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EstudosLexicais MORFOLOGIADALNGUAAFRICANATEWEESTUDODOSMORFEMAS AKA NAESTRUTURADAFORMAVERBAL
EstudosLexicais MORFOLOGIADALNGUAAFRICANATEWEESTUDODOSMORFEMAS AKA NAESTRUTURADAFORMAVERBAL
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A morfologia verbal das línguas bantu desperta interesse para
vários estudiosos (GUTHRIE, 1967-71; NGUNGA, 2004; MUTAKA e
TAMANJI 2000; MBERI, 2002 etc). Neste estudo, objetivamos descrever
as marcas do tempo na língua tewe, procurando mostrar as diferentes
maneiras que esta língua toma para representar os tempos gramaticais
(passado, presente e futuro). A nossa motivação partiu do momento em
que constatámos que o morfema -aka-, para além de indicar o tempo
passado médio na língua tewe, também indica o tempo presente
concretamente no aspecto pontual. Neste sentido, foi nosso interesse
procurar perceber o que motiva este tipo de comportamento deste
morfema nesta língua partindo do princípio de que nas línguas
aglutinantes um morfe representa um morfema (AZUAGA, 1996).
Contudo, o trabalho tem como objetivos os seguintes: a)
Identificar morfemas que marcam os diferentes tempos verbais desta
1
Docente na Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane
- Moçambique. Atualmente, é estudante no Mestrado em Estudos da Linguagem, UFG.
E-mail: quiraque@gmail.com
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língua, mostrando a sua posição na estrutura de forma verbal; b) estudar
a(s) marca(s) do passado médio e do presente pontual na língua tewe; e
c) mostrar os diferentes contextos do uso do morfema -aka- que
expressa o passado médio no geral e, aspecto pontual em alguns verbos
da língua em estudo.
A língua tewe faz parte das línguas do grupo bantu, expandidas
por quase toda parte sul do equador de África e, hoje se estima em mais
de 600 línguas distribuídos por mais de duzentos milhões de falantes
pertencentes a este grupo (NGUNGA, 2014; JANSON, 2015). Segundo
Janson (2015), os falantes originais bantu, devem ter sido relativamente
poucos, mas, ao se moverem e difundirem, de um habitante original no
oeste até muitos milhares de quilômetros a leste às margens do lago
vitória, adquiriram conhecimento da agricultura e pecuária,
provavelmente no norte, e mais tarde se expandiram em massa rumo ao
sul e sudoeste da África. Portanto, os povos bantu se tornaram mais
numerosos do que os habitantes originais nas áreas em que se
estabeleceram e hoje são a maioria dominante na região sul daquele
continente.
Chiwutee, como habitualmente é chamada pelos seus falantes, é
um idioma atualmente usado na comunicação diária de pouco mais de
259.790 habitantes, maioritariamente da/na cidade e arredores de
Chimoio, província de Manica, Moçambique, ao considerar se 5 anos de
idade como idade mínima de referência tomada pelo Instituto Nacional
de Estatística (INE) para se a considerar um ser humano como falante de
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uma língua, (NGUNGA e BAVO, 2011). Apesar de ser um método
discutível para classificar um indivíduo como falante de uma língua, o
número da população que usa esta língua tem se incrementando,
olhando para os dados atuais previstos pelo INE que estima uma subida
dos mais de 20 milhões da população de Moçambique no recenciamento
de 2007 para pouco mais de 26 milhões em 2016.
Diferente de algumas línguas bantu moçambicanas como
Changana (no sul) e Makhuwa (no norte do país), cujo nível de estudos é
mais avançado, a língua tewe é uma das muitas línguas daquele país que
ainda carece de muitos estudos, tanto tipológicos assim como
genealógicos embora já se saiba através de estudos mais remotos, que é
uma língua pertencente ao grupo (ou subgrupo) linguístico Shona.
Para lograr os objetivos anteriormente preconizados, a presente
pesquisa baseou-se em dados recolhidos com base em três métodos, a
saber: revisão bibliográfica, que consistiu na recolha e análise de obras
que se debruçam sobre o tema; o de entrevista, que consistiu numa
conversa com falantes (9) falantes nativos da língua tewe, que
responderam a uma série de perguntas sobre as diferentes maneiras de
conjugação dos verbos nesta língua; e o método introspectivo, em que se
apelou à intuição linguística do autor, que para além de ser falante da
língua em estudo, trata se de uma língua objeto de estudo da sua
pesquisa em desenvolvimento na sua formação de pós-graduação.
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BREVE CONCEPTUALIZAÇÃO DA MORFOLOGIA
Etimologicamente, o termo morfologia é constituído por duas
partes, que são: morfo “forma” e logia “ciência”, o que quer dizer que
morfologia é a ciência que estuda as formas. Segundo Coelho (2011, p.
18), “[…] a palavra morfologia só apareceu em 1830, criada por Goethe,
com a finalidade de designar o estudo das formas referentes a
organismos vivos”. “De termo originalmente biológico passou a ser
utilizado nos estudos linguísticos, em 1860, no sentido de estudo das
formas das palavras, por influência do biologismo darwiniano que dava
a tônica ao pensamento dos filólogos e gramáticos da época”
(MATTHEWS, 1980, p. 14-15; LAROCS, 1994, p. 11-12; PETTER, 2003, p.
60, citados por COELHO, 2011, p. 19). As duas citações acima mostram
que o uso do termo morfologia em linguística só começou três décadas
depois do seu surgimento.
Em linguística, morfologia refere-se “à análise das formas que
uma palavra de uma dada língua pode assumir” (FARIA et al, 1997, p.
215, apud LANGA, 2013, p. 30). Para Azuaga, (1996, p. 216, grifo nosso),
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A citação acima vai mais além da simples definição da morfologia
prevista antigamente, visto que menciona o objeto de estudo desta
disciplina, a palavra, estudando a sua forma e sua estrutura interna.
Na perspectiva de Ngunga (2004, p. 99), “morfologia pode ser
definida como o estudo dos morfemas, das regras que regem a
combinação na formação da palavra e da sua função no sintagma e na
frase”. Neste contexto, a morfologia tem como a sua unidade mínima de
análise o morfema, sendo este “a unidade linguística mínima, portadora
de significado - é o menor signo existente [...] (COELHO, 2011, p. 25)”.
De acordo com Azuaga, (1996, p. 224) “o morfema é, portanto,
realizado por algo de natureza diferente: não se pode ouvir ou
pronunciar um morfema, só se pode ouvir e pronunciar o que realiza este
morfema, ou seja, o morfe” que é a forma física que representa um
morfema. Ou seja, enquanto “o morfema é uma unidade significativa
abstrata da língua que se realiza no morfe, unidade da fala, o morfe por
sua vez, constitui o material físico observável que nos permite a análise
linguística das unidades significativas que são os morfemas (COELHO,
2011, p. 34)”. As definições acima mostram que dentro de uma palavra
ou estrutura de forma verbal qualquer, primeiro identificamos o(s)
morfe(s), unidades físicas, e só através destes é que identificamos o(s)
tipo(s) de morfema(s), unidade(s) abstrata(s), que estes morfes
representam.
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Não será objetivo deste trabalho, discutir a diferença ou relação
entre morfema e morfe, mas definições destes conceitos ajudar-nos-ão
na análise de nossos dados. No entanto, para facilitar a compreensão
deste trabalho, usaremos várias vezes a palavra morfema para nos
referirmos aos dois casos (morfema e morfe) partindo do princípio de
que em muitas línguas aglutinadas um morfe representa um morfema
(AZUAGA, 1996).
Depois de apresentarmos breves considerações sobre o conceito
de morfologia e sua unidade básica, morfema, de seguida
apresentaremos algumas caraterísticas tipológicas das línguas bantu,
que de certa forma as distingue, estruturalmente, de ouras língua
classificadas como flexionais e isolantes.
2
Importa realçar que algumas das caraterísticas da estrutura verbal e nominais
apresentadas também podem se encontrar em outras línguas aglutinantes do mundo
como o Turco (Turquia), o Japonês (Japão) e o Húngaro (Hungria), Finlandês (Finlândia),
Zulu (África do Sul), Malaio (Malásia) Tupi-guarani (México), e em todas línguas Bantu
(faladas continente africano).
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pelo menos duas (2) caraterísticas destas línguas que evidenciam a sua
total ou parcial distinção com as outras línguas não bantu:
i) São línguas aglutinantes, isto é, a palavra é formada por afixação
de morfema ou afixos presos a outro morfema (raiz) que
constituem o núcleo da palavra (DACALA, 1994, apud
NHANTUMBO, 2009). A raiz possui uma estrutura verbal básica
de tipo -CVC- (consoante, vogal, consoante). Apesar de ter esta
estrutura como básica, existem, nestas línguas, verbos com
estruturas mais extensas ou ainda mais reduzidas que a estrutura
básica. As outras raízes podem ser de tipo -C-, -CV-, -CVC-, -
CVCVC-, ou mais extensas, formadas por um prefixo verbal que
marca a forma infinitiva (ku-), radical verbal e a vogal final que
geralmente é -a. Realça-se que para o caso de Moçambique o
prefixo verbal do infinitivo pode variar para Gu- e O-,
dependendo de cada língua bantu daquele país. Observemos os
exemplos abaixo em tewe3:
3
A legenda das representações da descrição morfológica em glosas encontra-se no fim
deste trabalho, depois das referencias bibliográficas.
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g) ku-gogom-a ‘correr ’ h) ku-tambarar-a ‘esticar os pés’
PV-correr-VF PV-esticar os pés-VF
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b) inini a-ndi-ca-ry-i ‘eu não comerei’
eu MN-MS-MT-comer-MN
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Para além destes gêneros de duas classes, existem gêneros de
uma classe, isto é, em que não se verifica a oposição singular/plural e o
prefixo da classe pode ser idêntico ou não a um dos prefixos (do singular
ou do plural) de um gênero de duas classes (NGUNGA, 2014). Por
exemplo, nomes como u-sunzi ‘formiga’; u-saru ‘linha’; u-kama ‘família’
fazem o seu plural com mesmo prefixo (u-) da classe 14 (u-sunzi
‘formigas’; u-saru ‘linhas’, u-kama ‘famílias’, respetivamente).
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verbal, fazendo com que a estrutura do verbo nestas línguas seja
complexa, como se poderá ver adiante.
Na perspectiva de Coelho (2013, p. 89), “verbo é a palavra
variável com a qual se expressa uma ocorrência, seja ela processo,
evento, atividade ou estado, marcada no tempo”. O que caracteriza, de
facto, um verbo, distinguindo-o das demais classes de palavras é a sua
perspectiva de marcação temporal, ou seja, todas as outras palavras
variáveis flexionam em género e número, e alguns pronomes como os
pessoais indicam as pessoas do acto comunicativo. No entanto, a flexão
de tempo e de modo são privilégios exclusivos do verbo (COELHO, 2013).
É nessa exclusividade do verbo que o nosso estudo se centra, procurando
olhar para as variações que o tempo verbal traz na língua tewe.
Para Nurse (2003, citado por Fumo, 2009, p. 96), “o tempo […]
reflecte não o mundo, mas a nossa visão e categorização do mundo, dai
que diferentes línguas dividam a linha do tempo de forma diferenciada,
o que resulta em diferentes números de tempos”. Neste contexto muitas
línguas são notavelmente conhecidas pelas suas múltiplas divisões do
tempo que podem ser o passado, o presente e o futuro. Na opinião de
Ngunga (2004, p. 159) “tempo é um fenómeno que reflete a natureza de
um povo”. O mesmo autor sublinha que, as marcas do tempo nas formas
verbais constituem tentativas de representação nas línguas do mundo
dessa categoria filosófica com que os homens coexistem ao longo da
vida. Essas marcas variam de língua para língua porque os falantes das
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diferentes línguas transportam marcas variáveis de acordo com a sua
maneira de ser e estar no mundo.
Cunha e Cintra (2002, p. 379), nos lembram com muita prioridade
de que o “tempo é a variação que indica o momento em que se dá o facto
expresso pelo verbo”. Para estes autores, os três tempos naturais são:
presente, que designa um facto ocorrido no momento em que se fala,
pretérito ou passado, que designa um facto ocorrido antes do momento
em que se fala, e o futuro que designa um facto ocorrido após o
momento em que se fala.
Em muitas línguas bantu o tempo é lexicalizado e pode
compreender várias divisões que podem ser expressas através de
diferentes morfemas independentes (MUTAKA e TAMANJI, 2000). Mais
do que exprimir o tempo (passado, presente, e futuro), em que a ação
expressa pelo verbo se realiza, tal como a língua portuguesa e algumas
línguas bantu (como Makhuwa, Sena, Tonga, etc.), a língua tewe também
divide a linha do tempo de forma diferenciada, dependendo do
momento em que uma determina ação decorre, resultando, assim, em
diferentes números e morfemas que marcam o tempo em causa, como
veremos na descrição a seguir.
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marcado de duas formas diferentes, como podemos observar nos
seguintes exemplos:
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cazo- mostra que há uma distância entre o momento de enunciação e o
momento da realização das ações. Portanto, trata-se do morfema que
indica o futuro distante e o mesmo encontra-se na posição entre a marca
do sujeito (ndi-) e as raízes verbais.
Repare-se que, nesta língua, para indicar o futuro distante,
mantém-se o morfema da marca do futuro próximo -ca- e a ele é
acrescentado um outro elemento (-zo-), ficando -cazo- para indicar que
esta ação será realizada num futuro mais distante ainda.
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f) inini nd-aka-rim-a ‘eu cultivei (ontem, semana passado)’
eu MS-P.Méd.-cultivar-VF
g) inini nd-akazo-won-a ‘eu vi (no ano passado ou mês
passado)’
eu MS-P.Rem.-ver-VF
h) inini nd-akazo-ry-a ‘eu comi (no ano passado ou mês
passado)’
eu MS-P.Rem.-comer-VF
i) inini nd-akazo-rim-a ‘eu cultivei (no ano passado ou mês
passado)’
eu MS-P.Rem.-cultivar-VF
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Nos exemplos (5d-f), estamos perante um passado médio onde a
ação é realizada no momento não muito recente em relação ao
momento da fala, mas também não se refere a um momento remoto.
Este passado é marcado pelo morfema -aka- que aparece logo depois da
marca de sujeito ndi- e precedido pelos radicais verbais.
Por fim, nos exemplos (5g-i) estamos perante o passado remoto
marcado pelo morfema -akazo-. Este morfema também aparece logo
depois da marca de sujeito nd(i)- e precedido pelos radicais verbais.
Quando pronunciado este enunciado, o ouvinte percebe que se trata de
uma ação que aconteceu há muito tempo em relação ao momento da
fala. E, em alguns momentos, este passado deixa impressão de que o
acontecimento já não é muito importante por ter passado muito tempo
depois da sua realização.
Portanto, na língua tewe, o passado é dividido em três
momentos, a saber: recente (-a-), médio (-aka-) e remoto (-akazo-).
Até então abordamos os tempos passado e futuro. Importa
salientar que na análise dos nossos dados da língua tewe, não
constatamos casos de simetria na repartição destes tempos, pois,
enquanto o futuro é repartido em dois (2) momentos em que a ação
ocorre (próximo e distante), o passado é repartido em três (3) (recente,
médio e remoto).
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MORFEMAS DO TEMPO PRESENTE
O outro tempo referenciado por Cunha e Cintra, (2002) em que
uma ação pode ocorrer é o presente. Segundo Ngunga (2014, p. 180),
“diferentemente do passado e do futuro que parecem tempos firmes
porque se baseiam no aspecto finito, o presente é basicamente
aspectual. Isto é, quase infalivelmente esse tempo facilmente se deixa
confundir com o aspecto4 [...]”. Ainda na perspectiva deste autor,
quando pronunciamos uma sentença onde as formas verbais estão
flexionadas no presente, não tem nada a ver com o facto de os actos
referidos eventos estarem a decorrer agora ou no momento de fala.
Nesta perspectiva, tal como em outras línguas bantu, a língua
tewe não é uma exceção do fenômeno acima. Contudo, apesar do tempo
presente ser marcado de diferentes momentos aspectuais, cada lingua
vai ter suas estratégias de como marcar este fenômeno, e
consequentemente a sua posição na estrutura de forma verbal vai variar
de língua para língua. Atentemos aos seguintes exemplos:
4
Segundo Ngunga (2014, p. 182), o “aspecto indica a maneira como os factos referidos
pelo verbo acontecem num determinado tempo [...]. [...] o aspecto caracteriza a forma
como os acontecimentos se dão no interior de uma unidade de tempo, seja no passado
presente ou futuro, podendo perceber-se como um acto completo (aspecto perfectivo)
ou não completo (aspecto imperfectivo)”.
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c) inini ndi-no-rim-a ‘eu cultivo’
eu MS-Asp.Hab.-cultivar-VF
d) inini ndi-ri ku-won-a ‘eu estou a ver’
eu MS-V.Aux./Asp.Dur. PV-ver-VF
e) inini ndi-ri ku-ry-a ‘eu estou a comer’
eu MS-V.Aux./Asp.Dur. PV-comer-VF
f) inini ndi-ri ku-rim-a ‘eu estou a cultivar’
eu MS-V.Aux./Asp.Dur. PV-cultivar-VF
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conjugação do chamado verbo principal, o qual se encontra em uma das
formas nominais (infinitivo; gerúndio; e particípio), formas não
flexionais” (COELHO 2013, p. 95).
Segundo Mberi (2002), o estudo dos verbos auxiliares nas línguas
bantu tem merecido especial atenção para vários autores (COLE 1955;
MKHATSHWA 1991; PAULO 1999; SLATTERY 1981, entre outros). Estes
autores afirmam que o mais importante nos verbos auxiliares é que estes
devem ser seguidos por outra forma verbal (verbo principal), que carrega
consigo o significado lexical das frases.
Para Dembembe (1987, citado por MBERI, 2002, p. 5), “na língua
shona5, podemos identificar dois tipos de verbos auxiliares”. Os
primeiros são verbos auxiliares defectivos (que têm uma estrutura
constituída por uma consoante e uma vogal (CV)), e os segundos tipos de
verbos auxiliares deficientes (Doke1990, Hannsn’s 1984). De acordo
com Jefferies et al (1994, apud MBERI op. cit), estes últimos aparecem
de forma congelada (aglutinada) a forma verbal, ocorrem no interior da
forma verbal e geralmente seguem qualquer marca de tempo, aspecto
ou modo.
Uma das características importantes que distingue verbos
auxiliares defectivos dos lexicais, é que os primeiros não podem conter
5
Shona é o nome dado a um grupo de línguas africanas (chamadas de línguas bantu)
faladas principalmente na metade norte do Zimbabwe (províncias de Mashonaland
Central, Este e Oeste,), no leste da Zâmbia e no centro de Moçambique. A língua Shona
propriamente dita é dominante no Zimbabwe e ensinada nas escolas. As línguas deste
grupo faladas em Moçambique são: ciWutee, ciManyika (faladas nas províncias de
Manica), e ciNdau, (falada nas províncias de Manica e de Sofala).
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consigo nenhum afixo derivacional. A outra característica que os
distingue é que os verbos auxiliares defectivos não carregam, na sua
estrutura, o prefixo do objecto como afixos flexionais (MBERI, 2002, p.
36).
Portanto porque a língua em estudo faz parte de línguas do grupo
Shona (S.10, na classificação de Guthrie 1967-71), os verbos auxiliares
também ocorrem, como podemos ver nos exemplos (6d-f) e (7a-i). Para
além do verbo auxiliar defectivo -ri ‘ser’ e/ou ‘estar’ (no presente)
mencionado por Mberi (2002), também encontramos nas línguas
pertencentes a este grupo, outros verbos auxiliares defectivos6.
Observemos os exemplos abaixo:
6
A noção de verbos auxiliares defectivos acima não deve ser confundida com os verbos
defectivos da língua portuguesa, pois, segundo Coelho (2013, p. 94-95), em Português
diz se defectivos aos verbos que, na conjugação, não apresentam algumas das formas.
Exemplo: O verbo doer só se conjuga nas terceiras pessoas, em todos os tempos (dói e
doem no presente do indicativo e doa e doam no imperativo); o verbo prazer possui
apenas as formas correspondentes as terceiras pessoas (praz, prazem (presente do
indicativo) e prazerá e prazerão (futuro)); o verbo computar faltam as primeira,
segunda e terceira pessoas do singular no presente do indicativo, (só se usa
computamos, computais e computam).
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eu MS-P.Rec.-V.Aux. PV-semeiar-VF
e) inini nd-a-bva ku-ry-a ‘eu acabei de comer’
eu MS-P.Rec.-V.Aux. PV-comer-VF
f) inini nd-a-bva ku-tamb-a ‘eu acabei de dançar ’
eu MS-P.Rec.-V.Aux. PV-dançar-VF
g) inini nd-a-ti sim-a! ‘eu disse semeie!’
eu MS-P.Rec.-V.Aux. semeiar-VF
h) inini nd-a-ti ry-a! ‘eu disse coma!’
eu MS-P.Rec.-V.Aux. comer-VF
i) inini nd-a-ti tamb-a! ‘eu disse dança!’
eu MS-P.Rec.-V.Aux. dançar-VF
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O MORFEMA -AKA- COMO MARCA DO PASSADO MÉDIO E DO ASPECTO
PONTUAL NA LÍNGUA TEWE
Outra manifestação do presente, objeto de estudo deste
pequeno texto, é o que chamaremos de “aspecto pontual”. Esta forma
de manifestação do presente ocorre somente em alguns verbos desta
língua. Ou seja, existem verbos que, para além de ocorrer as duas formas
do tempo/aspeto (habitual e durativo) apresentados nos exemplos em
(6), também apresentam mais uma possibilidade de representar este
mesmo tempo, sempre olhando para o momento em que a ação é
pronunciada. Esta possibilidade também é feita através do morfema -
aka- que, como vimos nos exemplos (5d-f) nos verbos kuwona (’ver’),
kurya (‘comer’) e kurima (‘cultivar’), somente marcava o passado médio.
Exemplos:
8.a) inini ndi-no-gar-a ‘eu sento’
eu MS-Asp.Hab.-sentar-VF
b) inini ndi-no-yim-a ‘eu paro’
eu MS-Asp.Hab.-parar-VF
c) inini ndi-no-simir-a ‘eu visto’
eu MS-Asp.Hab.-vestir-VF
d) inini ndi-ri ku-gar-a ‘eu estou a sentar’
eu MS-Aux./Asp.Dur. PV-sentar-VF
e) inini ndi-ri ku-yim-a ‘eu estou a parar’
eu MS-Aux./Asp.Dur. PV-parar-VF
f) inini ndi-ri ku-simir-a ‘eu estou a vestir’
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eu MS-Aux./MT.Asp.Dur. PV-vestir-VF
g) inini nd(i)-aka-gar-a ‘eu estou sentado’ ou ’eu sentei’
eu MS-/P.Med-sentar-VF
eu MS-/Asp.Pont.-sentar-VF
h) inini nd(i)-aka-yim-a ‘eu estou parado’ ou ‘eu parei’
eu MS-/P.Med-parar-VF
eu MS-/Asp.Pont.-parar-VF
i) inini nd(i)-aka-simir-a ‘estou vestido de’ ou ‘eu vestií’
eu MS-P.Med-vestir-VF
eu MS-Asp.Pont.-vestir-VF
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Dependendo do contexto, os exemplos (8g-i) podem nos indicar
dois momentos em que a ação estará a ocorrer em relação ao momento
da enunciação. O morfema (-aka-) por um lado, expressa a forma do
passado médio, como já tínhamos visto antes nos exemplos (4d-f), e, por
outro lado, o mesmo morfema (-aka-), também marca o aspecto
pontual, que representa fatos que se passam no exato momento da
enunciação. Ou seja, se um falante da língua tewe disser ndakagara, o
contexto é que indica se este está a se referir à palavra ndakagara
(‘sentei’) como uma ação já acabada (passado médio), ou se se refere ao
ndakagara de (‘estou sentado’) como uma ação que se observa naquele
momento (aspeto pontual).
Na análise de dados que fizemos sobre a ocorrência deste
morfema notou-se que dos cinquenta e três (53) verbos que foram
objeto de estudo neste trabalho, somente em sete (7) verbos (kuyima
‘parar’; kugara ‘sentar’; kutsika ‘pisar’; kuwata ‘dormir’; kutambarara
‘esticar os pés; kusimira ‘vestir’; e kumata ‘pousar’) é que este morfema
-aka-, indica a passado médio e tempo/aspecto pontual, dependendo
do contexto, e os restantes (46) verbos como kuwona (‘ver’), kurya
(‘comer’), kutamba (‘dancar’), etc o morfema -aka- somente indica um
e único tempo (passado médio).
Outra hipótese que pode se tirar destes exemplos (8g-i e 9d-f) é
que numa análise profunda, constatamos que este fenômeno (que
acontece com sete (7) exemplos da nossa pesquisa e acreditamos que
haja outros casos), é observado para verbos que na língua portuguesa
- 39 -
são chamados de estativos, isto é, para estes casos, pode ser que o
morfema -aka- tenha a função de transformar estes verbos em uma
espécie de adjetivos, no caso um estado de ocorrência da ação.
Consideremos os exemplos abaixo:
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representa um morfema (Azuaga, 1996). Na óptica desta autora (Azuaga,
1996, p. 239), “a estrutura morfológica de muitas palavras em diversas
línguas, particularmente nas chamadas aglutinantes […], como o Turco e
Swahili, em que existe uma correspondência biunívoca7 entre um morfe
e um morfema, parece não levantar problemas a [...] abordagens que
considera as palavras analisáveis em constituintes morfémicos”.
Portanto, os dados deste trabalho mostram que o princípio acima
não é muito feliz, pois podemos sim encontrar morfes portmanteau8 em
línguas aglutinantes como na língua tewe, onde um morfe (-aka-), pode
representar diferentes morfemas. Ou seja, por meio de padrões
estruturais da língua, e dependendo do contexto podemos dizer que
num dado momento o verbo está conjugado no tempo {passado médio}
e num outro momento podemos dizer que o verbo está conjugado num
tempo/{aspecto pontual}, embora nada na forma da palavra manifeste
explicitamente tal situação. Portanto, só o falante desta língua é que
pode perceber o contexto em que o morfema -aka- se refere numa dada
conjugação do verbo.
7
Termo usado na matemática para referir a relação ou correspondência entre dois
conjuntos em que cada elemento do primeiro conjunto corresponde a apenas um
elemento do segundo, e vice-versa (HOUAISS, 2009).
8
Segundo Azuaga (1996) morfes portmanteau são aqueles que podem representar
mais de um morfema, que podem ser o tempo, número, pessoa, aspecto, objeto, etc.
No caso da língua tewe, este morfe (-aka-) indica dois morfemas (passado médio e
aspecto pontual).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo procurou descrever o morfema das marcas
do tempo na língua tewe (S.13b na classificação de GUTHRIE, 1967-71).
Ademais, o estudo mostrou os diferentes contextos do uso do morfema
-aka- que expressa o passado médio no geral e, o aspecto pontual em
alguns verbos da língua em estudo, opondo se ao princípio de que em
línguas aglutinadas cada morfe representa um morfema (AZUAGA,
1996).
Da análise de dados feita nesta língua, temos os seguintes
pontos a considerar:
i. Dependendo da semântica do verbo em causa, os diferentes
momentos do tempo/aspecto presente podem variar, pois, teremos
verbos que vão aceitar dois momentos em que ação expressa pelo verbo
ocorre e também teremos verbos que vão aceitar três momentos de
ocorrência da ação; ii. Dos cinquenta e três (53) verbos analisados, sete
(7) é que aceitam três (3) momentos de ocorrência da ação no tempo
presente (aspecto habitual, durativo e pontual) e os restantes (46)
verbos somente aceitam dois (2) momentos da ocorrência da ação
(aspecto habitual e durativo). iii. Nos sete (7) verbos (estativos) que
aceitam três momentos de ocorrência da ação no tempo presente, o
morfema -aka- funciona como um morfe portmanteau, pois,
dependendo do contexto, a conjugação em causa vai ditar se se trata de
uma ação que ocorreu no passado médio ou é uma ação que está ocorrer
no presente (aspecto pontual). Este grupo de verbos é chamado, na
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lingua portuguesa, de verbos estativos como explicamos anteriormente
(exemplos 9g-i). A estes podemos incluir os verbos kukhuma
(‘engordar’), e kuwonda (‘emagrecer’) que também apresentam o
mesmo comportamento.
Para terminar, queremos sublinhar que esta comunicação não é
palavra final sobre as marcas de tempo nesta língua. Pelo contrário,
trata-se, sim, de “primeiros apontamentos”, que dão início e subsídios
para que novos estudos sobre as marcas do tempo e aspecto na língua
sejam feitos de modo a enriquecer os seus estudos.
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REFERÊNCIAS
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MUTAKA, Ngessimo M.; TAMANJI, Pius N. An introduction to African
Linguistics. Lincom handbooks in linguistics, n 16. Munich: Lincom
Europa. 2000.
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Nota: Os prefixos nominais (PN) que indicam as classes em que os nomes das
línguas bantu de Moçambique podem pertencer (ver exemplos número três
(3)), geralmente variam de 1 a 20 classes.
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