Vingança e, ao mesmo tempo, havia trabalhado
sob os auspícios da “Estrita Observância Templária”, de origem alemã.
A Estrita Observância Templária, fundada pelo Barão Karl Von Hünd,
pretendia ser a continuação da antiga Ordem dos Templários. Era uma
organização com características maçônicas, mas também aristocráticas
e, sobretudo, cavalheirescas.

O Barão Von Hünd

A estrutura da Estrita Observância inspirou muito à organização de J.B.


Willermoz. O prestígio de que gozavam os membros daquela Ordem foi

82
usado habilmente para a construção do nome da Maçonaria Retificada.
Sendo assim, juntou esses dois elementos para compor seu próprio
sistema, dividindo-o, aproximadamente, da seguinte maneira:
- Os Graus 1, 2, 3 trabalham os elementos do simbolismo operativo, já
unidos de maneira bastante harmoniosa, com as doutrinas mais
fundamentais da ‘Reintegração dos Seres’ de Pasqually;
- O Grau 4 seria o ápice e a explicação abrangente da doutrina da
‘Reintegração’, encerrando a parte maçônica propriamente dita.
Os Graus da “Ordem Interna” são completamente calcados no sistema
Cavalheiresco da Estrita Observância Templária, não trabalhando mais o
simbolismo operativo. Os graus seriam: Escudeiro Noviço e Cavaleiro
Benfeitor da Cidade Santa (CBCS). Dentro da classe de CBCS haveria a
sub-divisão entre “Professos” e “Grandes Professos”.
O R.E.R. foi se desenvolvendo ao longo de diversos encontros gerais, que
reuniam as Lojas das Províncias (o RER era dividido em províncias,
divisões geográficas onde se encontravam as Lojas), aos quais foi dado o
nome de “Conventos”. Os Conventos fundadores, por assim dizer, foram
o de Kohlo, das Gálias e de Wilhelmsbad.
A Filosofia do R.E.R.
Fundamentalmente, o R.E.R. trabalha um simbolismo cristão calcado na
idéia de reintegração e de regeneração.
Os seres humanos, caídos e afastados de seu centro original (sua
natureza verdadeira, que reflete a perfeição divina), devem buscar a
regeneração através da aproximação gradativa com a Verdade
Fundamental, a Gnose, o conhecimento secreto que permite a
reintegração dos seres a um estado de beatitude primitiva, do qual
foram tirados graças à sua ignorância sobre a Verdade Fundamental.
A função fundamental da Iniciação é essa realização espiritual. No
entanto, graças à infiltração do materialismo e ao fato de se voltarem
para questões políticas, os franco-maçons teriam perdido de vista esse
objetivo inicial, ensejando a necessidade da “retificação” da Maçonaria e
de seus objetivos. Dessa maneira, teríamos dois grandes objetivos: A
restauração do homem, caído de seu estado primordial e beatífico, e a
restauração ou “retificação” da Ordem Maçônica, que tendo esquecido
seus objetivos principais, teria se tornado, assim como o antigo Templo
de Jerusalém, arruinada.

83
O franco-maçom retificado é, então, um Neo-Templário que não mais
defende o antigo Templo de pedra e os lugares materiais de
peregrinação dos cristãos na Terra-Santa, mas sim o “Novo Templo”, ou
seja, aquele que deve ser erguido tanto no espírito do “Novo Homem”
quanto o da “Maçonaria Retificada” que se torna, assim, um centro de
irradiação da Verdade e um local de união, uma nova “Terra-Santa” dos
seres reintegrados à sua Origem Divina.
Apesar do simbolismo cristão, cremos que o RER não deve se fechar a
questões confessionais. É preciso compreender que ele foi formado em
um ambiente cristão e em um tempo em que a diversidade religiosa não
era vista com bons olhos. Sendo assim, cabe aos atuais maçons
retificados a análise de que a busca pela sua “Verdadeira Origem” não é
propriedade dos cristãos ou de qualquer outra religião, mas sim um
anseio de todo o gênero humano.
TODO O GÊNERO HUMANO inclui, obviamente, as mulheres. Jean
Baptiste Willermoz iniciou sua irmã, Claudine Willermoz.
5.8. Rito de York
O Rito de York, também conhecido como Rito Norte-Americano ou
Americano, foi fundado em 1799 por Thomas Smith Webb. Foi ele quem
deu a estrutura, a doutrina filosófica e os respectivos procedimentos
gerais do rito.

Thomas Smith Webb

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De uma maneira geral, quando pesquisamos sobre a história do Rito de
York encontramos a informação de que ele é baseado nos costumes
reminiscentes da Maçonaria Simbólica dos anos de 1700.
Com a fundação da Grande Loja de Londres, estabeleceu-se que as Lojas
confeririam os Graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre (este último,
após 1723, ou 1738 segundo outros autores), mas de acordo com os
escritores do Rito de York, muitas outras Lojas já conferiam outros graus
que eram considerados parte integral da Maçonaria, em especial o Arco-
Real.
De fato, em 1725, surgiu outra Grande Loja na Inglaterra, a chamada
“Grande Loja de York”. O Rito de York seria, então, a coletânea das
melhores práticas da Grande Loja de York (1725), da Grande Loja dos
Antigos (1753) e da Grande Loja da Irlanda (supostamente de 1725).
Em 1813, com a união entre as duas Grandes Lojas inglesas (a dos
“Antigos” e a dos “Modernos”), o Arco-Real passou a ser considerado
parte da Maçonaria Simbólica, complemento indispensável do Grau de
Mestre-Maçom, prática que é até hoje o padrão da Maçonaria inglesa.
Historicamente, é bastante questionável a alegação de que havia
qualquer prática de “Altos Graus” na Franco-Maçonaria anterior a 1717.
Basta lembrar que até 1724 não havia sequer o Grau de Mestre Maçom,
sendo esse uma condição dada ao Companheiro do Ofício que dirigiria a
Loja. O que parece mais provável é que os Altos Graus se desenvolveram
a partir do estabelecimento do Terceiro Grau, servindo a princípio para
dar uma solução às questões deixadas em aberto pela lenda do Terceiro
Grau. A isso, mais tarde, juntaram-se as lendas de Cavalaria e os
desenvolvimentos posteriores de certos temas maçônicos, como as
referências ao simbolismo operativo, os rosacruzes, o hermetismo etc.
Um fato que passa despercebido e que quase nunca é citado por
escritores que escrevem sobre o Rito de York é que este recebeu,
claramente, influência da ideologia maçônica francesa e,
consequentemente, de seu sistema de organização dos Altos Graus.
Marie-Joseph Paul Yves Roch Gilbert Du Motier (1757-1834), Marquês
de Lafayette, nobre militar francês, foi general na Guerra da
Independência dos Estados Unidos da América, tendo sido também líder
da Guarda Nacional durante a Revolução Francesa. Ele serviu como
major-general no Exército Continental comandado por George
Washington. Além disso, foi quem primeiro apresentou o esboço de uma

85
“Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” na Assembléia dos
Estados Gerais, ocorrida em 1788. Graças aos seus enormes serviços,
tanto aos Estados Unidos da América, quanto à França, foi chamado de
“O Herói de Dois Mundos”.

O Marquês de Lafayette

A relação do Marquês de Lafayatte com EUA é tão os grande que ele


está enterrado em Paris, sob a terra que foi trazida da sepultura de
George Washington, no Monte Vernon, EUA. Ainda em vida recebeu a
cidadania norte-americana, e em 2002 recebeu a “cidadania honorária”
dos EUA.
Os progressistas franceses, assim como os norte-americanos, abraçavam
uma filosofia comum de liberdade. Muitas das vozes mais importantes
do Iluminismo francês eram de maçons ativos e engajados.
A Loja das “Nove Irmãs” de Paris era bem conhecida por ser um centro
de idéias iluministas. Em 1778, recebeu um visitante ilustre: Benjamin
Franklin. Não era o primeiro contato de Franklin que, aliás, já tinha
muitos contatos anteriores e conexões com os franco-maçons franceses.

86
Franklin, que estava em Paris buscando apoio para a causa da Revolução
Americana contra a opressão colonial inglesa, foi recebido com grande
alegria e acolhimento pelos maçons franceses. Através dos contatos que
estabeleceu na Maçonaria, Benjamin Franklin encontrou-se com o
Marquês de Lafayette. Por volta do ano 1779, Franklin fez amizade com
outro irmão na Loja de Paris, o capitão da Marinha Continental John Paul
Jones, que estava na França à espera de um novo comando. Quando
recebeu um navio em 1779, Jones o batizou como ‘Bonhomme Richard’,
em homenagem ao famoso ‘Poor Richard’s Almanack’ de Franklin.
Em uma visita à América, em 1784, o Marquês de Lafayette ofereceu a
George Washington um lindíssimo avental maçônico que foi bordado
pela esposa da Lafayette.

Avental de Washington, ofertado pelo Marquês de Lafayette

As influências maçônicas francesas são notáveis nos paramentos que se


podem ver nas pinturas históricas dos pais da nação norte-americana.

87
Tendo tudo isso em mente, e considerando que os costumes maçônicos
norte-americanos são filhos dos costumes ingleses, podemos afirmar
que o Rito de York é uma mistura entre os graus e formas maçônicas
inglesas emolduradas em um sistema francês e com vastos empréstimos
ideológicos da Maçonaria Francesa.

88
Interessante notar que o sistema de graus seqüenciais, divididos em
corpos de trabalho, é típico dos sistemas franceses de Altos Graus.
Completamente diferente das Ordens Independentes do sistema inglês.
O papel decisivo de Thomas Smith Webb (1771-1819) foi o de ser autor
do “Monitor do Maçom”, um livro que teve impacto significativo sobre o
desenvolvimento do Ritual Maçônico nos Estados Unidos. Thomas Smith
Webb nasceu em Boston, Massachusetts. Com dezesseis anos era
aprendiz de uma impressora em Boston, depois foi transferido para
Keene, New Hampshire, onde trabalhou durante algum tempo como
comerciante. Nessa cidade, recebeu os três graus da Maçonaria
Simbólica na Loja Rising Sun. Em 1793 mudou-se para Albany, Nova York
e estabeleceu uma fábrica de papéis coloridos. Em 14 de setembro de
1797 publica o “Freemason Monitor”. Este pequeno volume, que agora
é extremamente raro, composto de duas partes, passou por numerosas
reedições e ampliações em 1802, 1805, 1808, 1816 e 1818. A segunda
parte do trabalho contém um relato dos "Graus inefáveis da Maçonaria"
além de várias músicas maçônicas compostas pelo autor.
Thomas Smith Webb presidiu uma convenção de comitês em Boston, em
outubro de 1797, para a formação do “Grande Capítulo Geral dos
Maçons do Arco Real”. Em uma reunião em janeiro de 1799, apresenta,
como presidente da comissão, a Constituição do “Grande Capítulo
Geral” que é aprovada. A formação do “Grande Acampamento” dos
Estados Unidos foi o resultado de seu trabalho maçônico. O projeto
original da constituição, com todas as mudanças, adições e anotações de
seu próprio punho, está agora em um arquivo em Rhode Island.
Em 1799 mudou-se com sua família para Providence, onde passou a
maior parte do restante de sua vida.
As realizações de Webb foram também notáveis. Ele foi o primeiro
presidente da “Sociedade Psallonian”, uma organização para a melhoria
da técnica musical em música sacra e coral. Além disso, também
instituiu a “Handel and Haydn Society”, da qual também foi o primeiro
presidente.
A estrutura do Rito de York, em acordo com o que foi estabelecido por
Webb e seus sucessores na organização do mesmo, é a seguinte:
Graus Simbólicos:
- Aprendiz;

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- Companheiro;
- Mestre.
Graus Capitulares:
- Mestre da Marca;
- Mestre Passado (Virtual);
- Mais Excelente Mestre;
- Arco-Real.
Graus Crípticos:
- Mestre Real;
- Mestre Seleto;
- Mui Excelente Mestre.
Grande Acampamento:
- Ordem Ilustre da Cruz Vermelha;
- Ordem de Malta;
- Ordem do Templo.
Depois da “Ordem do Templo” têm-se os chamados “Graus de Trono”
ou de “cadeira”, indicando que o candidato deve ter sido antes instalado
e ter servido como oficial em algum corpo do Rito de York. Os nomes
dos graus podem variar levemente de uma jurisdição para a outra, mas,
em geral, são os seguintes:
- Ordem dos Altos Sacerdotes ou Sumo Sacerdotes;
- Tríplicemente Ilustre Mestre;
- Cavaleiro Cruzado da Cruz;
- Ordem Soberana dos Cavaleiros Preceptores.
Depois destes, temos os chamados “Corpos Aliados” ou “Apensos”,
constituídos por corpos maçônicos integrados por membros do Rito de
York. Eles variam em sua natureza, sendo que alguns só são abertos aos
que são convidados e outros são abertos a quaisquer maçons
integrantes do Rito de York ou até de outros ritos.

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Nessa categoria de “Corpos Aliados” temos:
- Soberano Colégio do Rito de York da América do Norte;
- Ordem dos Cavaleiros Maçons dos EUA;
- Cavaleiros da Cruz de Honra de York;
- Ordem Comemorativa de São Tomás de Acon.
Além desses, há os “Graus Maçônicos Aliados” (Allied Masonic Degrees –
AMD) e as Organizações Maçônicas Adicionais, o que demonstra a
intensa atividade e vitalidade da Maçonaria Norte-Americana.
Filosofia do Rito de York
O Rito de York tem uma filosofia bastante próxima da filosofia do Rito
Moderno, apesar de manter características distintamente anglo-
saxônicas como o teísmo e as referências cristãs.
A base dos graus é distintamente inglesa, mas o sistema seqüencial de
graus, em assuntos que vão sendo conectados e formando um todo
coerente, é tipicamente francês.
A ideologia libertária norte-americana pode ser, sem muito medo de
errar, classificada como filha do Iluminismo propagado através da
Franco-Maçonaria do Rito de York.
Os ideais de um país livre, onde o cidadão tenha como se defender do
próprio governo, se esse for o caso, ou onde as pessoas não tolerem
abusos à sua liberdade individual ou ao seu direito de livre propriedade,
liberdade de expressão e de consciência, estão em acordo com o lema
tríplice de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
O simbolismo do Rito De York é bastante rico e cobre praticamente a
doutrina de todos os graus trabalhados em outros ritos, com a vantagem
de ser também um vislumbre completo sobre a temática das Ordens de
Aperfeiçoamento inglesas.
No Brasil, a primeira Loja do Rito Americano foi fundada em 19 de
Novembro de 1874, na cidade de Santa Bárbara do Oeste, por
imigrantes norte-americanos provenientes do Estado do Alabama.
Chamava-se “Washington Lodge”. Infelizmente, com o passar do tempo,
a prática do Rito de York foi diminuindo no Brasil, até se chegar a uma
quase completa inatividade.

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Recentemente, com a introdução dos Capítulos do Arco-Real Americano
e com a fundação de Lojas Simbólicas trabalhando nesse Rito, estamos
assistindo a uma muito bem vinda expansão em nosso país. Sem dúvida
nenhuma, o Rito de York é um dos mais importantes e praticados ritos
em todo o mundo.
5.9. Rito de Memphis-Misraim
O Rito de Memphis-Misraim é, na realidade, a junção de dois ritos, um
(Misraim) estabelecido em 1788, em Veneza, e que deve sua estrutura
ao controvertido Cagliostro e o outro (Memphis), estabelecido em
Montauban, em 1815, por franco-maçons aficcionados por temática
egípcia e que teriam participado da expedição de Napoleão Bonaparte
ao Egito.
Em 1881, os dois ritos foram unificados por Giuseppe Garibaldi e
passaram a se chamar “Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraim”.
O Rito de Misraim foi desenvolvido na França, de 1810 a 1813, por três
irmãos da família Bédarride, Michel, Marc e Joseph. Segundo a história
mais conhecida do Rito, um grupo de socinianos (igreja anti-trinitária de
características protestantes) teria pedido a Cagliostro uma carta
constitutiva de Loja, mas não queriam praticar os elementos mágicos
que ele imprimia ao seu estilo de Maçonaria. Cagliostro, então,
transmitiu ao grupo os Três Graus Simbólicos da Maçonaria e elementos
do templarismo da Estrita Observância Templária.
O rito teria sofrido uma rápida expansão e chegou à França através de
Michel Bédarride que, junto com mais dois irmãos de sangue, teria
desenvolvido bastante o sistema inicial.
Algumas fontes relatam que as Lojas do Rito de Misraim transmitiram os
Graus Simbólicos a membros das sociedades carbonárias e que, de
alguma maneira, tornaram-se associados com as mesmas.
O Rito de Memphis se desenvolveu pelas mãos de franco-maçons do
Grande Oriente da França, que participaram de uma expedição ao Egito
junto com Bonaparte. Figura de proa nesse desenvolvimento foi Gabriel-
Mathieu Marconis, conhecido como Marconis “De Nègre”, que fundou
em 23 de maio de 1815, em Montauban, a Loja “Os Discípulos de
Memphis”, que se tornou a Loja mãe do Rito. Esses maçons julgaram ter
encontrado no Egito algumas sociedades com paralelos muito próximos
à Maçonaria. Isso os teria levado a concluir que eram reminiscências de

92
“maçons operativos” que teriam acompanhado os Templários ao
Oriente Médio.
Tendo sido gerado no meio de militares bonapartistas, o Rito de
Memphis reunia, majoritariamente, militares da ex-armada e
bonapartistas alijados de suas funções públicas.
Ambos os ritos passaram por problemas políticos bastante sérios, sendo
jogados mais de uma vez na clandestinidade. A pertença dos membros a
várias facções contrárias a correntes majoritárias lançava suspeitas
contínuas sobre as reuniões.
Os ritos reuniam em seus respectivos sistemas uma série de graus
oriundos de sistemas maçônicos que já tinham sido extintos ou que
estavam em vias de se extinguir.
A reunião desses graus levou ambos os ritos a terem uma quantidade
fabulosamente grande de graus, tendo o Rito de Misraim 90 Graus e o
de Memphis 95 Graus.
Em 1863 houve um acordo com o Grande Oriente da França e em 1896,
já depois da unificação com a Grande Loja Simbólica Escocesa, que se
tornaria a Grande Loja da França, para que, em comum acordo, o Rito
trabalhasse os 33 Graus do R.E.A.A. (ou “Rito de Perfeição”).
O esquema das práticas seria:
Graus Trabalhados obrigatoriamente do REAA –4, 9,14, 18, 30, 32 e 33.
Do Memphis-Misraim seriam concedidos os Graus 66, 90 e 95, de
maneira honorífica, a maçons que demonstrassem seu valor e seus
serviços ao Rito.
Todos os demais graus funcionariam de maneira independente.
Qualquer maçom colado no Grau 33 do REAA poderia escolher os graus
que desejasse trabalhar.
Posteriormente, depois da eleição de Jean-Étienne Marconis de Nègre
(filho de Gabriel-Mathieu Marconis) como Grão Mestre geral do Rito de
Memphis, foi criado um 96º Grau, o de “Grande Hierofante”.
O Rito unificado de Memphis-Misraim nunca teve boa aceitação dentro
das Obediências Maçônicas majoritárias que o viam como
excessivamente político e, por outro lado, excessivamente ligado às

93
lendas do Antigo Egito, substituindo elementos importantes do
simbolismo operativo ou da lenda do 3º Grau.
Outro ponto que se tornou especialmente incômodo foi o fato do Rito
iniciar mulheres e estabelecer Obediências separadas, o que fez com
que recebesse a pecha de “irregular”.
Na França, notórios adversários da Franco-Maçonaria majoritária, como
Papus e outros membros da Sociedade Teosófica, estavam filiados a
Lojas do Memphis-Misraim.
No Brasil, há vários pequenos grupos praticando o Rito, e de maneira
geral, cada um alega sua própria “regularidade” e acusa os demais
grupos de “irregularidade”, apresentando para tanto cartas patentes,
brevês constitutivos etc. vindos de instituições estrangeiras.
Outros grupos misturam a Maçonaria de Memphis-Misraim a outras
práticas e a outras Ordens, transformando tudo em um esquema
bastante confuso em relação à hierarquia ou ao papel desempenhado
pelo Rito em toda a miscelânea apresentada.
Diante desse panorama, é realmente quase impossível que esse Rito
venha a desempenhar algum papel mais destacado dentro da Maçonaria
Internacional, tendo em vista que parece não haver até o momento uma
noção clara de normatização ou de institucionalização efetiva e eficiente
dos grupos que o praticam, muito menos qualquer intenção de união
para a constituição de Grandes Lojas Nacionais que representem os
interesses do Rito como um todo.
Filosofia do Rito de Memphis-Misraim
É difícil definir, em linhas gerais, uma ideologia filosófica específica deste
rito. Podemos dizer que se trata de uma bricolagem de idéias oriundas
de vários sistemas maçônicos e não maçônicos, contando-se aí diversas
influências do ocultismo do final do século XIX e começo do século XX.
Os rituais seguem uma “moldura” muito próxima do Rito Moderno, o
que é bastante comum nos ritos e regimes maçônicos de origem
francesa. No entanto, o conteúdo interno que é disposto nessa
“moldura” é uma miscelânea de elementos do Escocismo, de elementos
pseudo-egípcios, elementos verdadeiramente egípcios, hermetismo,
ocultismo do século XIX e XX, elementos políticos (a cor violeta, por
exemplo), religiosos etc.

94
Há significativas diferenças entre os rituais praticados no interior dos
diversos grupos, o que torna ainda mais confusa uma tentativa de
definição genérica das linhas mestras da ideologia do Memphis-Misraim.
5.10. Conclusão
Há ainda muitos outros ritos maçônicos em prática por todo o mundo. O
assunto é vastíssimo.
Essa aula teve por objetivo uma visão geral dos ritos, e não uma
profunda exposição sobre cada um deles.
Esperamos sinceramente que os estudiosos possam, a partir daqui,
aprofundar seus conhecimentos em relação aos ritos que mais
despertem o seu interesse.

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Aula 6 - Noções fundamentais de Filosofia
Como já tivemos ocasião de dizer, Maçonologia é um estudo
sistemático, baseado num método científico de pesquisa. Em outras
palavras, é uma ciência que necessita de coesão e lógica interna e
externa.
Para o franco-maçom estudioso, é importante conhecer o significado
básico de algumas palavras dentro do contexto filosófico. É importante
também que ele tenha elementos básicos e fundamentais para não se
deixar levar por um discurso ambíguo que tenta forçar interpretações
desprovidas de base.
Não é o objetivo (e nem temos tamanha pretensão) de em uma aula
oferecer tantos elementos filosóficos quanto os necessários para que se
tenha um arsenal forte contra os discursos ambíguos e enganosos. No
entanto, ofereceremos uma “visão geral”, de modo que se desperte o
interesse sobre esse tema e que, dessa maneira, busquem-se sempre
mais elementos para uma melhor apreciação racional de toda e
qualquer teoria a nós oferecida.
Comecemos pelo que nos cerca, ou seja, a realidade.
Realidade é aquilo que existe. Saber o que existe constitui a velha
disputa entre realistas e anti-realistas. Podemos falar em realidade
ontológica e em realidade ôntica.
A realidade ontológica é aquilo que percebemos e que comprovamos
através dos sentidos ou da experimentação. Dessa forma, podemos
dizer que as ondas de rádio, as ondas eletromagnéticas etc., que não são
captadas diretamente pelos sentidos são reais, pois podem, direta ou
indiretamente, ser percebidas, ou através de equipamentos para isso ou
através dos efeitos que elas causam (esquentar os alimentos, por
exemplo). Nós, limitados por nossos sentidos, interpretamos as diversas
manifestações do mundo exterior como reais ou irreais dentro desses
critérios que, aliás, são os critérios mais fiáveis de análise. Ninguém deve
se colocar na frente de uma locomotiva em movimento se os seus
sentidos lhe alertam para a presença da locomotiva em movimento.
Ninguém deve colocar a mão dentro de uma fogueira se os seus sentidos

96
lhe informam que ali há uma fogueira. Sem esses critérios não há
nenhuma possibilidade real de construção do conhecimento, tendo em
vista que só posso classificar ou analisar algo através dos cinco sentidos
e da mente. Se abandono tais critérios, qualquer coisa pode ser tudo.
Uma cadeira pode ser o papa, um copo de vidro pode ser de ouro ou
minha própria realidade enquanto ente pode ser questionada. Na
verdade, esse jogo de questionamento não passa de retórica fútil e
vazia. Nenhum relativizador se joga do décimo andar para testar se a
altura e a queda são reais.
A realidade ôntica é a realidade para além dos sentidos. Como é o
mundo sem que o nosso cérebro interprete o comprimento das ondas
que fazem com que enxerguemos cores? Como é o mundo sem que o
nosso cérebro receba as mensagens de gostos e de aromas? Qual é o
aroma ôntico das flores? Sim, porque o aroma que percebo é uma
interpretação de meus sentidos. A resposta é: nunca saberemos. Sendo
assim, devemos nos guiar pelo melhor que temos, ou seja, conformar
nosso intelecto à realidade ontológica.
E como percebemos essas realidades? Percebemos pela nossa razão,
pela racionalidade.
Racionalidade é a capacidade que temos de conectar o sentido das
coisas, ou seja, de aplicar as capacidades de análise, de percepção e de
interpretação aos objetos cognoscíveis. Aceitar algo como racional é
dizer que está de acordo com o que é apropriado, com aquilo que faz
sentido, baseado na experiência própria ou transmitida. É racional, por
exemplo, seguir as recomendações médicas para se tomar um
antibiótico quando estamos com sinais e sintomas de infecção. O
médico, para fazer tal diagnóstico, usa sua capacidade de raciocínio e de
interpretação, assim como sua experiência, ou seja, conectar o sentido
das coisas, dos sintomas relatados pelo paciente, do que ele próprio
percebe e dos métodos testados para tal detecção. Sem racionalidade
também não há construção do conhecimento. Platão e Aristóteles dizem
que o exercício da razão é uma parte substancial do bem supremo para
os seres humanos. A racionalidade opera mais facilmente e com menos
erros através de métodos. O mais comum e menos arriscado deles é a
lógica.
Lógica é a ciência geral da inferência.

97
Na lógica dedutiva parte-se de um fenômeno geral para se concluir algo
de particular. Por exemplo: Todos os pacientes gripados avaliados até
hoje relatam coriza e um mal-estar sistêmico moderado. Se há um
paciente gripado, ele apresentará coriza e um mal-estar sistêmico
moderado.
Na lógica indutiva parte-se de um fenômeno particular para se concluir
algo geral. Por exemplo: A água da bica de minha cidade corre para
baixo. Logo, a água de todas as bicas do mundo em condições similares
correrá para baixo.
Na lógica dedutiva, a conclusão não pode ser falsa se as premissas são
verdadeiras. Na lógica indutiva as premissas podem sustentar uma
conclusão sem, no entanto, a implicar.
No primeiro exemplo, se a premissa de que todos os pacientes gripados
avaliados até hoje relatam coriza e mal estar sistêmico moderado é
verdadeira, a conclusão de que necessariamente alguém gripado
apresentará tais sintomas, é verdadeira. Se um só paciente gripado não
apresentar esses sintomas, a conclusão já não será necessariamente
verdadeira. Nesse aspecto, ela é mais frágil do que a lógica indutiva.
No segundo exemplo, a água de bica é a mesma água de todos os
reservatórios do mundo, ou seja, H2O. Sendo assim, as características de
sua mecânica são as mesmas. Analisando a mecânica de uma amostra
de água da bica de minha cidade, posso chegar a conclusões gerais sobre
a mecânica de toda a água do mundo, sem necessariamente essas
conclusões estarem implicadas com a água daquela bica específica.
Sendo assim, particularidades nas premissas da água da bica não
implicam, necessariamente, nas conclusões gerais.
Se eu fizesse um raciocínio dedutivo sobre a água da bica, as premissas
teriam que ser necessariamente verdadeiras para que a conclusão fosse
verdadeira. Por exemplo: A água de todas as bicas que observei, correm
para baixo. Logo, a água da bica X, que desconheço, corre para baixo.
Se a bica X tiver uma torneira de alta pressão, a água será impulsionada
para cima, ou seja, a premissa de que a amostragem observada
corresponde à realidade da bica X é falsa. Aliás, a própria existência da
bica X destrói a veracidade da premissa.
Ao contrário, se eu fizesse um raciocínio indutivo no caso do paciente
gripado, teria conclusões mais seguras: Uma amostragem pequena de

98
tipos variados me mostra características gerais de como se comporta o
vírus da gripe. Partindo dessa amostragem, quando são apresentados os
sintomas e analisados os exames, posso concluir com alguma segurança
que um paciente que não participou da pequena amostragem de teste
está gripado.
A lógica tem limitações, obviamente, mas é o método mais seguro de se
encontrar a verdade ontológica de algo. Desprezar a lógica é jogar pela
janela toda a possibilidade de probabilidade e razoabilidade.
O método dialético (chamado no hermetismo de “ratio hermética”) se
presta muito bem para o encontro das verdades ontológicas também.
Mas se as teses e as antíteses envolvidas não estiverem ancoradas na
lógica, é muito provável que o debate vá por água abaixo e se reduza a
uma mera troca de impressões e opiniões.
É importante que o estudioso nesse aspecto tenha autopercepção, ou
seja, que consiga julgar de maneira límpida sua própria relação com as
teorias e os fatos.
Autopercepção é a capacidade que os seres têm de estarem conscientes
de si mesmos. Saber quando se está desperto do sono é uma forma de
autopercepção. Sentir dor é um sinal importante de autopercepção.
Sentir fome, frio, calor, tristeza ou alegria e estar consciente dessas
sensações também são parte da autopercepção. A autoconfiança e a
coragem também são formas de autopercepção.
Questionar a realidade da autopercepção é questionar a própria
realidade, o ente cognoscente. Se eu pergunto algo, logo tenho que
existir. Se existo me percebo.
A conjunção desses aspectos é necessária para a busca da sabedoria, ou
seja, do perfeito conhecimento de nossos objetos de estudo.
Sabedoria na antiguidade grega era sinônimo de filosofia. Depois passou
a ser também a conexão entre virtude e conhecimento. Descartes a
definiu em seus “Princípios” da seguinte maneira:
“Por sabedoria não se entende apenas a prudência nos negócios, mas
um perfeito conhecimento de todas as coisas que o homem pode saber,
tanto para a conduta de sua vida como para a conservação da saúde e a
invenção de todas as artes”.

99
Em outro sentido, sabedoria pode ser entendida como a característica
daquele que é sábio, sobretudo no sentido moral desta palavra.
Muitas vezes, levados por idéias baseadas em crenças particulares,
alguns maçons acabam por tentar buscar a sabedoria como um tipo de
realidade extraterrena, algo que não se pode alcançar pelo próprio
esforço. Em nosso tipo de estudo, esse tipo de consideração não deve
entrar. Para o estudioso, realidades “extraterrenas” são os planetas, as
estrelas, as galáxias ou tudo aquilo que existe fora do planeta Terra. Tais
realidades, de acordo com a moderna Cosmologia, não têm
absolutamente nada a ver com deuses mesmo. O termo a ser aplicado
aqui é realidades metafísicas, e não “realidades extraterrenas”.
O pensamento e a imaginação são dados de acesso empírico direto, uma
vez que todos nós pensamos e imaginamos e, portanto, os
experimentamos (empiria = experimentação). Não são dados materiais,
ou seja, não podem ser avaliados como a matéria ou com os critérios
pelos quais se avaliam os objetos cognoscíveis materiais.
O pensamento e a imaginação podem criar elementos inexistentes na
realidade objetiva, apesar de se tornar objetos da realidade subjetiva.
Ou seja, não necessariamente aquilo que a mente cria é uma “denúncia
indireta” de uma realidade objetiva.
Crianças imaginam monstros e conversam com brinquedos. Isso não
quer dizer que os brinquedos as ouçam ou que os monstros existam. Os
deuses possuem existência subjetiva, ou seja, existem dentro da mente
das pessoas que neles acreditam. Isso não quer dizer que existam fora
de lá ou que possuam os poderes atribuídos pela imaginação das
pessoas a eles.
Aristóteles estabelece, de acordo com critérios bastante razoáveis, que a
fiabilidade do discurso lógico é maior do que a dos outros três tipos de
discurso (poético, retórico e dialético). Platão diz que os sentimentos e
as emoções não são critérios confiáveis para se construir qualquer tipo
de conhecimento. Para ele, o verdadeiro conhecimento (epísteme) é
diferente da mera opinião (doxa). Cremos ser mais razoável confiar em
Platão do que no achismo e no relativismo acadêmico que quer reduzir
tudo à mesma e única gelatina sem forma, onde cada um fala o que
quer, sem grandes critérios e sem se ter, sequer, uma definição
adequada dos termos. Na realidade, o que se faz é enfiar qualquer

100
significado que se queira por baixo das palavras e enfiá-las goela abaixo
da audiência cordata e despreparada.
O homem moderno, inebriado de uma visão romântica e amolecida da
realidade, prefere fugir para “paisagens idílicas” criadas por sua fantasia,
do que se defrontar com qualquer método que possa ferir seu
“encanto”.
Os mesmos que defendem essa pseudo-espiritualidade doce e amena,
cheia de encanto e alegria, são incapazes de qualquer ação ascética, de
qualquer renúncia às suas preferências mundanas ou da adoção de
qualquer código moral objetivo.
Falam de Cristo, mas são incapazes de renunciar aos seus apegos
mundanos em nome de Cristo. Sua “fé” nunca seria suficiente para se
internar em um mosteiro e praticar a ascese do deserto preconizada
pelo próprio Jesus com seu retiro e jejum. Preferem um “Cristo”
bonzinho, com um viés pentecostal, que dá dinheirinho e proteção aos
fiéis, mas não pede renúncia e ascese e que não joga ninguém no
inferno.
Falam de Buda, mas não se submetem ao Dharma, desprezam os
códigos morais budistas, inventam centenas de desculpas para terem
uma vida desviada do Caminho de Buda e se justificam da mesma forma
que os cristãos moles.
Falam de “tradição” e “ensinam” sobre o que é belo e moral, sobre o
que é admirável etc., mas têm vidas desregradas, sem nenhuma adesão
firme a qualquer código de conduta, preferindo justificar sua vida de
desregramento e de vulgaridade com sua “revolta” contra o mundo
moderno e com suas tergiversações inócuas e estéreis.
Toda essa relativização, todo esse discurso de pluralidades (que tem por
objetivo relativizar qualquer preceito ou raciocínio) só serve para adoçar
os debates inúteis dos intelectualóides do mundo acadêmico, que
fingem produzir algum conhecimento efetivo quando, na verdade, só
estão utilizando uma linguagem arrevesada e tortuosa para deslumbrar
os néscios e para confundir aqueles cujo conhecimento é raso e frágil.
Diante disso, temos certeza que muitos dirão que somos partidários
dogmáticos da “razão”, e a esses falamos que dizer que a utilização da
razão é um “dogma” como os outros é uma das mais conhecidas falácias
que existem. Os pressupostos da razão são inversos aos dos dogmas. O

101
dogmático crê por ser o dogma uma “verdade revelada”, “verdade” essa
para a qual ele não deve voltar qualquer lente investigativa. Ele crê por
ter sido proclamado assim, por ter sido promulgado dessa maneira por
alguma autoridade que ele julga superior a si próprio. A razão, ao
contrário disso, deve investigar cada proposição, cada enunciado, e deve
confrontar a todos eles com os elementos da prova e através do
método. O método é falho? Sim, é falho, mas é o que de mais confiável
temos.

102
Aula 7 - Noções fundamentais sobre o Estudo das Religiões
Constantemente surgem nos meios maçônicos ideias religiosas ou
interpretações próprias da religião. Isso se deve, obviamente, à certa
proximidade simbólica entre os campos de estudo, o que muitas vezes
se torna perigoso por conta de ingerências indevidas.
De fato há tanta confusão, que temos maçons que se julgam capacitados
para avaliar a religião dos outros indagando, por exemplo, se são
cristãos, se podem ou não podem ser iniciados em tal rito maçônico etc.
Para que tenhamos em mente alguns conceitos básicos do estudo das
religiões e, dessa maneira, não resvalemos para o “achismo”, vamos
estudar de maneira sucinta alguns aspectos fundamentais desse campo.
7.1. Teologia, Fé, Crença e Religião
Teologia é um conceito teorético que foi elaborado pelos gregos.
Religião é um dado natural na pessoa humana.
Fé não pode ser descrita dessa maneira. Fé pode expressar convicção
(prescindindo de qualquer questão de conteúdo) e “crença” pode
expressar todo tipo de concretização, formas, práticas e afirmações. No
entanto, permanece em aberto como questão se a substituição da
“religião” por “fé” e “crença” pode resolver quaisquer problemas que se
enfrentam com o conceito de religião como dado antropológico.
7.2. Diferenciação entre “religião” e o “sagrado”
É bastante problemática. Alguns defendem que é possível pensar em um
desaparecimento da religião enquanto não se pode pensar em
desaparecimento do sagrado, uma vez que, mesmo que a vida se
tornasse completamente profana, essa categoria ainda permaneceria
como um arquétipo que de qualquer forma deixaria aberto o caminho
para uma reintrodução da percepção do numinoso.
O sagrado denota não apenas algo integral e completo, mas também
algo que é “poderoso”, “imenso”, “proibido” ou “separado”. Definir o
sagrado por sua oposição ao profano perdeu um pouco a força como

103
fator de determinação do que é o sagrado, não importa o quanto isso
venha sendo empregado pelos eruditos da religião.
7.3. Problema da definição de religião
As tentativas de formular definições da religião colocam a problemática
fundamental deste termo. As 48 definições levantadas por James Henry
Leuba fornecem evidência de que é, de fato, impossível definir religião.
Em geral, tais tentativas tentam apresentar religião como algo que
postula culturalmente a existência de seres supra-humanos, ou algo que
faz da “estrutura profunda da realidade” objeto de reflexão consciente.
Apesar de toda a dificuldade de uma definição breve e precisa de
religião, muitos livros aparecem com esse objetivo.
As definições de religião se tornaram bastante cautelosas com
Schleiermacher descrevendo-a como uma “percepção para o infinito” ou
“para o universo”.
Rudolf Otto prefere descrever religião como a “percepção de uma
dependência inqualificável”, que pressupõe uma percepção de
“superioridade incondicional (e inacessibilidade)”, de forma que o ser
humano se sente dependente. Essa definição pressupõe uma aceitação
de que existe tal realidade que provoca a referida “percepção”.
Na Filosofia da Religião, tal aceitação é normativa e é chamada de
“experiência”, ou algumas vezes, “experiência transcendental”.
A aceitação é descritiva na Ciência da Religião na medida em que
procede empiricamente.
A Sociologia da Religião moveu-se para bem mais longe dessa aceitação
de existência objetiva de uma realidade absoluta, só a utilizando com
uma ênfase no subjetivo ou na constituição subjetiva da religião ou na
funcionalidade da religião.
7.4. A definição de religião da tradição Protestante experimentada no
período moderno
Rudolf Otto e Schleiermacher colocam suas experiências pessoais em
termos de “vivenciar a transcendência” e de um tipo de percepção mais
profunda do numinoso que os levaria ao interesse pela religião. Não há
dúvida que este tipo de religião é experimentado primariamente como
uma percepção ou experiência, ou seja, em âmbito interno e subjetivo.

104
As conexões com o Iluminismo e a concomitante secularização que foi
promovida, sobretudo, em uma esfera Protestante, são evidentes.
A hipótese argumentativa da religião
- Da Filosofia da Religião
Hoje em dia, a religião pode talvez encontrar suporte e um tipo de
último reduto de defesa no contexto da Filosofia da Religião, onde é
possível falar-se em Teologia Filosófica, que é distinta daquela e lhe dá
fundamentação.
Um argumento aplicado aqui em suporte da significância fundamental e
contínua da religião é a “frustração da necessidade humana por
significado, causada pela crescente secularização”. A frustração se
expressa no irracional e nas reações eruptivas.
Fica claro que tais alegações formuladas por teólogos são características
de um determinado estado de coisas, ou seja, de uma determinada
mentalidade que vê uma possibilidade de intercâmbio entre Filosofia e
Teologia. A religião, dentro desta ótica, torna-se um problema
existencial da pessoa humana. No entanto, as “Filosofias da Religião”
tendem a ser elaboradas por autores com uma perspectiva
marcadamente confessional.
Recentemente, parece não haver distinção entre “Teologia Filosófica” e
“Filosofia da Religião”. Isto é indicado pelo fato de que nunca se
desenvolveram separadamente, ou como parte de outros setores da
Filosofia.
As Filosofias da Religião têm sua origem nesse processo moderno onde
uma Teologia natural é reestruturada e rememorada como Filosofia da
Religião.
A Teologia Filosófica é insuficientemente consciente de que não deriva
de uma Teologia natural no moderno entendimento deste termo, mas
sim da Theologia Physice no sentido de uma Teologia Filosófica essencial
tal qual compreendida por antigos filósofos como Marsílio Ficino.
A argumentação usada pela Teologia e Filosofia “da Religião”, ainda que
sustentem que a suposição da existência de Deus não é um componente
absolutamente essencial do conceito de Religião, caminham em direção
dessa suposição. Prova disso são as modernas tentativas de formular

105
novamente “provas da existência de Deus” embasadas nas provas
clássicas.
Há também uma corrente que tenta justificar de forma político-filosófica
a Religião, como um componente essencial para o Estado e seu
funcionamento. Essa politização da Religião é independente da decisão
do quanto tal fato se relaciona ou não com a aceitação de uma
“realidade transcendental”.
Identificando problemas nas investigações empíricas de Religião
- Nas Ciências da Religião
O principal objetivo destas é a investigação empírica das idéias e práticas
de todas as culturas acessíveis, povos, tribos ou grupos.
Essa “Ciência da Religião” de natureza comparativa foi fundada, a
princípio, com o propósito especial de investigar a história das culturas e
dos povos. Isso aconteceu no séc. XIX com Numa Fustel de Coulanges,
Edward B. Tylor e, sobretudo, com Max Müller, com sua “Ciência da
Religião” em 1873.
A investigação do termo “religião” para guiar tal ciência se torna mais
urgente na medida em que o tempo passa, e na medida em que o
conhecimento sobre certos fenômenos ditos religiosos avança.
Há muita dificuldade em se falar de fenômenos religiosos que não se
adaptam facilmente à própria noção ocidental moderna de Religião.
Como exemplo, podemos citar o Hinduísmo e a antiga palavra egípcia
Maat (a ordem que governa todas as coisas).
- Sociologia da Religião
Desde Augusto Comte e Ludwig Feuerbach, a Religião é vista como
embasada numa constituição subjetiva ou como construção da
realidade, de acordo com a estruturação e personalização de significado
e apresentadas como estrutura profunda que permite o encontro com a
realidade.
A Sociologia da Religião propõe a hipótese de que a função da Religião é
fazer explícita a estrutura profunda na qual a realidade é entendida
assim satisfazendo a ânsia por sentido. Para servir a tal propósito, o
“sobrenatural” vem ao ser para facilitar a comunicação com uma
realidade opaca e impenetrável. A fusão da Religião com a moralidade e

106
sua função como fundamento das cosmologias desenvolvem-se de
maneira evolutiva. Hoje é óbvio que isso não pode mais ser prolongado.
Para algumas correntes da Sociologia da Religião o indivíduo pode viver
sem religião, mas a religião cumpre uma função social que não é algo do
qual se pode abrir mão no sistema de comunicação que nós chamamos
sociedade. Essa função da religião pressupõe um construtivismo que é
baseado em distinções que repousam numa unidade profunda. Afirma-
se que tal unidade profunda é uma “perfeição insuperável”.
Também há interesse sociológico na chamada “religião invisível”, ou
seja, na relação de uma determinada porção de indivíduos com a
transcendência em seus diversos níveis de profundidade.
7.5. O dilema: é possível definir Religião?
Eruditos falaram no “fim da religião”, inclusive pela razão superficial de
que o termo “religião” se torna cada vez menos utilizável para descrever
e explicar o fenômeno para o qual é direcionado pelas gerações mais
antigas.
Não vemos possibilidade de definição formal do termo, a não ser através
de uma via negativa ou de uma definição formal negativa, tal como
“uma convicção existencialmente importante, que dentro de suas
concepções de tempo e espaço, (categorias) que são válidas para a
nossa percepção e usando o pensamento que pertence à essas
categorias, não sendo possível nem provar nem não provar a
justificativa, os conteúdos ou a intenção desta convicção”. Essa definição
que está dentro da visão de Wittgenstein e, especialmente, de Kant se
refere à correção e não à verdade destas proposições, precisamente
pelo fato de que é impossível verificar os conteúdos dessa convicção.
7.6. Esclarecimentos históricos
O significado de “religio” sofreu transformações fundamentais ao longo
da história ocidental.
- No Período Clássico
A primeira definição deriva religio de religare/religari. Lactantius tomou
tal definição de autores clássicos e desde então esta se tornou
preferencial na tradição cristã.

107
A segunda deriva religio de relegere. De maneira similar, foi Cícero que
tomou tal definição da tradição e a tornou familiar. Eruditos mais
antigos encontraram um segundo significado para “ler de novo”, no
sentido de “prestar cuidadosa atenção a”, “compreender”, “unir-se (ao
conteúdo)”.
Dúvidas foram expressas recentemente e uma nova sugestão foi feita,
que religio é derivada de res e ligare. O esclarecimento adotado desse
termo é “cuidadosa e escrupulosa observação cheia de admiração”.
Esse termo é também usado em contextos profanos: existe a religio
iudicis, ou seja, a cuidadosa observação por parte de um juiz das regras e
dos procedimentos da corte.
Precisamente este significado permanece dominante até pelo menos, o
escolasticismo espanhol tardio no começo do séc. XVII, que se remetia,
sem nenhuma interrupção de continuidade, a Tomás de Aquino. Em sua
“Summa Theologica”, seguindo Cícero, ele categoriza religio como uma
virtude subordinada à justiça, i.e., à uma das quatro virtudes cardeais.
Uma vez que essas pertencem ao reino das virtudes morais, religio
denota uma virtude que é natural à pessoa humana e que é adquirida
em termos naturais, i.e., uma virtude que por si só não é “salvífica”. As
únicas virtudes salvíficas são as chamadas virtudes teológicas dadas por
Deus: fé, esperança e amor, dentre as quais, a maior delas é o amor (1
Cor. 13).
Como moral, i.e., uma virtude natural, religio assim não se refere a Deus,
mas às ações com as quais a pessoa humana entra em relação com Deus
através da virtude da justiça que é requerida de se pagar o que é devido
em casos específicos.
Religio não tinha a função de designar uma categoria genérica na
Antigüidade. A princípio, os Romanos não falavam de “religio Romana”
como o resumo de qualquer coisa que deveria ser observada face a face
com os deuses. Também não faziam contrastes com qualquer outra
realidade do tipo, como com a “religio Aegyptiaca”.
Quando se aplicava a palavra no plural “religiones”, isso denotava as
diferentes práticas observadas em relação aos vários deuses, tanto os
domésticos, quanto os estrangeiros.
Quando o Cristianismo foi declarado “religio licita” sob o Imperador
Licinius, isso não significou muito para a sua autocompreensão como

108
“religião”, pois o que permanecia central era o conceito de fé.
Fundamentalmente, era apenas em relação aos não cristãos que eles
insistiam na idéia de que só havia uma “religio vera”, enquanto as outras
não eram classificadas como “religiones falsae”, mas sim como
“supertitiones”, isso se deve ao fato de que religião não era um termo
genérico usado para cobrir uma variedade de tipos.
Foi apenas na Idade Média que se tornou necessário achar um nome
comum para uma variedade de convicções, e isso aconteceu devido à
astrologia, quando os cristãos também começaram a aceitar a noção de
que várias convicções resultavam de uma variedade de constelações de
estrelas. Em Roger Bacon (1220-1292), a denominação comum dessas
várias convicções não era religião, mas lex ou secta (no sentido do
“grupo de aderentes”, não no moderno sentido de “seita”).
Jerome Cardano (1501-1576) fala pontualmente no contexto astrológico
de quatro “leges”, ou seja, os judeus, pagãos, cristãos e muçulmanos.
Quando uma maior atenção foi dada ao tema religião no curso do séc.
XVII tomou lugar, sobretudo, nas reflexões sobre a competência da
autoridade civil “acerca do sagrado”. (Neste contexto, o canonista
Joachim Stephani (1544-1623) cunhou a fórmula “cujo reino é a
religião”. Mas é precisamente aqui que nós temos a confirmação que a
religio significa algo concernente à ação pública.)
Como é conhecida, a mais antiga formulação de “religio naturalis” no
sentido de um conhecimento de deus próprio à razão é encontrada na
metade do séc. XVI, no texto anônimo “De tribus Impostoribus”.
No decorrer do séc. XVII, a velha teologia escolástica protestante deu à
palavra “religio” um lugar no preâmbulo de seus livros. Por um longo
tempo daí por diante, no entanto, este termo não teve significância para
uma reflexão teológica mais ampla.
A ênfase foi colocada nesse período, como podemos ver no pietismo,
que de fato punha seu foco na “pietas”, deixando a “religio” num papel
secundário. Dessa maneira, podemos colocar como conceito nessa
época a idéia de uma “filosofia da piedade” entendida como fé e
devoção.
Para nosso propósito, é suficiente notar que as transformações em
relação ao conceito ocorreram depois de 1700, levadas para o tempo de
Schleiermacher à uma mudança fundamental de orientação.

109
Por volta do final do séc. XVIII, não devendo menos a Schleiermacher,
“religião” tomou a característica de ser a mais alta distinção do ser
humano, como uma “percepção” ou sentimento por aquilo que foi
chamado de “universo”, de “infinito”, e depois de “santo”,
“transcendente”, ou permanece para o futuro, talvez, se desejar, Deus.
A marca essencial dessa “religião” leva a marca do protestantismo do
período moderno, é agora sua “qualidade interior”: é vista como o mais
sublime, etéreo e a mais profunda realidade do ser humano, que todos
devem agradecer à sua própria natureza humana (assim é algo natural) é
mais elevada do que qualquer outra característica humana. Aqui não há
mais lugar para a concepção de religião no antigo sentido do termo,
como uma virtude subordinada à virtude cardeal da justiça.
No período que se seguiu, sobretudo com a emergência das ciências da
religião, o termo religião foi tomado com a função de um termo coletivo
para qualquer coisa que pertença à uma expressão particular como
“Religião Cristã”, e teve a função de termo genérico para todas as
diferentes expressões. Isso mostra que tal enriquecimento de
significado, essa elevação de “religião” é baseada essencialmente no
empenho de fazê-la independente da fé.
O mesmo propósito serve à tentativa de Immanuel Kant – desenvolvida
também no final do séc. XVIII – para conceber “religião” numa doutrina
filosófica da religião, assim, uma clara distinção é feita entre a “pura fé
baseada na religião” (a estranha formulação usada por Kant é como “fé
baseada somente na razão” e, de outro lado, uma “fé estatutária,
baseada na igreja”). De acordo com essa idéia, há muitos tipos
diferentes de fé. A ironia disso é que, mesmo Kant falando de uma fé
baseada na razão como a “pura fé baseada na religião”, o Neo-Kantismo
de Paul Natorp, por exemplo, define a religião como “sensação” ou
“percepção”.
A filosofia da religião desenvolvida por Hegel não conseguiu produzir
uma compreensão de religião que possa resultar em uma fórmula
adequada para definir o termo, apesar de ir além dessas definições
anteriores. Hegel repete a velha fórmula cristianocêntrica, ou seja, de
que o estudo de todo o fenômeno religioso pode ser embasado no
modelo cristão.

110
7.7. Resultados e conclusões
Considerando os vários aspectos aqui tratados, não podemos evitar a
conclusão de que a concepção moderna de religião essencialmente
formulada por Schleiermacher veio à tona no séc. XVIII. Ela recebeu
também uma concepção racional alternativa, sobretudo de Kant, onde é
claro, o apelo à experiência não foi abandonado. Subseqüentemente, a
demarcação estrita de Kant foi abandonada e as duas concepções (Kant
e Schleiermacher) se fundiram. Isso demonstra que essa “religião” tanto
considerada racional ou irracionalmente (ou os dois ao mesmo tempo),
consistiu em novas experiências específicas que tiveram suas fontes no
quietismo e, especificamente, no pietismo e na suscetibilidade (juntas
com, ou como parte do movimento romântico).
Não é por escolha que a maioria dos cientistas da religião, e a maioria
dos sociólogos da religião pertencem à essa tradição ou, pelo menos,
têm suas raízes nela.
As posições citadas acima – especialmente aquelas da sociologia da
religião – vêm essencialmente da tradição protestante, ou tomam sua
orientação em relação à ela, o que permite a nós concluir que religião
perdeu mais e mais seu significado. Eles confirmam que não é pela
escolha que apenas uma “definição formal negativa” é hoje possível.
Tudo indica a convergência dos desenvolvimentos teoréticos e práticos.
Isso confirma a hipótese de Paul de Lagar de que foi apenas no período
moderno que a palavra “religio” substituiu a palavra “fé” e adquiriu seu
próprio significado através da intencional eliminação do último termo.
Isso também indica que Dietrich Bonhoeffer não estava errado em sua
visão de que esse tipo de “religião” pertence ao séc. XIX, e na primeira
metade do séc. XX, não mais existe nesse sentido, nós nos movemos em
volta de uma cristandade menos religiosa.
O desenvolvimento da moderna “religião” durante (a segunda metade?)
do séc. XVIII representa de fato uma primeira onda de secularização, ou
seja, a separação entre fé e igreja. A segunda onda que se seguiu foi a de
também livrar-se dessa religião; isso resultou na busca pela, assim
chamada, religião.
As assim chamadas “novas religiões” (cultos que também são às vezes
chamadas “religiões jovens” na Alemanha), algumas vezes usam o nome
de religião para cobrir o negócio dúbio no qual elas se engajam; mas até
quando esse não é o caso, e elas de fato prometem uma plenitude de

111
significados ou de percepções e tentam mediar isso, tudo o que elas
representam é substituição da mediação de significado e compreensão
da vida em épocas passadas.
As realidades denominadas de “religiões” não se enxergam como tais. É
apenas de uma perspectiva exterior que o termo “religião” pode prover
as bases de um diálogo mútuo. Assim permanece como uma tarefa
urgente abandonar o conceito “religião” e refletir teologicamente nas
assim chamadas “religiões”.
A tradição cristã não é essencialmente afetada pelo desaparecimento da
“religião” que pertence ao período moderno, uma vez que tal tradição
depende não da “religião”, mas da fé.
7.8. Religião e fé ou: A justificativa para a razão confessional
Da perspectiva da “religião”, “fé” é escassamente mencionada no geral.
Ela aparece como submersa na “religião” no moderno entendimento
descrito anteriormente. A observação daquelas religiões que
compreendem a si mesmas como primariamente fé, aparece
relativamente tarde no cenário.
Religião tem pouco a ver com fé; os dois termos não estão em qualquer
relação decididamente antitética um com o outro (não há uma antítese
decisiva entre eles). No entanto, eles não se fundem. Esta é a causa pela
qual a equação da “religio naturalis” e “religio rationalis” é igualmente
fundamental e, dessa maneira, a formulação de uma teologia “natural-
racional” aparece justificada.
Quando religião é definida como uma “percepção” ou uma “sensação”,
ou como essencialmente irracional, não significa que tenha sido
derivada de uma “fé”.
O elemento da “idéia irracional do divino” (Otto) não é derivado da fé,
mas da experiência religiosa. Isso significa que a irracionalidade negativa
da fé é antitética à positiva irracionalidade da idéia de deus no contexto
de moderna experiência; essa irracionalidade, ao contrario, representa
um dado natural da pessoa humana.
O fato de que fé é uma categoria central na tradição cristã, como foi
desenvolvida por Paulo e pelos escritos deutero-paulinos, assim como
pelo quarto evangelho, não é uma mera decisão arbitrária.

112
A fé, aqui, é como nas ciências históricas, não é apenas uma
probabilidade, mas “tem a aparência da verdade” (verossímil), o que
coloca “religio” ao lado da razão.
Em seu início, essa fé cristã não era pertencente à uma só cultura. Como
é conhecido, ela tem suas raízes tanto no mundo do Oriente Médio
como no mundo helenístico, graças à transposição feita pelas primeiras
gerações de cristãos. Nos séculos seguintes, isso chegou em outras
culturas (copta, siríaca, Greco-latina e eslavônica, só para mencionar as
mais importantes). Essa dimensão multicultural se perdeu, primeiro
quando o Islã conseguiu absorver e/ou conquistar regiões substanciais
com suas várias culturas e línguas, e depois quando as igrejas do
Ocidente e do Oriente se separaram em 1054 e a forma ocidental
conquistou a predominância, o que resultou numa cristandade mono-
cultural. Isso significou uma redução fundamental na capacidade de
inculturação (veja-se a controvérsia sobre os ritos na China após a morte
de Matteo Ricci em 1610).

113
Aula 8 - A Cavalaria Medieval e a Maçonaria
De tudo o que estudamos nas aulas precedentes, ficou bastante clara a
enorme influência e prestígio dos ideais da Cavalaria na Franco-
Maçonaria do século XVIII.
Ramsay e os sistemas “escoceses” posteriores a ele deixam clara a quase
obsessão da época por ideais de Cavalaria, títulos cavalheirescos e,
especialmente, a idéia de que a Franco-Maçonaria seria de alguma
maneira uma forma de continuação da Cavalaria Medieval e de suas
tradições.
Na Maçonaria Inglesa temos os chamados “Priorados de Ordens
Militares” e no Regime Escocês Retificado o “Grande Priorado dos
Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa” (CBCS). Em praticamente todos
os ritos maçônicos abundam os graus que titulam seus possuidores
como “cavaleiros”. Tais títulos efetivamente só valem para a Maçonaria,
tendo em vista que um “cavaleiro” maçônico não é, oficialmente e pelas
leis nobiliárquicas internacionais, Cavaleiro efetivamente. Apesar da boa
fé da maioria absoluta das “Ordens de Cavalaria” maçônicas, religiosas,
civis etc. para as leis nobiliárquicas internacionais, tais instituições são
Ordens particulares, sem validade diante de nenhuma Casa Real.
Perdoem-nos os leitores que pertencem à tais Ordens e que julgavam
ser efetivamente cavaleiros armados, como os de antigamente. Vamos
explicar pormenorizadamente a situação para que não restem dúvidas.
Com a transição da sociedade feudal para as monarquias nacionais, a
“fons honorum”, ou seja, a fonte de honra e o direito de senhorio para a
transmissão da condição social de cavaleiro passou dos senhores feudais
(que tinham o “domínio”, daí a palavra “senhor” - DOMINUS em latim)
para o monarca reinante ou para os príncipes coroados. Apenas os
regentes efetivos (Imperadores, Reis e Rainhas) de países monárquicos e
os príncipes COROADOS, ou seja, que são monarcas “de jure” (por
direito) em países cuja monarquia foi usurpada, estão capacitados para a
fundação de Ordens de Cavalaria e para a criação de Cavaleiros e Damas.
Algumas instituições religiosas julgam equivocadamente que se o Papa
de Roma pode conceder títulos de nobreza e criar Cavaleiros, qualquer

114
instituição religiosa pode. Ledo engano. O Papa de Roma não concede
títulos de nobreza ou cria Cavaleiros pelo fato de ser líder religioso, mas
sim pelo fato de ser MONARCA REINANTE do Estado do Vaticano. Sendo
assim, um arcebispo, bispo ou patriarca que cria uma “Ordem de
Cavalaria” simplesmente extrapola seus direitos e produz uma
instituição sem qualquer respaldo, criando falsos “cavaleiros e damas”.
As Ordens de “Cavalaria” Maçônicas, enquanto se restringem ao seu
papel estritamente interno, ou seja, com validade apenas intra-muros,
dentro das Obediências, não fazem nada de errado. O problema começa
quando “cavaleiros” maçônicos passam a se proclamar, social e
publicamente, como Cavaleiros, e acreditam piamente que a sagração
dada em um capítulo maçônico os torna efetivamente legítimos
possuidores do título de Cavaleiro. As redes sociais estão cheias, lotadas,
de maçons vestidos com seus hábitos das Ordens Maçônicas,
proclamando a todos quantos os vejam que são Cavaleiros.
Especialmente problemático é quando tal atitude é estimulada pelos
superiores hierárquicos dessas Ordens Maçônicas, fazendo seus
subordinados acreditarem-se como tais.
A Ordem Maçônica de Malta, por exemplo, presente como Grau tanto
na Maçonaria Inglesa quanto na Maçonaria Norte-Americana, não pode
de maneira nenhuma ser confundida com a Soberana Ordem de Malta,
cujo chefe é o Príncipe de Malta, imediatamente inferior ao próprio
Papa de Roma e cujo centro funciona dentro do Estado do Vaticano.
Da mesma maneira, é preciso que sejam conscientizados os maçons de
que não há nenhuma continuidade histórica do Grau de “Templário”
com a antiga Ordem do Templo. Atualmente, qualquer alegação de
continuidade ou de representatividade “templária” é simplesmente
falsa.
A “Ordem Templária”, ou o que seria seu protótipo na Maçonaria inglesa
só começa a ter história documentada em 1778. O Grau de “Cavaleiro
Templário” era encarado como um quinto grau, depois do Arco-Real,
que era trabalhado pela “Grande Loja dos Antigos”. Uma coisa é querer
vivenciar os ideais dos antigos Cavaleiros Templários, cujo último Grão-
Mestre pereceu em 1312, outra coisa é dizer que há qualquer
“continuidade histórica” por uma via “secreta” e “misteriosa”.

115
Outro erro cometido em algumas obras maçônicas é o de classificar
como “título de nobreza” a condição de Cavaleiro. O título de Cavaleiro
não é, stricto-sensu, um título de nobreza, mas sim um grau de nobreza.
Aqui é preciso fazer uma série de diferenciações.
A imensa maioria dos nobres, ou seja, dos nascidos no seio de famílias
aristocráticas tradicionais, nunca tiveram um título de nobreza. Os
títulos de nobreza são concedidos a alguém por benemerência real, e
nem sempre são hereditários.
No Brasil, por exemplo, não havia títulos hereditários. Os títulos se
extinguiam com a morte do portador.
As Ordens de Cavalaria, de maneira geral, selecionam seus elementos
dentre as famílias nobres ou entre aqueles que, por seu valor pessoal,
tenha demonstrado nobreza de fato (de virtude).
O Cavaleiro é considerado membro da nobreza denominada “gentry”,
ou seja, dos gentis-homens. À nobreza “gentry” pertencem também os
aristocratas de linhagem familiar comprovada. Dessa forma, o título de
Cavaleiro é um grau de distinção dentro da classe “gentry”.
Os títulos de nobreza que se iniciam com o de baronete e vão até o de
Imperador pertencem à classe da nobreza denominada “peerage”, ou
seja, dos “pares”, daqueles que têm função social definida dentro da
hierarquia monárquica.
Os valores da Cavalaria são considerados tão elevados pela nobreza de
maneira geral que muitos “pares”, ou seja, nobres titulados desejam ser
sagrados Cavaleiros.
De fato, em toda a literatura especializada sobre o tema, encontramos
vastíssimo material sobre isso.
Citaremos e comentaremos algumas passagens:
1) “Tanto é nobre coisa o ofício de cavaleiro que cada cavaleiro deveria
ser senhor e regedor de terra; mas, para os cavaleiros, que são muitos,
não bastam as terras. E, para significar que um só Deus é senhor de
todas as coisas, o imperador deve ser cavaleiro e senhor de todos os
cavaleiros; mas porque o imperador não poderia por si mesmo manter e
reger todos os cavaleiros, convém que tenha abaixo de si reis que sejam
cavaleiros, para que o ajudem a manter a Ordem de Cavalaria. E os reis

116
devem haver abaixo de si condes, condores (viscondes na hierarquia
feudal catalã), varvesores (infanções), e assim os outros graus de
Cavalaria; e debaixo destes graus devem estar os cavaleiros de um
escudo, os quais sejam governados e possuídos pelos graus de Cavalaria
acima ditos.” (O Livro da Ordem de Cavalaria, escrito entre 1279-1283,
Ramon Llull, cap.II, 6)
Para Ramon Llull, importante autor medieval e, portanto, testemunha
ocular dos conceitos da sociedade medieval, todos os títulos de nobreza
não eram mais que “graus de Cavalaria”, demonstrando o altíssimo
conceito das sociedades medievais em relação aos Cavaleiros. Fica clara
também a noção do Cavaleiro como um “Dominus”, ou seja, um Senhor
que rege seus domínios.
2) “O termo francês Chevalier, tradução de Miles, surgiu ao longo do
século XII, com a valorização social e ideológica da palavra e da
categoria por ela nomeada. Chevalier não designava mais o conjunto dos
combatentes a cavalo, mas sua elite mais valorosa, aqueles cujas
façanhas eram gabadas, os mais nobres. A cavalaria entrou em contato
com a noção de nobreza antes de monopolizá-la, depois de um processo
de fusão de duração variável segundo as regiões...designou primeiro
todos os cavaleiros, depois apenas os cavaleiros de elite, aqueles que a
língua vernacular designou pelo termo cavaleiro; os outros eram
chamados de equites e, em língua vulgar, sargento (de serviens, que é
também traduzido por servidor), sargento de armas ou sargento a
cavalo. Para J. Flori, “a cavalaria, nobre corporação dos guerreiros de
elite nos séculos XI e XII, transforma-se no século XIII em corporação dos
guerreiros nobres”, para se tornar no final da Idade Média a “confraria
da elite da nobreza, a dos nobres armados cavaleiros.” (Os Cavaleiros
de Cristo, p.18, Alain Demurger – medievalista e historiador das
cruzadas e das ordens militares, leciona na Universidade de Paris-I)
Nesta passagem fica claríssima a transição do significado empregado ao
termo “cavaleiro”. Também é notável o fato de que para esse notável
medievalista a Cavalaria dominou completamente a própria noção de
nobreza, tornando-se um tipo de “nobreza dentro da nobreza”, à qual
Demurger denomina “elite da nobreza”, ou seja, uma elite dentro de
outra.
3) “Eles são “feudais” também pela distância, pelo desprezo ou ao
menos pela condescendência que têm para com as classes inferiores,
mesmo quando falam em defendê-las...Se os guerreiros nobres

117
moderam sua violência e se fazem ou desejam ser, por volta de 1100,
mais corteses, se eles organizam o espetáculo de sua valentia, é antes de
tudo entre eles que isso acontece, e menos por um progresso da
civilização do que por uma certa consciência de classe.” (A Cavalaria, pp.
17 e 18, Dominique Barthélemy – professor de história medieval na
Universidade de Paris IV, Sorbonne, diretor de estudos na École Pratique
des Hautes Études)
Barthélemy aqui exemplifica que a Cavalaria tornou-se uma classe, ou
melhor, uma casta, autoconsciente de seu poder e de seu prestígio.
4) “O guerreiro da bela Idade Média, ao mesmo tempo suavizado e
prestigioso, é um nobre, e o que o distingue melhor dos outros é o fato
de se deslocar a cavalo.” (idem, p.19)
Nessa e em outras passagens, Barthélemy desenvolverá o conceito da
Cavalaria dentro da nobreza, assumindo uma função de crescente
importância na sociedade medieval.
5) “De fato, os indícios do desenvolvimento da cavalaria e de sua
identificação com a nobreza, nos séculos VIII e IX, abundam (...).” (idem,
p.93)
6) “(...) o nascimento nobre e o engajamento no serviço de armas
(Militia) andam lado a lado.” (idem, p.116)
7) “Logo, a ‘Cavalaria’ – quer dizer, o estatuto de guerreiro nobre, a vida
e os atos de senhor de castelo e de feudos – seria compatível com a
santidade cristã.” (idem, P.165)
8) “Honra de cavaleiro nobre.” (idem, P.169)
9) “Trata-se de pura ideologia feudal: O lugar eminente do guerreiro
nobre no esquema das três ordens(...).” (idem, p.192)
Comentando sobre os burgueses que desejam ser considerados
“nobres” pela sociedade, Barthélemy explica que eles imitavam em tudo
aos Cavaleiros:
10) “(...) chegam a se dar aparências e estilo de vida de Cavaleiros,
portanto, de nobres.” (idem, p.207)
11) “O adubamento é um rito de integração à nobreza feudal, do qual
se pode querer sublinhar, mais ou menos, a hierarquia ou a igualdade,

118
da mesma forma que acontece com os demais ritos da vassalidade.”
(idem, p.212)
12) “Podemos nos perguntar se ele (o adubamento) não vem propor um
útil contraponto à ascensão da autoridade principesca sobre os senhores
e Cavaleiros de castelos, lembrando sua qualidade comum de guerreiros
nobres.” (idem, p.213)
13) “O adubamento é (...) símbolo de nobreza e ele honra o recebedor,
mais claramente ainda que a homenagem (...). Mesmo existindo muitas
nuanças e uma gama de graduação na “Cavalaria” de uns e de outros,
do rei ao Cavaleiro de “média nobreza”, estabelece-se entre todos os
cavaleiros um tipo de comunidade de honra – bem própria a redobrar,
em contraste, o desprezo deles pela aparência dos servos.” (idem,
p.218)
O adubamento era o ato de se fazer um Cavaleiro. Era o rito,
propriamente dito, da criação de um Cavaleiro. Aqui se coloca,
novamente, a idéia de que a Cavalaria era uma nobreza dentro da
nobreza, um tipo de comunidade de honra que irmanava “gentry” e
“peerage” - do rei ao nobre sem título que fosse, igualmente, Cavaleiro.
14) “A partir de 1025, a palavra Miles entrara lentamente em uso para
separar, dos outros homens, os membros de um grupo social (...).
Passado o ano de 1175, Miles é um titulo que regularmente antecede o
patronímio de todos os cavaleiros; e habitualmente junta-se-lhe um
outro titulo: dominus, ‘mesire’.” (As Três Ordens ou o Imaginário do
Feudalismo, p.326, Georges Duby, historiador francês especialista
renomado em Idade Média)
15) “Ora foi mesmo neste sentido que os príncipes elevaram a cavalaria
ao primeiro plano das suas dignidades e se puseram a comemorar
especialmente a cerimônia da sua própria elevação a cavaleiro. Segundo
toda a verossimilhança, as solenidades da entrega das armas aos jovens,
em vez de servirem para instituir todos os cavaleiros na sua ordem,
simplificando-se, haviam longamente demonstrado a preferência pelo
herdeiro de um rei, de um conde, para as responsabilidades do poder.”
(idem, p.327)
Salta aos olhos essa passagem. Os próprios príncipes, ou seja, o ápice da
nobreza dos “pares” se sentiam elevados por pertencerem à Cavalaria e
isso, mais uma vez, ressalta a idéia de um tipo de “elite dentro da elite”,

119
um grau que revelaria excelência de virtude e a adoção de valores que
animavam a própria noção de nobreza.
16) “Emblemas da soberania de que todos os cavaleiros se achavam
agora revestidos (...) em finais do século XII, a cavalaria e a monarquia
tornam-se indissoluvelmente ligadas e todos os membros da
aristocracia laica comungam no respeito a um mesmo sistema de
valores, numa mesma concepção do mérito e no cumprimento de um
ofício conjuntamente assumido pelo primeiro dos cavaleiros, que
dirige, até ao último, que serve.” (idem, p.328)
17) “Todavia, porque o monarca se orgulhava de sua cavalaria, esta
apareceu como a mais importante das três ordens. A sua preeminência
afirmara-se já em Benedito de Sainte-Maure (...).” (idem, p.330)
18) “E em cima do povo deve sentar-se o cavaleiro. Porque assim como
acontece ao cavalo que leva o que está em cima dele a todo o lado onde
este deseja ir, assim o cavaleiro deve o povo pelo seu querer, por firme
sujeição, por estar o povo debaixo dele, que é onde deve estar.” (citando
Gerardo de Cambrai, op.cit. 331)
19) “Da cavalaria, nitidamente identificada com a realeza.” (ibidem,
p.332)
20) “Cavaleiros Grã-Cruzes e Cavaleiros Comandantes, assim como
Cavaleiros-Bacharéis*, usam o elmo afrontado aberto de um cavaleiro.
Companheiros de qualquer Ordem, e membros destas ordens que não
têm qualquer precedência ou título de Cavalaria, usam apenas o elmo
fechado em perfil de um gentleman**.” (A Complete Guide to Heraldry,
A.C. Fox-Davies, p.571)
*Cavaleiro-Bacharel é o mais básico degrau da cavalaria, acima de escudeiro, mas
abaixo de qualquer Cavaleiro pertencente a uma Ordem de Cavalaria. Designava um
cavaleiro muito jovem, ao qual não era permitido liderar seu próprio grupo de
vassalos no campo de batalha, e que também não tinha estandarte próprio.

**Gentleman é aquele que tem brasão de armas ou que é elegível para a concessão
de um brasão de armas. Dois termos qualitativos, “gentle” e “simple”, eram
aplicados às classes alta e baixa, respectivamente. “Gentle” vem do latim gens
(gentilis) significando homem, pois aqueles que eram homens não eram servos. A
palavra “gentleman” é derivada de “gentle”, e as qualidades do “gentle” eram assim
denominadas pois eram supostamente pertencentes às classes altas. Um homem não
era um gentleman por possuir tais qualidades; ele era um gentleman apenas se
pertencesse às classes altas e não de outra maneira. (Fonte: Dictionary of Medieval
Knighthood and Chivalry – Concepts and Terms. Bradford B. Broughton)

120
21) “A Casa de um nobre se tornava uma casa nobre por servir como um
ponto central em torno do qual uma independente e duradoura estirpe
se cristalizava e daí se derivara seu poder. Esta linha masculina tornara-
se forte por reservar para si mesmo transmissão de autoridade, riqueza
de terras, glória ancestral e, como resultado, nobreza. Tal autonomia foi
conquistada primeiro pelas casas de condes, cabeças de casas, então por
mestres de castelos e, por fim, por cavaleiros em suas próprias casas que
pelo fim do século XII e início do século XIII tornaram-se casas
fortificadas.” (Dictionary of Medieval Knighthood and Chivalry –
Concepts and Terms. Bradford B. Broughton, p. 345)
22) “O homem a cavalo – o cavaleiro, o Chevalier – simbolizava a
autoridade do nobre sobre o homem a pé, e possuía a força para impor-
la.” (La Aristocracia. Jonathan Powis, p. 123)
23) “Na Irmandade da Vera Cruz de Cáceres (Extremadura), no final do
século XV, se esperava dos cavaleiros que fizessem contribuições
financeiras duas vezes maiores que aquelas requeridas dos menos
prestigiosos fidalgos*.” (idem, p. 45)
*A palavra fidalgo, etimologicamente, a aglutinação de filho-de-algo, passa então a
designar a camada social não titulada que tinha o estatuto de nobre hereditário,
juntamente com os titulares, os senhores de terras, com jurisdição, e os alcaides-
mores. Porém, é necessário compreender que este fidalgo genérico, não titulado,
subentende "de linhagem" na coloquialidade.

A fidalguia, na Monarquia Portuguesa, constituía uma categoria social e jurídica


própria. Só no reinado de D. Afonso II é que em Portugal foi criado o título de fidalgo,
para distinguir os cavaleiros e escudeiros de antiga nobreza daqueles que apenas
gozassem destes títulos por recente graça régia. Depois de D. Afonso V, todos os reis
criaram categorias formais de fidalgos, inscritos nos livros reais em três categorias
diversas na sua importância, fidalgos esses que integravam indiscutivelmente
a nobreza hereditária do reino.

24) “A investidura do cavaleiro, os torneios, a partida para longe, a vida


errante com ou sem aventuras, o risco de não voltar, tudo isto são
aspectos bem reais da vida do nobre na Idade Média.” (A Nobreza
Medieval Portuguesa – A Família e o Poder, José Mattoso, p.356)
25) “O prelado e o biógrafo estrangeiro ficaram, portanto, fortemente
chocados com a prática de um costume aparentemente freqüente, pelo
menos entre os nobres – milites (cavaleiros) e magnates – a cujo nível
social pertenciam os indivíduos mencionados, e tentaram extirpá-lo.” (A
Nobreza Medieval Portuguesa – A Família e o Poder, José Mattoso,
p.374)

121
26) “(...) membros da segunda ordem da sociedade, os especialistas da
guerra. (...) Como a decadência da autoridade real tinha acabado por
colocar os membros desta ordem numa posição de independência e lhes
tinha dado uma mentalidade digna de reis, não aceitavam restrições às
suas liberdades, nem nenhum serviço que eles próprios não tivessem
escolhido, e que, por não assumir o aspecto de dever material, não lhes
parecesse desonroso. Assim, recusavam-se a qualquer pagamento a que
não tivessem dado consentimento e só condescendiam a separar-se dos
seus bens sob a forma de ofertas e atos de generosidade mutua. A sua
vocação era combater, e o principal fim da sua riqueza era adquirir os
melhores meios de combate, através do treino físico, ao qual dedicavam
muito tempo, e de outros investimentos de que só esperavam um lucro –
maior força militar(...). O cavalo tornou-se a arma principal do homem
de guerra e o símbolo de sua superioridade; estes guerreiros passaram a
chamar a si próprios ‘cavaleiros’ (milites).” (Guerreiros e Camponeses,
os primórdios do crescimento econômico europeu séc. VII-XII, Georges
Duby, p.183)
27) “No ethos a que se dedicavam estes nobres, uma das virtudes mais
prezadas era a generosidade e o prazer do desperdício. Como os antigos
reis, o cavaleiro devia ser sempre generoso, lançando riqueza à sua
volta.” (idem, p.184)
28) “Ainda que a cavalaria tenha sido um fenômeno que se deu ao longo
do tempo e em muitos lugares, os cavaleiros, enquanto guerreiros
pertencentes à nobreza, eram uma realidade mais localizada.” (Armas e
técnicas bélicas dos Cavaleiros Medievais -1000-1500, Martin J.
Dougherty, p. 18)
29) “Os sargentos de armas estavam equipados de uma forma muito
similar aos cavaleiros, mas ocupavam uma posição social ligeiramente
inferior, por isso que estavam sempre subordinados a qualquer cavaleiro
que estivesse presente. Como recompensa a seu comportamento em
combate podiam esperar ascender à nobreza, ou seja, ser armados
cavaleiros.” (idem, p.32)
30) “Como foi sugerido na Introdução, o cavaleiro no início da Idade
Média possuía baixo status e pertencia à uma entidade distinta da
aristocracia e nobreza (...). Pela metade do século 12 eles se tornaram
uma aristocracia militarizada, uma nobreza guerreira que ofuscou as
distinções entre os nobres ou nobilites e milites.

122
Pelos 1160 comentaristas, tais como o escritor francês Andrew o
Capelão, começou-se a fundir os termos ‘nobre’ e ‘cavaleiro’, e o
Veredito de Normando de 1166, que viu uma maior reestruturação do
processo da justiça na Inglaterra, distinguiu os cavaleiros como um
grupo demarcado dentro da sociedade. (...)
(...) Na Inglaterra o efeito desta fusão entre nobreza e cavalaria foi a
redução do número de cavaleiros. De fato, a situação era tão ruim em
várias ocasiões a partir da metade do século 13, que o rei sentiu ser
necessário forçar aqueles que possuíam propriedades o suficiente, o
‘cavaleiro remunerado’, a assumir a classe dos cavaleiros.
Como ‘cavaleiro’, o termo ‘escudeiro’ começara como um título de
servidão, mas tornou-se honorífico, indicando nobreza e posição na
sociedade (...).” (Knight - The Warrior and World of Chivalry – Robert
Jones, pp.180-184)
Cremos que diante dessa profusão de citações de historiadores de
renome e especialistas no tema, não há maior necessidade de nos
alongarmos para caracterizar e definir o que vem a ser, ipso facto, a
Cavalaria e a condição de Cavaleiro.
Não há nada errado com se praticar graus cavalheirescos, em seguir um
código de conduta de acordo com os valores da Cavalaria ou em acordo
com uma Ordem específica (Templários, por exemplo). O problema é
quando isso se torna um equívoco e uma visão distorcida da realidade
histórica ou da realidade relativa à condição social de cavaleiro.
Ramsay, já citado em nosso estudo sobre o R.˙.E.˙.A.˙.A.˙., era cavaleiro
efetivamente e com seu famoso discurso introduziu na Maçonaria
Escocista o amor e uma quase obsessão pelos temas de Cavalaria. Na
Maçonaria inglesa, com o quinto grau de “Cavaleiro Templário”,
também estava lançada a semente da paixão pelos graus com temas
cavalheirescos.
Na Alemanha, o Barão Von Hund com sua “Estrita Observância
Templária”, com seus “superiores ocultos”, seus ritos de vingança etc.,
fez um trabalho bastante profícuo em matéria de disseminar a ideologia
cavalheiresca.
No R.˙.E.˙.A.˙.A.˙. os graus “cavalheirescos” permeiam grande parte de
todo o sistema.

123
De fato, o Grau 33, último Grau do R.˙.E.˙.A.˙.A.˙., ainda enfatiza a
pretensa ligação entre Hiram Abif e Jacques De Molay, último Grão-
Mestre dos Templários. Toda a simbologia do Grau evoca o sacrifício dos
Templários, a idéia de Império Sagrado (através do equívoco que já
explicamos sobre Frederico II da Prússiae acrescentando a Luiz de
Bourbon, príncipe francês que teria auxiliado a Frederico na “Reforma”
do Rito de Heredon) e o simbolismo da busca por Justiça e da ordem em
meio ao caos.
Cabe a cada maçom o bom senso necessário para não misturar as coisas
e ter honestidade intelectual para não desejar passar uma imagem
equivocada aos outros.

124
Aula 9 - Maçonaria e desvios revolucionários
A Franco-Maçonaria nasce no século XVII, como um movimento de teor
conservador.
A Escócia, provável berço de nascimento das primeiras lojas maçônicas,
passava por um período de valorização da identidade nacional e cultural
escocesa (e consequentemente celta), e também de franca repulsa ao
que era visto como "imposição estrangeira", incluído aí o papa e o rei da
Inglaterra. Isso não nasceu "do nada". Desde o Renascimento, crescia o
anseio de busca por elementos esquecidos durante o período medieval.
Com a queda do Império Romano do Ocidente (480 da E.C.0) iniciou-se a
Idade Média, marcada por um acentuado "descolamento" dos valores
da Antiguidade Greco-Romana vista como "pagã" e, portanto, inferior a
tudo que tivesse nascido cristão.
O período posterior (Renascimento) foi marcado como a tentativa de se
valorizar aquilo que havia de belo e de superior na cultura greco-romana
pré-cristã. Obviamente muitos desses valores clássicos entravam em
conflito aberto com as idéias do cristianismo escolástico medieval.
O que é preciso que fique claro é que, impulsionados por um desejo de
retorno aos esplendores da Antiguidade Clássica, muitos pensadores
passavam a rejeitar o pensamento medieval e a supervalorizar o que lhe
era anterior: os filósofos gregos, a arquitetura clássica, as belas-artes, a
literatura pré-cristã etc., passaram a ser vistos como um "modelo"
idealizado, que muitas vezes batia de frente com as idéias da Igreja
Romana.
Nesse "caldo cultural", aqui e acolá, surgem vozes rebeldes à hegemonia
católica romana, e utilizando-se do momento da Reforma Protestante,
unem esses ideais a um discurso com aparência protestante para não
chocar uma sociedade ainda profundamente influenciada pelas idéias
cristãs. Assim, vemos surgir na literatura do período uma exótica mistura
de elementos da antiguidade hermética, do protestantismo e do
pensamento racional grego. Em livros como "O Manifesto Rosa-Cruz",
"Fama Fraternitatis", "As Bodas Alquímicas de Christian Rosenkreuz",

125
"Nova Atlântida", "A Mônada Hieroglífica", "O Teatro Alquímico", "A
Filosofia Oculta" etc., misturam-se todos esses elementos.
A Franco-Maçonaria é filha desse período. Ela não vem da Antiguidade e
nem é uma continuação histórica das guildas medievais de pedreiros. É
algo novo que surge nesse momento de intensa atividade intelectual.
A princípio, motivada pelos ideais de fazer uma humanidade "melhor e
mais esclarecida", a Franco-Maçonaria era monarquista, legalista e
profundamente ligada à ideia de culto à Antiguidade Clássica e seus
modelos. Prova disso é a plêiade de monarcas, imperadores e os
chamados ‘déspotas esclarecidos’ que foram iniciados nela. Mais que
isso, é notável que a primeira Constituição dos Franco-Maçons (dita "de
Anderson") era dedicada ao Duque de Montagu e cita como Grão-
Mestre o Duque de Wharton.
A Franco-Maçonaria francesa, considerada a mais "revolucionária" de
todas, em seu período inicial também era profundamente ligada ao
regime monárquico.
O Rito Francês, ou Moderno, foi oficialmente instalado no Grande
Oriente da França por ninguém menos que o Duque de Chartres, Louis
Felipe d'Orleans.
Cabe notar também que o dia 14 de Julho de 1789 não foi "o fim da
monarquia francesa", mas sim a inauguração da MONARQUIA
CONSTITUCIONAL. A Revolução Francesa veio depois, e foi
essencialmente fruto dos interesses da burguesia, e não "do povo"
francês.
Ao contrário do que se pensa, muitos franco-maçons franceses eram
girondinos, ou seja, defensores da Monarquia Constitucional. Aliás, um
dos maiores defensores do Ancién Regime, considerado por muitos
como um visceral reacionário, também era franco-maçom: Joseph de
Maistre.
Outro dado interessante é que até hoje o Grão-Mestre da Grande Loja
Unida da Inglaterra é o Duque de Kent.
Muito bem. Fiz todas essas considerações prévias para demonstrar que
em si mesma a Franco-Maçonaria nada tem de "revolucionária", de
"antitradicional" ou de "anticonservadora". Agora passemos ao período
da "infestação".

126
Chamo de "período de infestação" àquele que se estende do final da
Monarquia Francesa (1792) até os dias atuais.
Algumas lojas maçônicas francesas que eram compostas por burgueses,
desejosos do fim da monarquia e buscando alterar a ordem social com
base no capital econômico e não mais nos títulos de nobreza,
começaram a servir de local de reunião para a discussão de planos
revolucionários. Alguns intelectuais radicais, partidários dos jacobinos e
dos cordeliers (a esquerda revolucionária da Assembléia Legislativa),
eram também franco-maçons.
Obtida a vitória da esquerda revolucionária esses franco-maçons, com o
imenso poder de influência que o novo regime lhes dava, propagavam
entre seus pares que a República, o progressismo, e a ruptura com o
passado eram "ideais maçônicos".
A Igreja Romana que a princípio combatia a Franco-Maçonaria por seu
"paganismo", agora a via como um local onde as pessoas se reuniam
para tramar contra a Igreja e o Trono.
A adoção da tríade revolucionária de "Liberdade, Igualdade,
Fraternidade" pelas lojas maçônicas em substituição ao tradicional
"Vivat, Vivat, Semper Vivat", ajudou a tornar as coisas ainda mais
confusas. Sendo assim, por motivos diferentes, a aversão entre católicos
romanos e franco-maçons teve continuidade.
A Franco-Maçonaria continuou sendo infestada por ideologias exógenas
nos séculos seguintes. Já no próprio século XVIII alguns cabalistas
invadiram as lojas francesas com sua "teurgia" e sua "cabala-cristã". Os
rituais das Lojas, antes simples procedimentos simbólicos que traziam
lições morais, foram ganhando aspectos religiosos, judaicos e constantes
referências ao simbolismo hebreu. Na Contituição de Anderson
aparecem numerosas referências bíblicas, mas com um enfoque bem
cristão e bem mesclado ao paganismo (referências aos gregos, à Thule
etc.). Já nas doutrinas judaizantes, surge um tipo de culto judaico no
interior das Lojas onde são reproduzidos os artefatos do culto hebreu
(Arca da Aliança, Altar dos Perfumes, Vestes Sacerdotais hebréias etc.).
No século XIX, com o pipocar de movimentos ocultistas, espíritas,
teosofistas etc., a Franco-Maçonaria foi invadida por crenças, rituais
mágicos, doutrinas espúrias e todo tipo de exotismo pseudo-espiritual.
Ao cenário “cabalístico” já instalado se unem os magos, que para piorar

127
a situação já caótica resolvem "doutrinar" a Franco-Maçonaria com as
doutrinas que defendem, sem base nem fundamento.
Obviamente que junto dessa mistura indigesta, agregam-se
pensamentos confusos, doutrinas políticas modernosas e alternativas, o
que dificultou (e muito) o trabalho de pesquisadores sérios. Baseados no
que viam, ou seja, uma instituição recheada de pessoas 'místicas' e
'liberais', muitos pensadores condenaram a Franco-Maçonaria como
uma instituição revolucionária e com fins imorais.
No final do século XIX alguns movimentos políticos de natureza secreta
ou semi-secreta instrumentalizaram a Franco-Maçonaria para seus
próprios objetivos. Valendo-se da reserva, do sigilo das lojas e do alto
número de pessoas influentes que as frequentavam, esses movimentos
injetaram suas ideias e lançaram seus tentáculos para dentro da Franco-
Maçonaria, confundindo-se com ela mesma. Daí a extrema reserva com
que alguns escritores tradicionais e monarquistas tratam a Franco-
Maçonaria, por confundirem-na com seus parasitas.
Dessa forma a Franco-Maçonaria sofreu um desvio revolucionário que a
desfigurou em muito, e tal desvio ainda é muito pouco notado pelos
seus membros que tendem a misturar bastante o que é
verdadeiramente maçônico e o que é ideologia exógena a ela aderida.

128
129
Aula 10 – Uma Franco-Maçonaria para novos tempos
Proponho aos leitores uma reflexão sobre as relações entre a Franco-
Maçonaria e sua inserção no mundo contemporâneo e pós-moderno.
A Franco-Maçonaria nasce em um período especial da história. O velho
paradigma renascentista ainda não havia sido completamente superado
e um novo paradigma, o Iluminista, começa a surgir no horizonte.
Fruto de um momento de transição, a Franco-Maçonaria traz em seu
bojo elementos referentes a esses dois paradigmas: um carregado de
simbolismo da antiguidade clássica e de filosofia platônica, o outro
calcado na racionalidade e na investigação metodológica.
Utilizando-se do simbolismo das velhas guildas de pedreiros, mas sem
ser sua continuação, a Franco-Maçonaria nasce como uma “sociedade
de pensamento”, onde homens especialmente capazes lançam as bases
daquilo que consideravam as sementes de uma nova Europa, de um
novo mundo, que abandonasse o fanatismo e a ignorância e inaugurasse
uma Nova Ordem Mundial.
Sem abandonar o rico simbolismo da Antiguidade Clássica e adaptando-
o aos novos ideais, a Maçonaria torna-se herdeira de uma rica filosofia e,
ao mesmo tempo, portadora de uma missão enorme: delinear os ideais
e as bases morais de uma nova civilização que estava nascendo.
Inimiga potente das superstições, do fanatismo, da crendice
escravizadora e uma patrocinadora da Filosofia, das Ciências, das Artes,
das Belas-Letras e de toda elevação do Gênero Humano, a Franco-
Maçonaria é uma luz em um mundo ainda meio-civilizado.
Séculos de lutas foram necessários para que os ideais defendidos pela
Franco-Maçonaria fossem minimamente aceitos e adotados por um
mundo governado pela força bruta e pelo fanatismo.
Hoje as ideias de tolerância religiosa, justiça social, liberdade de
expressão e de consciência são vistas como algo corriqueiro, e até são
muitas vezes mal-interpretadas e mal-utilizadas, chegando-se a
absurdos como a censura em nome da “liberdade” ou da “tolerância”.

130
No entanto, séculos de luta aguerrida foram necessários para que tais
ideias se tornassem realidade. Com certeza, a maior e mais aplicada
difusora dessas ideias foi a Franco-Maçonaria.
No Brasil foram os franco-maçons que apoiaram os primeiros
grupamentos de cristãos evangélicos, em nome da tolerância e da
pluralidade religiosa. Alguns dos primeiros cultos religiosos evangélicos
se abrigaram dentro de templos maçônicos. Hoje, esses mesmos cristãos
evangélicos demonizam os franco-maçons e a Franco-Maçonaria.
Até agora pensamos na Franco-Maçonaria do passado, em seus feitos,
em sua história, enfim, em tudo aquilo que os franco-maçons do
passado fizeram por uma humanidade melhor e mais esclarecida. E a
Franco-Maçonaria do presente?
O final do século XX e o início do século XXI delineiam no horizonte uma
das maiores revoluções pelas quais a humanidade já passou. A
tecnologia avança a passos de gigante e o mundo ‘pós-internet’ mudou
e mudou muito. As relações de trabalho, as relações econômicas, o
controle de tudo quanto diz respeito à segurança das nações, as
ideologias e a comunicação passam necessariamente pela internet. A
educação das gerações futuras e as ideias de capital e trabalho serão
completamente diferentes de tudo quanto conhecemos até agora.
A relação riqueza=trabalho mudou radicalmente. Hoje o que há de mais
valioso é a informação e quanto mais rápido ela chega, mais riqueza
produz.
O mundo é uma aldeia global. As nações não mais são estanques,
isoladas em seus próprios problemas. Hoje a globalização demonstra
cada vez mais que o bem de uma nação afeta a todas as outras, na
medida em que essa nação detém informação para produzir tecnologia
e gerar riquezas. O “patriotismo” cego de outrora não funciona mais
neste novo mundo.
Mediante tudo isso, qual é o papel da Franco-Maçonaria hoje? Onde
estão as mentes maçônicas brilhantes que levantarão o estandarte dos
novos ideais éticos? Acaso nós discutimos tais ideais? Acaso nos
preocupamos em lançar as bases de uma nova humanidade? Ou
assistimos inconscientes à enorme mudança? Qual será o papel da
Franco-Maçonaria nessa nova humanidade? Quais serão as
contribuições da Maçonaria para os séculos vindouros?

131
Com certeza relembrar os feitos do passado, executar mecanicamente
os rituais e ir contentes para o copo d’água não vai ajudar muito a
construir ou contribuir com o que quer que seja. Alimentar superstições,
tecer teorias estapafúrdias sobre vida após a morte, espíritos,
misticismo barato ou coisa que o valha, não é a nossa função. Não
somos uma instituição religiosa e nem doutrinadores religiosos. Será
essa nossa idéia de “progresso”? O que nós queremos para o futuro?
Qual instituição ou ideologia dará o exemplo de uma nova ética para os
novos tempos? As igrejas? As seitas da “Nova Era”? Os partidos
políticos? O Islam fundamentalista?
E nós, o que faremos? Vamos “formar a egrégora”? Vamos falar em
“energias” e outras tolices? Há sentido em se alimentar uma instituição
que perdeu sua razão de ser?
É tempo dos franco-maçons verdadeiros despertarem! É tempo de
fomentarmos discussões dignas de nossa missão histórica.
Fica a reflexão.

132
Aula 11 - A Franco-Maçonaria como instituição iniciática
Nossos livros nos dizem que a Franco-Maçonaria é uma instituição
iniciática. Todo mundo sabe disso e repete isso várias vezes. E o que é
uma instituição iniciática?
Uma instituição iniciática é um organismo onde se congregam
“iniciados”, ou seja, é uma instituição que proporciona certo tipo de
conhecimento especial, reservado a algumas pessoas especiais que
estão preparadas para recebê-los.
Platão em sua “República”, diz que os iniciados nos segredos da Filosofia
é que devem governar:
“Mas fizemos de vós reis em nosso Estado e, por assim dizer, condutores
da colméia, tanto para vós mesmos quanto para o resto dos integrantes
do Estado. Sois melhor e mais plenamente educados do que os outros e
detendes melhor aptidão para partilhar de ambos os estilos de vida. Por
conseguinte, cada um de vós, alternadamente, tem de se rebaixar para
viver na morada comum dos outros e vos habituar a enxergar no escuro.
E quando vos habituardes, vossa visão se revelará enormemente
superior àquela dos indivíduos que aí vivem. E por que vistes a verdade
sobre as coisas belas, justas e boas, sabereis o que cada imagem é e do
que ela é uma semelhança.” (A República, Livro sétimo)
Francis Bacon em sua “Nova Atlântida”, escreve sobre os “padres da
Casa de Salomão”, uma irmandade de Sábios iniciados que governavam
a ilha de Bensalém e que tinham acesso a segredos que os tornavam
superiores aos outros homens.
René Guénon escreve que existem várias formas de iniciação, a Iniciação
Formal (ritualística), a Iniciação Real (ou seja, quando o indivíduo
interioriza os conteúdos iniciáticos recebidos na iniciação formal) e as
iniciações absolutamente excepcionais, quando alguém recebe os
conteúdos iniciáticos através de escritos, discursos e outros meios não
pessoais, diretamente de uma fonte superior ou de um “guru interior”.
Julius Evola advoga a idéia de “Iniciação Prometéica”, ou seja, assim
como na mitologia grega, Prometeu “rouba” o fogo dos deuses, o

133
homem superior “inicia a si próprio” através do conhecimento superior,
desenvolvendo uma consciência superior própria do iniciado. Esse seria
o caso de indivíduos especialmente dotados que desenvolvem,
espontaneamente, tal capacidade “inata”.
Évola cita também outras formas de iniciação, através de experiências
dolorosas, grandiosas ou traumaticas que, se não destróem o indivíduo,
o modificam de tal forma que o colocam “no caminho” (in-itium) para a
transcendência.
A iniciação maçônica, para Évola e Guénon, seria a “iniciação por
enxertia”, ou seja, a recepção de uma influência espiritual transmitida
ao longo dos séculos e cujo repositório é guardado por instituições
tradicionais.
Essencialmente, então, INICIAÇÃO é uma transmissão, ou seja, a
passagem de uma influência espiritual de uma “fonte” para o indivíduo.
Muito bem, tudo muito bonito. Mas qual é a nossa realidade hoje? Qual
é a preocupação da Franco-Maçonaria institucional, essa à qual
freqüentamos, pelo conhecimento iniciático?
O que vemos diariamente é uma enorme preocupação com
“procedimentos administrativos”, “tratados”, “normas”,
“reconhecimentos”, “autorizações”, “cargos”, “titulações”, “interstícios”
e outras coisas mais, que passam longe, muito longe, do que seja
conhecimento iniciático.
É claro que é preciso haver normas e disciplina. No entanto, não se pode
abandonar a filosofia iniciática em nome dessas normas ou substituir a
busca pela sabedoria por um processo meramente burocrático.
Tomemos o caso dos graus, por exemplo: teoricamente, os “graus” são
como uma escada onde o nível de conhecimento iniciático deveria ir
aumentando. Em outras palavras, o grau é mero reconhecimento
daquilo que um indivíduo alcançou através de seu trabalho interior, de
sua própria ascese iniciática. Cada vez que ele atinge um novo ápice de
conhecimento, se lhe reconhece o direito de uma nova escalada rumo a
uma progressão espiritual crescente.
O que acontece na realidade? Avaliam-se os conhecimentos iniciáticos?
Ou a norma é ‘sente-se na cadeira de sua Loja e espere o tempo passar’?
Apresente um ou dois trabalhinhos copiados da internet ou de uns
poucos livros e os graus virão. Tudo é uma questão de tempo, de

134
paciência e de pagar por novas iniciações em novos graus quando for
cumprido o interstício necessário ?
Apresente trabalhos curtinhos e superficiais. Mostre ao encarregado de
“avaliar” os trabalhos e depois leia, gaguejando e em péssimo
português, tudo o que você copiou. Se tiver cumprido o “tempo
regulamentar” e pago a taxa de “iniciação”, você receberá seu novo
avental em breve, em uma sessão mal feita e na qual ninguém entendeu
grande coisa do que está fazendo.
O autor dessas linhas teve, há anos atrás, a desagradável experiência de
causar furor entre certos irmãos que estavam com pressa para jantar e
que acharam um absurdo intolerável que ele levasse 45 minutos para
explicar um trabalho sobre um determinado grau.
Alguns irmãos, de fato, berravam no salão após a sessão, tamanho ódio
lhes causou tanto incômodo.
Demorar-se 45 minutos para expor uma questão filosófica e simbólica é,
para alguns, algo impensável e intolerável.
A pergunta que fica é: Qual é o objetivo desses Irmãos?
Não me parece justificável ir-se a uma Loja, um Capítulo etc.,para falar
abobrinhas, fazer piadas sobre futebol, trocar informações comezinhas e
depois jantar...
Se quero apenas bater papo, rir, contar piadas e jantar, posso fazer isso
com meus amigos longe de quaisquer cerimônias e formalidades. Não é
preciso me tornar maçom ou receber graus para fazer isso.
Em outras palavras, não há sentido em ser maçom se a Sublime Filosofia
Iniciática, aquela que é a própria razão pela qual alguém ingressa na
caminhada maçônica, é desprezada.
O maçom que não está em busca da Verdade é um peso para a
Maçonaria, é alguém cuja presença na Ordem não faz sentido.
Parece-me que a vaidade, a maldita vaidade, primeiro e pior dos
pecados, aquele que segundo o mito judaico-cristão precipitou os pais
da humanidade para fora do paraíso terrestre, pois queriam ser iguais ao
seu deus e criador, é o principal motivo pelo qual busca-se de maneira
tão interessada, e quase frenética, a ascenção, os cargos etc.

135
Se um novo pensamento de busca pelos valores realmente iniciáticos da
Franco-Maçonaria não começar a brotar dentro de suas fileiras e de suas
instituições, é pouco provável que a essência filosófica se mantenha e
possa sustentar sua manutenção e seu avanço pelos séculos vindouros.
Deixará ela de ser uma “instituição iniciática” e se tornará apenas uma
instituição beneficente e altamente burocrática, de onde terá se retirado
todo o teor iniciático.
Graus, se só servem para alimentar vaidades ou para compensar as
deficiências pessoais de homens inseguros, são contraproducentes e
contrários aos ensinamentos verdadeiramente maçônicos. Nós devemos
cavar masmorras aos vícios e elevar templos à virtude. Devemos vencer
nossas paixões e fazer novos progressos na Maçonaria.
Não é a função da Franco-Maçonaria ser um local para estimular-se a
vaidade, o orgulho, a arrogância e as paixões que delas provêm. Isso é
exaltar os vícios da alma e cavar masmorras à virtude! É o contrário
daquilo que a filosofia iniciática verdadeiramente ensina.
A filosofia iniciática maçônica faz elegia da humildade, da fraternidade,
da união, do trabalho vigoroso consigo mesmo, da vitória sobre nossas
próprias más tendências e sobre tudo aquilo que de menos nobre há em
nós. Um verdadeiro iniciado, ao perceber em si mesmo uma tendência
ao orgulho motivada por um título ou um grau, deve rejeitar tal orgulho
em nome de um bem maior, ou seja, sua própria pureza e humildade
interior.
É preciso que cada franco-maçom repense seu próprio papel, seu
próprio proceder e que, pouco a pouco, isso se torne uma onda de
renovação no interior do povo maçônico.

136
Aula 12 – Contribuições para o estudo maçonológico em Loja

A seguir, estampamos um belíssimo trabalho que representa o tipo de


contribuição útil para a formação maçonológica dos obreiros de uma
Loja Maçônica.
O trabalho ou “Peça de Arquitetura” em foco foi escrito por João Carlos
Costa Sousa, membro da A.˙.R.˙.B.˙.G.˙.B.˙. e C.˙.L.˙.S.˙. 14 de Julho n.0457,
e mostra como o espaço dedicado à apresentação de trabalhos pode se
tornar um tempo útil para a formação sólida dos membros de uma Loja
Maçônica.
As Artes Liberais
O uso da expressão e o conceito de artes liberais tiveram origem na
Antiguidade desde a época aristotélica.
O domínio dessas artes liberais já era considerado basilar desde a
fundação da Academia de Platão (entre 387 a.C. a 383 a.C.,
aproximadamente), onde estudou Aristóteles. O conceito de arte dado
por Aristóteles é a capacidade de produzir com raciocínio reto. Liberais
(do latim liber, livre), porque tinham o objetivo de preparar os alunos
para a busca da ciência em sentido estrito, livre da influência de
conceitos materiais e mundanos. Foram institucionalizadas como
instrumento de formação acadêmica e intelectual durante a Idade
Média e foram definidas, já na Modernidade, como um conjunto de
disciplinas fundamentais para a formação de um homem livre, ou seja,
capaz de desenvolver o raciocínio, atingir níveis superiores da
capacidade de entendimento, capaz de produzir ideias de maneira
racional e livre1 (Aristóteles, Ética a Nicômaco).
Sete é o número destas disciplinas, mais tarde, separadas em dois
grupos:

1 “Ora, como a arquitetura é uma arte, sendo essencialmente uma capacidade raciocinada de produzir, e nem
existe arte alguma que não seja uma capacidade desta espécie, nem capacidade desta espécie e que não seja uma
arte, segue-se que a arte é idêntica a uma capacidade de produzir que envolve o reto raciocínio.” -
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D.
Ross, Editora Nova Cultural, Ltda., São Paulo, 4ª edição, 1991, P. 127.

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Trivium (três vias ou caminhos) que engloba as disciplinas Gramática,
Dialética ou Lógica e Retórica. É o instrumento para exercício e
desenvolvimento da mente. As ciências literárias e;
Quadrivium (quatro vias ou caminhos) composto pelas disciplinas
Aritmética, Geometria, Música e Astronomia.
Em conjunto como Trivium e Quadrivium, foram tratadas e
sistematizadas por Cassiodoro (490 d.C. – 581 d.C.) e Boécio (480 d.C. –
525 d.C., aproximadamente), foram institucionalizados, ao menos
teoricamente, como suporte metodológico para formação e educação
nas universidades da idade média, como Paris e Oxford, durante o
período carolíngio, entre os séculos VIII e IX sob Carlos Magno (768 –
800 como rei dos Francos e 800 - 814 como Imperador do Ocidente,
coroado pelo papa Leão III), portanto, após o esfacelamento do Império
Romano pelas invasões bárbaras e já sob o sistema político, social e
econômico do feudalismo.
O conselheiro de Carlos Magno, o monge beneditino inglês Alcuíno foi o
responsável pelo desenvolvimento de seu projeto de reforma
educacional onde se destacava a importância dos conhecimentos
clássicos gregos e romanos. Escolas funcionavam junto aos mosteiros
(escolas monacais), aos bispados (escolas catedrais) ou às cortes (escolas
palatinas). As sete artes liberais eram ensinadas nestas escolas que eram
frequentadas, sem distinção de tratamento, por meninos de famílias
pobres e por filhos de nobres.
As sete Artes Liberais são objeto de estudo há mais de dois mil anos. São
tratadas em obras de Cícero, Agostinho, Jerônimo, Martianus Capella,
Cassiodoro, Boécio e Gregório (O Grande), Alcuíno, Hugo de São Vitor,
para citar alguns. Este último, já baseia seus estudos, organizados
sistematicamente, na filosofia e não na teologia. Também deu
importância às ciências profanas, integrando-as ao processo de
entendimento dos fenômenos técnicos. Seus estudos refletiam a
realidade de um mundo em plena evolução científica e técnica.
A evolução dos estudos e conceitos das sete artes liberais, do Trivium e
Quadrivium no Ocidente foi, obviamente, influenciada por
acontecimentos históricos, desde a ascensão e queda do Império
Romano, o surgimento, crescimento e, digamos, a “formalização” do
Cristianismo, o Renascimento Carolíngio e depois, na Renascença (desde
o Trecento até o Cinquecento), na Reforma Protestante até a

138
Modernidade e é estrutura básica de algumas universidades ainda nos
dias atuais.
Um dos mais antigos documentos maçônicos, o “Poema Regius”, no
século XV, fala das “Sete Artes Liberais”2. No manuscrito de autoria
desconhecida e datado de 1.390, aproximadamente, a fundação das
Sete Ciências é atribuída a Euclides.3
É uma história riquíssima, mas por amor à síntese não a trataremos
nesta peça arquitetônica. Não iremos discorrer também sobre o Trivium,
embora originalmente se acreditasse que não havia como dominar uma
das sete disciplinas sem o domínio das outras em conjunto. Trataremos
apenas o tema do Quadrivium, o estudo da matéria, os ensinamentos
científicos.
Quadrivium
Historiadores datam como sendo o mais antigo testemunho da
existência de um Quadrivium Pitagórico (originalmente formulado e
ensinado por Pitágoras como Tetraktys4) o de Arquitas de Tarento, (428
a.C. - 347 a.C.), filósofo, cientista, matemático e astrônomo grego, por
muitos considerado o mais ilustre dos matemáticos pitagóricos,
discípulo de Filolau de Crotona e amigo de Platão em trecho de texto
denominado “Fragmento 1”. A Pitágoras, aliás, também é creditada a
conversão das ciências da matemática em uma forma de educação para
os homens livres (Proclo Lício, Comentário sobre Euclides)5.
Omitindo parte e acrescentando muito de seu pensamento, Boécio
traduziu textos gregos compondo tratados sobre as artes liberais e
atribuindo lhes o nome de Quadrivium. Escreveu Institutio arithmetica,

2 “Um dos mais antigos documentos maçônicos, o ‘Poema Regius’ (século XV) fala das ‘Sete Artes Liberais’ nos
seguintes termos: "Estas são as sete ciências, E aquele que fizer correto uso delas, pode possuir o céu.” – André
Otávio Assis Muniz, Novo Manual do Rito Moderno, Grau de Companheiro (Completo); Editora A Gazeta
Maçônica; São Paulo; 1ª Edição, 2007, P.P. 95 e 96.
3 “Ele (Euclides) fundou as sete ciências.

Gramática é a primeira, se não me engano.


Dialética é a segunda, sejamos abençoados.
Retórica é a terceira, não há contestação.
Como lhes digo, Música é a quarta.
Astronomia é a quinta, por minhas barbas.
Aritmética é a sexta, não há nenhuma dúvida.
Geometria, a sétima, encerra essa lista.”
4 Tetraktys é a representação pitagórica na forma de um triângulo, denominado "triângulo perfeito". Para os

pitagóricos, os números mantinham uma relação direta com a matéria, considerando, por exemplo, o número "um"
como um ponto, o "dois" como uma reta, "três" uma superfície e o "quatro" um sólido. Assumindo que 1 + 2 + 3 +
4 = 10, o número "dez" era visto como uma espécie de conjunto de quatro elementos, o "alicerce" das coisas do
mundo.1 O número "dez", de acordo com os pitagóricos, corresponderia a um tetraktys.
5 Revista Brasileira de História da Matemática Especial nº 1 – Festschrift, Ubiratan D’Ambrosio (dezembro/2007)

Publicação Oficial da Sociedade Brasileira de História da Matemática.

139
Institutio musica e Instituto geométrica (obra hoje perdida). Nada
escreveu, porém, sobre Astronomia. Sua obra, escrita durante a invasão
dos bárbaros e o desmoronamento do Império Romano, constituiu um
dos pilares da educação europeia durante muitos séculos.
O Bispo Isidoro de Sevilha (560 d.C. – 636 d.C.) escreveu, entre outras
obras, Etimologias cujos três primeiros livros foram dedicados às artes
liberais, Gramática, Retórica e o Quadrivium científico. Sua obra era
destinada à formação dos clérigos e, em grande parte, foi baseada em
Martianus Capella, Cassiodoro, Agostinho, Jerônimo e Gregório (O
Grande). Foram pelo menos dez edições de sua obra entre os séculos XV
e XVI, o que demonstra sua popularidade, inclusive, durante a
Renascença.
Se o Trivium está ligado à palavra, o Quadrivium surge do mais
reverenciado de todos os assuntos disponíveis à mente humana. O
número. A primeira das disciplinas é a Aritmética. A segunda é a
Geometria ou a ordem do espaço como número. A terceira é a
Harmonia (Música) ou o número no tempo6. A quarta é a Astronomia, o
número no espaço e no tempo.
Em sua discussão sobre os ideais da educação, Sócrates revela seu
modelo de continuidade da consciência. Era como uma “linha” traçada
verticalmente, atingindo desde os primórdios do conhecimento
consciente em avaliações até o clímax da consciência, noesis, que é o
entendimento unificado. Para além disso, está o indescritível e o
inefável. Há, significativamente, quatro fases (outro quadrivium ou
tetraktys) dadas pela divisão de Sócrates da “linha ontológica”. A
primeira divisão encontra-se entre o mundo sensorial e o mundo
inteligível, que são fundamentais, assim como entre mente e matéria. A
seguir, cada um deles é dividido. Esse é o lugar onde as avaliações
podem ser distinguidas das opiniões – mesmo as opiniões corretas,
porém ainda baseadas na experiência sensorial. Acima da primeira linha
divisória, entramos no mundo inteligível da Mente e encontramo-nos no
reino que “comporta a verdade” do Quadrivium. Este é agora o
conhecimento objetivo. A última e mais elevada divisão do inteligível é o
Nous ou Conhecimento Puro, propriamente dito. Essa é a finalidade e a
fonte de todo o conhecimento.
6 "Platão definiu o que era o intervalo existente entre os termos de uma média. Ao invés de determinar os
intervalos através de diferenças entre números, ele os caracterizou usando sons..."
ROCHA, Roosevelt Araújo da, O Peri Mousik’s, de Plutarco: tradução, comentários e notas. Campinas:
Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, 2007. (Tese de Doutorado), P. 218,
citando Fernández García, A. J. (2000) ‘La teoria musical de Platón en el tratado De Musica de Plutarco’.

140
Aritmética
Aritmética é geralmente referenciada à arte de contar, à capacidade de
calcular e, ainda à capacidade para resolver problemas que dependam
apenas de cálculos numéricos diretos para sua solução, envolvendo as
operações fundamentais. Aprende-se a contar, depois a calcular, adição
e subtração e multiplicação e divisão.
Há duas formas de se pensarem os números: como cardinais (expressam
quantidade) ou ordinais (expressam ordem, sequência).
Desde a antiguidade, interessam-nos as propriedades dos números.
Babilônicos e egípcios já estudavam os números inteiros e fracionários.
Pitágoras foi a referência na Grécia Antiga. Fundou uma comunidade
destinada a estudos filosóficos e metafísicos. Ele e seus seguidores
estudaram ali as propriedades da Aritmética.
Do Oriente, Índia e Arábia, foram introduzidos os números negativos e o
zero e desenvolvidos o sistema de numeração posicional.
O Institutio arithmética de Boécio é a tradução do grego da obra de
Nicômano, Introductio arithmetica (escola pitagórica), do qual foram
omitidos alguns trechos (a influência da Igreja Católica já era muito
grande). Foi a principal referência para todo ensino de Aritmética
durante quase mil anos. Embora o material disponível para o ensino da
Aritmética fosse muito pobre na Idade Média, a disciplina era muito
importante nas escolas. A Aritmética era pré-requisito básico para o
aprendizado da Geometria, da Música e da Astronomia.
Já na Modernidade, a aritmética desenvolveu-se sob a pressão das
necessidades práticas do comércio, das finanças e da astronomia. John
Napier (1550 – 1617) e Joost Bürgi (1552 – 1632), em trabalhos
independentes, publicados quase que concomitantemente,
descodificaram o logaritmo natural. Blaise Pascal estudou o cálculo
infinitesimal, enunciando o princípio da recorrência matemática. O
cálculo diferencial e integral de Newton e Leibniz, que viria a ser a base
da física moderna, foi inspirado em um tratado publicado por Pascal
sobre os senos no quadrante de um círculo. Versou sobre a Teoria das
Probabilidades e interessou-se pela filosofia da matemática.
Indubitavelmente, um grande mestre da matemática moderna. Pierre de
Fermat (1601-1665) foi outro grande matemático dos tempos
modernos, talvez o primeiro. Seu principal interesse era a ciência dos
números. Isaac Newton afirmou em nota que o seu método de cálculo

141
foi baseado no método de Fermat para estabelecer tangentes. Seu
último Teorema desafiou os matemáticos até muito recentemente,
quando foi solucionado em 1993. Temos, também, grandes trabalhos de
Leonhard Euler, Adrien-Marie Legendre e Joseph Louis Lagrange. Mas a
teoria dos números era, até o século XVIII, um amontoado de
propriedades isoladas. Disquisitiones Arithmeticae de Carl Friedrich
Gauss, publicado a primeira vez em 1801 reuniu os estudos teoria dos
números por Fermat, Euler, Lagrange e Legendre, adicionando outros de
sua autoria, sistematizando a teoria dos números.
Desde as antigas escrituras, os números eram classificados em duas
classes: os algarismos e os números sagrados. Mas foi Pitágoras quem
definiu o Número Sagrado como sendo o princípio universal e divino de
todas as coisas no universo. Estes últimos são o objeto desta peça, por
estarem ligados à simbologia maçônica. Saliente-se que sagrado aqui
não tem o sentido gnóstico. Os números sagrados são normalmente
elencados de zero a doze. E os números estão presentes em toda a
filosofia e simbologia maçônicas.
O zero, já nos antigos sistemas religiosos orientais era a representação
simbólica do nada. Zero não é o vazio absoluto. Representa o Espaço. É o
intangível e o incompreensível para a mente humana. Junto com o Um,
eram a representação gráfica da divindade. Um, a Unidade, o Uno, a
Mônada. O Uno é o limite de todas as coisas. Representa definição,
estabilidade. Quando multiplicado por ele mesmo, permanece
inalterado. É, por si só, o todo. Podemos encontrar em escrituras antigas
a definição de um como sendo um ponto no centro de um círculo (o
zero).
O dois representa a dualidade. Dois lados de uma mesma moeda. É a
sombra transcendental, oposta e objetificada. Base da comparação
através da qual nossa mente conhece as coisas. Eu e não eu.
A adição de um terceiro elemento, através do pensamento e da
sabedoria nos leva ao três, número considerado perfeito porque resulta
da soma da unidade com a dualidade, conduzindo ao equilíbrio dos
contrários. A representação geométrica do número três, o triângulo é o
mais importante símbolo maçônico. Tese, Antítese e Síntese. Conduz à
Verdade, partindo da estabilidade Una e do desequilíbrio causado pela
Dualidade. No Ritual do Primeiro Grau, ao Aprendiz Maçom é
introduzido ao estudo do número três.

142
Para além do três, entramos no reino da manifestação. O quatro é a
primeira coisa a nascer, dois pares, o primeiro número quadrado depois
do um. Normalmente é associado aos modos materiais de manifestação:
fogo, ar, terra e água.
Cinco é a idade simbólica do Companheiro Maçom. É a representação da
própria vida. É o elemento que dá vida aos quatro elementos da
manifestação. Assim, os cinco sentidos se juntam às cinco funções
vegetativas. Sua representação simbólica, na filosofia maçônica, é o
pentagrama ou estrela flamígera, o símbolo do Companheiro Maçom.
Como dito alhures, os números sagrados vão até doze (o número dos
signos zodiacais, por exemplo). O sete tem suma importância na filosofia
maçônica e tem ligação ao grau de Mestre Maçom. Mas, limita-se a
presente peça aos números até o cinco.
Geometria
“P: Que é Geometria?
R: É o fundamento da Ciência positiva. Sem ela, o espírito do homem
perder-se-ia em vãs especulações. Eis porque Platão inscreveu acima da
porta da sua Academia: Ninguém entra aqui sem saber Geometria.
Trata-se, por outro lado, de uma qualidade de medida que visa à
construção universal. Ela ensina a modelar os indivíduos no sentido de
manter o seu lugar àqueles que Ihes convier melhor, no edifício social.” 7
Geometria ciência da matemática que envolve as questões de forma,
tamanho e posição relativa de figuras e com as propriedades do espaço.
É a ciência que trabalha com sólidos, superfícies, linhas, pontos, ângulos
e suas relações.
Para Muniz (Novo Manual do Rito Moderno, Grau de Companheiro, P.
15), G originalmente está ligada aos ofícios que tinham a Geometria
como fundamento. A Geometria ocupa o quinto lugar na enumeração
tradicional nas sete artes liberais. Cita J. M. Ragon que diz que G é a
quinta consoante do alfabeto, é a inicial da quinta ciência, a Geometria.
Para a Maçonaria Moderna, a arte do geômetra é a de construir o
equilíbrio e a harmonia dentro da sociedade, bem como a busca da
verdade. No manuscrito “Poema Regius” Geometria é sinônimo de
Maçonaria.8 O triângulo é símbolo importante na Maçonaria. Também o

7 Instrução do Segundo Grau – Companheiro Maçom”


8 “Esses sábios, conforme o desejo dos senhores, inventaram a geometria e a denominaram maçonaria.”

143
são a estrela de cinco pontas, bem como o esquadro e o compasso.
Figuras geométricas são de importância fundamental na Maçonaria.
Os primeiros registros de estudos geométricos são, provavelmente,
originários da Mesopotâmia e do Egito antigos. Geometria é entendida,
independentemente das diversas culturas antigas, como um conjunto de
conhecimentos práticos sobre comprimento, área e volume.
Tales e Pitágoras e seus teoremas são referência básica sobre a
geometria na Grécia Antiga.
Mas, por volta do século III a.C., coube a Euclides a postulação da
geometria de forma axiomática em seu “Elementos”. A chamada
geometria euclidiana, estabeleceu um padrão que perdurou por séculos.
Só a partir do século XIX surgiram as geometrias ditas não euclidianas.
A geometria euclidiana, em duas ou três dimensões, é caracterizada pelo
espaço euclidiano, imutável, simétrico e geométrico. É metáfora do
saber na Antiguidade. Era a própria geometria do mundo. Durante
séculos valeu como modelo insuperável do saber dedutivo.
Como acontece com a Aritmética, praticamente inexiste na Idade Média
a produção de obras acerca da ciência geométrica. As obras deste
período limitam-se a reproduzir por tradução os ensinamentos gregos,
obviamente, omitindo algumas questões e/ou acrescentando outras
tantas.
Apenas no século XVII (1637), aparecem os métodos da geometria
analítica nas obras de Descartes, no pequeno texto chamado Geometria,
como um dos três apêndices do Discurso do Método, obra considerada o
marco inicial da filosofia moderna. Descartes, ao relacionar a álgebra
com a geometria, criou princípios matemáticos capazes de analisar por
métodos geométricos as propriedades do ponto, da reta e da
circunferência, determinando distâncias entre eles, localização e pontos
de coordenadas.
Blaise Pascal escreveu em seu “Do Espírito Geométrico” que o ponto
máximo alcançado pela razão é aquele alcançado pela Geometria e seus
axiomas, ou que o método geométrico é o modelo de perfeição racional
aplicável a quaisquer problemas. Em Maçonaria, a Geometria é posta
como modelo perfeito de raciocínio. No Rito Moderno, tem especial
importância, pois seu espírito está muito mais próximo dos axiomas
recionais da Geometria do que das teorias improváveis e crenças.

144
Gaspard Monge, matemático francês, criou a geometria descritiva, a
base matemática de desenho técnico. Apenas no século XVIII, Gauss
deu início ao estudo daquelas que seriam as geometrias não euclidianas.
Música
Desde a antiguidade clássica e durante a extensa Idade Média europeia,
o conceito de música apresenta diferenças consideráveis se o
compararmos com a concepção moderna que nos é familiar. Por longo
período que se inicia na Grécia antiga, a música é objeto de especulação
filosófica e conotação matemática. Na representação pitagórica, a
música não é aquela que se ouve. É representada por sua feição
matemática, que é um dos mais altos graus do pensamento filosófico.
Na obra de Pitágoras encontramos o conceito de número utilizado para
a compreensão de todo universo e explicável em termos de intervalos
musicais. Ele descobre que intervalos musicais correspondem a
proporções matemáticas específicas. Num instrumento de corda (no
caso, um monocórdio), a oitava mais aguda corresponde à metade do
som básico, isto é, a proporção 2:1. Quintas à proporção 3:2, quartas 4:3
e assim por diante.
Encontrou essas relações em todo universo e as complexas inter-
relações possíveis entre os intervalos consoantes resultaram em noção
de harmonia. Essas relações o permitiram postular a unidade existente
entre o ser humano e o cosmo ou o micro e o macrocosmo.
Os pés rítmicos, para Platão, através de Sócrates, possuíam clara
conotação que determinava o comportamento humano.9
Durante a Idade Média, os escritos de Boécio sobre música foram o
principal veículo para a transmissão dos ensinamentos clássicos gregos e
refletem fundamentalmente o idealismo platônico. Subdividiu a música
em três gêneros: mundana (a das esferas terrestres), humana (reflete a
união harmoniosa entre corpo e alma) e instrumentalis (aquela
produzida pelo homem. É a única que se pode ouvir). Sua concepção foi
repetida até bem depois de iniciado o Renascimento.

9 "Sócrates — Vamos concluir nossa reforma. Depois das hamonias, resta-nos examinar os ritmos; não devemos
procurá-los variados, nem formando cadências de toda a espécie, mas diferenciar os que exprimem uma vida
regulada e corajosa.
Glauco — Em verdade, não posso satisfazer-te. Que existem três espécies com as quais se entrelaçam todas as
cadências, como existem quatro espécies de tons de onde se tiram todas as harmonias, posso afirmá-lo, visto que
o estudei; mas quais são aqueles que imitem tal gênero de vida eu não sei.
Sócrates — Consultaremos depois Damoni e perguntar-lhe-emos quais são as cadências que convêm à baixeza, à
insolência, à loucura e aos outros vícios, e que ritmos se devem deixar para os seus contrários."
Platão, A República - P. 122. Extraído de http://www.eniopadilha.com.br/documentos/Platao_A_Republica.pdf.

145
Para os teólogos, a música era meio de elevação do espírito e imagem
da harmonia divina.
Foi na Idade Média que criou a notação musical utilizada até os dias
atuais e, durante muitos séculos, o sistema de notação musical foi
exclusivo da igreja de Roma. Com a crescente aproximação das
concepções modernas, passou-se a dar mais importância à beleza dos
sons do que da música em si mesma.
A Flauta Mágica, ópera em dois atos de Wolfgang Amadeus Mozart com
libreto alemão de Emanuel Schikaneder (os dois eram Irmãos de Loja
Maçônica) desenvolve os conceitos de liberdade, igualdade e
fraternidade da Revolução Francesa. Mostrava como o pensamento do
homem mudava radicalmente através do Iluminismo, defendendo o fim
das superstições medievais cultivadas pela Igreja durante a Idade Média
e a valorização de uma visão do mundo racional, em que a sabedoria
aparece como única possibilidade de justiça e igualdade entre os
homens. Em sua alegoria, descrevia as provações pelas quais o homem
precisa passar para sair das trevas do pensamento medieval em direção
da luz iluminista.
No templo Maçônico, a Música está representada na Coluna da
Harmonia, constituída pelo Irmão Mestre de Harmonia.
Astronomia
Pitágoras escreveu sobre Astronomia e propôs que a Terra era esférica e
suspensa no espaço. Ademais, sugeriu que o planeta não era estático;
apresentava movimento circular constante ao redor de uma espécie de
chama central que denominou Héstia. Para Pitágoras, todos os outros
planetas também giravam em torno dessa chama, inclusive o Sol que,
movimentava-se junto aos planetas era iluminado por Héstia e apenas
refletia a luz que recebia. Dois séculos mais tarde Aristóteles,
concordando com Platão, considera a astronomia uma ciência
matemática em sentido pleno, não menos do que a geometria. Platão,
em “A República”, separava o estudo da Astronomia como ciência
matemática da atividade de avistar os astros10. O cosmo aristotélico é
10“Sócrates — Dize-me: será a astronomia a terceira ciência? Que achas?
Glauco — Na minha opinião, sim, pois que saber reconhecer com habilidade o momento do mês e do ano em que
se está é coisa de interesse não do lavrador e do navegador, mas também, e não menos, do general.
Sócrates — Tu me divertes. Pareces recear que o vulgo te censure por prescreveres estudos que julga ele inúteis.
Vê, importa muito, ainda que seja difícil, crer que os estudos de que falamos purificam e reavivam em cada um de
nós um órgão da alma corrompido e ofuscado pelas demais ocupações, órgão esse cuja conservação é mil vezes
mais preciosa do que a daquele responsável pela visão, visto que é unicamente por ele que se descobre a
verdade...

146
apresentado como uma esfera gigantesca, porém finita, à qual se
prendiam as estrelas, e dentro da qual se verificava uma rigorosa
subordinação de outras esferas, os planetas então conhecidos e estes
giravam em torno da Terra, que se manteria imóvel no centro do
sistema (sistema geocêntrico).
E o sistema geocêntrico continuará sendo vigente por muitos séculos.
Apenas no século XV Nicolau Copérnico propôs o modelo heliocêntrico.
Copérnico, porém não criticou abertamente o modelo geocêntrico. Em
verdade, a cúpula da Igreja ficou impressionada com seus estudos e o
incentivou a desenvolvê-los. Curiosamente, Galileu Galilei, quase um
século adiante encontrará forte resistência do clero ao defender o
modelo heliocêntrico de Copérnico. Contemporâneo de Galilei,
Johannes Kepler, astrônomo, matemático e astrólogo alemão também é
figura importante na revolução científica do século XVII. Formulou as
três leis fundamentais da mecânica celeste, conhecidas como Leis de
Kepler. Astrônomos modernos, baseados em suas obras Astronomia
Nova, Harmonices Mundi, e Epítome da Astronomia de Copérnico,
redesenharam a ciência da Astronomia.
A Terra não seria mais o centro do Universo, o que fez com que se
revisassem as leis que governavam a queda dos corpos e conduziu, mais
tarde, Issac Newton a formular a lei da gravitação universal, onde as
órbitas seriam elípticas e não circulares.
Robert Macoy, em seu “A Dictionary og Fremasonry” explicando o
significado dos globos no Painel Simbólico do Grau de Companheiro, diz
que os mesmos simbolizam que qualquer problema ou proposição pode
ser solucionado através da diligente aplicação às ciências, entre elas, a
Astronomia, ensina Muniz (Novo Manual do Rito Moderno, Grau de
Companheiro, P. 197).
Sol e Lua são representados pelo Irmão Orador e pelo Irmão Secretário.
Estão ligados profundamente à filosofia Maçônica. A luz emanada pelos
astros representa diferentes estágios do saber maçônico. Há também os
conceitos de solstício e equinócio. A orientação do Templo é baseada na
Astronomia (pontos cardeais).

... Sócrates — Assim, nos dedicaremos tanto à astronomia como à geometria, com o auxílio de problemas, e
deixaremos de lado os fenômenos do céu, se quisermos apreender realmente esta ciência e tornar útil a parte
inteligente da nossa alma que até então era inútil.”
Platão, A República - PP. 317. Extraído de http://www.eniopadilha.com.br/documentos/Platao_A_Republica.pdf.

147
A Astronomia também está presente no teto do Templo. Ele é decorado
com astros, estrelas e nuvens. É a representação do firmamento celeste.
Significa o Cosmo, é o símbolo da universalidade. Os astros dispostos no
teto do Templo são ricamente definidos em alguns Ritos. No Rito
Moderno, porém, não há exigência de decoração especial. Deve apenas
simbolizar uma abóbada azulada mais clara no Oriente e mais escura no
Ocidente, com o Sol um pouco à frente do Venerável Mestre, com a
estrela de cinco pontas acima do Primeiro Vigilante e a Lua acima do
segundo vigilante.
Conclusão
As quatro ciências do Quadrivium representam o Macro e o Micro
Cosmo. Devem ser entendidas como um todo. A princípio não há como
dissociá-las. Uma influencia e abrange às outras. Seu estudo leva ao
conhecimento dos valores da Verdade da Beleza e da Bondade. Esse, por
sua vez, leva ao valor essencial e harmonioso da Totalidade. Objetivam
levar o Homem ao conhecimento puro, em que conhecedor, conhecido
e conhecimento se tornam Um. Levar à compreensão interna da
natureza integral de si mesmo como parte inseparável do universo.
Bibliografia Básica:
Trivium e Quadrivium: As Artes Liberais na Idade Média; Amâncio
França... [et al.]; Coordenação: Lênia Márcia Mongelli; Íbis; Cotia, SP;
1999
O Trivium: As Artes Liberais da Lógica, da Gramática e da Retórica, Irmã
Miriam Joseph, Tradução e adaptação de Henrique Paul Dmyterko; É
Realizações; São Paulo, SP; 2014;
Quadrivium: As Quatro Artes Liberais Clássicas da Aritmética, da
Geometria, da Música e da Cosmologia; Miranda Lundy... [et al.] John
Martineau (org.); Tradução de Jussara de Almeida; É Realizações; São
Paulo, SP; 2014;
Novo Manual do Rito Moderno – Grau de Companheiro (Completo);
André Otávio Assis Muniz; Editora A Gazeta Maçônica; São Paulo; 1ª
Edição, 2007.

148
Breve Nota Biográfica do autor

André Otávio Assis Muniz é natural de São Paulo – Capital. É membro


ativo da A.˙.R.˙.B.˙.G.˙.B.˙.e C.˙. L.˙.S.˙. “14 de Julho” nº 0457 do Rito
Moderno, filiada ao Grande Oriente de São Paulo/GOSP e federada ao
Grande Oriente do Brasil/GOB, da qual foi Venerável Mestre em três
mandatos.
É membro do Supremo Conselho Filosófico do Rito Moderno do Brasil e
do Sublime Capítulo Regional “14 de Julho”

É membro honorário da ARLS “Jean Baptiste Willermoz” nº 626 do Rito


Escocês Retificado, filiada à Grande Loja do Estado de São Paulo (GLESP).
Foi membro da Grande Loja Unida da Inglaterra, pertenceu a Capítulos
do Arco Real inglês, ao Grande Priorado Independente da Lusitânia
através da R.L.E. “Padre Antônio Vieira”, ao Capítulo Paulistano do Rito
Moderno, ao Grande Priorado das Ordens Unidas Religiosas, Militares e

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Maçônicas do Templo e de São João de Jerusalém, Palestina, Rodes,
Malta e Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa do Brasil.
É autor dos livros “Novo Manual do Rito Moderno – Grau de Aprendiz
(completo)”, “Novo Manual do Rito Moderno – Grau de Companheiro
(completo)” e “Novo Manual do Rito Moderno – Grau de Mestre
(completo).
É monge budista, Arcebispo Presidente da Organização Religiosa Budista
Tendai Hokke Ichijô Ryu do Brasil, instituição de caráter tradicional que
busca o retorno às origens do Budismo Mahayana da Tradição Chinesa
Tiantai. Tradutor de grego, latim, sânscrito e chinês clássico, foi o
responsável pela tradução de alguns textos inéditos para as línguas
ocidentais modernas.
Teve artigos publicados em revistas maçônicas (A Trolha) e acadêmicas
(Estudos Teológicos do Programa de Pós-Graduação em Teologia da
Escola Superior de Teologia-EST e ‘Dicta e Contradicta’).
É Cavaleiro da “Real Ordem da Coroa da Geórgia”, armado por Sua
Alteza Real, chefe da Casa Real da Geórgia e Herdeiro do Trono
Georgiano, o Príncipe Nugzar Bagrationi-Gruzinsky.
É membro da “The International Comission and Association on Nobility”
(Comissão e Associação Internacional sobre a Nobreza) na categoria de
“Membro da Nobreza”, associação essa que tem como patronos aos
príncipes Leka II dos Albaneses e Nugzar Bagrationi-Gruzinsky da
Geórgia. Também é reconhecida sua condição de Arcebispo Budista por
essas Casas Reais.

FIM

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