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CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
JOÃO PESSOA – PB
2012
JOSÉ LEONARDO ROLIM DE LIMA SEVERO
JOÃO PESSOA – PB
2012
JOSÉ LEONARDO ROLIM DE LIMA SEVERO
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Profa. Dra. Sonia de Almeida Pimenta – Orientadora (PPGE-UFPB)
________________________________________
Profa. Dra. Adelaide Alves Dias – Membro Interno (PPGE-UFPB)
________________________________________
Profa. Dra. Marileide Maria de Melo – Membro Interno (PPGE-UFPB)
________________________________________
Prof. Dr. Ivonaldo Neres Leite – Membro Externo (PPGE-UERN)
DEDICATÓRIA
DEDICO.
AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares, por terem estado nas veredas dos caminhos que me trouxeram até
aqui e por me fornecerem importantes suportes necessários para que essa experiência de
formação no Mestrado pudesse ser concretizada;
Aos membros da banca examinadora, Professores Doutores Adelaide Alves Dias, Marileide
Maria de Melo e Ivonaldo Neres Leite, pela leitura atenta, partilha de impressões e
pertinentes indicações para o aperfeiçoamento teórico-metodológico deste trabalho;
Ao Professor Doutor Pedro Farias Francelino, pela abertura concedida para que eu pudesse
participar das aulas na disciplina sobre Análise Dialógica do Discurso, no Programa de
Pós-Graduação em Línguística da UFPB, através da qual eu me aproximei e aprofundei o
estudo sobre a obra de Bakhtin e seu Círculo;
Aos meus amigos e amigas da vida privada, por me oferecem momentos de lazer e
distração necessários para que eu pudesse suportar as exigências e a intensidade do
trabalho intelectual de desenvolver este trabalho, especialmente à minha sempre amiga
Francineide Fernandes de Lucena que tem participado ativa e significativamente das
minhas etapas de formação profissional;
A todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para que este trabalho fosse
desenvolvido. O espaço da memória e do texto é falível e limitado, mas no espaço da vida
estão as contribuições resultantes da soma de esforços, diálogos e participação de alunos,
colegas, professores, de agora e de outrora, cujas presenças hão de estar inscritas em minha
história pessoal e profissional.
Este trabalho trata-se de uma pesquisa qualitativa, cujo objetivo consistiu em compreender
a significação da Pedagogia para professores formadores do curso de Pedagogia e no modo
pelo qual os significados elaborados incidem na construção das perspectivas de ensino
investidas para o desenvolvimento do processo formativo inicial de pedagogos. O
delineamento metodológico dessa pesquisa inclui, como técnica de coleta de dados, a
realização de entrevistas com 10 (dez) professores formadores em atuação no curso de
Pedagogia do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba e, como método de
análise, a análise do discurso fundada no diálogo entre a Teoria das Representações Sociais
e a Teoria Dialógica do Discurso. A análise anunciada foi desenvolvida em duas etapas
interconectadas e subseqüentes. A primeira etapa consistiu na análise do discurso curricular
expresso nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e no Projeto
Político-Pedagógico do curso de Pedagogia na Instituição lócus de pesquisa. A segunda
etapa consistiu na analise do discurso dos professores formadores pesquisados, a qual foi
desenvolvida de modo que fosse possível mapear as representações sociais elaboradas em
torno de três dimensões da significação da Pedagogia: o conhecimento pedagógico, a
formação no curso de Pedagogia e a profissão de pedagogo. Com relação à análise do
discurso curricular, pôde-se depreender que o aspecto epistemológico da Pedagogia não é
evidente, havendo algumas marcas que explicitam um movimento de significação que a
representa como tecnologia do trabalho docente. No que se refere à análise do discurso dos
professores formadores, concluiu-se que a Pedagogia não se configura como matriz
mediadora da construção das perspectivas de ensino, por mais que esses sujeitos, em sua
maioria, sublinhem a necessidade de localizar a discussão sobre o significado identitário da
Pedagogia em cada disciplina. Através do discurso dos professores formadores, é possível
afirmar que eles representam que nesse curso há certa fragilidade no que diz respeito à
identidade do conhecimento pedagógico, da formação e da atuação profissional do
pedagogo. Os professores formadores significam a Pedagogia como um campo de saberes-
fazeres distinto de outro campo, a Educação. Ocorre, portanto, a separação entre a
Pedagogia e o seu objeto, fazendo como que este se torne uma ciência independente e com
maior abrangência e relevância. Na significação dos professores, a Pedagogia e a Educação
consistem em campos de conhecimento distintos, o que revela a existência da influência do
paradigma das Ciências da Educação na elaboração dos significados para o conhecimento
pedagógico. Esse paradigma tem implicado na fragmentação do conhecimento sobre a
educação e, em conseqüência, na disciplinarização enquanto princípio organizador do
currículo de Pedagogia, muito embora os professores apontem isso como um dos fatores
problemáticos do curso de formação inicial de pedagogos. Finalmente, propõe-se que o
significado da Pedagogia como Ciência da Educação se constitua em uma matriz
mediadora da construção das perspectivas de ensino orientadoras da ação docente dos
professores formadores.
This work is about a qualitative research, whose objective consisted of understanding the
significance of the Pedagogy for professors of the course of Pedagogy and in the way for
which the elaborated meanings happen in the construction of the education perspectives
onslaughts for the development of the initial formative process of educationalists. The
methodological delineation of this research includes, as technique of collection of data, the
accomplishment of interviews with 10 (ten) professors in performance in the course of
Pedagogy of the Center of Education of the Federal University of the Paraíba and, as
analysis method, the analysis of the speech established in the dialogue enters the Theory of
the Social Representations and the Dialogical Theory of the Discourse. The announced
analysis was developed in two interconnected and subsequent stages. The first stage
consisted of the analysis of the express curricular discourse in the National Curricular
Lines of direction for the course of Pedagogy and in the Politician-Pedagogical Project of
the course of Pedagogy in the Institution lócus of research. The second stage consisted of
analyzes of the discourse of the professors researched, which were developed in way that
was possible to find the social representations elaborated around three dimensions of the
significance of the Pedagogy: the pedagogical knowledge, the formation in the course of
Pedagogy and the profession of educationalist. With regard to the analysis of the curricular
discourse, it could be inferred that the epistemological aspect of the Pedagogy is not
evident, having some marks that to put in evidence a significance movement represents
that it as technology of the teaching work. As for the analysis of the speech of the
professors one concluded that the Pedagogy is not configured as first mediating of the
construction of the education perspectives, no matter how hard these citizens, in its
majority, underline the necessity to locate the quarrel on the meaning identity of the
Pedagogy in each discipline. Through the speech of the professors, it is possible to affirm
that they represent that in this course she has certain fragility in what says respect to the
identity of the pedagogical knowledge, the formation and the professional performance of
educacionalists. The professors mean the Pedagogy as a field know-to make distinct of
another field, the Education. He occurs, therefore, the separation between the Pedagogy
and its object, making as that this if becomes an independent science and with bigger status
and relevance. Of the significance of the professors, the Pedagogy and the Education
consist of distinct fields of knowledge, what it discloses the existence of the influence of
the paradigm of Sciences of the Education in the elaboration of the meanings for the
pedagogical knowledge. This paradigm has implied in the spalling of the knowledge on the
education and, in consequence, the “disciplinarização” while organizator principle of the
resume of Pedagogy, much even so the professors points this as one of the problematic
factors of the course of initial formation of educacionalists. Finally, it is considered that the
meaning of the Pedagogy as Science of the Education if it configures as first mediating of
the construction of the orienting perspectives of education of the teaching action of the
professors.
REFERÊNCIAS
no curso de Pedagogia. Explicitar minha presença nesse momento do texto revela uma
postura epistemológica diante da produção do conhecimento através da pesquisa
acadêmica.
O ato de pesquisar e de conhecer é um processo humano e, como tal, não se isenta
de interferências das idiossincrasias que marcam a integridade do sujeito que o pratica.
Desse modo, a escolha do objeto e o delineamento metodológico feito para apreendê-lo
segue um fio condutor que atravessa o campo das opções políticas, científicas e sociais do
pesquisador. Aquela postura, nesse sentido, integra o sujeito e o objeto num movimento
dialético, onde a realidade, enquanto objeto do saber do sujeito, não é um dado natural à
espera de algo que o faça emergir, mas sim uma produção simbólica que pode alcançar um
nível de interpretação mais sistemática na medida em que é abordada por instrumentos
científicos selecionados ou elaborados pelo próprio sujeito, o qual também se reconstrói a
partir do momento que se insere na dinâmica de buscar respostas para as questões que a
realidade, mediada por suas próprias representações, o coloca. Ou seja, e realidade é
produto do conhecimento humano, logo ela é instituída pelo sujeito. Por outro lado, esse
mesmo conhecimento institui no sujeito-instituinte a possibilidade de enxergar a realidade
de modo diferente, ao passo que a cadeia de conhecimentos produzidos o leva,
progressivamente, a níveis de compreensão mais ampliados.
Ao ingressar no curso de Pedagogia, me deparei com um universo simbólico que o
representava, tanto entre professores, quanto entre alunos, como sendo um curso de
identidade suspeita. Muitas das questões levantadas por Silva (2003) acerca da história e da
identidade do curso de Pedagogia no Brasil, embora algumas delas se remetam a épocas
passadas, ainda tinham sentido de serem feitas – e continuam tendo -, o que demonstrava a
recorrência da necessidade de coadunar algo que se pudesse classificar como matriz
identitária da Pedagogia na esfera acadêmica.
Contudo, as questões que orbitavam no plano da identidade da Pedagogia não
recebiam tratamento adequado na sala de aula do curso de Pedagogia. Havia um nítido
sentimento de constatação de que o curso era alvo de preconceitos e que, para professores e
alunos, a especificidade do projeto profissional empreendido nele se constituía como uma
incógnita. As razões para o desconforto desses sujeitos com relação aos preconceitos
relativos ao curso de Pedagogia eram colocadas no campo de assertivas que centralizavam
aspectos de gênero ou de classe social, uma vez que a maioria das pessoas que estavam no
referido curso era composta por mulheres de baixo ou médio poder aquisitivo.
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ontogenia dialógica.
Os conhecimentos produzidos pelo homem interagem em diversos contextos e sob
diversos aspectos, de tal modo que a relação entre os tipos de conhecimento não se dá de
outro modo que não seja o dialógico (MARKOVÁ, 2006).
Isso significa dizer que na base da produção das representações sociais, as quais
originam processos de significação, existem registros de conhecimento científico, ético,
estético, por exemplo, e vice-versa. Outro traço dialógico consiste na relação que se
estabelece entre as representações sociais, a linguagem, o discurso e as esferas de ação
humana. A linguagem, enquanto um sistema de representação simbólica, é constituída por
características dos contextos nos quais ela é tomada como ferramenta discursiva, logo
adquire uma dimensão social que a torna específica para um determinado grupo de sujeitos
em situações comunicativas específicas. Por isso mesmo que se supõe que as
representações sociais articuladas no processo de significação dos professores formadores
são um produto específico de relações práticas que configuram um contexto de interação
discursiva distinta das que estão presentes em outras esferas de ação humana.
Quando Moscovici (2009) situa a representação social enquanto uma problemática
que integra os campos da cognição e do discurso, ele afirma que por uma questão de
tradição na Psicologia Social, o aspecto discursivo ou referência comunicacional das
representações sociais foi preterido de um lugar central na abordagem da construção do
senso comum e das suas interfaces com o fenômeno da linguagem. Ele explica que, ao
iniciar o desenvolvimento da Teoria das Representações Sociais, buscou evidenciar o elo
entre “cognição e comunicação, entre operações mentais e operações linguísticas, entre
informação e significação”(MOSCOVICI, 2009, p.220), e formulou o conceito de themata
com a finalidade de organizar uma estrutura conceitual na qual os campos da cognição
social e da comunicação, linguagem e discurso pudessem ser associados sob os aportes das
contribuições da Antropologia, da História do Conhecimento e da Semântica, por exemplo.
Moscovici acreditou que essa associação permitiria uma ampliação positiva nas
possibilidades de análises dos aspectos pertinente ao fenômeno das representações sociais.
Ao buscar corresponder à demanda metodológica intrínseca ao destaque que
Moscovici confere ao aspecto linguístico-comunicacional no contexto do fenômeno das
representações sociais, a problemática exposta nesse trabalho foi delineada a partir do
princípio dialógico que funda a Teoria do Discurso no âmbito dos estudos de Bakhtin e seu
Círculo, cujo “embasamento diz respeito a uma concepção de linguagem, de construção e
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A ação humana dirigida ao ambiente durante muito tempo foi enquadrada num
modelo explicativo composto por um sujeito, independente e racionalmente organizado, e
um objeto, naturalmente dado e à espera de ser descoberto por meio da razão do sujeito
pensante. Privilegiando ora a primazia da razão do sujeito como elemento construtor da
realidade e ora a realidade como a substância determinante da razão do sujeito - porque
sem ela o pensamento não existiria, uma vez que ele não seria capaz de pensar o nada
enquanto categoria vazia, a tal ponto que o conhecimento da realidade é a matéria essencial
do funcionamento psicológico - esse modelo tem estado intrínseco em diversas teorias do
conhecimento que performam compreensões filosóficas e científicas nas mais vastas áreas
de saber.
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arbitram o modo pelo qual a realidade é interpretada com base nas estruturas categorizadas.
As RS são, sem dúvida, um fenômeno psicossocial. Em sua dimensão psicológica,
elas explicitam o caráter social da cognição humana e seus imbricamentos no surgimento
de atitudes e comportamentos dos indivíduos. O objetivo dos indivíduos ao criarem as RS
é, na visão da grande maioria dos teóricos que formam o campo de estudiosos em RS,
tornar algo não-familiar em familiar, e, desse modo, desenvolver formas de gestão dos
objetos da realidade, fazendo com que suas propriedades sejam legíveis e possam ser
socializadas em processos de comunicação e interação social.
Ao tratar da dinâmica de constituição psicológica das RS, Moscovici (2010)
identificou dois processos geradores: a ancoragem e a objetivação. A ancoragem refere-se
ao ato psicológico de transferência de algo não-familiar a um lugar familiar, por meio de
categorias ou paradigmas estáveis. Quando esse algo não-familiar e, pode-se dizer,
incômodo e desconhecido, é comparado a uma categoria conhecida pelo indivíduo, ele é
prescrito, avaliado e estabilizado a partir da mesma. Desse modo, a ancoragem acontece
quando o indivíduo é capaz de dar um nome ou rotular o desconhecido como algo familiar,
a partir de um sistema de referências disponíveis no espaço-tempo de interação social.
Aqui, a própria representação confunde-se com o seu processo criador, pois “de fato,
representação é, fundamentalmente, um sistema de classificação e denotação, de alocação
de categorias e nomes” (MOSCOVICI, 2010, p.62).
A ancoragem, vale salientar, não deve ser concebida como sendo um processo
cognitivo de natureza estreitamente racional. Quando o indivíduo depara-se diante de algo
não-familiar, ele pode revesti-lo de algo ameaçador, negativo ou inválido. Isso acontece em
função de implicações éticas e afetivas envolvidas nos atos de juízo de valor, já que “[...]ao
ancorarmos, classificamos uma pessoa, ideia ou objeto e com isso já o situamos dentro de
alguma categoria que historicamente comporta essa dimensão valorativa”(OLIVEIRA;
VERBA, 2011, p.108-109).
A perspectiva da objetivação se desvela no mesmo nível da ancoragem,
constituindo-a num processo integrado e remetido ao uso da memória individual e social.
Segundo Moscovici, objetivar “[...] é descobrir a qualidade icônica de uma idéia [...] É
reproduzir um conceito em uma imagem”(2010, p.71-72). Isto posto, percebe-se que a
objetivação refere-se ao processo pelo qual a palavra e a coisa imagética são conectadas,
configurando o núcleo figurativo, um conjunto de imagens disponíveis e aceitas
culturalmente que representam um conjunto de ideias. Ao objetivar, o indivíduo, de certa
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RS. Assim, as RS configuram um tipo de produto cultural que, muitas vezes, confunde-se
com as ideologias, dado o seu caráter simbólico e estruturante no plano da atividade de
comunicação humana.
Considerando a assertiva de Moscovici, quando ele afirma que “a cultura é criada
pela e através da comunicação, e os princípios organizacionais da comunicação refletem as
relações sociais que estão implícitas nelas”(2010, p.155), pode-se supor que, da mesma
forma que as RS não constituem, a priori, a única forma de produto cultural e que a
ideologia, assim como as RS, são produtos culturais específicos, em alguns aspectos pode-
se haver associações entre as RS e sistemas ideológicos mais amplos, sem que as
características constitutivas de cada uma dessas formas culturais sejam preteridas.
Oliveira e Werba (2011) discutem que Moscovici confere à ideologia o status de
algo reificado, o que contrasta com o estatuto dinâmico, mutável e poliforme das RS. As
autoras citadas assinalam que a ideologia tem sido tratada pela literatura da Psicologia, de
modo geral, de acordo com a definição proposta Thompson, qual seja, “[...] o uso das
formas simbólicas para criar ou manter relações de dominação” (apud OLIVEIRA;
WERBA, 2011, p.111). Desse modo, Oliveira e Werba (idem) concluem que as RS serão
ideológicas quando criam ou reproduzem relações de dominação. Ou seja, para que uma
RS seja classificada como ideológica ou ligada a sistemas ideológicos mais amplos, as
circunstâncias em que elas foram criadas e o conteúdo que a estrutura devem estar
imbricados em práticas de dominação e opressão.
Inscrita numa tradição que Jovchelovicth (2008) chama de fenomenologia da vida
cotidiana, a TRS é uma teoria sobre os saberes sociais e compreende uma reflexão
multirreferenciada acerca do processo de construção e transformação dos conhecimentos
práticos ligados ao mundo da vida cotidiana em seus diferentes contextos. Esses
conhecimentos são tão legítimos quanto os de natureza científica, uma vez que operam
processos em várias dimensões da sociabilidade, como práticas identitárias, tradições
culturais, práticas institucionais etc. Conforme a autora, a abordagem da TRS empreende
um deslocamento radical no entendimento dos conhecimentos produzidos pelos indivíduos
em suas dinâmicas da vida cotidiana, ou conhecimento comum, como tem-se insistido
classificar.
Para tanto, a TRS se organiza em meio aos referenciais das teorias da sociedade e
das teorias do sujeito, superando a dicotomia que dualiza o aspecto social e individual das
abordagens psicológicas. A complexidade da TRS se expressa nas inúmeras questões que
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partindo do pressuposto de que base analítica bakhtiniana “diz respeito a uma concepção
de linguagem, de construção e produção de sentidos necessariamente apoiadas nas relações
discursivas empreendidas por sujeitos historicamente situados”( BRAIT, 2006, p.10).
horizonte significativo para que sejam localizadas questões de pesquisa acerca de como o
discurso de outrem é apropriado e (re)significado pelos sujeitos falantes da língua, sujeitos
estes que manifestam opiniões, concepções, (anti)simpatias, enfim, representações sociais,
intensificando a densidade ideológica da construção dialógica do discurso. Quando
Bakhtin afirma que “as nossas palavras estão repletas de palavras dos outros” (2006,
p.313), ele parece assinalar que o discurso se estabelece no continuum de uma cadeia
enunciativa de “já ditos”, explicitando, mais uma vez, a interação verbal e a natureza
dialógica da discursividade.
Assim como o sujeito é portador de um discurso interior que se estrutura por meio
de palavras e representações semióticas apreendidas/elaboradas no percurso de sua
experiência particular, ele mobiliza discursos sociais historicamente situados para
constituir o sentido enunciativo e se afirmar como falante de uma língua cujas
configurações semânticas são adquiridas em esferas específicas de produção, circulação e
recepção. A palavra é elástica, plástica e fluida. Ela é um signo neutro, no sentido de que
está posto a quem a utiliza a partir de um projeto enunciativo, o qual, por sua vez, a tipifica
no âmbito do gênero do discurso, que mantém relação direta com as esferas de criatividade
ideológica. Isso explica o fato de haver determinadas formas características, ou
relativamente (in)adequadas, de enunciação a depender do contexto social, institucional,
cultural, histórico, etc., que abrange as atividades e localizações dos sujeitos. Nesse
sentido, “a palavra, como fenômeno ideológico por excelência, está em evolução
constante, reflete fielmente todas as mudanças e alterações sociais. O destino da palavra é
o da sociedade que fala” (BAKHTIN, 2006, p.199).
A densidade ideológica - consubstanciada nas práticas comunicativas, tornando-se
expressa nas relações que a discursividade estabelece com os elementos sócio-históricos
que estruturam a sociedade - não poderia, certamente, ser abstraída por intermédio de uma
Linguística de base normativa, já que “as relações dialógicas são extralinguísticas”
(BAKHTIN, 2002, p.181). A abordagem bakhtiniana sugere que a ênfase aos aspectos
internos da língua, ou seja, sua materialidade estrutural, seja equilibrada com uma análise
relacional entre a linguagem e o campo da vida, uma vez que “a língua penetra na vida por
meio dos enunciados concretos que a realizam, e é também por meio deles que a vida
penetra na língua”(GHEDIN; FRANCO, 2008, p.156).
Esse movimento de interpenetração que envolve a língua e a vida concreta, esta
última figurada aqui como expressão que designa a própria dinâmica social, necessita de
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outros referenciais analíticos que, embora possam utilizar as ferramentas linguísticas para
identificar, codificar e descrever elementos sintáticos pertencentes à língua, derivam do
que Bakhtin denominou de Metalinguística, uma Ciência nova que se volta para uma
análise dialógica das relações que impregnam o discurso como material e meio da
enunciação concreta. Bakhtin afirma que “essas relações se situam no campo do discurso,
pois este é por natureza dialógico e, por isto, tais relações devem ser estudadas pela
Metalinguística, que ultrapassa os limites da Linguística e possui objeto e metas
próprias”(BAKHTIN, 2002, p.184).
Referindo-se ao dialogismo como traço que caracteriza o pensamento do Círculo de
Bakhtin, Brait (2006), ao mobilizar o argumento da bivocalidade do termo “dialógico”,
adverte que a abordagem dialógica do discurso não deve desprestigiar os aspectos internos
de estruturação da língua. Ela escreve que “a abordagem do discurso não pode se dar
somente do ponto de vista interno ou, ao contrário, de uma perspectiva exclusivamente
externa. Excluir um dos pólos é destruir o ponto de vista dialógico [...]”(2006, p.13).
A dimensão dialógica do discurso configura uma relação de influência mútua entre
a sociedade e o indivíduo, o particular e o geral, o texto e o gênero, etc., e essa dualidade
complementar permite que os diversos pólos que constituem as dinâmicas humanas
dialoguem, desafiando os sujeitos a considerarem a complexidade concreto-semântica que
configura o campo do pensamento e das atividades sócio-culturais. O dialogismo permite,
também, que exista uma comunicação responsiva e ativa entre os falantes da língua e a
própria construção do sujeito que, para acontecer, requer o desenvolvimento da consciência
de alteridade, a qual só é possível no interior de um processo interativo de construção de
sentidos sociais. Daí a ideia de que o “outro” é sempre um mediador de sentidos
socialmente possíveis (SOBRAL, 2009). Ele representa a diferença e a possibilidade de
ressignificação da individualidade, uma vez que é na interação discursiva que os sujeitos
experimentam trocas e transferências de modos diversos de compreensão e entendimento
do mundo. Nas palavras de Bakhtin
Pode-se supor que o “outro” constitui um tipo de acabamento que torna o algo dito
como portador de um dado sentido distinto de outros sentidos que outros sujeitos poderiam
atribuir. Na interação que se estabelece entre os sujeitos em seus projetos enunciativos, a
palavra representa uma arena de confronto de pontos de vista, de dissensos semânticos,
onde lutam representações sociais, um lugar de diálogo entre os discursos (BAKHTIN,
2002).
Compreender a negociação de sentidos que decorre da interação dos sujeitos em
situações específicas de ação e significação da realidade se constitui como potencial de
uma investigação pedagógica que se dirija à análise das representações portadas e criadas
pelo discurso estruturante dos processos de ensino-aprendizagem. Os registros teóricos
pontuados ao longo desse texto configuram referenciais significativos a fim de que se
possa construir uma base metodológica pertinente à análise do discurso numa abordagem
bakhtiniana, visando aproveitar esse potencial no contexto de pesquisa.
Conforme assinalado anteriormente, a vastidão e complexidade da Filosofia da
Linguagem gestada por Bakhtin e seu Círculo não podem ser restringidas a quaisquer
releituras especulativas acerca dos conceitos e reflexões contidas nas obras escritas pelo
pensador e seus colaboradores. Partindo dessa consideração é que se mobilizam, no
próximo tópico textual, algumas contribuições bakhtinianas à análise do discurso, sob o
propósito de apresentar procedimentos metodológicos que possam ser operados numa
análise do discurso de natureza dialógica, enquanto referências viáveis e relevantes à
pesquisa em processos de ensino-aprendizagem.
formativos, estes passam a refletir uma dimensão da significação que se torna concreta nos
atos de enunciação e produção de sentido no contexto das interações sociais. Infere-se que
é esta a dimensão para a qual se volta à análise do discurso nesse campo das investigações
pedagógicas.
Ao incorporar a análise do discurso numa perspectiva bakhtiniana como ferramenta
de abordagem do ato de significação e, ao mesmo tempo, como o próprio fio condutor da
investigação empreendida, esta pesquisa será orientada no sentido de identificar e explorar
as estratégias discursivas e projetos de enunciação formulados pelos falantes, pois o
material verbal apreendido por meio de entrevistas é mobilizado em virtude de um “querer
dizer”, ou seja, de um projeto enunciativo que vai além da simples intenção psicológica do
professor formador, compreendendo também a interação com os sujeitos situacionais aos
quais se destinam os discursos e com as esferas de produção, circulação e recepção desses
discursos.
Muito embora Bakhtin e o Círculo se refiram a pesquisas em linguagem ao longo
de seus textos, não parece ser intenção do autor criar uma base metodológica de análise do
discurso com categorias específicas e instrumentos procedimentais próprios, tal qual
realizado por representantes de outras vertentes de Análise do Discurso. Sobral discorre
que Bakhtin não o fez “tanto por razões históricas como por não ser esse seu objeto”
(2009, p.86), mas comenta que
teorias afins, as abordagens acerca das diversas dimensões do objeto posto à investigação
configuram-se como dinâmicas e multirreferenciadas, circunstância que permite uma
melhor aproximação da realidade estudada.
Mobilizar as categorias conceituais das TRS e TDD permite levar em consideração
aspectos relevantes à compreensão dos elementos simbólicos que configuram a
significação e as RS dos professores formadores do curso de Pedagogia sobre a Pedagogia
e seus desdobramentos no modo pelo qual esses sujeitos concebem as perspectivas de
ensino no próprio curso, atribuindo significados às competências, contextos e experiências
formativas que devem ser preconizados. Optou-se, nesse sentido, por uma abordagem
multimetodológica (FLICK, 1992). As RS e discurso serão estudadas levando em
consideração os elementos estruturais da vida cotidiana dos sujeitos pesquisados, como a
as condições institucionais em que se encontram inseridos, por exemplo, e elementos que
performam a discursividade, como os referenciais identitários, histórico-culturais, aspectos
referentes à dinâmica de comunicação/interação social entre sujeitos e a particularidades da
docência enquanto processo que configura a produção de conhecimentos práticos
permeados pelo fenômeno representacional-discursivo.
A pesquisa em RS tem se revelado um campo marcado de composições
metodológicas plurais que manifestam tendências diversificadas da investigação científica
Algumas têm base quantitativa, outras dão prioridade ao enfoque qualitativo e há,
evidentemente, as que fazem uso complementar desses enfoques. O próprio Mosvocici, no
prefácio à obra organizada por Jovchelovicth e Guareshi (2011), estimula a criatividade
metodológica no estudo em RS na tentativa de contrapor a tendência resistente da
fetichização de métodos que tem ocasionado o reducionismo, maniqueísmo e
superficialidade de abordagens científicas. Ele afirma que a TRS se manterá vigorosamente
criativa na medida em que permitir a mobilização do que há de mais proveitoso nas
diversas metodologias, sem que isso desconfigure o seu estatuto epistemológico.
A partir dessas considerações será explicitado o delineamento dos aspectos que
definem as operações metodológicas envolvidas nesta investigação, ressaltando o seu
caráter de pesquisa qualitativa em Educação com enfoque psicossocial e inscrita no campo
da TRS, da TDD e dos processos de ensino-aprendizagem.
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O objetivo da discussão que será feita nesta sessão do texto é abordar a significação
epistemológica e formativa que envolve a Pedagogia, enquanto conhecimento e área de
profissionalização, e se pauta pela justificativa de demonstrar a relevância que recuperar a
problemática da significação possui quando se intenciona compreender o modo pelo qual
as perspectivas de ensino imbricam determinadas opções por modos de fazer que, por sua
vez, colocam-se num contexto complexo de debates históricos acerca de modelos e
arranjos formativos para a profissionalização inicial do pedagogo.
Centralizar as dimensões de significação da Pedagogia, em seus aspectos
epistemológico e formativo, numa reflexão em torno das configurações do processo de
formação inicial de pedagogos, permite considerar como essa significação deve se
constituir enquanto matriz de referência para a formulação de perspectivas de ensino por
parte de professores que atuam no próprio curso. Isso quer dizer que o significado de
Pedagogia, configurado como um processo de criação de referenciais mediadores da
construção de contextos de formação pedagógica, pode atuar como um centro estruturante
de uma rede de significações que abrange os objetivos que orientam a ação do docente, o
conjunto de decisões curriculares em torno do que deve ser ensinado e aprendido, padrões
metodológicos e critérios de qualidade aplicados à sua avaliação.
Ao longo do capítulo, busca-se elaborar uma trama teórica, utilizando-se de
elementos históricos e conceituais, para defender a ideia de que a significação atribuída à
Pedagogia deve desempenhar uma função mediadora da formação pedagógica, subsidiando
perspectivas de ensino no curso de Pedagogia. A construção das perspectivas de ensino é
uma síntese complexa de relações estabelecidas entre os marcos regulatórios do curso, da
cultura organizacional das instituições formativas, das ingerências derivadas das demandas
imputadas pela sociedade ao curso, as quais configuram traços do perfil do seu profissional
egresso, e, de modo especial, das formas de atuação dos sujeitos envolvidos na formação,
ou seja, da maneira como o professor e o estudante vivenciam as dinâmicas de ensinar e
aprender. A significação da Pedagogia deve permear todos essa cadeia de elementos
articulados e é reconstituída dinâmica e progressivamente em seu âmbito.
O professor formador, enquanto sujeito produtor dessas perspectivas de ensino,
mobiliza referenciais cognitivos e sociais diversos para atribuir significados à ideia de
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Pedagogia. Do ponto de vista institucional, esse sujeito é responsável por criar experiências
de formação que correspondam a padrões de qualidade instituídos e normatizados. Para
tanto, o professor se apropria desses padrões e os insere num conjunto de significados
estabilizados em seus esquemas representativos, nos quais a significação da Pedagogia está
intrínseca, articulando conhecimentos científicos, técnicos e sócio-culturais, para que,
estando os padrões institucionais e normativos inteligíveis por meio dessa atividade de
contextualização cognitiva, ele possa elaborar perspectivas que desenhem, idealmente, a
configuração que sua intervenção pedagógica deve possuir e como ela pode ser
desenvolvida à luz de estratégias de planejamento, execução e avaliação.
A afirmação de que a ideia de pedagogia incide na formulação das perspectivas de
formação no curso de Pedagogia remete à reflexão de como o professor formador faz a
opção por uma dada matriz de definição daquela ideia. Muito embora essa opção possa ser
explicada como uma definição que o docente faz de modo a priori, ou seja, é vista como
algo que antecede a sua inserção nas dinâmicas pedagógicas, ela também manifesta uma
interface processual. A ideia de Pedagogia não é um dado estático ou imutável por que ela
é reconfigurada continuamente no contexto da construção dos saberes docentes e se associa
a uma série de outras opções de cunho ideológico, político e científico feitas pelo próprio
professor ao longo de sua experiência docente. A pedagogia está, portanto, na base dos
saberes docentes como elemento estruturante, mas é reconstituída a partir dos
desdobramentos intrínsecos à dinâmica processual de construção desses saberes.
Um aspecto crucial da definição dos traços que caracterizam a ideia de Pedagogia é
que os elementos que são combinados para formar o seu significado representacional são
de natureza múltipla e poliforme. Além dos elementos derivados das opções políticas e
ideológicas do professor, a ideia de Pedagogia é estruturada, embora que, às vezes, de
modo sub-reptício, implícito e até mesmo contraditório, de elementos epistemológicos
advindos da esfera científica, os quais estão dispersos numa complexa história na qual a
concepção de Pedagogia está enraizada, como será exposto no próximo tópico.
A concepção de Pedagogia nunca foi um consenso entre os teóricos do campo
educacional e pedagógico. Dada a multiplicidade de enfoques epistemológicos, a história
dessa concepção é marcada pela descontinuidade entre rupturas e permanências. Essa
circunstância torna impossível o estabelecimento de marcadores históricos lineares,
universais e objetivos, sobretudo quando parte-se do pressuposto de que, na verdade, a
história da concepção de Pedagogia é um espaço em que se entrecruzam diversas micro-
61
Científica.
O estudo da problemática educativa não foi tratado sob a denominação de
Pedagogia de modo contínuo e unívoco desde sua constituição na Grécia Antiga. Herbart,
no final do século XVIII, é quem inaugura tal terminologia no Tratado de Pedagogia Geral,
produção considerada a primeira obra científica em Pedagogia. Considerado pela
historiografia ocidental como o criador da Pedagogia Científica, esse teórico apresenta um
conjunto de suposições teóricas pautadas pelo experimentalismo, conferindo à Pedagogia
um caráter de Ciência com base na Psicologia Experimental, a qual forneceria subsídios
conceituais presididos pelo rigor e validade objetiva para que a prática educativa, tomada
como uma realidade natural, fosse transformada em arte pedagógica, ou seja, uma prática
sistematizada por parâmetros éticos e operativos gestados numa Ciência Educacional
capaz de planejá-la e controlar estrategicamente seus efeitos.
Herbart elabora um modelo científico de Pedagogia propedêutico da Psicologia,
restando àquela a orientação ética da arte de instruir. Segundo Franco, “sua pedagogia
científica baseia-se numa doutrina filosófica que é a psicologia do mecanismo das
representações” (2008, p.33). Essa doutrina nutria a convicção de que o papel do educador
é instruir moralmente o estudante. Para tanto, Herbart infere que a educação, enquanto
formação moral, é orientada pela instrução, mecanismo de transposição das idéias
complexas. O processo educativo, na Pedagogia Científica, é precedido pela instrução.
Assim, o centro da Ciência Pedagógica estaria nas questões didáticas sobre as técnicas e as
formas de operar a aprendizagem escolar. A propósito, Franco corrobora que
desde já, o campo empírico para o qual esta pesquisa se volta, sob a intenção de instituir os
primeiros movimentos de aproximação com as instituições nas quais os professores
formadores estão inseridos, buscar-se-á analisar de que modo a questão da identidade e
especificidade da Pedagogia e do campo pedagógico esta posta no Projeto Pedagógico do
Curso de Pedagogia do Centro de Educação da UFPB e nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para este curso.
Pedagogia de tal modo que as Diretrizes Curriculares Nacionais (2006) chegam a redundar
a própria Pedagogia a uma de suas práticas, a docência.
O investimento em pesquisas acerca da identidade da Pedagogia tem crescido
significativamente no decurso das reformas, entretanto a produção resultante de tais
pesquisas ainda parece invisível porque a maioria das discussões sobre formação e trabalho
pedagógico desconsideram as questões fundamentais da história da institucionalização do
campo pedagógico no país. Para muitos pesquisadores e Instituições, é dispensável incorrer
na historicidade do curso e recuperar questões fundamentais relativas à identidade e
evolução de desenhos curriculares, visto que essa discussão tende a cair no ostracismo e
permanecer enclausurada em velhos debates estéreis que pouco acrescentam à reflexão de
natureza político-formativa do curso hoje. Essa posição é, em todos os casos, simplista e
reducionista, pois os problemas pelos quais o curso de Pedagogia atualmente passa e os
desafios que a formação pedagógica tem a superar carregam em si, evidentemente, toda
uma cadeia de fatos históricos dispersos no trajeto de criação de concepções sobre a
natureza da formação pedagógica, a epistemologia da Pedagogia e as alternativas mais
adequadas para compor uma estrutura curricular compatível com a especificidade de cada
momento histórico na sua complexidade política, social e cultural.
O escanteamento da discussão que confere relevância à história e teoria da
Pedagogia, por meio de uma atitude investigativa voltada ao estudo epistemológico do
conhecimento pedagógico que busque estabelecer rupturas com o modo de concepção
simplista e reducionista de seu estatuto, implicou no eclipse da própria Pedagogia que,
mesmo sendo alvo de críticas infinitas advindas de diversos setores, permanecia apagada,
escondida e sem condições de oferecer respostas a partir do que a constitui como área de
conhecimento, de formação e de atuação profissional. A Pedagogia, assim como a área de
formação de pedagogos e professores, em geral, ao se desvincular da rica tradição teórica
que lhe é inerente
Em seu estudo, Silva (2003) faz um estudo detalhado dos marcos regulatórios do
77
sete disciplinas do currículo do curso de Pedagogia e permitiu a escolha de outras duas por
parte das Instituições.
Com o Parecer CFE n252/69, em consonância com a Lei Federal n. 5.540 de 28 de
novembro de 1968, que institui a Reforma Universitária, o curso de Pedagogia passa por
uma reforma que não apenas altera o seu conjunto de disciplinas, mas reorganiza a sua
estrutura sob a diretriz de formar professores para o ensino normal e especialistas para as
atividades de orientação, administração, inspeção e supervisão no âmbito das escolas e dos
sistemas escolares. Nesse momento, o currículo do curso compreende duas partes: a parte
comum composta por disciplinas bases da formação dos profissionais de quaisquer áreas
de atividade e a parte diversificada que nucleia as disciplinas de cada habilitação
específica. O Parecer valida, ainda, a existência de cursos de licenciatura plena e
licenciatura curta, extinguindo o Bacharelado em Pedagogia. Coloca-se como problema na
época a formação para professores primários, uma vez que o curso de Magistério ainda
continuava a existir e a ideologia do “quem pode o mais, pode o menos” estimulou a
criação de componentes curriculares para a formação deste professor no curso de
Pedagogia: metodologia do ensino de 1° e prática de ensino na escola de 1° grau, contando
com estágio supervisionado.
Entre os principais aspectos problemáticos da organização do curso por ocasião da
implementação dessa reforma curricular foi a fragmentação da profissionalização
pedagógica e das práticas de atuação na escola, a redução da ideia de domínio pedagógico
à instrumentalização técnica, a ambivalência de um currículo que contém,
contraditariamente, duas perspectivas interpostas: o generalismo e o tecnicismo, a
desconsideração total do conceito de Pedagogia e o “inchaço” da população de egressos
sem inserção na escola. Acerca da contradição das tendências de currículo, generalista e
tecnicista, numa mescla ambivalente, Silva explica que
intercurso das décadas de 1970 e 1980, as discussões educacionais são atravessadas pelos
referenciais de teorias críticas que, assentadas numa matriz de problematização da
realidade social, buscavam romper com a tradição tecnicista e hegemônica que se afirmou
no período ditatorial. A partir da década de 1980, o cenário brasileiro começa a se
organizar a partir de novos eixos políticos fundados na ideia de democracia e no contexto
da República Nova. Os segmentos sociais estavam entusiasmados com um projeto de
renovação dos valores políticos e culturais, o que ocasionou a emergência e consolidação
de diversos movimentos sociais, os quais, num clima propício de rejeição de posturas
autoritárias e anti-democráticas, concretizada princípios constitutivos das reivindicações
dos mais diversos setores da sociedade.
O sistema educacional passou a ser alvo de várias reivindicações e começou a
aparecer, com especial destaque e maior frequência, a pauta de discussão de segmentos da
sociedade política e civil. Reconhecer o imperativo de renovação das práticas pedagógicas
e vislumbrar um projeto de formação de sujeitos imbuído de novos valores sociais e
políticos fiéis ao princípio da democracia e da cidadania colocou a formação do educador
no centro de diversos debates. Oportunamente, a discussão sobre a renovação do sistema
educacional se encontrou com o projeto de evolução da profissionalização do magistério
que, considerando novas demandas sociais e a necessidade de criar mecanismos para o
reconhecimento e valorização do trabalho docente, defendia que a formação de professores
acontecesse em nível superior, do mesmo modo como ocorre em outras profissões.
A partir de então, os esforços em prol da reformulação do curso de Pedagogia para
adequá-lo à nova realidade do país e incorporar a formação docente em sua estrutura foram
intensificados. O marco histórico desse movimento foi a I Conferência Brasileira de
Educação, realizada em São Paulo, no ano de 1980. Obviamente, as outras Licenciaturas
também foram alvo desse intento de reformulação curricular. Essa reformulação se
caracterizaria, sobretudo, pela diretriz de promover, junto aos sujeitos em formação, o
senso crítico para reconhecimento da problemática sócio-educacional brasileira e para o
desenvolvimento de atitudes crítico-reflexivas, e pela ideia de núcleo comum de estudos, o
qual se assentava na compreensão de que a docência deveria constituir a base da formação
de todos os profissionais da educação. A entidade que levou a cabo o movimento de
reformulação foi o Comitê Nacional Pró-Formação do Educador, que mais tarde se tornou
a conhecida Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
(ANFOPE).
80
e das práticas pedagógicas, em geral, o que aponta que há “[...] brechas a serem
preenchidas para que se possa aprofundar a compreensão sobre ele‟‟ (SILVA, 2003, p.2).
Um dos principais aspectos que se configuram como eixo para a retomada de
críticas em torno da organização do curso de Pedagogia é a ausência de referência
epistemológica à Pedagogia nas construções das políticas curriculares do curso,
circunstância já apontada por Silva (2003) e Saviani (2008), cujos efeitos se expressam na
distorção de sua identidade epistemológica e na naturalização de equívocos acerca da
especificidade da formação do pedagogo e das práticas profissionais que este deve
desenvolver. Desse modo, pode-se afirmar que
No próximo tópico, a análise que será feita está concentrada no plano das propostas
formativas, o que requer considerar os marcos de reformulação das políticas curriculares
do curso de Pedagogia, concebidas como construções discursivas que pretendem orientar
perspectivas de ensino e processos de formação desencadeados ao longo do curso em
estreita vinculação com relações ideológicas e demandas sociais mais amplas. Inteciona-se
compreender como a significação epistemológica da Pedagogia está posta nos discursos
oficiais das políticas curriculares, discursos estes registrados sob forma de Diretrizes
Curriculares Nacionais e Projeto Político-Pedagógico (PPP) de Pedagogia do Centro de
Educação da Universidade Federal da Paraíba. Pressupõe-se que a discussão
epistemológica pode oferecer referencias para a reflexão crítica acerca de diversos
problemas que se apresentam no contexto das interlocuções entre a formação, os saberes e
as práticas do pedagogo. Não é intencionada uma análise de quais as estratégias foram
implementadas para a elaboração do PPP, muito embora a construção do documento
evidencie a dinâmica de conflito e diálogo que permite que determinados conceitos e
perspectivas sejam preconizadas, no discurso, em detrimento de outras.
Considera-se, ainda, que as proposições contidas nos documentos das políticas
curriculares do curso de Pedagogia, assim como quaisquer outros tipos de prescrição
curricular, mantém forte relação com o conteúdo e as formas de profissionalidade do
professor formador que atua no mesmo. O trabalho que será desenvolvido em suas
disciplinas e demais atividades de pesquisa e extensão relativas ao curso, deve se coadunar
82
inerentes ao universo contextual que marca sua identidade enunciativa, pois “cada esfera
de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados”
(BAKHTIN, 1992, p.279). Desse modo, o currículo carrega marcas identitárias profundas
das instituições, do tempo, da sociedade, das pessoas, do conteúdo e do estilo que lhe dá
forma e significado, e cumpre a função de regulamentar os processos de ensino-
aprendizagem, já que “a institucionalização da ação requer a sua regulamentação para
abordar os problemas mais diversos” (SACRISTÁN, 1999, p.81).
O currículo é, de fato, um conceito polissêmico que pode se referir a um espectro
amplo de elementos relacionados aos processos de ensino-aprendizagem escolares. Ele
reflete as possibilidades formativas e as influências exercidas na escolaridade, de modo
implícito e explícito. Neste trabalho de análise, o currículo que é configurado consiste no
texto-documento que normatiza e expressa a organização dos objetivos e conteúdos
formativos em torno de referências epistemologógicas, sociais, pedagógicas, políticas e
ideológicas. Assumir essa definição não implica a negação de outras que concebem o
currículo como um conjunto de influências de natureza formativa que transcendem o texto-
documento e se reporta às condições e significados que orientam, regulam, visível e
ocultamente, a construção de identidades, sentidos e práticas escolares, tal como afirma
Sacristán (2007).
Como um gênero discursivo específico da esfera de gestão educacional e das
instituições escolares, o currículo manifesta características de estilo, composição e
conteúdos que lhe são próprias. Além disso, a sua funcionalidade emerge das práticas
discursivas em que é mobilizado, através das quais assume o objetivo de orientar,
direcionar ou, muitas vezes, arbitrar – a depender da forma pela qual é referenciado - a
construção de contextos formativos, por meio da normatização de princípios político-
pedagógicos, conhecimentos e parâmetros metodológicos.
O currículo, assim como quaisquer gêneros discursivos, é resultado de “de uma
postura ativa do usuário da língua para efeitos comunicativos e expressivos” (MACHADO,
2010, p.158). Em sua estruturação se combinam múltiplas vozes que representam este
Outro Social falante que tem, no texto, recursos de expressão de um projeto enunciativo
materializador da discursividade. Essas vozes formam o que Bakhtin caracterizou como
polifonia, um processo em que ocorre a combinação de diferentes discursos na
configuração de uma prática ou registro enunciativo.
No discurso curricular, podem aparecer múltiplos registros de diversas matrizes que
85
Os estudos sobre epistemologia e currículo tem sido mais frequentes no âmbito das
investigações sobre o ensino das Ciências e no campo da Psicologia da Educação. A
frequência se explica pela emergência e consolidação do modelo de ensino construtivista
desde a década de 1980, o qual preconiza a abordagem do aluno como sujeito construtor do
conhecimento e do currículo como um programa aberto, flexível e contextualizado que
permita que essa dinâmica construtiva seja incorporada aos processos de ensino-
aprendizagem a partir da seleção de conteúdos, parâmetros e experiências compatíveis com
essa concepção.
Tem sido comum, nesse sentido, a inserção terminológica de expressões correlatas à
epistemologia aos estudos curriculares sob o prisma psicopedagógico, com foco primordial
ao modo pelo qual os mecanismos de gestão do conhecimento empreendidos nas práticas
de ensino podem superar dicotomias entre conhecimento científico e conhecimento escolar,
promovendo a construção de aprendizagens que decorram da significação e transferências
dos conteúdos curriculares, considerando os contextos cognitivos e sócio-culturais dos
alunos. A epistemologia está referida, nessas abordagens, a um tipo de referência
89
Conforme Sheibe, “no período de maio de 1999 a abril de 2005, no que se refere às
diretrizes para o curso de Pedagogia, constata-se um grande e significativo silêncio tanto
por parte do Ministério da Educação quanto do Conselho Nacional de Educação” (2007,
p.53). A autora destaca que alguns elementos concernentes ao curso de Pedagogia
apareciam somente na regulamentação do curso Normal Superior e em diretrizes para a
formação de professores em nível superior e para os cursos de licenciatura plena.
O silêncio citado por Sheibe (2007) foi quebrado quando da divulgação da minuta
de Resolução das DCN para os cursos de graduação em Pedagogia, no dia 17 de março de
2005. Esse documento, como afirma a autora, não foi bem aceito entre a comunidade
acadêmica por similarizar o curso de Pedagogia ao Normal Superior, por contrariar
princípios historicamente defendidos pelos movimentos de educadores e por representar a
ingerência de políticas neoliberais no campo da formação docente, implicando na
precarização, desvalorização e aligeiramento dos processos formativos, além da
minimização do papel da teoria e da pesquisa na formação do professor.
Na esteira de conflitos legais e posições teóricas e ideológicas diversas e sob a
intenção de representar, ao menos supostamente, um consenso em torno das proposições
sobre a função do curso de Pedagogia e da identidade do pedagogo, foram elaboradas, pelo
Conselho Nacional de Educação – CNE, as novas DCN para o respectivo curso, em 13 de
dezembro de 2005, com a presença de representantes das entidades ANFOPE,
FORUMDIR e CEDES. A aprovação do documento se deu no dia 21 de fevereiro de 2006
e sua homologação pelo Ministro da Educação ocorreu em 10 de abril de 2006 (BRASIL,
CNE, 2006). Ressalta-se que o processo de elaboração das DCN fora supostamente
emblemático do diálogo entre as proposições de formação do pedagogo, uma vez que
mesmo que se considere que este documento “[...] se configurou como uma solução
negociada, isso não significa que teria logrado obter o consenso da comunidade acadêmica
da área de educação” (SAVIANI, 2008, p.69).
As DCN são compostas por 15 artigos de normatização ambígua e ambivalente. O
documento estabelece a finalidade do curso de Pedagogia e o perfil profissional do seu
egresso – não há referência à figura do pedagogo – sem considerar pressupostos
epistemológicos que embasam uma concepção de Pedagogia, a qual deveria ter servido de
matriz para a construção de princípios para organização do currículo do curso. Talvez
derive principalmente desta circunstância, ao lado daquela referente aos impactos das
políticas neoliberais na formação dos profissionais da educação revelados na tendência de
92
contextos nos quais as IES estão inseridas foi a criação de núcleos de aprofundamento e
diversificação de estudos, “voltado às áreas de atuação profissional priorizadas pelo projeto
pedagógico das instituições” (BRASIL, Art. 6 – II, 2006). Muitas vezes, as IES não
possuem condições estruturais nem de recursos humanos para compatibilizar a oferta de
áreas de aprofundamento com a procura e expectativas dos alunos, mesmo que elas estejam
previstas na matriz curricular e no PPP do curso. A solução encontrada pela maioria das
IES é oferecê-las alternando-as durante os semestres letivos, o que diminui a possibilidade
de escolha por parte dos estudantes e as tornam muito mais uma imposição institucional
para a conclusão do curso do que uma oportunidade que o sujeito em formação possui para
diversificar e aprofundar estudos sobre um determinado campo de atuação profissional.
Os espaços de educação não-escolar que tem se constituído, desde a década de
1990, como um campo emergente de práticas profissionais desenvolvidas por pedagogos,
aparecem, nas DCN, como objeto de desenvolvimento de estudos e competências no curso
de Pedagogia, ainda que o texto referente encerre lacunas conceituais, metodológicas e
técnicas. O parágrafo 4° do Artigo 5° do documento prerroga que o pedagogo deve estar
apto a “trabalhar, em espaços escolares e não-escolares, na promoção da aprendizagem de
sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e
modalidades do processo educativo” (BRASIL, 2006).
Contudo, mesmo possuindo margens de possibilidades para diversificação do
processo formativo inicial do pedagogo, as agências de formação enfatizam a docência
escolar como eixo central de articulação dos conhecimentos pedagógicos, constituindo-se
como campo de atuação prioritário e servindo como parâmetro de intervenção profissional
no contexto dos processos de ensino-aprendizagem não-escolar. Essa assertiva torna-se
perceptível quando se observa que o discurso das DCN se concentra na docência escolar de
tal modo que destitui o tema “espaço não-escolar” de fundamentos específicos que
orientem a atuação do pedagogo nesse espaço, uma vez que “para a formação do
licenciado em Pedagogia é central: o conhecimento da escola” (BRASIL, Art. 3, 2006).
Ou seja, na medida em que emergem e se consolidam novos espaços educativos e
de atuação profissional do pedagogo, a formação pedagógica se concentra no âmbito da
dinâmica institucional escolar, sugerindo que os profissionais que mediam as práticas
educativas não-escolares desenvolvam empiricamente, de modo assistemático, intuitivo e
espontaneísta as competências necessárias à sua prática intervencionista.
Quando se refere aos impactos do associativismo do terceiro setor na emergência de
94
práticas educativas não-formais, Gohn destaca que “observa-se uma ampliação do conceito
de educação, que não se restringe mais aos processos de ensino-aprendizagem no interior
das unidades escolares formais”(2005, p.7). Contudo, como esta autora afirma, “até os
anos 80, a educação não-formal foi um campo de menor importância no Brasil, tanto nas
políticas públicas quanto entre os educadores”(2005, p.91). Tal circunstância histórica
contribuiu para o afastamento do objeto “não-escolar” do âmbito de reflexão pedagógica e
na consequente ausência de pedagogos intervindo nos mesmos. Isso implica, ainda, no
esvaziamento teórico da produção científica específica na área, assertiva corroborada por
Zuchertti e Moura, quando afirmam que os resultados das pesquisas valorizam mais as
“experiências do que a reflexão em torno de discussões epistemológicas de uma educação
no campo social, voltadas para as particularidades e resultados dos processos educativos”
(2007, p.3).
Superficialmente, pode-se pensar que as DCN traduzem princípios que permitam
novos engajamentos profissionais ao egresso do curso de Pedagogia, contribuindo, dessa
forma, com a recomposição de sua profissionalidade e, não obstante, com a colocação de
novas perspectivas para o seu trabalho e empregabilidade. Essa perspectiva tem sua
efetivação dificultada devido à problemática da docência como base identitária da
formação do pedagogo e da própria constituição da Pedagogia, e da suposição ingênua de
que o licenciado em pedagogia formado para atuar na docência na Educação Infantil e nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental terá subsídios e desenvolverá competências que
qualifiquem processos de intervenção profissional em espaços de educação não-escolar,
sequer nos cargos de gestão pedagógica da escola.
A concepção de docência basilar se configura como um princípio historicamente
defendido pela ANFOPE e pelas demais entidades que compartilham entre si o consenso
de que o fundamento de identidade e ação de qualquer profissional da educação é o
conhecimento e a prática do ensino em sala de aula. O problema é que as DCN ampliam
demasiadamente a concepção de ação docente, desconfigurando-a e redundando-a com os
processos de gestão e investigação pedagógicas. A confusão que se explicita no uso
indevido de categorias como docente e pedagógico, tratando-o como sinônimos, não é algo
que se restrinja apenas ao discurso das DCN. Na realidade, ela decorre da profusão que
marca a inserção da categoria “pedagógico” na literatura educacional e no cotidiano das
instituições educativas. Ferreira (2008) alerta para a necessidade de que, ao se discutir
questões relacionadas a essa categoria, seja definido o aspecto do objeto para o qual o
discurso se volta. Esta autora problematiza que se costuma usar a categoria para fazer
referência a inúmeros aspectos da dinâmica escolar, da ação do professor, da gestão
95
educacional etc, a tal ponto que “quando se fala em pedagógico pode-se, paradoxalmente,
falar de tudo e de quase nada” (FERREIRA, 2008, p.178). Não é incomum o termo
“pedagógico” ser mobilizado no discurso como equivalente ao termo “metodológico” e a
expressão “formação pedagógica” designando o mesmo objeto que a “formação docente”.
A projeção discursiva da categoria pedagógica como equivalente e sintetizada em
outra categoria, como é o caso da “docente”, sinaliza uma postura epistemológica que
subsume a Pedagogia na prática da docência, o que implica em uma distorção
epistemológica discutida por autores como Libâneo (2002) quando o mesmo afirma que
reduzir a Pedagogia ao aspecto docente consiste num equívoco lógico-conceitual, já que
estar-se-á limitando um campo epistemológico a um de seus eixos constitutivos.
Considerando que o objeto da Pedagogia são as práticas educativas em toda sua
dinamicidade sócio-histórica e pluralidade existente, deve-se considerar que “a docência
subordina-se à pedagogia, uma vez que o ensino é um tipo de prática educativa”
(LIBÂNEO, 2002, p.67). Em outro texto, Libâneo e Pimenta, ao elaborarem uma crítica de
contraposição ao princípio da docência como base da Pedagogia defendido pela ANFOPE,
esclarecem que
Vale ressaltar que o contexto histórico que deu lugar a emergência desse princípio
no seio da ANFOPE foi o de renovação de princípios educacionais que implicaram na
ressignificação da ação do professor e refletiram na construção de expectativas políticas
em torno do tipo de formação que deveria ser empreendido para a construção de um perfil
docente alinhado às novas demandas então construídas. A rejeição ao modelo tecnicista e à
imposição de mecanismos de controle expressos na ação dos especialistas da educação
foram elementos que determinaram a instituição de um discurso que ascendia a docência à
condição de base constitutiva de todo profissional da educação, independente do cargo que
desempenhasse, mesmo que os fundamentos teóricos e epistemológicos desse discurso não
tenham sido justificados. Desse modo, cabe pensar que, diante da rápida expansão e
aceitação desse discurso na esfera educacional, a apropriação das concepções que ele
veiculou não aconteceu de modo crítico, já que expressam impropriedade e falta de clareza
conceitual.
96
O que ocorre, pois, é que o trabalho escolar tem sua especificidade, ainda
que não descolada dos seus vínculos com a organização social e
econômica da sociedade. O trabalho pedagógico escolar tem uma
natureza não-imaterual, não se aplicando a ele, de modo pleno, o modo
de produção capitalista. O conhecimento como objeto de trabalho na
escola é inseparável do ato de produção, e esta capacidade potencial
ninguém retira da pessoa que conhece. Isso significa que os resultados do
processo de trabalho escolar, bem como as formas de organização interna,
não estão preordenados pelo capital (2006, p. 858).
Por essa razão, Rodrigues e Kuenzer (2007) analisam que as DCN são reflexos da
epistemologia da prática, uma tendência explicativa da racionalidade que estrutura a
98
Tais reformas foram desdobradas a partir das imposições normativas que se sucederam no
percurso de implementação dos marcos regulatórios do curso em nível nacional. Ou seja,
elas podem ser consideradas expressão local de efeitos de determinações político-
institucionais do MEC/CNE no que se refere à regulamentação da organização e
funcionamento do curso de Pedagogia no Brasil. Desse modo, as alterações empreendidas
pelas reformas se colocam na esteira daquilo que foi sendo instituído como princípios
organizadores da formação do pedagogo brasileiro no decorrer das transformações
relativas aos modos de institucionalização do curso de Pedagogia.
A organização textual do PPP é composta por sessões de identificação e
apresentação do documento, contexto histórico e jurídico-institucional do curso de
Pedagogia, aspectos de justificativa e fundamentação teórico-metodológica, características
formativas, perfil e campo de atuação do pedagogo e, finalmente, por elementos da
composição e organização curricular, seguidos por uma compilação de referências técnico-
científicas que fundamentam o discurso formativo expresso neste documento.
Inicialmente, concentrar-se-á na perspectiva de significação de Pedagogia
imbricada no discurso que o PPP representa. A análise dessa perspectiva segue um fio
condutor que considera tanto elementos presentes no discurso, quanto aqueles que não
aparecem, como forma de explicar determinados modos de configuração de significado
atribuído à Pedagogia. Os elementos ausentes do discurso são objeto de uma crítica que
pretende evidenciar que a presença/ausência de determinados elementos se justifica pela
adoção de matrizes de significação que adquirem lugar e relevância no texto em virtude de
opções teóricas, metodológicas, políticas e institucionais dos sujeitos que o assina.
Não há identificação formal de uma perspectiva de significação epistemológica de
Pedagogia enquanto área de conhecimento, havendo, somente, uma definição do curso de
Pedagogia como algo que “trata do campo teórico-investigativo da educação, do ensino, de
aprendizagens e do trabalho pedagógico que se realiza na práxis social” (UFPB, 2006,
p.14). A ausência dessa perspectiva como um marco mediador da organização do curso é
substituída por inúmeras exortações ao papel político e social do pedagogo, considerando
as demandas de educação próprias da contemporaneidade. Marcas dessa condição são as
expressões repetidamente utilizadas no texto, quais sejam, “compromisso social”,
“sociedade justa”, “consciência crítica”, “emancipação de classes”, “justiça social” etc.
Dois aspectos problemáticos sobressaem diante dessa consideração. Primeiramente,
depreende-se que há uma falta de clareza no que concerne à identidade da Pedagogia como
campo de conhecimento e como um curso de formação profissional. Na realidade, a
102
comuns que aproximam os textos e explicitam o fato de haver um discurso que em alguns
trechos é reportado a outro discurso, explicitamente, e em outros se esconde nas
entrelinhas do texto, mas podem ser caracterizado devido à sua influência na constituição
de determinadas características de conteúdo do documento, no caso do PPP em relação às
DCN.
A interdiscursividade é uma categoria tipicamente bakhtiniana e se refere, de modo
geral, a “qualquer referência ao outro, tomado como posição discursiva: [...] alusões,
estilizações, citações, ressonâncias, repetições, reprodução de modelos [...]” (FIORIN,
2005, p.165). Essa categoria serve para demonstrar que os enunciados que materializam o
discurso e tomam forma no texto são encadeados em outros discursos, visando utilizar-se
de referências de um discurso outro para elaboração de significados de forma
permanentemente dialógica, sobretudo porque
em sua ementa, transcrita abaixo. Essa disciplina é ofertada, segundo a matriz curricular,
no segundo período letivo do curso, ao lado de outras disciplinas de natureza teórica, as
ditas disciplinas que fundamentam a educação.
Com um amplo leque de temas que dão origem a abordagens complexas que,
inclusive, se distanciam entre si, essa é a disciplina que representa o espaço de reflexão
epistemológica sobre o conhecimento e os fundamentos para “uma” Ciência da Educação.
O artigo indefinido “uma” parece expressar a dúvida, a indefinição, ou até mesmo a
desconfiança, de que a Ciência da Educação possa existir ou possa ser constituída. A base
epistemológica do conhecimento pedagógico não é inscrita como conteúdo/princípio/eixo
da disciplina. Essa base poderia ter sido inscrita também em disciplinas como Pesquisa
Educacional e Filosofia da Educação, haja vista a sua aproximação com temas
relacionados aos princípios e processo de construção do conhecimento, porém isso não
existe.
A compreensão do significado epistemológico da Pedagogia certamente
possibilitaria que o estudante e o professor formador do curso articulassem, sob os
princípios que configuram a base do conhecimento e das práticas pedagógicas, os diversos
conhecimentos dispersos pelas disciplinas de fundamentação da educação. A partir da
compreensão dessa base, ficaria mais viável coordenar o amplo conjunto de referências
sobre as dimensões que perfazem o objeto educacional e que, no currículo contido no PPP,
são distribuídas nas disciplinas teóricas ligadas às abordagens filosóficas, psicológicas,
sociológicas, econômicas, históricas da educação.
É comum a crítica ao currículo fragmentário e à dispersão dos conhecimentos
nessas disciplinas teóricas. As disciplinas não estão articuladas e representam enfoques
sobrepostos que, em alguns casos, são até divergentes. Nesse sentido, vale salientar que
curso. Tais disciplinas aportam discursos de natureza variada sobre a educação enquanto
fenômeno geral e fornecem uma matriz de referência que subsidia os processos formativos
desenvolvidos nas demais disciplinas.
objeto no campo da Pedagogia ou pelo menos da educação. Trata-se de uma disciplina que,
embora traga o atributo “Educacional” em seu título, abrange um conteúdo genérico sobre
a investigação científica e seus princípios e operações mais gerais, sem especificar
tradições teórico-metodológicas e temáticas pertinentes ao próprio campo da pesquisa em
educação. Ainda assim, considera-se que esta disciplina pode exercer um papel central na
construção da identidade do campo pedagógico e educacional, em sua dimensão de objeto
de estudos, pesquisas e produção de conhecimentos.
O discurso formativo que se expressa no PPP e na organização curricular do curso
de Pedagogia é, conforme já destacado anteriormente, uma construção de significados
orientadores das práticas de ensino-aprendizagem no curso. O discurso, porém, não se
encerra no texto escrito, mas se concretiza nos atos de enunciação. Na realidade, se
estabelecem no contexto de interação e uso social da linguagem ocorrido no dia-a-dia do
processo prático de desenvolvimento curricular, na gestão do conhecimento em sala de
aula, no seio da relação pedagógica entre professores, estudantes e conhecimentos. Nesse
sentido, os significados da formação constituem um conjunto de referências diversas
entrecruzadas e transgridem a formalização que é feita pela organização curricular.
Isso inspira uma análise de como os professores formadores, sujeitos que
constroem e desenvolvem o currículo, mobilizam e ressignificam as influências formativas
a partir de significações de Pedagogia e de representações sociais sobre o curso, o seu
aluno e o trabalho que é desenvolvido em sala de aula. Voltar o olhar para os modos de
significação e representação social dos professores formadores pode explicitar como os
significados formativos inscritos no PPP são traduzidos no contexto de suas práticas
profissionais e quais os desafios enfrentados pela proposta de dar centralidade ao aspecto
epistemológico da Pedagogia enquanto matriz de mediação entre os objetivos, a natureza
do curso e o trabalho que deve ser desenvolvido em cada disciplina curricular. Essa
discussão será feita no próximo capítulo a partir da pesquisa empírica com esses sujeitos.
111
perspectiva dialógica que suplanta a concepção de análise que isola, de forma restrita e
restringente, o discurso do sujeito como uma fala livre ou pura, sem lugar social, sem estar
atrelada a elementos ideológicos e estruturais. Tais elementos perfazem as esferas de uso
da linguagem, aproxima o discurso de uma cadeia de enunciados que concretizam a
atividade discursiva e explicitam a natureza coletiva da docência, de modo a considerar
que “as práticas profissionais, ao mesmo tempo em que dependem de decisões individuais,
organizam-se também a partir de normas coletivas adotadas pelos professores e pelas
regulações burocráticas e administrativas da organização escolar” (FRANCO, 2011,
p.165). É importante destacar que essas noções expressam um modo dialógico de
compreender os processos de criação e mobilização de representações sociais, haja vista
que “[...] a representação pertence ao „entre‟ da comunicação humana e da ação social e
não é produto de mentes individuais fechadas em si mesmas” (JOVCHELOVITCH, 2008,
p.73). Com efeito, as representações sociais são constituídas no interior de práticas
dialógicas de interação social, nas quais cada enunciado que materializa o discurso se
configura como “um elo da cadeia muito complexa de outros enunciados” (BAKHTIN,
2006, p.291).
O discurso curricular formalizado no PPP analisado se constitui numa dessas
normas e será referenciado como um elemento regulador da ação do professor, com o qual
as perspectivas de ensino devem se coadunar, visando estabelecer uma relação de
correspondência entre o que é declarado enquanto princípio e parâmetro organizativo do
curso e aquilo que, de fato, é praticado pela ação do professor formador.
A significação de Pedagogia será compreendida por meio de acessos permitidos
pela descrição e análise do discurso e de representações sociais identificadas em torno do
conhecimento pedagógico, do perfil identitário do pedagogo e do próprio curso de
Pedagogia. A análise está sistematizada em eixos que representam dimensões analíticas
específicas para que o objetivo de investigar as significações de pedagogia e as
perspectivas de ensino dos professores formadores seja efetivado. Na realidade, a
significação, enquanto atividade discursiva estruturada por representações sociais,
atravessa todos os eixos sem estar restrita a um ou outro conteúdo ou elemento que a
represente.
Feitas essas considerações, será iniciada a análise do discurso dos professores
formadores do curso de Pedagogia assinalada pelo objetivo que orienta este trabalho,
precedida de uma contextualização relativa ao papel desse sujeito na formação em nível
superior, a partir da referência a marcos teóricos da Pedagogia Universitária e aos desafios
contemporâneos que performam o panorama das perspectivas de ensino na Educação
113
Superior.
(in)viabiliza para isso. Na sua enunciação: “a Universidade quer que eu seja (...) aquilo que
eu faço, sem se preocupar com o fato de que o que eu não sou, ou não posso ser, às vezes é
resultado do que ela não faz” (PF – DI). O movimento de relacionar a natureza
institucional de suas práticas e a sua razão profissional de ser revela que o professor
formador se concebe como membro de uma instituição cujos efeitos administrativos e
organizacionais mantém ingerências diretas na construção dos seus trajetos de
identificação e experiências profissionais. Essa circunstância reforça o princípio dialógico
de conectar a dimensão estrutural das esferas de uso da linguagem com a atividade humana
e o discurso praticado pelo sujeito, marca típica da análise do discurso numa perspectiva
bakhtiniana (BAKHTIN, 1992), como também explicita a tênue linha que separa a
condição da representação social enquanto saber e o espaço de comunidade construtivo
desse processo representacional (JOVCHELOVITCH, 2008).
Assim como esse professor formador, outra professora, ao buscar explicitar sua
posição sobre a atual conjuntura do curso de Pedagogia no Brasil, faz um comentário sobre
os marcos históricos de mudanças no campo da Educação Superior se coloca da seguinte
maneira:
Estou aqui (na Universidade) desde os anos oitenta. Então eu meio que
presenciei mesmo as mudanças que aconteceram na formação
universitária nesse tempo todo, não é? De lá para cá, digo. E sabe o que
eu percebo hoje? O Centro de Educação era um dos primeiros centros da
UFPB a mudar, a aceitar os programas de ensino e tudo! Só que as coisas
concretas, o cotidiano de trabalho nosso, pouco mudou. Claro! Mudaram
as normas, as leis, os princípios, mas na prática as condições são quase as
mesmas. Na verdade, hoje eu vejo que as pessoas estão mais sem
entusiasmo, sem esperança mesmo, porque sabem que, no fundo, as
coisas vão sempre permanecer como estão (...) Isso é triste (PF – PsE1).
É cada vez mais difícil para nós atingirmos o aluno e motivá-lo (PF –
FE).
Não sei se nós temos tido essa competência de fazê-los refletir sobre isso
[...] (PF-EE2).
campo da Educação Superior atravessam a significação, fazendo com que questões acerca
da finalidade da Universidade, do conhecimento, da institucionalização das práticas
formativas e de critérios e índices que expressam sua qualidade, sejam cada vez mais
relevantes à compreensão de quais são os perfis do professor formador e de quais
elementos ele precisa mobilizar para construir suas perspectivas de ensino.
Outras questões se imbricam na compreensão desses perfis, os quais abrangem um
horizonte vasto de caracterização, como por exemplo o perfil identitário, de formação, de
atuação, o perfil psicológico, sócio-demográfico etc. Especificamente, os perfis de
formação e de atuação do professor formador consitituem uma dimensão de análise que
adquire importância nesse trabalho por se concentrar nos trajetos de profissionalização e
profissionalidade percorridos por estes sujeitos e fornecem dados para compreender a
presença e a ausência de determinados elementos no processo de significação da
Pedagogia. No próximo tópico, esses perfis serão construídos e analisados para que se
passe, então, às analises acerca dos modos de significação da Peagogia e das
representações sociais neles imbricadas.
diplomas nesse nível de formação, assim como 01 (um) professor não possui curso de
Doutorado.
Em sua maioria, os professores formadores ministram disciplinas dos
fundamentos da educação, já que essas disciplinas constituem o maior número daquelas
que, após a análise do discurso curricular feita no capítulo anterior, foram mapeadas para
servirem de referência à escolha dos professores formadores que seriam entrevistados.
Comumente, para ministrar essas disciplinas, a posse de diploma de graduação em
Pedagogia e de mestrado/doutorado em Educação não se configura como requisito
determinante do ingresso do professor que irá ministrá-las nas IES. Essa compreensão tem
sido criticada por diversos aspectos, dentre os quais as implicações que a demasiada
abertura às áreas de graduação e pós-graduação na seleção de professores para atuarem no
curso de Pedagogia tem diante ao problema da gestão intertransdisciplinar dos conteúdos e
a coordenação curricular dificultada pela especialização da formação dos professores
formadores diante da abrangência e multiplicidade do currículo do próprio curso.
Devido à falta de clareza da relação que existe entre os conteúdos das disciplinas
de fundamentação da educação e a natureza da Pedagogia, presume-se que a questão da
legitimidade de um Doutor em Sociologia, por exemplo, que ministra a disciplina de
Sociologia da Educação é inquestionável e que, sendo essa disciplina um desdobramento
da própria ciência sociológica, um Doutor em Educação teria um desempenho de menor
qualidade no desenvolvimento da mesma. Essa forma de conceber os requisitos de
titulação para atuação no curso de Pedagogia revela a representação da educação como um
simples campo de aplicação de conhecimentos exógenos a ela e que a área, assim como o
pedagogo, demanda a tutela de outro profissional com um perfil que não é necessariamente
de pesquisador em educação para lhe dar suporte, além de reafirmarem a conduta
acadêmico-institucional de “[...] pressupor que o campo pedagógico seja composto de
fragmentos de outras ciências” (FRANCO, 2008, p.115).
Em sua maioria, os professores formadores possuem, pelo menos, 01 (um) título
acadêmico na área de Educação, excetuando-se um professor que possui todas as suas
titulações em “áreas afins”, expressão que designa um conjunto de ciências que mantém
alguma relação com os estudos educacionais e pedagógicos.
124
Como entrei no curso por vocação, me formei como uma boa professora
preparada para o ofício de ensinar. Então quis ser professora do curso de
pedagogia...dar prosseguimento. (PF – PsE2).
docente, em detrimento do ser psicóloga. Ela diz que: “sou muito mais professora do que
psicóloga. Todo mundo sabe disso. Eu investi muito nisso. Não gostaria jamais de sair do
curso de Pedagogia” (PF-PsE1).
Além disso, uma professora formadora pedagoga recorreu à avaliação de seu
desempenho do curso, como discente, para justificar e legitimar o lugar que ela ocupa
como docente hoje. Quando indagada acerca de como ela mantinha uma relação de
identificação com o curso de Pedagogia, ela demonstra a obviedade da resposta, quando da
repetição da pergunta no início da resposta como mecanismo de reforço de ideias, ao
atribuí-la da seguinte forma:
vincula ao curso de Pedagogia de modo que, sendo que para eles este um curso
representado como lócus de formação docente, teriam oportunidades e elementos
disponíveis para colaborar com a transformação de uma realidade, cujas dificuldades,
desafios, obstáculos e possibilidades já lhes são reconhecidas, por intermédio dessa
experiência prévia.
Consequentemente, observou-se também que, como a maioria dos professores
formadores tinha atuado como docentes nessas experiências sucedidas na Educação
Básica, havia um evidente viés que direcionava a significação do curso de Pedagogia para
um campo de representações atravessados por discursos sobre a docência escolar,
sinalizando que o processo de ancoragem da representação social do curso de Pedagogia se
configura pela incorporação das imagens da escola, criança, aluno, professor, por exemplo,
como será discutido nos tópicos consecutivos
Os professores formadores atuaram nessas experiências numa faixa de tempo de
duração que vai de 04 (quatro) a 20 (vinte) anos. Considera-se que este tempo é
substancialmente importante comparado ao fato de que, conforme indica Ludke (1996), até
os cinco primeiros anos de atuação profissional os professores são considerados iniciantes
e que, como os professores possuem, em sua maioria, experiências prévias que se
sucederam num tempo que ultrapassa cinco anos na escola de Educação Básica, sua
iniciação na carreira docente foi feita justamente no âmbito da Educação Básica. O que
quer dizer que o processo de construção, mudança e afirmação de representações, hábitos e
práticas que envolvem a sua profissionalidade é influenciado fortemente pelas dinâmicas
de socialização profissional que marcam esse âmbito. As experiências que se deram após
esse tempo de socialização profissional na escola de Educação Básica são, desse modo,
significadas e encadeadas entre si a partir de um conjunto de valores, representações,
expectativas e elementos subjetivos que repercutem do contexto em que se deu a passagem
da fase de professor iniciante, sobretudo quando se considera que “[...] pré-concepções e
comprometimentos podem se relacionar com a trajetória do professor enquanto estudante e
são construídos durante os anos iniciais da experiência docente” (MIZUKAMI, 1996, p. 63).
Considerando o exposto, é possível que a forte identificação dos professores
formadores com o curso de Pedagogia por ser um curso de formação docente seja
justificada pela existência de um trajeto de reconhecimento de si que leva esses sujeitos a
recuperarem as suas trajetórias profissionais na escola da Educação Básica e valorizarem o
que isto significa para cada um, como professores que atuam em um curso que, no modo
como representam, deve formar professores para um contexto que ele já conhece e já
experienciou profissionalmente.
132
E se a gente não discute isso, primeiro fica aquela coisa: “Sim, mas eu
sou o quê?; O que é essa pedagogia? O que é esse termo quando eu
assumo, pedagogo?; Que referência eu tenho com isso?; O que é que eu
sou?; Eu sou professora, eu sou coordenadora...” Preciso me situar nos
diversos campos e preciso entender (PF-DI).
Eu nunca parei para pensar sobre isso. Na verdade, as pessoas estão tendo
consciência dessa indefinição (PF – PsE1).
2000, p.27).
Reconhecendo que a discussão epistemológica não é feita e que ela teria espaço
relevante na contextura que compõe o curso de Pedagogia, os professores formadores
apresentaram, quando solicitados a falarem sobre o que significa a Pedagogia para eles,
definições gerais pouco consistentes. Como não explicitaram os caracteres epistemológicos
que as constituem, se reportaram às representações sociais sobre o conhecimento
pedagógico, a formação e a profissão/atuação/aluno de Pedagogia para se fixarem em um
campo que lhes permitisse formular alguma definição resultante desse processo de
significação. A dificuldade de conceituação epistemológica geral é evidente a partir da
observação desses três trechos extraídos dos enunciados dos professores formadores:
Ta aí, você me pegou! (risos). Sabe que eu não sei?! Eu vejo a pedagogia
como o campo das possibilidades. Essa coisa assim que, ao mesmo tempo
que tem as limitações de tudo, de atuação, por outro lado ela é de verdade
assim (pausa)...É...um campo de possibilidades mesmo. De
aprendizagens, de conhecimento, de libertação, tipo é uma forma da
pessoa conseguir status. Um termo assim, pra dizer assim Pedagogia é
isso, não sei, eu não consigo dizer não (risos) (PF – DI).
[...] Por que a educação para mim está acima da pedagogia. Tem muito
mais coisas que a pedagogia não dá conta, por exemplo entender de
conjuntura social independente do que está colocado no campo da escola
e ver que isso interfere na escola; entender de relações econômicas que a
escola não trabalha (PF – DI).
Eu acho que a pedagogia é uma área de saber para tornar as pessoas mais
partícipes da vida social (PF – SE).
A pedagogia é, portanto, esse instrumental que eu vou ter que para ajudar
o humano nessa potencialização do ensino-aprendizagem (PF – EE1).
Essa perspectiva de avanço é sublinhada por outro professor formador que discute
que “a pedagogia hoje passa por um momento de avanço, especialmente no campo da
política” (PF – PE2). Considera-se que esses avanços não implicam garantias de superação
142
A crítica à generalidade traz embutida uma tentativa de chegar até uma reflexão
sobre a natureza da própria Pedagogia. Sendo assim, ainda que não dimensionem uma
discussão especificamente em torno da epistemologia da Pedagogia, o discurso dos
professores formadores reflete a existência de uma tentativa de compreensão de algo que
possa ser o núcleo duro, a essência, a matriz identitária da própria Pedagogia. A
143
Olha, atualmente eu não acho que esse seja o problema não. Até na época
em que eu era estudante, nós, do Movimento Estudantil, fizemos um
evento sobre a identidade. Só que eu acho que hoje é mais uma coisa de
como o curso tem que corresponder à prática, sabe? Tem muita teoria,
muita conversa e pouca ação (PF – EE2).
Nos trechos acima, os professores se referem à relação entre teoria e prática como
um aspecto problemático central do curso de Pedagogia, criticando o fato desse curso ter
um currículo organizado mais em torno do estudo de teorias e menos em experiências e
investigações no campo das práticas educativas. A discussão da identidade do curso de
Pedagogia também tem sido colocada no campo da relação entre a teoria e a prática
pedagógica, já que, a depender do modo pelo qual o conhecimento pedagógico for
145
[...] sempre pensando que esta turma vai atuar como pedagogo junto à
infância e à juventude. Todas as minhas observações e os exercícios que
eu passo estão dentro desse enfoque (PF – PsE1).
O pedagogo é formado para tanta coisa sem uma formação específica que
no final ele não está habilitado para nada (PF – FE).
A minha disciplina dá toda uma base para esse pedagogo que vai
trabalhar com infância, com crianças (PF – PsE2).
mesmo a definição que fizeram para a Pedagogia foi mais específica, mais coerente,
melhor elaborada.
A representação do pedagogo como profissional da educação escolar e não-escolar
apareceu atrelada à ideia de Pedagogia como uma ciência produtora de conhecimentos
mais amplos e abrangentes, os quais transcenderiam a concepção de conhecimento
pedagógico enquanto um saber meramente técnico-instrutivo, tal como pode ser
depreendido do trecho da enunciação de um professor formador, transcrito a seguir:
[...] no curso de Pedagogia não se faz essa discussão. Durante o curso não
é feita essa orientação para que o aluno entendesse a Pedagogia [...] Só
que em toda aula de Pesquisa a gente discute isso, porque,
inevitavelmente, a gente chega a essa conclusão de que o curso tem uma
identidade frágil (PF – PE1).
Quando perguntada acerca de como a disciplina ministrada por ela favorecia, aos
alunos, a construção de significados para a Pedagogia, a professora afirmou que, já que
nem ela mesma havia pensando no que consiste ser a Pedagogia, o trabalho que desenvolve
não focaliza a dimensão da significação necessária para os alunos apreenderem e
mobilizarem elementos que lhes permitam se localizar no curso, sabendo sua
especificidade, e constituírem um perfil profissional referenciado por essa significação.
Nas palavras da professora formadora
Desse jeito eu acho que não (risos). Porque se eu nunca parei para pensar
na pedagogia desse jeito, não é? Eu nunca tive essa intencionalidade.
Agora eu confesso que irei parar para pensar. Pode até ser que alguém
tenha fugido ao meu controle, mas acredito que se eu não tinha essa
intenção acho difícil eles terem visualizado isso. Como pedagogia eu
acho que não ajudei aos alunos construírem significados não (PF – DI).
[...] um espaço de trabalho isolado onde ele repete o que aprendeu no seu
curso de origem. Por exemplo, um professor que ministra a disciplina de
Sociologia da Educação vai querer ensinar uma síntese do que aprendeu
no seu curso de Sociologia. Aí o aluno se perde quando pensa no que está
fazendo no curso de Pedagogia. É como se ele não soubesse por que
existem todas aquelas disciplinas. Elas não se relacionam. Os professores
não conversam. Falta diálogo mesmo (PF – EE2).
[...] a coordenação devia ser mais presente, devia planejar encontro com
todos os professores de todos os departamentos. Às vezes deixamos de
comunicar boas experiências e de compartilhar coisas porque falta esse
diálogo, sabe? É uma coisa que ainda falta aqui na UFPB. Eu tenho a
impressão que é tudo muito solto (PF – PE2).
160
disciplinas práticas. Assim, não ocorreria uma integração total, a qual configura a unidade
curricular. O seguinte trecho ilustra bem essa compreensão dos professores formadores.
Olha, eu acho que falta mais relação entre o início do curso e o fim.
Porque eu estou dizendo isso? Bem, porque o início é bem teórico e o
final é mais prático. Daí fica aquela coisa de o aluno ver o curso dividido
e desarticulado. Acho que esse é um dos principais problemas daqui do
curso de Pedagogia (PF – FE1).
com referenciais que lhes possibilitem construir uma racionalidade capaz de operar
problematização contextualizada e a reflexão crítica das questões que perfazem o campo
pedagógico. Nesse sentido, o problema da Pedagogia e a identidade do campo pedagógico,
em sua interface com questões políticas e sociais, devem se constituir como principais
referências a serem consideradas pelos professores formadores para a construção das
perspectivas de ensino.
Na medida em que a Pedagogia se constituir como matriz mediadora da construção
das perspectivas de ensino dos professores formadores, a relação teoria-prática, colocada
pelos sujeitos como o principal eixo de organização do curso de Pedagogia, seria encarada
de forma diferente. De um plano meramente aplicacionista ou restrito às articulações entre
disciplinas de fundamentação e disciplinas de prática ou estágio, essa relação passa a ser
vista como um aspecto orgânico que caracteriza não só a articulação entre disciplinas, mas
a própria natureza das mesmas. Isso quer dizer que a significação da Pedagogia como
Ciência Práxica da Educação (FRANCO, 2008), implica o reposicionamento do status
epistemológico e didático das disciplinas curriculares do curso, configurando-as como
espaços de mediação teórico-prática entre o estudante e o problema pedagógico, uma
categoria que sintetiza a grande diversidade de aspectos e questões relativas ao universo
dos processos de formação humana, escolares e não-escolares.
Os professores formadores apontam que o curso de Pedagogia deve ser uma
instância de reflexão dos problemas reais enfrentados no cotidiano dos educadores. Isso
aproximaria os estudantes de dilemas vivenciados na concretude da profissão e permitiria
que a Universidade ampliasse seu relacionamento com a sociedade, operando, por meio
dos dispositivos institucionais, estratégias que garantem a efetivação de sua
responsabilidade e compromisso social. A preocupação dos professores formadores é de
criar um contexto de aprendizagens voltadas às necessidades da profissão do pedagogo, ora
como professor de crianças ora como profissional da educação num sentido mais amplo,
contudo não configuram a Pedagogia como uma matriz mediadora da construção das
perspectivas de ensino. Eles afirmam que:
Como não pedagoga que sou, acho que o mais importante do curso de
Pedagogia é a relação teoria-prática. Ela deve ser o grande norte. Pode até
ser que alguém me critique com isso, mas eu penso dessa forma (PF –
PsE3).
Por isso mesmo, a simples inserção dos alunos em situações de prática não garante
que o modo de racionalidade capaz de operar o pensamento dialético diante da
problemática pedagógica seja instituído. A prática deve ser teoricamente planejada e
reflexiva e criticamente experienciada, senão não passa de um cenário vazio de
possibilidades de construção de saberes pedagógicos, os quais, conforme argumentação
anterior, não se nutrem apenas da experiência dos sujeitos, pois emergem da práxis
pedagógica em sua complexidade.
Considera-se que, de fato, a inserção dos alunos nas práticas educativas é um
princípio formativo e uma estratégia didática que desloca a formação inicial de pedagogos
do eixo da teoria descontextualizada, algo que tem sido constantemente criticado ao longo
da história do curso de Pedagogia, porém, conforme destaca Saviani, é importante que, nos
primeiros períodos do curso, os estudantes tenham mais a oportunidade de acesso,
aprofundamento e reflexão das teorias da Pedagogia, as quais fundamentarão as suas
práticas profissionais. Este autor discute que como os estudantes de Pedagogia já vem de
um percurso de escolarização que compreende, no mínimo, 11 (onze) anos, os mesmos
possuem uma experiência de familiarização com as dinâmicas escolares e que, nos
primeiros períodos do curso, “[...] parece mesmo recomendável que eles se distanciem da
escola básica; vivam intensamente o clima da universidade; mergulhem nos estudos dos
clássicos da pedagogia [...]” (SAVIANI, 2008, p.153). Presume-se que, assim, os
estudantes serão preparados para se inserirem na prática confrontando-a com as
representações construídas ao longo da sua escolarização, com as novas formas de
representação emergentes ao longo do curso e com os subsídios teórico-metodológicos
fornecidos pelas disciplinas curriculares, o que oferece mais e melhores condições para que
165
Meu aluno hoje não lê os textos. Meu aluno hoje tem uma dificuldade de
ler, de entender o que está lendo. Junta a dificuldade gramatical com a
falta de uma leitura do mundo [...] Os alunos se formam dizendo que o
curso é muito teórico e quando chegam na prática acham que a escola é
uma bagunça (PF – PsE3).
166
percebe que durante os primeiros períodos letivos, tais estudantes acabam se envolvendo
com as disciplinas teóricas por elas ampliarem os horizontes do pensamento e os
colocarem em contato com tradições acadêmicas que fazem da Universidade um espaço
diferente de tudo o que havia experienciando na escola de Educação Básica. Outra
professora formadora assinala que o ingresso do sujeito na Universidade é para ele mesmo
uma oportunidade de conhecimento, de aperfeiçoamento, de desenvolvimento humano e
que, diante das possibilidades que as tradições acadêmicas comportam, “isso enche os
olhos dos estudantes” (PF – PsE3).
Nesse sentido, os professores formadores devem construir perspectivas de ensino
que despertem o estudante do curso de Pedagogia para a vivência do clima de desafio, de
desenvolvimento, de mudança e de potencialização do ato de conhecer intrínsecos aos
processos formativos na Educação Superior, atentando para os estímulos necessários a fim
de que este sujeito se envolva com as atividades de ensino, pesquisa e extensão, enquanto
espaços de construção de conhecimentos e competências acadêmico-profissionais.
Para tanto, o professor formador precisa desenvolver meios de dialogar com a
realidade do estudante, com suas limitações, potencialidades e, principalmente,
expectativas de atuação profissional, já que estas consistem num importante aspecto
configurado ao discurso dos professores como uma das referências que dão sentido às
necessidades de articulação entre teoria e prática nas disciplinas curriculares. Num
contexto em que o curso de Pedagogia é confrontado com múltiplas demandas
profissionais, os professores reiteram que “[...] o que a gente ensina no curso deve ter um
fim de trabalho. As pessoas não vêm aqui para serem cientistas apenas. Elas buscam uma
profissão” (PF – DI).
Ao considerar os elementos que perfazem as perspectivas de ensino dos professores
formadores no curso de Pedagogia, um aspecto importante de ser destacado é a
compreensão das expectativas profissionais dos alunos, por parte dos professores. É sabido
que, a partir do início da década de 2000, o campo profissional da Pedagogia tem passado
por uma ampliação constante, a qual está associada com a abrangência do conceito de
educação e práticas pedagógicas e com demandas de formação humana e profissional
impelidas pelas necessidades próprias da contemporaneidade.
Conforme já discutido no terceiro capítulo deste trabalho, os espaços de atuação do
pedagogo foram incorporados, de modo ambíguo e mal explicitado, às DCN como objetos
para desenvolvimento de competências profissionais no curso de Pedagogia, uma vez que,
169
ainda que sejam citados, parecem não ter importância nem legitimidade. Mesmo assim,
muitos estudantes ingressam no curso de Pedagogia alimentando expectativas de atuarem
como pedagogos não-escolares e, não necessariamente, como professores da Educação
Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Franco (2008) indica que os percursos
de formação no curso de Pedagogia devem propiciar ao estudante uma íntima relação com
os processos escolares, mas que não devem se esgotar nesse âmbito. O que se observou,
por meio a análise do discurso curricular do PPP, é que a ênfase na docência inviabiliza a
instituição de possibilidades de ressignificação da Pedagogia face às novas demandas
profissionais direcionadas ao pedagogo e, por conseguinte, reduz o horizonte de formação
no curso. Ao passo em que são centralizadas experiências e conteúdos formativos
relacionados às dinâmicas da docência escolar, mais precisamente no âmbito da Educação
Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Se, por um lado, a Pedagogia tem seus estatutos reorganizados em virtude da
emergência de novas formas de ensinar e aprender em contextos distintos ao do espaço
escolar, “[...] essa mesma Pedagogia está em baixa entre intelectuais e profissionais do
meio educacional, com uma forte tendência em identificá-la apenas com a docência,
quando não para desqualificá-la como campo de saberes específicos” (LIBÂNEO, 1999,
p.152). Os professores formadores, em sua maioria, representam o curso de Pedagogia
como um curso de formação de professores e, nesse sentido, exprimem um movimento de
significação que reduz o seu horizonte de ciência da e para a educação em suas múltiplas
dimensões e arranjos.
Entre os professores formadores que divergem desse modelo de representação, é
clara a responsabilidade formativa do curso de Pedagogia face às novas possibilidades de
engajamento profissional do pedagogo e das novas expectativas de profissionalização dos
estudantes. Para eles, o curso foi limitado pela centralidade da docência como princípio e
eixo formativo, a tal ponto que, para os estudantes, é frustrante e difícil reconhecer as
possibilidades de ser pedagogo em espaços não-escolares. Uma professora formadora
afirma que “[...] a gente restringiu demais o curso, o que eu acho que empobrece” (PF –
EE2). Outra professora formadora aprofunda mais essa reflexão discutindo que o curso, tal
qual ele está formatado e de acordo com o posicionamento de alguns professores, impõe a
formação docente para os alunos, ainda que os mesmos tenham outras expectativas
profissionais com relação à Pedagogia. Ela enuncia que
170
A escolha deve ser do aluno, ele deve optar por isso (a docência) e não
eu, como professora, que vou colocar só isto como a única alternativa
para o aluno [...] Do jeito que o curso está estruturado o curso não
permite uma opção. O aluno centra na escola o tempo todo. E aquele
aluno que não quer a escola? Ele não vai fazer o curso de Pedagogia
porque este curso só dá esta opção ao aluno? (PF – PE1).
Tenho buscado ressaltar isso: que o curso não é somente para a Educação
Infantil, para a Educação Básica. Eu faço uma reflexão sobre a vida num
sentido mais amplo. Não é acaso que „vocês‟ tem essas disciplinas de
fundamentação da educação. A problemática educativa envolve outras
questões (PF – SE).
Foi possível identificar que os processos da educação não-escolar não são objetos
tematizados no discurso dos professores formadores quando se referem às questões
discutidas em suas disciplinas, às finalidades formativas do curso de Pedagogia e ao campo
de atuação do pedagogo. Portanto, estão fora dos esquemas que formam as perspectivas de
ensino orientadoras da ação docente no curso. Apenas os professores formadores que
manifestaram uma representação social de Pedagogia como um conhecimento e um curso
mais amplo que não é restrito à escola apontaram que, em suas aulas, discutem que o
pedagogo é um profissional cuja esfera de atuação é tão abrangente quanto abrangente é o
conceito de educação. Um professor formador inscrito no grupo ao qual essa forma de
representação social é vigente chega, inclusive, a criticar que o curso de Pedagogia
convive, atualmente, com formas arcaicas e tradicionais de representação do perfil do seu
egresso e que práticas inovadoras fundadas numa reengenharia curricular que se
compatibiliza com novas demandas pedagógicas, encontram dificuldades para permear o
contexto das Instituições formadoras. Essas Instituições, reguladas pelo discurso curricular
oficial representado pelas DCN, centralizam a docência como princípio e eixo de formação
do pedagogo, professor, consolidam essa tradição já estabelecida e são pouco flexíveis para
se abrirem a outras possibilidades formativas.
No discurso desse professor formador, essa circunstância é vista como um problema
que dificulta a reorganização do curso de Pedagogia, visando a sua aproximação com as
demandas da sociedade contemporânea. Ele afirma que
171
Brzezinski (2011) discute que o perfil do pedagogo formalizado nas DCN preconiza
a pesquisa como um processo construtor da identidade profissional de professores-
pesquisadores-gestores, configurando uma identidade unitas multiplex. Com uma dupla
ontogenia, o curso de Pedagogia é, ao mesmo tempo, licenciatura e bacharelado. Assim, o
curso requer uma organização que proporcione a integração de experiências formativas nos
âmbitos do ensino, da pesquisa e da extensão, a fim de que as vivências teórico-práticas do
estudante possam implicar a efetividade do projeto amplo, complexo e ambicioso de
formar esse pedagogo unitas multiplex. Nesse cenário de experiências integradas, a
pesquisa tem lugar central, uma vez que consiste ser o princípio, processo e ferramenta de
construção do conhecimento necessário às estratégias de compreensão e intervenção
intrínsecas ao campo profissional da Pedagogia.
A autora supracitada se refere a um princípio relativo à gestão do conhecimento
para afirmar como o curso de Pedagogia deve ser organizado. Ela afirma que o curso “deve
se pautar [...] no princípio da interdisciplinaridade e no trabalho coletivo assumido
politicamente pelos professores formadores [...]” (BRZEZINSKI, 2011, p.44). Tal
afirmativa ratifica a necessidade de que os professores formadores construam uma
perspectiva de ensino que compreenda iniciativas de gestão do conhecimento através de
colaboração interdisciplinar e da articulação proporcionada pelas instâncias gestores do
curso, principalmente a Coordenação Pedagógica.
O agir interdisciplinar revela um modo de significação da Pedagogia, pois através
174
dele os professores formadores concretizam uma ação que explicita a compreensão de que
a Pedagogia é a base de referência que deve permear os processos formativos em cada
disciplina, de modo articulado e colaborativamente assinalado. Acredita-se que quanto
mais o significado epistemológico da Pedagogia como Ciência da Educação for
consolidado como matriz mediadora das perspectivas de ensino no curso, os professores
formadores entenderão melhor as finalidades que sua disciplina adquire no currículo do
curso de formação inicial de pedagogos e as relações que ela pode ter com os demais
componentes curriculares.
Nesse sentido, é importante voltar-se para a significação da Pedagogia construída
pelos professores formadores, por meio de um processo complexo de elaboração de
representações sociais imbricadas com outros referenciais, entre eles o epistemológico.
Conforme já amplamente discutido nesse texto, a significação imprime marcas no trabalho
pedagógico desses professores e consiste num processo relevante que explica determinadas
configurações simbólicas contidas naquilo que os sujeitos praticam em seu exercício
profissional.
Ao longo do texto, destacou-se que o processo de significação da Pedagogia é
desdobrado em três campos, os quais comportam representações sociais específicas. O
primeiro campo, referente ao conhecimento pedagógico, é atravessado por duas principais
formas de representação que formam dois grupos de professores formadores: o
conhecimento pedagógico como um tipo de conhecimento relativo ao universo escolar, às
técnicas de ensino e o conhecimento pedagógico como um conhecimento mais amplo,
abrangendo esferas de educação não-escolar. O segundo campo é referente ao curso de
Pedagogia e o terceiro ao profissional pedagogo. Em ambos os campos, foram
identificadas representações sociais associadas àquelas que atravessam o primeiro campo.
O pedagogo e o curso de Pedagogia são representados, por um grupo de professores, como
um professor e como espaço de formação de docentes, respectivamente, e, por outro grupo,
como um profissional da educação em seu sentido amplo e como um âmbito de estudos,
pesquisas e formação de profissionais para atuarem em setores da educação escolar e não-
escolar.
O movimento complexo de significação vai definindo o processo de atribuição de
significados àquilo que o professor formador ensina e às experiências que deve mediar em
sua disciplina, influenciando, também, a construção de sua profissionalidade. Diante disso,
a significação se imbrica às perspectivas de ensino, definindo-as, organizando-as,
175
complementada pela análise do perfil de formação e atuação desses sujeitos, bem como às
questões mais amplas que se colocam quando os mesmos buscam se localizar enquanto
docentes na Educação Superior.
Nesse sentido, é importante ressaltar que algumas dimensões da significação da
Pedagogia e das perspectivas de ensino dos professores formadores recebem influências
pela variável tempo de exercício na Educação Básica, do mesmo modo que os trajetos de
profissionalização explicam a forma de adesão desse professor ao projeto formativo do
curso de Pedagogia.
A análise do discurso permitiu o desvelamento de aspectos importantes que servem
para descrição e compreensão da dinâmica simbólica e intersubjetiva envolvida na
significação. De modo geral, no que se refere à significação da Pedagogia, observou-se um
fluxo de correlações entre representações sociais e referências epistemológicas, o que torna
o significado um dado polifásico e confirma a premissa de que o pensamento é dialógico
por natureza, seja do ponto de vista de que ele articula fontes diferentes ou do ponto de
vista da relação entre o pensamento, a linguagem e a interação verbal.
Foi observado que a significação da Pedagogia, sendo um processo dinâmico,
complexo e polifásico, se desdobra em três campos distintos, porém associados. Cada
campo é permeado por representações sociais também distintas e associadas entre si.
O primeiro campo consiste no campo das representações sociais sobre o
conhecimento pedagógico. Nesse campo, identificou-se a existência de duas formas
representacionais: a primeira correspondente ao conhecimento pedagógico enquanto uma
forma de saber tecnológico relativo ao ensino e à instrução escolar, enquanto que a
segunda configura o conhecimento da Pedagogia como uma forma de saber mais ampla
que abrange diversos níveis e elementos da prática social da educação. A primeira
representação social foi identificada no discurso dos professores formadores que tinham
um tempo maior de experiência na Educação Básica. Esses mesmos professores
demonstraram que o problema maior do curso de Pedagogia é a formação para a prática
docente. Logo, constata-se uma harmonia existente entre a representação social do
conhecimento pedagógico como tecnologia docente e a finalidade formativa do curso de
Pedagogia como sendo o desenvolvimento de competências e habilidades para a prática da
docência. Essa forma de representação social foi a mais recorrente entre os professores
formadores.
O segundo campo da significação da Pedagogia é permeado por representações
182
que lhes permitisse compreender o estatuto epistemológico da Pedagogia. Por outro lado,
também resulta da circunstância de falta de consenso acerca dessa questão que, vale
salientar, é polêmica e repleta de contradições e ambivalências.
Os professores formadores, em sua grande maioria, reconhecem a fragilidade do
curso de Pedagogia e uma das possíveis vias para superar tal problemática e qualificar os
processos de ensino-aprendizagem no curso parece ser a ressignificação da Pedagogia, de
modo a configurá-la como Ciência Práxica da e para a Educação. Esse modo de significar a
Pedagogia, tal qual já foi abordado ao longo do texto, reposiciona as finalidades formativas
desse curso, a partir da colocação de questões que só podem ser analisadas sob os aportes
do paradigma epistemológico da Ciência da Educação. Significar a Pedagogia como
Ciência da Educação implica repensar a centralidade da docência na formação de
pedagogos e, em conseqüência, assumir uma nova profissionalidade do pedagogo.
É responsabilidade da Instituição de Ensino Superior planejar e desenvolver
estratégias de formação continuada dos professores formadores, a fim de os colocarem em
contato com temas mais gerais sobre o curso de Pedagogia que extrapolam os limites dos
interesses e objetos particulares de pesquisa e ensino, além de suprir as limitações dos
trajetos formativos de alguns docentes que não passaram por cursos de graduação e pós-
graduação na área de Educação.
As iniciativas de formação continuada na Educação Superior muitas vezes esbarram
com posturas dogmáticas de alguns docentes que alimentam a crença de que o domínio dos
conteúdos que performam o campo de conhecimentos representados por sua disciplina já é
suficiente para formar profissionais no curso de Pedagogia. Na medida em que os
professores formadores não discutem temas gerais da Pedagogia que atravessam quaisquer
componentes curriculares, como, por exemplo, a identidade do conhecimento pedagógico e
do pedagogo, os territórios disciplinares se consolidam e as possibilidades de instituir uma
base comum de diálogo entre as disciplinas ficam cada vez mais remotas.
Portanto, é importante que as estratégias de formação continuada focalizem a
necessidade das disciplinas dialogarem entre si a partir de pressupostos globais sobre o
curso de Pedagogia. Contudo, o investimento formativo deve possibilitar não apenas o
acesso e aproximação dos professores com relação aos temas globais da Pedagogia, mas
que isso seja feito de modo a instituir possibilidades que promovam a desconstrução de
preconceitos acadêmicos e científicos, alterando a configuração estrutural das
representações sociais que simplificam e reduzem o conteúdo e a natureza epistemológica
184
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APÊNDICES
192
Prezado(a),
Eu, José Leonardo Rolim de Lima Severo, mestrando em Educação no PPGE – UFPB, sob a orientação da
Profa. Dra. Sonia de Almeida Pimenta, estou realizando uma pesquisa que tem como objetivo conhecer a
significação de Pedagogia dos professores que atuam no curso de Pedagogia da Universidade Federal da
Paraíba, e compreender como ela se relaciona com as perspectivas formativas investidas para o
desenvolvimento dos processos de ensino-aprendizagem no referido curso.
Para efetivação da pesquisa, gostaríamos de contar com sua colaboração por meio da atribuição de respostas
a este roteiro de questões. Para que você possa respondê-la com a máxima sinceridade e liberdade, queremos
garantir que a pesquisa segue os termos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Desse modo, o
fornecimento de informações deve ser livremente consentido, sendo garantido: a) o sigilo da privacidade do
participante quanto aos dados de identificação e resultados obtidos; b) que as informações sobre o estudo
serão fornecidas pelo pesquisador para que o participante possa decidir livremente sobre sua participação na
pesquisa; c) as informações prestadas pelo participante durante a pesquisa não implicará em riscos ou
benefícios a ele; d) a liberdade de recusar a participação ou retirar o consentimento, a qualquer momento.
A fim de que possamos levantar os dados necessários ao desenvolvimento da pesquisa, solicitamos que você
manifeste sua aceitação em participar deste estudo assinando esse termo e inserindo um número de
documentação pessoal.
Na expectativa de contar com sua colaboração, agradecemos a sua atenção e colocamo-nos à disposição para
esclarecer quaisquer dúvidas.
Diante do exposto, declaro que fui devidamente esclarecido(a) e dou o meu consentimento para
participar da pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente que receberei uma cópia desse
documento.
_________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
_________________________________________
Assinatura da testemunha
Caso necessite de maiores informações sobre o presente estudo, favor ligar para o pesquisador através do
número (83) 9664-6353 ou entrar em contato por meio do endereço que consta no cabeçalho deste Termo.
Atenciosamente,
3 Formação acadêmica
3.3 Pós-Doutorado
5 Antes de iniciar sua carreira como docente no Ensino Superior, você já possuía experiência em outro nível/modalidade
de ensino? ( ) Sim ( ) Não
___________________________________________________________________________________________
7 Além de disciplinas no curso de Pedagogia, você ministra outra(s) disciplina(s) em outro(s) curso(s) de Licenciatura?
( ) Sim ( ) Não
Quais______________________________________________________________________________________
8 Além de ministrar aulas, você desempenha alguma outra atividade no âmbito da Universidade? ( ) Sim ( ) Não
-Qual?_______________________________________________________________________________________
6) Você considera que é importante para os alunos do curso construir uma concepção
de Pedagogia?
7) Como a sua disciplina tem contribuído para que os alunos construam uma
concepção de Pedagogia?