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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

JOSÉ LEONARDO ROLIM DE LIMA SEVERO

A SIGNIFICAÇÃO DA PEDAGOGIA: DISCURSO CURRICULAR,


REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E PERSPECTIVAS DE ENSINO NA FORMAÇÃO
INICIAL DE PEDAGOGOS

JOÃO PESSOA – PB
2012
JOSÉ LEONARDO ROLIM DE LIMA SEVERO

A SIGNIFICAÇÃO DA PEDAGOGIA: DISCURSO CURRICULAR,


REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E PERSPECTIVAS DE ENSINO NA FORMAÇÃO
INICIAL DE PEDAGOGOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação da Universidade Federal
da Paraíba, como cumprimento de requisito para
obtenção do título de Mestre em Educação na
linha de pesquisa em Processos de Ensino-
Aprendizagem.

ORIENTADORA: Profa. Dra. Sonia de Almeida


Pimenta

JOÃO PESSOA – PB
2012
JOSÉ LEONARDO ROLIM DE LIMA SEVERO

A SIGNIFICAÇÃO DA PEDAGOGIA: DISCURSO CURRICULAR,


REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E PERSPECTIVAS DE ENSINO NA FORMAÇÃO
INICIAL DE PEDAGOGOS

Data da aprovação: 28 de fevereiro de 2012.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Profa. Dra. Sonia de Almeida Pimenta – Orientadora (PPGE-UFPB)

________________________________________
Profa. Dra. Adelaide Alves Dias – Membro Interno (PPGE-UFPB)

________________________________________
Profa. Dra. Marileide Maria de Melo – Membro Interno (PPGE-UFPB)

________________________________________
Prof. Dr. Ivonaldo Neres Leite – Membro Externo (PPGE-UERN)
DEDICATÓRIA

Àqueles que, em seus espaços de atuação, constroem caminhos,


sinalizam retas, são mediadores de possibilidades;

Àqueles que, pelas suas vidas e compromissos, referenciam


escolhas, exercem influências e estimulam vontades, afetos e
razões;

Àqueles que, em nome da Pedagogia, ensinam que é possível haver


uma profissão construtiva de sujeitos, aprendem que o que sabem é
somente uma ponte para alcançar novos níveis de compreensão,
descortinam horizontes de possibilidades para o ser humano
potencializar sua capacidade intrínseca de ser mais e melhor,
sempre;

Àqueles que, por professarem o que acreditam e fazerem disso um


traço identitário significativo de si mesmos, permanecem
disponíveis e próximos, predispostos a somar, colaborar, mediar e
instituir novas formas de ensinar e de aprender;

Àqueles que, por serem o que são, maestros das aprendizagens,


imprimem marcas políticas, éticas e culturais aos processos sociais,
organizando-os de modo a centralizar o aspecto da humanidade do
homem;

Àqueles que expressam para mim que é urgente, impreterível e


possível permanecer sendo pedagogo no mundo e (re)significando a
Pedagogia, hoje e todo dia.

Aos profissionais da Pedagogia,

DEDICO.
AGRADECIMENTOS

À minha sempre querida e especial orientadora, Professora Doutora Sonia de Almeida


Pimenta, que, mediando a construção teórico-metodológica deste trabalho, me deu
oportunidade de vivenciar experiências de formação intelectual, acadêmica e humana, as
quais fazem de mim, hoje, um pesquisador mais qualificado e um ser humano melhor.
Meus mais sinceros agradecimentos pela oportunidade de aprendizagem e convivência;

Aos meus familiares, por terem estado nas veredas dos caminhos que me trouxeram até
aqui e por me fornecerem importantes suportes necessários para que essa experiência de
formação no Mestrado pudesse ser concretizada;

Às minhas amigas mestrandas e doutorandas que, ao longo da minha história profissional e


pessoal, serão sempre lembradas como exemplos de que a dedicação e empenho com
relação à Ciência não nos deixa menos propensos a vivenciar a amizade, os laços afetivos e
aprendizagens que transcendem as salas de aula, os livros, os artigos, enfim, pois nossas
relações ficaram inscritas no valioso território da memória do coração. Meus
agradecimentos mais especiais são para essas amigas que, em nome de tantas outras,
contribuíram efetivamente para que as ideias transpostas nesse texto fossem maturadas,
discutidas, confrontadas e construídas num contexto de trocas, de diálogos, de interação:
Isabel Marinho, Amanda Luna, Poliana Rezende, Maíra Lewtchuk, Monalisa Porto, Evelyn
Faheina (...) Muito obrigado;

Aos membros do Grupo de Pesquisa Docências, Aprendizagens e Representações Sociais


(PROCAD), pelas aprendizagens derivadas dos estudos, pesquisas e atividades coletivas.
Ao PROCAD, na pessoa da Professora Doutora Adelaide Alves Dias , pela oportunidade
de realizar as atividades de intercâmbio de mestrado sandwich no Programa de Estudos
Pós-Graduados em Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP);

Aos colegas da Turma 30 do Mestrado em Educação (PPGE-UFPB) pelas oportunidades


de discussão e pela abertura ao diálogo formativo. Que os bons caminhos se abram aos
nossos pés;

Aos membros da banca examinadora, Professores Doutores Adelaide Alves Dias, Marileide
Maria de Melo e Ivonaldo Neres Leite, pela leitura atenta, partilha de impressões e
pertinentes indicações para o aperfeiçoamento teórico-metodológico deste trabalho;

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da


Paraíba, pela mediação qualificada e por todas as valiosas contribuições que deram à
minha formação como pesquisador. Em especial, gostaria de nomear aqueles que
participaram diretamente dela, ministrando as disciplinas ao longo do Mestrado: Mauricéia
Ananias, Jean Carlo Carvalho, Luís Pereira de Lima Junior, Salete Barbosa, Janine Coêlho,
Marizete Fernandes e Romero Tavares;

Ao corpo administrativo do PPGE-UFPB, pela excelência e eficácia na condução dos


processos institucionais, pela abertura ao diálogo, proatividade e predisposição para
resolver algum impasse acadêmico que estivesse ao seu alcance. Meus agradecimentos aos
coordenadores do Programa, Professores Doutores Charliton Machado e Erenildo João
Carlos, à querida secretária executiva Rosilene Farias e aos queridos técnico-
administrativos Samuel Rocha, Maria das Graças Nonato, Edinalva Aguiar e Glória
Fernandes;

Ao Professor Doutor Pedro Farias Francelino, pela abertura concedida para que eu pudesse
participar das aulas na disciplina sobre Análise Dialógica do Discurso, no Programa de
Pós-Graduação em Línguística da UFPB, através da qual eu me aproximei e aprofundei o
estudo sobre a obra de Bakhtin e seu Círculo;

Aos professores formadores do curso de Pedagogia do Centro de Educação da UFPB que


se dispuseram a colaborar com esta pesquisa, disponibilizando seu tempo e suas
experiências profissionais a fim de que a análise pretendida pudesse ser desdobrada e
oferecesse alguma contribuição para a melhoria do curso. Meus agradecimentos especiais a
estas pessoas que tornaram este trabalho possível;

Aos meus amigos e amigas da vida privada, por me oferecem momentos de lazer e
distração necessários para que eu pudesse suportar as exigências e a intensidade do
trabalho intelectual de desenvolver este trabalho, especialmente à minha sempre amiga
Francineide Fernandes de Lucena que tem participado ativa e significativamente das
minhas etapas de formação profissional;

A CAPES, por me proporcionar o suporte financeiro aplicado ao financiamento desta


pesquisa.

A todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para que este trabalho fosse
desenvolvido. O espaço da memória e do texto é falível e limitado, mas no espaço da vida
estão as contribuições resultantes da soma de esforços, diálogos e participação de alunos,
colegas, professores, de agora e de outrora, cujas presenças hão de estar inscritas em minha
história pessoal e profissional.

Muito obrigado a todos e a todas.


“Então, eu acho que ela é um pouquinho disso tudo:
ela é um campo prático, um campo teórico. É
exatamente assim...é um campo interdisciplinar,
não é? O tempo todo tudo dialoga com a pedagogia.
Todo mundo precisa um pouco dessa pedagogia!”
(Professora Formadora PF – DI).
RESUMO

SEVERO, José Leonardo Rolim de Lima. A significação da Pedagogia: discurso


curricular, representações sociais e perspectivas de ensino na formação inicial de
pedagogos. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro
de Educação, Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa: 2012.

Este trabalho trata-se de uma pesquisa qualitativa, cujo objetivo consistiu em compreender
a significação da Pedagogia para professores formadores do curso de Pedagogia e no modo
pelo qual os significados elaborados incidem na construção das perspectivas de ensino
investidas para o desenvolvimento do processo formativo inicial de pedagogos. O
delineamento metodológico dessa pesquisa inclui, como técnica de coleta de dados, a
realização de entrevistas com 10 (dez) professores formadores em atuação no curso de
Pedagogia do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba e, como método de
análise, a análise do discurso fundada no diálogo entre a Teoria das Representações Sociais
e a Teoria Dialógica do Discurso. A análise anunciada foi desenvolvida em duas etapas
interconectadas e subseqüentes. A primeira etapa consistiu na análise do discurso curricular
expresso nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e no Projeto
Político-Pedagógico do curso de Pedagogia na Instituição lócus de pesquisa. A segunda
etapa consistiu na analise do discurso dos professores formadores pesquisados, a qual foi
desenvolvida de modo que fosse possível mapear as representações sociais elaboradas em
torno de três dimensões da significação da Pedagogia: o conhecimento pedagógico, a
formação no curso de Pedagogia e a profissão de pedagogo. Com relação à análise do
discurso curricular, pôde-se depreender que o aspecto epistemológico da Pedagogia não é
evidente, havendo algumas marcas que explicitam um movimento de significação que a
representa como tecnologia do trabalho docente. No que se refere à análise do discurso dos
professores formadores, concluiu-se que a Pedagogia não se configura como matriz
mediadora da construção das perspectivas de ensino, por mais que esses sujeitos, em sua
maioria, sublinhem a necessidade de localizar a discussão sobre o significado identitário da
Pedagogia em cada disciplina. Através do discurso dos professores formadores, é possível
afirmar que eles representam que nesse curso há certa fragilidade no que diz respeito à
identidade do conhecimento pedagógico, da formação e da atuação profissional do
pedagogo. Os professores formadores significam a Pedagogia como um campo de saberes-
fazeres distinto de outro campo, a Educação. Ocorre, portanto, a separação entre a
Pedagogia e o seu objeto, fazendo como que este se torne uma ciência independente e com
maior abrangência e relevância. Na significação dos professores, a Pedagogia e a Educação
consistem em campos de conhecimento distintos, o que revela a existência da influência do
paradigma das Ciências da Educação na elaboração dos significados para o conhecimento
pedagógico. Esse paradigma tem implicado na fragmentação do conhecimento sobre a
educação e, em conseqüência, na disciplinarização enquanto princípio organizador do
currículo de Pedagogia, muito embora os professores apontem isso como um dos fatores
problemáticos do curso de formação inicial de pedagogos. Finalmente, propõe-se que o
significado da Pedagogia como Ciência da Educação se constitua em uma matriz
mediadora da construção das perspectivas de ensino orientadoras da ação docente dos
professores formadores.

Palavras-chave: Pedagogia; Discurso; Representação Social; Formação de pedagogos;


Identidades.
ABSTRACT

SEVERO, José Leonardo Rolim de Lima. The significance of Pedagogy: curricular


discourse, social representations and teaching perspectives on initial educationalists‟
education. Master‟s Dissertation. Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de
Educação, Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa: 2012.

This work is about a qualitative research, whose objective consisted of understanding the
significance of the Pedagogy for professors of the course of Pedagogy and in the way for
which the elaborated meanings happen in the construction of the education perspectives
onslaughts for the development of the initial formative process of educationalists. The
methodological delineation of this research includes, as technique of collection of data, the
accomplishment of interviews with 10 (ten) professors in performance in the course of
Pedagogy of the Center of Education of the Federal University of the Paraíba and, as
analysis method, the analysis of the speech established in the dialogue enters the Theory of
the Social Representations and the Dialogical Theory of the Discourse. The announced
analysis was developed in two interconnected and subsequent stages. The first stage
consisted of the analysis of the express curricular discourse in the National Curricular
Lines of direction for the course of Pedagogy and in the Politician-Pedagogical Project of
the course of Pedagogy in the Institution lócus of research. The second stage consisted of
analyzes of the discourse of the professors researched, which were developed in way that
was possible to find the social representations elaborated around three dimensions of the
significance of the Pedagogy: the pedagogical knowledge, the formation in the course of
Pedagogy and the profession of educationalist. With regard to the analysis of the curricular
discourse, it could be inferred that the epistemological aspect of the Pedagogy is not
evident, having some marks that to put in evidence a significance movement represents
that it as technology of the teaching work. As for the analysis of the speech of the
professors one concluded that the Pedagogy is not configured as first mediating of the
construction of the education perspectives, no matter how hard these citizens, in its
majority, underline the necessity to locate the quarrel on the meaning identity of the
Pedagogy in each discipline. Through the speech of the professors, it is possible to affirm
that they represent that in this course she has certain fragility in what says respect to the
identity of the pedagogical knowledge, the formation and the professional performance of
educacionalists. The professors mean the Pedagogy as a field know-to make distinct of
another field, the Education. He occurs, therefore, the separation between the Pedagogy
and its object, making as that this if becomes an independent science and with bigger status
and relevance. Of the significance of the professors, the Pedagogy and the Education
consist of distinct fields of knowledge, what it discloses the existence of the influence of
the paradigm of Sciences of the Education in the elaboration of the meanings for the
pedagogical knowledge. This paradigm has implied in the spalling of the knowledge on the
education and, in consequence, the “disciplinarização” while organizator principle of the
resume of Pedagogy, much even so the professors points this as one of the problematic
factors of the course of initial formation of educacionalists. Finally, it is considered that the
meaning of the Pedagogy as Science of the Education if it configures as first mediating of
the construction of the orienting perspectives of education of the teaching action of the
professors.

Key-words: Pedagogy; Discourse; Social Representation; Educacionalists‟s formation;


Identity.
LISTA DE GRÁFICOS E QUADRO

GRÁFICO 01 – Formação Acadêmica dos Professores Formadores em cursos de


Graduação...........................................................................................................................124
GRÁFICO 02 – Formação Acadêmica dos Professores Formadores em cursos de
Especialização....................................................................................................................124
GRÁFICO 03 – Formação Acadêmica dos Professores Formadores em cursos de
Mestrado.............................................................................................................................124
GRÁFICO 04 – Formação Acadêmica dos Professores Formadores em cursos de
Doutorado...........................................................................................................................124

QUADRO 1 – Disciplinas construtoras da identidade do campo educacional (UFPB,


2006)...................................................................................................................................109
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANFOPE Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação


ANPAE Associação Nacional de Política e Administração da Educação
ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
CE Centro de Educação
CEDES Centro de Estudos Educação & Sociedade
CEEP Comissão de Especialistas em Ensino de Pedagogia
CNE Conselho Nacional de Educação
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia
CFE Conselho Federal de Educação
CNE Conselho Nacional de Educação
DFE Departamento de Fundamentação da Educação
DHP Departamento de Habilitações Pedagógicas
DME Departamento de Metodologia da Educação
FMI Fundo Monetário Internacional
FORUMDIR Fórum Nacional de Diretores de Faculdades/Centros de Educação
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação
PF Professor (a) Formador (a)
PIBIC Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
PPP Projeto Político-Pedagógico do curso de Pedagogia
PROBEX Programa de Bolsas de Extensão
PROLICEN Programa de Projetos de Pesquisa na Licenciatura
RS Representações Sociais
SESU Secretaria de Educação Superior
TDD Teoria Dialógica do Discurso
TRS Teoria das Representações Sociais
UFPB Universidade Federal da Paraíba
SUMÁRIO

1 CONTORNOS INTRODUTÓRIOS DO TEXTO: AS MOTIVAÇÕES, AS


EXPERIÊNCIAS E A EMERGÊNCIA DA PESQUISA................................................13

1.1 Objetivos e percursos da investigação............................................................................15


1.2 O ensino no curso de Pedagogia entre processos de significação, discursos e
representações sociais: emergência e problematização inicial do objeto de
estudo...................................................................................................................................17
1.3 Breve descrição da estrutura do texto.............................................................................24

2 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E DISCURSO: MATRIZES METODOLÓGICAS


E DELINEAMENTOS DA INVESTIGAÇÃO................................................................26

2.1 Eixos constitutivos da Teoria das Representações Sociais (TRS)..................................27


2.1.1 Constituição histórica da TRS..............................................................................29
2.1.2 Constituição conceitual da TRS...........................................................................34
2.2 Discurso, dialogicidade e interação verbal no contexto de processos
formativos.............................................................................................................................43
2.2.1 Bakhtin e o campo do discurso.............................................................................44
2.2.2 Apontamentos metodológicos para a análise do discurso numa abordagem
bakhtiniana....................................................................................................................49
2.3 Delineamentos da investigação: operações metodológicas............................................54
2.3.1 Contexto e sujeitos da pesquisa...........................................................................56
2.3.2 Sistemática de coleta e análise de dados.............................................................57

3 DIMENSÕES DE SIGNIFICAÇÃO DA PEDAGOGIA: O CONHECIMENTO


PEDAGÓGICO E O DISCURSO CURRICULAR.....................................................59

3.1 Antecedentes histórico-filosóficos da Pedagogia: a problemática da instrucionalização


do conhecimento pedagógico e o paradigma da Ciência da
Educação..............................................................................................................................61
3.2 O problema formativo no curso de Pedagogia na interface de uma problemática
epistemológica......................................................................................................................74
3.2.1 Marcos regulatórios das políticas curriculares do curso de Pedagogia no Brasil:
(des)configurações da Pedagogia.................................................................................75
3.3 Notas sobre a constituição do discurso curricular e sua interface com as perspectivas de
ensino...................................................................................................................................82
3.4 Marcas epistemológicas nas DCN e PPC de Pedagogia: significação da Pedagogia no
discurso curricular................................................................................................................87

4 SIGNIFICAÇÃO DA PEDAGOGIA E PERSPECTIVAS DE ENSINO DOS


PROFESSORES FORMADORES: ENTRE DISCURSOS E REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS............................................................................................................................111

4.1 O professor formador e o panorama geral das perspectivas de ensino na Educação


Superior: breves considerações..........................................................................................113
4.2 A Pedagogia e o perfil de formação e atuação do professor formador: delineando
trajetos de profissionalização.............................................................................................119
4.3 Significação da Pedagogia: epistemologias e representações sociais em
fluxo...................................................................................................................................133
4.4 Significação da Pedagogia, perspectivas de ensino e gestão do conhecimento no
discurso dos professores formadores..................................................................................154

5 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS: INDICATIVOS CURRICULARES E


METODOLÓGICOS.......................................................................................................176

REFERÊNCIAS

APÊNDICE 1 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido........................................192


APÊNDICE 2 – Formulário para identificação dos professores formadores....................193
APÊNDICE 3 – Roteiro para realização das entrevistas semi-estruturadas.....................194
13

1 CONTORNOS INTRODUTÓRIOS DO TEXTO: AS MOTIVAÇÕES, AS


EXPERIÊNCIAS E A EMERGÊNCIA DA PESQUISA

Nas últimas décadas do século XX, o conhecimento humano, ou processo humano


de conhecer, foi objeto de profunda reflexão nos mais diversos campos científicos. O que
fora denominado de reviravolta epistemológica, ruptura paradigmática, reinvenção do
saber e outras tantas expressões que serviram para designar a transição de modelos
filosóficos e científicos de constituição da produção intelectual e simbólica do homem face
à variedade de contextos e situações que a dinamiza, evidencia a direção pela qual as
abordagens sobre a configuração e o processo do conhecimento foram orientadas a partir
de então.
As mudanças desencadeadas pela ruptura paradigmática estabelecida no âmbito da
pesquisa, a qual consistiu na reelaboração de princípios de validade científica e na crítica
aos cânones racionalistas que performaram as epistemologias e metodologias das Ciências
Positivas, proporcionaram o que se pode denominar de abertura fecunda à alternativas de
modelos metodológicos e de reconfiguração da própria noção de conhecimento derivadas
dos mesmos.
Mais especificamente a partir dos anos de 1970, a esfera científica depara-se com
novas compreensões acerca do conhecimento, da realidade, de critérios lógicos e políticos
da pesquisa, circunstância que incidiu na reestruturação de uma racionalidade científica a
qual, no intercurso do final do século XX e início do século XXI, ingressa num período de
consolidação, cuja característica principal foi a ampliação e solidificação dos seus
fundamentos no contexto da colaboração acadêmica de teóricos das diversas áreas do
conhecimento. Referindo-se ao que denominou de quarto marco da evolução da pesquisa
qualitativa em ciências humanas e sociais, Chizzotti analisa que “as pesquisas
desvinculam-se dos referenciais positivísticos e tendem para o estudo de questões mais
delimitadas, locais, apreendendo os sujeitos no ambiente natural em que vivem, nas suas
interações interpessoais e sociais, nas quais urdem os significados e constroem a realidade”
(2008, p.55).
Ou seja, a esfera de produção científica foi dinamizada por um movimento que
busca articular dimensões subjetivas e intersubjetivas na compreensão da configuração
simbólica atribuída à realidade na qual os sujeitos vivenciam sua condição de produtores
de conhecimento. Tal movimento tem como traço um traço fundante a rejeição dos
14

parâmetros da lógica científica cartesiana e positivista. Na medida em que interage com o


mundo e os significados partilhados e reconstituídos pelo grupo social, o sujeito procede à
elaboração de referenciais comuns que organizam sua consciência e dirigem sua conduta
com relação às dinâmicas da sociedade. Assim como o conhecimento científico obtido
através de metodologias científicas e técnicas sofisticadas de tratamento de dados no
âmbito da Ciência, tais referenciais configuram um tipo de conhecimento válido, legítimo e
operacional, haja vista sua dimensão de matriz explicativa que torna legível, aos sujeitos
em seu cotidiano, a trama que compõe a própria experiência humana em seus múltiplos
contextos. Partindo desse pressuposto, o cotidiano possui um status epistemológico que o
torna espaço de construção de conhecimentos práticos que não são maiores ou menores do
que o conhecimento científico, mas que se articulam aos mesmos num processo dinâmico e
complexo de significação humana.
No processo de significação, o conhecimento prático não é oposto nem redutível ao
conhecimento científico, assim como tradicionalmente este tem sido concebido, pois
ambos são gendrados em necessidades específicas localizadas em contextos distintos, de
modo que acirrá-los em posições antagônicas consistiria em revogar o princípio da
complexidade que caracteriza a tal processo e os usos sociais do conhecimento.
Desse modo, sublinha-se que a indissociabilidade entre os tipos de conhecimento
faz com que a atividade humana de significar seja marcada pela complexidade de fontes e
processos cognitivos desencadeados na relação estabelecida entre o sujeito social e o
objeto. Isso implica considerar que as representações sociais e outros tipos de
conhecimentos, juntamente com as fontes sócio-cognitivas que estão impregnadas nos
mesmos, são mobilizadas no ato da significação dos objetos para os sujeitos e que essa
mesma significação é resultado de processos de comunicação ideológica que estruturam as
práticas discursivas, enquanto esferas de negociação, produção ideológica e é pautada por
representações sociais
Essas reflexões introdutórias apontam a direção em que o fenômeno para o qual se
volta a pesquisa que origina essa dissertação é inserido no campo das investigações sobre o
processo de significação elaborado pelos professores formadores no curso de Pedagogia e
as representações sociais que permeiam o seu discurso acerca das perspectivas de ensino
neste curso, a fim de que sejam concebidas e avaliadas face às demandas formativas que
derivam, de um lado, da conjuntura social contemporânea e, de outro, dos princípios
formalizados nos documentos regulatórios do curso.
15

1.1 Objetivos e percursos da investigação

O objetivo desse trabalho é, portanto, compreender o processo de significação da


Pedagogia junto aos professores formadores que atuam curso de Pedagogia, no que
concerne à atividade discursiva e às representações sociais que tal processo, na perspectiva
de analisar se há, e como se institui, uma possível relação estabelecida entre o modo de
significação da Pedagogia e a as perspectivas de ensino projetadas para o desenvolvimento
do processo formativo inicial de pedagogos.
Partindo desse objetivo, o trabalho está orientado na perspectiva de identificar
representações sociais que se imbricam na significação da Pedagogia construída pelos
professores formadores, explorar a significação que reveste a configuração do
conhecimento pedagógico no discurso curricular expresso nos dispositivos reguladores do
curso de Pedagogia do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba, como as
suas Diretrizes Curriculares Nacionais e Projetos Pedagógicos do curso, e, finalmente,
relacionar o conteúdo das representações sociais identificadas com o que esses sujeitos
concebem como sendo significativo/insignificativo e próprio/impróprio no contexto dos
conteúdos e experiências que devem ser focalizados na formação no curso de Pedagogia.
Para tanto, o processo metodológico de coleta de dados e construção da analítica
dos mesmos se faz a partir do diálogo entre a Teoria das Representações Sociais, fundada
pelo psicólogo social Sergé Moscovici e desdobrada por pesquisadoras como Jodelet
(2001), Marková (2006) e Jovchelovitch (2008), e da Teoria do Discurso cunhada pelo
filósofo russo Mikhail Bakhtin e de colaboradores que formam seu Círculo com influência
em diversas áreas das Ciências Humanas. Esses traços teóricos constituem as
características principais de um estudo que se volta às dimensões simbólicas e discursivas
intrínsecas aos processos do conhecimento social e dos processos pedagógicos.
Os estudos em Representações Sociais remetem-se aos processos simbólicos que
desencadeiam a gestão da realidade (JODELET, 2001) por meio da construção de
significados compartilhados socialmente. Esses significados são a base para a estruturação
do conhecimento comum que permite a comunicação ideológica e a afirmação de matrizes
de referência que constituem vetores de ação nos grupos humanos. Desse modo, o
desenvolvimento das ações cotidianas, e até mesmo de atividades relacionadas a outras
esferas de ação, embora não anule a influência da subjetividade, são dirigidas por esse
16

conhecimento sociocêntrico, ou seja, é significado e organizado de acordo com


determinadas representações sociais que se articulam e são articuladas pelas práticas
discursivas que mediam a interação entre os sujeitos.
No campo dos estudos sobre as referências para a construção das perspectivas de
ensino, compreende-se que a cognição do professor incorpora um modo de reflexão que se
dá sobre, através e na prática do seu trabalho. A racionalidade docente teria como foco
central as dinâmicas e práticas que configuram o seu contexto de inserção e socialização
profissional. Tendo a prática como o grande contexto configurador do pensamento sobre a
docência enquanto o que se pode chamar de processo vivencial, o professor elabora um
repertório de conhecimentos que se imbricam a registros afetivos, cognitivos, éticos,
estéticos e ideológicos que emergem e tornam-se legíveis à sua consciência através de um
tipo de reflexão que se estabelece como práxis pedagógica (FRANCO, 2008).
Com efeito, a produção de saberes desenvolvida pelos professores se utiliza da
experiência e da prática docente como matéria e contexto para que o docente construa sua
identidade, reconheça o seu trabalho em suas múltiplas variáveis e mobilize referenciais
tendo em vista a tomada de decisões pedagógicas. Isto posto, há de se destacar que a
experiência e a prática docente não se dão num vazio social, ao contrário, elas estão
preenchidas de interações sociais que tornam a instituição educativa um espaço de
significados e práticas erguidas sob a égide do conhecimento partilhado por meio da
atividade discursiva no cotidiano comum. É nesse espaço que as representações sociais
emergem, se constituem, cristalizam entendimentos, afirmam posições discursivas e se
reorganizam a partir de situações de comunicação cotidiana.
Compreender, portanto, modos de significação e representações sociais em torno da
Pedagogia e que são dinamizadas pela atividade discursiva dos professores formadores,
leva a cabo uma discussão sobre o que justifica determinadas configurações que são dadas
às práticas de ensino-aprendizagem no processo formativo inicial de pedagogos, sobretudo
quando se considera as perguntas centrais que este trabalho busca responder: Como ocorre
o processo de significação da Pedagogia construído por professores formadores que atuam
no curso de Pedagogia? Quais as representações sociais que estão imbricam e organizam
esse processo? Há uma relação estabelecida entre a significação epistemológica da
Pedagogia no discurso curricular expresso em documentos reguladores do curso e esse
processo de significação? Como as representações sociais que atravessam a significação da
Pedagogia desdobram perspectivas sobre o que os professores formadores têm que ensinar,
17

e através de quais experiências, no processo formativo do curso de Pedagogia?


Diante dessas questões, a hipótese que emerge e é posta à investigação consiste no
fato de que a significação da Pedagogia fornece referências para que os professores
formadores concebam as suas perspectivas de ensino e, a partir disso, definam modos de
fazer, competências a serem desenvolvidas ou, de modo mais amplo, caracterizem um
determinado projeto formativo para dar sentido à sua identidade e à ação profissional.
A partir desses apontamentos preliminares, buscar-se-á, no próximo tópico, definir,
de modo mais específico, a problemática para a qual se volta o presente estudo e levantar
algumas questões que serão aprofundadas ao longo dos capítulos que compõem o texto.
Outrossim, apresento alguns marcadores que situam a origem da problemática enquanto
objeto de estudo na minha trajetória como egresso de um curso de Licenciatura Plena em
Pedagogia numa Universidade Federal localizada no sertão paraibano.

1.2 O ensino no curso de Pedagogia entre processos de significação, discursos e


representações sociais: emergência e problematização inicial do objeto de
investigação

Embora uma abordagem mais sistemática sobre o fenômeno das representações


sociais e sobre a atividade discursiva como um processo de construção de significados
esteja contida no capítulo II, alguns aspectos remetidos a Teoria das Representações
Sociais e a Teoria Dialógica do Discurso, em Bakhtin, já serão apontados nesse momento,
visando aproximar, justificar e problematizar o objeto de estudo da investigação que
origina o este trabalho.
Conforme já abordado, o objeto exposto e discutido neste estudo não trata-se
apenas da representação social sobre o conhecimento pedagógico dos professores
formadores no curso de Pedagogia, mas a sua articulação com processos de significação e
sua relação com as perspectivas de ensino no referido curso, manifestadas em práticas
discursivas. Incluem-se na expressão “perspectivas de ensino” registros do que projetam os
professores sobre a natureza, os conteúdos e as experiências adequadas ao curso de
Pedagogia.
Inicialmente, assumo a primeira pessoa para evidenciar que as considerações que
serão entretecidas a seguir estão inscritas num trajeto pessoal do meu desenvolvimento
profissional como pedagogo. Este trajeto integra um conjunto de experiências de formação
18

no curso de Pedagogia. Explicitar minha presença nesse momento do texto revela uma
postura epistemológica diante da produção do conhecimento através da pesquisa
acadêmica.
O ato de pesquisar e de conhecer é um processo humano e, como tal, não se isenta
de interferências das idiossincrasias que marcam a integridade do sujeito que o pratica.
Desse modo, a escolha do objeto e o delineamento metodológico feito para apreendê-lo
segue um fio condutor que atravessa o campo das opções políticas, científicas e sociais do
pesquisador. Aquela postura, nesse sentido, integra o sujeito e o objeto num movimento
dialético, onde a realidade, enquanto objeto do saber do sujeito, não é um dado natural à
espera de algo que o faça emergir, mas sim uma produção simbólica que pode alcançar um
nível de interpretação mais sistemática na medida em que é abordada por instrumentos
científicos selecionados ou elaborados pelo próprio sujeito, o qual também se reconstrói a
partir do momento que se insere na dinâmica de buscar respostas para as questões que a
realidade, mediada por suas próprias representações, o coloca. Ou seja, e realidade é
produto do conhecimento humano, logo ela é instituída pelo sujeito. Por outro lado, esse
mesmo conhecimento institui no sujeito-instituinte a possibilidade de enxergar a realidade
de modo diferente, ao passo que a cadeia de conhecimentos produzidos o leva,
progressivamente, a níveis de compreensão mais ampliados.
Ao ingressar no curso de Pedagogia, me deparei com um universo simbólico que o
representava, tanto entre professores, quanto entre alunos, como sendo um curso de
identidade suspeita. Muitas das questões levantadas por Silva (2003) acerca da história e da
identidade do curso de Pedagogia no Brasil, embora algumas delas se remetam a épocas
passadas, ainda tinham sentido de serem feitas – e continuam tendo -, o que demonstrava a
recorrência da necessidade de coadunar algo que se pudesse classificar como matriz
identitária da Pedagogia na esfera acadêmica.
Contudo, as questões que orbitavam no plano da identidade da Pedagogia não
recebiam tratamento adequado na sala de aula do curso de Pedagogia. Havia um nítido
sentimento de constatação de que o curso era alvo de preconceitos e que, para professores e
alunos, a especificidade do projeto profissional empreendido nele se constituía como uma
incógnita. As razões para o desconforto desses sujeitos com relação aos preconceitos
relativos ao curso de Pedagogia eram colocadas no campo de assertivas que centralizavam
aspectos de gênero ou de classe social, uma vez que a maioria das pessoas que estavam no
referido curso era composta por mulheres de baixo ou médio poder aquisitivo.
19

O argumento que colocava no centro do debate sobre a identidade, ou a falta dela,


no curso de Pedagogia a questão do gênero não pode ser descartado, obviamente,
sobretudo quando se considera que o gênero é “elemento constitutivo das relações sociais
fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, que fornece um meio de
compreender as complexas conexões entre as várias formas de interação humana”
(SCOTT, 1995, p.71). Entretanto, na medida em que pude ter uma aproximação com a
literatura específica sobre epistemologia e história do conhecimento pedagógico, fui,
gradativamente, alcançando um outro nível de consciência no que tange às questões já
colocadas, para as quais eu não conseguia manter uma postura de indiferença.
Essas leituras, representadas inicialmente pelos estudos de Libâneo (2001), Pimenta
(2007) e Franco (2008), apontavam para uma dimensão bem mais profunda sobre a
problemática da Pedagogia: a questão epistemológica. Esses autores puseram em destaque
que os significados atribuídos à Pedagogia derivam de posicionamentos epistemológicos
em torno da natureza do conhecimento pedagógico e da especificidade do objeto da própria
Pedagogia. À época, eu questionava se o problema identitário do curso de Pedagogia
repousava apenas sob a dissonância de filosofias a respeito do fato de a Pedagogia ser ou
não ser uma Ciência.
Ao buscar sublinhar as questões sobre o curso de Pedagogia na sala de aula pelo
viés epistemológico com base nos autores supracitados, até mesmo como uma forma de
socializar e ampliar o debate para que outros colegas de classe participassem da discussão,
me deparei com o principal fator que origina essa pesquisa: a resistência ou indiferença dos
próprios professores formadores do curso de Pedagogia sobre o que constituía o
conhecimento pedagógico e qual deveria ser a configuração curricular e o arranjo
formativo do curso para corresponder à natureza desse conhecimento. Considerei que um
curso superior, ao mesmo tempo em que é institucionalizado em virtude da necessidade de
um determinado tipo de trabalho humano, cujas ações derivam do uso especializado do
conhecimento científico, tem como característica principal o fato de representar uma
ciência, uma tradição científica ou uma matriz de conhecimento especializado. Como,
então, os processos de ensino em um curso superior podem prescindir da necessária
correspondência entre o tipo de conhecimento que estrutura sua identidade e as demandas
ou tradições de trabalho que lhe são imputadas? Sendo os professores formadores os
responsáveis por conduzir o processo de profissionalização inicial dos estudantes no curso,
como eles significam a Pedagogia? Quais são os aspectos que eles consideram para
20

construir perspectivas de ensino que pautem suas intervenções docentes, desenvolvendo o


currículo e mediando experiências formativas?
Essas questões figuraram como âncoras iniciais para um projeto de investigação
que se pauta pelo objeto de compreender o processo de significação da Pedagogia
construído por professores formadores a partir da constituição de representações sociais
que se imbricam ao discurso formativo do curso de Pedagogia. Parti do princípio de que,
de acordo com as análises de Jodelet, a representação social “é uma forma de
conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que
contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”(2001, p.22).
Isso implica considerar que, ao lado do conhecimento científico que os professores se
apropriam para desenvolver seu trabalho docente, eles criam, coletivamente, um conjunto
de referências que se integram às necessidades práticas de ação. Tal conhecimento,
classificado por conhecimento do senso comum (MOSCOVICI, 2009) ou conhecimento
social (MARKOVÁ, 2006), configura processos cognitivos específicos de acordo com
Moscovici (2009) denominou tais processos de ancoragem e objetivação, de modo que
desempenhem as funções que caracterizam sua natureza, quais sejam, segundo o autor
citado, convencional, uma vez que localizam os objetos do pensamento em categorias e
elaboram modelos de ajustamento da realidade, e prescritiva, porque configuram matrizes
de características sobre o que são as coisas, trazendo implicações éticas e normativas ao
sujeito social, conforme será tratado no capítulo II deste trabalho.
As representações sociais, sendo um tipo de conhecimento social ou do senso
comum, se aproximam do que na literatura da Pedagogia contemporânea tem sido de
nomeado de conhecimento prático, ou senso prático, do professor. Autores como Abdala
(2006) defendem que o conhecimento prático é resultado de um processo de aprendizagem
docente que se dá ao longo da profissão, da mesma forma que as representações sociais dos
professores sobre o conhecimento que veiculam e o trabalho que realizam são intrínsecas
aos espaços e tempos de socialização profissional. O conhecimento construído nas
interações cotidianas que ocorrem no espaço educativo permeiam as relações entre sujeitos
e saberes e imbricam modos de ação, sendo, portanto, incorporados ao repertório de
conhecimentos que são mobilizados pelo professor para desenvolver sua prática
pedagógica. Desse modo, não cabe entendê-los como protoformas de conhecimento, mas
como elementos que se imbricam nas construções de sentidos e significados, cuja natureza,
de acordo com Marková (2006), manifesta o que essa autora analisou como sendo a
21

ontogenia dialógica.
Os conhecimentos produzidos pelo homem interagem em diversos contextos e sob
diversos aspectos, de tal modo que a relação entre os tipos de conhecimento não se dá de
outro modo que não seja o dialógico (MARKOVÁ, 2006).
Isso significa dizer que na base da produção das representações sociais, as quais
originam processos de significação, existem registros de conhecimento científico, ético,
estético, por exemplo, e vice-versa. Outro traço dialógico consiste na relação que se
estabelece entre as representações sociais, a linguagem, o discurso e as esferas de ação
humana. A linguagem, enquanto um sistema de representação simbólica, é constituída por
características dos contextos nos quais ela é tomada como ferramenta discursiva, logo
adquire uma dimensão social que a torna específica para um determinado grupo de sujeitos
em situações comunicativas específicas. Por isso mesmo que se supõe que as
representações sociais articuladas no processo de significação dos professores formadores
são um produto específico de relações práticas que configuram um contexto de interação
discursiva distinta das que estão presentes em outras esferas de ação humana.
Quando Moscovici (2009) situa a representação social enquanto uma problemática
que integra os campos da cognição e do discurso, ele afirma que por uma questão de
tradição na Psicologia Social, o aspecto discursivo ou referência comunicacional das
representações sociais foi preterido de um lugar central na abordagem da construção do
senso comum e das suas interfaces com o fenômeno da linguagem. Ele explica que, ao
iniciar o desenvolvimento da Teoria das Representações Sociais, buscou evidenciar o elo
entre “cognição e comunicação, entre operações mentais e operações linguísticas, entre
informação e significação”(MOSCOVICI, 2009, p.220), e formulou o conceito de themata
com a finalidade de organizar uma estrutura conceitual na qual os campos da cognição
social e da comunicação, linguagem e discurso pudessem ser associados sob os aportes das
contribuições da Antropologia, da História do Conhecimento e da Semântica, por exemplo.
Moscovici acreditou que essa associação permitiria uma ampliação positiva nas
possibilidades de análises dos aspectos pertinente ao fenômeno das representações sociais.
Ao buscar corresponder à demanda metodológica intrínseca ao destaque que
Moscovici confere ao aspecto linguístico-comunicacional no contexto do fenômeno das
representações sociais, a problemática exposta nesse trabalho foi delineada a partir do
princípio dialógico que funda a Teoria do Discurso no âmbito dos estudos de Bakhtin e seu
Círculo, cujo “embasamento diz respeito a uma concepção de linguagem, de construção e
22

produção de sentidos necessariamente apoiadas nas relações discursivas empreendidas por


sujeitos historicamente situados”(BRAIT, 2006, p.10).
A abordagem bakhtiniana possibilita uma análise do fenômeno linguístico que,
embora não despreze categorias analíticas próprias da Linguística Clássica, se volta aos
aspectos exteriores da língua para compreender a influência de fatores sócio-ideológicos
no processo de produção de sentido e uso da linguagem em situações de interação social.
Nesse sentido, o estudo das propriedades linguísticas presentes nos atos de comunicação
humana supera a descrição formalista e estrutural, desembocando numa forma de
tratamento que se pauta pela análise sociológica do uso social da linguagem e o modo pelo
qual esse uso caracteriza o surgimento dos gêneros do discurso e a produção de
enunciados.
No âmago de uma abordagem centrada no sujeito-social falante, Bakhtin estabelece
uma ruptura paradigmática com as duas principais tendências linguísticas que dominaram
o início do século XX. A primeira, concebida como subjetivismo idealista, preconizava que
a linguagem humana deveria ser compreendida no âmbito da psicologia individual e do
experimentalismo derivado dessa corrente psicológica. A segunda, denominada de
objetivismo abstrato, propunha que uma Ciência da Língua só poderia se constituir caso a
própria língua fosse configurada como um sistema formal de elementos fonéticos, lexicais
e gramaticais. O estudo da língua aparece desvinculado da realização linguística do sujeito
que a pratica e, desse modo, é positivado em si mesmo. Partindo da crítica a essas duas
tendências, Bakhtin afirma que

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de


formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato
psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno da interação verbal,
realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui,
assim, a realidade fundamental da língua (BAKHTIN, 1999, p.123).

O conceito de interação verbal é central neste trabalho e uma abordagem mais


específica sobre suas incidências na análise do discurso será feita no capítulo II do texto.
Entretanto, vale ressaltar que a interação verbal consiste no diálogo que se instaura entre os
enunciados que representam as posições dos sujeitos nos cenários da comunicação
ideológica. Em tais cenários, os enunciados diversos interagem entre si e manifestam o que
Bakhtin chamou de heteroglossia, a presença de múltiplas vozes sociais que se chocam,
contradizem, suportam, dirigem e se organizam mutuamente no interior dos campos
23

discursivos. A assertiva bakhtiniana se aproxima da afirmação de Moscovici, quando este


discute que “nossas idéias, nossas representações são sempre filtradas através do discurso
de outros, das experiências que vivemos, das coletividades às quais pertencemos”(2009,
p.221). A partir da noção de interação verbal, será discutida a perspectiva das relações
dialógicas como grande contexto configurador das práticas discursivas, as quais se
manifestam através dos atos de enunciação.
As relações entre Teoria das Representações Sociais e Teoria do Discurso, em
Bakhtin, serão tecidas com base nos estudos de Marková (2006), que se dedicou a
aprofundar o aspecto da dialogicidade entre Alter-Ego como antologia do humanidade e a
coloca como questão central na análise das dinâmicas da mente, originando um eixo de
análise de representações sociais que questiona “o indivíduo e o grupo dentro de suas
interdependências comunicativas”(MARKOVÁ, 2006, p.135).
É a partir desses referenciais que o objeto de estudo desse trabalho será abordado,
tendo em vista sua dimensão simbólica presente na produção de significação dos
professores formadores para a Pedagogia e para o conjunto de proposições que formam as
perspectivas para a sua ação docente no curso de formação de pedagogos, significações
estas que se pautam por representações sociais estruturadoras de discursos que, dialogando
entre si, manifestam como o processo de comunicação ideológica integra os sujeitos e atua
diretamente no uso da linguagem e na elaboração do conhecimento social mobilizado em
situações de interação social, como a que ocorre na esfera acadêmica, que é onde os
professores formadores exercitam sua profissão.

1.3 Breve descrição da estrutura do texto

O texto segue um fio condutor que articula a construção teórica às considerações


acerca dos objetos de estudo que são analisados por meio dos referenciais metodológicos
preconizados neste trabalho. Intencionou-se manter essa articulação tendo em vista não
dicotomizar os momentos de reflexões sobre as teorias norteadoras da pesquisa da
abordagem dos dados que são necessários para concretizar os objetivos que a assinala, com
exceção do capítulo II, em que são feitos os delinamentos do design operacional da
investigação a partir de considerações teórico-metodológicas.
Partindo dessa intencionalidade, o capítulo II atravessa o campo dos referenciais
teórico-metodológicos da investigação, enfocando, nos dois primeiros itens que o compõe,
24

o contexto conceitual da Teoria das Representações Sociais e da Teoria do Discurso em


Bakhtin. Esse capítulo foi localizado como primeira instância de abordagem por constituir
a matriz do desenvolvimento da teoria que estrutura as análises em torno das dimensões do
objeto de estudo. O recorte temático executado nos capítulos que o sucedem se deu a partir
das possibilidades de discussão que ambas as teorias de fundamentação metodológica
oferecem. No terceiro item componente, buscar-se-á explorar algumas zonas de
convergência que permitam uma integração dos horizontes das representações sociais e do
discurso, tomando por base alguns aspectos levantados por seus respectivos representantes
teóricos no tratamento dos aspectos relacionados ao objeto de estudo nesse trabalho. Essa
articulação é legítima, pois ambos os horizontes estão ligados a paradigmas similares,
como será melhor discutido, tendo como foco o processo social de cognição e uso social da
linguagem. No quarto item, são apresentadas as características que formam o delineamento
da pesquisa de campo que origina esse trabalho: sujeitos, sistemáticas e instrumentos de
coleta e análise dos dados.
Como o objetivo deste trabalho perpassa a significação da Pedagogia e que ela está
associada a diversos sistemas de conhecimento, até mesmo àqueles que representam
modelos de unificação conceitual, como a ciência, o capítulo III é dedicada à discussão
sobre os antecedentes histórico-filosóficos das concepções de Pedagogia, seu caráter plural
e problemático na contemporaneidade, realçando o entendimento de que a Pedagogia deve
se erguer como Ciência Práxica da Educação. Objetivando explorar o campo empírico para
o qual esta pesquisa se volta, sob a intenção de instituir os primeiros movimentos de
aproximação com as instituições nas quais os professores formadores estão inseridos,
busca-se analisar o discurso curricular que representa a significação formal da Pedagogia
no Projeto Pedagógico dos Curso de Pedagogia e nas às Diretrizes Curriculares Nacionais
para este curso.
O capítulo IV se volta para a análise das entrevistas realizadas com professores
formadores do curso de Pedagogia e compreende os principais aspectos que respondem às
questões investigativas desencadeadas a partir dos objetivos desta pesquisa. A significação
de Pedagogia será compreendida por meio de acessos viabilizados pela descrição e análise
do discurso e de representações sociais identificadas em torno do aluno e do próprio curso
de Pedagogia. A análise está sistematizada em eixos que representam dimensões analíticas
específicas para que o objetivo de investigar as significações da Pedagogia e as
perspectivas de ensino dos professores formadores seja efetivado.
25

Diante do panorama de questões e características de pesquisa apresentado,


explicita-se o caráter inovador que esta investigação pretende incorporar. Ao integrar a
Teoria das Representações Sociais à Teoria do Discurso, em Bakhtin, sob a intenção de
estruturar uma base metodológica para abordar a dimensão simbólica intrínseca aos
processos formativos no curso de Pedagogia, de modo mais específico nas perspectivas de
ensino elaboradas pelos professores formadores desse curso, tendo como mote inclusivo a
significação da própria Pedagogia, o trabalho busca operar um deslocamento no que se
refere ao tratamento conferido às questões das quais derivam as pesquisas em processos de
ensino-aprendizagem. De um plano formado por questões de natureza técnico-
instrumental, preocupado especificamente com metodologias didáticas ou recursos de
ensino, investe-se numa abordagem centrada no componente simbólico que motiva e dá
sentido à ação dos sujeitos nas situações interativas para compreender o modo pelo qual
determinadas decisões e práticas formativas são atualizadas e legitimadas por
representações e discursos sociais.
26

2 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E DISCURSO: MATRIZES METODOLÓGICAS


E DELINEAMENTOS DA INVESTIGAÇÃO

A pesquisa em Educação tem sido um campo profícuo de aplicação e criação de


metodologias de análise científica, o que se evidencia no processo de ampliação e
diversificação de objetos e instrumentos de investigação desencadeado a partir do final do
século XX. Nesse ínterim, as práticas de pesquisa em Educação têm buscado desenvolver
sistemas teórico-metodológicos que correspondam às exigências epistemológicas que,
progressivamente, vêm sendo postas no contexto das transições paradigmáticas de
construção do conhecimento sobre as dimensões do fenômeno educacional.
Observa-se que a investigação pedagógica, enquanto fenômeno social e
institucional, chega ao século XXI atravessada por inúmeras matrizes epistemológicas que
contornam metodologias de pesquisa diversificadas, tendo como eixo de diferenciação a
compreensão acerca do que se constitui como objeto, conhecimento e método pedagógico,
além das considerações atinentes aos elementos estruturantes da relação entre ciência e
sociedade, onde se situam noções concernentes à validade social da produção de
conhecimento. Sobremaneira, a incorporação da matriz qualitativa à investigação
pedagógica, trouxe importantes contribuições às abordagens dos objetos educacionais, em
especial aos processos de ensino-aprendizagem, bem como às representações e discursos
neles embutidos.
No campo da pesquisa em Educação, dois dos referenciais teóricos que têm
exercido significativas influências na composição metodológica e abordagem dos
fenômenos educacionais são a Teoria das Representações Sociais e as plurais Teorias do
Discurso. Ambas as teorias problematizam o caráter construcionista e social da atividade e
do pensamento humano. De um lado, as representações sociais são construídas em
processos de comunicação entre os sujeitos mediados por elementos ideológicos, tendo
como função revestir a realidade de caracteres cognoscíveis para que ela possa ser
partilhada coletivamente, e, por outro lado, o discurso consiste na própria ação humana de
construir, por meio das ferramentas linguísticas e ideológicas, significados sociais para
aquilo que está posto na realidade. A representação social e o discurso são, ao mesmo
tempo, processo e produto que medeiam a relação social entre os sujeitos, agregando-os
uns aos outros através do compartilhamento de propriedades simbólicas e semânticas que
tornam possível a emergência do vínculo social e a atribuição de funcionalidade às práticas
27

de comunicação entre esses sujeitos.


As categorias conceituais que performam as teorias expostas contribuem para uma
abordagem dinâmica e complexa da problemática de investigação nesse estudo, qual seja a
significação da Pedagogia para professores formadores e seus modos de vinculação com as
perspectivas de ensino que orientam as práticas formativas desses professores no curso, na
medida em que apontam que a realidade é construída a partir de bases simbólicas, as quais
se estabelecem no contexto da interação/comunicação social e que tais bases estruturam a
construção de conhecimentos, ou saberes, práticos que dão sentido às atividades
desencadeadas nas diversas esferas de atividades humanas.
O objetivo desse capítulo é apresentar e discutir as principais categorias conceituais
que compõem o fundamento teórico pelo qual operar-se-á a composição metodológica da
pesquisa de campo consubstanciada a esse estudo. Assim, são focos de discussão os eixos
de constituição da Teoria das Representações Sociais e da Teoria do Discurso em Bakhtin e
as características que definem o delineamento metodológico da investigação desenvolvida,
apresentando os instrumentos de coleta e a sistemática do processamento de análise dos
dados face ao fundamento teórico que o referencia.

2.1 Eixos constitutivos da Teoria das Representação Sociais

A Teoria das Representações Sociais (TRS) tem configurado a base de


fundamentação conceitual e metodológica de pesquisas voltadas aos objetos de estudo nos
diversos campos da investigação pedagógica. O número de pesquisas que fazem referência
à teorização de Moscovici acerca do senso comum, ou conhecimento prático, e dos seus
modos de imbricamento nos processos de formação humana tem crescido desde a sua
emergência no plano da Psicologia Social no final da década de 1970, muito embora o
marco histórico de expansão do domínio da TRS na Educação possa ser considerado os
anos 1980, uma vez que, a partir desse período, a investigação nessa área de conhecimento
é orientada por uma linha de estudos que consideram as dimensões simbólicas e
contextuais de fenômenos que manifestam questões de natureza pedagógica.
Alguns estudos já desenvolvidos levantaram elementos que caracterizam o estado
de inserção da TRS em pesquisas no campo educacional. Considera-se importante
referenciar tais estudos para que o espectro de imperfeições diagnosticado seja
intencionalmente evitado, o que contribui diretamente para a qualidade das abordagens
28

investigativas e, consequentemente, para a validade do conhecimento derivado das


mesmas.
O estudo desenvolvido por Menin e Shimizo (2005), em concordância com as
conclusões a que chegaram autores como Sousa (2002) e Arruda (2005), demonstra que “a
teoria tem sido extremamente útil para revelar as relações entre conhecimentos práticos e
desempenho de papéis e de funções na escola, de um lado, e questões ideológicas,
políticas, pedagógicas no campo da educação, de outro”(MENIN; SHIMIZO; LIMA, 2009,
p.551).
Como contraponto à progressão quantitativa das pesquisas em TRS e Educação, o
estudo citado, que contou com a análise de 138 (centro e trinta e oito) trabalhos publicados
em eventos temáticos sobre representações sociais e educação, organizados pela
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), entre 2000 e
2003, constata a existência de problemas relacionados à metodologia de abordagem dos
objetos estudados e a superficialidade que se manifesta no modo pelo qual as categorias da
teoria são mobilizadas como referencial de análise e proposição investigativa.
Os principais problemas mencionados se referem ao fato de que uma grande
quantidade de estudos não explora os mecanismos de ancoragem das representações, já que
se restringem à sua descrição sem examinar os processos que lhes dão origem, bem como
não desenvolvem uma análise estrutural das representações identificadas, o que é possível
quando são investigados os conteúdos e processos cognitivos desencadeados para a sua
constituição.
Outro aspecto problemático se evidencia na circunstância de que as relações entre
representações e práticas são tratadas de modo inferencial e, por não serem investigadas
profundamente, permanecem orbitando no plano de hipóteses especulativas. Além disso, as
autoras argumentam que os sujeitos da pesquisa são comumente mal caracterizados e que,
dificilmente, são realizadas análises comparativas entre conhecimento prático e
conhecimento de cunho científico.
Retomando as conclusões do estudo desenvolvido por Menin e Shimizo (2005),
Menin, Shimizo e Sousa finalmente expõem que “[...] embora a pesquisa em
representações sociais em educação seja um campo dos mais frutíferos no Brasil, como
mostra Arruda (2005), a quantidade da produção não é acompanhada obrigatoriamente de
profundidade ou rigor metodológico” (2009, p.552). Isso leva a crer que o uso da TRS
como referencial teórico e ferramenta de investigação deve ser pautado pela escolha
29

pertinente dos objetos de estudo, pela exploração rigorosa das possibilidades


metodológicas que a teoria propicia e pela mobilização consistente das categorias
conceituais na formulação dos referenciais de análise e na composição dos instrumentos de
coleta de dados.
Este estudo, ao incorporar o referencial da TRS como matriz metodológica, inicia-
se com uma discussão, centrada nos próximos tópicos, acerca dos eixos constitutivos da
TRS, tendo como objetivo dimensionar os aspectos históricos, epistemológicos e
composicionais imbricados no processo de construção das representações sociais como
fenômeno psicossocial. A abordagem desses aspectos compõe a base conceitual sob a qual
se estruturará a construção do modus operandi detalhado no último item deste capítulo.
Muito embora esses eixos sejam discutidos em tópicos distintos, eles não podem ser
dissociados uns dos outros, uma vez que corre-se o risco de desconfigurar a estrutura
integral que dá forma à TRS.

2.1.1 Constituição histórica da TRS

A historicidade da TRS corresponde ao primeiro eixo de sua constituição e abordá-


lo implica incorrer nos principais marcos temporais que aportam tendências de
configuração da teoria desde o período de sua emergência tal como é concebida hoje, no
âmbito das investigações em Psicologia Social desenvolvidas por Sergé Moscovici na
década de 1960 do século XX, bem como dos antecedentes teóricos que deram lugar ao seu
surgimento na Ciência Social Francesa, especialmente em Émile Durkheim e Lévy-Bruhl,
no âmbito da Antropologia.
O termo “representações sociais” aparece pela primeira vez, enquanto conceito
psicossociológico, no estudo de Moscovici intitulado “Psychanalyse: son image et son
public”, no qual o autor pretendeu analisar o modo pelo qual o conceito de psicanálise era
apropriado e significado por grupos populares, após transpassar as fronteiras de seu âmbito
de criação original, ou seja, o domínio especializado da ciência. Oliveira e Werba
esclarecem que

O que motivou Moscovici a desenvolver o estudo das RS dentro de um


trabalho científico foi, principalmente, sua crítica aos pressupostos
positivistas e funcionalistas das demais teorias que não davam conta de
explicar a realidade em outras dimensões, principalmente na dimensão
histórico-crítica (2011, p.105).
30

Desde o período em que foi considerado um conceito preconizado pela Ciência


Social Francesa, no século XVIII, o então conceito de “representações coletivas”,
transpassado pela abordagem de teóricos que o colocaram numa linha de sucessão histórica
que remonta à obra de Immanuel Kant, foi submetido a mudanças epistemológicas que o
dotaram de significações específicas, de tal modo que, por durante quase meio século, o
conceito passou pelo que Moscovici (2001) de eclipse, tendo sido, aparentemente,
inutilizado. Segundo o autor, “a noção teria mesmo caído em desuso se não fosse uma
escola de historiadores que lhe conservou os traços, ao longo de pesquisas sobre
mentalidades” (MOSCOVICI, 2001, p.45).
Argumentando em favor da Escola das Mentalidades, Moscovici (Idem) sublinha
que a atividade de pesquisa desenvolvida no âmbito da tradição que define tal Escola
trouxe significativas contribuições para a repercussão e volume conceitual da noção de
representações coletivas. O autor considera que a configuração atribuída pelos
historiadores das mentalidades ao que se concebe como representações coletivas constituiu
as marcas caracterizadoras dessa teoria, sobretudo porque a citada tradição exerceu
esforços de popularização e de consolidação da imagem e distinção das representações
coletivas (BURGUIÈRE apud MOSCOVICI, 2001, p.45).
Ao introduzir elementos que explicitam a transformação das representações
coletivas em representações sociais, Marková (2006) discute que na história da
humanidade estão expressos conceitos duradouros que adquirem boa aceitação por serem
de grande importância. Contudo, essa circunstância de aceitação não os exime de passarem
por processos de modificação radical face aos seus fenômenos referentes, uma vez que a
circulação dos conceitos na historicidade do conhecimento exibe a fundamental condição
de adequação de suas estruturas de significação aos paradigmas epistemológicos vigentes
em cada período ou área do saber.
Nesse sentido, a perspectiva de abordar a constituição histórica da TRS requer
considerar os marcos temporais de transformação da noção de representações coletivas,
partindo do revestimento conceitual elaborado pelo sociólogo francês Émile Durkheim,
considerando que esta noção, embora explicitamente postulada por Durkheim, tenha estado
presente de modo implícito “na filosofia moral de Charles Renouvier. E Renouvier
fundamentou este conceito nos ombros de Immanuel Kant. E Kant... – bem, podíamos
voltar ao início do mundo”(MARKOVÁ, 2006, p.169).
31

Ao recuperar a história da teoria sociológica das representações coletivas e sociais,


depara-se com uma linha de sucessão do pensamento de Kant a Durkheim. O primeiro
chegou a conclusão de que a mente humana não acessa diretamente o mundo real, em
virtude da oposição dualista que, desde os antigos filósofos, vem sendo afirmada: o
pensamento subjetivo e a natureza objetiva. Para se aproximar da natureza objetiva, o ser
humano elabora uma representação que combina elementos abstraídos das estruturas
exteriores por meio dos sistemas de percepção. A representação seria resultado, portanto,
de uma atitude sensível do homem ao idealizar o mundo real na tentativa de operar com as
ferramentas que dispunha para intervir nele e produzir, subjetiva e objetivamente, a sua
própria existência.
Antes mesmo de Durkheim emergir historicamente como o teórico pós-kantiano
responsável pela sistematização do conceito de representações coletivas, promovendo a
consecução de algumas noções já afirmadas por Kant, o filósofo francês Charles Renouvier
desempenhou a função de instituir uma abordagem mais social das representações.
Refutando a assertiva kantiana de que é a relação entre o homem e a realidade das coisas é
virtualizada por meio das aparências que são as substâncias elementares das representações
subjetivas, Marková sublinha que Renouvier

[...] argumentou que o consenso de representação kantiana só era possível


pelo fato das representações serem socialmente compartilhadas. Nos
parece, entretanto, que foi Renouvier quem fez a primeira proposta
explícita sobre a origem social, e não mental, das representações. A
lógica, na qual Renouvier construiu seu argumento, salientava a
autoridade das representações coletivas (2006, p.175).

Embora elementos que formem a historicidade do conceito de representações


estejam diluídos em abordagens de teóricos inscritos nos mais vastos campos do
conhecimento, Durkheim é tido como o criador do conceito de representações coletivas
(MOSCOVICI, 2001). Entre os principais aspectos que justificam tal conclusão, Marková
(2006) argumenta que o sociólogo francês relevou o conceito de representações coletivas
no cerne da constituição de sua teoria do conhecimento sociológico. Segundo a autora,
“Durkheim pressupôs que o conhecimento do mundo externo poderia ser estabelecido
somente através das representações coletivas, e ele estava convencido que a sociologia do
conhecimento tinha que ser construída neste conceito”(2006, p.169). Moscovici (2001)
também reconhece o papel pioneiro de Durkheim na constituição da teoria sociológica
32

sobre as representações coletivas, na medida em que, distinguindo-as das representações


individuais, baseadas em imagens e percepções sensoriais, a caracteriza de modo
específico, dando-lhes contornos definidores e centralidade na teoria sociológico do
conhecimento.
A preocupação de investigar como os indivíduos adquirem conhecimentos do
mundo exterior, levou Durkheim a desenvolver uma teoria sociológica do conhecimento
que, orientada numa perspectiva social pós-kantiana, se estabeleceu, na análise Marková
(2006), sob a égide de algumas características definidoras: dualidade da natureza humana;
estabilidade das representações coletivas; natureza institucional e repressora das
representações coletivas; o monologismo coletivo das representações e a gênese contínua
das representações coletivas, desde a religião até a ciência.
Pode-se afirmar que as representações coletivas configuram um conceito que
pretende explicitar o processo pelo qual a razão social, que é coletiva, se impõe sobre a
razão individual por meio de dinâmicas coercitivas. A dimensão coletiva refere-se à
circunstância de que as representações emergem das estruturas sociais, abrangendo os fatos
que formam a realidade social. Ou seja, as representações coletivas, em Durkheim, são
produtoras dos fatos sociais e, ao mesmo tempo, são os próprios fatos sociais, já que se
caracterizam como elementos exteriores aos indivíduos, coercitivos e generalizáveis.
Em se tratando da emergência de uma análise sociológica das representações
coletivas, em detrimento da psicologia dos indivíduos, Moscovici destacou a relevância
dos estudos de Lévy-Bruhl. A obra deste autor teve grande repercussão na Antropologia e
em outras Ciências Humanas. Lévy-Bruhl buscou distinguir as sociedades humanas a partir
dos modos de racionalidade utilizados pelos sujeitos, acentuando a diferença entre
mecanismos lógicos e psicológicos como o paradoxo que permite classificar sociedades
primitivas e civilizadas. Enquanto o pensamento da sociedade primitiva está “voltado para
o sobrenatural: os vínculos que entrevê entre os fenômenos são de narureza mística”
(MOSCOVICI, 2001, p.50), o pensamento da sociedade civilizada se pauta pelo domínio
de referenciais científicos que organizam uma visão racional e analítica da realidade.
Dando continuidade a explanação de como o conceito de representações individuais
foi sendo progressivamente transformado em representações coletivas, Moscovici (2001)
evidencia as contribuições advindas das teorias sociológicas acerca da constituição da
sociedade. Este autor menciona a concepção de Simmel, em que as representações sociais
exercem a função de regularizar princípios operadores de ações recíprocas que dão origem
33

ao surgimento de instituições sociais. Moscovici apresenta também o pensamento de Max


Weber, o qual colocou a noção de representações num contexto explicativo de como se
constroem os sistemas de referências para que os indivíduos assumam determinados modos
de pensamento e comportamento em grupo, entendendo-as como vetores de ação. Após
destacar as contribuições que estes dois sociólogos trouxeram ao processo de transição do
individual ao coletivo, no contexto da constituição do fenômeno representacional,
Moscovici chega à Durkheim, considerando-o o inventor do conceito de representações
coletivas, conforme já afirmado anterioremente.
Na historicidade do conceito de representações sociais, encontram-se, ainda, outros
elementos teóricos que serviram para embasá-lo com maior propriedade e ampliar a
abrangência dos territórios científicos em que o uso desse conceito floresceu e desdobrou
importantes contribuições ao estudo de fenômenos psicossociais. Nesse sentido, Oliveira e
Werba afirmam que “também contribuiram para a criação da teoria das RS, a teoria da
linguagem de Saussure, a teoria das representações infantis de Piaget e a teoria do
desenvolvimento cultural de Vygotsky”(2011, p.104).
A constituição do eixo de historicidade da Teoria das RS, remetida, inicialmente, ao
processo de desenvolvimento de uma teoria das representações coletivas, estabelece um
circuito complexo e multireferencial, haja vista a dinamicidade que marca a apropriação de
seus conceitos correlatos no âmbito de formulações teóricas que vão de Durkheim a Lévy-
Bruhl, passando por Piaget, Vygotsky e tantos outros colaboradores que, em virtude do
objetivo que assinala este texto, não cabe abordar. Vale ressaltar que até mesmo em Freud,
Moscovici foi buscar elementos para demonstrar as continuidades histórica da perspectiva
da representações coletivas em um campo tão distinto do de sua origem. De acordo com o
Moscovivi “ao descobrir que a verdadeira paralisia que segue as vias da anatomia
científica e a histérica, as de uma anatomia calcada no saber popular, Freud destaca as
forças da representações”(2001, p.56).
Atualmente, a teoria das RS tem sido discutida nos mais diversos campos do
conhecimento, constituindo-se em ferramenta conceitual e metodológica para a construção
de esquemas explicativos e de pesquisa de problemáticas plurais e dinâmicas, sempre
envolvendo teorias sobre o conhecimento e a relação entre experiência vivida e
representações mentais, a partir de um enfoque psicossocial. Entre os principais autores
que desdobram a teoria, buscando aprofundar e ampliar os seus conceitos estão os
franceses Jodelet, Marková e a Abric.
34

No Brasil, em conformidade com as autoras supracitadas, acompanhando o


processo de emergência de uma Psicologia Social mais crítica no âmago de instituições
que intencionaram realçar o papel da Ciência face à dinamicidade dos fatos sociais, em
contraposição à vertente da Psicologia Americana, a teoria das RS tem ocupado,
potencialmente, um nível de interesse maior em agendas de investigação desde o final da
década de 1970.
Nesse processo de ampliação e aprofundamento da TRS, as categorias conceituais
adquiriram uma forma complexa e de maior propriedade para a compreensão dos
fenômenos aos quais se voltam. A TRS amadureceu sua explicação acerca das finalidades
atribuídas às representações sociais enquanto fenômeno psicossocial, sobretudo em se
tratando do papel que desempenham nas interações interpessoais que geram processos
construtivos de conhecimentos capazes de fornecer uma compreensão comum em torno da
realidade social. Aborda-se, no próximo item, a constituição das finalidades das RS,
considerando a observação feita por Oliveira e Werba (2011) quando afirmam que uma
discussão acerca das RS demanda a demarcação do nível que será focalizada. As autoras
delimitam três níveis, a saber: fenomenológica, teórico e metateórico. Afirma-se, de modo
preliminar, que as finalidades das RS serão tratadas num nível fenomenológico, onde
configuram um elemento da realidade social que leva o indivíduo a “produzir
comportamentos e interações com o meio, ações que, sem dúvida, modificam os
dois”(OLIVEIRA; WERBA, 2011, p.105).

2.1.2 Constituição conceitual das Representações Sociais

A ação humana dirigida ao ambiente durante muito tempo foi enquadrada num
modelo explicativo composto por um sujeito, independente e racionalmente organizado, e
um objeto, naturalmente dado e à espera de ser descoberto por meio da razão do sujeito
pensante. Privilegiando ora a primazia da razão do sujeito como elemento construtor da
realidade e ora a realidade como a substância determinante da razão do sujeito - porque
sem ela o pensamento não existiria, uma vez que ele não seria capaz de pensar o nada
enquanto categoria vazia, a tal ponto que o conhecimento da realidade é a matéria essencial
do funcionamento psicológico - esse modelo tem estado intrínseco em diversas teorias do
conhecimento que performam compreensões filosóficas e científicas nas mais vastas áreas
de saber.
35

Na psicologia científica, uma dos modelos que distingue o sujeito (indivíduo) do


objeto (realidade) é denominada de Behaviorismo, ou Comportamentalismo. De acordo
com a teoria do behaviorismo/comportamentalismo, o sujeito apreende o objeto por meio
de estímulos diretos produtores de reações que desencadeiam comportamentos distintos.
Ao serem expostos a um ambiente ou situação estimuladora, os indivíduos confrontam
impulsões internas com pulsões externas que configuram a decorrência de um determinado
quadro de condutas ou atitudes. Nessa perspectiva, como o o sujeito é concebido como um
organismo estável que reage de forma programada aos estímulos regulares advindos do
objeto, o desenvolvimento dos processos do pensamento independeriam ou teriam pouca
relação com a situação de trocas simbólicas e interação social estabelecida no meio em que
os sujeitos atuam.
O behaviorismo/comportamentalismo é, portanto, matriz individualizante de estudo
e explicação do comportamento humano. Ele tem exercido influências significativas na
constituição de pesquisas e teorias no campo da Psicologia desde sua emergência histórica,
por apresentar uma gama de categorias conceituais que pretendem ser estáveis, testáveis à
empiria e universalizante.
O conhecimento humano, ou a atitude de conhecer, fica restrito a um processo
individual de assimilação de estímulos externos e emissão de respostas comportamentais,
desconsiderando a mediação que é instituída entre o sujeito e objeto, mediação esta que se
configura na interpelação simbólica, cultural e social estabelecida no contexto da situação
de interação intersubjetiva entre os sujeitos. Moscovici provoca uma reflexão instigante
quando afirma que “nossas reações aos acontecimentos, nossas respostas aos estímulos,
estão relacionados a determinada definição comum a todos os membros de uma
comunidade a qual pertencemos”(2009, p.31).
Ou seja, Moscovici busca problematizar que a legibilidade do pensamento, a
condição que o indivíduo possui de atribuir determinado sentido ou significado ao que
apreende da realidade, é sempre mediada por elementos que derivam e o reporta aos
contextos de interação humana. Em tais contextos, os indivíduos constroem, por meio de
dispositivos simbólicos e materiais, ícones e símbolos que formam representações sociais,
as quais enquadram os objetos da realidade a um dado limite de produção de significados e
sentidos e, consequentemente, a um campo de atitudes e comportamentos. Pode-se afirmar
que o pensamento humano opera com e através do processo representacional, que não é a
realidade per se o conteúdo original do pensamento, mas a representação dessa realidade
36

construída coletivamente em contextos interativos performados por condições históricas,


sociais e temporais.
Moscovici firmou um contraponto à tradição da psicologia que concebe a dimensão
social como um elemento que distorce a razão e o conhecimento do sujeito. Em sua teoria
das RS, o autor confere relevância ao papel do aspecto social no processo de construção
dos conhecimentos, contradizendo a corrente associação feita nas teorias clássicas do
comportamento de massas entre psicopatologia e sociabilidade. Essa associação infere que
quando o indivíduo é movido por impulsos coletivos, ele se despersonaliza e perde sua
capacidade epistemológica de produzir conhecimentos não-enviesados e, nesse sentido,
não poluídos pelo aspecto social. Jovchelovitch analisa que “a contrapartida dessas teorias
se encontra em teorias do indivíduo isolado e soberano, cujos poderes racionais e
habilidades cognitivas residem inteiramente em seu mundo auto-enclasurado,
individualizado”(2008, p.91). Esta autora assinala, ainda, que a tendência de configurar a
cognição a um processo puramente individual resultante da ação racional organizada do
sujeito isolado do seu meio, onde o aspecto social aparecia como um fator de intervenção
desviante e negativamente descaracterizadora, foi tão intensa na época que antecede o
trabalho de pesquisa em RS de Moscovici de tal modo que a primeira revista científica de
Psicologia Social fora intitulada de Journal of Abnormal and Social Psychology (Revista
de Psicologia Anormal e Social). Finalmente, Jovchelovitch destaca que essa visão “faz
parte do legado cartesiano e da própria concepção de psicologia moderna”(idem).
As representações tornam-se sociais na medida em que emergem e se consolidam
no interior de processos de comunicação ideológica e construção discursiva que vincula os
indivíduos em torno do compartilhamento de uma realidade comum. O conceito de
representações sociais (RS) tem sido objeto de inúmeras produções na literatura
especializada, circunstância que o torna extremamente plural e fluido e que, não obstante a
isso, impede o estabelecimento de uma conceituação dogmática. Na verdade, quando muito
se pode atribuir um conceito razoavelmente estável às RS, do ponto de vista
fenomenológico, isto deve ser orientado pela perspectiva da assimilação de alguns traços
sintéticos e pontos consensuais que aparecem de modo mais regular na conceituação
presente nas abordagens teóricas. Neste trabalho, a perspectiva de conceituação de RS é
aquela que tem orientado a produção de abordagens inscritas numa linha de continuidade
histórica do trabalho de Moscovici, considerando que este teórico “inaugurou uma tradição
que continua a desenvolver-se por meio de várias abordagens específicas da
37

teoria”(JOVCHELOVITCH, 2008, p.89).


Enquanto uma forma dinâmica e complexa de conhecimento, as RS são “uma 'rede'
de ideias, metáforas e imagens, mais ou menos interligadas livremente [...]”
(MOSCOVICI, 2009, p.210), que apresentam três aspectos que as fazem um fato
psicológico: são impessoais, já que estão postas num domínio de pertencimento coletivo, e,
em decorrência, são representações dos outros, no sentido de que esse pertencimento se
configura no contexto de um grupo, mas, ao mesmo tempo, são também pessoais, por que
estão imbricadas a elementos cognitivos e afetivos pertencentes ao ego.
As RS se constituem num construto teórico que permite a elaboração de abordagens
que concebem a cognição como algo social, uma vez que os estudos em RS remetem aos
processos cognitivos que desencadeiam a gestão da realidade por meio da construção de
significados compartilhados socialmente. O indivíduo se apropria de representações sociais
num processo de (re)criação cognitivo-social para se inserir numa dinâmica de ajuste e
ação sob o mundo. E como “nem estamos isolados num vazio social: partilhamos esse
mundo com os outros, que nos servem de apoio, às vezes de forma convergente, outras
pelo conflito, para compreendê-lo, administrá-lo ou enfrentá-lo” (JODELET, 2001, p.17).
Muito embora Moscovici não tenha intencionado elaborar um conceito fixo para as
RS, ele as definiu como

[...] um conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na


vida cotidiana no curso de comunicações interpessoais. Elas são o
equivalente, em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crença das
sociedades tradicionais: podem também ser vistas como a versão
contemporânea do senso comum (1981, p.181).

Como um tipo de conhecimento social, as RS manifestam uma bidimensionalidade


psicológica: elas respondem às funções mentais de convencionalização e prescrição.
Moscovici (2010) esclarece que, com relação a primeira, as RS tendem a incorporar um
elemento estranho à cognição do indivíduo à categorias familiares por meio de modelos de
ajustamento ou condensação. Cada novo elemento é somado a um universo de referências
já estabilizadas nas bases das constelações simbólicas desenvolvidas nos contextos em que
o indivíduo se encontra inserido. A própria linguagem é um mecanismo de ajustamento dos
objetos na atividade de pensamento do indivíduo, uma vez que o localiza em categorias
léxicas – as palavras - que, por sua vez, demarcam fronteiras semânticas dos demais
elementos léxicos. As RS também se pautam pela dimensão da prescrição, uma vez que
38

arbitram o modo pelo qual a realidade é interpretada com base nas estruturas categorizadas.
As RS são, sem dúvida, um fenômeno psicossocial. Em sua dimensão psicológica,
elas explicitam o caráter social da cognição humana e seus imbricamentos no surgimento
de atitudes e comportamentos dos indivíduos. O objetivo dos indivíduos ao criarem as RS
é, na visão da grande maioria dos teóricos que formam o campo de estudiosos em RS,
tornar algo não-familiar em familiar, e, desse modo, desenvolver formas de gestão dos
objetos da realidade, fazendo com que suas propriedades sejam legíveis e possam ser
socializadas em processos de comunicação e interação social.
Ao tratar da dinâmica de constituição psicológica das RS, Moscovici (2010)
identificou dois processos geradores: a ancoragem e a objetivação. A ancoragem refere-se
ao ato psicológico de transferência de algo não-familiar a um lugar familiar, por meio de
categorias ou paradigmas estáveis. Quando esse algo não-familiar e, pode-se dizer,
incômodo e desconhecido, é comparado a uma categoria conhecida pelo indivíduo, ele é
prescrito, avaliado e estabilizado a partir da mesma. Desse modo, a ancoragem acontece
quando o indivíduo é capaz de dar um nome ou rotular o desconhecido como algo familiar,
a partir de um sistema de referências disponíveis no espaço-tempo de interação social.
Aqui, a própria representação confunde-se com o seu processo criador, pois “de fato,
representação é, fundamentalmente, um sistema de classificação e denotação, de alocação
de categorias e nomes” (MOSCOVICI, 2010, p.62).
A ancoragem, vale salientar, não deve ser concebida como sendo um processo
cognitivo de natureza estreitamente racional. Quando o indivíduo depara-se diante de algo
não-familiar, ele pode revesti-lo de algo ameaçador, negativo ou inválido. Isso acontece em
função de implicações éticas e afetivas envolvidas nos atos de juízo de valor, já que “[...]ao
ancorarmos, classificamos uma pessoa, ideia ou objeto e com isso já o situamos dentro de
alguma categoria que historicamente comporta essa dimensão valorativa”(OLIVEIRA;
VERBA, 2011, p.108-109).
A perspectiva da objetivação se desvela no mesmo nível da ancoragem,
constituindo-a num processo integrado e remetido ao uso da memória individual e social.
Segundo Moscovici, objetivar “[...] é descobrir a qualidade icônica de uma idéia [...] É
reproduzir um conceito em uma imagem”(2010, p.71-72). Isto posto, percebe-se que a
objetivação refere-se ao processo pelo qual a palavra e a coisa imagética são conectadas,
configurando o núcleo figurativo, um conjunto de imagens disponíveis e aceitas
culturalmente que representam um conjunto de ideias. Ao objetivar, o indivíduo, de certa
39

forma, materializa o pensamento, fazendo com que a imagem se ligue diretamente a


realidade vivida. Ela passa a ter uma dupla existência: a do pensamento e a da realidade.
Esses eixos de existência se cruzam e permitem que uma determinada realidade seja
visualmente percebida e concretizada, o que a torna objeto mais profícuo de comunicações.
A comunicação interpessoal que decorre na vida cotidiana constitui o grande
contexto configurador das RS, uma vez que quando o indivíduo elabora uma explicação
para determinado aspecto ou situação da realidade, ele não mobiliza apenas elementos
racionais e lógicos, mas utiliza referências culturais, sociais e simbólicas que estão ligadas
aos contextos de interação com os outros membros do grupo em que está inserido.
Na TRS, algo estranho consiste em algo não-comunicável. Este algo não encontra
lugar no conjunto das matrizes culturais disponíveis para que os indivíduos atribuam
significados e possam transportá-los por meio da linguagem no contexto da comunicação
interpessoal. A estranheza associada aos objetos da realidade deriva de uma falta de
comunicação entre os indivíduos ou do que Moscovici (2010) chamou de curto-circuito
comunicacional, fato que ocorre quando o objeto se desloca, ou é deslocado, do lugar das
referências da linguagem.
Na compreensão das RS, os fenômenos da comunicação, da interação social, da
ideologia e da cultura têm lugar central. Diferentemente de outras formas de conhecimento,
como o conhecimento científico que se constitui através de sistemáticas metodológicas
guiadas por critérios e parâmetros especializados, as RS se originam da comunicação que
transpõe elementos ideológicos pertencentes à cultura e que definem aspectos da interação
social. Logo, elas são compostas por imagens e significados elaborados pelos indivíduos
nas situações de interação social cotidiana em torno de temas que adquirem relevância no
mundo prático desses indivíduos.
Por meio da interação social cotidiana, os indivíduos se apropriam e internalizam
conteúdos ideológicos, normativos, afetivos e valorísticos que, transpostos no processo de
comunicação, imbricam a estruturação do discurso do próprio sujeito, exercendo
influências que o compatibiliza com discursos coletivamente afirmados. Nesse sentido, as
RS funcionam como elemento que propicia o vínculo de indivíduos ao contexto grupal,
levando-os a assumirem sua identidade a partir de referências identitárias fornecidas pelo
próprio grupo. Elas definem identidades pessoais e coletivas, em um movimento dialógico
entre o alter e o ego.
As RS circulam na sociedade por meio de discursos e cristalizam significados em
40

imagens, palavras e atitudes, sendo elemento construtores de cadeias discursivas e


discursivamente construídos. Tais discursos, após construídos num processo de assimilação
e internalização, têm implicações normativas, afetivas, volitivas e sociais, pois passam a
configurar vetores que dirigem os pensamentos e ações dos indivíduos diante dos temas
para os quais eles estão voltados, orientando e organizando os processos de interação social
em torno dos mesmos.
Emergentes e estruturantes da atividade discursiva, concebida como a construção
de significados através de dinâmicas interativas entre os sujeitos e as condições concretas
de produção da realidade, as RS se constituem em

[...] uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada,


com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma
realidade comum a um conjunto social [...] Geralmente, reconhece-se que
as representações sociais [...] orientam e organizam as condutas e as
comunicações sociais. Da mesma forma, elas intervêm em processos
variados, tais como a difusão e a assimilação dos conhecimentos, o
desenvolvimento individual e coletivo, a definição das identidades
pessoais e sociais, a expressão dos grupos e as transformações sociais
(JODELET, 2001, p.22).

Como percebe-se, as representações exercem influência num amplo domínio de


processos da sociabilidade que ocorrem em diversas instituições, tais como a escola, a
família etc, performando a definição de identidades sociais e de funções institucionais.
Quando a sociedade cria RS ela está interessada em lidar com um tema relevante
tornando-o objeto de reflexão e impacto social e relacionando-o com tomadas de decisões
práticas. Nesse contexto de associação entre sociedade, RS e atitudes ou decisões práticas,
coloca-se uma questão que tem provocado muitas discussões entre pesquisadores da TRS.
Essas discussões buscam problematizar as possíveis relações estabelecidas entre as RS e a
ideologia.
As RS se constituem em um tipo de produção simbólica que reflete e permeia a
cultura, enquanto um conjunto de elementos materiais e imateriais elaborados pela
sociedade em circunstâncias histórias, sócio-políticas e institucionais específicas. Por meio
da interação social, os indivíduos constroem e partilham um conteúdo comum que dá
sentido à própria existência, à realidade e aos vínculos que se estabelecem entre eles. Tal
conteúdo é cultural por ser resultante de processos de mediação comunicacional dos
indivíduos de um grupo social e pode assumir diversos formatos, entre estes a forma de
41

RS. Assim, as RS configuram um tipo de produto cultural que, muitas vezes, confunde-se
com as ideologias, dado o seu caráter simbólico e estruturante no plano da atividade de
comunicação humana.
Considerando a assertiva de Moscovici, quando ele afirma que “a cultura é criada
pela e através da comunicação, e os princípios organizacionais da comunicação refletem as
relações sociais que estão implícitas nelas”(2010, p.155), pode-se supor que, da mesma
forma que as RS não constituem, a priori, a única forma de produto cultural e que a
ideologia, assim como as RS, são produtos culturais específicos, em alguns aspectos pode-
se haver associações entre as RS e sistemas ideológicos mais amplos, sem que as
características constitutivas de cada uma dessas formas culturais sejam preteridas.
Oliveira e Werba (2011) discutem que Moscovici confere à ideologia o status de
algo reificado, o que contrasta com o estatuto dinâmico, mutável e poliforme das RS. As
autoras citadas assinalam que a ideologia tem sido tratada pela literatura da Psicologia, de
modo geral, de acordo com a definição proposta Thompson, qual seja, “[...] o uso das
formas simbólicas para criar ou manter relações de dominação” (apud OLIVEIRA;
WERBA, 2011, p.111). Desse modo, Oliveira e Werba (idem) concluem que as RS serão
ideológicas quando criam ou reproduzem relações de dominação. Ou seja, para que uma
RS seja classificada como ideológica ou ligada a sistemas ideológicos mais amplos, as
circunstâncias em que elas foram criadas e o conteúdo que a estrutura devem estar
imbricados em práticas de dominação e opressão.
Inscrita numa tradição que Jovchelovicth (2008) chama de fenomenologia da vida
cotidiana, a TRS é uma teoria sobre os saberes sociais e compreende uma reflexão
multirreferenciada acerca do processo de construção e transformação dos conhecimentos
práticos ligados ao mundo da vida cotidiana em seus diferentes contextos. Esses
conhecimentos são tão legítimos quanto os de natureza científica, uma vez que operam
processos em várias dimensões da sociabilidade, como práticas identitárias, tradições
culturais, práticas institucionais etc. Conforme a autora, a abordagem da TRS empreende
um deslocamento radical no entendimento dos conhecimentos produzidos pelos indivíduos
em suas dinâmicas da vida cotidiana, ou conhecimento comum, como tem-se insistido
classificar.
Para tanto, a TRS se organiza em meio aos referenciais das teorias da sociedade e
das teorias do sujeito, superando a dicotomia que dualiza o aspecto social e individual das
abordagens psicológicas. A complexidade da TRS se expressa nas inúmeras questões que
42

delineiam as problemáticas para as quais ela se direciona, a exemplo do papel do aspecto


social na constituição da cognição humana, das relações entre os saberes e os contextos
práticos, das influências mutuamente exercidas entre representações e atitudes.
De modo mais específico, a relação entre contextos e saberes configura uma
problemática emergente nesta pesquisa. Conceber as RS como atos construtivos de
engajamentos dos indivíduos em contexto por meio da produção e compartilhamento de
saberes comuns, pressupõe a compreensão de que a diversidade de contextos implica a
pluralidade de saberes e modos de engajamento entre os indivíduos, assim como o
entendimento que os saberes não são estáticos, mas se modificam assumindo formas
diferentes. Jovchelovitch (2008) se aprofunda nessa problemática, questionando como se
processa esse modificação e se ela pode ser enquadrada num modelo de transição de
saberes simples/inferiores/primitivos para outros saberes superiores/civilizados/complexos.
Aprofundando a problemática, a autora introduz o conceito de polifasia cognitiva
para se referir à diversidade de fontes e dados intelectuais que organizam a atividade
cognitiva humana. Ela afirma que “a proposição teórica central subjacente ao conceito de
polifasia cognitiva busca enraizar a psicologia social dos saberes na dinâmica das
interações sociais e dos contextos culturais”(JOVCHELOVITCH, 2008, p.125).
Associado a um debate histórico onde Lévy-Bruhl figura como uma importante
fonte intelectual, o conceito de polifasia cognitiva foi transposto no campo da investigação
de Moscovici para se referir à pluralidade social e cognitiva do fenômeno representacional
por ele identificado. Ele mobilizou o conceito como uma hipótese conclusiva em torno da
assertiva de que diferentes formas de razão estavam imbricadas na representação da
psicanálise. Na construção da representação estão inseridos diversos registros ordenados
por um sistema cognitivo dinâmico relacionado à própria diversidade dos contextos nos
quais as interações sociais acontecem. Isso quer dizer que a diversidade de formas de
relacionamento entre o indivíduo e o seu contexto resulta no aparecimento de diferentes
modalidades de pensamento. Essas modalidades podem, inclusive, coexistir num mesmo
contexto, grupo social ou indivíduo (JOVCHELOVITCH, 2008). Isso ocorre,
primeiramente, em função das possibilidades que são abertas pelas interações, das
demandas que são postas pelo contexto, e, em segundo lugar, pela própria intencionalidade
do sujeito, o qual manifesta interesses particulares que o mobilizam a usar sua capacidade
epistemológica dadas as circunstâncias que o motiva.
O conceito de polifasia cognitiva reforça a tese de que a cognição é um processo
43

social, determinada, em parte, pelas condições de interação entre os sujeitos. Conhecer é


representar o mundo através de elementos que são fornecidos pelas dinâmicas dos
contextos de interação humana e, portanto, o conhecimento deve ser concebido como um
dado plural, plástico e fluido resultado das relações instituídas entre os indivíduos e a
variedade de situações sócio-culturais nas quais estão inseridos, nas quais o discurso tem
um lugar central.

2.2 Discurso, dialogicidade e interação verbal no contexto dos processos formativos

Em um cenário de reposicionamento metodológico e de emergência de novas


questões, os processos formativos configuram uma realidade complexa, significada a partir
de formas contextuais de representação simbólica, nas quais o discurso expresso nas
práticas institucionais, nos documentos oficiais e em todos os níveis da prática pedagógica,
exerce potencial forma de elaborar sentidos que motivam comportamentos e linguagens
estruturantes das ações e relações dos sujeitos em interações formativas. Desse modo, os
programas de pesquisa que objetivam investigar as práticas educativas necessitam
considerar o pressuposto de que “a explicação das ações e a compreensão das relações
estabelecidas no processo de ensino-aprendizagem situam uma problemática de sentido e
de significado nessa relação”(GHEDIN; FRANCO, 2008, p.157).
Conceber a problemática do discurso como uma das dimensões de análise dos
processos de ensino-aprendizagem implica, pois, estruturar uma matriz dialógica de
pesquisa pedagógica, em que se parte da consideração de que o contexto formativo e suas
interações são compostos por relações de significação intersubjetivas, atravessadas pelas
condições sócio-históricas da realidade dos sujeitos e das instituições nas quais estes se
localizam, em contraposição a um modelo explicativo que se fixa no aspecto
psicofisiológico dos mecanismos da aprendizagem, encerrando uma abordagem unilateral e
restrita do processo pedagógico de construção do conhecimento, uma vez dessituada do
contexto cultural mais amplo das esferas de realização das atividades humanas.
A fim de proceder uma discussão acerca da centralidade do sentido dialógico do
discurso nas abordagens que permeiam a construção deste trabalho, pretende-se referenciar
as contribuições de Bakhtin e as formulações teóricas gestadas no âmbito do círculo
bakhtiniano. Busca-se também destacar, sumariamente, alguns aspectos com relevância à
composição de um modus operandi para análise do discurso nesse campo de investigação,
44

partindo do pressuposto de que base analítica bakhtiniana “diz respeito a uma concepção
de linguagem, de construção e produção de sentidos necessariamente apoiadas nas relações
discursivas empreendidas por sujeitos historicamente situados”( BRAIT, 2006, p.10).

2.2.1 Bakhtin e o campo do discurso

Mikhail Bakhtin foi um filósofo da linguagem que, embora não sendo


academicamente um linguista, desenvolveu importantes reflexões sobre a língua, a
linguagem e o discurso, em colaboração com um grupo de intelectuais que, com ele,
compuseram um círculo de produção de ideias inovadoras – conhecido, posteriormente,
como Círculo de Bahktin - principalmente no âmbito das Ciências Humanas e Artes.
Em se tratando da proficuidade das análises empreendidas por Bakhtin em torno de
questões que perpassam os mais diversos campos do conhecimento, Yaguello, introduzindo
a 12ª edição de “Marxismo e Filosofia da Linguagem” publicado pela editora Hucitec,
afirma que o pensador

[...] expõe bem a necessidade de uma abordagem marxista da filosofia da


linguagem mas ele aborda, ao mesmo tempo, praticamente todos os domínios das
ciências humanas, por exemplo, a psicologia cognitiva, a etnologia, a pedagogia
das línguas, a comunicação, a estilística, a crítica literária e coloca, de passagem,
os fundamentos da semiologia moderna (YAGUELLO, 2006, p.14).

Refletindo sobre a insuficiência da abordagem da linguagem e do discurso


desenvolvida pelas escolas clássicas da Linguística, causada principalmente pela
centralidade dos aspectos normativos internos da língua em análises que dissociam a
atividade discursiva das estruturas sociais, Bakhtin e seus colaboradores formularam um
sistema filosófico de reflexões acerca da relação existente entre a enunciação, gêneros do
discurso, ideologia e sociedade. Tal sistema envolveu um amplo espectro de elaboração
teórica do que constituiu uma Filosofia da Linguagem que pretendeu desvelar, por meio da
crítica dialógica, as influências exercidas pelas esferas de atividades humanas na
discursividade, na qual os gêneros do discurso configuram experiências sociais tipificadas.
O dialogismo é traço constitutivo da atividade discursiva, de tal modo que

não é possível analisar um discurso numa perspectiva bakhtiniana sem


resvalar de imediato no/ao/para o núcleo da teoria como um todo. Esse
núcleo é uma concepção de filosofia da linguagem, e, mais do que isso,
45

da constituição dos sujeitos, uma ontologia de caráter dialógico


(SOBRAL, 2009, p.86).

De fato, as possibilidades de reflexão vislumbradas num horizonte de referências


bakhtinianas são vastas e relevantes à pesquisa em processos de ensino-aprendizagem. Em
virtude dessa circunstância, optou-se por abordar dois aspectos, quais sejam: a interação
verbal e o dialogismo, por supor que sejam mais pertinentes a este trabalho. Trata-se de
mostrar a produtividade de dois conceitos de uma teoria do discurso/enunciação, a
interação verbal e o dialogismo, à investigação pretendida.
O conceito de “interação verbal” é discutido nesse texto com base na abordagem
que Bakhtin desenvolve em “Marxismo e Filosofia da Linguagem”. Ele reflete que a
realidade fundamental da língua é dialética, ou seja, os sistemas e as formas de
comunicação humana estão intimamente relacionados aos contextos sócio-culturais nos
quais a existencialidade do homem se realiza. A linguagem é mediadora dos campos
sociais das interações sociais, refletindo e refratando os contextos onde é decorrente, de
acordo com a criatividade ideológica.
A língua não é constituída somente por características internas de natureza
morfológica, porque, como um conjunto de signos que representam simbolicamente
elementos presentes na relação que se estabelece entre a consciência humana e a existência
da coisas, tem em seu conteúdo uma ideologia que representa projeções virtuais específicas
no que concerne aos sentidos e significações atribuídas à vida, não encerrando um
significado per se, pois “o significado não é somente parte inalienável da palavra, mas a
faz estar carregada de vida e possibilita a troca dialogal entre os humanos” (GHEDIN;
FRANCO, 2008, p.157).
Essa configuração ideológica da palavra implica em modelos de comunicação
variáveis em conformidade com o horizonte comum e fundo perceptivo do auditório ao
qual o discurso se destina. A ideologia interage com a língua configurando duas realidades
integradas e delineando formas distintas de discursividade nas esferas das atividades
humanas, gerando os gêneros do discurso que se constituem as próprias experiências
sociais tipificadas onde funcionam, de modo a contornar a consciência dos sujeitos que
participam da construção do discurso, uma vez que “a lógica da consciência é a lógica da
comunicação ideológica”(BAKHTIN, 2006, p.36).
Por intermédio dessa lógica da comunicação é que o mundo pode ser representado
em signos linguísticos e gêneros permeados de ideologia que, mobilizados pelo discurso
46

em função de algum projeto enunciativo, incidem em modos peculiares de ação. Ou seja, o


texto adquire sentido social quando interage com esse contexto ideológico, sendo reportado
ao uso prático na/pela discursividade que se ergue no contexto de uma dada concepção de
mundo. Segundo Sobral “não se vê/interpreta/configura o mundo para então escolher um
gênero, um discurso, um texto com que figurá-lo em linguagem – vê-se o mundo, como
afirma Medvedev, com os olhos do gênero e, portanto, dos discursos a ele ligados, não do
texto” (2009, p.33).
Bakhtin pretendeu argumentar que a constituição da língua é essencialmente social.
O discurso, por sua vez, é a materialização da linguagem, de forma mais ampla, que
penetra a vida por intermédio de enunciados concretos, de modo mais específico. No
interior da relação entre sociedade, discurso e ideologia, é que os gêneros se constituem
como as formas de enunciação, atravessados por ideologias e refletindo ou reproduzindo,
necessariamente, valores e normas sociais nos mais diversos espaços de interação
comunicativa. A interação verbal consiste na interinfluência que sociedade, ideologia e
discurso exercem mutuamente. Assim, o aspecto verbal, o texto, a palavra, veiculam
discursos que só podem ser realizados em ato enunciativo através de gêneros discursivos,
os quais exigem uma composição de forma, estilo e tema.
Salienta-se que a expressão verbal utilizada para classificar a interação que
configura a discursividade e a enunciação não se restringe ao texto escrito, “reconhecendo
o visual, o verbo-visual, o projeto gráfico, como participantes de um enunciado concreto,
que deve, portanto, ser analisado a partir das especificidades da natureza de seus planos de
expressão e da esfera em que circula” (BRAIT, 2009, p.144).
Entretanto, o estilo do enunciado não é definido apenas pelo seu emissor, dada a
natureza dialógica da elaboração discursiva, mas interage organicamente com o fundo
perceptivo de onde partem os elementos prévios capazes de vincular o discurso
empreendido socialmente ao discurso interior construídos individualmente a partir das
interações sociais estabelecidas entre os sujeitos. Bakhtin explicita que

Aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado


da palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras interiores. Toda a
sua atividade mental, o que se pode chamar o “fundo perceptivo”, é
mediatizado para ele pelo discurso interior e é por aí que se opera a
junção com o discurso apreendido do exterior. A palavra vai à palavra
(2006, p.151).

A noção de fundo perceptivo e sua interface com a interação verbal oferece um


47

horizonte significativo para que sejam localizadas questões de pesquisa acerca de como o
discurso de outrem é apropriado e (re)significado pelos sujeitos falantes da língua, sujeitos
estes que manifestam opiniões, concepções, (anti)simpatias, enfim, representações sociais,
intensificando a densidade ideológica da construção dialógica do discurso. Quando
Bakhtin afirma que “as nossas palavras estão repletas de palavras dos outros” (2006,
p.313), ele parece assinalar que o discurso se estabelece no continuum de uma cadeia
enunciativa de “já ditos”, explicitando, mais uma vez, a interação verbal e a natureza
dialógica da discursividade.
Assim como o sujeito é portador de um discurso interior que se estrutura por meio
de palavras e representações semióticas apreendidas/elaboradas no percurso de sua
experiência particular, ele mobiliza discursos sociais historicamente situados para
constituir o sentido enunciativo e se afirmar como falante de uma língua cujas
configurações semânticas são adquiridas em esferas específicas de produção, circulação e
recepção. A palavra é elástica, plástica e fluida. Ela é um signo neutro, no sentido de que
está posto a quem a utiliza a partir de um projeto enunciativo, o qual, por sua vez, a tipifica
no âmbito do gênero do discurso, que mantém relação direta com as esferas de criatividade
ideológica. Isso explica o fato de haver determinadas formas características, ou
relativamente (in)adequadas, de enunciação a depender do contexto social, institucional,
cultural, histórico, etc., que abrange as atividades e localizações dos sujeitos. Nesse
sentido, “a palavra, como fenômeno ideológico por excelência, está em evolução
constante, reflete fielmente todas as mudanças e alterações sociais. O destino da palavra é
o da sociedade que fala” (BAKHTIN, 2006, p.199).
A densidade ideológica - consubstanciada nas práticas comunicativas, tornando-se
expressa nas relações que a discursividade estabelece com os elementos sócio-históricos
que estruturam a sociedade - não poderia, certamente, ser abstraída por intermédio de uma
Linguística de base normativa, já que “as relações dialógicas são extralinguísticas”
(BAKHTIN, 2002, p.181). A abordagem bakhtiniana sugere que a ênfase aos aspectos
internos da língua, ou seja, sua materialidade estrutural, seja equilibrada com uma análise
relacional entre a linguagem e o campo da vida, uma vez que “a língua penetra na vida por
meio dos enunciados concretos que a realizam, e é também por meio deles que a vida
penetra na língua”(GHEDIN; FRANCO, 2008, p.156).
Esse movimento de interpenetração que envolve a língua e a vida concreta, esta
última figurada aqui como expressão que designa a própria dinâmica social, necessita de
48

outros referenciais analíticos que, embora possam utilizar as ferramentas linguísticas para
identificar, codificar e descrever elementos sintáticos pertencentes à língua, derivam do
que Bakhtin denominou de Metalinguística, uma Ciência nova que se volta para uma
análise dialógica das relações que impregnam o discurso como material e meio da
enunciação concreta. Bakhtin afirma que “essas relações se situam no campo do discurso,
pois este é por natureza dialógico e, por isto, tais relações devem ser estudadas pela
Metalinguística, que ultrapassa os limites da Linguística e possui objeto e metas
próprias”(BAKHTIN, 2002, p.184).
Referindo-se ao dialogismo como traço que caracteriza o pensamento do Círculo de
Bakhtin, Brait (2006), ao mobilizar o argumento da bivocalidade do termo “dialógico”,
adverte que a abordagem dialógica do discurso não deve desprestigiar os aspectos internos
de estruturação da língua. Ela escreve que “a abordagem do discurso não pode se dar
somente do ponto de vista interno ou, ao contrário, de uma perspectiva exclusivamente
externa. Excluir um dos pólos é destruir o ponto de vista dialógico [...]”(2006, p.13).
A dimensão dialógica do discurso configura uma relação de influência mútua entre
a sociedade e o indivíduo, o particular e o geral, o texto e o gênero, etc., e essa dualidade
complementar permite que os diversos pólos que constituem as dinâmicas humanas
dialoguem, desafiando os sujeitos a considerarem a complexidade concreto-semântica que
configura o campo do pensamento e das atividades sócio-culturais. O dialogismo permite,
também, que exista uma comunicação responsiva e ativa entre os falantes da língua e a
própria construção do sujeito que, para acontecer, requer o desenvolvimento da consciência
de alteridade, a qual só é possível no interior de um processo interativo de construção de
sentidos sociais. Daí a ideia de que o “outro” é sempre um mediador de sentidos
socialmente possíveis (SOBRAL, 2009). Ele representa a diferença e a possibilidade de
ressignificação da individualidade, uma vez que é na interação discursiva que os sujeitos
experimentam trocas e transferências de modos diversos de compreensão e entendimento
do mundo. Nas palavras de Bakhtin

[...] cada um dos elementos significativos isoláveis de uma enunciação e


a enunciação toda são transferidos nas nossas mentes para um outro
contexto, ativo e responsivo. A compreensão é uma forma de diálogo; ela
está para a enunciação assim como uma réplica está para a outra no
diálogo. Compreender é opor a palavra do locutor uma contrapalavra.
[...] Na verdade, a significação pertence a uma palavra enquanto traço de
união entre os interlocutores, isto é, ela só se realiza no processo de
compreensão ativa e responsiva. A significação não está na palavra nem
49

na alma do falante, assim como também não está na alma do interlocutor.


Ela é o efeito da interação do locutor e do receptor produzido através do
material de um determinado complexo sonoro (2006, p.135 – grifos do
autor).

Pode-se supor que o “outro” constitui um tipo de acabamento que torna o algo dito
como portador de um dado sentido distinto de outros sentidos que outros sujeitos poderiam
atribuir. Na interação que se estabelece entre os sujeitos em seus projetos enunciativos, a
palavra representa uma arena de confronto de pontos de vista, de dissensos semânticos,
onde lutam representações sociais, um lugar de diálogo entre os discursos (BAKHTIN,
2002).
Compreender a negociação de sentidos que decorre da interação dos sujeitos em
situações específicas de ação e significação da realidade se constitui como potencial de
uma investigação pedagógica que se dirija à análise das representações portadas e criadas
pelo discurso estruturante dos processos de ensino-aprendizagem. Os registros teóricos
pontuados ao longo desse texto configuram referenciais significativos a fim de que se
possa construir uma base metodológica pertinente à análise do discurso numa abordagem
bakhtiniana, visando aproveitar esse potencial no contexto de pesquisa.
Conforme assinalado anteriormente, a vastidão e complexidade da Filosofia da
Linguagem gestada por Bakhtin e seu Círculo não podem ser restringidas a quaisquer
releituras especulativas acerca dos conceitos e reflexões contidas nas obras escritas pelo
pensador e seus colaboradores. Partindo dessa consideração é que se mobilizam, no
próximo tópico textual, algumas contribuições bakhtinianas à análise do discurso, sob o
propósito de apresentar procedimentos metodológicos que possam ser operados numa
análise do discurso de natureza dialógica, enquanto referências viáveis e relevantes à
pesquisa em processos de ensino-aprendizagem.

2.2.2 Apontamentos metodológicos para a análise do discurso numa abordagem


bakhtiniana

Os processos formativos são experiências sociais essencialmente interativas que


promovem, mediante mobilização de tecnologias formativas diversificadas, a
transmissão/construção de conhecimentos e a socialização de comportamentos
culturalmente afirmados, sendo, portanto, um recurso do desenvolvimento das sociedades.
50

Enquanto objeto de estudos, os processos formativos configuram uma realidade


multidimensional que compreende razões sócio-institucionais de existência (dimensão das
finalidades), fundamentos teórico-conceituais de ação (dimensão pedagógica), estratégias e
instrumentos de operacionalização (dimensão metodológica) e o universo de sentidos que
significam a inserção de cada sujeito partícipe do processo, bem como a si próprio e aos
outros no interior do processo, implicando a composição de discursos que representam e
constroem simbolicamente o contexto pedagógico (dimensão discursiva).
Pesquisas que se voltam aos processos formativos encerram, muitas vezes, a
enfatização dos aspectos sócio-políticos ou dos marcos teórico-conceituais ou, ainda, dos
modelos operacionais presentes nas práticas educativas, fragilizando a produção de
conhecimento acerca dos mesmos, uma vez que se concentram de modo desconectado em
algumas das dimensões citadas, distanciando-as da dimensão da significação discursiva.
Pimenta (2006) adverte que as pesquisas sobre a Didática devem ser executadas tendo
como base uma abordagem ecológica, a qual pretende considerar os diversos fatores,
concretos e virtuais, teóricos e metodológicos, imbricados nos processos do ensinar e
aprender, analisando as mediações culturais que propiciam a construção de sentidos para as
práticas pedagógicas.
A abordagem ecológica dos processos de ensino-aprendizagem, “ao tomarem como
foco de análise a sala de aula nos seus nexos com os múltiplos contextos curriculares”
(PIMENTA, 2006, p.66), tende a conceber o espaço pedagógico como uma realidade
complexa elaborada por mediações de sentido que se estabelecem a partir de sistemas
ideológicos intrínsecos aos elementos que o configuram, entre eles os de natureza
curricular. Salienta-se que o currículo é concebido aqui como um conjunto de decisões e
práticas de experiências formativas que se estruturam em diversos níveis, ou contextos
articulados, entre eles a sala de aula.
Evidentemente, a sala de aula, como um espaço privilegiado para a tarefa
formativa, é frequentemente associada como lócus principal de investigação dos processos
de ensino-aprendizagem, contudo, “a compreensão do fenômeno ensino-aprendizagem não
se esgota aí, nesse acontecimento aula” (PIMENTA, idem, p. 64). Nesse sentido, é legítimo
e epistemologicamente válido pensar a dimensão discursiva em diversos níveis do contexto
desse fenômeno, desde o discurso situado na esfera jurídica ou nos documentos normativos
da Política Educacional até o discurso construído no cotidiano sobre a própria dinâmica
escolar.
51

O suposto “escanteamento” da dimensão discursiva nas pesquisas acerca dos


processos formativos tem desencadeado, nos últimos anos, uma restrição com relação ao
próprio objeto de estudos da área, resumindo-o aos fatores metodológicos (instrumentos e
estratégias didáticas), muito embora a ampliação de tendências teóricas (auto)denominadas
inovadoras também tenham pretendido abordar as práticas pedagógicas com conceitos
sofisticados e plurais concentrados acerca da cognição humana, dos ambientes de
aprendizagem e dos recursos de ensino. O sujeito da prática pedagógica não é um
organismo mecânico que reage de modo automatizado às situações didáticas em que é
exposto, mas elabora sentidos no contexto das interações estabelecidas com os outros
sujeitos e constrói, simbolicamente, essas situações por meio do discurso como prática
social.
Contudo, é esse sujeito mecânico de reações automatizadas que costuma figurar em
investigações que restringem os processos formativos a um conjunto de instrumentos ou
estratégias didáticas que pretendem ser universais ou, no mínimo, impactar resultados
semelhantes aos sujeitos expostos a uma mesma situação didática. A Didática passa a ser,
então, um conjunto de proposições normativas, generalistas e, consequentemente,
superficiais, o que contradiz o seu próprio estatuto epistemológico de disciplina práxica
que estabelece relações entre o local e o global, o concreto e o simbólico, o singular e o
plural, a teoria pedagógica e a prática educativa. Sendo o discurso um dos principais
elementos que estruturam a relação pedagógica, colocá-lo no centro das investigações em
processos formativos implicaria o deslocamento radical da didática como disciplina técnica
para uma disciplina reflexiva com foco nas dinâmicas da interação formativa, criando
meios e condições para que se efetivem as práticas educativas.
Configurar a dimensão do discurso na compreensão de problemáticas pedagógicas
significa investigar relações existentes entre as representações semióticas elaboradas pelos
sujeitos educativos e o posicionamento presente no comportamento que assumem possuir –
por meio das formas de enunciação – diante de questões pertinentes aos objetos que o
pesquisador tem interesse em conhecer. O valor atribuído à realidade se manifesta em
comportamentos que se justificam no âmbito do discurso sob o qual foram conjecturados.
Por isso mesmo é que “esse diálogo entre o texto, o contexto e as pessoas faz com que a
realidade seja sempre carregada de muitos sentidos e significados” (GHEDIN; FRANCO,
2008, p.161).
De modo geral, quando o discurso é situado como problemática dos processos
52

formativos, estes passam a refletir uma dimensão da significação que se torna concreta nos
atos de enunciação e produção de sentido no contexto das interações sociais. Infere-se que
é esta a dimensão para a qual se volta à análise do discurso nesse campo das investigações
pedagógicas.
Ao incorporar a análise do discurso numa perspectiva bakhtiniana como ferramenta
de abordagem do ato de significação e, ao mesmo tempo, como o próprio fio condutor da
investigação empreendida, esta pesquisa será orientada no sentido de identificar e explorar
as estratégias discursivas e projetos de enunciação formulados pelos falantes, pois o
material verbal apreendido por meio de entrevistas é mobilizado em virtude de um “querer
dizer”, ou seja, de um projeto enunciativo que vai além da simples intenção psicológica do
professor formador, compreendendo também a interação com os sujeitos situacionais aos
quais se destinam os discursos e com as esferas de produção, circulação e recepção desses
discursos.
Muito embora Bakhtin e o Círculo se refiram a pesquisas em linguagem ao longo
de seus textos, não parece ser intenção do autor criar uma base metodológica de análise do
discurso com categorias específicas e instrumentos procedimentais próprios, tal qual
realizado por representantes de outras vertentes de Análise do Discurso. Sobral discorre
que Bakhtin não o fez “tanto por razões históricas como por não ser esse seu objeto”
(2009, p.86), mas comenta que

[...] uma metodologia aplicável per se, traz princípios metodológicos


passíveis de, evitando o teoreticismo que mata a singularidade e o
empirismo que mata a genialidade, promover uma proveitosa junção entre
singularidade e genialidade, ou seja, o respeito à especificidade de cada
discurso/gênero/texto e a generalidade que faz dele membro de uma dada
categoria de discurso/gênero/ texto e, no limite, da categoria
discurso/gênero/texto (Idem, p.87).

O esquema que o autor supracitado apresenta em formato da tríade


gênero/discurso/texto possibilita a organização de uma matriz metodológica para relacionar
dialogicamente, a partir dos referenciais de Bakhtin, em especial à noção de interação
verbal, os significados traduzidos em enunciação, a regularidade do discurso diante de
certas características das atividades sócio-culturais tipificadas através do gênero e a
materialidade da língua que configura o texto. Outrossim, o princípio dialógico é
mobilizado quando o pesquisador se propõe a
53

reconhecer o gênero a que pertencem os textos e os gêneros que nele se


articulam, descobrir a tradição das atividades em que esses discursos se
inserem e, a partir desse diálogo com o objeto de análise, chegar ao
inusitado de sua forma de ser discursivamente, à sua maneira de
participar ativamente das esferas de produção, circulação e recepção,
encontrando sua identidade nas relações dialógicas estabelecidas com
outros discursos, com outros sujeitos (BRAIT, 2006, p.14).

O texto é uma ferramenta mobilizada pela discursividade dentro de um projeto


enunciativo e a enunciação se realiza numa dada esfera de criatividade ideológica, logo
uma análise do discurso em Bakhtin busca identificar a realidade contextual que atravessa
e consubstancia o texto. Considerando essa perspectiva, nesse trabalho de análise, não
serão constituídas categorias a priori, objetivando localizá-las no interior do corpus para,
então, codificar mecanicamente suas partículas léxicas a partir de ideias organizadoras
externas a ele, tampouco analisar configurações de sentido presentes no mesmo.
Brait (2006), no que concerne aos diferentes modos de entendimento da matriz
dialógica para análise do discurso, adverte que as diversas concepções da obra de Bakhtin
e do Círculo derivadas de releituras que datam do final da década de 1970 se
intensificaram a partir dos anos de 1990 e “constituem [...] movimentos teóricos e
metodológicos que se desenvolvem em diferentes direções”(idem, p.15). Isso evidencia o
horizonte diverso de formas de apropriação dos registros teóricos bakhtinianos e
consequente conversão em metodologias de análise do discurso. Assim sendo, certamente
não deve haver consensos acerca de quais estratégias investigativas são mais coerentes
com a Filosofia da Linguagem de Bakhtin; contudo, alguns autores têm trabalhado no
intuito de constituir uma base metodológica para a operacionalização de uma análise do
discurso organizada segundo a abordagem bakhtiniana.
Sobral (2009) apresenta etapas de análise do discurso, enquanto instrumento do
projeto enunciativo, que se realiza no âmbito dos gêneros, através do que ele considerou
serem princípios macrogenéricos, visto que representam uma forma de contextualização
prévia e não um receituário arbitrário de técnicas e operações. A dinâmica metodológica
proposta pelo autor compreende a descrição do corpus no contexto da esfera de atividade,
a análise da estruturação do discurso, seguida da interpretação dialógica da discursividade
que, por sua vez, abrange: a) a identificação da esfera de atividade na qual o gênero se
situa; b) o desvelamento das condições extradiscursivas reais e virtuais que atribuem
caracteres específicos ao gênero, considerando os contextos sócio-históricos que o
54

abrange; c) o exame da discursividade intrínseca no corpus em análise; e d) a compreensão


da produção de sentidos nas marcas que a enunciação deixa no enunciado e nas
influências que os contextos sócio-históricos exercem na própria enunciação.
Nesse processo, há de se considerar que as relações dialógicas presentes no
discurso se desenvolvem também quando da interação entre o enunciado em análise e
outros enunciados, por meio do que Bakhtin classificou como gêneros primários e
secundários e do discurso de outrem. De acordo com o autor

é importante levar em consideração a diferença entre o gênero de discurso


primário (simples) e o gênero de discurso secundário (complexo). Os
gêneros secundários aparecem em circunstância de uma comunicação
cultural, mais complexa e relativamente mais evoluída, principalmente
escrita. Os gêneros primários, transformam-se dentro destes e adquirem
uma característica particular: perdem sua relação imediata com a
realidade existente e com a e realidade dos enunciados alheios
(BAKHTIN, 1992, p.402).

Por conseguinte, como um importante alerta de organização de pesquisas que fazem


uso de entrevistas semi-estruturadas, como essa, não deve ser exigida dos entrevistados a
elaboração de um discurso secundário, da mesma forma que não se devem extrair
conclusões secundárias de um discurso elaborado na primeira (GHEDIN; FRANCO,
2008).
Os apontamentos feitos no texto não esgotam a infinitude de possibilidades que se
abrem diante do propósito de transpor as contribuições bakhtinianas à investigação
apresentada neste trabalho Entretanto, representam alguns “lugares” de nucleação das
principais ideias acerca da análise do discurso na abordagem bakhtiniana.

2.3 Delineamentos da investigação: operações metodológicas

O design metodológico dessa pesquisa foi constituído de modo a corresponder aos


objetivos que a assinalam, em consonância aos fundamentos investigativos providos pela
TRS e Teoria Dialógica do Discurso (TDD). A opção em articular as dimensões conceituais
e de natureza investigativa de ambas as teorias se justifica em virtude de uma postura de
construção de conhecimento que evita fetichizar a escolha de fundamentos metodológicos,
ao ponto de encerra-los em fórmulas fragmentadas e reducionistas. Na medida em que as
questões emergentes da pesquisa vão sendo constituídas no contexto do diálogo entre
55

teorias afins, as abordagens acerca das diversas dimensões do objeto posto à investigação
configuram-se como dinâmicas e multirreferenciadas, circunstância que permite uma
melhor aproximação da realidade estudada.
Mobilizar as categorias conceituais das TRS e TDD permite levar em consideração
aspectos relevantes à compreensão dos elementos simbólicos que configuram a
significação e as RS dos professores formadores do curso de Pedagogia sobre a Pedagogia
e seus desdobramentos no modo pelo qual esses sujeitos concebem as perspectivas de
ensino no próprio curso, atribuindo significados às competências, contextos e experiências
formativas que devem ser preconizados. Optou-se, nesse sentido, por uma abordagem
multimetodológica (FLICK, 1992). As RS e discurso serão estudadas levando em
consideração os elementos estruturais da vida cotidiana dos sujeitos pesquisados, como a
as condições institucionais em que se encontram inseridos, por exemplo, e elementos que
performam a discursividade, como os referenciais identitários, histórico-culturais, aspectos
referentes à dinâmica de comunicação/interação social entre sujeitos e a particularidades da
docência enquanto processo que configura a produção de conhecimentos práticos
permeados pelo fenômeno representacional-discursivo.
A pesquisa em RS tem se revelado um campo marcado de composições
metodológicas plurais que manifestam tendências diversificadas da investigação científica
Algumas têm base quantitativa, outras dão prioridade ao enfoque qualitativo e há,
evidentemente, as que fazem uso complementar desses enfoques. O próprio Mosvocici, no
prefácio à obra organizada por Jovchelovicth e Guareshi (2011), estimula a criatividade
metodológica no estudo em RS na tentativa de contrapor a tendência resistente da
fetichização de métodos que tem ocasionado o reducionismo, maniqueísmo e
superficialidade de abordagens científicas. Ele afirma que a TRS se manterá vigorosamente
criativa na medida em que permitir a mobilização do que há de mais proveitoso nas
diversas metodologias, sem que isso desconfigure o seu estatuto epistemológico.
A partir dessas considerações será explicitado o delineamento dos aspectos que
definem as operações metodológicas envolvidas nesta investigação, ressaltando o seu
caráter de pesquisa qualitativa em Educação com enfoque psicossocial e inscrita no campo
da TRS, da TDD e dos processos de ensino-aprendizagem.
56

2.3.1 Contexto e sujeitos da pesquisa

A problemática que configura o objeto de estudo desta pesquisa é, em síntese, as


relações entre a significação da Pedagogia e os seus modos de imbricamento na construção
de perspectivas de ensino-aprendizagem no curso de Pedagogia. Seguindo as orientações
de Spink (1995), a elaboração dos instrumentos de coleta e procedimentos de análise de
dados deve se dar em correspondência com as definições que o pesquisador precisa fazer
acerca do problema de pesquisa, da população pesquisada e, em especial, do aspecto das
RS que se pretende identificar e investigar.
Desse modo, cabe explicitar, antes de mais nada, o contexto e os sujeitos da
pesquisa. Os objetivos que orientam o desenvolvimento desta pesquisa inspiram a escolha
por sujeitos que, a priori, configuram a ação docente, ou seja, os próprios docentes. Esses
sujeitos estão sendo classificados como professores formadores, dada a sua condição de
mediadores da formação de pedagogos.
Os professores formadores estão ligados diretamente aos processos de
desenvolvimento do currículo, enquanto instância de produção pedagógica e construção de
significados sócio-culturais, em suas múltiplas interfaces. Eles intervêm integralmente na
elaboração dos projetos formativos, desempenhando uma função de mediação pedagógica.
Assim, no âmbito das decisões institucionais e nas práticas de desenvolvimento do
currículo, eles constituem referenciais de conhecimentos e atitudes.
A orientação dos processos formativos, em grande parte, está associada ao universo
das práticas docentes, ao modo pelo qual o professor concebe a atividade de ensino e
elabora perspectivas que a direcione. Entender, portanto, algumas dimensões dos processos
formativos, requer um olhar voltado à produção simbólica que motiva e configura o
sentido da intervenção que o professor intenciona aplicar nos seus contextos de atuação,
principalmente no que diz respeito às perspectivas por ele formuladas.
A produção simbólica mencionada desdobra a construção de conhecimentos
práticos no contexto das experiências ocorridas no cotidiano de sua atuação profissional,
por meio de uma dinâmica dialética em que apreendem a realidade, atribuem sentidos a ela
e buscam se localizar nesse contexto. Essa circunstância incita um debate fundamental para
este trabalho, qual seja, o lugar das RS na construção do conhecimento prático dos
professores.
Face ao objetivo de pesquisa e às observações introduzidas anteriormente, optou-se
57

por abordar os professores dos cursos de Pedagogia do Centro de Educação da


Universidade Federal da Paraíba. A escolha desses sujeitos se deu a partir da análise do
discurso curricular que permitiu o mapeamento de algumas disciplinas construtoras da
identidade do campo educacional, conforme se discute no capítulo 3. As disciplinas
serviram de critério para escolha dos professores formadores que foram convidados a
colaborarem com a pesquisa, visto que eles deveriam estar ministrando-as no período
letivo 2011.2. A pesquisa contou, após a seleção decorrente da aplicação do critério de
escolha, com 10 (dez) professores formadores que ministram disciplinas de História da
Educação, Psicologia da Educação, Fundamentos Epistemológicos da Educação,
Sociologia da Educação, Filosofia da Educação, Didática e Pesquisa Educacional.

2.3.2 Sistemática de coleta e análise de dados

Os dados dos quais se necessita para o desdobramento operacional da investigação


se sintetizam na enunciação do sujeito pesquisado. Nela, pretende-se apreender elementos
que tornem a significação da pedagogia identificável, bem como que revelem dimensões e
representações sociais necessárias à análise das perspectivas que os professores formadores
investem para o desenvolvimento do processo formativo no curso.
Para tanto, estruturou-se um roteiro de questões (apêndice 3) composto por itens de
múltipla escolha e itens discursivos, o qual foi aplicado junto aos sujeitos pesquisados sob
a forma de entrevista semi-estruturada.
Os professores formadores entrevistados foram escolhidos após a análise do
discurso curricular do Projeto Político-Pedagógico do curso de Pedagogia do CE-UFPB,
conforme assinalado anterioremente. A análise do discurso curricular permitiu que fossem
mapeadas as disciplinas construtoras da identidade da educação, enquanto fenômeno
estudado no curso, tendo em vista o registro de conteúdos e/ou eixos de abordagem
temática contidos em suas ementas. As disciplinas escolhidas foram: Psicologia da
Educação, Sociologia da Educação, História da Educação, Filosofia da Educação,
Fundamentos Epistemológicos da Educação, Pesquisa Educacional e Didática. O processo
de análise e todas as suas dimensões encontra-se explicitado no capítulo 3 deste trabalho.
Todos os professores que ministravam tais disciplinas no curso de Pedagogia à
época em que a pesquisa estava em desenvolvimento, qual seja, o período letivo 2011.2,
foram contatados e convidados a colaborar com a coleta de dados, disponibilizando-se para
58

conceder as entrevistas semi-estruturadas. A população total de professores formadores


com propensão a participarem da pesquisa era composta por 25 (vinte e cinco) sujeitos.
Essa população total foi reduzida por meio do procedimento de amostragem efetuado a
partir do critério qualitativo de disponibilidade e livre aceitação do professor formador e,
em seguida, pela compatibilidade da data e horário escolhidos por ele para a entrevista com
o cronograma de realização da coleta de dados que previamente definido durante o
planejamento da pesquisa. A redução implicou na finalização de 10 (dez) sujeitos
pesquisados.
As entrevistas aconteceram em espaços escolhidos pelos professores formadores e
foram arquivadas por meio de gravação sonora e, em seguida, transcritas. Antes de serem
entrevistados, os professores forneciam algumas informações por meio da aplicação do
formulário de identificação do sujeito pesquisado (apêndice 2), o qual foi constituído por
itens que permitiram traçar o perfil de formação e atuação institucional desses professores,
conforme discutido no capítulo 4 do trabalho.
A sistemática de análise de dados foi organizada, nesse sentido, em duas etapas. A
primeira corresponde à análise do discurso curricular registrado oficialmente nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e no Projeto Pedagógico do curso do
CE-UFPB. A segunda etapa se configurou na análise do discurso dos professores
formadores, acompanhada da análise dos perfis de formação e atuação institucional desses
sujeitos. Em ambas as etapas, foram mobilizados como pressupostos de fundamentação
teórico-metodológica os aportes da TRS e da TDD, de acordo com a abordagem já
desenvolvida nessa parte textual e conforme será apresentado nos capítulos 3 e 4 do texto.
59

3 DIMENSÕES DE SIGNIFICAÇÃO DA PEDAGOGIA: O CONHECIMENTO


PEDAGÓGICO E O DISCURSO CURRICULAR

O objetivo da discussão que será feita nesta sessão do texto é abordar a significação
epistemológica e formativa que envolve a Pedagogia, enquanto conhecimento e área de
profissionalização, e se pauta pela justificativa de demonstrar a relevância que recuperar a
problemática da significação possui quando se intenciona compreender o modo pelo qual
as perspectivas de ensino imbricam determinadas opções por modos de fazer que, por sua
vez, colocam-se num contexto complexo de debates históricos acerca de modelos e
arranjos formativos para a profissionalização inicial do pedagogo.
Centralizar as dimensões de significação da Pedagogia, em seus aspectos
epistemológico e formativo, numa reflexão em torno das configurações do processo de
formação inicial de pedagogos, permite considerar como essa significação deve se
constituir enquanto matriz de referência para a formulação de perspectivas de ensino por
parte de professores que atuam no próprio curso. Isso quer dizer que o significado de
Pedagogia, configurado como um processo de criação de referenciais mediadores da
construção de contextos de formação pedagógica, pode atuar como um centro estruturante
de uma rede de significações que abrange os objetivos que orientam a ação do docente, o
conjunto de decisões curriculares em torno do que deve ser ensinado e aprendido, padrões
metodológicos e critérios de qualidade aplicados à sua avaliação.
Ao longo do capítulo, busca-se elaborar uma trama teórica, utilizando-se de
elementos históricos e conceituais, para defender a ideia de que a significação atribuída à
Pedagogia deve desempenhar uma função mediadora da formação pedagógica, subsidiando
perspectivas de ensino no curso de Pedagogia. A construção das perspectivas de ensino é
uma síntese complexa de relações estabelecidas entre os marcos regulatórios do curso, da
cultura organizacional das instituições formativas, das ingerências derivadas das demandas
imputadas pela sociedade ao curso, as quais configuram traços do perfil do seu profissional
egresso, e, de modo especial, das formas de atuação dos sujeitos envolvidos na formação,
ou seja, da maneira como o professor e o estudante vivenciam as dinâmicas de ensinar e
aprender. A significação da Pedagogia deve permear todos essa cadeia de elementos
articulados e é reconstituída dinâmica e progressivamente em seu âmbito.
O professor formador, enquanto sujeito produtor dessas perspectivas de ensino,
mobiliza referenciais cognitivos e sociais diversos para atribuir significados à ideia de
60

Pedagogia. Do ponto de vista institucional, esse sujeito é responsável por criar experiências
de formação que correspondam a padrões de qualidade instituídos e normatizados. Para
tanto, o professor se apropria desses padrões e os insere num conjunto de significados
estabilizados em seus esquemas representativos, nos quais a significação da Pedagogia está
intrínseca, articulando conhecimentos científicos, técnicos e sócio-culturais, para que,
estando os padrões institucionais e normativos inteligíveis por meio dessa atividade de
contextualização cognitiva, ele possa elaborar perspectivas que desenhem, idealmente, a
configuração que sua intervenção pedagógica deve possuir e como ela pode ser
desenvolvida à luz de estratégias de planejamento, execução e avaliação.
A afirmação de que a ideia de pedagogia incide na formulação das perspectivas de
formação no curso de Pedagogia remete à reflexão de como o professor formador faz a
opção por uma dada matriz de definição daquela ideia. Muito embora essa opção possa ser
explicada como uma definição que o docente faz de modo a priori, ou seja, é vista como
algo que antecede a sua inserção nas dinâmicas pedagógicas, ela também manifesta uma
interface processual. A ideia de Pedagogia não é um dado estático ou imutável por que ela
é reconfigurada continuamente no contexto da construção dos saberes docentes e se associa
a uma série de outras opções de cunho ideológico, político e científico feitas pelo próprio
professor ao longo de sua experiência docente. A pedagogia está, portanto, na base dos
saberes docentes como elemento estruturante, mas é reconstituída a partir dos
desdobramentos intrínsecos à dinâmica processual de construção desses saberes.
Um aspecto crucial da definição dos traços que caracterizam a ideia de Pedagogia é
que os elementos que são combinados para formar o seu significado representacional são
de natureza múltipla e poliforme. Além dos elementos derivados das opções políticas e
ideológicas do professor, a ideia de Pedagogia é estruturada, embora que, às vezes, de
modo sub-reptício, implícito e até mesmo contraditório, de elementos epistemológicos
advindos da esfera científica, os quais estão dispersos numa complexa história na qual a
concepção de Pedagogia está enraizada, como será exposto no próximo tópico.
A concepção de Pedagogia nunca foi um consenso entre os teóricos do campo
educacional e pedagógico. Dada a multiplicidade de enfoques epistemológicos, a história
dessa concepção é marcada pela descontinuidade entre rupturas e permanências. Essa
circunstância torna impossível o estabelecimento de marcadores históricos lineares,
universais e objetivos, sobretudo quando parte-se do pressuposto de que, na verdade, a
história da concepção de Pedagogia é um espaço em que se entrecruzam diversas micro-
61

histórias conflitantes e fluidas.


Outrossim, essa história revela tradições diversificadas e ricas de construções
teóricas e ideológicas que explicitam a tênue relação sempre existente entre a Pedagogia e
as questões sociais mais amplas que envolvem modelos societários e filosofias do homem.
Essa relação atravessa toda a história conceptual e alimenta o debate em torno da função
social do conhecimento e da formação pedagógica.

3.1 Antecedentes histórico-filosóficos da concepção de Pedagogia: a problemática da


instrucionalização do campo pedagógico e o paradigma da Ciência da Educação

[...] Ignorando a complexidade dos problemas, o público não sabe [...]


que a Pedagogia é, entre outras, uma ciência, e das mais difíceis, devido à
complexidade dos fatores em jogo (PIAGET, 2010, p.10).

A educação é uma prática social que se organiza em torno de ideais culturais e


políticos localizados em determinados contextos histórico-espaciais. Ela se desenvolve a
partir de mediações sistemáticas, ou não, objetivando a formação dos indivíduos de modo
que estes possam corresponder às expectativas dos grupos humanos nos quais estão
inseridos. Ao mesmo tempo em que é prática, a educação também configura um saber-
fazer envolvido no modo pelo qual as intencionalidades formativas se expressam em
determinados modos de ação, o que evidencia as diferenciações de finalidades e meios de
processar a formação humana ao longo de toda a história da humanidade.
Um ideal político vislumbrado por uma dada comunidade humana está posto à
dinamização das relações coletivas entre os sujeitos, ao passo que sua mobilização para a
vida subjetiva (cultura simbólica) e concreta (cultura material) implica no enquadramento
ideológico que, por sua vez, perfaz a posição do sujeito como membro constituinte daquela
comunidade. Assim, a educação está perpassada de intencionalidades formativas que
configuram suas práticas e estabelecem relações entre o modo pelo qual o processo
educativo se desencadeia, em ato, e os pressupostos previstos ao seu ordenamento.
Essa preocupação de vincular um saber elaborado intencionalmente a um modelo
de prática educativa que expresse tal saber, se constitui como foco de reflexão recorrente
nas sociedades ao longo do seu desenvolvimento histórico. Esse saber passou por uma
descontínua reconfiguração de sentido epistêmico, por uma diversos modos de
estruturação, enquanto formulação teórica apriorística, humanista, pragmática-utilitarista
62

ou dialética. Oscilando em definições inscritas numa pluralidade de orientações


epistemológicas, o saber sobre a educação é situado ora como arte, técnica ou ora como
filosofia ou ciência, recebendo múltiplas terminologias, circunstância que explica a
polissemia que marca seu quadro de conceptualização lógica até a atualidade.
Houssaye (2004) registra que desde a Grécia Antiga, em Sócrates, a problemática
da finalidade e dos meios educativos passa a ocupar um lugar privilegiado na reflexão
filosófica no que concerne à busca pela verdade que deveria ser ensinada como virtude aos
jovens e da prática que conduziria a formação do caráter, à maiêutica. Contudo, segundo o
autor, “Sócrates, pedagogo, verdadeiro prático da educação, será 'desviado', se voltará para
as idéias, para o absoluto” (HOUSSAYE, 2004, p.16), em função da apreensão que Platão
faz de seus preceitos, na medida em que este último, filósofo, sustenta uma reflexão
através da qual conclui que a formação humana é modelada por uma essência ideal, o
conceito da verdade alcançado apenas pela filosofia, importando muito pouco a questão do
meio, do método, da pedagogia. A verdade é uma condição do pensamento alcançada pela
reflexão intrapessoal, de tal forma que “interessar-se pela forma, pelo método, é duvidar do
fundo, da verdade” (HOUSSAYE, idem, p.16).
Soëtard (2004), discorrendo sobre a relação entre Pedagogia e o sentido do homem
na Filosofia, se remete à metodologia dos diálogos socráticos, afirmando que “a
simplicidade essencial da relação se deve ao fato de que a filosofia nasceu de um ato
pedagógico: o ato socrático” (2004, p.59). Por meio do diálogo, Sócrates não obteve como
pretexto expor um tratado de filosofia aos jovens de Atenas, mas intencionou conduzir
reflexões em ação, cuja tônica se aproximava muito mais do questionamento, do que da
doutrinação. Por isso mesmo é que a maiêutica, “como tal, não deu origem a nenhum
escrito da parte do pedagogo de Atenas” (SOËTARD, 2004, p.59).
O fato que interessa é que a reflexão sobre a educação começa a ser sistematizada a
partir dessas correlações entre as práticas formativas e suas interfaces com diversas
matrizes de conhecimento. Elementos reflexivos sobre a educação estavam dispersos nos
discursos sobre a constituição da democracia, da razão, da lógica, da política e da
sociedade. Já no final do século XVII que Comenius e W. Ratke formulam diretrizes de
instrução escolar visando subsidiar novas propostas de educação da época. Comenius
elabora um sistema conceitual técnico-teórico com o objetivo de organizar a sala de aula
com procedimentos baseados nos princípios do que foi concebido como Didática, uma
versão embrionária do que, mais adiante no século XVIII, se configurou como Pedagogia
63

Científica.
O estudo da problemática educativa não foi tratado sob a denominação de
Pedagogia de modo contínuo e unívoco desde sua constituição na Grécia Antiga. Herbart,
no final do século XVIII, é quem inaugura tal terminologia no Tratado de Pedagogia Geral,
produção considerada a primeira obra científica em Pedagogia. Considerado pela
historiografia ocidental como o criador da Pedagogia Científica, esse teórico apresenta um
conjunto de suposições teóricas pautadas pelo experimentalismo, conferindo à Pedagogia
um caráter de Ciência com base na Psicologia Experimental, a qual forneceria subsídios
conceituais presididos pelo rigor e validade objetiva para que a prática educativa, tomada
como uma realidade natural, fosse transformada em arte pedagógica, ou seja, uma prática
sistematizada por parâmetros éticos e operativos gestados numa Ciência Educacional
capaz de planejá-la e controlar estrategicamente seus efeitos.
Herbart elabora um modelo científico de Pedagogia propedêutico da Psicologia,
restando àquela a orientação ética da arte de instruir. Segundo Franco, “sua pedagogia
científica baseia-se numa doutrina filosófica que é a psicologia do mecanismo das
representações” (2008, p.33). Essa doutrina nutria a convicção de que o papel do educador
é instruir moralmente o estudante. Para tanto, Herbart infere que a educação, enquanto
formação moral, é orientada pela instrução, mecanismo de transposição das idéias
complexas. O processo educativo, na Pedagogia Científica, é precedido pela instrução.
Assim, o centro da Ciência Pedagógica estaria nas questões didáticas sobre as técnicas e as
formas de operar a aprendizagem escolar. A propósito, Franco corrobora que

Pode-se dizer que com Herbart inicia-se uma postura de positivismo na


ciência da educação, e, paradoxalmente, inicia-se um fechamento do
horizonte da pedagogia como ciência [...] O autor não considera que seja
por meio dos ideais da educação que deverão emanar as necessidades a
serem resolvidas pelo ensino. Herbart inverte esta questão e centraliza a
proposta científica da pedagogia na instrução (2008, p.34).

A redução implicada pela centralidade da instrução no processo de produção do


conhecimento da Ciência Pedagógica é relativa às convicções filosóficas que organizaram
o pensamento herbartiano. Ele considerou que a Ciência Pedagógica deveria finalizar um
saber diretivo e não dialético, uma vez que a educação é alcançada por um conjunto de
práticas instrutivas de como os sujeitos devem desenvolver-se moralmente a partir de suas
vontades pessoais. Suas premissas teóricas estão contrapostas à concepção da educação
64

como um projeto político-social que configura as possibilidades da instrução. Logo, o


horizonte da Pedagogia enquanto ciência é circunscrito ao âmbito das questões técnico-
instrumentais da instrução escolar, ao passo que a reflexão sistemática das finalidades
educativas, suas razões históricas, filosóficas e político-culturais, bem como das dimensões
ideológicas envolvidas no processo de transformação social são preteridas de um espaço
central da produção do conhecimento pedagógico.
O problema de instrucionalização da Pedagogia e da sua redução ao plano técnico-
instrumental da prática educativa exerceu fortes influências na consolidação de um estatuto
de cientificidade para si mesma, a partir de então. A ênfase conferida aos procedimentos
tecnológicos necessários à prática implicou na superficialidade do conhecimento produzido
no âmbito da Ciência Educacional, a qual se configurava mais como uma Ciência da
Instrução. Desse modo, “a preocupação com a educação como processo social, como
projeto intencional de transformação social, como objeto de estudo, foi sendo
gradativamente deixada para segundo plano, pelos próprios pedagogos” (FRANCO, 2008,
p.35).
Concomitantemente, na Alemanha, desenvolveu-se uma tendência conhecida como
Pedagogia Humanista, cujos expoentes encontram-se em Hegel, Dilthey, Pestalozzi e
Froebel. O que a caracteriza é a primazia de uma matriz epistemológica sobre a educação,
e não apenas relativa à instrução, conferindo mais relevância à reflexão filosófica das
práticas educativas.
A partir do século XIX a Pedagogia Científica de Herbart sofre sucessivas
reconfigurações e serve de base para a pluralização de novas tendências de organização do
estatuto de cientificidade da Pedagogia. Franco (2008) comenta que após a primeira
tentativa de cientificização da Pedagogia em Herbart, duas correntes epistemológicas são
produzidas: a Pedagogia Pragmático-Utilitarista, representada inicialmente pelo filósofo
americano John Dewey, e a Pedagogia Dialética, a qual introduz elementos marxistas ao
método de construção do conhecimento pedagógico e o reconfigura a partir de uma
Filosofia da Práxis.
A expansão da Pedagogia Científica, na análise da autora, é justificada pelas
expectativas geradas pela Revolução Industrial em torno da renovação dos processos
educativos, de modo a torná-los eficientes, científicos e propícios às necessidades de
formação humana nesse contexto histórico. A Ciência, de modo geral, perde o seu valor
social na medida em que é utilizada como instrumento de conformação ideológica por
65

meio da produção de conhecimentos pertinentes aos empreendimentos do capital. Na


esteira desse processo, a Pedagogia se reveste de um caráter mais cientificista técnico-
instrumental e menos social.
A dimensão filosófica que ainda restava na Pedagogia devido aos resquícios da
tradição humanista é radicalmente subsumida ao corolário do tecnologismo que marca o
empreendimento pedagógico nessa época. A Pedagogia foi levada a construir modelos
tecnológicos concebidos como produtos instrumentais com relevância ao projeto político-
social da industrialização, o que consolida a sua representação como Ciência da Instrução
iniciada em Herbart e reafirmada por outros autores apoiados em seu pensamento,
especialmente a partir das contribuições de Ziller. É nesse momento que são formuladas as
etapas constitutivas do método herbartiano, uma adaptação da proposta inicial do teórico.
Afirmada como um saber-chave da modernidade (CAMBI, 1999), a Pedagogia, de
fato, se desaproxima radicalmente da reflexão complexa sobre a educação, uma vez que o
ensino moderno se configura como tecnologia desatrelada daquela formação pautada pela
verdade construída no diálogo entre o sujeito e o mundo, como inspirou Sócrates. Como
problematiza Franco, “acabou-se o dilema, a pedagogia não é arte, é ciência, uma ciência
da instrução. Ou acabou a Pedagogia?”(2008, p.40).
O desenvolvimento da Pedagogia no início do século XX, ainda sofrendo certa
influência do instrucionismo e do positivismo gestado no contexto da Revolução Industrial,
abrange uma efervescência de experiências educativas inovadoras, como as propostas de
educação ativa na Escola Nova, a qual opera a emergência de novas questões que
incrementaram o quadro investigativo e conceitual da Pedagogia, direcionada em duas
grandes vertentes: a Pedagogia Pragmático-Utilitarista e a Pedagogia Dialética, envolvendo
ainda, a Pedagogia Cognitiva/Instrucional/Tecnológica. Esse movimento, embora conserve
alguns traços do estatuto cientificista da Pedagogia dos séculos XVIII e XIX, busca
estabelecer rupturas com as idéias de neutralidade e tecnologismo propostas pelo
Positivismo, para afirmar-se de modo renovado, em face a novas demandas localizada em
torno dos processos de ensinar e aprender.
Progressivamente, a Pedagogia passa a ter uma maior centralidade nos processos de
organização social, no entanto seu papel é deslocado de ciência instrucional para ciência
metodológica e mediadora de fundações político-culturais. Para além da técnica
instrumental necessária à instrução escolar, a Pedagogia volta-se a questões metodológicas
relativas à infância, formação cognitiva da criança e processos de aprendizagem. Assim,
66

inicia-se uma ampliação de seu campo teórico-investigativo. De acordo com Franco

É um momento de grande bricolage no campo do conhecimento


pedagógico, no qual se impõe a incorporação de saberes de outras
ciências, mesclando saberes pedagógicos com as descobertas de outras
ciências, especialmente na psicologia, da sociologia, da psicanálise, e
talvez abrindo as portas da ruptura entre ser a pedagogia a ciência da
educação, para ser uma das ciências da educação (FRANCO, 2008,
p.21).

Cambi (1999) localiza esse deslocamento do eixo epistemológico da Pedagogia


para o paradigma das Ciências da Educação como um produto elaborado pelos
empreendimentos teóricos europeus no curso da segunda metade do século XX. Na análise
do autor, referenciando Arnould Clausse,

[...] essa passagem ocorreu por razões não só epistemológicas ligadas às


transformações dos saberes, mas também e sobretudo por razões
histórico-sociais: com o advento de uma sociedade cada vez mais
dinâmica e aberta, que reclama a formação de homens sensivelmente
novos em relação ao passado, homens-técnicos e homens-abertos capazes
de faze frente às inovações sociais, culturais e técnicas (CAMBI, 1999,
p.595).

Para corresponder às exigências que a sociedade e os meios intelectuais lhe


impuseram, a Pedagogia passou a ser tributária dos saberes produzidos em outras
instâncias científicas. Tal circunstância altera radicalmente sua matriz epistemológica, à
medida que incorpora uma pluralidade de referências teórico-metodológicas para
fundamentar o seu olhar também plural sobre o fenômeno educativo, haja vista a sua
condição de objeto multidimensional. Do modo pelo qual refletem autores como Houssaye
(2004), Soëtard (2004), Libâneo (2001; 2002), Pimenta (1998; 2002;) e Franco (2008),
essa transição paradigmática não resolveu a questão epistemológica da Pedagogia, ao
contrário, a complicou mais ainda, em virtude da fragmentação do conhecimento
produzido no âmbito da educação.
Libaneo (2001; 2002) e Pimenta (didática) argumenta que as áreas de conhecimento
denominadas de Ciências da Educação não são, na realidade, instâncias nas quais se
produz saber pedagógico, pois cada Ciência estaria interessada particularmente em alguma
dimensão do fenômeno educacional. O autor considera prudente concebê-las como
Ciências Auxiliares, haja vista sua necessária interlocução com a Pedagogia, a fim de que
esta articule conhecimentos acerca do seu objeto de estudo que é a totalidade da prática
67

educativa. O pedagógico consistiria num conhecimento multirreferencial que abrange todas


as dimensões constitutivas das práticas educativas, funcionando como uma espécie de
síntese integradora dos aportes diversificados fornecidos pelas Ciências Auxiliares. Nesse
sentido, a Pedagogia se constituiria como uma Ciência Transdisciplinar, diferindo da sua
constituição decorrente do paradigma que estrutura as Ciências da Educação, onde passa a
se constituir como um campo de aplicação de conhecimentos exógenos a si mesma ou
como pesquisa prática.
Na lógica das Ciências da Educação “é assim que a Pedagogia vai progredir:
emparelhando-se com a ciência e até mesmo com as ciências; o seu saber vai vir de fora –
o 'como fazer' não encontra mais sua verdade e seu rigor no fazer, e sim em saberes que se
consideram científicos” (HOUSSAYE, 2004, p19).
Entre os argumentos que tensionam as posições atinentes à problemática relacional
entre a Pedagogia, como Ciência Educacional, e as Ciências da Educação existe um
significativo elenco de disparidades antagônicas. Seus defensores protagonizam um
complexo conflito teórico, epistemológico e metodológico que infiltram as propostas
práticas de intervenção de pedagogos, bem como explicitam as divergências de concepções
envolvidas no processo de composição curricular para a formação desse profissional. Sem
intencionar o aprofundamento exaustivo dessa temática, porém, apropriando-se das críticas
elaboradas pelos teóricos que se contrapõem à suposta naturalização e irreversibilidade das
Ciências da Educação, passa-se, neste texto, a abordar os elementos epistemológicos que
estruturam o entendimento da Pedagogia como Ciência Educacional e o imperativo de que
o seu objeto, a educação em sua complexidade, seja abordado no âmbito de um paradigma
de ciência ressignificada, cujo estatuto propõe-se a superar o dilema ciência x arte x técnica
presente em toda a história de construção do conhecimento pedagógico, pressupondo o
caráter inter-relacional e indissociável dessas três dimensões por meio da práxis formativa.
A superação da sistemática de produção de conhecimento estruturante das Ciências
da Educação significa não apenas uma legitimação terminológica da Pedagogia como
Ciência da Educação, visto que os problemas derivado daquela sistemática estruturante das
relações entre os saberes permaneceria vigente na manutenção do apriorismo idealista ou
experimentalista, na fragmentação do próprio saber pedagógico, na perduração do dilema
teoria x prática, quando da impropriedade das teorias educacionais em sua interface de
fomentadora das práticas, e na representação deste saber como um conjunto de técnicas
instrumentais que se encerram na transmissão de conteúdos na sala de aula. Para além da
68

redutiva adoção terminológica, o desafio posto à produção do conhecimento no âmbito da


educação é a reconversão de sentido do saber pedagógico de técnico-instrumental
(instrucional) para mediador da práxis formativa (educativo).
Os processos de educação estão cada vez mais complexos e demandam da Ciência
Educacional um corpus teórico-conceitual e sistemáticas metodológicas mais sofisticados e
consistentes cientificamente, a exemplo da mobilização de novas tecnologias no contexto
da mediação pedagógica. Portanto, o parâmetro científico aplicado para a consolidação de
um estatuto epistemológico para a Pedagogia já não deve ser o mesmo que pautou sua
formulação cientificista em Herbart. Ademais, os princípios que presidiram o pensamento
herbartiano, resguardados os méritos tributados ao autor face ao tratamento específico que
ele conferiu à problemática educacional em sua época, serviram para reduzir o horizonte da
Pedagogia como ciência, uma vez que esta estaria atrelada de modo dependente à
propedêutica psicológica que, aliás, como também em muitas outras tentativas posteriores
de estruturação da Ciência Educacional, influenciou a psicologização
instrucional/experimental do conhecimento sobre educação.
A contemporaneidade suscita um novo paradigma de ciência que incorpora os
princípios da complexidade, da reflexividade, da comunicação simbólica e intersubjetiva
como elementos fundantes de uma matriz epistemológica, segundo Ghedin e Franco
(2008). Não se trata de transpor aquele modelo de ciência positivista com forte apelo
quantitativo, experimental, objetivo, unilateral, especializado e empírico para o
delineamento da racionalidade que deve guiar a produção do conhecimento em educação
pela Pedagogia, esta que vai se organizando conforme as necessidades do tempo histórico
atual, buscando transcender o acúmulo de saberes normativos e prescritivos herdados da
tradição de tecnologia instrucional. Os autores supracitados concluem que “diante desses
posicionamentos, há que se pensar em outras formas de estabelecimento de critérios de
validade da ciência” (GHEDIN; FRANCO, 2008, p.50).
Para tanto, a reconversão de sentido para a Pedagogia compreenderia,
consequentemente, a reconfiguração do seu objeto de estudo e dos referenciais teórico-
metodológicos mobilizados para a sua construção e apreensão fenomênica. Acerca desse
objeto, Franco considera que “a dimensão da educação que será o objeto da pedagogia
como ciência será a práxis educativa. A práxis da educação será assim apreendida como
realidade pedagógica”(FRANCO, 2008, p.80).
Operando a transmutação da prática educativa como poiésis, aquela que engloba
69

um saber-fazer não-reflexivo, para a prática da educação como práxis que, ao contrário da


primeira, consubstancia-se a um conjunto de saberes reflexivos e contextuais configurados
por uma intencionalidade formativa, a Pedagogia permitiria ao sujeitos uma espécie de
inteligibilidade das diversas dimensões constitutivas dos processos de ensino e
aprendizagem, sejam estes escolares ou não-escolares. A compreensão da práxis educativa
requer da Ciência Educacional uma matriz relativamente autônoma de referenciais
fundamentais para a inserção do pedagogo nas dinâmicas formativas, cujas metodologias
refletiriam um projeto de compreensão dos sentidos que vão sendo construídos pela
coletividade e desencadeariam uma mediação sistematicamente planejada e executada.
Obviamente, na elaboração deste sistema de fundamentação teórico-metodológico estariam
incluídos os aportes referenciais produzidos no âmbito das ciências auxiliares, porém
coordenados reflexivamente pela Pedagogia.
De acordo com Franco (2008), o olhar praxiológico da Ciência Educacional
compreenderia duas direções: a fenomenológica e a dialética. A direção fenomenológica se
orienta pelo dimensionamento do objeto de estudo como uma realidade que não é estática,
evidente, naturalmente dada. A prática educativa precisa ser construída como objeto de
estudo compreendido num contexto de relações histórico-sociais que influenciam a sua
significação coletiva. Nesse sentido, o olhar pedagógico do objeto de estudo deve permitir
a sua articulação dialética com a realidade mais ampla na qual está inserido, concebendo-o
como uma produção social na qual se enxertam ideologias, idissiocracias institucionais,
subjetividades coletivas e condições da materialidade estrutural presente no funcionamento
da sociedade.
Como a função educativa não está circunscrita apenas ao espaço escolar, a
Pedagogia compreenderia também a análise dialética, com a intencionalidade propositiva
de intervenção sistemática, das ideologias subsumidas nas práticas efetuadas em espaços
não-escolares, institucionais ou desencadeadas em contextos de educação informal, pois
“todos os outros espaços, além da escola, produzem influências formativas sobre os
sujeitos, produzem saberes, propõem comportamentos e valores, estimulam ações e
comportamentos [...]‟‟(FRANCO, 2008, p.80).
O paradigma da Ciência Educacional que tem como objeto de estudo a práxis
educativa em suas multidimensões e variações rejeita a transferência que vem sendo
aplicada na construção de modelos explicativos e organizacionais para intervenção de
pedagogos em práticas não-escolares, caracterizada pelo tratamento docente a outras
70

questões de natureza pedagógica, contudo diferenciadas das que, epistemologicamente,


inscrevem-se no eixo das dinâmicas institucionais escolares. Transferindo teorias e
métodos da docência escolar para produção de processos de desenvolvimento das práticas
não-escolares, os pedagogos desconsideram as especificidades que caracterizam cada
campo, circunstância que compromete a consistência teórica e qualidade metodológica das
intervenções em gestão de processos pedagógicos dinâmicos e complexos no campo da
educação não-escolar.
As questões que pairam no campo da definição do estatuto epistemológico da
Pedagogia como Ciência da Educação estão, de fato, longe de alcançarem um consenso
entre os teóricos da área. Em síntese, os principais aspectos que incitam o conflito entre as
posições em torno da definição da concepção de Pedagogia são a falta de clareza na
delimitação do seu objeto de estudo, da sua especificidade metodológica e da relação que
mantém com os outros campos científicos que se voltam à educação, os quais unidos
formam a área denominada de Ciências da Educação.
Cabe à Pedagogia assumir uma posição crítica e retomar sua história para exercer a
condição de examinadora das teorias educacionais gestadas em diversos contextos
científicos e temporais. Essas teorias apresentam uma lógica subjacente aos enunciados
sobre educação. Tal lógica, na medida em que explicitidada pela Pedagogia, revela uma
rede de concepções e significados sobre o fazer educativo, sobre a sociedade, os
fenômenos do ensino-aprendizagem, etc. O exame das teorias educacionais leva a
Pedagogia a gerar uma tradição teórica auto-crítica vinculada às dinâmicas da prática.
Desse modo, o pensar pedagógico se institui como um processo práxico de reconhecimento
e articulação dos elementos que perfazem os campos da teoria e da prática como não-duais
nem antagônicos, mas sim complexos, mutuamente referenciados e dinâmicos.
Obviamente, a epistemologia clássica nega a constituição de uma ciência resultante desse
movimento de imbricamento teórico-prático. Por isso mesmo é que as tentativas de
conferir um status científico à Pedagogia enquadrando-a nos moldes da ciência positiva, da
lógica tradicional e da epistemologia clássica, ao invés de permitir a construção de um
corpus conceitual e metodológico coerente com a essência de seu processo práxico,
implicou na fragilização do seu estatuto estruturante.
Na constituição da essência práxica da Pedagogia como Ciência da Educação, o
papel do sujeito adquire relevância, pois a construção dos conhecimentos pedagógicos é
processada no contexto de inserção desse sujeito na eminência da prática. Por meio de um
71

envolvimento crítico-reflexivo e com um olhar de desvelamento, esse sujeito adentra na


prática e desenvolve o processo de práxis como base da investigação pedagógica. Logo, os
parâmetros de validade científica não podem prescindir de considerar a transitoriedade e
contextualidade do conhecimento produzido por esse sujeito, sobretudo porque ele está
circunscrito por condições histórico-sociais que, de certa forma, conformam sua
compreensão e prescrevem padrões de reconhecimento da realidade. Na verdade, Carvalho
(1988) analisa que a Pedagogia tomaria como objeto de análise as relações entre três linhas
de forças capitais: as tradições teóricas das diversas ciências, os movimentos educativos e
as instituições e seus sujeitos.
Percebe-se que a capacidade da Pedagogia operar uma reflexão investigativa das
redes de relações entre as linhas supracitadas se sustenta na lógica indutiva, uma vez que
por meio dela chega-se a inferências a partir das ações e inserções no campo da prática.
Tendo a lógica indutiva como marco para a construção de esquemas explicativos da
realidade educativa, a práxis cientifico-social desenvolvida pela Pedagogia abrangeria um
amplo espectro variado de dimensões do seu objeto de estudo. Vale salientar que

ao se dizer que a Pedagogia é uma ciência da prática educativa, se está


sustentando que ela não é imediatamente prática, não se efetiva como uma
tecnologia imediata e sim como uma reflexão sistemática sobre uma técnica
particular: a educação (MAZZOTTI, 1996, p.30).

Ressaltando que o uso do termpo “pedagogia” tem sido acompanhado de um mal-


estar causado pela polemização identitária a qual ele está remetido, Saviani exemplifica
que em diversos países da América Latina, como também em alguns da Europa, os cursos
de formação de profissionais da educação são designados de Ciências da Educação. Isso
revela, em certa parte, que a idéia da conversão epistemológica de construção do
conhecimento sobre educação que deu lugar a emergência do paradigma das Ciências da
Educação no início do século XX, se consolidou muito mais numa perspectiva
organizacional nas esferas das instituições educativas (CAMBI, 1999), do que
propriamente epistemológica, uma vez que esse paradigma não apresenta uma proposta de
definição estatutária para a Pedagogia e sua interface com as demais áreas científicas,
subsumindo-a a um campo mal explicitado de aplicação de conhecimentos e métodos
exógenos à Educação.
As Ciências da Educação representaram, e talvez ainda representem, assinaladas
sob o argumento da interdisciplinaridade, uma tentativa de ampliar o universo de
72

referências teórico-metodológicas para a construção de sistemas explicativos e formas de


intervenção fundamentada na educação. A despeito das boas intenções, a adoção do
modelo epistemológico consignado às Ciências da Educação tem acarretado, desde sua
origem, no “enciclopedismo vacilante ou na oscilação entre os diferentes enfoques
decorrentes das várias abordagens, supostamente científicas, que incidem sobre a
educação” (SAVIANI, 2008, p.134).
Saviani (2008) desenvolve um paralelo de diferenciação entre as Ciências da
Educação e a Pedagogia, buscando localizá-la entre aquelas. Tal paralelo tem como eixo
central a própria educação. Na interface das Ciências da Educação, a educação é acessada
por meio de um caminho metodológico referente à especificidade de cada ciência. Isso
porque essas ciências já têm um objeto constituído de modo que o fenômeno educativo é
recortado a partir do aspecto que corresponde a tal objeto. No caso da Pedagogia, sua
constituição se daria concomitante à constituição da própria educação, já que a construção
de conhecimentos pedagógicos deriva da integralidade do objeto educacional. Em outras
palavras, a educação é o ponto de partida e o ponto de chegada da abordagem da
Pedagogia, enquanto que no modelo das Ciências da Educação, “o processo educativo é
encarado, pois, como campo de teste das hipóteses que, uma vez verificadas, redundarão
no enriquecimento do acervo teórico da disciplina [...] referida” (SAVIANI, 2008, p.140).
Obviamente, a constituição da Pedagogia como Ciência da Educação possui um
caráter interdisciplinar. A função da abordagem pedagógica seria de construir o objeto
educacional em sua integralidade e coordenar o conjunto de referências científicas
disponíveis no âmbito das diversas ciências que se voltam para a educação. Mazzotti e
Oliveira (2000) assinalam que apenas a Pedagogia manifesta condições de articular tais
referências, visto que as outras ciências isoladas possuem um corpo de conhecimentos e
métodos distantes uns dos outros. Os autores ainda chamam a atenção para a dimensão de
interdisciplina da Pedagogia quando complicam que a ideia de interdisciplinaridade vem
sendo concebida como a sobreposição de referências distintas sobre um mesmo objeto,
representando enfoques convergentes cuja origem está associada a uma apreensão já dada
desse objeto. Na verdade, Mazzotti e Oliveira defendem a interdisciplina a partir do que
eles consideram como sendo seu sentido próprio, qual seja, “a coordenação de teorias de
diversas disciplinas para apreender um objeto que cada uma delas é incapaz de realizar”
(2000, p.77).
Um ponto de vista diferente, porém pertinente, sobre a relação entre a Pedagogia e
73

as demais áreas científicas é apresentado por Jean Piaget. Em um texto originalmente


escrito nas na década de 1960, ele problematiza o esquema de aplicação de conhecimentos
científicos no campo pedagógico, provocando uma reflexão em torno da ideia de que muito
se esperou que tal aplicação conferisse à Pedagogia padrões científicos mais estáveis e
consolidados. Porém, isso não foi possível dada a própria inconsistência das disciplinas
científicas ao tratarem da educação associada ao que ele designou como falta de progresso
que implica a ausência de conhecimentos específicos pedagógicos. Piaget menciona que

Quando a pedagogia procura aplicar os dados da psicologia e da


sociologia, encontra-se, ao contrário, em presença de questões enredadas
tanto de fins como de meios, nada recebendo das ciências-mãe a não ser
modestos socorros, em virtude da falta de progresso suficiente dessas
disciplinas, não constituindo sequer um corpo de conhecimentos
específicos (PIAGET, 2010, p.10).

Finalmente, os argumentos em favor da abordagem paradigmática que representa a


Pedagogia como Ciência da Educação, uma Ciência integradora e mediadora da práxis
capaz de processar a necessária síntese entre saberes científicos, sócio-culturais e práticos
com vistas a elaborar teorias que norteiem a tomada de decisão nas situações educativas de
modo pedagogicamente referenciado, são complexos e plurais, da mesma forma que as
razões usadas para defender posições que contradizem essa abordagem também o são.
Conforme discutido anteriormente, as posições epistemológicas ficam cada vez mais
acirradas quando estão postas em contexto de negociação acerca do status do
conhecimento pedagógico e, especialmente, dos arranjos formativos que devam ser criados
para profissionalizar os agentes da Pedagogia.
No próximo tópico, pretende-se focalizar a discussão acerca de como a
problemática que envolve a definição epistemológica da Pedagogia pode estar associado à
problemática da construção do contexto formativo para o curso de Pedagogia. É possível
estabelecer algum tipo de conexão entre epistemologias do campo pedagógico e a
padrões formativos mobilizados para o desenvolvimento curricular do curso de
Pedagogia? Uma determinada opção epistemológica, em nível de discurso oficial,
mantem ingerência na definição de competências, modelos metodológicos, conteúdos
e dinâmicas de formação atribuídos ao curso de Pedagogia? Objetivando explorar,
74

desde já, o campo empírico para o qual esta pesquisa se volta, sob a intenção de instituir os
primeiros movimentos de aproximação com as instituições nas quais os professores
formadores estão inseridos, buscar-se-á analisar de que modo a questão da identidade e
especificidade da Pedagogia e do campo pedagógico esta posta no Projeto Pedagógico do
Curso de Pedagogia do Centro de Educação da UFPB e nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para este curso.

3.2 A problemática formativa no curso de Pedagogia na interface de um problema


epistemológico

O conflito epistemológico que envolve a definição de Pedagogia tem desembocado


no embate de posições também conflituosas no campo da formação inicial de pedagogos.
Autores como Saviani (2008) e Libâneo (2001; 2002; 2007) têm discutido que a
imprecisão ou desconsideração de uma perspectiva de significação epistemológica da
Pedagogia marcou todo o desenvolvimento histórico do curso de Pedagogia no Brasil.
Nesse sentido, este texto se inicia com um resgate sintético dos marcos regulatórios de
funcionamento do referido curso, demonstrando a relevância das questões que envolvem a
especificidade do campo pedagógico e a identidade do pedagogo numa análise dos padrões
formativos que contornam a construção dos contextos de aprendizagem do curso de
Pedagogia, em seus níveis curricular, metodológico e político-institucional, sobretudo
quando se considera que tais padrões demarcam o lugar da formação de educadores na
universidade.
Partindo dessa intenção, será realizado um processo de Análise do Discurso de
orientação bakhtiniana orientado a localizar registros contidos nas Diretrizes Curriculares
Nacionais (DNC) do curso de Pedagogia (BRASIL, 2006) que apontem uma determinada
tendência de definição epistemológica da Pedagogia. Em seguida, tomar-se-á o Projeto
Político-Pedagógico (PPP) do curso pesquisado para observar como a questão da definição
epistemológica está posta nesses documentos, relacionando-as às declarações feitas
concernentes ao objeto, objetivo e competências formativas que, de modo geral, são eixos
estruturantes dos processos de ensino-aprendizagem que se dá ao longo das disciplinas e
demais experiências de formação inicial do pedagogo.
75

3.2.1 Marcos regulatórios das Políticas Curriculares do curso de Pedagogia no Brasil:


(des)configurações da Pedagogia

Desde a sua institucionalização na Universidade do Brasil em 1939, através do


Decreto-Lei n. 1.190, por ocasião da criação da Faculdade Nacional de Filosofia, o curso
de Pedagogia é alvo de recorrentes dúvidas acerca de sua identidade e de críticas que se
dirigem principalmente em três direções: o seu lugar na Universidade, a especificidade do
profissional formado no curso e, em decorrência desse último aspecto, da natureza do
trabalho que o mesmo deveria assumir nas instituições sociais. É nesse primeiro momento
de sua existência que emergem os seus “problemas fundamentais”, segundo a análise de
Silva (2003), os quais correspondem às três direções anteriormente citadas.
Ao longo de sua história, tais problemas fundamentais foram alvo de mecanismos
de resoluções que se concentravam basicamente em duas esferas. A primeira delas refere-
se aos mecanismos da esfera de regulamentação profissional sustentados pela crença de
que se os cargos a serem assumidos pelos pedagogos fossem regidos por um aparato de
dispositivos regulamentadores, a tendência do curso de Pedagogia seria a de se encaminhar
à estabilização, visto que a necessária correspondência entre o âmbito da formação com o
do trabalho proveria a consolidação de sua identidade, implicando na afirmação das
características específicas que a define. As propostas de regulamentação davam relevância
ao aspecto do trabalho profissional, visto que a afirmação da natureza do serviço prestado
pelos pedagogos às instituições não implicava com a restrição de que atividades
pedagógicas fossem desenvolvidas apenas por eles – reforçando as críticas que
denunciavam a insuficiência da formação desenvolvida pelos Institutos Formativos e
acenando à possibilidade de outros mecanismos para resolução dos problemas do curso de
Pedagogia.
Já a segunda esfera de resolução compreende os diversos mecanismos de
reformulação que se deram, ora de modo concomitante às propostas de regulamentação,
ora que foram desdobradas a partir de necessidades asseveradas por elas. O curso de
Pedagogia passou, até o presente momento, por três reformas curriculares, sem contar com
o Decreto-Lei que lhe deu origem em 1939. As reformas se deram em 1962, 1969 e, a mais
recente, em 2006. Embora tentassem avançar no que se refere à construção de descritores
formativos e a organização de conteúdos e percursos de formação inicial, tais reformas
apresentam uma lacuna no que se refere à fundamentação teórico-epistemológica da
76

Pedagogia de tal modo que as Diretrizes Curriculares Nacionais (2006) chegam a redundar
a própria Pedagogia a uma de suas práticas, a docência.
O investimento em pesquisas acerca da identidade da Pedagogia tem crescido
significativamente no decurso das reformas, entretanto a produção resultante de tais
pesquisas ainda parece invisível porque a maioria das discussões sobre formação e trabalho
pedagógico desconsideram as questões fundamentais da história da institucionalização do
campo pedagógico no país. Para muitos pesquisadores e Instituições, é dispensável incorrer
na historicidade do curso e recuperar questões fundamentais relativas à identidade e
evolução de desenhos curriculares, visto que essa discussão tende a cair no ostracismo e
permanecer enclausurada em velhos debates estéreis que pouco acrescentam à reflexão de
natureza político-formativa do curso hoje. Essa posição é, em todos os casos, simplista e
reducionista, pois os problemas pelos quais o curso de Pedagogia atualmente passa e os
desafios que a formação pedagógica tem a superar carregam em si, evidentemente, toda
uma cadeia de fatos históricos dispersos no trajeto de criação de concepções sobre a
natureza da formação pedagógica, a epistemologia da Pedagogia e as alternativas mais
adequadas para compor uma estrutura curricular compatível com a especificidade de cada
momento histórico na sua complexidade política, social e cultural.
O escanteamento da discussão que confere relevância à história e teoria da
Pedagogia, por meio de uma atitude investigativa voltada ao estudo epistemológico do
conhecimento pedagógico que busque estabelecer rupturas com o modo de concepção
simplista e reducionista de seu estatuto, implicou no eclipse da própria Pedagogia que,
mesmo sendo alvo de críticas infinitas advindas de diversos setores, permanecia apagada,
escondida e sem condições de oferecer respostas a partir do que a constitui como área de
conhecimento, de formação e de atuação profissional. A Pedagogia, assim como a área de
formação de pedagogos e professores, em geral, ao se desvincular da rica tradição teórica
que lhe é inerente

[...] não se configurou, pois, como um espaço propriamente investigativo,


o que resultou num ensino o mais das vezes precário do ponto de vista da
qualificação que propiciava e pouco consistente pelo aspecto de sua
fundamentação teórico-científica. Assim, a área pedagógica foi objeto de
certo estigma, reforçado pelo baixo status social da profissão docente, de
modo especial quando referida ao nível elementar da organização escolar
(SAVIANI, 2008, p.71).

Em seu estudo, Silva (2003) faz um estudo detalhado dos marcos regulatórios do
77

curso de Pedagogia focalizando o aspecto de sua identidade e, a partir de um levantamento


histórico, delimita quatro períodos da história do curso. O primeiro foi o período das
regulamentações, em que o curso tem sua identidade questionada, delimitado entre 1939 a
1972. Este período foi seguido pelo período das indicações (1973-1978), o da identidade
projetada. O terceiro período que a autora estabeleceu foi o das propostas, que se desdobra
de 1979 a 1998, em quem a identidade do curso foi colocada em discussão. Finalmente, o
último período alcançado pelo estudo da autora se inicia em 1999 e é denominado de
período dos decretos, marco da identidade outorgada. Silva (2003) afirma que o curso de
Pedagogia emerge juntamente com o problema fundamental que o acompanharia ao longo
de sua história, qual seja a sua função e, em decorrência, o destino e o papel dos seus
egressos.
Já em 1939, com a sua criação, o curso enfrentou o problema da identificação
profissional do seu egresso formado como bacharel. Por meio do esquema 3 + 1, no qual
os estudantes cursavam três anos de disciplinas do Bacharelado e, caso quisessem,
cursariam também as disciplinas da área de Didática para exercerem cargos de professores
no ensino de 1° e 2° graus. A questão apontada por Silva (2003) é que, com exceção para a
ocupação de cargos técnicos do Ministério da Educação, o título de Bacharel em Pedagogia
não se configurava como um critério exigido pelo mercado, da mesma forma que o
Licenciado em Pedagogia, aquele que cursou as disciplinas da área de Didática, não tinha
uma situação de profissão bem resolvida, já que concorria à da sala de aula dividindo
espaço com normalistas e outros indivíduos sem formação pedagógica.
Ao longo da década de 1960, com a influência da tendência tecnicista expressa no
discurso ditatorial, o curso de Pedagogia é levado a se adaptar à demanda de formação de
técnicos especialistas em quatro setores do funcionamento escolar: administração,
supervisão, orientação e inspeção escolar. A engenharia curricular que serviu para dar
estrutura a essa formação foi amplamente discutida por autores contemporâneos. Contudo,
não cabe recuperar os argumentos que pautaram tais discussões, uma vez que se intenciona
apenas situar os marcos regulatórios do curso de Pedagogia de modo sintético.
Em 1962, o Parecer CFE n. 251/96, da autoria de Valnir Chagas, institui a segunda
reforma curricular no curso fixando um “[...] currículo mínimo visando a formação de um
profissional ao qual se referem vagamente e sem considerar a existência ou não de um
campo de trabalho que o demandasse” (SILVA, 2003, p.17). Mantendo o esquema 3+1 e
atualizando a dicotomia entre bacharelado e licenciatura, o Parecer instituiu a inserção de
78

sete disciplinas do currículo do curso de Pedagogia e permitiu a escolha de outras duas por
parte das Instituições.
Com o Parecer CFE n252/69, em consonância com a Lei Federal n. 5.540 de 28 de
novembro de 1968, que institui a Reforma Universitária, o curso de Pedagogia passa por
uma reforma que não apenas altera o seu conjunto de disciplinas, mas reorganiza a sua
estrutura sob a diretriz de formar professores para o ensino normal e especialistas para as
atividades de orientação, administração, inspeção e supervisão no âmbito das escolas e dos
sistemas escolares. Nesse momento, o currículo do curso compreende duas partes: a parte
comum composta por disciplinas bases da formação dos profissionais de quaisquer áreas
de atividade e a parte diversificada que nucleia as disciplinas de cada habilitação
específica. O Parecer valida, ainda, a existência de cursos de licenciatura plena e
licenciatura curta, extinguindo o Bacharelado em Pedagogia. Coloca-se como problema na
época a formação para professores primários, uma vez que o curso de Magistério ainda
continuava a existir e a ideologia do “quem pode o mais, pode o menos” estimulou a
criação de componentes curriculares para a formação deste professor no curso de
Pedagogia: metodologia do ensino de 1° e prática de ensino na escola de 1° grau, contando
com estágio supervisionado.
Entre os principais aspectos problemáticos da organização do curso por ocasião da
implementação dessa reforma curricular foi a fragmentação da profissionalização
pedagógica e das práticas de atuação na escola, a redução da ideia de domínio pedagógico
à instrumentalização técnica, a ambivalência de um currículo que contém,
contraditariamente, duas perspectivas interpostas: o generalismo e o tecnicismo, a
desconsideração total do conceito de Pedagogia e o “inchaço” da população de egressos
sem inserção na escola. Acerca da contradição das tendências de currículo, generalista e
tecnicista, numa mescla ambivalente, Silva explica que

Alocando a primeira quase que exclusivamente na parte comum,


considera que ela se caracteriza, grosso modo, pela desconsideração da
educação concreta como objeto principal e pela centração inadequada nos
„fundamentos em si‟ (isto é, na psicologia e não na educação, na filosofia
e não na educação e assim por diante). A segunda, por sua vez, é
identificada com as habilitações reconhecidas como especializações
fragmentadas, obscurecendo seu significado de simples divisão de tarefas
que é a ação educativa escolar (2003, p.43).

Os debates em torno do curso de Pedagogia só cresceram a partir de então. No


79

intercurso das décadas de 1970 e 1980, as discussões educacionais são atravessadas pelos
referenciais de teorias críticas que, assentadas numa matriz de problematização da
realidade social, buscavam romper com a tradição tecnicista e hegemônica que se afirmou
no período ditatorial. A partir da década de 1980, o cenário brasileiro começa a se
organizar a partir de novos eixos políticos fundados na ideia de democracia e no contexto
da República Nova. Os segmentos sociais estavam entusiasmados com um projeto de
renovação dos valores políticos e culturais, o que ocasionou a emergência e consolidação
de diversos movimentos sociais, os quais, num clima propício de rejeição de posturas
autoritárias e anti-democráticas, concretizada princípios constitutivos das reivindicações
dos mais diversos setores da sociedade.
O sistema educacional passou a ser alvo de várias reivindicações e começou a
aparecer, com especial destaque e maior frequência, a pauta de discussão de segmentos da
sociedade política e civil. Reconhecer o imperativo de renovação das práticas pedagógicas
e vislumbrar um projeto de formação de sujeitos imbuído de novos valores sociais e
políticos fiéis ao princípio da democracia e da cidadania colocou a formação do educador
no centro de diversos debates. Oportunamente, a discussão sobre a renovação do sistema
educacional se encontrou com o projeto de evolução da profissionalização do magistério
que, considerando novas demandas sociais e a necessidade de criar mecanismos para o
reconhecimento e valorização do trabalho docente, defendia que a formação de professores
acontecesse em nível superior, do mesmo modo como ocorre em outras profissões.
A partir de então, os esforços em prol da reformulação do curso de Pedagogia para
adequá-lo à nova realidade do país e incorporar a formação docente em sua estrutura foram
intensificados. O marco histórico desse movimento foi a I Conferência Brasileira de
Educação, realizada em São Paulo, no ano de 1980. Obviamente, as outras Licenciaturas
também foram alvo desse intento de reformulação curricular. Essa reformulação se
caracterizaria, sobretudo, pela diretriz de promover, junto aos sujeitos em formação, o
senso crítico para reconhecimento da problemática sócio-educacional brasileira e para o
desenvolvimento de atitudes crítico-reflexivas, e pela ideia de núcleo comum de estudos, o
qual se assentava na compreensão de que a docência deveria constituir a base da formação
de todos os profissionais da educação. A entidade que levou a cabo o movimento de
reformulação foi o Comitê Nacional Pró-Formação do Educador, que mais tarde se tornou
a conhecida Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
(ANFOPE).
80

Nesse sentido, o curso de Pedagogia, no intercurso das décadas de 1980 e 1990,


apresenta um cenário de experiências de desenvolvimento curricular de Instituições que
passaram a oferecer a habilitação de magistério nas séries iniciais do ensino fundamental,
baseando-se numa proposta teórico-metodológica de articulação entre teoria e prática e de
compromisso com a escola pública brasileira. Também, a partir de então, passou-se a
construir o consenso de que a Pedagogia se resume à prática docente, o qual será afirmado
como princípio formativo nas DCN de 2006.
Ao longo da década de 1990, o debate sobre competências docentes, processos de
profissionalização, novas demandas do espaço escolar e prática pedagógica ganhou
diversas direções permeadas por inúmeros discursos e influências ideológicas e teóricas. O
curso de Pedagogia teve que, para legitimar sua existência institucional, manter-se aberto
aos elementos que vinham dessas direções e desenvolver meios de inseri-los em sua
estrutura. Nessa mesma década tem-se a promulgação da Lei 93.94/96 que instituiu
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a emergência e a decadência do curso Normal
Superior, a suspensão e a volta do curso de magistério em nível Normal Médio e a
instensificação de Políticas Educacionais inspiradas pelas relações de articulação entre
Estado Brasileiro e Organismos Internacionais, como o Fundo Monetário Internacional
(FMI), o Banco Mundial e outras entidades. O curso passou a manifestar uma natureza
plural e fluida, revelando a sua instabilidade cada vez maior, haja vista a ausência de
critérios e parâmetros de avaliação de demandas a serem incorporadas no currículo, a partir
da compreensão legítima do que se constitui seu objeto e matriz epistemológica. Reformas,
indicações, legislações frágeis, ambivalentes, contraditórias, experiências de
desenvolvimento curricular desarticuladas e os problemas derivados da noção de “base
comum nacional” que redunda Pedagogia à docência são alguns aspectos que evidenciam a
crise que desembocou na formulação das DCN em vigência.
Uma primeira análise dos marcos de regulamentação e reformulação dos cursos de
Pedagogia no Brasil revela que os problemas do curso, já indicados no início do texto, tem
tido abordagens que oscilam entre a constatação desses problemas associados ao curso,
como a seleção de disciplinas, tempo de duração, requisitos de ingresso e egresso, estágios,
formas de avaliação e perfil do aluno, e entre a referência aos contextos de atuação do
pedagogo, à sua inserção na estrutura das escolas, à função social do trabalho pedagógico e
à realidade brasileira. Percebe-se que todos esses aspectos continuam tendo relevância em
como objeto de crítica em diversos trabalhos acerca da organização do curso de Pedagogia
81

e das práticas pedagógicas, em geral, o que aponta que há “[...] brechas a serem
preenchidas para que se possa aprofundar a compreensão sobre ele‟‟ (SILVA, 2003, p.2).
Um dos principais aspectos que se configuram como eixo para a retomada de
críticas em torno da organização do curso de Pedagogia é a ausência de referência
epistemológica à Pedagogia nas construções das políticas curriculares do curso,
circunstância já apontada por Silva (2003) e Saviani (2008), cujos efeitos se expressam na
distorção de sua identidade epistemológica e na naturalização de equívocos acerca da
especificidade da formação do pedagogo e das práticas profissionais que este deve
desenvolver. Desse modo, pode-se afirmar que

Com efeito, a excessiva preocupação com a regulamentação, isto é, com


os aspectos organizacionais, acabou dificultando o exame dos aspectos
mais substanciais referentes ao próprio conteúdo da pedagogia sobre cuja
base cabe estruturar o curso correspondente (SAVIANI, 2008, p.59).

No próximo tópico, a análise que será feita está concentrada no plano das propostas
formativas, o que requer considerar os marcos de reformulação das políticas curriculares
do curso de Pedagogia, concebidas como construções discursivas que pretendem orientar
perspectivas de ensino e processos de formação desencadeados ao longo do curso em
estreita vinculação com relações ideológicas e demandas sociais mais amplas. Inteciona-se
compreender como a significação epistemológica da Pedagogia está posta nos discursos
oficiais das políticas curriculares, discursos estes registrados sob forma de Diretrizes
Curriculares Nacionais e Projeto Político-Pedagógico (PPP) de Pedagogia do Centro de
Educação da Universidade Federal da Paraíba. Pressupõe-se que a discussão
epistemológica pode oferecer referencias para a reflexão crítica acerca de diversos
problemas que se apresentam no contexto das interlocuções entre a formação, os saberes e
as práticas do pedagogo. Não é intencionada uma análise de quais as estratégias foram
implementadas para a elaboração do PPP, muito embora a construção do documento
evidencie a dinâmica de conflito e diálogo que permite que determinados conceitos e
perspectivas sejam preconizadas, no discurso, em detrimento de outras.
Considera-se, ainda, que as proposições contidas nos documentos das políticas
curriculares do curso de Pedagogia, assim como quaisquer outros tipos de prescrição
curricular, mantém forte relação com o conteúdo e as formas de profissionalidade do
professor formador que atua no mesmo. O trabalho que será desenvolvido em suas
disciplinas e demais atividades de pesquisa e extensão relativas ao curso, deve se coadunar
82

com os objetivos e parâmetros formativos declarados em tais documentos. A ausência


dessa relação de correspondência pode levar à descaracterização do conteúdo do curso e do
delineamento que a metodologia empregada na disciplina deve ter para que se mantenha
articulação coerente curricular, a qual se expressa, num conjunto maior de outros
elementos, no permanente diálogo estabelecido entre as discussões e atividades
desenvolvidas em cada disciplina curricular.

3.3 Notas sobre a constituição do discurso curricular e suas interfaces com as


perspectivas de ensino

As políticas curriculares são, ao mesmo tempo, portadoras e produtoras de


significados formativos. Os significados, por sua vez, se conectam entre si, formando uma
rede de significações em torno do quê, para quê, para quem e como os processos de ensinar
e aprender devem ser desenvolvidos. A significação pode ser concebida, portanto, como
uma prática discursiva múltipla, porque é estruturada por elementos significantes que
geram significados conectados em redes, como epistemologias, valores culturais, políticos
e ideologias. Os significados do currículo e os seus significantes inerentes são estabilizados
por meio da forma curricular, a qual detém marcas tipificadoras específicas relacionadas ao
universo contextual em que é mobilizada. Por meio dessas marcas, a forma curricular pode
ser reconhecida como um texto de contornos específicos que possui funcionalidade
discursiva distinta. Desse modo, o currículo pode ser considerado como um gênero do
discurso.
Conceber o currículo como um gênero do discurso, analisando-o na perspectiva
bakhtiniana, pressupõe abordar a sua natureza discursiva a partir de conceitos-chave que
explicitam o caráter social da produção linguística que constitui o currículo enquanto um
construto discursivo situado historicamente. Ele não é apenas portador de conteúdos de
ensino e aprendizagem, pois é construído a partir de projetos enunciativos que representam
proposições mais abrangentes acerca da formação e constituição do sujeito.
O primeiro conceito consiste na noção de gênero do discurso e esfera de uso da
linguagem, ou esfera de atividade humana. O discurso é um processo de significação que
se materializa nas práticas concretas de enunciação no contexto dinâmico que movimenta o
sujeito falante, o contexto sócio-histórico, o Outro social e o próprio texto. Desse modo, a
83

atividade discursiva mobiliza textos e recursos linguísticos em função das especificidades


de cada situação de interação social. A interação social ocorre entre sujeitos mediados pela
linguagem que é tida como uma arquitetura ideológica de signos na qual o discurso se
apóia para se materializar e, ao mesmo tempo, a reconstrói. O uso da linguagem decorre da
alternância interativa que se estabelece entre sujeitos responsivamente falantes e se
estrutura a partir de determinadas formas, estilos e parâmetros construtivos próprios do
lugar-tempo que contextualiza a interação social.
Os lugares-tempos da interação social são espaços de produção de formas
particulares de enunciação. Bakhtin chamou esses lugares-tempos de esferas da atividade
humana ou de uso da linguagem. As atividades humanas comportam usos distintos das
formas linguísticas e criam características próprias que marcam a especificidade das
práticas de enunciação, processo produtivo de linguagem. Os discursos enunciados, dada a
natureza das esferas em que são produzidos e circulam, podem ser caracterizados por meio
de gêneros de construção discursiva, isto porque “os enunciados configuram tipos de
gêneros discursivos e funcionam, em relação a eles, como „correia da trasmissão‟ entre a
história da sociedade e a história da língua” (BAKHTIN, 2003, p.254). Através dos
gêneros, a comunicação nas esferas ganha relativa estabilidade e é reconhecida em sua
especificidade pelos sujeitos da linguagem. Na realidade, “falamos apenas através de
determinados gêneros do discurso, isto é, todos os enunciados possuem formas estáveis e
típicas de construção do todo” (BAKHTIN, 2003, p.282).
Cada esfera de atividade humana comporta gêneros de discurso específicos. Eles
“incluem toda sorte de diálogos cotidianos bem como enunciações da vida pública,
institucional, artística, científica e filosófica” (MACHADO, 2010, p.155). Bakhtin
distingue duas formas prosáicas de gêneros do discurso: primários e secundários. Os
gêneros discursivos primários configuram as formas típicas da comunicação cotidiana,
como a fala espontânea e o discurso coloquial. Já os gêneros discursivos secundários são
produzidos a partir de códigos culturais especiais, como a escrita, e consistem, segundo
Machado, em “formações complexas porque são elaborações da comunicação cultural
organizada em sistemas específicos como a ciência, a arte, a política” (2010, p.155).
Com base nas contribuições bakhtinianas, o currículo pode ser visto como um
gênero discursivo secundário que é produzido e veiculado na esfera comunicacional
relativa às Instituições Educacionais e aos seus aparelhos normativos. Ele deve ser
analisado a partir de uma reflexão que considere a natureza sócio-ideológica dos discursos
84

inerentes ao universo contextual que marca sua identidade enunciativa, pois “cada esfera
de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados”
(BAKHTIN, 1992, p.279). Desse modo, o currículo carrega marcas identitárias profundas
das instituições, do tempo, da sociedade, das pessoas, do conteúdo e do estilo que lhe dá
forma e significado, e cumpre a função de regulamentar os processos de ensino-
aprendizagem, já que “a institucionalização da ação requer a sua regulamentação para
abordar os problemas mais diversos” (SACRISTÁN, 1999, p.81).
O currículo é, de fato, um conceito polissêmico que pode se referir a um espectro
amplo de elementos relacionados aos processos de ensino-aprendizagem escolares. Ele
reflete as possibilidades formativas e as influências exercidas na escolaridade, de modo
implícito e explícito. Neste trabalho de análise, o currículo que é configurado consiste no
texto-documento que normatiza e expressa a organização dos objetivos e conteúdos
formativos em torno de referências epistemologógicas, sociais, pedagógicas, políticas e
ideológicas. Assumir essa definição não implica a negação de outras que concebem o
currículo como um conjunto de influências de natureza formativa que transcendem o texto-
documento e se reporta às condições e significados que orientam, regulam, visível e
ocultamente, a construção de identidades, sentidos e práticas escolares, tal como afirma
Sacristán (2007).
Como um gênero discursivo específico da esfera de gestão educacional e das
instituições escolares, o currículo manifesta características de estilo, composição e
conteúdos que lhe são próprias. Além disso, a sua funcionalidade emerge das práticas
discursivas em que é mobilizado, através das quais assume o objetivo de orientar,
direcionar ou, muitas vezes, arbitrar – a depender da forma pela qual é referenciado - a
construção de contextos formativos, por meio da normatização de princípios político-
pedagógicos, conhecimentos e parâmetros metodológicos.
O currículo, assim como quaisquer gêneros discursivos, é resultado de “de uma
postura ativa do usuário da língua para efeitos comunicativos e expressivos” (MACHADO,
2010, p.158). Em sua estruturação se combinam múltiplas vozes que representam este
Outro Social falante que tem, no texto, recursos de expressão de um projeto enunciativo
materializador da discursividade. Essas vozes formam o que Bakhtin caracterizou como
polifonia, um processo em que ocorre a combinação de diferentes discursos na
configuração de uma prática ou registro enunciativo.
No discurso curricular, podem aparecer múltiplos registros de diversas matrizes que
85

representam concepções preconizadas no ato de sua elaboração. Nem sempre a


coexistência das várias concepções ocorre de modo coerente, pois o texto curricular pode
ser portador de contradições inerentes resultantes do conflito de referenciais distintos que
demarcam ambivalências e antagonismos intrínsecos ao seu próprio conteúdo, uma vez que
“tudo em seu mundo vive em plena fronteira com o seu contrário” (BAKHTIN, 1981,
p.153), e é através do entrecruzamento de discursos plurais, em face de contextos sociais,
históricos e políticos distintos, que a realidade é dinamizada através de forças exercidas por
práticas discursivas.
Por meio de um processo dialógico, o currículo se conecta com outros discursos
para unir-se e/ou diferenciar-se deles. Na própria constituição do currículo, o discurso do
auditório social é objeto de considerações, visto que todo discurso intenciona expressar-se
e tornar-se presente, baseando-se na existência de outros discursos que lhe são compatíveis
ou não. Para Bakhtin, a construção do discurso se configura como uma réplica do diálogo.
Textos dialogam com outros textos e com contextos sociais e ideológicos mais amplos.
Nesse sentido, nenhum discurso se encerra nele mesmo, porque ele se orienta a um objeto
que, mesmo sendo seu, o põe em contato com uma infinidade de outros discursos e
contextos de significação porque está inserido numa profunda dinâmica interativa de trocas
e confrontos. Num trabalho de análise do discurso, Bakhtin adverte que “se desviamos
completamente dessa orientação, então, sobrará em nossos braços seu cadáver nú, a partir
do qual nada saberemos nem de sua posição nem de seu destino” ( 2003, p.99).
Os significados formativos que estão impressos no currículo, explícito e
implicitamente, se originam de matrizes diversas articuladas entre si. Eles se instituem no
contexto de uma rede de discursos propositivos de formação humana que compreendem
elementos de epistemologias, teorias pedagógicas, de filosofias do homem, de ideologias
políticas, de representações sociais etc. Todas essas matrizes demarcam significados
formativos por representarem princípios e parâmetros que institucionalizam um
determinado modus operandi para a construção dos processos de ensino-aprendizagem e,
consequentemente, implicam a regulação das práticas docentes. Ademais, sendo o
currículo um dispositivo institucional e considerando, conforme destaca Sacristán, que “a
própria existência da instituição é um regulador de conduta”(1999, p.86), o discurso
curricular é um marco regulatório das práticas docentes.
O desenvolvimento das práticas docentes são mediadas, nesse sentido, pelo
discurso curricular. Enquanto gênero do discurso caracterizado pela funcionalidade de
86

expressar significados formativos formalmente institucionalizados, o currículo exprime a


necessidade de que haja uma relação de compatibilidade entre o discurso declarado em seu
texto representativo e as dinâmicas de apropriação e implementação no contexto das
práticas docentes. Assim, as perspectivas de ensino são alimentadas pelos significados
formativos derivados do discurso curricular, circunstância que releva a forte relação que
existe entre o currículo e a profissionalidade dos professores.
A relação entre práticas docentes e currículo pode ser vista por meio de outras
perspectivas de análise que considere um significado mais amplo para o próprio termo
currículo, como enfatizam as teorias curriculares pós-críticas, as quais concebem o
currículo como um conjunto de influências formativas que transcendem o texto curricular.
Concorda-se que o poder operativo do texto curricular é limitado, conforme afirma
Sacristán (2007), ao usar a metáfora da música e da sua partitura. Para o autor, o currículo
equivale a partitura de uma música que, mesmo possuindo as marcas estéticas e sonoras da
produção musical, não pode ser confundida por ela, já que a música, de fato, é resultado da
conjunção dos sons de vozes e instrumentos. A partitura apenas representa a música, da
mesma forma que o currículo detém um conteúdo que não sintetiza tudo aquilo que
estrutura e é estruturado pela ação dos professores. Porém, ao representar significados
formativos, a instituição convenciona currículos e modelos formativos que regulam as
perspectivas de ensino, uma vez que a docência é uma prática institucionalizada. No
espaço das práticas, se confrontam múltiplos saberes e discursos, entre eles o curricular, as
crenças pessoais, as representações sociais etc. Contudo, todos esses saberes e discursos
que se põe numa via distinta daquilo que está convencionado institucionalmente, tendem a
ser estabilizados pelos dispositivos normativos diversos. A própria ideia de currículo tem
sido construída de modo a representar um espaço de diálogo e negociação de sentidos
gerados a partir de referenciais de significados constituídos no âmbito das instituições, a
fim de que a subjetividade, a autonomia e a criatividade pedagógica dos docentes não
sejam preteridas de legitimidade, mas também não sejam discrepantes com determinadas
expectativas e objetivos institucionais.
Os saberes e discursos e os significados formativos que orientam as práticas
docentes configuram poderes instáveis no campo do currículo, de acordo com Sacristán
(2007). Na medida em que observam diferenças entre eles, as instituições educativas
preconizam uns em detrimento de outros, em virtude de seus propósitos pedagógicos,
técnicos, valorativos ou ideológicos. Nesse processo de seleção, as instituições usam o
87

currículo para padronizar determinadas matrizes e significados formativos, “filtrando [...] o


acervo cultural pedagógico potencial e reorientando sua recriação, fazendo com que as
opções menos desejáveis fiquem isoladas e acabem perdendo-se no esquecimento”
(SACRISTÁN, 1999, p.80).
Muitas vezes o saber prático desenvolvido pelos professores no exercício de sua
profissão ou outras perspectivas discrepantes que deslocam o significado da formação
instituído no currículo, vinculando-o a outras compreensões formativas – como é o caso de
professores que empreendem um trabalho pautado pelo entendimento do pedagogo como
um profissional da educação para além da docência - são controlados e enfraquecidos
devido os efeitos da padronização curricular, a qual visa imprimir certas regularidades às
práticas docentes, muitas vezes implicando na interdição do protagonismo dos professores.
O processo de institucionalização que adota essa concepção padronizadora do currículo,
tida como expressão de uma tendência conservadorista,

Pode ser também um obstáculo, quando seu caráter inerentemente


conservador, cristaliza-se ou cai, simplesmente, na rotina rígida,
dificultando a abordagem de novos desafios ou a adaptação a novas
circunstâncias [...] Muitos vêem a institucionalização do ensino, por
exemplo, como uma tradição tão natural como a paisagem, sem chegar a
entender por que ela existe, pois vivemos nela e para ela de forma
alienados (SACRISTÁN, 1999, p.86).

Em síntese, a discussão sobre o currículo como gênero do discurso e sua


funcionalidade discursiva, em se tratando da prática docente, compreende algumas
assertivas relevantes para um entendimento acerca da construção das perspectivas de
ensino pelos professores. Primeiramente, o currículo não se constitui apenas como um
texto composto por conteúdos de ensino e aprendizagem, mas configura-se como um
discurso no qual repousam significados associados a diversas matrizes de natureza
pedagógica, epistemológica, política etc. Em segundo lugar, o currículo, em sua forma de
texto-documento, é um gênero discursivo institucional e cumpre uma funcionalidade
discursiva de normatizar, regulamentar e estabilizar princípios e parâmetros que, ao lado de
outros referenciais, são mobilizados pelos docentes para a construção das perspectivas de
ensino. As perspectivas de ensino, por sua vez, são espaços em que os significados
formativos trazidos pelo currículo dão origem aos objetivos, metodologias e sentidos da
ação do professor.
88

Tais assertivas demonstram a relevância do ato de compreender os significados que


estruturam o currículo e, mais particularmente, os significados que sinalizam a existência
de marcas epistemológicas no PPP do curso de Pedagogia. Os autores utilizados para
fundamentar a discussão sobre o problema epistemológico da Pedagogia na interface da
problemática formativa retratada na ausência de consenso acerca de qual devem ser
objetivos, formatos e engenharia curricular do curso de formação de pedagogos, afirmam
que, na história do curso, o estatuto epistemológico do conhecimento pedagógico foi pouco
considerado, razão da qual derivam os equívocos conceituais e impropriedades formativas
acumuladas nos marcos regulatórios e nos mecanismos institucionais de gestão do curso,
culminando com a (de)formação identitária do pedagogo presenta nas atuais DCN.
A partir dessas considerações, passar-se-á a um exercício de análise do discurso
expresso nas DCN e PPP de Pedagogia do Centro de Educação da UFPB, perseguindo a
intenção de explicitar a significação da Pedagogia imbricada aos modos de organização
dos processos de ensino-aprendizagem declarados nos documentos.

3.4 Marcas epistemológicas da Pedagogia nas DCN e PPC de Pedagogia: significação


da Pedagogia no discurso curricular

Os estudos sobre epistemologia e currículo tem sido mais frequentes no âmbito das
investigações sobre o ensino das Ciências e no campo da Psicologia da Educação. A
frequência se explica pela emergência e consolidação do modelo de ensino construtivista
desde a década de 1980, o qual preconiza a abordagem do aluno como sujeito construtor do
conhecimento e do currículo como um programa aberto, flexível e contextualizado que
permita que essa dinâmica construtiva seja incorporada aos processos de ensino-
aprendizagem a partir da seleção de conteúdos, parâmetros e experiências compatíveis com
essa concepção.
Tem sido comum, nesse sentido, a inserção terminológica de expressões correlatas à
epistemologia aos estudos curriculares sob o prisma psicopedagógico, com foco primordial
ao modo pelo qual os mecanismos de gestão do conhecimento empreendidos nas práticas
de ensino podem superar dicotomias entre conhecimento científico e conhecimento escolar,
promovendo a construção de aprendizagens que decorram da significação e transferências
dos conteúdos curriculares, considerando os contextos cognitivos e sócio-culturais dos
alunos. A epistemologia está referida, nessas abordagens, a um tipo de referência
89

psicopedagógica acerca dos processos de aquisição e construção do conhecimento


científico e escolar em seus nexos com o currículo e o ensino.
A análise que será feita neste item, embora possa manter alguns pontos de diálogo
com uma abordagem psicopedagógica da epistemologia e currículo, pretende se concentrar
no aspecto filosófico relativo à incorporação de determinadas matrizes epistemológicas
para significação e nos desdobramentos que possam ser identificados como resultantes de
tais matrizes na construção de um discurso formativo para os processos de ensino-
aprendizagem na etapa inicial de profissionalização do pedagogo. Desse modo, a
epistemologia está referida ao estudo das propriedades epistemológicas da Pedagogia e do
conhecimento pedagógico a partir de referências, explícitas ou não, nos documentos
curriculares analisados.
Analisar as DCN e do PPP consiste numa etapa da pesquisa por incidir no
levantamento e compreensão de elementos que permitam inferir como ocorre a
intertextualidade entre os discursos que configuram ambos os documentos, considerando-
os enquanto dispositivos institucionais de regulação e orientação dos processos de ensino-
aprendizagem no curso de Pedagogia. A análise pretendida não pode prescindir de
considerar os documentos em sua historicidade e na esteira de acontecimentos que deram
lugar a sua emergência e constituição no tempo e no espaço institucional. Desse modo, é
possível identificar relações entre projetos ideológicos, arquiteturas epistemológicas e
referências teóricas intrínsecas à tessitura constitutiva dos discursos, permitindo remetê-los
a uma ou outra tendência de significação da Pedagogia.
Com a aprovação das DCN, em 2006, o debate que historicamente vinha se
sucedendo em torno da identidade do curso de Pedagogia e do perfil do pedagogo foi
trazido à tona. Na realidade, essas questões apareceram na esteira das discussões sobre a
profissionalização docente desencadeadas pelo coletivo de movimentos e associações
educacionais ainda na década de 1980 e foram intensificadas após a promulgação da Lei
9.394/96 que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a qual exigiu a
reestruturação dos cursos de graduação que formam professores, incluindo-se aqui a
Licenciatura em Pedagogia. Logo em seguida, por meio do Edital n.4, de 4 de dezembro de
1997, deflagrou-se um processo de reorganização curricular que levou as Instituições de
Ensino Superior a enviarem propostas para a elaboração de diretrizes curriculares para os
cursos de graduação. As propostas, segundo o edital, deveriam contemplar os princípios de
flexibilização, dinamização, adaptação às demandas do mercado de trabalho, ênfase na
90

formação geral, articulação entre graduação e pós-graduação e, finalmente, instituição do


discurso de competências e habilidades profissionais. As DCN, ainda de acordo com edital,

[...] têm por objetivo servir de referência para as IES na organização de


seus programas de formação, permitindo uma flexibilidade na construção
dos currículos plenos e privilegiando a indicação de áreas do
conhecimento a serem consideradas, ao invés de estabelecer disciplinas e
cargas horárias definidas. As Diretrizes Curriculares devem contemplar
ainda a denominação de diferentes formações e habilitações para cada
área do conhecimento, explicitando os objetivos e demandas existentes na
sociedade (BRASIL/MEC/SESU, 1997).

Partindo desta definição, foi instituída, no âmbito da Secretaria de Ensino Superior


(Sesu) do Ministério da Educação (MEC), a Comissão de Especialistas de Ensino de
Pedagogia (CEEP) com a incumbência de organizar as diretrizes gerais para o respectivo
curso. Esse processo foi especialmente complexo, segundo Sheibe (2007), em virtude de
que a CEEP precisou considerar que a nova LDB provocou uma descaracterização da
finalidade do curso e a existência de múltiplas configurações e formatos curriculares
espalhados pelas agências de formação do país.
Sheibe (2007) informa que a CEEP, ao desempenhar a função que lhe foi conferida,
buscou estabelecer um diálogo com os segmentos envolvidos no movimento de
mobilização em prol da profissionalização do educador, como a ANFOPE, a Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação – ANPED, o Fórum de Diretores de
Faculdades/Centros de Educação das Universidades Públicas Brasileiras – FORUMDIR, a
Associação Nacional de Administração da Educação – ANPAE e o Centro de Estudos
Educação e Sociedade – CEDES. Considerando as proposições comuns a todas estas
entidades, a CEEP formulou uma primeira proposta de Diretrizes baseada no princípio
aceito pela maioria, qual seja, a docência como base de formação, sem excluir as
possibilidades de trajetos formativos orientados a outras formas de atuação do profissional
da educação. Essa proposta foi enviada à administração da Sesu/MEC, porém não foi
sequer apreciada em virtude de adquiriria, à época, a mesma funcionalidade formativa dos
Institutos Superiores em Educação destinados a oferecer o curso Normal Superior que
deveria habilitar professores para o magistério na Educação Infantil e nas Séries Iniciais do
Ensino Fundamental.
91

Conforme Sheibe, “no período de maio de 1999 a abril de 2005, no que se refere às
diretrizes para o curso de Pedagogia, constata-se um grande e significativo silêncio tanto
por parte do Ministério da Educação quanto do Conselho Nacional de Educação” (2007,
p.53). A autora destaca que alguns elementos concernentes ao curso de Pedagogia
apareciam somente na regulamentação do curso Normal Superior e em diretrizes para a
formação de professores em nível superior e para os cursos de licenciatura plena.
O silêncio citado por Sheibe (2007) foi quebrado quando da divulgação da minuta
de Resolução das DCN para os cursos de graduação em Pedagogia, no dia 17 de março de
2005. Esse documento, como afirma a autora, não foi bem aceito entre a comunidade
acadêmica por similarizar o curso de Pedagogia ao Normal Superior, por contrariar
princípios historicamente defendidos pelos movimentos de educadores e por representar a
ingerência de políticas neoliberais no campo da formação docente, implicando na
precarização, desvalorização e aligeiramento dos processos formativos, além da
minimização do papel da teoria e da pesquisa na formação do professor.
Na esteira de conflitos legais e posições teóricas e ideológicas diversas e sob a
intenção de representar, ao menos supostamente, um consenso em torno das proposições
sobre a função do curso de Pedagogia e da identidade do pedagogo, foram elaboradas, pelo
Conselho Nacional de Educação – CNE, as novas DCN para o respectivo curso, em 13 de
dezembro de 2005, com a presença de representantes das entidades ANFOPE,
FORUMDIR e CEDES. A aprovação do documento se deu no dia 21 de fevereiro de 2006
e sua homologação pelo Ministro da Educação ocorreu em 10 de abril de 2006 (BRASIL,
CNE, 2006). Ressalta-se que o processo de elaboração das DCN fora supostamente
emblemático do diálogo entre as proposições de formação do pedagogo, uma vez que
mesmo que se considere que este documento “[...] se configurou como uma solução
negociada, isso não significa que teria logrado obter o consenso da comunidade acadêmica
da área de educação” (SAVIANI, 2008, p.69).
As DCN são compostas por 15 artigos de normatização ambígua e ambivalente. O
documento estabelece a finalidade do curso de Pedagogia e o perfil profissional do seu
egresso – não há referência à figura do pedagogo – sem considerar pressupostos
epistemológicos que embasam uma concepção de Pedagogia, a qual deveria ter servido de
matriz para a construção de princípios para organização do currículo do curso. Talvez
derive principalmente desta circunstância, ao lado daquela referente aos impactos das
políticas neoliberais na formação dos profissionais da educação revelados na tendência de
92

instituir competências e habilidades generalistas como eixos identitários de um perfil


profissional, a fragilidade da fundamentação teórico-conceitual que perfaz as DCN.
Com relação à finalidade do curso de Pedagogia, as DCN normatizam que ele está
destinado

[...] à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil


e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio,
na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de
serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam
previstos conhecimentos pedagógicos (BRASIL, Art. 2, 2006).

A orientação principal dos processos formativos no curso de Pedagogia é


claramente definida com relação à docência nos âmbitos citados. Outros nichos de
exercício pedagógico são citados como um tipo de possibilidade acessória, de menos
importância, e sem identidade específica. O mesmo ocorre com a função que,
historicamente e de acordo com a Nova LDB, é reportada ao curso, qual seja, a formação
dos profissionais para atuarem na área de orientação, supervisão e administração escolar.
As DCN são ambíguas com relação a esse aspecto, visto que ainda que não regule a
formação desse profissional, o especialista da Educação, tal formação é admitida em seu
penúltimo artigo. Isso parecer ser uma clara estratégia discursiva de afirmar o pedagogo
como um docente, pois o documento apresenta, desde os seus primeiros artigos,
normatizações e princípios relativos ao universo da docência e relega para último plano a
formação do pedagogo para outras atividades escolares, preterindo esta formação de um
lugar central ou de igual importância ao que ocupa a formação docente no currículo do
curso. O que torna ainda mais problemática a formação dos especialistas em Educação pós-
DCN é o fato de que, mesmo que o curso de Pedagogia a tenha escanteado, os concursos
para provimento dos cargos a serem ocupados por esses profissionais continuam sendo
destinados aos licenciados em Pedagogia, o que demonstra que, factualmente, existe uma
demanda formativa relativa à profissionalização de orientadores, supervisores e
administradores educacionais reportada ao curso de Pedagogia, a qual não será plenamente
absorvida e qualificadamente desenvolvida por ele sem que haja um espaço curricular
legítimo e distinto da formação para a docência, considerando as especificidades que
constitui aquela profissionalização.
A alternativa curricular proposta pelas DCN para a articulação das diversas
demandas formativas ligadas tanto ao mercado de trabalho quanto às especificidades dos
93

contextos nos quais as IES estão inseridas foi a criação de núcleos de aprofundamento e
diversificação de estudos, “voltado às áreas de atuação profissional priorizadas pelo projeto
pedagógico das instituições” (BRASIL, Art. 6 – II, 2006). Muitas vezes, as IES não
possuem condições estruturais nem de recursos humanos para compatibilizar a oferta de
áreas de aprofundamento com a procura e expectativas dos alunos, mesmo que elas estejam
previstas na matriz curricular e no PPP do curso. A solução encontrada pela maioria das
IES é oferecê-las alternando-as durante os semestres letivos, o que diminui a possibilidade
de escolha por parte dos estudantes e as tornam muito mais uma imposição institucional
para a conclusão do curso do que uma oportunidade que o sujeito em formação possui para
diversificar e aprofundar estudos sobre um determinado campo de atuação profissional.
Os espaços de educação não-escolar que tem se constituído, desde a década de
1990, como um campo emergente de práticas profissionais desenvolvidas por pedagogos,
aparecem, nas DCN, como objeto de desenvolvimento de estudos e competências no curso
de Pedagogia, ainda que o texto referente encerre lacunas conceituais, metodológicas e
técnicas. O parágrafo 4° do Artigo 5° do documento prerroga que o pedagogo deve estar
apto a “trabalhar, em espaços escolares e não-escolares, na promoção da aprendizagem de
sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e
modalidades do processo educativo” (BRASIL, 2006).
Contudo, mesmo possuindo margens de possibilidades para diversificação do
processo formativo inicial do pedagogo, as agências de formação enfatizam a docência
escolar como eixo central de articulação dos conhecimentos pedagógicos, constituindo-se
como campo de atuação prioritário e servindo como parâmetro de intervenção profissional
no contexto dos processos de ensino-aprendizagem não-escolar. Essa assertiva torna-se
perceptível quando se observa que o discurso das DCN se concentra na docência escolar de
tal modo que destitui o tema “espaço não-escolar” de fundamentos específicos que
orientem a atuação do pedagogo nesse espaço, uma vez que “para a formação do
licenciado em Pedagogia é central: o conhecimento da escola” (BRASIL, Art. 3, 2006).
Ou seja, na medida em que emergem e se consolidam novos espaços educativos e
de atuação profissional do pedagogo, a formação pedagógica se concentra no âmbito da
dinâmica institucional escolar, sugerindo que os profissionais que mediam as práticas
educativas não-escolares desenvolvam empiricamente, de modo assistemático, intuitivo e
espontaneísta as competências necessárias à sua prática intervencionista.
Quando se refere aos impactos do associativismo do terceiro setor na emergência de
94

práticas educativas não-formais, Gohn destaca que “observa-se uma ampliação do conceito
de educação, que não se restringe mais aos processos de ensino-aprendizagem no interior
das unidades escolares formais”(2005, p.7). Contudo, como esta autora afirma, “até os
anos 80, a educação não-formal foi um campo de menor importância no Brasil, tanto nas
políticas públicas quanto entre os educadores”(2005, p.91). Tal circunstância histórica
contribuiu para o afastamento do objeto “não-escolar” do âmbito de reflexão pedagógica e
na consequente ausência de pedagogos intervindo nos mesmos. Isso implica, ainda, no
esvaziamento teórico da produção científica específica na área, assertiva corroborada por
Zuchertti e Moura, quando afirmam que os resultados das pesquisas valorizam mais as
“experiências do que a reflexão em torno de discussões epistemológicas de uma educação
no campo social, voltadas para as particularidades e resultados dos processos educativos”
(2007, p.3).
Superficialmente, pode-se pensar que as DCN traduzem princípios que permitam
novos engajamentos profissionais ao egresso do curso de Pedagogia, contribuindo, dessa
forma, com a recomposição de sua profissionalidade e, não obstante, com a colocação de
novas perspectivas para o seu trabalho e empregabilidade. Essa perspectiva tem sua
efetivação dificultada devido à problemática da docência como base identitária da
formação do pedagogo e da própria constituição da Pedagogia, e da suposição ingênua de
que o licenciado em pedagogia formado para atuar na docência na Educação Infantil e nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental terá subsídios e desenvolverá competências que
qualifiquem processos de intervenção profissional em espaços de educação não-escolar,
sequer nos cargos de gestão pedagógica da escola.
A concepção de docência basilar se configura como um princípio historicamente
defendido pela ANFOPE e pelas demais entidades que compartilham entre si o consenso
de que o fundamento de identidade e ação de qualquer profissional da educação é o
conhecimento e a prática do ensino em sala de aula. O problema é que as DCN ampliam
demasiadamente a concepção de ação docente, desconfigurando-a e redundando-a com os
processos de gestão e investigação pedagógicas. A confusão que se explicita no uso
indevido de categorias como docente e pedagógico, tratando-o como sinônimos, não é algo
que se restrinja apenas ao discurso das DCN. Na realidade, ela decorre da profusão que
marca a inserção da categoria “pedagógico” na literatura educacional e no cotidiano das
instituições educativas. Ferreira (2008) alerta para a necessidade de que, ao se discutir
questões relacionadas a essa categoria, seja definido o aspecto do objeto para o qual o
discurso se volta. Esta autora problematiza que se costuma usar a categoria para fazer
referência a inúmeros aspectos da dinâmica escolar, da ação do professor, da gestão
95

educacional etc, a tal ponto que “quando se fala em pedagógico pode-se, paradoxalmente,
falar de tudo e de quase nada” (FERREIRA, 2008, p.178). Não é incomum o termo
“pedagógico” ser mobilizado no discurso como equivalente ao termo “metodológico” e a
expressão “formação pedagógica” designando o mesmo objeto que a “formação docente”.
A projeção discursiva da categoria pedagógica como equivalente e sintetizada em
outra categoria, como é o caso da “docente”, sinaliza uma postura epistemológica que
subsume a Pedagogia na prática da docência, o que implica em uma distorção
epistemológica discutida por autores como Libâneo (2002) quando o mesmo afirma que
reduzir a Pedagogia ao aspecto docente consiste num equívoco lógico-conceitual, já que
estar-se-á limitando um campo epistemológico a um de seus eixos constitutivos.
Considerando que o objeto da Pedagogia são as práticas educativas em toda sua
dinamicidade sócio-histórica e pluralidade existente, deve-se considerar que “a docência
subordina-se à pedagogia, uma vez que o ensino é um tipo de prática educativa”
(LIBÂNEO, 2002, p.67). Em outro texto, Libâneo e Pimenta, ao elaborarem uma crítica de
contraposição ao princípio da docência como base da Pedagogia defendido pela ANFOPE,
esclarecem que

O pedagógico e o docente são termos inter-relacionados mas


conceitualmente distintos. Portanto, reduzir a ação pedagógica à docência
é produzir um reducionismo conceitual, um estreitamento do conceito de
pedagogia. A não ser que os defensores da identificação pedagogia –
docência entendam o termo pedagogia como metodologia, isto é, como
procedimentos de ensino, prática do ensino, que é o entendimento
vulgarizado do termo” (LIBÂNEO; PIMENTA, 1999, p.252).

Vale ressaltar que o contexto histórico que deu lugar a emergência desse princípio
no seio da ANFOPE foi o de renovação de princípios educacionais que implicaram na
ressignificação da ação do professor e refletiram na construção de expectativas políticas
em torno do tipo de formação que deveria ser empreendido para a construção de um perfil
docente alinhado às novas demandas então construídas. A rejeição ao modelo tecnicista e à
imposição de mecanismos de controle expressos na ação dos especialistas da educação
foram elementos que determinaram a instituição de um discurso que ascendia a docência à
condição de base constitutiva de todo profissional da educação, independente do cargo que
desempenhasse, mesmo que os fundamentos teóricos e epistemológicos desse discurso não
tenham sido justificados. Desse modo, cabe pensar que, diante da rápida expansão e
aceitação desse discurso na esfera educacional, a apropriação das concepções que ele
veiculou não aconteceu de modo crítico, já que expressam impropriedade e falta de clareza
conceitual.
96

Como a teoria marxista estava em relevo no período pós-ditatorial, muitas análises


educacionais pautavam-se por uma perspectiva sociologizante dos processos da educação,
a despeito de uma abordagem que considerasse referenciais fundados na própria
Pedagogia. Foi o que ocorreu quando da formulação das críticas ao modelo de atuação e
formação dos pedagogos escolares. A principal delas é que as especialidades da ação
orientadora, supervisora e administradora encerrava a divisão técnica do trabalho, a
opressão do professor, o controle do Estado, a reprodução da lógica capitalista excludente e
a fragmentação mecanicista entre o fazer e o pensar na escola, expressa no modo de
diferenciação do papel do pedagogo, que era visto como um conceptor, e o professor, um
executor. Tratando os especialistas da Educação como sujeitos que materializavam as
relações capitalistas na escola, o Comitê Pró-Formação do Educador partiu em defesa da
docência como base comum de formação. Conforme afirma Libâneo, “foi natural, daí,
chegar à tese da docência como base do currículo de formação dos educadores, pela qual o
curso de pedagogia passa a ter como função essencial a formação de docentes” (2006,
p.855). Com efeito, o Art. 2 das DCN deixa claro que o conceito de docência, um conceito
restrito e derivativo da Pedagogia, é identificado com este, de maior abrangência. Decorre
daí a imprecisão do que é o objeto do curso de Pedagogia, afirmando uma perspectiva
genérica de caracterização das atividades docentes, as quais passam a corresponder com
toda forma de exercício pedagógico relativo a outras esferas contextuais e setores
profissionais distintos do âmbito da docência.
A defesa da escola e a resistência aos impactos do capitalismo que desqualificam a
ação do professor são pautas totalmente legítimas de reivindicação de movimentos pró-
educadores, contudo não podem prescindir de uma reflexão que considere a diferença
essencial que existe entre produção de material e de formação humana e que a escola é
influenciada por reflexos da economia capitalista, mas não significa que, inteiramente, é
lugar de reprodução da dinâmica de produção de mercadorias como ocorre em fábricas e
em empresas. Nesse sentido, a crítica aos especialistas em Educação não considerou a
especificidade do trabalho escolar pelo prisma da Pedagogia que, naturalmente, apresenta
níveis de diferenciação e de divisão de trabalho como meios de organizá-lo com qualidade,
os quais, embora articulados, mantém suas especificidades, sem que estejam inseridos
numa estrutura idêntica ao modo de produção capitalista. Mais uma vez, recorre-se à
Libâneo, visto que este autor apresenta uma lúcida alternativa de compreensão das relações
entre a especificidade do trabalho pedagógico escolar e modo de produção capistalista.
Segundo ele
97

O que ocorre, pois, é que o trabalho escolar tem sua especificidade, ainda
que não descolada dos seus vínculos com a organização social e
econômica da sociedade. O trabalho pedagógico escolar tem uma
natureza não-imaterual, não se aplicando a ele, de modo pleno, o modo
de produção capitalista. O conhecimento como objeto de trabalho na
escola é inseparável do ato de produção, e esta capacidade potencial
ninguém retira da pessoa que conhece. Isso significa que os resultados do
processo de trabalho escolar, bem como as formas de organização interna,
não estão preordenados pelo capital (2006, p. 858).

Todo discurso é sempre híbrido, pluriforme e é ajustado e mobilizado em função


dos projetos enunciativos que o materializa. O discurso da docência como base da
Pedagogia, no decurso das décadas de 1990 e 2000, foi sendo encadeado a outros discursos
e passou a ser significado a partir de referências ideológicas e políticas próprias desse
contexto histórico, ou seja, estabeleceu uma relação de diálogo com tendências
econômicas, políticas e sociais que inflexionaram projetos no campo educacional no
intercurso das décadas citadas. Mantendo as impropriedades epistemológicas, ele foi usado
como uma estratégia por muitas agências para desqualificação, empobrecimento e
desinteletualização da formação do pedagogo e do professor, e as DCN parecem ser uma
expressão desse movimento de deslocação do discurso.
Afastando-se de uma matriz epistemológica da Pedagogia como orientadora da
docência e afirmando-a como uma tecnologia do trabalho do professor, o discurso da
docência como base da Pedagogia traz, entrelineamente, a ideia de que, sendo a Pedagogia
uma tecnologia, ela não produz saberes, mas sim fazeres e que estes mesmos fazeres
articulados aos saberes sobre educação produzidos em instâncias exógenas à Pedagogia
bastam para delinear a ação docente. Ou seja, manifesta-se como um discurso que
desconsidera a natureza epistemológica da Pedagogia e parece negar a complexidade que
configura as práticas docentes. Franco destaca essa questão ao afirmar que

Subsumir a pedagogia à docência é não somente produzir um


reducionismo ingênuo a esta ciência, como também ignorar a enorme
complexidade da tarefa docente, que para se efetivar requer o solo
dialogante e fértil de uma ciência que a fundamente, que a investigue,
compreenda e crie espaço para a sua plena realização (FRANCO, 2003,
p. 54).

Por essa razão, Rodrigues e Kuenzer (2007) analisam que as DCN são reflexos da
epistemologia da prática, uma tendência explicativa da racionalidade que estrutura a
98

construção dos saberes docentes que tem influenciado, especialmente na América, o


planejamento e desenvolvimento de políticas de formação dos profissionais da educação.
Segundo as autoras, essa epistemologia pretende vincular o processo de construção da
Pedagogia, enquanto um tipo de conhecimento, à dinâmica das experiências que
concretizam as práticas educativas. A Pedagogia, curso e conhecimento, que já fora
criticada por seu caráter prescritivo, normativo e tecnicista, tende a ser encarada agora
como um campo de saberes-fazeres praticistas focados na instrumentalização do
conhecimento em vista daquilo que os sujeitos precisam para efetivar esse projeto de
docência ampliada que configura as DCN, uma docência que pretende ser a própria
Pedagogia.
As ingerências desse modelo epistemológico no discurso das DCN é depreendido
quando são sublinhados alguns aspectos principais que lhe dão visibilidade.
Primeiramente, a rica tradição teórica da Pedagogia é desconsiderada como uma dimensão
que deve estruturar o processo formativo no curso. As DCN estabelecem que o curso deve
promover uma reflexão crítica da problemática que ora é apresentada como docente, ora
como educativa, ora como pedagógica, sem a diferenciação necessária, por intermédio da
aplicação ao campo da educação das contribuições de diversas fontes científicas, conforme
é explicitado na alínea II do segundo parágrafo do Artigo 2 (BRASIL, 2006). Ao conceber
a Pedagogia como campo de aplicação de conhecimentos criados sob perspectivas
epistemológicas que caracterizam sistemas teórico-metodológicos de outras disciplinas
científicas, as DCN retiram do campo pedagógico sua especificidade e, consequentemente,
sua autonomia disciplinar, o que, de certo modo, invisibiliza temáticas curriculares
específicas como a história e a epistemologia do conhecimento pedagógico, tornando-as
secundárias e sem importância na formação do pedagogo. No campo do currículo, a
problemática implica na falta de uma referência epistemológica para integração do corpo
disperso de conhecimentos das diversas disciplinas curriculares que estruturam o curso e
também no esvaziamento de teorias propriamente pedagógicas permitindo que a conexão
entre problemáticas e possibilidades de análise pertinentes ao escopo da Pedagogia sejam
abordadas a partir de tais teorias para, dessa forma, evitar que o esquema aplicacionista
continue perdurando a infertilidade do conhecimento no campo das práticas educativas.
Ao tempo em que configura a Pedagogia como campo de aplicação de outros
conhecimentos, o discurso das DCN, no inciso 1 do Artigo 2, sugere que a docência é o
ação educativa e processo pedagógico/metódico intencional e que a Pedagogia é uma
espécie de tecnologia cultural influenciada por relações de natureza social, étnico-racial,
econômica e produtiva. A princípio, pode-se pensar que essa concepção preconiza o
99

diálogo entre teorias e práticas como constitutivo do processo de construção do


conhecimento pedagógico. Contudo, o que se pode compreender é que a docência parece
ser apresentada como uma prática que condiciona a própria Pedagogia e que, portanto,
poderia existir mesmo se esta não fosse instituída. A Pedagogia, uma referência teórico-
metodológica para o desenvolvimento de estudos e práticas no campo da educação, é
subordinada a um tipo de prática específica, a docência na Educação Infantil e nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental, o que significa, na análise de Rodrigues e Kuenzer, que
“que esta concepção, ao invés de articular teoria e prática, acentua a desarticulação, na
medida em que condiciona os estudos teóricos mais avançados à prática [...]” (2007, p.48).
Outro reflexo evidente da epistemologia da prática no discurso das DCN é o traço
de escassez de referência aos temas sobre formação intelectual e formação do pedagogo
como pesquisador. Na realidade, “ao contrário, as referências dominantes são aos modos
de fazer: aplicar, planejar, implementar, avaliar, realizar, com o que se reforça a dimensão
instrumental que determina as relações com o conhecimento” (RODRIGUES; KUENZER,
2007, p.53). As autoras citadas inferem que, diante desse problema, à Pedagogia caberia
observar e repetir “boas práticas”.
Finalmente, cabe assinalar que as imprecisões e equívocos que eivam o discurso
formativo das DCN decorrem, diante do que foi exposto, da desconsideração da identidade
epistemológica da Pedagogia como Ciência da Educação e da falta de clareza das relações
que podem ser estabelecidas entre docência, processos pedagógicos e a profissão de
pedagogo. Ao fazer um balanço crítico das orientações conceituais que concebem a
Pedagogia como Ciência da Educação, Libâneo conclui que nas DCN

[...]se pode compreender a docência como uma modalidade da atividade


pedagógica, de modo que a formação pedagógica é o suporte, a base, da
docência, não o inverso. Dessa forma, por respeito à lógica e à clareza de
raciocínio, a base de um curso de pedagogia não pode ser a docência.
Todo trabalho docente é trabalho pedagógico, mas nem todo trabalho
pedagógico é trabalho docente (2006, p.850).

Em síntese, a questão epistemológica de definição da Pedagogia está posta no


discurso formativo das DCN com as seguintes características: obscuridade na identificação
do campo da Pedagogia; redução e subordinação do campo pedagógico à docência; e
precária fundamentação teórica quando da relação entre os conhecimentos de outras áreas e
a Pedagogia, campo de aplicação desses conhecimentos.
Isto posto, conclui-se, em concordância à análise de Saviani (2008), que o
movimento pró-formação de educadores deflagrado a partir de 1980, não foi capaz de
100

responder com fundamentação teórico-conceitual adequada às questões que envolvem o


problema da identidade da pedagogia, do pedagogo e do tipo de formação que o mesmo
necessita ter, considerando o perfil profissional que deve construir. Com efeito, a ênfase
conferida aos aspectos políticos e organizacionais do curso de Pedagogia implicou na
ausência de reflexão aprofundada sobre aspectos substanciais do curso, como o próprio
conteúdo da Pedagogia e sua significação epistemológica.
Após apresentados alguns traços que caracterizam o discurso formativo nas DCN
do curso de Pedagogia, cabe analisar como a Pedagogia é significada no PPP do curso de
Pedagogia do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba (CE - UFPB), no
intuito de examinar se há interdiscursividade com o que está posto no primeiro documento
citado, a partir da categoria “dialogismo” construída sob bases bakhtinianas, tanto no que
se refere ao que se pode denominar de discurso reportado, expressão que designa a
existência de elementos comuns existentes no PPP por haver referenciação às DCN, quanto
às relações entre modos de significação epistemológico da Pedagogia e a organização
curricular do curso.
O processo de significação, ou seja, a forma como os significados são construídos e
traduzidos através da atividade discursiva que mobiliza os gêneros do discurso, é
influenciada pelas condições sócio-históricas que perfazem cada esfera de uso da
linguagem. Em se tratando do currículo como gênero do discurso, esse processo manifesta
marcas típicas ligadas à história e à configuração da instituição que o desenvolve, o que o
torna um recurso singular de expressão de intencionalidades e registros próprios da esfera
em que está situado. Nesse sentido, a análise do PPP, uma expressão global de concepções
e organização curricular assumidas pela Universidade, deve considerar os contextos
histórico, político, ideológico e institucional como uma ambiência através da qual se torna
possível compreender a presença e a ausência de determinados elementos que constituem a
significação epistemológica no seio do discurso.
O contexto histórico e institucional do curso de Pedagogia do CE-UFPB é formado
por alguns marcos regulatórios locais que revelam um percurso de modificações ocorridas
ao longo da sua história nesta Instituição. Criado em 1949 pela Lei Estadual Nº 341 de 01
de setembro de 1949, o curso foi autorizado pelo Decreto Nº 30.909 de 27 de maio de 1952
e reconhecido pelo Decreto Presidencial Nº 38.146 de 25 de outubro de 1955. Como se
pode depreender, o curso em tela foi instituído na Paraíba depois de aproximadamente 10
(dez) anos desde a sua fundação na Universidade do Brasil, em 1939.
Nos seus 62 (sessenta e dois) anos de existência, o curso de Pedagogia do CE-
UFPB foi submetido a três reformas curriculares, conforme apresenta o PPP (UFPB, 2006).
101

Tais reformas foram desdobradas a partir das imposições normativas que se sucederam no
percurso de implementação dos marcos regulatórios do curso em nível nacional. Ou seja,
elas podem ser consideradas expressão local de efeitos de determinações político-
institucionais do MEC/CNE no que se refere à regulamentação da organização e
funcionamento do curso de Pedagogia no Brasil. Desse modo, as alterações empreendidas
pelas reformas se colocam na esteira daquilo que foi sendo instituído como princípios
organizadores da formação do pedagogo brasileiro no decorrer das transformações
relativas aos modos de institucionalização do curso de Pedagogia.
A organização textual do PPP é composta por sessões de identificação e
apresentação do documento, contexto histórico e jurídico-institucional do curso de
Pedagogia, aspectos de justificativa e fundamentação teórico-metodológica, características
formativas, perfil e campo de atuação do pedagogo e, finalmente, por elementos da
composição e organização curricular, seguidos por uma compilação de referências técnico-
científicas que fundamentam o discurso formativo expresso neste documento.
Inicialmente, concentrar-se-á na perspectiva de significação de Pedagogia
imbricada no discurso que o PPP representa. A análise dessa perspectiva segue um fio
condutor que considera tanto elementos presentes no discurso, quanto aqueles que não
aparecem, como forma de explicar determinados modos de configuração de significado
atribuído à Pedagogia. Os elementos ausentes do discurso são objeto de uma crítica que
pretende evidenciar que a presença/ausência de determinados elementos se justifica pela
adoção de matrizes de significação que adquirem lugar e relevância no texto em virtude de
opções teóricas, metodológicas, políticas e institucionais dos sujeitos que o assina.
Não há identificação formal de uma perspectiva de significação epistemológica de
Pedagogia enquanto área de conhecimento, havendo, somente, uma definição do curso de
Pedagogia como algo que “trata do campo teórico-investigativo da educação, do ensino, de
aprendizagens e do trabalho pedagógico que se realiza na práxis social” (UFPB, 2006,
p.14). A ausência dessa perspectiva como um marco mediador da organização do curso é
substituída por inúmeras exortações ao papel político e social do pedagogo, considerando
as demandas de educação próprias da contemporaneidade. Marcas dessa condição são as
expressões repetidamente utilizadas no texto, quais sejam, “compromisso social”,
“sociedade justa”, “consciência crítica”, “emancipação de classes”, “justiça social” etc.
Dois aspectos problemáticos sobressaem diante dessa consideração. Primeiramente,
depreende-se que há uma falta de clareza no que concerne à identidade da Pedagogia como
campo de conhecimento e como um curso de formação profissional. Na realidade, a
102

citação transcrita anteriormente do PPP, indica o conteúdo substancial da Pedagogia como


conhecimento ou, no máximo, do campo das teorias pedagógicas. O curso de Pedagogia
trata da formação de profissionais para atuarem nas esferas da educação sob o uso de
referências científicas, éticas, tecnológicas e práticas advindas do universo da Pedagogia,
cujo campo de abrangência se estende aos processos de ensino-aprendizagem, ao trabalho
pedagógico em suas mais diversas formas.
A Pedagogia inclui, basicamente, três variáveis identitárias. Ao mesmo tempo em
que se configura como um campo de conhecimento, é também um campo de formação e
um campo de atuação profissional. É necessário que haja clareza no modo pelo qual essas
três variáveis de relacionam, porque embora sejam complementares e dinamicamente
interdependentes, elas preservam suas especificidades em relação ao conteúdo que as
distingue e aos objetos para os quais se voltam. A Pedagogia como campo de
conhecimento se volta para o universo teórico-metodológico da educação. Como campo de
formação, se refere ao espaço de profissionalização de pedagogos para exercerem o papel
de construtores das teorias e das práticas pedagógicas, enquanto que como campo de
atuação se configura como um conjunto de contextos e práticas profissionais desenvolvidas
por pedagogos docentes e não-docentes. No caso do PPP, há a identificação sumária da
Pedagogia como campo de conhecimento com a Pedagogia como campo de formação,
redundando-os à mesma coisa.
O segundo aspecto problemático é a substituição da significação epistemológica da
Pedagogia pelas exortações de natureza social e política do papel do pedagogo. De certo
modo, essa circunstância revela a ingerência de elementos ideológicos no campo da
formação do profissional citado, elementos estes que denotam ligação com tendências do
marxismo e da teoria crítica, ainda que no texto não existam referências explícitas a tais
tendências. Embora não se conceba um curso de formação de pedagogos que não esteja
vinculado a um projeto amplo de mudança social em prol da democratização da educação
de qualidade e dos benefícios sociais, políticos, culturais e econômicos resultantes desse
processo, a organização curricular do curso deve contemplar critérios epistemológicos
como princípios mediadores da construção de significados e perspectivas formativas, haja
vista a necessária sintonia que o conteúdo de uma formação deve ter com a natureza
identitária da área de conhecimento na qual está inscrita. Caso esse parâmetro não seja
observado, o curso pode demonstrar qualidade quando avaliado a partir de critérios de
relevância e compromisso sócio-político e cultural, mas, por outro lado, pode precarizar a
103

formação intelectual dos sujeitos para exercerem o papel de reconstrutores e representantes


da Ciência da Educação, conscientes do estatuto epistemológico dessa Ciência e das
possibilidades que se abrem para a elaboração de modelos teórico-metodológicos e
práticos coerentes com os fundamentos e tradições que constituem a Pedagogia. Além do
mais, a presença de uma referência epistemológica explícita à Pedagogia contribui para
que as identidades dos sujeitos no curso, professores formadores e estudantes, tenham uma
base comum, permitindo que sejam compartilhados determinadas expectativas formativas e
padrões de reconhecimento do campo pedagógico em suas três variáveis identitárias.
Do mesmo modo que não há referência à identidade epistemológica da Pedagogia
também não são feitas especificações quanto à dimensão técnica do trabalho pedagógico
do que é denominada como campos de atuação do pedagogo incluídos no universo da
docência. O PPP, em consonância com as DCN, define que o objetivo do curso de
Pedagogia é a formação de professores para a Educação Infantil e para os Anos Iniciais do
Ensino Fundamental, em cursos de Ensino Médio na modalidade Normal, na Educação de
Jovens e Adultos, na Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, além de
outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (UFPB, 2006). O PPP
não cita quais são essas outras áreas nem explicita a técnica, como instrumento da práxis,
que envolve o trabalho do pedagogo nas mesmas.
De forma convergente ao discurso das DCN e do PPP, a especificidade dessas
outras formas de atuação pedagógica é desconsiderada, em virtude das mesmas serem
compatibilizadas à docência nos níveis citados. Já que a organização e gestão de sistemas e
instituições de ensino, incluindo experiências não-escolares, são engendradas no conceito
de docência, não são contemplados os parâmetros técnico-metodológicos que devem guiar
o processo de planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de
práticas pedagógicas variadas. Assim, embora abranja um espectro amplo de possibilidades
para caracterizar o campo de atuação profissional do pedagogo, o PPP é deficitário no
sentido da falta de clareza de como as disciplinas curriculares vão atender às demandas de
uma formação tão plural e multiforme num único curso, seguindo as ambivalências
detectadas já anteriormente no discurso das DCN.
Após essas observações, constata-se a existência de interdiscursividade estabelecida
entre as DCN e o PPP abordado, o que reforça a ideia da dialogia com princípio
constitutivo do discurso, seja ele manifestado em quaisquer gênero e com o uso de
qualquer suporte linguístico. A interdiscursividade se expressa na presença de marcas
104

comuns que aproximam os textos e explicitam o fato de haver um discurso que em alguns
trechos é reportado a outro discurso, explicitamente, e em outros se esconde nas
entrelinhas do texto, mas podem ser caracterizado devido à sua influência na constituição
de determinadas características de conteúdo do documento, no caso do PPP em relação às
DCN.
A interdiscursividade é uma categoria tipicamente bakhtiniana e se refere, de modo
geral, a “qualquer referência ao outro, tomado como posição discursiva: [...] alusões,
estilizações, citações, ressonâncias, repetições, reprodução de modelos [...]” (FIORIN,
2005, p.165). Essa categoria serve para demonstrar que os enunciados que materializam o
discurso e tomam forma no texto são encadeados em outros discursos, visando utilizar-se
de referências de um discurso outro para elaboração de significados de forma
permanentemente dialógica, sobretudo porque

[...] todo discurso concreto (enunciação) encontra aquele objeto para o


qual está voltado, sempre, por assim dizer, desacreditado, contestado,
avaliado, envolvido por sua névoa escura ou, pelo contrário, iluminado
pelos discursos de outrem que já falaram sobre ele (BAKHTIN, 1998, p.
86).

O fato das DCN serem um discurso de abrangência normativa nacional e o PPP


uma discurso de expressão local põe o primeiro documento na posição de referência para o
segundo, fato este declarado explicitamente quando da incorporação da resolução que
institui as DCN (BRASIL, 2006) como elemento constitutivo da base legal de organização
e funcionamento do curso de Pedagogia do CE-UFPB, naturalmente. Porém, esse processo
de referenciação que configura a interdiscursividade entre os documentos não acontece de
forma mecânica. Ele é resultado da apropriação de um discurso que inicialmente está
situado fora do eixo local da Instituição, visto que não fora elaborado pelos sujeitos que a
compõem, mas que passa a estar intrinsecamente refletido em formas de tradução e
adaptação contextual na construção do PPP em sua ambiência política e institucional. É
pertinente fazer uma alusão à particularidade da comunidade acadêmica do CE-UFPB que,
conforme demonstra o discurso deste documento, mantém um forte vínculo entre a
formação desenvolvida no curso de Pedagogia e as ideologias no campo da educação que
contrastam com o escanteamento de referências epistemológicas da Pedagogia que, a rigor,
deveria consubstanciar todos os processos do curso.
105

No que concerne à organização curricular proposta, o PPP apresenta um modelo


não divergente da maioria das IES brasileiras, conforme demonstra estudo desenvolvido
por Gatti e Barreto (2009), o qual apontou que as disciplinas de 71 (setenta em um) cursos
de Pedagogia das cinco regiões do Brasil apresentam traços que permitem caracterizar
aspectos comuns e enquadrá-las em quatro agrupamentos principais, qual sejam, os
fundamentos teóricos da educação, conhecimentos relativos aos sistemas educacionais,
conhecimentos relativos à formação profissional específica e conhecimentos relativos a
modalidades e níveis de ensino específicas.
Ainda que os currículos analisados no estudo desenvolvido pelas autoras citadas
manifestem uma perceptível variabilidade de disciplinas, em geral pôde-se chegar à
conclusão de que a organização curricular dos cursos de Pedagogia no Brasil apresenta
características de fragmentação e dispersão do conjunto disciplinar. Segundo Gatti e
Barreto, "isto se confirma quando se examina o conjunto de disciplinas em cada curso, por
semestre e em tempo sequencial, em que, via de regra, não se observam articulações
curriculares entre as disciplinas” (2009, p.22).
O estudo desenvolvido por Gatti e Barreto (2009), muito embora seja considerado
uma das cartografias mais completas e abrangentes das licenciaturas brasileiras, não dá
relevância ao significado epistemológico da Pedagogia e dos conhecimentos pedagógicos
como categoria de análise de como ocorre a construção de parâmetros de organização
curricular do curso de Pedagogia, o que entra em choque com a tese defendida por Meireiu
(2006) que afirma ser o significado de Pedagogia que justifica o empreendimento de uma
formação pedagógica. Uma discussão em torno desse aspecto tem sido cada vez mais rara
diante da ênfase que vem sendo conferida a outras fontes de construção e desenvolvimento
do currículo, como aquelas ligadas ao papel político da educação, às ingerências da
sociedade contemporânea na escola sob o prisma de referenciais sociológicos e políticos,
tal como é possível de compreender no PPP do curso de Pedagogia do CE-UFPB.
De acordo com este documento, os eixos organizadores das disciplinas são
“educação e sociedade”, “educação, política e trabalho” e “educação e prática docente”.
Esses eixos demonstram a abordagem sociológica e política do currículo de Pedagogia
como provedora principal dos significados da formação a serem transmutados em práticas
de gestão de conteúdo e experiências formativas desenvolvidas no curso do CE-UFPB.
Conforme já assinalado anteriormente, o papel dessa abordagem não é preterível, uma vez
que o processo formativo do pedagogo deve estar pautado pela reflexão acerca das relações
106

entre modos de formação humana e sociedade, permitindo que os sujeitos do curso


desenvolvam discussões em torno do Estado, das políticas educacionais, das tradições e
contradições do trabalho pedagógico em sinergia com as demandas que emergem no cerne
do desenvolvimento social associadas aos diversos fatores econômicos, culturais, políticos
e sociais.
A tese afirmada por Meirieu (2006) é contraversiva quando, colocando-se na
contramão da tendência de escanteamento da referência epistemológica da Pedagogia,
propõe que essa referência deva se constituir como marco mediador da construção do
arquétipo de formação pedagógica, já que a dinâmica de gestão do conhecimento que se dá
na construção e desenvolvimento do currículo deve se estabelecer numa base que
corresponda à natureza da própria Pedagogia.
Em função a ausência da posição epistemológica, não é possível identificar
claramente a concepção de produção de conhecimento pedagógico própria do curso de
Pedagogia no PPP analisado, a não ser que se considere que esse conhecimento é resultante
do processo mecânico e desarticulado de aplicação dos referenciais providos pela área de
Fundamentos da Educação, quando das abordagens dos objetos educacionais
desenvolvidas nas disciplinas que compõem esse eixo. Perguntas acerca do que é o
conhecimento pedagógico, de como ele deve ser construído pelos estudantes para
subsidiarem o seu processo de formação inicial e fornecer a base para a formação contínua,
além de princípios de validade e consecução das práticas de pesquisa no curso, não
encontram respostas no discurso curricular do PPP. Essa situação é preocupante, sobretudo
quando se considera que, no PPP, está inscrito como campo de atuação do pedagogo a
esfera de “produção do conhecimento científico e tecnológico do campo educacional”
(UFPB, 2006, p. 16). Isso significa que o egresso do curso de Pedagogia deve trabalhar
diretamente com o conhecimento, mas desconhece os princípios epistemológicos de
construção do conhecimento pedagógico que norteará e articulará o processo de produção
de referenciais científicos e tecnológicos no campo da educação.
A tese de Meirieu também sinaliza que é fundamental que estejam inseridas no
currículo disciplinas que permitam aos alunos entenderem a identidade da Pedagogia, já
que eles são sujeitos produtores e desenvolvedores de currículo. No currículo contido no
PPP, mais precisamente no item de conteúdos básicos profissionais, encontra-se a
disciplina “Fundamentos Epistemológicos da Educação”, a única disciplina que prevê um
estudo de natureza epistemológica do conhecimento e da Pedagogia, como se depreende
107

em sua ementa, transcrita abaixo. Essa disciplina é ofertada, segundo a matriz curricular,
no segundo período letivo do curso, ao lado de outras disciplinas de natureza teórica, as
ditas disciplinas que fundamentam a educação.

Ementa da disciplina Fundamentos Epistemológicos da Educação: O


conhecimento científico, sua origem, modelos. A(s) lógica(s) das
Ciências Sociais. Limites e possibilidades do discurso científico.
Fundamentos para uma Ciência da Educação. Educação e Currículo.
Ciência, ética e educação (UFPB, 2006, p. 29).

Com um amplo leque de temas que dão origem a abordagens complexas que,
inclusive, se distanciam entre si, essa é a disciplina que representa o espaço de reflexão
epistemológica sobre o conhecimento e os fundamentos para “uma” Ciência da Educação.
O artigo indefinido “uma” parece expressar a dúvida, a indefinição, ou até mesmo a
desconfiança, de que a Ciência da Educação possa existir ou possa ser constituída. A base
epistemológica do conhecimento pedagógico não é inscrita como conteúdo/princípio/eixo
da disciplina. Essa base poderia ter sido inscrita também em disciplinas como Pesquisa
Educacional e Filosofia da Educação, haja vista a sua aproximação com temas
relacionados aos princípios e processo de construção do conhecimento, porém isso não
existe.
A compreensão do significado epistemológico da Pedagogia certamente
possibilitaria que o estudante e o professor formador do curso articulassem, sob os
princípios que configuram a base do conhecimento e das práticas pedagógicas, os diversos
conhecimentos dispersos pelas disciplinas de fundamentação da educação. A partir da
compreensão dessa base, ficaria mais viável coordenar o amplo conjunto de referências
sobre as dimensões que perfazem o objeto educacional e que, no currículo contido no PPP,
são distribuídas nas disciplinas teóricas ligadas às abordagens filosóficas, psicológicas,
sociológicas, econômicas, históricas da educação.
É comum a crítica ao currículo fragmentário e à dispersão dos conhecimentos
nessas disciplinas teóricas. As disciplinas não estão articuladas e representam enfoques
sobrepostos que, em alguns casos, são até divergentes. Nesse sentido, vale salientar que

A Educação, enquanto campo de saberes, não raramente pode ser vista


como uma arena de opiniões [...] Nessa terra caótica que é o platô
Educação, loteada e povoada por metodológos, sociólogos, filósofos,
108

psicólogos, historiadores, cientistas políticos, além dos chamados


“especialistas em educação”, grassa a opinião, que se arvora em
defensora contra o caos. Estão todos à procura de novidades, estão em
busca da “identidade” da Educação. Mas quanto mais prolifera a opinião,
dando a ilusão de que se foge do caos, mais ele nos enreda e nos lança em
direção de um buraco negro, de onde não será possível escapar (GALLO,
2008, p.56).

A abordagem de Gallo, fundada em preceitos de Deleuze, problematiza o sentido da


construção compartimentada de fundamentos da educação em diversas áreas e o autor não
se restringe no uso de palavras e expressões fortes como caos e buraco negro. Os
conhecimentos fragmentados pendurados nos galhos da árvore caótica que é a Educação
contribuem para a perpetuação da ilusão de que tais conhecimentos, concebidos muitas
vezes como opiniões e ideologias, são capazes de fundamentas abordagens científicas do
objeto educacional sem que haja a plena construção de uma base de conceitos que
identifiquem a sua identidade e circunscrevam o seu campo teórico-metodológico.
Esse contexto de críticas só ratifica a necessidade de que as reflexões sobre a
identidade da Pedagogia sejam deflagradas no campo da pesquisa, da formação e das
práticas educativas e avancem na direção de construir uma base teórico-metodológica
composta por princípios e conceitos pedagógicos, os quais, ao tempo em que identificam
uma abordagem pedagógica, sejam capazes de diferenciá-las daquela desenvolvida pelas
ciências auxiliares, mantendo uma postura afirmativa de sua especificidade sem blindá-la
ao diálogo intertransdisciplinar preconizado pela ciência na contemporaneidade.
A base identitária da Pedagogia é sobremaneira necessária para articular as
disciplinas curriculares que pretendem, conforme expresso em suas ementas, construir a
identidade da educação e fundamentá-la em suas dimensões como fenômeno histórico,
social, institucional e humano. Em se tratando do PPP analisado, essas disciplinas foram
mapeadas e organizadas no quadro abaixo, junto com sua respectiva ementa. Obviamente,
as demais disciplinas curriculares também contribuem para a construção do corpus de
referências sobre a educação, mas essa construção se dá a partir da apreensão de dimensões
mais específicas ligadas ao trabalho educativo, à docência, aos conteúdos e aos métodos do
ensino e as práticas de gestão e organização do trabalho pedagógico escolar. As disciplinas
construtoras da identidade do campo educacional e do conhecimento no curso de
Pedagogia estão concentradas, basicamente, no eixo dos fundamentos da educação e nos
componentes básicos profissionais, com exceção de Pesquisa Educacional que está
reportada aos componentes complementares obrigatórios, e se localizam nos primeiros
períodos letivos (entre o primeiro e o terceiro) previstos no ordenamento curricular do
109

curso. Tais disciplinas aportam discursos de natureza variada sobre a educação enquanto
fenômeno geral e fornecem uma matriz de referência que subsidia os processos formativos
desenvolvidos nas demais disciplinas.

Quadro 1 – Disciplinas construtoras da identidade do campo educacional (UFPB, 2006)


Nome da Ementa Cr./CH
disciplina
Filosofia da Conceitos de filosofia, educação e filosofia da educação. 04 créditos
Educação I Principais correntes filosóficas e tendências pedagógicas. 60 horas
Sociologia da Educação e Sociedade. A ciência sociológica. Enfoques 04 créditos
Educação I teórico-metodológicos da sociologia da educação na 60 horas
modernidade e na pós-modernidade. A importância dos
estudos sociológicos da educação na formação do
educador.

Psicologia da Compreensão do processo educativo e suas interrelações 04 créditos


Educação II com as dimensões afetiva, social e cognitiva. Análise do 60 horas
processo educativo em diferentes momentos do
desenvolvimento humano e na perspectiva das múltiplas
interações que envolvem o processo ensino-aprendizagem.
As principais abordagens teóricas que tentam compreender
o processo educativo e suas implicações para a prática
pedagógica. Dificuldades da aprendizagem ligadas a
fatores psico-pedagógicos e socioculturais.
Fundamentos O conhecimento científico, sua origem, modelos. A(s) 04 créditos
Epistemológicos lógica(s) das Ciências Sociais. Limites e possibilidades do 60 horas
da Educação discurso científico. Fundamentos para uma Ciência da
Educação. Educação e Currículo. Ciência, ética e
educação.

Didática Pressupostos científicos, filosóficos, históricos, teóricos e 04 créditos


antropológicos, à luz das dimensões: sócio-política, técnica 60 horas
e humana. Os elementos estruturantes da formação do
educador e do planejamento de ensino, numa visão crítica
do processo educativo contemporâneo, voltado para a
abordagem construtivista, interacionista e interdisciplinar.
Pesquisa Conceito de pesquisa científica, papel e importância. 04 créditos
Educacional Abordagens teóricas, metodológicas e tipos de pesquisa. 60 horas
Elaboração de um Projeto de Pesquisa

Cabe assinalar um esclarecimento com relação à presença da disciplina de pesquisa


educacional. A ementa desta disciplina é destoante das outras em um aspecto particular. Ao
passo em que as demais disciplinas pretendem enfocar noções gerais sobre educação,
processo educativo, Ciência da Educação, a Pesquisa Educacional não delimita o seu
110

objeto no campo da Pedagogia ou pelo menos da educação. Trata-se de uma disciplina que,
embora traga o atributo “Educacional” em seu título, abrange um conteúdo genérico sobre
a investigação científica e seus princípios e operações mais gerais, sem especificar
tradições teórico-metodológicas e temáticas pertinentes ao próprio campo da pesquisa em
educação. Ainda assim, considera-se que esta disciplina pode exercer um papel central na
construção da identidade do campo pedagógico e educacional, em sua dimensão de objeto
de estudos, pesquisas e produção de conhecimentos.
O discurso formativo que se expressa no PPP e na organização curricular do curso
de Pedagogia é, conforme já destacado anteriormente, uma construção de significados
orientadores das práticas de ensino-aprendizagem no curso. O discurso, porém, não se
encerra no texto escrito, mas se concretiza nos atos de enunciação. Na realidade, se
estabelecem no contexto de interação e uso social da linguagem ocorrido no dia-a-dia do
processo prático de desenvolvimento curricular, na gestão do conhecimento em sala de
aula, no seio da relação pedagógica entre professores, estudantes e conhecimentos. Nesse
sentido, os significados da formação constituem um conjunto de referências diversas
entrecruzadas e transgridem a formalização que é feita pela organização curricular.
Isso inspira uma análise de como os professores formadores, sujeitos que
constroem e desenvolvem o currículo, mobilizam e ressignificam as influências formativas
a partir de significações de Pedagogia e de representações sociais sobre o curso, o seu
aluno e o trabalho que é desenvolvido em sala de aula. Voltar o olhar para os modos de
significação e representação social dos professores formadores pode explicitar como os
significados formativos inscritos no PPP são traduzidos no contexto de suas práticas
profissionais e quais os desafios enfrentados pela proposta de dar centralidade ao aspecto
epistemológico da Pedagogia enquanto matriz de mediação entre os objetivos, a natureza
do curso e o trabalho que deve ser desenvolvido em cada disciplina curricular. Essa
discussão será feita no próximo capítulo a partir da pesquisa empírica com esses sujeitos.
111

4 SIGNIFICAÇÃO DA PEDAGOGIA E PERSPECTIVAS DE ENSINO DOS


PROFESSORES FORMADORES: ENTRE DISCURSOS E REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS

Os processos formativos no ensino superior se constituem em um importante objeto


de estudos e análises no campo da Pedagogia e, também, como um campo de atuação de
políticas educacionais empreendidas com maior intensidade no Brasil a partir do início dos
anos 2000, com o advento de modelos de inovação curricular e de novas estratégias
organizativas da gestão universitária. Desenvolver uma análise acerca das configurações de
significação que se imbricam, de forma orgânica, aos modos de atuação dos professores
formadores nesse nível de ensino, mais particularmente no curso de Pedagogia, e das
referências que são mobilizadas para a construção de suas perspectivas de ensino, requer
considerar um conjunto complexo de fatores relacionados à especificidade da docência no
ensino superior, ao papel do professor formador no contexto de novos princípios
pedagógicos e institucionais que delineiam uma representação de sua profissionalidade e às
problemáticas didático-pedagógicas emergentes de suas práticas de ensino.
Uma análise do discurso de natureza dialógica, concebida sob aportes de Bakhtin,
não pode prescindir de considerar tais fatores, os quais revelam interfaces estruturais e
simbólicas que estão ligadas, por um lado, a elementos concretos que definem o universo
de atuação do professor formador, compreendendo condições de trabalho e implicações de
uma cadeia de impactos derivados das políticas de educação superior, no caso desse
trabalho aquelas que se dirigem aos processos formativos no curso de Pedagogia, e, por
outro lado, a elementos simbólicos, signos ideológicos, incorporados por atos de
significação configurados pela interação verbal e explicados à luz do dialogismo.
Desse modo, o processo analítico do discurso dos professores formadores acerca da
significação da Pedagogia e de representações sociais que auxiliam na compreensão do
modo pelo qual tal significação desdobra determinadas perspectivas de ensino definidoras
da ação profissional desse sujeito se pauta, inicialmente, pela análise do discurso curricular
feita no capítulo anterior, discurso este que se constitui em um macro-instrumento de
regulação das práticas docentes e, em seguida, por um apanhado de questões que buscam
problematizar o contexto concreto de ação do professor formador, ou seja, o seu lugar de
trabalho, a universidade e a sala de aula.
Através dessas conexões entre significações, discurso e contexto de ação,
compreende-se que o significado e as representações sociais serão analisadas sob uma
112

perspectiva dialógica que suplanta a concepção de análise que isola, de forma restrita e
restringente, o discurso do sujeito como uma fala livre ou pura, sem lugar social, sem estar
atrelada a elementos ideológicos e estruturais. Tais elementos perfazem as esferas de uso
da linguagem, aproxima o discurso de uma cadeia de enunciados que concretizam a
atividade discursiva e explicitam a natureza coletiva da docência, de modo a considerar
que “as práticas profissionais, ao mesmo tempo em que dependem de decisões individuais,
organizam-se também a partir de normas coletivas adotadas pelos professores e pelas
regulações burocráticas e administrativas da organização escolar” (FRANCO, 2011,
p.165). É importante destacar que essas noções expressam um modo dialógico de
compreender os processos de criação e mobilização de representações sociais, haja vista
que “[...] a representação pertence ao „entre‟ da comunicação humana e da ação social e
não é produto de mentes individuais fechadas em si mesmas” (JOVCHELOVITCH, 2008,
p.73). Com efeito, as representações sociais são constituídas no interior de práticas
dialógicas de interação social, nas quais cada enunciado que materializa o discurso se
configura como “um elo da cadeia muito complexa de outros enunciados” (BAKHTIN,
2006, p.291).
O discurso curricular formalizado no PPP analisado se constitui numa dessas
normas e será referenciado como um elemento regulador da ação do professor, com o qual
as perspectivas de ensino devem se coadunar, visando estabelecer uma relação de
correspondência entre o que é declarado enquanto princípio e parâmetro organizativo do
curso e aquilo que, de fato, é praticado pela ação do professor formador.
A significação de Pedagogia será compreendida por meio de acessos permitidos
pela descrição e análise do discurso e de representações sociais identificadas em torno do
conhecimento pedagógico, do perfil identitário do pedagogo e do próprio curso de
Pedagogia. A análise está sistematizada em eixos que representam dimensões analíticas
específicas para que o objetivo de investigar as significações de pedagogia e as
perspectivas de ensino dos professores formadores seja efetivado. Na realidade, a
significação, enquanto atividade discursiva estruturada por representações sociais,
atravessa todos os eixos sem estar restrita a um ou outro conteúdo ou elemento que a
represente.
Feitas essas considerações, será iniciada a análise do discurso dos professores
formadores do curso de Pedagogia assinalada pelo objetivo que orienta este trabalho,
precedida de uma contextualização relativa ao papel desse sujeito na formação em nível
superior, a partir da referência a marcos teóricos da Pedagogia Universitária e aos desafios
contemporâneos que performam o panorama das perspectivas de ensino na Educação
113

Superior.

4.1 O professor formador e o panorama geral das perspectivas de ensino na Educação


Superior: breves considerações

Eu lido com um trabalho extremamente complexo. A sociedade me quer


responsável pela construção de um conhecimento especializado que nem
ela mesma sabe bem como usar. São essas ambivalências que, às vezes,
me fazem parar e pensar: “nossa! Como eu devo agir para corresponder à
sociedade?” Olha...eu, sinceramente, não sei como responder.(PF – DI).

Formar uma geração preparada para o domínio competente de múltiplos recursos


técnicos, tecnológicos, cognitivos e culturais. Prosseguir o percurso de construção do
conhecimento especializado no âmbito das ciências, das artes e das tecnologias. Manter
viva a tradição da existência de uma instância declaradamente autônoma, crítica, criativa e
transformadora social, a Universidade. Os professores formadores são confrontados por um
feixe de demandas complexas que emergem tanto do interior do seu ofício, quanto de
necessidades sociais mais amplas relativas ao universo contextual em que sua atuação
acontece. Essa atuação se configura num ofício que vem passando por profundas
transformações em seus moldes e referências na esteira de mudanças acerca do papel da
Universidade, do conhecimento, da formação de profissionais na Educação Superior e das
políticas empreendidas neste nível de ensino.
A atuação do professor formador, as condições em que esta se dá e os objetivos que
a orienta convivem com dilemas pedagógicos e institucionais que evidenciam o caráter
problemático e complexo que envolve a própria definição da sua identidade e de sua
formação. As perguntas acerca de quem é o professor formador, qual a distância entre
aquilo que ele deve praticar como ato formativo e aquilo que ele efetivamente pratica, bem
como sobre qual o tipo de formação que lhe deve ser exigido para a inserção na docência,
tem sido recorrentes nos estudos e pesquisas da área de Pedagogia Universitária.
As contradições e ambivalências que marcam o campo das políticas, das práticas e
dos significados embutidos na educação superior são fatores estimuladores de
questionamentos que levam o professor em confronto com o auto-reconhecimento de si
como um profissional que intenciona se localizar num campo de atuação em busca de
legitimidade, a docência universitária, como é possível depreender do trecho da enunciação
do professor formador mostrado no início deste tópico. No contexto discursivo do qual o
trecho foi retirado, este sujeito problematizava o seu lugar profissional, a sua identidade
institucional e social, a partir daquilo que ele pratica e das condições que a Universidade
114

(in)viabiliza para isso. Na sua enunciação: “a Universidade quer que eu seja (...) aquilo que
eu faço, sem se preocupar com o fato de que o que eu não sou, ou não posso ser, às vezes é
resultado do que ela não faz” (PF – DI). O movimento de relacionar a natureza
institucional de suas práticas e a sua razão profissional de ser revela que o professor
formador se concebe como membro de uma instituição cujos efeitos administrativos e
organizacionais mantém ingerências diretas na construção dos seus trajetos de
identificação e experiências profissionais. Essa circunstância reforça o princípio dialógico
de conectar a dimensão estrutural das esferas de uso da linguagem com a atividade humana
e o discurso praticado pelo sujeito, marca típica da análise do discurso numa perspectiva
bakhtiniana (BAKHTIN, 1992), como também explicita a tênue linha que separa a
condição da representação social enquanto saber e o espaço de comunidade construtivo
desse processo representacional (JOVCHELOVITCH, 2008).
Assim como esse professor formador, outra professora, ao buscar explicitar sua
posição sobre a atual conjuntura do curso de Pedagogia no Brasil, faz um comentário sobre
os marcos históricos de mudanças no campo da Educação Superior se coloca da seguinte
maneira:

Estou aqui (na Universidade) desde os anos oitenta. Então eu meio que
presenciei mesmo as mudanças que aconteceram na formação
universitária nesse tempo todo, não é? De lá para cá, digo. E sabe o que
eu percebo hoje? O Centro de Educação era um dos primeiros centros da
UFPB a mudar, a aceitar os programas de ensino e tudo! Só que as coisas
concretas, o cotidiano de trabalho nosso, pouco mudou. Claro! Mudaram
as normas, as leis, os princípios, mas na prática as condições são quase as
mesmas. Na verdade, hoje eu vejo que as pessoas estão mais sem
entusiasmo, sem esperança mesmo, porque sabem que, no fundo, as
coisas vão sempre permanecer como estão (...) Isso é triste (PF – PsE1).

A professora formadora faz uma relação entre sentimentos de entusiasmo e


esperança com condições institucionais de atuação, indicando que o distanciamento entre
as proposições declaradas pelas instâncias de gestão universitária e os impactos de
mudança das práticas tem provocado, na sua percepção, a partir da forma pela qual ela
representa a sua história dentro da Instituição, uma espécie de pessimismo com relação às
propostas de formação direcionadas ao campo da Educação Superior. As condições
institucionais de atuação, da forma como estão tematizadas no discurso da professora, não
possibilitam que sejam vislumbradas perspectivas de transformação capazes de mobilizar
os professores.
Entre outros aspectos relacionados à gestão universitária, o engajamento
115

significativo resultante da mobilização e adesão do professor a um projeto de formação


implica diretamente na qualidade das práticas pedagógicas, do mesmo modo que
sentimentos, representações e significados intrínsecos a esse professor são continuamente
dinamizados pelo nível de identificação mantido pelo docente face ao projeto formativo.
Do mesmo modo, a relação de identificação que o professor mantém com os
diversos elementos que traduzem um determinado projeto formativo permeia a construção
de representações acerca do mesmo e, consequentemente, dá origem a condutas de adesão,
engajamento e comprometimento que variam segundo o nível de identificação. Com isso,
parece ser oportuno refletir sobre até que ponto as políticas de formação universitária e,
mais particularmente, as políticas de formação para o curso de Pedagogia, e as formas
pelas quais essas políticas são transmutadas em práticas concretas, estão sendo
identificadas como propostas significativas pelos professores formadores, sabendo que sua
ação recebe uma orientação a partir de processos de significação que envolvem tanto a
avaliação dessas estratégias de regulação formal, quanto de outros elementos forjados no
cotidiano das relações pedagógicas com os seus pares, os alunos e a comunidade, de forma
geral.
Tais considerações são pertinentes a este trabalho, visto que a compreensão dos
modos de significação e representações sociais dos professores formadores, independente
de quaisquer objetos que sejam tematizados, está remetida para a existência de condições
concretas e interações comunicativas que marcam o contexto global – das macropolíticas –
e o contexto local do seu trabalho. Concebe-se assim que o professor formador não é um
sujeito ideal, desenraizado de um plano concreto consubstanciado por condições e por
dinâmicas que balizam dificuldades e facilidades de trabalho. Ou seja, o professor não está
num vácuo isento de estruturas e condições concretas que dão lugar à sua existência
profissional nem contempla a realidade e constrói significados e representações para ela
por meio de uma reflexão dissituada do seu espaço existencial concreto, mas que, sabendo-
se como um sujeito que desenvolve práticas profissionais atravessadas por influências
diversas, se mobiliza para criar referências de entendimento que, compartilhadas com seus
pares, possibilitam o reconhecimento comum e não-egóico da sua identidade institucional.
Ademais, as práticas institucionais são mediadoras da construção de significados,
sobretudo quando se considera que na construção das perspectivas de ensino pelos
professores formadores, “a mediação da prática coloca-se como indispensável, porém, em
estreita articulação com a teoria e ancorada na reflexão, enquanto processo que busca
atribuir sentido àquilo que se pratica” (ALMEIDA; PIMENTA, 2011, p.27-28).
A concepção que enquadra a identidade institucional como algo que é construído e
116

reconhecido socialmente, no âmbito da coletividade que forma a instituição, sobressai no


discurso dos professores formadores com o uso constante do pronome da primeira pessoa
do plural, “nós”. Em diversos momentos da entrevista, os professores empregavam esse
pronome para evocar um coletivo que se imbrica organicamente na representação que estes
sujeitos fazem de si como alguém que possui compreensões e proposições resultantes da
construção compartilhada de significados no cotidiano de suas relações sociais na
Instituição. Os trechos transcritos de discursos dos professores formadores exprimem bem
essa questão.

Aqui na Universidade nós acreditamos que o curso de Pedagogia deva ser


[...] (PF-PsE1).

É cada vez mais difícil para nós atingirmos o aluno e motivá-lo (PF –
FE).

[...] isso acontece porque nós não costumamos acompanhar a discussão


[...] (PF-SE).

Não sei se nós temos tido essa competência de fazê-los refletir sobre isso
[...] (PF-EE2).

A dimensão coletiva da docência é uma questão importante para a compreensão


dialógica da construção discursiva no âmbito das Instituições, pois o discurso de um sujeito
representa um amplo contexto de interações que reverberam na maneira pela qual ele
enuncia, considerando a especificidade da esfera de uso da linguagem em que a enunciação
se configura (BAKHTIN, 1992; 2006).
Ao lado dessas questões em torno da dimensão coletiva da docência, outras
questões se revelam importantes em função da necessidade de considerar o panorama geral
que abrange os desafios e as possibilidades de ação do professor formador na Educação
Superior. Uma delas se refere aos impactos do processo de precarização da carreira docente
superior e aos desdobramentos operados através de mecanismos de avaliação da atuação do
professor universitário.
Pimenta e Almeida (2011) destacam que a avaliação do desempenho da ação do
professor universitário tem priorizando a pesquisa como critério que indica qualidade,
envolvimento e empenho desse profissional. Não é a toa que a quantidade de publicações
de resultados de pesquisa através dos gêneros de comunicação acadêmica é tomada como
117

índice de produtividade de docentes tanto na graduação, quanto na pós-graduação. De fato,


as políticas de avaliação de desempenho docente na Educação Superior, com abrangência
internacional, estão desvalorizando as atividades de docência em paralelo à ênfase dada às
atividades de pesquisa, de tal modo que o quadro de critérios e índices avaliativos
configurou a desvalorização dos processos de ensino. Essa circunstância é facilmente
perceptível quando se considera que

Cada hora adicional de esforço que um professor dedica à docência


provavelmente reduz uma hora de esforço que dedicaria à pesquisa e isso
prejudica suas expectativas de carreira e sua remuneração a longo prazo.
Existe uma quase perfeita relação negativa entre as horas de docência e o
salário. Os sistemas de reconhecimento e recompensa habitualmente
desanimam os professores de levarem a sério a docência (GIBBS apud
ALMEIDA; PIMENTA, 2011, p. 32).

Diante dessa realidade, a atividade de ensino na graduação tem passado,


principalmente a partir da segunda metade da década de 1990, por um processo de
fragilização e escanteamento, de tal modo que os professores que se envolvem mais com a
preparação e execução de aulas, com projetos ligados diretamente ao ensino e que
dispensam grande parte de seu tempo profissional para acompanhar o desenvolvimento das
aprendizagens discentes, são comumente taxados como professores acomodados em suas
salas de aula, como sujeitos que não produzem conhecimento, que não colaboram com o
avanço das áreas científicas nas quais atuam etc. Em contraposição, os professores melhor
reconhecidos são aqueles que produzem mais pesquisas e que assumem cada vez menos
número de aula na graduação, haja vista que a atividade de ensino demandaria um
investimento de tempo que, prioritariamente, deve ser despendido às ações de pesquisa e
publicação de seus resultados.
Desse modo, os professores têm sido levados a se engajaram cada vez menos em
discussões acerca de suas práticas pedagógicas, provocando o aparecimento de obstáculos
que dificultam a inovação e a reflexão sobre suas perspectivas de ensino, sobretudo porque
os temas diretamente relacionados ao ensino, como o que origina e dá sentido a tais
perspectivas, bem como aquilo que os alunos aprendem ou precisam aprender para se
afirmarem profissionalmente como pedagogos, muitas vezes são concebidos como algo
pouco relevante ou de importância secundária. A experiência e as demandas do ensino são
obscurecidas pela falta de reflexão do professor formador e, muitas vezes, são sufocadas
pelos automatismos irreflexivos decorrentes do exercício repetitivo de fórmulas que,
supostamente, tem dado certo na história de vida profissional de cada professor.
Um dos reflexos trazidos pela circunstância de desvalorização da docência e das
118

reflexões sobre as perspectivas e práticas de ensino, é o distanciamento entre o que o


professor formador propõe como conhecimento útil disponibilizado por sua disciplina e o
conjunto de conhecimentos e habilidades que o aluno precisa construir para se desenvolver
profissionalmente. Isso ocorre em função de que refletir supõe levar em consideração não
apenas aquilo que o professor concebe e prioriza, senão essa reflexão se configuraria como
um tipo de pensamento egocêntrico, mas também questões intrínsecas ao aluno, ao seu
mundo e aos seus anseios de desenvolvimento profissional. Essa é a natureza da reflexão
pedagógica, uma reflexão dialógica que compreende as múltiplas variáveis do processo de
ensino-aprendizagem num movimento dialético de compreensão mútua entre os sujeitos
desse processo, o aluno e o professor, considerando o complexo contexto no qual o mesmo
é desenvolvido.
O distanciamento entre o conhecimento universitário e as práticas profissionais
também complica o caráter identitário da Universidade e, consequentemente, impacta na
compreensão do perfil e das finalidades de intervenção do professor formador. Quanto
mais dispare está o conhecimento universitário das práticas profissionais, mais a
Universidade se descaracteriza como um espaço de profissionalização que se volta para
demandas concretas da sociedade, e mais o professor formador é representado como um
sujeito desinteressado com o futuro do egresso, detentor de um saber sem utilidade prática
e de uma ciência sem técnica e sem sociedade. Esse aspecto é discutido por uma professora
formadora quando ela aponta se refere aos objetivos do aluno ao buscar ingressar na
Universidade.

A maioria deles (os alunos) vêm buscar esssa possibilidade de trabalho,


de ingressar no mercado de trabalho. A universidade não se coloca como
um escola de formação profissional. Ela se coloca como um local de
produção científica, intelectual. A graduação, pra mim, é inclusão dessa
pessoa que veio buscar uma profissionalidade para entrar no mercado de
trabalho ou para melhorar sua condição de trabalho. E inclusive pra que
que a gente faz mestrado, doutorado? É só por uma questão de “ah! Eu
vou desenvolver esse meu lado poético, intelectual”. Não é não! (PF –
DI).

O processo de significação das perspectivas de ensino dos professores formadores


por eles mesmos, bem como as representações sociais que estão envolvidas neste processo,
é situado contextualmente em condições institucionais próprias, uma vez que este sujeito
não contempla sua realidade de trabalho como alguém fora de suas circunstâncias para,
então, construir significados e representações. Nesse sentido, os dilemas vivenciados no
119

campo da Educação Superior atravessam a significação, fazendo com que questões acerca
da finalidade da Universidade, do conhecimento, da institucionalização das práticas
formativas e de critérios e índices que expressam sua qualidade, sejam cada vez mais
relevantes à compreensão de quais são os perfis do professor formador e de quais
elementos ele precisa mobilizar para construir suas perspectivas de ensino.
Outras questões se imbricam na compreensão desses perfis, os quais abrangem um
horizonte vasto de caracterização, como por exemplo o perfil identitário, de formação, de
atuação, o perfil psicológico, sócio-demográfico etc. Especificamente, os perfis de
formação e de atuação do professor formador consitituem uma dimensão de análise que
adquire importância nesse trabalho por se concentrar nos trajetos de profissionalização e
profissionalidade percorridos por estes sujeitos e fornecem dados para compreender a
presença e a ausência de determinados elementos no processo de significação da
Pedagogia. No próximo tópico, esses perfis serão construídos e analisados para que se
passe, então, às analises acerca dos modos de significação da Peagogia e das
representações sociais neles imbricadas.

4.2 A Pedagogia e o perfil de formação e atuação institucional do professor formador:


delineando trajetos de profissionalização e profissionalidade

[...] há convergências entre o ofício do formador (profissional do ensino),


o ofício para que o formando está sendo formado (profissional do ensino)
e o modo de formação (ensino de ser profissional do ensino). Esta
especificidade torna inevitável que as práticas de ensino dos formadores
sejam importantes modelos de aprendizagem da profissão
(FORMOSINHO, 2001b). Assim, um componente essencial da formação
prática do futuro professor consiste na prática docente dos seus
formadores no curso da formação inicial (FORMOSINHO, 2011, p.139).

O trecho acima apresentado se configura como um indicativo de problematização


acerca do papel do professor formador no processo formativo inicial de pedagogos que, no
contexto da abordagem do autor citado, consiste na preparação para o exercício do ensino.
Formosinho (2011) aponta, sobretudo, que a experiência de aprendizagem por que passam
os estudantes mediados pelo ensino do professor já funciona, em si mesma, como um lócus
de reflexão sobre sua profissão pelo fato de que o diálogo com o professor formador, o
deixar-se conduzir por ele, o olhar sobre o seu modo de organização didática e as maneiras
pelas quais ele se coloca como profissional do ensino são, ao mesmo tempo, um meio que
leva os estudantes a refletirem sobre as práticas da profissão e também um objeto de
críticas, problematização e referência positiva ou negativa, constituindo modelos de ação
120

que podem ser rejeitados ou consagrados pelos sujeitos em formação. Em se tratando da


formação profissional desse professor formador, as experiências de aprendizagem pela
mediação de seus professores também representam cenários nos quais são agregados
valores, conhecimentos, posturas e representações sociais da profissão docente, “com base
na observação sobre a forma de seus professores ensinarem e envolverem ou não os
estudantes [...]” (SOARES; CUNHA, 2010, p.34).
Esse entendimento vincula-se a uma perspectiva teórico-metodológica que
concebe a docência como um processo de construção profissional e identitária que supera a
certificação formalista requerida para o exercício do magistério, já que as aprendizagens
que orientam o desenvolvimento profissional dos professores não se limitam àquelas
previstas ou decorridas nos contextos formais da formação inicial e de mecanismos de
formação continuada institucionalizada. Tais contextos são, indubitavelmente, importantes
e determinantes para a profissionalização docente, mas se interconectam com outros
contextos de experiência e aprendizagens relacionados ao cotidiano de interações entre os
professores com os sujeitos com quem partilha sua vida institucional, às dimensões da
(inter)subjetividade, aos elementos que formam tramas históricas de vivência na escola
desde os primeiros anos de escolarização do sujeito professor de agora enquanto sujeito
aluno de outrora. A docência se estabelece, nesse sentido, como um espaço de interseções
entre múltiplas experiências idiossincráticas e sociais que abrangem um vasto campo de
contextos de experiências de aprendizagem, não se esgotando naquelas que conferem ao
sujeito uma certificação formal para o exercício do magistério. Mizukami diz que

Professores geram quadros referenciais ao longo de suas interações com


pessoas e com aspectos das instituições nas quais trabalham, de forma
que as novas concepções resultantes não são nem inteiramente
determinadas pelo contexto, nem inteiramente escolhidas por eles (1996,
p.63).

A construção das aprendizagens profissionais, nesse sentido, inclui elementos


cognitivos, experienciais, sócio-culturais, institucionais, estéticos e éticos advindos das
experiências pelas quais passam os sujeitos professores. O reconhecimento de si, como
sujeito profissional, modos e perspectivas de atuação mobilizadas pelo professor formador
constituem uma rede de sentidos e significados que se imbricam e formam o que tem sido
concebida como profissionalidade docente, resultante desse amplo processo de
profissionalização, ou seja, de tornar-se professor.
Concebe-se, portanto, que a profissionalidade é um conceito que sintetiza o
processo de construção do ser e estar na profissão, envolvendo os significados que
121

imbricam a representação que vincula o indivíduo e sua atividade profissional. Essa


representação contém elementos do significado social da profissão, da (auto)percepção
profissional e dos motivos que levam o indivíduo a investir em uma determinada trajetória
de desenvolvimento profissional através das formas de inserção na profissão e socialização
dos hábitos, habilidades e competências que esta supõe.
A noção de profissionalidade está relacionada ao modo como o professor constrói o
seu contexto de trabalho e se constrói a partir dele, num complexo movimento que
entrelaça subjetividade e práticas sócio-institucionais. O modo pelo qual o professor
imprime um caráter profissional a sua atividade revela o nível de profissionalidade que
caracteriza sua ação educativa. É na atividade docente que o professor mobiliza os saberes
e competências, concebidas como capacidades profissionais, que performam a identidade
da profissão docente.
Desse modo, a profissionalidade é o elemento que qualifica o trabalho do professor
em vista do que é requerido para o exercício do ensino, envolvendo descritores de
qualidade e finalidades do trabalho docente. O desenvolvimento das competências
profissionais necessárias ao exercício do trabalho docente está em função do que o próprio
docente entende que deva se constituir objeto e objetivo de sua ação.
De modo geral, profissionalidade consiste numa noção que corresponde a “[...]
afirmação do que é específico na acção docente, isto é, o conjunto de comportamentos,
conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade do ser
professor” (SACRISTÁN, 1991, p.65).
Ainda que tenham sido considerados como aspectos fundamentais dos estudos
sobre a qualidade da formação docente e o papel das agências formativas na
profissionalização do professor da Educação Básica, entre outros objetos, o processo de
profissionalização e a constituição da profissionalidade docente do professor formador no
curso de Pedagogia não tem ocupado, da forma como deveria, um status de objeto que lhe
confira ampla atenção em estudos e pesquisas educacionais na contemporaneidade e que,
consequentemente, deva ser discutido e aprofundado por meio de investigações que visem
explorar suas dimensões e compreender seus desafios e potencialidades.
Algumas referências, entretanto, têm sido úteis para problematizar a questão da
profissionalização e da profissionalidade do professor formador no curso de Pedagogia,
quais sejam aquelas que discutem a formação pedagógica do professor universitário
brasileiro e que apontam os desafios e vicissitudes derivados da ausência de uma legislação
específica que a regulamente, bem como da cultura acadêmica que representa os
122

professores universitários como transmissores de conteúdos, “formadores não assumidos e


investigadores não comprometidos” (FORMOSINHO, 2011, p.137).
Voltar o olhar investigativo para as dimensões de profissionalização e
profissionalidade do professor formador no curso de Pedagogia, no intuito de compreender
suas significações em torno da própria Pedagogia, requer considerar os trajetos de
formação e o perfil de atuação institucional, visando destacar elementos que remetam ao
processo pelo qual o sujeito professor formador foi se constituindo profissionalmente e
como se caracteriza o seu engajamento na dinâmica de formação empreendida pelo curso
de Pedagogia nos âmbitos do ensino, da pesquisa e da extensão universitárias.
Os trajetos de formação e perfil de atuação institucional dos professores
formadores foram traçados por meio de dados apreendidos através do formulário de
identificação do professor formador, aplicado na ocasião da entrevista com os mesmos.
Esse formulário permitiu demarcar características importantes que servem para
problematizar aspectos da profissionalização e da profissionalidade, conforme será feito ao
longo do texto. Vale ressaltar que esta problematização também será desenvolvida a partir
da análise do discurso dos professores formadores que participaram das entrevistas. Nesse
sentido, serão articulados, para fins de caracterização e descrição analítica, os dados
apreendidos no formulário e os registros de enunciação desses sujeitos.
Os 10 (dez) professores formadores que participaram da pesquisa, dos quais 06
(seis) eram do sexo feminino e 04 (quatro) do sexo masculino, tinham idades que variaram
numa faixa etária que vai dos 36 (trinta e seis) aos 60 (sessenta) anos. A média de variação
da faixa etária, obtida por procedimento estatístico, é de 44,5 anos de idade. Dessa
população geral, distingue-se que 07 (sete) professores formadores são lotados no
Departamento de Fundamentação da Educação (DFE), 02 (dois) no Departamento de
Habilitações Pedagógicas (DHP) e 01 (um) no Departamento de Metodologia da Educação
(DME). Todos estes Departamentos estão inseridos no Centro de Educação da UFPB.
Os professores formadores tem um perfil de formação acadêmica relativamente
diversificado, considerando a titulação obtida por cursos de graduação e por cursos de pós-
graduação lato sensu e stricto sensu. Em seguida, é apresentado uma compilação dos
gráficos 1, 2, 3 e 4, referentes à formação acadêmica dos professores formadores, cabendo
ressaltar que dada a situação de que alguns deles possuem mais de um curso de graduação
e/ou pós-graduação, alguns valores numéricos atribuídos aos cursos no eixo “A” dos
gráficos não são equivalentes ao número total de sujeitos pesquisados. No caso da
formação em curso de pós-graduação lato sensu, ressalta-se que a variação numérica
explica-se pelo fato de que apenas 06 (seis) dos professores formadores obtiveram
123

diplomas nesse nível de formação, assim como 01 (um) professor não possui curso de
Doutorado.
Em sua maioria, os professores formadores ministram disciplinas dos
fundamentos da educação, já que essas disciplinas constituem o maior número daquelas
que, após a análise do discurso curricular feita no capítulo anterior, foram mapeadas para
servirem de referência à escolha dos professores formadores que seriam entrevistados.
Comumente, para ministrar essas disciplinas, a posse de diploma de graduação em
Pedagogia e de mestrado/doutorado em Educação não se configura como requisito
determinante do ingresso do professor que irá ministrá-las nas IES. Essa compreensão tem
sido criticada por diversos aspectos, dentre os quais as implicações que a demasiada
abertura às áreas de graduação e pós-graduação na seleção de professores para atuarem no
curso de Pedagogia tem diante ao problema da gestão intertransdisciplinar dos conteúdos e
a coordenação curricular dificultada pela especialização da formação dos professores
formadores diante da abrangência e multiplicidade do currículo do próprio curso.
Devido à falta de clareza da relação que existe entre os conteúdos das disciplinas
de fundamentação da educação e a natureza da Pedagogia, presume-se que a questão da
legitimidade de um Doutor em Sociologia, por exemplo, que ministra a disciplina de
Sociologia da Educação é inquestionável e que, sendo essa disciplina um desdobramento
da própria ciência sociológica, um Doutor em Educação teria um desempenho de menor
qualidade no desenvolvimento da mesma. Essa forma de conceber os requisitos de
titulação para atuação no curso de Pedagogia revela a representação da educação como um
simples campo de aplicação de conhecimentos exógenos a ela e que a área, assim como o
pedagogo, demanda a tutela de outro profissional com um perfil que não é necessariamente
de pesquisador em educação para lhe dar suporte, além de reafirmarem a conduta
acadêmico-institucional de “[...] pressupor que o campo pedagógico seja composto de
fragmentos de outras ciências” (FRANCO, 2008, p.115).
Em sua maioria, os professores formadores possuem, pelo menos, 01 (um) título
acadêmico na área de Educação, excetuando-se um professor que possui todas as suas
titulações em “áreas afins”, expressão que designa um conjunto de ciências que mantém
alguma relação com os estudos educacionais e pedagógicos.
124

GRÁFICOS 1, 2, 3 e 4 – Formação acadêmica dos professores formadores em cursos de


graduação (1), especialização latu sensu (2), mestrado (3) e doutorado (4)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados da pesquisa (2011).

Pode-se afirmar que os trajetos de formação dos professores formadores os


aproximam, em maior ou menor grau, do campo da Pedagogia, porém nem sempre
permitem que o sujeito estabeleça um vínculo de identificação com a natureza, a propostas
e as demandas formativas desse campo, sobretudo quando se considera que a pós-
graduação em Educação só a partir do final da década de 1990 tem feito um movimento de
articulação mais substancial com a graduação em Pedagogia, o que desemboca a questão
de que nem sempre a formação em nível de mestrado e doutorado em Educação possibilita
ao professor formador o diálogo com problemáticas circunscritas no campo dos estudos
pedagógicos e, mais precisamente, na seara da formação dos pedagogos.
Concorda-se com Soares e Cunha, no que se refere à situação histórica atual da
pós-graduação em Educação, quando estas autoras afirmam que “[...] busca de sua
afirmação no conjunto do sistema de pós-graduação tem determinado a diluição de sua
natureza específica, didática e pedagógica [...]” (2010, p.52). A afirmação institucional da
pós-graduação em Educação implicou a necessidade de enfatizar que, em seu contexto,
deveriam ser realizadas pesquisas científicas que, embora mantenham relações com o
campo da educação e da pedagogia, utilizam referenciais teóricos e metodologias de
125

construção e análise de dados que as descaracterizam como pesquisas educacionais com


foco em problemáticas pedagógicas. Com isso, a formação de mestres e doutores em
Educação defronta-se com uma situação de escanteamento ou descaracterização da
especificidade da pesquisa educacional. O mesmo parece ter acontecido com a Pedagogia
que, para afirmar-se como área científica, teve que aparelhar-se às outras áreas com status
de maior cientificidade e deslocar sua identidade de ciência da e para a educação,
conforme já discutido no capítulo anterior deste trabalho.
Um professor formador trouxe em sua enunciação a questão da distância entre a
Pedagogia e a pós-graduação em Educação quando discutiu o fato de ser originalmente da
área da Filosofia, ter tido formação na área, porém não conseguir localizar a especificidade
da própria Pedagogia. Nas suas palavras:

[...] acho que existe um buraco entre o que se faz na pós-graduação e o


que se faz no curso de pedagogia. Quando eu estava na filosofia, eu
achava a pedagogia um nada! Como eu vim para a educação, fiz
mestrado, o doutorado, eu ainda não consigo ver a identidade da
pedagogia (PF – FE1).

A distância entre o curso de Pedagogia e a pós-graduação em Educação, como


espaço formativo de pesquisadores e docentes para atuarem nessa área, deve ser estimulada
e viabilizada por meio de dispositivos institucionais, bem como justificada sob argumentos
que concebam a substancialidade da pedagogia na constituição acadêmico-identitária da
pesquisa em educação, considerando que isso

[...] possibilitaria a revitalização do curso de pedagogia e, ao mesmo


tempo, abriria as portas para plena consolidação da educação como área
científica. Assim, em lugar de a pós-graduação buscar firmar-se
cientificamente ao preço de elidir tanto a terminologia como a
problemática própria da pedagogia, seu papel seria o de elevar a
pedagogia à condição de ciência da e para a prática educativa (SAVIANI,
2008, p.161).

Foi possível depreender, na cadeia de enunciados dos professores formadores,


alguns elementos que apontam como a questão da identificação com o binômio área/curso
de Pedagogia está relacionada, inicialmente, com a formação recebida em programas de
pós-graduação em Educação e, por outro ponto de vista, com experiências de atividade
profissional na Educação Básica.
Como a educação, enquanto objeto de estudos e processo social, abrange um vasto
campo de configuração de teorias e práticas que a lhe estão associadas, ela oportuniza aos
126

sujeitos de mais diversas áreas a construção de vínculos de identificação que variam de


maior para menor intensidade conforme as orientações formativas desses sujeitos, suas
intenções de pesquisa, a forma de compreensão da relação que se institui entre o campo da
educação e as chamadas áreas de que lhe fornecem fundamentação e, obviamente, a
significação da pedagogia.
Dois professores formadores discutem que a pós-graduação em Educação e as
experiências docentes lhes possibilitaram espaços/tempos de desconstrução de
preconceitos científico-acadêmicos arraigados na forma de significar o campo educacional
e, mais particularmente, a Pedagogia. Os trechos dos enunciados, apresentados em seguida,
desses sujeitos explicitam melhor os fatores que estão imbricados na dinâmica identitária
que envolve a aproximação com a área/curso de Pedagogia.

Eu fiz mestrado e doutorado em Educação. Sou especialista em Educação


e não em pedagogia [...] A pós-graduação em Educação é uma coisa mais
ampla. Mas eu não desconsidero a pedagogia. Aprendi a vê-la com bons
olhos (risos) (PF – FE1).

Hoje eu me sinto a vontade. Hoje, me pego às vezes em discussões sobre


a educação que há 10 anos atrás eu não me envolveria. Tenho colegas em
outros cursos, outras áreas que alimentam o preconceito. Uma das coisas
que contribuiram foi eu ter a participação em outras atividades, não sendo
só a pesquisa e a sala de aula. Eu vejo que é importante para o professor
participar de outras atividades, sabe? (PF – SE).

O professor formador identificado como PF-FE1 manifesta que a experiência de


formação na pós-graduação o colocou num campo de estudos em que ele se situa como
especialista, ou seja, explicita um marco identitário configurado pelo domínio de um tipo
de conhecimento que, no caso, é educacional. A identidade é empoderada e emoldurada
pelo conhecimento. Esse mesmo professor formador demonstra conceber dois tipos de
conhecimento: um da educação e outro da pedagogia. Aquele que lhe confere uma
especificidade que pode ser tomada como elemento descritor da identidade institucional é
da educação. Essa diferenciação entre tipos de conhecimento apareceu em outros discursos
de professores formadores e está associada à compreensão de que a pedagogia é uma área
portadora de um saber mais restrito, enquanto que a educação é uma outra área mais plural
e abrangente. Muito embora esta discussão esteja localizada no tópico sobre a significação
da Pedagogia, cabe adiantar que, na realidade, conforme discutem os autores referenciados
no capítulo anterior, a educação, per se, não se configura como uma ciência, visto que ela
consiste num objeto conceituado como processo social que compreende um arranjo
variados de práticas, sujeitos e circunstâncias de realização, e a Pedagogia é a ciência que
127

articula, sistematiza, elabora e aplica conhecimentos especializados técnico-científicos


sobre tal objeto. A educação precisa ser gestada cientificamente por uma ciência que a
explore, descreva, analise e compreenda, segundo referenciais próprios e contextualizados.
Retomando o discurso do professor formador PF-FE1, salienta-se que, em outro
trecho, este sujeito reorganiza sua enunciação e afirma que se considera pedagogo por
pesquisar um objeto que, na sua compreensão, é pedagógico. Nesse sentido, o professor
formador contradiz o desvínculo entre educação e pedagogia expresso no trecho da
enunciação anteriormente transcrito, se colocando no campo da educação como um
pesquisador de objeto pedagógico e não mais o contrário, como pode se depreender ao ler
o trecho seguinte: “sou alguém que, de alguma maneira, sou pedagogo hoje. O meu objeto
de estudo sempre foi o ensino de filosofia. Na filosofia ele é visto como algo da educação,
da pedagogia. Por isso que hoje eu sou muito mais pedagogo do que alguém da filosofia”
(PF-FE1).
Um aspecto interessante trazido na enunciação deste mesmo professor é a relação
que ele mantém com a sua área de origem, na qual foi realizado seu curso de graduação,
por um lado, e com os colegas da área de educação, por outro lado. De acordo com ele, os
preconceitos científico-acadêmicos levam os seus colegas de ambas as áreas a praticarem
comportamentos que, no primeiro caso, desconfiam de sua identidade como filósofo
inserido na área da educação/pedagogia e, no segundo, a valorizam, em virtude da
compreensão de que a Filosofia da Educação é uma disciplina melhor ministrada por um
filósofo e não por um pedagogo. Esse professor formador se contrapõe às duas formas
negativas de preconceito para com a Pedagogia e declara:

As pessoas têm preconceito com a Pedagogia. Se recorrem à minha


graduação em filosofia para me qualificar e depreciam a Pedagogia. Isso
é grave! Toda vez que eu participo da reunião da Anpof [Associação
Nacional de Pesquisadores em Filosofia] para discutir questões sobre o
ensino da filosofia, eu tenho que dizer que sou filósofo. Tenho que provar
que sou filósofo! Porque se eu me identificar como pedagogo, já me
olham estranho (risos). Eu tenho que provar, a todo momento, que tenho
autoridade para continuar falando de filosofia. E ao contrário, aí tem o
complexo de viralata do pedagogo, na pedagogia me dão mais prioridade
(PF-FE1).

Vê-se, com o discurso do professor formador PF-FE1, como o trajeto de


constituição identitária do professor formador não-pedagogo e que está em atuação no
curso de Pedagogia é complexo e exige negociações simbólicas que movimentam
representações sociais e subjetividades envolvidas com a identificação com o campo
128

educacional e pedagógico. De modo geral, pode-se lançar a assertiva de que, no caso


específico de sujeitos que têm este perfil de professor formador, o processo de
identificação com o campo/curso se dá via aproximação com o grande tema educação,
proporcionada pela aplicação de conhecimentos das ciências correspondentes às suas áreas
de origem, conforme discute um sujeito nos seguintes termos: “[...] se você me perguntar
se eu me identifico [com a Pedagogia], respondo que sim, mas eu me identifico mesmo
com uma coisa mais ampla, com a Educação” (PF – PE2). Com efeito, a motivação para
ingresso no campo educacional se faz diante de uma opção por conhecer e investigar
algum objeto que, inicialmente, é construído a partir de referenciais das próprias áreas de
origem. Uma professora formadora que possui graduação em Psicologia, mestre e doutora
em Educação, demonstra bem esse aspecto quando diz que: “quando eu fui fazer mestrado,
eu quis fazer em educação porque eu queria ver a educação por dentro, mas com o meu
olhar de uma psicóloga, é claro” (PF – PsE3).
Em se tratando do professor formador pedagogo, o processo de identificação com
o campo educacional e pedagógico dinamiza elementos diferenciados. A identificação se
processa, primariamente, a partir da associação com o curso de Pedagogia, do qual eles são
advindos. Ocorre uma dinâmica de reconhecimento de si como um sujeito que tem um
compromisso com o curso, o que revela uma tendência de comportamento corporativo
baseado na ideia de categoria profissional.
Considerando que o elemento de identificação com o curso de Pedagogia é a
própria experiência como estudante que passou por ele e que como o curso, a partir da
década de 1980, vem sendo afirmado como espaço de formação de professores, duas
professoras formadoras pedagogas fazem referência à valorização da formação docente
recebida como elemento que justifica a escolha para dar continuidade à formação
acadêmica e a optarem em se tornar professoras da educação superior. Os trechos abaixo
foram retirados dos enunciados dessas professoras formadoras:

Bem, considerando essa questão do ser professor. Então eu me identifico


nesse campo da docência, da pedagogia (PF – DI).

Como entrei no curso por vocação, me formei como uma boa professora
preparada para o ofício de ensinar. Então quis ser professora do curso de
pedagogia...dar prosseguimento. (PF – PsE2).

Ainda que a identificação com a pedagogia tenha se dado através da associação


com a docência, no caso dessas professoras formadoras pedagogas, uma professora com
graduação em Psicologia expressa que, em virtude de um investimento de carreira feito
para atuar no curso, o seu reconhecimento de si como profissional privilegia mais o ser
129

docente, em detrimento do ser psicóloga. Ela diz que: “sou muito mais professora do que
psicóloga. Todo mundo sabe disso. Eu investi muito nisso. Não gostaria jamais de sair do
curso de Pedagogia” (PF-PsE1).
Além disso, uma professora formadora pedagoga recorreu à avaliação de seu
desempenho do curso, como discente, para justificar e legitimar o lugar que ela ocupa
como docente hoje. Quando indagada acerca de como ela mantinha uma relação de
identificação com o curso de Pedagogia, ela demonstra a obviedade da resposta, quando da
repetição da pergunta no início da resposta como mecanismo de reforço de ideias, ao
atribuí-la da seguinte forma:

Se eu me identifico? Eu fui laureada do curso de Pedagogia. Fui a melhor


aluna. Eu entendo o curso inteiro, todas as matérias, dos fundamentos às
metodologias específicas...didática da matemática. Todas eu entendo. Sei
dos teóricos de todas elas porque eu li os livros [...] Me dediquei e gosto
demais do curso de Pedagogia. É uma paixão, o curso de Pedagogia (PF-
PE1).

O que importa destacar é que os trajetos de profissionalização do professor


formador que se concretizam como um conjunto de investimentos e ações de preparação
para a atuação profissional como docentes no curso de Pedagogia incorpora um caminho
de deslocamentos identitários, reorganização de referências profissionais e de criação de
significados que, dinamicamente, vão sendo negociados para justificar e legitimar o
reconhecimento do professor como sujeito institucional e mediador de aprendizagens no
curso. Os deslocamentos identitários carregam a dinamicidade de ser e estar professores
formadores que buscam se situar no presente, a partir de referências relativas à sua história
de vida profissional e, muitas vezes, revelam situações de mudança radical de expectativas
e anseios profissionais, como ocorreu com a professora formadora identificada como PF-
PsE3. Após afirmar que: “me identifico com a Pedagogia devido à sua amplitude. Você
trabalha com alguém que está se formando professor [...]”, a professora revela que a
identificação nem sempre ocorreu de modo a preconizar a docência, visto que, segundo
ela: “quando eu fiz vestibular para psicologia foi uma escolha do tipo: „Deus me livre
trabalhar como professora, sala de aula‟. Minha mãe era professora e eu via lá como era o
sacrifício” (PF-PsE3). Como pode ser percebido, o processo de identificação com a
Pedagogia, promovido pela evidente reportação ao discurso da formação docente, levou a
professora formadora a reconstruir os sentidos atribuídos à docência, de modo que se antes
ela a rejeitou como destinação profissional, agora ela a valoriza como um elemento que,
por caracterizar o processo formativo no curso, lhe permite estabelecer relações de
130

identidade mais proveitosas.


Conforme afirmado anteriormente, os professores formadores discutem que a
desconstrução de preconceitos acadêmico-científicos em torno da Pedagogia foi
possibilitada por experiências de formação e atuação profissional. Até agora, foram
analisados aspectos relacionados às experiências de formação, envolvendo o processo de
identificação com o curso de Pedagogia vivenciado por professores formadores pedagogos
e não-pedagogos. Porém, a dimensão das experiências de atuação também carrega
importantes questões acerca do modo de identificação dos professores formadores com a
área/curso de Pedagogia. A tipologia dessas experiências, definida a partir da análise do
discurso dos sujeitos pesquisados, inclui duas matrizes distintas, considerando o
espaço/tempo em que as experiências se deram: experiência prévia na Educação Básica e
experiência de atuação na Educação Superior. A descrição das experiências relativas a esta
última matriz fornece elementos que servem para caracterizar, inclusive, o perfil de atuação
dos professores formadores que participaram da pesquisa. Por esse motivo, os dados que
lhe são associados serão apresentados inicialmente.
Todos os professores desenvolvem atividades institucionais que vão além da
ministração de disciplinas na graduação em Pedagogia. Essas atividades variam entre
ocupação de cargos de representação institucional, coordenação ou inserção em grupos de
estudo e/ou pesquisa, ocupação de cargos administrativos, como chefia de departamento,
coordenação de programas ou projetos institucionais, como Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), Programa de Projetos de Pesquisa na Licenciatura
(PROLICEN) e Programa de Bolsas de Extensão (PROBEX), além de coordenação de
cursos de pós-graduação latu sensu. Dos 10 (dez) professores formadores que colaboraram
com a pesquisa, 04 (quatro) deles atuam como orientadores de mestrado e/ou doutorado em
programas de pós-graduação de Educação, Sociologia e Ciências da Religião,
desenvolvendo e orientando pesquisas sobre variados temas.
No que se refere ao tempo de atuação no Ensino Superior, a maioria dos
professores formadores concentram-se entre as faixas de 6 a 10 anos e de 16 a 20 anos de
experiência.
Os professores formadores que possuem experiência prévia no âmbito da
Educação Básica demonstraram uma maior sensibilidade ao problema da formação prática
do pedagogo, configurado basicamente como professor. Nesse sentido, ao ressaltarem as
demandas de formação pedagógica orientada para necessidades práticas da escola,
expressaram ter uma função de mediação de experiências, junto aos alunos, de
aproximação com o espaço escolar em sua complexidade. Essa auto-compreensão lhe
131

vincula ao curso de Pedagogia de modo que, sendo que para eles este um curso
representado como lócus de formação docente, teriam oportunidades e elementos
disponíveis para colaborar com a transformação de uma realidade, cujas dificuldades,
desafios, obstáculos e possibilidades já lhes são reconhecidas, por intermédio dessa
experiência prévia.
Consequentemente, observou-se também que, como a maioria dos professores
formadores tinha atuado como docentes nessas experiências sucedidas na Educação
Básica, havia um evidente viés que direcionava a significação do curso de Pedagogia para
um campo de representações atravessados por discursos sobre a docência escolar,
sinalizando que o processo de ancoragem da representação social do curso de Pedagogia se
configura pela incorporação das imagens da escola, criança, aluno, professor, por exemplo,
como será discutido nos tópicos consecutivos
Os professores formadores atuaram nessas experiências numa faixa de tempo de
duração que vai de 04 (quatro) a 20 (vinte) anos. Considera-se que este tempo é
substancialmente importante comparado ao fato de que, conforme indica Ludke (1996), até
os cinco primeiros anos de atuação profissional os professores são considerados iniciantes
e que, como os professores possuem, em sua maioria, experiências prévias que se
sucederam num tempo que ultrapassa cinco anos na escola de Educação Básica, sua
iniciação na carreira docente foi feita justamente no âmbito da Educação Básica. O que
quer dizer que o processo de construção, mudança e afirmação de representações, hábitos e
práticas que envolvem a sua profissionalidade é influenciado fortemente pelas dinâmicas
de socialização profissional que marcam esse âmbito. As experiências que se deram após
esse tempo de socialização profissional na escola de Educação Básica são, desse modo,
significadas e encadeadas entre si a partir de um conjunto de valores, representações,
expectativas e elementos subjetivos que repercutem do contexto em que se deu a passagem
da fase de professor iniciante, sobretudo quando se considera que “[...] pré-concepções e
comprometimentos podem se relacionar com a trajetória do professor enquanto estudante e
são construídos durante os anos iniciais da experiência docente” (MIZUKAMI, 1996, p. 63).
Considerando o exposto, é possível que a forte identificação dos professores
formadores com o curso de Pedagogia por ser um curso de formação docente seja
justificada pela existência de um trajeto de reconhecimento de si que leva esses sujeitos a
recuperarem as suas trajetórias profissionais na escola da Educação Básica e valorizarem o
que isto significa para cada um, como professores que atuam em um curso que, no modo
como representam, deve formar professores para um contexto que ele já conhece e já
experienciou profissionalmente.
132

Em síntese, os elementos semânticos apreendidos da enunciação dos professores


formadores indicam haver um discurso consensual que os representa como docentes que
atuam na formação de outros docentes para exercerem um ofício significado, a partir de
aspectos e motivações que repercutem das experiências prévias no âmbito da escola de
Educação Básica, ainda que estes formadores ministrem, em sua maioria, disciplinas tidas
como eminentemente teóricas, quais sejam, as de fundamentação da educação.
Esses elementos discutidos podem ser visualizados através dos trechos dos
enunciados dos professores formadores expostos a seguir:

O meu estágio na universidade e o meu trajeto profissional me fizeram


fazer essa escolha muito consciente por ser professora de psicologia da
educação. E meu mestrado foi justamente para fazer essa ligação entre a
minha graduação e a disciplina que eu já estava lecionando no magistério
(PF – PsE2).

A minha experiência anterior na escola foi determinante, muito presente,


para eu ter chegado até aqui, principalmente por ter me inserido um
pouco na EJA (PF – PsE3).

Nos enunciados dos professores formadores apresentados acima, a referência à


experiência prévia é destacada como um parâmetro que direcionou a escolha por seguir a
carreira docente na Educação Superior e funciona como uma espécie de lente prisma para
delineamento de expectativas e investimentos profissionais futuros, tanto para um quanto
para outro professor. A identificação com a docência é tão influente na construção da
profissionalidade do professor formador que uma das professoras que participaram da
pesquisa chega a dicotomizar ensino e pesquisa, no trecho transcrito abaixo, restando à
docência organizar as práticas relativas ao ensino, estritamente, e afirmar que não se
percebe como pesquisadora. Ela diz atuar na Universidade para ensinar. Essa professora
formadora tem uma experiência prévia de 12 (doze) anos na Educação Básica e atuou
como professora, coordenadora e gestora escolar, além de ter desempenhado atividades de
supervisão pedagógica em organismos corporativos privados.

Mas o meu perfil é de professora, minha identidade é de professora, no


máximo de extensão. Pesquisa para mim é meio que um sacrifício. Sabe?
Essa coisa de fazer entrevista, de entrar em contato...Pra mim é uma
morte. Não é respondendo, mas eu sou uma pesquisadora. Enquanto eu
estava fazendo o meu mestrado, enquanto eu não fui à campo estava tudo
certo. Na hora de ir pro campo, Deus do céu como eu sofri! Mas eu vejo
mais isso...Não tenho mais essa identidade e não quis construir essa
identidade (PF – DI).
133

A discussão sobre os perfis de formação e atuação institucional dos professores


formadores do curso de Pedagogia oferece a oportunidade de refletir sobre elementos
(inter)subjetivos que perfilam as experiências históricas desses sujeitos, no que se refere
aos processos do ser e do estar na profissão enquanto docentes da Educação Superior,
considerando que os trajetos trilhados que os levaram para o curso explicam motivações,
expectativas e modos de significação acerca da Pedagogia e de como devem ser
construídas as práticas de ensinso que orientam a sua atuação nesse curso.
Qual o lugar da Pedagogia nesses modos de significação? Que representações
sociais em torno da Pedagogia aparecem no discurso dos professores formadores? É
possível identificar tendências epistemológicas nesse discurso e desdobrar uma reflexão
sobre os modos de ingerência das mesmas na construção das perspectivas de ensino dos
professores formadores? No próximo tópico, essas questões serão analisadas, considerando
o panorama contextual que envolve a docência universitária e o papel do professor
formador discutidas nesse tópico.

4.3 Significação da Pedagogia: epistemologias e representações sociais em fluxo

Nos tópicos anteriores, buscou-se destacar que o contexto de interações


estabelecidas ao longo dos espaços e tempos de socialização profissional dos professores
formadores, concretizadaas em práticas de comunicação cotidiana reguladas por elementos
formais, culturais e epistemológicos demarca a significação como um processo de criação
e uso de representações sociais. Nesse tópico, será feita uma discussão acerca da
significação da Pedagogia manifestada no discurso dos professores formadores,
considerando que a mesma, sendo um processo simbólico de natureza psicodinâmica,
articula, em sua constituição, referências epistemológicas ligadas às concepções de
Pedagogia formalizadas pelo discurso científico às representações sociais em torno do
processo formativo no curso de Pedagogia.
A afirmação de que no processo de significação ocorre um fluxo dinâmico de
articulação entre dois tipos de conhecimento, mais precisamente o conhecimento científico,
expresso em referências epistemológicas, e as representações sociais, baseia-se no
pressuposto de Jovchelovitch (2008) quando essa autora analisa as representações sociais e
a diversidade do saber, sublinhando a pluralidade da razão, o que converge para os estudos
de Moscovici (2009) e Marková (2006) sobre polifasia cognitiva, um conceito já
trabalhado no segundo capítulo desse texto.
A significação da Pedagogia ocorre num fluxo de articulações descontínuas de
134

referências epistemológicas e representações sociais, o que evidencia o seu caráter instável,


conflitante, multirreferencial, por vezes até ambíguo e ambivalente. Os elementos que são
mobilizados pelos professores formadores para dar significado à Pedagogia revelam três
principais desdobramentos de significação: a pedagogia enquanto conhecimento, a
pedagogia enquanto curso e a pedagogia enquanto profissão. Nesse sentido, o discurso dos
professores formadores expressa a coexistência de representações sociais circunscritas em
torno das três dimensões que configuram o campo dos desdobramentos citados, quais
sejam, representações sociais do conhecimento pedagógico, da formação no curso de
Pedagogia e da profissão/atuação do pedagogo. Essas dimensões carregam e são formadas
por representações sociais que se associam aos referenciais epistemológicos que os
professores formadores demonstram possuir, bem como a opções político-formativas
intrínsecas ao PPP do curso, formando uma rede de elementos dinâmicos que o processo de
significação articula e põe em fluxo. O processo de significação faz emergir uma complexa
trama discursiva em torno da Pedagogia, circunstância que confirma que “a Pedagogia é
um território de multiplicidades discursivas sujeita a olhares dos mais convergentes e os
mais divergentes. Vira questão de embate por ela mesma, ou por ser inserida na réstia do
debate geral sobre a Educação (DRUMOND, 2010, p.588).
De modo preliminar, pode-se dizer que, em seu discurso, os professores formadores
demonstram que a busca pela compreensão epistemológica da Pedagogia ainda não tem
sido uma intencionalidade reconhecidamente válida, indicando, dessa forma, que o
escanteamento da referência epistemológica operado pelo discurso expresso nas DCN para
o curso de Pedagogia também ocorre no discurso formativo construído por esses sujeitos.
Esse escanteamento pode ser explicado de duas formas. A primeira se vincula ao
argumento de que, estando a discussão epistemológica posta num campo de conflitos
discursivos, as dificuldades de definição de um conceito para a Pedagogia levam os
sujeitos a concluirem que “[...] a discussão do seu estatuto de cientificidade é diletantismo,
perda de tempo ou pura filosofia” (PIMENTA, 1998, p.41). A segunda forma explicativa
do problema em tela se pauta pelo argumento de que a ausência de experiências de
formação, estudo e pesquisa dos professores formadores que os coloquem em contato com
essa discussão implica na não acumulação de referenciais que lhes possibilitem se
posicionar-se de modo qualificado, crítico e coerente, diante da possibilidade de significar
a Pedagogia através de conceitos e definições fundamentadas e logicamente organizadas.
O estudo da significação operada pelos professores formadores revelou a
pertinência de ambas as formas de explicar a dificuldade e a fragilidade conceitual
envolvida na delimitação de uma ideia sobre o que consiste ser a Pedagogia, bem como de
135

esclarecer o porquê de haver mais recorrência às representações sociais compartilhadas em


torno do curso, do conhecimento, da profissão/atuação do e aluno de pedagogia, ao invés
de referenciais epistemológicos reconhecidamente válidos ou, em última instância, dessas
representações sociais e desses referenciais epistemológicos estarem articulados em um
fluxo descontínuo, ambíguo e ambivalente.
Primeiramente, vale salientar que os professores formadores assumem que a
discussão epistemológica da Pedagogia não tem ocupado espaço relevante nas práticas de
gestão institucional e de ensino no curso, algo que reflete nos trechos de enunciação dos
sujeitos transcritos a seguir:

E se a gente não discute isso, primeiro fica aquela coisa: “Sim, mas eu
sou o quê?; O que é essa pedagogia? O que é esse termo quando eu
assumo, pedagogo?; Que referência eu tenho com isso?; O que é que eu
sou?; Eu sou professora, eu sou coordenadora...” Preciso me situar nos
diversos campos e preciso entender (PF-DI).

Não há essa discussão no curso. Desde que eu estou aqui, nunca


aconteceu, pelo menos! (PF – FE1).

O aluno sai do curso sem saber o que é ser pedagogo e o que é a


pedagogia por que não lê nem isso é dito para ele (PF – PE1).

Eu nunca parei para pensar sobre isso. Na verdade, as pessoas estão tendo
consciência dessa indefinição (PF – PsE1).

Ao tempo em que reconhecem a precariedade da discussão epistemológica, os


professores formadores também assumem que essa discussão é necessária para que os
processos de ensino-aprendizagem no curso ocorram de modo mais qualificado e coerente
com as demandas que a sociedade contemporânea faz emergir. Uma professora formadora
identificada como PF-PE1 exemplifica bem essa questão observada quando diz que “Eu
acho que a Pedagogia é uma questão que a gente tem que enfrentar na próxima
reformulação do curso de Pedagogia”. Essa professora, pedagoga e doutora em área afim,
demonstra reconhecer o lugar de importância que a referência epistemológica à Pedagogia
deve ter no contexto da construção das perspectivas de ensino-aprendizagem e do currículo
do curso, a fim de pensá-lo de acordo com as possibilidades e demandas que o atual tempo
histórico inspira, o que vai de encontro com a ideia de que

O não-enfrentamento da questão epistemológica em educação dificulta


aos educadores a articulação das pesquisas que eventualmente se realizam
na área e a formulação de pesquisas necessárias que estão sendo
indicadas pelas urgências da prática social da educação (PIMENTA,
136

2000, p.27).

Reconhecendo que a discussão epistemológica não é feita e que ela teria espaço
relevante na contextura que compõe o curso de Pedagogia, os professores formadores
apresentaram, quando solicitados a falarem sobre o que significa a Pedagogia para eles,
definições gerais pouco consistentes. Como não explicitaram os caracteres epistemológicos
que as constituem, se reportaram às representações sociais sobre o conhecimento
pedagógico, a formação e a profissão/atuação/aluno de Pedagogia para se fixarem em um
campo que lhes permitisse formular alguma definição resultante desse processo de
significação. A dificuldade de conceituação epistemológica geral é evidente a partir da
observação desses três trechos extraídos dos enunciados dos professores formadores:

A pedagogia é uma área de saber voltada para a discussão (pausa)... É


uma área, basicamente, voltada para se discutir a questão da inserção
profissional do pedagogo (pausa)... Ah! Não sei. Ess aí passa! (PF –
PE2).

[...] Definir? Definir a pedagogia? „Vixe‟! Isso aí é complicado. Eu não


saberia fazer (PF – PsE3).

Ta aí, você me pegou! (risos). Sabe que eu não sei?! Eu vejo a pedagogia
como o campo das possibilidades. Essa coisa assim que, ao mesmo tempo
que tem as limitações de tudo, de atuação, por outro lado ela é de verdade
assim (pausa)...É...um campo de possibilidades mesmo. De
aprendizagens, de conhecimento, de libertação, tipo é uma forma da
pessoa conseguir status. Um termo assim, pra dizer assim Pedagogia é
isso, não sei, eu não consigo dizer não (risos) (PF – DI).

Ainda que observada uma dificuldade de definição epistemológica para a


pedagogia, os professores formadores elaboraram alguns conceitos que se estruturavam a
partir de elementos figurativos advindos dos três campos de significação. Logo,
demonstravam construir conceitos diferenciados para a Pedagogia quando esta palavra se
remetia a cada um dos campos e as suas respectivas representações sociais.
Com relação ao primeiro campo de significação, no qual foram encontradas
representações sociais sobre o conhecimento da Pedagogia, ou conhecimento pedagógico,
observou-se algumas tendências discursivas expressas na enunciação dos professores
formadores. Considera-se que a enunciação opera, no campo da discursividade – conjunto
de condições semânticas e concretas que organizam e materializam a linguagem em
situações reais de comunicação e interação verbal (BAKHTIN, 2006) – a construção de
categorias discursivas que permitiram a visualização de elementos de ancoragem das
137

representações sociais (MOSCOVICI, 2009) inerentes à significação do conhecimento


pedagógico.
Ao discorrerem sobre o conhecimento pedagógico, enquanto um desdobramento do
campo geral de significação da Pedagogia, os professores formadores colocaram em
movimento, por meio da enunciação, elementos figurativos que ancoram representações
sociais estruturantes dessa significação num campo discursivo onde o seu objeto temático,
o conhecimento pedagógico, é expresso como um tipo de conhecimento técnico-
instrucional, cujo uso se dá em dinâmicas de ensino com crianças, e que é distinto de outro
campo de conhecimento tido como mais abrangente e mais válido, qual seja, o
conhecimento da Educação, ou conhecimento educacional.
Os professores formadores representam o conhecimento pedagógico como um
saber menor, limitado e distinto do conhecimento educacional. Havendo, portanto, essa
ruptura entre conhecimento pedagógico e conhecimento educacional, qual o objeto da
Pedagogia, segundo os professores formadores, quando consideram que, distintamente a
esta, existe outro campo científico denominado de Educação? Nesse aspecto, observa-se a
predominância da matriz epistemológica que considera a existência das Ciências da
Educação em detrimento da Pedagogia como Ciência da Educação, sendo esta última um
campo de saberes-fazeres técnico-instrumentais construído a partir da dinâmica de
aplicação de conhecimentos científico-tecnológicos providos provido pelas primeiras. Isso
explica o motivo pelo qual os professores formadores não conceberem a educação como o
objeto da Pedagogia e a colocarem como uma parcela da Educação, manifestada como uma
área redundante do somatório de Ciências. Nos trechos abaixo, esses aspectos da
significação podem ser visualizados.

[...] Por que a educação para mim está acima da pedagogia. Tem muito
mais coisas que a pedagogia não dá conta, por exemplo entender de
conjuntura social independente do que está colocado no campo da escola
e ver que isso interfere na escola; entender de relações econômicas que a
escola não trabalha (PF – DI).

Eu não vejo uma ciência da educação. Eu vejo várias ciências ajudando a


educação (PF – EE1).

[...] o que a pedagogia vai discutir é, basicamente, o ensino-aprendizagem


nessa discussão mais ampla que é a educação, vai lidar com questões do
universo da escola (PF – PE2).

A compreensão que dicotomiza Pedagogia e educação se associa, numa perspectiva


138

histórica, na primeira e na segunda etapas de constituição da Pedagogia, segundo Saviani


(2008). Este autor discute que nessas duas primeiras etapas, as quais se estendem entre o
tempo da civilização suméria e egípcica (3238 – 525 a.C) e da civilização chinesa (2500
a.C – 476 d.C), de Sócrates e Platão no século V a.C indo até a metade do século XX, a
Pedagogia era compreendida como “filha da educação”, visto que, na primeira etapa, era
confundida com a própria prática educativa e, na segunda etapa, se configurava como uma
meta-educação inspirada por uma filosofia soberana.
Saviani (2008) argumenta que a partir da segunda metade do século XX a
Pedagogia se desatrela da ideia de filha da educação e se assume, então, como “mãe da
educação”, dada a sua natureza de orientadora de práticas educativas, cuja compreensão se
deu, num primeiro movimento, devido ao investimento positivista de separação entre
pedagogia e filosofia/teologia para inaugurar, em seu seio, procedimentos científicos
presididos por uma nova racionalidade e, num segundo movimento, devido à construção do
seu objeto, o qual consiste na prática social da educação.
Com isso, os professores formadores representam o conhecimento pedagógico de
um modo que tem sido considerado como historicamente obsoleto e demonstram
desconhecer, ignorar ou se contrapor a trajetória de construção do objeto de estudo da
Pedagogia, a educação em sua integralidade. Defende-se que não existem dois campos de
conhecimento distintos e que a educação, sendo um objeto científico, não pode ser
concebido como maior do que a ciência que lhe estrutura e circunscreve a um campo de
análises e estudos. Isso ocorre porque o objeto científico não existe naturalmente na como
algo dado, uma vez que sua existência é determinada pela disposição de um olhar
científico-investigativo que o reconhece e dimensiona. No entanto, compreende-se que
esse mesmo objeto pode manifestar múltiplas e infinitas possibilidades de análise, mas que
isso não existe por ele mesmo ser múltiplo ou abrangente, mas porque a ciência se
desdobra em pontos de vista plurais que multiplicam as concepções e formas de
abordagens em torno de um mesmo objeto.
Nessa divisão entre Pedagogia e Educação, segundo um professor formador, a
segunda teria conquistado uma possível identidade, enquanto que a primeira ainda
permanece numa nebulosa de dúvidas e questionamentos epistemológicos. Em se tratando
da Educação, ele assinala que “basta ver em trabalhos da ANPED, por exemplo, áreas mais
consolidadas que formam a identidade da Educação” (PF – FE). Essa discussão remete à
polêmica já discutida no terceiro capítulo deste trabalho, em que foi problematizada a
identidade da Educação, concebida como um campo de múltiplas ciências com enfoques
distintos, dicotomizada da Pedagogia. De acordo com Cambi (1999), essa dicotomização
139

não elevou a Educação ao status de campo científico, por meio do paradigma


epistemológico embutido na noção de Ciências da Educação, haja vista que esta noção se
concretizou muito mais como um campo e uma estratégia organizacional do que como
fundamento para constituição de um novo campo científico. A Pedagogia, mesmo
secundarizada, negligenciada e preterida, permaneceu sendo o campo científico para os
quais se voltam os conhecimentos construídos no âmbito do campo organizacional da
educação, ainda que a adjetivação pedagógica tenha perdido sua especificidade essencial
por diluir-se e ser confundida em outras terminologias desse campo organizacional.
Analisando o discurso dos professores formadores, considera-se que a redução e
simplificação da Pedagogia implicadas pela significação do conhecimento pedagógico
como foi descrito decorre, também, das questões que estes sujeitos compreendem como
próprias e específicas do universo pedagógico, tal como pode se depreender do trecho da
enunciação do professor formador identificado como PF – PE2 inserido anteriormente.
Para os professores formadores, o universo da pedagogia é o universo da escola,
das técnicas de ensino-aprendizagem, do instrumental didático-metodológico. Por mais que
alguns professores formadores tenham definido a Pedagogia aproximando-a de um sentido
mais amplo da educação, entendida como processo global de desenvolvimento e formação
do ser humano, predominou a dimensão de um fazer, num sentido operacional, como o seu
principal aspecto constitutivo, como pode ser observado nos trechos a seguir.

A pedagogia para mim é a melhor forma de fazer a educação (PF – EE2).

Eu acho que a pedagogia é uma área de saber para tornar as pessoas mais
partícipes da vida social (PF – SE).

A pedagogia é, portanto, esse instrumental que eu vou ter que para ajudar
o humano nessa potencialização do ensino-aprendizagem (PF – EE1).

A demarcação do espaço da pedagogia em torno das questões relativas ao universo


dos modos de operacionalização e/ou instrumentalização das práticas pedagógicas reflete a
concepção epistemológica do conhecimento pedagógico como um saber técnico, resultado
da aplicação de formas práticas forjadas na experiência de cada indivíduo ou da
modelagem operada no âmbito das ciências que lhe dão suporte, de acordo com o que já
foi discutido na terceira parte do trabalho.
Em síntese, no que tange à significação da Pedagogia na dimensão do
conhecimento pedagógico, os professores formadores estabelecem claras conexões entre o
modelo epistemológico das Ciências da Educação, com todas as suas fragilidades e lacunas
teórico-conceituais, e representação social do conhecimento pedagógico como saber
140

operacional-tecnológico, representação esta ancorada em elementos figurativos


relacionados à escola e ao plano técnico-instrumental do processo de ensino-aprendizagem.
Obviamente, tecer considerações gerais sobre como o conhecimento pedagógico é
representado e imbricado ao modo de significação dos professores formadores,
intencionando buscar tendências gerais que caracterizem o fluxo entre epistemologias e
representações sociais, não exclui nem desconsidera certos posicionamentos singulares de
alguns sujeitos que divergem, em certos aspectos, dessas tendências. É preciso ressaltar
que todo campo representacional e discursivo está implicado por processos de significação
que articulam elementos plurais e que não podem, arbitrariamente, serem sintetizados em
categorias ou tendências fixas e universalizantes, sobretudo quando se considera que
“quando os grupos específicos compartilham uma representação social, não significa que
eles compartilham os conteúdos e significados daquela representação na sua íntegra nem os
concebe de maneira idêntica” (MARKOVÁ, 2006, p.244).
Por isso mesmo, é importante salientar que, embora conservem certos traços gerais,
em maior ou menor grau, alguns professores formadores expressaram definições de
Pedagogia que a vinculam a um campo que extrapola a dinâmica escolar, como bem
exemplifica um professor formador ao dizer que “a pedagogia tem muita importância para
eu, inclusive, viver melhor nas minhas relações humanas” (PF – EE1), e outro professor
quando diz que “a pedagogia tem vários elementos que formam profissionais que vão lidar
com conflitos que extrapolam o espaço escolar” (PF – PsE2). Esse mesmo professor
formador conclui sua afirmação com uma questão problematizadora que já traz elementos
relativos ao campo de significação da Pedagogia correspondente ao binômio
curso/formação em Pedagogia. Ele indaga “Qual o outro curso que faz isso? Que ajuda o
sujeito a aprender mais e melhor e também a viver mais e melhor?”.
Mantendo relações com esse primeiro campo de significação circunscrito às
representações sociais do conhecimento pedagógico, o segundo campo de significação
corresponde ao binômio curso/formação em Pedagogia e refere-se ao modo pelo qual os
professores atribuem significados à Pedagogia a partir de representações acerca do que é o
curso, dos seus objetivos formativos e de como ele se desenvolve em termos curriculares.
Buscar-se-á demonstrar que a complexidade e fragilidade do curso funcionam como
âncoras de sua representação como sendo um curso enciclopédico e fragmentado.
Esse segundo campo de significação tornou-se visível quando da identificação, feita
pelos professores formadores, da Pedagogia como um curso ou como um espaço/tempo de
formação. Diferentemente do campo anterior, delineado em torno da significação a partir
de representações sobre o conhecimento pedagógico, esse campo é atravessado por
141

elementos representacionais originados da experiência do professor enquanto formador de


pedagogos, da visão político-formativa que é empreendida para conceber problemáticas
inerentes ao curso e, por conseguinte, da atitude crítica com relação a aspectos da cultura
institucional de gestão e ensino no curso.
Identificou-se a existência de um processo de representação social que institui o
significado da Pedagogia como um curso enciclopédico, insuficiente diante daquilo que lhe
é atribuído e fragmentado, a partir do que os professores formadores consideraram como
sendo marcas típicas da natureza desse curso, quais sejam, a sua complexidade e inerente
fragilidade.
A representação social do conhecimento pedagógico discutida anteriormente se
articula organicamente às referentes a formação pedagógica, de tal modo que a associação
entre pedagogia com escola, docência e as técnicas de ensino, por exemplo, reverbera num
modo que os professores encontraram para situar o objetivo do curso. Um trecho ilustrativo
desse aspecto pode ser lido a seguir: “a pedagogia ela é... seria assim... um curso onde as
pessoas devem estar preparadas para ensinar. Dá as ferramentas para usar conforme as
necessidades” (PF – PsE1).
Consensualmente, os professores formadores avaliam o curso de Pedagogia a partir
de uma crítica ao currículo e aos objetivos formativos do curso, discutindo que como este
currículo se constitui numa soma de disciplinas que formam um emaranhado de
perspectivas conceituais e teórico-metodológicas. As disciplinas, muitas vezes, não
dialogam em torno de aspectos comuns que lhes garantam certa aproximação e
familiaridade, já que a dimensão de generalidade do curso tem impedido a configuração de
caracteres que definam e explicitem sua especificidade.
Um professor formador afirma que “o curso de Pedagogia é um curso de
generalidade obsoleta, sem especificidade” (PF – FE) e que, para superar as insuficiências
derivadas da sua dinâmica de organização curricular, ele deve se articular aos novos
conhecimentos e metodologias sofisticadas, algo que, na perspectiva desse sujeito, não tem
realmente acontecido. Ele destaca que

Nós temos um avanço de estudos não só da filosofia, da psicologia, da


sociologia, mas da psiquiatria, da medicina, da biologia [...] A gente tem
um conhecimento disponível mais sofisticado. Só que isso não chega ao
curso de Pedagogia (PF – FE).

Essa perspectiva de avanço é sublinhada por outro professor formador que discute
que “a pedagogia hoje passa por um momento de avanço, especialmente no campo da
política” (PF – PE2). Considera-se que esses avanços não implicam garantias de superação
142

da generalidade apontada como problema do curso e, por conseguinte, na afirmação de


especificidade. Apenas deslocam partes dessa generalidade que são tidas como obsoletas
para dar lugar a outras, consideradas sofisticadas. Nesse sentido, acredita-se que a
reconstituição da Pedagogia exige deslocamentos radicais na sua significação e não só
substituições ou sobreposições desarticuladas, por mais que estejam justificadas por
necessidades reais de renovação conceitual, teórica e metodológica no âmbito da pesquisa
e da formação pedagógica. A relação entre a Pedagogia e o avanço que marca as
transformações teórico-metodológicas nas áreas científicas que mantém algum tipo de
abordagem voltada aos objetos educacionais, “[...] aponta para a necessidade de re-
significação epistemológica da pedagogia, remetendo à discussão sobre seus vínculos com
as ciências da educação” (PIMENTA, 2000, p.23).
Os trechos transcritos a seguir servem para traçar as dimensões de como os
professores formadores representam o curso de Pedagogia a partir da constatação crítica de
sua natureza generalista:

É um curso de muita generalidade, sempre foi um curso de muita


generalidade. Isto complica a formação daquele estudante de Pedagogia
(PF – EE1).

[...] é como se fosse tudo e nada ao mesmo tempo. O aluno tem um


pouquinho de contato com cada disciplina, só que não aprofunda nada.
Então, como eu sempre digo, é um curso muito geral (PF – PsE2).

Olha, o currículo do curso de Pedagogia é por demais fragmentado e


muito amplo. Acho que deveríamos definir melhor o que inserir nele para
não ficar essa colcha de retalhos de várias ciências. Eu mesma acho que
esse é um problema do curso (PF – PE1).

Quando um aluno diz que faz pedagogia, as pessoas perguntam: “Mas


você estuda o quê mesmo?”. O que é essa pedagogia? É uma coisa muito
geral, difícil de apalpar. Isso acaba refletindo no currículo do curso. É
muita coisa para apenas 4 anos ou um único curso (PF – DI).

O curso de pedagogia é uma colcha de retalhos mal costurada, na minha


opinião. Admiro quando os alunos da graduação conseguem se dar bem
nas provas de mestrado (PF – EE2).

A crítica à generalidade traz embutida uma tentativa de chegar até uma reflexão
sobre a natureza da própria Pedagogia. Sendo assim, ainda que não dimensionem uma
discussão especificamente em torno da epistemologia da Pedagogia, o discurso dos
professores formadores reflete a existência de uma tentativa de compreensão de algo que
possa ser o núcleo duro, a essência, a matriz identitária da própria Pedagogia. A
143

problemática é que os professores formadores processam todo esse movimento reflexivo a


partir da constatação ambígua de que o que constituiria a identidade da Pedagogia, no
contexto dessa crítica a sua generalidade, não é algo que possa ser definido a partir dela
mesma, mas algo que está relacionado aos conhecimentos das consideradas ciências da
educação. Na perspectiva dos professores formadores, para definir o objeto e a matriz
identitária da Pedagogia, seria necessário, antes de tudo, a mobilização do essencial dessas
ciências, já que as mesmas figuram como os referenciais de constituição do currículo para
o curso de Pedagogia.
Apoiando-se em Houssaye (2004), pode-se dizer que essa tentativa consiste, na
realidade, numa das formas que, historicamente, tem desembocado na negação da
Pedagogia, circunstância que oculta a prática educativa em sua totalidade como objeto
primeiro e fragiliza o processo de institucionalização dos estudos pedagógicos, visto que
desloca o foco da Pedagogia de questões mais amplas que superam o limite imposto pela
significação que a coloca como depósito de métodos de instrução e ensino baseados pelo
estudo das faculdades psicológicas dos indivíduos, feito pela Psicologia, e pela adequação
à ordem dos conteúdos escolares, feita pelas Didáticas.
A Pedagogia, na medida em que tem seu problema identitário visto a partir de um
ângulo externo a si mesma, passa a representar uma área de reunião e aplicação de
conhecimentos exógenos que disputam status no território dos saberes sobre a educação,
mas que, na verdade, encerram uma circunstância problemática em que

A pedagogia, concebida como a disciplina necessária para articular o que


se diz e o que se faz no campo da educação, desaparece em proveito de
um modelo dedutivo que deseja reduzir o fazer ao dizer, o saber-fazer ao
saber científico [...] Com certeza, o escravo-pedagogo libertou-se, mas ao
mesmo tempo simplesmente perdeu sua identidade. De novo, viu-se
negado (HOUSSAYE, 2004, p.18).

Após essas considerações, caberia questionar acerca do que seria, na perspectiva


dos professores formadores, essa Pedagogia menos abstrata e capaz de superar o dilema da
generalidade, devendo servir de referência para a composição dos arranjos formativos no
curso. Essa é uma questão demasiadamente complexa de se discutir, uma vez que, mesmo
criticando a dimensão generalista do curso de Pedagogia e a sua complexidade intrínseca,
no sentido da relação teoria-prática, como será discutido adiante, esses sujeitos construíram
definições pouco específicas sobre o que significa Pedagogia. Conforme apresentado
anteriormente, as definições elaboradas explicitam a existência de ambiguidades,
144

ambivalências, entrecruzamentos descontínuos de elementos epistemológicos rudimentares


e representações sociais que reduzem o conteúdo da Pedagogia aos modos de fazer
escolares.
Quando perguntados sobre se a questão da identidade da Pedagogia se constituiria
num problema a ser enfrentado pelo curso, considerando a sua atual conjuntura, os
professores formadores se posicionaram, quase de forma majoritária, positivamente com
relação à questão. Contudo, dada as imprecisões conceituais presentes na definição da
Pedagogia, os sujeitos fizeram justificativas muito vagas, lançando mão de afirmações
genéricas e com aprofundamentos muito pouco desdobrados, como ,por exemplo, nesse
trecho retirado da enunciação de um professor formador: “Acho que é uma questão
importante sim. A identidade de algo sempre é fundamental para o ente” (PF – EE1). Isso
sinaliza que, ao se depararem com a questão, os professores podem ter se confrontado com
a própria dificuldade de utilizar elementos que expliquem e subsidiem as afirmações feitas,
principalmente quando se considera que, no âmbito da discursividade, o nível da
justificativa de uma afirmação é determinado pela capacidade do sujeito em conjecturar
aspectos do objeto do discurso e apreender, estrategicamente, elementos que fundamentem
uma afirmação, justificando-a. Ou seja, justificar se configura como uma estratégia
discursiva que requer conhecimento sobre o que se enuncia, de modo que, quanto menor o
nível de justificativa, há um indicativo do baixo nível de apropriação e (re)conhecimento
do objeto do discurso, por parte do sujeito.
Apenas dois professores formadores afirmaram que a questão identitária da
Pedagogia não se constituiria num problema para o curso. Estes sujeitos afirmaram:

Eu não vejo o problema do curso de Pedagogia por aí não. Eu vejo o


problema muito mais na relação entre teoria e prática (PF – PsE3).

Olha, atualmente eu não acho que esse seja o problema não. Até na época
em que eu era estudante, nós, do Movimento Estudantil, fizemos um
evento sobre a identidade. Só que eu acho que hoje é mais uma coisa de
como o curso tem que corresponder à prática, sabe? Tem muita teoria,
muita conversa e pouca ação (PF – EE2).

Nos trechos acima, os professores se referem à relação entre teoria e prática como
um aspecto problemático central do curso de Pedagogia, criticando o fato desse curso ter
um currículo organizado mais em torno do estudo de teorias e menos em experiências e
investigações no campo das práticas educativas. A discussão da identidade do curso de
Pedagogia também tem sido colocada no campo da relação entre a teoria e a prática
pedagógica, já que, a depender do modo pelo qual o conhecimento pedagógico for
145

representado, o curso de formação de pedagogos receberá contornos específicos. Nesse


sentido, é importante considerar que a crítica dos professores formadores àquela relação
remete a significação atribuída à Pedagogia a discussão epistemológica sobre a natureza do
conhecimento pedagógico, se ele é um conhecimento teórico, prático ou constituído no
contexto de um mútuo imbricamento entre teoria e prática. Mais uma vez recorre-se à tese
de Meirieu (2006), a qual consiste na afirmação de que é o entendimento do que constitui o
conhecimento pedagógico que justifica e assinala o empreendimento de uma formação
pedagógica, a fim de demonstrar a importância de destacar o aspecto epistemológico na
análise da significação atribuída à Pedagogia.
Houssaye (2004) é um autor comumente referenciado em abordagens sobre a
identidade da Pedagogia, enquanto a “abrangência mútua e dialética da teoria e da prática
educativas por uma mesma pessoa [...] e o pedagogo como sendo, sobretudo, um prático-
teórico da ação educativa” (HOUSSAYE, 2004, p.14-15). Esse autor enfatiza a
dialeticidade entre teoria e prática como um caráter constitutivo do conhecimento
pedagógico, de tal modo que, caso tal caráter seja ignorado, a Pedagogia não se
configuraria em sua complexidade. Houssaye faz críticas sobre as novas tendências de
negação da Pedagogia, situando entre essas tendências o movimento de supervalorização
das práticas ou dos saberes práticos e da ação.
Quando a ciência tradicional admite a existência de saberes práticos, ela não deixa
de considerar que, embora esses saberes tenham legitimidade contextual, o conhecimento
científico ainda continua sendo a forma válida e universal de representar a realidade, por
meio de procedimentos metodológicos reconhecidamente confiáveis. Assim, quando se
reivindica que a Pedagogia é um saber prático, ou um campo de acumulação e
sistematização de saberes práticos, supõe-se que ela não teria condições de construir
procedimentos metodológicos válidos e gerir um objeto próprio de estudos, já que apenas o
conhecimento científico teria condições para tanto.
Concorre-se, nessa perspectiva, à dissociação entre ciência e saber pedagógico e à
manutenção de discursos que reduzem este último a um saber prático, cuja constituição se
daria pela ordem da arte ou da experiência não-científica. Se desdobra daí a ideia de que a
Pedagogia é insuficiente para lidar com problemáticas complexas da educação, que ela
necessita estar sob a tutela prescritiva de outros campos científicos e que a fundamentação
da própria Pedagogia deve se dar em contextos exteriores a ela mesma e não a partir das
relações teóricas e práticas estabelecidas em seu âmbito, a partir da imersão do pedagogo
nos múltiplos contextos das dinâmicas de formação humana escolares ou não-escolares. É
oportuna a provocação feita por Houssaye quando ele discute que a Pedagogia produz
146

saberes pedagógicos que vão além dos saberes práticos e que

Há uma multidão de pessoas bem-intencionadas para pensar a pedagogia


(fora de si mesma), mas muito poucas para aceitar que o pedagogo pensa
e se pensa. Ora, o pedagogo é um intelectual, desenvolve ideias com
relação a seus próprios atos, produz finalidade ligada aos atos [...] Ele
tem ideias, e não apenas um saber-fazer, é um teórico da educação, e não
só um especialista em ação. Não produz apenas um saber da educação,
mas também, nesse movimento, um saber sobre a educação, ou seja, um
sistema de sentido (HOUSSAYE, 2004, p.25).

Com relação aos saberes da ação, tão bem valorizados no campo da


profissionalidade de pedagogos e professores atualmente, Houssaye (2004) levanta críticas
dirigidas ao seu aspecto reducionista. O estudioso analisa que a experiência, processo e
produto da ação, ao invés de ser fonte de construção de saberes e fazeres educativos e
pedagógicos, pode se limitar a encerrar os sujeitos na reprodução de procedimentos e
tecnologias práticas concebidas como eficazes. Assim, redundar a Pedagogia em saberes da
ação significa limitá-la a se constituir numa gramática da experiência encerrada em si
mesma e não num potencial teórico-metodológico capaz de operar mudanças qualitativas
nos modos de pensar e fazer dos sujeitos que atuam no campo da educação. Por isso
mesmo é que, nesse contexto discursivo, o pedagogos “correm o risco de ficar limitados a
um pensamento do saber-fazer em educação, ao reconhecimento de um saber de
experiência prática” (HOUSSAYE, 2004, p.26).
Um professor formador, inclusive, menciona que essa ênfase à prática, transmutada
num discurso que centraliza saberes práticos e da ação na constituição da função formativa
do curso de Pedagogia tem implicado a redução dos estudos mais avançados sobre os
fundamentos da Educação. Esse professor formador, graduado em Filosofia e Doutor em
Educação, demonstrou preocupações com relação aos impactos formativos derivados dessa
redução, os quais, segundo ele, tem proporcionado a precarização da formação profissional
do pedagogo e dificultado a construção de teorias pedagógicas mais consistentes, do ponto
de vista da sua fundamentação científica, além de, consequentemente, ser um reflexo
explícito de políticas e práticas que desintelectualizam o processo formativo no curso de
Pedagogia. Segundo este professor formador

O problema é a redução que houve, nos últimos tempos, dos


fundamentos. O curso foi baseado nas práticas...é a prática pela
prática...Como é que eu faço isso, como é que eu faço aquilo...sem
nenhuma base de fundamentação científica. Isso acaba levando ao
empobrecimento teórico do curso de Pedagogia (PF – FE).
147

Ao lado desses aspectos representacionais que emergem nos discursos dos


professores formadores, elementos de significação da Pedagogia estão inseridos no terceiro
campo, aquele relativo à identidade profissional do pedagogo. Quando se referiram à figura
de um profissional egresso do curso de Pedagogia, o pedagogo, os professores mobilizaram
elementos que apontam para a significação da Pedagogia a partir de representações sociais
sobre quem é e o que faz este profissional.
Esse campo de significação é delineado por formas ambíguas de representação da
identidade do pedagogo, por coexistir tanto no interior de um mesmo discurso, quanto na
discursividade comum dos professores formadores, perspectivas contraditórias em torno do
perfil deste profissional e do processo formativo pelo qual ele precisa passar para construir
competências e atuar em determinados espaços de trabalho e representatividade.
Partindo dessa consideração, cabe apresentar alguns dos trechos da enunciação dos
professores formadores que abordam, direta ou tangencialmente, a questão da identidade
do pedagogo para, então, discutir os elementos que confluem para a significação da
Pedagogia.

Olha, a pedagogia, como a própria palavra diz, o pedagogo é aquele que


conduz, aquele que orienta um processo. A própria palavra está ligada à
educação. Ele é um condutor, um gestor do processo, que pode ser um
processo pedagógico escolar ou não-escolar (PF – PE1).

[...] sempre pensando que esta turma vai atuar como pedagogo junto à
infância e à juventude. Todas as minhas observações e os exercícios que
eu passo estão dentro desse enfoque (PF – PsE1).

O pedagogo é formado para tanta coisa sem uma formação específica que
no final ele não está habilitado para nada (PF – FE).

A pedagogia tem passado por mudanças amplas com problemas pontuais


na identidade desse pedagogo. Aquela coisa da estrutura de ensino de
primeiro grau, do supervisor como fiscalizador, já que o pedagogo tem
também a pedagogia empresarial (PF – PE2).

A minha disciplina dá toda uma base para esse pedagogo que vai
trabalhar com infância, com crianças (PF – PsE2).

Os alunos entram aqui para serem educadores. Eu sempre inicio a


disciplina dizendo que eu quero que eles se formem bem para serem os
professores do meu neto (PF – EE2).

Preliminarmente, é preciso considerar que a multiplicidade de elementos


configurados no discurso dos professores formadores acerca do pedagogo traduz a
complexidade e diversidade de formas de representação do perfil identitário e das
148

competências deste profissional. A multiplicidade consiste, em si mesma, num dado


indicativo da ausência de uma perspectiva hegemônica capaz de arbitrar uma forma única
de representação, o que torna a discussão sobre o pedagogo um espaço de conflitos
teóricos, ideológicos e políticos, bem como uma arena onde vozes plurais se chocam, se
provocam e dão origem a diálogos polêmicos.
Com base nos registros das enunciações dos professores formadores apresentados
anteriormente, é possível identificar duas formas gerais de representação do pedagogo e,
intrínseca a estas, elementos de significação da Pedagogia. Na primeira representação, o
pedagogo é elaborado como um profissional da Educação que desenvolve atividades em
cenários escolares ou não-escolares e que passa, na contemporaneidade, por um processo
de reforma de seu estatuto profissional e perfil identitário, incorporando novas
competências para atuar em práticas educativas diversas. Essa representação tem menos
regularidade, ou seja, ocorre menos no conjunto de sujeitos pesquisados, diante da segunda
forma de representação, a qual se manifesta de maneira mais intensa e regular no discurso
da maioria dos professores formadores. Essa segunda forma de representação traduz o
egresso do curso de Pedagogia como um professor de crianças que atua em sala de aula por
meio da docência, mas que pode, em segundo plano, desenvolver atividades especiais
ligadas ao ensino escolar, como a supervisão e a gestão escolar. Os professores formadores
em cujos discursos foi identificada essa forma específica de representação, observou-se
não haver uso do vocábulo “pedagogo”, visto que o egresso do curso de Pedagogia foi
apresentado como um “professor”, “docente” ou, em alguns poucos casos, como
“profissional da educação”.
A predominância da segunda forma de representação é compreendida, entre outros
aspectos, como resultado das ingerências mantidas pelo discurso oficial de regulação do
funcionamento do curso de Pedagogia, traduzido nas Diretrizes Curriculares Nacionais e
no Projeto Político-Pedagógico do curso. Conforme já analisado no terceiro capítulo deste
trabalho, esse discurso circunscreve o curso de Pedagogia à função de formar professores
para a Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental na Educação Básica,
admitindo possibilidades de inserção profissional em outros campos secundarizados. Nos
documentos citados, há o desaparecimento total do vocábulo “pedagogo” e do significado
do profissional da Pedagogia como um interventor pedagógico em realidades educativas
múltiplas, nas quais ele mobiliza um cabedal teórico-metodológico e técnico específicos e
legítimos, distintos daquilo que é necessário para intervir no contexto escolar. As DCN, ao
admitirem um processo formativo que se oriente pela perspectiva de que o profissional
egresso do curso pode e deve atuar na gestão de processos educativos não-escolares,
149

concentra a dinâmica e os conteúdos da formação no âmbito da escola, mais precisamente


no eixo da docência, uma super docência capaz de incorporar todas as modalidades
profissionais praticadas por um educador.
Desse modo, os professores formadores demonstram ter assimilado essa
perspectiva que, de várias formas, reduz o conteúdo da Pedagogia e o seu significado
profissional. Com efeito, o discurso oficial se utiliza de diversos dispositivos para se
afirmar e coadunar-se às outras formas de discurso, constituindo-se numa matriz de
influência maior, por representar significados que adquirem status de ideologia, na medida
em que são construídos a partir de um determinado ponto de vista intrínseco às instâncias
de dominação e regulação de processos institucionais.
O empreendimento discursivo de significação do pedagogo como professor, o qual
tem se dado desde os anos de 1980 até os dias atuais, logrou um aparente consenso por
parte das entidades, instituições e pesquisadores ligados ao campo da Educação. Brzezinski
(2011) chega a afirmar que a identidade contemporânea do pedagogo, que tem por base a
docência, corresponde a uma forma consensual de compreensão dessa identidade, forma
esta que foi precedida por outras duas formas vistas como negativas e já superadas, a
identidade ambígua, referente às primeiras décadas do curso de Pedagogia após a sua
emergência histórica no Brasil, e a identidade coerentemente técnica, associada às reformas
curriculares que se deram nos anos de 1960. Há de se questionar se esse consenso ocorre
por um compartilhamento crítico e consciente de ideais ou apenas é resultado da adoção,
por parte dos sujeitos, de uma perspectiva predominante pela força institucional e potencial
ideológico que possui, por estar, muitas vezes – como ocorre no caso do discurso
formativo do curso de Pedagogia – consubstanciado aos discursos oficiais que infiltram e
regulam processos institucionais.
Esse questionamento se mostra bastante relevante neste trabalho quando da
observação de que, mesmo havendo uma representação consensuada em torno da figura do
professor como identidade do egresso do curso de Pedagogia, os professores formadores
não justificaram essa forma representacional, nem direta nem indiretamente, utilizando
elementos relacionados às perspectivas teóricas e políticas do movimento de educadores, o
qual foi o principal vetor responsável por difundir e defender o princípio da docência como
base de identidade do pedagogo no Brasil, uma vez que

Muitos são os aspectos que se coadunam com o delinear de uma


identidade do pedagogo consensuada; porém é necessário enfatizar que a
docência como base de identidade foi uma conquista do movimento de
educadores [...] (BRZEZINZKI, 2011, p.40).
150

No decorrer das entrevistas, os professores formadores foram estimulados, por


meio das questões que estruturaram o roteiro orientador, a discutirem aspectos sobre o
curso de Pedagogia, sobre como eles concebiam o egresso desse curso, entre outros
aspectos que tangenciam o debate acerca da formação do pedagogo, porém eles não
fizeram referência aos princípios historicamente defendidos pelo movimento de
educadores, sobretudo pela ANFOPE, para subsidiar o seu posicionamento com relação a
afirmação de que a docência é a base de formação do curso e, por conseguinte, como
caractere fundador da identidade profissional do egresso do mesmo.
Ou seja, a representação do pedagogo como professor, tal como está posta no
discurso dos professores formadores, possui uma forma representacional que se articula
menos com princípios teórico-conceituais ou políticos que envolvem o campo da
Pedagogia. Vale salientar que algo similar ocorre no discurso materializado pelas DCN. Há
a afirmação da docência como base identitária, porém os princípios e fundamentos teórico-
conceituais que subsidiem essa posição formativa não são explicitados, talvez até mesmo
por não estarem claros para os sujeitos. A ausência de referência epistemológica como base
de fundamentação para constituição da finalidade e dos parâmetros formativos no curso
fragiliza e limita conceitos e representações que estão associados ao mesmo.
Com base nessas reflexões e, sobretudo, devido a ausência de referência política ou
teórica sobre o perfil do pedagogo presente no discurso dos professores formadores,
compreende-se que a representação do pedagogo como professor é uma típica forma de
conhecimento comum, por dispensar uma justificativa teórico-conceitual que a estruture.
No que se refere à segunda forma de representação do pedagogo, qual seja, a que o
elabora como um profissional cujo campo de atuação compreende os diversos espaços
educativos escolares e não-escolares, observou-se uma maior articulação com perspectivas
teóricas e conceitos científicos, diferentemente da primeira forma de representação. Isso
ocorre em virtude de que, para os professores formadores, romper com uma forma
consensual de reconhecimento de algo, como fizeram estes professores, requer um
distanciamento de representações comuns e a mobilização de novas fontes, conceitos e
perspectivas que, criticando e se contrapondo ao consenso, expressem um ponto de vista
renovado sobre esse algo. Então, compreende-se que os professores formadores que
externalizaram essa segunda forma de representação apresentam uma maior interação com
perspectivas teóricas e conceitos. Tal interação se constitui enquanto um traço que expressa
o esforço dos professores formadores em mobilizar elementos que justifiquem e propiciem
legitimidade a uma representação que, por destoar do modo de reconhecimento comum,
entra em confronto com as formas típicas e consensuais de representação do pedagogo. Até
151

mesmo a definição que fizeram para a Pedagogia foi mais específica, mais coerente,
melhor elaborada.
A representação do pedagogo como profissional da educação escolar e não-escolar
apareceu atrelada à ideia de Pedagogia como uma ciência produtora de conhecimentos
mais amplos e abrangentes, os quais transcenderiam a concepção de conhecimento
pedagógico enquanto um saber meramente técnico-instrutivo, tal como pode ser
depreendido do trecho da enunciação de um professor formador, transcrito a seguir:

O pedagogo é um gestor, um condutor. Ele não é só um professor. Isso


torna o curso mais complexo porque temos que dar conta de muita coisa,
pois a Pedagogia não é só escola, não é só professor... Ela é tudo isso e
mais um pouco (risos). Pedagogia é educação e educação não é só escola
(PF – PE1).

Com efeito, a afirmação do pedagogo como um profissional que, embora mantenha


íntima relação com a problemática escolar, não se limita a ela, visto que a Pedagogia é uma
ciência que se volta para o objeto educação em sua totalidade e pluralidade constitutiva,
requer um aprofundamento teórico e conceitual que permita aos professores formadores
elaborar um significado para a Pedagogia que possa ser configurado como uma matriz de
referência para a construção de perspectivas formativas mais abrangentes e solidárias com
as demandas da sociedade contemporânea. Centralizar o aspecto epistemológico da
Pedagogia, traduzida através de conceitos e elementos teóricos, no debate sobre o perfil
profissional do pedagogo, possibilita que sejam instituídas novas possibilidades de
compreensão das problemáticas que confrontam o curso e a profissão que lhe estão
associadas, ampliando a reflexão sobre o papel e as contribuições que o pedagogo pode
oferecer à sociedade, por intermédio da (re)construção da teoria pedagógica, teoria esta
“[...] construída a partir e em função das exigências da realidade educacional (realidade-
processo e realidade produto” (SAVIANI, 1976, p.19).
Em se tratando dos professores formadores que apresentaram possuir uma
representação do pedagogo como professor, observou-se que a Pedagogia, como categoria
conceitual fundamentada por determinadas referências epistemológicas, não se constitui
como uma matriz mediadora da construção representacional acerca do papel e do perfil
desse profissional, uma vez que esses sujeitos não incorporaram ao seu discurso nenhum
elemento específico da noção de Pedagogia, efetuando alguma definição e a colocando
como prisma interpretativo ou justificativa para seus posicionamentos. O mesmo não pode
ser dito com relação aos professores que apresentaram possuir uma representação do
pedagogo como um profissional da educação escolar e não-escolar, haja vista que esses
152

sujeitos, ao discutirem aspectos identitários desse profissional, mobilizaram conceitos que


apontam para uma definição específica da Pedagogia e evidenciaram uma perspectiva
epistemológica que a configura como ciência complexa e dinâmica voltada para os
diversos contextos e processos educativos. Nesse caso, a significação de Pedagogia
funciona como um prisma, uma referência, uma matriz mediadora da construção
representacional que, ao lado de outras fontes sócio-cognitivas, significa o pedagogo como
“um profissional que lida com fatos, estruturas, contextos, situações, referentes à prática
educativa em suas várias modalidades e manifestações” (LIBÂNEO, 1998, p.117).
Têm sido cada vez mais relevante, histórica e politicamente, ressignificar o perfil
identitário e o papel social do pedagogo, cabendo ser a Pedagogia, nesse processo, a matriz
mediadora da construção de perspectivas que orientam os processos formativos e políticas
relacionadas à gestão do trabalho e empregabilidade deste profissional. Na medida em que
a Pedagogia for reconhecida em sua dimensão epistemológica como ciência da e para a
educação, cuja natureza corresponde à mútua e dialética relação entre teoria e prática, o
pedagogo adquire um novo status profissional e sua formação passa a ser organizada a
partir da pressuposição de que a experiência prática deve estar intimamente vinculada ao
estudo teórico, que também é experiência, e que a escola não se constitui como único locus
de vivências formativas. Nesse sentido, concorda-se com Houssaye quando este autor
afirma que, sendo a Pedagogia forjada na inter-relação entre teoria e práticas educativas, “o
pedagogo é aquele profissional que procura conjugar teoria e prática através da sua própria
ação [...] Só será considerado pedagogo aquele que fizer surgir um plus na e pela
articulação teoria-prática em educação” (2004, p.10).
O significado da Pedagogia se encontra, nessa perspectiva, no contexto da interação
teórico-prática em educação, a partir das demandas emergentes na sociedade
contemporânea, que é o cenário de constituição das experiências educativas referenciadas
por problemáticas reais que confrontam os processos de formação humana. O pedagogo é
um profissional que mobiliza os referenciais da Pedagogia e constrói sistemáticas de
intervenção nas diversas realidades educativas e o curso de Pedagogia, por conseguinte,
deve ser o espaço de formação, renovação e interlocução entre os saberes e as práticas da
profissão. Esse curso

[...] Destina-se à formação do educador. Ora, o educador é precisamente


aquele que educa, portanto aquele que realiza, desenvolve a ação
educativa. Para uma ação coerente e eficaz, ele necessita de
fundamentação teórica. Para lhe permitir essa fundamentação é que se
criou o curso de Pedagogia (Teoria Geral da Educação) (SAVIANI, 1976,
p.19).
153

Dimensionar as configurações formativas do curso de Pedagogia e delinear perfis


identitários do pedagogo são empreendimentos reflexivos que, inseridos numa trama
complexa de elementos mobilizados pelos professores formadores, dão visibilidade a
campos representacionais nos quais a significação da Pedagogia pode ser compreendida.
Essa significação adquire configurações distintas em virtude desses elementos dinamizados
nas e pelas construções sócio-cognitivas dos professores e, nesse sentido, variam de acordo
com a presença ou a ausência de referências epistemológicas, políticas, institucionais, entre
outras, acerca das especificidades que envolvem a Pedagogia enquanto conhecimento,
curso e profissão.
Por meio dos procedimentos analíticos operados neste trabalho, compreendeu-se
que essa significação se desdobra em três campos específicos e que, dada a existência de
representações sociais em cada um deles, se configura como uma prática discursiva
complexa que emerge de contextos de interações entre os sujeitos professores formadores
com outros sujeitos e circunstâncias ao longo de seus trajetos de profissionalização.
Portanto, a significação passa a ser concebida como uma prática que se articula aos
conhecimentos e referências sócio-cognitivas elaboradas no cotidiano das relações e
experiências formativas, institucionais e pessoais de identificação com as questões
relativas ao universo da Pedagogia, universo este que se forma como resultado da
confluência dos três campos identificados.
O processo que envolve a constituição dos modos de significação dos professores
formadores os coloca em contato com razões, afetos, representações sociais em torno
universo da Pedagogia, conforme já assinalado, e influencia a construção das perspectivas
de ensino, informando práticas formativas e parâmetros que as organizam. Partindo dessas
considerações, no próximo tópico será discutido como a significação da Pedagogia está
associada às práticas de ensino e gestão do conhecimento disciplinar desenvolvidas pelos
professores formadores no curso de Pedagogia.

4.4. Significação da Pedagogia, perspectivas de ensino e gestão do conhecimento no


discurso dos professores formadores

É uma formação que, se você for comparar com outras licenciaturas, é


154

muito mais complexa, no sentido de explorar vários âmbitos da educação


que as outras licenciaturas não têm (PF – PsE2).

Nesse item do texto, a abordagem acerca da significação da Pedagogia será


delineada num campo mais circunscrito que tem a ver diretamente com os processos de
mediação do professor formador no curso de formação inicial de pedagogos. O enfoque
preconizará as perspectivas de ensino e, em seu interior, do modo pelo qual os professores
formadores desenvolvem modelos e estratégias de gestão do conhecimento que estrutura as
disciplinas ministradas pelos mesmos.
Discutiu-se, anteriormente, a constituição da significação da Pedagogia, pelo
professor formador, enquanto uma prática discursiva que articula diversos elementos sócio-
cognitivos, entre estes as representações sociais do conhecimento pedagógico, do curso de
Pedagogia e da profissão de pedagogo. Numa perspectiva bakhtiniana, ao ser concebida
como uma prática discursiva, a significação emerge em um contexto dialógico marcado
pelas interações entre os sujeitos, as circunstâncias e os vários discursos que são instituídos
nas esferas de experiência e uso social da linguagem. Logo, a significação não pode ser
desvinculada dos contextos práticos dos professores formadores, visto que ela dialoga, de
modo orgânico, com os aspectos simbólicos e materiais que estruturam a sua atividade
profissional, numa dialética de inter-influência entre aquilo que é significado e o que é
praticado por meio de intervenções concretas.
Partindo dessas considerações, as reflexões desencadeadas neste item textual
buscam corresponder ao objetivo de discutir o modo pelo qual a significação da Pedagogia
se imbrica no processo de construção das perspectivas de ensino dos professores
formadores, sabendo que tais perspectivas representam parâmetros, modelos ou eixos de
direcionamento e regulação da atividade profissional desses sujeitos no curso de formação
inicial de pedagogos. As perspectivas de ensino são projetos idiossincráticos que dão
sentidos e razões àquilo que se pratica em sala de aula e, ao mesmo tempo, carregam traços
característicos relativos aos impactos e ingerências das relações e políticas institucionais e
do ambiente intersubjetivo criado por meio do compartilhamento de referenciais comuns,
pelos professores e seus pares. Nesse sentido, serão compreendidas como um dado de
natureza dialógica.
Nas perspectivas de ensino podem ser encontrados registros de quais conteúdos e
experiências formativas são mais relevantes para os professores formadores e que,
155

portanto, devem ser alvo do seu empreendimento pedagógico. Encontram-se também


elementos que explicitam como desafios, dificuldades e possibilidades são assimiladas
pelos professores, além de revelarem o modo pelo qual os mesmos organizam os
conhecimentos e competências alvo de suas disciplinas, a partir da compreensão de quais
são das demandas e responsabilidades formativas do curso de Pedagogia na atualidade.
Como o campo das perspectivas de ensino é atravessado por aspetos diretamente
ligados à atividade profissional do professor formador, considerou-se que, por meio da
construção desse projeto de empreendimento pedagógico em que consistem as
perspectivas, a significação da Pedagogia discutida é confrontada com questões mais
práticas relacionadas ao fazer desse professor no curso de formação inicial de pedagogos.
É importante assinalar que o imbricamento entre a significação da Pedagogia e as
perspectivas de ensino não é um processo mecânico, mas sim de mútuas inter-influências,
o que implica dizer que se configura como uma relação de retroalimentação, pautada pela
dinâmica dialética. Através dessa relação de retroalimentação, as práticas docentes são
informadas por parâmetros direcionadores e os processos de identificação dos sujeitos com
o curso de Pedagogia ganham contornos diferenciados, estimulando condições volitivas
que variam segundo o grau e intensidade desses processos, inclusive para os alunos. Um
exemplo claro dessa assertiva pode ser visualizado no seguinte trecho, em que o professor
formador associa o preconceito à Pedagogia, uma faceta de sua significação, às condutas
de alunos: “O pedagogo leva esse estigma. Há pessoas que dizem: „mas você é tão
inteligente e está fazendo pedagogia?‟. Há alunos que vem se queixar comigo” (PF –
PsE1).
Ao longo desse trabalho, tem sido destacada, constantemente, a necessidade de que
os processos formativos iniciais de pedagogos sejam organizados também a partir da
referência epistemológica em torno da natureza da Pedagogia. Acredita-se que essa atitude
pode vir a colaborar com a construção de contextos de formação que permitam, aos alunos
e professores, constituírem novos modos de significação da Pedagogia e, a partir deles,
assimilarem um novo modus operandi pedagógico capaz de corresponder com maior
coerência e fundamentação teórico-conceitual às demandas contemporâneas postas nas
esferas das práticas educativas escolares e não-escolares. Nas palavras de um professor
formador, “essa construção serve, inclusive, para que os alunos avaliem: „olhe, meu curso
foi ruim ou meu curso foi uma maravilha‟” (PF – FE1).
O que se observa é que a dimensão epistemológica da Pedagogia ocupa um ínfimo
156

lugar no conjunto das referências mobilizadas pelos professores formadores para


construírem suas perspectivas de ensino, ainda que, em sua maioria, os sujeitos
pesquisados tenham afirmado que consideram que a identidade da Pedagogia é um
problema fundamental para o curso.
A concordância com relação a esse aspecto contrasta com a dificuldade que os
professores formadores demonstraram possuir para localizar a discussão sobre a Pedagogia
no contexto dos conteúdos de suas disciplinas, visto que por mais que considerem
relevante instituir uma discussão como essa no curso, constatou-se pouca propriedade na
resposta dos sujeitos quando foram perguntados acerca de como a disciplina favorecia, ao
aluno, a construção de um significado específico de Pedagogia. Essa circunstância é
perceptível na afirmação de um professor que, reconhecendo a limitação do curso de
Pedagogia em proporcionar aos alunos experiências de mediação que concorram à
construção de significados específicos para a Pedagogia, de modo fundamentado, afirma
que “nós não estamos fornecendo elementos para que os alunos do curso construam isso”
(PF – FE1).
Apenas dois professores formadores discutem que já oportunizaram aos estudantes
a discussão sobre o significado de Pedagogia, ao longo de suas aulas. Esses professores
apontam que

[...] no curso de Pedagogia não se faz essa discussão. Durante o curso não
é feita essa orientação para que o aluno entendesse a Pedagogia [...] Só
que em toda aula de Pesquisa a gente discute isso, porque,
inevitavelmente, a gente chega a essa conclusão de que o curso tem uma
identidade frágil (PF – PE1).

Eu sempre alerto para que, ao final do curso de Pedagogia, eles (os


alunos) saibam o que é a Pedagogia e o que é a educação. Que não
misturem essas coisas. Então eu trago essa discussão para a sala de aula
sim (PF – EE1).

Por outro lado, o distanciamento ou desconhecimento do estatuto epistemológico da


Pedagogia faz com quem o professor formador tenha dificuldade ou menos propriedade
metodológica para compreender quais aspectos fazem com que a disciplina que ministra
seja considerada um componente curricular da formação inicial do pedagogo e,
principalmente, implica na dificuldade de inserir na pauta das discussões de suas aulas
tópicos referentes ao significado da própria Pedagogia, conforme acontece com a
professora formadora identificada como PF – DI.
157

Quando perguntada acerca de como a disciplina ministrada por ela favorecia, aos
alunos, a construção de significados para a Pedagogia, a professora afirmou que, já que
nem ela mesma havia pensando no que consiste ser a Pedagogia, o trabalho que desenvolve
não focaliza a dimensão da significação necessária para os alunos apreenderem e
mobilizarem elementos que lhes permitam se localizar no curso, sabendo sua
especificidade, e constituírem um perfil profissional referenciado por essa significação.
Nas palavras da professora formadora

Desse jeito eu acho que não (risos). Porque se eu nunca parei para pensar
na pedagogia desse jeito, não é? Eu nunca tive essa intencionalidade.
Agora eu confesso que irei parar para pensar. Pode até ser que alguém
tenha fugido ao meu controle, mas acredito que se eu não tinha essa
intenção acho difícil eles terem visualizado isso. Como pedagogia eu
acho que não ajudei aos alunos construírem significados não (PF – DI).

Através das entrevistas, foi possível perceber que os professores formadores


expressam a dificuldade de lidar com um processo complexo de gestão de experiências e
conhecimentos na formação do futuro pedagogo, visando capacitá-lo para mobilizar
recursos diversos e construir significados de Pedagogia, os quais serviriam como
parâmetros de constituição identitária do ser aluno do curso e, por conseguinte, do ser
pedagogo, além de atuarem como fundamentos basilares da dinâmica reflexiva necessária à
avaliação da qualidade formativa desse curso.
Segundo esse mesmo professor, as causas dessa dificuldade teriam dois principais
fatores. O primeiro seria de ordem institucional, estando relacionado às práticas de
coordenação pedagógica do curso e, a segunda, se configuraria como um fator didático-
curricular, se referindo ao processo de gestão coletiva dos conhecimentos e experiências
formativas no currículo. A esses dois fatores, acrescenta-se um terceiro que consiste na
própria significação da Pedagogia e suas ingerências nas práticas docentes.
Observou-se que a falta de efetividade da Coordenação Pedagógica e suas
iniciativas de articulação do corpo docente e gestão curricular se constitui em um aspecto
visto como problemático por um grupo de professores formadores, conforme pode ser
depreendido dos trechos transcritos a seguir. Com efeito, como o corpo docente do curso
de Pedagogia é formado por um conjunto heterogêneo de professores com trajetos de
profissionalização em diversas áreas. Tal qual se discutiu no item 4.2 deste texto, a
158

discussão sobre a identidade da Pedagogia enquanto conhecimento, curso e profissão não


ocupa lugar de destaque na pauta de formação em Programas de Pós-Graduação, inclusive
nos que se dedicam ou que possuem linhas de pesquisa direcionadas ao estudo de
problemáticas educacionais. É necessário, pois, que a admissão e a formação contínua
desse professor formador sejam pautadas por orientações sobre a natureza e os princípios
do curso, sobre o perfil do egresso e outros princípios identificadores inscritos no PPP.
Como bem explicita um professor formador, “são 58 professores circulando com diferentes
compreensões. O pedagogo e a educação como vão ficar nisso aí, não sei não!” (PF –
EE1).

Eu, como professor do curso de Pedagogia da UFPB, saberias quais as


expectativas, os princípios, a identidade do egresso desse curso? Eu não
sei [...] e ninguém, em nenhum momento – coordenador, chefe de
departamento – fez essa discussão. O que significa ser pedagogo? Em
nenhuma reunião que eu participei em várias instâncias se discutiu isso
(PF – FE1).

Existe uma omissão do órgão coordenador do curso, da parte pedagógica.


Todo mundo faz o que bem entende, não existe coordenação, não há
diálogo entre os professores (PF – PsE3).

É importante ressaltar o papel que deve ser desempenhado pela Coordenação


Pedagógica do curso de Pedagogia, no intuito de promover espaços de construção coletiva
de princípios e parâmetros para o desenvolvimento curricular das disciplinas, entendendo-o
como um processo que requer articulação, envolvimento e comprometimento dos
professores com relação ao cumprimento de finalidades formativas. Nesse sentido, a
Coordenação Pedagógica, bem como as Chefias Departamentais, são instrumentos que
podem pontencializar a qualidade da formação de pedagogos, desde que atuem como
instância de mediação entre o PPP, o trabalho desenvolvido em cada disciplina e a
comunidade acadêmica, de modo geral.
A inoperância da Coordenação Pedagógica muitas vezes pode desencadear a
desarticulação das práticas docentes diante daquilo que é afirmado no PPP e a falta de
diálogo e aproximação entre professores que ministram as disciplinas no curso, fazendo
delas celeiros isolados cujas experiências e conhecimentos correlatos não são
amalgamados com as demais disciplinas e âmbitos de formação acadêmica do estudante. É
o que ocorre, por exemplo, quando as disciplinas de fundamentação da Educação não se
159

imbricam ao trabalho desenvolvido nas disciplinas de Estágio ou com atividades de


formação complementar dos estudantes, como a participação em projetos institucionais de
pesquisa, ensino e extensão. Para o estudante, as disciplinas representam uma espécie de
“gavetas” onde depositam referências espaças e desarticuladas do contexto curricular geral
e, para os professores,

[...] um espaço de trabalho isolado onde ele repete o que aprendeu no seu
curso de origem. Por exemplo, um professor que ministra a disciplina de
Sociologia da Educação vai querer ensinar uma síntese do que aprendeu
no seu curso de Sociologia. Aí o aluno se perde quando pensa no que está
fazendo no curso de Pedagogia. É como se ele não soubesse por que
existem todas aquelas disciplinas. Elas não se relacionam. Os professores
não conversam. Falta diálogo mesmo (PF – EE2).

[...] um isolamento do mundo. O professor se fecha na disciplina e nem


sequer conhece o que outros professores discutem nas disciplinas que o
aluno tem no mesmo período em que cursa a dele (PF – DI).

As perspectivas de ensino no curso de Pedagogia são inspiradas por um discurso


oficial contido nos documentos oficiais que regulamentam o seu funcionamento e pelo
processo de significação envolvido na constituição de representações sociais e significados
formativos em torno da Pedagogia. Como um espaço institucional gerido por princípios
legais, é indispensável, para o professor formador, que ele conheça os documentos citados,
porque estes informam suas práticas e definem aspectos constitutivos do lugar institucional
que ocupa, e que haja contextos de construção coletiva de novos significados que renovem
práticas formativas e reorganizem as perspectivas de ensino. Sem dúvidas, a Coordenação
Pedagógica do curso cumpre uma função importante nesse cenário de aspectos
indispensáveis, visto que a mesma se configura numa instância de mediação entre o legal e
o instituído na prática, entre professores e seus pares, professores e alunos e entre o próprio
curso e a sociedade. Os professores formadores investigados assinalam uma representação
da função mediadora dessa instância quando afirmam, por exemplo, que

[...] a coordenação devia ser mais presente, devia planejar encontro com
todos os professores de todos os departamentos. Às vezes deixamos de
comunicar boas experiências e de compartilhar coisas porque falta esse
diálogo, sabe? É uma coisa que ainda falta aqui na UFPB. Eu tenho a
impressão que é tudo muito solto (PF – PE2).
160

A ausência desse espaço de diálogo e a insuficiência do cumprimento da função


mediadora da Coordenação Pedagógica do curso reforçam o isolamento dos professores e a
atomização das experiências de formação em cada disciplina, pois o que se aprende e se
ensina nas mesmas poucas vezes mantém relação com os processos desenvolvidos nas
demais disciplinas, ao ponto de possibilitar o aluno a operar a mobilização de
conhecimentos plurais para resolver um problema complexo e multi/inter/transdisciplinar.
Por outro lado, esse isolamento dificulta a emergências interações nas quais os professores
formadores tivessem a oportunidade de (re)constituir significados da Pedagogia.
O impacto da ausência de mediações institucionais promovidas pela instância
coordenadora nas perspectivas de ensino dos professores aparece, no discurso, como fator
que dificulta a configuração de princípios e metodologias integradoras do trabalho que é
desenvolvido em cada disciplina. Com isso, os professores formadores demonstram
reconhecer que o ensino no curso de Pedagogia requer ser organizado em torno de eixos
articuladores que permitam que os diversos conhecimentos e experiências formativas
dialoguem entre si, mantendo um tipo de unidade capaz de promover o desenvolvimento
curricular enquanto construção coletiva.
Para os professores formadores que representam o curso de Pedagogia como um
curso de formação de professores, a significação da Pedagogia não é posta como um eixo
articulador. Esses professores vislumbram que o principal eixo que deve articular os
processos de ensino-aprendizagem é a unidade teoria-prática. Em se tratando desse
aspecto, os professores formadores ressaltam a importância de que as práticas formativas
desenvolvidas desde as primeiras disciplinas curriculares, voltadas aos estudos dos
fundamentos da Educação, até aquelas tidas como eminentemente práticas, como as de
estágio e metodologias didáticas, sejam planejadas e executadas com base no princípio de
que a reflexão teórica deve partir de problemas práticos e que o desdobramento dessa
atitude reflexiva deve reorganizar a própria prática, instaurando, nesse sentido, um fluxo
dialético fundado na reflexão – ação – reflexão.
Consolidar a dialética entre teoria e prática é uma preocupação de alguns
professores formadores quando assinalam que disciplinas tidas como teóricas e disciplinas
com uma dimensão prática mais evidente não estabelecem relações entre si. O problema
dessa dialética se expressaria, especificamente, numa conjugação de iniciativas
pedagógicas que agregassem esses dois modelos de disciplinas, sem necessariamente se
referir à integração das disciplinas teóricas entre elas mesmas e, do mesmo modo, entre as
161

disciplinas práticas. Assim, não ocorreria uma integração total, a qual configura a unidade
curricular. O seguinte trecho ilustra bem essa compreensão dos professores formadores.

Olha, eu acho que falta mais relação entre o início do curso e o fim.
Porque eu estou dizendo isso? Bem, porque o início é bem teórico e o
final é mais prático. Daí fica aquela coisa de o aluno ver o curso dividido
e desarticulado. Acho que esse é um dos principais problemas daqui do
curso de Pedagogia (PF – FE1).

Eu penso que isso [relação teoria-prática] é algo para ser pensado no


coletivo de professores. Como fazer isso acontecer desde o primeiro
período do curso. Acho que deveria ser acompanhado pelo pessoal do
estágio essa “coisa” do ao longo do curso. (PF – PsE3).

Os processos de ensino no curso de Pedagogia podem ser beneficiados por uma


concepção didático-epistemológica de gestão do conhecimento que leve os professores de
cada disciplina a transcender “[...] os interesses de seu âmbito, naturalmente restrito. Só
assim estaríamos autorizados a falar de uma verdadeira colaboração interdisciplinar”
(DIAS DE CARVALHO, 1996, p.102). Nessa dinâmica, o quadro de referências e
problemáticas de cada disciplina se expandiria, por meio do contato com questões inscritas
em horizontes que contemplam diversas visões científicas, demandando, por parte dos
professores formadores, uma postura de diálogo com seus pares, formação permanente
para habilitar-se a problematizar questões educacionais a partir de uma abordagem
complexa, visto ser inter/trans/multidisciplinar.
Para que essa abordagem complexa seja desencadeada de forma fundamentada e
organizada, é necessário que os professores formadores adotem uma base sólida de
referência, composta por significados epistêmicos e formativos, conceitos didáticos, enfim,
um conjunto de elementos que orientem modos de pensar e de fazer desses sujeitos para
configurarem novas perspectivas de ensino.
A Pedagogia, como Ciência da Educação possui um estatuto epistemológico que a
constitui como Ciência de caráter teórico-prático, fundada no processo de práxis, poderia
configurar a necessária base sólida para o desenvolvimento da gestão do conhecimento,
sobretudo quando se considera que as disciplinas não possuem uma razão de ser e estar no
currículo do curso de Pedagogia encerrada em si mesmas. Seu status epistemológico de
disciplina educacional e sua presença no currículo é assinalada pela necessidade de que,
durante o processo formativo inicial, os futuros profissionais da Pedagogia tenham contato
162

com referenciais que lhes possibilitem construir uma racionalidade capaz de operar
problematização contextualizada e a reflexão crítica das questões que perfazem o campo
pedagógico. Nesse sentido, o problema da Pedagogia e a identidade do campo pedagógico,
em sua interface com questões políticas e sociais, devem se constituir como principais
referências a serem consideradas pelos professores formadores para a construção das
perspectivas de ensino.
Na medida em que a Pedagogia se constituir como matriz mediadora da construção
das perspectivas de ensino dos professores formadores, a relação teoria-prática, colocada
pelos sujeitos como o principal eixo de organização do curso de Pedagogia, seria encarada
de forma diferente. De um plano meramente aplicacionista ou restrito às articulações entre
disciplinas de fundamentação e disciplinas de prática ou estágio, essa relação passa a ser
vista como um aspecto orgânico que caracteriza não só a articulação entre disciplinas, mas
a própria natureza das mesmas. Isso quer dizer que a significação da Pedagogia como
Ciência Práxica da Educação (FRANCO, 2008), implica o reposicionamento do status
epistemológico e didático das disciplinas curriculares do curso, configurando-as como
espaços de mediação teórico-prática entre o estudante e o problema pedagógico, uma
categoria que sintetiza a grande diversidade de aspectos e questões relativas ao universo
dos processos de formação humana, escolares e não-escolares.
Os professores formadores apontam que o curso de Pedagogia deve ser uma
instância de reflexão dos problemas reais enfrentados no cotidiano dos educadores. Isso
aproximaria os estudantes de dilemas vivenciados na concretude da profissão e permitiria
que a Universidade ampliasse seu relacionamento com a sociedade, operando, por meio
dos dispositivos institucionais, estratégias que garantem a efetivação de sua
responsabilidade e compromisso social. A preocupação dos professores formadores é de
criar um contexto de aprendizagens voltadas às necessidades da profissão do pedagogo, ora
como professor de crianças ora como profissional da educação num sentido mais amplo,
contudo não configuram a Pedagogia como uma matriz mediadora da construção das
perspectivas de ensino. Eles afirmam que:

Penso que precisamos colocar os alunos mais em contato com a vida


escolar, o chão da escola, porque aqui, na universidade, eles idealizam o
que é estar na escola, o que é ensinar. Se eles não vão para a escola, tudo
aqui perde de sentido e até mesmo não fica na memória porque não é
significativo tanto quanto a experiência na escola é (PF – PsE2).
163

Eu tento oferecer aos alunos um conhecimento útil para a vida


profissional deles. Nessa disciplina, eles têm contato com conhecimentos
que ajudam a explicar o que é a educação, o ensino, a escola, enfim, com
as práticas educativas (PF – SE).

Como não pedagoga que sou, acho que o mais importante do curso de
Pedagogia é a relação teoria-prática. Ela deve ser o grande norte. Pode até
ser que alguém me critique com isso, mas eu penso dessa forma (PF –
PsE3).

A disciplina é teórica, mas eu busco conversar com os alunos sobre


questões mais práticas, até porque eu sou professora, conheço bem
algumas questões da escola. Então eu acho que isso faz a disciplina mais
relevante (PF – EE2).

Indubitavelmente, a inserção do estudante nas dinâmicas da experiência é


determinante para que ele possa construir uma forma de abordar as situações pedagógicas
pautada pela dialética entre teoria e prática. Por meio da experiência em estar inserido e
lidar diretamente com questões empíricas do seu futuro campo de atuação profissional, o
estudante constrói saberes que se constituem em subsídios de compreensão dos contextos
educativos e de fundamentação das práticas de planejamento, execução e avaliação
intrínsecos à práxis pedagógica. Porém, todas as dinâmicas de formação e a abrangência da
relação dialética teoria-prática não devem se dar num vazio epistemológico, pois precisam
estar consubstanciadas a uma matriz de significação que delimite o objeto pedagógico,
exprimimindo a natureza da Pedagogia e, em consequência, regulando os processos de
ensino-aprendizagem no curso de formação inicial de pedagogos. Diante disso, é oportuno
transpor para o texto o questionamento de que “[...] se não é a Pedagogia, como ciência da
educação, a condutora e operacionalizadora desse movimento de formação de professores
reflexivos, qual outra ciência pode assumir esse papel?” (FRANCO, 2008, p.123).
A configuração da prática como eixo de formação de pedagogos deve ser norteada
por uma reflexão, portanto, que seja coerente com as características que perfazem o
estatuto epistemológico da Pedagogia. Desse modo, a prática não significaria apenas um
espaço de construção de tecnologias ou produção dos saberes da experiência, mas um
objeto que necessita de subsídios teórico-metodológicos da Pedagogia, a fim de que seja
construído a partir da práxis pedagógica num contínuo movimento de enraizamento, ação,
teorização e rupturas (HOUSSAYE, 2004). Os sujeitos em formação devem ter a
compreensão de que os contextos educativos, em seus múltiplos elementos constitutivos,
são realidades complexas que demandam intervenções organizadas por meio do
164

pensamento dialético e não através da reprodução de técnicas e tecnologias mecânicas,


uma vez que

Teoria e prática são aspectos distintos e fundamentais da experiência


humana. Nessa condição podem, e devem, ser consideradas na
especificidade que as diferencia um da outro. Mas, ainda que distintos,
esses aspectos são inseparáveis, definindo-se e caracterizando-se sempre
um em relação ao outro [...] Sem a teoria a prática resulta cega, tateante,
perdendo sua característica específica de atividade humana. Com efeito, a
ação humana é uma atividade adequada a finalidades, isto é, guiada por
um objetivo que se procura atingir (SAVIANI, 2008, p.126-127).

Por isso mesmo, a simples inserção dos alunos em situações de prática não garante
que o modo de racionalidade capaz de operar o pensamento dialético diante da
problemática pedagógica seja instituído. A prática deve ser teoricamente planejada e
reflexiva e criticamente experienciada, senão não passa de um cenário vazio de
possibilidades de construção de saberes pedagógicos, os quais, conforme argumentação
anterior, não se nutrem apenas da experiência dos sujeitos, pois emergem da práxis
pedagógica em sua complexidade.
Considera-se que, de fato, a inserção dos alunos nas práticas educativas é um
princípio formativo e uma estratégia didática que desloca a formação inicial de pedagogos
do eixo da teoria descontextualizada, algo que tem sido constantemente criticado ao longo
da história do curso de Pedagogia, porém, conforme destaca Saviani, é importante que, nos
primeiros períodos do curso, os estudantes tenham mais a oportunidade de acesso,
aprofundamento e reflexão das teorias da Pedagogia, as quais fundamentarão as suas
práticas profissionais. Este autor discute que como os estudantes de Pedagogia já vem de
um percurso de escolarização que compreende, no mínimo, 11 (onze) anos, os mesmos
possuem uma experiência de familiarização com as dinâmicas escolares e que, nos
primeiros períodos do curso, “[...] parece mesmo recomendável que eles se distanciem da
escola básica; vivam intensamente o clima da universidade; mergulhem nos estudos dos
clássicos da pedagogia [...]” (SAVIANI, 2008, p.153). Presume-se que, assim, os
estudantes serão preparados para se inserirem na prática confrontando-a com as
representações construídas ao longo da sua escolarização, com as novas formas de
representação emergentes ao longo do curso e com os subsídios teórico-metodológicos
fornecidos pelas disciplinas curriculares, o que oferece mais e melhores condições para que
165

compreendam os contextos pedagógicos em suas múltiplas relações, de modo dialético.


Um professor formador avalia que “muitos alunos começam a trabalhar durante o curso.
Isso é ruim porque eles reproduzem essa ideia de ensino que eles adquiriram antes de
entrar no curso sobre educação, ensinar e aprender” (PF – SE).
Quando se referem ao modo pelo qual desenvolvem o trabalho em suas disciplinas,
os professores formadores demonstram a representação de que o curso de Pedagogia é
ineficiente e apresentam lacunas diante das demandas que lhe são atribuídas. Essa
representação se ancora, principalmente, em dois aspectos. O primeiro se refere novamente
à falta de articulação entre as disciplinas e o segundo consiste na avaliação negativa diante
do fato de que os estudantes não possuem experiências práticas no campo escolar e que
estão imersos numa cultura acadêmica que não os motiva a vivenciarem a Universidade em
sua totalidade, ou seja, no tripé formado pelos eixos do ensino, da pesquisa e da extensão.
A representação do fracasso da formação no curso de Pedagogia compreende
elementos que estão incorporados ao discurso dos professores formadores apresentados a
seguir:

O perfil do aluno de Pedagogia dificulta a condução do que eu gostaria e


que fosse mais eficaz. Quais são as características desses alunos? De
modo geral é o déficit cultural que é muito grande (PF – SE).

O curso falha porque é demasiadamente generalístico e superficial e os


alunos não tem nenhuma experiência na educação. Tudo fica muito solto
pra ele (PF – EE1);

Eu trabalho numa disciplina que reverbera as outras. Os alunos que não


aprenderam os fundamentos não vão conseguir fazer um bom projeto de
pesquisa (PF – PE2);

Os alunos não sabem o que é o pedagogo nem a pedagogia. Quando


falam em pedagogia, pensam logo em escola, apesar de não quererem
nem a escola. Eles falam isso. Eu estou no final do curso e eu pergunto
quantos querem ficar na escola... É o mínimo. Eles estão perdidos. Eles
passaram cinco anos aqui e não sabem o que vão fazer (PF – PE1).

[...] Na verdade, ninguém nunca leu um livro. E essa é uma turma


concluinte ou pré-concluintes [...] Passaram o curso lendo pedaços de
xérox (PF – DI).

Meu aluno hoje não lê os textos. Meu aluno hoje tem uma dificuldade de
ler, de entender o que está lendo. Junta a dificuldade gramatical com a
falta de uma leitura do mundo [...] Os alunos se formam dizendo que o
curso é muito teórico e quando chegam na prática acham que a escola é
uma bagunça (PF – PsE3).
166

Nesses trechos, é possível visualizar a centralidade do elemento “aluno” enquanto


objeto de ancoragem da representação do fracasso da formação no curso de Pedagogia. O
aluno de Pedagogia aparece como um sujeito com lacunas de escolarização, sem
experiência educativa, com déficit cultural e com baixo domínio de ferramentas
intelectuais necessárias para a formação superior, como a leitura e a escrita eficientes.
A situação relatada por uma professora formadora exprime a avaliação negativa que
os professores formadores fazem com relação ao aluno que apresenta déficit de
escolarização e que, por não se identificar com o curso, mantém um nível de adesão e
engajamento nas atividades de aprendizagem muito insatisfatório. Ela relata que

Eu passei um tempo com uma resistência muito grande de trabalhar com


a pedagogia, porque eu dizia assim: “Na pedagogia... é interessante, eles
os alunos) sabem tudo, não lêem nada e não sabem nada”. Eu tive
problemas sérios com uma disciplina de estágio. Eu dizia: “Gente, o
problema é sério, vocês nem têm o diploma na mão e têm um
comportamento de professor em véspera de aposentadoria” (PF – DI).

Os professores deixam claro que essas características afetam diretamente o


desempenho, a qualidade e o trabalho que ele busca desenvolver em sala de aula. Um
professor formador faz um contraponto a esse perfil de aluno, mostrando que outros alunos
do curso que tiveram experiências de formação proporcionadas por projetos de extensão e
pesquisa são reconhecidamente melhores avaliados e logram êxitos em concursos para
admissão profissional, exames institucionais e seleção em Programas de Pós-Graduação.
Para esse professor, “o aluno que está sob tutoria, que é orientado por um professor na
pesquisa ou na extensão, ou ainda na monitoria, é bem melhor qualificado. Aí as coisas
mudam” (PF – SE). Concorda-se que as atividades de integração e complementação
curricular são importantes vetores de formação que concorrem ao desenvolvimento de
competências acadêmicas e profissionais capazes de estruturas uma sólida base para que os
alunos mantenham um bom nível de desempenho em seus percursos de formação e
profissão. Silva, Brzezinski e Eickhoff sublinham que “desse modo, o incentivo para que
as alunas/os participem de atividades extraclasse deve constituir um diferencial para seu
desempenho como estudantes e após a conclusão do curso (2011, p.118).
Outrossim, é importante que essas atividades estejam alinhadas aos eixos do curso
de Pedagogia, para que, correspondendo à natureza da formação pedagógica, permitam aos
167

estudantes confrontar-se com situações em que possam realizar mediações teórico-práticas,


a partir do reconhecimento contextual e especializado da situação pedagógica em que estão
inseridos. Normalmente, nessas atividades os estudantes recuperam suas experiências
vivenciadas ao longo do curso, questionam a sua qualidade, avaliam seu desempenho e (se)
reconhecem (no)o espaço de realização profissional do pedagogo. A esse respeito, os
autores supracitados, com base em pesquisa desenvolvida, esclarecem que

[...] as experiências vivenciadas pelos sujeitos da pesquisa contribuem


para o sentimento de pertencimento, como profissionais da Pedagogia, às
práticas educativas. A busca pela identidade constitui um fator comum
em relação ao grupo investigado (SILVA, BRZEZINSKI e EICKHOFF,
2011, p.119).

Alguns professores formadores reconhecem que a cultura acadêmica dos estudantes


está associada ao nível de pertencimento ao curso e às circunstâncias que permearam a sua
escolha com relação ao mesmo. Os professores explicitam que um grupo significativo de
estudantes não se identifica com o projeto profissional do curso de Pedagogia. Segundo os
professores, isso ocorre devido ao fato de que o ingresso no curso era uma segunda opção e
em função da representação social de que, como o curso requer uma baixa pontuação para
tal ingresso, os estudantes não o valorizam. De acordo com uma professora formadora,
“como se sabe, a pontuação para entrar no curso é uma pontuação mais baixa. Eles acham
que o status do curso é menor e passa pela cabeça deles de que o curso é facinho” (PF –
PsE3). Numa atitude de avaliação, um professor formador considera todos esses aspectos e
faz a assertiva de que “isso mexe também com a auto-estima do estudante que se desdobra
numa passividade dele em relação ao curso, quando, comparativamente, ele se enxerga
com relação às outras áreas” (PF – SE). De fato, as representações sociais da Pedagogia
elaboradas nos contextos em que os estudantes estão inseridos, mantém ingerências na
identificação e no relacionamento que esses sujeitos terão com o projeto formativo do
curso, interferindo nas suas expectativas e reconhecimento profissional. A professora
formadora PF – PsE1 retrata um exemplo que ilustra essa situação ao narrar que “há alunos
que vêm se queixar comigo, dizendo: „Professora, eu amo meu curso, mas meu pai
reclama, minha prima fala isso...‟. Os familiares menosprezam a Pedagogia” (PF – PsE1).
Em seu discurso, essa mesma professora formadora discute que, ainda que os
estudantes não se identifiquem a priori com o curso ou que esse nível de identificação
tenha pouca intensidade devido às ingerências das representações sociais de Pedagogia, ela
168

percebe que durante os primeiros períodos letivos, tais estudantes acabam se envolvendo
com as disciplinas teóricas por elas ampliarem os horizontes do pensamento e os
colocarem em contato com tradições acadêmicas que fazem da Universidade um espaço
diferente de tudo o que havia experienciando na escola de Educação Básica. Outra
professora formadora assinala que o ingresso do sujeito na Universidade é para ele mesmo
uma oportunidade de conhecimento, de aperfeiçoamento, de desenvolvimento humano e
que, diante das possibilidades que as tradições acadêmicas comportam, “isso enche os
olhos dos estudantes” (PF – PsE3).
Nesse sentido, os professores formadores devem construir perspectivas de ensino
que despertem o estudante do curso de Pedagogia para a vivência do clima de desafio, de
desenvolvimento, de mudança e de potencialização do ato de conhecer intrínsecos aos
processos formativos na Educação Superior, atentando para os estímulos necessários a fim
de que este sujeito se envolva com as atividades de ensino, pesquisa e extensão, enquanto
espaços de construção de conhecimentos e competências acadêmico-profissionais.
Para tanto, o professor formador precisa desenvolver meios de dialogar com a
realidade do estudante, com suas limitações, potencialidades e, principalmente,
expectativas de atuação profissional, já que estas consistem num importante aspecto
configurado ao discurso dos professores como uma das referências que dão sentido às
necessidades de articulação entre teoria e prática nas disciplinas curriculares. Num
contexto em que o curso de Pedagogia é confrontado com múltiplas demandas
profissionais, os professores reiteram que “[...] o que a gente ensina no curso deve ter um
fim de trabalho. As pessoas não vêm aqui para serem cientistas apenas. Elas buscam uma
profissão” (PF – DI).
Ao considerar os elementos que perfazem as perspectivas de ensino dos professores
formadores no curso de Pedagogia, um aspecto importante de ser destacado é a
compreensão das expectativas profissionais dos alunos, por parte dos professores. É sabido
que, a partir do início da década de 2000, o campo profissional da Pedagogia tem passado
por uma ampliação constante, a qual está associada com a abrangência do conceito de
educação e práticas pedagógicas e com demandas de formação humana e profissional
impelidas pelas necessidades próprias da contemporaneidade.
Conforme já discutido no terceiro capítulo deste trabalho, os espaços de atuação do
pedagogo foram incorporados, de modo ambíguo e mal explicitado, às DCN como objetos
para desenvolvimento de competências profissionais no curso de Pedagogia, uma vez que,
169

ainda que sejam citados, parecem não ter importância nem legitimidade. Mesmo assim,
muitos estudantes ingressam no curso de Pedagogia alimentando expectativas de atuarem
como pedagogos não-escolares e, não necessariamente, como professores da Educação
Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Franco (2008) indica que os percursos
de formação no curso de Pedagogia devem propiciar ao estudante uma íntima relação com
os processos escolares, mas que não devem se esgotar nesse âmbito. O que se observou,
por meio a análise do discurso curricular do PPP, é que a ênfase na docência inviabiliza a
instituição de possibilidades de ressignificação da Pedagogia face às novas demandas
profissionais direcionadas ao pedagogo e, por conseguinte, reduz o horizonte de formação
no curso. Ao passo em que são centralizadas experiências e conteúdos formativos
relacionados às dinâmicas da docência escolar, mais precisamente no âmbito da Educação
Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Se, por um lado, a Pedagogia tem seus estatutos reorganizados em virtude da
emergência de novas formas de ensinar e aprender em contextos distintos ao do espaço
escolar, “[...] essa mesma Pedagogia está em baixa entre intelectuais e profissionais do
meio educacional, com uma forte tendência em identificá-la apenas com a docência,
quando não para desqualificá-la como campo de saberes específicos” (LIBÂNEO, 1999,
p.152). Os professores formadores, em sua maioria, representam o curso de Pedagogia
como um curso de formação de professores e, nesse sentido, exprimem um movimento de
significação que reduz o seu horizonte de ciência da e para a educação em suas múltiplas
dimensões e arranjos.
Entre os professores formadores que divergem desse modelo de representação, é
clara a responsabilidade formativa do curso de Pedagogia face às novas possibilidades de
engajamento profissional do pedagogo e das novas expectativas de profissionalização dos
estudantes. Para eles, o curso foi limitado pela centralidade da docência como princípio e
eixo formativo, a tal ponto que, para os estudantes, é frustrante e difícil reconhecer as
possibilidades de ser pedagogo em espaços não-escolares. Uma professora formadora
afirma que “[...] a gente restringiu demais o curso, o que eu acho que empobrece” (PF –
EE2). Outra professora formadora aprofunda mais essa reflexão discutindo que o curso, tal
qual ele está formatado e de acordo com o posicionamento de alguns professores, impõe a
formação docente para os alunos, ainda que os mesmos tenham outras expectativas
profissionais com relação à Pedagogia. Ela enuncia que
170

A escolha deve ser do aluno, ele deve optar por isso (a docência) e não
eu, como professora, que vou colocar só isto como a única alternativa
para o aluno [...] Do jeito que o curso está estruturado o curso não
permite uma opção. O aluno centra na escola o tempo todo. E aquele
aluno que não quer a escola? Ele não vai fazer o curso de Pedagogia
porque este curso só dá esta opção ao aluno? (PF – PE1).

A perspectiva de ensino explicitada por essa professora formadora se coaduna com


o discurso do professor PE-SE, visto que ele informa que

Tenho buscado ressaltar isso: que o curso não é somente para a Educação
Infantil, para a Educação Básica. Eu faço uma reflexão sobre a vida num
sentido mais amplo. Não é acaso que „vocês‟ tem essas disciplinas de
fundamentação da educação. A problemática educativa envolve outras
questões (PF – SE).

Foi possível identificar que os processos da educação não-escolar não são objetos
tematizados no discurso dos professores formadores quando se referem às questões
discutidas em suas disciplinas, às finalidades formativas do curso de Pedagogia e ao campo
de atuação do pedagogo. Portanto, estão fora dos esquemas que formam as perspectivas de
ensino orientadoras da ação docente no curso. Apenas os professores formadores que
manifestaram uma representação social de Pedagogia como um conhecimento e um curso
mais amplo que não é restrito à escola apontaram que, em suas aulas, discutem que o
pedagogo é um profissional cuja esfera de atuação é tão abrangente quanto abrangente é o
conceito de educação. Um professor formador inscrito no grupo ao qual essa forma de
representação social é vigente chega, inclusive, a criticar que o curso de Pedagogia
convive, atualmente, com formas arcaicas e tradicionais de representação do perfil do seu
egresso e que práticas inovadoras fundadas numa reengenharia curricular que se
compatibiliza com novas demandas pedagógicas, encontram dificuldades para permear o
contexto das Instituições formadoras. Essas Instituições, reguladas pelo discurso curricular
oficial representado pelas DCN, centralizam a docência como princípio e eixo de formação
do pedagogo, professor, consolidam essa tradição já estabelecida e são pouco flexíveis para
se abrirem a outras possibilidades formativas.
No discurso desse professor formador, essa circunstância é vista como um problema
que dificulta a reorganização do curso de Pedagogia, visando a sua aproximação com as
demandas da sociedade contemporânea. Ele afirma que
171

O que acontece no real, na prática, é a dificuldade de articulação dessas


novas propostas com uma formação que às vezes é tradicional e
centralizada em algumas linhas, dificultando aí a efetivação de novas
propostas de um pedagogo mais contemporâneo (PF – PE2).

A Pedagogia é uma ciência em constante mudança devido à natureza dinâmica ao


seu próprio objeto, a educação. Nesse sentido, o curso de Pedagogia necessita buscar
estabelecer formas de alinhamento contínuo com as demandas que emergem do campo
educacional em suas condições sociais e históricas, reordenando suas finalidades
formativas e desenhos curriculares. Muitas Instituições formadoras têm desenvolvido
estratégias que aliam tradições consolidadas, valores estabelecidos com novas demandas e
modelos de formação. Para isso, elas têm utilizado dispositivos de ensino-aprendizagem
que inserem o estudante numa dinâmica de reconhecimento e reflexão teórico-prática
acerca das condições que estruturam os múltiplos contextos de atuação do pedagogo nas
esferas escolar e não-escolar. Porém, as experiências dessas instituições permanecem
restritas ao seu próprio âmbito, “provavelmente porque requerem grandes reestruturações
que ultrapassam as energias e as vontades das instituições estabelecidas” (HOUSSAYE,
2004, p.29).
Ao longo do texto, em diversos momentos que se buscou discutir referenciais das
perspectivas de ensino dos professores formadores, é possível visualizar a emergência de
uma dimensão relevante das práticas docentes no curso de Pedagogia, qual seja, a gestão
do conhecimento disciplinar. Os professores formadores manifestam a perspectiva de o
curso de Pedagogia configura um projeto formativo que vai além do trabalho desenvolvido
em sua disciplina, por se estabelecer justamente no diálogo e colaboração entre de
conhecimentos e experiências de formação dispostas nos diversos componentes
curriculares. Por mais que, em seu discurso, estes sujeitos não deixem claro o significado
da sua disciplina no conjunto dos componentes curriculares, eles se referem à necessidade
de interação entre professores que ministram diferentes disciplinas como uma estratégia de
integração e contextualização dos saberes que buscam construir com os estudantes. Desse
modo, pode-se inferir que a gestão do conhecimento disciplinar é uma demanda didático-
curricular que expressa a preocupação dos professores formadores em superar a criticada
fragmentação e distanciamento entre aquilo que o estudante vivencia e aprende em cada
componente.
É legítimo investir na gestão do conhecimento disciplinar pela via da integração
entre os componentes curriculares, enfatizando as possibilidades de articulação e
172

complementaridade entre os diversos conhecimentos e experiências formativas, com vistas


a criar um contexto orgânico de aprendizagens, já que, na contemporaneidade, a qualidade
da formação não é determinada pelo acúmulo que os estudantes fazem de conhecimentos
isolados, mas na construção de uma racionalidade que opere a interlocução entre
conhecimentos teórico-metodológicos, práticos e experienciais face à complexidade do
problema pedagógico, seja este escolar ou não-escolar. Essas assertivas sinalizam a
importância das práticas de pesquisa enquanto eixos organizadores das experiências de
formação no curso de Pedagogia, pois, por meio da investigação, os estudantes são levados
a gerir os conhecimentos construídos ao longo do curso para abordar um dado objeto de
estudo, através de processos de problematização, mobilização de teorias e métodos, da
criatividade epistemológica e da descoberta científica. De acordo com Silva, Brzezinski e
Eickhoff, “se, no passado, o importante era dominar o saber, hoje é fundamental ter
competência para lidar com a diversidade de conhecimentos [...] A ferramenta utilizada
para essa conquista é a pesquisa” (2011, p.118).
As perspectivas que aliam à pesquisa ao ensino parecem responder afirmativamente
às demandas da sociedade contemporânea postas ao profissional da Pedagogia. Esse
profissional, representado socialmente de maneira majoritária como professor, deve
construir competências plurais para se inserir nas diversas dinâmicas de formação humana,
fazer interrogações que problematizem os elementos que as configuram, a partir dos
referenciais pedagógicos, e desenvolver formas de intervenções eficazes, contextualizadas
e fundamentadas cientificamente. Isto posto, o curso de Pedagogia deve investir num
projeto formativo que capacite o estudante a assumir uma postura ativa diante do
conhecimento, “substituindo a simples transmissão do conhecimento pelo engajamento dos
estudantes num processo que lhes permita interrogar o conhecimento elaborado [...]”
(ALMEIDA; PIMENTA, 2011, p.22-23).
Com exceção dos professores formadores que ministram a disciplina de Pesquisa
Educacional, o ensino para a pesquisa e pela pesquisa não consiste num princípio
formativo presente nas perspectivas de ensino dos professores pesquisados. Isso não quer
dizer que esses professores não busquem instituir um processo de construção do
conhecimento pelo estudante, mas que, como parâmetro metodológico, o ensino na e para a
pesquisa não desdobra estratégias didático-curriculares para gestão do conhecimento
disciplinar.
A pesquisa aparece, no discurso da maioria dos professores formadores, como uma
173

atividade complementar suprida pela participação dos estudantes em projetos institucionais


voltados especificamente para este fim. Com isso, os professores se distanciam da
perspectiva de ensino que configura a aula como um espaço de formação de profissionais
pesquisadores. Almeida e Pimenta destacam que a pesquisa deve ser intrínseca aos
processos formativos na Educação Superior, a fim de que a construção de sujeitos com
condições de interrogarem criticamente e realidade e assumirem uma postura ativa diante
do conhecimento possa se efetivar e organizar conteúdos e experiências de formação. Essas
autoras afirmam a importância de que, na sala de aula, os professores possam

[...] considerar o ensinar como atividade integrada ao pesquisar [...]


desenvolver habilidades de pesquisa que se integrem aos cursos e aos
processos formativos, superando uma iniciação científica que, por vezes,
isola o estudante do curso e se fixa nos laboratórios dos professores
(ALMEIDA; PIMENTA, 2011, p.23).

Brzezinski (2011) discute que o perfil do pedagogo formalizado nas DCN preconiza
a pesquisa como um processo construtor da identidade profissional de professores-
pesquisadores-gestores, configurando uma identidade unitas multiplex. Com uma dupla
ontogenia, o curso de Pedagogia é, ao mesmo tempo, licenciatura e bacharelado. Assim, o
curso requer uma organização que proporcione a integração de experiências formativas nos
âmbitos do ensino, da pesquisa e da extensão, a fim de que as vivências teórico-práticas do
estudante possam implicar a efetividade do projeto amplo, complexo e ambicioso de
formar esse pedagogo unitas multiplex. Nesse cenário de experiências integradas, a
pesquisa tem lugar central, uma vez que consiste ser o princípio, processo e ferramenta de
construção do conhecimento necessário às estratégias de compreensão e intervenção
intrínsecas ao campo profissional da Pedagogia.
A autora supracitada se refere a um princípio relativo à gestão do conhecimento
para afirmar como o curso de Pedagogia deve ser organizado. Ela afirma que o curso “deve
se pautar [...] no princípio da interdisciplinaridade e no trabalho coletivo assumido
politicamente pelos professores formadores [...]” (BRZEZINSKI, 2011, p.44). Tal
afirmativa ratifica a necessidade de que os professores formadores construam uma
perspectiva de ensino que compreenda iniciativas de gestão do conhecimento através de
colaboração interdisciplinar e da articulação proporcionada pelas instâncias gestores do
curso, principalmente a Coordenação Pedagógica.
O agir interdisciplinar revela um modo de significação da Pedagogia, pois através
174

dele os professores formadores concretizam uma ação que explicita a compreensão de que
a Pedagogia é a base de referência que deve permear os processos formativos em cada
disciplina, de modo articulado e colaborativamente assinalado. Acredita-se que quanto
mais o significado epistemológico da Pedagogia como Ciência da Educação for
consolidado como matriz mediadora das perspectivas de ensino no curso, os professores
formadores entenderão melhor as finalidades que sua disciplina adquire no currículo do
curso de formação inicial de pedagogos e as relações que ela pode ter com os demais
componentes curriculares.
Nesse sentido, é importante voltar-se para a significação da Pedagogia construída
pelos professores formadores, por meio de um processo complexo de elaboração de
representações sociais imbricadas com outros referenciais, entre eles o epistemológico.
Conforme já amplamente discutido nesse texto, a significação imprime marcas no trabalho
pedagógico desses professores e consiste num processo relevante que explica determinadas
configurações simbólicas contidas naquilo que os sujeitos praticam em seu exercício
profissional.
Ao longo do texto, destacou-se que o processo de significação da Pedagogia é
desdobrado em três campos, os quais comportam representações sociais específicas. O
primeiro campo, referente ao conhecimento pedagógico, é atravessado por duas principais
formas de representação que formam dois grupos de professores formadores: o
conhecimento pedagógico como um tipo de conhecimento relativo ao universo escolar, às
técnicas de ensino e o conhecimento pedagógico como um conhecimento mais amplo,
abrangendo esferas de educação não-escolar. O segundo campo é referente ao curso de
Pedagogia e o terceiro ao profissional pedagogo. Em ambos os campos, foram
identificadas representações sociais associadas àquelas que atravessam o primeiro campo.
O pedagogo e o curso de Pedagogia são representados, por um grupo de professores, como
um professor e como espaço de formação de docentes, respectivamente, e, por outro grupo,
como um profissional da educação em seu sentido amplo e como um âmbito de estudos,
pesquisas e formação de profissionais para atuarem em setores da educação escolar e não-
escolar.
O movimento complexo de significação vai definindo o processo de atribuição de
significados àquilo que o professor formador ensina e às experiências que deve mediar em
sua disciplina, influenciando, também, a construção de sua profissionalidade. Diante disso,
a significação se imbrica às perspectivas de ensino, definindo-as, organizando-as,
175

colocando-as em um contexto de escolhas, decisões e interações coletivas, as quais se dão


nos espaços e tempos do ser e estar docente numa Instituição de Ensino Superior, no curso
de Pedagogia.
176

5 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS: INDICATIVOS CURRICULARES E


METODOLÓGICOS

Tratou-se, neste trabalho, de compreender o processo de significação da Pedagogia


elaborado por professores formadores em atuação no curso de formação inicial de
pedagogos, partindo do princípio de que tal processo é construtivo das perspectivas de
ensino, através das quais este professor formador empreende práticas formativas
assinaladas por propósitos e intencionalidades. Buscou-se evidenciar a relevância de
estudar os processos de ensino-aprendizagem no curso de Pedagogia em uma dimensão
que suplanta a abordagem técnico-instrumental, comumente configurada à pesquisa
tradicional em Didática, ao passo em que foi conferida centralidade ao aspecto simbólico
constitutivo das dinâmicas formativas. Assumir um ponto de vista metodológico que
preconiza o aspecto simbólico das dinâmicas formativas implicou na busca da
compreensão das perspectivas de ensino no curso de Pedagogia, a partir dos significados
construídos pelos professores formadores em torno de três campos de significação, quais
sejam, o campo do conhecimento pedagógico, da formação pedagógica e da profissão do
pedagogo. A fim de que a significação fosse apreendida enquanto um processo dinâmico e
multirreferencial que baliza elementos ideológicos, políticos, epistemológicos e
pedagógicos, tendo como meio e ferramenta de configuração própria da atividade
discursiva, mobilizou-se as categorias teórico-metodológicas providas pela Teoria das
Representações Sociais (TRS) e da Teoria Dialógica do Discurso (TDD).
Considerando as características epistêmico-metodológicas da TRS e TDD, esse
trabalho foi conjecturado como uma pesquisa qualitativa, de natureza exploratória e
explicativa, que compreendeu a análise do discurso e das representações sociais como
operações pertinentes para construção e compreensão dos dados necessários à abordagem
do fenômeno, em seus múltiplos nexos, para o qual se volta. Assim, o delineamento
metodológico deste trabalho foi organizado de modo a mapear e compreender, num
primeiro nível, as marcas epistemológicas que estruturam o significado de Pedagogia no
discurso curricular imbricado às Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de
Pedagogia (DCN), e, num segundo nível, a abordar e analisar os elementos e a
configuração da significação elaborada pelos professores deste curso, considerando a
premissa de que a significação consiste numa prática discursiva que é, no interior de um
movimento dialógico, construída por e construtiva de representações sociais.
177

A base de fundamentação teórico-conceitual para discutir o significado


epistemológico da Pedagogia foi construída através do diálogo problematizador das
concepções que, historicamente, têm representado formas de compreensão do
conhecimento pedagógico. Nesse sentido, ao longo do capítulo III deste trabalho, foram
elaboradas críticas acerca da forma pela qual a Pedagogia foi se afastando de uma
abordagem complexa e multirreferencial do seu objeto, a educação em sua integralidade.
Após considerar os principais marcos que constituem o trajeto histórico de significação
epistemológica da Pedagogia, desde a época de sua emergência na Grécia Antiga, passando
pelo período em que foi concebida como Ciência da Instrução na Modernidade, até a fase
em que está dissolvida no que se denominou como Ciências da Educação, foi proposto que
o entendimento da Pedagogia como Ciência da Educação representa uma forma vigorosa e
renovadora de significar a natureza epistemológica do conhecimento pedagógico, a
finalidade formativa do curso de Pedagogia e as potencialidades intrínsecas à intervenção
profissional do pedagogo para além de um técnico da instrução escolar ou professor da
Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
A significação epistemológica da Pedagogia amplia as fronteiras do seu campo
científico-social, levando-a a abranger todo tipo de conhecimento relativo aos processos de
formação humana, ocorridos em situações de educação formal, informal e não-formal.
Desse modo, o conhecimento pedagógico deve ser entendido como uma elaboração
sistemática, crítica, contextualizada e complexa que não se resume aos saberes-fazeres
didáticos ou aos saberes-fazeres da prática e da experiência, uma vez que, para ser
constituído, exige uma reflexão pautada pelos fundamentos da ciência pedagógica, sem
excluir, obviamente, a necessária interlocução com as dinâmicas e substratos da
prática/experiência, enquanto cenário de realizações dos eventos educativos e de produção
de referenciais que contextualizam e também orientam a conduta dos sujeitos.
Esse modo de significação epistemológica da Pedagogia foi adotado como
referencial de análise do discurso curricular manifestado nas DCN e no PPP do curso de
Pedagogia do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba (CE-UFPB). A
análise possibilitou evidenciar a ausência de um modo de significação epistemológica
consistente e fundamentado nos documentos analisados. Em ambos, a dimensão teórico-
conceitual da Pedagogia e a natureza do conhecimento pedagógico não são explicitados.
Contudo, em virtude das possibilidades oferecidas pela análise do discurso, observou-se a
existência de configurações discursivas que revelam marcas epistemológicas, as quais,
178

ainda que rudimentares e superficiais, demonstram haver uma tendência de significação da


Pedagogia como tecnologia da ação docente, mais especificamente daquela processada nos
âmbitos da Educação Infantil e nos Anos Iniciais. A centralidade da docência como
princípio e objeto formativo no curso de Pedagogia é tida como um aspecto problemático
que fragiliza o estatuto epistemológico do conhecimento pedagógico, uma vez que
expressa a concepção de que o que o conteúdo do curso se destina, quase que
exclusivamente, aos processos de ensino-aprendizagem ocorridos nos âmbitos citados, por
mais que se encontre no texto das DCN e do PPP, o tímido e insipiente pressuposto de que
o pedagogo deve ser formado para intervir em realidades educativas distintas da escola.
Observou-se que, embora haja tal pressuposto, os conteúdos e experiências formativas
propostas pelo discurso curricular para a formação do pedagogo como profissional da
educação não-escolar, prescindem da necessária fundamentação teórico-metodológica e de
parâmetros operativos que demonstrem como, de fato, essa orientação formativa pode se
dar. O mesmo não ocorre com a docência enquanto princípio organizativo e foco formativo
do curso.
Se por um lado a fundamentação teórico-metodológica e os parâmetros
operacionais necessários para a organização dos conteúdos e das experiências de formação
do pedagogo não-escolar não são explicitados, os percursos de formação para a docência
são muito bem delineados, a partir da afirmação de conhecimentos, competências e
habilidades profissionais. Nesse sentido, cabe questionar até que ponto o discurso
curricular das DCN e do PPP representa uma resposta das Instituições de Ensino Superior e
do Conselho Nacional da Educação (CNE) às demandas da sociedade contemporânea no
campo dos processos de formação humana. À medida que novos espaços educativos vão se
consolidando nas mais diversas esferas sociais e organizacionais, o curso de Pedagogia
retroage manifestando uma clara tendência de centralizar a formação docente em
detrimento da profissionalização de indivíduos capazes de imprimir sentido pedagógico
naqueles espaços. Sublinha-se a necessidade de que, durante o curso de Pedagogia, o
estudante seja levado a visualizar e compreender as possibilidades de novos engajamentos
profissionais que não estão limitadas ao espaço escolar, bem como a refletirem acerca de
quais saberes e experiências devem possuir para construírem competências e habilidades
que lhes permitam configurar estratégias de intervenção pedagógicas legítimas e
contextualizadas, considerado as especificidades que perfazem cada novo cenário
educativo, com seus sujeitos e suas sistemáticas próprias.
179

Desse modo, a significação epistemológica da Pedagogia como Ciência da


Educação implica numa nova racionalidade que deve presidir a formação inicial de
pedagogos, compatibilizando-a ao ritmo das transformações na sociedade contemporânea,
não apenas sob o aspecto econômico-mercadológico, como muitas pessoas e organismos
criticam, mas sob o argumento de que, assim como quaisquer outras ciências, a Pedagogia
segue se reorganizando de acordo com as possibilidades que o tempo histórico presente lhe
inspira. Inclusive, a ação do pedagogo em outros nichos diferentes da escola pode ser um
dispositivo capaz de operar mudanças qualitativas nos modos de condução da formação e
na gestão das pessoas, orientando práticas para a promoção da capacidade de pensamento
crítico-compreensivo, de problematização social e emancipação.
Ainda no que se refere às marcas epistemológicas de significação da Pedagogia no
discurso curricular expresso pelas DCN e pelo PPP analisado, percebeu-se que ambos os
documentos, embora também não façam referências explícitas, parecem ser assinalados
pelo paradigma das Ciências da Educação. Conforme discutido em seções do capítulo III
deste trabalho, tal paradigma representou uma estratégia de reposicionar o status do
conhecimento sobre a educação no intercurso dos séculos XIX e XX e sua finalidade foi a
de reunir todos os conhecimentos necessários à modernização das práticas educativas
produzidos nas mais diversas ciências, inserindo-os numa área multi-interdisciplinar. Por
isso mesmo, considera-se que, conforme explicitam os autores referenciados no texto, as
Ciências da Educação ao invés de proporcionarem a reconstituição epistemológica da
Pedagogia, diante da crítica feita ao caráter obsoleto e retrógrado do conhecimento
pedagógico na visão anterior a este paradigma, complicaram ainda mais a questão da sua
especificidade, sendo muito mais um dispositivo organizacional do que uma corrente
epistemológica.
Em virtude do compartilhamento de traços constitutivos, a análise do discurso
curricular permitiu considerar que há a existência do fenômeno da intertextualidade entre
as DCN e a PPP, no que se refere à significação epistemológica da Pedagogia. Derivando
de equívocos conceituais acerca do que é Pedagogia, a organização curricular contida no
PPP analisado não possui nenhuma disciplina que proporcione, efetivamente, aos
estudantes uma visão mais ampla sobre o fenômeno educacional como objeto da Ciência
Pedagógica, havendo, tão somente, alguns componentes curriculares em que são previstos
estudos relacionados a alguma dimensão que constitui a educação como um objeto
fracionado disperso nos campos das referidas Ciências da Educação. Os componentes
180

curriculares, quais sejam, Filosofia da Educação I, Sociologia da Educação I, Psicologia da


Educação II, Fundamentos Epistemológicos da Educação, Didática e Pesquisa
Educacional, serviram de critérios para escolha dos professores formadores que foram
entrevistados.
Através da análise do discurso dos professores formadores, proporcionada pela
realização das entrevistas semi-estruturadas, foi possível identificar e compreender os
impactos que as representações sociais possuem na construção das perspectivas de ensino
desses sujeitos. Para o desencadeamento da análise, consideraram-se alguns pressupostos
fundamentais. O primeiro deles é que as práticas docentes não podem ser compreendidas
em sua natureza simbólica sem que sejam consideradas as fontes e referenciais
mobilizados pelos professores formadores. Essas fontes e referenciais são amalgamadas
por perspectivas que, por sua vez, informam as práticas. As perspectivas estruturam a ação
docente e funcionam como parâmetro de análise e avaliação das situações e dimensões
relacionadas ao universo de questões que perfazem o universo profissional dos professores.
Como produto e processo simbólico, as perspectivas de ensino são atravessadas por
representações sociais elaboradas no contexto das interações sociais que ocorrem no
cotidiano prático dos espaços nos quais os professores estão inseridos. Logo, ao conceber
as perspectivas de ensino como resultantes de processos de significação e que, como tal,
consistem num dado simbólico emergente das interações sociais, fez-se necessário a
investigação das representações sociais envolvidas nesse processo.
Outro pressuposto fundamental consiste na ideia de que a análise do discurso dos
professores formadores, concebida sob os aportes da Teoria Dialógica de Bakhtin, não
pode prescindir de considerações acerca das condições sócio-históricas e materiais que
perfazem o contexto institucional em que estes se encontram inseridos. Outrossim, é
imprescindível levar em consideração de que o processo de significação se estabelece num
continuum histórico, ou seja, não deve ser entendido como algo cuja explicação depende
apenas de fatores datados no presente, uma vez que sua configuração é determinada por
uma cadeia de eventos, elementos, experiências que foram se sucedendo ao longo da
história individual e coletiva dos sujeitos em seus tempos e espaços de socialização
profissional.
Por esse motivo, a análise do discurso dos professores formadores, visando
compreender a significação da Pedagogia e o modo pelo qual a mesma se imbrica nas
perspectivas de ensino investidas para o desenvolvimento da ação docente no curso, foi
181

complementada pela análise do perfil de formação e atuação desses sujeitos, bem como às
questões mais amplas que se colocam quando os mesmos buscam se localizar enquanto
docentes na Educação Superior.
Nesse sentido, é importante ressaltar que algumas dimensões da significação da
Pedagogia e das perspectivas de ensino dos professores formadores recebem influências
pela variável tempo de exercício na Educação Básica, do mesmo modo que os trajetos de
profissionalização explicam a forma de adesão desse professor ao projeto formativo do
curso de Pedagogia.
A análise do discurso permitiu o desvelamento de aspectos importantes que servem
para descrição e compreensão da dinâmica simbólica e intersubjetiva envolvida na
significação. De modo geral, no que se refere à significação da Pedagogia, observou-se um
fluxo de correlações entre representações sociais e referências epistemológicas, o que torna
o significado um dado polifásico e confirma a premissa de que o pensamento é dialógico
por natureza, seja do ponto de vista de que ele articula fontes diferentes ou do ponto de
vista da relação entre o pensamento, a linguagem e a interação verbal.
Foi observado que a significação da Pedagogia, sendo um processo dinâmico,
complexo e polifásico, se desdobra em três campos distintos, porém associados. Cada
campo é permeado por representações sociais também distintas e associadas entre si.
O primeiro campo consiste no campo das representações sociais sobre o
conhecimento pedagógico. Nesse campo, identificou-se a existência de duas formas
representacionais: a primeira correspondente ao conhecimento pedagógico enquanto uma
forma de saber tecnológico relativo ao ensino e à instrução escolar, enquanto que a
segunda configura o conhecimento da Pedagogia como uma forma de saber mais ampla
que abrange diversos níveis e elementos da prática social da educação. A primeira
representação social foi identificada no discurso dos professores formadores que tinham
um tempo maior de experiência na Educação Básica. Esses mesmos professores
demonstraram que o problema maior do curso de Pedagogia é a formação para a prática
docente. Logo, constata-se uma harmonia existente entre a representação social do
conhecimento pedagógico como tecnologia docente e a finalidade formativa do curso de
Pedagogia como sendo o desenvolvimento de competências e habilidades para a prática da
docência. Essa forma de representação social foi a mais recorrente entre os professores
formadores.
O segundo campo da significação da Pedagogia é permeado por representações
182

sociais em torno da natureza do curso de Pedagogia. As representações sociais do primeiro


campo estão desdobradas nesse campo, de modo que o curso de Pedagogia foi
representado também de duas formas. Na primeira, ele aparece como um curso de
formação de professores e, na segunda, como um espaço de profissionalização de
pedagogos para atuarem em cenários escolares e não-escolares. Na esteira do segundo
campo, o terceiro é consubstanciado por duas formas de representações sociais reportadas
à profissão do pedagogo, quais sejam: a primeira configurando o pedagogo como professor
de crianças e a segunda configurando-o como gestor escolar e profissional da educação em
seu sentido mais amplo.
A educação não-escolar só aparece como objeto de aprendizagens no curso de
Pedagogia só aparece nas perspectivas de ensino dos professores formadores que
manifestaram as formas de representações sociais com menor ocorrência entre os
professores pesquisados.
Ao falarem sobre aquilo que consideram mais importante no curso de Pedagogia,
sobre as demandas formativas do curso e sobre o que levam em consideração para compor
suas perspectivas de ensino, nenhum professor formador fez referência explícita ao PPP,
nem às DCN. Considerando que PPP é um documento construído coletivamente, pode-se
inferir que o seu impacto efetivo nas práticas de ensino é dificultado por obstáculos ligados
à falta de articulação coletiva entre professores. Essa articulação é viabilizada, entre outros
aspectos e mecanismos, pela ação mediadora da Coordenação Pedagógica, sobretudo
porque o corpo docente do curso de Pedagogia é constituído por um grupo heterogêneo de
sujeitos com diferentes perfis de formação. É necessário que o PPP seja objeto constante de
revisão, discussão e alinhamento contínuo às novas demandas que, constantemente, vão
sendo postas para o curso. É fundamental que esse processo aconteça de forma permanente
e abranja e mobilize o conjunto de professores em atuação no curso. Os professores
formadores que participaram da pesquisa destacaram a ineficiência do organismo de
Coordenação Pedagógica do curso de Pedagogia no CE-UFPB, assinalando também que
são conscientes de que, havendo tal ineficiência, a tarefa de gestão interdisciplinar do
conhecimento dispostos nas disciplinas do curso fica cada vez mais dificultada.
Os professores formadores consideram importante a discussão sobre a identidade
da Pedagogia e do pedagogo, porém não souberam localizar como que,
metodologicamente, pode ser operacionalizada. Isso se deve ao próprio trajeto de
profissionalização dos professores, o qual não os forneceu subsídios teórico-conceituais
183

que lhes permitisse compreender o estatuto epistemológico da Pedagogia. Por outro lado,
também resulta da circunstância de falta de consenso acerca dessa questão que, vale
salientar, é polêmica e repleta de contradições e ambivalências.
Os professores formadores, em sua grande maioria, reconhecem a fragilidade do
curso de Pedagogia e uma das possíveis vias para superar tal problemática e qualificar os
processos de ensino-aprendizagem no curso parece ser a ressignificação da Pedagogia, de
modo a configurá-la como Ciência Práxica da e para a Educação. Esse modo de significar a
Pedagogia, tal qual já foi abordado ao longo do texto, reposiciona as finalidades formativas
desse curso, a partir da colocação de questões que só podem ser analisadas sob os aportes
do paradigma epistemológico da Ciência da Educação. Significar a Pedagogia como
Ciência da Educação implica repensar a centralidade da docência na formação de
pedagogos e, em conseqüência, assumir uma nova profissionalidade do pedagogo.
É responsabilidade da Instituição de Ensino Superior planejar e desenvolver
estratégias de formação continuada dos professores formadores, a fim de os colocarem em
contato com temas mais gerais sobre o curso de Pedagogia que extrapolam os limites dos
interesses e objetos particulares de pesquisa e ensino, além de suprir as limitações dos
trajetos formativos de alguns docentes que não passaram por cursos de graduação e pós-
graduação na área de Educação.
As iniciativas de formação continuada na Educação Superior muitas vezes esbarram
com posturas dogmáticas de alguns docentes que alimentam a crença de que o domínio dos
conteúdos que performam o campo de conhecimentos representados por sua disciplina já é
suficiente para formar profissionais no curso de Pedagogia. Na medida em que os
professores formadores não discutem temas gerais da Pedagogia que atravessam quaisquer
componentes curriculares, como, por exemplo, a identidade do conhecimento pedagógico e
do pedagogo, os territórios disciplinares se consolidam e as possibilidades de instituir uma
base comum de diálogo entre as disciplinas ficam cada vez mais remotas.
Portanto, é importante que as estratégias de formação continuada focalizem a
necessidade das disciplinas dialogarem entre si a partir de pressupostos globais sobre o
curso de Pedagogia. Contudo, o investimento formativo deve possibilitar não apenas o
acesso e aproximação dos professores com relação aos temas globais da Pedagogia, mas
que isso seja feito de modo a instituir possibilidades que promovam a desconstrução de
preconceitos acadêmicos e científicos, alterando a configuração estrutural das
representações sociais que simplificam e reduzem o conteúdo e a natureza epistemológica
184

da Pedagogia. Assim, os modos de significação da Pedagogia serão alimentados por fontes


renovadoras das perspectivas de ensino dos professores formadores, impactando mudanças
operadoras de novos critérios e descritores de qualidade da formação inicial de pedagogos.
Caso a prática pedagógica não seja vista em sua complexidade, a qual está ligada
diretamente à natureza epistemológica da Pedagogia, o praticismo expresso na
preocupação dos professores em preconizar as experiências práticas ao longo da formação
do pedagogo pode implicar no esvaziamento teórico dessa formação, ao invés de contribuir
efetivamente com a construção de competências e habilidades profissionais voltadas para a
gestão do saber-fazer educativo.
O curso de Pedagogia não deve ter-ser um currículo-depósito de conhecimentos
desarticulados sem vinculação entre si, haja vista a premissa de que a formação do
pedagogo precisa ser concebida a partir de um ponto de vista que considere a organicidade
entre todos os conhecimentos e experiências de ensino-aprendizagem. A Pedagogia,
Ciência da Educação, terá seu lugar específico como princípio organizador das diversas
disciplinas, sendo capaz de amalgamá-las e superar a fragmentação disciplinar tão criticada
pelos professores formadores que colaboraram com esta pesquisa.
A organicidade curricular pode vir a ser alcançada através de diferentes dispositivos
pedagógicos. Entre eles, encontra-se a estratégia de inserção de disciplinas básicas sobre
temas identitários da Pedagogia, as quais devem configurar o conjunto de componentes
curriculares nos primeiros períodos letivos do curso. Algumas instituições de qualidade
formativa reconhecida já têm, a longo tempo, disciplinas dessa natureza contidas em suas
matrizes curriculares. A terminologia das disciplinas é algo que varia, porém, em tese, elas
se destinam ao estudo geral sobre a problemática da identidade da Pedagogia e possuem,
entre seus objetivos constitutivos, a finalidade de propiciar ao aluno ingressante no curso
de Pedagogia o acesso e a reflexão em torno de questões que influenciam diretamente as
formas de significação e representação social das diversas dimensões do curso. Introdução
à Pedagogia, Pedagogia Geral, Fundamentos da Pedagogia, Epistemologia da Pedagogia,
Teoria da Pedagogia etc, são possibilidades terminológicas para denominar essa disciplina
chave na construção de percursos formativos mais fundamentados e epistemologicamente
referenciados.
Presume-se que, ao cursarem essa disciplina, os estudantes poderão constituir uma
base de elementos críticos que se tornarão subsídios para que avaliem as finalidades e os
modos de realização dos processos de ensino-aprendizagem realizados nos demais
185

componentes curriculares, pois a consciência dos fundamentos aos quais o curso de


Pedagogia deve corresponder pode levar esses sujeitos a assumirem uma postura reflexiva
com relação ao conhecimento e intencionalidades intrínsecas a cada campo disciplinar que
visa colaborar com a formação do pedagogo.
O grande desafio para o curso de Pedagogia é que nele sejam instituídos processos
de ressignificação das conjecturas simbólicas elaboradas para representar o conhecimento
pedagógico, a formação e a atuação do pedagogo. Trata-se de voltar a atenção para
dimensões internas do curso, enquanto se mantém o movimento de ampliação de suas
fronteiras para corresponder afirmativa e criticamente aos anseios da sociedade
contemporânea. Parece ser indispensável esse movimento centrípeto, através do qual os
sujeitos do curso, professores formadores e estudantes, recuperam a longa trajetória
histórica que perfaz as fases de seu desenvolvimento para compreenderem tradições
teórico-metodológicas do campo pedagógico que impactaram modos de significação
epistemológica da Pedagogia. Só então, contando com esse exame crítico-reflexivo que
não torna a incursão histórica obsoleta ou sem relevância, os sujeitos do curso de
Pedagogia podem avançar consciente e intencionalmente na configuração de um projeto
formativo renovado e fiel àquilo que imprime a marca identitária da própria Pedagogia, sua
dimensão de práxis teórico-prática. Sob esse argumento, o currículo do curso será
reorganizado de modo a estabelecer uma ruptura com o modelo dissociativo de disciplinas
teóricas, normalmente denominadas de fundamentos da Educação, e disciplinas práticas,
também conhecidas como disciplinas pedagógicas. Defende-se que todo e qualquer
componente curricular do curso de Pedagogia é pedagógico, desde aquele com um viés
mais teórico-conceitual, àquele com uma dimensão técnico-operativa mais evidente.
Porém, todos eles precisam ser constituídos no entremeio dialógico da teoria e da prática,
porque práxica é a racionalidade pedagógica, porque a Pedagogia detém, ao mesmo tempo,
um amplo universo de referências capazes de orientar o pensar e o fazer educativos.
Finalmente, essa pesquisa, por meio do movimento reflexivo que lhe é intrínseco,
permite concluir que para a maioria dos professores formadores o significado da Pedagogia
não se constitui como matriz de referência para a construção das perspectivas de ensino no
curso de formação inicial de pedagogos. Essa problemática justifica o empreendimento de
estratégias que concorram à ressignificação da Pedagogia e ao seu reposicionamento no
hall dos elementos que definem e orientam os processos formativos no curso.
186

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APÊNDICES
192

APÊNDICE 1 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)


Universidade Federal da Paraíba
Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Campus I, Cidade Universitária. Castelo Branco.
João Pessoa – Paraíba. CEP: 58031-900
Site institucional: www.ce.ufpb.br/ppge

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado(a),

Eu, José Leonardo Rolim de Lima Severo, mestrando em Educação no PPGE – UFPB, sob a orientação da
Profa. Dra. Sonia de Almeida Pimenta, estou realizando uma pesquisa que tem como objetivo conhecer a
significação de Pedagogia dos professores que atuam no curso de Pedagogia da Universidade Federal da
Paraíba, e compreender como ela se relaciona com as perspectivas formativas investidas para o
desenvolvimento dos processos de ensino-aprendizagem no referido curso.

Para efetivação da pesquisa, gostaríamos de contar com sua colaboração por meio da atribuição de respostas
a este roteiro de questões. Para que você possa respondê-la com a máxima sinceridade e liberdade, queremos
garantir que a pesquisa segue os termos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Desse modo, o
fornecimento de informações deve ser livremente consentido, sendo garantido: a) o sigilo da privacidade do
participante quanto aos dados de identificação e resultados obtidos; b) que as informações sobre o estudo
serão fornecidas pelo pesquisador para que o participante possa decidir livremente sobre sua participação na
pesquisa; c) as informações prestadas pelo participante durante a pesquisa não implicará em riscos ou
benefícios a ele; d) a liberdade de recusar a participação ou retirar o consentimento, a qualquer momento.

A fim de que possamos levantar os dados necessários ao desenvolvimento da pesquisa, solicitamos que você
manifeste sua aceitação em participar deste estudo assinando esse termo e inserindo um número de
documentação pessoal.

Na expectativa de contar com sua colaboração, agradecemos a sua atenção e colocamo-nos à disposição para
esclarecer quaisquer dúvidas.

Diante do exposto, declaro que fui devidamente esclarecido(a) e dou o meu consentimento para
participar da pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente que receberei uma cópia desse
documento.

_________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa

_________________________________________
Assinatura da testemunha

Contato com o Pesquisador Responsável:

Caso necessite de maiores informações sobre o presente estudo, favor ligar para o pesquisador através do
número (83) 9664-6353 ou entrar em contato por meio do endereço que consta no cabeçalho deste Termo.

Atenciosamente,

___________________________________________ Data: _____ de _____________ de ________

Assinatura do Pesquisador Responsável


193

APÊNDICE 2 – Formulário de identificação dos professores formadores

1 Idade: __________________ 2 Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino

3 Formação acadêmica

3.1 Graduação – Bacharelado ( ) Licenciatura ( )

Curso:_______________________________________________ Ano de conclusão:________

3.2 Pós – Graduação

Especialização – Área: _________________________________ Ano de conclusão:________

Mestrado – Área:______________________________________ Ano de conclusão:________

Doutorado – Área:_____________________________________ Ano de conclusão:________

3.3 Pós-Doutorado

Área:________________________________________________ Ano de conclusão:________

4 Tempo total de exercício da docência no Ensino Superior:

( ) Menos de 1 ano ( ) De 1 a 5 anos ( ) De 6 a 10 anos ( ) De 11 a 15 anos


( ) De 16 a 20 anos ( ) De 21 a 25 anos ( ) De 26 a 30 anos ( ) Acima de 30 anos: ______

5 Antes de iniciar sua carreira como docente no Ensino Superior, você já possuía experiência em outro nível/modalidade
de ensino? ( ) Sim ( ) Não

- Qual o nível/modalidade? _____________________________________________________________________

- Qual a função desempenhada?__________________________________________________________________

- Qual o tempo de duração? _____________________________________________________________________

6 Qual(is) disciplina(s) você atualmente leciona no curso de Pedagogia?

___________________________________________________________________________________________

7 Além de disciplinas no curso de Pedagogia, você ministra outra(s) disciplina(s) em outro(s) curso(s) de Licenciatura?
( ) Sim ( ) Não

Quais______________________________________________________________________________________

8 Além de ministrar aulas, você desempenha alguma outra atividade no âmbito da Universidade? ( ) Sim ( ) Não

-Qual?_______________________________________________________________________________________

91 Você atua em algum Programa de Pós-Graduação? ( ) Sim ( ) Não

a) Se a resposta for positiva:

- Quais as disciplinas que você ministra? _____________________________________________________________

- Qual o seu tema de pesquisa? _____________________________________________________________________


194

APÊNDICE 3 – ROTEIRO PARA REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS SEMI-


ESTRUTURADAS

Universidade Federal da Paraíba


Centro de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Campus I, Cidade Universitária. Castelo Branco.
João Pessoa – Paraíba. CEP: 58031-900
Site institucional: www.ce.ufpb.br/ppge

Pesquisador: José Leonardo Rolim de Lima Severo

1) Conte-me um pouco sobre o trabalho que você desenvolve na sua disciplina.


- Ressaltar objetivos, metodologias empregadas, dificuldades, anseios, satisfações etc.

2) Como você vê o curso de Pedagogia em sua atual conjuntura?


- Ressaltar aspectos positivos e negativos, desafios etc.

3) Como você vê o(a) estudante do curso de Pedagogia?

4) Você considera que a identidade da Pedagogia e a do pedagogo é um problema


para o curso de Pedagogia?

5) Como você definiria a Pedagogia?

6) Você considera que é importante para os alunos do curso construir uma concepção
de Pedagogia?

7) Como a sua disciplina tem contribuído para que os alunos construam uma
concepção de Pedagogia?

8) Você se identifica profissionalmente com o curso de Pedagogia?

9) Para você, quem é o(a) egresso(a) do curso de Pedagogia?

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