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Neemias

Comentário expositivo
James Montgomey Boice
Copyright © 1990, de James Montgomery Boice
Publicado originalmente em inglês sob o título
Nehemiah
pela Baker Books, uma divisão da Baker Publishing House,
Grand Rapids, MI, 49516, EUA.

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por


E M
SCRN 712/713, Bloco B, Loja 28 — Ed. Francisco Morato Brasília, DF, Brasil — CEP
70.760-620
www.editoramonergismo.com.br

1ª edição, 2020

Tradução: Lidiane Cecílio e Thiago McHertt


Revisão: Felipe Sabino de Araújo Neto e Rogério Portella

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Todas as citações bíblicas foram extraídas da Versão Almeida Revista e Atualizada (ARA),
salvo indicação em contrário.
Para Jesus Cristo
O Rei dos Reis, Senhor dos Senhores
e Líder dos Líderes
Sumário
Prefácio
Parte 1: Reconstrução dos muros
1. A primeira dinâmica: o líder e Deus (Neemias 1.1-11)
2. A segunda dinâmica: o líder e seus superiores (Neemias 2.1-8)
3. A terceira dinâmica: assumir o comando (Neemias 2.9-20)
4. A quarta dinâmica: como o trabalho foi realizado (Neemias 3.1-32)
5. A quinta dinâmica: lidar com a oposição — parte 1 (Neemias 4.1-23)
6. A quinta dinâmica: lidar com a oposição — parte 2 (Neemias 5.1-19)
7. A quinta dinâmica: lidar com a oposição — parte 3 (Neemias 6.1-14)
8. O término do muro (Neemias 6.15-7.73)
Parte 2: Reconstrução da nação
9. A sexta dinâmica: uma nação sob Deus — parte 1 (Neemias 7.73-8.18)
10. A sexta dinâmica: uma nação sob Deus — parte 2 (Neemias 9.1-37)
11. A sexta dinâmica: uma nação sob Deus — parte 3 (Neemias 9.38-10.39)
12. A sétima dinâmica: renovação urbana (Neemias 11.1-12.26)
13. A dedicação dos muros (Neemias 12.27-47)
14. A oitava dinâmica: as reformas finais de Neemias (Neemias 13.1-31)
Prefácio
Se eu fosse um executivo de publicidade escrevendo uma
peça promocional para a venda das memórias de Neemias,
governador de Judá na segunda metade do século V a.C., teria
diante de mim uma tarefa fácil e agradável. Poucos livros bíblicos
lidam com as preocupações atuais de maneira tão forte e direta ou
tão prática. Em meu texto apareceriam coisas do tipo:
Seja um líder.
Aprenda a:
Colher informações e criar planos que podem ser executados;
Fazer as pessoas realizarem o que você deseja que elas façam (e
gostem disso);
Lidar com um chefe difícil;
Motivar os subordinados;
Dominar seis grandes segredos para superar obstáculos;
Ter sucesso onde outros falharam; e
Vencer sem se sentir intimidado.
O livro de Neemias ensina cada um desses itens (e mais).
Receio, porém, que se eu me limitar a recomendar o livro dessa
forma, deixarei de fora o elemento mais grave. O mais importante
sobre Neemias é o fato de ele ter sido um homem de Deus, e por
causa de sua intimidade com Deus por meio da oração e piedade
pessoal, ele foi capaz de obter em Deus a sabedoria, paciência,
habilidade e perseverança necessárias para completar sua grande
tarefa.
E que tarefa foi essa! Neemias se dirigiu à antiga capital
judaica de Jerusalém, a partir da capital persa de Susã, em
445 a.C., com o objetivo de reconstruir a cidade. Ela foi destruída
141 anos antes (em 586 a.C.) quando Nabucodonosor, rei da
Babilônia, atacou Judá e levou a maioria de seus habitantes cativos.
Jerusalém foi queimada e as grandes pedras que compunham o
muro de cerca de 3 a 4 quilômetros de comprimento foram
deslocadas e caíram por todos os lados pelos vales íngremes que a
cercavam. Nada de valor havia sido deixado. Com o passar das
décadas, a grama e as árvores cresceram nas ruas e caminhos
desertos, e os resíduos cobriram a massa das pedras derrubadas.
Além disso, as únicas pessoas disponíveis para realizar o
desafiador trabalho de reconstrução eram os exilados que
começaram a retornar a Jerusalém quase um século antes. Eles
haviam tentado construir o muro na época e em várias ocasiões
posteriores, mas fracassaram todas as vezes e se sentiram
completamente desencorajados.
Uma tarefa difícil?
Eu diria impossível. Contudo, Neemias planejou a tarefa e
motivou os refugiados frustrados e desanimados de tal forma que a
tarefa foi concluída, apesar da oposição feroz e crescente, em
apenas 52 dias. Neemias começou a reconstruir o muro no dia
primeiro de agosto de 445 a.C. e o terminou no dia 21 de setembro.
Como ele fez isso? O testemunho de Neemias revela que a
tarefa foi realizada por Deus ao agir por meio de Neemias e
daqueles que ajudaram no trabalho. Quando ele pediu permissão ao
rei persa Artaxerxes para ir a Jerusalém reconstruir a cidade e
Artaxerxes concordou — um pequeno milagre — Neemias não se
gabou da habilidade em lidar com o imperador, mas disse: “E o rei
mas deu, porque a boa mão do meu Deus era comigo” (Ne 2.8).
Quando foi criticado por Sambalate e Tobias, dois grandes inimigos
do seu projeto, Neemias declarou: “O Deus dos céus é quem nos
dará bom êxito” (v. 20). Quando o muro estava pronto, menos de
dois meses depois, ele testemunhou com firmeza: “Por intervenção
de nosso Deus é que fizemos esta obra” (Ne 6.16).
Neemias contava com as habilidades de um grande líder.
Podemos aprender continuamente com ele nessa área. Todavia,
ainda mais importante era sua profunda dependência de Deus, e
precisamos aprender com isso também.
Tive o privilégio de apresentar esses estudos de Neemias nas
noites de Domingo na Tenth Presbyterian Church, no outono de
1988, e sou grato a muitas pessoas que estiveram presentes pelos
comentários e sugestões úteis: alguns deles foram incorporados aos
capítulos seguintes. Como sempre, quero agradecer à congregação
e ao conselho da igreja por me permitir dedicar tanto tempo aos
estudos dessa natureza, em especial quando há muitas
necessidades que poderiam me levar a outras direções importantes.
Também sou grato pela excelente equipe da igreja que me ajuda a
desempenhar muitas outras funções.
Que o Deus que levantou Neemias levante muitos como ele
em nossos dias. Raras vezes a igreja teve maior necessidade
desses líderes.
Parte 1: Reconstrução dos muros
1. A primeira dinâmica: o líder e Deus (Neemias
1.1-11)
As palavras de Neemias, filho de Hacalias.
No mês de quisleu, no ano vigésimo, estando eu na cidadela de Susã, veio
Hanani, um de meus irmãos, com alguns de Judá; então, lhes perguntei pelos
judeus que escaparam e que não foram levados para o exílio e acerca de
Jerusalém.
Disseram-me: Os restantes, que não foram levados para o exílio e se acham lá
na província, estão em grande miséria e desprezo; os muros de Jerusalém estão
derribados, e as suas portas, queimadas.
Tendo eu ouvido estas palavras, assentei-me, e chorei, e lamentei por alguns
dias; e estive jejuando e orando perante o Deus dos céus.
Neemias 1.1-4

Não muito longe de onde moro, na Filadélfia, há uma escola


de modelos que usa como bordão publicitário a expressão: “Seja um
modelo (ou pareça um)”. Contrariando o bordão, não estou
interessado na sua aparência de líder, ou na de qualquer outra
pessoa; mas quero que você saiba o que é um verdadeiro líder e se
torne um.
Muitas pessoas gostariam de ser líderes, mas a maioria nunca
se tornará um por causa de um grande mal-entendido: elas pensam
que os líderes nascem prontos. Não sabem que a liderança é algo
que pode e deve ser aprendido.
Vince Lombardi era um líder. Ele foi o treinador do grande time
de futebol americano Green Bay Packers, vencedor de vários
campeonatos nacionais como treinador. Ele sabia que os líderes são
formados e disse o seguinte:
Os líderes são formados, eles não nascem prontos; são formados
exatamente como qualquer outra coisa já foi feita neste país —
mediante grandes esforços. Esse é o preço que todos temos que
pagar para alcançar esse ou qualquer outro objetivo.
Apesar do que dizemos sobre nascermos iguais, nenhum de nós
realmente nasce igual, e sim bastante desigual. No entanto, os
talentosos não são mais responsáveis pelos direitos de nascença
que os desprivilegiados. E a medida de cada um deve ser como
cada pessoa age em uma situação específica.
É cada vez mais difícil tolerar a sociedade que simpatiza apenas
com os diferentes, desajustados, criminosos e perdedores. Tenha
simpatia por eles, ajude-os, mas acho que também é hora de
defendermos e torcermos por quem executa e quem realiza, alguém
que reconhece o problema e faz algo a respeito, alguém que procura
algo extra para fazer pelo país — o vencedor, o líder!
Hoje, as pessoas estão desesperadas para encontrar
verdadeiros líderes — na política (no cenário nacional), nos
negócios e na igreja — já que muitas pessoas que considerávamos
líderes nos decepcionaram. Onde devemos aprender a escolher e
ser o que nós e tantos outros queremos? Existem livros sobre o
assunto. Penso no antigo e muito bem-sucedido clássico de Dale
Carnegie, How to Win Friends and Influence People [Como fazer
amigos e influenciar pessoas]. Existem os estudos úteis de Peter
Drucker: The Practice of Management [A prática do gerenciamento],
Managing for Results [Gerenciar para obter resultados], The
Effective Executive [O gestor eficiente]. Outros livros menos
louváveis são Winning Through Intimidation [Vencer pela
intimidação] e The One Minute Manager [O gerente-minuto].
Quero apontar o primeiro livro sobre liderança já escrito. No
formato de memórias do homem que serviu como governador de
Jerusalém de 445 a 432 a.C., chamado Neemias.

C
Muitas pessoas com a biografia contada na Bíblia eram
líderes. De modo geral, pensamos na Bíblia como um livro sobre
homens comuns, humildes ou desfavorecidos — e ela é assim.
Contudo, essa é apenas parte da história. Um aspecto importante:
várias pessoas “humildes” ou “desfavorecidas” tornaram-se líderes.
Os apóstolos do Novo Testamento (NT) são exemplos disso. Além
deles, gigantes reconhecidos como Abraão, Moisés, Josué e Davi
foram líderes. Grande parte da história bíblica versa sobre essas
pessoas notáveis.
Neemias era uma delas. Judeu, nascido no exílio após
Jerusalém ter sido tomada pelos babilônios em 586 a.C. Quando se
leva em consideração o que ocorria com seu povo, ele viveu em
tempos ruins. No entanto, como outros judeus antes dele — Daniel
e seus três amigos, Sadraque, Mesaque e Abednego, bem como
Mardoqueu e sua jovem protegida, Ester, que se tornou a rainha da
Pérsia — Neemias chegou à posição de influência na corte de um
rei estrangeiro. Neemias era copeiro do rei Artaxerxes, como ele nos
informa em Neemias 1.11 e 2.1.
O cargo de copeiro parece bastante inferior para nós hoje,
mas não era essa a situação. O cargo de copeiro surgiu nas
sociedades antigas por causa do perigo que imperadores ou reis
corriam de ser envenenados pelos rivais. O copeiro era a pessoa de
confiança designada para cuidar e provar o vinho, para ter certeza
de que era seguro, antes de ser servido ao rei. Para começar, essa
pessoa era, por óbvio, muito estimada e confiável. Devido ao acesso
constante e regular ao governante, ele passava a influenciar o
monarca de modo natural, excetuando-se um punhado de líderes
militares e nobres.
Além disso, em alguns períodos da história, o título “copeiro”
era concedido a alguém de posição elevada, como “chefe de
gabinete” ou “ministro” — e designava mais que uma função. O
padeiro-chefe e o copeiro do Faraó ocupavam posições elevadas.
Outro exemplo é Thomas Chaucer, filho do antigo e famoso
poeta inglês Geoffrey Chaucer, autor de The Canterbury Tales [Os
contos da Cantuária]. Ele era membro do Parlamento e por quatro
vezes foi presidente da Câmara dos Comuns. Diz-se que lutou em
Agincourt sob o comando de Henrique V. Esse grande soldado e
parlamentarista se tornou o mordomo-chefe da Inglaterra sob o
comando de Henrique V e Henrique VI — um título honorário para
quem estava próximo do rei.
Em uma posição assim, muitas pessoas poderiam se
contentar em tirar proveito da conquista ou até se aposentar e ter
uma boa vida, mas Neemias mostrou sua grandeza como líder
exatamente nesse ponto. Embora fosse um homem da maior
influência possível na corte persa, deixou a posição invejável para
liderar o esforço de reconstruir os muros da cidade de Jerusalém —
a cidade de seus pais —, agora em ruínas, e restaurar a influência
dela. Ele obteve sucesso mesmo contra grandes probabilidades.
Ainda que outras pessoas tentassem reconstruir os muros de
Jerusalém e, assim, restaurar a influência da cidade por quase cem
anos, Neemias realizou essa tarefa hercúlea em apenas 52 dias.
Em seguida, liderou uma série de reformas religiosas e morais que
deveriam exercer a maior influência sobre a nação judaica até a
época de Jesus Cristo.
O livro de Neemias é o relato dessa conquista.

A
O problema é apresentado a Neemias no início do livro (v. 1-
4). Seu irmão, Hanani (provavelmente seu irmão de sangue, embora
o termo possa significar qualquer judeu) e alguns outros homens
chegaram à capital Susã, onde Neemias estava atendendo ao rei, e
relataram que os muros de Jerusalém haviam sido derrubados e
seus portões queimados.
Isso havia ocorrido mais de 140 anos antes, quando
Nabucodonosor conquistou Jerusalém e deportou a população. Mas
já que esse fato era bem conhecido por Neemias e dificilmente
ocasionaria um novo surto de pesar e jejum da parte dele, é
provável que o relato se referisse à segunda destruição, em escala
menor, que parece ser mencionada em Esdras.
Para entender isso, é necessário conhecer um pouco da
história desse período. Aqui estão alguns dos principais
acontecimentos:
1. A tomada de Jerusalém pelos babilônios em 586 a.C. Este
acontecimento merece menção especial por ser a chave para
entender o que se segue. Pode-se perceber a importância da queda
de Jerusalém. Os livros de Esdras, Neemias e Ester estão
conectados no Antigo Testamento (AT), e são apresentados com
uma citação do final de 2 Crônicas, livro que os precede na Bíblia.
Os versículos dizem respeito ao decreto do rei Ciro, da Pérsia, de
reconstruir o templo em Jerusalém, o que pressupõe a queda da
cidade. É uma maneira de mostrar que a queda de Jerusalém é o
ponto de partida de tudo nesses documentos (v. 2Cr 36.22, 23;
Ed 1.1-3).
2. A ascensão de Belsazar como último governante da
Babilônia, substituto de Nabucodonosor. A mudança é mencionada
em Daniel 5, 7 e 8. Belsazar era o filho de Nabonido, o último rei da
Babilônia. Contudo, Nabonido estava ausente da cidade no
momento da tomada de Ciro; portanto, Belsazar, que estava na
cidade, foi derrubado.
3. A tomada da Babilônia por Ciro, rei da Pérsia, em 539 a.C.
Ciro era um governante incomum. Ele, no primeiro ano do reinado,
emitiu o decreto para permitir aos judeus o retorno à terra natal a fim
de reconstruir o templo. Os primeiros judeus retornaram em
538 a.C., sob Zorobabel e Josué (o relato está em Ed 1-6). As
fundações do templo foram colocadas na época, mas a obra foi
contestada pelos samaritanos, e foram necessários mais 15 anos
para a conclusão do templo.
4. O reinado de Dario, o Medo. Dario assumiu o trono em
522 a.C. Ele foi o primeiro rei persa a tentar conquistar a Grécia,
mas foi derrotado na batalha de Maratona (490 a.C.). O templo foi
concluído de fato no reinado dele (entre 520 e 515 a.C.), como
atestam os profetas Ageu e Zacarias.
Aparentemente, foi também quando os judeus tentaram
reconstruir o muro e, assim, sustentar as defesas da cidade. O início
do relato em Neemias: “Os muros de Jerusalém estão derribados, e
as suas portas, queimadas” (Ne 1.3), provavelmente se refere ao
esforço de Reum e Sinsai para derrotar a primeira tentativa, em vez
da destruição do muro pelos babilônios em 586 a.C. (cf. Ed 4.23).
5. O reinado de Xerxes, também conhecido por Assuero.
Xerxes assumiu o trono em 486 a.C. Ele foi o segundo rei persa a
invadir a Grécia (em 480 a.C.), mas foi derrotado em Salamina e
Plateias. Este é o homem que escolheu Ester como rainha (em
479 a.C.).
6. O reinado de Artaxerxes I, o Longímano, de 465 a 424 a.C.
7. A chegada de Esdras a Jerusalém no “sétimo ano” do
reinado de Artaxerxes (em 458 a.C.).
8. A chegada de Neemias a Jerusalém no “vigésimo ano” de
Artaxerxes (em 445 a.C.). O período em Jerusalém, com a duração
de mais de 12 anos, envolveu pelo menos duas viagens distintas da
Pérsia para a Judeia, Neemias reconstruiu os muros da cidade e
instituiu as reformas religiosas duradouras e morais que mencionei.
A história da construção dos muros é contada nos capítulos 1-7 de
Neemias. A história das reformas religiosas é contada nos capítulos
8-13. Elas dizem respeito à: 1) Instrução do povo (caps. 8-10) e
2) Consolidação do trabalho (caps. 11-13).[1]

P
Este estudo versa principalmente sobre liderança, não história.
Então, deixando para trás os antecedentes históricos, faço a
seguinte pergunta: O que faz um grande líder? E já que queremos
nos tornar líderes: Onde adquirimos as habilidades características
dos verdadeiros líderes?
Em um dos livros de Peter Drucker sobre liderança, há um
capítulo intitulado “Primeiro o mais importante”. Ele trata de
prioridades, como se pode depreender do título, e apresenta o que o
autor designa, com razão, o grande “segredo” da eficácia: “Gestores
eficientes fazem primeiro as coisas mais importantes e fazem uma
coisa por vez”.[2] Sem dúvida, esse é um bom princípio. Na verdade,
são dois princípios: 1) Estabelecer prioridades, e 2) Gerenciar o
tempo de maneira eficiente. Mas as questões seguintes se
levantam: Quais as prioridades do líder? O que realmente é “o mais
importante”?
Alguns gerentes pensam que o relacionamento com as
pessoas vem em primeiro lugar. Outros enfatizam o tempo para a
reflexão pessoal, o tempo para o planejamento. Isso é importante,
mas é significativo que, tão logo o problema dos muros caídos de
Jerusalém foi apresentado a Neemias, a prioridade desse grande e
(mais tarde) muito bem-sucedido líder foi a oração. A primeira coisa
que fez foi derramar o coração diante de Deus, como se lê no final
do primeiro capítulo. Por que você acha que Neemias começou
dessa forma? Podem existir várias razões. Ele era um homem que
orava com frequência por tudo. A oração era um hábito, como
veremos. Mas suspeito também que, pelo menos nesse caso,
Neemias orou pela simples razão de que ninguém, a não ser Deus,
poderia realizar as tarefas necessárias para que os muros da cidade
fossem reerguidos.
A oração fez de Abraham Lincoln o homem que ele era, e pelo
mesmo motivo. Ele disse em certa ocasião: “Fui levado muitas
vezes aos joelhos pela convicção esmagadora de que não havia
mais aonde ir. Meu conhecimento e a sabedoria das pessoas à
minha volta pareciam insuficientes para o dia”.[3] É isso que forma
um líder? O mundo pode pensar que não, mas a Bíblia ensina ser
essa a dinâmica número um e a maior: o líder e Deus.

A
Veremos a mestria de Neemias na oração mais de uma vez
neste livro, mas não há melhor maneira de sermos apresentados a
isso que por um estudo da oração com a qual o livro começa. Aqui
estão três aspectos importantes:
1. A atitude com a qual se deve orar (v. 4). Neemias era um
homem importante mesmo antes do sucesso na reconstrução dos
muros de Jerusalém. Várias pessoas importantes são bastante
arrogantes — arrogantes com os outros e, suponho, arrogantes
diante de Deus. Mas Neemias não demonstrou esse espírito. Ele
era um homem de coragem e ação ousada, como veremos mais
adiante na história. Aqui, todavia, ele se humilha diante de Deus até
o ponto de chorar e jejuar. Neemias não é presunçoso, sabe que
Deus pode fazer o que ele pede. Portanto, ele vem em submissão e
com seriedade.
Precisamos de pessoas que orem assim nos dias de hoje.
Cyril J. Barber, autor de um estudo muito valioso sobre Neemias,
escreveu com sabedoria: “Os autossuficientes não oram, apenas
falam sozinhos. Quem está satisfeito consigo mesmo não ora; ele
não reconhece suas necessidades. Os fariseus não podem orar;
eles não contam com nenhum fundamento para se aproximar de
Deus”.[4] O líder de verdade não é autossuficiente, não se satisfaz
consigo mesmo, nem fica cheio de justiça própria. Ao contrário,
reconhece suas necessidades e está pronto a se humilhar diante do
único ser suficiente.
Os grandes líderes são guerreiros na oração
2. A própria oração (v. 5-11). Há um acróstico para a oração
que você provavelmente já deve ter ouvido: ACAS. A — adoração,
C — confissão, A — ação de graças, e S — súplica. Todos esses
elementos estão presentes no oração modelo de Neemias.
O primeiro é adoração. Vemos isso expresso na frase: “Ah!
S , Deus dos céus, Deus grande e temível, que guardas a
aliança e a misericórdia para com aqueles que te amam e guardam
os teus mandamentos! Estejam, pois, atentos os teus ouvidos, e os
teus olhos, abertos, para acudires à oração do teu servo, que hoje
faço à tua presença, dia e noite, pelos filhos de Israel” (v. 5, 6). Eis o
resumo da adoração regular na oração de Neemias, evidente ao ele
dizer que orava assim “dia e noite”. É uma declaração curta, mas
reconhece vários grandes atributos de Deus: sua soberania, amor,
fidelidade e sua capacidade de ver e ouvir tudo que acontece,
incluindo a oração de Neemias.
Neemias não segue para os outros elementos da oração até
se lembrar do que faz e da grandeza e do caráter do Deus a quem
dirige a oração.
O segundo elemento na oração de Neemias é a confissão de
pecados: “Faço confissão pelos pecados dos filhos de Israel, os
quais temos cometido contra ti; pois eu e a casa de meu pai temos
pecado. Temos procedido de todo corruptamente contra ti, não
temos guardado os mandamentos, nem os estatutos, nem os juízos
que ordenaste a Moisés, teu servo” (v. 6, 7).
Neemias sabia que o pecado dos israelitas causara o juízo
divino que resultou na destruição de Jerusalém. Se Jerusalém fosse
restaurada, ela precisaria ser reerguida com base na confissão dos
pecados. Portanto, Neemias é específico quanto a eles: “Não temos
guardado os mandamentos, nem os estatutos, nem os juízos que
ordenaste a Moisés, teu servo”. O mais impressionante na confissão
é a própria inclusão no reconhecimento desses pecados: “Pecados
dos filhos de Israel, os quais temos cometido contra ti; pois eu e a
casa de meu pai temos pecado”. Existem dois princípios importantes
aqui. Primeiro, Neemias reconhece o princípio da solidariedade —
ele é um com o povo; assim, os pecados dele são também do povo
e vice-versa. Ele não tenta se distanciar deles. Segundo, Neemias
se reconhece pecador. Não há pecado do povo que tenha levado à
queda de Jerusalém do qual ele não seja culpado ou não seja capaz
de cometer nas mesmas circunstâncias.
Eis um segredo da verdadeira liderança. O verdadeiro líder
não está mais ciente dos talentos ou dons recebidos — e dos quais
outras pessoas não foram dotadas — que do fato de ser fraco e
capaz de pecar como qualquer outra pessoa. Quando os líderes se
esquecem da própria pecaminosidade caem no pecado e perdem a
habilidade para liderar.
O terceiro elemento nessa e em todas as boas orações é a
ação de graças. No caso, ela está registrada em como Neemias
volta às promessas de Deus: “Se transgredirdes, eu vos espalharei
por entre os povos; mas, se vos converterdes a mim, e guardardes
os meus mandamentos, e os cumprirdes, então, ainda que os
vossos rejeitados estejam pelas extremidades do céu, de lá os
ajuntarei e os trarei para o lugar que tenho escolhido para ali fazer
habitar o meu nome. Estes ainda são teus servos e o teu povo que
resgataste com teu grande poder e com tua mão poderosa” (v. 8-
10).
As palavras não consistem na citação exata de nenhuma
passagem do AT, mas expressam de forma adequada o grande
princípio da aliança de Deuteronômio, expresso com mais clareza
nos capítulos 28 e 30. Esse pacto tinha dois lados: 1) Bênção e
2) Juízo. Era um pacto condicional. Se o povo obedecesse a Deus,
ele o abençoaria e estabeleceria com segurança na terra. Mas se
lhe desobedecesse, ele dispersaria o povo, como fizera com a
derrubada do Reino do Norte em 721 a.C. e do Reino do Sul em
586 a.C. Neemias volta à promessa: mesmo contendo o aviso de
julgamento após a desobediência (que o povo havia
experimentado), também sugere um tempo de bênção caso o povo
se arrependa.
Mediante seu arrependimento, Neemias deseja representar o
povo de tal forma que fará Deus ser misericordioso para com ele
mais uma vez.
O quarto e último elemento do acróstico ACAS é a súplica,
que Neemias emprega como conclusão da oração (v. 11). Tendo
reconhecido a grandeza divina, confessa o próprio pecado e volta às
promessas de Deus. Agora ele faz suas petições diante dele: “Ah!
S , estejam, pois, atentos os teus ouvidos à oração do teu
servo e à dos teus servos que se agradam de temer o teu nome;
concede que seja bem-sucedido hoje o teu servo e dá-lhe mercê
perante este homem” (v. 11).
“Este homem” era o rei Artaxerxes, a quem Neemias
apresenta no versículo seguinte, o primeiro do capítulo 2. Ele
reconhece que o rei é a chave do plano em desenvolvimento e que
Deus é a chave para mudar o coração do rei.
Harry S. Truman, o trigésimo segundo presidente dos Estados
Unidos, se referia aos líderes como “pessoas que podem convencer
outras a fazer o que não querem — e fazer com que façam e
gostem de fazê-lo”. Mas se você já tentou conseguir que alguém
faça o que não quer fazer e gostar de fazê-lo, sabe quão difícil é.
Acho que até Dale Carnegie achou difícil. Ele sabia da importância
disso. Ele tomou um sexto do livro How to Win Friends and Influence
People [Como fazer amigos e influenciar pessoas] para discutir
“Nove maneiras de mudar as pessoas sem ofender ou causar
ressentimento”. Contudo, das muitas seções do livro, essa é, em
minha opinião, a menos satisfatória — obviamente, pois o assunto é
muito difícil.
Como você leva as pessoas a mudarem de ideia? Geralmente
você não pode, mas Deus pode, mesmo no caso dos reis.
Provérbios 21.1 coloca em linguagem memorável:
Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do
S ;
este, segundo o seu querer, o inclina.
Hudson Taylor, fundador da Missão no Interior da China (agora
Overseas Missionary Fellowship [Irmandade Missionária
Internacional]), conhecia esse segredo. Ele afirmou: “É possível
mudar os homens apenas pela oração”.
3. Persistência na oração (2.1). A última coisa que precisamos
ver sobre a vida de oração de Neemias, a primeira de suas grandes
realizações como líder, é sua persistência. Sabemos que ele foi
persistente nas orações por causa de um detalhe que liga o primeiro
versículo do capítulo 1 ao primeiro versículo do capítulo 2. No
capítulo 1, Neemias afirma que a delegação de Jerusalém veio a ele
no mês de quisleu, correspondente a parte dos meses de
novembro/dezembro. No capítulo 2, quando o rei ouve o pedido de
Neemias e concede permissão para retornar a Jerusalém e
reconstruir seus muros, é o mês de nisã, que corresponde a
março/abril. Em outras palavras, quatro ou cinco meses se
passaram entre o momento em que Neemias começou a pedir a
Deus a respeito de Jerusalém e quando seus pedidos foram
respondidos.
Isso é perseverança — característica de todos os grandes
líderes. Alguns líderes são ótimos em perseverar com os homens.
Neemias era excelente nessa área, mas antes de perseverar com
os homens, perseverou com Deus e prevaleceu.

“U ”
Encerro o capítulo com a lembrança de uma história do NT
contada por Jesus Cristo. Certa noite um homem estava em casa,
quando um amigo veio vê-lo. Ele não tinha nada para oferecer ao
amigo depois de sua jornada, então foi a um vizinho e apresentou o
seguinte pedido: “Amigo, empresta-me três pães, pois um meu
amigo, chegando de viagem, procurou-me, e eu nada tenho que lhe
oferecer”. O vizinho já estava na cama e não queria ser
incomodado. “Não me importunes [...] Não posso levantar-me para
tos dar”, ele disse. Mas o amigo persistiu e, finalmente, o vizinho
deu o que precisava.
Jesus conclui: “Por isso, vos digo: Pedi, e dar-se-vos-á;
buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Pois todo o que pede
recebe; o que busca encontra; e a quem bate, abrir-se-lhe-á”
(Lc 11.9, 10; a parábola está nos v. 5-10).
A parte dessa história que mais me interessa é a saudação do
amigo ao próximo: “Amigo [...] um meu amigo, chegou”. Essa é uma
amizade de duas vias. Ele era amigo do homem que o procurara, o
necessitado. Mas também era amigo do homem que dispunha do
necessário. Como esse é um relato sobre oração, ela mostra que
devemos ter amizade não apenas com outras pessoas, mas
também com Deus.
O líder é uma pessoa dentre o povo. Ele enxerga as
necessidades dos outros e sofre com isso. Neemias percebeu a
necessidade e chorou. Contudo, ainda mais importante que suas
lágrimas foi o fato de Neemias ter orado. Mais importante que a
amizade com as pessoas era a amizade com Deus, uma vez que só
Deus é capaz de mudar o coração, mover reinos e suprir nossas
muitas necessidades.
2. A segunda dinâmica: o líder e seus superiores
(Neemias 2.1-8)
No mês de nisã, no ano vigésimo do rei Artaxerxes, uma vez posto o vinho
diante dele, eu o tomei para oferecer e lho dei; ora, eu nunca antes estivera
triste diante dele. O rei me disse: Por que está triste o teu rosto, se não estás
doente? Tem de ser tristeza do coração.
Então, temi sobremaneira e lhe respondi: viva o rei para sempre! Como não me
estaria triste o rosto se a cidade, onde estão os sepulcros de meus pais, está
assolada e tem as portas consumidas pelo fogo?
Disse-me o rei: Que me pedes agora?
Então, orei ao Deus dos céus e disse ao rei: se é do agrado do rei, e se o teu
servo acha mercê em tua presença, peço-te que me envies a Judá, à cidade dos
sepulcros de meus pais, para que eu a reedifique.
Então, o rei, estando a rainha assentada junto dele, me disse: Quanto durará a
tua ausência? Quando voltarás? Aprouve ao rei enviar-me, e marquei certo
prazo.
E ainda disse ao rei: Se ao rei parece bem, deem-se-me cartas para os
governadores dalém do Eufrates, para que me permitam passar e entrar em
Judá, como também carta para Asafe, guarda das matas do rei, para que me dê
madeira para as vigas das portas da cidadela do templo, para os muros da
cidade e para a casa em que deverei alojar-me. E o rei mas deu, porque a boa
mão do meu Deus era comigo.
Neemias 2.1-8

Vimos no capítulo anterior que a primeira dinâmica da


liderança efetiva ilustrada nas memórias de Neemias, governador de
Jerusalém de 445 a 432 a.C., é o relacionamento entre o líder e
Deus, o superior absoluto líder. A menos que esteja reconciliado
com Deus, o líder nunca será a escolha divina para qualquer
situação; nem na análise final o líder será eficiente. Ainda assim,
não é apenas com o superior celestial que os líderes devem se
relacionar, também com os superiores terrenos e, por esse motivo, a
segunda dinâmica de todo líder verdadeiro envolve o que se
costuma designar papel de gerência intermediária.
No início da história, Neemias se encontrava na posição de
gerência intermediária, e o superior a quem se reportava era
Artaxerxes.

P
A gerência intermediária é um assunto muito importante por
dois motivos: 1) A maioria dos líderes ocupa posições de gerência
intermediária, e 2) Essa posição é difícil.
Nos últimos tempos, tenho conversado com outras pessoas
sobre o cargo de gerência intermediária nas igrejas, em particular
sobre o papel dos pastores titulares. O pastor titular deve
administrar uma igreja grande para deixar o pastor sênior mais livre.
Mas ele não é o pastor sênior. Ele deve se reportar àquele. A
posição na qual se encontra pode se tornar bastante difícil. Um
pastor titular muito capaz, que desde então deixou essa posição
para administrar um seminário no centro da cidade, me disse que,
em sua opinião, com base em sua experiência, é quase impossível
realizar o trabalho do pastor titular. Ele deve iniciar e implementar
programas, mas ninguém o considera com autoridade verdadeira
para fazê-lo. Em vez de responder a ele, em geral, os oficiais da
igreja se voltam para o pastor sênior afim de obter a resposta do
superior.
Problemas semelhantes ocorrem no mundo dos negócios. Se
um gerente intermediário for atento, visionário e inovador, muitas
vezes se torna uma ameaça para o chefe — ou seu chefe pensa
assim. Se for apenas o eco do chefe, demonstra pouco valor para o
líder ou para a organização.
Como os gerentes de nível intermediário devem agir? Como
alguém nessa posição pode ser solidário e eficiente ao mesmo
tempo?
Para qualquer um nessa posição, o segundo capítulo de
Neemias deveria ser um grande incentivo. Neemias ocupava a
posição de gerência intermediária, pelo menos no início da história.
Mais tarde, quando foi nomeado governador de Jerusalém,
tecnicamente ainda estava na gerência intermediária, já que seu
superior era o rei Artaxerxes. Judá ainda integrava o grande Império
Persa. Mas, no momento, Neemias estava longe do palácio —
Jerusalém ficava a uns de 2.400 quilômetros de Susã — e na
maioria das áreas ele podia exercer sua função com base na própria
autoridade. Já no capítulo 2, Neemias estava à espera do rei. Não
havia nada que pudesse fazer — ele nem poderia deixar a cidade —
sem a permissão do monarca.
Além disso, Neemias não estava apenas na posição de
gerência intermediária, mas também em uma posição difícil ao
extremo. Ele não tinha direitos. Os reis da Pérsia eram governantes
absolutos. A palavra deles era a lei.
E eles eram difíceis.
Difícil? Isso é um eufemismo. Os reis persas eram impossíveis
— na melhor das hipóteses — e, com frequência, cruéis. Como os
governados ficavam profundamente ressentidos de suas políticas
opressivas, os reis quase sempre corriam o risco de assassinato ou
revolta; portanto, era comum suspeitarem de quaisquer movimentos
estranhos ou aparente falta de lealdade dos subordinados. Vemos
um traço disso em Neemias 2.2, quando o rei percebe que Neemias
está triste e pergunta sobre isso. (“Por que está triste o teu rosto, se
não estás doente? Tem de ser tristeza do coração.”) Neemias não
ficou cheio de gratidão com o fato de uma pessoa tão importante e
ocupada quanto Artaxerxes prestar atenção e se preocupar com ele.
Ao contrário, como o texto nos diz, ele “temeu sobremaneira”. Ele
tinha o direito de estar temeroso. Os governantes persas não
gostavam que os subordinados fossem sombrios em sua presença.
As dificuldades de Neemias não pararam aí. Ficar triste na
presença do rei Artaxerxes já era perigoso o bastante. Além disso,
Neemias queria ir a Jerusalém e reconstruir seus muros, e esse rei
havia sido consultado antes e decidido parar o trabalho na
reconstrução dos muros — como resultado da consulta. O plano de
Neemias significava pedir-lhe para reverter a própria política.
No capítulo anterior, mencionei a oposição à primeira tentativa
de reconstruir os muros, ocorrida sob Esdras e registrada por ele. A
Jerusalém forte representava uma ameaça à supremacia das
cidades-estados vizinhas; portanto, quando o segundo grupo de
exilados retornou com Esdras e começou a reconstruir os muros —
após o início da reconstrução do templo —, os governantes da
região além do Eufrates solicitaram o seguinte à Artaxerxes:
Ao Rei Artaxerxes,
Teus servos, os homens dalém do Eufrates e em tal tempo:
Seja do conhecimento do rei que os judeus que subiram de ti vieram
a nós a Jerusalém. Eles estão reedificando aquela rebelde e
malvada cidade e vão restaurando os seus muros e reparando os
seus fundamentos. Saiba ainda o rei que, se aquela cidade se
reedificar, e os muros se restaurarem, eles não pagarão os direitos,
os impostos e os pedágios e assim causarão prejuízos ao rei. Agora,
pois, como somos assalariados do rei e não nos convém ver a
desonra dele, por isso, mandamos dar-lhe aviso, a fim de que se
busque no Livro das Crônicas de seus pais, e nele achará o rei e
saberá que aquela cidade foi rebelde e danosa aos reis e às
províncias e que nela tem havido rebeliões, desde tempos antigos;
pelo que foi a cidade destruída. Nós, pois, fazemos notório ao rei
que, se aquela cidade se reedificar, e os seus muros se restaurarem,
sucederá que não terá a posse das terras deste lado do Eufrates.
(Ed 4.11-16)
Depois de receber uma carta como essa, não é de admirar
que Artaxerxes tenha parado o trabalho. “Por que há de crescer o
dano em prejuízo dos reis?”, ele perguntou (v. 22). Para Neemias
não foi fácil convencer o rei a reverter a própria política “sábia”.

S
Neemias foi bem-sucedido, e seu sucesso nos mostra como
também podemos nos sair bem na gerência intermediária. O
capítulo 2 traz seis segredos a respeito do triunfo de Neemias.
1. Lealdade. A história não enfatiza a lealdade de Neemias ao
rei Artaxerxes, mas todo o comportamento de Neemias, bem como
seu sucesso, pressupõem isso. Quando o rei perguntou por que o
rosto de Neemias parecia triste e ele respondeu com a esperada
saudação da corte: “Viva o rei para sempre!”, não era hipocrisia nem
mera formalidade. Neemias parece ter em mente os interesses do
rei de forma genuína.
Muitos na gerência intermediária erram exatamente nesse
ponto. Às vezes erram de forma óbvia e aberta ao tentar ofuscar o
chefe ou fazê-lo parecer mau. Ao agir assim, esperam avançar
sobre o fracasso alheio. Outras vezes, nem sabem o que fazem, ou
tentam mudar de chefe, na esperança de corrigir suas fraquezas,
em vez de desenvolver seus pontos fortes.
Peter F. Drucker afirma que o tipo certo de lealdade é
vantajosa para o gerente intermediário e para o chefe: “Ao contrário
da lenda popular, os subordinados, via de regra, não alcançam
posição e destaque ao passar por cima de chefes incompetentes.
Se o chefe não for promovido, eles tenderão a ficar presos atrás
dele. E se o chefe for demitido por incompetência ou fracasso, é
raro o sucessor ser o jovem brilhante que ocupa o lugar seguinte na
fila. Em geral, o sucessor vem de fora e traz consigo a própria
equipe de jovens brilhantes. Poucas coisas conduzem tanto ao
sucesso quanto um superior bem-sucedido e promovido
rapidamente”.[5]
Claro, isso não significa incentivar a lealdade falsa ou
pecaminosa. Ser leal não significa parecer leal quando, na verdade,
nós nos opomos ao que ocorre, ou permanecemos firmes no apoio
a ações erradas. Significa apenas que, enquanto trabalhamos para
alguém, devemos ser leais a essa pessoa. Se não conseguimos ser
leais, devemos procurar emprego em outro lugar.
2. Tato. Falamos muitas vezes sobre tato, mas com mais
frequência deixamos de exercitá-lo. Achamos mais necessário “falar
o que pensamos”, “expressar nossas frustrações” ou “colocar tudo
para fora”. Observe como Neemias foi diplomático com Artaxerxes.
Primeiro, quando o rei perguntou por que estava triste, Neemias
respondeu com uma pergunta que o desarmou. Muitos diriam: “Por
que estou triste? Direi o motivo: Treze anos atrás, no sétimo ano do
seu reinado, uma delegação de judeus foi a Jerusalém com Esdras,
o escriba. Eles tentaram cumprir o decreto de seu antecessor, Ciro,
para reconstruir o templo e os muros. No entanto, assim que os
governadores dalém do Eufrates ouviram sobre o assunto e lhe
pediram a interrupção do trabalho, você o interrompeu e nem
esperou para ouvir o outro lado da história. Você não conseguiu
perceber que esses governadores estavam apenas com ciúmes de
nós e temiam que a Jerusalém revitalizada seria prejudicial aos
interesses deles”.
Muitos de nós teriam respondido dessa forma. Embora a
resposta possa nos fazer sentir melhor, teríamos experimentado o
fracasso merecido pela atitude tão arrogante. O rei ficaria na
defensiva e a causa estaria perdida.
Em vez disso, Neemias perguntou: “Como não me estaria
triste o rosto se a cidade, onde estão os sepulcros de meus pais,
está assolada e tem as portas consumidas pelo fogo?” (v. 3). Essa
pergunta, em vez de deixar Artaxerxes na defensiva, na verdade o
trouxe para o lado de Neemias. O rei entendeu que ele tinha
motivos para ficar triste e queria ajudá-lo.
Segundo, Neemias apresentou seu desejo como uma questão
pessoal, não política. Ele sabia que aquilo exigiria a reversão da
antiga política pública de Artaxerxes (Ed 4.7-23) e entendeu que
qualquer pedido de fortificação de uma cidade era suspeito.
Portanto, não tratou o tema como uma questão política. Ele a tratou
como uma questão de luto pessoal, pois o rei, que se orgulhava da
própria cidade e também tinha seus próprios ancestrais, entenderia.
Essa também foi a táctica adotada por Ester quando foi
convidada a interceder junto ao antecessor de Artaxerxes, o rei
Xerxes. Um oficial do palácio chamado Hamã formou uma
conspiração antissemita: em um dia determinado, todos os judeus
do Império Persa seriam mortos e seus bens saqueados. Mordecai,
tio e guardião de Ester, antes do seu casamento com o rei, ouviu
falar disso e instruiu Ester a interceder pelos judeus, mesmo
correndo risco de vida. O aspecto significativo aqui é que, ao surgir
a chance de implorar a Xerxes, ela não apresentou o problema
como uma questão de erro civil ou injustiça — o que teria tornado o
rei defensivo, pois ele a sancionara (sem saber a extensão ou o
motivo completo do enredo). Em vez disso, apresentou sua causa
pessoalmente.
Ester disse: “Se perante ti, ó rei, achei favor, e se bem parecer
ao rei, dê-se-me por minha petição a minha vida, e, pelo meu desejo
a vida do meu povo. Porque fomos vendidos, eu e o meu povo, para
nos destruírem, matarem e aniquilarem de vez” (Et 7.3, 4). O rei
ficou surpreso que alguém tivesse planejado aniquilar sua esposa.
Assim, desconsiderando seu próprio papel na política, reverteu o
decreto, poupou os judeus e enforcou Hamã.
Terceiro, vale a pena notar — como o fazem vários
comentaristas — que, embora Neemias tenha pedido permissão
para reconstruir os muros de Jerusalém, em nenhum lugar ele
menciona a cidade pelo nome. Ele se referiu a ela como “onde estão
os sepulcros de meus pais” (v. 3) e “me envies a Judá” (v. 5).
É um ponto simples e acertado. Como Dale Carnegie afirmou:
“Se você quer colher mel, não chute a colmeia”.[6]
3. Honestidade. Agir com tato não significa ser insincero.
Neemias demonstrou honestidade no encontro com o rei de duas
maneiras:
Primeira, quando o rei pergunta por que Neemias está triste,
ele responde com duas declarações absolutamente precisas, uma
dirigida ao leitor (na narrativa) e a outra ao rei. Para o leitor, ele
admite: “temi sobremaneira” (v. 2). Não há falsa coragem aqui. Ao
rei, ele responde que está triste porque a cidade de seus pais está
em ruínas (v. 3).
Sabemos que isso realmente incomodava Neemias, pois no
capítulo anterior, ao ser informado pela primeira vez da condição da
cidade, Neemias disse: “Assentei-me, e chorei, e lamentei por
alguns dias; e estive jejuando e orando perante o Deus dos céus”
(Ne 1. 4). Causa admiração que ele tenha conseguido manter a
tristeza velada por tanto tempo. (Houve um intervalo de quatro ou
cinco meses entre o momento em que ouviu as notícias e o
momento em que o rei se dirigiu a ele.) No entanto, quando lhe
perguntaram o motivo da tristeza, ele foi honesto. Não tentou
inventar uma razão mais aceitável para isso.
Segunda, quando o rei perguntou o que Neemias queria, ele
contou. Não fingiu que queria tirar férias em Jerusalém ou apenas
ver a cidade. Desde o início, ele disse ao rei que desejava
reconstruí-la.
Isto é muito importante. O bom líder está disposto a fazer que
quem trabalha consigo desenvolva planos próprios, mas não quer
ser surpreendido pelos planos dos subordinados, e isso é
compreensível. Os subordinados desejam que seus planos sejam
bem-sucedidos, mas o chefe é responsável não só pelo plano do
subordinado, mas também pelo sucesso de toda a operação. Ele
precisa saber o que acontece e ser capaz de aprovar, desaprovar ou
redirecionar esses planos de acordo com o quadro geral.
Aqui está um segredo: se você quiser ter sucesso com seu
chefe, não o surpreenda. Seja criativo, mas tenha certeza de que
ele está com você enquanto trabalha.
4. Oração. Já vimos o grande modelo da oração de Neemias
no capítulo 1, observando que ela continha os elementos de uma
petição formal: adoração, confissão, ação de graças e súplica. Isso
permite observar os hábitos da devoção pessoal de Neemias. Aqui
se vê outo detalhe. Ele fala com o rei. O rei pergunta o que Neemias
quer. Ele percebe que após meses de oração chegou o momento
decisivo, pois está pronto para falar. Porém, antes de falar, faz uma
rápida oração adicional ao “Deus do céu” (v. 4).
Um comentarista chama isso de “rápido apelo aos céus”.[7]
Cyril J. Barber o designa “precegrama”.[8]
5. Planejamento. O segredo mais marcante do sucesso da
gerência intermediária revelado no encontro de Neemias com o rei
Artaxerxes é o planejamento cuidadoso. Em linguagem simples:
1) Neemias tinha um único objetivo fixo (queria reconstruir
Jerusalém); e 2) Ele descobriu como alcançá-lo.
Deixe-me explicar um item por vez. Primeiro, Neemias tinha
um objetivo. No último estudo, quando lidava com prioridades, citei a
declaração de Peter Drucker: “Gestores eficientes fazem as coisas
mais importantes primeiro e fazem uma coisa de cada vez”.[9] Eu
estava falando sobre oração no capítulo, mas o mesmo princípio de
colocar o mais importante em primeiro lugar se aplica no
estabelecimento de metas. Precisamos colocar as coisas mais
importantes em primeiro lugar aqui também. Mas como podemos
fazer isso, a menos que definamos os objetivos com cuidado? Isso
não pode ser feito, pois, a menos que um líder tenha a
compreensão clara do que tenta fazer e por que isso é importante,
outros assuntos importantes, porém menores, se agruparão para
desviar os objetivos adequados.
O planejamento cuidadoso começa pelo estabelecimento de
metas. Como disse um humorista: “Quando não se mira em nada
sem dúvida acerta-se o alvo”.
Conta-se uma estória envolvendo Yogi Berra, o conhecido
receptor do New York Yankees, e Hank Aaron, que na época era o
melhor rebatedor do Milwaukee Braves. As equipes jogavam na
World Series e, como sempre, Yogi mantinha a conversa incessante,
com a intenção de estimular os companheiros de equipe e distrair os
rebatedores do Milwaukee. Quando chegou a vez de Aaron, Yogi
tentou distraí-lo dizendo: “Henry, você está segurando o bastão
errado. Você tem de segurá-lo de forma a poder ler a marca de
registro”. Aaron não disse nada, mas quando chegou o novo
arremesso ele a rebateu entre a arquibancada à esquerda.
Depois de correr as bases e alcançar e tocar a base final,
Aaron olhou para Yogi Berra e disse: “Não vim até aqui para ler”. Ele
conhecia suas metas, e não deixou que Berra o distraísse.
A segunda parte do planejamento envolve formas de atingir a
meta fixada. Fazia quatro ou cinco meses desde que Neemias
começara a orar sobre como poderia reconstruir Jerusalém, mas ele
não ficou inativo nesse tempo. Primeiro, reuniu as informações. À
medida que seus pedidos a Artaxerxes se desenrolam, ficamos
impressionados com seu conhecimento da área à qual se dirigiria,
mesmo o fato de saber o nome de Asafe, o guarda das matas do rei.
Segundo, ele havia descoberto o que precisaria para construir os
muros. Ele era específico: 1) Sabia quanto tempo levaria (12 anos,
v. Ne 5.14; 13.6);[10] 2) Precisava de cartas de salvo-conduto para
os governadores da região dalém do Eufrates; e 3) Solicitou os
suprimentos necessários.
Quando a oportunidade chegou, Neemias estava pronto. Ele
disse: “Se ao rei parece bem, deem-se-me cartas para os
governadores dalém do Eufrates, para que me permitam passar e
entrar em Judá, como também carta para Asafe, guarda das matas
do rei, para que me dê madeira para as vigas das portas da cidadela
do templo, para os muros da cidade e para a casa em que deverei
alojar-me” (Ne 2.7, 8).
Planejamento cuidadoso! Se não tivesse pensado no assunto
com cuidado, a conversa com o rei poderia ter terminado com a
permissão para ir a Jerusalém, mas ele teria sido parado pelos
governadores dalém do Eufrates. Se tivesse pedido cartas de
passagem e, portanto, tivesse conseguido chegar ao destino, mas
tivesse esquecido de garantir as requisições, ele teria chegado sem
poder obter os suprimentos necessários.
É surpreendente quantas vezes o planejamento cuidadoso é
negligenciado pelos líderes eclesiásticos, comerciais ou
governamentais. Nos círculos cristãos, o problema pode ser
atribuído à falsa espiritualidade que funciona assim:
— Deus me disse para fazer isso e aquilo — diz o sonhador.
— Sério? E como você fará isso?
— Não sei. Acho que vou começar fazendo algo e a gente vê
o que Deus fará por mim. — Pessoas que começam desse modo
geralmente voltam com o trabalho inacabado.
Contabilizar o custo é crucial antes do comprometimento com
qualquer tarefa. Jesus disse:
Pois qual de vós, pretendendo construir uma torre, não se assenta
primeiro para calcular a despesa e verificar se tem os meios para a
concluir? Para não suceder que, tendo lançado os alicerces e não a
podendo acabar, todos os que a virem zombem dele, dizendo: Este
homem começou a construir e não pôde acabar.
Ou qual é o rei que, indo para combater outro rei, não se assenta
primeiro para calcular se com dez mil homens poderá enfrentar o
que vem contra ele com vinte mil? Caso contrário, estando o outro
ainda longe, envia-lhe uma embaixada, pedindo condições de paz.
Assim, pois, todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto
tem não pode ser meu discípulo. (Lc 14.28-33)
6. Dependência de Deus. A dependência divina não elimina o
planejamento, como não elimina o trabalho árduo. Enquanto
Neemias planejava, ele também orava. Depois de o rei conceder
seu pedido de ir a Jerusalém para reconstruir os muros e concordar
em lhe fornecer as cartas de requisição necessárias, Neemias
reconheceu que, no final, seu sucesso não se devia ao próprio
planejamento cuidadoso, mas a Deus: “E o rei mas deu, porque a
boa mão do meu Deus era comigo” (v. 8).
Isso não é maravilhoso? Neemias havia feito todo o possível,
mas quando alcançou o sucesso, reconheceu que isso não
acontecera por sua sabedoria, e sim porque Deus estivera consigo.
Eis a diferença entre a visão cristã e a secular da história. O
secularista diz: “Certamente ocorreram outros fatores que colocaram
o poderoso monarca persa em seu favor”. Sem dúvida, eles
aconteceram. Houve uma revolta na região mais baixa do Egito no
final da década de 460 a.C., incentivada pelos gregos de Atenas.
Então, por volta de 440 a.C., houve uma rebelião na Síria. As forças
persas haviam esmagado as duas rebeliões, mas ainda restavam
bolsões de resistência e a região permanecia instável. Nesse ponto
da história, Artaxerxes pode ter raciocinado que o Reino de Judá
mais forte, povoado por judeus leais, consolidaria sua posição no
oeste e seria um amortecedor contra o Egito.[11] Por causa da sua
posição, Neemias poderia até conhecer esse plano e agir de acordo
com ele.
Mas Neemias não agradeceu aos homens pelo resultado
favorável a seu pedido. O homem agiu, mas Deus dirigiu os
acontecimentos e o coração de Artaxerxes.

A A
O ponto culminante do encontro ocorreu quando Artaxerxes
concedeu os pedidos do copeiro. Ele não apenas os concedeu, mas
também parece ter excedido o pedido de Neemias, pois também
enviou oficiais do exército e a cavalaria com ele. Isso deve ter
impressionado muito os governadores dalém do Eufrates, sem
mencionar os judeus de Jerusalém.
Deus também proverá além do que lhe pedimos. Você não
acha que é assim? É verdade que Deus nem sempre responde
nossas orações quando ou como esperamos que o faça. Existem
orações caprichosas e obstinadas que nem deveríamos proferir. Ele
não as responderá, exceto para dizer não. Todavia, quando oramos
de acordo com a vontade de Deus e esperamos que ele responda
em seu próprio tempo, descobrimos que suas realizações são
perfeitas — é essa “boa, agradável e perfeita vontade” como Paulo
escreve em Romanos 12.2 — e que está além de nossas
expectativas. Como Paulo também diz, Deus “é poderoso para fazer
infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos,
conforme o seu poder que opera em nós” (Ef 3.20).
3. A terceira dinâmica: assumir o comando
(Neemias 2.9-20)
Cheguei a Jerusalém, onde estive três dias. Então, à noite me levantei, e uns
poucos homens, comigo; não declarei a ninguém o que o meu Deus me pusera
no coração para eu fazer em Jerusalém. Não havia comigo animal algum, senão
o que eu montava.
De noite, saí pela Porta do Vale, para o lado da Fonte do Dragão e para a Porta
do Monturo e contemplei os muros de Jerusalém, que estavam assolados, cujas
portas tinham sido consumidas pelo fogo. Passei à Porta da Fonte e ao açude
do rei; mas não havia lugar por onde passasse o animal que eu montava. Subi à
noite pelo ribeiro e contemplei ainda os muros; voltei, entrei pela Porta do Vale e
tornei para casa. Não sabiam os magistrados aonde eu fora nem o que fazia,
pois até aqui não havia eu declarado coisa alguma, nem aos judeus, nem aos
sacerdotes, nem aos nobres, nem aos magistrados, nem aos mais que faziam a
obra.
Então, lhes disse: Estais vendo a miséria em que estamos, Jerusalém assolada,
e as suas portas, queimadas; vinde, pois, reedifiquemos os muros de Jerusalém
e deixemos de ser opróbrio. E lhes declarei como a boa mão do meu Deus
estivera comigo e também as palavras que o rei me falara.
Então, disseram: Disponhamo-nos e edifiquemos. E fortaleceram as mãos para
a boa obra.
Neemias 2.11-18

Uma das queixas feitas contra a Bíblia é seu caráter


impraticável e “espiritual” demais para ser útil de fato. Essa opinião,
de modo geral, é expressa por quem não conhece bem a Escritura,
embora, sendo honesto com essa opinião, é correto reconhecer os
objetivos espirituais da Bíblia. Mesmo em Neemias, um livro prático
ao extremo, vemos temas doutrinários. Howard F. Vos encontra sete
grandes ensinamentos no texto: 1) Cuidado providencial de Deus
para com o povo despojado, 2) Cumprimento da profecia, 3) Como
lidar com a oposição à obra de Deus, 4) Oração, 5) Importância da
santidade, 6) Qualificações dos servos de Deus, e 7) Como adorar a
Deus.[12] Mesmo os assuntos “espirituais” são apresentados de
forma prática e, como venho apontando, há um excelente ensino
sobre a questão da própria prática da liderança.
Estudamos as duas dinâmicas da liderança: o relacionamento
do líder com Deus e com seu chefe ou superiores. Neste estudo,
examinaremos o relacionamento do líder com os subordinados,
como se vê no relato de Neemias sobre a chegada a Jerusalém e
como ele assumiu o comando.

U
Em certo sentido, Neemias é a história de um grande homem
a enfrentar e superar desafios. Já vimos como ele enfrentou o
desafio de convencer o rei Artaxerxes a mandá-lo a Jerusalém. Foi
difícil, pois os reis persas não podiam ser persuadidos com
facilidade a fazer nada e porque, no caso, a solicitação envolvia
convencer Artaxerxes a reverter a política previamente estabelecida.
Neemias foi bem-sucedido no primeiro desafio, e agora que havia
chegado a Jerusalém, enfrentou o segundo problema tão difícil
quanto.
O problema era construir os muros de Jerusalém. As
dificuldades eram as seguintes:
1. A tarefa era grandiosa. Os comentaristas diferem quanto ao
tamanho da cidade nesse tempo e, portanto, diferem quanto ao
comprimento do muro que Neemias deveria construir. Contudo,
mesmo pelas estimativas mais modestas, a circunferência da cidade
era de cerca de 2,5 a 4 quilômetros.[13] Além disso, a destruição
havia sido grande e as pedras a serem reerguidas eram enormes. O
processo não se assemelhava ao do grupo de trabalhadores que
apenas construiria uma cerca de jardim, uma parede de tijolos ou
mesmo uma grande fortificação. Os blocos que haviam caído nos
vales abaixo eram de grande peso, e eles tiveram de ser
desenterrados e depois transportados de volta para seu lugar no
muro e reerguidos. Isso exigiu muitos trabalhadores, habilidades
diversas e, podemos supor, até certa quantidade de maquinário para
elevação e movimentação.
2. Uma história de derrota. Neemias enfrentou a segunda
grande dificuldade. A tarefa não era apenas grandiosa, ela já havia
sido tentada e abandonada — isso significa que ele desafiou uma
história de derrota.
Neemias chegou a Jerusalém no vigésimo ano do rei
Artaxerxes, em 445 a.C., mas o trabalho havia realmente começado
no segundo ano do rei Ciro em 538 a.C., mais de 90 anos antes. Na
época, o primeiro contingente de judeus tentou reconstruir o templo;
contudo, mesmo essa tarefa menor havia se mostrado difícil. Foram
necessários 15 anos para terminar o templo. Então, quando a
primeira tentativa de reerguer os muros foi feita, a oposição surgiu e
o apelo dos governadores dalém do Eufrates a Artaxerxes para que
a construção parasse foi bem-sucedido. Isso ocorreu após o retorno
da segunda onda de exilados, no sétimo ano de Artaxerxes. Quando
Neemias chegou, o fracasso mais recente ocorrera apenas 13 anos
antes. Neemias enfrentou não apenas uma tarefa difícil, mas
também a inércia.
3. Um grupo de trabalhadores desencorajados. Para piorar as
coisas, as únicas pessoas que Neemias tinha para trabalhar com ele
estavam desencorajadas — como também estaríamos na situação.
Se Neemias tivesse lidado com o assunto sem uma preparação
cuidadosa, eles teriam dito: “Não podemos fazê-lo. Já tentamos
várias vezes e falhamos todas elas. Não podemos mudar a
situação”.
Uma tarefa grandiosa? Sim. Todavia, essas tarefas são
oportunidades para grandes homens, e Neemias era um deles. No
capítulo 2.11-18, ao tirar o foco do superior e olhar agora para os
subordinados, vemos como ele mudou a situação para que essa
grande tarefa fosse realizada nos 52 dias seguintes (menos de dois
meses). Como no caso das negociações com o rei Artaxerxes,
quando Neemias se encontrava na posição de gerência
intermediária, vemos seis elementos para o sucesso.

P
Primeiro, Neemias era um grande planejador — alguém que
orava e planejava. Ele sabia, como também deveríamos saber, que
os dois não se opõem, de fato andam juntos. Antes de falar com o
rei sobre ir a Jerusalém, Neemias formulou o plano para alcançar
seu objetivo. Aqui, no segundo capítulo, o encontramos fazendo
exatamente a mesma coisa, só que agora, ele está no local, e o
plano precisa ser mais específico.
Quais são as etapas do bom plano?
1. Informação. Um dos incidentes mais conhecidos no livro é
aquele no qual Neemias sai à noite para inspecionar os muros da
cidade adormecida. Há muitas coisas que podemos esperar que ele
faça ao chegar a Jerusalém — talvez um grande espetáculo de
chegada e subida ao poder, entrevistas particulares com os chefes
da cidade, ou até tentar estabelecer alianças com os líderes das
cidades ao redor. Ficamos, entretanto, um tanto surpresos quando
ele não faz nada disso. De fato, nos três primeiros dias, ele não fez
nada. Então, no terceiro dia, à noite, pega alguns homens de
confiança e parte para examinar os muros. Seu relato é tão
detalhado que, ainda hoje, esse (junto com o cap. 3) é o melhor
registro histórico da extensão da cidade no período pós-exílico.
Neemias cavalgou ao redor dos muros derrubados,
começando pela Porta do Vale, que ficava a oeste da cidade.
Na época, Jerusalém estava localizada sobre duas colinas
paralelas uma da outra de norte a sul e eram as mais íngremes a
oeste, sul e leste. Quando Neemias saiu pela porta do Vale, o fez
pelo lado oeste no ponto em que as colinas eram bastante
íngremes. Uma vez fora da porta, virou para o sul e passou pela
Fonte do Dragão até a Porta do Monturo, que ficava no sul. Como o
nome indica, o lixo da cidade era levado para fora da área povoada,
através da Porta do Monturo, até o Vale de Hinom. A Porta da Fonte
ficava um pouco mais adiante, no canto sudeste da cidade, onde os
Vales Hinom e Cedrom se encontravam. O Tanque do Rei é
conhecido como o Tanque de Siloé. É onde Jesus disse ao cego
para se lavar (Jo 9.7). Chamava-se Tanque do Rei e Tanque de
Siloé pois Ezequias construiu um túnel de dentro do muro até o
tanque, que ficava do lado de fora, para garantir o suprimento de
água em caso de cerco. No oeste da cidade havia terraços
íngremes; quando o muro foi derrubado, as pedras caídas formaram
uma pilha intransitável. Aí Neemias desceu do cavalo, uma vez que
não poderia passar por ali montado.[14]
Os acompanhantes de Neemias não viram nada de novo, mas
ele sim. Ele estava coletando as informações necessárias para
planejar a reconstrução dos muros.
2. Conceitualização. Depois de reunir as informações
necessárias, Neemias desenvolveu o conceito sobre a reconstrução.
O capítulo 2 não diz isso, mas sabemos que ele o desenvolveu, pois
assim que apresentou ao povo o desafio de reconstruir o muro
(cap. 2), ele estava pronto para seguir em frente (cap. 3).
Alguém pode se perguntar se, após a inspeção noturna dos
muros danificados, Neemias poderia ter obtido todas as informações
necessárias para reconstruí-los. É provável que a resposta seja não.
Talvez, ele não contasse com todas as informações necessárias
antes da conclusão da tarefa. O ponto é importante por esse motivo:
embora seja provável que Neemias não dispusesse de todas as
informações para concluir a reconstrução, ele contava com o
suficiente para formular um plano sólido e viável.
Os gerentes precisam aprender isso, pois muitos deles — com
medo de tomar decisões — prosseguem na coleta de informações
(“apenas para ter certeza de fazer o certo”) muito tempo depois da
passagem da oportunidade de tomar uma boa decisão.
Quando Robert McNamara era secretário de defesa dos
Estados Unidos do governo de John Kennedy, ele desenvolveu um
procedimento para agir com base nas informações necessárias para
tomar uma decisão sem tentar reunir todas as informações, uma vez
que nunca se pode obter “todas as informações”. Por exemplo, ao
tentar melhorar a aquisição e inventário das forças armadas, em
mau estado desde a Guerra da Coreia, McNamara abandonou o
procedimento de tentar fazer avaliações sobre todos os itens
militares e, em vez disso, identificou uns poucos itens, talvez 4%,
que juntos representaram mais de 90% das despesas. Ele os
gerenciou com atenção minuciosa aos detalhes, e o resultado foi
uma série de avaliações eficientes quanto à aquisição e ao
inventário.[15]
O plano viável não necessita de todas as informações, e sim
das informações necessárias para, em seguida, formular uma ideia
inteligente. Neemias fez isso antes de falar ao povo de Jerusalém.
3. Implementação. Há mais um aspecto da produção do bom
plano que, em geral, é esquecido, em especial, suponho, pois não o
consideramos parte do bom planejamento. É o que Robert J.
Schoenberg chama plano para implementar psicologicamente o
plano viável anterior.[16] Isso significa planejar para que os
executores dele respondam. Envolve saber motivar os subordinados
de forma efetiva. De novo, não nos é dito se o planejamento
psicológico fazia parte do processo de Neemias no momento, mas
sabemos disso por causa de seu comportamento no restante do
capítulo.
Arnold Toynbee, o grande historiador inglês, disse: “A apatia
só pode ser superada pelo entusiasmo, e o entusiasmo só pode ser
despertado por duas coisas: primeira, o ideal que captura a
imaginação; segunda, o plano inteligível e capaz de levar o ideal à
prática”.[17] Neemias foi confrontado por uma situação cheia de
apatia, e seu primeiro passo foi formular o plano para realizar sua
visão.

T ( )
O segundo passo foi o tempo. No humor, como toda pessoa
realmente engraçada sabe, o tempo é tudo. A conclusão da piada
na hora errada acaba por estragá-la, e na hora certa, torna-a um
sucesso. Jack Benny era um mestre do tempo, como na famosa
piada sobre quando ele foi confrontado por um ladrão.
— O dinheiro ou a vida — exigiu o ladrão.
Benny, que tinha a reputação de ser pão-duro, parou por um longo
tempo. As pessoas já estavam rindo.
— Então? — disse o ladrão.
— Estou pensando, estou pensando — disse Benny.
Em uma lista de habilidades de liderança, o tempo pode não
ser tudo, como na comédia, mas é importante. Neemias parece
estar ciente desse fato. Por isso que listo a noção de tempo de
Neemias como o segundo segredo do incrível sucesso ao gerenciar
e motivar seus subordinados. Vemos isso de várias maneiras: No
intervalo de três dias após a chegada a Jerusalém. Se tivesse agido
rápido demais, sem reunir os fatos necessários, as ideias teriam
sido descartadas como devaneios desinformados e impraticáveis do
novato. Na pronta apresentação do plano ao povo no quarto dia. Se
ele tivesse demorado mais, perderia a iniciativa dada pelo prestígio
de governador recém-nomeado. No final dos três dias, sua presença
despertou curiosidade considerável. Era o momento de dizer por
que havia deixado Susã para viajar 2.500 quilômetros até
Jerusalém.

“V , ”
O terceiro passo no plano de Neemias foi um desafio direto
aos cidadãos. O versículo 17 registra o que ele “lhes” disse. Visto
que o antecedente imediato desse pronome pode ser apenas o que
está no versículo 16 (“os judeus, os sacerdotes, os nobres, os
magistrados nem aos mais que faziam a obra”), Neemias deve ter
se dirigido a todos, o que poderia ter feito apenas ao realizar uma
grande convocação. A vantagem disso é que ele teve a
oportunidade de falar diretamente a cada um. Todos puderam ouvi-
lo e então tomar sua decisão sobre o desafio. Ninguém teve a
oportunidade de interpretar (ou interpretar mal) suas palavras para
os demais.
Dale Carnegie fala de um gerente de uma fábrica cujos
funcionários não produziam o suficiente. O proprietário, chamado
Charles Schwab, perguntava-se o porquê. O gerente não fazia ideia:
— Eu os persuadi; pressionei; praguejei e xinguei; ameacei-os e
disse que eram os culpados e seriam demitidos. Mas nada funciona.
Eles apenas não produzem.
— Quantos aquecedores o seu turno fez hoje? — Schwab
perguntou.
— Seis.
Sem dizer outra palavra, Schwab pegou um pedaço de giz e
escreveu um grande 6 no chão. Então foi embora.
Quando chegou o turno da noite, eles viram o 6 desenhado no chão
e perguntaram o que significava.
— O chefe esteve aqui hoje — disse alguém. — Ele perguntou
quantos aquecedores o turno do dia fez, e lhe dissemos “6”. E ele o
marcou no chão.
Na manhã seguinte, Schwab voltou a andar pela fábrica. O turno da
noite havia apagado o 6 e o substituíra por um 7 ainda maior.
Quando o turno do dia apareceu no dia seguinte, eles viram o 7.
Então o turno da noite pensa ser melhor que o do dia, não é? Vamos
mostrar para eles. Então, pegaram no batente furiosamente e, antes
de partirem naquela noite, apagaram o 7 e o substituíram por um 10.
Foi um aumento de 66% em apenas 24 horas, e tudo por causa do
desafio de Schwab.
Dale Carnegie conclui: “Se você quer ganhar [...] homens
espirituosos [...] a seu modo de pensar [...] lance-lhes um desafio”.
[18]

“P ”
O quarto segredo do sucesso de Neemias para conseguir que
o povo de Jerusalém apoiasse seu plano era a identificação com
eles na tarefa. Ainda que se tenha só um breve registro do que
Neemias disse na ocasião, sua identificação com as pessoas é
impressionante. Observe sua inclusão como parte do nós. “Estais
vendo a miséria em que estamos, Jerusalém assolada, e as suas
portas, queimadas; vinde, pois, reedifiquemos os muros de
Jerusalém e deixemos de ser opróbrio” (v. 17, grifos do autor). Se
ele tivesse dito: “Vejam em que miséria estão; reedifiquem os
muros!”, não teria chegado a lugar algum.
É incrível o que a participação conjunta de um líder pode fazer
para gerar disposição. John R. Noe, presidente da IMH Systems em
Indianápolis, um alpinista e orador popular, relata a primeira
tentativa de escalar a montanha Matterhorn na fronteira suíço-
italiana. Ele havia se preparado com cuidado e praticado em outras
montanhas. No entanto, quando chegou a Zermatt, onde começaria
a escalada de Matterhorn, ele teria de passar pela inspeção do guia
suíço que contratou, o que o deixou muito nervoso. O guia o levou
ao Riffelhorn, o pico de qualificação para o Matterhorn. Eles
escalaram o dia todo, subindo e descendo essa montanha menor.
Ao fim da tarde, o guia parou, afrouxou a corda da cintura de Noe e
disse lentamente: “Bem, John, isso vai ser difícil para você, mas
acho que podemos fazer isso juntos”.[19]
Foi o “podemos” e o fazer isso “juntos” que inspirou confiança.

“S , , ”
No estudo desses versículos, Charles Swindoll distingue a
motivação externa, não utilizada por Neemias, e os meios internos,
usados por ele. A maioria dos gerentes utiliza a motivação externa
de maneira exclusiva, embora os estudos mostrem que, em geral,
são menos eficientes. Eles acham que as pessoas são motivadas
principalmente pelo dinheiro. Harvey S. Firestone, fundador da
Firestone Tire and Rubber Company, disse: “Nunca achei que o
pagamento e apenas o pagamento uniria ou manteria bons homens.
Penso ser o próprio desafio”.[20]
Tome Winston S. Churchill como exemplo. Ele era um
excelente motivador, mas parece que nunca prometeu nada externo
— nem prosperidade, lazer, retorno dos bons tempos. Ofereceu
apenas a satisfação de ter terminado bem a tarefa difícil. Churchill
disse:
Não tenho nada a oferecer além de sangue, sofrimento, lágrimas e
suor.
Qual é o nosso objetivo? Posso responder em uma só palavra:
Vitória — vitória a qualquer custo; vitória, a despeito de todo o terror;
vitória, por mais longo e difícil que seja o caminho, pois sem a vitória
não sobreviveremos.
Não vamos nos entregar nem desfalecer. Continuaremos até o fim,
lutaremos na França, lutaremos nos oceanos e mares, lutaremos
com confiança e força crescente no ar; defenderemos nossa ilha,
custe o que custar; lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de
aterrissagem, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas
colinas; nunca nos renderemos, e mesmo que esta ilha ou grande
parte dela esteja subjugada e faminta — no que não acredito por
nem um momento —, nosso Império além-mar, armado e guardado
pela Frota Britânica continuaria na luta até que, no bom tempo de
Deus, o Novo Mundo, com toda a sua força e poder, avance para
socorrer e libertar o antigo.[21]
O apelo de Neemias foi semelhante, embora apresentado em
linguagem menos dramática. Ele desafiou o povo a reconstruir, de
maneira que “deixemos de ser opróbrio” (v. 17). Foi um apelo ao
instinto mais nobre ou patriotismo deles.
Deixe-me aplicar isso em sentido espiritual. O povo de
Jerusalém foi motivado pela cidadania terrena e respondeu, como
mostra a história, ao reconstruir os muros de sua cidade. Nós temos
a cidadania celestial (Fp 3.20). Orgulhamo-nos dela? Sentimo-nos
motivados a trabalhar com entusiasmo pela realização do reino de
Deus aqui? Há trabalho a ser feito, muros a serem reconstruídos.
Além disso, em contraste com a mera construção terrena dos dias
de Neemias, o que devemos construir — verdade, caráter e boas
ações — é duradouro.
John Newton, ex-comerciante de escravos, nunca perdeu a
alegria de fazer parte do empreendimento celestial. Talvez seja por
isso que ele escreveu o seguinte:
Salvador, se da cidade de Sião
Eu pela graça, um cidadão sou
Deixe que o mundo zombe ou tenha pena,
Eu me gloriarei em teu nome;
Os ímpios acham bom perecer,
Gozando de festas e prazeres;
Alegria sem igual e riqueza eterna,
Ninguém conhecerá, senão os filhos de Sião.

M
O segredo final do sucesso de Neemias em despertar o povo
para reconstruir os muros foi a habilidade dele em levá-los a confiar
nele. Ele manteve as pessoas informadas do progresso já
alcançado. Primeiro, ocorreu uma vitória no mais alto nível: o rei
alterou sua política para permitir a reconstrução. Segundo, Deus
estava por trás do grande projeto. Neemias relata: “E lhes declarei
como a boa mão do meu Deus estivera comigo e também as
palavras que o rei me falara” (v. 18). Se você tenta liderar outras
pessoas, não se esqueça desse elemento. Mantenha as pessoas
informadas do que acontece. Diz-se de Martinho Lutero que uma
das razões pelas quais ele conseguiu liderar a Reforma consistiu em
manter o povo alemão informado do que acontecia e do que ele
realizava em cada estágio.

“E ”
Na parte anterior do capítulo, após a conversa com o rei
Artaxerxes, Neemias relatou: “Aprouve ao rei enviar-me” (v. 6) e “o
rei mas deu” (v. 8). Esta seção termina da mesma forma: “E
fortaleceram as mãos para a boa obra” (v. 18). Simples e
significativo! Havia muito a fazer; ainda surgiriam problemas;
contudo, o trabalho estava em andamento.
Observe a palavra boa. J. Gordon McConville, em Ezra,
Nehemiah, Esther [Esdras, Neemias e Ester], tem uma seção
maravilhosa em que comenta sobre o uso do “mau/má” e “bom/boa”
no capítulo.
Está oculto na maioria das traduções inglesas. Mas devemos
observar o seguinte: quando se diz que o rosto de Neemias estava
“triste” nos versículos 1-3, a palavra hebraica é na verdade ra‘, que
significa “mau”. A mesma palavra é usada quando Neemias
direciona a atenção das pessoas para o “opróbrio” de Jerusalém
(v. 17; v. tb. 1.3). Quando nos dizem que o pedido de Neemias
“aprouve” ao rei (v. 6,7), a palavra é tov, que significa “bom/boa”. A
frase diz de forma literal: “Isso era bom para o rei”. Os versículos 8 e
18 dizem: “a boa mão do meu Deus era comigo”. Finalmente, “e
fortaleceram as mãos para a boa obra”. McConville escreve:
Portanto, por trás da ação no capítulo há um conflito entre o bem e o
mal. Tudo que serve aos interesses de quem voltou do exílio — a
decisão do rei, a reconstrução dos muros — é bom; tudo que tende a
ser, ou é, produto da perda — os muros derrubados, o pesar de
Neemias, as aspirações de Sambalate, Tobias e Gesém — é mau. A
implicação clara do versículo 10 é que a oposição a Judá por parte
desses líderes poderosos representa algo espiritual.[22]
Isso é profundamente verdadeiro, e não menos verdadeiro
para nós. Se você tenta servir a Deus com fidelidade, também está
envolvido em uma guerra espiritual (Ef 6.10-18). Tudo que tende à
sua vitória é bom. Tudo que tende à sua derrota é mau. Se você
puder ver isso, fará uma grande diferença na maneira como você
batalha.
4. A quarta dinâmica: como o trabalho foi realizado
(Neemias 3.1-32)
Então, se dispôs Eliasibe, o sumo sacerdote, com os sacerdotes, seus irmãos, e
reedificaram a Porta das Ovelhas; [...] Junto a ele edificaram os homens de
Jericó; também, ao seu lado, edificou Zacur, filho de Inri.
Os filhos de Hassenaá edificaram a Porta do Peixe;
Joiada, filho de Paseia, e Mesulão, filho de Besodias, repararam a Porta Velha;
[...]
Ao seu lado, reparou Uziel, filho de Haraías, um dos ourives; junto dele,
Hananias, um dos perfumistas; e restauraram Jerusalém até ao Muro Largo. Ao
lado dele, reparou Salum, filho de Haloés, maioral da outra meia parte de
Jerusalém, ele e suas filhas.
A Porta do Vale, reparou-a Hanum e os moradores de Zanoa;
A Porta do Monturo, reparou-a Malquias, filho de Recabe, maioral do distrito de
Bete-Haquerém;
A Porta da Fonte, reparou-a Salum, filho de Col-Hozé, [...] e ainda o muro do
açude de Selá,
E, ao seu lado [...] ao seu lado [...] ao seu lado [...].
[...] reparou Mesulão, filho de Berequias, defronte da sua morada. Depois dele,
reparou Malquias, filho de um ourives, até à casa dos servos do templo e dos
mercadores, defronte da Porta da Guarda, até ao eirado da esquina. Entre o
eirado da esquina e a Porta das Ovelhas, repararam os ourives e os
mercadores.
Neemias 3.1-3, 6, 8, 12-15, 17-19, 30-32

O terceiro capítulo de Neemias consiste no relato detalhado


de como as portas e os muros da cidade de Jerusalém foram
reconstruídos, concentrando-se nos nomes dos envolvidos na
construção. Alguma coisa pode ser mais desinteressante que uma
lista de nomes — em particular uma lista cujos nomes a maioria de
nós não consegue pronunciar?
Muitas pessoas parecem pensar assim, e não apenas leigos.
Charles Swindoll, no excelente estudo sobre Neemias, Hand Me
Another Brick [Dê-me outro tijolo] pula o capítulo inteiro, e passa do
desafio de Neemias ao povo para a reconstrução dos muros (cap. 2)
à oposição que inevitavelmente ocorre (cap. 4). Espero mostrar
neste capítulo que Neemias 3 é na verdade uma das seções mais
importantes do livro — e até mesmo uma parte interessante.
Quando bem entendida, é considerada um registro da conquista
mais notável. Eis o que Howard F. Vos escreve sobre o tema:
O que aqui, à primeira vista, parece uma lista de nomes esquecidos
e detalhes chatos da construção de muros, torna-se algo bastante
dramático e emocionante em uma análise mais aprofundada. Pode-
se observar primeiro o que ocorreu como resultado de uma façanha
incrível de organização. Toda a comunidade foi mobilizada e levada
a trabalhar de forma harmoniosa e simultânea em todas as partes
dos muros da cidade, dividida em 40 ou 41 seções. Segundo, toda a
força de trabalho demonstrou dedicação insaciável e entusiasmo
ardente enquanto se esforçava com fervor para concluir a tarefa.
Terceiro, é claro que Júlio César, que viria séculos depois, não tinha
o monopólio das táticas de velocidade e surpresa, pelas quais é
justamente famoso. Os inimigos dos judeus foram pegos
completamente de surpresa pela velocidade e impulso de Neemias e
seus compatriotas. Antes que pudessem se organizar de forma
efetiva para deter os judeus ou destruir seu trabalho, os muros e as
portas estavam restaurados. Quarto, essa seção de Neemias
também interessa por ser uma das melhores fontes sobre a
topografia da antiga Jerusalém. Quinto, a passagem mostra o
envolvimento de toda a comunidade judaica — demonstrado pela
menção de representantes de várias artes, ofícios, cidades e classes
sociais.[23]
É fácil analisar o capítulo. Ele se baseia nas sete portas da
cidade, movendo-se no sentido anti-horário, a começar pelo Porta
das Ovelhas, no lado norte da cidade, próximo à área do templo e
depois de volta a ele (v. 1, 32). Um parágrafo ou um grupo de vários
parágrafos é dedicado ao reparo de cada uma dessas seções.

O
No capítulo, anterior citei uma declaração sobre apatia do
historiador inglês Arnold Toynbee: “A apatia só pode ser superada
pelo entusiasmo, e o entusiasmo só pode ser despertado por duas
coisas: primeira, o ideal que captura a imaginação; segunda, o plano
inteligível e capaz de levar o ideal à prática”.[24] O “plano inteligível e
capaz” foi desenvolvido no período descrito no capítulo 2, mas no
capítulo 3 observamos como ele ocorre.
O que isso nos diz sobre Neemias? Ele reconheceu a
importância do plano detalhado — isso significa que neste capítulo
temos a quarta e grande dinâmica de liderança eficiente. Já
analisamos três grandes dinâmicas. A primeira é o relacionamento
do líder com Deus. Às vezes, isso é ignorado até pelos cristãos —
os líderes seculares o ignoram completamente —, contudo, é crítico.
Refiro-me a como colocar o mais importante em primeiro lugar. A
segunda dinâmica é a relação do líder com os superiores ou
superiores terrenos. Deus é o superior absoluto, claro. Mas poucas
pessoas não têm um superior ou superiores terrenos também. É
importante saber trabalhar bem e de forma criativa com essas
pessoas. A terceira dinâmica é a relação do líder com quem está
abaixo dele, e por cujo trabalho o líder se responsabiliza. Isso
envolve o estabelecimento de metas claras e comunicáveis, e a
motivação. Neemias também se destacou nessa área, apesar de
lidar com um povo desanimado com histórico de derrota.
Mas não são apenas as pessoas com quem o líder eficiente
deve lidar. Há também o trabalho em si, e isso, como já mostrei, é a
quarta grande dinâmica. Para colocar isso no jargão da
administração moderna, Neemias precisava ser não apenas um
motivador, mas também um especialista em tarefas. O especialista
em tarefas é quem cuida da realização da tarefa.
Como Neemias fez isso? O exame do capítulo revela vários
princípios importantes.

S
A aspecto mais impressionante de Neemias 3, em minha
opinião, é algo que não vi nenhum outro comentarista de Neemias
citar, com a exceção de Howard Vos: o fato de Neemias dividir o
trabalho em seções gerenciáveis. Suponho que o motivo da
omissão seja a excessiva obviedade do argumento. Óbvio ou não,
ele é fundamental. Se a reconstrução dos muros fosse encarada
como tarefa — se uma pessoa ou até um grupo de pessoas tivesse
sido designado para ela —, o trabalho teria parecido impossível, e
com razão. Quem poderia reconstruir um muro inteiro de cerca de
2,5 a 4 quilômetros? Ninguém. Mas quando o projeto foi dividido em
40 ou 41 segmentos separados, como mostra o capítulo, esse
projeto de 4 quilômetros se tornou administrável.
É claro que a maioria dos gerentes sabe subdividir projetos;
assim, talvez, esse lhes seja um ponto supérfluo. Contudo, há
muitas pessoas que não sabem gerenciar projetos. Quando
confrontadas com uma grande tarefa, a maioria das pessoas comete
um ou mais destes erros:
1. Subestimar a tarefa. Às vezes, isso se deve apenas à falta
de experiência. Os envolvidos talvez nunca tenham enfrentado algo
do escopo da tarefa e de fato não sabem quanta energia ou
habilidade serão necessárias ou quanto tempo levará para concluí-
la. Outras vezes, isso se deve à falta de vontade de enfrentar a
tarefa desagradável. O aluno que adia o estudo do exame final pode
estar nessa categoria. “Há muito tempo para estudar”, ele pode
dizer. Na verdade, ele carece de todo o tempo possível. A razão
para o aluno falar assim é a falta de desejo de enfrentar os estudos.
O aluno precisa dividir a tarefa desagradável e, em seguida, lidar
com um pouco dela todos os dias.
2. Deixar o trabalho de lado até o fim. O aluno que mencionei
também pode ser o exemplo da segunda falha. Ele poderia apenas
procrastinar, deixar a tarefa de lado até ser tarde demais para fazê-
la.
3. Gastar tempo com os problemas mais interessantes que
surgirão mais tarde antes de lidar com os problemas primários e
básicos. Essa é uma tendência natural. Se você gosta de planejar
festas em vez de escrever cartas, pode se esquecer de enviar os
convites. No entanto, sem convites, não haverá festa. Em uma
ocasião, o teólogo Carl F. H. Henry foi convidado a palestrar em
uma universidade do noroeste sobre o cristianismo. Seu anfitrião era
um jovem enérgico chamado Doug Coe, que fizera um trabalho
maravilhoso entre os líderes do Governo na capital da nação. Coe
tinha uma visão para alcançar a universidade. Ele montou um
comitê de planejamento, escolheu um tema, entrou em contato com
o orador, escolheu uma data e reservou o salão. Mas quando
chegou o dia e Henry e Coe estavam juntos nos bastidores antes da
primeira palestra, Coe olhou pela cortina e ficou atordoado. Não
havia ninguém lá. Por quê? Ele tinha esquecido de anunciar o
acontecimento. Então, em vez das grandes reuniões que ele havia
previsto, o comitê realizou um pequeno estudo bíblico.
A divisão da tarefa (se bem feita) garante que todas as partes
necessárias sejam cobertas, além das partes menos emocionantes
e as mais desafiadoras.
4. Tentar fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Algumas
pessoas cometem o erro de tentar fazer muitas coisas ao mesmo
tempo ou tentar fazer pessoalmente todo o necessário.
A forma correta de realizar a tarefa importante é agir como
Neemias. O primeiro passo para lidar com a tarefa foi dividi-la em
seções gerenciáveis. Há mais duas coisas que devem ser ditas
agora. Primeira, na maioria dos casos, após a divisão da tarefa é
preciso estabelecer prioridades. Coisas fundamentais precisam ser
definidas na primeira posição. Tarefas menores ou mais complexas
precisam ser definidas mais adiante. Segunda, mais uma vez: na
maioria dos casos, as seções gerenciáveis precisam ser lidadas um
item por vez. Lembre-se do comentário de Peter Drucker: “Gestores
eficientes fazem as coisas mais importantes primeiro e fazem uma
coisa de cada vez”.[25]
Isso, é claro, envolve gerenciar o tempo. Ou seja, o líder
eficiente usa o tempo como vantagem.
Descobri que o segredo para administrar bem meu tempo é
bloqueá-lo, para que eu tenha tempo suficiente para realizar alguma
coisa de uma vez e, depois, encaixar outras coisas em torno dela.
Em uma semana normal, minha agenda é mais ou menos assim:
Segunda: meu dia de folga. Costumo gastá-lo em casa
lendo ou realizando projetos que não pude tocar durante a
semana.
Terça-feira: dia da equipe. Passo a manhã no Evangelical
Ministries [Ministérios evangélicos], a organização que
fundou o ministério The Bible Study Hour [Hora do estudo
bíblico]. À tarde, encontro-me com membros da equipe da
Tenth Presbyterian Church e acompanho os assuntos
administrativos que restaram do fim de semana.
Quarta-feira: hora criativa. Começo de manhã cedo e uso a
maior parte do dia na preparação da mensagem para a
próxima noite de domingo.
Quinta-feira: atividades variadas. De manhã, concluo o
trabalho iniciado no dia anterior. À tarde, encontro-me com a
equipe ministerial e mais tarde com a equipe total da igreja.
Sexta-feira: administração.
Sábado: outro dia de sermão. Uso o dia para escrever a
mensagem da manhã de domingo e fazer outra preparação
para o domingo.
Domingo: trabalho na igreja do começo ao fim.

Nesse quadro geral, encaixo outras coisas. Algumas noites


são tomadas por reuniões: administradores, o conselho da igreja,
vários conselhos e comitês. Uso as noites livres para ler ou estar
com minha esposa e família. A igreja tem um pastor que faz visitas,
então normalmente não visito. Mas há algumas visitas a fazer, e
costumo encaixar isso nas noites livres. Também tenho uma
quantidade razoável de aconselhamento e consultas. Em geral,
encaixo tudo no final do dia para preservar o máximo possível da
manhã livre.
Priorizar! Fazer uma coisa de cada vez! Você deve se lembrar
de que mencionei isso em conexão com Neemias, e afirmei “na
maioria dos casos”. Isso ocorre porque, no caso de Neemias, dividir
a reconstrução do muro em seções gerenciáveis não resultou em
uma seção com prioridade sobre outra, ou outra seção sendo
concluída antes do início da segunda seção. No caso, o muro em si
era a prioridade. A coisa toda precisava ser feita o mais rápido
possível — antes de os inimigos dos judeus os atacarem ou
impedirem a conclusão de outro modo. No entanto, à medida que
prosseguimos, veremos que Neemias também tinha outros
objetivos, e ele trabalhou neles no momento adequado.

U
A segunda coisa marcante, mas óbvia, sobre a forma de
Neemias lidar com a reconstrução dos muros é a designação de
equipes diferentes para cada parte. Primeiro, ele dividiu o projeto
em seções. Segundo, fez as atribuições. O capítulo trata disso. É a
lista de quem reconstruiu as portas e cada seção adjacente dos
muros.
Quero que você veja vários pontos importantes:
1. Neemias delegou autoridade. Nada no capítulo mostra um
ponto específico disso, mas é óbvio que foi o que aconteceu.
Neemias fez as designações, mas a partir delas parece ter permitido
que cada grupo procedesse como bem entendesse. Isso fica claro
pelas pequenas variações de como o trabalho foi realizado. A
delegação é importante? Robert Townsend, autor de Up the
Organization [Levante a organização] e Further Up the Organization
[Avance a organização], acha que sim. Além disso, ele considera
importante delegar até os assuntos mais importantes:
O líder de verdade realiza o máximo do trabalho tedioso para as
pessoas: ele pode fazê-lo ou vê a forma de seguir sem isso, dez
vezes mais rápido. Delega o maior número possível de questões
importantes, por criar o ambiente em que as pessoas crescem [...]
Certifique-se de que os trabalhos dados ao pessoal sejam completos
e importantes e que você de fato os entregue a eles. Peça que não
prestem contas, a menos que estejam com problemas. Cerre os
dentes e não pergunte como estão seguindo.[26]
2. Neemias envolveu todos. É incrível ver o número e os
vários tipos de pessoas envolvidas na reconstrução dos muros. Os
nomes de 41 chefes de grupos de força-tarefa são mencionados, e
isso não inclui os nomes dos lugares (de onde outros vieram) ou os
nomes dos pais ou avós dos indivíduos (que podem estar
trabalhando também). Pense nos tipos de trabalhadores. Cyril
J. Barber chama a atenção para “sacerdotes e levitas, governantes
e pessoas comuns, porteiros e guardas, agricultores e
‘sindicalizados’ — ourives, farmacêuticos, comerciantes — servos
do templo e mulheres”.[27] Vale a pena olhar para alguns deles
enquanto aparecem no capítulo.
Sacerdotes. Os sacerdotes devem ter desempenhado um
papel importante. Estão listados primeiro, versículo 1, ao falar de
“Eliasibe, o sumo sacerdote, com os sacerdotes”. Também são
mencionados perto do fim (v. 28), depois da narrativa voltar dos
muros até o ponto de origem. Os sacerdotes também são listados
ao longo do caminho. O versículo 17 menciona os “levitas [os quais
eram sacerdotes], sob Reum”. O versículo 22 fala dos “sacerdotes
que habitavam na campina”. Os sacerdotes poderiam ter se
desculpado do trabalho pesado, alegando não fazer parte do
chamado deles, mas é para seu crédito que não o fizeram. Além
disso, lemos que, quando concluíram as designações, eles
dedicaram (ou consagraram) a Porta das Ovelhas e a Torre dos
Cem a Deus, o que mostra como encaravam o trabalho. O trabalho
deles era para Deus, e o resultado era dele.
Homens de Jericó. Jericó ficava a uma boa distância, e os
homens de Jericó poderiam ter argumentado que a reconstrução de
Jerusalém lhes era de pouca utilidade. Mais tarde, também são
mencionados os moradores de outras cidades: os tecoítas, os
gibeonitas, os de Mispa, os de Zanoa, os de Bete-Haquerém, os de
Bete-Zur e os de Queila. O mesmo poderia ter sido dito no caso
deles. Mas eles trabalharam também.
Sindicalizados ou membros de associações. O versículo 8
menciona “Uziel, um dos ourives”; e “Hananias, um dos
perfumistas”. No versículo 31, é mencionado outro ourives,
chamado Malquias. Mais ourives são mencionados no versículo 32.
Esses eram artesãos habilidosos que poderiam ter reclamado que a
indústria da construção não era sua área ou mesmo que o trabalho
duro de construir poderia danificar suas mãos delicadas. Mas, outra
vez, assumiram sua parte justa no trabalho.
Oficiais da cidade. Em vários pontos das listas estão os
nomes de governantes de certos distritos ou subdistritos: Refaías e
Salum, cada “maioral da outra meia parte de Jerusalém”; Malquias,
“maioral do distrito de Bete-Haquerém”, Salum, “maioral do distrito
de Mispa”; Neemias, filho de Azbuque, “maioral da metade do
distrito de Bete-Zur” e Hasabias e Bavai, cada “maioral da metade
do distrito de Queila”. É importante observar: os oficiais ou
governantes de cidade não estavam no patamar superior, impedidos
de trabalhar ao lado dos pobres de Jerusalém ou da classe média.
Mulheres. Não se esperava ver mulheres em obras, mas
algumas participaram, como o versículo 12 nos diz. Reparos foram
feitos por Salum, maioral da outra meia parte de Jerusalém, “e suas
filhas”.
Solteiros. Cyril Barber observa com astúcia que certos
solteiros também cooperaram na reconstrução do muro, embora
obviamente não tivessem esposa ou filhos para proteger. São
mencionados no versículo 23. Seus nomes eram Benjamim e
Hassube, e moravam juntos em uma casa.
Servos do templo. Eles são mencionados no versículo 26
como “os que habitavam em Ofel” e fazendo reparos “até defronte
da Porta das Águas, para o oriente, e até à torre alta”. Era a área
deles da cidade e assumiram a responsabilidade por ela. Os servos
do templo são mencionados de novo no final (v. 31).
Guardas da cidade. Um é mencionado, embora possa ter
havido outros. Seu nome era Semaías (v. 29). Ele teria sido o
equivalente a um oficial de segurança ou policial.
Mercadores. Por fim, o capítulo faz menção aos mercadores:
“Entre o eirado da esquina e a Porta das Ovelhas, repararam os
ourives e os mercadores” (v. 32). É natural encontrar ourives e
mercadores trabalhando juntos: eram da mesma classe e as
profissões os uniam. Surpreende encontrar os mercadores nas
obras. O negócio deles era comércio. Poderíamos esperar que
negociassem e lucrassem com a situação. Aparentemente, não
estavam. Eles trabalhavam duro com os outros.
Que conquista notável! No entanto, para ser justo (e talvez
como um incentivo para nós mesmos), é necessário dizer que
Neemias não alcançou sucesso total. A cooperação foi notável,
mas, de acordo com o versículo 5, os nobres tecoítas, ao contrário
dos outros nobres, “não se sujeitaram ao serviço do seu senhor”.
Frank R. Tillapaugh, pastor da Igreja de Bear Valley, em Denver,
Colorado, falou sobre esse versículo em um discurso público:
“Sempre existem alguns descontentes no grupo”. É verdade!
Neemias os tinha, e também nos depararemos com descontentes.
Vale a pena notar, no entanto, que o descontentamento dos
líderes não impediu os tecoítas. Eles não apenas construíram a
seção do muro mencionada no versículo 5, mas também
construíram outra seção, depois da conclusão da primeira. Neemias
registra essa conquista no versículo 27.
O sucesso de Neemias em organizar toda a população de
Judá no empreendimento é algo a que precisamos dar atenção
especial, pois hoje, na igreja, todos também devem se envolver.
Efésios 4.11-13 nos afirma o padrão adequado:
E ele mesmo [Jesus] concedeu uns para apóstolos, outros para
profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres,
com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do
seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos
cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de
Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de
Cristo.
Essa é a base que os professores de Bíblia hoje designam
“ministério de todos os membros”. Isso significa que os ministros
nas igrejas devem preparar as pessoas para a participação na obra.
Ou seja, o clero deve ensinar aos leigos, e os leigos devem
trabalhar e servir uns aos outros e ao mundo.
Infelizmente, muitas igrejas mudaram por completo. Dizem
que hoje as igrejas se assemelham mais a um jogo de futebol em
um grande estádio que a qualquer outra coisa. Existem 80 mil
espectadores nas arquibancadas que precisam de exercícios e há
22 homens em campo carentes de descanso.

E
Mais duas coisas precisam ser ditas sobre o relacionamento
de Neemias com o trabalho. Ele coordenou os esforços. Não só
dividiu a tarefa em unidades gerenciáveis e, em seguida, designou
as pessoas certas para cada parte, mas também ajustou o todo,
para que não houvesse lacunas e, assim, cada um seguisse de
onde os outros paravam. Vemos isso em frases repetidas com
frequência como “outra porção”, “outra parte”, e “depois dele”.
Neemias não apenas coordenou o trabalho para não haver
lacunas e todos trabalhassem próximos uns dos outros, mas
também parece ter organizado o trabalho em parte para a
conveniência e motivação dos trabalhadores. Muitos foram
designados para partes do muro em frente ou diretamente
adjacentes às suas casas (ou as escolheram) — os sacerdotes
reconstruiriam a área perto do templo (v. 1, 28), os servos do templo
na área próxima à sua habitação no monte do templo (v. 26),
Jedaías, a porção do muro “defronte da sua casa” (v. 10), Benjamim
e Hassube, a parte do muro “defronte da sua casa” (v. 23), e assim
por diante. Isso seria conveniente para todos, uma vez que não se
perderia tempo indo e voltando ou indo para casa almoçar. E isso
garantiria um bom trabalho. Por certo uma pessoa construiria muros
fortes onde sua própria casa precisava ser protegida.
A melhor gerência reconhece o elemento de interesse próprio,
mesmo nos melhores trabalhadores e até nos projetos mais
altruístas.

O
O elemento final na relação de trabalho de Neemias é que ele
parece ter reconhecido as realizações de cada trabalhador. O
próprio capítulo sugere isso, pois lista muitas delas. Ainda assim,
sem dúvida, é apenas uma amostra do que o grande líder realmente
fez. Pode-se ter certeza de que, ao fazer as rondas dos
construtores, chamava cada um pelo nome e elogiava as
realizações. Além disso, Neemias escreveu isso (há uma lista de
pessoas que retornaram do exílio no cap. 7 e outras listas
importantes nos caps. 10-12). Em algum lugar, haveria um registro
da contribuição de cada um.
Todos menos um! Você já reparou que na longa lista de
nomes o de Neemias não está listado? Ele era tão ativo quanto
qualquer um, é claro, ou ainda mais. Podemos ter certeza disso.
Mas quando se tratava de dar crédito, ele não disse, como
Nabucodonosor, que havia conquistado Jerusalém mais de
140 anos antes, ao olhar para sua própria cidade: “Não é esta a
grande Babilônia que eu edifiquei para a casa real, com o meu
grandioso poder e para glória da minha majestade?” (Dn 4.30).
Nabucodonosor tomou glória a si mesmo e foi julgado por isso.
Neemias deu crédito a outros, ao listar o que cada um havia sido
designado a fazer e o que cada um havia construído. Então, quando
tudo acabou, deu a glória suprema a Deus, como fizera desde o
princípio; sua conclusão foi: “Por intervenção de nosso Deus é que
fizemos esta obra” (Ne 6.16). Encontramos aqui o padrão a ser
imitado por quem deseja buscar a excelência na liderança, o
cumprimento de metas dignas e a glória de Deus.
5. A quinta dinâmica: lidar com a oposição — parte
1 (Neemias 4.1-23)
Tendo Sambalate ouvido que edificávamos o muro, ardeu em ira, e se indignou
muito, e escarneceu dos judeus. Então, falou na presença de seus irmãos e do
exército de Samaria e disse: Que fazem estes fracos judeus? Permitir-se-lhes-á
isso? Sacrificarão? Darão cabo da obra num só dia? Renascerão, acaso, dos
montões de pó as pedras que foram queimadas?
Estava com ele Tobias, o amonita, e disse: Ainda que edifiquem, vindo uma
raposa, derribará o seu muro de pedra.
Ouve, ó nosso Deus, pois estamos sendo desprezados; caia o seu opróbrio
sobre a cabeça deles, e faze que sejam despojo numa terra de cativeiro. Não
lhes encubras a iniquidade, e não se risque de diante de ti o seu pecado, pois te
provocaram à ira, na presença dos que edificavam.
Assim, edificamos o muro, e todo o muro se fechou até a metade de sua altura;
porque o povo tinha ânimo para trabalhar.
Mas, ouvindo Sambalate e Tobias, os arábios, os amonitas e os asdoditas que a
reparação dos muros de Jerusalém ia avante e que já se começavam a fechar-
lhe as brechas, ficaram sobremodo irados. Ajuntaram-se todos de comum
acordo para virem atacar Jerusalém e suscitar confusão ali. Porém nós oramos
ao nosso Deus e, como proteção, pusemos guarda contra eles, de dia e de
noite.
Neemias 4.1-9

Um dia, um fazendeiro quacre passava por dificuldades com


sua mula. Ele tentava arar o campo, e a mula se comportava de
forma extraordinariamente teimosa. Não se mexia. Então, o quacre
decidiu falar com ela “com sensatez”. Ele disse: “Você sabe que sou
quacre. Sabes que não posso amaldiçoar você nem a chicotear. O
que não sabe é que posso vendê-la ao vizinho. Ele não é quacre e
pode dar uma coça em você”. Todos enfrentamos situações em que
nos sentimos como esse homem. Estamos cientes de como não
podemos ou não devemos responder à oposição. Desejamos
apenas a forma permitida de chicoteá-la.
No quarto, quinto e sexto capítulos de Neemias, vemos como
ele lidou com sucesso com seis formas de oposição.

S
A oposição é quase sempre causada pelo sucesso, não pelo
fracasso. A primeira coisa que devemos saber, se tentamos fazer
algo que vale a pena e existe oposição a nós, é que isso acontece
porque conquistamos algo. Deveríamos nos sentir estimulados por
isso. Vê-se isso no caso de Neemias, no primeiro versículo do
capítulo: “Tendo Sambalate ouvido que edificávamos o muro, ardeu
em ira, e se indignou muito, e escarneceu dos judeus”. A razão de
Sambalate estar com raiva era que o muro estava realmente sendo
reconstruído e ele se sentiu ameaçado pelo sucesso de Neemias.
Ninguém teria prestado atenção se Neemias estivesse falhando.
Por que as pessoas se opõem ao sucesso? Por que não ficam
felizes em ver alguém ter sucesso? Howard F. Vos sugere vários
motivos:
1. Algumas pessoas se sentem ameaçadas pelo sucesso
alheio. Como diz Vos: “Alguns se oporão a [outra pessoa ou obra]
porque podem perder a posição, o poder ou o prestígio político,
religioso ou social”.[28] Nosso mundo é pecaminoso e poucas
pessoas são altruístas. É cada um por si. Portanto, se alguém
progride, o outro a vê diminuindo seu próprio prestígio ou posição.
Foi o que aconteceu no caso dos oponentes de Neemias:
Sambalate, o horonita, e Tobias, o amonita, os arábios, os amonitas
e os asdoditas associados a eles. Já fomos apresentados aos dois
líderes em Neemias 2.10 e 19, onde o texto informa: “Muito lhes
desagradou que alguém viesse a procurar o bem dos filhos de
Israel”, e: “Eles zombaram de nós, e nos desprezaram”. Sambalate
era chamado horonita por vir da cidade de Bete-Horom, uns
13 quilômetros a noroeste de Jerusalém. Agora, era governador da
cidade fortificada de Samaria ao norte e, sem dúvida, queria ter
Jerusalém sob sua jurisdição. Sambalate é mencionado nos Papiros
de Elefantina (descobertos no Egito, de 408 a 407 a.C.), onde se diz
que ele era o governador de Samaria e tinha dois filhos. Tobias era
o governador de Amom, que ficava do outro lado do rio Jordão, a
leste de Jerusalém. Na antiguidade, várias grandes rotas comerciais
passavam por Jerusalém a caminho do Egito, Pérsia, Arábia ou Ásia
Menor. Sambalate e Tobias perceberam corretamente que, se
Jerusalém fosse reconstruída, grande parte desse valioso comércio
retornaria a ela e suas províncias diminuiriam de forma proporcional.
2. Algumas pessoas são invejosas. Às vezes, a oposição
surge não por existir uma ameaça real contra alguém, mas por
simples inveja. O trabalhador critica o colega por fazer o trabalho
melhor ou trabalhar mais que ele. A mulher criticará outra apenas
por ser mais atraente, demonstrar mais inteligência ou se sair
melhor no trabalho. A inveja é uma causa de desarmonia entre os
líderes eclesiásticos, embora seja geralmente disfarçada de
desacordo doutrinário ou denominacional. Um atacará o outro pelo
“erro escatológico” ou pela “associação com liberais”, mas a causa
real é a inveja do sucesso alheio.
Este foi um fator nos ataques de Sambalate e Tobias ao
projeto dos judeus. Eles desprezavam os judeus e tinham inveja de
qualquer tentativa de melhorar sua perspectiva terrena. Por isso
Neemias escreveu no capítulo 2: “Muito lhes desagradou que
alguém viesse a procurar o bem dos filhos de Israel” (v. 10).
3. Alguns se opõem a outros ou a seus projetos por terem
uma agenda diferente. De todas as razões para se opor a um bom
trabalho, essa talvez seja a mais válida, embora as razões para
preferir o projeto do oponente não sejam necessariamente boas.
Coloco a maior parte da oposição dos secularistas de hoje aos
projetos cristãos nessa categoria. Por exemplo, quando um grupo
liberal processa uma cidade para remover a cena da Natividade da
praça da cidade, o que aconteceu durante várias dezenas de natais,
não é porque a manjedoura os ameace ou por inveja, mas porque
qualquer demonstração religiosa se opõe à sua agenda secular.
Esses grupos querem afastar todos os sinais visíveis de religião da
vida das pessoas. Na cultura cada vez mais secular, como a atual
nos Estados Unidos, deve-se esperar oposição dessa natureza, e
devemos esperar o aumento disso em volume e intensidade.
4. Alguns se sentem excluídos. Pode ter ocorrido um elemento
de exclusão na oposição de Sambalate e Tobias ao projeto de
reconstrução dos judeus. Eles não eram judeus, e os judeus
estavam conscientes de suas origens étnicas e história únicas. Eles
não queriam a ajuda dos vizinhos não judeus.
Às vezes isso é certo, e os sentimentos resultantes da
exclusão e oposição são inevitáveis. Por exemplo, a identidade da
igreja é única e deve-se preservá-la. Só quem confia em Cristo
como Salvador de seus pecados e busca segui-lo deve ser membro
do corpo visível de Jesus Cristo. A igreja não é um clube social. Se
só isso faz alguém de fora se sentir excluído e expressar o
sentimento de exclusão por se opor ao programa ou aos projetos da
igreja, pode-se fazer muito pouco para mudar a situação. Entretanto,
muitos desses sentimentos são desnecessários e as igrejas, acima
de todas as organizações, devem se esforçar para incluir todos os
tipos de pessoas. Elas devem estar entre as instituições mais
acolhedoras e não entre as mais exclusivistas da sociedade.
5. As pessoas suspeitam das motivações daqueles a quem se
opõem. Essa foi uma das razões da oposição de Sambalate e
Tobias a Neemias, embora possa ter sido apenas um encobrimento
das motivações menos nobres. Eles acusaram os judeus de
fortalecer Jerusalém com o desejo de se rebelar contra a Pérsia:
“Que é isso que fazeis? Quereis rebelar-vos contra o rei?” (Ne 2.19).
É claro que os judeus não estavam fazendo isso. Sambalate
provavelmente sabia disso. Mas se tratava de uma cobrança
conveniente e prejudicial. De mesma forma, as posições que os
cristãos adotam em relação à moralidade pessoal ou social são
muitas vezes distorcidas por outros para parecer meras propostas
de poder ou, pior, como conspiração para destruir as liberdades
civis.
6. Algumas pessoas, em especial os líderes, sentem-se
humilhados quando outros se saem bem. Isso é algo que qualquer
pessoa de sucesso precisa estar ciente e fazer o possível para
evitar. A melhor maneira, sempre que possível, é levar outras
pessoas ao projeto e torná-las parte do sucesso.
7. A oposição vem dos tradicionalistas — que preferem o
modo como as coisas foram feitas no passado e não querem mudar.
Isso é comum na igreja onde, para muitas pessoas, a religião se
tornou confortável, pois promete muito e pede pouco. Na igreja em
que ninguém testemunha, serve ou alcança outras pessoas, o plano
para transformar essa atitude mortal e liberar o potencial da igreja
será rejeitado pela maioria como indesejável.
8. A razão final para a oposição, pelo menos ao trabalho
espiritual, é a oposição de Satanás. Vos, com razão, adverte contra
atribuir toda a oposição na obra secular ou cristã a Satanás:
Seria fácil considerar todas as dificuldades de Neemias como
oposição de Satanás, mas isso é muito simplista... Satanás
precisava explorar apenas as preocupações existentes. É fácil para o
povo de Deus culpar Satanás por todos os seus problemas, assim
como muitas vezes é fácil para as democracias ocidentais culpar o
comunismo militante por todos os seus problemas. Mas a verdade é
que Satanás, como os comunistas, geralmente não precisa inventar
problemas. Ele apenas explora ou exacerba as condições existentes.
[29]

Sem dúvida, isso é verdade. Mas também é verdade que


Satanás é um inimigo poderoso e fará tudo que puder para destruir
o crescimento espiritual ou o avanço cristão no território que
controla.
Eis uma das razões pelas quais o trabalho cristão no centro da
cidade é tão difícil. As cidades são fortalezas de Satanás. Além
disso, há outras pessoas, além de Satanás, que reconhecem a obra
de Deus como obra de Deus e se opõem a ela, pois odeiam Deus.
À luz desses vários motivos de oposição ao sucesso do líder,
é óbvio que qualquer líder sempre terá a oposição de outros e deve
estar preparado para isso. Esta é a quinta dinâmica de liderança. A
primeira envolve o líder e Deus, a segunda, o líder e seu superior
terreno (ou superiores), a terceira, o líder e seus subordinados, a
quarta, o líder e a tarefa, a quinto, o líder e sua oposição. Ao seguir
o último ponto, vimos oito razões para a existência da oposição ao
líder. Agora veremos as formas tomadas pela oposição. Neste, e
nos dois capítulos seguintes (cap. 4-6), veremos como a oposição
veio a Neemias e como ele lutou com sucesso com muitas formas
diferentes de oposição e as venceu.

O
A maneira mais fácil de se opor a algo de que não gosta é
ridicularizar, e essa é a primeira coisa que Sambalate e Tobias
fizeram. O texto é vívido nesse aspecto. Mostra como Sambalate
reuniu Tobias, quem estava com ele e o exército de Samaria e
zombou dos judeus no que deve ter sido uma grande reunião
pública: “Que fazem estes fracos judeus? Permitir-se-lhes-á isso?
Sacrificarão? Darão cabo da obra num só dia? Renascerão, acaso,
dos montões de pó as pedras que foram queimadas?” (v. 2).
Tobias disse também: “Ainda que edifiquem vindo uma raposa,
derribará o seu muro de pedra” (v. 3).
Por ser algo desmoralizante e muitas vezes eficiente, as
pessoas ridicularizam a quem se opõem — além de ser uma tarefa
fácil. É eficiente porque ataca a insegurança ou fraqueza oculta, que
quase todos têm. Era isso que estava acontecendo. Cada uma das
cinco perguntas retóricas de Sambalate e a provocação de Tobias
atingiram um possível senso de fraqueza de Neemias e dos outros.
“Que fazem estes fracos judeus?” Isso foi direto ao ponto. Os
judeus eram fracos, e sabiam disso. Como alguém tão fraco
esperava reconstruir os muros da cidade? “Eles vão restaurar o seu
muro?” De fato! Como poderiam restaurar o muro de 2,5 a
4 quilômetros de circunferência? Ele foi construído por pessoas
mais numerosas e fortes que eles. Como poderiam esperar reajustar
as pedras enormes?
“Sacrificarão?” A maioria dos comentaristas considera essa
pergunta como referência aos sacrifícios de ação de graças a serem
oferecidos após o término dos muros. Mas acho que Derek Kidner
está correto ao considerar que ela provavelmente significa: “Esses
fanáticos vão orar até o muro se levantar? É a única esperança
deles!”.[30] A provocação consistiu em um ataque à fé dos judeus,
que não era tão forte assim, como veremos. Você não acha difícil
quando alguém ridiculariza sua fé? “Talvez você pense que Deus vai
ajudá-lo!” ou “Por que você não vai para casa e ora por isso
[risos]?”, dizem eles. É difícil não ser perturbado por tamanha
ridicularização.
“Darão cabo da obra num só dia?” Isso significa: “Eles não
percebem que tarefa enorme estão realizando?”. Isso foi eficiente
pois os judeus sabiam exatamente o tamanho da tarefa.
“Renascerão, acaso, dos montões de pó as pedras — que
foram queimadas?” Isso foi um exagero. As portas haviam sido
queimadas, não os muros. Elas não eram de calcário, que poderia
ter sido calcinado pelo intenso calor do fogo usado para destruir
Jerusalém na época da conquista de Nabucodonosor. Os muros não
estavam desmoronados, apenas tombados. Contudo, a pergunta foi
eficiente para lembrar os judeus das grandes e difíceis dimensões
da tarefa.
A provocação de Tobias “Ainda que edifiquem — vindo uma
raposa, derribará o seu muro de pedra!” feria, pois como a
escavação desses muros demonstrou, não eram da mesma
qualidade das anteriores.
Como afirmei, todos esses foram pontos muito eficientes. No
entanto, não se pode deixar de notar que a única razão para serem
proferidas era que algo importante ocorria e esses dois
governadores haviam percebido que eles provavelmente obteriam
sucesso. Sua raiva revelou o medo de que aquilo que estavam
ridicularizando poderia se concretizar de fato.
Como Neemias lidou com o ataque? Precisamos ver três
coisas: uma que não fez e duas que fez.
Primeiro, ele não revidou. A primeira coisa que a maioria de
nós faz quando é ridicularizada é retrucar. Diríamos: “Então eles
acham que somos fracos, não é? Bem, eles não são tão fortes.
Sambalate, você é apenas um governador mesquinho de uma
província mesquinha de uma área remota do império. Tobias, você é
o único governador da pequena área desértica de Amon. Quem
gostaria de morar lá?”. Neemias não fez isso. Se tivesse, teria
apenas se rebaixado ao nível dos críticos e ficaria em segundo
lugar, uma vez que eram mais fortes e mais importantes que ele aos
olhos do mundo.
Segundo, Neemias orou. Isso é importante não apenas por
significar que ele se voltou para Deus em busca de ajuda, como
sempre fazia, mas também porque ele não apenas reprimiu seus
sentimentos ou tentou suprimi-los, o que não teria resolvido nada.
Antes, ele derramou a alma diante do Senhor. Ele admitiu a mágoa
e ira: “Estamos sendo desprezados” (v. 4). No entanto, o trabalho
era de Deus, e Neemias foi capaz de colocá-lo nas mãos de Deus e
deixá-lo ser o árbitro da disputa e o juiz dos oponentes dos judeus.
“Caia o seu opróbrio sobre a cabeça deles”, disse Neemias. “E faze
que sejam despojo numa terra de cativeiro. Não lhes encubras a
iniquidade, e não se risque de diante de ti o seu pecado, pois te
provocaram à ira, na presença dos que edificavam” (v. 4, 5).[31]
O que resultou da oração de Neemias? Ele não nos diz de
forma explícita. Todavia, o primeiro grande benefício foi, sem dúvida,
o fato de ter dissipado sua raiva, pois ele não a demonstra ao
prosseguir. Isso foi valioso, pois é raro a raiva ser produtiva e, em
geral, ela representa um obstáculo ao bom trabalho. Além disso, a
oração deve ter restaurado a perspectiva de Neemias, caso
estivesse vacilando. Em vez de se deixar levar pela ridicularização
dos inimigos, ele agora reconheceu o que estava pode detrás —
medo de que, sob sua liderança, os judeus pudessem realmente ter
sucesso — e entendeu que a melhor coisa que os judeus podiam
fazer era continuar a tarefa.
Terceiro, Neemias continuou o trabalho. Ao deixar as
provocações dos inimigos com Deus, não precisava mais se
preocupar com elas e poderia continuar a tarefa dada por Deus. O
que ele diz é bom: “Assim, edificamos o muro, e todo o muro se
fechou até a metade de sua altura; porque o povo tinha ânimo para
trabalhar” (v. 6).
Eis a versão antiga do bordão da Segunda Guerra Mundial:
“Louvado seja o Senhor e passe a munição!”.

O
A segunda e maior parte de Neemias 4 contém a segunda
forma de oposição ao trabalho do governador: a ameaça de
violência física. Neemias apresenta o problema nos versículos 7 e 8
e descreve como ele o enfrentou nos versículos 9-23. Os versículos
introdutórios dizem: “Mas, ouvindo Sambalate e Tobias, os arábios,
os amonitas e os asdoditas que a reparação dos muros de
Jerusalém ia avante e que já se começavam a fechar-lhe as
brechas, ficaram sobremodo irados. Ajuntaram-se todos de comum
acordo para virem atacar Jerusalém e suscitar confusão ali”.
Três coisas precisam ser vistas para se apreciar a força da
segunda forma de oposição.
1. A oposição chegou no momento delicado, quando todos
estavam cansados. O povo estava trabalhando com todo o coração,
como registra Neemias (v. 6). O muro atingira metade da altura. Mas
ainda havia metade do muro pela frente, e a força e a determinação
do povo já estava começando a ceder. Vemos isso no relatório do
povo de Judá, registrado no versículo 10: “Já desfaleceram as
forças dos carregadores, e os escombros são muitos; de maneira
que não podemos edificar o muro”.
Você nunca sentiu esse tipo de desânimo quando estava no
meio de um trabalho que exigia muito? Eu já. Muitas vezes sinto
isso quando escrevo um sermão. Na verdade, tenho um termo para
isso. Digo a mim mesmo que “atolei”, ou seja, fiquei sem saída. Isso
ocorre porque o processo de preparação do sermão é mental e
emocionalmente desgastante, e, com frequência, chego ao ponto
em que não quero mais continuar. Quando me sinto assim, recebo
uma ameaça adicional de fora, a combinação do cansaço e medo
ou ansiedade pode, com facilidade, me fazer parar. Podemos lutar
contra um inimigo, mas é difícil lutar contra dois (ou mais) inimigos
ao mesmo tempo.
2. Veio de inimigos poderosos. Até este ponto, apenas nos foi
informado sobre Sambalate, o governador de Samaria, e Tobias, o
governador de Amon, embora um terceiro homem, Gesém, o árabe,
tenha sido mencionado em 2.19. Agora, de repente, existem quatro
grupos distintos: 1) Sambalate de Samaria, 2) Tobias de Amon e seu
povo, 3) os árabes e 4) os homens de Asdode. Em outras palavras,
a oposição não desapareceu porque Neemias orou a respeito. Ao
contrário, estava aumentando e era ameaçadora. Para entender
toda a força da ameaça, precisamos visualizá-la geograficamente.
Samaria estava ao norte. Amon estava a leste. Os árabes estavam
ao sul. O povo de Asdode (ou Filístia) ficava a oeste. Em outras
palavras, a oposição de Sambalate e Tobias era agora uma
coligação de quem cercava Jerusalém por completo.
Além disso, eles estavam fazendo duas coisas: 1) Reunindo-
se (v. 8) e 2) Ameaçando os judeus (v. 11: “Nada saberão disto, nem
verão, até que entremos no meio deles e os matemos; assim,
faremos cessar a obra”).
3. Foi eficiente. Não surpreende, à luz dos dois primeiros
pontos, que essa forma de oposição tenha sido eficiente, pelo
menos para quem vivia perto desses inimigos, mas ajudava a
reconstruir Jerusalém. Eles conheciam a força dos inimigos e
relataram, aparentemente com genuíno medo e desânimo: “De
todos os lugares onde moram, subirão contra nós” (v. 12).
Foi um ponto crítico no projeto, e o povo teria abandonado o
trabalho se não fosse por Neemias. Ele estivera orando. A oração
lhe proporcionara equilíbrio. Ele conhecia a força da ameaça, mas
também suas limitações. Acima de tudo, conhecia a força de Deus,
e estava certo de contar com o apoio dele.
Em termos militares, Neemias deveria saber da
improbabilidade de os inimigos atacarem a cidade com força total,
pois ele contava com a autoridade imponente de Artaxerxes. Se a
coligação de governadores dalém do Eufrates o atacasse, isso
consistiria em oposição a Artaxerxes, a acusação exata lançada
contra os judeus. Entretanto, Neemias deveria saber da
probabilidade de ataques de guerrilha. Não seria necessário muito
esforço para os inimigos se infiltrarem na cidade, surpreenderem os
construtores, matarem alguns — e negarem ter algo com isso. Além
do mais, Neemias sabia que qualquer coisa dessa natureza
desmoralizaria as pessoas, o trabalho pararia e nunca mais seria
retomado. O que fazer? Sua ação foi muito sábia. Ele lidou com a
ameaça real, não a imaginada, e o fez de modo a fortalecer a baixa
autoestima das pessoas e sua resolução.
Neemias transformou Jerusalém em um acampamento
armado.
Quando a ameaça se tornou conhecida, ele respondeu ao
colocar um guarda de dia e de noite (v. 9). Quando os rumores de
violência continuaram e começaram a surtir um efeito
desmoralizante, ele foi além: 1) Interrompeu o trabalho (v. 13, 15), 2)
Armou o povo (v. 13), e 3) Organizou as pessoas em grupos
familiares nos locais mais expostos ao longo do muro (v. 13). Dividi-
los em famílias correspondia à maneira tradicional de combater em
Israel e aumentava a consciência sobre a situação. Neemias sabia
que eles lutariam mais ferozmente quando a vida da própria família
estivesse em risco.
Quando os inimigos souberam da preparação dos judeus e
que sua conspiração fora frustrada, a pressão diminuiu e Neemias
foi capaz de devolver os trabalhadores ao muro. Mas ele não se
esqueceu da ameaça. Portanto: 1) Dividiu as pessoas em dois
grupos, um que trabalharia e outro pronto para lutar a qualquer
momento (até os trabalhadores carregavam armas, v. 16-18),
2) Elaborou um plano para enfrentar um ataque inesperado (v. 18-
20), 3) Acelerou o ritmo da construção (do amanhecer até as
estrelas aparecerem, v. 21), e 4) Manteve as pessoas na cidade dia
e noite (v. 23). Mais importante, nesse período todo, continuou a
aumentar o moral, lembrando às pessoas de que Deus lutaria por
elas: “Não os temais; lembrai-vos do S , grande e temível, e
pelejai pelos vossos irmãos, vossos filhos, vossas filhas, vossa
mulher e vossa casa” (v. 14) e “o nosso Deus pelejará por nós”
(v. 20).
Neemias permaneceu com o povo o tempo todo: “Nem eu,
nem meus irmãos, nem meus moços, nem os homens da guarda
que me seguiam largávamos as nossas vestes; cada um se deitava
com as armas à sua direita” (v. 23).
Que padrão para nós quando nos deparamos com oposição:
oração e persistência, fé e boas obras.
Entretanto, fé acima de tudo. Neemias tinha muitas boas
características, era um líder mesmo para os padrões mundanos. O
que o tornou realmente grande foi a fé em Deus e a garantia de que
Deus lhe dera a tarefa de reconstruir o muro, por isso ele ficaria a
seu lado até o fim do trabalho. O apóstolo Paulo escreveu que Deus
sustenta sua obra até ela estar pronta: “Estou plenamente certo de
que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao
Dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6) Deveríamos saber que ele também
nos permitirá levar nosso trabalho à conclusão.
6. A quinta dinâmica: lidar com a oposição — parte
2 (Neemias 5.1-19)
Foi grande, porém, o clamor do povo e de suas mulheres contra os judeus, seus
irmãos. Porque havia os que diziam: Somos muitos, nós, nossos filhos e nossas
filhas; que se nos dê trigo, para que comamos e vivamos.
Também houve os que diziam: As nossas terras, as nossas vinhas e as nossas
casas hipotecamos para tomarmos trigo nesta fome.
Houve ainda os que diziam: Tomamos dinheiro emprestado até para o tributo do
rei, sobre as nossas terras e as nossas vinhas. No entanto, nós somos da
mesma carne como eles, e nossos filhos são tão bons como os deles; e eis que
sujeitamos nossos filhos e nossas filhas para serem escravos, algumas de
nossas filhas já estão reduzidas à escravidão. Não está em nosso poder evitá-lo;
pois os nossos campos e as nossas vinhas já são de outros.
Ouvindo eu, pois, o seu clamor e estas palavras, muito me aborreci. Depois de
ter considerado comigo mesmo, repreendi os nobres e magistrados e lhes disse:
Sois usurários, cada um para com seu irmão; e convoquei contra eles um
grande ajuntamento. Disse-lhes: nós resgatamos os judeus, nossos irmãos, que
foram vendidos às gentes, segundo nossas posses; e vós outra vez negociaríeis
vossos irmãos, para que sejam vendidos a nós? Então, se calaram e não
acharam o que responder.
Disse mais: não é bom o que fazeis; porventura não devíeis andar no temor do
nosso Deus, por causa do opróbrio dos gentios, os nossos inimigos? Também
eu, meus irmãos e meus moços lhes demos dinheiro emprestado e trigo. Demos
de mão a esse empréstimo. Restituí-lhes hoje, vos peço, as suas terras, as suas
vinhas, os seus olivais e as suas casas, como também o centésimo do dinheiro,
do trigo, do vinho e do azeite, que exigistes deles.
Então, responderam: Restituir-lhes-emos e nada lhes pediremos; faremos assim
como dizes. Então, chamei os sacerdotes e os fiz jurar que fariam segundo
prometeram.
Neemias 5.1-12

A distribuição do conteúdo de Neemias 1-6 é interessante. Um


capítulo é dedicado à reação de Neemias ao desafio de construir os
muros de Jerusalém; um capítulo à audiência com Artaxerxes, sua
viagem a Jerusalém e a inspeção noturna das ruínas; o terceiro
capítulo à reconstrução dos muros. No entanto, três capítulos
inteiros (cap. 4-6) narram a oposição encontrada por Neemias ao
construir o muro e como ele lidou com ela. A distribuição mostra a
importância da abordagem do líder à oposição. Para ter sucesso em
uma tarefa sem oposição, é necessário ter habilidade, mas é
necessário que o líder tenha sucesso quando o trabalho é
contestado. John White destaca a nota em referência aos líderes
cristãos:
Nenhum teste de liderança é mais revelador que o teste da oposição.
Os líderes cristãos podem se despedaçar sob tanta pressão. Alguns
ficam desanimados demais para continuar. Outros constroem muros
em torno de si e disparam a esmo de trás deles. Tornam-se apáticos,
amargurados e vingativos. Mas não Neemias. Em nenhum lugar sua
liderança brilha mais que quando lida com a oposição.[32]
No capítulo 4, vimos como Neemias enfrentou duas formas
comuns de oposição: a ridicularização, a mais fácil de todas as
formas de oposição, e a ameaça de violência. A última é o caminho
seguido com frequência quando a ridicularização falha. Neemias
venceu a primeira ao reconhecer a ridicularização pelo que era: a
tentativa fraca de fazê-lo parar a construção. Ele seguiu de duas
maneiras: levou o assunto a Deus em oração, esperando nele por
justiça, e continuou construindo. Neemias venceu o segundo ataque
por meios práticos: armar os trabalhadores, colocar guardas, manter
o povo na cidade à noite onde estaria a salvo, e estabelecer
procedimentos para ataques inesperados. As providências foram
bem-sucedidas. Os inimigos se frustraram, e o trabalho avançou
incansavelmente.
De repente, a julgar pelo tom do capítulo 5, surgiu uma nova
forma de oposição de uma fonte inesperada. As duas primeiras
formas de oposição foram exteriores, dos inimigos de Israel. A nova
forma veio de dentro. Surgiu por causa da conduta incorreta de
alguns do próprio povo judeu.
Não é assim que as coisas sempre acontecem? Você está
envolvido em algum trabalho importante. É criticado por pessoas
não cristãs e alheias à sua visão. Superada essa forma de oposição,
de repente surge um problema na igreja ou na própria comunidade
cristã. Muitas vezes, essa ameaça é mais problemática que a
externa. Isso já havia acontecera com Israel antes. Nos dias da
monarquia, os estados judeus haviam se oposto aos vizinhos
pagãos. Ocorreram muitas guerras. Quando Deus enviou profetas
para chamar o povo à justiça, não foram os pagãos que mataram os
mensageiros de Deus, mas os próprios judeus. Da mesma forma, o
exame da história da igreja mostrará que os ataques mais bem-
sucedidos contra a igreja não vieram dos incrédulos, mas dos de
dentro, de quem professa conhecer a Deus e Jesus Cristo. Eles vem
de “cristãos” promotores de heresias ou “crentes” que denunciam,
perseguem ou até matam outros cristãos.
Quem é responsável pela maior oposição ao trabalho cristão
hoje? É o governo com as políticas radicais de “separação entre
igreja e Estado”? É a American Civil Liberties Union [União
Americana das Liberdades Civis], com o forte viés antirreligioso?
Eles podem ser fontes de oposição genuína, e são. Mas não é
verdade que a maior oposição ao trabalho cristão hoje vem de
dentro da igreja, de quem deseja uma forma de piedade, mas rejeita
o cristianismo genuíno?
Pogo, um personagem de tirinhas de jornal, disse: “Nós
encontramos o inimigo: somos nós”. Neemias descobriu que isso
era verdade, e também nós o faremos.

E
O problema que estourou internamente no momento é muito
bem descrito nos versículos 1-5:
Foi grande, porém, o clamor do povo e de suas mulheres contra os
judeus, seus irmãos. Porque havia os que diziam: Somos muitos,
nós, nossos filhos e nossas filhas; que se nos dê trigo, para que
comamos e vivamos.
Também houve os que diziam: As nossas terras, as nossas vinhas e
as nossas casas hipotecamos para tomarmos trigo nesta fome.
Houve ainda os que diziam: Tomamos dinheiro emprestado até para
o tributo do rei, sobre as nossas terras e as nossas vinhas. No
entanto, nós somos da mesma carne como eles, e nossos filhos são
tão bons como os deles; e eis que sujeitamos nossos filhos e nossas
filhas para serem escravos, algumas de nossas filhas já estão
reduzidas à escravidão. Não está em nosso poder evitá-lo; pois os
nossos campos e as nossas vinhas já são de outros.
Os versículos descrevem um exemplo clássico da diferença
entre ricos e pobres e como os ricos às vezes controlam as coisas
para ficarem mais ricos enquanto os pobres ficam mais pobres. Foi
um caso de pura exploração, e o pior foi ter ocorrido na comunidade
judaica entre quem deveria se ajudar.
Os judeus que haviam retornado a Israel da Babilônia eram
ricos. Cyril Barber nos lembra que, de acordo com os primeiros
capítulos de Esdras, quem voltou do exílio o fez com muitos bens
materiais. Esdras fez um inventário dos bens. Em suma, havia 5.400
artigos de ouro e prata (Ed 1.11). Além disso, o próprio rei Ciro abriu
seu tesouro e contribuiu com “os utensílios da Casa do S , os
quais Nabucodonosor tinha trazido de Jerusalém” (Ed 1.7;
2Cr 36.18; Dn 1.1, 2). Uma vez em Jerusalém, muitos judeus eram
ricos o suficiente ou haviam prosperado o suficiente para cercar a
casa, um luxo antes reservado apenas aos reis (Ag 1.4). Quando o
templo foi construído, o povo contribuiu com generosidade para
adorná-lo (Ne 7.71-72).
Além disso, apenas 13 anos antes da chegada de Neemias, o
segundo grupo de exilados regressou com Esdras, trazendo “prata e
ouro” adicionais, “ofertas voluntárias do povo” deixado na Babilônia
(Ed 7.16). Outros presentes da Babilônia parecem ter chegado com
regularidade (Zc 6.10).[33] O que mudou a situação vantajosa? Por
que, quando se chega a Neemias 5, algumas pessoas são tão
pobres?
Havia vários fatores. Um dos clamores, registrado no
capítulo 5, menciona a fome. A falta de chuva e o consequente
fracasso das lavouras eram problemáticos. Outros se queixaram da
tributação do rei, embora os estudiosos concordem que isso não era
particularmente pesado, pelo menos não para os outros, mas para
os extremamente pobres. Esses foram fatores contribuintes, mas o
verdadeiro problema era que os judeus mais ricos exploravam os
menos abastados e, na verdade, reduziam alguns deles ao estado
desesperador de escravidão. Exploração? Talvez essa seja uma
palavra muito forte. Os ricos nunca a teriam usado. Teriam afirmado
apenas emprestar dinheiro de forma legal, talvez até fazendo isso
para “ajudar” os compatriotas mais pobres. Mas, tecnicamente
correto ou não, por certo os ricos se aproveitavam da situação.
Como Neemias diz mais tarde: “Não é bom o que fazeis” (v. 9).
Barber sugere que havia três classes de pessoas sendo
exploradas: 1) Os trabalhadores, cujos recursos haviam se esgotado
(v. 2), 2) Os agricultores, cujas terras estavam sendo hipotecadas
(v. 3), e 3) As pessoas com problemas para pagar os impostos
(v. 4,5). Nesse caso, os da terceira categoria estavam na pior
situação, pois já haviam perdido os campos e perdiam alguns filhos
para a escravidão.
Mas a situação talvez não fosse tão clara assim. A maioria das
pessoas da categoria 1 também era agricultora; assim, os três
grupos continham lavradores. Todos foram afetados pela fome e
exploração. É provável que as queixas dos versículos 1-5 sejam
expressões da situação cada vez mais desesperadora à qual os
pobres poderiam estar sujeitos. A sequência seria: 1) Falta de
alimento adequado ou fome, 2) Hipoteca dos campos para obter
dinheiro e comprar grãos e pagar impostos, 3) Perda dos campos
devido à incapacidade de pagar o empréstimo, e 4) Venda dos filhos
para prestar serviços ou em escravidão definitiva para
sobreviverem. Os detalhes são diferentes, mas hoje existe uma
sequência espiral descendente similar entre os pobres. E sempre,
os pobres — não os ricos — protestaram contra a injustiça.

H
Como um líder pode lidar com injustiças, principalmente as
praticadas por pessoas influentes contra as não influentes? Como
uma pessoa pode enfrentar o mal quando os fortes têm a lei do seu
lado? A primeira coisa que Neemias nos diz é que ficou irado com
essas injustiças: “Ouvindo eu, pois, o seu clamor e estas palavras,
muito me aborreci” (v. 6).
Diverti-me ao ler vários comentários sobre Neemias e
perceber o quanto os escritores contemporâneos lutam contra a ira
de Neemias. Isso ocorre pelo simples fato de, para eles, a ira parece
ser algo errado. John White lida com a questão de saber se a ira de
Neemias era justa ou apenas carnal e se, ao presumir sua exclusiva
carnalidade, seria melhor expressá-la ou reprimi-la.[34]
Cyril Barber reconhece a diferença entre a ira justa e a injusta
e considera a resposta de Neemias como aquela de um homem
piedoso. Contudo, ele considera a ira um problema tão grande que
interrompe a exposição com uma seção sobre “como lidar com
isso”.[35]
De fato, não só os comentaristas sentem dificuldade com a ira
de Neemias. Os tradutores da Escritura em inglês também. Por
exemplo, assim se lê o versículo 7 na New English Bible: “Dominei
meus sentimentos e conversei com os nobres”, implicando que a ira
do versículo 6 estava errada. A New International Version está sem
dúvida mais próxima da verdade quando diz: “Ponderei sobre elas
[as acusações] em minha mente e depois acusei os nobres”. A
Revised Standard Version declara com vigor: “Eu me aconselhei, e
os culpei”.
Há uma grande diferença entre a ira justa e injusta, e com
frequência ficamos irados apenas no segundo sentido, quando algo
nos ofende pessoalmente. Precisamos ser advertidos contra essa
ira, mas também precisamos insistir em ficar irados quando a ira
justa for apropriada.
Há alguns anos, Franky Schaeffer, filho do falecido autor
evangélico e apologista cristão Francis A. Schaeffer, escreveu um
livro intitulado A Time for Anger: The Myth of Neutrality [Hora de se
irar: o mito da neutralidade]. Ele começa assim: “Há momentos em
que alguém com um pingo de princípios morais deve ficar
profundamente irado. Vivemos esses dias”.[36]
Em minha opinião, o livro não é particularmente bom, pois só
ataca a cultura secular e não as injustiças cometidas pela
comunidade cristã. Afinal, o que devemos esperar do mundo senão
injustiça? Mesmo Neemias não ficou zangado com Sambalate e
Tobias. Ele apenas percebeu de onde elas provinham e tomou as
medidas necessárias para se opor a elas. A ira real deve ser sentida
contra quem professa seguir os padrões de Deus e ainda assim os
compromete com suas ações. No entanto, gosto do título do livro de
Schaeffer, pois afirma existir a “hora para se irar” e nos alerta sobre
isso. Neemias estava irado. A exploração de judeus por judeus não
era correta, e ele se irou o suficiente para se opor a ela.

R
Quando Neemias “analisou” o problema, em vez de agir com
precipitação, escolheu um caminho de resposta em que enfrentou
os ofensores em particular. Ele relata isso de forma breve: “lhes
disse: Sois usurários, cada um para com seu irmão” (v. 7). Podemos
presumir que, ao fazer isso, Neemias ampliou a acusação, ao
mostrar que sua ação se opunha ao Antigo Testamento. Ele teria
apontado passagens como Êxodo 22.25: “Se emprestares dinheiro
ao meu povo, ao pobre que está contigo, não te haverás com ele
como credor que impõe juros”. Ou o grande “capítulo do Jubileu” de
Levítico:
Se teu irmão empobrecer, e as suas forças decaírem, então,
sustentá-lo-ás. Como estrangeiro e peregrino ele viverá contigo. Não
receberás dele juros nem ganho; teme, porém, ao teu Deus, para
que teu irmão viva contigo. Não lhe darás teu dinheiro com juros,
nem lhe darás o teu mantimento por causa de lucro. Também se teu
irmão empobrecer, estando ele contigo, e vender-se a ti, não o farás
servir como escravo. Como jornaleiro e peregrino estará contigo; até
ao Ano do Jubileu te servirá; então, sairá de tua casa, ele e seus
filhos com ele, e tornará à sua família e à possessão de seus pais.
(Lv 25.35-37, 39-41)
Ou Deuteronômio 23.19: “A teu irmão não emprestarás com
juros, seja dinheiro, seja comida ou qualquer coisa que é costume
se emprestar com juros”.
De acordo com os versículos, os judeus não deveriam
explorar os compatriotas. Eles podiam emprestar dinheiro a pessoas
de fora a taxas elevadas, mas os judeus eram seu povo e não
deveriam tirar vantagem deles de nenhuma maneira. Além disso, se
um judeu caísse em escravidão, os judeus livres deveriam fazer o
possível para o resgatar e libertá-lo. Adiante, Neemias se refere a
essa obrigação.
No confronto particular com os ricos, Neemias seguiu o
primeiro princípio para lidar com o pecado entre irmãos (e
possivelmente o segundo), explicado por Jesus em Mateus 18: “Se
teu irmão pecar [contra ti], vai argui-lo entre ti e ele só. Se ele te
ouvir, ganhaste a teu irmão. Se, porém, não te ouvir, toma ainda
contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas
ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça” (v. 15, 16). Não
sabemos se Neemias manteve testemunhas na primeira reunião
individual com os nobres e oficiais ofensores, mas ele seguiu o
procedimento geral. Antes de tornar as coisas públicas, Neemias
tentou resolver o problema em particular.
Ele foi bem-sucedido? Ao que parece, não. Não houve
resposta dos nobres. Parece que resistiram e não disseram nada,
como costumam proceder os errados. Neemias passou para o
confronto público.

C
Sou grato a Frank R. Tillapaugh por alguns pensamentos
importantes a respeito, pois, para ter uma reunião pública, Neemias
deve ter retirado os trabalhadores do muro. Em circunstâncias
normais, isso não seria notável, mas não eram circunstâncias
normais. O único objetivo de Neemias era construir o muro e fazê-lo
rápido, antes que a ação fosse interrompida pelos inimigos de Israel.
Todos trabalhavam. Estavam trabalhando desde a primeira luz do
amanhecer até o aparecimento das estrelas. De fato, desde o
terceiro dia após a chegada a Jerusalém, quando começou a
construção, até esse momento, houve apenas uma pequena
interrupção do trabalho, porque um ataque armado parecia iminente
(Ne 4.13, 14). Passada a ameaça, Neemias pôs o povo para
trabalhar nos muros de novo.
No entanto, agora Neemias interrompeu o trabalho e realizou
uma reunião pública. Por quê? Tillapaugh afirma que a situação
havia mudado. Ocorreu um problema de importância tão grande que
se fez necessário lidar com ele de imediato. “De que adianta
construir o muro”, perguntou Tillapaugh, “se dentro do muro havia
pessoas que exploravam outras?”.[37]
Devemos repetir essa pergunta hoje, e nós mesmos devemos
formulá-la. De que adianta construir grandes instituições
evangélicas e erigir muros contra o “mal” do mundo secular e
inimigo se, dentro dos muros, aqueles chamados de povo de Deus
são indistinguível dos de fora? De que adianta preservar a
identidade “cristã” separada se os cristãos se comportam como
incrédulos? Em termos claros: precisamos parar de chamar o
mundo ao arrependimento até que nos arrependamos.
Do que devemos nos arrepender? Existem muitas coisas, mas
a consideração cuidadosa deste capítulo sugere duas:
1. Desobediência à lei revelada por Deus. Os nobres da época
de Neemias desobedeciam aos ensinamentos de Êxodo, Levítico e
Deuteronômio. Por que tantas pessoas na igreja evangélica tratam a
lei revelada por Deus de maneira tão casual? Não causa surpresa o
mundo fazer isso. O mundo não entende que a Bíblia é o livro de
Deus. Mas nós entendemos. Sustentamos até mesmo que ela é
inerrante “na totalidade e nas partes”. Assim, como podemos tratá-la
de maneira tão leviana? Como podemos dizer — e já ouvi muitos
autoproclamados evangélicos dizerem: “Mas esse [ensino
específico] era para aqueles dias, não para hoje”. Ou: “Bem, temos
que ser realistas. A vida não se encaixa nessas categorias bem
definidas”. Pegamos leve com as Escrituras e precisamos nos
arrepender. Precisamos nos tornar pessoas do Livro — de fato, e
não apenas na profissão de fé.
2. Colocar a prosperidade pessoal antes do bem-estar de
outras pessoas. Era isso que os nobres faziam. Enriqueciam à custa
dos pobres. Posso sugerir que a igreja evangélica também tenha
feito isso — ou pelo menos enriqueceu ao desconsiderar os
membros mais pobres. Os únicos momentos da história em que a
igreja foi de fato piedosa e muito forte ocorreram quando esteve
lado a lado com os pobres e os ajudou. O avivamento sempre deu
frutos entre as massas. John Wesley e George Whitefield pregavam
nos campos para pessoas comuns, não em catedrais para os
privilegiados. Contudo, a maioria de nós nem conhece pessoas
pobres. Às vezes, damos contribuições para ajudá-los — se não
insistirem demais. Mas não somos uma igreja de pobres. Nem
somos uma igreja das massas. Precisamos nos arrepender das
disposições elitistas.
Qual é o problema conosco? Não era o amor ao dinheiro que
fazia os oficiais da época de Neemias explorar quem estava a seu
redor? Não colocamos a boa vida em primeiro lugar, a qualquer
custo?
Não posso dizer que a igreja evangélica explore
conscientemente outros cristãos ou os pobres em geral, embora
façamos parte de um sistema que dificulta a sobrevivência dos
pobres. Mas ouça o seguinte: “Somos muitos, nós, nossos filhos e
nossas filhas; que se nos dê trigo, para que comamos e vivamos...
As nossas terras, as nossas vinhas e as nossas casas hipotecamos
para tomarmos trigo nesta fome... Tomamos dinheiro emprestado...
Não está em nosso poder evitá-lo” (v. 2-5). Tudo é muito oportuno e
relevante pois, quer os exploremos ou não, certamente fazemos
muito pouco para ajudar os pobres.
Frank R. Tillapaugh menciona uma cidade em que uma escola
cristã suburbana teve problemas financeiros e a comunidade
evangélica se propôs de imediato a ajudar. Mas na mesma cidade
as lutas de uma escola do centro da cidade foram ignoradas.
A Young Life [Vida Jovem] prospera nos subúrbios. Em áreas
pobres, ela mal consegue dinheiro para pagar a equipe inicial, mas
os problemas das cidades são maiores que os das áreas periféricas.
Arrecadamos dinheiro para alimentar os pobres em
Bangladesh, desde que as campanhas não limitem nossas
atividades materialistas. Todavia, não fazemos nada para alimentar
os pobres à nossa porta. Precisamos nos arrepender de tanta
maldade. Precisamos nos posicionar dentro dos muros antes de
construirmos muros mais altos.

N -
A surpresa no capítulo é que Neemias obteve sucesso.
Sabemos que ele enfrentou forte oposição, pois os nobres não
reagiram quando lidou com eles. No entanto, depois de Neemias
expor o erro e desafiar os ofensores a devolver campos, vinhedos,
olivais e casas, devolver os juros e interromper a usura, os nobres
responderam: “Restituir-lhes-emos e nada lhes pediremos; faremos
assim como dizes” (v. 12).
Neemias garantiu que isso acontecesse. Chamou os
magistrados e fez os nobres e oficiais jurarem cumprir a promessa.
Isso equivalia à preparação de um contrato com firma reconhecida.
Então ele executou um ato simbólico: sacudiu a roupa como aviso
profético de que Deus “cobraria” quem prometesse fazer a coisa
certa, e depois a renegasse. John White destaca a ação de
Neemias:
As ações de Neemias até esse momento poderiam ter sido
realizadas hoje por qualquer humanista justo. Convocar os
magistrados para administrar um juramento pode representar uma
legalidade que possui apenas forma de piedade. Todos os dias,
testemunhas sem Deus juram sobre Bíblias em tribunais humanos.
Mas o juízo profético exato marcou Neemias como o homem que
acreditava nos poderes do mundo vindouro e estava em contato com
Deus — não apenas o Deus transcendente, mas imanente e próximo
dos servos.[38]
Esse era o segredo de Neemias. Ele era íntimo de Deus. Suas
prioridades estavam no lugar certo e apresentou um exemplo
coerente. De fato, nos versículos 14-18, ele revela o exemplo. Não
aceitou os benefícios que poderia ter recebido por causa do seu
cargo: impostos e boa vida. Ao contrário, viveu por seus próprios
meios e usou a fartura pessoal para alimentar quem teve menos
sorte. Os associados a ele seguiram o modelo. Também ajudaram e
trabalharam. Foi um exemplo magnífico de liderança servil, e isso
ocorreu porque Neemias temia a Deus. “Porém eu assim não fiz, por
causa do temor de Deus”, disse ele, contrastando suas ações com
as dos governadores mundanos (v. 15).
Esse é o nosso padrão. É o padrão de Jesus, que “não veio
para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por
muitos” (Mt 20.28). Se liderarmos assim, poderemos dizer, como
Neemias conclui: “Lembra-te de mim para meu bem, ó meu Deus, e
de tudo quanto fiz a este povo” (v. 19).
7. A quinta dinâmica: lidar com a oposição — parte
3 (Neemias 6.1-14)
Tendo ouvido Sambalate, Tobias, Gesém, o arábio, e o resto dos nossos
inimigos que eu tinha edificado o muro e que nele já não havia brecha nenhuma
ainda que até este tempo não tinha posto as portas nos portais Sambalate e
Gesém mandaram dizer-me: Vem, encontremo-nos, nas aldeias, no vale de
Ono.
Porém intentavam fazer-me mal. Enviei-lhes mensageiros a dizer: Estou fazendo
grande obra, de modo que não poderei descer; por que cessaria a obra,
enquanto eu a deixasse e fosse ter convosco? Quatro vezes me enviaram o
mesmo pedido; eu, porém, lhes dei sempre a mesma resposta.
Então, Sambalate me enviou pela quinta vez o seu moço, o qual trazia na mão
uma carta aberta, do teor seguinte:
Entre as gentes se ouviu, e Gesém diz que tu e os judeus intentais revoltar-vos;
por isso, reedificas o muro, e, segundo se diz, queres ser o rei deles, e puseste
profetas para falarem a teu respeito em Jerusalém, dizendo: Este é rei em Judá.
Ora, o rei ouvirá isso, segundo essas palavras. Vem, pois, agora, e consultemos
juntamente.
Mandei dizer-lhe: De tudo o que dizes coisa nenhuma sucedeu; tu, do teu
coração, é que o inventas.
[...] Tendo eu ido à casa de Semaías, filho de Delaías, filho de Meetabel (que
estava encerrado), disse ele: Vamos juntamente à Casa de Deus, ao meio do
templo, e fechemos as portas do templo; porque virão matar-te; aliás, de noite
virão matar-te.
Porém eu disse: homem como eu fugiria? E quem há, como eu, que entre no
templo para que viva? De maneira nenhuma entrarei. Então, percebi que não
era Deus quem o enviara; tal profecia falou ele contra mim, porque Tobias e
Sambalate o subornaram. Para isto o subornaram, para me atemorizar, e para
que eu, assim, viesse a proceder e a pecar, para que tivessem motivo de me
infamar e me vituperassem.
Neemias 6.1-8, 10-13

Nos últimos dois capítulos de Neemias, vimos três formas de


oposição que ameaçavam derrotar o plano de Neemias de
reconstruir os muros de Jerusalém. Os dois primeiros eram externos
e vieram dos inimigos pagãos de Neemias: 1) Oposição pela
ridicularização e 2) Oposição pela ameaça de violência. Neemias os
superou pela fé em Deus, coragem e sabedoria prática. A terceira
forma de oposição era interna. Foi causada pela ganância, que
resultou na opressão dos pobres pelas classes ricas de Israel.
Neemias superou o problema ao proceder de modo semelhante à
descrição que Jesus faria em Mateus 18.15-17. Ele enfrentou os
transgressores, em particular e depois em público, quando eles se
recusaram a ouvir.
Com a dissensão interna deixada para trás, Neemias mais
uma vez devolveu os trabalhadores ao muro e logo fez tal progresso
que, em pouco tempo, todo o muro foi completado em toda a altura.
Restavam apenas as portas.
De repente, quando o trabalho parecia terminar, a fase final da
oposição inimiga se desenrolou. Ela estava dividida em três partes:
Oposição por meio de: 1) Intrigas, 2) Insinuações e 3) Intimidação.
Todas eram sutis; à primeira vista, ela parecia algo diferente da
realidade. Parte do desafio de Neemias era enxergar a situação com
clareza.
Outra característica: cada ataque era direcionado
pessoalmente a Neemias. Isso não ocorreu antes. Os dois primeiros
obstáculos foram ridicularizar os judeus pelas fraquezas e depois
ameaçá-los com violência, tentando amedrontá-los. Os problemas
internos estavam entre os pobres e os ricos, que os exploravam.
Agora não. Na fase final da oposição de Sambalate e Tobias, os
ataques foram direcionados a Neemias. Cyril J. Barber diz: “Quando
Sambalate fez seus conspiradores perceberem que tiveram o tapete
puxado, foram dominados taticamente e vencidos pela astúcia de
Neemias, decidiram atacar sua pessoa. [...] O orgulho ferido não
seria aplacado até a humilhação de Neemias”.[39]
Era uma manobra antiga. “Intercepte o capitão”, o técnico dirá
à linha defensiva. “Dispare nos oficiais”, o comandante diz às tropas.
Em princípio, esse tipo de oposição parece imprudente e
potencialmente inútil, pois atacar o líder equivale a atacar o ponto
mais forte, não o mais fraco. É a razão pela qual, em geral, a
oposição não começa nesse ponto, mas com coisas fáceis como
ridicularização e ameaças. Mais tarde, é diferente. Os líderes
também se cansam, e o estresse de liderar um grande projeto
demanda o preço. Então, o ataque ao líder é, com frequência,
eficiente.
No entanto, os ataques não foram eficientes com Neemias.
Ele se manteve firme. Ao perceber como fez isso, descobrimos
novas qualidades de liderança nesse homem extraordinário.
O
Acabei de dizer que cada uma das formas finais de oposição
se caracterizava pela sutileza, isto é, por parecer algo diferente do
que era. Isso se aplicava, em particular, à abordagem relatada nos
versículos 1-4: “Tendo ouvido Sambalate, Tobias, Gesém, o arábio,
e o resto dos nossos inimigos que eu tinha edificado o muro e que
nele já não havia brecha nenhuma — ainda que até este tempo não
tinha posto as portas nos portais — Sambalate e Gesém mandaram
dizer-me: Vem, encontremo-nos, nas aldeias, no vale de Ono” (v. 1,
2).
Por parecer bastante plausível à primeira vista, essa
comunicação era sutil e perigosa. Além disso, era atraente. Se o
convite para o encontro tivesse chegado antes, por certo Neemias
teria suspeitado. Teria sido uma manobra óbvia para fazê-lo parar
de trabalhar. Mas agora o muro foi reconstruído; faltava apenas
colocar as portas no lugar. O projeto estava quase concluído.
Nesse momento, o convite parecia um discurso de concessão
de quem acabara de perder a campanha política: “Neemias, não
adianta fingir que não nos opomos ao seu projeto. Nos opomos. Não
é do nosso interesse. Tivemos nossas diferenças sobre isso. Mas
você conseguiu, apesar de nós, e agora não adianta continuar a
oposição. Por bem ou por mal, teremos de viver juntos, você como
governador de Jerusalém e nós mesmos como governadores de
nossas províncias. Então sejamos amigos. Precisamos reunir a
cúpula. Por que não nos encontramos na planície de Ono? É um
lugar neutro e equidistante de cada uma das províncias. Você
escolhe uma vila em Ono e a gente se encontra lá”. Como Neemias
já estava olhando para além da conclusão do muro para mais
reformas, como mostra o restante do livro, uma mensagem assim
deve ter parecido razoável e atraente.
O que havia de errado em realizar um encontro desses?
O diálogo não é bom? Não é sempre melhor conversar que
lutar, manter as linhas de comunicação abertas?
A recusa em conversar com os oponentes não é sempre
desnecessária e irracionalmente beligerante?
Não é hora de deixar o passado para trás, de embainhar a
espada?
Que possível motivo pode haver para se recusar em conversar
quando a eleição passou ou o trabalho estiver concluído?
Esse era o problema em questão: o trabalho não estava
concluído. É verdade que estava quase pronto. Os muros estavam
prontos em toda a sua altura. Faltavam apenas as portas. Porém
sem as portas, até a conclusão, todo o grande projeto estava em
risco. Neemias sabia disso, e por esse motivo — pelo menos esse
era um motivo — ele recusou o convite. Que concentração
magnífica e decidida! E que resposta clássica! “Estou fazendo
grande obra, de modo que não poderei descer; por que cessaria a
obra, enquanto eu a deixasse e fosse ter convosco?” (v. 3). Neemias
relata que Sambalate e Gesém enviaram a mesma mensagem
quatro vezes e que cada vez lhes deu a mesma resposta.
Existem duas características da liderança particularmente
perceptíveis na resposta. Primeira, o líder deve saber dizer não.
Algumas pessoas não conseguem fazer isso. Por causa da própria
insegurança, do desejo desequilibrado de sempre agradar aos
outros, ou qualquer outra coisa, elas desmoronam e cedem —
principalmente se a solicitação for repetida. Neemias disse não
quatro vezes.
“Não devo estar disponível para outras pessoas?”, alguém
pergunta.
Sim, claro. Mas há uma diferença entre viver como servo de
Deus e viver para obter a aprovação humana.
Em que circunstâncias devo dizer não? Quando sou
confrontado pela tentação. Quando me pedem para comprometer a
verdade ou a moralidade. Quando um bem menor ameaça minar um
bem maior.
Para quem devo dizer não? Para meus filhos, com bastante
frequência. Para os inimigos. Aos amigos que me distrairiam do
chamado de Deus. Para Satanás.
Quando devo dizer não? Sempre que necessário, e com muito
mais frequência do que faço.
A segunda qualidade de liderança notável na resposta de
Neemias a Sambalate e Gesém foi a sabedoria prática. Vemos isso
em como ele recebe a mensagem e responde a ela. Ele não se
deixou levar. Embora a comunicação parecesse plausível, Neemias
sabia que os governadores estavam planejando prejudicá-lo. De
fato, ele diz isso no versículo 2. Mais uma vez, embora soubesse a
intenção deles, Neemias não os antagonizou sem necessidade. Não
os denunciou pela perfídia. Apenas disse estar ocupado demais
para descer à planície de Ono. Levaria pelo menos um dia para
chegar lá, um dia para o encontro e outro dia para voltar. Ele não
estava disposto a gastar esses três dias.
Cyril Barber diz: “Sua capacidade de ver com clareza as
questões e permanecer firme sob pressão o salvou de sucumbir aos
ardis dos adversários”.[40]

O
Após a quarta comunicação a Neemias e sua quarta recusa
(v. 4), Sambalate deve ter percebido que sua ansiedade
transparecia e que algo mais era necessário. Então ele recorreu às
insinuações. Aqui está como Neemias conta nos versículos 5-7:
Então, Sambalate me enviou pela quinta vez o seu moço, o qual
trazia na mão uma carta aberta, do teor seguinte:
Entre as gentes se ouviu, — e Gesém diz que — tu e os judeus
intentais revoltar-vos; por isso, reedificas o muro, e, segundo se diz,
queres ser o rei deles, e puseste profetas para falarem a teu respeito
em Jerusalém, dizendo: Este é rei em Judá. Ora, o rei ouvirá isso,
segundo essas palavras. Vem, pois, agora, e consultemos
juntamente.

Temos palavras para isso: “jogo duro” político; algo do


reservatório de “jogadas sujas” do candidato experiente.
O conteúdo não era novidade. Ele consistiu na reformulação
da acusação feita antes: “Que é isso que fazeis? Quereis rebelar-
vos contra o rei?” (Ne 2.19). O que a tornou nova (e “suja”) foi a
carta aberta que a sugeria. Uma carta aberta é uma carta lida em
público, repetida várias vezes no trajeto de Samaria a Jerusalém. A
mensagem já seria amplamente conhecida quando Neemias
recebeu a acusação. Em outras palavras, como com todas as
fofocas, o dano já estava feito.
Quando os rumores se espalham, o sujeito da conversa se
magoa. Mesmo que o boato seja provado falso depois, é inevitável o
sofrimento da vítima da fofoca.
Além disso, a carta era uma ameaça para ferir ainda mais
Neemias. Quando Sambalate disse: “Ora, o rei ouvirá isso, segundo
essas palavras. Vem, pois, agora, e consultemos juntamente” (v. 7),
ele não estava se oferecendo para ajudar, como suas palavras
pareciam indicar. De fato ele ameaçou denunciar Neemias a
Artaxerxes caso se recusasse a cooperar. Na verdade, era pior que
isso. O relatório já havia sido publicado. Agora Sambalate
ameaçava endossá-lo oficialmente.
O que um líder deve fazer nessas circunstâncias? Bem, se há
algum momento em que o líder precisa de força interior, é esse.
Antes de qualquer coisa, o coração dele deve ser puro. Se Neemias
estivesse realmente planejando se tornar rei e liderar uma revolta,
teria sido debilitado pela indecisão. O líder precisa de força interior
para agir de forma decisiva.
Observe o que ele fez. Assim que Neemias ouviu o relato,
respondeu de imediato a Sambalate: “De tudo o que dizes coisa
nenhuma sucedeu; tu, do teu coração, é que o inventas” (v. 8). Ele
acrescenta em suas memórias: “Porque todos eles procuravam
atemorizar-nos, dizendo: As suas mãos largarão a obra, e não se
efetuará” (v. 9).
Temos um exemplo contemporâneo, porém contrário, nas
eleições presidenciais de 1988 entre o vice-presidente George Bush
e o governador de Massachusetts, Michael Dukakis. Depois de
perder a eleição e ser questionado sobre os motivos do fracasso,
Dukakis respondeu culpando a campanha de Bush pelos ataques
pessoais. Ele disse: “Nosso erro não foi responder de imediato as
falsas acusações”. Se os ataques foram justos ou não, é algo que
as pessoas julgarão de forma diferente, a depender da lealdade
política. Contudo, o princípio é válido. A única maneira de lidar com
um boato falso é negá-lo de imediato — o que Neemias fez.
Ele fez outra coisa também: orou (v. 9). Por quê? Embora
tenha negado o falso boato de Sambalate da maneira mais direta e
enfática possível, ele não sabia se acreditariam na negação ou se
sobreviveria ao ataque. Sambalate poderia tê-lo denunciado a
Artaxerxes e apoiar o boato. Artaxerxes poderia ter acreditado em
Sambalate. Neemias poderia ter sido chamado e decapitado. Então,
ele se voltou para a única fonte verdadeira de força, como estava
acostumado a fazer.
Neemias orou: “Agora, pois, ó Deus, fortalece as minhas
mãos”.
Em última análise, isso é tudo que podemos fazer. Devemos
apresentar o caso diante de Deus e seguir adiante.
Onde Neemias conseguiu força interior? Obviamente, do
relacionamento com Deus. E se veio de Deus no caso de Neemias,
pode vir de Deus para nós também.
Cyril Barber cita Maurice E. Wagner dizendo assim:
Segurança pessoal [...] vem do relacionamento com as três pessoas
da Divindade. Nosso relacionamento com Deus Pai nos dá a
sensação de pertencimento. Somos membros de sua família e
estamos seguros no relacionamento Pai-filho. Nossa união com
Cristo, o Filho, nos dá senso de valor. Deus nos amou tanto que
enviou o seu Filho para morrer por nossos pecados. Com a redenção
realizada, Deus nos fez herdeiros com Cristo. Isso mostra o nosso
valor. Por fim, a habitação do Espírito Santo nos capacita. Somos
completos para cada tarefa (ou seja, somos competentes).[41]
A pessoa com a vida ancorada nesses três relacionamentos
fundamentais poderá resistir a todos os ataques hostis.

O
A forma final de oposição foi a intimidação total. Como as
outras, essa também foi sutil. Aparentemente, um homem
considerado profeta chamou Neemias. O nome dele era Semaías.
Neemias nos diz que Semaías estava trancado em sua casa,
embora não saibamos o motivo. Poderia ter sido por causa de
problemas de saúde ou de um voto, mas em vista do que se segue,
provavelmente foi por causa de um pretenso medo de sua parte.
Independente da causa imediata, a razão subjacente era um ardil
projetado com cuidado para desacreditar Neemias. Quando
Neemias aceitou o convite e foi vê-lo, Semaías disse: “Vamos
juntamente à Casa de Deus, ao meio do templo, e fechemos as
portas do templo; porque virão matar-te; aliás de noite virão matar-
te” (v. 10).
Há várias coisas a serem observadas sobre a sugestão.
Primeira, embora não seja muito aparente nas traduções para o
inglês, as palavras pareciam um oráculo e foram apresentadas a
Neemias como uma revelação de Deus. Várias traduções mais
acadêmicas lidam com isso da seguinte maneira: a Bíblia de
Jerusalém a coloca em linhas separadas, formando um par de
versículos:
porque virão para te matar;
sim, esta noite, virão te matar! (Ne 6.10)[42]
Segunda, observe a natureza do ataque “surpresa”. Foi uma
tentação para Neemias fazer duas coisas erradas: 1) Colocar a
segurança à frente do trabalho e 2) Violar a lei de Deus para salvar
sua vida.
Isso merece uma explicação. Quando Semaías sugeriu que
ele e Neemias fugissem para o “templo” para salvar a si mesmos, o
termo que usou significa “o Lugar Santo” e não apenas o recinto do
templo. Era uma sugestão pagã, pois apenas os não judeus criam
que alguém pudesse ser poupado da punição de um crime ao fugir
para um dos templos pagãos e morar ali, mesmo que a pessoa
fosse culpada de algo bastante sério. Os judeus tinham um
dispositivo semelhante nas seis cidades de refúgio (v. Dt 19.1-13;
Js 20.1-9), embora fossem apenas para pessoas culpadas de
homicídio não intencional, não de assassinato. Não havia provisão
para nenhuma ajuda ligada ao templo. Semaías falava como um
pagão nesse momento.
Além disso, sugeria algo contrário aos ensinamentos do AT.
Neemias era leigo, e os leigos não podiam entrar nas partes
internas do templo (Nm 18.7). O rei Uzias, que violou a proibição,
teve a sorte de escapar apenas com lepra (2Cr 26.16-21). Se
Neemias sucumbisse às sugestões ardilosas de Semaías, seria
seriamente prejudicado e poderia até perder a vida.
Na primeira vez que lemos a resposta de Neemias, somos
tentados a pensar nela como a resposta de alguém agressivo e
talvez até arrogante: “Homem como eu fugiria? E quem há, como
eu, que entre no templo para que viva? De maneira nenhuma
entrarei” (v. 11). Mas quando são lidas as outras palavras,
entendemos que a resposta envolve muito mais que sua autoestima.
Ele diz várias coisas, incluindo as seguintes: 1) Concordar com a
sugestão de Semaías seria pecado de sua parte (v. 13), e 2) Deus
não havia enviado Semaías (v. 12). Como ele sabia disso? Sem
dúvida, ele tinha conhecimento de que o AT proibia a entrada aos
leigos no Santo Lugar. Ele sabia que Deus não havia enviado
Semaías, pois Deus havia outorgado o AT, e o Deus que nos proíbe
de fazer uma coisa em um lugar não se contradiz dizendo que
devemos fazê-la em outro. Ele é sempre coerente.
Se pudéssemos aprender isso, seríamos poupados de muitos
problemas. Normalmente, em vez de obedecer a Deus,
desobedecemos e presumimos que Deus mudará de ideia e de
exigências. Mas ele não age assim, e não triunfamos na situação,
como Neemias fez. Cyril Barber escreve que Neemias triunfou ao
“não violar a lei de Deus para escapar do assassinato, mas ao
guardá-la!”.[43]

“O [ ] ”
Algum tempo atrás o ator Michael J. Fox estrelou um filme
sobre impérios empresariais em New York chamado O segredo do
meu sucesso. Nos primeiros capítulos de Neemias, aprendemos
algo muito mais importante que o segredo do sucesso nos negócios.
Aprendemos o segredo do sucesso de Neemias como líder e
homem de Deus. Este é o lugar para revisar as cinco características
da liderança.
1. A intimidade de Neemias com Deus e a oração. Nada é
mais característico de Neemias que a intimidade com Deus,
expressa com mais frequência na oração a Deus em todas as
ocasiões. Já vimos isso antes. Mais duas ocorrências surgem neste
capítulo (v. 9, 14). Neemias viu tudo que aconteceu com ele a partir
da estrutura espiritual.
2. O senso do chamado à obra de Neemias. Em termos
seculares, é uma questão de objetivos. Robert Townsend, autor de
Up the Organization [Levante a organização] e Further Up the
Organization [Avance a organização], escreveu: “Uma das funções
importantes do líder é fazer a organização se concentrar em seus
objetivos”.[44] Ele cita o senador romano Catão, que, repetindo
constantemente as três palavras Delenda est Carthago (“Cartago
deve ser destruída”), acabou movendo o Império Romano a atacar e
destruir o rival norte-africano.[45] Neemias tinha um forte senso de
seu único grande objetivo: reconstruir os muros, mas foi além disso.
Acima de tudo, ele sabia que era homem de Deus e tinha um
chamado para servir a Deus.
3. A autoconsciência de Neemias e o conhecimento do valor
pessoal. Essa não foi uma autoavaliação vã. Os dons recebidos por
Neemias provinham de Deus; ele não os teria de outra maneira.
Sabendo dos dons recebidos, não ficou nem um pouco surpreso
com a tarefa, ou intimidado pelos adversários. Deveríamos ter o
senso igualmente forte do valor pessoal e saber que fomos
preparados por Deus para qualquer tarefa que ele nos dê.
4. O extraordinário discernimento de Neemias. Ele também
demonstrou grande discernimento. Foi capaz de detectar em todos
os subterfúgios do inimigo exatamente o que acontecia. Onde
obteve tal discernimento? Um pouco pode ter sido por dom natural,
é claro, mas grande parte deve ter vindo de sua experiência e
entendimento espirituais.
Você se lembra das palavras ditas sobre Jesus perto do início
do Evangelho de João? Jesus havia purificado o templo e estava
causando uma grande agitação. Muitas testemunhas dos milagres
criam nele. “Mas”, somos informados, “o próprio Jesus não se
confiava a eles, porque os conhecia a todos. E não precisava de
que alguém lhe desse testemunho a respeito do homem, porque ele
mesmo sabia o que era a natureza humana” (Jo 2.24, 25). Jesus
não tinha as opiniões exaltadas dos seres humanos. Portanto, foi
capaz de manter a perspectiva e seguir o próprio caminho. O
mesmo aconteceu com Neemias. Ele sabia o que havia no homem.
Portanto, não foi enganado nem pelos dispositivos mais sutis dos
inimigos. Ele conseguiu se concentrar nas questões e prioridades
reais.
5. A grande coragem de Neemias. Não devemos nos
esquecer desse elemento, pois muitas pessoas receberam outros
dons importantes e, no entanto, fracassaram em momentos de teste
pela falta de coragem. “Homem como eu fugiria?”, Neemias
perguntou (6.11). John White comenta: “As palavras ecoam através
dos séculos para nós. Como Neemias, vivemos dias em que
devemos deixar que a coragem seja vista pela maneira como
agimos e falamos. Talvez isso nos ajude a perceber que a
verdadeira coragem não consiste na ausência do medo, mas em
fazer o que Deus quer, mesmo quando estamos com medo,
perturbados e magoados”.[46]
Quem não tem medo de vez em quando? Quem não fica
perturbado? Quem não se magoa? Todos nós. No entanto,
demonstramos liderança precisamente quando entregamos os
medos a Deus e persistimos.
8. O término do muro (Neemias 6.15-7.73)
Acabou-se, pois, o muro aos vinte e cinco dias do mês de elul, em cinquenta e
dois dias. Sucedeu que, ouvindo-o todos os nossos inimigos, temeram todos os
gentios nossos circunvizinhos e decaíram muito no seu próprio conceito; porque
reconheceram que por intervenção de nosso Deus é que fizemos esta obra.
Ora, uma vez reedificado o muro e assentadas as portas, estabelecidos os
porteiros, os cantores e os levitas, eu nomeei Hanani, meu irmão, e Hananias,
maioral do castelo, sobre Jerusalém. Hananias era homem fiel e temente a
Deus, mais do que muitos outros. E lhes disse: não se abram as portas de
Jerusalém até que o sol aqueça e, enquanto os guardas ainda estão ali, que se
fechem as portas e se tranquem; ponham-se guardas dos moradores de
Jerusalém, cada um no seu posto diante de sua casa.
Neemias 6.15, 16; 7.1-3

Ninguém que assistiu aos Jogos Olímpicos de Verão de 1988


em Seul, Coreia do Sul, se esquecerá de Greg Louganis. Ele já era
o melhor mergulhador do mundo, e veio a Seul para fazer o que
nenhum concorrente olímpico fizera antes: vencer as competições
de trampolim e plataforma em duas Olimpíadas consecutivas. Ele
venceu as duas em Los Angeles em 1984.
Louganis estava acostumado com obstáculos. Ele nasceu fora
do casamento e, apesar de ter sido adotado por uma família muito
solidária, durante anos lutou contra o sentimento de não
pertencimento. Ele era tímido. Além disso, como a família descobriu
mais tarde, Greg sofria de dislexia, o que, na escola primária e no
ensino médio, o levou a pensar que era portador de deficiência
mental. Só no primeiro ano na Universidade de Miami que sua
dificuldade foi identificada.
Louganis reagiu aos obstáculos ao lançar sua energia no
mergulho, onde suas habilidades naturais e seu trabalho duro
gradualmente o levaram ao topo do esporte. Quando chegou às
Olimpíadas de 1988, já havia conquistado 43 títulos nacionais de
mergulho, 6 medalhas de ouro pan-americanas e 5 campeonatos
mundiais.
Seul foi difícil. Agora, com quase 30 anos, Greg era o mais
velho dos mergulhadores e estava sendo pressionado pela nova
geração de atletas, cuja maioria havia aprendido muitas de suas
habilidades ao observá-lo — incluindo o difícil mortal triplo reverso
carpado, que ele havia inventado. O salto era tão difícil que matou
um mergulhador soviético no Canadá em 1983. O russo bateu a
cabeça na plataforma de mergulho e morreu em decorrência de
hemorragia cerebral uma semana depois.
Em Seul, Louganis venceu rapidamente a competição de
trampolim. No entanto, nos testes para a competição de plataforma,
sua cabeça bateu na plataforma no mesmo mergulho que matara o
atleta russo. Ele chegou à final devido às pontuações mais altas,
mas todos se perguntaram se, após o acidente, ele seria capaz de
mergulhar bem e derrotar a competição muito feroz. Nas finais, o
concurso se resumiu ao mergulho final, o mortal reverso de
Louganis. Seu principal concorrente, um jovem chinês, liderava.
Com as costas arqueadas e os joelhos flexionados, Louganis se
lançou no ar, com uma forma firme e girou para trás em direção à
água azul cristalina, 10 metros abaixo. O mergulho foi sensacional e
ele venceu a competição de plataforma por uma fração simples de
um ponto.
Quem assistia ouviu o treinador dizer: “Você conseguiu”. E de
fato ele conseguiu.
Que emoção enfrentar algo extremamente difícil e continuar
até chegar à conclusão triunfante.

“A - , , ”
Foi o que Neemias fez, e é por isso que ainda hoje ler sua
história continua emocionante.
Neemias chegou a Jerusalém de Susã com um objetivo único:
reconstruir o imenso e arruinado muro de Jerusalém. Ele estava
assolado por obstáculos. Primeiro, obteve permissão do imperador
babilônico Artaxerxes, o que significava fazê-lo reverter uma política
anterior de Estado contra a reconstrução da capital judaica. Uma
vez em Jerusalém, Neemias elaborou um plano para cumprir a
tarefa e, em seguida, encontrar formas de motivar as pessoas a
executá-la. Quando o trabalho começou, ele foi criticado pelos
governadores das províncias vizinhas e por injustiças em Israel. Os
inimigos de Neemias tentaram parar o trabalho mediante
ridicularização, ameaça de violência, intrigas, rumores prejudiciais e
intimidação. Seus compatriotas mais ricos quase o ignoraram pela
opressão dos pobres.
Contudo, Neemias persistiu. Tão grande foi a tarefa e a sua
realização que mal podemos perder a emoção do soberbo
eufemismo no versículo 15: “Acabou-se, pois, o muro aos vinte e
cinco dias do mês de elul, em cinquenta e dois dias”.
Neemias havia recebido o relato do seu irmão sobre
Jerusalém quando estava em Susã, no mês de quisleu, no inverno
de 444 a.C. Neemias recebeu permissão para ir a Jerusalém no
mês de nisã (nosso abril). A preparação e a viagem levaram tempo,
então ele chegou a Jerusalém e começou o trabalho no que seria
1.º de agosto. Agora, 52 dias depois, em 21 de setembro, a
reconstrução do imenso muro estava concluída — cerca de 2,5 a
4 quilômetros de alvenaria. Desde o momento em que ouviu falar do
problema, quando estava em Susã, até o término do muro foram
apenas 9 meses. A construção foi concluída dois meses após sua
chegada à cidade.
Quanta perseverança! Quanta coragem! Cyril J. Barber
escreve:
Sua fé era da que move montanhas. A confiança em Deus lhe deu
coragem para seguir adiante, apesar das nuvens de oposição à sua
volta. Ele defendeu com ousadia a causa justa e desprezou o que
inspiraria o medo. A coragem de Neemias o ajudou a alcançar novos
patamares de conquista. Armado com essa fortaleza, transformou
obstáculos em oportunidades, e provações externas em triunfos
pessoais.[47]
Se houve um momento em que Neemias poderia ter sido
tentado a se sentar e receber o crédito pelo sucesso, foi quando a
construção estava concluída. Mas ele não o fez. Isso demonstra sua
grandeza.
Primeiro, no final do capítulo 6, lê-se que Neemias deu glória a
Deus. Ele diz: “Sucedeu que, ouvindo-o todos os nossos inimigos,
temeram todos os gentios nossos circunvizinhos e decaíram muito
no seu próprio conceito; porque reconheceram que por intervenção
de nosso Deus é que fizemos esta obra” (v. 16).
Como Neemias veio da capital de inverno da Babilônia, não
posso deixar de pensar nas palavras contrastantes do rei babilônico
anterior, Nabucodonosor, que havia conquistado Jerusalém.
Nabucodonosor estava orgulhoso de suas realizações e, um dia,
enquanto andava no telhado do palácio régio, olhou para a cidade e
disse: “Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a casa
real, com o meu grandioso poder e para glória da minha
majestade?” (Dn 4.30). Foi exatamente o oposto do que Neemias
disse. Neemias deu glória a Deus pela conquista.
Dessa forma, Neemias prosperou e Nabucodonosor foi
julgado. A história deste último continua:
Falava ainda o rei quando desceu uma voz do céu: A ti se diz, ó rei
Nabucodonosor: Já passou de ti o reino. Serás expulso de entre os
homens, e a tua morada será com os animais do campo; e far-te-ão
comer ervas como os bois, e passar-se-ão sete tempos por cima de
ti, até que aprendas que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos
homens e o dá a quem quer. (Dn 4.31, 32)
Imediatamente, Nabucodonosor tornou-se irracional e foi
expulso do palácio para viver com o gado nos campos, até a razão
lhe ser restaurada por Deus anos depois.
Por que tantas pessoas reconhecem Deus e até oram com
regularidade e fervor a caminho da longa escada do sucesso, mas
quando alcançam o auge, esquecem-se da religião e consideram o
sucesso conquista pessoal? É inexplicável, a menos que a razão
seja que se “esquecem” de Deus por conveniência para poderem se
satisfazer sem qualquer responsabilidade maior.
Neemias não agiu dessa forma. Ele se lembrou de Deus e se
manteve útil para Deus além da realização do objetivo inicial. Por
isso o livro não termina no capítulo 6; a segunda parte está repleta
de conquistas igualmente notáveis.
Segundo, quando Neemias relatou a conquista, não permitiu
que o sucesso o cegasse para os problemas contínuos. Ou, em
outras palavras, não fingiu que seu sucesso fosse maior que a
realidade. Muitas pessoas fazem isso. Sentem-se tão satisfeitas
com o sucesso que não admitem falhas ou imperfeições. Neemias
as admitiu. De fato, é assim que o capítulo 6 termina (v. 17-19):
Também naqueles dias alguns nobres de Judá escreveram muitas
cartas, que iam para Tobias, e cartas de Tobias vinham para eles.
Pois muitos em Judá lhe eram ajuramentados porque era genro de
Secanias, filho de Ará; e seu filho Joanã se casara com a filha de
Mesulão, filho de Berequias. Também das suas boas ações falavam
na minha presença, e as minhas palavras lhe levavam a ele; Tobias
escrevia cartas para me atemorizar.
Provavelmente não somos capazes de entender tudo que
acontece no relato. Mas podemos dizer que se trata, pelo menos, da
admissão realista dos problemas contínuos de Neemias. Tobias
sempre foi uma fonte de oposição. O encontraremos causando
problemas, mesmo no final do livro (no cap. 13). Sua oposição foi
problemática por três razões em particular: 1) Era judeu, como
Neemias, 2) Mantinha acordos comerciais lucrativos com as classes
mais ricas de Jerusalém (é a isso que a palavra ajuramentado
parece se referir), e 3) Estava ligado às famílias judias mais ricas
por casamento. Quando nos lembramos de que eram as mesmas
famílias que oprimiam os pobres e que Neemias as havia forçado a
recuar, devolver o que haviam extorquido e abandonar suas
políticas, podemos entender como essas pessoas poderiam muito
bem ter continuado a se ressentir de Neemias, apesar das
mudanças da opinião pública, e como Tobias poderia ter fortes
aliados ali. Essas pessoas, sem dúvida, estavam todas se unindo,
planejando o dia em que teriam a vantagem em Judá mais uma vez.
Isso se aplica a nós? De fato. Vivemos no mundo pecaminoso
e perverso, e nosso chamado para vivermos e trabalharmos para o
Senhor Jesus Cristo no mundo nunca termina. Precisamos nos
lembrar disso, em especial quando alcançamos algum objetivo
importante.

C ?
No capítulo 7 de Neemias, chegamos a outra lista de nomes,
semelhante à lista dos construtores do muro no capítulo 3. Mas essa
lista é ainda mais escassa em informações do que a anterior. De
fato, é realmente apenas um censo dos arquivos. Não foi Neemias
que a escreveu. Sabemos disso pois é quase idêntica à lista
registrada por Esdras no segundo capítulo do livro que leva seu
nome. Por que a lista está aqui, já tendo sido usada em Esdras? Ou,
devemos considerar o capítulo 7 o resumo e a consolidação da
tarefa de reconstrução, encontrados nos primeiros seis capítulos de
Neemias, ou como introdução às realizações da segunda metade do
livro?
É provável que a resposta consista nas duas coisas. Em
Esdras, a lista foi incluída para responder à pergunta: “Quem é o
verdadeiro judeu?”. É o que esperaríamos que um escriba e um
líder religioso como Esdras perguntasse. Em Neemias, a lista serve
a outro propósito. Agora que o muro estava construído, Neemias
voltaria a atenção para repovoar e revitalizar a cidade. O censo é
acompanhamento do primeiro esforço, bem como da preparação
para o que está por vir.
Como estudamos o capítulo? Como ele contém mais que
apenas o censo, sugiro que esses elementos adicionais sejam a
pista para entendê-lo. As três ações descritas consolidam o trabalho
e se preparam para a próxima revitalização de Jerusalém.

O primeiro passo de Neemias, depois de concluir a


reconstrução do muro, foi fazer algumas nomeações importantes.
Os primeiros versículos do capítulo 7 nos falam de três categorias
gerais de nomeações (porteiros, cantores e levitas) e duas
específicas: seu irmão Hanani como líder civil de Jerusalém
(Neemias era governador da província) e Hananias como
comandante militar encarregado das novas defesas de Jerusalém.
O texto diz: “Ora, uma vez reedificado o muro e assentadas as
portas, estabelecidos os porteiros, os cantores e os levitas, eu
nomeei Hanani, meu irmão, e Hananias, maioral do castelo, sobre
Jerusalém. Hananias era homem fiel e temente a Deus, mais do que
muitos outros” (Ne 7.1, 2).
O que aconteceu? A resposta é bem conhecida no mundo dos
negócios. Quando um executivo recebe uma tarefa difícil, talvez
para reorganizar a empresa em declínio ou desenvolver a nova
organização, o líder sábio geralmente faz com que um grande
número de pessoas se reporte diretamente a ele, pois deseja
manter o contato mais próximo possível com o que acontece. Nesse
estágio, seu organograma pode ficar assim:

No entanto, se a empresa ou o projeto começar a funcionar


com eficiência, o executivo poderá se retirar de grande parte da
administração prática e trabalhar cada vez mais com outras pessoas
que, por sua vez, gerenciarão outras. Nesta fase, o organograma
será semelhante à pirâmide mais tradicional:

No que diz respeito a Jerusalém, Neemias estava agora


preparado para trabalhar com dois chefes de operações: Hanani, o
líder civil (equivalente ao prefeito de Neemias), e Hananias, o líder
militar (o equivalente de Neemias ao que para nós seria o chefe de
polícia).
Alguns escritores acusaram Neemias de nepotismo nas
nomeações, pois Hanani é identificado como seu “irmão”; outros,
tentando proteger a reputação de Neemias, argumentaram que
Hanani era seu irmão apenas no sentido de ser judeu. Mas todos
eles eram judeus. É disso que trata a lista no capítulo 7. Portanto, se
Hanani é chamado irmão de Neemias, ele o era de fato. Talvez essa
tenha sido a razão para a escolha de Hanani para fazer a jornada a
Susã e ver Neemias no início da história (Ne 1.1, 2); sem dúvida,
este teria acesso a ele. Então, isso é nepotismo? Não. Foi apenas o
caso de Neemias escolher o melhor homem e mais leal para o
trabalho. Hanani já havia demonstrado preocupação com o bem-
estar da cidade ao fazer a longa viagem até Babilônia para
despertar Neemias. Agora ele podia ser leal. A lealdade era um
assunto importante no momento em que a intriga descrita em
Neemias 6.17-19 persistia. Ele precisava se proteger contra a
traição.
Theodore Roosevelt, um notável presidente americano, disse
aos líderes: “O melhor executivo é o que tem senso suficiente para
escolher homens bons para fazer o que quer que seja feito, e
autocontrole suficiente para não interferir enquanto o fazem”.[48]
Há mais um fator na nomeação dos principais líderes de
Neemias que precisamos examinar antes de prosseguirmos. É a
provisão de diretrizes adequadas para eles (Ne 7.3). Neemias
entendeu a necessidade de homens fortes em cargos importantes.
Ele estava disposto a deixá-los realizar o trabalho sem se
intrometer; veremos mais disso na segunda parte deste livro. Mas
isso não significa que ele deixou de lhes dar orientações.
Chamamos isso descrições de cargo, objetivos escritos e padrões
de desempenho. Nos termos de Neemias, é o que encontramos no
versículo 3: “E lhes disse: não se abram as portas de Jerusalém até
que o sol aqueça e, enquanto os guardas ainda estão ali, que se
fechem as portas e se tranquem; ponham-se guardas dos
moradores de Jerusalém, cada um no seu posto diante de sua
casa”. Essas são diretrizes específicas, e podemos presumir a
existência de outras.

C
A maior parte do capítulo 7 consiste no “extrato dos arquivos”
(de Esdras), como apontei antes. Ele deve ter sido considerado um
documento importante, pois é encontrado não apenas aqui e em
Esdras 2, mas também no livro apócrifo de 1 Esdras. Já vimos que
seu propósito em Neemias é completamente diferente do propósito
no livro do antecessor. A pergunta de Esdras era religiosa: quem
entre os exilados que haviam retornado eram judeus? Em Neemias,
o objetivo é secular. A questão é a seguinte: Quem está disponível
para repovoar e revitalizar a cidade? O documento contém nove
categorias.
1. Os líderes originários (v. 6, 7). Não sabemos quem eram
todas essas pessoas, mas pelo menos as duas primeiras são bem
conhecidas e importantes. Eles são Zorobabel, o líder civil, e Jesua
(ou Josué), o líder religioso, que juntos trouxeram o primeiro grupo
de exilados para Judá depois que Ciro permitiu seu retorno. Esses
líderes destacam-se fortemente em dois dos últimos livros do AT, os
profetas menores Ageu e Zacarias. Zorobabel era da linhagem real
de Judá. De Josué descendem 14 gerações sucessivas de sumos
sacerdotes.
2. Judeus leigos (v. 8-38). Esta é uma lista longa e
numericamente significativa, como era de se esperar. Está em duas
partes. A primeira parte inclui 18 indivíduos de quem vieram os
descendentes então vivos. A segunda parte lista 20 cidades nas
quais os exilados que retornaram se estabeleceram. A introdução do
censo sugere tratar-se das cidades de onde essas famílias
procederam.
3. Sacerdotes (v. 39-42). Os sacerdotes eram descendentes
de Arão, irmão de Moisés, responsáveis pelo serviço do grande altar
do templo e pelos aspectos das festas. Davi havia organizado os
sacerdotes em 24 famílias, cada uma responsável pelo serviço que
durava duas ou três semanas no templo. A lista de Neemias
menciona apenas quatro dessas famílias, presumindo ser as únicas
que retornaram. De acordo com o Talmude, elas foram
reorganizadas mais tarde em um novo conjunto de 24 grupos de
rotação, usando os nomes davídicos originários (v. Tosefta, ii, I,
216). Neemias lista pouco mais de quatro mil sacerdotes — cerca
de um décimo do censo total.
4. Levitas (v. 43). Os levitas descendiam de Levi, um dos
12 patriarcas. Os levitas também serviam rotativamente, e seu
trabalho era ajudar os sacerdotes. Surpreendentemente, um número
muito pequeno é listado. Isso significa que apenas a minoria dos
levitas retornou da Babilônia.[49]
5. Cantores (v. 44). Os cantores, como os porteiros que se
seguem, foram escolhidos entre os levitas. Sua tarefa era ajudar na
adoração no templo (2Cr 25, 26).
6. Guardiões da porta (v. 45). Levitas, cantores e porteiros
eram as categorias de funcionários do templo designados por
Neemias, de acordo com o versículo 1. Eles não eram as pessoas
mencionadas por nome aqui, é claro; eles eram do meio de seus
descendentes.
7. Servos do templo (v. 46-56). Os servos do templo eram
assistentes dos levitas, como os levitas eram assistentes dos
descendentes de Arão. Os gibeonitas foram designados para esse
papel depois de terem enganado os israelitas no momento da
conquista. De fato, esses podem ter sido descendentes deles, agora
incorporados ao país pela circuncisão.
8. Os descendentes dos servos de Salomão (v. 57-60). Este
grupo estava intimamente ligado ao anterior, um grupo comum a
serviço dos dois grupos.
9. Pessoas de ascendência questionável (v. 61-65).
Encontravam-se em duas categorias: leigos e quem afirmava ser
sacerdote. A situação dos sacerdotes era mais grave, pois envolvia
questões de pureza cerimonial e contaminação para todo o povo.
Foi tomada a decisão de excluir essas pessoas das funções
sacerdotais até o caso ser decidido submetendo-os ao lançamento
de sortes pelo Urim e Tumim.
O censo termina com o número total de judeus, aos quais se
somam outros totais, incluindo os de servos, cantores e animais.

P
A última ação tomada por Neemias na tentativa de consolidar
o trabalho anterior e se preparar para as tarefas à frente consistia
em sustentar quem agora trabalharia no templo. Encontramos isso
nos próximos versículos do capítulo (v. 70-72):
Alguns dos cabeças das famílias contribuíram para a obra. O
governador deu para o tesouro, em ouro, mil daricos, cinquenta
bacias e quinhentas e trinta vestes sacerdotais. E alguns mais dos
cabeças das famílias deram para o tesouro da obra, em ouro, vinte
mil daricos e, em prata, dois mil e duzentos arráteis. O que deu o
restante do povo foi, em ouro, vinte mil daricos, e dois mil arráteis em
prata, e sessenta e sete vestes sacerdotais.
O capítulo termina com a observação: “Os sacerdotes, os
levitas, os porteiros, os cantores, alguns do povo, os servidores do
templo e todo o Israel habitavam nas suas cidades” (v. 73).
Sabemos que várias famílias judias mais ricas se uniram a
Tobias, pois Neemias o diz. Elas seriam hostis aos planos e
reformas de Neemias. Mas, para ser justo com os ricos, é preciso
notar que nem todos se opunham a ele. Do contrário, de onde viria a
considerável riqueza mencionada nos versículos 70-72? É difícil
avaliar o verdadeiro poder de compra de somas de dinheiro antigo,
mas se as notas da tradução bíblica New International Version
estiverem corretas, as famílias de Israel deram em ouro e prata, um
valor que na moeda atual seria de mais de 5 milhões de dólares.
Essa foi uma doação considerável para o serviço do templo, e o
cuidado de Neemias em prover mostra que, mesmo sendo leigo, ele
se importava não só com assuntos seculares, mas também com o
bem-estar espiritual do povo. De fato, é o que se segue na segunda
metade de suas memórias.
Já vimos muitos grandes traços de liderança em Neemias.
Aqui vemos mais quatro. Primeiro, ele percebeu a necessidade de
novos líderes e trabalhou para os procurar e indicá-los. Segundo,
ele sabia que os novos líderes precisavam de diretrizes claras e
adequadas para serem eficientes. Embora estivesse delegando o
trabalho, ainda estava no comando. Terceiro, ele sabia que a obra
de Deus deve ser apoiada financeiramente. Por fim, ele sabia que:
Se o S não edificar a casa,
em vão trabalham os que a edificam;
se o S não guardar a cidade,
em vão vigia a sentinela. (Sl 127.1)
É uma lição que todo verdadeiro líder precisa aprender na vida
pessoal e no que procura realizar.
Parte 2: Reconstrução da nação
9. A sexta dinâmica: uma nação sob Deus — parte
1 (Neemias 7.73-8.18)
Em chegando o sétimo mês, e estando os filhos de Israel nas suas cidades, todo
o povo se ajuntou como um só homem, na praça, diante da Porta das Águas; e
disseram a Esdras, o escriba, que trouxesse o Livro da Lei de Moisés, que o
Senhor tinha prescrito a Israel.
Esdras, o sacerdote, trouxe a Lei perante a congregação, tanto de homens como
de mulheres e de todos os que eram capazes de entender o que ouviam. Era o
primeiro dia do sétimo mês. E leu no livro, diante da praça, que está fronteira à
Porta das Águas, desde a alva até ao meio-dia, perante homens e mulheres e os
que podiam entender; e todo o povo tinha os ouvidos atentos ao Livro da Lei.
Esdras, o escriba, estava num púlpito de madeira, que fizeram para aquele fim;
estavam em pé junto a ele, à sua direita, Matitias, Sema, Anaías, Urias, Hilquias
e Maaseias; e à sua esquerda, Pedaías, Misael, Malquias, Hasum, Hasbadana,
Zacarias e Mesulão.
Esdras abriu o livro à vista de todo o povo, porque estava acima dele; abrindo-o
ele, todo o povo se pôs em pé. Esdras bendisse ao S , o grande Deus; e
todo o povo respondeu: Amém! Amém! E, levantando as mãos; inclinaram-se e
adoraram o Senhor, com o rosto em terra.
E Jesua, Bani, Serebias, Jamim, Acube, Sabetai, Hodias, Maaseias, Quelita,
Azarias, Jozabade, Hanã, Pelaías e os levitas ensinavam o povo na Lei; e o
povo estava no seu lugar. Leram no livro, na Lei de Deus, claramente, dando
explicações, de maneira que entendessem o que se lia.
Dia após dia, leu Esdras no Livro da Lei de Deus, desde o primeiro dia até ao
último; e celebraram a festa por sete dias; no oitavo dia, houve uma assembleia
solene, segundo o prescrito.
Neemias 8.1-8,18

Qualquer pessoa preocupada com o impacto correto do


cristianismo sobre uma nação conhece o nome de William
Wilberforce, o poder por trás da abolição da escravidão no Império
Britânico no ano de 1807. Wilberforce foi eleito ao Parlamento pelo
condado de Hull em 1780, com 21 anos. Ele se converteu a Cristo
em 1785 através do testemunho do seu antigo professor de Hull,
Isaac Milner. Pouco tempo depois, em parte pela influência do ex-
comerciante de escravos convertido John Newton e em parte por
outros, Wilberforce iniciou a longa campanha contra a escravidão.
O primeiro projeto de lei parlamentar de Wilberforce foi
“discutir” a abolição. Foi introduzido na Câmara dos Comuns por seu
amigo, o primeiro-ministro William Pitt, em 1788, e passou. Mas
quando o projeto foi discutido na próxima sessão do Parlamento em
1789, foi fortemente criticado pelo lobby comercial que apoiava a
escravidão, e a medida para limitar o abuso foi derrotada.
“A humanidade é um sentimento privado, não um princípio
público sob o qual devemos agir”, disse o influente conde de
Abingdon.
“As coisas terminam mal quando se permite que a religião
invada a esfera pública”, disse lorde Melbourne.
Em 1791, Wilberforce, agora apoiado pela coligação de
homens da mesma opinião, conhecida como seita Clapham, tentou
novamente, mas foi derrotado. O mesmo ocorreu em 1792. Houve
momentos em que a opinião pública estava a favor de Wilberforce.
Em outros momentos, como no caso da Revolução Francesa, a
opinião era contra qualquer mudança. Após a queda de Robespierre
na França, em 1796, o clima do país voltou-se a favor da abolição,
mas quando o projeto de abolição chegou à Câmara dos Comuns
nesse ano, foi derrotado de novo.
Assim também em 1798, 1799, 1800 e 1801.
Só em 4 de fevereiro de 1807 a abolição finalmente passou na
Câmara dos Lordes, e em 22 de fevereiro de 1807 que passou na
Câmara dos Comuns. Haviam se passado 19 anos. Os homens
envelheceram na causa. Alguns morreram. No entanto, quando as
notícias da abolição do tráfico de escravos chegaram a Wilberforce
no final da noite de 22 de fevereiro, o reformador olhou para o rosto
do velho amigo e colega abolicionista Henry Thorton e disse: “Bem,
Henry, qual a próxima coisa a abolir?”.[50]

R
A situação deve ter sido a mesma para Neemias, governador
de Jerusalém, depois de conseguir reconstruir o grande muro de
Jerusalém. Neemias veio a Jerusalém para fazer isso, e estava tão
empenhado em alcançar esse único grande objetivo que quem
olhava poderia imaginar que ele objetivava apenas a reconstrução
do muro.
Errado! Na verdade, Neemias veio a Jerusalém para
reconstruir o muro, e obteve sucesso em fazê-lo. Mas descobrimos
agora que a reconstrução estava longe de ser tudo que ele
objetivava. Neemias queria reconstruir o muro, mas além desse
objetivo, ele desejava algo muito mais significativo: reconstruir a
nação.
Um comentarista escreveu:
Sua comissão vinda da parte de Deus foi muito mais ampla que a
simples reconstrução das defesas de Jerusalém. O muro era apenas
o primeiro passo na reconstrução da nação. E, com Esdras, Neemias
deveria estabelecer as fundações das reformas nacionais que
continuariam causando impacto por mais de quatro séculos — até a
vinda de Cristo.[51]
Em certo sentido, a mudança do objetivo singular de Neemias
de reconstruir o muro para sua preocupação com a nação é uma
surpresa para o leitor. Ele não mencionou nada além dos muros até
esse ponto. Ainda assim, fomos preparados pela lista dos residentes
(cap. 7). Como apontei no capítulo anterior, Neemias 7 serve a dois
propósitos: consolidar a primeira parte do livro, listar quem estava
disponível para morar na cidade agora protegida. Mas é também a
preparação para a renovação espiritual da nação. Isso nos alerta
para o fato de Neemias ter iniciado a mudança de objetivo.
Também vemos essa mudança de outra maneira, embora não
seja tão fácil saber seu significado. Até esse ponto, Neemias
escreveu na primeira pessoa. Com o início do capítulo 8, isso muda.
Aqui a narrativa muda para a terceira pessoa, e a narração em
primeira pessoa só é retomada no início do relato da dedicação dos
muros em Neemias 12.27.
Isso parece sugerir que Neemias estava ciente de que o
segundo estágio da tarefa, embora previsto por ele, não pertence
apenas a ele. Ele se preocupava com a renovação espiritual da
nação, mas esse era um assunto a ser tratado por Esdras, o chefe
espiritual do povo, mais que por ele mesmo. Assim, a liderança no
movimento de renovação passou para as mãos de Esdras, embora
Neemias ainda estivesse muito envolvido.
Na segunda parte do livro, encontramos os seguintes
elementos principais: 1) O avivamento do povo mediante a leitura da
lei, confissão de pecados e renovação da aliança (cap. 8-10), 2) O
repovoamento de Jerusalém (11.1-12.26), e 3) A dedicação final e
alegre dos muros (12.27-47). Como um apêndice, o capítulo 13
detalha as reformas finais de Neemias.
É importante observar outra coisa quando começamos a nova
seção. No estudo do livro lidamos com várias dinâmicas de
liderança aparentes em Neemias. Já vimos cinco: 1) O líder e Deus,
2) O líder e seu superior (ou superiores), 3) O líder e seus
subordinados, 4) O líder e a tarefa e 5) O líder e a oposição. Aqui se
vê a sexta dinâmica: O líder e a nação. Isso é importante por se
tratar de uma forma de dizer que, por mais isolada que seja a tarefa
ou desafio, ela sempre faz parte do todo maior, pois somos cidadãos
de uma nação e o que fazemos afeta o corpo maior. Precisamos
cuidar disso também.

P , P D
No capítulo 8 de Neemias vê-se o ponto de partida para a
verdadeira renovação nacional. A Palavra de Deus.
Os versículos 2-12 mencionam uma grande assembleia
pública em que Esdras, o sacerdote, lê a lei de Deus para o povo e
como todos são afetados por isso. O povo veio para a cidade da
zona rural vizinha, reuniu-se na grande praça pública ante a Porta
das Águas, no lado leste de Jerusalém, e ouviu Esdras. Ele montou
uma grande plataforma de madeira que havia sido erguida para a
ocasião e ali, rodeado por 13 dos mais importantes levitas, leu o
livro da lei (o Pentateuco ou “os cinco primeiros livros”) do início da
manhã até meio-dia — cerca de seis horas.
O povo demonstrou reverência extraordinária pela lei, pois se
levantou em silêncio respeitoso quando Esdras abriu o pergaminho.
Quando orou, eles responderam: “Amém! Amém!”, e adoraram a
Deus. À medida que a narrativa se desenrola, descobre-se que a
leitura da lei divina levou ao avivamento nacional.
É disso que precisamos nos Estados Unidos. Em vez de
honrar a Palavra de Deus e ter fome dela, como o povo de Judá fez
nos dias de Neemias e Esdras, nosso país parece empenhado em
fazer todo o possível para manter a Bíblia e até a própria religião
fora da vida pública. É estranho que seja assim, já que nosso país
foi fundado com a atenção consciente e o respeito aos princípios
bíblicos.
Dizem que a maioria dos pais fundadores era incrédula ou, na
melhor hipótese, deísta. Embora exista alguma verdade nisso,
também é uma distorção.
Thomas Jefferson (1743-1826) era deísta, mas isso não
significa que ele desconsiderasse completamente a Bíblia. Ao
contrário, ele disse: “A Bíblia é a pedra angular da liberdade”.[52]
Benjamin Franklin (1706-1790) era um incrédulo cético, mas
cria na oração. Ele inaugurou a prática da oração antes da
deliberação, o que ainda prevalece no Congresso.
George Washington (1732-1799) deu forte testemunho de fé.
Em um pequeno livro de oração composto quando tinha cerca de
vinte anos, Washington escreveu:
Ó Deus glorioso [...] lembra-te de que sou apenas pó, redime minhas
transgressões, negligências e ignorâncias, e cobre-as todas com a
absoluta obediência do teu querido Filho, para que os sacrifícios (de
pecado, louvor e ação de graças) que ofereci possam ser aceitos por
ti, pelo sacrifício de Jesus Cristo oferecido na cruz por mim. [...]
Dirige meus pensamentos, palavras e trabalho; lava meu pecado no
sangue imaculado do Cordeiro; e purifica meu coração pelo Espírito
Santo.[53]
John Witherspoon (1723-1794), presidente do College of New
Jersey (hoje, Princeton) e o único clérigo a assinar a Declaração de
Independência, escreveu: “A pessoa mais sincera e ativa na
promoção da religião verdadeira e imaculada é a melhor amiga da
liberdade americana”.[54]
Andrew Jackson (1767-1845), o sétimo presidente dos
Estados Unidos, disse: “A Bíblia é a pedra sobre a qual repousa
nossa República”.[55]
Daniel Webster (1782-1852), o grande político e orador
americano, disse: “Não há base sólida para a civilização a não ser
na Palavra de Deus. Se respeitarmos os princípios bíblicos, nosso
país continuará prosperando [...]. A Bíblia é o livro [...] que ensina ao
homem a responsabilidade individual, a própria dignidade e a
igualdade com o próximo”.[56]
William McKinley (1843-1901), o vigésimo quinto presidente
dos Estados Unidos, declarou: “Quanto mais estudamos com
profundidade esse livro maravilhoso, e quanto mais perto
observamos seus preceitos, melhores cidadãos nos tornaremos e
maiores serão os destinos de nossa nação”.[57]
Cada um desses homens, apesar de possuir graus distintos
de entendimento espiritual e diferir em tradições eclesiásticas,
reconheceu que uma nação é tão forte quanto a fé em Deus, e que
a Bíblia é essencial para a sobrevivência.
Quão longe disso caímos! Quanto precisamos redescobrir as
Escrituras!

P
Se desejarmos a recuperação espiritual de nossa terra hoje,
será útil revisar os passos do avivamento, revelados nos pontos a
seguir.
1. Esdras começou pela oração (v. 6). Essa é a primeira
aparição de Esdras em Neemias (cf. v. 1), e sua oração antes da
leitura da lei, mesmo sem registro, pode ser considerada apenas
uma invocação formal. No entanto, seria errado pensar assim. A
aparição de Esdras é significativa, e a oração era mais que uma
formalidade, como comprova a resposta do povo.
O que a oração de Esdras efetuou? Parece ter realizado duas
coisas. Primeira, estabeleceu o senso entre as pessoas de que o
que se seguiria — a leitura da lei — não era mera questão civil, mas
tinha ligação com Deus. Vários comentaristas apontaram a
importância de como o livro da lei é apresentado: “O Livro da Lei de
Moisés, que o S tinha prescrito a Israel” (v. 1). Isso
demonstra que a lei já era algo reconhecido entre as pessoas. Não
era algo ainda em processo de evolução ou desenvolvimento — o
que os críticos do AT argumentam. Ela já estava investida de
completa autoridade divina. Não era apenas um livro humano.
Proveio de Deus, e deveria ser assim reverenciada. Esdras
reconheceu isso e lembrou o povo quando começou a leitura
histórica do AT com oração.
Segunda, a oração de Esdras despertou a expectativa do
povo sobre o que Deus poderia fazer entre eles. A oração deve
sempre fazer isso, pois por ela a pessoa se aproxima de Deus,
solicita algo e o recebe dele. (Também é adoração, confissão e ação
de graças. Esses elementos estão presentes até nessa história. Mas
também é pedir e esperar.) Com certeza o povo não errou ao
manter a expectativa na ocasião.
2. Esdras leu a Palavra de Deus (v. 3). Muito foi feito para
elevar a Bíblia no pensamento do povo. A oração fazia parte disso.
O mesmo aconteceu com a plataforma elevada da qual Esdras leu e
como ele o fez: rodeado pelos 13 levitas cujos nomes estão
registrados no versículo 4. Talvez o mais importante seja o fato de
Esdras ler a lei por seis horas.
Gostaria de saber se temos respeito semelhante à Palavra de
Deus e se a consideramos em alta estima. Perceba que o povo
estava em pé quando Esdras abriu o pergaminho, e isso me lembra
algo que ainda é praticado em muitas igrejas na Escócia. É habitual
nas igrejas escocesas que o culto comece pela entrada de um
homem chamado bedel. Ele entra carregando a Bíblia, coloca-a no
púlpito da igreja e depois a abre para a leitura do dia; depois disso
acompanha o ministro até o púlpito. O importante na cerimônia é
que as pessoas ficam em pé quando o bedel entra com a Bíblia, e
permaneçam em pé até ela ser aberta e o ministro ocupar seu lugar
atrás dela com a tarefa implícita, mas óbvia, de expô-la. Só depois
disso as pessoas retomam seu lugar.
Quando o International Council on Biblical Inerrancy [Conselho
Internacional sobre a Inerrância Bíblica] teve o seu primeiro grande
“Congress on Bible” [“Congresso sobre a Bíblia”] em San Diego, em
1982, tentamos introduzir esse costume nas igrejas americanas
começando os cultos públicos dessa forma. Até onde sei, a
cerimônia não permaneceu, mas foi impressionante em San Diego,
pois cada vez que a Bíblia era trazida, mais de três mil pessoas se
levantavam e sentavam.
Alguns chamariam isso de bibliolatria, a adoração de um livro,
mas nada mais longe da verdade. Trata-se do reconhecimento da
Bíblia: a própria Palavra de Deus. É um respeito apropriado do
coração que prepara o adorador para ouvir sua exposição.
3. A explicação da Palavra de Deus (v. 7, 8). Uma das partes
mais importantes de Neemias é a afirmação nos versículos 7 e 8
deste capítulo de que a leitura da lei foi acompanhada de
interpretação ou explicação. O texto diz: “E Jesua, Bani, Serebias,
Jamim, Acube, Sabetai, Hodias, Maaseias, Quelita, Azarias,
Jozabade, Hanã, Pelaías e os levitas ensinavam o povo na Lei; e o
povo estava no seu lugar. Leram no livro, na Lei de Deus,
claramente, dando explicações, de maneira que entendessem o que
se lia”.
Existem diferenças entre os estudiosos se o trabalho dos
levitas — não os mesmos que estavam na plataforma com Esdras
— era o de tradução ou explicação. Pode ter envolvido tradução já
que a lei estava em hebraico e as pessoas que haviam retornado da
Babilônia agora falavam aramaico, um dialeto do hebraico. Sem a
tradução atual, corrente, elas poderiam não ter sido capazes de
entender o texto lido por Esdras.[58]
O significado normal do que a versão bíblica aqui utilizada
verte como “interpretando” sugere algo muito mais próximo do que
chamaríamos exposição ou sermão. A explicação não tem a mesma
autoridade da própria Palavra de Deus, mas é importante, pois a
Bíblia não se destina apenas a ser ouvida e reverenciada, mas
também a ser entendida, assimilada e obedecida.
Eis a razão da proeminência dos sermões no culto cristão e,
em sentido pessoal, por esse motivo preparo pregações expositivas.
Os outros aspectos também são valiosos. Os elementos litúrgicos
da adoração podem ser bastante belos. Sermões tópicos podem ser
relevantes e comoventes. Todavia, eis o que Deus prometeu
abençoar e o que mais usou para trazer bênçãos: o ensino e a
pregação direta de sua Palavra. Só a pregação da Palavra trará
avivamento? Não necessariamente, pelo menos não de maneira
mecânica. O avivamento é obra divina. Se pensarmos que podemos
produzi-lo por este ou por qualquer outro meio mecânico, estamos
na verdade sendo manipuladores, como muitos oradores cristãos
tentaram ser. Embora o avivamento não siga a exposição fiel da
Bíblia de forma mecânica, Deus, no entanto, abençoa a exposição.
De forma característica, os tempos de renovação e reforma
chegaram por meio da pregação bíblica.
Eis o que o Dr. Martyn Lloyd-Jones, o grande pregador, disse
sobre o valor da pregação:
O que sempre anuncia a aurora da reforma ou do avivamento? É o
interesse renovado pela pregação. Não só ele, mas um novo tipo de
pregação. O avivamento da verdadeira pregação sempre anuncia os
grandes movimentos na história da igreja. Quando a Reforma e o
avivamento chegam, eles sempre levam a grandes e notáveis
períodos de pregação que a igreja já conheceu. Isso foi verdade no
começo, de acordo com a descrição do livro de Atos, e foi também
na Reforma Protestante. Lutero, Calvino, Knox, Latimer, Ridley —
todos esses homens eram grandes pregadores. No século XVII,
ocorreu exatamente o mesmo: os grandes pregadores puritanos e
outros. No século XVIII, Jonathan Edwards, Whitefield e os Wesleys,
Rowlands e Harris eram todos grandes pregadores. Foi uma era de
grandes pregações. Sempre que ocorrem Reforma e avivamento,
esse é inevitavelmente o resultado.[59]
Primeiro, oração. Segundo, a leitura pública da Palavra de
Deus. Terceiro, a exposição ou pregação dela. Todos esses foram
elementos que ocorreram nos dias de Neemias em Jerusalém.
4. Tristeza pelo pecado (v. 9). O resultado da oração
antecipatória, da leitura da lei divina e da explicação dela consistiu
em avivamento. A primeira evidência da ocorrência iminente do
avivamento era a tristeza pelo pecado. O pesar era intenso, embora
a história não se detenha nisso. Diz apenas que “todo o povo
chorava, ouvindo as palavras da Lei”, sem dúvida por ser
condenado por ela. O pesar deve ter sido intenso pois Neemias,
Esdras e os levitas que instruíam o povo tiveram de interromper a
leitura e a exposição da lei para lidar com isso, instando o povo a se
alegrar.
“Este dia é consagrado ao S , vosso Deus, pelo que não
pranteeis, nem choreis” (v. 9).
“Ide, comei carnes gordas, tomai bebidas doces e enviai
porções aos que não têm nada preparado para si; porque este dia é
consagrado ao nosso S ; portanto, não vos entristeçais,
porque a alegria do S é a vossa força”, disse Neemias (v. 10).
“Calai-vos, porque este dia é santo; e não estejais
contristados”, disseram os levitas (v. 11).

N
O povo obedeceu ao que lhes foi dito. Eles foram comer e
beber, e prover a outros que tinham pouco para “regozijar-se
grandemente, porque tinham entendido as palavras que lhes foram
explicadas” (v. 12). Mas elas nunca mais foram as mesmas
pessoas.
Eles pecaram de novo? Claro.
Doze anos depois, Neemias voltou a encontrar muitos
pecados e a necessidade de renovação. O povo de Deus sempre
precisa de renovação. Ainda assim, foi diferente. Esses dias
deixaram uma marca na nação que durou até e além do tempo de
Jesus Cristo.
As pessoas se tornaram o povo do Livro de Deus. Os
acontecimentos que descrevi ocorreram no primeiro dia do sétimo
mês. O banquete exigido pelo povo por seus líderes foi naquela
noite. Mas na manhã seguinte, “ajuntaram-se a Esdras, o escriba,
os cabeças das famílias de todo o povo, os sacerdotes e os levitas,
e isto para atentarem nas palavras da Lei” (v. 13). Em outras
palavras, Esdras foi convidado a fazer leituras diárias da Bíblia
(v. 18). Ou, como poderíamos dizer, os chefes das famílias estavam
determinados a se envolver em um estudo bíblico regular e
sistemático.
Segundo, a vida do povo começou a girar em torno dos dias
santos que Deus havia prescrito para adoração.
Os versículos restantes do capítulo descrevem o povo
redescobrindo as instruções para celebrar a Festa dos
Tabernáculos. Era um festival de colheita muito parecido com o
nosso Dia de Ação de Graças, mas deveria ser feito de uma
maneira que lembrasse ao povo os dias de suas peregrinações no
deserto. Era um banquete de sete dias, começando no décimo
quinto dia do mês. Aqui, eles ainda tinham duas semanas para se
preparar. Deveriam recolher ramos e fazer abrigos temporários para
si mesmos fora ou sobre os telhados de suas casas. Isso os
lembraria que foram andarilhos no deserto por quarenta anos e que
Deus os havia trazido para a terra que mana leite e mel. Quando
celebravam o banquete, deveriam lembrar-se de que Deus havia
feito provisões para eles e os abençoado muito.
Em algum momento do tempo de preparação, o povo também
deve ter observado o Dia da Expiação, com ênfase na tristeza pelo
pecado. Isso acontecia no décimo dia do mês. Isso não é
mencionado, provavelmente porque a ênfase aqui era muitíssima
gratidão a Deus e alegria.
Por que não? No versículo 10, Neemias disse ao povo para se
alegrar: “Porque a alegria do S é a vossa força”. Ela era de
fato a força deles, pois seu Deus era feliz e eles eram um povo feliz.
Deveríamos ser um povo alegre também. De fato, somos
instruídos a nos alegrar. Se não o fazemos, é por não amarmos a
Palavra de Deus como esse povo o fez ou por não obedecermos.
10. A sexta dinâmica: uma nação sob Deus —
parte 2 (Neemias 9.1-37)
No dia vinte e quatro deste mês, se ajuntaram os filhos de Israel com jejum e
pano de saco e traziam terra sobre si. Os da linhagem de Israel se apartaram de
todos os estranhos, puseram-se em pé e fizeram confissão dos seus pecados e
das iniquidades de seus pais. Levantando-se no seu lugar, leram no Livro da Lei
do S , seu Deus, uma quarta parte do dia; em outra quarta parte dele
fizeram confissão e adoraram o S , seu Deus.
Agora, pois, ó Deus nosso, ó Deus grande, poderoso e temível, que guardas a
aliança e a misericórdia, não menosprezes toda a aflição que nos sobreveio, a
nós, aos nossos reis, aos nossos príncipes, aos nossos sacerdotes, aos nossos
profetas, aos nossos pais e a todo o teu povo, desde os dias dos reis da Assíria
até ao dia de hoje. Porque tu és justo em tudo quanto tem vindo sobre nós; pois
tu fielmente procedeste, e nós, perversamente. Os nossos reis, os nossos
príncipes, os nossos sacerdotes e os nossos pais não guardaram a tua lei, nem
deram ouvidos aos teus mandamentos e aos teus testemunhos, que testificaste
contra eles. Pois eles no seu reino, na muita abundância de bens que lhes
deste, na terra espaçosa e fértil que puseste diante deles não te serviram, nem
se converteram de suas más obras.
[...] estamos em grande angústia.
Neemias 9.1-3, 32-35, 37

Muito tempo atrás, na presidência de Jimmy Carter, quando as


palavras nascido de novo tornaram-se comuns no discurso popular,
várias vezes, em entrevistas, me perguntavam se os Estados
Unidos estavam passando por um avivamento. George Gallup Jr.,
presidente do American Institute of Public Opinion [Instituto
Americano de Opinião Pública], havia relatado que 50 ou 60 milhões
de americanos alegavam ter nascido de novo, e a imprensa secular
descobriu que os “cristãos nascidos de novo” poderiam ser uma
força política no país.
“Algo importante está acontecendo?”, eles perguntaram.
“Estamos vendo um genuíno avivamento religioso?”
Sempre que me fizeram a pergunta, minha resposta foi
negativa. A razão pela qual digo “não” é bem simples: não há
consciência nacional de pecado. Na verdade, é difícil existir a
consciência pessoal de pecado — pouquíssimo nas igrejas e
aparentemente nenhuma no mundo — e nunca houve um
avivamento sem esse elemento essencial.
Existem 50 milhões de cristãos verdadeiros aqui? Não sei;
pode ser. Penso que houve um evangelismo pessoal bastante
eficiente em nosso tempo, em particular entre os jovens
influenciados por movimentos estudantis evangélicos como
InterVarsity Christian Fellowship [Comunhão Cristã InterVasity],
Navigators [Navegadores] e Campus Crusade for Christ [Cruzada
Estudantil para Cristo].[60] Isso é bom, mas não é a mesma coisa
que avivamento. Quando o avivamento atinge um povo, a primeira
evidência é uma profunda consciência do pecado e tristeza por
causa dele. Isso aconteceu com os grandes avivamentos galeses do
século XIX e os avivamentos sob os irmãos Wesley no século
anterior àquele. Era o caso da Reforma e do primeiro avivamento
registrado na história, o avivamento em Nínive, em resposta à
pregação do profeta Jonas.
Quando o avivamento chegou àquela cidade, o povo declarou
jejum e se vestiu com panos de saco, sinal de luto. Até o rei
participou. Então o rei emitiu o decreto que dizia: “Nem homens,
nem animais, nem bois, nem ovelhas provem coisa alguma, nem os
levem ao pasto, nem bebam água; mas sejam cobertos de pano de
saco, tanto os homens como os animais, e clamarão fortemente a
Deus; e se converterão, cada um do seu mau caminho e da
violência que há nas suas mãos. Quem sabe se voltará Deus, e se
arrependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não
pereçamos?” (Jn 3.7-9).
A primeira evidência do verdadeiro movimento do Espírito
Santo é a consciência desperta, levando à genuína tristeza pelo
pecado no povo de Deus. Só depois disso o avivamento chega.

A
Foi isso que ocorreu em Jerusalém nos dias de Neemias, e
por esse motivo é correto mencioná-lo como verdadeiro avivamento.
Havia três partes nele, como apontei no capítulo anterior: 1) Pregar
e ouvir a Palavra divina (cap. 8), 2) Tristeza pelo pecado e
arrependimento (cap. 9), e 3) Mudança de vida como consequência,
formalizada pela composição e assinatura do pacto (cap. 10). Já
vimos o primeiro elemento, o destaque dado à Palavra divina.
Agora, vamos estudar o profundo impacto sobre o povo.
A tristeza do povo pelo pecado, resultante da leitura e do
ensino da lei divina, foi observada no capítulo anterior, mas aqui ela
foi deixada de lado ou contida por Neemias e os levitas. Quando
Esdras leu a lei de Moisés, o povo deve ter reconhecido o quão
longe estava dos seus padrões e quão culpado era aos olhos do
Deus todo-poderoso. Isso afetou as pessoas até o ponto de
chorarem: “Porque todo o povo chorava, ouvindo as palavras da Lei”
(Ne 8.9). O dia tinha sido planejado para louvor e ação de graças,
por isso Neemias repreendeu as lágrimas e mandou o povo embora
“a comer, a beber, a enviar porções e a regozijar-se grandemente”
(v. 12). Apenas depois disso — de fato, depois da celebração da
Festa dos Tabernáculos, no décimo quinto ao vigésimo segundo dia
do sétimo mês — ocorreu o dia especial de arrependimento e
confissão de pecados descrito em Neemias 9.
Acho duas coisas muito interessantes. Primeira, Neemias não
se aproveitou da primeira manifestação de tristeza do povo para
manipulá-lo e, assim, impulsionar o avivamento. Pode ter sido uma
tentação fazê-lo. Por certo outras figuras religiosas enfrentaram
essa tentação e sucumbiram, recorrendo às táticas de psicologia de
massas para produzir aparentes resultados espirituais. Neemias não
sentiu a necessidade de fazer isso. E estava correto: se a tristeza
decorrente do pecado e do arrependimento procedesse de Deus,
permaneceria assim e não seria suprimida. Além disso, o
governador queria direcionar os pensamentos do povo para Deus e
não centralizá-los nos sentimentos dele, por mais adequados que
sejam a tristeza e arrependimento pelo pecado. O banquete de
Neemias foi uma ação de agradecimento por quem Deus era e pelo
que havia feito.
Vemos o mesmo no capítulo 9. Aqui, mesmo depois da
permissão para continuar com o dia de arrependimento e confissão
de pecados, a oração dos levitas, que ocupa a maior parte do
capítulo, ainda se concentra na grandeza dos atos de Deus.
A segunda coisa é algo já mencionado: embora Neemias
tenha adiado o dia do arrependimento público em mais de três
semanas, ele ainda assim aconteceu. Era tão forte e genuíno como
teria sido no começo. Essa é uma forma de afirmar que esse
movimento em prol do arrependimento era total e genuinamente
procedente de Deus. Se tivesse sido apenas humano, ou se tivesse
sido apenas algo criado por Esdras ou Neemias, teria desaparecido.

C
Os primeiros três versículos do capítulo 9 nos contam o que
aconteceu:
No dia vinte e quatro deste mês, se ajuntaram os filhos de Israel com
jejum e pano de saco e traziam terra sobre si. Os da linhagem de
Israel se apartaram de todos os estranhos, puseram-se em pé e
fizeram confissão dos seus pecados e das iniquidades de seus pais.
Levantando-se no seu lugar, leram no Livro da Lei do S , seu
Deus, uma quarta parte do dia; em outra quarta parte dele fizeram
confissão e adoraram o S , seu Deus.
Também noto duas coisas importantes sobre esse movimento.
Primeira, a confissão do povo estava mais uma vez ligada à leitura
da lei divina. Isso ocorreu no primeiro dia do mês (registrado no
cap. 8). E aconteceu de novo aqui. Depois de os sacerdotes lerem o
“Livro da Lei do S seu Deus por um quarto do dia”, as
pessoas passaram o próximo quarto do dia (três horas) em
confissão de pecados.
Aponto para algo mais que apenas um detalhe. Existe um elo
entre as duas coisas. Deixe-me explicar o que quero dizer com
“pecado”. O breve catecismo de Westminster diz: “Pecado é
qualquer falta de conformidade com a lei de Deus, ou qualquer
transgressão dela”. Exato: o pecado é definido pela lei divina. Isso
que faz dele pecado, de modo diferente do que é apenas
mesquinho, ofensivo ou criminoso.
Mortimer J. Adler afirmou bem isso no ensaio sobre o pecado
em Syntopicon:
O ato vicioso pode ser concebido como algo contrário à natureza ou
razão. O ato criminoso pode ser concebido como a violação da lei
humana, prejudicial ao bem-estar do estado ou de seus membros.
Ambos podem envolver as noções de responsabilidade e culpa,
podem envolver o mal e o delito. Contudo, a menos que o ato
transgrida a lei divina, não é pecaminoso. A lei divina transgredida
pode ser a lei natural que Deus incute na razão humana, mas o ato é
pecaminoso se a pessoa que o comete prefere adorar ou amar outra
coisa além de Deus.[61]
Deixe-me colocar essa definição e a relação do pecado com o
avivamento em uma série de declarações interligadas.
1. Não pode haver progresso moral genuíno nacional ou
individual sem o reconhecimento, a tristeza, e o verdadeiro
afastamento do pecado. Em outras palavras, as nações avançam
espiritual e moralmente apenas em tempos de avivamento.
2. Não pode haver verdadeiro senso do pecado ou o
conhecimento do motivo de algo consistir em pecado sem a audição
da lei divina e a resposta a ela. Ou seja, nunca se reconhece o
pecado como pecado ou ele causa tristeza a menos que seja visto
como ofensa a Deus. A única maneira de vê-lo ou senti-lo como
ofensa a Deus é enxergar as ações como contrárias à lei escrita de
Deus.
3. Como consequência, o avivamento deve ser precedido da
pregação sólida de todo o conselho de Deus, em particular da lei
divina, que é violada. A segunda coisa que noto sobre a confissão
de pecados das pessoas é seu caráter corporativo e também
individual. O povo não apenas reconheceu o pecado individual e o
confessou, mas também entendeu que fazia parte de um povo ou
uma nação; portanto, também eram coletivamente culpados. O texto
expressa isso quando diz: o povo “fez confissão dos seus pecados e
das iniquidades de seus pais” (v. 2, grifo do autor).
Parece-me ser esse exatamente o oposto do que a maioria
das pessoas faz hoje. Quando os judeus dos dias de Neemias
confessaram os pecados de seus pais, reconheceram a culpa pelos
pecados deles. Hoje, se as pessoas se referem aos pecados dos
pais, é para inventarem desculpas, em vez de assumir a
responsabilidade. Eles culpam os genes ou a educação recebida
pelos erros: “Sei que tenho temperamento ruim, mas o herdei do
meu pai. Não há nada que possa fazer”; “Se você soubesse o tipo
de família que tive, entenderia porque não cumpro a palavra e
penso só em mim mesmo”; “De onde venho, todos roubam para
sobreviver”.
Algumas formas de psiquiatria incentivam esse tipo de
pensamento. Vários púlpitos sucumbiram a ele. Todavia, quando o
avivamento chega, as pessoas param de se desculpar pelo que os
outros, até mesmo seus pais, fizeram e, em vez disso, confessam
os próprios pecados e transgressões abertamente. Como Isaías,
clamam: “Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios
impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus
olhos viram o Rei, o S dos Exércitos!” (Is 6.5).

A
A parte principal de Neemias 9 consiste em uma oração longa
e formal dos levitas (v. 5-38), que, presume-se, liderava o povo na
expressão pessoal de tristeza anterior. Ela é também uma oração de
confissão; por isso foi incluída aqui. Mas é também a oração que
direciona os pensamentos do povo para a bondade e o poder
divinos e o prepara para o apelo final a ele por misericórdia em sua
condição angustiada. Sua estrutura é semelhante aos salmos 78,
105 e 106, que relembram a forma de Deus tratar seu povo,
registrada na história do AT. Afirma-se consistir na oração formal
mais longa do AT.
O tom da oração foi definido pela linha de abertura: os levitas
desafiam o povo dizendo “Levantai-vos, bendizei ao S , vosso
Deus, de eternidade em eternidade” (v. 5). O chamado inspirou
James Montgomery a escrever o hino que começa:
Levantai e bendizei ao Senhor,
Vós povo escolhido;
Levantai e bendizei ao Senhor, vosso Deus
De coração, alma e voz.
Pelo fato de a oração louvar a Deus, há algo glorioso nela,
mesmo que seja uma triste oração de confissão. John White diz:
“Seu escopo e visão são impressionantes”.[62] Derek Kidner escreve
que nessa oração: “A gloriosa realidade de Deus transcende a
cidade quase inabitável, os gentios circundantes, a pobreza e
aparente insignificância dos judeus”.[63]
A oração contém três partes principais:
1. A obra de Deus na criação (v. 5, 6). Como a maior parte da
oração lida com a história da ação divina entre o povo judeu, é digno
de nota que ela realmente comece louvando a Deus como Criador
dos céus e da terra. Claro, por si só é um bom lugar para começar.
A oração também mostra a influência da leitura das Escrituras das
três semanas anteriores sobre o povo, uma vez que o AT começa
com o relato da criação. De fato, toda a oração segue um esboço
baseado no conteúdo dos primeiros livros do AT.[64]
Ao ler os primeiros versículos da oração percebo que os
levitas dos dias de Neemias estavam mais próximos das Escrituras
e eram muito mais sábios que a maioria dos estudiosos bíblicos
atuais. Hoje, os capítulos iniciais de Gênesis são um campo de
batalha para teorias concorrentes sobre as origens: evolução,
evolução teísta, teoria do hiato, criacionismo de seis dias e
criacionismo progressivo. Elas precisam ser tratadas no devido lugar
e no momento adequado. Na verdade, eu fiz isso nos meus estudos
dos primeiros versículos de Gênesis.[65]
Contudo, essas teorias não demonstram do que Gênesis 1 e 2
tratam. Eles versam sobre a natureza de Deus, seu poder e
bondade, e sobre o dever do homem para com Deus, seu Criador.
Neemias 9.5-6 reflete essa perspectiva. Não se pode escapar da
ironia: embora Deus “preserve a todos com vida, e o exército dos
céus lhe adore”, as massas da humanidade não o fazem — nem
mesmo, ao que parece, o povo escolhido.
2. Uma revisão da história de Israel (v. 7-31). A segunda parte
principal da oração dos levitas é uma revisão da história de Israel.
Ela começa com o chamado de Deus a Abraão (v. 7, 8), assim
como em Gênesis. O povo deve ter pensado no texto de Gênesis,
pois Neemias 9.7 contém a única referência do AT, depois de
Gênesis, à mudança do nome de Abrão para Abraão (Gn 17.5). A
mudança de nome chama a atenção para a forma unilateral da ação
divina relativa a Abraão — argumento repetido ao longo da seção.
Observe: Deus é o assunto da ação toda: 1) “Tu [...] que elegeste
Abrão, e o tiraste de Ur dos caldeus, e lhe puseste por nome
Abraão”, 2) “Tu achaste o seu coração fiel perante ti”, 3) “Com ele tu
fizeste aliança”, e 4) “Tu cumpriste as tuas promessas” (grifos do
autor). Até a referência à fidelidade de Abraão é apresentada assim,
pois o texto não diz: “Abraão foi fiel” ou “serviu fielmente”, mas “Tu
[Deus] achaste o seu coração fiel” (v. 8, grifo do autor). A ênfase
toda está em Deus. Mas, diferentemente de Deus, que cumpriu suas
promessas, o povo não cumpriu as dele. Deus foi totalmente fiel; as
pessoas não.
O próximo parágrafo relata os acontecimentos do Êxodo de
forma breve (v. 9-12), e de novo, Deus é o assunto de cada ação:
1) “Viste a aflição de nossos pais no Egito”, 2) “Lhes ouviste o
clamor junto ao mar Vermelho”, 3) “Fizeste sinais e milagres contra
Faraó”, 4) “Soubeste que os trataram com soberba”, 5) “Adquiriste
renome”, 6) “Dividiste o mar perante eles”, 7) “Lançaste os seus
perseguidores nas profundezas”, e 8) “Guiaste-os, de dia, por uma
coluna de nuvem e, de noite, por uma coluna de fogo” (grifos do
autor). As declarações estão na forma narrativa, mas, ao recontar os
atos de Deus, as palavras também revelam os atributos dele.
Demonstram ser onisciente (“Viste a [nossa] aflição”), todo-poderoso
(“Fizeste sinais e milagres contra Faraó”), justo (“Lançaste os seus
perseguidores nas profundezas”) e misericordioso, pois isso é um
relato de libertação.
O parágrafo seguinte reconta quando a lei mosaica foi dada
no Sinai, a preservação do povo na passagem pelo deserto e o
mandamento de entrar e possuir a Terra Prometida (v. 13-15). Nos
versículos há uma ênfase, como acima, na atividade soberana de
Deus: “Desceste [...] falaste [...] lhes deste juízos” (grifos do autor) e
assim por diante. Mas o texto também destaca a justiça dos
mandamentos divinos e a bondade de Deus. As características
colocam a rebelião descrita nos versículos a seguir sob a luz
adequada. O povo se rebelou contra Deus, e isso foi errado
(contrariou os mandamentos justos de Deus) e ingrato (contra a
bondade divina).
Os versículos que se seguem descrevem explicitamente a
rebelião do povo pela primeira vez e também contêm os dois
elementos. Por um lado, a oração é inconstante na descrição
honesta da atitude rebelde e dos pecados do povo. Seus
antepassados: 1) “Se houveram soberbamente”, 2) “Endureceram a
sua cerviz”, 3) “Não deram ouvidos aos teus mandamentos”,
4) “Recusaram ouvir-te”, 5) “Não se lembraram das tuas
maravilhas”, e 6) “Levantaram um chefe, com o propósito de
voltarem para a sua servidão” (v. 16, 17). Entretanto, Deus se
comportou como o “Deus perdoador, clemente e misericordioso,
tardio em irar-te e grande em bondade” (v. 17). O versículo é a
citação direta de Êxodo 34.5-7, e mostra que o povo também se
lembrou disso na leitura anterior. (Os mesmos versículos são
citados em Jn 4.2.) Deus demorou a se enfurecer mesmo quando as
pessoas “fizeram para si um bezerro de fundição e disseram: Este é
o teu Deus, que te tirou do Egito” (v. 18).
O mesmo tema continua no parágrafo seguinte (v. 19-21), que
narra como Deus sustentou o povo nos 40 anos de peregrinação no
deserto.
Assim também, quando entraram na Terra Prometida (v. 22-
25), Deus expulsou muitos inimigos, fez os israelitas aumentarem
em número, deu cidades fortificadas, terras férteis e casas com
“cisternas cavadas, vinhas e olivais e árvores frutíferas em
abundância”. O povo “viveu em delícias, pela tua grande bondade”.
Ainda assim, eles se afastaram de Deus de novo. Os próximos
três parágrafos (v. 26-31) descrevem o que se tornou um padrão
triste, mas constante, na vida da nação. Houve crescente pecado e
rebelião, seguidos dos juízos disciplinares de Deus, do retorno
temporário a Deus, de mais rebelião, pecado e apostasia.
A lista dos pecados de Israel se torna muito específica nesses
parágrafos, como toda verdadeira confissão de pecados deve ser:
1) “Foram desobedientes e se revoltaram contra ti”, 2) “Viraram as
costas à tua lei”, 3) “Mataram os teus profetas”, 4) “Cometeram
grandes blasfêmias”, 5) “Tornavam a fazer o mal diante de ti”,
6) “Porém eles se houveram soberbamente e não deram ouvidos
aos teus mandamentos”, 7) “Mas pecaram contra os teus juízos”,
8) “Obstinadamente deram de ombros, endureceram a cerviz e não
quiseram ouvir”, e 9) “Eles não deram ouvidos”. Ao longo dessa
crescente cacofonia de vozes rebeldes, Deus continuou a falar com
calma e a mostrar misericórdia. A última linha diz: “Mas, pela tua
grande misericórdia, não acabaste com eles nem os desamparaste;
porque tu és Deus clemente e misericordioso” (v. 31).
3. O apelo à misericórdia divina em meio à angústia atual
(v. 32-37). Como o montante dos pecados do povo chegou ao ponto
culminante, o mesmo aconteceu com as repetidas afirmações da
paciência, bondade e misericórdia de Deus. A seção final da oração
agora faz um apelo eloquente às características abençoadoras de
Deus:
Agora, pois, ó Deus nosso, ó Deus grande, poderoso e temível, que
guardas a aliança e a misericórdia, não menosprezes toda a aflição
que nos sobreveio, a nós, aos nossos reis, aos nossos príncipes, aos
nossos sacerdotes, aos nossos profetas, aos nossos pais e a todo o
teu povo, desde os dias dos reis da Assíria até ao dia de hoje.
Porque tu és justo em tudo quanto tem vindo sobre nós; pois tu
fielmente procedeste, e nós, perversamente. Os nossos reis, os
nossos príncipes, os nossos sacerdotes e os nossos pais não
guardaram a tua lei, nem deram ouvidos aos teus mandamentos e
aos teus testemunhos, que testificaste contra eles. Pois eles no seu
reino, na muita abundância de bens que lhes deste, na terra
espaçosa e fértil que puseste diante deles não te serviram, nem se
converteram de suas más obras.
Eis que hoje somos servos; e até na terra que deste a nossos pais,
para comerem o seu fruto e o seu bem, eis que somos servos nela.
Seus abundantes produtos são para os reis que puseste sobre nós
por causa dos nossos pecados; e, segundo a sua vontade, dominam
sobre o nosso corpo e sobre o nosso gado; estamos em grande
angústia.
Você sente a necessidade de confessar seu pecado a Deus?
Nesse caso, é assim que se faz — de maneira completa e direta! A
oração dos levitas em Jerusalém nos dias de Neemias é um modelo
de confissão. Mostra como encontrar a bênção espiritual de novo.

“S ”
O que precisamos fazer? A resposta não é um mistério. Ela é
clara em 2 Crônicas 7.14: “Se o meu povo, que se chama pelo meu
nome, se humilhar, e orar, e me buscar, e se converter dos seus
maus caminhos, então, eu ouvirei dos céus, perdoarei os seus
pecados e sararei a sua terra”. Eis os passos para a bênção divina.
Devemos:
1. Humilhar-nos. Não somos humildes por natureza. Só
quando nos aproximamos de Deus somos genuinamente
humilhados; nesse momento nos vemos como criaturas pecadoras e
rebeldes que somos.
2. Orar. Por natureza, não oramos. Por quê? Porque cremos
ser autossuficientes. Por isso Deus muitas vezes precisa nos deixar
abatidos. Apenas nas profundezas da vida, quando tudo desmorona
à nossa volta, estamos dispostos a buscar a Deus e lhe pedir a
ajuda necessária.
3. Buscar a face de Deus. Isso significa procurar seu favor e
não o favor do mundo ao nosso redor e buscar a vontade dele e não
a nossa. Buscar a face de Deus é a mudança radical no uso do
nosso tempo, talentos, recursos e estilo de vida.
4. Desviar-nos de nossos caminhos perversos. Se não
considerarmos que temos caminhos perversos, não nos
desviaremos deles — e nos enganaremos. Quando Deus nos
mostra a realidade do pecado, sentimo-nos angustiados pelo
pecado e não desejamos descansar até confessá-lo a Deus,
encontrar seu perdão e nos afastarmos de tudo que não lhe agrada.
Tudo! Não são apenas os “grandes” pecados. Não apenas os
pecados que nos causaram problemas ou ofendem os outros. Todos
os pecados. Deus não pede 50% do que somos ou procura apenas
60% da justiça. Ele quer tudo de nós e insiste na santidade genuína.
Não podemos servir a Deus e pecar ao mesmo tempo.
Arrepender-se é difícil? Sem dúvida! Nada é mais difícil ou
contraria mais a disposição da nossa natureza pecaminosa;
contudo, o arrependimento é necessário para a felicidade pessoal e
a bênção divina. A promessa é: Se nos arrependermos dos
pecados, Deus ouvirá do céu (ele nunca despreza o arrependido),
perdoará nosso pecado (o quanto precisarmos) e sarará nossa
terra.
11. A sexta dinâmica: uma nação sob Deus — parte
3 (Neemias 9.38-10.39)
Por causa de tudo isso, estabelecemos aliança fiel e o escrevemos; e selaram-
na os nossos príncipes, os nossos levitas e os nossos sacerdotes.
[...] firmemente aderiram a seus irmãos; seus nobres convieram, numa
imprecação e num juramento, de que andariam na Lei de Deus, que foi dada por
intermédio de Moisés, servo de Deus, de que guardariam e cumpririam todos os
mandamentos do Senhor, nosso Deus, e os seus juízos e os seus estatutos;
de que não dariam as suas filhas aos povos da terra, nem tomariam as filhas
deles para os seus filhos;
de que, trazendo os povos da terra no dia de sábado qualquer mercadoria e
qualquer cereal para venderem, nada comprariam deles no sábado, nem no dia
santificado; e de que, no ano sétimo, abririam mão da colheita e de toda e
qualquer cobrança.
Também sobre nós pusemos preceitos, impondo-nos cada ano a terça parte de
um siclo para o serviço da casa do nosso Deus.
E que também traríamos as primícias da nossa terra e todas as primícias de
todas as árvores frutíferas, de ano em ano, à Casa do S ; os primogênitos
dos nossos filhos e os do nosso gado, como está escrito na Lei; e que os
primogênitos das nossas manadas e das nossas ovelhas traríamos à casa do
nosso Deus, aos sacerdotes que ministram nela.
As primícias da nossa massa, as nossas ofertas, o fruto de toda árvore, o vinho
e o azeite traríamos aos sacerdotes, às câmaras da casa do nosso Deus; os
dízimos da nossa terra, aos levitas [...]
[...] assim, não desampararíamos a casa do nosso Deus.
Neemias 9.38; 10.29-32, 35-37, 39

Vivemos em dias de psiquiatria e psicologia. Milhares de


pessoas visitam seus conselheiros semanal ou quinzenalmente. No
entanto, uma coisa que sempre me intrigou é por que há tão poucas
mudanças na vida dessas pessoas, por que os problemas persistem
por tanto tempo e por que a terapia, com frequência, continua por
anos. Uma vez perguntei a um amigo psicólogo: — Por que há tão
pouca mudança na terapia? Meu amigo respondeu: — Porque as
pessoas não querem realmente mudar. As mudanças nunca
ocorrem a menos que você as queira.
Passei a pensar nisso e estou convencido de que a situação
também se aplica à mudança espiritual. Muitas pessoas “falam”,
mas não mostram crescimento na caminhada com Jesus Cristo,
pois não querem mudar a forma de viver. Não querem abandonar os
pecados ou reordenar as prioridades. Elas sabem que deveriam. Às
vezes podem até ser levadas às lágrimas pelos fracassos. Mas não
avançam porque querem fazer apenas o que já têm feito.
Se quisermos progredir na vida, deve haver compromisso com
algo diferente, maior ou mais grandioso que nós.

T
As coisas mudaram de forma radical em Jerusalém, sob o
governo de Neemias e o pastoreio de Esdras. Tenho-o designado
avivamento, pois era um. Avivamento significa voltar à vida
espiritual. O povo estivera morto. Agora, revivera, e as mudanças
que vieram transformaram a nação e a cultura de modo
permanente. Algumas delas duraram mais de 400 anos, até os dias
de Jesus e além.
Quais foram os passos do avivamento? Já vimos dois deles. O
primeiro foi a leitura, o ensino e a audição da Palavra de Deus.
Esdras, o sacerdote, o chefe espiritual da nação foi o líder. Ele
convocou a assembleia no primeiro dia do sétimo mês, leu a lei das
seis da manhã até o meio-dia. Um grupo de 13 levitas o
acompanhou, provavelmente ajudando na longa leitura, enquanto
outro grupo de 13 levitas circulava entre as pessoas para explicar as
palavras da lei e aplicá-las. O resultado disso foi o despertamento
duplo do povo. As pessoas foram despertadas para seu pecado, o
que demonstraram pelas lágrimas. E também foram despertadas
para as maravilhas da lei. Isso ficou evidente pela atenção contínua
à Palavra de Deus.
A partir do segundo dia do sétimo mês, os chefes das famílias
assistiam às leituras diárias da lei. Chamamos isso estudo bíblico
diário. Então, no vigésimo quarto dia do mês, ocorreu a segunda
assembleia solene em que o povo confessou os pecados em
conjunto.
Este foi o segundo estágio do avivamento. Nesse dia, após
outra leitura da lei, o povo passou três horas fazendo confissões
formais. Então os levitas os guiaram à oração formal de confissão, a
oração mais longa registrada no AT. A oração se distingue pela
recitação dos atos soberanos e das misericórdias de Deus para com
o povo nos anos de sua história como nação — a confissão franca
da rebelião de dura cerviz e idolatria persistente do povo e a súplica
da misericórdia divina em meio a seu sofrimento.
Ah, mas muitas pessoas expressam tristeza pelo pecado e
reconheceram sua angústia sem mudar. Por isso o terceiro estágio
do avivamento, relatado em Neemias 10, é tão importante. O
terceiro estágio consiste no compromisso formal de mudança,
expresso por meio de uma aliança. O texto se refere a ela como
“uma aliança fiel” (Ne 9.38) em que líderes, levitas e sacerdotes
colocaram seus selos, o equivalente à assinatura.
Quatro grupos diferentes de pessoas assinaram o documento.
No topo da lista de signatários estão Neemias e Zedequias
(v. 1). Nas versões modernas, Zedequias parece pertencer à lista de
sacerdotes nos versículos 2-8. Mas no hebraico, Neemias e
Zedequias se juntam à conjunção e, o que parece separar os dois
como um grupo especial que representa o poder civil.
Provavelmente, Zedequias era o secretário-chefe de Neemias.
James B. Pritchard indica que os documentos legais eram atestados
por um escriba e testemunhas e que o secretário de um alto
funcionário, em geral, assinava com ele em segundo lugar.[66]
O segundo grupo de signatários contém o nome dos
sacerdotes de Israel (v. 2-8). Existem 24 nomes na lista. A maioria
deles (pelo menos 15) é constituída por nomes de família. Podemos
dizer isso ao comparar esses versículos com o capítulo 12,
versículos 12-21, onde os nomes das famílias sacerdotais são
explicitamente apresentados. Esdras pertencia à família de Seraías
(Ed 7.1), o nome que encabeça a lista, o que muitos estudiosos
consideram o motivo para o nome de Esdras não aparecer em
separado.
O terceiro grupo contém 17 nomes de levitas (v. 9-13). Alguns
deles são nomes de família, mas muitos são indivíduos; alguns
deles aparecem na lista de levitas que explicaram e aplicaram a lei
no dia de sua primeira leitura, de acordo com Neemias 8.7.
Hasabias foi um dos construtores do muro (Ne 3.17).
O grupo final contém os nomes de 44 famílias nobres de Israel
(v. 14-27). Muitos nomes correspondem aos nomes das famílias que
teriam retornado com o primeiro grupo de exilados, de acordo com
Esdras 2 e Neemias 7. Alguns também aparecem na lista de
construtores de muros em Neemias 3.
Os signatários da aliança deveriam representar todo o povo,
como a conclusão da lista de nomes (v. 28, 29) indica com clareza:
O resto do povo, os sacerdotes, os levitas, os porteiros, os cantores,
os servidores do templo e todos os que se tinham separado dos
povos de outras terras para a Lei de Deus, suas mulheres, seus
filhos e suas filhas, todos os que tinham saber e entendimento,
firmemente aderiram a seus irmãos; seus nobres convieram, numa
imprecação e num juramento, de que andariam na Lei de Deus, que
foi dada por intermédio de Moisés, servo de Deus, de que
guardariam e cumpririam todos os mandamentos do Senhor, nosso
Deus, e os seus juízos e os seus estatutos.
É difícil imaginar um acordo mais formal por parte do povo, ou
um compromisso mais intenso de promover a mudança espiritual.

A
Mudança por mudança não significa nada, é claro. O que
importa é a direção da mudança. Portanto, antes de examinarmos
as especificidades da aliança, será útil a análise de suas três
características, que indicam para onde as pessoas se viam
caminhando.
1. A autoridade da Bíblia. Tudo no compromisso formal do
povo é a resposta ao que entendem ser as exigências da lei do AT.
Vemos isso nas promessas feitas; cada uma responde demandas
específicas do AT, repetidas em várias situações em todo o
Pentateuco. De novo: a aliança também começa com duas
referências explícitas à lei, uma no versículo 28 e outra no 29. O
versículo 28 define os signatários da aliança: os que “se tinham
separado dos povos de outras terras para a Lei de Deus” (grifos do
autor). O versículo 29 conta como essas pessoas se
comprometeram “numa imprecação e num juramento, de que
andariam na Lei de Deus, que foi dada por intermédio de Moisés,
servo de Deus, de que guardariam e cumpririam todos os
mandamentos do Senhor, nosso Deus, e os seus juízos e os seus
estatutos” (grifos do autor).
Isso significa que o povo respondeu à autoridade das
Escrituras. Existem outros tipos de compromisso, é claro: com uma
causa, com as exigências de um contrato legal, com uma pessoa.
Mas nenhum nível de compromisso é maior ou mais importante que
este, pela simples razão de que nada merece um nível mais alto de
obediência ou serviço nosso que Deus, e ele expressa sua vontade
nas Escrituras.
A chamada batalha pela Bíblia trata disso em nossos dias.
Alguns a ridicularizaram como uma cruzada de pessoas ignorantes
e inseguras que pensam que o universo é abalado toda vez que um
detalhe da Bíblia é desafiado — mas esse não é o caso. A questão
é se a Bíblia é o Livro de Deus, e não do homem, e se Deus será
reconhecido como Senhor soberano. Se ele é Deus, e se falou
conosco na Bíblia, como a igreja sempre confessou, então este livro
é supremo sobre nós. Devemos nos sujeitar a ele, e isso significa
que devemos ordenar a vida de acordo com ele. Se a Bíblia diz:
“Não furtarás” (Êx 20.15), então não devemos roubar — não porque
talvez tenhamos problemas — mesmo sendo possível paramos na
cadeia se o fizermos, mas porque Deus disse para não roubarmos.
Se a Bíblia diz: “Não adulterarás” (Êx 20.14), então não devemos
cometer adultério. A mesma regra vale para todos os mandamentos,
advertências e princípios da Bíblia.
O impressionante da aliança em Neemias 9 é que o povo
estava preocupado em colocá-la em prática. Isso mostra que eles
foram convertidos de fato e queriam progredir no relacionamento
espiritual.
2. A importância do templo. Embora as promessas específicas
dos versículos 30-39 abranjam um amplo espectro da vida dos
judeus antigos, uma porção surpreendente lida com o templo e a
adoração ali: os impostos do templo, as primícias das colheitas e
frutos, as ofertas regulares e o dízimo. A construção do templo foi a
primeira preocupação dos exilados que retornaram anos antes. A
lentidão na construção foi um fardo para o profeta Ageu. A provisão
contínua do templo envolvia Esdras.
Poderíamos pensar que Neemias, o governante civil, não teria
se preocupado com o templo, pois seus esforços foram direcionados
à reconstrução dos muros da cidade. Mas agora vemos de forma
diferente. Ele também estava comprometido com o templo. Por quê?
Por saber que o templo e a adoração a Deus que aconteciam ali
uniriam o povo em uma nação autoconsciente e coesa. Como
Howard F. Vos diz: “O templo [...] forneceu o fundamento religioso e
social para unir os membros da comunidade uns aos outros, e
preeminentemente a Deus e seu serviço”.[67] Seria difícil manter a
coesão. No final do livro de Neemias, bem como no livro do profeta
Malaquias, descobrimos que as gerações posteriores de judeus
negligenciaram os dízimos e permitiram que os serviços do templo
se esgotassem.
3. A responsabilidade do povo. A terceira característica
marcante da aliança é o forte senso de responsabilidade do povo.
Na aliança, ninguém depende do outro para cumprir sua obrigação.
Nada libera alguém das responsabilidades ou atribui tarefas
específicas a um grupo e outras tarefas a outro. A palavra
dominante é nós, como referência a todo o povo. Eles se
comprometeram a cumprir toda a lei de Deus como um povo inteiro.
Quem mais faria isso?
O mesmo acontece conosco em nossa resposta como cristãos
aos ensinamentos de Jesus. Se não lhe obedecermos, não
vivermos a vida santa e não formos suas testemunhas no mundo, é
certo que ninguém mais o fará. A responsabilidade é só nossa.

S
O povo se obrigara a cumprir toda a lei, de acordo com os
versículos 28 e 29. Mas uma promessa geral sem detalhes não
ajuda muito. Portanto, o povo expressou suas intenções em uma
série de compromissos específicos. A escolha deles mostrou
claramente os itens que precisavam de atenção.
1. A família (v. 30). Sabiamente eles começaram pela família,
prometendo não se casar com os povos vizinhos. Isso não consistia
em nenhum tipo de orgulho ou preconceito racial, pois o povo judeu
sempre contou com indivíduos de outras raças. Moisés se casou
com uma etíope. Raabe, de Jericó, e Rute, a moabita, haviam sido
prontamente incluídas em Israel. A questão não era racial, mas
religiosa, como os versículos principais em Êxodo 34.12-16 deixam
claro: como resultado desses casamentos corria-se o perigo de
levar o povo à adoração dos deuses pagãos das nações vizinhas.
Esdras havia lidado com o problema 13 anos antes. Malaquias falou
contra essa situação. Até Neemias teria de enfrentá-la de novo no
final do seu serviço (cap. 13).
Há uma razão para a defesa de famílias piedosas em primeiro
lugar na lista de preocupações: a família é a unidade básica da
sociedade, piedosa ou não. De fato, todas as grandes instituições
sociais vêm disso. O lar era a sede originária da educação, a
primeira escola. Portanto, escolas de gramática e ensino médio,
faculdades, universidades e outros tipos de centros de treinamento
devem a existência à função básica da família. O lar foi o primeiro
hospital. De fato, durante séculos foi o único lugar para o cuidado de
doentes e moribundos. Todas as instalações médicas devem a
existência ao lar. O mesmo acontece com o Governo. Sociedades
patriarcais, monarquias e democracias se desenvolveram a partir do
lar. O significado disso é que, se a família permanecer, a sociedade
permanecerá. Se a família for destruída, a nação se deteriorará
rapidamente.
Isso também acontece de maneira inversa. Quando uma
cultura entra em declínio moral, a estrutura familiar se enfraquece.
Por isso os governos comunistas e outros revolucionários anseiam
enfraquecer ou destruir a família, colocar filhos contra pais e, às
vezes, separar fisicamente filhos, maridos e esposas. Eles sabem
que a família é uma unidade forte e que, se puderem destruí-la,
terão maior sucesso na construção da lealdade
correspondentemente forte ao Estado. Também por isso os cristãos
devem defender a família, apesar das muitas tentativas
contemporâneas de destruí-la. Devemos fazê-lo para o bem do
nosso país e do próprio cristianismo.
O apóstolo Paulo sabia disso. Em palavras que ecoam a
preocupação do povo judeu sob Neemias, ele escreveu: “Não vos
ponhais em jugo desigual com os incrédulos; porquanto que
sociedade pode haver entre a justiça e a iniquidade? Ou que
comunhão, da luz com as trevas? [...] Ou que união, do crente com
o incrédulo? Tendo, pois, ó amados, tais promessas, purifiquemo-
nos de toda impureza, tanto da carne como do espírito,
aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus” (2Co 6.14, 15;
7.1).
2. O sábado (v. 31). O segundo compromisso específico do
povo no dia da grande aliança era guardar o sábado, abstendo-se
de toda atividade comercial e observar o descanso da terra, quando
não se trabalharia nos campos. O requisito tem precedente no
descanso divino desde a criação no sétimo dia e remonta aos Dez
Mandamentos, que diz: “Lembra-te do dia de sábado, para o
santificar” (Êx 20.8).
Em minha opinião, os cristãos não estão sob as leis
específicas do sábado do AT. Fomos libertos de guardar “dias, e
meses, e tempos, e anos” (Gl 4.10). Mas essa não é toda a história.
É verdade que não fomos ordenados a observar um sábado inativo.
Mas nos foi dado um novo dia para desfrutar o Dia do Senhor.
Nosso dia não é um dia calmo de descanso. É um dia de adoração
ativa e alegre. Mas realmente nos deleitamos nele? Ele é usado
para adoração, serviço cristão e testemunho? Ou apenas fingimos
fazê-lo, passando alguns momentos formais na igreja, a fim de nos
livrarmos para passar o resto do dia assistindo futebol ou apenas
relaxando?
Por que você não se compromete em fazer do domingo um
dia centrado nas preocupações cristãs? Tenho um amigo no
ministério que diz às pessoas: “Se você quer crescer na vida cristã,
decida ir à igreja mais de uma vez por semana, testemunhe a seus
amigos, ajude o pastor e depois se ocupe servindo a Jesus”. Não é
uma fórmula ruim.
3. Os impostos do templo (v. 32, 33). O terceiro compromisso
do povo de Jerusalém foi com o pagamento dos impostos do
templo. Aqui temos dois problemas. O primeiro é técnico. No
Pentateuco, de acordo com Êxodo 30.11-16, o imposto do templo
havia sido fixado em meio siclo; aqui, em Neemias 10.32, o valor é
de um terço de siclo. Como nem mesmo os sacerdotes eram livres
para alterar a lei divina, algumas explicações são necessárias.
Normalmente, explica-se com a presunção de que os siclos de
Jerusalém e da Babilônia eram diferentes, — algo possível — ou
com a observação de que em Êxodo o imposto era pago apenas
quando se realizava um censo, enquanto em Neemias o valor era
pago anualmente.
O maior problema está em relacionar os impostos do templo a
nós mesmos. Não temos nada como um grande templo central nos
sistemas religiosos, e a questão mais geral de apoio à obra cristã
pela mordomia é tratada mais tarde em referência ao dízimo (v. o
número 6 abaixo). Assim, a questão dos impostos do templo é
completamente irrelevante para nós?
Não penso que seja. Em vez disso, acho que esse item (além
da preocupação adicional de fornecer madeira e outros suprimentos
necessários para o templo, a seguir) mostra a prioridade de dispor
de um local central para o culto corporativo e para o serviço de
Deus. Deixe-me colocar desta maneira: ter um lugar fixo onde as
pessoas pudessem se reunir e adorar a Deus era importante para
eles. Suponha que estivéssemos lá e pudéssemos dizer: “Mas o que
importa se você tem ou não o templo? Vocês não podem adorar a
Deus em particular ou em casa?”. O povo teria respondido sim:
poderiam adorar a Deus em particular, e o faziam. No entanto,
também era importante que pudessem se unir como um só povo e
dar uma demonstração visível das suas crenças e experiências
comuns.
Precisamos de pontos centrais semelhantes para a fé cristã
hoje. Os óbvios são as igrejas locais.
Percebo que, embora os reis persas tivessem feito certas
provisões importantes para o templo judaico (Ed 6.8-10), o povo não
esperava que continuassem fazendo isso; assim, ele assumiu a
responsabilidade de prover os próprios serviços do templo. Essa
também é uma responsabilidade cristã. O Governo pode oferecer
certas vantagens às igrejas e outras organizações “beneficentes”,
mas não se pode esperar que o Governo as apoie. Nem ele deveria.
Se os cristãos não apoiarem a obra do Senhor, a obra do Senhor
não será apoiada.
4. As provisões adicionais para o templo (v. 34, 35). O povo de
Jerusalém parece não ter se contentado apenas em pagar os
impostos do templo. Ele reconheceu que os serviços do templo
exigiam outras coisas que eles também podiam fornecer: madeira
para o grande altar e as primícias das colheitas e frutos. As pessoas
prometeram fornecê-los. Do mesmo modo, há coisas que podemos
dar ao trabalho cristão além do dinheiro. As organizações de
serviços precisam de doações de alimentos e roupas. Podemos
oferecer nossa experiência em determinadas áreas. Mais
importante, podemos contribuir com nosso tempo.
5. A dedicação do primogênito (v. 36). A lei declarava que o
primogênito de toda família, bem como o primogênito de todos os
rebanhos, pertencia ao Senhor. Na prática, o povo geralmente
resgatava o primogênito mediante o pagamento de um preço de
redenção, mas a prática servia para lembrá-los de que toda vida é
presente de Deus e pertence a ele. Nossa vida também pertence a
Deus, primeiro por causa da criação (ele nos criou) e segundo por
causa da redenção (Deus nos comprou para si pelo sangue de
Cristo). Por isso que Paulo disse: “Porquanto, para mim, o viver é
Cristo, e o morrer é lucro” (Fp 1.21) e “já não sou eu quem vive, mas
Cristo vive em mim” (Gl 2.20).
6. O dízimo (v. 37-39). Penso da mesma maneira sobre o
dízimo e o sábado. Tendo dito muitas vezes que não vejo nenhuma
passagem específica no NT que imponha o dízimo aos cristãos
como obrigação legal. Mas como já afirmei, essa não é a história
toda. É verdade que os cristãos não estão sob as especificidades da
legislação do AT, mas no que diz respeito às questões éticas, é
sempre o caso que quando você passa do AT para o NT, o padrão
sobe e não diminui. O judeu do AT deveria dar 10% de sua renda
diretamente ao Senhor. Era uma questão simples, a fim de evitar
qualquer manipulação dos ângulos, prevaricação ou confusão. Era
10% de tudo que recebia: salários, gorjetas, presentes, herança,
loteria! Era para todos: jovens, idosos, esposas, maridos,
estudantes, ricos e pobres. Era o mínimo. Isso era devido ao
Senhor. O judeu deveria “pagar” o dízimo. Depois disso, se tivesse
sido particularmente abençoado e desejasse, poderia apresentar
ofertas adicionais.
Qual é o princípio hoje? É mais alto, como indiquei. Não são
10%, mas 100%. Tudo que somos e temos é do Senhor. A pergunta
não é quanto somos obrigados a dar, mas quanto é adequado
guardarmos para nós mesmos e nossa manutenção.
Jesus declarou esse princípio no Sermão do Monte:
Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e
a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai
para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e
onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu
tesouro, aí estará também o teu coração. Ninguém pode servir a dois
senhores; [...] Não podeis servir a Deus e às riquezas. (Mt 6.19-21,
24)
Eu o designo o “estilo de vida de mordomia” — o padrão de
vida em que primeiro nos entregamos ao Senhor e depois nos
entregamos regularmente a outros em seu nome (2Co 8.5).

A
A igreja cristã tem a mente dividida sobre alianças. Por um
lado, há quem desconfie delas, principalmente por desconfiar com
razão de qualquer capacidade humana de cumpri-las. “Sempre que
você promete a Deus que fará algo, por certo quebrará a promessa”,
argumentam. Em geral, isso é verdade. No mínimo, as reservas das
pessoas nos alertam que nenhum de nós deveria subscrever uma
aliança de maneira leviana.
Por outro lado, é impossível anular todos os compromissos
formais. O próprio ato de se tornar cristão é uma aliança, pois
quando nos arrependemos dos pecados e nos convertemos em fé a
Cristo como Salvador, também prometemos segui-lo e servi-lo como
Senhor. Quando somos batizados, fazemos uma aliança. Quando
ingressamos em uma igreja, fazemos uma aliança. Em nossa igreja,
a promessa é: “Fazer uso diligente dos meios da graça, participar
fielmente do culto e do serviço da igreja, ofertar à medida que o
Senhor fizer prosperar, e oferecer todo o coração a serviço de Cristo
e seu reino em todo o mundo”. Por que outros passos espirituais
importantes deveriam ser diferentes? Por que não deveríamos
decidir mudar para melhor com mais frequência — e nos aliançar a
fazê-lo?
Sugiro que você se comprometa solene e formalmente a
colocar Deus em primeiro lugar em tudo que faz: ordene seu
casamento ou família de acordo com os padrões bíblicos, reserve
um dia em sete para adorar e servir a Deus na companhia de outros
cristãos, dê o dízimo de sua renda ao trabalho do Senhor — e
realize o que mais Deus colocar em sua mente. Faça disso um
compromisso para toda a vida!
12. A sétima dinâmica: renovação urbana (Neemias
11.1-12.26)
Os príncipes do povo habitaram em Jerusalém, mas o seu restante deitou sortes
para trazer um de dez para que habitasse na santa cidade de Jerusalém; e as
nove partes permaneceriam em outras cidades. O povo bendisse todos os
homens que voluntariamente se ofereciam ainda para habitar em Jerusalém.
São estes os chefes da província que habitaram em Jerusalém; porém nas
cidades de Judá habitou cada um na sua possessão, nas suas cidades, a saber,
Israel, os sacerdotes, os levitas, os servidores do templo e os filhos dos servos
de Salomão. Habitaram, pois, em Jerusalém alguns dos filhos de Judá e dos
filhos de Benjamim.
Dos filhos de Judá [...]
São estes os filhos de Benjamim [...]
Dos sacerdotes [...]
Dos levitas [...]
Dos porteiros [...]
São estes os sacerdotes e levitas que subiram com Zorobabel, filho de Sealtiel,
e com Jesua:
Estes foram os chefes dos sacerdotes e de seus irmãos [...]
Foram sacerdotes, cabeças de famílias [...]
Matanias, Baquebuquias, Obadias, Mesulão, Talmom e Acube eram porteiros e
faziam a guarda aos depósitos das portas. Estes viveram nos dias de Joiaquim,
filho de Jesua, filho de Jozadaque, e nos dias de Neemias, o governador, e de
Esdras, o sacerdote e escriba.
Neemias 11.1-4,7, 10, 15, 9; 12.1, 7, 12, 25, 26

Não preciso provar a acelerada urbanização do mundo no


século XX. Na época de Jesus Cristo, havia uns 250 milhões de
pessoas no mundo, quase a mesma população dos Estados Unidos.
Foram precisos 1.500 anos para dobrar para 500 milhões, à época
da Reforma Protestante. No final do século XVIII, dobrou de novo
para 1 bilhão — em trezentos anos. No início do século XX, cem
anos depois, eram 2 bilhões. Hoje existem 5,1 bilhões de pessoas
no mundo. Até o final do século XX, a população do mundo deve
chegar a 6 bilhões. A grande maioria dessas novas pessoas viverá
nas cidades.
Duzentos anos atrás, apenas 2,5% da população do mundo
vivia nas cidades. O número era de 40% em 1970. Hoje é quase a
metade, e projeta-se que alcance surpreendentes 90% até o ano
2000.[68]
Quantas cidades do mundo você acha que têm mais de um
milhão de habitantes? A resposta a essa pergunta é 175. Vinte e
nove delas estão nos EUA, mas os Estados Unidos não têm o maior
número de megacidades. China e Rússia têm mais cidades com
mais de um milhão de pessoas que todos os outros países. As
cidades que mais crescem no mundo estão na América Latina. A
Cidade do México, agora a maior cidade do mundo, tem 20 milhões
de habitantes. Até o ano 2000, a Índia terá 20 cidades com
20 milhões de habitantes. Na América, 70% dos cidadãos agora
vivem em áreas urbanas.
O que isso diz sobre o foco apropriado para o testemunho
cristão hoje? O que isso sugere para nossas prioridades de missão?

J N
Nossa situação é diferente da confrontada por Neemias.
Temos cidades transbordando de gente. Ele contava com uma
cidade quase vazia. No entanto, existem semelhanças
surpreendentes. Neemias queria povoar Jerusalém. Precisamos
povoar as grandes cidades seculares com cristãos, a fim de
alcançar a vasta maioria urbana para Jesus Cristo.
As semelhanças vão além disso, principalmente quando
consideramos as dificuldades enfrentadas por Neemias ao reocupar
a cidade. O problema é descrito de forma breve em Neemias 7.4: “A
cidade era espaçosa e grande, mas havia pouca gente nela, e as
casas não estavam edificadas ainda”. Por que a cidade não estava
ocupada? Havia várias razões. Por um lado, ela ficou sem muros
durante 142 anos. Isso significava que a cidade estava indefesa à
época; como resultado, era perigoso morar lá. Em caso de invasão,
uma família que vivia no país poderia fugir e se esconder, talvez
apenas perdendo o gado e as colheitas. Mas quem residisse na
cidade ficaria preso. Seria presa fácil, e a cidade, de poucos
moradores, contava com um número reduzido de defensores.
De novo, nos dias de Neemias, Jerusalém era exemplo do que
chamamos praga urbana. A cidade havia sido devastada por
exércitos invasores, despojada de qualquer coisa valiosa de
maneira mais rápida e completa que um carro abandonado em um
bairro pouco policiado. As casas e os muros foram destruídos.
Jerusalém estava em escombros. Assim, durante os quase 150
anos de sua não ocupação, a grama e as árvores teriam crescido
nos quintais, ruas e passagens. Era um lugar difícil de viver. Mais
difícil ainda era ganhar a vida.
O que Neemias fez? O capítulo 11 fala sobre isso. Primeiro,
sem dúvida, a pedido dele, os líderes se mudaram para a cidade
recém-murada. Então, o povo selecionou um dentre dez israelitas
para se juntar a eles.
Simples assim!
Porque era importante que a cidade estivesse ocupada!
Sugiro que algo exatamente assim precisa ser feito pelos
cristãos nos dias de hoje. Por muito tempo, somos culpados do que
foi chamado “fuga branca” das cidades. Afastamo-nos da ação,
onde seria necessário estar, para algum lugar confortável! Por causa
de nossa orientação rural suburbana, aplicamos o mesmo padrão na
forma de lidar com missões mundiais. Concentramo-nos nas áreas
mais remotas, enquanto as pessoas nessas áreas as deixaram e se
mudaram para ambientes metropolitanos. O maior desafio ao
testemunho cristão hoje é estabelecer a presença evangélica nas
cidades do mundo.
Ronald J. Sider, professor associado de teologia no Eastern
Baptist Theological Seminary, na Filadélfia, coloca isso em termos
gritantes: “Os evangélicos devem reverter a contínua fuga
evangélica das cidades [...]. Dezenas de milhares de evangélicos
devem voltar para a cidade [...]. Se 1% dos evangélicos que vivem
fora do centro da cidade tivesse fé e coragem para se mudar, os
evangélicos alterariam de maneira fundamental a história urbana
dos EUA”.[69]

A
À primeira vista, a lista de nomes e lugares em Neemias 11
parece ainda mais tediosa e desinteressante que as listas anteriores
dos capítulos 3, 7 e 10. Contudo, ela reflete uma ótima estratégia,
pois destaca várias partes do plano de Neemias.
1. Repopularizar. O primeiro e mais óbvio passo na renovação
de Jerusalém foi o repovoamento da cidade. A lista de pessoas no
capítulo 11 começa com as famílias de duas tribos: Judá e
Benjamim. Isso é apropriado, pois Jerusalém se encontrava no
território tribal de Judá e fazia fronteira com Benjamim, que se
estendia ao norte. Além disso, a maioria do povo era dessas tribos.
Elas foram as principais tribos de Judá, o Reino do Sul; portanto, as
últimas a cair. Samaria, a capital do Reino do Norte de Israel, havia
sido derrotada em 721 a.C. Jerusalém sucumbiu em 586 a.C. O
texto menciona duas famílias de Judá (v. 4-6) e três famílias de
Benjamim (v. 7-9).
Depois disso, há listas de sacerdotes, levitas, porteiros, servos
do templo e uma variedade de oficiais da cidade (v. 10-24), seguidos
por uma lista de cidades fora de Jerusalém, onde muitas pessoas se
estabeleceram. O capítulo 12 apresenta os ancestrais desses
líderes e famílias, as pessoas que regressaram a Jerusalém sob o
comando de Zorobabel (12.1-26).
Podemos fazer alguns cálculos interessantes com base nos
números fornecidos. Se somarmos o número dos que declararam se
estabelecer em Jerusalém, o total de homens adultos chega a
3.044. Se adicionarmos mulheres e crianças a essa conta, a
população resultante de Jerusalém nesse momento era
provavelmente de umas 10 mil pessoas — uma estimativa
conservadora. Como isso tratava de um décimo da população
inteira, o número total de judeus em Judá seria de cerca de 100 mil.
[70]
2. Organizar. A segunda coisa mais marcante sobre este
capítulo é a organização óbvia do povo. Certamente, algo que
Neemias pretendia deixar claro quando a planejou. Não se tratava
de uma multidão de refugiados que apenas se estabeleceu em um
lugar qualquer. Essas pessoas conheciam seus ancestrais, a família
atual e os líderes religiosos. Jerusalém tinha um governo. Mesmo os
judeus estabelecidos fora da cidade não o fizeram em qualquer
lugar. As listas no final do capítulo 11 sugerem que eles tentaram se
estabelecer nos respectivos lares ancestrais.
O primeiro líder mencionado é Joel, filho de Zicri. Ele era o
“oficial chefe” dos descendentes de Benjamin.
O próximo oficial mencionado é Judá, filho de Senua. O
hebraico o descreve como “o segundo sobre a cidade”. Isso criou
um problema para a maioria dos comentaristas, já que, em
Neemias 7.2, diz-se que Hanani foi “encarregado” da cidade e
afirma-se que Hananias foi feito “comandante da cidadela”; isto é,
eles ocuparam as posições um e dois. Uma maneira de resolver a
dificuldade é traduzir as palavras que descrevem a responsabilidade
de Judá como “sob o segundo distrito da cidade”, como fazem
algumas versões. Mas é igualmente possível (melhor, em minha
opinião) ver a estrutura da seguinte maneira:
Neemias, governador da província de Judá;
Hanani, governante civil (primeiro em comando) de Jerusalém;
Hananias, comandante militar (primeiro em comando) de
Jerusalém;
Judá de Benjamin, segundo em comando da cidade
(provavelmente sob Hanani).
Joel teria representado as preocupações dos descendentes de
Benjamim e, presumivelmente, haveria um oficial para representar
Judá, embora, por algum motivo, ele não seja mencionado aqui.
Nos versículos seguintes, recebemos o nome do chefe dos
sacerdotes: Zabdiel, filho de Gedolim.
Os levitas também são organizados. Sabetai e Jozabade eram
dois de seus oficiais. Matanias era o diretor que liderou em ação de
graças e oração. Baquebuquias era o segundo abaixo dele. Outro
levita responsável foi Abda, filho de Samua.
Acube, Talmom eram os chefes dos porteiros.
Zia e Gispa estavam no comando dos servos do templo.
O versículo 22 nos diz que o chefe dos levitas em Jerusalém
era Uzi, filho de Bani.
O versículo 24 acrescenta que Petaías “estava à disposição
do rei, em todos os negócios do povo”. Alguns desses líderes são
mencionados novamente no capítulo 12 (Matanias, v. 8, 25;
Baquebuquias, v. 9, 25; Uzi, v. 19;[71] Talmom, v. 25; Acube, v. 25).
3. Participar. A terceira característica desse reassentamento
foi a participação ativa do povo no que ocorria. Pode ser um pouco
exagerado chamar o processo de democracia, mas também não foi
uma ação arbitrária de Neemias. Antes, no capítulo 7, Neemias
exercia sua prerrogativa como governador, ao nomear Hanani para
o ofício de governante civil de Jerusalém e Hananias como o
comandante militar. Mas não temos nenhuma sugestão disso aqui.
Parece que cada tribo e grupo religioso selecionou os próprios
líderes.
Outra indicação do espírito participativo prevalente é a
referência, no versículo 2, aos que “se ofereceram” para morar em
Jerusalém. É difícil dizer a que isso se refere. Parece referir-se aos
que foram escolhidos por sorteio, de acordo com o versículo 1,
embora seja estranho dizer algo nessas circunstâncias. Caso se
refira a essas pessoas, significaria que, embora tenham sido
escolhidas por sorteio, mudaram-se para a cidade de boa vontade.
Ou poderia se referir a outras pessoas que se ofereceram para
acompanhá-los. Nos dois casos, a imagem é de um acordo sobre o
qual o povo todo concordou. Não foi um caso de deslocamento e
migração forçados. Em vez disso, o povo queria que a cidade
prosperasse e se mudou para lá de boa vontade.
4. Base religiosa. A quarta característica do esforço de
Neemias para revitalizar Jerusalém tinha base religiosa. O capítulo
começa pelo relato de como um em cada dez judeus leigos foi
escolhido para se mudar, mas pouco se fala sobre as pessoas. A
maior parte do capítulo (e do capítulo seguinte) detalha as famílias
de sacerdotes, levitas e outros líderes religiosos estabelecidos na
cidade.
Por quê? Obviamente, porque Neemias sabia, como também
devemos saber, que a comunidade se mantém unida apenas pela
lealdade ou prioridade mais elevada e que a única base
verdadeiramente adequada para a verdadeira irmandade ou
comunidade entre as pessoas é a devoção a Deus. Sem isso, as
pessoas logo se tornam pouco mais que facções concorrentes ou
em guerra. Cyril J. Barber faz a seguinte afirmação:
O compromisso religioso forte é essencial para que a forma
democrática de administração seja bem-sucedida. Sem valores
espirituais adequados, é difícil, quase impossível, reter a ideia de
obrigação e responsabilidade. O individualismo não pode ser
controlado por muito tempo pelo conceito do chamado que incorpora
boas obras e autocontrole. Quando esse controle se enfraquece, a
legislação toma o lugar das convicções espirituais e se torna o
fundamento comunitário. Com o aumento da legislação, há o
aumento burocrático correspondente, com a minimização da
eficiência e a diminuição do valor pessoal.[72]
Jerusalém contava com a base religiosa. Portanto, havia
coesão e eficiência entre o povo, como o forte senso de valor
pessoal.

I
Já falamos o suficiente sobre o plano de Neemias. Disse no
começo que também devemos povoar as cidades de maneira cristã.
Como devemos fazer isso? Qual deve ser nosso plano? Sugiro que
precisamos estabelecer em nossas cidades modelos de
comunidades cristãs. Esse objetivo deve dispor dos seguintes
elementos essenciais:
1. Devemos viver nas cidades. Nem todo cristão precisa viver
em nossas cidades, mas muito mais cristãos deveriam viver nelas.
Quantos? É difícil dizer. Nos dias de Neemias, em que a economia
era agrícola, o número era de um em cada dez — mais outros que
viviam nas cidades vizinhas. Nos Estados Unidos de hoje, onde a
economia é industrial e baseada em serviços, e não agrícola, 50%
da população, em geral, vive nas cidades. Isso sugere que pelo
menos 50% da população cristã também deveria. Mas como essa
porcentagem está subindo e como queremos estar à frente dos
tempos, em vez de ficarmos para trás, provavelmente devemos
liderar o caminho, com uma porcentagem ainda maior de
evangélicos se mudando para as áreas urbanas.
Nosso objetivo deve ser a presença cristã em cada quarteirão
de todas as cidades grandes. Meu modelo é o exemplo de E. V. Hill,
pastor da Mount Zion Missionary Baptist Church de Los Angeles. Hill
é um dos grandes líderes urbanos do nosso tempo. Antes de
ingressar no ministério cristão, morava no Texas, onde era líder da
ala do Partido Democrata. Sua tarefa era obter o voto dos
candidatos democratas, e sua principal estratégia para fazer isso
era ter um representante regional em cada quarteirão. Nos dias das
eleições, os representantes regionais dos quarteirões deveriam
entrar em contato com todos os moradores locais para garantir que
votassem. Quando Hill chegou a Los Angeles, perguntou-se por que
não deveria fazer isso pelo reino de Deus, se havia feito dessa
forma pelos democratas. Por que não ter um representante regional
cristão para cada quarteirão de Los Angeles?
Será que isso é loucura? Impossível?
Não é tão absurdo quanto você imagina. Quantos quarteirões
você imagina existirem na cidade de Los Angeles? A resposta:
cerca de 9.000. Na área da cidade de E. V. Hill, no centro-sul de Los
Angeles, o número é 3.100. Foi com isso que a igreja do Dr. Hill
lidou. Quando o ouvi contar sobre esse objetivo pela primeira vez, a
igreja já havia estabelecido a presença cristã em 1.900 quarteirões
da área.
Quantos quarteirões temos na área imediata da igreja em que
sirvo? A área da Tenth Presbyterian Church é delimitada pela
Market Street, ao norte, e pela South Street, ao sul. Começando na
Broad Street, que divide o centro da cidade em dois, e indo para o
oeste em direção ao rio Schuylkill, na área na qual a igreja está
localizada, existem 74 quarteirões. Apenas 74! E se a área for
estendida para leste em direção ao rio Delaware, ocupando toda a
área residencial de Center City, leste a oeste, serão apenas 87
quarteirões a mais. Apenas 161 quarteirões em Center City! Não
deve ser muito difícil ter a presença cristã múltipla em cada
quarteirão dessa pequena área. Deveria haver um estudo bíblico
semanal em cada quarteirão.
A mesma magnitude estatística deve prevalecer nas áreas
residenciais da maioria das outras cidades dos EUA.
Tal esforço surtiria algum efeito? Sim.
Hill conta o que aconteceu em Los Angeles em uma ocasião.
Um homem ficou tão desconcertado com o representante regional
do quarteirão no qual morava — sempre o convidava para ir à igreja
e para outras reuniões religiosas — que ele decidiu se mudar de Los
Angeles. O caminhão chegou. Ele carregou os móveis. O
representante do quarteirão foi se despedir. O caminhão partiu. Mas
assim que se foi, o representante do quarteirão voltou para casa,
falou com o diretório dos representantes dos quarteirões de Mount
Zion em Los Angeles e encontrou a pessoa encarregada do
quarteirão para onde o vizinho ofendido estava se mudando.
Quando o homem chegou à nova casa, havia um novo
representante de quarteirão na rua para recebê-lo e convidá-lo para
ir à igreja.
Seu comentário foi típico: “Meu Deus, eles estão em todo
lugar”. Esse deveria ser nosso objetivo — ter uma presença visível
nas cidades.
2. Devemos agir como comunidade nas cidades. Não basta
estar nas cidades. Também devemos estar juntos nas cidades;
devemos ser uma comunidade cristã. E só como comunidade
podemos dar forma ao que recomendamos. Penso nas linhas do
grande poeta do século XX, T. S. Eliot:
Quando o Estrangeiro diz: “Qual é o propósito desta cidade?
Vocês se amontoam porque se amam?”
O que você vai responder? “Todos nós moramos juntos
Para ganhar dinheiro um com o outro?” ou “Isto é uma comunidade?”
Coro de “A Rocha”

Anthony T. Evans é um pastor negro de sucesso em Dallas,


Texas. Ele é um excelente expositor da Bíblia, e seu objetivo no
ministério é fazer os centros populacionais do país experimentarem
a renovação espiritual. Evans publica um boletim mensal chamado
The Urban Alternative [A alternativa urbana]. Nele, pouco tempo
atrás, apareceu um artigo intitulado “10 Steps to Urban Renewal”
[“10 passos para a renovação urbana”]. Ele traz ensinos bíblicos
sólidos, a rejeição da dependência do Governo, o uso de dons
espirituais e o discipulado dos convertidos, entre outras coisas. Um
requisito importante, de acordo com Evans, é tornar-se uma
comunidade. Ele escreveu: “A igreja é antes de tudo uma família
espiritual, uma comunidade. Por isso que a Bíblia se refere à igreja
como a ‘família da fé’, ‘família de Deus’ e ‘irmãos e irmãs’. Ela deve
funcionar como uma família, modelar a vida em família e cuidar das
famílias que abrange”.[73]
A igreja pode fazer isso como nenhuma outra organização —
nem negócios, escolas, centros de entretenimento ou vida social,
agências governamentais ou municipais. Só a igreja! Além disso, a
igreja tem a oportunidade extraordinária de modelar a comunidade
no momento em que outras formas de verdadeira comunidade estão
desmoronando. Não há lugar melhor que a comunhão cristã para
abraçar quem sofre com casamentos rompidos, lares fraturados e
outros relacionamentos desfeitos.
Se podemos modelar uma comunidade cristã atraente em um
ambiente cristão ou na igreja, podemos modelá-la em outros
ambientes, como cristãos nos negócios, mostrando o que é ter um
negócio centrado em Cristo. Cristãos na educação, mostrando o que
é educar de uma maneira cristã; políticos a agir como políticos
cristãos, e assim por diante em outras profissões.
3. Devemos ser uma comunidade bíblica. Isso leva ao terceiro
ingrediente necessário para a presença cristã eficiente na cidade.
Não devemos apenas estar na cidade e ser uma comunidade, mas
também devemos ser dirigidos pela Bíblia. Em outras palavras,
devemos ser o tipo de comunidade que Deus deseja que sejamos.
Que tipo de comunidade é essa? Com certeza, esse é um assunto
importante, e uma breve declaração é encontrada em Miqueias: “Ele
te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o S pede
de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes
humildemente com o teu Deus” (Mq 6.8).
O versículo lista três requisitos. Primeiro, agir de maneira
justa. Isso significa justiça para todos, não só para os cristãos ou
para nossos projetos de estimação. Significa justiça para judeus e
católicos, homossexuais, pobres e ricos e os totalmente indigentes.
A justiça é imparcial. Significa agir com justiça, não apenas falar
sobre ela. Significa agir de maneira justa e não apenas esperar que
outras pessoas o façam.
Segundo, amar a misericórdia. Isso não significa que devemos
apenas agir de maneira compassiva de tempos em tempos, menos
ainda com quem é como nós ou que não está muito pior que nós.
Significa tentar mostrar misericórdia sempre e de todas as maneiras
possíveis. As atividades cristãs da cidade podem ser justas e
misericordiosas ao mesmo tempo.
Terceiro, andar em humildade com Deus. Precisamos ouvir
isso em especial, pois muitas vezes os cristãos são tudo, menos
humildes. Em vez de trabalhar com os outros de uma maneira
genuinamente humilde, agimos como se já tivéssemos todas as
respostas (o que não temos) e, assim, com razão, fazemos com que
o mundo secular nos despreze.
4. Precisamos de uma visão. O elemento final necessário para
a presença cristã eficiente na cidade é a visão do tipo de sociedade
que esperamos estabelecer. Até este ponto, falhamos em prover a
visão à cultura secular. Colonel V. Doner, no livro recente intitulado
The Samaritan Strategy: A New Agenda for Christian Activism [A
estratégia samaritana: uma nova agenda para o ativismo cristão],
afirma ter sido esse o fracasso específico da direita cristã na década
de 1980. Obteve-se o apoio efetivo para algumas causas, como a
luta contra o aborto e a pornografia. Mas não existia nenhuma visão
para o tipo de sociedade que queríamos ver estabelecida. A direita
cristã era considerada uma cruzada apenas pelos interesses
cristãos, bem como uma ameaça para quem tinha objetivos um
pouco diferentes.
Doner diz:
Para muitos, parecia que a direita cristã tinha a oferecer apenas uma
colagem negativa/reacionária de “o que não fazer”, em vez de uma
agenda ampla e construtiva de “o que fazer positivamente”. Pior, a
maioria dos cristãos não conseguia entender como todas as
questões se relacionavam entre si [...]. Sem a clara cosmovisão
cristã, os cristãos eram incapazes de agir em uníssono de acordo
com uma agenda ampla e compreendida com clareza.[74]
A cosmovisão cristã cuidadosamente pensada e bem
articulada ainda não surgiu. Desenvolvê-la deve ser o objetivo
principal de nossos dias.
Enquanto o fazemos, não devemos pensar que o mundo se
opõe totalmente a nós. A sociedade é muito menos hostil do que às
vezes pensamos. Há pouco tempo, a organização Gallup Poll
conduziu uma pesquisa com moradores de cidades com população
superior a 50 mil pessoas, perguntando quais organizações
consideravam mais esforçadas para melhorar a vida da cidade.
Havia todo tipo de sugestão: o prefeito, a prefeitura, os jornais
locais, as empresas locais, os grupos de bairro, a câmara de
comércio, os bancos, os clubes de serviço, os construtores, quase
tudo que você pudesse imaginar. Sabe qual grupo liderou a lista? As
igrejas locais! Elas ganharam 48% dos votos, à frente do prefeito,
que ficou em segundo lugar com 39%.
Não sejamos negativos. O mundo espera para ver o que os
verdadeiros cristãos podem fazer. Acho que até Deus está
esperando. Raymond J. Bakke escreveu: “Acho que Deus quer
abençoar cidades, e ele espera pela igreja renovada”.[75]
13. A dedicação dos muros (Neemias 12.27-47)
Na dedicação dos muros de Jerusalém, procuraram aos levitas de todos os seus
lugares, para fazê-los vir a fim de que fizessem a dedicação com alegria,
louvores, canto, címbalos, alaúdes e harpas. Ajuntaram-se os filhos dos
cantores, tanto da campina dos arredores de Jerusalém como das aldeias dos
netofatitas, como também de Bete-Gilgal e dos campos de Geba e de Azmavete;
porque os cantores tinham edificado para si aldeias nos arredores de Jerusalém.
Purificaram-se os sacerdotes e os levitas, que também purificaram o povo e as
portas e o muro.
Então, fiz subir os príncipes de Judá sobre o muro e formei dois grandes coros
em procissão, sendo um à mão direita sobre a muralha para o lado da Porta do
Monturo.
O segundo coro ia em frente, e eu, após ele; metade do povo ia por cima do
muro [...].
Então, ambos os coros pararam na Casa de Deus, como também eu e a metade
dos magistrados comigo. Os sacerdotes Eliaquim, Maaseias, Miniamim, Micaías,
Elioenai, Zacarias e Hananias iam com trombetas, como também Maaseias,
Semaías, Eleazar, Uzi, Joanã, Malquias, Elão e Ezer; e faziam-se ouvir os
cantores sob a direção de Jezraías. No mesmo dia, ofereceram grandes
sacrifícios e se alegraram; pois Deus os alegrara com grande alegria; também
as mulheres e os meninos se alegraram, de modo que o júbilo de Jerusalém se
ouviu até de longe.
Ainda no mesmo dia, se nomearam homens para as câmaras dos tesouros, das
ofertas, das primícias e dos dízimos [...].
Neemias 12.27-31, 38, 40-44

A vida cristã é um trabalho árduo. Até a Bíblia a reconhece


como um trabalho árduo, descrevendo-a como uma batalha em 1
Timóteo 6.12: “Combate o bom combate da fé”; uma carreira em 2
Timóteo 4.7: “completei a carreira”; e um sacrifício em
Romanos 12.1: “Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de
Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e
agradável a Deus, que é o vosso culto racional”. Estudar a Bíblia é
difícil. Orar é difícil. Testemunhar é difícil. Viver de maneira santa em
meio às tentações do mundo é extremamente difícil. Por causa
dessas dificuldades, talvez possamos nos desculpar se, de tempos
em tempos em nossas lutas, considerarmos a vida cristã um
exemplo do que Winston Churchill prometeu à Inglaterra no início da
Segunda Guerra Mundial: uma vida de “sangue, suor e lágrimas”,
mais que de alegria e triunfo.
Com certeza a vida cristã é uma luta. Jesus não prometeu
uma vida confortável a seus seguidores, mas uma cruz. Não é só
isso! Depois de tempos de luta, há momentos agradáveis de doce
descanso. Após a guerra, há vitória. Junto dos gemidos de esforço
espiritual, há momentos de celebração e alegria.
Chegamos ao grande exemplo de celebração em Neemias 12:
a dedicação do muro de Jerusalém. Não sabemos com exatidão
quando ela ocorreu, mas não pode ser muito longe dos
acontecimentos dos capítulos anteriores, pois Neemias era um
homem prático e exigente, e não teria atrasado o ponto culminante
das conquistas do início de seu governo em Judá por mais de um
mês, no máximo. Ele completara o muro 52 dias após sua chegada
a Jerusalém, em 21 de setembro de 444 a.C. Ele adiou a dedicação
do muro até a celebração dos importantes festivais do sétimo mês.
Mas ele não deixou a celebração para trás, pois o avivamento e a
dedicação do povo haviam sido alcançados.
O texto informa como Neemias trouxe os levitas, músicos e
cantores das regiões periféricas do país, levou o povo ao muro e
encenou uma grande procissão ou desfile. Foram duas partes. A
primeira foi liderada por Neemias e prosseguiu em uma direção ao
redor do muro; a segunda outra parte foi liderada por Esdras e
prosseguiu na outra direção ao redor do muro. Cada grupo era
liderado por músicos e coros que cantavam louvores a Deus e
rendiam graças a ele. Então, depois da circunferência do muro ser
percorrida dessa maneira, o povo se juntou no templo, ofereceu
sacrifícios e se alegrou tanto que “o júbilo de Jerusalém se ouviu até
de longe” (v. 43).

O
Algumas pessoas se perguntam por que o relato da dedicação
do muro de Jerusalém foi mantido até agora e não inserido no final
do capítulo 6, onde nos disseram pela primeira vez que o muro
estava pronto. Poderia ter sido colocado lá, é claro. Mas se tivesse
sido inserido ali, não teria sido o ponto culminante de todo o livro,
nem teria demonstrado uma unidade tão significativa.
Deixe-me explicar.
Lembre-se de que o livro tem duas partes. A primeira e mais
longa parte diz respeito à construção dos muros, tarefa em que
Neemias desempenhou o papel principal. Ela comporta os
capítulos 1-7. A segunda parte, mais curta, diz respeito ao
avivamento em Jerusalém e à dedicação do povo. No avivamento,
Esdras, o sacerdote e chefe espiritual da nação, é proeminente.
Essa parte consiste nos capítulos 8-12. Na dedicação dos muros, as
duas seções importantes do livro se reúnem. Esdras está presente
para liderar metade do povo que celebra. Neemias lidera o outro.
Além disso — e isso é mais significativo — os dois grupos
circundam os muros que Neemias havia construído e se unem no
templo, o centro espiritual da vida da nação na qual Esdras preside.
Um comentarista diz o seguinte: “Quando o povo marcha dos
muros até o templo, o faz depois de ter colocado o templo mais uma
vez no centro dos pensamentos (10.32-39). Os muros representam
o povo: não um monumento à força de Judá — jamais! —, mas o
presente de Deus para a proteção e perpetuação de seu nome no
mundo”.[76]
É importante perceber que, com a seção iniciada no
versículo 27 (especificamente no v. 31), o estilo narrativo em
primeira pessoa, seguido na primeira metade do livro, é retomado. O
propósito parece mostrar que enquanto o sacerdote Esdras liderava
a renovação e dedicação do povo, Neemias assumiu o banco do
passageiro, mas agora, quando o povo dedicado de novo estava
preparado para reinaugurar os muros, Neemias reassume o papel
principal. Sem dúvida, era apropriado que ele liderasse a dedicação
dos muros por ter sido o principal responsável pela sua
reconstrução.

U
Que grande lista de realizações jaz diante de Neemias quando
chega ao ponto culminante do primeiro ano de seu triunfante
governo de Judá! A lista é tão impressionante que vale a pena
revisá-la. Neemias:
1. Recebeu permissão de Artaxerxes para reconstruir os
muros da cidade desolada. Não foi uma conquista tão fácil quanto
parece. Um obstáculo era a posição de Neemias na corte. Ele era
útil para Artaxerxes, e não se esperava que o rei, voluntariamente, o
deixasse partir para uma tarefa em uma terra distante. Mais
formidável que isso foi o fato de Neemias pedir ao rei para reverter
uma política previamente estabelecida em relação a Jerusalém. Já
ocorrera uma tentativa anterior de reconstruir os muros sob Esdras.
Quando os líderes das cidades ao redor de Jerusalém viram o que
acontecia, pediram a Artaxerxes para cancelar o projeto (Ed 4.11-
16), e Artaxerxes o interrompeu. Foi esse mesmo rei a quem
Neemias teve de pedir para deixá-lo reconstruir os muros.
Como se sabe, a tentativa de Neemias prevaleceu. O sucesso
se deveu, em parte, à sabedoria dele em lidar com Artaxerxes, mas
principalmente à dependência de Deus, demonstrada pela oração.
Ao longo da narrativa, Neemias é visto como um homem de oração.
2. Desenvolveu um plano para a construção dos muros. Parte
dele envolvia a preparação antecipada; negociou com o rei o
fornecimento dos suprimentos necessários. A outra parte do plano
surgiu como resultado da inspeção noturna das ruínas. Não era um
objetivo pequeno — reerguer pedras enormes em uma fortificação
arruinada de cerca de 2,5 a 4 quilômetros por toda a cidade. Mas
Neemias descobriu como isso poderia ser feito e lançou o projeto.
3. Inspirou um povo derrotado e desanimado. O objetivo em si
não era apenas esmagador. Neemias também teve de lidar com
pessoas que haviam tentado construir os muros antes, falharam e
agora estavam desanimadas. Quase um século de derrota se
passou. O povo decidiu aceitar as coisas como eram. De alguma
forma, Neemias inspirou as pessoas a acreditar que o trabalho
poderia ser feito.
Esta área mostra se o homem é de fato líder. Se não for capaz
de inspirar, as pessoas não seguirão o líder. Se não o seguirem, o
líder é apenas um título. Neemias não era um líder nominal. Ele
guiou o povo, e sua liderança começou com o sucesso em inspirá-lo
a acreditar na possibilidade do que ele viera realizar em Jerusalém
— e isso era possível por meio das pessoas.
4. Venceu uma barreira de oposição desconcertante, alguns
inimigos externos e outros do próprio povo. Após o início do projeto,
Neemias foi criticado por muitas pessoas de várias maneiras. As
duas primeiras formas de oposição foram a de Sambalate, o
horonita, o governador de Samaria (ao norte), e Tobias, o amonita.
O primeiro tipo de oposição foi a ridicularização. O segundo foi a
ameaça de violência. Neemias venceu o primeiro ao entregar o
assunto a Deus e continuar o trabalho. Ele superou o segundo com
questões práticas: armar o povo, colocar guardas e reorganizar
tarefas e se preparar para ataques repentinos. Ele continuou a
lembrar ao povo que Deus estava com eles.
De repente, Neemias se viu diante de um problema maior e
potencialmente mais prejudicial: a corrupção na própria nação.
Alguns judeus abastados se aproveitavam dos irmãos menos
prósperos. Nesse caso, Neemias parou o trabalho para resolver o
problema. Ele sabia que não havia sentido defender as pessoas
com muros se não valia a pena defender o que estava acontecendo
atrás deles.
As três formas finais de oposição, de novo, vieram dos
inimigos externos, Sambalate e Tobias, entre outros. Elas diferiam
dos primeiros tipos de oposição, pois eram direcionados
pessoalmente contra Neemias. Uma trama foi planejada com o
objetivo de comprometê-lo. Uma campanha de boatos foi iniciada.
Por fim, houve a tentativa de intimidação total. Neemias superou os
ataques com cinco grandes qualidades. Ele: 1) Era íntimo de Deus,
2) Tinha um forte senso do chamado divino, 3) Dispunha de um
senso saudável das próprias habilidades e valor, 4) Contava com
discernimento e 5) Coragem. Deus usou essas qualidades para
sustentar Neemias no ataque de seus inimigos e permitir que
avançasse para a vitória.
5. Completou a reconstrução do muro. Que grande conquista
e triunfo! Ele fez em apenas 52 dias o que os outros foram
incapazes de fazer em quase um século.
6. Encorajou e ajudou o avivamento nacional. A conquista aqui
foi dupla. Primeiro, ele viu a necessidade de avivamento. Um
homem menor poderia estar satisfeito com a própria realização
pessoal e externa — a construção do muro. Segundo, percebeu que
outra pessoa, Esdras, estava mais bem posicionado para liderar o
avivamento, então se afastou até essa fase do trabalho, liderada por
Esdras, ser concluída. Um homem menor não estaria disposto a
fazer isso.
7. Reorganizou e repovoou a cidade. O último nesta lista de
realizações foi a implementação do plano para repovoar a cidade de
Jerusalém. Depois de completar essa fase — os muros, o templo,
os líderes religiosos e civis e as massas do povo no local —
Neemias prosseguiu com a dedicação do muro.
Poucas pessoas tiveram tanto para comemorar após uma vida
de trabalho duro como Neemias teve depois de menos de um ano
como governador de Judá.

A
No oitavo capítulo de 2 Coríntios, o apóstolo Paulo escreve
sobre a surpreendente generosidade dos cristãos da Macedônia,
perguntando como eles conseguiram ser tão generosos quando na
verdade eram muito pobres. Sua explicação é: “Deram-se a si
mesmos primeiro ao Senhor, depois a nós, pela vontade de Deus”
(v. 5). Esse é o segredo do sucesso espiritual: entregar-se a Deus
primeiro e depois aos outros. Havia algo assim na dedicação dos
muros de Jerusalém, pelo menos no sentido que as pessoas se
dedicavam a Deus antes de dedicar as portas, o muro ou a cidade.
O que é uma dedicação? A palavra vem do verbo latino do,
dare, dedi, datum, que significa “oferecer” ou “dar”. Quando um
objeto é dedicado — ao Senhor, por exemplo — significa ser dado
para seu controle e uso. Quando uma pessoa se dedica a Deus,
ocorre o mesmo.
Em Neemias 12, os sacerdotes e levitas foram os primeiros a
se dedicar (ou, “purificar”), o que era adequado, pois eles deveriam
conduzir o serviço de dedicação. Não sabemos em que consiste
essa purificação, mas provavelmente eram lavagens cerimoniais de
si mesmos e de suas roupas, jejum, abstinência de relações sexuais
e ofertas pelo pecado.[77]
O povo era o próximo na fila. Eles provavelmente apenas se
lavaram e vestiram as roupas,[78] embora possam ter sido
solicitados também a se abster de relações sexuais.[79]
As portas e os muros teriam sido dedicados usando feixes de
hissopo para aspergi-los com o sangue dos sacrifícios e com a
água.[80]

A
Depois de sermos informados da dedicação do povo, seguida
da aspersão cerimonial das portas e muro, somos informados sobre
o grande ato da dedicação em si. Como indiquei acima, ele consistia
em duas partes: 1) A caminhada para celebrar, em que Neemias
liderou um grupo de pessoas em uma direção, enquanto Esdras
liderou o segundo grupo de pessoas na outra direção, e 2) O culto
formal no templo em que os coros cantavam e os sacerdotes
ofereciam sacrifícios.
Opino que os detalhes dos cultos são menos significativos que
o espírito motivador de sua realização. Quando penso na
celebração em termos desse espírito geral, percebo duas coisas
muito importantes:
1. Cantar. De acordo com o relato de Neemias, o lugar
principal nos cultos era dado aos coros e aos instrumentistas — os
tocadores de “címbalos, alaúdes e harpas” (v. 27). Eles levaram
cada um dos dois grupos ao redor do muro, com os coros cantando
o tempo todo. Então, quando o culto estava pronto para começar, os
corais tomaram seus lugares primeiro e lideraram o canto. A música
foi tão importante para a ocasião que o nome do diretor do coral foi
gravado. O nome dele era Jezraías.
O que cantaram? Os salmos. É claro que não sabemos quais.
Mas eu ficaria surpreso se eles não cantassem os salmos que
lembravam as bênçãos divinas sobre as pessoas nos tempos
passados: 78, 105 e 106. Ou os salmos de ascensão (Sl 120-134),
escritos para os peregrinos que subiam a Jerusalém para adorar.
Ou como poderiam ter esquecido o salmo 48? Afinal, a estrofe
final do salmo é descritiva do que faziam:
Percorrei a Sião, rodeai-a toda,
contai-lhe as torres;
notai bem os seus baluartes,
observai os seus palácios,
para narrardes às gerações vindouras
que este é Deus, o nosso Deus para todo o sempre;
ele será nosso guia até à morte. (v. 12-14)
Charles Swindoll enfatiza bastante a importância da música na
vida cristã no estudo deste capítulo, e acho que está certo ao fazê-
lo. Cantar sempre foi uma característica marcante da adoração do
povo de Deus no AT e NT. Isso não é verdade sobre outras
religiões. Muitos usam cantos repetitivos. Em alguns, o clero canta.
Em geral, as religiões do mundo são sombrias. Só na religião bíblica
o povo de Deus é caracteristicamente alegre e expressa a alegria
em grandes cantos.
Os cristãos escrevem hinos. E os cantam em seus cultos.
Os cristãos escrevem coros e — embora os sentimentos e a
música de alguns deles possam ser teológica e esteticamente
terríveis — em geral, alegres.
Músicos cristãos compõem grandes oratórios.
Por que isso acontece? Obviamente, porque o próprio
cristianismo é alegre. É uma resposta aos grandes atos de Deus em
nosso favor, em particular na vida, morte e ressurreição de Jesus
Cristo, que garantiram nossa salvação.
Não é de admirar que cantemos:
Alegria para o mundo! O Senhor está vindo
Deixe a terra receber seu Rei:
Deixe que cada coração prepare um quarto para ele
E os céus e a natureza cantem.
Cantamos hinos sobre a ressurreição do Senhor:
Jesus Cristo é ressurreto hoje, Aleluia!
Nosso santo dia triunfante, Aleluia!
O qual um dia sobre a cruz, Aleluia!
Sofreu para redimir nossa perda. Aleluia!
Cantamos sobre sua ascensão e exaltação:
Coroe-o com muitas coroas,
O Cordeiro em seu trono.
E sua volta:
Tu estás vindo, ó meu Salvador,
Tu estás vindo, ó meu Rei,
Em tua beleza toda resplandecente;
Na tua glória toda transcendente;
Então, podemos nos alegrar e cantar:
Estás voltando! Vindo do leste
O brilho do arauto aumenta lentamente;
Estás voltando! Ó meu glorioso Sacerdote,
Não ouvimos os teus sinos dourados?
Os cristãos cantam em todas as ocasiões, mesmo em
funerais. Uma das experiências musicais mais emocionantes que
tive foi em pé, em frente ao túmulo de um membro falecido de nossa
igreja, enquanto a família e os amigos cantavam juntos:
Em Cristo, a rocha sólida, eu permaneço;
Todo resto do terreno é areia movediça.
2. Regozijar-se. A segunda coisa notável sobre os cultos de
celebração na dedicação do muro de Jerusalém é a alegria. Ela está
relacionada ao que venho dizendo sobre cantar, uma vez que o
melhor canto flui do coração alegre. Mas cantar também pode ser
triste. Alguns hinos têm um tom triste ou melancólico. Visto que o
regozijo é enfatizado em Neemias 13, devemos entender que nessa
ocasião o canto em Jerusalém era de natureza alegre.
Este elemento é enfatizado mais que qualquer outro. O
versículo 43 é o ponto culminante da história, e é impressionante
que a raiz da palavra hebraica alegria ou regozijo ocorra cinco vezes
apenas neste versículo. Que contraste com Esdras 3.12, 13, que
fala do choro por parte dos exilados mais velhos que retornaram no
serviço de dedicação para a fundação do templo. Os idosos se
lembraram do antigo templo, que Nabucodonosor havia destruído, e
contrastaram de maneira desfavorável a nova fundação.
Não havia nada desse tipo aqui. O texto diz: “No mesmo dia,
ofereceram grandes sacrifícios e se alegraram; pois Deus os
alegrara com grande alegria; também as mulheres e os meninos se
alegraram, de modo que o júbilo de Jerusalém se ouviu até de
longe” (Ne 12.43).
Quero apontar mais uma coisa sobre esse versículo. Há a
repetição quádrupla das palavras alegria e regozijo. Mas observe
que não se diz apenas que as pessoas se sentiam alegres ou
estavam se divertindo, mas que isso se dava “pois Deus os alegrara
com grande alegria”. A alegria deles era espiritual e não algo
hedonista. Era exatamente o que Paulo diria mais tarde, ao escrever
aos filipenses: “Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo:
alegrai-vos” (Fp 4.4, grifos do autor).
J. Gordon McConville diz:
Se a alegria da Jerusalém de Neemias parece estranha e a de Paulo
não natural, é apenas uma medida da dificuldade experimentada
pelo rico mundo ocidental em encontrar satisfação na piedade. O
que Neemias e Paulo sabiam — em contraste direto com a doutrina
moderna de que quem mais adquire e é mais bem-sucedido é mais
feliz — é que a alegria, como o amor, a paz e o autocontrole
(Gl 5.22) são espirituais.[81]

A
Há mais uma coisa. Em sentido estrito, o relato da dedicação
do muro de Jerusalém termina com o versículo 43. Mas, na mente
de Neemias (já que ele conta a história), o relato não termina aí de
fato, continua com: 1) A nomeação de homens para serem
encarregados das arrecadações para o templo e provisão de
suprimentos para os cultos (Ne 12.44-47), e 2) A purificação
contínua do povo, excluindo do seu número oficial todos os que
eram de origem estrangeira (Ne 13.1-3).
Neemias, com muito cuidado, vincula esses atos ao tempo da
dedicação, usando as palavras: “Ainda no mesmo dia”, no primeiro
(12.44), e “Naquele dia”, no segundo (13.1).
A aplicação disso não é difícil. Significa que os momentos de
alegria, embora importantes, não são fins em si mesmos, mas
devem ser instantes adicionais contínuos na vida de quem se
entrega a Deus. Alegrar-se em Deus? Claro! Acima de todas as
outras pessoas, devemos nos alegrar em Deus. De fato, apenas
quem foi redimido pelo Senhor Jesus Cristo tem motivo real e
profundo de regozijo. Mas isso não é tudo o que precisamos fazer.
Temos trabalho a fazer também, e devemos prosseguir.
Na verdade, veremos que até Neemias teve que prosseguir.
Embora tivesse reconstruído o muro e a nação, ele descobriria que
reconstruir a nação não era algo que poderia ser feito de uma única
vez e depois, negligenciado. Ao contrário, ele precisou enfrentar
tudo isso de novo anos depois, quando foi enviado a Judá pela
segunda vez. O capítulo final de Neemias relata o que aconteceu.
14. A oitava dinâmica: as reformas finais de
Neemias (Neemias 13.1-31)
Naquele dia, se leu para o povo no Livro de Moisés; achou-se escrito que os
amonitas e os moabitas não entrassem jamais na congregação de Deus,
porquanto não tinham saído ao encontro dos filhos de Israel com pão e água;
antes, assalariaram contra eles Balaão para os amaldiçoar; mas o nosso Deus
converteu a maldição em bênção. Ouvindo eles, o povo, esta lei, apartaram de
Israel todo elemento misto.
Ora, antes disto, Eliasibe, sacerdote, encarregado da câmara da casa do nosso
Deus, se tinha aparentado com Tobias; e fizera para este uma câmara grande,
onde dantes se depositavam as ofertas de manjares, o incenso, os utensílios e
os dízimos dos cereais, do vinho e do azeite, que se ordenaram para os levitas,
cantores e porteiros, como também contribuições para os sacerdotes.
Mas, quando isso aconteceu, não estive em Jerusalém, porque no trigésimo
segundo ano de Artaxerxes, rei da Babilônia, eu fora ter com ele; mas ao cabo
de certo tempo pedi licença ao rei e voltei para Jerusalém. Então, soube do mal
que Eliasibe fizera para beneficiar a Tobias, fazendo-lhe uma câmara nos pátios
da Casa de Deus. Isso muito me indignou a tal ponto, que atirei todos os móveis
da casa de Tobias fora da câmara. Então, ordenei que se purificassem as
câmaras e tornei a trazer para ali os utensílios da Casa de Deus, com as ofertas
de manjares e o incenso.
Também soube que os quinhões dos levitas não se lhes davam, de maneira que
os levitas e os cantores, que faziam o serviço, tinham fugido cada um para o seu
campo. Então, contendi com os magistrados e disse: Por que se desamparou a
Casa de Deus? Ajuntei os levitas e os cantores e os restituí a seus postos.
Naqueles dias, vi em Judá os que pisavam lagares ao sábado e traziam trigo
que carregavam sobre jumentos; como também vinho, uvas e figos e toda sorte
de cargas, que traziam a Jerusalém no dia de sábado [...].
Dando já sombra as portas de Jerusalém antes do sábado, ordenei que se
fechassem; e determinei que não se abrissem, senão após o sábado [...].
Vi também, naqueles dias, que judeus haviam casado com mulheres asdoditas,
amonitas e moabitas. Seus filhos falavam meio asdodita e não sabiam falar
judaico, mas a língua de seu respectivo povo. Contendi com eles, e os
amaldiçoei, e espanquei alguns deles, e lhes arranquei os cabelos, e os conjurei
por Deus, dizendo: Não dareis mais vossas filhas a seus filhos e não tomareis
mais suas filhas, nem para vossos filhos nem para vós mesmos [...].
Lembra-te de mim, Deus meu, para o meu bem.
Neemias 13.1-11, 15, 19, 23-25, 31

Começo a última parte do estudo de Neemias com a história


de um político bem conhecido. Gostaria de saber se você o
conhece. Ele nasceu em 1809 e sofreu sua primeira grande derrota
em 1832, ano em que perdeu o emprego e foi derrotado na primeira
disputa política — para a posição de legislador estadual. No ano
seguinte, 1833, os negócios tiveram a falência judicial declarada.
Em 1835, sua namorada desde a infância morreu. Em 1836, teve
um colapso nervoso. Em 1843, foi derrotado em uma candidatura ao
Congresso dos Estados Unidos. Em 1848, tentou outra vez e foi
derrotado de novo. Em 1849, decidiu se tornar um oficial de cartório
de registros de terras, mas foi rejeitado. Em 1854, foi derrotado na
disputa pelo Senado dos Estados Unidos. Em 1856, perdeu a
indicação para a vice-presidência. Em 1858, foi novamente
derrotado na corrida ao Senado.
Uma lista de derrotas como essa seria suficiente para
desencorajar qualquer homem, mas ele disse: “Sempre farei o
melhor que puder [...] e um dia minha vez chegará”. Um dia a vez
dele chegou. Em 1861, Abraham Lincoln se tornou o décimo sexto
presidente dos Estados Unidos.[82]
Perseverança! Essa é a marca da liderança verdadeira.
Winston Churchill, outro grande líder, disse uma vez: “Nunca
desista. Nunca, nunca, nunca desista”. Esse poderia ser o resumo
da vida de Neemias.

A
Neemias não teve a série de derrotas idêntica à de Abraham
Lincoln para obter provisão e força. Mas ele teria entendido de
imediato o que Lincoln e Churchill criam sobre perseverança. Como
se sabe, Neemias foi um líder intenso. Mas não se limitou a fazer
suas próprias coisas e depois passou a não ser mais lembrado. Pelo
contrário, continuou travando suas batalhas até o fim. Um
comentarista diz: “Até o final de seus dias, Neemias manteve o
mesmo zelo que mobilizara as leis para reconstruir os muros e que
o fez intervir para abolir a exploração dos pobres lá no começo. Ele
não era um líder instantâneo, mas um que permaneceu coerente
com sua visão original por todo tempo que viveu”.[83]
O fato de esse último capítulo de Neemias ser sobre
perseverança, de certa forma, o torna o capítulo mais importante do
livro.
Para começar, Neemias 13 refere-se a um tempo um pouco
afastado dos primeiros capítulos. A indicação de tempo está no
versículo 6, onde Neemias explica que retornou à Babilônia no
trigésimo segundo ano de Artaxerxes e que o que está contando
agora foi “algum tempo depois”. Parece que Neemias teve dois
governos em Judá. O primeiro, descrito em Neemias 5.14, se
estendeu do vigésimo ao trigésimo segundo ano de Artaxerxes. Ou
seja, durou 12 anos, de 445 a 433 a.C. Alguns comentaristas
consideram improvável que Neemias tenha passado os 12 anos em
Judá, julgando que ele deve ter retornado à Babilônia logo após as
vitórias do primeiro grande ano e talvez apenas retornado de forma
intermitente nesse período. Contudo, Neemias não diz isso. Ao
contrário, a lacuna em que os problemas do capítulo 13 se
desenvolveram parece ter ficado entre o final da primeira missão de
12 anos e a segunda tarefa anos depois.
Quantos anos se passaram? Não há como saber, já que
Neemias é vago. Presumivelmente, decorreu um período
considerável, uma vez que os problemas do capítulo final são
importantes e não teriam acontecido da noite para o dia. As
suposições para o ano do retorno de Neemias a Jerusalém vão de
425[84] a 420 a.C.,[85] datas próximas do final do reinado do rei
Artaxerxes.
O importante é que Neemias agora era consideravelmente
mais velho. Ele deveria contar pelo menos 40 anos quando deixou
Susã em direção a Jerusalém pela primeira vez. No fim do primeiro
governo ele teria 52 anos, e se estamos agora entre 425 a.C. e
420 a.C., Neemias deveria ter 65 anos. Essa é a idade em que a
maioria das pessoas hoje se aposenta. Mas Neemias não se
aposentou. Neste capítulo, o vemos voltar a Jerusalém e alcançar
algumas das suas vitórias mais importantes.

O
Não só o fato de Neemias ter de continuar suas lutas até a
velhice é significativo. Também a necessidade de lidar com os
mesmos problemas exatos enfrentados antes.
No último capítulo, vimos a celebração culminante em que
Neemias, com o sacerdote Esdras, dedicou o muro da cidade
recém-murada. No final do estudo, vimos algo interessante. Duas
seções trataram de: 1) As provisões feitas para o serviço do templo
(Ne 12.44-47), e 2) A purificação do povo, excluindo de seu número
oficial todos os descendentes de estrangeiros (Ne 13.1-3). Alguns
comentaristas chamam essas seções parentéticas, mas Neemias
não as via assim. Ele vinculou as seções à dedicação usando as
frases “ainda no mesmo dia” e “naquele dia”, embora o que
descrevem provavelmente tenha se espalhado pelo período de
semanas ou meses. É sua maneira de dizer que a pureza do povo e
a vida religiosa da nação eram o objetivo final e o cerne do que
tentava realizar.
Esses foram os problemas que ele enfrentou ao voltar à
cidade, 7 ou 12 anos depois. Seu segundo governo não lidou com
um novo conjunto de problemas, mas com os antigos. Se você já
teve uma experiência semelhante, sabe que isso é suficiente para
desgastar até os melhores líderes.
E também temos essa situação. Você se lembra da aliança
feita pelo povo na época do avivamento religioso de Esdras,
registrado em Neemias 10? O avivamento tinha três partes. Houve
uma leitura e exposição da lei de Deus, que levou à convicção do
pecado (cap. 8). Houve arrependimento nacional por erros
cometidos (cap. 9). E por fim, a aliança em que o povo prometeu
obedecer fielmente aos mandamentos divinos (cap. 10). Você se
lembra quais eram os itens da aliança?
Eram seis:
1. A família. O povo prometeu não se casar com os povos
vizinhos. Não se tratava de orgulho ou preconceito racial, como
apontei antes. Era o desejo de preservar sua religião e a qualidade
única da vida espiritual que dela fluía.
2. O sábado. O povo prometeu abster-se de toda atividade
comercial nesse dia, preservando-o como o dia para adorar a Deus
e lembrar de suas bênçãos.
3. Os impostos do templo. O povo prometeu pagar o imposto
exigido por Êxodo 30.11-16. Eles fizeram disso uma obrigação
anual.
4. As provisões adicionais para o templo. O povo não se
contentou apenas em pagar o imposto ao templo, mas também
prometeu fornecer madeira para o altar e as primícias de suas
colheitas e frutos.
5. A dedicação dos primogênitos. Isso era uma questão de
prioridades. Era uma maneira de reconhecer que tudo o que somos
e temos é um presente de Deus e é devido a ele.
6. O dízimo. A última coisa que o povo prometeu era ser fiel
ao pagar o dízimo a Deus. O dízimo era dado aos levitas, e os
levitas davam o dízimo de tudo que recebiam aos sacerdotes. Assim
o povo provia o serviço no templo.
Mas foi exatamente isso que Neemias descobriu ter sido
negligenciado quando retornou para o segundo período como
governador em 425 ou 420 a.C. De fato, dos seis itens solenemente
pactuados no capítulo 10, o único que não se repete no capítulo 13
é a obrigação de dedicar o primogênito a Deus, e provavelmente por
estar incluso no problema maior da família e dos casamentos com
povos estrangeiros tratados de forma extensiva nos versículos 22-
28. Quão piedoso o povo se sentia ao prometer essas coisas no
avivamento! Com que solenidade declarou: “Não desampararíamos
a casa do nosso Deus” (Ne 10.39). Mas a negligenciaram. Eles
quebraram suas promessas.
Ah, “talvez o povo apenas se esqueceu dessas coisas ou não
entendeu de verdade o que se exigia dele”.
Não, isso não é verdade. Na ausência de Neemias em
Jerusalém, Deus enviou Malaquias, o último profeta do AT, para
investigar esses mesmos abusos. Ele os reprovou pela adoração de
má qualidade (Ml 1.6-14), pelo sacerdócio corrupto (Ml 2.1-9),
casamento com estrangeiros (Ml 2.10-16) e pelo roubo a Deus, ao
deixar de pagar o dízimo (Ml 3.6-12). Pelo fato de Malaquias pedir
reformas e o retorno a Deus nessas mesmas áreas, é razoável
pensar que Neemias enfrentou problemas não apenas de um povo
claudicante, mas também de corações endurecidos.
U
Esses problemas foram dramaticamente ilustrados pelo que
Neemias encontrou no templo. Eliasibe, o sumo sacerdote (v. 28)
com quem havia trabalhado de perto durante o governo anterior e a
quem encarregara das dispensas do templo, filiou-se a Tobias, o
amonita, o antigo inimigo de Neemias (v. 4, 5). Mais tarde,
descobrimos que Eliasibe também deu uma filha em casamento a
outro arqui-inimigo de Neemias, Sambalate, o horonita de Samaria
(v. 28). Aqui somos informados de que Eliasibe dera a Tobias
quartos no templo, colocando-o em um conjunto de quartos onde os
artigos, dízimos e ofertas do templo haviam sido armazenados
antes.
Por que Eliasibe fez isso? Provavelmente, ele teria dito:
“Vivemos um novo dia. Neemias voltou à Babilônia. Seu velho estilo
de liderança agressiva era bom no passado, mas não é
politicamente astuto agora. Hoje precisamos de um acordo, da
construção de pontes, da ajuda para velhos amigos”.
Podemos ter certeza de que Tobias também trabalhava seu
lado do trato. Ele estava manobrando para entrar nas posições de
liderança mais altas da cidade. Tobias tinha um nome judeu e,
quando Neemias chegou a Jerusalém, descobriu (e relata) que
Tobias havia se casado com a filha de Secanias, filho de Ará, um
dos líderes da cidade, e que sua filha se casara com Mesulão, filho
de Berequias, outro líder (Ne 6.18; 3.4; 7.10; 10.7; 12.3, 14, 32).
Tobias teria feito qualquer coisa para conseguir uma vantagem na
cidade. Ele deve ter ficado encantado com os esplêndidos arranjos
que Eliasibe fez para ele. Nos arredores do templo, ele tinha uma
base para fomentar intrigas e aumentar sua má influência.
Em minha opinião, uma das melhores seções do livro vem a
seguir. Quando Neemias volta a Jerusalém e descobre o que havia
sido feito, ele não perde o menor tempo em investigação ou
negociação. Ele colocou Tobias e todos os seus pertences para fora!
Ele jogou seus pertences para fora da porta, na calçada, purificou o
lugar e depois restaurou os artigos do templo. Simples assim!
Neemias estava com raiva? Sim, estava. Ele diz que estava
“muito indignado” (v. 8) e mostrou isso.
Ele estava certo em ficar com raiva? A resposta a isso
também é sim.
Como observamos antes, muitos cristãos não se sentem à
vontade com a raiva, e alguns não hesitaram em criticar Neemias
aqui. Eles se esquecem de algumas coisas. Primeira, a limpeza
irada do templo é sombra da ação similar tomada mais tarde por
Jesus Cristo. Jesus estava irado, e isso não era errado.
Segunda, embora estivesse descontente com Eliasibe e
chamasse o que havia feito de “mal”, Neemias não é tão franco ao
condenar o mal daqueles dias como Deus já havia feito por meio de
Malaquias. Malaquias dissera que Deus estava enviando uma
maldição sobre esse sacerdócio (Ml 2.2). De fato, toda a sua
profecia é uma denúncia dos males pelos quais os líderes espirituais
como Eliasibe foram responsáveis.
Terceira, os críticos de Neemias se esquecem de que é raro
erros arraigados serem corrigidos, exceto por pessoas que primeiro
ficaram suficientemente iradas. Aqueles que são legais,
complacentes ou comprometedores não mudam nada.
É possível estar com raiva indevida, é claro. Esse é, com
frequência, o caso quando um erro apenas contra nós mesmos está
envolvido. Podemos estar errados se não fizermos nada além de
ficar com raiva. A ira justa, do tipo aprovado por Deus, sempre age
para corrigir a injustiça. Mas a raiva equivocada não é o maior
problema no cristianismo atual. Os maiores problemas são as
concessões e a covardia. John White diz:
No trabalho cristão, a covardia para evitar o desagrado está
causando hoje mais danos que qualquer outra dificuldade
ocasionada pela irascibilidade dos líderes cristãos. Geralmente
damos lugar à irascibilidade verbal. Ferimos sem corrigir. A igreja
tornou-se flácida, velha, afeminada, inepta, sem vontade de agir. A
disciplina deve ser reconciliatória e amorosa, mas deve ocorrer. E no
geral, não ocorre [...]. Quem somos nós — que toleramos todo tipo
de mal em nosso meio — para criticar um dos raros líderes que não
hesita em agir quando a integridade do templo de Deus está em
questão?[86]
Aparentemente, Neemias não tinha medo de colocar suas
ações diante de Deus para julgamento, pois ele diz no versículo 14:
“Por isto, Deus meu, lembra-te de mim e não apagues as
beneficências que eu fiz à casa de meu Deus e para o seu serviço”.
Todos deveríamos ser ousados assim!

A N
Depois de lidar com os errantes Eliasibe e Tobias, Neemias
agiu com a mesma determinação para corrigir os outros erros
descobertos. Eles correspondem aos itens prometidos pelo povo no
capítulo 10. As ações de Neemias para lidar com eles constituem as
reformas finais.
1. O dízimo (v. 10, 11). Neemias soube que os dízimos para o
serviço no templo não haviam sido pagos e que os levitas e
cantores responsáveis pela adoração no templo haviam deixado
Jerusalém e voltado para os próprios campos a fim de ganhar a
vida. Provavelmente, havia uma conexão entre esse problema e o
anterior. Se Eliasibe, o sumo sacerdote, agisse sem princípios, o
povo provavelmente começaria a perder a confiança nos
sacerdotes, e é compreensível que os dízimos fossem
negligenciados. Já a obrigação do dízimo permanece para o povo,
independente da qualidade espiritual da liderança; o dízimo era uma
ordem bíblica. Provavelmente é verdade que o povo tenha apenas
negligenciado essa responsabilidade.
Neemias lidou com esse problema por meio dos oficiais
competentes, uma vez que a responsabilidade de coletar o dízimo
era deles. Ele os repreendeu, restabeleceu os levitas na posição e
restabeleceu o sistema de coleta de dízimos.
2. As provisões adicionais para o templo (v. 12, 13). Essas
provisões para o templo também sofreram, sem dúvida pelas
mesmas razões que a negligência do dízimo. Neemias também
passou a corrigir esse abuso. Ele dispensou os antigos guardiões,
que estariam em conflito com Eliasibe, e instalou Selemias,
Zadoque, Pedaías e Hanã em seus lugares “porque foram achados
fiéis” (v. 13).
A menção de Zadoque, “o escriba”, pode ser importante.
Poderia ter havido muitos escribas, é claro. Mas como ele é
chamado “o escriba” e como ninguém, além de Esdras, foi chamado
“o escriba” antes disso, é razoável supor que Esdras não estava
mais na cidade (talvez tenha retornado à Babilônia) ou estava muito
velho para oficiar (esteve em Jerusalém por mais tempo que
Neemias) ou havia morrido.
3. O sábado (v. 15, 16). A seção mais longa de Neemias 13
trata da profanação do sábado. Como um furo em uma represa, a
atividade comercial no sábado provavelmente começara devagar —
no campo, com os agricultores colhendo grãos e pisando uvas. E se
tornou cada vez mais forte. Depois de colherem grãos e produzirem
vinhos, os agricultores os trouxeram à cidade para serem vendidos
— de novo no sábado. Seguindo rapidamente os comerciantes de
Tiro, que tinham peixe e “todo tipo de mercadoria” para os
mercados.
Neemias fez quatro coisas típicas do seu estilo de liderança:
Primeira, repreendeu os nobres responsáveis pela vida da
cidade, alertando-os de que por tais abusos o julgamento de Deus
havia chegado ao povo anos antes. Era característico de Neemias
trabalhar com quem estava oficialmente no comando.
Segunda, trancou os portões no sábado, colocando alguns
homens sobre eles. Este era um dispositivo prático de um homem
prático. Se os portões não pudessem ser abertos, nenhuma
mercadoria fluiria para a cidade através deles.
Terceira, quando os comerciantes (provavelmente de Tiro)
acamparam fora de Jerusalém, esperando a mudança nos
regulamentos sabáticos, ou talvez uma maneira de contorná-los,
Neemias os ameaçou com ações vigorosas se não seguissem
adiante. Ele não queria que a tentação estivesse nem no perímetro
da cidade judaica.
Quarta, instruiu os levitas a se purificarem e depois assumirem
a tarefa de guardar os portões da cidade no sábado. Ele queria que
isso fosse responsabilidade deles e sabia que ele e seus homens
nem sempre estavam por perto para fazer isso por eles.
Depois de contar o que fizera para restaurar o sábado,
Neemias apela a Deus na segunda de quatro orações semelhantes
neste capítulo: “Também nisto, Deus meu, lembra-te de mim; e
perdoa-me segundo a abundância da tua misericórdia” (v. 22).
4. A família (v. 23-28). O abuso final consistiu no antigo
pecado, que remontava aos primórdios do povo na terra:
casamentos com as nações ao redor, exatamente o que
prometeram evitar no capítulo 10. Metade dos filhos desses
casamentos nem sequer sabia falar a língua dos judeus, de acordo
com Neemias, e o problema se estendeu até as famílias dos líderes
da cidade. Como Neemias explica no versículo 28, um neto de
Eliasibe, o sumo sacerdote, se casara com uma filha de Sambalate,
o horonita.
Nesse caso, Neemias não agiu de forma tão radical quanto
Esdras fizera antes, quando exigiu que os homens judeus se
divorciassem das esposas estrangeiras (Ed 9-10). No entanto, deu-
lhes um refúgio completo e humilhou publicamente alguns deles,
extraindo promessas renovadas de que o povo se absteria de
casamentos prejudiciais com povos estrangeiros (v. 25). Quanto ao
neto de Eliasibe, Neemias apenas o expulsou da cidade.
Assim terminou a última reforma.
Neemias termina com mais duas orações: uma contra quem
corrompeu o sacerdócio: “Lembra-te deles, Deus meu, pois
contaminaram o sacerdócio, como também a aliança sacerdotal e
levítica” (v. 29). E uma por si mesmo: “Lembra-te de mim, Deus
meu” (v. 31).

Q
Estou certo de que, ao contrário da oração de Neemias, Deus
não precisava ser instado a se lembrar desse grande líder. Ele
obedecera a Deus com nobreza, e por muitos séculos já desfruta de
sua recompensa. Somos nós quem precisamos ser instados a
lembrar dele. Precisamos nos lembrar de sua fé e das grandes
características de liderança. Das muitas que vimos, impressionei-me
muito com as seguintes:
1. A submissão de Neemias a Deus. Neemias não tinha outros
planos além do que Deus preparara para ele. Ele podia dizer com
Jesus: “Não seja como eu quero, e sim como tu queres” (Mt 26.39).
2. A habilidade de Neemias em focar nos objetivos certos.
Neemias viu com clareza os objetivos finais e os objetivos que os
levavam até eles. Ele nunca se desviou de nenhum deles, nem por
um momento.
3. A sabedoria de Neemias em lidar com situações complexas.
Os problemas enfrentados por Neemias eram todos diferentes, e a
solução para um não servia para outro. Neemias não obteve
respostas mecânicas. Ele lidou com cada problema com sabedoria
— sabedoria proveniente de Deus.
4. A coragem de Neemias em agir decisivamente. Por servir a
Deus e não ao homem, e por saber que os propósitos de Deus
sempre triunfam, Neemias não tinha medo de agir com ousadia.
Isso deixou seus inimigos gaguejando, confusos e admirados.
O evangelista Leighton Ford, cunhado de Billy Graham, teve
um filho chamado Sandy. Quando contava 12 anos, Sandy foi
acometido por um problema cardíaco que o vitimou mais tarde, aos
21 anos. Por um tempo, o problema pareceu ter sido corrigido e o
jovem voltou à pista de corrida e ao cross-country, onde se
destacou. Em uma ocasião, Sandy estava em uma corrida de uma
milha, perto da fita e avançando para uma vitória recorde com uma
vantagem de 36 metros do segundo colocado. De repente, teve um
problema nas pernas, tropeçou e caiu. Ele se levantou, tropeçou
mais alguns metros e caiu de novo. Olhando para trás, viu o
segundo colocado se aproximar dele. Então, se ajoelhou e rastejou
sob a fita, atravessou a linha de chegada e caiu lá, tendo vencido a
corrida.[87]
Isso é perseverança. É uma qualidade de todos os grandes
líderes. Isso é verdade sobre nós? Devemos cultivá-la até podermos
dizer com o apóstolo Paulo: “Combati o bom combate, completei a
carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada,
a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele dia; e não somente a
mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda” (2Tm 4.7, 8).
Lembra-te de mim para meu bem, ó meu Deus.
N 5.19

[1] A maioria dos livros e comentários sobre Neemias contém algo da história, mas um
relato excepcionalmente bom pode ser encontrado em Howard F. Vos, Bible Study
Commentary: Ezra, Nehemiah, and Esther (Grand Rapids: Zondervan, 1987), p. 10-21.
[2] The Effective Executive. New York: Harper & Row, 1985, p. 100.
[3] Citado por Cyril J. Barber, em Nehemiah and the Dynamics of Effective Leadership
(Neptune: Loizeaux Brothers, 1976), p. 19.
[4] Nehemiah and the Dynamics of Effective Leadership, p. 22-3.
[5] The Effective Executive. New York: Harper & Row, 1985, p. 93.
[6] How to Win Friends and Influence People. New York: Simon & Schuster, 1963, p. 19.
[7] J. Gordon McConville, Ezra, Nehemiah, and Esther, in: The Daily Study Bible — Old
Testament Series, John C. L. Gibson, org. Louisville: Westminster/John Knox, 1985, p. 79.
[8] Nehemiah and the Dynamics of Effective Leadership. Neptune: Loizeaux Brothers, 1976,
p. 30.
[9] Effective Executive, p. 100.
[10] Alguns comentaristas questionam se Neemias poderia ter sido específico sobre os
12 anos para reconstruir os muros e restabelecer Jerusalém por Artaxerxes não estar
disposto a perder um servo e conselheiro de confiança por tanto tempo. Eles postulam que
inicialmente Neemias foi a Jerusalém por um período de, no máximo, um ou dois anos,
retornando, talvez, duas ou três vezes mais durante o período todo (cf. Howard F. Vos,
Bible Study Commentary: Ezra, Nehemiah, and Esther [Grand Rapids: Zondervan, 1987],
p. 89-90; e Derek Kidner, Ezra and Nehemiah: An Introduction and Commentary [Downers
Grove: InterVarsity, 1979], p. 81). Contra esta perspectiva está o fato de que Neemias não
recebeu apenas a licença dos deveres na Pérsia mas também foi apontado governador de
Jerusalém. Esperava-se que ele assumisse a posição por um período significativo, e o fato
de que Neemias distinguir os 12 anos iniciais de serviço da visita final, descrita no
capítulo 13. Claro, ele poderia ter viajado de volta para a Pérsia para prestar contas do
progresso nos 12 anos de governo.
[11] Veja Vos, Bible Study Commentary: Ezra, Nehemiah, Esther, p. 91.
[12] Bible Study Commentary: Ezra, Nehemiah, and Esther (Grand Rapids: Zondervan,
1987), p. 8-9.
[13] Kathleen M. Kenyon, Jerusalem: Excavating 3000 Years of History (New York:
McGraw-Hill, 1967), p. 100. V. tb. Vos, Bible Study Commentary: Ezra, Nehemiah, Esther,
p. 113.
[14] Para detalhes sobre a passagem de Neemias pelos muros, v. J. Gordon McConville,
Ezra, Nehemiah, and Esther, in: The Daily Study Bible — Old Testament Series, John C. L.
Gibson, org. (Louisville: Westminster/John Knox, 1985), p. 83-4; Vos, Bible Study
Commentary: Ezra, Nehemiah, Esther, p. 92-3; e Derek Kidner, Ezra and Nehemiah: An
Introduction and Commentary (Downers Grove: InterVarsity, 1979), p. 82-3.
[15] Peter F. Drucker, The Effective Executive (New York: Harper & Row, 1985), p. 145-6.
[16] The Art of Being a Boss: Inside Intelligence from Top-Level Business Leaders and
Young Executives on the Move (New York: New American Library, 1980), p. 47, 54-8.
[17] Citado por John R. Noe, em Peak Performance Principles for High Achievers (New
York: Frederick Fell, 1984), p. 134.
[18] How to Win Friends and Influence People. New York: Simon & Schuster, 1963, p. 173-
6.
[19] Principles, p. 6.
[20] Citado por Carnegie, em How to Win Friends, p. 175.
[21] Their Finest Hour, The Second World War. Boston: Houghton Mifflin, 1949, vol. 2,
p. 25-6, 118.
[22] P. 82.
[23] Bible Study Commentary: Ezra, Nehemiah, and Esther. Grand Rapids: Zondervan,
1987, p. 96.
[24] Citado por John R. Noe, em Peak Performance Principles for High Achievers (New
York: Frederick Fell, 1984), p. 134.
[25] The Effective Executive. New York: Harper & Row, 1985, p. 100.
[26] Further Up the Organization. New York: Alfred A. Knopf, 1984, p. 50, 55.
[27] Nehemiah and the Dynamics of Effective Leadership. Neptune: Loizeaux Brothers,
1976, p. 50.
[28] Bible Study Commentary: Ezra, Nehemiah, and Esther. Grand Rapids: Zondervan,
1987, p. 99.
[29] Bible Study Commentary: Ezra, Nehemiah, Esther, p. 100.
[30] Ezra and Nehemiah: An Introduction and Commentary. Downers Grove: InterVarsity,
1979, p. 90.
[31] Este não é o lugar certo para tratar da dificuldade criada pelas orações imprecatórias
no AT para algumas pessoas, mas para quem sente dificuldade há um debate útil sobre
elas em Cyril J. Barber, Nehemiah and the Dynamics of Effective Leadership (Neptune:
Loizeaux Brothers, 1976), p. 62-4. Barber lista três soluções inadequadas: 1) A oração é
preditiva em vez de imperativa; 2) Ela expressa a visão distorcida de Neemias em vez da
visão divina; e 3) Essa é a oração de alguém que, vivendo no período do AT, ainda não
havia sido ensinado sobre a graça. A resposta, ele sugere, está em reconhecer que a
provocação de Sambalate e Tobias dizia mais respeito a Deus que a Neemias e seus
colegas judeus. Eles se opunham à obra divina. Então, seria correto Neemias pedir a Deus
intervenção na circunstância. Neemias não tomou a vingança para si. Ele entregou o
resultado a Deus.
[32] Excellence in Leadership: Reaching Goals with Prayer, Courage and Determination.
Downers Grove: InterVarsity, 1986, p. 66.
[33] Cyril J. Barber, Nehemiah and the Dynamics of Effective Leadership (Neptune:
Loizeaux Brothers, 1976), p. 77-8.
[34] Excellence in Leadership, p. 80-2.
[35] Nehemiah and the Dynamics of Effective Leadership, p. 83-5.
[36] Westchester: Crossway, 1982, p. 15.
[37] De uma série de gravações intituladas: Reclaiming the Church for Ministry. Denver:
Bear Valley Ministries, 1984.
[38] Excellence in Leadership, p. 85.
[39] Nehemiah and the Dynamics of Effective Leadership. Neptune: Loizeaux Brothers,
1976, p. 97.
[40] Ibid., p. 99.
[41] Citado em ibid., p. 101. O título do livro de Wagner é Put It All Together: Developing
Inner Security (Grand Rapids: Zondervan, 1974).
[42] Cf. Howard F. Vos, Bible Study Commentary: Ezra, Nehemiah, and Esther (Grand
Rapids: Zondervan, 1987), p. 112; e Derek Kidner, Ezra and Nehemiah: An Introduction and
Commentary (Downers Grove: InterVarsity, 1979), p. 99.
[43] Nehemiah and the Dynamics of Effective Leadership, p. 108.
[44] Further Up the Organization. New York: Alfred A. Knopf, 1948, p. 155.
[45] Ibid., p. 156.
[46] Excellence in Leadership: Reaching Goals with Prayer, Courage and Determination.
Downers Grove: InterVarsity, 1986), p. 104.
[47] Nehemiah and the Dynamics of Effective Leadership. Neptune: Loizeaux Brothers,
1976, p. 111.
[48] Citado em ibid., p. 116.
[49] Derek Kidner reflete de forma astuta sobre o que isso nos diz como a Lei de Moisés
era tratada nesse tempo. “Os levitas, a quem a lei do dízimo trata como muito mais
numerosos que os sacerdotes, haviam se tornado, de repente, a minoria, com apenas uma
fração do clã anterior com o suporte da comunidade. Ainda assim, a lei dá tudo a eles,
‘todo dízimo em Israel’, e apenas requer que eles entreguem 10% disso aos sacerdotes:
‘um dízimo do dízimo’ (Nm 18.21, 26). Se a lei ainda estivesse sendo escrita ou reescrita
nesse estágio, como muito tentaram argumentar, ele jamais teria nos alcançado neste
formato. Para citar Y. Kaufmann, que chama atenção para isso: ‘Nada prova mais
claramente quão enganosa é a visão de que no período pós-exílico, a Torá ainda estava
sendo ampliada e revisada [...]. Os fundadores do judaísmo pós-exílico não foram os
compositores, apenas os compiladores da literatura da Torá. Eles não alteraram nada do
que “encontraram escrito” muito menos acrescentaram’”. (Ezra and Nehemiah: An
Introduction and Commentary, p. 40). A citação de Kaufmann encontra-se em The Religion
of Israel (Allen & Unwin, 1961), p. 193.
[50] Contado por Charles Colson com Ellen Santilli Vaughn, em Kingdoms in Conflict
(Grand Rapids: Zondervan, 1987), p. 95-108. Como Colson indica, William Wilberforce
desejou abolir outras coisas. Depois de conseguir a proibição da venda de escravos em
1807, Wilberforce lutou por outros 18 anos para emancipar quem ainda era escravo. Ele
lutou por reformas nas prisões e por novas leis quanto à pobreza e aos locais de trabalho,
até que sua saúde o forçou a se aposentar do Parlamento em 1825.
[51] John White, Excellence in Leadership: Reaching Goals with Prayer, Courage and
Determination. Downers Grove: InterVarsity, 1986, p. 103.
[52] Citado por Cyril J. Barber, em Nehemiah and the Dynamics of Effective Leadership
(Neptune: Loizeaux Brothers, 1976), p. 122.
[53] Citado por William J. Johnson, em George Washington, the Christian (Nashville:
Abingdon, 1919), p. 23-8.
[54] Citado por Peter Marshall e David Manuel, em The Light and the Glory (Old Tappan:
Revell, 1977), p. 296.
[55] Citado por Barber, em Nehemiah and the Dynamics of Effective Leadership, p. 112.
[56] Ibid.
[57] Ibid., 27.
[58] O principal apoio para essa interpretação é que, mais tarde, a tradução imediata do AT
se tornou o padrão na adoração sinagogal. Os targuns são a versão escrita disso. Ainda
não sabemos se isso era feito antes ou mesmo se a maioria do povo perdera a habilidade
de entender o hebraico clássico. A indignação de Neemias ao encontrar famílias que não
conseguiam falar a “língua de Judá” quando retornou para a cidade após 12 anos (cf.
Ne 13.24) sugere que na primeira estada no ofício o hebraico era geralmente
compreendido. Veja Derek Kidner, Ezra and Nehemiah: An Introduction and Commentary
(Downers Grove: InterVarsity, 1979), p. 106.
[59] Preaching and Preachers. Grand Rapids: Zondervan, 1972, p. 24-5.
[60] Em 2011, a organização internacional passou a ser conhecida apenas por CRU. [N.
do R.]
[61] “Sin”, The Great Ideas: A Syntopicon of Great Books of the Western World. Chicago:
Encyclopedia Britannica, 1952, vol. 2, p. 756.
[62] Excellence in Leadership: Reaching Goals with Prayer, Courage and Determination.
Downers Grove: InterVarsity, 1986, p. 114.
[63] Ezra and Nehemiah: An Introduction and Commentary. Downers Grove: InterVarsity,
1979, p. 111.
[64] É um detalhe paralelo importante para esse padrão que a oração trate do período dos
juízes até o tempo da monarquia, mas não menciona nenhum detalhe específico sobre os
grandes reis judeus, nem mesmo Davi. Até a tomada recente dos dois reinos pelos assírios
e babilônios em 721 e 586 a. C. é, no máximo, vagamente sugerida no v. 30. Por que tudo
isso é ignorado? A resposta parece consistir no seguinte: as porções finais do AT, que
relatam essa parte da história, ainda não haviam sido registradas ou não estavam
disponíveis. Assim, não teriam sido lidas em público nesses dias e não integravam a
meditação e oração do povo.
[65] Genesis: An Expositional Commentary (Grand Rapids: Baker, 1998), vol. 1, caps. 5-9.
[66] Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament (Princeton: Princeton
University Press, 1955), p. 219-23.
[67] Bible Study Commentary: Ezra, Nehemiah, and Esther. Grand Rapids: Zondervan,
1987, p. 125.
[68] Projeção não cumprida. Em 2017, 4,1 bilhões de pessoas residiam em áreas urbanas,
55% do total de 7 bilhões de habitantes da terra. Informação disponível em:
https://ourworldindata.org/urbanization, acesso em: 19/2/2020. [N. do R.]
[69] “The State of Evangelical Social Concern, 1978”, in: Evangelical Newsletter 5, n. 13
(June 30, 1978).
[70] Veja Howard F. Vos, Bible Study Commentary: Ezra, Nehemiah, and Esther (Grand
Rapids: Zondervan, 1987), p. 127.
[71] Pelo menos alguns listados como cabeça da família nos v. 12-21 serviram no tempo de
Neemias, pois são descritos como dos “dias de Joiaquim” (v. 12), e se diz sobre as quatro
pessoas mencionadas no v. 25 que serviram “nos dias de Joiaquim” e nos “dias de
Neemias” (v. 26). Assim, o Uzi de 11.22 e 12.19 talvez seja a mesma pessoa.
[72] Nehemiah and the Dynamics of Effective Leadership. Neptune: Loizeaux Brothers,
1976, p. 155.
[73] The Urban Alternative 4, n. 2 (September 1988).
[74] Brentwood: Wolgemuth & Hyatt, 1988, p. 37.
[75] “The Battle for the Cities: What We Have Learned about Urban Evangelization Since
Pattaya 1980”, World Evangelization (March 1986), p. 16.
[76] J. Gordon McConville, Ezra, Nehemiah, and Esther, in: The Daily Study Bible — Old
Testament, John C. L. Gibson, org. Louisville: Westminster/John Knox, 1985, p. 142.
[77] Nm 8.5-22; 2Cr 35.6; Ed 6.20; cf. 2Cr 29.15; Ne 13.22; Ml 3.3.
[78] Êx 19.10; Nm 19.11-22; Ez 36.25.
[79] Êx 19.14, 15.
[80] Lv 14.48-53.
[81] Ezra, Nehemiah, and Esther, p. 142-3.
[82] Citado por John R. Noe, em Peak Performance Principles for High Achievers (New
York: Frederick Fell, 1984), p. 74.
[83] John White, Excellence in Leadership: Reaching Goals with Prayer, Courage and
Determination. Downers Grove: InterVarsity, 1986, p. 127.
[84] Howard F. Vos, Bible Study Commentary: Ezra, Nehemiah, and Esther (Grand Rapids:
Zondervan, 1987), p. 134.
[85] Cyril J. Barber, Nehemiah and the Dynamics of Effective Leadership (Neptune:
Loizeaux Brothers, 1976), p. 168.
[86] Excellence in Leadership, p. 123-4.
[87] O próprio Leighton Ford conta esta história. Eu a encontrei em Mariano DiGangi,
Reaching the Unchurched: A Report on the Canadian Consultation on Evangelism
(Scarborough, Canada: Reliable Printing, 1983), p. 4-5.

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